Deputados federais do Partido Liberal (PL) foram denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) ao Supremo Tribunal Federal (STF) por ações criminosas. Portal de notícias UOL divulgou, em 17 de setembro, matéria sobre a denúncia apresentada contra três Segundo reportagem do UOL Notícias, Josimar Maranhãozinho (PL-MA), Pastor Gil (PL-MA) e Bosco Costa (PL-SE) são acusados de corrupção passiva e organização criminosa em um suposto esquema de desvio de recursos provenientes de emendas parlamentares.
A denúncia, de acordo com o UOL, aponta para o possível desvio de R$ 1,6 milhão em verbas destinadas à Prefeitura de São José de Ribamar, no Maranhão. O ministro Cristiano Zanin, relator do caso, intimou os acusados a apresentarem suas defesas, e a Primeira Turma do STF decidirá sobre a abertura de ação penal.
Esta notícia foi coletada no radar do Bereia para verificar se os deputados denunciados têm identidade religiosa e histórico de outras ilegalidades.
O caso
A PGR denunciou os três deputados e outras seis pessoas envolvidas em um esquema de desvio de recursos destinados à Prefeitura de São José de Ribamar, no Maranhão, cidade de 244.579 habitantes, localizada na região metropolitana de São Luís Os parlamentares teriam enviado emendas visando receber parte dos valores de volta, no total de R$ 1,6 milhão. O ex-prefeito Eudes Sampaio relatou à Polícia Federal ter sofrido extorsões do grupo para repassar parte dos recursos.
A investigação, iniciada em 2021, coincidiu com a vigência do “orçamento secreto”, criado durante o.governo de Jair Bolsonaro (2019-2022), mecanismo de emendas parlamentares incluídas nas contas federais. Este tipo de política permitiu a deputados e senadores reivindicarem o uso de verbas públicas a que têm direito, para projetos em seus estados, porém sem identificação da finalidade, o que tornou possível contratos superfaturados e facilitou desvios de recursos públicos. Depois de ações com denúncias sobre suas consequências, o “orçamento secreto para parlamentares” foi declarado inconstitucional pelo STF, em 2022.
No caso do Maranhão, documentos apresentados nas denúncias incluem trocas de mensagens que evidenciam a pressão exercida sobre o prefeito do município. O caso permanece em sigilo no STF.
Quem são os denunciados?
Deputados federais do Partido Liberal (PL) estão envolvidos na denúncia: Josimar Maranhãozinho (MA), Pastor Gil (MA) e Bosco Costa (SE). Bereia levantou o perfil de cada um, com atenção à identidade religiosa e a relação deles com as mídias, em especial com a publicação de desinformação.
Josimar Maranhãozinho
Josimar Cunha Rodrigues, conhecido como Josimar Maranhãozinho, exerce o cargo de deputado federal, pelo PL, desde 2019 (no mandato anterior foi eleito pelo PR). Natural de Várzea Alegre (CE), foi prefeito de Maranhãozinho (2009-2012) e deputado estadual (2015-2018), pelo PR.
Imagem: Josimar Maranhãozinho. Reprodução: Câmara dos Deputados
O deputado tem publicado em sua página pessoal no Instagram vídeos pelos quais afirma que frequenta a Igreja Mundial do Reino de Deus, em São Luís do Maranhão. Em publicação de 24 de março, Mararanhãozinho está junto à sua esposa, a também deputada federal Detinha (PL-MA).
Imagem: Reprodução: Instagram
O parlamentar já foi investigado pela Polícia Federal (PF), por suposta participação em esquemas de fraude. Um deles envolvia empresas fantasmas para desviar R$ 1,8 milhão em obras de pavimentação em Zé Doca (MA) , cidade onde sua irmã é prefeita. O relatório da PF identificou crimes como falsidade ideológica, peculato, corrupção, fraude à licitação, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
A PF também acusa Maranhãozinho de desviar recursos públicos de emendas parlamentares enviadas a prefeituras do Maranhão, com crimes de peculato e lavagem de dinheiro. Em 2020, uma ação controlada autorizada pelo STF registrou o parlamentar manuseando e entregando dinheiro em espécie a aliados.
Gildenemir de Lima Sousa, conhecido como Pastor Gil, é deputado federal pelo PL do Maranhão, desde 2019. Pastor da Assembleia de Deus e membro da bancada evangélica no Congresso Nacional, é natural de São Luís (MA), e está na segunda legislatura.
Imagem: Pastor Gil. Reprodução: Câmara dos Deputados
O deputado tem publicado em seu perfil pessoal do Instagram uma série de vídeos em apoio a candidatos políticos em várias cidades do Maranhão, nas redes ele utiliza versos bíblicos como marketing de campanha.
Imagem: Reprodução: Instagram 25 de set 2024
Em 2022, Pastor Gil foi investigado por suposto uso indevido de emendas parlamentares. A investigação, autorizada pelo então ministro do STF Ricardo Lewandowski, incluía também os deputados Josimar Maranhãozinho e Bosco Costa. As suspeitas indicavam que os parlamentares obtinham empréstimos de um agiota no Maranhão. Para quitar as dívidas, supostamente indicavam prefeitos de cidades que receberiam as emendas, em vez de usar recursos próprios.
Bosco da Costa
João Bosco da Costa, natural de Itabaiana (SE), foi eleito deputado federal, pelo PR do Sergipe, em 2018, após ocupar os cargos de prefeito em Moita Bonita, município na região central do estado e deputado estadual. Eleito suplente de deputado federal, pelo PL-SE, em 2022, assumiu a vaga em 2024.
Imagem: Bosco Costa. Reprodução: Câmara dos Deputados
O deputado federal se autodenomina cristão, com diversas publicações nas mídias digitais em alusão à datas católicas, participação em festas e missas tradicionais de Sergipe. Em novembro de 2020, o parlamentar publicou em sua página pessoal do Facebook, felicitando os evangélicos pelo Dia do Evangélico, com os dizeres “eu sou cristão”.
Imagem: Reprodução: Facebook
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A Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou três deputados do Partido Liberal (PL) e outras seis pessoas envolvidas em um esquema de desvio de R$ 1,6 milhão em emendas parlamentares destinadas à Prefeitura de São José de Ribamar, no Maranhão. A investigação, que começou em 2021, revelou a pressão exercida sobre o ex-prefeito Eudes Sampaio, que relatou extorsões do grupo. A matéria do portal UOL ressalta que o caso está em sigilo no Supremo Tribunal Federal (STF).
Conforme levantamento realizado pelo Bereia, todos os deputados denunciados pela PGR têm identidade religiosa cristã. Josimar Maranhãozinho (MA) e Pastor Gil (MA) são evangélicos e Bosco Costa (SE) é católico. Este caso torna possível identificar controvérsias em torno do acionamento da identidade religiosa no cenário político. Envolvidos em um desvio de R$ 1,6 milhão em emendas parlamentares, esses políticos, que se apresentam como defensores de valores cristãos, demonstram como fazem uso de sua influência para propagar desinformação e legitimar práticas ilícitas.
O caso ressalta a necessidade de eleitores e eleitoras estarem alertas em relação a líderes que acionam identidade religiosa e ao mesmo tempo praticam ações criminosas contribuindo para a deterioração do importante papel dos parlamentares eleitos pelo voto no país.
Ao longo da campanha para as eleições municipais, lideranças religiosas têm se mobilizado para prestar apoio público a candidaturas que se mostram alinhadas com suas pautas e ideais. Tal prática é uma estratégia comum na política, que se repete a cada pleito.
Nesta matéria, Bereia verifica candidatos com histórico de publicar desinformação que estão entre os que recebem a benção de pastores e outras figuras de destaque no meio cristão. Do monitoramento da equipe Bereia em mídias sociais, são destacados os casos de Guilherme Kilter (Curitiba/PR), Dentinho (Passos/MG), Alana Passos (Rio de Janeiro/RJ), Pastor Dinho Souza (Serra/ES) e Sonaira Fernandes (São Paulo/SP).
Esses candidatos e candidatas fazem uso de sensacionalismo e desinformação para mobilizar eleitores e se apoiam na retórica religiosa e na proximidade, em algum grau, com lideranças eclesiásticas, para validar sua candidatura.
Guilherme Kilter
O influenciador digital evangélico e candidato a vereador de Curitiba, pelo Novo, Guilherme Kilter, 22 anos, se apresenta nas mídias como cristão, de direita e a favor da família.
Imagem: Reprodução/Facebook
Membro da Primeira Igreja Batista de Curitiba, Kilter conta ter sido “convidado a entrar na política” pelo ex-deputado federal Deltan Dallagnol (Novo-PR, cujo mandato foi cassado em 2023), que também é evangélico batista e mantém relações com lideranças eclesiásticas. Ele também se compara com o destacado político extremista de direita, deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), pela pouca idade e semelhança de posicionamentos, por ter iniciado a carreira política como vereador. Kilter declara querer se tornar “o Nikolas Ferreira do Paraná“.
Entre as lideranças evangélicas, Guilherme Kilter conta com o apoio do pastor Paschoal Piragine Jr., que também é seu tio. Ele é presidente da Convenção Batista Brasileira, pastor emérito da Primeira Igreja Batista de Curitiba, e pastor interino da Primeira Igreja Batista de Niterói. Pirajine Jr. se destacou nas mídias sociais, em 2010, ao empreender ferrenha campanha contra a eleição da candidata do Partido dos Trabalhadores a presidente da República Dilma Rousseff, com uso de discursos de pânico moral e terrorismo verbal. Em outras campanhas eleitorais, o pastor também atuou na mesma direção.
Na comunicação em redes digitais, além de frequentemente publicar imagens com essas figuras mais conhecidas de políticos com os quais quer ser relacionado, Guilherme Kilter utiliza também fotos de si mesmo na igreja para se afirmar como cristão e conservador.
Além disso, também faz publicações sobre as polêmicas atuais, alinhado com os demais perfis e influenciadores ligados à extrema direita. Ele se engajou recentemente, por exemplo,na onda de difamações contra a boxeadora olímpica argelina Imane Khelif, que foi checada por Bereia. Também publicou desinformação sobre a legalização do aborto pelo governo Lula, que foi verificada como falsa pelo G1.
Imagem: Reprodução/Instagram
Dentinho
Luis Carlos do Souto Junior, mais conhecido como Dentinho, se apresenta como um vereador com princípios de direita e está no terceiro mandato como parlamentar no município de Passos (MG). Em seu perfil no Instagram, o candidato do Progressistas (PP), à reeleição, ostenta fotos com grandes nomes do seu campo político, como o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o deputado federal Nikolas Ferreira, que prestou apoio ao candidato por meio de um vídeo para sua campanha.
Em 2023, Dentinho virou notícia ao ser indiciado, em apenas 15 dias, por xenofobia, racismo e produção de fake news. De acordo com a Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG), o vereador cometeu o primeiro crime em novembro de 2022, após o fim do segundo turno das eleições, ao afirmar, em uma publicação nas mídias sociais, que “Bolsonaro também é f*da, foi falar na Bahia que ia gerar um milhão de empregos… Assustou o povo!”. A declaração insinua que a população baiana não votou em Bolsonaro por não gostar de trabalhar. O delegado Felipe Capute, que assina o indiciamento, entendeu que a fala de Dentinho é ofensiva ao povo da Bahia e resulta em uma exposição discriminatória.
A segunda denúncia também está relacionada com o último pleito eleitoral: Dentinho teria usado panfletos para divulgar conteúdo falso contra o então candidato à Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo a PCMG, o vereador cometeu crime eleitoral previsto no art. 323 de Lei 4737, que dá pena de detenção de dois meses a um ano para quem “Divulgar, na propaganda eleitoral ou durante período de campanha eleitoral, fatos que sabe inverídicos em relação a partidos ou a candidatos e capazes de exercer influência perante o eleitorado”. Em resposta ao G1, o vereador negou que tenha cometido os crimes dos dois casos.
Imagem: Reprodução/Instagram
Alana Passos
Alana Passos é militar do Exército e foi deputada estadual do Rio de Janeiro de 2018 a 2022. Em sua entrada na política, pelo PSL, recebeu 106.253 votos (1,38% do total) e foi a mulher mais votada do estado, um sucesso que não se repetiu no pleito seguinte: a candidata recebeu apenas 0,45% dos votos e ficou fora da Alerj (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro) porque o seu então novo partido, PTB, não teve quociente eleitoral.
Nas eleições municipais deste ano, Alana Passos é candidata a vereadora na capital fluminense pelo Partido Liberal (PL) e ostenta o apoio do pastor Joel Serra, idealizador do Movimento Cristão Conservador, em fotos e no vídeo de sua campanha. A militar também esteve no gabinete do pastor da Igreja Batista Atitude Josué Valandro Jr e posou ao seu lado em uma publicação no Instagram.
Imagem: Reprodução/Instagram
A primeira vez em que Alana Passos foi associada à propagação de conteúdo falso foi
em julho de 2020, quando o Facebook excluiu, dentre outras contas, os perfis AlanaOpressora, artilhariadobem, tvanticomunismobrasil e Fabio Muniz por “criação de pessoas fictícias fingindo ser repórteres, publicação de conteúdo e gerenciamento de páginas fingindo ser veículos de notícias”.
De acordo com a rede social, as contas seriam ligadas a um ex-assessor de Alana Passos, que afirmou, em nota à BBC News Brasil, que “Quanto a perfis de pessoas que trabalharam no meu gabinete, não posso responder pelo conteúdo publicado. Nenhum funcionário teve a rede bloqueada por qualquer suposta irregularidade. Estou à disposição para prestar qualquer esclarecimento, pois nunca orientei sobre criação de perfil falso e nunca incentivei a disseminação de discursos de ódio”.
Em buscas no perfil da candidata no Facebook, Bereia identificou a propagação de conteúdo falso e enganoso sobre “ideologia de gênero”, um dos termos mais explorados nos materiais de desinformação que circularam em espaços digitais religiosos nas últimas eleições. Em junho de 2018, Alana publicou um vídeo que, retirado de contexto, deixa a entender que a deputada federal Erica Kokay (PT-DF) confessa que defende o incesto e a destruição da famiilia patriarcal.
Imagem: Reprodução/Facebook
O site Boatos.org já havia checado o vídeo em 2017, e chamou a atenção para o sentido da fala da deputada petista: segundos antes do recorte que viralizou ela diz “Por isso, eles querem romper a laicidade do Estado e implementam uma construção de ideologia de gênero, que ela é uma tentativa de sair do discurso essencialmente religioso e fazer a ponte com o discurso ideológico da extrema direita neste país. Porque aí eles dizem…”. Dessa forma, a candidata divulgou um conteúdo que tem elementos verdadeiros, mas foi apresentado de forma distorcida para produzir no receptor uma percepção da fala que é enganosa.
Já em 2021, a então deputada estadual usou a mesma rede para compartilhar a informação falsa de que um relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) sugeriu que a exposição à pornografia poderia ser positiva para crianças. A imagem usada na publicação exibe a logo do R7, portal de notícias do Grupo Record, como forma de gerar credibilidade para a afirmação, que já foi verificada pela coluna Fato ou Fake, do portal G1. Por meio de um comunicado, o UNICEF reafirmou sua posição de que nenhuma criança deve ser exposta a conteúdo nocivo, e explicou que um artigo publicado em abril de 2021 teve interpretações incorretas e diferentes do que a instituição defende.
Imagem: Reprodução/Facebook
Pastor Dinho Souza
Evandro De Souza Ferreira Braga, conhecido como Dinho Souza, é pastor da igreja evangélica Povo da Cruz, no município de Serra (ES). É filiado ao PL e concorre a vereador nas eleições deste ano. Ganhou destaque na imprensa nacional por um fato polêmico: em abril de 2022, a igreja que pastoreia promoveu a rifa de uma espingarda calibre 12 a fim de reformar a sala das crianças. A “ação entre irmãos”, como dizia o informativo, foi celebrada pelo pastor, que declarou sentir orgulho do ato.
O fato serviu para projetar Souza para as mídias e noticiários. Ele seguiu a cartilha da desinformação religiosa monitorada pelo Bereia ao propagar ideias de perseguição religiosa contra cristãos no Brasil e de eleger as esquerdas como inimigas da fé cristã.
Imagem: reprodução/ Instagram
O pastor, que concorre a vereador da Câmara de Serra, alinhou discurso com a extrema-direita e ficou marcado pela sua posição pró-armas, pelo discurso contra diversidade de gênero e pela defesa contra o aborto, até mesmo em casos de estupro, direito assegurado por lei.
Além disso, Dinho Souza atacou setores do segmento evangélico. No domingo em que se comemorava a Páscoa, o religioso xingou o artista Timóteo Oliveira, membro da igreja Anglicana, e o acusou de ser um “black block gospel”, devido a representação da figura de Jesus negro em uma de suas artes. O caso rendeu uma nota de repúdio assinada pela coordenação do Movimento Negro Evangélico Nacional.
Instituições evangélicas ligadas ao campo conservador também estiveram na mira do pastor. Em 2023, Dinho Souza atacou a Associação de Pastores Evangélicos da Serra (APES) em um dos seus discursos. Apesar de toda polêmica, os episódios não o impediram de ganhar apoiadores do mundo político e religioso como pastor Anderson Silva, padre Kelmon, o senador Magno Malta (PL-ES), a deputada federal Bia Kicis (PL-DF), o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) e o pastor da Igreja Batista Vale da Benção e desembargador aposentado Sebastião Coelho.
Sonaira Fernandes
Ex-secretária da Mulher do estado de São Paulo, Sonaira Fernandes é evangélica e busca seu segundo mandato como vereadora na capital paulista. Muito próxima do ex-presidente Jair Bolsonaro e de sua família (com quem começou a trabalhar em 2014), a candidata é a principal indicação do ex-presidente nestas eleições. Sonaira também é apoiada pelo governador Tarcísio de Freitas e chegou a ser cotada para vice de Ricardo Nunes na sua busca pela reeleição, mas acabou ficando fora da chapa.
Sonaira Fernandes é muito atuante nas mídias sociais e exibe visitas a igrejas e fotos com pastores de diferentes denominações. Em apuração no perfil da candidata no Instagram, Bereia verificou que a candidata visitou 24 igrejas evangélicas desde o início de agosto, ostentando o apoio de líderes da Igreja Renascer em Cristo e de diferentes Assembleias de Deus, dentre outras igrejas.
A forte influência de Fernandes no meio evangélico a levou ao “palco” da Marcha para Jesus deste ano e uma de suas falas sobre o evento foi checada pelo Bereia. A candidata repercutiu a declaração do líder da Igreja Renascer em Cristo apóstolo Estevam Hernandes, de que exista uma perseguição às igrejas no Brasil. Em seu perfil no X, Sonaira publicou que “Em plena época de Igreja perseguida, a 32ª Marcha para Jesus ficou marcada como uma das maiores da história”.
Imagem: reprodução/X
A retórica do medo da perseguição religiosa é comum em conteúdo desinformativo, e na referida apuração Bereia concluiu que “que é falsa a afirmação de que haja perseguição aos cristãos no Brasil, e que as alegações de fechamento de igrejas e perseguição são estratégias de desinformação usadas por políticos e líderes religiosos para manipular o medo e influenciar o eleitorado, distorcendo a realidade e criando uma falsa sensação de vitimização.”
No mesmo sentido, dois meses antes das eleições presidenciais de 2022, Sonaria compartilhou um vídeo de imagens editadas do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva em um encontro de lideranças religiosas de matriz africana. Na legenda, a vereadora disse:
“Lula já entregou sua alma para vencer essa eleição. Não lutamos contra a carne nem o sangue, mas contra os principados e potestades das trevas. O cristão tem que ter a coragem de falar de política hoje, para não ser proibido de falar de Jesus amanhã.”
O caso foi abordado pelo Bereia na reportagem “Cristofobia e intolerância religiosa: as fake news como estratégia política para enganar cristãos na campanha eleitoral 2022”, que destaca que o conteúdo publicado pela vereadora não se trata apenas de desinformação, mas é também um uso da intolerância religiosa para campanha política. A matéria ressalta, ainda, que a tentativa de associar Lula e o Partido dos Trabalhadores (PT) ao fechamento de igrejas evangélicas e a perseguição religiosa acontece desde 1989, e tais “notícias” nunca apresentam fontes ou informações factíveis.
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Bereia alerta leitores e leitoras a atentarem a candidaturas que mobilizam identidade religiosa e lançam mão de desinformação, conteúdo com base em mentiras e falsidades, como estratégia de campanha.
Após as atletas olímpicas conquistarem medalhas nos Jogos em Paris, as redes digitais foram tomadas por uma onda de desinformação sobre as taxações das premiações olímpicas. Entre os desinformantes, estão os parlamentares cristãos.
Aproveitando a comoção nacional em torno das medalhistas brasileiras, a deputada Julia Zanatta (PL-SC), por exemplo, publicou um vídeo para criticar o imposto sobre as premiações dos atletas. Ela disse que o “papai Estado quer ficar com boa parte da premiação”, fazendo crer que se trata de uma ação deliberada do atual governo contra os atletas. Além disso, a parlamentar autodenominada cristã mentiu ao dizer que o governo federal não promove incentivos aos atletas.
Imagem: Reprodução/X
A ginasta Rebeca Andrade, que emocionou o Brasil com sua performance em Paris, testemunhou sobre o apoio recebido do governo federal por meio do programa Bolsa Atleta.
“O Bolsa Atleta com certeza é importante para a gente, porque a gente compra nossos materiais para treinamento, ajuda nossas famílias a trazer uma segurança para a gente, que muitas vezes é o que falta. Isso permite que a gente foque no nosso trabalho, sabe? Não deixa que a gente tenha preocupações externa”, celebrou a ginasta durante coletiva de imprensa.
Já o deputado federal evangélico Helio Lopes (PL-RJ) parece ter mudado de opinião com relação aos valor dos esportistas olímpicos. Sob o governo de Jair Bolsonaro, o parlamentar assistiu o fim do Ministério dos Esportes, a redução histórica de 17% do orçamento para o Bolsa Atleta, e ainda viu a Receita Federal cobrar os atletas olímpicos naquele ano, mas nada propôs. Agora, no entanto, Lopes declarou nas redes que assinou um Projeto de Lei que propõe isentar os atletas das taxações da Receita.
A enxurrada de falsidades sobre a taxação das premiações foi tão grande que a Receita Federal emitiu um comunicado para desmentir as mentiras. Em nota, publicada em 7 de agosto, a Receita explicou que medalhas e troféus não são taxados e sim premiações recebidas em dinheiro, como será o caso dos atletas medalhistas olímpicos ao desembarcarem no Brasil.
Veículos de jornalismo publicaram, no final de julho passado, matérias positivas sobre evangélicos, a propósito da pesquisa do Instituto Datafolha sobre eleições na cidade de São Paulo. As matérias apresentam tom que se coloca em direção contrária ao que é predominante, como Bereia já publicou em outras checagens, com troca do pejorativo para o valorativo.
O jornal O Globo afirmou, em 22 de julho, que “evangélicos se contrapõem ao bolsonarismo”. O Mídia Ninja publicou, na mesma data, matéria sob o título “Evangélicos abandonam agenda bolsonarista; maioria é contra prisão de mulheres que abortam”. A revista Fórum divulgou, em 20 de julho, que “evangélicos de São Paulo rejeitam bolsonarismo”. Bereia checou estas formas de chamar para o tema e a origem dos dados apontados pelos veículos de imprensa.
A pesquisa traz informações como o partido político de preferência do grupo em tela: entre os evangélicos, 15% preferem o PT (Partido dos Trabalhadores) e 7% preferem o PL (Partido Liberal); enquanto 40% dos católicos preferem o PT, contra 4% que preferem o PL. Estes dados contrariam a visão predominante nas mídias, segundo a qual haveria um alinhamento político-ideológico dos evangélicos com a extrema direita.
A composição da renda familiar e o vínculo a diferentes denominações – classificadas entre pentecostal, neopentecostal e histórico/protestante – são apresentadas no início do relatório, que é dividido nas seções: perfil religioso, pauta de valores, igreja e política, eleições em São Paulo e perfil ideológico; cada uma trazendo dados pormenorizados da pesquisa feita a partir de 613 entrevistas.
Imagem: reprodução Folha de S.Paulo
Nas mídias digitais, o Instituto Datafolha destacou a informação de que “para 78% dos evangélicos, é fundamental que seu candidato acredite em Deus, mas apenas 22% consideram muito importante que o escolhido seja da mesma religião que a sua”. A pesquisa também foi divulgada na íntegra, com possibilidade de download e detalhamento em texto.
Participaram da concepção e desenvolvimento da pesquisa, como consultores, o antropólogo Juliano Spyer, a professora associada do Departamento de Sociologia e Metodologia das Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense (UFF) Christina Vital, o professor de Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Rodrigo Toniol, o doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) Vinicius S. M. do Valle e a repórter especial da Folha de S. Paulo e autora de “O Púlpito – Fé, Poder e o Brasil dos Evangélicos” (Todavia), Anna Virginia Balloussier.
Imagem: reprodução Datafolha
Abordagem por veículos de jornalismo
O portal de notícias Mídia Ninja, a revista Fórum e o jornal O Globo divulgaram recortes da pesquisa relacionados às pautas defendidas pelo bloco político liderado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Estes veículos optaram por adotar títulos que relacionam os segmento evangélico ao chamado “bolsonarismo”, porém deixaram de apresentar outros dados relevantes sobre o perfil do grupo religioso.
A revista Fórum publicou, ainda em 20 de julho, texto em que afirma que dois temas são determinantes para a “rejeição” dos eleitores evangélicos dos candidatos ligados ao “bolsonarismo”: armas e “homeschooling” (educação escolar em casa). Na chamada, a revista apresenta a conclusão de que o evangélico paulistano “não concorda com a extrema-direita”.
Imagem: reprodução Revista Fórum
Os jornais O Globo e Mídia Ninja destacaram outros temas relacionados à extrema direita, abordados pela pesquisa. No título, O Globo também chamou a atenção para “armas” e ‘homeschooling’ e apresentou os dados da opinião de evangélicos de São Paulo sobre aborto, educação sexual e acolhimento a homossexuais.
Imagem: reprodução O Globo
Mídia Ninja, por sua vez, abordou os mesmos temas que O Globo, e acrescentou a opinião do segmento cristão sobre o Brasil apoiar todas as guerras de Israel. Em seu portal digital, porém, o Mídia Ninja utilizou como chamada os dizeres “Evangélicos abandonam agenda bolsonarista”.
Outros veículos de imprensa também repercutiram a pesquisa Datafolha. Entre eles, CNN, Metrópoles, Carta Capital, com diferentes abordagens da mesma pesquisa.
Enquanto o canal de notícias CNN divulgou que a maioria dos evangélicos da capital do estado de São Paulo é contra porte de arma e ‘homeschooling’, o portal Metrópoles, a revista Carta Capital deram destaque à opinião do grupo religioso sobre pastores indicarem votos para fiéis.
Mídia religiosa
O site Folha Gospel também repercutiu os resultados da pesquisa e destacou, em título de matéria, que a maioria dos evangélicos de São Paulo é contra a indicação de voto por líderes religiosos. O portal abordou informações correlatas, como a importância de candidatos serem também evangélicos, mas omitiu os dados de opinião sobre porte de armas e aborto.
E abordagem semelhante, o portal O Fuxico Gospel não mencionou os achados da pesquisa que dizem respeito à opinião sobre aborto e sobre porte de armas. Já o portal Guiame enfatizou os dados sobre idade de conversão. O site Pleno News, que faz um grande volume de publicações diárias, ignorou a pesquisa.
Políticos com identidade religiosa, ativos nas mídias digitais e que costumam repercutir discursos religiosos, não repercutiram a pesquisa.
A pesquisa, feita com 613 entrevistados, traz números que não permitem concluir posicionamentos “dos” evangélicos enquanto grupo homogêneo, o que não se constitui. O uso de expressões como “rejeitam o bolsonarismo” e “abandonam o bolsonarismo” é, portanto, exagerado e e enganoso, como revelam os próprios dados da pesquisa.
Os resultados apresentados dão conta de que algumas parcelas do grupo pesquisado pensam de uma forma, e outras pensam de outra, tal como se desenha na própria sociedade brasileira. É um erro retratar qualquer grupo religioso como bloco indissociável, sobretudo quando questões de natureza político-ideológica são consideradas.
A correta veiculação de informações não permite disseminar a ideia de que evangélicos “abandonam” ou “rejeitam” o chamado bolsonarismo. O apoio e o alinhamento político ao bloco extremista existem de forma parcial, ao lado da rejeição e da dissidência que também são fato. O que a pesquisa revela, como bem expresso pela Folha de S. Paulo e pelo jornal O Globo, é uma dada maioria desse grupo religioso tem se afastado de um determinado conjunto de ideias defendidas pelo chamado “bolsonarismo”.
A relevância disso é comprovada, por exemplo, pelo fato de veículos relacionados à extrema direita não terem publicado sobre os números da pesquisa.
O uso de termos absolutos e chamativos por alguns veículos acaba por expressar um discurso participante de disputas na arena política que varia conforme a atmosfera que se deseja ressaltar. É preciso rever as abordagens sobre evangélicos que ora exageram no sensacionalismo negativista, ora exageram com pauta “positiva”, e não favorecem processos informativos necessários na superação de polarizações nocivas.
Informação digna é um direito humano e distorções como as que são observadas na repercussão publicada não colaboram na construção de um jornalismo a serviço dos cidadãos brasileiros.
O XII Seminário Internacional sobre Redes Educacionais e Tecnologias, promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, realizou um debate essencial para a compreensão dos fenômenos contemporâneos na educação e na sociedade em geral, nesta sexta-feira, 5 de julho. A editora-geral do Coletivo Bereia e pesquisadora do ISER Magali Cunha, e o sociólogo, assessor de Campanhas da Casa Galileia, Flávio Conrado, participaram da mesa de debate sobre as investidas de discurso neoconservadores em tempos de redes sociais, com destaque para a influência dos evangélicos nesse contexto.
Magali Cunha chamou atenção para a presença marcante de evangélicos nas mídias sociais e criticou o desconhecimento de parte da imprensa sobre a complexidade e a diversidade do segmento cristão. Segundo a editora, esta falta de distinção contribui para a disseminação de desinformação e para uma representação simplista dos religiosos na mídia.
Como pesquisadora da Religião, destacou que o ativismo de evangélicos na política brasileira é consequência de processos antigos, entre eles, a Teologia do Domínio. “Há um desconhecimento quando se fala sobre o assunto no momento que se coloca a Teologia do Domínio como algo novo, quando, na verdade, não é”. Ela explicou que teólogos do domínio são observados desde os anos 60, nos Estados Unidos, no ambiente calvinista, e chega ao Brasil muito antes do alto crescimento de evangélicos pentecostais, na década de 80.
Sobre o dilema da identificação de evangélicos, a coordenadora do debate, professora Talita Vidal, da Faculdade de Educação da Uerj, criticou a generalização ao tratar do segmento e compartilhou um caso sobre a confissão religiosa evangélica de uma familiar que se transformou após o contato com diferentes leituras teológicas.
Para falar sobre o avanço de neoconservadores na militância digital, o cientista social Flávio Conrado apresentou uma série de dados coletados a partir do monitoramento de 450 perfis de influenciadores digitais do campo religioso. O trabalho da Casa Galileia gerou cerca de 90 relatórios, agrupados por temas, e apontou para um aumento significativo da radicalização dentro do campo conservador evangélico nas redes sociais. O sociólogo destacou o fenômeno do “orgulho conservador”, declarado por atores da extrema-direita. “É preciso desmobilizar o discurso de guerra e desarmar os lados para melhorar o ambiente democrático”, analisa.
O evento reforçou a necessidade de novas pesquisas sobre o avanço do conservadorismo em outros segmentos religiosos como as religiões de matrizes africanas. O professor Gustavo Oliveira, durante sua contribuição, celebrou iniciativas como Coletivo Bereia e Casa Galileia, pois, “foram as primeiras iniciativas a reagirem ao avanço da extrema-direita nos ambientes digitais”.
Não é possível – e muito menos correta – a tentativa de homogeneização dos evangélicos, enquadrando-os em um único bloco; ao contrário, eles devem ser vistos como heterogêneos, pertencentes a diversas denominações que seguem teologias e práticas completamente distintas. A opinião, publicada em artigo da agência de notícias Intercept Brasil em 27 de março, é das pesquisadoras Magali Cunha e Lívia Reis. De acordo com as autoras, essa homogeneização não reflete a realidade, além de ser nociva ao debate público. “Ninguém é ‘evangélico’ igual, ninguém é só ‘evangélico’”, advertem.
Magali Cunha, editora-geral do Coletivo Bereia, e Lívia Reis, coordenadora da área de Religião e Política do Instituto de Estudos da Religião (ISER), explicam que, apesar da ênfase às expressões da religiosidade evangélica de matriz pentecostal, inúmeras outras estão presentes em todo o país hoje.
As pesquisadoras citam igrejas marcadas por propostas estéticas, rituais e discursivas semelhantes, e outras, caracterizadas “por vivências e práticas relacionadas com a ocupação geográfica dos grupos, sobretudo em territórios periféricos [que] nem sempre se vinculam a grandes igrejas”. Elas lembram ainda os evangélicos que não frequentam igrejas específicas, “mas vivem sua fé de outras formas, assistindo pregações e orações” em diversos canais de comunicação.
O artigo de Magali Cunha e Lívia Reis chama atenção também para a necessidade de se qualificarem os números sobre religião. É preciso que institutos de pesquisa e analistas levem em consideração esse quadro diverso e promova cruzamentos com outros marcadores sociais – raça, gênero e renda, por exemplo. “Caso contrário, as pesquisas e usos que se fazem dela [religião na cena pública] desviarão o caminho da reflexão. E quem instrumentaliza a fé para fazer política só ganha com esse desvio”, ressaltam as pesquisadoras.
* Matéria atualizada em 18/04/2024 às 17:52 e 07/06/2024 para ajustes de texto
O conflito na Faixa de Gaza chegou ao sexto mês. Desde o ataque do Hamas a Israel, em 7 de outubro, o governo israelense revidou com, o que o governo do Brasil considera, um massacre da população palestina. Bereia publicou em 19 de março a primeira parte desta reportagem, na qual abordou a corrente de desinformação que surgiu a partir da fala do presidente Luís Inácio Lula da Silva, durante visita à Etiópia, em 18 de fevereiro passado, enquanto participava da 37ª Cúpula da União Africana e de reuniões bilaterais com chefes de Estado. O presidente brasileiro se pronunciou sobre o conflito e comparou a resposta de Israel aos ataques promovidos pelo Hamas, ao extermínio de milhões de judeus por nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, o que gerou uma série de críticas e comoção nas redes.
Bereia também abordou, na primeira parte desta matéria, a escalada da violência na região e como Israel vem perdendo o apoio da comunidade internacional diante das atrocidades praticadas sobre a população palestina. Leia a matéria completa.
Nesta segunda parte, Bereia apresenta a origem histórica deste conflito, a motivação do apoio de cristãos evangélicos a Israel e atualizações sobre a guerra contra a Palestina que completou seis meses.
O Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou, em 25 de março passado, pela primeira vez desde o 7 de outubro de 2023, um pedido de cessar-fogo em Gaza. A resolução recebeu o apoio de 14 dos 15 membros do órgão, o único a se abster foi os Estados Unidos. O texto estabelece uma cessação de hostilidades durante o Ramadã, período sagrado para os muçulmanos, que começou em 11 de março e terminou em 9 de abril. Apesar da aprovação histórica, e da pressão internacional, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu afirmou que não acatará a ordem da ONU e ainda planeja um ataque terrestre à cidade de Rafah. “Não estamos dispostos a cessar-fogo”, declarou.
Apesar da abstenção, o gesto do governo estadunidense causou uma rusga entre o presidente Joe Biden e Benjamin Netanyahu. Assim que o resultado no Conselho de Segurança foi anunciado, o governo israelense suspendeu a visita planejada de uma delegação do país aos EUA. O grupo iria discutir uma alternativa à invasão planejada por Israel à Rafah. O premiê israelense acusou a Casa Branca de abandonar sua “posição de princípio”. Entretanto, o governo de Biden correu para explicar que não havia mudanças na posição dos EUA de apoio a Israel.
“A única certeza em Gaza é a incerteza” O grupo Hamas, por sua vez, pediu desculpas à população de Gaza pelo sofrimento causado pela guerra, entretanto, reiterou a intenção de prosseguir com o conflito que, segundo o comunicado, deve conduzir à “vitória e à liberdade” dos palestinos. O anúncio foi feito, no dia 31 de março, pelo canal oficial do grupo no Telegram.
Para o líder palestino que ocupou o posto de ministro da Saúde entre 2007 e 2012, o grupo está disposto a negociar o fim da guerra, entretanto o lado israelense não quer chegar a um acordo. “Apelamos por um cessar-fogo completo e sustentável, pela retirada total das forças israelenses da Faixa de Gaza e pelo retorno das pessoas que foram expulsas de suas casas e vilarejos depois de 7 de outubro. Também pedimos uma grande operação de socorro e de reconstrução da Faixa de Gaza. Ao mesmo tempo, o engajamento em um acordo tácito para a troca de prisioneiros”, disse Naim ao jornal brasiliense.
Perguntado sobre as denúncias de violência sexual cometida por integrantes do Hamas, o político palestino negou veementemente as acusações. “Nós negamos qualquer agressão sexual a qualquer mulher. (…) Esta foi uma operação militar e nossos alvos eram complexos militares e soldados. Nós evitamos civis, mulheres, crianças e homens. Ao mesmo tempo, temos dito que estamos prontos para receber qualquer comitê de investigação da ONU ou internacional, a fim de apurar o que ocorreu em 7 de outubro”, assegurou.
Por que os cristãos evangélicos apoiam Israel incondicionalmente?
Segundo o professor de Teologia e doutorando em Filosofia, pela PUC-SP, Wallace Góis, os evangélicos têm uma visão escatológica do papel de Israel na história da humanidade e o consideram como o “Relógio de Deus no mundo”. “Para eles, você tem que ficar de olho no que acontece em Israel para entender o que está acontecendo no plano divino. Então os eventos que envolvem Israel, qualquer avanço político, ameaça militar ou instabilidade, vai ser interpretado à luz de alguma passagem bíblica que tenha mais ou menos a ver com essa situação e vai ser colocado como um sinal do fim dos tempos, como a volta de Cristo”, explica o professor em entrevista ao Bereia.
“Eles dizem que Israel é a continuidade da história do povo de Deus, apoiam porque Israel é e sempre foi o povo perseguido das escrituras, o guardião da Palavra de Deus, e as coisas que acontecem em Israel têm uma direta conexão com aquilo que ajuda a formar a cosmovisão cristã sobre a realidade”, afirma Góis se referindo ao que pensam os evangélicos brasileiros.
Para o professor, que integra a coordenação brasileira do Programa de Acompanhamento Ecumênico na Palestina e em Israel, do Conselho Mundial de Igrejas, e viveu por quatro meses, de julho a outubro de 2015, na região, há uma espiritualização exacerbada em tudo que se refere a Israel. “Tem toda uma aura mística que envolve o imaginário cristão evangélico sobre Israel e coloca o país como se fosse um lugar mágico, um lugar sagrado em que tudo que se toca e se vê é referência do Divino”.
Além disso, o professor ressalta que o turismo religioso reforça a ideia de que a nação é o ideal de civilidade para todas as outras. “Há uma propaganda de Israel como um país civilizado, ético, abençoado por Deus e aberto à liberdade religiosa, mas é uma grande encenação, porque a liberdade religiosa é restrita. Principalmente, para os muçulmanos, as comunidades cristãs na Palestina também estão definhando, estão sofrendo com restrições”, relata.
Góis compara a ação do governo israelense ao Império Romano da época de Jesus. “Israel se tornou um grande império opressor e a população palestina se vê perseguida pelos ideais imperialistas, pela opressão, pela sanha de poder, pela sede por territórios. As melhores áreas da Palestina estão sendo ocupadas pela extensão territorial israelense, as riquezas naturais estão sendo exploradas por Israel. Então, qualquer chance que a Palestina teria de se estabelecer, de construir uma história de demonstração da ‘benção de Deus’ foi previamente sequestrada por Israel e tudo isso vai sendo associado à imagem de que Deus está na verdade ao lado de Israel”, lamenta.
O teólogo denuncia ainda que os direitos palestinos estão sendo minados para que Israel possa ser vitoriosa. “O próprio Monte do Templo, onde muitos evangélicos dizem que será reconstruído o Templo de Jerusalém, existem mesquitas no local e, por isso, para os cristãos há uma certa ojeriza, uma certa ideia de usurpação do lugar sagrado pela religião islâmica, sobre o Judaísmo, uma tentativa de suplantar o Deus verdadeiro. Então, são detalhes e mais detalhes da geografia da organização social dos pontos turísticos que são utilizados na hora de tecer esses argumentos em favor de Israel”.
A antropóloga e professora da Universidade de Brasília Jacqueline Teixeira também analisou a situação. Em entrevista à BBC Brasil, ela disse que o bolsonarismo trouxe uma novidade para o apoio que cristãos evangélicos sempre deram à Israel: o discurso bélico-religioso, ou seja, a ideia de que uma disputa entre o bem e o mal justificaria o uso da violência. “Tem me chamado a atenção a tentativa de construção de uma justificação ética para os bombardeios, para as políticas de violência e de guerra que Israel tem lançado sobre o povo palestino. Uma naturalização da violência ou da guerra”, explica.
Teixeira acredita ainda que a naturalização entre religiosos de medidas como restrição de comida e água para os palestinos, seria resultado de uma “circulação mais preeminente de imagens do bolsonarismo no contexto das igrejas”, que permitiu uma “naturalização um pouco maior da desumanização” dos palestinos.
Jerusalém e as três religiões
De acordo com a antropóloga, professora e pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) Dra. Francirosy Campos Barbosa Ferreira, ouvida pelo Bereia, é importante ressaltar que aquela região é sagrada para judeus, cristãos e muçulmanos que dividem o espaço de Jerusalém. “O que a gente tem visto acontecer é uma captura, algo que costumamos chamar de leituras fundamentalistas da Bíblia. Os livros sagrados passam por leituras diversas, desde as mais rígidas, ipsis litteris, até as reformistas ou com interpretações diferenciadas. Então, acho que essa é uma das questões, é a ideia da Terra Prometida, associada com outras questões do judaísmo”, aponta a pesquisadora.
A antropóloga da USP relembra o caso das senhoras cristãs que, em uma manifestação a favor do ex-presidente Jair Bolsonaro, disseram que Israel é um país cristão, assunto já abordado por Bereia, na primeira reportagem desta série. “É a distopia que a nossa sociedade chegou. Não é de estranhar que uma pessoa cristã diga, de repente, que judeus também são cristãos. Infelizmente, em nossa sociedade hoje, o nível de conhecimento religioso, e isso eu falo de qualquer religião, é muito pífio, é insignificante, não tem profundidade, não tem um contexto histórico. É uma espiritualidade vazia”, analisa.
Para Campos, a ultradireita soube se apropriar dessa narrativa e cooptar pessoas com esse conhecimento dúbio sobre o cristianismo. “Assim começaram a criar outras figuras, outros seres, outras formas de interpretação. Então, acho que a extrema direita bolsonarista, junto com interpretações fundamentalistas, podemos até dizer equivocadas da Bíblia, acabam distorcendo todo esse campo religioso, e fazendo mau uso dele”.
Ela ressalta ainda, que precisamos lembrar que antes da criação do Estado de Israel em 1948, as três religiões viviam em harmonia na região. “Antes da ocupação da Palestina, da expulsão dos palestinos, a gente tem um histórico de uma convivência respeitosa entre cristãos, muçulmanos e judeus, isso em várias partes do mundo, seja na Síria, no Egito, enfim, a gente tem um histórico de boa convivência. havia festas religiosas e as pessoas se respeitavam mutuamente. Essa é uma forma de uso da religião, de uma instrumentalização religiosa muito equivocada, infelizmente, que gera todo esse conflito”.
Origem do conflito na região
Para compreender o atual cenário na região é necessário voltar no tempo. Governada, destruída, povoada e repovoada por diversos povos, dinastias e impérios, a Palestina foi conquistada pelo Império Otomano no século 16. A região que havia sido conquistada por Alexandre, o Grande, pelo Império Romano e pelo general Amr Ibn Al-As, vivenciou várias expressões de fé e viveu períodos de declínio e prosperidade ao longo dos séculos.
A Palestina fez parte do Império Otomano até 1917, quando passou a ser controlada pelo Reino Unido. Os britânicos se comprometeram a apoiar a formação de um reino árabe unificado.
Durante a Primeira Guerra Mundial britânicos e turcos chegaram a um acordo sobre o futuro da Palestina e da maioria dos territórios árabes na Ásia antes pertencentes ao Império Otomano.
No entanto, durante a Conferência de Paz de Paris, em 1919, as potências europeias vencedoras da Primeira Guerra impediram a criação do reino árabe unificado. Elas estabeleceram uma série de mandatos para que pudessem controlar e repartir toda a região. Assim, a região passou a integrar o Mandato Britânico da Palestina, autorizado pela Liga das Nações e se estendeu de 1920 até 1948.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, o Reino Unido decidiu transferir a decisão sobre a Palestina para a recém criada Organização das Nações Unidas (ONU). A ONU aprovou, em 1947, a Resolução 181, que dividiu a Palestina da seguinte forma: 55% do território para os judeus, Jerusalém sob controle internacional e o restante para os árabes (incluindo a Faixa de Gaza). Ao entrar em vigor em maio de 1948, a resolução pôs fim ao Mandato Britânico da Palestina e Israel declarou sua independência.
A crise econômica causada pela Guerra da Independência e a necessidade de sustentar uma população em rápido crescimento exigiram austeridade no país e ajuda financeira do exterior. A assistência prestada pelo Estados Unidos, os empréstimos de bancos americanos, as contribuições de judeus da Diáspora e reparações alemãs após a guerra foram usados para construir casas, mecanizar a agricultura, estabelecer uma frota mercante e uma companhia aérea nacional, além de favorecerem a exploração mineral, o desenvolvimento industrial e a expansão de rodovias, telecomunicações e redes elétricas.
Após seis dias de batalha, as antigas linhas de cessar-fogo foram substituídas por outras como Judeia, Samaria, Gaza, Península do Sinai e Colinas de Golã, sob controle israelense. A passagem para Israel através do Estreito de Tiran foi assegurada e Jerusalém, que estava dividida desde 1949 entre Israel e Jordânia, foi reunificada sob autoridade israelense. Desde o fim do conflito Israel ocupa a Faixa de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental. Esta ocupação desencadeou uma série de conflitos que chegaram até os dias atuais.
Evolução do território palestino – 1920 aos dias atuais
Foi na Faixa de Gaza que teve início uma série de conflitos armados, incluindo algumas das guerras que influenciaram a história recente da região. Entregue aos palestinos em 2005, a Faixa de Gaza passou a ser governada pelo partido Hamas, em 2007, enquanto a região da Cisjordânia ficou sob o governo da Autoridade Nacional Palestina (PNP), mas sob ocupação militar israelense.
A primeira intifada (levante) dos palestinos contra os israelenses na Faixa de Gaza ocorreu em 1987. No mesmo ano foi criado o partido islâmico Hamas, que se estenderia posteriormente a outros territórios ocupados.
Os Acordos de Oslo entre israelenses e palestinos, em 1993, criaram a Autoridade Nacional Palestina (ANP) e concederam autonomia limitada à Faixa de Gaza e partes da Cisjordânia ocupada. Após uma segunda intifada, mais violenta que a primeira, Israel retirou suas tropas e cerca de 7 mil colonos da Faixa de Gaza, em 2005.
No ano seguinte o Hamas venceu as eleições palestinas. Este resultado gerou uma violenta luta de poder em 2007 entre o Hamas e o partido Fatah, liderado pelo líder da ANP, Mahmoud Abbas. O grupo militante saiu vitorioso na Faixa de Gaza. Desde então, o Hamas mantém o poder na região, tendo sobrevivido a três guerras e a um bloqueio de 16 anos. O braço armado do partido, mais radical, faz oposição ostensiva a Israel.
Em comunicado no dia 22 de janeiro passado, o Hamas destacou essas origens históricas do conflito, afirmando que “a batalha do povo palestino contra a ocupação e o colonialismo não começou em 7 de outubro. A liderança do partido recordou que a luta palestina foi iniciada há 105 anos, incluindo os 30 anos de colonialismo britânico e os 75 anos de ocupação sionista, e pretende responsabilizar legalmente a ocupação israelense pelo sofrimento infligido ao povo palestino”.
Netanyahu isolado
O Primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu tem sofrido vários reveses, por conta de sua condução do conflito em Gaza, considerada equivocada e desastrosa por analistas de todo o mundo. Para permanecer no poder, o líder israelense tem levado o país a se embrenhar cada vez mais fundo em conflitos regionais secundários.
Em 01 de abril, Israel bombardeou e destruiu o consulado iraniano em Damasco, na Síria, e matou Mohammed Reza Zahedi, comandante da Guarda Revolucionária, a força de elite que protege o regime iraniano, além de outros alvos militares e civis. O motivo estaria ligado ao conflito em Gaza. De acordo com o governo israelense, o Irã é o principal financiador do Hamas e de outros grupos extremistas islamitas.
No mesmo dia, mais um ataque israelense deixou líderes de todo o mundo em alerta. Desta vez, um drone israelense atingiu o carro onde funcionários da World Central Kitchen, ONG do chef espanhol José Andrés, estavam. O ataque vitimou sete voluntários. A organização não governamental havia acabado de levar uma carga de alimentos ao território palestino, horas antes do bombardeio. A entidade é uma das principais fornecedoras de alimentos à Faixa de Gaza desde o início da guerra. O premiê admitiu a culpa de Israel e disse que incidentes como este “’Acontecem em guerras’. “Infelizmente, no último dia houve um caso trágico em que as nossas forças atingiram involuntariamente pessoas inocentes na Faixa de Gaza. Acontece em guerras, e estamos verificando até o fim, estamos em contato com os governos, e tudo faremos para que isso não aconteça novamente”, declarou Netanyahu. Segundo a ONG, entre os mortos há três cidadãos do Reino Unido, um da Austrália, um dos Estados Unidos, um da Polônia, e um palestino. A World Central Kitchen é uma das mais atuantes em Gaza. Os dois veículos que transportavam as vítimas e que foram atingidos tinham o logotipo e o nome da ONG desenhados no teto e circulavam sozinhos em uma via de uma área sem conflitos. “Este não é apenas um ataque contra a World Central Kitchen, é um ataque a organizações humanitárias que se apresentam nas situações mais terríveis, em que os alimentos são usados como arma de guerra. Isso é imperdoável”, disse o CEO da ONG, Erin Gore.
Nem mesmo o governo americano, aliado de Israel, tem poupado críticas e conseguido fechar os olhos para o que acontece em Gaza. O presidente americano Joe Biden disse estar “Indignado” com o ataque de Israel ao veículo de transporte da ONG World Central Kitchen e cobrou uma investigação “rápida” e que “traga responsabilidade”. Biden está em ano eleitoral e passou a ser acusado por sua própria base de ser cúmplice pelas mortes de palestinos.
Em balanço realizado pela Federação Internacional de Jornalistas (FIJ), desde o início do conflito 109 jornalistas e trabalhadores de meios de comunicação perderam suas vidas: 102 palestinos, 4 israelenses e três libaneses. Com estes dados, a Guerra em Gaza se configura como um dos conflitos mais mortais da história para os meios de comunicação e apresenta grave risco para a liberdade de imprensa.
Segundo dados do Serviço Prisional Israelense divulgados pela Human Rights Watch, as autoridades do país mantinham, até 1º de dezembro, 2.873 palestinos em detenção administrativa, sem acusação ou julgamento, com base em informações secretas. Já a organização palestina de direitos humanos Addameer afirma que, até novembro de 2023, a população carcerária palestina em unidades carcerárias administradas por Israel tinha um total de 7.000 palestinos presos. A lista inclui 80 mulheres e 200 crianças menores de 18 anos.
Números da guerra
Após seis meses de conflito, os números do conflito em Gaza falam por si. Segundo levantamento da BBC Brasil, até o 175º dia de guerra, pelo menos, 32.623 pessoas tinham morrido e 75.092 tinham sido feridas, de acordo com o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA, na sigla em inglês), a maioria das vítimas é de mulheres e crianças.
Ainda segundo a ONU, 85% da população no setor sitiado, onde vivem mais de 2,3 milhões de pessoas, foi forçada a deixar suas casas devido à destruição de infraestrutura e a falta de alimentos, água, combustível e eletricidade na região. “Prevê-se que metade da população da Faixa de Gaza (1,11 milhões de pessoas) enfrente condições catastróficas no que diz respeito à segurança alimentar”, afirmou um relatório elaborado pela ONG Integrated Food Security Phase Classification (IPC), que fornece à governos, à ONU e às agências de ajuda humanitária dados apolíticos sobre a fome no mundo.
Imagem: reprodução/BBC
Mais de 196 trabalhadores humanitários foram mortos em Gaza desde outubro, de acordo com a Aid Worker Security Database, entidade financiada pelos EUA que registra incidentes de violência contra agentes humanitários. Além destes, há os jornalistas mortos já citados nesta matéria.
Do lado Israelense, cerca de 600 soldados morreram desde os ataques de 7 de outubro. Nesse dia, 253 pessoas foram sequestradas. Acredita-se que cerca de 130 reféns ainda estejam detidos em Gaza, dos quais, pelo menos, 34 são considerados mortos, afirmam autoridades de Israel.
Atribuir a queda dos percentuais de aprovação do governo Lula entre o segmento evangélico às suas recentes declarações sobre os ataques militares de Israel em território palestino, conforme indicada na última pesquisa da Quaest, é muito simplista. A opinião é da editora-geral do Bereia e pesquisadora Magali Cunha, que foi entrevistada pelo jornalista Luis Nassif, do canal GGN em 6 de março de 2024.
“O que nós observamos nestes dois meses, com base no trabalho de monitoramento das redes, é que há um verdadeiro bombardeio de conteúdos alimentado pela grande mídia que não passam apenas por essa questão”, analisou a editora.
Ela destacou que temas como a discussão sobre a legalização da maconha no STF e o caso Marajó estão entre os que mais circulam nas redes religiosas.
Segundo Magali Cunha, existe certa confusão entre a figura do Israel do contexto bíblico com o Estado de Israel, criado em 1948 por intermédio da Organização das Nações Unidas (ONU). “Há, entre alguns grupos de evangélicos, uma compreensão histórica de que o Israel, localizado no Oriente Médio, é o mesmo do Israel da Bíblia, o que não é fato, daí transportam esse imaginário”, comentou.
“Os evangélicos”. Magali Cunha também chamou a atenção para a diversidade que existe entre as pessoas que professam a fé evangélica e alertou sobre o equívoco de homogeneizar o segmento. “[O termo] ‘Os evangélicos’ não existe. Ninguém é só evangélico nesta vida. A pessoa é mulher, negra, trabalhadora, desempregada, homem branco de classe média… Ninguém é evangélico igual até mesmo dentro de uma mesma igreja”.
Em plena ditadura militar, estes versos compostos pelo então pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil João Dias de Araújo (1931-2014), transformados em canção pelo médico e músico Décio Lauretti, refletem uma compreensão de fé que insiste em subsistir entre evangélicos brasileiros:
Que estou fazendo se sou cristão? Se Cristo deu-me o seu perdão
Há muitos pobres sem lar, sem pão, há tantas vidas sem salvação
Meu Cristo veio pra nos remir, o homem todo sem dividir,
não só a alma do mal salvar, também o corpo ressuscitar.
Há muita fome em meu país, há tanta gente que é infeliz,
Há criancinhas que vão morrer, há tantos velhos a padecer.
Milhões não sabem como escrever, milhões de olhos não sabem ler
Nas trevas vivem sem perceber que são escravos de outro ser.
Aos poderosos eu vou pregar, aos homens ricos vou proclamar
Que a injustiça é contra Deus, e a vil miséria insulta aos céus
(a canção pode ser ouvida na gravação do Grupo Milad, disco Água Viva, 1985)
Para além da busca pela salvação da alma com uma morada no céu, o pastor João Dias e muita gente no seu tempo haviam construído um jeito de entender a fé e a relação com Deus que ia além do individual e passava por um olhar para o ser humano total, marcado por misericórdia e solidariedade, inspirados na ação de Jesus de Nazaré tal como relatada na Bíblia cristã. Esta fé gerava compromissos por relações justas entre as pessoas, e entre elas e as lideranças públicas. E estes compromissos se desdobravam em ações com base na compreensão expressa no refrão daquela mesma canção de 1967: “a injustiça é contra Deus e a vil miséria insulta os céus”.
Neste 31 de março, de celebração da Páscoa, que nos faz vir à tona a memória dos chamados “anos de chumbo”, com o aniversário de 60 anos do golpe militar de 1964, é significativo lembrar esta canção. Hoje ela ainda é cantada em uma pequena parcela de igrejas e em grupos ecumênicos que buscam superar tanto a lógica individualista do mercado da música religiosa quanto a predominância dos conteúdos musicais que passam longe desse jeito de entender a fé expresso na poesia da canção.
A memória dos anos que se sucederam ao Golpe Militar guarda um lugar especial para cristãs e cristãos, entre eles muitos evangélicos, tanto entre as vítimas, aquelas que tiveram liberdades suprimidas e direitos violados por meio da censura, de prisões arbitrárias, da tortura e das execuções sumárias, quanto entre os omissos e os colaboradores, que no balanço, foram todos apoiadores. Os dois grupos se colocaram assim contraditoriamente em nome da sua compreensão de fé e de relação com Deus.
O primeiro grupo pagou o preço de viver a fé que questiona “Que estou fazendo se sou cristão?”, inspirado na justiça e na paz, como viveu Jesus de Nazaré, que também foi vítima de um sistema repressivo que tinha na religião uma aliada. Essas mulheres e homens, boa parte deles em plena juventude, carregaram sua cruz, mas finalmente encontram sua Páscoa, revivendo na memória de muitos grupos hoje com a retomada das ações pela busca da verdade e da justiça que lhes foi negada.
É fato que o jeito de entender a fé entre evangélicos brasileiros que predominou na história e é enfatizado no nosso tempo é aquele voltado para a salvação individualista, seja da alma, das finanças, de projetos pessoais ou políticos, ou mesmo para uma fé intimista muito pouco ou quase nada marcada por um olhar para o ser humano, com misericórdia, solidariedade e sentimento de justiça. No entanto, é significativo guardar a memória de que, ainda assim, tanto no passado quanto no presente esta não é uma unanimidade. Cristãos evangélicos hoje, como o pastor João Dias de Araújo, e tantos outros que os precederam, ainda se inspiram na humanidade divina de Jesus de Nazaré e buscam respostas para a pergunta “Que estou fazendo se sou cristão?” com base na compreensão de que “a injustiça é contra Deus e a vil miséria insulta os céus”.
Pessoas identificadas como evangélicas, entre 35 e 44 anos, com grau de instrução até o ensino médio, integrantes das classes de renda mais baixa (D e E), usuários do Telegram, do TikTok e audiência do Jornal da Record, formam o perfil de quem mais compartilha conteúdo falso sobre vacinas no Brasil. A descoberta é parte do estudo “A comunicação no enfrentamento da pandemia de Covid-19”, produzido pelo Centro de Pesquisa em Comunicação Política e Saúde Pública, da Universidade de Brasília. O levantamento foi realizado em agosto passado, com 1.845 pessoas que têm acesso à internet, e os resultados foram divulgados no último 22 de outubro, pela Agência Brasil.
Para seleção dos entrevistados, os pesquisadores utilizaram um cadastro online com mais de 500 mil inscritos, no qual foram aplicadas cotas de gênero, idade, região e classe social para representar adequadamente a população brasileira. Os participantes selecionados responderam um questionário online, no qual foram convidados a compartilhar 12 notícias sobre vacinas, identificadas apenas pelo título, divididas igualmente entre verdadeiras e falsas.
De todos os pesquisados, 11,3% informaram que compartilhariam ao menos uma das notícias falsas e 3,7% informaram que compartilhariam cinco das seis notícias inverídicas.
O coordenador do CPS da UnB, e líder do estudo, Prof. Wladimir Gramacho, fez um destaque, com a Agência Brasil, sobre o perfil dos que mais propagam estes conteúdos:
“não quer dizer que pessoas que têm essas características são pessoas que automaticamente compartilham notícias falsas, mas o contrário: que pessoas que compartilham esses tipos de desinformação sobre vacinas costumam ter essas características”.
O professor acrescenta que outros estudos que tratam do tema da desinformação na internet indicam que o comportamento de pessoas que divulgam informações incorretas, ou notícias falsas, variam conforme o tema. Gramacho explica quando o tema em questão é político, há uma tendência de pessoas idosas compartilharem desinformação mais facilmente, mas quando o assunto é vacina este padrão é diferente no Brasil, inclusive quando comparado a pesquisas realizadas em outros países.
“A principal explicação para isso talvez seja o fato de pessoas mais velhas terem sido socializadas em uma época em que o país viveu grandes conquistas no seu Programa Nacional de Imunizações”, conclui o pesquisador.
Imagem: Agência Brasil
Telegram, TikTok e Jornal da Record em destaque na propagação de falsidades
Na pesquisa também foram analisados os hábitos de uso de mídias das pessoas que afirmaram que compartilhariam as notícias falsas. Foi observado que as pessoas que mais espalhariam desinformação são as que têm as mídias digitais como principal fonte de informação. “São usuários mais frequentes de plataformas como Telegram e Tik Tok que têm maior tendência de compartilhar notícias falsas sobre as vacinas”, indicou o Prof. Wladimir Gramacho à Agência Brasil.
Ao analisarem o uso da televisão, principal meio de informação no país, pesquisadores compararam entrevistados que declararam ser audiência do Jornal Nacional e os que declararam ser audiência do Jornal da Record. Os telespectadores do Jornal Nacional demonstraram compartilhar menos notícias falsas do que os da Record: os primeiros tiveram a metade das chances de divulgarem falsidades sobre vacinas.
Uma possível justificativa para esse comportamento, segundo Wladimir Gramacho, é um processo de exposição seletiva das pessoas entre esses dois telejornais. “A audiência mais frequente do Jornal da Record reúne pessoas simpatizantes do governo Jair Bolsonaro, que foi um governo que difundiu muitas informações incorretas sobre as vacinas e que, ele próprio, fez campanha contra a vacinação”, destaca o pesquisador.
As conclusões da pesquisa do CPS da UnB reafirmam os resultados da pesquisa que originou e o Coletivo Bereia e orienta suas ações: “Caminhos da Desinformação: Evangélicos, Fake News e WhatsApp no Brasil”. Realizada de 2019 a 2020, a pesquisa foi conduzida pelo Grupo de Estudos sobre Desigualdades na Educação e na Saúde (Gedes), do Instituto Nutes de Educação em Ciências e Saúde da UFRJ, sob a coordenação dos professores Dr. Alexandre Brasil e Dra. Juliana Dias, colaboradores do Bereia, com relatório publicado em 2021.
No último 28 de agosto, o portal de notícias Gospel Prime veiculou informações de uma pesquisa que apontou evangélicos como maioria na América Central, em matéria com o título “Evangélicos já são maioria na América Central, diz pesquisa”.
Sem apresentar detalhes sobre a metodologia utilizada, o site também divulgou informações sobre o comportamento da população religiosa e apresentou dados sobre liberdade religiosa na região.
Imagem: reprodução Gospel Prime
Bereia apurou informações sobre a pesquisa utilizada.
Dados apresentados pela pesquisa
O site religioso Gospel Prime traz, em manchete, a informação de que evangélicos já são maioria na América Central. No texto veiculado, o portal de notícias destaca que 42% dos habitantes da região identificam-se como protestantes, enquanto 39,9% identificam-se como católicos romanos.
Para reforçar o papel evangélico na composição social centro-americana, o site traz, ainda, dado segundo o qual a Igreja Católica teria perdido, entre 1950 e 2023, 60% dos fiéis na Nicarágua. Outro dado exposto é o de que cristãos evangélicos estariam mais comprometidos com atividades religiosas e com a leitura da Bíblia.
As informações utilizadas pelo site são da segunda edição da pesquisa “Afiliación, Participación y Prácticas Religiosas”, estudo conduzido na América Central durante o primeiro semestre de 2023 e que entrevistou mais de 3 mil pessoas. A pesquisa afirma que o nível de confiança de seus resultados chega a 95% e os dados apresentam margem de erro de 1.65% para mais ou para menos.
O estudo também apresenta diversos dados relacionados ao fenômeno religioso, sendo o primeiro deles a migração religiosa do catolicismo para o protestantismo na América Central. Entre os entrevistados, 58% disseram ter sido educados no catolicismo, sendo que mais de 10% teriam migrado para o protestantismo, 6,9% para correntes sem denominação, e 0,4% teriam simplesmente abandonado a religião.
Em todos os países contemplados pelo estudo – Guatemala, El Salvador, Honduras, Nicarágua, Costa Rica e Panamá – houve diminuição do número de católicos e aumento do número de protestantes. Outras informações expostas pela pesquisa dizem respeito a práticas religiosas como frequência de orações, frequência de leitura da Bíblia, presença em cultos ou missas, contribuição com o dízimo, questões relativas à educação sexual e uso de contraceptivos, homossexualidade, aborto, entre outros.
Ao final, o estudo volta ao tema da proporção populacional de diversas correntes religiosas. A informação dá conta de que, especificamente na Nicarágua, observou-se, desde 1950, queda da população católica. A pesquisa não informa como os dados históricos foram obtidos ou coletados.
Informações sobre a instituição de pesquisa
A segunda edição da pesquisa sobre prática religiosa na América Central foi realizada pela M&R Consultores. Em seu site oficial, a instituição define-se como uma agência de inteligência de mercado da Nicarágua, fundada em 1991. A página informa, ainda, que a organização está em processo de expansão, já que, atualmente, realiza estudos na América Latina.
A M&R Consultores apresenta-se como membro da Sociedade Europeia para Pesquisa de Opinião e Marketing (Esomar, na sigla em inglês), fundada em 1947, e é dirigida pelo economista, psicólogo e declaradamente militante cristãoRaúl Obregón Morales. Apesar dos alegados mais de 30 anos de atuação, o estudo mais antigo publicado no site da instituição é de 2020. Nas mídias sociais, o perfil da organização tem poucos seguidores e quase nenhuma interação.
Imagem: reprodução Instagram
Dentre as pesquisas realizadas pela M&R Consultores, há diversas edições sobre a aprovação do governo de Daniel Ortega (FSLN), presidente da Nicarágua desde 2006. Bereia identificou alguns questionamentos acerca da credibilidade destas informações.
Reputação e credibilidade da M&R Consultores
O jornalista nicaraguense Miguel Mendoza contestou, em dezembro de 2019, as técnicas de pesquisa utilizadas pelo gerente geral da M&R Consultores Raúl Obregón Morales, em seu perfil do X, Twitter à época. Um dos comentários na publicação suscita a possibilidade de fraude nas eleições para corroborar os dados da pesquisa.
Imagem: reprodução X (antigo Twitter)
Na mesma época, o advogado e cientista político Adolfo Miranda Sáenz, colunista do jornal nicaraguense La Prensa, escreveu sobre as falhas técnicas do estudo. “A última pesquisa de M&R Consultores, me surpreendeu porque tem, segundo o que se lê publicado por eles em sua página na web, várias falhas técnicas que prejudicam a credibilidade”.
Em 2021, o portal de notícias Geopolitical Economy publicou uma reportagem sobre a popularidade da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) na Nicarágua, e tomou como base a 9ª pesquisa pré-eleitoral, de novembro de 2021. O texto aponta a M&R Consultores como “a principal empresa de pesquisas na Nicarágua” e pontua que a instituição “costumava ser regularmente citada pelos principais meios de comunicação, como a Reuters”, mas passou a ser ignorada por questões políticas.
O portal de notícias Nicarágua Investiga, em matéria publicada em 2022, divulgou que a M&R Consultores havia apontado a aprovação do governo do casal Ortega em 71,2%, e afirmou que a consultoria CID Gallup revelou em outubro de 2021, antes mesmo das eleições, que apenas 8% da população era favorável a manutenção da FSLN no poder.
Ritmo de crescimento da população evangélica em países da América Central
O professor da Universidad del Pacifico, no Peru, e vice-presidente do Instituto de Estudos Sociais Cristãos (IESC) José Luis Pérez Guadalupe, em entrevista ao Bereia, afirma que a tendência geral, desde os anos 1970, é de crescimento da população evangélica e diminuição da população católica, principalmente na América Central, mas há particularidades.
Segundo Pérez, é possível que, a partir de 2030, países como Nicarágua, Honduras e El Salvador passem a ter mais evangélicos do que católicos, realidade, porém, ainda não concretizada. Já em países como Costa Rica e Panamá, o cenário é diferente. O crescimento evangélico também é uma realidade, mas este segmento ainda representaria entre 20% e 25% das respectivas populações.
Outro aspecto que Pérez pontua é que a identidade religiosa, hoje, é cada vez mais fluida, o que torna comum que pessoas adeptas a diferentes religiões frequentem cultos de outras denominações, por exemplo. O professor destaca que, mais do que a mera identificação, o compromisso de cada comunidade com sua respectiva denominação é que constitui o dado mais importante.
Indagado sobre a qualidade da pesquisa divulgada pelo site Gospel Prime, Pérez afirma que, quando se trata de governos ditatoriais e autoritários, não se pode confiar em dados oficiais ou em supostos institutos de pesquisa. “Nas ditaduras, a primeira vítima é a verdade”, afirma.
Outros estudos sobre o assunto
Bereia buscou uma fonte relevante, não comprometida com o mercado, para comparar com os dados divulgados pelo Gospel Prime e chegou aos levantamentos realizados pelo Latinobarómetro, uma organização não-governamental (ONG) sem fins lucrativos com sede em Santiago do Chile. A ONG declara ter o objetivo de contribuir para o desenvolvimento da democracia, da economia e da sociedade como um todo, através de indicadores de opinião pública que medem atitudes, valores e comportamentos.
A Pesquisa Latinobarômetro é um estudo de opinião pública que aplica anualmente cerca de 20.000 entrevistas em 18 países latino-americanos, representando mais de 600 milhões de habitantes. Os resultados do Latinobarómetro são usados por acadêmicos, agentes públicos e governamentais, produtores de mídias, meios de comunicação, entre outros atores sociopolíticos da região e internacionais.
Enquanto a pesquisa elaborada pela M&R Consultores, e repercutida pelo Gospel Prime, afirma que a população evangélica na América Central chega a 42%, dados da ONG chilena mostram números menos expressivos. O relatório Latinobarómetro de 2020 aponta que o número de evangélicos na América Central era de 31,3%, chegando a 34,7% quando consideradas as categorias “evangélicos sem especificar”, “batistas”, “metodistas”, pentecostais”, “adventistas” e “protestantes”.
Imagem: reprodução Latinobarómetro
Os números para a população católica também divergem. Enquanto M&R Consultores e Gospel Prime afirmam que os católicos representam 39,9% da população na região centro-americana, os dados do Latinobarómetro 2020 apontam representatividade de 46,1% deste segmento.
A discrepância entre as duas pesquisas chama mais atenção no caso da Nicarágua que, segundo M&R Consultores, tem 47,5% da sua população identificada como evangélica. O Latinobarómetro 2020 demonstra que a parcela deste segmento religioso representa 38,7% no país em questão.
Ainda a respeito da Nicarágua, a pesquisa divulgada pelo Gospel Prime apresenta um gráfico sobre a evolução da presença de católicos e não católicos no país, desde 1950. Afirma-se que a presença católica no país saiu de 95,8% em 1950 para 41,8% em 2020. Já o Latinobarómetro, afirma que os católicos representavam 44,9% da população nicaraguense em 2020.
Liberdade religiosa na América Central
Outro dado também apresentado pela pesquisa da M&R Consultores, que foi omitido pelo site Gospel Prime, diz respeito à liberdade religiosa na América Central. Segundo a pesquisa, 92,7% da população centro-americana considera que têm liberdade de religião. Entre os grupos religiosos, 91,3% dos católicos, 94,2% dos protestantes e 93,1% dos crentes sem denominação teriam afirmado que há liberdade religiosa na região.
A pesquisa traz, ainda, os dados sobre a percepção de liberdade religiosa em cada país. Excetuando-se a Nicarágua, que apresenta 82,6% de respostas afirmativas para a existência de liberdade religiosa, todos os outros países pesquisados pontuaram acima dos 90% (Guatemala: 95,9%; El Salvador: 95,8%; Honduras: 94,6%; Costa Rica: 90,9%; Panamá: 96,7%).
O relatório Informe 2021 elaborado pela Latinobarómetro revela que 68% dos cidadãos da América Latina percebem que têm garantias de escolher livremente a sua religião. O percentual está oito pontos percentuais abaixo do valor registrado em 2018 e 2017 (76%). A diferença é a mais elevada desde quando o indicador começou a ser medido, em 2007.
Imagem: reprodução Latinobarómetro
Além dos dados do Latinobarómetro, o Relatório de Liberdade Religiosa no Mundo – 2023 publicado bienalmente, desde 1999, pela organização Aid to the Church in Need (ACN) – Ajuda à Igreja que Sofre –, ligada à Igreja Católica, revela dados diferentes sobre a liberdade religiosa na Nicarágua, país de origem da pesquisa elaborada pela M&R Consultores.
Enquanto na pesquisa da M&R Consultores o país aparece com 82,6% de liberdade religiosa percebida, o Relatório de Liberdade Religiosa no Mundo, da ACN, destaca negativamente o país. A ACN salienta que, pela primeira vez, a Nicarágua foi incluída na categoria “perseguição”.
“Isso se deve à forte opressão que o governo Ortega continua a exercer sobre a Igreja Católica, cujas ações incluem, entre outras, a expulsão do núncio apostólico e das congregações religiosas, o exílio forçado de sacerdotes, a privação do estatuto jurídico de entidades e organismos religiosos, a perseguição aos sacerdotes, o cerco a igrejas, a detenção arbitrária de líderes e fiéis religiosos, o fechamento de um canal de televisão católico, ameaças explícitas e insultos a líderes religiosos”, afirma o relatório.
O levantamento Latinobarómetro 2020 Nicarágua apresenta a opinião da população nicaraguense sobre até que ponto a liberdade de professar qualquer religião está garantida no país. Apenas 39,2% disseram ter a liberdade religiosa completamente garantida, enquanto 12,5% afirmaram não ser nada garantida. Os outros 48,3% dos participantes da pesquisa responderam que tem alguma garantia, pouca garantia ou não responderam.
Imagem: reprodução Latinobarómetro
Perseguição religiosa na Nicarágua
Os desafios relacionados à liberdade religiosa são cada vez maiores na América Central e vêm sendo destaque na imprensa internacional. O caso da Nicarágua, em especial, tem chamado atenção pelas atitudes do governo de Daniel Ortega.
O Correio Braziliense divulgou, em setembro do ano passado, que Ortega acusou a Igreja Católica de ser uma “ditadura perfeita” e que a polícia havia proibido procissões religiosas naquele período. A notícia também informava que “as relações entre o governo e a Igreja Católica se deterioraram desde os protestos de 2018, que o presidente vinculou a uma suposta tentativa fracassada de golpe de Estado planejada pela oposição com o apoio de Washington”. O texto pontua que o conflito se agravou em agosto daquele ano, após a prisão domiciliar do crítico do governo, arcebispo de Matagalpa, Rolando Álvarez e que quatro padres e dois seminaristas também foram detidos sem que as acusações contra os religiosos fossem divulgadas.
Na mesma ocasião, o portal Nicaragua Investiga publicou texto que mostra a ligação de Ortega com pastores evangélicos e a perseguição aos líderes católicos no país. Em 2023, a revista Forbes divulgou que duas dioceses dirigidas por Álvarez, a essa altura condenado a mais de 26 anos de prisão por crimes considerados ‘traição contra a pátria’, e a diocese de Manágua tiveram as contas bancárias bloqueadas pelo governo Ortega. O texto também cita a prisão de outros três padres. Esta perseguição é sofrida pelas lideranças católicas que se expressam de forma crítica a ações autoritárias do governo Ortega, o que não ocorre em relação outras lideranças cristãs alinhadas com o poder nicaraguense.
A Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou, em março deste ano, que o relatório do Grupo de Peritos em Direitos Humanos sobre a Nicarágua apontou que a população do país sofre violações de direitos humanos que configuram crimes contra a humanidade.
Imagem: reprodução ONU News
Em artigo traduzido e publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos, o teólogo e padre italiano, professor da Universidade de Flensburg, na Alemanha, Marcelo Neri detalha como o governo da Nicarágua tem agido com a Igreja Católica por se posicionar contra o regime Ortega. “Entre os dias 5 e 6 de fevereiro, ocorreram dois julgamentos de farsa que condenaram o grupo de colaboradores de Dom Alvarez e outro padre detido também em agosto de 2022 a 10 anos de prisão sob a acusação de conspiração contra o Estado da Nicarágua”, diz o texto do teólogo.
Na última semana, a BBC News Brasil publicou matéria sobre a perseguição do governo Ortega a ordens religiosas na Nicarágua. Em entrevista por telefone à BBC, o teólogo e porta-voz oficial da Companhia de Jesus na Nicarágua José María Tojeira explica de que modo o governo Ortega vem perseguindo a Igreja no país.
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Bereia considera o conteúdo checado como impreciso. Os dados da pesquisa divulgada pelo portal de notícias Gospel Prime, de forma ufanista, não são comprováveis, principalmente por não haver informações sobre a metodologia utilizada para a coleta e processamento destes dados. Ainda, a fonte tem histórico que levanta dúvidas em relação a comprometimento mercadológico e político.
Afora isto, o levantamento apresenta características de desinformação quando não considera a perspectiva católica sobre liberdade religiosa na Nicarágua. A maneira que as informações foram apresentadas pode levar o público a julgamentos errôneos sobre determinados grupos e organizações. Portanto, carece de complementações e alguma contextualização, por isso Bereia recomenda recurso a instituições de pesquisa metodologicamente acreditadas.
No contexto da tensão social produzida pelo conjunto de acontecimentos políticos ligados à direita extremista, descritos no primeiro artigo deste estudo, surge, no Brasil, um novo ator político ligado ao neoconservadorismo religioso: o evangélico pentecostal. O aprofundamento do conservadorismo moral defendido por figuras religiosas e, particularmente, disseminadas pelo presidente da República Jair Bolsonaro (2019-2022), desde que se colocou no centro do debate, faz com que busquemos compreender a relação entre o ex-presidente e tais preceitos.
Um ponto importante, defendido pelo pesquisador Geoffrey Pleyers, é que não haveria uma batalha ideológica opondo evangélicos e católicos, como costumeiramente se imagina, mas sim, uma disputa em torno do fundamentalismo religioso. A polarização se daria entre progressistas e conservadores, independentemente da identificação religiosa. Ele esclarece como a categoria “evangélicos” agrega diferentes denominações e subdivisões, por isso seria uma análise superficial dizer “os evangélicos”, pois foram os ‘cristãos conservadores’ que ajudaram a eleger Bolsonaro.
As igrejas evangélicas históricas enfrentaram embates ideológicos/teológicos, com influência de correntes norte-americanas, quando o pentecostalismo sofreu cisões tendo sua fé “renovada”. Após a abertura democrática e elaboração da constituição de 1988, a atuação política sofreu uma guinada. Com uma miscelânea de partidos políticos à disposição, mas preferencialmente pelos de direita e centro-direita, representantes de igrejas pentecostais passaram a ocupar espaços dentro do executivo e legislativo, almejando cargos mais altos.
Em sua maioria, a membresia das três maiores igrejas do segmento pentecostal: Assembleia de Deus (AD), a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e a Igreja do Evangelho Quadrangular (IEQ) é composta por pessoas pretas e pardas . Nesse contexto de crescimento numérico e de ocupação do espaço público, é criado, nestes espaços, um imaginário de povo, “povo de Deus”, “povo brasileiro”, como se tratasse de uma religião que o representasse. Mesmo compondo uma minoria, em 1986 pentecostais somam um terço do parlamento e a partir de então passam a ser um dos protagonistas da política brasileira, almejando cargos cada vez mais altos, confrontando os limites do establishment.
Em pouco menos de meio século, esses grupos passaram se articular politicamente e a fazer parte do cenário atual. Na primeira metade do século 20 um evangelismo fundamentalista missionário é popular entre classes médias e baixas, simpatizante do capitalismo, mas que rechaça o envolvimento com a política. Por outro lado, o chamado neopentecostalismo, que se estabelece com força a partir dos anos 1980, se opõe a essa visão, se alinhando à política e à Maioria Moral estadunidense.
Um sintoma do neoconservadorismo moral e religioso na política foi a consolidação da Bancada Evangélica por meio da criação da Frente Parlamentar Evangélica, em setembro de 2003, com deputados e senadores de diferentes siglas e partidos, mas que se propunham a defender pautas relacionadas ao Cristianismo. Para ter governabilidade e aprovar medidas de cunho social, o governo do Partido dos Trabalhadores (PT) à época, com o presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, se viu obrigado a fazer alianças com o grupo, permitindo-lhe mais espaço em cargos do Poder Executivo e participação em projetos sociais.
A força política adquirida permitiu que os políticos evangélicos avançassem na demanda por pautas nevrálgicas ao neoconservadorismo. Uma das ações foi a campanha, em 2011, no início do terceiro mandato do PT no governo federal, contra um material didático-pedagógico que seria destinado às escolas públicas, cujo conteúdo visava conscientizar estudantes contra a homofobia. Parlamentares católicos e evangélicos ameaçaram embargar políticas sociais e econômicas caso o governo não cancelasse o projeto. O então deputado Jair Bolsonaro (Partido Progressista), junto com representantes da Bancada Evangélica, passaram a chamar o material enviado para as escolas públicas nessa campanha de “kit gay” para fazer acusações ao projeto de que serviria para perversão sexual dos estudantes.
Nesse sentido, embora as lideranças do PT nos três mandatos de governo (2002-2016), sob a Presidência de Lula e Dilma Rousseff, não tivessem uma afinidade religiosa com esses grupos religiosos, colaboraram com seu fortalecimento ao realizar alianças para concessão de cargos e ceder a pressões.
Como afirmou a cientista política Wendy Brown: “O ressentimento é energia vital do populismo de direita”. Ou seja, para os cristãos neoconservadores, o avanço de pautas progressistas constituem uma ameaça, por isso se sentem ameaçados com o avanço da agenda LGBTQI+ (criminalização da homofobia, casamento e adoção por casais homoafetivos), incorporação da temática igualdade de gênero em processos educacionais (caso da rejeição ao Plano Nacional de Educação, em 2014), e atuam de maneira a cercear direitos já conquistados.
O embate entre homossexuais e cristãos conservadores reforçou a retórica denominada “cristofobia”, uma forma de apropriação do termo e contra-argumento, pois o acusado de homofobia se colocada no papel de vítima de intolerância religiosa sobre o qual teria sua liberdade religiosa ameaçada. Outra reação dessa bancada religiosa foi PL 234/2011 que regulamentava a atuação de psicólogos no tratamento da homossexualidade, conhecido popularmente como ‘cura gay’.
Já a ideia de esforço individual é uma cruzada contra políticas distributivas e identitárias que beneficiariam determinados grupos sociais em detrimento de grupos que precisariam sobreviver com seu próprio esforço. O antropólogo Ronaldo Almeida relaciona a valorização da ideia de meritocracia à Teologia da Prosperidade, popular entre neopentecostais, mas que se expande entre outras ramificações evangélicas. Refere-se ao princípio de que o desenvolvimento financeiro e a prosperidade material são benesses pelos esforços nos empreendimentos individuais e participação religiosa. Bolsonaro chegou a dar o título da sua proposta de plano de governo 2018, de “O caminho da prosperidade”, uma clara referência a esta teologia. Almeida observa ainda como Bolsonaro se autodenomina “pessoa de bem”, buscando criar uma conexão com trabalhadores honestos, vítimas de violências do crime e da corrupção do Estado.
É nesse sentido que o neoconservadorismo está presente na esfera pública nacional e em diferentes setores sociais, mas é o segmento religioso que tem liderado campanhas de cunho cristão e pautado temas moralistas com perspectiva excludente.
BAHIA, Joana; KITAGAWA, Sergio Tuguio Ladeira (2022). Religious conservatism in Brazilian politics: The discreet presence of Calvinist political theology in the public sphere. In: Revista del CESLA International Latin American Studies Review. Disponível em: https://www.revistadelcesla.com/index.php/revistadelcesla/article/view/775
BROWN, Wendy. O Frankenstein do neoliberalismo: liberdade autoritária nas “democracias” do século XXI. In: ALBINO, Chiara; OLIVEIRA, Jainara; MELO, Mariana (Orgs.). Neoliberalismo, neoconservadorismo e crise em tempos sombrios. Recife: Editora Seriguela, 2021.
BURITY, Joanildo. A onda conservadora na política brasileira traz o fundamentalismo ao poder?. Conferência Conservadorismos, Fascismo, Fundamentalismos: 12 dez 2016. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/311582235
**Os artigos da seção Areópago são de responsabilidade de autores e autoras e não refletem, necessariamente, a opinião do Coletivo Bereia.***Foto de capa: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Não deveria ser assim, diria Jesus Cristo, mas infelizmente é. Alguns dos autointitulados intelectuais do meio evangélico, por falarem como doutores, cometem desonestidade intelectual. Ao longo das próximas semanas devo apresentar algumas delas, as quais selecionei ora pela importância da temática, ora por sua insistente repetição.
A primeira grande desonestidade é atribuir o fenômeno do pós-cristianismo europeu ao surgimento do chamado liberalismo teológico. Para estes intelectuais o declínio da fé cristã no continente europeu se deu por conta da crescente racionalização da fé, de um profícuo diálogo com a ciência. Ao contrário dos fundamentalistas que, quando muito, instrumentalizam a ciência, apropriando-se das partes que lhes interessam, os chamados teólogos liberais se propuseram a revisionar interpretações, incorporar métodos no fazimento teológico. A perspectiva era dialógica, e não ideológica como fazem os fundamentalistas, pelo simples reconhecimento que nem toda verdade estava na Bíblia.
Os que assim fazem esquecem o desgaste pela longevidade no continente (2000 anos), o que faz com que a institucionalidade ganhe expressões insuportáveis para quem quer viver a singeleza da fé. Em Estudos de Religião é recorrente a noção de as religiões possuem sua maior taxa de expansão justamente no seu início, período em que há mais espontaneidade e menos institucionalização. Ora, ao mesmo tempo que a institucionalização funciona como um foco de permanência, de resistência para um grupo religioso, ela também traz consigo o desgaste, que afasta a instituição da sua própria raiz, da sua crença primeira, como Dostoievski brilhantemente assinalou em O Grande Inquisidor.
Outro esquecimento que me parece seletivo é a ausência de menção das guerras de religião, que varreram o continente europeu, opondo católicos aos protestantes e produzindo milhares de mortes em nome da mesma fé, nos séculos XVI-XVIII. Voltaire chegou a comparar tal insanidade a um trovão irrompendo em pleno sol de meio dia. Ele também sarcasticamente assinalou, em uma de suas Cartas Inglesas, que a Bolsa de Valores de Londres produzia mais resultados em termos de tolerância religiosa e de respeito ao diferente, do que os templos religiosos, dos quais os participantes saíam com menos disposição ao diálogo. Estas estúpidas mortes pelo legado da Cristandade e não do Cristianismo, e muito menos do Cristo, marcaram profundamente a alma do europeu, tornando-o reticente a uma religião que discursa sobre o amor, mas que tem disposição de matar seu semelhante por divergência doutrinária.
Nesta mesma linha que conduz aos equívocos históricos, está o apoio de boa parte da Igreja cristã ao nazismo, bem como a insistência de certos grupos alienados da pesquisa histórica que sustentam que regime hitlerista foi de esquerda. Os que assim procedem esquecem que da invasão da URSS, e do apoio da elite alemã a Hitler para que freasse a escalada da simpatia alemã com a internacional socialista. Sim, minha prezada leitora, o nazismo sacrificou judeus e caçou comunistas. Uma vez desnudados os horrores praticados na 2ª Grande Guerra, a igreja cristã ficou adesivada com este selo da vergonha, deslegitimando sua pregação. Se para Paulo a questão era quem iria ouvir a mensagem do evangelho se não há pregadores que alcancem as diferentes etnias, após a passagem do nazismo a igreja se viu diante de uma atualização: quem vai QUERER ouvir sua pregação?
Por fim, em uma lista que não se esgota em si mesma, é preciso lembrar que parte do escanteamento da fé cristã se deu pela sua própria e inadequada pregação. Há um esquecimento do teor do querigma praticado que obsoletou Deus. Ora, se Deus é anunciado como o cirurgião do plantão eterno, ou como o Rei das melhorias sociais, quando a ciência avança encontrando novas formas, fármacos para a cura, ele se torna, como lembra Harry Emerson Fosdick, obsoleto. O mesmo procede com um governo antenado às necessidades do seu povo. Nesse caso a política traria respostas que antes eram buscadas no templo. Não foi por outro motivo que Ernst Troeltsch aventou a possibilidade da religião se substituída pela Ciência e pela Política.
Se os pregadores querem que Deus seja sempre atual, é preciso falar mais sobre Ele e menos sobre o que Ele pode fazer. Se os pregadores querem que Deus seja assunto do almoço em família, é preciso que eles dialoguem com esse tempo, com suas demandas, em suas prédicas. Caso contrário, seguirão confinando Deus ao passado e declarando sua obsoletização, sua perda crescente de importância, quanto mais respostas a Ciência e a Política fornecerem às pessoas.
Fica então a indagação: por que tais intelectuais evangélicos não abordam estes fatores ao explicarem o declínio cristão na Europa? Por que eles não mencionam que o fundamentalismo tem feito o principal estamento religioso dos Estados Unidos, a saber, a Convenção Batista do Sul, perder membros, entrar em declínio?
**Os artigos da seção Areópago são de responsabilidade de autores e autoras e não refletem, necessariamente, a opinião do Coletivo Bereia.
Apesar de serem caracterizados, histórica e culturalmente, pelo apego à Bíblia, evangélicos brasileiros têm desobedecido intensamente nos últimos anos uma das principais orientações do livro sagrado cristão: não mentir.
Nos muitos textos sobre o tema, é enfatizado que Deus abomina a mentira, como no trecho de Provérbios 6.16-19, que se torna uma síntese dos outros vários.
“Há seis coisas que o Senhor odeia, sete coisas que ele detesta: olhos altivos, língua mentirosa, mãos que derramam sangue inocente, coração que traça planos perversos, pés que se apressam para fazer o mal, a testemunha falsa que espalha mentiras e aquele que provoca discórdia entre irmãos.”
Apesar da nítida orientação contida no livro tão amado e ressaltado por evangélicos, o que temos acompanhado no Brasil, pelo menos desde 2018, é um conjunto de posturas que favorece a circulação e a propagação de mentiras entre este grupo.
Estas posturas se configuram em um ponto inicial que é a formulação do conteúdo mentiroso dentro do próprio ambiente evangélico. Segundo o acompanhamento realizado desde a pesquisa Caminhos da Desinformação: Evangélicos, Fake News e WhatsApp no Brasil até o que é empreendido pelo Coletivo Bereia – Informação e Checagem de Notícias, pastores, pastoras, presidentes de igrejas, bispos e outra autoridades, influenciadores digitais, entre artistas gospel, políticos evangélicos e outras personagens que ocupam o espaço público e emergem como celebridades midiáticas, criam conteúdo falso e enganoso e o propagam em seus espaços nas mídias sociais dos aplicativos populares das big techs.
Nesta postura, parece haver uma intenção, ou seja, elaboração deliberada da mentira, para captar apoios de natureza demagógica nas comunidades evangélicas a temas e pautas de cunho ideológico. Entre elas esteve, por exemplo, a oposição a procedimentos científicos, como as medidas sanitárias aplicadas para a prevenção da covid-19 nos anos de 2020 e 2021. Está também a negação do valor da vacinação na proteção contra doenças e a aversão aos direitos de pessoas que não aplicam em suas vidas a orientação dos costumes evangélicos no tocante à sexualidade.
É possível contabilizar neste grupo material falso contra o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral e sobre fraudes em urnas eletrônicas, por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro durante o processo eleitoral 2022, entre outros temas, como foi o caso da campanha contra o Projeto de Lei 2630/2020, denominado popularmente de Lei das Fake News. A noção de que a chamada Lei das Fake News é uma lei de censura criada pelo atual governo e pelas esquerdas e o STF para silenciar as igrejas e para impedir críticas públicas a políticos, foi fartamente disseminada por estas personagens citadas acima.
Outra postura é o alinhamento à mentira da parte deste grupo e de lideranças que estão em nível intermediário (pastores e pastoras e pessoas que têm funções de destaque nas diversas comunidades evangélicas do Brasil afora) com a replicação (o compartilhamento) de conteúdo produzido por terceiros. Boa parte destas mensagens não tem conteúdo religioso exclusivo, mas traz temas como o do suposto cerceamento de liberdade de expressão, o negacionismo em relação à ciência (em especial na área da saúde), a ameaça comunista e de ativistas feministas e LGTBI+, e são repercutidos por afinidade/alinhamento ideológico.
Produtores da indústria da desinformação, que não são religiosos, mas querem captação de apoio para interferir em temas de interesse público e obter vantagens (políticas ou financeiras), conseguem assessoria de lideranças e influenciadores evangélicos para produzirem material específico destinado ao grupo. Oferecem memes, cards, áudios, vídeos, com linguagem que cria vínculos emocionais, com textos bíblicos, por exemplo. No caso da desinformação em torno do PL 2630, tornou-se conhecido que a Câmara Brasileira de Economia Digital, associação brasileira que reúne empresas como Meta (Facebook, Instagram e WhatsApp), Google e TikTok produziu um documento entregue a deputados afirmando que o projeto de lei proibiria a livre expressão de cristãos nas mídias sociais, especialmente a publicação de certos versículos bíblicos. O conteúdo falso foi disseminado por personagens como o deputado federal da Igreja Batista Deltan Dallagnol.
A postura da assimilação, por evangélicos comuns, as pessoas que participam cotidianamente das igrejas, é a que torna este grupo um forte propagador, ou “traficante” de desinformação. Fiéis evangélicos são os destinatários de todo este conteúdo. Tanto as lideranças e influenciadores religiosos, como os produtores da indústria da desinformação, buscam afetar estas pessoas, como mencionado acima, lançando mão do imaginário evangélico sedimentado em quase dois séculos de pregação e atuação predominantes entre grupo religioso no Brasil.
Este imaginário é moldado por elementos-chave como a superação perseguição religiosa, algo que absolutamente não existe no país contra cristãos, mas que é acionado pela imagem bíblica da perseguição de Roma aos primeiros cristãos; o enfrentamento de inimigos, as hostes do mal (Satanás e seu séquito) que atuam contra a propagação do Evangelho e o crescimento das igrejas; a pureza do corpo, em especial no cultivo de uma sexualidade padronizada no ocidente como heteronormativa, guardada para o casamento monogâmico para a geração de filhos e prosseguimento no povoamento da Terra.
Além de assistirmos a esta instrumentalização da religião para campanhas públicas em bases falsas e enganosas, vemos também o uso da palavra, por parte de líderes, para perseguir e atacar quem se coloca em oposição a estas posturas dentro das igrejas. Não são poucas as pessoas classificadas como não cristãs, traidoras da igreja, simplesmente por denunciarem o uso da mentira para capturar apoios.
Fica o desafio de pessoas e grupos evangélicos retomarem a Bíblia tão amada e um dos destacados ensinamentos de Jesus sobre conhecer a verdade, tal como registrado no Evangelho de João, fartamente instrumentalizado em discursos políticos do ex-presidente que deixou o cargo em 31 de dezembro passado, a mentira é exposta como filha do inimigo de Deus, o Diabo. Jesus diz, aos que se colocavam em oposição às suas ações, e que apregoavam mentiras neste debate público: “Vocês pertencem ao pai de vocês, o Diabo, e querem realizar o desejo dele. Ele foi homicida desde o princípio e não se apegou à verdade, pois não há verdade nele. Quando mente, fala a sua própria língua, pois é mentiroso e pai da mentira” (João 8.44).
**Os artigos da seção Areópago são de responsabilidade de autores e autoras e não refletem, necessariamente, a opinião do Coletivo Bereia
Lideranças religiosas e políticos conservadores continuam engrossando o coro nas mídias sociais de uma presente ‘ameaça comunista’ no atual governo. A narrativa segue forte, principalmente em ambientes religiosos. É o que mostra uma pesquisa realizada em março pelo instituto Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec) segundo a qual 39% dos católicos e 57% dos evangélicos entrevistados enxergam esta possibilidade para o país em decorrência do atual governo.
Diversas checagens realizadas por Bereia, desde de 2019, dão conta de que há vasto conteúdo desinformativo a respeito do comunismo no Brasil, com extensa disseminação de conteúdos enganosos, principalmente a partir do período eleitoral de 2018. No entanto, não é a primeira vez que a direita brasileira utiliza esta estratégia para alcançar mais adeptos.
Pesquisa Ipec
De acordo com a pesquisa realizada pelo Ipec neste março de 2023, sobre a avaliação do atual governo, 44% dos brasileiros acreditam que há alguma possibilidade do Brasil se tornar um país comunista. Destes, 39% dos católicos e 57% dos evangélicos entrevistados para este estudo enxergam o risco de uma “ameaça comunista” ao Brasil por conta do atual governo.
O levantamento trouxe ainda que 45% dos católicos avaliaram o atual governo como ótimo ou bom, 40% estão entre as pessoas sem ou de outra religião, enquanto que entre os evangélicos esse número foi de 31%. Já 33% dos evangélicos consideram a gestão ruim ou péssima, seguido de 21% dos católicos e 21% de outras religiões. Dentro deste âmbito, a avaliação do governo inclui também a nota regular e os índices de pessoas que não responderam ou não souberam responder. Outras perguntas do estudo sobre a gestão do atual presidente contemplam ainda aspectos como, confiança, apoio, posição do país no cenário mundial, defesa dos mais pobres e polarização política.
Ameaça comunista – um enredo antigo
Em artigo intitulado As Formas Discursivas e a Ameaça Comunista, a doutora em linguística pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Bethania Mariani, ajuda a entender que se trata, na verdade, de um fenômeno que remonta à década de 1920, ou seja, pouco tempo depois de iniciada a Revolução Russa, que instituiu o socialismo no que viria a ser a União Soviética.
Desde então, a narrativa da ameaça comunista volta à cena política de tempos em tempos, com mais ou menos força. Na década de 1960, por exemplo, a suposta ameaça foi utilizada pelos militares brasileiros para justificar a derrubada de um governo constitucional. O golpe militar de 1964 mergulhou o Brasil em um período de 21 anos sob regime de exceção e, hoje, há relativo consenso histórico, baseado em relatos e documentação oficial, de que nunca houve uma real ameaça comunista naquele contexto, conforme explicitado em matéria do UOL.
Conforme Bereia já publicou, o tema da ameaça comunista vem sendo amplamente explorado em contextos de desinformação, permeando todos os cinco temas mais presentes em checagens feitas entre 2021 e 2022: perseguição a cristãos, covid-19, “ideologia de gênero”/moralidade sexual, supostos feitos do presidente Jair Bolsonaro e tópicos específicos referentes às eleições.
Antes mesmo do período eleitoral, foram várias as checagens realizadas por Bereia envolvendo suposta ameaça comunista, desde a afirmação do então ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo, de que havia um plano comunista sendo instalado no Brasil, até mensagens anônimas que circulavam em ambientes religiosos espalhando pânico moral associado às ideologias “de esquerda”. Os exemplos são muitos e, em todas as ocasiões, o ambiente religioso foi contaminado com a narrativa da ameaça comunista, que, como prova a História, nunca se concretizou.
Desinformação e conspiração
Em artigo de opinião recentemente publicado na revista Carta Capital, o pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais e PhD em Comunicação e Cultura Contemporâneas Camilo Aggio estabelece uma conexão entre o fenômeno da desinformação e o das teorias conspiratórias. “Não há desinformação sem conspiração”, afirma.
Aggio destaca que “temos um espectro vastíssimo de ofertas conspiracionistas à disposição de quem precisa negar a ciência e o conhecimento especializado para manter suas convicções. Não poderia, portanto, ser diferente quando estamos a falar de uma ampla indústria de produção de desinformação no mercado digital de crenças”.
A constatação do pesquisador parte do monitoramento realizado pela União Pró-Vacina, em 2020, que constatou a presença de teorias da conspiração na maior parte das informações falsas sobre vacinas. A interpretação, porém, estende-se ao fenômeno da desinformação amplamente compreendido, o que se relaciona com os conteúdos falsos e enganosos que circulam nos ambientes religiosos, sejam sobre vacina, gênero ou supostas ameaças comunistas.
Falsa ameaça comunista segue presente nas redes sociais digitais
Conforme a pesquisa realizada pelo Ipec revelou, a narrativa da ameaça comunista continua tendo resultados concretos, principalmente no segmento religioso. O termo comunista é muitas vezes usado por estes grupos para designar comportamentos considerados por eles como imorais. Também por isto, essa narrativa é fortalecida mesmo na ausência de fontes ou indícios confiáveis de que um regime comunista poderia vigorar no Brasil e muitos brasileiros seguem acreditando nessa possibilidade.
Nas mídias sociais é possível enxergar o que a pesquisa levantou com dados, em que diversos perfis políticos, católicos e evangélicos disseminam a narrativa da ameaça comunista, criando um ambiente em que vigora o pânico justificado apenas no próprio discurso propagado. O uso do termo “ameaça”, por si só, carrega um significado específico, que perpetua a noção de um perigo iminente.
A suposta relação da fé com o anticomunismo faz com que o tema esteja sempre presente nos ambientes religiosos, o que ajuda a compreender os resultados da pesquisa Ipec e acende um alerta para que todos estejam sempre vigilantes quanto aos fundamentos dos conteúdos compartilhados.
O noticiário sobre política no Brasil repercutiu nos últimos dias notícia sobre a prisão de um indígena apresentado como cacique e pastor da etnia xavante.
José Acácio ganhou notoriedade nas mídias sociais após a divulgação de vídeos gravados em acampamentos em Brasília, sempre com vestimenta e pinturas tradicionais, se apresenta como representante e defensor dos povos indígenas e dos valores cristãos. Contesta as urnas eletrônicas e validade da eleição de Lula, faz ataques e ameaças ao ministro presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e discursos antidemocráticos.
Tsererê foi preso por encaminhamento da Procuradoria-Geral da República (PGR) ao Supremo Tribunal Federal (STF). Ele é acusado de cometer crimes de ameaça, perseguição e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. No início deste mês, um grupo liderado por Tsererê invadiu a área de embarque do Aeroporto Internacional de Brasília, onde discursou e entoou palavras de ordem contra ministros do STF e Lula. “Se precisar, a gente acampa, mas o ladrão não sobe a rampa”, afirmaram.
Bereia checou a dúvida que foi fortemente colocada em comentários de mídias sociais de veículos noticiosos e em algumas matérias jornalísticas quanto ao título “pastor” de Tsererê Xavante, seja por meio de questionamentos diretos ou pelo uso de aspas no termo.
Quem é José Acácio Tsererê Xavante?
Nas mídias sociais, José Acácio utiliza o nome de Tsererê Xavante e se apresenta como pastor evangélico da Igreja Re’ihoimanamono”u”otsinhorowa e na Aliança Missionária das Nações, integrante da ONG Associação Indígena Bruno Ômore Dumhiwê.
A adesão de Tsererê Xavante à direita política o levou a apoiar, já em 2018, a candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência, tendo ficado entre apoios e críticas de pessoas da igreja, como se observa em comentários de suas publicações em mídias sociais, como a reprodução abaixo.
Em 2022, o apoio à candidatura de Bolsonaro foi renovado, como se observa em postagens como a que está reproduzida a seguir. Após a derrota de Bolsonaro nas ruas, o apoio o levou ao extremismo das manifestações anti-democráticas
A presença de Tsererê Xavante nas manifestações em Brasília teria sido financiada por um fazendeiro de Araçatuba (SP), que tem propriedades em Campinápolis, região onde está demarcada da Terra Indígena. Esta constatação foi feita após a divulgação de um vídeo no qual o fazendeiro em questão, Dide Pimenta, que teria sido procurado pelo indígena em busca de apoio, explica o que fez para mantê-lo na capital e pede mais ajuda financeira.
No vídeo, Pimenta conta se juntou com amigos para enviar “oito ônibus de índios” e que teria enviado “outras etnias” para Brasília, em 11 de dezembro. O fazendeiro afirma que “estão com dificuldade de manter os índios” e pede colaborações de R$ 30 a R$ 500, que podem ser enviadas por “PIX para a conta direta do Tserere” ou para a dele próprio.
A ligação com a Associação Indígena Bruno Omore Dumhiwê
De acordo com as pesquisas da doutora em Sociologia Natália Araújo de Oliveira para a dissertação de Mestrado, defendida em 2010, a Associação Indígena Bruno Omore Dumhiwê foi criada no ano 2000, porém ficou ativa por pouco tempo. Em junho de 2009, a Associação foi reativada, tendo como presidente Tsererê Xavante e contando com 97 associados, entre 15 crianças, 30 adolescentes, seis não índios e os demais, indígenas adultos. Todos moradores da cidade de Nova Xavantina (MT).
A pesquisadora afirma que o presidente da instituição buscou uma visibilidade política não só da associação, mas principalmente a sua própria. Ela apoia essa hipótese no fato de não ter ocorrido nenhuma reunião da diretoria desde sua eleição, em 2009 até 2010, em que ela realizou a pesquisa, existindo somente ações isoladas que colocavam em evidência o presidente. Natália Oliveira avalia que o objetivo que Tsererê Xavante revelava era o de se tornar conhecido na sociedade nova-xavantinense para que pudesse ser eleito a algum cargo político da cidade. A socióloga ainda levantou na pesquisa que Tsererê Xavante se projetouna mídia nacional como candidato a participante de uma das edições do reality show Big Brother Brasil, da Rede Globo de TV
Pastor?
Tsererê Xavante se apresenta, em sua página no Facebook, como criador de conteúdo digital e registra que estudou nas instituições religiosas Instituto de Formação Cristã – Escola de Ministérios e na Escola do Clamor. Nesta mesma mídia o indígena declara que atualmente é pastor na Igreja Re’ihoimanamono’u’otsinhorowa. Várias publicações no perfil do Facebook de Tsererê Xavante mostram seu relacionamento com uma missão cristã entre indígenas xavantes e a sua ação como pastor.
Por meio de pesquisa nestes registros de mídia, pode-se concluir que a Aliança Missionária das Nações (AMN) tem atuação na Terra Indígena de Parabubure, onde está a aldeia a que Tsererê Xavante pertence. Neste território vivem cerca de 27 mil indígenas, distribuídos em nove terras demarcadas. Lá foi estabelecido um trabalho missionário, no qual Tsererê emergiu como liderança, sendo encaminhado para formação e pastoreio de uma igreja indígena. Ele se casou com uma das missionárias da AMN.
De acordo com lideranças da Associação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Tsererê Xavante não é um indígena tradicional e não é cacique. O líder da aldeia é o Cacique Celestino. Além de atuar como pastor evangélico e ter se casado com uma mulher não indígena, sua conversão ao cristianismo se deu após ter sido preso por tráfico de drogas, em 2008. A formação para o pastorado evangélico teria se dado quando estava na prisão, onde decidiu “seguir o chamado”. Ele teve pena reduzida em 2009, quando o Superior Tribunal de Justiça (STJ) atendeu a um recurso da defesa, que pediu a redução da pena pelo fato do réu ser indígena.
Imagem: reprodução do Facebook
Bereia checou as informações em contato com as instituições declaradas como parte da educação teológica e obteve a confirmação sobre a formação de Tsererê Xavante na no Instituto de Formação Cristã (IFC) – Escola de Ministérios, que pertence à Igreja Jesus Cristo é o Caminho, ambos localizados em Vinhedo (SP). Até o momento não houve retorno da Escola do Clamor, vinculada ao Ministério Clamor pelas Nações, ambos sediados em Belo Horizonte (MG).
Os dois cursos são livres, sem o credenciamento do Ministério da Educação, o que significa que a diplomação atende à formação de lideranças que podem atuar em determinadas igrejas que não demandam exigência de graduação em nível superior para o reconhecimento de seus pastores.
Missões indígenas e a extrema-direita
Ao se apresentar como representante e também defensor dos povos indígenas e dos valores cristãos, a participação de José Acácio Tsererê Xavante posiciona as missões indígenas na extrema direita política. Diante das contestações às urnas eletrônicas, à validade da eleição de Lula, bem como a ênfase aos ataques ao ministro Alexandre de Moraes e os discursos antidemocráticos expostos por esta liderança indígena, a APIB publicou uma nota sobre as manifestações golpistas em Brasília, na qual diz que:
“A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil repudia os recentes atos golpistas realizados na capital. Nossos povos não compactuam com qualquer atitude que ameace a democracia, ao contrário, sabemos que neste momento em que o fascismo ameaça o Estado de Direito no Brasil, precisamos lutar pela democracia como defendemos nossas próprias vidas.
Condenamos as manipulações promovidas pelo bolsonarismo, que se apropriou do uso das redes sociais e das piores práticas do jornalismo para criar uma realidade paralela, a qual aprisiona a consciência de pessoas inocentes e desinformadas, inclusive indígenas, que acabam sendo iludidas, cooptadas ou induzidas a cometer atos ilegais. Reconhecemos, porém, que não se trata apenas de pessoas iludidas, mas também de pessoas que atuam de má fé, propositalmente, dentre esses empresários que financiam tais atos e que precisam ser investigados e devidamente punidos”
A relação de indígenas com a extrema-direita é um fenômeno que tem sido observado por pesquisadores, como o cientista político Leonardo Barros Soares. Em artigo sobre o tema, ele avalia que se tratam “de indivíduos indígenas que orientam suas ações políticas pela cosmovisão que abrange ultraliberalismo econômico, militarismo e uma forte agenda moralista amparada pela gramática moral e institucional do cristianismo, sobretudo o de matriz neopentecostal”.
Para o pesquisador, a pauta defendida por estes indígenas se articula a “uma visão de mundo conservadora que adquire matizes específicas no que se refere ao seu caráter étnico” e se relaciona a::
apoio à liberação de atividades de exploração econômica no interior de terras indígenas (garimpo, mineração, pecuária extensiva, arrendamento para plantações de larga escala, extração de madeira, estabelecimento de cassinos, liberação de pesca esportiva, dentre outras)
a defesa da aquisição e porte de armas e munições atrelada à caça e a defesa da presença e expansão das missões evangélicas entre os povos indígenas, com destaque para aqueles em situação de isolamento voluntário;
tendem a argumentar que organizações não-governamentais “manipulam” os povos indígenas por meio de financiamentos internacionais que, na verdade, mascarariam os interesses escusos de governos estrangeiros sobre a Amazônia;
consideram que as políticas indigenistas do estado brasileiro levadas a cabo na redemocratização, em verdade, atrasam o “desenvolvimento” dos povos indígenas.
Soares alerta que “Goste-se ou não, o indígena em questão não é mais ou menos indígena que seus parentes e é responsável por suas escolhas políticas”.
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Tendo em vista a pesquisa realizada pelo Bereia sobre Tsererê Xavante é possível afirmar ser verdadeira a informação de que o indígena é um pastor evangélico. Ele lidera uma igreja entre xavantes denominada Re’ihoimanamono”u”otsinhorowa, criada pela missão da Aliança Missionária das Nações, na Terra Indígena Parabubure (MT). Já o título de cacique, Tsererê não possui. O Cacique Celestino é o líder da aldeia à qual ele está vinculado.
“‘Pastor do Lula’ quer criar escolas progressista de pastores” é o título da matéria publicada, em 12 de novembro, pelo site evangélico Gospel Prime. A matéria se baseia em uma das gravações publicadas no Twitter pelo pastor das Assembleias de Deus Paulo Marcelo Schallemberger, integrante do Núcleo de Evangélicos do Partido dos Trabalhadores (NEPT). As publicações do pastor relatam sua participação em uma reunião realizada, em 11 de novembro, pelo NEPT com lideranças evangélicas, na Sede do Diretório Nacional do PT, em São Paulo.
A matéria do Gospel Prime baseou-se em um dos três vídeos publicados no Twitter pelo pastor, no qual ele tem uma fala na reunião. O site evangélico afirma que Paulo Marcelo “aparece no Diretório Nacional do PT ensinando como ocupar as igrejas” e incluiu o vídeo, com 53 segundos de duração, publicado também no perfil do Twitter do veículo com a chamada “’Pastor do Lula’ ensina como ocupar igrejas e enganar pastores”.
O conteúdo publicado pelo Gospel Prime não contextualiza a fala do pastor, tão pouco a reunião da qual ele participou, e oferece aos leitores e leitoras uma avaliação: “Diante da forte rejeição do eleitor evangélico, o Partido dos Trabalhadores (PT) vem buscando formas de se infiltrar nas igrejas, incluindo a proposta de criar escolas progressistas de pastores, mas se identificar para atrair os líderes evangélicos”.
As publicações do pastor Paulo Marcelo Schallemberger
Paulo Marcelo Schallemberger tem sido alvo de abordagens negativas de lideranças e mídias evangélicas, desde que se apresentou em público, no início de 2022, como construtor de pontes entre o PT e os evangélicos. Ele ganhou o noticiário político nacional, como um líder das Assembleias de Deus participante da campanha eleitoral do ex-presidente Lula e foi o jornal Folha de S. Paulo que lhe atribuiu o apelido “Pastor do PT”, repetido agora pelo Gospel Prime.
Em abril, Bereia checou informações que circulavam em mídias sociais religiosas sobre o pastor, por indicação de leitores e leitoras, que incluíam várias acusações, verificadas como improcedentes. Nas eleições de outubro passado, Pastor Paulo Marcelo se candidatou a deputado federal (Solidariedade/SP), mas não conseguiu ser eleito, e consta no Tribunal Superior Eleitoral como suplente.
As publicações de Paulo Marcelo em seu perfil no Twitter, nas quais aborda a reunião do Diretório Nacional do PT, em 11 de novembro, são três, todas com pequenos vídeos de poucos segundos. Em dois deles, o pastor está falando aos presentes – um foi selecionado para a matéria do Gospel Prime (o terceiro na ordem de postagens):
No primeiro vídeo, Paulo Marcelo oferece sugestões de como o PT deve se comunicar com as igrejas evangélicas e mostrar que elas têm um lugar no programa de governo. Ele explica que a comunicação é fundamental para superar a estratégia de grupos de direita que demonizam as esquerdas e colocam as igrejas como “reféns de maus líderes”. Segundo o pastor, “na verdade não são homens que verdadeiramente seguem a Deus porque se seguissem a Deus não teriam coragem de mentir, sabendo que estão falando uma coisa que é inverdade”. Paulo Marcelo reforça: “Nós [líderes] temos a responsabilidade de mudar isto”.
No segundo vídeo, utilizado para o conteúdo do Gospel Prime, o pastor refere-se ao valor das políticas públicas para que as lideranças ligadas ao novo governo não sejam mais “reféns de Malafaia e de Macedo”. Segundo ele, com políticas públicas atingindo positivamente pessoas que são fiéis de igrejas evangélicas haverá abertura para que as igrejas conheçam “uma palavra de libertação da mentira do fascismo”. Paulo Marcelo segue com a explicação de como fazer:
“Criando escolas progressistas de pastores em todo o Brasil. Não tem as escolas que eles fazem? Levam os pastores lá? São Paulo, Campinas, Curitiba, enfim, Rio de Janeiro, começa com os núcleos nas cidades, a partir das cidades ir às regiões, vai para os estados. Primeiro na escola de Teologia tal tal tal (sic.). Evitar o nome ‘progressista’. Traz primeiro os pastores para depois você falar que precisar se falar pois qualquer frase assusta.. [corte]”.
A reunião com evangélicos progressistas
Bereia não conseguiu contato com os organizadores da reunião promovida pelo Núcleo de Evangélicos do PT em São Paulo, em 11 de novembro. Para esta matéria, a equipe levantou com as coberturas da rede de TV CNN e do portal de notícias paulista Poá com acento, que o evento reuniu evangélicos progressistas, ligados a partidos de esquerda, para discutir como contribuir com o processo de transição em curso e com o futuro governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, com foco na questão social. Foram convidados para a reunião pastores, pastoras e deputados federais eleitos que são membros de alguma igreja evangélica.
Em entrevista, um dos participantes do evento, o pastor coordenador da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, Ariovaldo Ramos, explicou que o evento também teve caráter celebrativo da vitória nas urnas, e da participação de evangélicos na campanha. Os presentes tiveram tempo para discutir como apoiar o governo Lula e trabalhar com a base evangélica, além de também dialogar sobre como as lideranças progressistas poderão garantir um processo de interlocução com o governo Lula.
Ramos reconhece que houve uma “overdose” de evangélicos no governo Bolsonaro, de uma forma que o pastor considera “errada, pois comprometeu a laicidade do Estado”. Porém, o pastor alerta que não se pode desconsiderar que os evangélicos são uma parcela relevante da população e que há de se dialogar com ela e “trabalhar nas bases e construir uma consciência evangélica”.
A reunião foi pauta do programa Visão CNN, na edição de 11 de novembro. Na abordagem do canal de TV, o jornalista Leandro Resende afirma que, entre os encaminhamentos, estão o chamado a igrejas pequenas e independentes para atuarem com o governo Lula, sobretudo em projetos de assistência social.
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Bereia classifica as publicações de Gospel Prime como enganosas. O veículo usa um vídeo postado pelo pastor Paulo Marcelo Schallemberger, em matéria sem apuração sobre o evento e o contexto da fala do pastor. A matéria no site e o tuíte do Gospel Prime atuam para alimentar desinformação fartamente utilizada no período eleitoral para impor medo de que um novo governo Lula representaria uma ameaça às igrejas e a cristãos.
Ao afirmar que o “pastor está ensinando petistas se infiltrarem em igrejas e enganarem pastores”, o Gospel Prime manipula a informação compartilhada pelo pastor Paulo Marcelo, retirando-a do contexto original.
A publicação se apresenta como matéria jornalística, porém se configura uma interpretação descontextualizada com a intenção de promover rejeição ao pastor Paulo Marcelo e ao governo do presidente eleito em 30 de outubro entre leitores e leitoras evangélicos.
Bereia afirma o valor de um amplo debate público, com o direito à crítica e à oposição a governos, a políticos e a apoiadores deles, marca do processo democrático. Porém alerta que este debate deve ser conduzido com conteúdo verdadeiro, marcado pela dignidade, garantindo a leitores e leitoras o direito à informação.
Direto ao ponto: a situação que começamos a viver a partir deste 30 de outubro se tornou pertinente para uma reflexão sobre fé e eleições. Convertido à fé evangélica desde os meus 14 anos, acompanho o uso do púlpito por candidaturas políticas que se tornou intenso com o bolsonarismo.
E a vitória do candidato do PT é, também, um resultado disso. Parte dela veio do voto silencioso. Muitos evangélicos acuados pela versão “venha para Jesus e vote em Bolsonaro”, com gritos de “mito” em cultos e batismos e a elevação de um humano num pedestal simplesmente causaram uma rejeição somada: já há alguns anos os próprios “candidatos da igreja” nem sempre conseguem ser eleitos e isso é, claramente, porque os próprios membros não os elegem.
Muitas igrejas evangélicas tornaram-se terreno fértil para teorias da conspiração e pânico moral. O apoio a um candidato vem com uma série de informações polemizadas, alarmistas, sem rastro de racionalidade, como visto nos últimos anos. Não há sequer esclarecimento sobre as notícias, existe apenas a veiculação conveniente.
A defesa cristã foi sequestrada pelo discurso partidário, pelo personalismo com pitada de messianismo, e o outro feito de inimigo em uma luta pelos “princípios” da fé. Não assumem que, na realidade, nunca haverá um candidato que corresponda aos anseios cristãos. Vamos criar uma lista para competir? É nisso que vamos reduzir a nossa fé? É a ideologia partidária que vai substituir as doutrinas do evangelho?
Não há voto cristão sem constrangimento, pois nunca haverá um candidato suficiente que corresponda a nossa fé. O mundo, a humanidade, os ideais, sempre apresentarão lacunas nos princípios, quanto mais estar em um partido! Sempre ocorrerá o constrangimento sobre em quem votar, pois, a humanidade está em jogo e homens imperfeitos pleiteiam cargos públicos. Um cristão nunca estará satisfeito sobre seja quem for e, no final, sobra ódio, pessoas excluídas e descrédito para as instituições religiosas que afirmam representar Aquele cujo Reino é superior a tudo isso.
Nosso país passou por um momento decisivo, e líderes religiosos optaram por entrar em jogos de mentira, deturpar notícias e não perceberam que, no silêncio, as pessoas calaram-se para conviver em suas comunidades, rejeitando, porém, suas “orientações”.
A presença dos evangélicos no Brasil é fato incontestável, com atuação em vários campos da sociedade e, de fato, ainda existe uma resistência em alguns setores para a presença de pessoas que não escondem a sua fé. O evangélico conservador sofre dificuldades em meios políticos mais progressistas – que desejam o seu voto e pouco a sua voz. A participação política faz parte da vida em sociedade. Todavia, esse caminho, que mistura pregação, espiritualidade e conveniência, está causando uma ferida difícil de curar.
Na defesa da família, partidos com candidatos cristãos votaram em mudanças nas leis que, na prática, deixam pais e mães cada vez mais ausentes de seus filhos pela necessidade de trabalhar. Pessoas estão passando fome e essa gravidade social se tornou menos importante que o direito às armas. Fantasmas do comunismo e sobre professores que ensinarão o filho a ser gay ultrapassaram a razão. E depois do pleito deste domingo, ainda candidatos apoiados por pastores continuaram sustentando uma narrativa de inimigos do “povo de Deus”.
A categoria “evangélico” caminha para um patamar mais político do que religioso, dando espaço para o fundamentalismo que incita a violência em nome de Deus. E Jesus já nos advertiu sobre esse perigo. Nunca haverá um candidato que corresponda de maneira suficiente aos anseios da fé cristã genuína, da qual nenhum segmento possui a patente. Não existe voto sem constrangimento, mas, combate à desinformação e aos discursos inóspitos do bem contra o mal são saudáveis para restaurar as comunidades evangélicas fraturadas. E se os líderes não escolherem esse caminho, o povo pode escolher.
**Os artigos da seção Areópago são de responsabilidade de autores e autoras e não refletem, necessariamente, a opinião do Coletivo Bereia.
Eleições definidas. Entre outros grupos que apoiaram o presidente derrotado, é preciso saber como se posicionarão os evangélicos bolsonaristas. Não tanto todos e todas que votaram em Bolsonaro, mas o grupo bolsonarista evangélico. O grupo que construiu o argumento da família e dos valores tradicionais, do antiesquerdismo visceral, do punitivismo, das armas e da defesa do neoliberalismo. Essas pessoas criaram um discurso evangélico de direita sobre a política, a sociedade e a própria fé. Tiveram notável sucesso em mobilizar a “consciência hermenêutica” dos evangélicos – isto é, sua propensão a “ler o mundo” permanentemente em busca de sinais da ação divina e de orientações para sua conduta – vem como em mobilizar a paixão em termos de um “programa”. Foram os evangélicos bolsonaristas que mais longe chegaram no intento de dar um nome e um roteiro como norte da política evangélica no Brasil, a mais bem-sucedida de toda a América Latina. Bolsonaro + um “neoconservadorismo à brasileira” (penso na versão americana dessa palavra, como “modelo” da direita brasileira).
O termo “evangélico” foi apropriado pela direita evangélica – primeiro a pentecostal, depois a histórica. Qualquer observação minimamente sensível do campo evangélico revela a heterogeneidade de posições em todas as direções. Mas “os evangélicos” foi tão solidamente hackeado pela direita que, simbólica e numericamente, passou a designar toda a população protestante. Primeiro, um “povo evangélico” de direita. Depois, um ator assim nomeado, “os evangélicos” pretendendo dirigir uma “maioria cristã”.
Pois bem, da velha identidade “apolítica” pré-democratização, a direita evangélica pretendeu reforçar o adesismo governista – a velha ideia de respeitar e obedecer às autoridades, orar por elas … apoiá-las, votar nelas, de modo quase incondicional. O governismo sempre foi corolário do “apoliticismo” evangélico. Também foi capitalizada a leitura moral dos acontecimentos (bem/mal, luzes/trevas, fé/descrença – ou seja, conversão evangélica ou recusa à mesma). A ela foi acrescida essa politização da “família” e do gênero (a “mulher virtuosa” e a heterossexualidade normativa).
Em terceiro lugar, o velho anticomunismo predominante entre os evangélicos desde os anos 1960, foi “atualizado” como crítica da “esquerda” em geral – democrática, socialista, comunista, anarquista, sindical, ongueira, eclesial, ou seja, qualquer pensamento da igualdade e da solidariedade que resista ao individualismo radical e à subordinação do estado ao poder das corporações, dos bancos e dos “empreendedores”. A perseguição aos evangélicos não-reacionários se intensificou enormemente sob a batuta da direita evangélica, muito ao modo dos tempos da ditadura, quando o governismo era defendido como tradução do apoliticismo e se expulsavam os dissidentes, após tentativas múltiplas de intimidação e desqualificação dessas pessoas.
Pois bem, entramos numa nova fase desse jogo. Agora a direita evangélica perdeu espaço no Congresso, perdeu seu “Ciro” (refiro-me ao governante persa do mundo antigo que, sendo pagão, foi considerado um “messias” – ungido, escolhido – para reconduzir o povo judeu no exílio a sua terra), seu Trump dos trópicos, e perderá seu controle arbitrário sobre a dissidência nas igrejas. Uma possibilidade é que se entrincheire denominacionalmente e vejamos uma debandada de fiéis não-bolsonaristas, reforçando uma divisão política no meio evangélico. Outra possibilidade é que os dissidentes consigam, em algumas denominações, reequilibrar o jogo e desalojar os mais reacionários de suas posições de mando.
Na política institucional, agora a direita evangélica será oposição. Foi oposição num momento de fragilidade do lulismo, entre 2014 e 2016. Mas agora será oposição fora do poder. Como se comportará? Vai manter-se como base do golpismo e da fragilização da democracia? Vai se tornar propositiva (como ensaiou a Frente Parlamentar Evangélica no governo Temer, com seu Manifesto ornitorrinco)? Perderá consistência? Será a primeira vez desde 1986 que suas posições estarão claramente do lado de fora da nova coalizão dirigente. Não sabemos se estará à altura do desafio de ser oposição político-religiosa.
Outro desafio é interno. Que “spin” vai ser dado ao discurso do governismo e do “biblismo político” (aquele código de leitura seletiva da Bíblia que legitima as alianças sociais e eleitorais e o programa da direita evangélica)? Se “o cristão” tem que obedecer às autoridades e orar por elas (sem ironias ou hipocrisia), a direita vai honrar seu ensino? Se ser de esquerda é ser anticristão, vai-se continuar rejeitando e perseguindo as vozes nas igrejas que não só se fizeram ouvir, mas estão mais organizadas do que nunca antes nas últimas quatro décadas? Vão partir pra disputa interna, transformando de vez as igrejas em campos de batalha ideológica? Como responderão as igrejas evangélicas à convocação do novo presidente a que se envolvam nos Conselhos a serem recriados, a participarem das conferências de políticas públicas, agora que cravaram anos de envolvimento direto no desenho e implementação de políticas “alternativas” nos governos Temer e Bolsonaro? Terão algo a dizer e propor? Quererão?
E como se comportarão os anti-bolsonaristas em relação aos líderes evangélicos bolsonaristas – alguns e algumas vitoriosos/as eleitoralmente, mas lançados à oposição (de direita, sem mais subterfúgios linguísticos, como “de centro” ou “conservadores”)? Vão peitar seus irmãos e irmãs? Vão enquadrá-los/las em nova guerra de posições dentro e fora das igrejas?
Ao que parece, ainda tem muita água pra rolar nesses primeiros meses pós-eleitorais. Algumas escaramuças serão conjunturais, mas há lances estratégicos a serem jogados na política evangélica no país, agora que ninguém mais duvida de que a religião pública – ou seja, a religião vivida em público, politizada e contestada publicamente em suas razões e ações – está aí pra ficar por bem mais tempo.
Bereia recebeu de leitores indicação de checagem de um vídeo de um influencer digital que se identifica como “satanista”, que faz a previsão de uma vitória de Lula no primeiro turno das eleições brasileiras de 2022. O vídeo viralizou, especialmente entre cristãos, com acusações a Lula de ser vinculado e ter o apoio de satanistas e causou muitas reações nas mídias digitais.
O homem que fala no vídeo é Vicky Vanilla, influenciador digital, com quase 1 milhão de seguidores no TikTok e que se apresenta como “mestre e líder da Igreja de Lúcifer do Novo Aeon”.
No vídeo que viralizou, Vanilla aparece em local com bandeira de Lula ao fundo, fala sobre suposta união de diferentes religiões, de segmentos satanistas e do ocultismo em nome da vitória do ex-presidente no primeiro turno de 2 de outubro.
O conteúdo foi publicado na sexta-feira, 30 de setembro, dois dias antes do pleito, e passou a ser compartilhado nas redes bolsonaristas no domingo, quando o resultado se encaminhava para definição por um segundo turno.
O Portal de Notícias da Record R7 e sites gospel como o Pleno News deram destaque ao vídeo.
Vídeo falso, conteúdo manipulado
Antes mesmo que Bereia concluísse a pesquisa deste conteúdo, vários projetos de checagem de conteúdo, como Aos Fatos, e veículos jornalísticos, como o Correio Braziliense, já haviam publicado uma verificação indicando a falsidade de tal material.
Na tarde do dia 3 de outubro, a campanha de Lula publicou nota intitulada “Lula é cristão. Não existe qualquer relação com satanismo”. No texto, a campanha afirma: “A verdade, como já repetimos antes, é que Lula é cristão, católico, crismado, casado e frequentador da igreja. Não existe relação entre Lula e o satanismo” (…) Quem espalha isso é desonesto e abusa da boa-fé das pessoas. O vídeo circulou em muitos canais do Telegram e grupos de WhatsApp e comprova como os apoiadores de Bolsonaro abusam da boa-fé das pessoas”.
O próprio envolvido no conteúdo, Vicky Vanilla, publicou um vídeo para desmentir o caso e declarar que foi feita uma montagem a partir de imagens tiradas de contexto e chama a publicação que viralizou de “fake news”. “Está sendo espalhado como uma fake news tanto a meu respeito, quanto a respeito do candidato Lula, que não tem qualquer ligação com a nossa casa espiritual”, completou Vanilla. O influenciador disse ainda que recebeu diversas ameaças depois que o material foi espalhado: “o bastante para fazer um boletim de ocorrência e entrar com representação judicial contra meus agressores”, destacou.
No perfil de Vicky Vanilla no TikTok, são encontrados conteúdo pró-Lula e anti-Bolsonaro. Porém há postagens em que ele ataca o candidato do PT de forma intensa e chega a associá-lo ao nazismo.
Viralização
Além de ter sido divulgado pelo Portal da Rede Record R7, por sites gospel e mídias sociais de lideranças e fiéis religiosos, o vídeo falso foi publicado pela deputada federal reeleita Carla Zambelli (PL-SP), que o utilizou para chamar seguidores para uma “guerra espiritual” no segundo turno das eleições, “do bem contra o mal”. Ainda na terça-feira, 4 de outubro, mesmo depois do desmentido da campanha de Lula e do próprio Vicky Vanilla, o senador eleito Cleitinho (PSC-MG) divulgou o material falso para convocar o voto “dos mais de 40 milhões de brasileiros que se abstiveram no primeiro turno por Jair Bolsonaro” (na verdade, foram cerca de 32 milhões de abstenções).
Até o momento em que esta matéria foi concluída o conteúdo falso ainda estava visível em todos estes espaços digitais.
ATUALIZAÇÃO: O Tribunal Superior Eleitoral determinou que o vídeo fosse tirado do ar nesta quinta, 6 de outubro.
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Bereia reafirma o que já foi publicado por agências de checagem e veículos de mídias: o vídeo que ainda circula vinculando o ex-presidente Lula a uma seita satânica é FALSO. Além de tal vinculação ter sido negada pela campanha do candidato, o próprio envolvido no conteúdo desmentiu sua participação e denunciou a montagem.
Bereia alerta seus leitores e leitoras para materiais divulgados durante o processo eleitoral para destruir a imagem de candidatos. Quem receber este tipo de conteúdo não deve compartilhar sem antes verificar a veracidade.
Em 1998 Sergio Arau dirigiu o brilhante curta-metragem “Um dia sem mexicanos”. Alguns anos depois, em 2004, o curta se tornou um filme não tão bom, mas que popularizou a ideia que o roteiro da atriz Yareli Arizmendi desenvolveu e que é inusitada: na Califórnia, em uma manhã aparentemente normal não havia mais mexicanos nos EUA. Eles haviam sumido. O que seria da Califórnia, Estado em que 30% da população é mexicana, sem a presença desses responsáveis principalmente pelos serviços e outros trabalhos fundamentais para que as coisas funcionem?
Pensar numa situação inusitada como essas pode dar a oportunidade para importantes reflexões e a impressão que tenho é de que suprimir um segmento similar da população, no caso brasileiro os 30% de evangélicos que aqui residem, seria o desejo de alguns, especialmente no dia 2 de outubro. Ter esse dia sem evangélicos parece ser o necessário para aqueles que não querem a reeleição e que esperam ver a alternância de poder na Presidência.
Se sem mexicanos a Califórnia pararia, as pesquisas parecem indicar que sem evangélicos seria certa a eleição de Lula no primeiro turno. São 150 milhões de eleitores habilitados a votar, se tirarmos os 30% de evangélicos, pelos dados do agregador do Estadão, teríamos Lula com cerca de 60% dos votos válidos. Uma vitória no primeiro turno estaria garantida.
Alguns, erradamente, teimam em atribuir uma pretensa culpa pela vitória de Bolsonaro em 2018 a este segmento. Naquela época escrevi um artigo em que busquei demonstrar que obviamente houve um importante papel do grupo na vitória, porém foi mais um dos vários componentes mobilizados pela campanha que redundou na vitória do candidato nas urnas (eletrônicas). Também cabe lembrar que ninguém é só evangélico, as pessoas são múltiplas e vários elementos contribuem para a nossa identidade e tomada de decisão.
Os evangélicos são o grupo religioso que mais considera a opinião de seus líderes na hora de decidir o seu voto, pesquisas indicam que cerca de 1/3 leva a opinião do líder em consideração. Os evangélicos também possuem impressionantes capilaridade social e organicidade, promovendo regularmente reuniões, sendo mais rápida e efetiva a comunicação voltada para esse grande contingente da população.
No mundo digital também se destacam, 92% destes afirmaram possuir grupos de WhatsApp ligados à sua igreja ou religião. E possuem vários grupos, como demonstrou a pesquisa “Caminhos da Desinformação”. Entre católicos esse percentual foi de 70% e em outras religiões abaixo dos 50%. Essa profusão de grupos são um caminho aberto para a circulação de informação, propaganda eleitoral e, não podemos esquecer, desinformação.
Um outro elemento importante é uma significativa presença de confiança interpessoal entre evangélicos, dessa forma a tomada de decisão relacionada a “em quem votar”, se reveste de uma grande oportunidade para diálogos e trocas que consideram o compartilhamento de uma percepção de projeto que tem na igreja e nos irmãos e irmãs um importante elemento.
Ter o voto desses fiéis exige investimento de recursos e de tempo dos candidatos, salientando que por haver uma maior importância das lideranças se estabelece um outro patamar de complexidade. Em um artigo publicado em 1996 explorei isso a partir da antropologia política evocando a importância da brokerage e de como a Igreja Universal inovava em um modelo de clientelismo em que a própria igreja desempenhava um papel de intermediária na relação entre eleitor e candidato.
Porém é importante frisar de que penso estarmos longe disso ter um sentido determinístico ou de alimentar teses sobre alienação e dominação. Podemos estar diante, em alguns casos, de situações que têm sido chamadas de “voto de cajado”, em uma atualização do “voto de cabresto” tão bem retratado na literatura sociológica por Victor Nunes Leal. Se isso é fato, por outro lado, também estamos diante do reconhecimento da presença e relevância social de um setor da população que há pouco tempo recebia em muitos casos olhares de desprezo por sua menor escolaridade, origem humilde e posição subalterna. As formas de alcançar esse público estão por ser descobertas e exigem atenção.
Parece que alguma coisa mudou por aqui e, talvez, da mesma forma que ao final do filme os moradores da Califórnia chegaram à conclusão de que não podiam viver sem os mexicanos, pode ser que nessas eleições de 2022 finalmente os partidos estejam devidamente conscientes de que precisam fazer campanha e dialogar com os/as evangélicos/as e suas lideranças de uma forma atenta e estruturada.
Já que não é possível uma eleição sem evangélicos, a disputa passa por garantir o aumento de votos neste segmento, isso parece ser um foco por parte das duas candidaturas à frente nas pesquisas. Isso se torna especialmente central para Bolsonaro, pois todas as suas tentativas de obter mais votos fracassaram em meio aos auxílios e à PEC Kamikaze. Parece que nessa reta final só lhe resta aumentar seus votos junto a este público que lhe deu ampla vantagem em 2018 e que tem dado sinais de uma certa manutenção da fidelidade. A candidatura do atual presidente sabe que precisa ampliar sua presença no segmento e que somente com ela será possível enfrentar Lula em um segundo turno.
Já para Lula a questão é a mesma, só que com o polo invertido. Isso se torna particularmente necessário diante da situação em que algumas das lideranças midiáticas e denominacionais atuam de forma dedicada na defesa da candidatura de Bolsonaro e, por meio de ações variadas como o acionamento de suas redes e instituições em uns casos e em outros até mesmo pela utilização de meios coercitivos, tomam lado e fazem campanha contra Lula. Um desempenho melhor entre evangélicos pode representar a chancela necessária para uma vitória no primeiro turno. O desafio envolve, então, a definição de um “modo petista” de se fazer campanha para/com evangélicos. Esta é uma condição que se coloca não só para essa, como também para as próximas eleições.
Novas formas de ativismo passaram a compor o cenário político brasileiro, traduzindo as mudanças significativas na organização e mobilização política na era das novas tecnologias, mídias sociais, influenciadores digitais, disparos de mensagens em massa etc, conferindo à esfera pública digital e à opinião pública um papel fundamental sobre as mediações que realiza entre os cidadãos e o Estado.
A pesquisa “Cara da Democracia no Brasil” realizada pelo Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação fornece algumas pistas para tentar compreender estas e outras importantes mudanças no comportamento, nas atitudes, nas crenças e valores dos cidadãos brasileiros com relação à democracia, temas que dominam o debate público desde a eleição de Jair Bolsonaro, como legalização do aborto, descriminalização das drogas e direitos das chamadas minorias.
De acordo com a pesquisa, o dobro dos brasileiros se diz mais à direita do que à esquerda no espectro político. Entretanto, devemos levar em conta que a compreensão do significado do que é pertencer à direita ou esquerda não alcança a maioria da população, e muitas percepções mudam ao longo do tempo.
Direita e esquerda
Os termos direita e esquerda no campo político surgiram no turbulento período da Revolução Francesa de 1789. Durante os acalorados debates na Assembleia Constituinte a respeito do poder que o rei Luís 16 deveria ter a partir daquele momento, o grupo conservador, favorável à manutenção dos poderes da monarquia, ficaram à direita; enquanto os progressistas ou revolucionários, que defendiam diminuir os poderes do rei, sentaram-se à esquerda.
Com o passar dos anos, as diferenças entre os grupos evoluíram para outros temas, além dos poderes da monarquia, que pouco tempo depois chegou ao fim. Com a direita em busca de uma república vinculada à Igreja e um Estado com mercado liberal e a esquerda lutando por um Estado laico e regulador na economia. Em alguns países os termos progressistas e reacionários, conservadores e liberais ou democratas e republicanos nomeiam esses espectros políticos opostos. No Brasil, mais de 200 anos depois das discussões na França, os campos da esquerda e direita, com diversos tons entre os extremos de cada lado, continuam polarizando o debate político.
A pesquisa “A Cara da Democracia”, para tentar compreender onde cada brasileira está posicionado neste debate, apresentou um questionário no qual os entrevistados deveriam marcar de 1 a 10, sendo 1 o máximo à esquerda e 10 o máximo à direita.
Entretanto, chama atenção na pesquisa – para além de uma direita sedimentada que convive com algumas opiniões progressistas pontuais – o grande número de brasileiros que acreditam em teorias da conspiração. Apresenta-se como um desafio compreender de que maneira essas bizarras teorias ocuparam o imaginário social, o conjunto de crenças, de parte da população.
É espantoso que 20% dos entrevistados acreditam que a Terra é plana, 21% que a cloroquina cura a covid-19, e 27% não acreditam que o ser humano pisou na lua. No aspecto “ideológico” das conspirações, os números são ainda maiores, 49% acreditam que a China criou a covid-19 e uma das teorias mais difundidas pelo bolsonarismo, o globalismo (ideia de que a globalização econômica passou a ser controlada pelo “marxismo cultural”), é acolhida por 44% dos entrevistados, que acreditam em uma conspiração global da esquerda para tomar o poder no mundo. O falecido guru do bolsonarismo, Olavo de Carvalho e o ex chanceler Ernesto Araújo difundiram o globalismo incansavelmente.
Como explica a jornalista e doutora em Ciências da Comunicação Magali Cunha, em seu artigo O lugar das mídias no processo de construção imaginária do “inimigo” no caso Marco Feliciano, “os seres humanos vivem de imagens, vivem de imaginação socialmente construída, o que forma e reforma suas crenças, sua linguagem e suas atitudes frente às demandas da vida e do outro”.
Desta maneira, “o imaginário é, portanto, um componente da existência humana como experiência marcadamente social, que dá sentido à vida coletiva e é ressignificado por ela. Imaginário é a elaboração coletiva da coleção de imagens formada pelo ser humano, de tudo o que ele apreende visualmente e experencialmente do mundo.”
Na campanha eleitoral de 2018, Jair Messias Bolsonaro reuniu os discursos conservador tradicional, neoliberal, populista e religioso em uma nova combinação e elaborou uma retórica sem precedentes no Brasil. Tal rearticulação discursiva materializa um projeto hegemônico para a constituição de uma nova base e agenda política, liberal na economia e conservadora nos costumes, que é uma das facetas de um projeto político mais amplo de reestruturação da hegemonia do bloco centrado na elite econômica e financeira do país em novas condições.
De acordo com o sociólogo Jessé Souza, “distorcer o mundo social é parte do projeto das classes dominantes para subjugar os demais segmentos da sociedade e se apropriar da riqueza nacional e só a percepção adequada da dimensão cultural e simbólica da vida social nos permite uma compreensão mais profunda e verdadeira da vida que levamos como indivíduos”. No Brasil de Bolsonaro, as pautas morais e o inimigo comunista alimentam o imaginário de grande parte da população. As mídias sociais são o caminho.
“Engenheiros do Caos”
Na obra “Os Engenheiros do Caos: Como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições, Giuliano da Empoli (2019) refaz os caminhos percorridos por figuras como Gianroberto Casaleggio_ cofundador do partido italiano Movimento Cinco Estrelas e um dos primeiros a utilizar a internet e as redes sociais para fazer política, Steve Bannon – guru de Donald Trump e um dos principais nomes da ultradireita no mundo, Milo Yiannopoulos – comunicador e “blogueiro” inglês, apoiador convicto da “liberdade de expressão” e crítico feroz do “politicamente correto” e Arthur Finkelstein – conselheiro de Viktor Orban, presidente ultraconservador da Hungria, que juntos “estão em vias de reinventar uma propaganda adaptada à era das selfies e das redes sociais, e, como consequência, transformar a própria natureza do jogo democrático”. Esses são os Engenheiros do Caos.
O engajamento técnico: curtidas, comentários e compartilhamentos, tão buscados pelos executivos de marketing e publicidade das grandes empresas, é também o objetivo desses “profissionais” da esfera pública digital. Assim, colocam os algoritmos das redes sociais digitais ao seu favor, pois se os programadores do Facebook ou Instagram, por exemplo, trabalham para atrair e prender a atenção dos usuários pelo maior tempo possível, os algoritmos e ferramentas dos Engenheiros do Caos têm a mesma finalidade, capturar a razão dos indivíduos, neste caso, através da emoção, com iniciativas como o projeto Brasil Paralelo, produtora de conteúdo de extrema-direita, inspirado nas ideias de figuras como Olavo de Carvalho. Buscam “recontar” a História do Brasil, e as teorias da conspiração são a matéria prima de suas produções e documentários. Um projeto que à primeira vista pode parecer independente e feito por alguns jovens conservadores com “uma ideia na cabeça”, é parte de um movimento bem orquestrado, organizado e muito bem financiado.
Não importa se as posições apresentadas são absurdas, mentirosas ou fantasiosas, pois estão pautadas em uma questão numérica de engajamento e não são baseadas em valores éticos. A meta é identificar e hackear as aspirações e os temores dos usuários das mídias sociais digitais e fazer com que interajam com outros que defendem as mesmas posições e com as páginas ou perfis que apresentam estes conteúdos.
Magali Cunha explica que exércitos precisam de inimigos e a Teologia de um Deus guerreiro e belicoso sempre esteve presente na formação fundamentalista dos evangélicos brasileiros, compondo o seu imaginário e criando a necessidade de identificação de inimigos a serem combatidos, através dos tempos estes inimigos foram, em maior ou menor grau, a Igreja Católica, as religiões afro-brasileiras, os comunistas e mais recentemente, a população LGBTQIA+. Parte das estratégias no quadro das disputas político-ideológicas baseadas no enfrentamento de inimigos estabelecidos simbolicamente é criar uma “guerra” pela visibilidade, que comumente envolve números e exposição nas mídias.
As consequências na política nacional
Jair Bolsonaro e os seus próprios Engenheiros do Caos deram ainda uma nova roupagem a esse discurso, unindo a ameaça aos valores tradicionais da família e da ameaça comunista. Esses temas não são novos, mas a utilização das redes sociais digitais é a novidade.
Jessé Souza afirma que “colonizar o espírito e as ideias de alguém é o primeiro passo para controlar seu corpo e seu bolso”. De nada adianta os Engenheiros do Caos proclamarem as virtudes do governo atual e demonizar os governos de esquerda se ninguém acreditar nisso. E essa lavagem cerebral, ou melhor, privação sensorial, é turbinada pelas notícias falsas, teorias da conspiração, manipulação de dados e desinformação, turbinados pelas mídias sociais digitais e legitimadas por políticos, religiosos e influenciadores digitais. Algumas vezes, um indivíduo representa tudo isso, como o pastor presidente da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia.
Nessa bolha sinistra que comporta as mais inusitadas ideias e conspirações, os indivíduos em busca de acolhimento, reconhecimento e alguma explicação para seus anseios, parecem cada vez mais presos e hipnotizados. As teorias da conspiração, preconceitos e ódio sempre estiveram entre nós, no entanto, as redes sociais digitais conectaram pessoas com interesses em comum, inclusive os mais negativos. Os Engenheiros do Caos perceberam este poder das mídias sociais digitais e a utilizaram para manipulação da informação com fins políticos.
Derrotar Jair Bolsonaro é, para muitos analistas, fundamental para estancar esse processo do que podemos chamar de privação sensorial. Temos o componente religioso e conservador, um grande número de evangélicos e católicos representados por líderes políticos e influenciadores digitais nada cristãos, além de um grande contingente, independentemente de classe social ou nível de escolaridade, que lê cada vez menos, escreve cada vez menos, interpreta cada vez menos e tem nas mídias sociais digitais sua única fonte de informação.
Contudo, mesmo derrotando o atual presidente nas urnas, esse grupo extremista e seus métodos continuarão em atuação na esfera pública, buscando provocar uma ruptura no sistema democrático. Estes seres não estão mais nas sombras, são métodos e táticas são debatidos em artigos, livros e documentários, mas como um espectro sinistro, são difíceis de abalar ou capturar.
* Matéria atualizada às 19:58. A etiqueta foi atualizada como resposta a questionamento do autor do texto verificado.
Recentemente, o portal oficial do Partido dos Trabalhadores (PT) publicou notícia em que afirma o crescimento de 129% na quantidade de brasileiros autointitulados evangélicos ao longo dos governos liderados pela legenda, enquanto o número seria de apenas 6,5% durante o mandato de Jair Bolsonaro (PL). A publicação aponta, ainda, que a administração atual teria sido responsável por instabilidades, perseguições e desinstituicionalizações dentro do meio evangélico. A notícia foi divulgada em vários espaços digitais de esquerda na forma de card.
Crescimento no número de evangélicos
De acordo com pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, o número total de brasileiros autointitulados evangélicos subiu de 26,2 milhões no ano de 1999, para 42,3 milhões em 2010. Proporcionalmente, os evangélicos passaram de 15,5% para 22,2% no número total de brasileiros, sendo pentecostais, protestantes, religiosos de missão, carismáticos e outras denominações consideradas como evangélicas.
É importante salientar que o censo do IBGE é realizado a cada 10 anos. Porém, o último data do ano de 2010, já que, por decisão do governo federal atrelada aos cortes orçamentários relacionados à pandemia da covid-19, o levantamento que deveria ter sido realizado em 2020, foi suspenso e está em curso atualmente, já em 2022. Este déficit de dados torna especulativa qualquer informação que venha a defender um crescimento, ou diminuição, no número de práticas e de praticantes religiosos no país.
No entanto, instituições privadas costumam produzir suas próprias aferições de dados. É o caso do Instituto de Pesquisa Datafolha, vinculado ao jornal Folha de S. Paulo. Mencionado na matéria produzida pelo PT, o Instituto Datafolha conduz pesquisas sob encomenda para veículos de informações e políticos. Sua base de dados tende a se concentrar em centros urbanos e metrópoles, limitando a qualidade da amostra colhida.
Em pesquisa realizada pelo Instituto em 2016, três em cada dez (29%) brasileiros com 16 anos ou mais atualmente se dizem evangélicos; em 2020, ainda segundo o Datafolha, esse número subiu para 31%, isto é, 65,4 milhões de pessoas. Isto representaria um aumento de apenas 2% no número de evangélicos no país, dos anos de 2016 a 2020.
Todavia, os dados provenientes do Datafolha não são um parâmetro oficial adotado para mensuração do crescimento, ou não, no número de evangélicos ou de qualquer grupo religioso. Os resultados alcançados pelo instituto da Folha de S. Paulo dizem respeito a um universo amostral menor do que a parcela colhida pelo IBGE, portanto, não podem ser utilizados para afirmação comparativa referente a governos. Estas pesquisas estimativas são úteis na produção de resultados parciais para uma abordagem geral sobre possível distribuição de fiéis por religiões e sondagem de opinião como intenção de votos, aprovação do presidente etc, mas não configuram uma fonte oficial para ser utilizada na discussão de políticas públicas, como é o IBGE.
Políticas dos governos petistas voltadas ao público evangélico
A matéria do PT menciona ainda uma série de leis, projetos e acordos firmados entre o governo Lula e instituições religiosas, dentre elas: lei que permitiu que as igrejas e associações religiosas passassem a ter personalidade jurídica, em 2003, proibindo intervenções do Estado nas ações das igrejas e possibilitando a criação de seus próprios estatutos; criação do Dia Nacional da Marcha para Jesus, em 2009; criação do Dia Nacional do Evangélico (30 de novembro), em 2010.
Tais projetos não se deram apenas por uma boa vontade do então presidente para com os evangélicos, mas, sim, graças ao cumprimento de acordos políticos firmados entre ele, a Bancada Evangélica e lideranças políticas/religiosas. Em igual medida, Bolsonaro se alinha a uma bancada formada majoritariamente por agentes religiosos e realizou a aprovoção de projetos como maior flexibilização da compra de armas de fogos, redução de investimento em ONGs que atuam por direitos relacionados à pauta de costumes, nomeação de evangélicos para primeiro e segundo escalões de ministérios no governo federal, perdão para dívidas de igrejas com a Receita Federal, além de movimentar os debates sobre aborto, família e Direitos Humanos sob uma perspectiva conservadora de sua base aliada.
O interesse dos presidenciáveis no eleitorado evangélico
O voto dos evangélicos está sendo disputado pelos dois candidatos que lideram as pesquisas eleitorais para Presidente. Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Messias Bolsonaro (PL) têm buscado o apoio do segmento, que representa aproximadamente 30% da população brasileira, segundo os institutos de pesquisa, e deve ter um peso nas eleições de outubro de 2022.
De acordo com pesquisa do PoderData realizada de 22 a 24 de maio deste ano, Jair Bolsonaro lidera com 46% das intenções de voto entre eleitores evangélicos para o 1º turno, enquanto Lula marca 33%. A distância entre os dois presidenciáveis nesse grupo específico é de 13 pontos percentuais. Na rodada realizada de 8 a 10 de maio, era de 27 pontos. Os números desmistificam o apoio massivo dos evangélicos a Bolsonaro.
Ainda, segundo dados obtidos por uma pesquisa do Datafolha, também é possível relativizar a suposta homogeneidade do voto desses fiéis, principalmente quando se fala sobre as mulheres evangélicas. Entre elas, 39% votariam no petista, enquanto 30% declararam voto no atual Presidente. Os números seguem a tendência dos votos pelo país, que indicam preferência do gênero feminino por Lula. A vantagem do ex-presidente se amplia quando são consideradas mulheres jovens, de 16 a 24 anos, das quais 50% optam pelo candidato do PT, contra 22% que votariam em Bolsonaro. Se comparadacom a intenção de voto dos homens da mesma religião, a situação se inverte, são 46% contra 28% que votariam em Lula.
Do outro, o candidato do PT visa se aproximar desse eleitorado. A legenda formou núcleos evangélicos em 21 estados da Federação, a fim de adaptar a comunicação das campanhas aos valores desse segmento religioso. No início deste mês, o Partido também criou o CEU (Comitê Evangélico Unificado) com o objetivo de enfrentar as fake news que circularam fortemente entre a população evangélica na última disputa eleitoral. De acordo com a pesquisa “Caminhos da desinformação: evangélicos, fake news e WhatsApp no Brasil”, que deu origem ao Bereia e foi realizada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 49%, ou quase metade, dos evangélicos que responderam aos questionários afirmaram ter tido acesso a conteúdo falso. Desses, 77,6% disseram ter recebido as fake news em grupos de WhatsApp relacionados às suas igrejas.
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Bereia classifica a notícia como IMPRECISA, uma vez que se vale de dados não oficiais, estimativas de pesquisas, para corroborar argumentos de campanha que envolvem políticas governamentais. Como mencionado, as pesquisas de censo IBGE ainda estão sendo realizadas e os resultados divulgados pelo Instituto Datafolha dizem respeito a um universo amostral menor do que a parcela colhida pelo IBGE, além de o primeiro não ser uma fonte oficial do Estado. A matéria em questão cumpre um papel político de reconciliação do PT com o público evangélico, mostrando como a legenda e o povo evangélico lograram conquistas e prosperam durante o governo petista, levando o público leitor a uma compreensão de que durante o governo bolsonarista o pequeno crescimento do número de fiéis seria resultado de um não interesse político nessa comunidade. O crescimento, a estagnação ou decréscimo no número de fiéis de um grupo religioso depende de uma série de fatores socioeconômicos e culturais que precisam ser devidamente avaliados para se produzir uma afirmação como a que foi feita no site do Partido dos Trabalhadores.
O lançamento do Dicionário Brasileiro de Comunicação & Religiões aconteceu durante live realizada pelo Grupo de Pesquisa Comunicação e Religiões da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom). Estiveram presentes os organizadores do dicionário, professora Magali do Nascimento Cunha (coordenadora do GT e editora-geral do Bereia) e o professor Allan Novaes, que apresentaram a obra, seus objetivos e contaram um pouco sobre o processo de preparação do novo dicionário que teve início em agosto de 2018. Participou da live toda a equipe de pesquisadores e professores que fizeram parte da organização da obra que também será apresentada durante o Congresso Nacional da Intercom, a ser realizado nos dias 5 a 19 de setembro deste ano.
O Dicionário Brasileiro de Comunicação & Religiões é composto por mais de 60 verbetes analíticos introdutórios sobre diversos elementos das religiões no Brasil, panoramas comunicacionais do país e suas interfaces. Em sua fala durante a live, o mediador afirmou que o novo dicionário “é o coroamento de toda uma trajetória, de um trabalho árduo de várias mãos que trabalharam juntas na produção deste dicionário. Como é importante a gente poder oferecer para a comunidade científica e para a sociedade em geral, um produto de tanta qualidade. Um material que torna-se referência para todos em diversos níveis”.
“Temos um trabalho primoroso de produção de um dicionário que traz não só uma produção escrita, mas também uma curadoria científica dos termos de tudo que foi elaborado”, concluiu o vice-coordenador do GT, prof. Ricardo Alvarenga, informando também que houve uma revisão de consultores do material produzido, o que também garante que o dicionário oferece um conteúdo bastante importante e significativo, e “esta visibilidade é de fato uma oportunidade de fazer chegar a tantos outros que estão pesquisando este tema em nosso país”, disse o professor.
Construção coletiva
Magali Cunha saudou os espectadores da live lembrando que muitos presentes no evento colaboraram com a preparação do dicionário, que “ foi construído coletivamente junto com pessoas de todas as regiões do país”. A professora afirmou ainda que o novo dicionário “é um retrato do que é hoje a pesquisa em comunicação. Não trouxemos apenas uma coleção de verbetes juntando palavras que achamos importantes, mas as palavras nasceram de um processo de muita reflexão e só apareceram depois de dois anos de diálogo”.
O Grupo de Trabalho realizou três seminários temáticos para discutir os eixos focais de comunicação e religiões no Brasil. Magali Cunha disse que depois destes seminários o GT foi “afunilando as questões, trazendo para eixos e daí decidimos quais seriam os temas que apareceriam em cada eixo, a partir de muita reflexão”.
Outra decisão importante, de acordo com a coordenadora do GT, foi a de não trabalhar com estudos de mídias, como era a proposta original de um dicionário de mídias e religião. “Muito mais do que mídias, nós tempos processos de comunicação. Então tivemos este ato corajoso de ampliar e tratar a temática da comunicação”, disse Magali. E o GT tomou outras decisões consideradas importantes também. Decidiu trabalhar com religião no plural, religiões, pela própria diversidade/pluralidade que está incutido neste conceito. “Por isso colocamos religião no plural, religiões, não só religiões, mas religiosidades, espiritualidades, experiências múltiplas em torno do que a gente chama de religião e discussões riquíssimas que apareceram”, informou.
O Grupo também buscou olhar o que se pesquisa desta interface de Comunicação e religiões no Brasil, e segundo Magali, o também autor do dicionário, prof. Jorge Miklos aceitou o desafio de “nos liderar em olhar o ponto de teses e dissertações da Capes para identificarmos junto também com o que tem sido discutido na Intercom e nos grupos de trabalho da Associação dos Programas de Pós graduação em Comunicação para fazer um levantamento das temáticas”. O GT observou então, na área de Comunicação um crescimento significativo de pesquisas e uma dispersão muito grande de temas, que chamou de atomização de pesquisas e um número significativo de pesquisadores, e entenderam que teriam que se deter em alguns elementos para se concentrarem, conforme explicou a professora Magali.
Desafios
O GT Comunicação e Religiões constatou que o fenômeno das religiões na comunicação acaba meio subordinado a um dicionário que tende a ser uma publicação baseada não em temas da moda, mas numa permanência de temas. “Então este foi um desafio que esse olhar sobre as pesquisas já colocou para o nosso dicionário: não ficarmos com temas de moda, mas com temas permanentes”, disse a coordenadora.
Outro desafio para o GT foi uma prevalência de estudos do catolicismo romano seguido em temáticas referentes aos evangélicos e especificamente do pentecostalismo. “Um desafio que a gente sempre vinha colocando no grupo de ampliarmos para as religiões e não ficar focando somente em um grupo religioso. Tudo isso colocou pra gente esse desafio de trazermos um dicionário que tratasse com responsabilidade essas dimensões críticas da pesquisa de Comunicação e Religiões que os colegas trouxeram; explicitar a afinidade epistemológica destes dois termos: Comunicação e Religiões, que fosse explicitado de maneira muito responsável neste dicionário; é Comunicação ‘e’… Daí a perspectiva interdisplinar que foi trazida. Temos autores dessas múltiplas áreas: comunicação, ciências da religião, teologia, história, letras, ‘e’ – tratados de forma muito responsável e com profundidade e substância”, explicou a coordenadora do GT.
Os eixos temáticos
Depois de debruçar sobre essa temática e desafios, o GT decidiu trabalhar com quatro eixos temáticos a partir dos eixos do dicionário: Instituições, movimentos religiosos e poder; Linguagens e práticas religiosas; Processos e produtos midiáticos; e Teorias da comunicação e religiões. De acordo com a professora Magali, o GT também construiu 15 conceitos chaves, que não viraram verbetes porque entendeu que eles referenciam várias discussões dos verbetes que estão representados no dicionário.
“Nós acreditamos que é uma obra inédita no Brasil, que vai se tornar referência não só para pesquisadores, mas para profissionais da Comunicação, pessoas que trabalham nas mais diversas frentes da Comunicação e que podem ter este material, esta obra como uma referência para orientar e iluminar as suas reflexões, seus estudos”, concluiu a coordenadora do GT responsável pela elaboração do Dicionário Brasileiro de Comunicação & Religiões.
Bereia recebeu, de leitores e leitoras, vários pedidos de checagem sobre o pastor da Assembleia de Deus Paulo Marcelo Schallemberg, que aderiu à campanha do ex-presidente Lula à Presidência da República, com o objetivo de fazer “uma ponte” com evangélicos conservadores.
Reportagens da grande mídia e da mídia evangélica deram destaque à figura do pastor que, ao lado de sua esposa, pastora Bianca, tem percorrido os comitês de evangélicos progressistas e, também, grupos de pastores independentes em nome da campanha.
Bereia verificou que lideranças da Assembleia de Deus têm divulgado notas pelas quais negam a relação do pastor com a igreja e até mesmo que ele seja um pastor. A mídia evangélica, por sua vez, tem publicado matérias sobre Paulo Marcelo ter uma ficha criminal pregressa.
Bereia levantou em pesquisa que o pastor não é filiado ao PT, não militou em articulações progressistas antes, porém, já fez parte do PSC, tendo sido filiado em 2011, e ao Podemos, partido pelo qual foi candidato a vereador em 2020. Nesste pleito municipal Paulo Marcelo recebeu 4.486 votos (0,09% dos válidos), e figura na condição de suplente.
Imagem: reprodução do site do TSE
Imagem: reprodução do Estado de São Paulo
Quem é o pastor Paulo Marcelo?
O pastor Paulo Marcelo enviou ao Bereia um vídeo, no qual ele se apresenta e dialoga com representantes da ala evangélica do PT, veja aqui. A reunião ocorreu em 24 de março passado, e contou com os pastores Cesario Silva, Jair Alves e Josias Vieira.
Em 2021, Paulo Marcelo havia entregado a Lula um projeto de “inclusão de evangélicos” no PT, defendendo o “respeito à diversidade, sem indução à mudança de costumes”. O pastor afirma que pretende reunir um “exército de pastores” independentes dispostos a apoiar Lula.
Quando as grandes mídias passaram a publicar matérias sobre as articulações da campanha de Lula para alcançar evangélicos, com a adesão do pastor Paulo Marcelo, a Assembleia de Deus em São Paulo também emitiu nota informando que o pastor não pertence à denominação e não faz parte da convenção. A nota foi assinada pelo presidente da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB), pastor José Wellington Bezerra.
A Convenção das Igrejas Evangélicas Assembleias de Deus no Estado do Paraná (CIEADEP-18), cujo presidente é o Pastor Perci Fontora, também secretário-geral da CGADB e vice-presidente da União dos Ministros das Assembleias de Deus da Região Sul do Brasil, declarou não reconhecer Paulo Marcelo como pastor.
Tendo sua posição de pastor também questionada nas mídias pelo pastor presidente da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia, Paulo Marcelo respondeu em seu perfil no Instagram que não afirmou estar ligado como pastor a uma Convenção. E que este seria o mesmo caso de Malafaia, que em 2010 rompeu com a Convenção Geral para criar a sua igreja, que até hoje não pertence a nenhuma Convenção.
Ouvido pelo Bereia, o Pastor Paulo Marcelo resumiu assim a sua trajetória eclesiástica: “Em Foz do Iguaçu fui diácono, presbítero, depois, pela convenção CIEADP da CGADB, fui a evangelista em 2005 e em 2007 ordenado pastor. Congreguei ao lado do Pastor Israel Sodré por mais de 15 anos até ele ir para o céu, depois ao lado do Pr Isaías Cardoso . Até me mudar a SP em 2017 e ficar independente mesmo estando ligado à Assembleia de Deus no Paraná” . No vídeo do Instagram, Paulo Marcelo mostra o que seriam os certificados referentes a cada uma dessas etapas.
Em entrevista a um podcast gospel, Paulo Marcelo se apresenta como “pastor itinerante”. Bereia ouviu a teóloga, mestra em Ciências da Religião e pastora pentecostal Viviane da Costa para entender que categoria seria essa: “O pastor itinerante não é uma unanimidade dentro das igrejas pentecostais apesar de bem comum. Muitos pregadores que passaram pelo [Congresso dos] Gideões, devido à relevância do evento nesse campo evangélico, ganham visibilidade nacional, o que impulsiona seguirem exercendo esse ministério. É alguém que prega em outras igrejas como convidado para eventos mas não tem um cotidiano de pastor em uma igreja local. Também é chamado de pastor congressista ou conferencista, porque estão sempre viajando para pregar em diversos lugares”.
Folha corrida e Ficha Limpa
Bereia checou as informações a respeito da ficha criminal do pastor Paulo Marcelo e encontrou registros de um habeas corpus, de 17 de maio de 2007, e de uma prisão em 17 de julho de 2014.
Segundo o jornal Metrópoles, que teve acesso ao boletim de ocorrência, “o pastor foi preso porque policiais civis da 6ª Subdivisão Policial de Foz do Iguaçu acharam uma pistola calibre 380, com 45 cartuchos de munição, “no interior do closet de sua casa”, e uma “bucha com substância análoga a cocaína”.
O habeas corpus se refere a um pedido de prisão preventiva pelo fato de Paulo Marcelo não ter comparecido a um interrogatório a respeito do processo. O juiz apontou que não foram esgotadas as possibilidades de localização do pastor para a intimação.
Em carta, Paulo Marcelo explica que a arma e o entorpecente encontrados com ele pertenciam ao seu segurança particular. Ainda segundo o Metrópoles, “o processo foi suspenso na etapa inicial, um benefício previsto para processos penais em que os crimes possuem pena inferior a 4 anos de prisão. Para conseguir a suspensão do processo, o pastor teve de se comprometer a pagar fiança para uma instituição beneficente, a não frequentar bares e a comparecer mensalmente em juízo para justificar suas atividades. Paulo Marcelo cumpriu todas essas condições e teve qualquer punição extinta, em março de 2017, por esse caso”. Estas ocorrências não impediram a homologação de sua candidatura e até mesmo a tentativa de se eleger para a Câmara dos Vereadores de São Paulo, em 2020. Na sua ficha no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), constam certidões negativas apontando não haver processos em curso contra o pastor.
As Assembleias de Deus no Brasil: entenda as Convenções e Ministérios
As Assembleias de Deus chegaram ao Brasil por intermédio dos missionários suecos Gunnar Vingren e Daniel Berg, que aportaram em Belém do Pará, em 19 de novembro de 1910, vindos dos Estados Unidos. Após romperem com a Igreja Batista, Vingren e Berg fundaram uma nova Igreja e adotaram o nome, por inspiração do movimento das Assembleias de Deus nos Estados Unidos da América.
Nas Assembleias de Deus as igrejas sedes têm várias filiais (igrejas locais), todas com várias congregações e pontos de pregação. Muitas dessas comunidades não possuem personalidade jurídica independente.
Essa fluidez institucional favorece uma estrutura na qual as maiores sedes formam organizações “guarda-chuva” (com personalidade jurídica) que têm, atualmente, várias convenções nacionais, sendo as principais, a Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB), a Convenção Nacional das Assembleias de Deus Ministério Madureira (CONAMAD) e a Convenção da Assembleia de Deus no Brasil (CADB).
São convenções nas quais são filiados pastores e obreiros, que realizam assembleias e têm estatutos, cada um responsável por seus campos, ou ministérios. Além das convenções, as Assembleias de Deus são organizadas em Ministérios, que são articulações que mantêm o nome “Assembleia de Deus” mas são formados a partir de dissidências dentro das convenções.
Como funciona o setor evangélico do PT
O PT conta com núcleos de evangélicos no plano nacional e nos estados, os Núcleos de Evangélicos do PT (NEPT). Há também a organização de comitês de evangélicos, em todos os estados do país, liderada pela deputada federal, ligada à Igreja Presbiteriana Benedita da Silva (RJ).
Bereia ouviu dois pastores que são referências entre os evangélicos progressistas, o pastor da Igreja Presbiteriana Independente, Luis Alberto de Mendonça Sabanay, da coordenação do Núcleo Nacional de Evangélicos do PT; e o coordenador da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito pastor Ariovaldo Ramos. Sabanay afirmou que “há um racha no mundo evangélico bolsonarista e que o desafio do campo progressista é acolher essas dissidências do bolsonarismo”. Para ele, o caráter da atual disputa é “antibolsonarista” e “quem quiser somar, está dentro”.
Ariovaldo Ramos, em uma análise mais ampla, afirma que “ninguém sabe ao certo o tamanho e a direção da base eleitoral evangélica, porque todos estão trabalhando com dados antigos, desatualizados, visto que não houve o censo nacional. Por isso, se o PT não souber lidar com esse campo, pode ser surpreendido”.
Ramos ainda afirma que o desafio é atrair e dialogar com os evangélicos não-progressistas, porque os progressistas, como ele diz, “não são os alvos dessa comunicação”. Porém, “a duplicidade de canais e a confusão na comunicação podem não ajudar o PT a dialogar com esse campo”, afirma o pastor.
Os irmãos de Bereia foram considerados “mais nobres” que os de Tessalônica pelo espírito crítico ao examinar as doutrinas apresentadas a eles por Paulo. Queriam conhecer a Cristo, mas não se mostraram preguiçosos nessa busca: foram atrás para confirmar aquilo que o apóstolo lhes expusera.
Hoje, quando dizemos que uma igreja, ou um cristão, são “bereianos”, queremos, por extensão, elogiá-los, por possuírem a mesma atitude cautelosa, criteriosa, de julgar todas as coisas, passando tudo pelo crivo de uma acurada pesquisa.
Infelizmente, essa não tem sido a postura de parcela dos cristãos em nossos dias, que acabam sendo, na prática, “anti-bereianos”: abraçam tudo o que recebem… Não examinam… Não conferem a veracidade dos fatos nem a credibilidade das fontes.
49% informaram já ter recebido ‘fake news’ em seus grupos;
23% afirmam não checar as notícias que recebem pelo WhatsApp;
30% reconhecem compartilhar notícias falsas.
É assustador. Pois justamente aqueles que sempre tiveram em sua história a verdade como um dos pilares da sua fé, agora são complacentes com a mentira. E com um agravante: em tempos de pandemia, desinformação pode provocar mortes.
Contudo, esse descaso com a verdade não se trata de um fenômeno novo no meio evangélico. O advento da internet apenas ampliou a facilidade de, agora, atingir multidões.
Há pelo menos duas décadas, quando o “velho” e-mail tornou-se a forma mais usual de comunicação eletrônica, muitos cristãos – conscientemente ou não – replicavam para a sua lista de contatos, não apenas notícias ou informações, mas também inúmeros “hoaxes”… “Hoax” é uma palavra em inglês que significa “farsa”, aquilo que se faz com o propósito de levar ao engano o maior número de pessoas.
Alguns destes “hoaxes” se tornaram “clássicos” e têm resistido até hoje, ainda que desmascarados… Eis alguns:
– “Está faltando um dia no Universo” (computadores da Nasa teriam comprovado o texto de Josué que “o sol parou”)…
– “Boicote as Fraldas Pampers e o Sabão Ariel” (apregoava-se que a Procter & Gamble era satanista)…
– Até o inocente “Parabéns”, crentes já não cantavam mais, pois as palavras finais “Rá-Tim-Bum” seria uma “antiga maldição persa” imprecada contra o aniversariante…
– “Achada a ossada de um gigante que comprova a Bíblia”…
Todos eram “hoaxes”. Porém, com didatismo e boa vontade, eu pacientemente respondia aos irmãos qual a correta visão bíblica, e lhes recomendava não repassarem tais coisas… Que o mundo ria de nós… E que o Evangelho não precisava disseminar mentiras para propagar a fé… O resultado? Perdi amizades de irmãos que se sentiram ofendidos com a exposição da verdade.
Se lá no passado os nossos irmãos bereianos colocavam à prova alguém com a credibilidade de um Paulo, será que hoje eles iriam receber – sem checar – as coisas que aquele “tio”, ou aquela “tia” gostam de mandar no grupo da família?
Aquilo que não resiste ao exame não pode expressar a verdade.
O jornal Folha de S. Paulo elaborou reportagem a respeito das fake news que estão sendo elaboradas por redes de apoiadores evangélicos do presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ) sobre seus virtuais opositores nas eleições deste ano. A repórter Anna Virginia Baloussier listou uma série de conteúdos que estão circulando nas mídias sociais envolvendo montagens e declarações fora de contexto de Luis Inácio Lula da Silva e Sergio Moro. A maioria evocando o pânico moral e a cristofobia. A editora-geral do Bereia, Magali Cunha, contribuiu com uma análise do cenário:
“Historicamente, as desinformações relacionadas à moralidade religiosa “afetam fortemente ambientes religiosos”, diz Magali Cunha, editora-geral do Bereia, coletivo que analisa potenciais inverdades que abordem conteúdos sobre religião —em pouco mais de dois anos, foram 285 checagens. Vide a mamadeira com bico em formato de pênis supostamente distribuída em creches paulistanas, mais infame notícia falsa a atingir a campanha do presidenciável Fernando Haddad (PT) em 2018.
Cunha aposta, contudo,que em tempos de crise econômica, quando a população se vê às voltas com fome e desemprego, “estas pautas perdem força de afetação”. Nas eleições municipais de 2020, por exemplo, já arrefeceram um bocado. “Neste caso, o acionamento do imaginário do inimigo e da perseguição a cristãos, como o tema da cristofobia, tende a ser mais explorado.”
O tema ainda repercutiu no podcast Café da Manhã, também da Folha, no qual o Bereia foi citado como referência na checagem de desinformação em mídias religiosas.
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Imagem de capa: reprodução da Folha de S. Paulo. Fotos de Ueslei Marcelino/Reuters, Marlene Bergamo/Folhapress e Evaristo Sá/AFP
Na condição de evangélico e membro de uma igreja presbiteriana no Rio de Janeiro, venho a público manifestar meu mais profundo lamento pela aprovação de André Mendonça, pastor presbiteriano, para o STF. O Estado é laico. Evangélicos precisam confiar realmente em Deus, e não depender de acesso aos poderes do Estado, como boa parte de seus líderes vêm fazendo, sobretudo desde que Jair Bolsonaro assumiu a Presidência da República. Mendonça foi aprovado pelo Senado para assumir uma vaga no STF, por 47 votos a 32. É a segunda indicação de Bolsonaro para o STF, a única instituição do país que ainda consegue deter os desmandos do presidente da República.
Bolsonaro – que está mais para lobo em pele de cordeiro – nunca foi evangélico. Mas quando começou a pensar em ser presidente da República rapidamente se aproximou de líderes evangélicos oportunistas. Com a ajuda dessas figuras, Bolsonaro então montou seu marketing eleitoral pra cima dos evangélicos. Deixou-se fotografar sendo batizado nas águas do Rio Jordão, no mesmo local onde Jesus Cristo foi batizado. A foto rapidamente se espalhou pelos grupos de WhatsApp do segmento evangélico. Além disso, o presidente – que tinha seu nicho político-eleitoral entre as “viúvas” do golpe civil-militar de 1964 e pensionistas de militares – acabou ganhando terreno entre os evangélicos por apresentar uma narrativa baseada nos costumes, na homofobia e no anticomunismo, temas que costumam ser caros à direita cristã americana e sua congênere brasileira.
Quando encontrou na Advocacia-geral da União com o advogado André Mendonça – um profissional que transmitia segurança e competência e, além disso era pastor presbiteriano de uma igreja chamada Esperança (que triste sina a nossa) – Bolsonaro juntou a fome com a vontade de comer. Alçou Mendonça ao cargo máximo da instituição e logo depois ao de ministro da Justiça, substituindo o “traidor” Sergio Moro.
Como titular do Ministério da Justiça, Mendonça foi alvo de críticas por mandar abrir inquéritos contra opositores do governo Bolsonaro, tais como Ciro Gomes, Guilherme Boulos, Hélio Schwartsman e outros políticos, jornalistas e cartunistas, sob a acusação de calúnia ou injúria devido a críticas ao presidente. Na sabatina, o mesmo Mendonça disse que a liberdade de imprensa é um bem sagrado. Para quem?
Também durante sua gestão, o Ministério da Justiça foi acusado de produzir um dossiê contra mais de 500 servidores federais e estaduais de segurança identificados como membros do “movimento antifascismo“. Mendonça confirmou à Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência do Congresso a existência de um relatório de inteligência, mas negou que houvesse ilegalidades em sua produção. Apesar de aparentar notório saber jurídico, Mendonça fez o jogo do poder. Só pelas duas atitudes acima, não se pode dizer que tenha “caráter ilibado”, uma das exigências para ser ministro do STF. E, ao assumir o cargo de ministro da Justiça, sinalizou para o chefe que estaria disposto antes de tudo a cumprir ordens.
Em plena posse como ministro da Justiça, Mendonça chamou Bolsonaro de “profeta” por ele ter sido um político “preocupado” com a agenda da segurança pública quando esse assunto não comovia Brasília. Um gesto típico de bajulador, principalmente se levarmos em conta que o tal “profeta” jamais apresentou um projeto sequer em favor da segurança pública do povo brasileiro.
Pela bajulação, Mendonça não levou sequer um “puxão de orelhas” de sua igreja. Na verdade, os evangélicos, de modo geral, continuam fazendo vista grossa para os erros de Bolsonaro e sua equipe. Entre os evangélicos que se arrependeram do mau caminho bolsonarista, poucos têm coragem de ir à público e manifestar sua opinião. De certo modo, a igreja evangélica brasileira aprofundou suas divisões com a chegada de Bolsonaro ao poder. Mesmo sem ser evangélico, ele consegue influenciar muitos membros de igrejas, sobretudo as pentecostais e neopentecostais. Evangélico que tem a coragem de criticar os desmandos de Bolsonaro muitas vezes sofre discriminação dentro da própria igreja. Há uma legião de jovens evangélicos que ficaram “desigrejados” diante da insistência de pastores e diáconos em manifestarem, até do púlpito, apoio ao governo.
Embora o presbiterianismo tenha suas bases na busca de reformas sociais, também por meio da pregação do Evangelho, os evangélicos no Brasil se afastaram da política partidária justamente durante o regime militar. Boa parte das igrejas mais conservadoras apoiou o golpe, mas sempre houve na membresia ilhas de oposição à ditadura e seus algozes. Tanto assim que saiu das fileiras da Igreja Presbiteriana um líder respeitado na luta pelos direitos humanos, o reverendo James Wright, que se tornou o executivo do projeto Brasil Nunca Mais, patrocinado pela Arquidiocese de São Paulo – que denunciou os violentos crimes praticados pela ditadura, com base em 707 processos da própria Justiça Militar. Wright, a quem tive o prazer de conhecer e entrevistar, era o braço direito do cardeal Paulo Evaristo Arns.
Com o Congresso Nacional Constituinte, em 1987, os evangélicos voltaram a se aproximar da política, convencidos de que tinham que participar da construção da nova Constituição, temendo, principalmente, que sofressem algum revés no direito à liberdade de culto. Encontraram de braços abertos justamente o Centrão que reunia o que de mais fisiológico havia na política, em partidos de centro-direita. Seu lema na época era “é dando que se recebe”, frase que também teria sido citada pelo frade São Francisco de Assis. Esses evangélicos negociaram seus votos na bacia das almas. Muitos deles com a desculpa esfarrapada da ameaça do comunismo. Afinal, o Muro de Berlim – que precipitou a extinção da União Soviética e da chamada Cortina de ferro, só cairia em 1989. E ali, com o Centrão de 1987, está a origem desse núcleo político que viu em Bolsonaro um líder capaz de derrotar as esquerdas progressistas que, para os evangélicos, defendem o comunismo que eliminou cristãos na Cortina-de-ferro, exatamente como o Império Romano fez aos primeiros mártires cristãos nas arenas dos leões.
Esses “novos evangélicos” na política sofrem também grande influência da direita cristã norte-americana, que, nos Estados Unidos, conseguiu, com uma agenda conservadora nos costumes e na economia, eleger Donald Trump. O principal estrategista de Trump, Steve Bannon, ainda hoje dá conselhos ao governo Bolsonaro.
Apesar de Bolsonaro não ter feito tudo que poderia ter feito pela candidatura de Mendonça, o presidente usou o carimbo de “terrivelmente evangélico” para seu candidato, como uma espécie de ameaça ao Supremo, que tornou-se o único poder a conter os ímpetos autoritários do presidente. Só esse carimbo feito pelo presidente já deixa o novo ministro do STF sob suspeita. Como ministro de estado, numa corte suprema, Mendonça não pode agir como lobista de qualquer que seja o grupo, político ou religioso. Mendonça, inclusive, se revelou um homem de duas faces. Na sabatina, apresentou-se como guardião da Constituição. Logo após eleito, fez um discurso em tom triunfalista, afirmando que sua vitória é o passo para um homem (no caso, ele), mas também para todos os evangélicos. Nada a ver. O Supremo não pode ser evangélico, católico, espírita ou qualquer outra religião e, muito menos, se comprometer com a agenda de qualquer ideologia política. O Estado é laico. E foi justamente a separação entre Igreja Católica e Estado que historicamente deu força para os evangélicos conseguirem superar todas as discriminações, sendo minoria religiosa no país. Agora somam 40 milhões. Um enorme rebanho de ovelhas que cada vez mais atrai lobos vorazes. Sobretudo às vésperas de ano eleitoral.
Agora cabe aos verdadeiros evangélicos, preocupados com a ética e a cidadania, serem os primeiros a fiscalizar as atitudes e os votos de André Mendonça no STF. E essa forma de preenchimento dos cargos do Supremo precisa urgentemente ser revista pelos legisladores. Mas quem vai ter coragem de mexer nesse vespeiro?
A relação entre religião e política, presente no Brasil desde 1500, quando a Igreja Católica aportou nestas terras com os colonizadores portugueses, deixou de ser unicamente objeto de estudos acadêmicos e ganhou as páginas de jornais e revistas e discussões populares em mídias sociais e outros espaços.
Fala-se muito do que alguns chamam de “ameaça” evangélica, outros, ao contrário, de “bênção de Deus”. As avaliações díspares respondem à intensificação da presença de cristãos na política, estimulada pela aliança do governo Bolsonaro com lideranças desse segmento religioso. Esse processo tomou a forma da ocupação de cargos no Poder Executivo, rearticulação de alianças o Poder Legislativo, e a emersão de personagens do Poder Judiciário identificados com a fé cristã que interferem em políticas e realizam ações públicas (vide a controversa Operação Lava Jato).
A ênfase no poder alcançado pela parcela ultraconservadora do segmento evangélico é, de fato, necessária na discussão sobre religião e política. Há uma trajetória de quase 35 anos da existência de uma “bancada evangélica” no Congresso Nacional. Ela foi potencializada durante a presidência de Eduardo Cunha (MDB/RJ) na Câmara dos Deputados, por conta da ênfase em pautas da moralidade sexual e defesa da “família tradicional”. E foi essa potência da religião no Congresso que uniu forças com uma direita ressentida, nada religiosa, para tirar Dilma Rousseff da Presidência, no já consagrado, historicamente, golpe contra a democracia de 2016.
Não é surpresa que candidatos e profissionais de marketing tenham detectado há algum tempo a tendência e, a cada eleição, seja frequente a prática de “pedir a bênção” a líderes evangélicos identificados tanto com a direita como com a esquerda. Também são recorrentes as pressões sobre candidatos e partidos, que nada têm de religiosos, a assumirem compromissos com a defesa de pautas da moralidade religiosa, em clara instrumentalização da religião cristã para conquista de corações e mentes de fiéis.
Porém, quando quem discute se fixa apenas nesse protagonismo evangélico, esconde o debate necessário sobre o lugar do Catolicismo e sua influência nas pautas públicas por séculos. Oculta também a presença das religiões de matriz africana no espaço público e sua demanda por liberdade religiosa, por superação da intolerância e por direitos da população afrodescendente. E ainda se menospreza o espaço ocupado por pessoas e grupos vinculados ao Espiritismo e ao Judaísmo, com a eleição de pares para cargos públicos e busca de influência em temas de interesse.
Como pesquisadora sobre “religião e política” há muitos anos, não é difícil observar que lendo, assistindo e ouvindo o que se torna público, em espaços acadêmicos, jornalísticos e populares, ainda há muita incompreensão e equívocos. Em parte, esses são provocados pelo desconhecimento da história e das dinâmicas que envolvem religiões no País, por outro lado são movidos por imaginários e preconceitos.
Entre os equívocos e incompreensões circulantes, por exemplo, estão a confusão entre as noções de Frente Parlamentar e Bancada; desencontros sobre a composição de uma “Bancada da Bíblia”; listas duvidosas de integrantes da chamada Bancada Evangélica; a imagem incorreta de que neopentecostais ocuparam o governo federal; a restrição das análises ao segmento evangélico com desconsideração às movimentações de lideranças católicas nos três poderes; silêncio sobre as articulações políticas das comunidades tradicionais de matriz africana e de outros grupos religiosos minoritários no País; ignorância em relação às diferentes tendências ideológicas que movem esses grupos religiosos em sua pluralidade, restringindo avaliações e agrupando personagens e fiéis sob o rótulo de “alienados” e “conservadores”.
Toda a desinformação circulante acaba ignorando o significado da intensa presença de grupos religiosos que atuam como ativistas políticos nos mais diversos movimentos e nas mídias sociais. É um contexto em que “religião” é, certamente, um tema de fundo, alimentador de campanhas e debates contundentes não só em processos eleitorais, mas em diferentes pautas. Exemplo é a campanha pública de evangélicos, católicos e judeus de esquerda, contra o Projeto de Lei 490, em votação no Congresso Nacional, que ameaça o direito de indígenas a terras demarcadas com base na Constituição. Outro exemplo é a articulação de evangélicos para convocar apoiadores do Presidente da República para atos de rua no 7 de setembro.
Desinformação sobre religião e política em circulação também tem relação com o tema do Estado laico. Em muitos espaços ele é apresentado como ameaçado por conta desta presença mais intensa de grupos religiosos no espaço público. Será mesmo? Por que discutir “Estado laico” apenas quando evangélicos ganham protagonismo na política? O Estado laico sempre foi frágil em nossas terras a começar com o poder da hegemonia católica, passando pela intolerância em relação às religiões de matriz afro (resultante do racismo estrutural), chegando à força do ultraconservadorismo evangélico no tempo presente.
Grupos religiosos no espaço público precisam ser vistos como indício do próprio avanço da democracia (com ambiguidades, é claro) e da pluralidade religiosa relacionada ao direito humano da liberdade de crença. O que deve ser questionado e enfrentado como ameaça ao Estado laico, é que um único grupo religioso imponha sua teologia e ética religiosa como regra para todos, sejam religiosos (com toda pluralidade que vivenciam) e não-religiosos. Da mesma forma, o Estado laico também está em perigo quando princípios religiosos são instrumentalizados por líderes e grupos políticos com vistas à busca de votos ou de apoio a implementação de necropolíticas. Neste caso é a laicidade do Estado e a democracia que de fato, estariam colocados em risco.
Para contribuir na superação da desinformação, dos equívocos e incompreensões sobre a relação entre religião e política no Brasil, está à disposição a Plataforma Religião e Poder. O Instituto de Estudos da Religião (ISER), que há mais de cinco décadas presta serviço a pessoas e grupos que estudam e atuam em espaços relacionados às religiões, lançou, em 2020, esta plataforma online para acesso público https://religiaoepolitica.org.br/, pela qual apresenta dados, análises e reportagens estruturadas sobre o tema.
A Plataforma Religião passou por reformulações significativas nos últimos meses e foi relançada nesta semana. Antes dedicada a analisar a composição das frentes com identidade religiosa do Congresso Nacional e monitorar suas pautas, a plataforma ampliou sua abrangência e será atualizada semanalmente para monitorar a participação de agentes religiosos nos três poderes da República e em processos eleitorais. Uma novidade é a seção Glossário, desenvolvida para explicar em linguagem acessível termos essenciais ao debate sobre religião e espaço público que são pouco compreendidos por grande parte da população brasileira. Os termos “Laicidade” e “Estado Laico” inauguram o espaço, que terá um novo termo publicado a cada mês.
Religião e política devem ser discutidas, sim! Isso deve ser feito, crítica e coletivamente, por meio de recursos responsáveis e habilitados, como a Plataforma Religião e Poder, pelos mais diferentes grupos e forças sociais que formam e informam sobre política, sobretudo, em espaços em que a fé religiosa é praticada. Afinal, neste processo está a fé, a crença, sonhos e esperanças de muita gente que acredita que há uma presença divina no meio de tudo isso.
Líder de jovens na congregação evangélica Assembleia de Deus do Amor, no bairro dos Bultrins, em Olinda (PE), Angélica Cruz, 29 anos, está em pelo menos quatro grupos da igreja no Whatsapp. Diz que a maioria serve para troca de mensagens devocionais entre membros e a liderança. “O aplicativo virou uma ferramenta principal de comunicação na pandemia. Serve pra gente trocar mensagens de apoio e informações entre os irmãos, como vagas de emprego e oportunidades”, contou à Agência Pública.
O uso intenso do Whatsapp para a prática religiosa fortalece redes de desinformação no segmento evangélico, segundo relatório de pesquisa “Caminhos da desinformação: evangélicos, fake news e WhatsApp no Brasil”, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, publicado em primeira mão pela Pública. A live de lançamento do relatório será no dia 30 de agosto, no canal do Youtube do Instituto de Estudos da Religião (ISER), às 14h.
A pesquisa mostra que 49% dos evangélicos da amostra receberam mensagens de conteúdo falso ou enganoso em grupos relacionados à sua religião. Isso quer dizer que praticamente a metade dos evangélicos entrevistados receberam notícias falsas enviadas em grupos da sua comunidade de fé.
Os dados consideram 1650 respostas coletadas em congregações Batistas e das Assembleias de Deus e grupos de diálogo do Rio de Janeiro e do Recife. Também foi aplicado formulário online com pessoas de todas as religiões e sem religião. Essa coleta aconteceu em 2019.
Na pesquisa online, com abrangência nacional, participaram pessoas de diferentes religiões e com nível superior – o segmento que possui maior percepção em relação à circulação da desinformação. Nesse grupo, os dados sobre o recebimento de notícias falsas em grupos ligados à religião foram ainda maiores, com 77,6% dos evangélicos tendo afirmado receberem desinformação por grupos ligados à sua religião no Whatsapp. Em comparação, a coleta de dados online mostrou que 38,5% dos católicos, 35,7% dos espíritas e 28,6% de fiéis de religiões afro-brasileiras afirmaram ter recebido mensagens falsas nos grupos de suas religiões.
Sobre o uso do Whatsapp especificamente, a pesquisa aponta que entre os evangélicos, 92% participam de grupos ligados à sua religião no WhatsApp. Em comparação, 71% dos católicos, 57% dos espíritas e 66,7% dos fiéis de outras religiões entrevistados, disseram fazer o mesmo. “Não é a religião que interfere na maior presença de desinformação nos grupos de WhatsApp dos evangélicos, mas elementos relacionados à prática da religião, como o uso das redes sociais”, apontou o coordenador da pesquisa, o sociólogo e diretor do Instituto NUTES de Educação em Ciências e Saúde da UFRJ, Alexandre Brasil.
Um desses elementos mapeados pelos pesquisadores seria a confiança interpessoal. Para 33,3% dos evangélicos entrevistados, pessoas conhecidas são mais consultadas como fontes de informações do que veículos jornalísticos e/ou mecanismos de busca na internet. E 13,2% disseram que os pastores e irmãos da igreja representam a fonte mais confiável de notícias. “É importante lembrar que onde circula informação também circula desinformação. Não há como evitar que esses fluxos de mensagens circulem de forma separada, pois o intuito é que tenha aparência de informação confiável. O uso intenso do WhatsApp, somado à uma forte presença da confiança interpessoal são fatores que parecem sim tornar os evangélicos, em algum nível, suscetíveis à desinformação”, explicou Alexandre Brasil.
Não checam e não se incomodam
O pesquisador explica que a pesquisa partiu da hipótese de que grupos onde há maior organicidade e confiança entre os participantes, são potencialmente espaços em que há maior circulação de desinformação. O grupo religioso, no caso o evangélico, foi escolhido por ter o perfil de uma “intensa vida comunitária, pela presença de laços de confiança e pela realização de reuniões regulares.” “Também se considerou a existência de reportagens que indicavam sites e influenciadores ligados ao segmento evangélico como destacados disseminadores de fake news”, acrescentou.
O relatório também ressalta que os evangélicos têm uma grande representatividade nas decisões eleitorais, considerando que 31% da população brasileira se declara evangélica, segundo Estudo Eleitoral Brasileiro (ESEB), realizado em 2018.
Entre os respondentes, 23,6% dos evangélicos disseram não ter o costume de checar notícias. De acordo com o relatório, quase 30% dos evangélicos entrevistados admitiram que já compartilham notícias falsas, sendo que 8,1% fizeram “mesmo sabendo que era mentira, mas por concordarem com a abordagem”.
“Os menos preocupados seriam pessoas de mais idade, menor escolaridade, menor renda e com menores habilidades no uso de dispositivos eletrônicos (capacidade de editar conteúdos de vídeo, áudio e imagens ou administrar perfis). Por outro lado, não é possível afirmar, a partir dos nossos dados, que pessoas com maior renda, maior escolaridade e com maior habilidade para o uso de dispositivos eletrônicos veiculem menos mensagens falsas”, explicou Alexandre.
A confiança na pessoa que enviou a mensagem basta para que se encaminhe a notícia falsa a outras pessoas, diz o pesquisador. “Entre os evangélicos entrevistados, identificamos que, para um terço, a confiança no emissor é o fator que consideram para validar uma mensagem recebida como autêntica”
Com relação aos conteúdos, 61,9% dos evangélicos entrevistados disseram que notícias falsas com temas políticos são as mais recorrentes. Alexandre Brasil conta que quando o projeto de pesquisa foi apresentado, ainda “não se tinha percepção da escala e da centralidade que a disseminação de desinformação tomaria no Brasil durante o pleito eleitoral”, quando os eleitores evangélicos foram fundamentais para a vitória de Jair Bolsonaro.
A saúde foi outro tema indicado como recorrente. Contudo, os dados não se relacionam diretamente com o quadro de “desinfodemia”, ou seja, desinformação específica sobre a covid-19 e a crise de saúde pública, porque foram colhidos antes da pandemia.
A Pública vem mostrando as conexões entre essas redes de desinformação, tanto com evangélicos conservadores quanto com outros segmentos aliados ao governo. As reportagens revelam que grupos de WhatsApp e de outras redes sociais continuam sendo utilizados para fazer circular conteúdos falsos, como propagandas antivacina e discursos negacionistas na pandemia. Também para reverberar ataques à democracia, a defesa do voto impresso e outras narrativas bolsonaristas.
O combate à desinformação nas redes evangélicas também tem sido feito pelo Coletivo Bereia, pioneiro no Brasil em verificações de fakes news nesse segmento. A iniciativa de jornalistas cristãos faz parte da Rede Nacional de Combate à Desinformação. “O Coletivo Bereia foi criado em outubro de 2019 (ano da coleta de dados da pesquisa) a partir da demanda de ação que os resultados da pesquisa da UFRJ impôs. Consideramos o projeto uma prestação de serviço identificada como jornalismo colaborativo de checagem de conteúdo especializado em religião. Desde o primeiro mês de atuação os resultados de público e parcerias foram altamente positivos, o que atribuímos ao ineditismo e a extrema relevância desta atividade”, diz Magali Cunha, jornalista e pesquisadora de Comunicação e Religiões, que coordena o coletivo.
O pesquisador da UFRJ, Alexandre Brasil diz que não é possível fazer uma associação direta entre os resultados da pesquisa e as redes de desinformação bolsonaristas, mas acredita que há “um direcionamento e um investimento do presidente em relação ao público evangélico”, que representa uma base importante do seu governo e “tem mobilizado tempo e manifestações concretas de atenção, tanto em seus discursos (de Bolsonaro), nas nomeações ou sinalizações ao eleitorado e suas lideranças como no caso da indicação ao STF (do advogado geral da União e pastor presbiteriano André Mendonça), ou ainda na presença de personalidades ligadas ao segmento evangélico nos ministérios”.
Grupo de WhatsApp é o novo ir à igreja
O relatório da UFRJ mostra ainda que a tríade da vida cristã digital é composta por aplicativos para leitura da Bíblia, WhatsApp e Google. São esses os principais aplicativos usados pelos evangélicos entrevistados. E, se a ida frequente à igreja é algo que caracteriza os evangélicos, o envolvimento com a comunidade de fé via grupos de WhatsApp passou a ser um diferencial desse segmento em relação aos outros segmentos religiosos e à média da população brasileira. “Esse achado é anterior à pandemia, mas certamente se ampliou nesse novo contexto. O ponto central que o relatório indica é que grupos com níveis de organização semelhantes, com forte vida comunitária e laços fortes de confiança também são mais suscetíveis às fake news”, diz Alexandre, que aponta para a necessidade de uma ação intencional de formação de usuários que atuem de forma crítica em relação às mídias digitais. “A busca de uma leitura crítica implica em ir além da capacidade de uso das ferramentas digitais e envolve uma perspectiva ampla sobre a realidade e as implicações prejudiciais que representam a disseminação das mentiras. Suas ameaças à saúde pública, à integridade das pessoas e mesmo à democracia representam uma realidade preocupante”, alerta.
A Câmara aprovou a matéria por 278 votos a 145, com uma abstenção, e o Senado aprovou em seguida por 40 a 33. Por conta da covid-19, as votações ocorreram separadamente, no formato semipresencial. A inserção do substitutivo do relator no orçamento para financiar campanhas nas eleições de 2022, deputado Juscelino Filho (DEM-MA), aumenta o Fundo Eleitoral de R$ 1,8 bilhão para R$ 5,7 bilhões.
Uma parcela dos deputados e senadores de partidos de diferentes correntes ideológicas manifestaram discordância à proposta que destina tantos recursos em plena crise econômica e sanitária, para campanhas eleitorais. Quem era contra o Fundão votou “não” ao texto da LDO como estava. Seguindo o protocolo, o partido Novo apresentou um destaque, votado de forma simbólica após aprovação do texto-base,que tentava retirar o Fundão da LDO. A tentativa de retirar o Fundão da Lei foi rejeitada. O projeto agora segue para sanção do presidente Jair Bolsonaro.
O Fundo [Público] de Financiamento de Campanha foi criado após a proibição do financiamento privado, em 2015, pelo Supremo Tribunal Federal, após avaliação de que as doações de grandes empresas privilegiam certas candidaturas e desequilibram o pleito eleitoral. Por isso, nas eleições de 2018, foi criado o fundo de R$ 2 bilhões com recursos públicos, distribuídos proporcionalmente aos partidos.
A base governista religiosa na votação
Chamou a atenção nas mídias sociais que deputados da base governista que haviam declarado que seriam contra o popularmente denominado “Fundão”, votaram a favor do texto final da LDO que o incluía. No caso do destaque, a votação foi feita de forma simbólica, que se dá pela maioria dos deputados presentes em Plenário no momento da votação. Não é exigida a manifestação individual de todos os presentes. O presidente convida a se manifestar apenas aqueles que forem contrários à proposição em análise. Os demais devem permanecer sentados para a verificação do contraste visual entre os favoráveis e os contrários à matéria. Se necessário ou solicitado por algum parlamentar, pode ser feita a contagem dos votos. Mas não há registro nominal dos votos.
O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL/SP), da Bancada Evangélica, votou a favor da aprovação do texto final da LDO que incluía o Fundão. Após ser criticado nas mídias sociais, Eduardo Bolsonaro disse no Twitter que votou a favor do destaque apresentado pelo partido Novo que tentava evitar o aumento das verbas do financiamento eleitoral. “Votei sim à LDO (que engloba vários temas) e contra o fundão eleitoral (sim ao destaque)”, disse, e apresentou uma declaração de voto.
Também cobrada nas mídias sociais pela incoerência, a deputada Bia Kicis (PSL/DF), da Bancada Católica, disse que apoiou o destaque do partido Novo. “Eu votei contra o aumento do Fundão e a favor da LDO. Tem gente querendo fazer confusão”, disse em vídeo publicado no Twitter. No entanto, ela não esclarece que não havia votação em separado, era um texto único com o Fundão incluído. Quem era contra o fundo bilionário para campanhas eleitorais teria que votar contra o texto da LDO.
Apenas com o destaque do partido Novo se poderia derrubar a inclusão do fundo bilionário no orçamento, mas Bia Kicis apenas fez referência a uma fala do líder do PSL, ao microfone do plenário, no momento dos destaques, de que o partido “orientou a votar contra o Fundão”. No entanto, o PSL votou a favor do texto integral com o Fundo Eleitoral incluído, e não atuou na votação simbólica do destaque, depois que o texto-base já havia sido aprovado. A postagem de Bia Kicis foi retuitada pelo deputado Eduardo Bolsonaro.
O deputado da Bancada Católica Carlos Jordy (PSL-RJ) usou o mesmo discurso de Bia Kicis para refutar críticas de seguidores:
Bia Kicis e Carlos Jordy ainda usaram o argumento do antipetismo e anti-esquerdas, que capta seguidores governistas, ao postar nas mídias sociais que quem votou contra a aprovação da LDO, como o PT e o PSOL, quer “inviabilizar o governo”.
Fonte: Bia Kicis/Twitter
Foto: Carlos Jody/Twitter
Apesar de afirmar, no vídeo que produziu, que “tem gente querendo fazer confusão”, na postagem, Bia Kicis confundiu o público ao dizer que PT e PSOL orientaram a votação “Não”, contra a LDO, porque o “PT quer o pior para o governo”.
O seu colega de partido Carlos Jordy também distorceu a informação para usar de acusações aos partidos de oposição de serem contra as políticas do governo e construiu um discurso desprovido de sentido: “Se votar contra a LDO seria votar contra o fundão, por que a OPOSIÇÃO TODA votou CONTRA, sendo que serão os maiores beneficiados com o aumento do fundo eleitoral (PT será o maior)? Porque são contra as POLÍTICAS DO GOVERNO e não contra o fundo eleitoral, q foi inserido pela CMO”.
O deputado da Bancada Evangélica Filipe Barros (PSL-PR) usou de discurso que foi mescla entre o que Eduardo Bolsonaro postou e retuitou as postagens de Carlos Jordy.
Foto: Filipe Barros/Twitter
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Bereia avalia que os deputados da Bancada Religiosa na Câmara Federal Eduardo Bolsonaro, Bia Kicis, Carlos Jordy e Filipe Barros divulgaram conteúdo enganoso para escaparem das críticas de seguidores por terem apoiado a aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2022, com a inclusão de valores triplicados para o Fundo Eleitoral na casa de 6 bilhões de reais. Além de postarem mensagens que não correspondem à votação simbólica do destaque do partido Novo, que poderia ter retirado o Fundão do texto-base da LDO, os deputados emitiram conteúdo confuso sobre o papel dos partidos de oposição no processo, omitindo que não só este grupo votou contra a LDO, mas também partidos de apoio ao governo federal. As justificativas pelo “Não”, registradas oralmente pelos votantes, abordaram a incoerência e a falta de transparência da inserção da triplicação de valores para campanha eleitoral, diminuindo itens orçamentários prioritários como saúde (em meio a pandemia que já matou mais de 540 mil pessoas) e educação, mantendo-se desvalorização do salário-mínimo em R$ 1.147,00.
No dia 7 de junho foi divulgado pela imprensa que um ofício da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas foi encaminhado à Procuradoria-Geral da República. O ofício retrata que missionários da igreja Assembleia de Deus estariam propagando desinformação junto aos povos indígenas a respeito da vacinação contra a Covid-19. Segundo a reportagem da Folha de S. Paulo,
Outra questão levantada é a dificuldade de vacinar a população indígena. Um ofício encaminhado à PGR (Procuradoria-Geral da República) revelou a influência negativa que missionários estavam exercendo sobre comunidades indígenas, infundindo temor por meio da propagação de fake news sobre a vacinação contra a Covid 19. A campanha de desinformação seria difundida via áudios e vídeos pelo celular, pelo sistema de radiofonia entre as aldeias e por cultos presenciais. No estado do Maranhão a maior influência seria da igreja Assembleia de Deus.
Trecho da reportagem da Folha de S. Paulo
O Jornal do Almoço, da rede RBS, emitiu no dia 9 de fevereiro uma reportagem sobre a baixa movimentação dos indígenas em busca por vacinação, evidenciando a dificuldade com os povos da Reserva do Guarita, em Tenente Portela, e também na cidade de Redentora. Segundo o jornal, cerca de 1000 indígenas deveriam ser vacinados, mas nem metade compareceu. De acordo com a Secretária de Saúde, essa ausência ocorreu devido a influências religiosas e líderes das próprias comunidades indígenas, que fez com que muitos optassem por não tomarem a vacina.
Print da página da Globoplay
Bereia entrou em contato com Sandro Luckmann, coordenador da COMIN (Conselho de Missão entre Povos Indígenas, da Igreja Evangélica de Confissão Luterana) que denota como verdadeira a interferência e a propagação de fake news sobre a eficácia e importância da vacina entre os povos indígenas, causada por missionários fundamentalistas. Segundo Luckmann, foi necessário intensificar as campanhas de vacinação para combater a desinformação. A Amazônia é um exemplo onde há a forte presença dessa desinformação disseminada por missionários. É explícita a rejeição de algumas lideranças religiosas em relação à vacina. “Referente ao estado de Rondônia foram diversos relatos em que presente esse tipo de situação, e também no sul do Amazonas onde foi necessário intensificar campanhas de informação, intensificar relatos em que a vacina é eficaz e ela ajuda no enfrentamento da covid”, disse Luckmann.
Em fevereiro o The Intercept Brasil apontou que uma universidade privada do Paraná, que passou a receber verba do ProUni após ser credenciada pelo Ministério da Educação na gestão Abraham Weintraub, formava missionários para atuar junto aos povos indígenas.
A carta de repúdio foi distribuída às instituições, lideranças políticas e organizações que trabalham com povos indígenas. Nela o Coordenador Kaingang do Estado do Rio Grande do Sul reivindica medidas cabíveis às autoridades responsáveis, para que essa população não vire cobaia do governo brasileiro.
Print da carta
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Bereia classifica as notícias como verdadeiras. De fato, ocorreram interferências na vacinação de povos indígenas da região do Amazonas e Rondônia, causadas por influências religiosas, principalmente líderes negacionistas evangélicos, que por meio de vídeos no Whatsapp com disseminação de desinformação, intervinham de maneira incorreta nas campanhas sanitárias. O conteúdo que circula nas aldeias apresenta ideias fraudulentas, enganosas e equivocadas diante das orientações oficiais de enfrentamento da pandemia.
*Matéria atualizada para acréscimo de informações sobre a trajetória do senador Heinze em 13/06 às 12h28 após acionamento de leitor. Atualizada novamente em 16/06 às 08h30 para correção de filiação do senador Flávio Bolsonaro.
Em cada sessão da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia, há uma polarização entre os senadores alinhados com o governo federal e a oposição. Senadores independentes, também, acabam sendo atraídos por essa polarização. De um lado, os aliados do presidente da República Jair Bolsonaro defendem o chamado “tratamento precoce” (com um kit farmacológico), apregoam que o governo federal sempre trabalhou pela compra de vacinas, defendem ministros e ex-ministros e espalham desinformação, tanto para atacar opositores, quanto para defender investigados pela CPI. De outro, acompanhando o relator do processo Senador Renan Calheiros, ou desnudando as falhas e incompetências, opositores do governo e parlamentares independentes polarizam as narrativas – demonstrando, com fontes externas, ou documentos, que houve uma série de erros na condução da pandemia – os quais provocaram um agravamento da contaminação e incremento do número de mortos e sequelados. Bereia verificou, a partir de uma consulta a perfis de mídias sociais, os senadores que se autodeclaram evangélicos, constatando uma polarização idêntica dentro do campo religioso.
Marcos Rogério e Luiz Carlos Heinze: senadores evangélicos pró-governo abusam das fake news e viralizam nas redes
Dois senadores, ligados a igrejas evangélicas, têm se destacado na linha de defesa do governo federal – Marcos Rogério e Luiz Carlos Heinze.
Marcos Rogério da Silva Brito (de Ji-Paraná, Rondônia foi filiado ao PDT (2007-2016) e atualmente é filiado ao DEM. Destacou-se como relator do processo de cassação do presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB), no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar. É cristão evangélico, pastor da Igreja Evangélica Assembleia de Deus, mas frequenta, em Brasília, a Igreja Batista Central. Seu perfil na CPI tem sido o de alternar a defesa do tratamento precoce (kit farmacológico defendido pelo governo federal e seus apoiadores) ao lado de uma argumentação que sustenta que estados e municípios são responsáveis pelas mortes.
Em sua atuação parlamentar, tem reiterado ataques ao governador de São Paulo João Dória e aos parlamentares de oposição ao governo federal, em especial os senadores relator da CPI Renan Calheiros (MDB/AL), o vice-presidente da CPI Randolfe Rodrigues (Rede/AP) e Otto Alencar (PSB/BA, que é médico). Marcos Rogério e Otto Alencar, confrontaram-se na Globo News (Programa Estudio I), em 2 de junho, sobre a convocação de governadores e prefeitos como depoentes na CPI. Na ocasião, Marcos Rogério voltou a defender que o governo repassou verbas para os estados e municípios, sem discriminar que os repasses eram regulares, segundo a lei, e diziam respeito a vários itens além do combate à covid-19. Também, argumentou que o STF atravessou a atuação do governo (o que já foi verificado pelo Bereia como enganoso). Marcos Rogério foi advertido, ao vivo, por uma das apresentadoras do Estúdio I, de que tinha posturas machistas, interrompendo e elevando a voz diante de colegas senadoras na CPI. Marcos Rogério lidera o ranking digital de presença nas redes sociais – segundo levantamento da Folha de São Paulo. O senador aparece em listas de disseminadores de fake news e seu comportamento na CPI reforça esta exposição.
Em sua performance mais flagrante, Marcos Rogério levou à CPI vídeos com declarações antigas (de março de 2020) de governadores adversários de Bolsonaro, como João Dória (PSDB-SP), Flávio Dino (PC do B- MA)e Renan Filho (MDB-AL). Nas imagens, governadores como Flávio Dino, Wellington Dias, Helder Barbalho não falam contra o uso de cloroquina e hidroxicloroquina – remédios sem comprovação de eficácia contra a covid-19. Em expediente muito conhecido e criticado entre evangélicos, Marcos Rogério utilizou a o texto da fala destes líderes políticos fora de contexto, em período em que não se tinha dados sobre os malefícios destas medicações no tratamento da covid-19, como pretexto para defendê-las, acompanhando opresidente, Jair Bolsonaro. O fato omitido pelo senador é que em julho de 2020, quando Bolsonaro “ofereceu” uma caixa de cloroquina às emas do Palácio do Planalto, cientistas e também os governadores já haviam abandonado esta possiblidade – ainda que o tivessem defendido no início da pandemia.
O Democratas, partido de Marcos Rogério, pronunciou-se, oficialmente contra o senador, afirmando que não endossa suas posições. “Desde o início da pandemia, o compromisso do Democratas com a ciência e a preservação da vida se faz evidente em nossas gestões pelo Brasil”, comentou o partido em resposta à jornalista da CNN Daniela Lima (20.mai.2021).
Marcos Rogério também editou uma fala da infectologista Luana Araújo sobre corticoides e retirou a afirmação da médica de que não existe tratamento precoce. Em sua edição omitiu a parte em que a médica diz que corticoide deve ser usado em um momento específico da doença e postou na internet como recomendação e prova de que o tratamento precoce existe e é combatido pelos adversários de Bolsonaro. O perfil do Twitter Desmentindo Bolsonaro disponibiliza a íntegra do vídeo, desmontando a edição de Marcos Rogério.
Luiz Carlos Heinze (PP/RS) é um engenheiro agrônomo, ex-prefeito de São Borja, atualmente senador do Rio Grande do Sul. É cristão evangélico, membro da Igreja Evangélica Luterana. Também é ligado ao agronegócio, definindo-se como “produtor rural”, representante de associações de classe e cotista de empresas, todas ligadas ao segmento arrozeiro, dono da empresa familiar de alimentos Heinze (sem qualquer relação com a marca de alimentos da Kraft Foods, Heinz). Por sua defesa reiterada do governo federal e do presidente da República, a quem define como honesto, tem se destacado na tentativa de construir uma agenda “positiva”. Destaca o número de “recuperados” (vidas salvas) e defende o tratamento farmacológico (kit covid), como ferramenta para a redução de mortes. Ataca o governador de São Paulo João Dória, por ser opositor ao presidente Bolsonaro e, também, destaca os “baixos índices de mortalidade” de cidades que adotaram o protocolo farmacológico do suposto tratamento precoce – ainda que, em sua lista, a maioria dos municípios não ultrapasse 100 mil habitantes.
Em 2 de junho, Luis Carlos Heinze disse que o Amapá adota o tratamento precoce e tem a “menor letalidade do país”. A afirmação provocou reação contundente de Randolfe Rodrigues, senador pelo Amapá”O senhor está mentindo. Esse dado é falso como todos os dados que o senhor está publicando aqui. Esse dado é fraudado. O senhor está mentindo”, disse o amapaense. Heinze tirou os números de contexto (como faz ao chamar os recuperados da covid-19 de “vidas salvas”). O número citado pelo senador (e também pela médica Nise Yamaguchi, que depôs na CPI) para defender a cloroquina – medicamento utilizado no combate à malária – é um referencial que mede a quantidade de mortes em função da quantidade de pessoas que contraíram a doença. Ou seja, não é possível falar de taxa de letalidade como taxa de mortalidade (índice que mostra o número de mortos em relação à população. A mortalidade é usualmente demonstrada por 100 mil habitantes.A taxa de letalidade não é o indicador ideal para medir os efeitos da pandemia, já que a subnotificação e a falta de testagem podem subdimensionar o resultado.
Nas mídias sociais, Heinze acabou virando meme por causa das fake news divulgadas em suas intervenções na CPI da Pandemia. Em quase todos os momentos, quando este senador tem a palavra, ele cita termos como Didier Raoult (chamado nas redes de DJ Raul), o município de Rancho Queimado, Big Pharma, entre outros. Há também um meme em que uma ex-atriz pornô libanesa Mia Khalifa teria sido citada pelo senador.
Em 25 de maio, o nome de Mia Khalifa, que circulou em um meme no início da pandemia, apareceu no topo dos assuntos mais comentados do Twitter, já que boa parte de quem acompanhava a sessão julgou que o senador governista havia cometido uma gafe em seu discurso. O meme com Khalifa – que circulou na internet em 2020, a partir de campanhas, em sites de direita, atacava a pesquisadora Marcela Pereira – que estudava a eficácia do uso de cloroquina – utilizando, ironicamente, fotos da ex-atriz pornô.
Porém, o senador Heinze citou a empresa Surgisphere, que conduziu um teste publicado na revista científica “The Lancet” condenando o uso da cloroquina contra a covid-19. Logo após o estudo ser publicado, foi revelado que, entre os funcionários da Surgisphere, trabalhava uma atriz pornô e um escritor de livros de ficção científica”. O artigo sobre a eficácia da cloroquina citado pelo senador durante a CPI foi retratado pelo “The Lancet”, que detectou um erro nos estudos, retirando-o do ar. A empresa Sugesphere fez a auditoria independente depois de críticas de outros pesquisadores. O meme com Heinze foi verificado pela agência Lupa.
A intensa atuação do senador Heinze em defesa do governo federal com o uso de conteúdo falso e enganoso, porém, já provocou uma reação do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) que indicou entrar com uma representação no Conselho de Ética do Senado contra o senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), por disseminação de informações falsas na CPI da Pandemia. Heinze, por sua vez, disse ter confiança nos dados que apresenta. O senador continua a disseminar desinformação na CPI da Covid, como relata outra matéria do Bereia.
Eliziane Gama:senadora evangélica polariza com Heinze, Marcos Rogério e questiona o governo federal
A senadora Eliziane Pereira Gama Melo é jornalista e política brasileira filiada ao Cidadania do estado do Maranhão. Membro da Assembleia de Deus, Eliziane Gama passou a participar da CPI da Pandemia por acordo a partir de demanda da Bancada Feminina no Congresso Nacional, uma vez que nenhuma parlamentar mulher havia sido indicada por partidos para integrar a comissão. É fato que a composição dos 11 titulares da CPI apenas com homens, traduz a realidade do congresso (dos 81 senadores, apenas 12 são mulheres). Ela ganhou destaque, logo no início da do processo da CPI, ao ser interrompida em suas intervenções por senadores governistas que não aceitaram o acordo para a participação da Bancada Feminina na CPI. Eliziane Gama tem sido uma voz evangélica em contraponto aos senadores governistas deste grupo religioso. A senadora afirma frequentemente que o governo federal colocou a ideologia acima da ciência e defende mais atenção com as novas cepas.
Em entrevista ao Portal Terra, Eliziane Gama avaliou, que a CPI já obteve informações comprometedoras para o governo Jair Bolsonaro e embora não seja integrante da comissão (com direito a voto), ela liderou reação à tentativa de aliados do governo de romper o acordo que garantiu às mulheres o direito de se manifestar nas reuniões – tendo, inclusive, confrontado o senador Flávio Bolsonaro (Patriota/RJ), denunciando sua postura “machista”.Em suas entrevistas e atuação, a senadora reitera que já existem indícios de ações criminosas e de falhas no combate à pandemia, por parte do governo federal. “Tentar mudar uma bula é, no meu entendimento, algo criminoso”, disse ela ao Correio Braziliense.
Eliziane Gama também se uniu aos senadores da CPI Renan Calheiros, Humberto Costa, Tasso Jereissati e Randolfe Rodrigues, que repudiaram, em 2 de junho, um ataque verbal do presidente Jair Bolsonaro à jornalista da CNN Daniela Lima. A agressão ocorreu em frente ao Palácio do Alvorada, no dia anterior quando, em conversa com apoiadores, o presidente se referiu à jornalista como “quadrúpede”. O senador Heinze, como representante da ala governista, declarou que esse é o “jeito” do presidente falar.
Em artigo publicado pelo Coletivo Bereia, as Assembleias de Deus são um exemplo da polarização em torno da realidade política do Brasil, o que também se pode perceber na CPI da Pandemia. Assim como há dois senadores assembleianos em polarização (Marcos Rogério e Eliziane Gama), é possível perceber pelo que se dá na arena pública, que nas bases políticas e nas comunidades de fiéis ocorre o mesmo fenômeno, pois a representação política não é diferente da realidade nacional.
De acordo com o censo de 2010, as Assembleias de Deus são o maior segmento evangélico, com 12 milhões de fiéis, e o segundo maior do Brasil, atrás da Igreja Católica (dados Censo/IBGE). Ao todo, as Assembleias de Deus têm 64 milhões de membros espalhados no mundo e 363.450 ministros, divididos entre 351.645 igrejas e presentes em 217 países. O Brasil lidera essa lista com 22,5 milhões de membros, de acordo com as estimativas da igreja nos EUA
A cisão entre os representantes evangélicos e os fiéis das igrejas também apareceu nas sondagens de voto do DataFolha. Porém, o mais importante é perceber que mesmo com uma forte campanha de desinformação no meio do segmento, com fake news sobre a China e vacinas que assolaram os sites e redes evangélicas, a CPI demonstra que nem todos os membros das igrejas são permeáveis às redes de desinformação.
No último dia 13 de maio, o portal Gospel Prime repercutiu os resultados da primeira pesquisa DataFolha sobre as eleições presidenciais de 2022. A matéria destacou que, de acordo com a pesquisa, que classifica como “tendenciosa”, os evangélicos apoiam mais o ex-presidente Lula (PT, 35% das intenções de voto), a quem a matéria se refere como ex-presidiário”, do que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido, com 34% das intenções de voto). A diferença dentro da margem de erro de 2 pontos percentuais para mais ou para menos configura um empate técnico.
A divisão dos evangélicos entre Lula e Bolsonaro
A divisão dos evangélicos entre o atual presidente e o ex-presidente expõe uma disputa acirrada que pode ser melhor compreendida com outros dados da pesquisa. O empate técnico diz respeito à pergunta estimulada de intenção de voto no 1º turno. Nela, os entrevistados respondem a seguinte pergunta: “Alguns nomes já estão sendo cogitados como candidatos a presidente em 2022. Se a eleição para presidente fosse hoje e os candidatos fossem estes ____, em quem você votaria?”
Bolsonaro passa a ter vantagem na pergunta não-estimulada, com 25% das intenções de votos evangélicos contra 16% do ex-presidente. Esse resultado acontece diante da pergunta “Em outubro do ano que vem haverá eleição pra presidente. Em quem você pretende votar para presidente em 2022?”
Outro ponto de desvantagem para Lula está em sua rejeição entre os evangélicos: 42% deles dizem que não votariam no ex-presidente de jeito nenhum. Esse valor mostra que a rejeição de Lula é seis pontos percentuais a mais entre os evangélicos do que na população geral (36%). Bolsonaro tem uma rejeição ainda maior entre os evangélicos (45%). No entanto, esse valor representa uma rejeição menor dos evangélicos ao atual presidente do que quando comparado com a população geral (54%). Ainda assim, a pesquisa volta a indicar uma acirrada divisão entre Bolsonaro e Lula em um eventual segundo turno. Entre esse segmento do eleitorado, os dois empatam em 45%.
O apoio evangélico a Bolsonaro em 2018 e agora
Alguns analistas advogam que o voto dos evangélicos foi decisivo na eleição de 2018. Em “O voto evangélico garantiu a eleição de Jair Bolsonaro”, o demógrafo José Eustáquio Alves analisa o comportamento dos eleitores desse grupo religioso no segundo turno do último pleito presidencial do país a partir da última pesquisa DataFolha antes da decisão nas urnas. O artigo mostra que cerca de seteem cada dez evangélicos votaram no capitão em detrimento do candidato do PT, Fernando Haddad. A diferença de votos entre Bolsonaro e Haddad dentre os evangélicos (11,5 milhões) foi maior do que a vantagem no total de votos (10,7 milhões).
A pesquisa DataFolha sobre aprovação do Governo Bolsonaro feita em maio de 2021 mostra que o presidente segue mais popular entre os evangélicos do que na população geral. Enquanto 24% dos brasileiros acham o governo do capitão ótimo ou bom, 33% dos que seguem a religião evangélica pensam o mesmo. Por outro lado, 35% desse grupo religioso reprova o governo, porcentagem menor do que no total dos entrevistados (45%).
O eleitorado evangélico é o que mais acredita na capacidade de Bolsonaro liderar o país (49%) contra índices mais baixos entre católicos (34%) e kardecistas (28%). A média geral é de 38%. Esse segmento religioso é também o mais resistente à abertura de processo de impeachment. Apenas 39% deles apoiam essa atitude por parte do Congresso Nacional contra 54% entre católicos e 60% entre kardecistas. O impeachment é apoiado por 49% dos brasileiros diante de 46% que são contrários ao processo.
Vídeos da época da campanha eleitoral de 2018 voltaram a circular após a última pesquisa DataFolha na tentativa de descredibilizar o Instituto. Em um deles, um homem grava um pesquisador do Instituto e diz que não foi entrevistado porque era eleitor de Bolsonaro. Na verdade, entrevistar quem se oferece a pesquisa seria prática contrária aos métodos do DataFolha.
O Projeto Comprova (do qual o Coletivo Bereia já participou) verificou que outro vídeo enganoso de 2018 voltou a circular após a nova pesquisa. Nele, um entrevistado questiona a credibilidade do Instituto porque não pode ler as perguntas antes de responder. Isso acontece, de acordo com o DataFolha, para evitar vieses nas respostas dos entrevistados.
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Bereia conclui que a matéria do Gospel Prime é enganosa. Apesar de informar corretamente os dados da pesquisa, o site emite opinião sobre o DataFolha como suspeito e tendencioso, sem apresentar as razões que justificam essas percepções. Opina também de forma partidária contra o ex-presidente Lula, ao usar o termo popularizado entre antipetistas, “ex-presidiário”. Além disso, diferentemente do que fez o jornal Folha de S.Paulo, o texto do portal gospel desconsidera o contexto da pesquisa e os motivos pelos quais o apoio de evangélicos a Jair Bolsonaro neste momento é inferior em relação ao do segundo turno das eleições de 2018.
Segundo a publicação, o governador João Doria (PSDB) teria mantido a proibição dos cultos presenciais, acatando recomendação do Ministério Público local, o que, na prática, representaria um “cerceamento à liberdade religiosa”.
Na sequência, o conteúdo de Gospel Prime traz o suposto contexto em outros estados. “A situação em outros estados tem suas particularidades, mas em nenhum deles há a proibição aos fiéis de se reunirem nos templos para cultuarem a Deus. Até o último domingo, o Ceará era o único que mantinha proibição parecida, mas o governador Camilo Santana (PT) anunciou em 10 de abril que as igrejas poderão ser reabertas gradualmente, inicialmente com 10% da capacidade de lotação”, diz a matéria.
Por que os cultos foram liberados no Ceará?
Em 04 de abril, missas e cultos foram liberados para funcionar de forma presencial no Ceará, conforme o decreto de isolamento social rígido, prorrogado até 11 de abril, por decisão do governador Camilo Santana (PT). Tal decisão foi justificada mediante determinação do STF, em caráter provisório, de que estados, municípios e o Distrito Federal não poderiam editar normas de combate à pandemia que proibissem integralmente celebrações religiosas presenciais. Contudo, mesmo com o decreto, a recomendação às instituições religiosas era para que continuassem procedendo com as liturgias de forma on-line.
Sobre a decisão do STF e o contexto paulistano
Em 04 de abril, o ministro do STF Kassio Nunes Marques, liberou missas e cultos religiosos em todo o Brasil, derrubando decretos de governadores e prefeitos que haviam vetado a reunião de fiéis como forma de minimizar a contaminação por covid-19. A iniciativa foi mobilizada a partir de uma ação da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure).
Em nota, a associação defendeu que “no que diz respeito ao funcionamento das igrejas durante a pandemia, ressaltamos o entendimento sustentado pela ANAJURE em outras ocasiões, no sentido da importância da adoção de uma postura colaborativa por parte das instituições eclesiásticas, modo como muitas têm procedido. Ao longo de todo o período, diversas igrejas têm contribuído através do fornecimento de cestas básicas, itens de higiene, roupas e, em alguns casos, até mesmo na aquisição e envio de cilindros de oxigênio a regiões que sofreram com o esgotamento de seus estoques. Além disso, frisamos que, naqueles locais onde se observa um quadro de saúde pública mais delicado, a postura colaborativa a ser adotada pelas igrejas seja a suspensão temporária de suas atividades coletivas presenciais, até que haja uma melhora no quadro de ocupação das UTIs e seja possível, então, uma retomada gradual”.
Já no dia 05, foi a vez do STF, de forma liminar, voltar a proibir as missas e cultos, contudo, apenas no estado de São Paulo. A decisão foi tomada pelo ministro Gilmar Mendes, a partir de ações do Conselho Nacional de Pastores do Brasil e do PSD (Partido Social Democrático) movidas contra o decreto do governador João Doria (PSDB).
Mediante as divergências, um julgamento foi marcado para 08 de abril com o objetivo de acabar com o conflito, por meio do posicionamento dos 11 ministros do tribunal sobre o tema. Na ocasião, por nove votos a dois, o STF decidiu que estados e municípios podem impor restrições a celebrações religiosas presenciais, como cultos e missas, em templos e igrejas durante a pandemia de covid-19.
Bereia entrou em contato com o pesquisador em Religião e Política João Luiz Moura, que é coordenador de projetos no Instituto Vladimir Herzog e pesquisador visitante no Instituto de Estudos da Religião (ISER), para indagar se o que está ocorrendo por meio das decisões do STF poderia ser caracterizado como perseguição religiosa.
“Quanto ao questionamento via Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 811, ingressada pelo PSD, como a própria corte julgou, trata-se de matéria constitucional. O decreto do governo de SP, objeto da ADPF em referência, não restringia apenas igrejas, caso contrário poderia caracterizar “perseguição religiosa”. O decreto restringia reuniões diversas, entre elas, cultos e missas. Além disso, não se trata de suspensão de liberdades, o decreto tinha início e término, cuja finalidade era somar esforços na contenção do contágio. Portanto, constitucional”, explicou Moura.
A cronologia das informações
Um detalhe importante: a matéria do portal R7, de 12 de abril, na qual o texto do Gospel Prime se baseia, apresenta um quadro mais completo, comparando com outros estados da federação (embora não dê voz a lados religiosos favoráveis à proibição, como o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil, entre outros) .
Já a entrevista coletiva do governo de São Paulo anunciando a abertura gradual dos templos a partir de 18 de abril foi realizada em 16 de abril . No entanto,a matéria do Gospel Prime, publicada no dia anterior, 15 de abril, não foi atualizada com essas informações, continuando a circular com o mesmo texto, reproduzida em mídias digitais religiosas, mesmo depois da coletiva.
Com base na verificação, Bereia classifica a matéria de Gospel Prime como enganosa. De fato, São Paulo, até 17 de abril, chegou a ser o único estado da federação a manter proibição de celebrações religiosas presenciais. Porém, além de não dar voz a outros lados sobre a questão, a matéria do site não foi atualizada com as informações mais recentes sobre a mudança nas medidas municipais Com isso, o site de notícias religiosas induz seus leitores à desinformação por meio de texto enganoso, fazendo-os pensar que as medidas são “extremistas” (palavra usada na matéria) e de perseguição às igrejas.
Quando o assunto é igreja evangélica brasileira, o que pensam as pessoas que estão fora dela? E de quem elas lembram? Bispo Edir Macedo (Igreja Universal), Apóstolo Valdemiro Santiago (Igreja Mundial) e Pastor Silas Malafaia (Assembleia de Deus Vitória em Cristo) certamente estão entre as pessoas que vêm à mente de muita gente devido ao poder midiático de suas igrejas.
Sou filho de uma família pastoral com raízes na Igreja Batista Independente (de vertente pentecostal) e passagem pela Renascer em Cristo (uma das maiores promotoras da cultura gospel nos anos 1990 e 2000). Hoje frequento uma Igreja Batista. E fora do que via pela TV, eu conhecia pouco sobre outras denominações com grande poder midiático.
Mas por que as pessoas vão a essas igrejas? Em 2019, foi com essa pergunta que decidi fazer uma pesquisa de iniciação científica cujo objetivo era entrevistar fiéis de três igrejas neopentecostais (Mundial, Universal e Plenitude) e uma pentecostal (Assembleia de Deus do Brás). A maioria delas fica no “Corredor da Fé”, na Avenida Celso Garcia, no bairro do Brás, zona leste de São Paulo. Na época da pesquisa, eram 26 igrejas só naquele endereço. Baseado nas entrevistas que fiz naquele ano, produzi o podcast Histórias de Fé.
A compreensiva resistência ao jornalismo
As reações à chegada de um jornalista variaram. Na igreja do Apóstolo Valdemiro, ter me apresentado como jornalista evangélico fez os fiéis se abrirem mais. Numa entrevista até escutei que, se eu não fosse crente, uma pessoa teria tentado me confrontar e evangelizar. Já nas outras, precisei convencer autoridades religiosas de que não procurava prejudicar as igrejas com as entrevistas.
A resistência é compreensível. As igrejas evangélicas brasileiras saltaram de 5% a 22% da população entre 1970 e 2010, de acordo os dados do Censo Demográfico do IBGE. Essa é uma grande e rápida mudança em um país de histórica hegemonia Católica Romana. Além disso, a representação desse grupo religioso ainda é carregada de estereótipos (ou até mesmo imprecisões) que eram bem mais fortes em décadas passadas.
É verdade que isso tem sido superado. Exemplo disso é que a Folha de S. Paulo dedicou, em 2019, matéria para os resultados de uma pesquisa do DataFolha. O levantamento concluiu que a “cara típica” do evangélico brasileiro é feminina e negra. Nas igrejas neopentecostais, elas representam 69% dos fiéis.
Mesmo assim, visitar essas igrejas – em especial as neopentecostais – foi confrontar-me com meus próprios preconceitos. Entrevistar fiéis enquanto mantinha opinião crítica à teologia da prosperidade e considerar que, às vezes, as chamadas experiências de avivamento com o Espírito Santo eram exageradas, me obrigou a entender as suas crenças em seus próprios termos.
Entender a fé do outro muda perspectivas
Essa chave muda tudo. Se olharmos apenas para o que acontece nos púlpitos sem acreditar nos programas de TV, a imagem que fica é de bispos e apóstolos que exploram a fé de pessoas pobres e com pouca instrução. Mas se o foco são as pessoas sentadas nos bancos – não meros cases de sucesso que dão testemunho – a situação muda.
No primeiro episódio, conto um diálogo que tive com uma fiel da Universal fora da igreja. Ela diz acreditar que pode obrigar Deus a fazer um milagre acontecer e até me citou que declarou que teria um emprego e conseguiu-o de um dia para outro. Essa crença entra em choque com a tradicional doutrina da soberania de Deus. Mas se oração, dízimos e ofertas não resultarem no milagre, para ela, é porque Deus faz o que quer. Então, o debate que importa não é se uma doutrina clássica e cara a outras tradições evangélicas está em jogo ou não, mas se a fé pregada pela igreja dá resultados.
Mas não só de resultados vive a fé desses evangélicos. O maior exemplo que tive foi minha última entrevistada, na Igreja Plenitude. Elissandra contou que retornou ao evangelho pela Plenitude depois de 22 anos “desviada” (gíria crente que designa quem se converteu e posteriormente deixou a igreja). Pouco depois de ter se batizado, sua filha teve uma doença que afetou toda a pele. Os médicos não achavam solução. A cura veio depois que ela comprou frascos com o sangue do cordeiro e azeite e passou no corpo da filha. “Então, eu não tenho motivo pra sair da igreja. Eu tenho motivo pra permanecer. Pra ficar. Pra ser fiel a Ele. Eu não tenho motivo pra sair. Porque ele me provou quem Ele é na minha vida. Ele me provou que Ele está comigo. E que Ele ouviu o meu clamor, a minha oração, porque eu ajoelhei e pedi pra Ele. E Ele me ouviu e Ele me respondeu no mesmo dia”, explicou Elissandra.
Apesar disso, toda a sua família questiona sua fé e a chama de macumbeira – um termo muito ofensivo, já que essas igrejas entendem os cultos afro-brasileiros como demoníacos. Mas quando o assunto era o que a mantinha na Plenitude, ela atribuiu sua persistência ao avivamento com o Espírito Santo. Mesmo que a cura da filha tenha sido um sinal de Deus, me pareceu que Elissandra quer bem mais respeito da família do que negociar bênçãos materiais com Deus.
Compreender não significa fechar os olhos para os problemas
Ao final de toda a pesquisa, não deixei de ter sérias divergências com as pregações das igrejas as quais visitei. Discordo da Teologia da Prosperidade e da Guerra Espiritual, defendidas pelas igrejas neopentecostais. Às vezes, a admiração aos líderes das denominações me parece exagero.
Além disso, há um alinhamento institucional e quase acrítico ao Presidente da República Bolsonaro, para dizer o mínimo. Não é por acaso que o voto evangélico foi forte fator para a eleição do capitão. É claro que isso não é exclusividade das igrejas que visitei e os efeitos são prejudiciais tanto para quem é da igreja quanto para quem é de fora dela.
Em poucos meses como repórter verificador no Bereia cheguei à triste conclusão que, não raramente, líderes evangélicos importantes desistem da verdade para espalhar desinformação, seja para criticar opositores do presidente ou defender o governo. Isso se tornou mais dramático com a pandemia de covid-19. O grande problema disso tudo é: se a igreja evangélica se associar tão fortemente ao governo Bolsonaro, como as pessoas de fora da igreja conseguirão distinguir a diferença entre ser evangélico e ser bolsonarista?
Reconheço que essas igrejas não se encerram nos programas de TV e que chegam nas vidas das pessoas. E mesmo quando discordo, eu entendo os pontos de vista desses fiéis. Qualquer diálogo sério com evangélicos depende de tentar compreendê-los.
Ao inaugurar trecho da Ferrovia Norte-Sul, em São Simão (GO), na quinta-feira, 4 de março, um dia após o Brasil bater novo recorde de mortos pela Covid-19, com 1.910 mortos em 24 horas, o Presidente Jair Bolsonaro (sem partido) proferiu discurso em que, mais uma vez, desdenhou da covid-19 e do sofrimento da população atingida pela pandemia.
Ele classificou como “frescura” e “mimimi” as medidas de isolamento para conter a propagação do coronavírus e disse que é hora de parar de chorar. Dirigindo-se a produtores rurais, Bolsonaro elogiou que eles não tenham praticado o isolamento social e disse: “Vocês não ficaram em casa. Não se acovardaram. Nós temos que enfrentar os nossos problemas. Chega de frescura, de mimimi. Vão ficar chorando até quando?”.
Na sequência, Bolsonaro usou a Bíblia para embasar sua fala. “A própria Bíblia diz, em 365 citações, ‘não temas’. Eu sou católico, acredito em Deus, respeito as outras religiões. Mas, se ficarmos em casa o tempo todo e dizer que a economia a gente vai ver depois… Uma parte a gente está vendo agora o que foi essa política. Qual o futuro do Brasil?” (TV Brasil, minuto 1:25’).
É estratégia comum nos discursos de Jair Bolsonaro usar imagens e textos da Bíblia para manter a popularidade entre evangélicos e católicos alinhados com sua política de extrema direita. O estudo divulgado no mesmo 4 de março pelo Inteligência, Pesquisa e Consultoria (Ipec), indica que apesar de 28% considerarem sua gestão ótima ou boa, 39% a avaliam como péssima ou ruim, enquanto 58% dos entrevistados desaprovam o governo. Bolsonaro mantém aprovação forte apenas entre os evangélicos, dos quais 38% consideram o seu governo positivo.
Descontados os apoios fragmentados em diferentes segmentos da população, é nos grupos religiosos cristãos que o Presidente do Brasil ainda encontra suporte mais sólido, por isso, os periódicos intentos de agrados com discursos e ações (nomeações para cargos públicos – ministérios e outras funções – e concessões, como publicidade governamental em mídias religiosas).
No discurso, em Goiás, em 4 de março, para estimular que pessoas não respeitem as orientações de isolamento social como prevenção da covid-19, o presidente expressou que quem tem fé em Deus não precisa temer a doença. Por isso ele disse que a Bíblia tem 365 citações da expressão “não temas”.
A afirmação é fonte para duas controvérsias: primeiro, é uma informação falsa. Não há 365 citações “não temas” na Bíblia. O Doutor em Sagradas Escrituras Odalberto Domingos Casonatto pesquisou o termo em três versões diferentes – católica e evangélicas – e encontrou três diferentes números: 47, 84 e 92. Mesmo a maior quantidade é bem distante dos 365 (uma para cada dia ano, provavelmente) indicadas pela assessoria de Jair Bolsonaro para o seu discurso. Já o pastor da Assembleia de Deus, ex-diretor da Sociedade Bíblica do Brasil (SBB) Altair Germano, em seu blog, chama a afirmação de que a Bíblia tem 365 menções a “não temas” de “Síndrome de Papagaio. Ele diz que, dependendo da versão bíblica, encontra-se 75 registros de “não temas” e 18 de “não temais”, em um total de 93 menções.
A outra controvérsia é ética e diz respeito ao uso da Bíblia para justificar posições que não têm relação com os escritos nela contidos. O pastor da Igreja da Garagem no Rio de Janeiro Jhon Souza explicou ao Coletivo Bereia que, com esforço, pode-se encontrar 127 menções no máximo (não temas: 58; não temais: 35; não temereis: 6; não temerás: 6; não temerei: 5; não temerá: 5; não os temais: 4; não os temas: 3; não tenhais medo: 2; não tenhas temor: 2; nada temas: 1) e há sentidos diferentes em cada texto. Há, por exemplo, explica o pastor, textos que se refere ao temor a Deus, quando Deus se revela para pessoas, em algumas narrativas.
O Pastor Jhon Souza destaca que uma das palavras mais fortes na Bíblia relacionadas ao “não ter medo” diz respeito a proteção. É o caso da narrativa da saída do povo escravo do Egito para a Terra Prometida, quando os hebreus escravizados são convocados a se recolherem dentro de suas casas e marcarem os umbrais de suas portas para não serem acometidas pela morte que atingiria os egípcios. “Naquele momento”, diz o pastor, “não ter medo era se proteger dentro de casa”.
Já o Pastor da Igreja Cristã Redenção Baixada Vladimir de Oliveira avalia que “usar um versículo/trecho das Escrituras Sagradas pra relativizar a dor de famílias que estão perdendo os seus entes pela covid-19 é um ato impiedoso/irresponsável”.
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O Coletivo Bereia classifica a afirmação do Presidente da República de que há 365 menções a “não temas” na Bíblia como falsa. Ele usa mais esta desinformação para estimular pessoas, em especial as religiosas, à irresponsabilidade com as medidas sanitárias de prevenção à pandemia de covid-19 que já matou mais de 260 mil pessoas no Brasil.
Em janeiro, tivemos uma boa notícia. Bruno Carazza, colunista do Valor Econômico, divulgou dados da pesquisa XP/Ipespe mostrando que a avaliação positiva do presidente Jair Bolsonaro entre os evangélicos caiu de 53% para 40% entre dezembro e janeiro. Vale pensarmos os motivos. Segundo pesquisa divulgada no começo de 2020 pelo Datafolha, 48% dos evangélicos recebem até dois salários mínimos por mês. Essa queda seria por conta do fim do Auxílio Emergencial? Quais outras fissuras que podemos evidenciar para aumentar o índice de rejeição dos evangélicos contra Bolsonaro? Até onde o negacionismo e as fake news se sustentarão frente à realidade concreta do povo?
Desde que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou o uso emergencial da Vacina contra a Covid-19, temos acompanhado mais um show de horror protagonizado pelo governo federal. A desinformação propagada por Bolsonaro tem fortalecido o discurso antivacina, algo até então pontual e sem grandes ecos em nosso país.
As vacinas, como a maioria de nós já sabe, são um pacto coletivo contra doenças e evitam milhares de mortes todos os anos. Com a erradicação dessas doenças, alguns seletos grupos passaram a questionar os efeitos colaterais dos imunizantes, temendo-os mais do que a própria doença. De fato, nem todos podem ser vacinadas, como algumas pessoas com comprometimento sérios na imunidade e alérgicos graves à componentes da vacina. Porém, essas pessoas contam com esse pacto coletivo, dado que quando você se vacina, você protege aqueles que não podem se vacinar. O contrário também é verdadeiro: se você não se vacina, você coloca em risco os que não tem como se imunizar.
Até a pandemia chegar, o movimento antivacina no Brasil era extremamente pontual e estava muito circunscrito a um grupo seleto de famílias de classe média que contavam com medidas alternativas para garantir a saúde de seus filhos, acreditando que essa era uma opção de cada indivíduo. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, primeiro parágrafo do Artigo 14, “é obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”. As escolas exigem a carteira de vacinação para a matrícula e podem acionar o Conselho Tutelar, caso esse direito seja negligenciado. “Em geral, as nossas carteiras de vacinação estão em dia, mas a gente tem famílias negacionistas de classe média, são as que dão mais trabalho, é mais complicado do que as famílias mais vulneráveis”, comentou conosco um funcionário de uma escola pública municipal. Em alguns locais de nosso país há fiscalizações realizadas pelas Unidades Básicas de Saúde (UBS) nas escolas públicas. Famílias podem ter que responder por maus tratos se não imunizarem suas crianças. Vacinação obrigatória é um direito da criança e um dever do Estado e dos seus cuidadores.
Na pandemia, porém, tudo se converteu, inclusive a percepção sobre esse pacto coletivo. O discurso antivacina foi mudando de interlocutor. Aquele grupo seleto de classe média que não vacinou suas crianças por ter certa garantia que seu filho poderia ser protegido por outros métodos, deu espaço a um outro tipo de narrativa. Temos acompanhado diversas reportagens de pastores, notavelmente defensores do atual governo, que divulgam notícias falsas, contando com a imunização por meio da fé, negando o avanço científico com o qual esses mesmos pastores se beneficiaram por anos.
Dentre tantos, Josué Valandro, o pastor da Igreja que a primeira dama Michelle Bolsonaro frequenta, reagiu em seu Instagram ironizando a eficácia da vacina: “Vende-se paraquedas com 50,3% de eficácia”. Já foi esclarecido em diversos meios de comunicação o significado do percentual de eficácia no combate à doença: a vacina não é para garantir que seguramente as pessoas não vão contrair a doença, mas, principalmente, que não desenvolvam suas formas graves. A ironia do pastor com a (des)informação foi questionada inclusive pelos seus seguidores, felizmente.
Outro exemplo extremamente preocupante se refere a um grupo de indígenas de uma tribo amazônica que tem recusado a se vacinar. Pastores evangélicos que têm atuado nas tribos são os disseminadores de falsas informações, colocando dúvidas e medo na população. O medo da vacina tem gerado conflito entre os indígenas evangélicos e os não-evangélicos, dado que os pastores têm, inclusive, tentado impedir que as vacinas cheguem ao território indígena.
Nesse contexto, pastores ainda ligados à Bolsonaro compõe esse assustador caldo de negacionismo impensável em mundos minimamente civilizados. A frase “a que ponto chegamos” não consegue acompanhar a catastrófica conjuntura atual, dado que esse ponto final do absurdo não chega nunca. Mas essa narrativa não acontece por acaso ou espontaneamente. Os pastores fundamentalistas, muito mais sensíveis aos interesses do presidente do que à dor das famílias dos mais de 240 mil mortos, têm construído uma linha bastante coerente até chegarem na desconfiança e na disseminação de falsas notícias sobre a vacina.
No portal Uol, o teólogo Ronilson Pacheco lembrou desse coerente caminho: primeiro com a ação de cristãos para jejuarem contra o vírus em um momento que a fome passou a ser uma real ameaça para o povo – inclusive maior que o vírus -; depois, não houve nenhuma manifestação pública desses pastores sobre as primeiras 100 mil mortes causadas pelo vírus em nosso país, enquanto seguiam pressionando para a abertura das Igrejas. Em paralelo, as curas milagrosas foram muito mais divulgadas e defendidas por esses pastores do que a vacina, chegando ao absurdo da venda de feijões milagrosos que poderiam custar até mil reais.
Conversamos com pastores e fiéis na cidade de São Paulo. O Pastor metodista Jair Alves, membro da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, tem visto o negacionismo em sua comunidade cristã localizada no Alto da Mooca, na zona leste, um bairro mais conservador, segundo ele. Como cristão e servidor público, atuando como assistente social há mais de 20 anos (atualmente na saúde), Alves vê a propagação de fake news e a resistência à vacina com muita preocupação: “todo dia e toda hora estamos falando e conversando sobre isso”. Já Cleonice Victor, empregada doméstica e moradora do bairro do Peri Alto, periferia norte da cidade, nos disse que em diversas igrejas que ela conhece as pessoas estão esperando pela vacina: “todo mundo vai tomar, não ouvi falar, não (sobre pessoas que não vão tomar a vacina).”
Walderes Costas, da Assembleia de Deus Apostólica e moradora do Bairro Jardim Paraná, distrito da Brasilândia, teve covid-19 e chegou a ficar internada. “Primeiramente, antes de tudo, devemos ter confiança em Deus sobre a vacina, a vacina pode impedir muitos de irem a óbito. No meu ministério, meus pastores falam que como está em Apocalipse, as sete pragas estão para chegar e por isso, o Covid-19 levou muitas pessoas. Temos que manter os cuidados com a higiene, aguardar os resultados da vacina. Muitos querem confundir a mente daquelas pessoas que não têm acesso à informação. A mídia tem confundido muito as pessoas. Uns falam ‘ai eu não vou tomar, ai eu vou morrer se tomar”. Não, não é nada disso. (…) Meu pastor e minha pastora falam para as pessoas tomarem a vacina, para se prevenirem. (…). No meu bairro, no meu ministério, muitos falam que vão tomar, outros não sabem se vai chegar… muitos não veem a hora de tomar para ficarem livres da doença”.
Para o povo, imerso nas igrejas evangélicas que se proliferam há anos no nosso país, a palavra do Pastor é fundamental; é ele que está no cotidiano dos territórios, a igreja é espaço de solidariedade popular entre os fiéis, de acolhimento e cuidado nesse momento em que todos estão mais precisando. A figura do Pastor é de autoridade moral e espiritual, mas também de alguém que está presente e pronto para auxiliar; é ele, muitas vezes, quem diz o que é certo e o que é errado a partir de sua leitura da Bíblia. Construir bandeiras pró-vacina nos territórios é tarefa urgente do campo progressista. Produzir pontes de diálogos com pastores das pequenas igrejas dos bairros periféricos, que muitas vezes estão no meio de campo entre os discursos fundamentalistas dos pastores midiáticos e a realidade concreta do povo, nos parece fundamental nesse momento em que a vacina é a resposta para angústias físicas, psíquicas e econômicas.
Motoboy e Pastor da Assembleia de Deus na Casa Verde, Fábio Elias tem atuado contra a disseminação de falsas informações sobre a vacina. “A gente tem um entendimento de que a fé sem obras é morta, não adianta só acreditar e não executar a nossa parte, a gente tem um entendimento de que o impossível a gente deixa nas mãos de Deus e o possível a gente deixa nas mãos dos homens. (…) Nós somos templos e morada do Espírito Santo de Deus e a gente tem a obrigação de cuidar (…) assim como a gente cuida do templo físico, a gente também tem que cuidar do templo espiritual, que seria nosso corpo. Se foi criada uma vacina que pode nos auxiliar, eu acho fantástico, agradecemos a Deus por ter surgido a vacina e a nossa orientação é para tomarmos. Não estamos nos posicionando de nenhuma forma contrária, pelo contrário, estamos instruindo que todos possam tomar a vacina. O que é parte espiritual, a gente tem como orientar, mas o que é parte científica, parte médica, somos obrigados a aceitar, até por que toda palavra do Senhor fala que toda autoridade é instituída por Deus, e se a ciência afirma que conseguiu uma vacina, a gente acredita que todos possam tomar. Eu não partilho de forma contrária, eu instruo e aceito”, nos relatou.
A imunização em massa a curto prazo da população pode garantir a abertura segura das escolas e, consequentemente, a diminuição de evasão escolar que aumentou consideravelmente durante a pandemia. Além disso, também serviria como um respiro para as mães que estão com seus filhos em casa e, mais do que nunca, precisam sair para trabalhar com o fim do Auxílio Emergencial. É também uma esperança para tantos trabalhadores em meio ao medo, à morte, ao fim.
Olhando para essa realidade e para a gravidade dos discursos e ações do Bolsonaro frente à pandemia, inclusive promovendo obstáculos na aquisição de vacinas, um grupo de religiosos cristãos, composto de 380 pessoas de diversas denominações, protocolou um pedido de impeachment contra o presidente.
A pastora luterana Romi Bencke, que protocolou o pedido representando esse grupo, nos disse que “a importância da vacina, desde a perspectiva cristã, é o amor à pessoa próxima. A fé em Jesus Cristo nos compromete com a outra pessoa, por isso, a vacina é um gesto de generosidade, amorosidade. Ao me vacinar não estou cuidando unicamente de mim, mas também do outro. Claro que não há nenhum texto bíblico para falar da vacina. Mas, se for para argumentar biblicamente o amor à pessoa próxima, recupero o texto de João 10.10: ‘Eu vim para que todas as pessoas tenham vida e vida em abundância’. Quem pode e se nega a tomar a vacina nega o direito ao cuidado da outra pessoa”.
O Pastor Jair Alves segue com a mesma narrativa: “os evangélicos falam tanto em Jesus, amam tanto a Jesus e não se lembram que Jesus veio para nos dar vida e vida em abundância, Jesus veio para nos libertar e a verdade é que nos liberta. Eu não entendo como evangélicos podem atrapalhar a vacinação favorecendo as famosas fake news contra o combate a covid-19. Deixo aqui o meu apelo: vamos tomar a vacina, eu tomei a vacina, sou profissional da área da saúde, tenho mais de 60 anos, sou Pastor, minha esposa é enfermeira, nós dois já fomos tomar a vacina e eu queria dizer: Deus é que nos deu a bênção de termos cientistas dedicados a descobrirem esta vacina, devemos apoiar e estimular a nossa comunidade a se vacinar”.
Nesse sentido, acreditamos que a vacina é uma bandeira importante na disputa de narrativas contra o fundamentalismo religioso e, consequentemente, contra Bolsonaro. Não podemos ficar reféns dos discursos e ações do presidente e dos pastores fundamentalistas que o apoiam. Temos o papel de criar formas de diálogo com as igrejas a partir da realidade do povo, em defesa da vacina pública, universal, gratuita e, quem sabe, como tem ensinado os países socialistas, soberana!
No dia 16 de novembro, o portal evangélico de notícias Gospel Prime publicou a matéria “Vacina com células de bebês abortados levam crise ética aos cristãos”. Apesar do título sugerir que vacinas são produzidas com células retiradas diretamente de bebês abortados, o texto logo explica que a crise ética diz respeito ao uso de linhagem de células derivadas de fetos abortados.
Para tratar desse tema, a matéria faz referência ao Instituto Charlotte Lozier. A instituição foi fundada em 2011, na Virgínia (EUA), e nomeada em homenagem à Dra. Charlotte Denman Lozier (1844-1870), destacada por sua luta pelos direitos das mulheres e por sua dedicação à medicina. “O Instituto reúne médicos, sociólogos, estatísticos e pesquisadores, para desenvolverem estudos sobre questões relacionadas à vida. Desta forma, o Instituto se empenha em trazer a ciência para a formulação de políticas e para a promoção do debate com o objetivo de promover a cultura e a política da vida”, diz o site institucional.
As linhagens de células utilizadas por vacinas que o CLI (sigla do Instituto Charlotte Lozier, em inglês) vê como antiéticas são duas. A HEK-293 originou-se de tecido renal colhido de um feto abortado legalmente na Holanda, em 1973, como informa o portal UOL. Já a linhagem PER.C6 advém de material da retina de um feto também legalmente abortado em 1985, utilizado por um laboratório da Johnson & Johnson. De acordo com a revista de divulgação científica Science, a vacina contra a covid-19, desenvolvida pela Universidade de Oxford, em parceria com a farmacêutica Astrazeneca, utiliza as células HEK-293 e a Janssen, uma subsidiária da Johnson, faz uso da PER.C6. Ambas fazem parte da iniciativa Warp Speed, do Governo Federal Americano, para produção de vacinas contra a covid-19.
O uso de células derivadas de fetos abortados não provoca novos abortos
A matéria do Gospel Prime direciona um link para uma lista do CLI que indica quais materiais são utilizados tanto no desenvolvimento quanto na produção de vacinas. No entanto, o CLI deixa mais claras suas considerações sobre o uso das linhagens derivadas de fetos abortados em outra publicação.
“O uso de células de fetos abortados eletivamente para a produção de vacinas torna esses cinco programas de vacina COVID-19 [citados na nota] potencialmente controversos e poderia reduzir a disposição de alguns de usar a vacina”.
CLI
Em defesa de alternativas que façam esse uso de células humanas, a nota escrita pelos doutores James Sherley e David Prentice conclui:
“A adesão aos mais elevados padrões éticos da ciência e da medicina serve a toda a humanidade, porque valoriza a dignidade de cada vida humana e respeita a consciência de todos, sem exploração de nenhum grupo.”
James Sherley e David Prentice
Linhagens celulares desenvolvidas a partir de tecidos humanos são comuns em pesquisas científicas. A HEK-293 é a mais comum, mas a PER. C6 (também de origem fetal) e a HeLa (feita com tecido retirado de mulher adulta) são exemplos de outras linhagens usadas. As culturas servem para que os cientistas compreendam como determinada substância age nas células humanas sem a necessidade de colocar em risco vidas de pacientes.
No caso das vacinas, as células da linhagem servem como “pequenas fábricas” para que os vírus atenuados possam se multiplicar e não fazem parte da composição do produto final. Em entrevista ao Projeto Comprova, a imunologista, professora titular da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre e membro do comitê científico da Sociedade Brasileira de Imunologia Cristina Bonorino esclareceu que “as células (embrionárias) não entram na composição da vacina. Apenas a proteína produzida por elas, ou o vírus replicado nelas, que sai da célula e fica no meio de cultura, é coletado e purificado para a formulação vacinal”. Já que não é mais necessário tecido fetal para que as células se multipliquem, o uso de cultura HEK-293 não provoca novos abortos.
O debate ético entre instituições cristãs
Como o próprio texto do Gospel Prime cita, o tema suscita um debate ético entre cristãos. Ouvido pela revista Science, o pesquisador do CLI David Prentice considera que outras tecnologias alternativas ao uso de HEK-293 estão disponíveis. Por outro lado, a Vatican’s Academy for Life (Academia do Vaticano pela Vida) encoraja a aplicação de vacinas alternativas. A matéria do portal católico Crux Now informa que, em 2005, o Vaticano orientou católicos a pedirem a seus médicos a não utilização de vacinas produzidas com linhagens derivadas de células de fetos abortados, bem como pedirem o desenvolvimento de métodos alternativos às empresas farmacêuticas.
No entanto, a Igreja Católica afirmou que é moralmente lícito tomar as vacinas para evitar o risco às crianças e à população como um todo. Conforme informa a reportagem do Crux Now, uma atualização da declaração foi feita em 2017, na qual afirma o seguinte: “As características técnicas de produção das vacinas mais comumente utilizadas na infância nos levam a excluir que exista uma cooperação moralmente relevante entre quem usa essas vacinas hoje e a prática do aborto voluntário.” O mesmo documento considera também como obrigação moral garantir uma cobertura vacinal necessária para proteção de outras pessoas.
Em entrevista à Agência Católica de Informações (ACI), o professor de Biodireito na Universidade Católica Argentina (UCA) Jorge Nicolás Lafferriere dá quatro condições para que um católico possa tomar “vacina de origem remota ilícita” [termo usado pelo site católico]: não haver “alternativa eticamente aceitável”; haver “perigo proporcional e urgente”; expressão de desacordo com a vacina de ‘origem ilícita’; cobrança que o sistema de saúde coloque à disposição outros tipos de vacina.
Apesar de Gospel Prime publicar uma manchete enganosa, a matéria também mostra a posição de cristãos que aceitam o uso de linhagens derivadas de fetos abortados em algum processo de desenvolvimento da vacina. É o caso do médico Craig Delisi em entrevista ao canal americano Christian Broadcasting Network. Ele explica a controvérsia e oferece uma analogia também citada no Gospel Prime: “Se alguém foi assassinado e era doador de órgãos, como cristãos, não devemos hesitar em tomar o coração dessa pessoa para o vovô, ou a córnea ou o rim dessa pessoa. Só porque houve um ato mau que precedeu algo e algo bom veio disso”.
Além disso, de acordo com a revista Science, o governo Trump restringiu o uso de tecidos de fetos de abortos eletivos em pesquisa biomédica. No entanto, a medida de 2019 não impediu a utilização de linhagens de células proveniente de fetos abortados, como a HEK-293 e a PER.C6.
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Com a verificação dos dados apresentados por Gospel Prime, Bereia conclui que a matéria é enganosa. O site utiliza o tema do aborto, caro aos cristãos, para confundir os leitores e leitoras em prol de aumentar resistências às vacinas. Cabe ressaltar que o título da matéria contradiz seu conteúdo ao mencionar “célula de bebês abortados” porque, na verdade, o debate bioético está centrado no uso de linhagens de células derivadas ao aborto – discussão mencionada na reportagem. Levando-se em conta que muitos leitores/as leem apenas títulos para tirar conclusões sobre conteúdos, esse tipo de desinformação contribui para a confusão sobre as vacinas, um tema essencial para o enfrentamento do novo coronavírus no Brasil.
No momento atual muito tem se falado e refletido acerca da cristofobia no Brasil. Grupos conservadores ligados aos segmentos evangélicos, em especial, abordam o assunto pela perspectiva da intolerância religiosa. Conteúdos desse tipo já foram verificados pelo Bereia. Nesse contexto, o portal evangélico Gospel Mais publicou a matéria “Jornalista diz que presença de evangélicos na política é ‘tóxica'” em 02 de novembro de 2020.
O jornalista referido pela matéria, Ancelmo Góis, é colunista do jornal OGlobo e assinante do blog no Portal G1, o Ancelmo.com – A turma da coluna. No blog, o jornalista trata de temas variados, como política e entretenimento. Entretanto, o comunicador foi destaque na matéria do portal evangélico por ter publicado a nota “A mistura tóxica entre política e religião”.
Ancelmo Góis cita um levantamento realizado pela consultoria Poliarco. Fundada em 2019 por cientistas políticos. A empresa desenvolve estudos sobre as instituições políticas brasileiras, ampliando a compreensão sobre o cenário político nacional.
De acordo com a pesquisa, o Partido Social Cristão (PSC) e o Republicanos são os partidos com maior quantidade de candidatos às prefeituras do Estado do Rio de Janeiro e estes são fortemente influenciados por evangélicos. Segundo o estudo, o PSC conta com 36 postulantes e o Republicanos com 35. Góis acrescenta que o pastor Everaldo, presidente do PSC, está preso acusado de corrupção em contratos na área da saúde e que o Republicanos é conhecido por ter a maioria de seus partidários oriundos da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), como o atual prefeito do Rio de Janeiro; Marcelo Crivella.
Sobre a “vingança nas urnas”
A matéria de Gospel Mais oferece tom crítico à nota de Ancelmo Góis. O jornalista é apresentado pelo site gospel como alguém “habituado a alfinetar lideranças evangélicas em suas notas”, sem que sejam apresentados dados que justifiquem esta afirmação. O argumento é que o aumento do percentual de evangélicos na população brasileira vem causando incômodo à elite intelectual e midiática do país há anos e para sustentar o argumento, o site apresenta alguns exemplos.
O primeiro retoma o episódio em que Gilberto Carvalho, ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência no primeiro mandato da então presidente da República Dilma Rousseff (PT), teria afirmado que era o momento de o partido “disputar a influência” com igrejas evangélicas nas classes de menor poder econômico. Gospel Mais remete à matéria própria, de 2012, que tratou deste tema, destacando apenas as reações de parlamentares evangélicos. Bereia verificou que a controvérsia foi coberta por várias mídias noticiosas à época. Boa parte dos veículos explorou apenas a interpretação da fala do ministro e as tensões geradas sem informar devidamente aos leitores.
O caso ocorreu no Fórum Social Mundial realizado em Porto Alegre, em 2012. Ao participar de um debate sobre “sentidos da democracia”, Gilberto Carvalho abordou a dificuldade de o governo comunicar com a nova classe média, que ascendeu durante a gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e a necessidade de o governo superar isto. No fim da palestra, analisou a influência das igrejas neopentecostais sobre o que chamou de “massa de desorganizados”, e disse que a periferia do país é hegemonizada por setores conservadores, segundo matéria do jornal Valor Econômico, a que mais detalha a fala do ministro.
“É muito importante que nós façamos nosso trabalho social pensando nesse novo Brasil, conhecendo essa nova realidade, não tendo ciúmes daquelas políticas de governo que atingem as nossas clientelas, que não batem mais às nossas portas muitas vezes, porque já caminharam por outros caminhos. E aí [vem] uma necessidade importantíssima de uma disputa ideológica, de uma disputa de projeto frente a esse nosso público. Que nós sabemos, quem conhece a periferia desse país, que é um público hegemonizado muitas vezes por setores conservadores”, foi o que disse o então Ministro da Secretaria de Governo, no fim de janeiro, em Porto Alegre (RS).
Carvalho disse ainda sobre as igrejas:
“Lembro aqui, sem nenhum preconceito, o papel e a hegemonia das igrejas evangélicas, das seitas pentecostais que são a grande presença nesse (mundo). É esse público que está emergindo, é esse público que até hoje é organizado por esses setores que está emergindo e que carece da nossa generosidade e da nossa atenção para estabelecermos um debate dialético, um debate em torno do novo projeto para o nosso país”.
Gilberto Carvalho
Após citar este episódio sem a devida contextualização, Gospel Mais afirma, na matéria de 02 de novembro, que a resposta ao discurso atribuído ao ex-ministro, veio em 2018, ano das últimas eleições presidenciais no Brasil. Segundo o site religioso, nesse pleito foi eleito um “candidato que se posicionava abertamente contra a ideologia de gênero, legalização do aborto e drogas, além de pregar uma política de segurança pública mais rígida e estabelecer uma conduta de combate à corrupção também no governo federal”.
De fato, Bereia verificou que há análises de especialistas que afirmam que a maioria dos que se declaram evangélicos apoiou o presidente Jair Bolsonaro no pleito de 2018. Segundo artigo do demógrafo José Eustáquio Alves, a vantagem de votos que o então candidato conquistou entre os evangélicos garantiu sua chegada ao Planalto. Ao projetar votos a partir de dados do DataFolha, Alves demonstra que, na população evangélica, a diferença entre Bolsonaro e Haddad (11,5 milhões a favor do ex-capitão) supera a diferença entre os dois no total de votos contabilizados (10,7 milhões à favor do presidente eleito). Além disso, o presidente encontra maior apoio entre evangélicos do que em comparação com a população em geral.
No entanto, a afirmação de Gospel Mais, em 2020, de que o resultado das eleições de 2018 foi uma “resposta dos evangélicos” (ou vingança) ao que foi interpretado, seis anos antes, como palavra ofensiva do ex-ministro Gilberto Carvalho, é matéria opinativa. Além de ser desprovida de contextualização, não oferece qualquer base que indique que esta afirmação é verdadeira, portanto, é especulativa, manifesta opinião com texto travestido de informação. Isto deveria ter sido indicado a leitores/as para que não publicasse desinformação.
Sobre“perseguiçãodoSTF”
Outro exemplo apresentado por Gospel Mais quanto ao suposto incômodo que a presença de evangélicos na política tem gerado, foi o estabelecimento da medida sobre abuso de poder religioso, que puniria candidatos apoiados por lideranças evangélicas. O ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Edson Fachin propôs ao plenário do órgão que, a partir das eleições deste ano, abuso de poder religioso pudesse levar à cassação de mandato.
Diante do “caráter inovador da compreensão”, Fachin recomendou “a sua não aplicação a feitos pretéritos, em homenagem ao princípio da proteção da confiança”. O ministro afirmou que a intervenção das associações religiosas em processos eleitorais deve ser observada com atenção, considerando que igrejas e seus dirigentes ostentam poder com aptidão para calar a liberdade para o exercício de sufrágio, debilitando o equilíbrio entre as chances das forças em disputa. Bereia realizou verificação de desinformação que circulou sobre este tema em espaços digitais religiosos.
A medida proposta não foi aprovada pelo TSE e o Gospel Mais a interpretou como “recado da elite ‘intelectual’ para reduzir o alcance dos evangélicos na política. A matéria do site gospel, além de associar o ministro Fachin à ex-presidente Dilma Rousseff, sem qualquer coerência com a realidade, não oferece base informativa que justifique que a proposta do ministro tenha representado uma perseguição aos evangélicos.
Por meio dos exemplos apresentados, o portal evangélico busca convencer seus leitores de que existe uma estratégia articulada de reduzir a presença de evangélicos na política brasileira, às vésperas do processo eleitoral. De acordo com levantamento realizado pela plataforma Religião e Poder (Instituto de Estudos da Religião/ISER), nas duas últimas eleições municipais houve aumento exponencial de candidatos que usam nomes religiosos. Em 2020, são 12.759 candidatos que irão às urnas buscando a aprovação dos eleitores com base na identidade religiosa. A religião cristã se destaca, principalmente as evangélicas.
Em entrevista à Religião e Poder, a antropóloga e pesquisadora da UFRJ e do ISER Lívia Reis diz que o nome religioso é uma estratégia de campanha que visa à eleição. Ao mesmo tempo, não é desprezível o aumento do apelo de candidatos à identidade religiosa, em sua maioria cristã, principalmente após as eleições de 2018.
Isto corresponde à nota publicada por Ancelmo Góis, criticada pelo site religioso.Para o Gospel Mais, a nota do jornalista tem a intenção de fortalecer a ideia de que a presença do segmento evangélico na disputa eleitoral é algo prejudicial. O portal silencia sobre a afirmação publicada, que justifica o termo “mistura tóxica”, de que o presidente do PSC Pastor Everaldo está preso e do que significa a menção dos casos relacionados à IURD na política do Rio com o Prefeito Marcelo Crivella, ligado a esta igreja. Procurado por Bereia, o jornalista Ancelmo Góis não respondeu até o fechamento desta matéria.
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Bereia classifica a matéria do Gospel Mais como enganosa por induzir leitores/as à conclusão de que a nota de Ancelmo Góis é fruto de antipatia da elite intelectual e da imprensa aos evangélicos, que responderam nas urnas em 2018 com a eleição de Jair Bolsonaro ao Planalto. A classificação “tóxica” diz respeito à mistura de religião e política,que envolve casos controversos citados na nota, como a prisão do Pastor Everaldo e as situações que envolvem o prefeito Marcelo Crivella, bispo da IURD, cuja candidatura à reeleição está sob julgamento por conta de irregularidades na administração. A nota é específica quanto a isto e não se refere à participação política de evangélicos, de um modo geral.
A campanha eleitoral para prefeituras e câmaras de vereadores deste ano já começou e, devido à circunstância da pandemia da COVID-19, as mídias sociais terão maior influência sobre o resultado desta eleição. Essa virtualização da campanha nos traz algumas preocupações, dentre elas a proliferação de diversas fake news, ou em bom português: notícias falsas. Essas mensagens são produzidas com o objetivo de destruir reputações e se tornaram tão comuns que o termo “fake” acabou entrando para nosso vocabulário cotidiano e já usamos em outros contextos. Isso acontece porque nossa sociedade não havia desenvolvido o hábito de checar a veracidade das informações que nos eram repassadas. No entanto, com a popularização dos smartphones, a produção e a disseminação de informação aumentou muito e requer maior cuidado para verificar se o que chega em nossas mãos é fato ou fake.
Sabemos que a maioria das pessoas não produz as fake news, mas acaba compartilhando por não saber distinguir uma notícia falsa. Muitas vezes o conteúdo da mensagem mistura fatos verdadeiros com falsos ou desatualizados e confunde até os mais atentos leitores. Por isso é importante desconfiar de notícias que são veiculadas sem fontes ou com fontes desconhecidas, que trazem textos alarmantes tentando te convencer de algo, dados desatualizados ou apenas imagens sem explicações. Hoje é possível até colocar um rosto de uma pessoa num vídeo que ela não fez e produzir um vídeo totalmente falso, é o que se denomina “deep fake”. Então, por essa razão, a regra deve ser desconfiar e buscar verificar a autenticidade da informação. Uma outra dica é: não ler apenas a manchete, ler todo o texto e olhar a data da publicação.
Não são meras piadas ou brincadeiras, as fake news são mentiras construídas com o intuito de desestabilizar o debate político e favorecer os interesses econômicos que fomentam sua criação e sua proliferação pelas redes sociais. O mesmo fenômeno é observado em outros países, especialmente em momentos de acirramento político e incerteza. Por isso, o cenário de pandemia, crise econômica e sociopolítica que vivemos durante esta campanha eleitoral pode ser campo fértil para o espalhamento dessa desinformação. Dessa forma, essas mensagens são uma arma contra a democracia e um risco para todas as nações, estados e cidades.
As igrejas são unânimes em condenar a prática da mentira. Na bíblia, manual de fé e conduta cristã, há diversas condenações à prática da mentira, inclusive a que adverte para não acompanhar a maioria quando esta torce a verdade (Êxodo 23.1,2). Mas, os locais de culto e seus públicos não estão isentos de serem contaminados pelas fake news. Ao contrário disso, algumas notícias falsas são construídas com o objetivo específico de circular nesses arraiais e têm sido eficientes em manipular os votos do povo religioso. Você já deve ter recebido no seu celular aquela mensagem que diz que determinado candidato pretende proibir a leitura da bíblia, ou que uma candidata disse que quer fechar igrejas. Essas mensagens moveram inúmeras pessoas a mudarem seus votos sem ao menos se perguntarem se tais afirmações eram verdade.
Foi pensando em prover meios de enfrentamento dessa manipulação do voto, que as Escolas de Fé e Política ligadas ao Instituto Solidare e a Igreja Batista em Coqueiral (Recife-PE), em parceria com a Tearfund e Aliança Bíblica Universitária Brasil desenvolveram a campanha #IgrejaSemFakeNews para contribuir com o confronto destas mentiras disfarçadas de notícias dentro do campo religioso cristão, especialmente entre evangélicos. A campanha também conta com o apoio do Coletivo Bereia e do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE).
A campanha lançou o e-book “Diga Não Às Fake News”, que aborda a problemática do ponto de vista político, ético e teológico. A publicação aposta no estudo comunitário do texto e sugere questões norteadoras que levam à reflexão sobre a conjuntura política, sobre a relação entre fé e política no processo eleitoral e sobre o impacto das fake news para democracia e para a espiritualidade. O e-book propõe uma leitura simples e rápida, que possibilite que cada pessoa possa se informar sobre esses riscos e saiba onde pode checar a veracidade das informações que recebe. Para isso, foram listados os principais sites de veículos de imprensa de credibilidade reconhecida que fazem o “fact-checking”, ou seja, verificam os fatos que circulam nestas mensagens de redes sociais apontando o que é verdade ou mentira. O Coletivo Bereia é um destes sites.
Ainda que o espalhamento das fakes seja rápido e generalizado como uma pandemia, a “vacina” para acabar com isso é assumir a responsabilidade de verificar os fatos que compartilhamos. Então, cada pessoa é importante. Por isso, além de ler e compartilhar o e-book “Diga Não Às Fake News”, você pode contribuir com a campanha postando nas suas redes sociais e falando sobre o risco das fake news. Marcando a tag #IgrejaSemFakeNews você se soma nessa corrente de combate à desinformação dentro das igrejas.
Meu ponto de partida é meu corpo. Corpo que possuí diversas identidades, que negocia, troca, toca, experimenta. Corpo que foi construído pelos cristianismos de centro. Corpo que foi desconstruído pelos cristianismos das margens. Corpo que agora é devir. Por que começar essa breve fala com o corpo? Porque é ele que experimenta a religião, é ele que a constrói, é ele que pisa e sente o território místico e dá significados.
Cristianismo nunca é no singular. Cristianismos. Plural. Usando as categorias de “centro” e “margem” dos estudos pós-coloniais tento entender o que se passa com os cristianismos no Brasil. Há um cristianismo de centro? Há um cristianismo das margens? Como os discursos dentro de uma religião podem ser tão distintos? Para encontrar novos caminhos é preciso discutir os caminhos existentes.
Os fundamentalismos têm tomado conta do cenário nacional e mundial. Existem diversas teorias sobre qual a origem do fundamentalismo religioso, todas elas têm suas falhas. Porém, há uma constatação a ser feita: o fundamentalismo é um fenômeno religioso, mas não é ligado com a religião em si. Em menos de uma semana estava na Índia estudando os processos de fundamentalismo religioso e lá há um partido de ultradireita chamado Bharatiya Jananta Party (Partido do Povo Indiano). Partido esse que reivindica uma Índia Hindu, que quer trazer de volta os princípios religiosos dos Vedas, das castas (que ainda é um problema na Índia), doutrina Hinduvta – orgulho de ser hindu, e que quer expulsar os cristãos e os muçulmanos da Índia. O centro, império, é o hinduísmo. Existem algum movimento hindu que não concorda com essa postura do governo em poder? Sim. Nenhuma religião é singular, há sempre o plural.
No Brasil temos como religião de centro o cristianismo, em uma mistura de católico com evangélico, considerando um crescimento notável nas últimas décadas do movimento evangélico. Qual é a imagem do movimento evangélico-protestante-pentecostal? Bem, posso dizer a partir de dentro de que de um lado temos os fundamentalistas escrachados, discursos de ódio, teologia da prosperidade, do outro lado os ditos teólogos ortodoxos, que destilam intolerância com cara de conhecimento científico, que obtém o “verdadeiro conhecimento da Bíblia” e o resto é tudo, claro, é tudo heresia. E não preciso dizer sobre a bancada dita evangélica, apenas mencionar é o bastante.
Engana-se, entretanto, em pensar que o movimento de evangélicos progressistas é algo novo ou uma renovação. Muito pelo contrário, nomes como Anivaldo Padilha, metodista que participou da resistência contra a ditadura e foi denunciado pelo próprio pastor, sendo sequestrado e torturado, estão aí para fazer história e construir essa resistência cristã. Ele é apenas um exemplo, poderia citar outros tantos que não se dobraram ao Centro da fé e da política, continuaram nas margens da fé.
Temos que entender que os evangélicos progressistas representam as margens das margens, pois são marginais da própria fé e marginais da própria esquerda que quase sempre excluiu a religião de qualquer análise social e fechou os diálogos com os crentes com um ar de superioridade colonial. Teologias como teologia gay e queer, teologia negra, teologia feminista, teologia da libertação são marginalizadas pelos centros – da fé e até mesmo pela esquerda.
Acredito que não há um “crescimento” ou mesmo “renovação” do movimento evangélico, entretanto, tem ocorrido mais visibilidade e publicidade das lutas e pautas estabelecidas entre o meio progressista evangélico. O movimento de religiosos evangélicos engajados em pautas sociais e não-conservadoras sempre existiu, não é um fenômenos novo e há muito tempo estão na luta. O que é novo talvez seja uma melhor compreensão teórica, conceitual e política e também uma melhor articulação. Se há muito tempo religiosos evangélicos, de maneira anônima e desarticulada, atuam em causas relacionadas aos direitos humanos e sociais, hoje, de maneira mais articulada e organizada, estes evangélicos qualificaram e organizaram melhor suas expressões e práticas sobre esses temas e causas. Há diversos interesses nessa nova visibilidade também, interesses políticos, partidários, midiáticos, e esses fatores estão influenciando a publicização do movimento progressista evangélico no Brasil.
Movimento das margens da fé
Os primeiros movimentos progressistas evangélicos surgiram em meados da década de 20 e 30, porém eram institucionalizados e obtinham um caráter mais tradicional. Hoje encontramos esses movimentos mais nas margens, se costurando com outros corpos, outras identidades para além de um cristianismo ocidental-patriarcal-branco-heterossexual-capitalista. Há diversos movimentos se movimentando por aí: Evangélicos Pelo Estado Democrático de Direito, Evangélicas pela Igualdade de Gênero, Feministas Cristãs, Espiritualidade Libertária, Movimento Negro Evangélico. Mas voltarei aos corpos únicos que vivem essa experiência com o sagrado nas margens.
Ronilso Pacheco, teólogo, negro, mora no Rio de Janeiro, autor do livro “Ocupar, Resistir, Subverter” pela editora Novos Diálogos. Ronilso constrói sua fé nas margens de sua cor. Como um corpo negro experiência a luta, dor, alegria e o mistério da fé?
Ana Ester, teóloga, lésbica, de Belo Horizonte. Pesquisadora sobre a teologia queer, sobre um Deus que flui como nós. Vivência a fé cristã no corpo de uma mulher lésbica.
Alexya Salvador, pastora da Igreja Comunidade Metropolitana em SP, transexual, educadora. Nas margens da sociedade e da fé encontra o divino que lava os seus pés. E agora passa a lavar os pés de sua comunidade de fé, alunos e família. Corpo divinamente queer.
Nancy Cardoso, pastora metodista, teóloga, mora nos quatro cantos do Brasil, feminista, reivindica uma leitura erótica da Bíblia, tão erótica que escorre para a terra, onde ela mais trabalha, na Comissão Pastoral da Terra, autora de diversos livros sobre teologia feminista.
Entre muitos outros que se fazem nas margens e constroem a partir dela suas teologias. Cristianismos de fronteira, de margens, bem distintos do que é propagado na mídia sobre um cristianismo conservador, preconceituoso, frio e seco. Acreditamos naquilo que somos, nossa religião é nossa imagem e semelhança.
A potência da margem: o corpo marginal da fé
Comecei a reflexão falando dos corpos. Nosso corpo é a nossa linguagem. Quando os corpos são marginalizados não temos mais voz. A minoria tem seus corpos oprimidos e silenciados pelo colonialismo. O corpo religioso é um corpo oprimido duplamente, cultural-social e religioso – se é que pode haver essa separação. Um corpo LGBTI não tem lugar na reflexão teológica, da mesma forma que um corpo negro, que um corpo de uma mulher, um corpo indígena. A liberdade é definida pela sua genitália, cor, classe social e sexualidade. Obviamente o centro do cristianismo não quer que as margens teologizem. Relembrando Spivak: Pode o subalterno teologizar?
Os corpos marginais da fé são um potencial de desafiar a hegemonia presente, um potencial de criatividade, um potencial de sonhar diferentes espaços religiosos e sociais. Ser marginal dentro do centro é desestabilizar as “normas” teológicas, questionar as doutrinas opressoras, é criar uma nova narrativa religiosa a partir do corpo que sente. É viver nas margens, nas fronteiras, nos entrelugares. Homi Bhabha diz:
O trabalho fronteiriço da cultura exige um encontro com “o novo” que não seja parte do continuum de passado e presente. Ele cria uma ideia do novo como ato insurgente de tradução cultural. Essa arte não apenas retoma o passado como causa social ou precedente estético; ela renova o passado, refigurando-o como um “entre-lugar” contingente, que inova e interrompe a atuação do presente. O “passado-presente” torna-se parte da necessidade, e não da nostalgia, de viver. (2001, p. 27)
Outro ponto que as margens vivem em constante negociação. Uma das perguntas que mais ouço sendo uma teóloga feminista “como você pode ser feminista e cristã?” ou ainda além: “por que você ainda se considera cristã?”. Ou de uma esquerda tão cega quanto a própria fé que me diz: “não precisamos de vocês na nossa luta” – mesmo sendo a luta feminista. Como negociar entre essas fronteiras? O entrelugar é uma categoria necessária para entender os movimentos evangélicos emergentes na contemporaneidade. Negociam entre as margens e assim criam um novo lugar, um entrelugar de potências e diversidade. É o “rompimento das totalidades impostas e a superação dos fantasmas de cultura universal e culturas puras” (RIBEIRO, 2012, p. 169).
Um cristianismo-puro-singular-ortodoxo não tem mais espaço para os corpos marginais da fé. Viver nas fronteiras das diferentes situações produz um novo sentido para a realidade. Ainda mais, é preciso residir no além das fronteiras. Para Bhabha: “residir ‘no além’ é ainda… ser parte de um tempo revisionário, um retorno ao presente para redescrever nossa contemporaneidade cultural; reinscrever nossa comunidade humana, histórica; tocar o futuro em seu lado de cá. Nesse sentido, então, o espaço intermédio ‘além’ torna-se um espaço de intervenção no aqui e no agora” (2001, p. 27)
A vida é essa mistura de identidades que se interligam, interconectam, entrelaçam. É o passado e presente se fazendo novo. Os movimentos progressistas cristãos inspiram um novo a vir, uma comunidade que vem. Há sempre o perigo da margem querer se tornar centro, e assim perder a potência de criação e ser apenas uma repetição do velho, espero que isso não aconteça, mas antes crie o novo, novas relações com a fé e a sociedade, novas leituras das Escrituras que não mais oprimem o corpo, novas formas de se relacionar com o contexto atual. Ser evangélico é ser portador de uma boa nova, que essa boa nova se faça carne nos corpos marginais da fé.
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Foto de Capa: Pixabay/Reprodução
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REFERÊNCIAS
BHABHA, Homi. O Local da Cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001.
RIBEIRO, Cláudio. Fronteiras. entrelugares” e lógica plural: a contribuição dos estudos culturais de Homi Bhabha para o método teológico. Estudos de Religião, v. 26, n. 43, p. 9-21, 2012.
Nos últimos meses, temos presenciado o desespero de diversos pastores midiáticos insistindo na reabertura das Igrejas, fechadas por conta da pandemia da Covid-19. E também uma aproximação, cada vez mais estreita, desse grupo com o governo federal – que frente à crise política que se encontra, aposta em sua base evangélica como uma das estratégias para se manter no poder. O iminente golpe financeiro nas igrejas, resultado da não arrecadação presencial dos dízimos, pode ser a razão desse desespero das portas fechadas. No entanto, a questão econômica como parte em destaque nas disputas políticas não é o único problema enfrentado pelos pastores midiáticos que hegemonizaram a visão de quem seriam os evangélicos nesse país. É importante aprofundarmos o problema para compreender que o risco ultrapassa os dízimos perdidos nos cultos não presenciais.
Para o Pastor Ricardo Gondim, da Igreja Betesda de São Paulo, muitos destes pastores têm sua teologia edificada no fundamentalismo, que enxerga na Bíblia uma verdade absoluta, fetichizada, não crítica e não contextualizada: “usa-se os versículos sem contexto para justificar qualquer pauta moral que se julgue necessária. Insistir no discurso é necessário para esses pastores porque se não insistirem, vão ter que assumir que o que sempre pregaram estava errado”, afirma o pastor. Falaremos mais adiante sobre as contradições entre as falas fundamentalistas dos pastores – que tem apostado na fé como principal forma de cura e prevenção – e a realidade em tempos de Covid-19.
Do outro lado estão os evangélicos frequentadores das igrejinhas neopentecostais que vão se multiplicando como o milagre dos pães nas periferias das cidades e nos cantos deste país. Periferias e cantos esquecidos pelo Estado, abandonados à própria sorte, onde, apesar das inúmeras tentativas de imersão dos diversos setores do campo popular, ainda não foi possível consolidar um trabalho de base e uma organização que desse conta dos anseios e necessidades de nossa classe. Não é mais tão novo no nosso campo falarmos da importância que as igrejas têm cumprido nos territórios periféricos; são elas que constroem cotidianamente uma visão de mundo para a classe trabalhadora. Essa visão vai para além das interpretações bíblicas, se constrói com uma metodologia que nos últimos 30 anos têm ganhado corações e mentes de parte significativa da classe trabalhadora, dando respostas concretas, subjetivas e objetivas para nosso povo.
nesses espaços o povo encontra respostas que, no fundo, não dizem respeito somente à Deus ou à Palavra, mas também às demandas demasiadamente humanas, concretas, essenciais, como o desejo de fazer parte de grupos ou coletivos que nos acolham (sentimento de pertencimento), de ter acesso a bens simbólicos, ao belo e ao lazer (rituais festivos e catárticos), a esperança de melhorias materiais e financeiras, bem como a urgência em obter tratamentos para o corpo e a alma (curas “milagrosas”), demandas que nos são cada dia mais negadas pelo capitalismo periférico contemporâneo e por um sistema de saúde falido. Sem o atendimento a tais demandas, sentimo-nos frágeis e desesperados, entregues a uma vida despedaçada. (…)
FERNANDES, 106
É na Igreja também que os jovens têm a possibilidade de aprender a tocar um instrumento musical e vivenciar um espaço de sociabilidade no inacabável tempo de ociosidade que o desemprego proporciona para grande parte desse segmento da sociedade. As histórias de superação testemunhadas diariamente nas igrejas dão forças para que outros fiéis possam mudar a própria vida, já que enxergam no pastor e nos irmãos e irmãs de fé alguém como eles próprios. É nessas igrejas que a classe trabalhadora empobrecida tem alguma chance de elaborar o trauma da humilhação dos patrões, da mídia e do Estado e, quem sabe, recuperar algo da dignidade que lhe é roubada numa sociedade marcada por quase quatro séculos de escravidão, agravados pela precarização da vida em tempos neoliberais.
A mulher negra e pobre que passou o dia lavando o banheiro do seu patrão, e gastou horas intermináveis nos precários meios de transportes públicos, pode cantar e encantar a sua comunidade levando “a palavra” por meio de uma música, deixando ali de ser invisível². “Durante a semana, elas (as mulheres trabalhadoras frequentadoras das igrejas) não têm um emprego executivo, a mulher é empregada doméstica, mas no domingo ela se arruma, porque o melhor lugar que ela vai durante a semana é a igreja (…) é um espaço de solidariedade, mas também de ascensão social”, completa o pesquisador e frequentador da Igreja Betesda, Gedeon Alencar.
Em tempos de pandemia em que a crise sanitária e econômica acertam bem no meio do peito a vida dos trabalhadores periféricos, as igrejas cumprem o papel de preencher esse vazio nos corações e mentes das pessoas. “Sinto depressão, a igreja é o alimento da alma”, nos conta Cleonice Vitor, trabalhadora doméstica e moradora do bairro Peri Alto, periferia da Zona Norte da cidade de São Paulo, onde os casos de morte por coronavírus aumentam assustadoramente. Simone Stoco, dona de casa, moradora do mesmo bairro, vive a angústia de ficar em casa: “para nós foi um choque porque antes a gente vivia dentro de casa, não tinha contato com muitas pessoas, então conforme a gente foi para a igreja a gente começou a se relacionar bastante, ter muitas amizades, nós temos muitas amizades na igreja, minha casa estava sempre cheia, é muito estranho não encontrar, não poder abraçar, a gente saía com eles (membros da igreja), o isolamento para nós foi um choque”.
O culto online foi a resposta possível que as igrejas evangélicas construíram para manter a relação entre pastores e comunidade, mas é possível perceber que a necessidade da igreja para os trabalhadores periféricos vai além das palavras pregadas no culto. Para boa parte destes trabalhadores, os cultos online aparecem como uma tentativa de continuidade de um trabalho consolidado das igrejas, mas que na realidade não é tão efetivo, pois não dá conta de abarcar as demandas subjetivas da classe empobrecida. Enquanto a classe média tem a opção de elaborar seu sofrimento por meio de inúmeras terapias disponíveis, para a classe trabalhadora, esse é mais um alimento que irá faltar na mesa.
Culto online: alternativas teotecnológicas de espiritualidade
Com as novas demandas de um mundo vivenciando o CoronaChoque³, as igrejas também estão em processos de adaptação. O culto online é uma tentativa de resposta, já conhecida de grandes igrejas, para a espiritualidade em tempos de pandemia. Em um levantamento de dados realizado pelo pesquisador Livan Chiroma (UNICAMP), entre janeiro e abril de 2020, no mês de março a busca pelo termo “culto online” aumentou 10.000% no buscador Google. Um aumento exponencial que reflete a busca de respostas da fé para o enfrentamento do vírus. E isso significou uma mudança no cotidiano de muitas igrejas e fiéis que tiveram que se adaptar a essa nova forma de culto e ação pastoral.
A pastora batista Odja Barros conta como foi a experiência desse novo formato na Igreja Batista do Pinheiro, em Maceió (AL). “A primeira vez fizemos uma live de uma das salas da igreja, somente eu, Wellington e mais três pessoas do louvor. E foi bastante estranha para nós, eu me senti perdida porque foi a primeira experiência que a gente tinha feito. Nossos cultos são gravados normalmente e depois editados a partir da mensagem e colocado no blog da igreja, mas nunca tínhamos feito lives de culto. Ninguém sabia direito como fazer, foi bem tenso, bem diferente a experiência. Eu que preguei e foi a primeira vez que tive que fazer um sermão para um público que não existia na minha frente, sem as respostas dos olhares, da presença da comunidade. Foi um aprendizado.”
O desafio que a pandemia impôs às igrejas evangélicas fez com que pastores e pastoras rompessem algumas barreiras pessoais. O pastor Rosivaldo da Catedral da Adoração – Igreja com Propósito, de Goiás (GO), não gosta de redes sociais, mas a demanda do momento o fez iniciar os trabalhos com as transmissões ao vivo: “Por um lado, nós tivemos que nos revelar. Isso trouxe para mim pessoalmente, e outros pastores do ministério, um desconforto. […] Aqui desde o começo da quarentena fizemos lives. É uma forma de você manter a igreja integrada e alimentar as pessoas com as pregações, cultos, hinos.”
Claudio Ferreira de França, da Igreja Visão Plena, aponta o constrangimento em relação ao dízimo: “No começo deu certo receio, um certo constrangimento na verdade […] para a gente era meio constrangedor: na nossa igreja, nós ficamos aqui, não está tendo culto presencial, mas as contas precisam ser pagas, aí você pede ou não pede a oferta? Nós precisamos quebrar essa barreira”. Um outro desconforto ocorreu com o Pastor Felipe dos Anjos, da Igreja Batista da Água Branca, na Zona Oeste de São Paulo. “Fazer o louvor entre cadeiras vazias foi assustador! Louvor com o templo vazio é quase uma impossibilidade da experiência, ela retarda em acontecer porque falta o outro. Fica um mal-estar, mesmo que o desejo seja em servir os outros.”
Além da estranheza da ausência dos fiéis, a pastora Odja compartilha os percalços com as plataformas e maneiras de realizar o culto online. Após a primeira experiência, a igreja não fez mais cultos dentro do templo, mas cada um em sua casa explorando outras tecnologias. “Fomos nos tateando e sofrendo com isso. Foi a assessoria da igreja e da juventude que foi descobrindo por onde a gente devia ir”, relata Odja. Além dos processos de adaptação há um novo mercado em ascensão que tem lucrado nesse período: plataformas de reuniões online. Os serviços gratuitos para encontros onlines tem suas limitações, seja de ferramentas ou tempo disponível, por isso é necessário fazer as assinaturas desses serviços para obter uma melhor transmissão. Odja Barros nos conta que “foi preciso um investimento em tecnologia que a gente não tinha. Por exemplo, tivemos que comprar uma assinatura de um programa que possibilitasse as entradas do pessoal de onde estiver participando ao vivo.”
O pastor metodista André Guimarães, que pastoreia uma pequena comunidade em Engelho Velho da Federação, em Salvador (BA) – uma igreja em meio a um território de disputa de facções -, compartilha a experiência inicial do culto online. “Antes eu estava gravando áudios pelo Whatsapp. Fazia um culto sozinho. Algo como meio rádio, entendendo que o povo tem dificuldade com Facebook e Instagram. Mas uma irmã veio com a assinatura do Zoom e colocou à disposição da igreja. E viabilizou a participação dos membros nos momentos de louvor, intercessão…”. A plataforma Zoom possibilita conferências remotas com múltiplos participantes, o serviço gratuito é limitado a 40 minutos por sessão e restringe outras ferramentas. A assinatura é um investimento para que os usuários consigam utilizar em sua plenitude o que o aplicativo oferece.
As igrejas que não possuem acesso às plataformas similares de interação, seja pelo tamanho da igreja ou por condições financeiras, acabam limitando ainda mais a experiência do culto. Para Ronaldo Oliveira, membro da Assembleia de Deus Ministério Madureira e policial militar, “o culto online não tem a mesma dimensão do estar presente, por mais que ele alcance mais pessoas”. Para muitas igrejas evangélicas o ato do culto é muito mais do que apenas ouvir o sermão, mas sim todas as trocas simbólicas que a experiência cúltica proporciona. Para o pastor pentecostal Francisco Veras, da Igreja Torre Forte, na Zona Leste de São Paulo, o “culto não é uma palestra ou reunião, é necessário a participação da comunidade”. Porém, a igreja tem transmitido seus cultos pelo Facebook, o que tem limitado essa experiência, assim como transmitir as letras dos hinos e louvores para sua comunidade, que expressou ser uma dificuldade no período do louvor e adoração. Nas palavras de Gedeon Alencar, o culto online “vira quase um espetáculo que você está assistindo, uma pessoa falando, uma pessoa cantando, são pessoas que você conhece, mas fica distante…”. O pastor André Guimarães relata as diferenças após a utilização da plataforma Zoom: “Por que a gente aderiu ao Zoom e não ao Facebook ou Instagram? Porque a live acaba restringindo a participação e fica apenas os que estão na transmissão, ou os que comentam. No zoom, há interação. Pessoas podem interceder, orar, é mais participativo. Zoom dá um ambiente de reunião.”
Mesmo com esses limites, pastores e fiéis têm compreendido a necessidade de continuar o culto online no pós-pandemia. A pastora Odja relata que o retorno de sua comunidade em Maceió tem sido positivo e os fiéis têm partilhado suas experiências: “Escutar algumas experiências está mostrando que é possível romper a barreira do espaço, e sentir toque da presença do Espírito, mesmo online. Não é possível reproduzir a celebração presencial, mas é possível viver um tipo de sensação cúltica de espírito comunitário, dessa maneira.”. O pastor Silvio dos Anjos, da Igreja Sara Nossa Terra é enfático: “esse culto online não vai mais poder parar de acontecer.” Embora as experiências sociais online não sejam comparadas a experiências presenciais, muitos tem gostado da praticidade do encontro virtual. Além de cultos online, as igrejas têm realizado outras programações do cotidiano da igreja de maneira virtual, como os estudos bíblicos à distância. Na Igreja Batista do Pinheiro a resposta tem sido positiva. “Tem gente pedindo que quando tudo normalizar continue fazendo online porque não consegue ir aos estudos bíblicos no domingo”, relata a pastora Odja Barros.
As igrejas têm outra tarefa além da transmissão online, o acompanhamento de participação dos membros em seus cultos. O que em grandes igrejas representa algo que foge do controle, mas em pequenas e médias igrejas é possível notar a participação de membros de outras congregações. O jovem militante Jackson Augusto disse que está vendo cultos de outras igrejas, assim como o pastor André Guimarães notou novos visitantes em sua pequena comunidade em Salvador. Pastora Odja Barros salientou que membros de igrejas mais conservadoras tem visto os cultos e reuniões das igrejas, coisa que não acontecia no presencial por conta do envolvimento da Igreja Batista do Pinheiro com causas sociais e de direitos humanos. O pastor Fellipe dos Anjos constatou que “nas primeiras celebrações, quase quintuplicou. A média de acompanhamento ao vivo da IBAB era 3 mil, porém, em um domingo chegou a 30 mil. Uma celebração de sábado 8 mil. Agora chegamos a um platô porque agora você tem muitas opções de ao vivo, lives, cultos, pequenas e médias igrejas”.
A realização da Santa Ceia, a partilha do pão e vinho como forma de comunhão da igreja como Corpo de Cristo, tem sido uma questão emblemática a muitas igrejas. A pesquisadora Magali Cunha pontua que atualmente “as mídias são como mediadoras do sacramento. Coisas que eram barreiras, agora se liberam”. O pastor André Guimarães acompanhou algumas dessas discussões em grupos no Facebook, que alguns pastores/as colocavam como uma heresia a ceia nos lares. “Eu não preciso estar, literalmente, de corpo presente para estar em comunhão contigo, ou para reunir em nome de alguém. Não há nada que impeça a gente de celebrar e interceder pelos outros, e sermos comunidade fora do templo. Não há nenhum problema. Agora é necessário superar os sectarismos! Superar as ideias que foram impostas de uma lógica de templo, e não comunitária”, diz o pastor.
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¹ Nos meses de abril e maio realizamos 21 entrevistas com membros das igrejas evangélicas, frequentadores e pesquisadores do tema. As entrevistas foram realizadas por telefone e vídeo e duraram em média 30 minutos. O assunto inicial era sobre as mudanças da vivência da espiritualidade dos evangélicos por conta dos fechamentos das igrejas e da possibilidade de assistirem aos cultos virtualmente. As conversas ultrapassaram o tema proposto inicialmente e se tornaram material precioso para nossa pesquisa. Este texto, portanto, busca trazer as reflexões dessas conversas e apontar as novas possibilidades de contra-narrativas nas brechas do fundamentalismo religioso e os avanços da luta nos espaços progressistas liderados por evangélicos. Os autores são pesquisadores do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.
² A reflexão sobre o papel psicossocial das igrejas evangélicas neste parágrafo e que permeiam esse texto tem como fonte o artigo “Psicoterapia Popular do Espírito Santo: hipóteses sobre o sucesso pentecostal na periferia de metrópolis periféricas”, de Marco Fernandes, publicado originalmente na revista Margem Esquerda n° 29 (2017), da Boitempo Editorial.
³ CoronaChoque é um termo que se refere à forma como o vírus atingiu o mundo com uma força avassaladora e como a ordem social do Estado burguês desmoronou diante dele, enquanto a ordem socialista pareceu mais resiliente.
O novo ministro da educação do governo Bolsonaro (o quarto, já), que tomou posse no dia 16 de julho, é evangélico, presbiteriano, mais especificamente.
A repercussão que seu nome provocou nos últimos dias é muito ruim, por conta de posicionamentos ultrapassados e deploráveis. Milton Ribeiro teve vídeos de suas palestras e pregações veiculados nas redes sociais; fala de castigos físicos e tem postura abertamente machista. Sim, tudo isso, obviamente, deve ser reprovado. Não se pode, em pleno século XXI, admitir que uma autoridade pública em educação pense com a cabeça de séculos atrás. Pior, que seu discurso seja uma contradição com um Estado democrático, pluralista, garantidor de direitos e igualitário. Em que pese o Estado brasileiro não conseguir fazer cumprir os direitos fundamentais de sua Constituição, não se pode, sob qualquer pretexto, aceitar um ministro de Estado que, em seu discurso e testemunho, reme contra tudo que está estampado como valor de uma Nação.
Mas há uma ponderação necessária a ser feita: se ele fosse católico, budista ou ateu, seu posicionamento retrógrado seria atribuído a sua religião? Ou seria simplesmente tratado como um equívoco de sua formação reacionária e fundamentalista (traços presentes em setores de todas as religiões e culturas)? Convenhamos, o que nunca nos faltou foi ministro reacionário. Mas por que somente os evangélicos são tratados pela designação de sua religião?
Concordo que, em muitos casos, sua conduta é expressão de seus valores e esses são fundamentados na sua fé religiosa. Mas não é diferente o que ocorre com outras visões de mundo. Explico melhor: há, sim, entre setores evangélicos um discurso de superioridade. Mas isso também ocorre em outros campos.
O que se deve ter em mente é que o problema não é ser evangélico. O problema é ser atrasado e desconectado de seu tempo. Coisa totalmente antagônica ao Evangelho. O ministro Milton Ribeiro pode confessar a fé que for, mas um país não pode não pode se quedar a um discurso tão nocivo como os que foram exibidos na internet de sua carreira de pastor.
Mas mantém-se a ponderação de base desse ensaio: se o ministro tivesse outra religião, seu posicionamento retrógrado seria atribuído a sua fé? É preciso se perguntar sempre sobre preconceito. O dos outros é facilmente observável e condenado. O nosso, em geral, tem alguma desculpa, salvo-conduto ou mesmo legitimação. Criticar evangélicos virou esporte nacional. E isso é ruim. Muito ruim. Porque a imensa maioria dos evangélicos é gente simples, honesta, bem intencionada e, acima de tudo, Evangélica (na acepção mais profunda e ampla desse termo).
No seu discurso de posse, Ribeiro afirmou: “jamais falei de violência física na educação escolar, nunca defenderei tal prática, que faz parte de um passado que não queremos de volta. Entretanto, vale lembrar que devido à implementação de políticas e filosofias educacionais equivocadas no meu entendimento, que desconstruíram a autoridade do professor em sala de aula, o que agora existe são episódios de violência física de alguns maus alunos contra o professor. As mesmas vozes críticas da sociedade devem se posicionar contra esses episódios com a mesma intensidade”.
O ministro contradisse sua tese de que a educação precisa de “dor”. Que bom. Mas precisa esclarecer sobre que “políticas e filosofias educacionais” ele considera equivocadas. Quem são os “maus alunos”. E, sim, que se esforce para valorizar e proteger professores (oportunidade não faltará na necessária e urgente aprovação do Fundeb). Oxalá saiba separar a sua visão particular de mundo do que deve ser uma política pública de educação.
Quanto a nós, tomara aprendamos a dar a César o que é dele e a Deus o que é de Deus. E não tomemos o todo pela parte. Tampouco tomemos as tradições libertadoras do protestantismo em todos os seus matizes por meia dúzia de vendilhões no templo.
Quanto a ele, tomara que desça do púlpito, deixe de lado a vara e consiga dar conta dos seus deveres de casa reais: Fundeb, Enem, aulas na pandemia, valorização dos professores, analfabetismo, evasão escolar etc.
Que o ministro passe a usar mais o lápis em detrimento da vara. Lápis cuja marca fica registrada no aprendizado, nas experiências de crescimento, na possibilidade de errar e corrigir, na qualidade de se permitir sempre e de novo se aprontar para melhor escrever e, sobretudo, na redação de uma história de dignidade para as novas gerações desse país tão profundamente injusto e desigual. Que abandone em definitivo a vara, cujas marcas nos fizeram o que temos assistido hoje (ódio e perseguição) e nos trouxeram até esse capítulo tão nefasto de nossa história.
*Este texto que me tirou da cama na madrugada trata de um olhar muito particular sobre a pandemia que assola nosso mundo, mas que nessa abordagem se restringirá à realidade que me rodeia se estendendo ao máximo ao nosso país.
A pandemia que vivemos é uma experiência única para os que atualmente vivem na terra. A pandemia anterior a essa é datada de 1918, há 102 anos atrás, impossibilitando termos em nosso meio alguém que tenha sobrevivido a ela. Mesmo que tenhamos pessoas com essa idade ou alguns anos a mais, esses seriam recém-nascidos ou bem pequeninos na época, e talvez tenham vivido em lugares que sequer a pandemia tenha passado.
Meus pais, cuja a idade é de 94 anos, dizem a todo momento que nunca viveram ou viram falar de algo parecido. Isso se explica pela idade, mas também pelo local onde viveram a infância, interior da Bahia, e pela falta de acesso as notícias, sejam elas escritas ou via rádios.
Podemos dizer então, que estamos vivendo o que costumamos chamar, popularmente, de experiência ímpar, para qual não existe um par ou semelhança com outra.
Tendo dito sobre a singularidade dessa experiência vivida por nós nesse momento pandêmico, outras singularidades se apresentam derivadas da complexidade dessa realidade. Uma das singularidades é a forma como tem sido tratada a pandemia no nosso país e, por conseguinte, nos estados e municípios.
Nesse tempo específico vivemos um momento de reabertura das atividades econômicas e sociais. Lembrando, entretanto, que nunca tivemos fechados totalmente. Mas o que é importante tratar nesse aspecto específico é como a população e as instituições se comportam diante desse novo cenário de retorno à chamada vida “normal”. E é sobre esse ponto que me é sugerido escrever esse texto.
Nosso comportamento é regido por leis visíveis, palpáveis e com certa logicidade, mas também por outras que aparentemente nos são invisíveis, inexistentes e, em alguns casos, incompreensíveis. Longe de querer afirmar aqui algo do campo de alguma sobrenaturalidade. Pelo contrário, trato aqui de algo muito natural.
Antes de continuar falando sobre o que chamo de leis naturais, quero trazer um exemplo de infância que me veio quando ainda lutava entre o sono e a provocação de escrever esse texto. Quando criança num bairro pobre da periferia da cidade onde moro, costumávamos ter poucos brinquedos. Um brinquedo muito presente era a bola de plástico. Objeto barato e de fácil acesso. Quando, porventura a bola furava, colocávamos uma fita adesiva ou, na maioria das vezes, um esparadrapo. Isso acontecia dezenas de vezes com a mesma bola. Outros furos e o alargamento do furo anterior, mesmo tendo sido tapado, o que dizia da ineficácia do “curativo”. Até que a bola não resistia, murchava de tal forma que nada mais podia ser feito. Havíamos perdido o brinquedo e a brincadeira tão importante para nós naquelas pequenas possibilidades de diversão e lazer.
Por que me veio essa história de tempos tão passados? Acredito que porque ela nos guia para uma boa analogia que deixe mais claro o que estou chamando de “lei invisível”. É como o ar na bola escapando da bola. Era um pequeno furinho que um pedaço de esparadrapo dava conta. Mas o uso insistente nas brincadeiras vai fazendo surgir novos furinhos e alargando os furos anteriormente tamponados. Ninguém via como acontecia. Só víamos o acontecimento. E, muitas vezes, só nos dávamos conta quando a bola estava totalmente vazia e sem possibilidades de regeneração, tão entretidos que estávamos na brincadeira.
O fato das normas de isolamento social estarem sendo flexibilizadas, os estabelecimentos abertos e a vida social retornando às atividades, são furos nessa bola, sem que, assim como as crianças, se perceba logo o dano. Possivelmente, só poderá ser visto quando a bola estiver totalmente vazia.
Onde poderia estar a invisibilidade desses furos, já que é noticiado em ampla rede de comunicação as decisões de cada abertura e flexibilização? Está no ar saindo da bola sem que a gente veja. Na medida em que a aparência de “normalidade“ vai sendo construída com as reaberturas, ao mesmo tempo vai sendo construído dentro de mim, sem que eu perceba, um certo atenuar da realidade, dos riscos da doença e de sua contaminação e, talvez o mais forte em nós, o desejo de retornar a vida como era antes.
Os governantes, quando por uma imensa irresponsabilidade decidem permitir a reabertura do comércio, voltar às atividades produtivas, sociais, de lazer e religiosas, eles estão mandando um recado para esse desejo. Eles estão fazendo o furinho na bola. E todos nós somos atingidos por esse recado “não dito”.
Fico olhando para os jovens, incluindo meus filhos, e me perguntando: quantos bois são necessários matar para resistir aos encontros dos amigos, a ida aos bares, ao futebol, aos churrascos e festas? Todas essas atividades já estão acontecendo e os chamando para participar. Falo isso dos que estavam ou estão em isolamento. Porque existe um grupo que nunca fez isolamento algum, burlou o que pode e com muita maestria, diga-se de passagem, todas essas normas. E muitos desses não desenvolveram a doença (o que não significa que não ajudaram a espalhar a doença). Este fato acabou colaborando na crença de que eles, os jovens, são “imunes” e a que essa doença tem baixa letalidade.
Penso agora no vídeo que circulou esses dias dos “inocentes do Leblon”.
Imagens da reabertura dos bares no Leblon, RJ.
Entre as falas captadas estavam a pouca importância com essa doença, sua disseminação e letalidade. Aparentemente, nada diferente dos outros lugares que abriram seus bares para a garotada. Mas, a diferença existe não quanto ao comportamento e sim quanto às consequências.
Para onde vai essa garotada do Leblon caso seja infectada? E a quem contaminará? E para onde vão os jovens da Baixada, por exemplo, caso ocorra o mesmo? Que tipo de assistência terão? E ainda, quantos serão os contaminados por eles caso fiquem doentes?
Dizia o rapper Emicida em uma entrevista, o que já era percebido por nós: a grande letalidade desse vírus é a desigualdade social.
Existe um inconsciente operando e regendo a população, tornando muito difícil para todos resistir ao seu encanto. Quem tem conseguido se manter consciente tem sido como o personagem Ulisses, amarrado no mastro de seu navio, pelos seus marinheiros. Por sinal, essa analogia serve também para dizer que é a vida comunitária e fraterna, mesmo que à distância, que tem sido para nós, os marinheiros de Ulisses, a corda que nos amarra ao mastro desse navio que navegamos.
Quando o bem cede ao mal, mesmo que um pouquinho como disse no título desse texto, esse inconsciente ganha muita força e as cordas se tornam fracas e a bola murcha.
Herbert James Draper: ‘Ulisses e as sereias’, pintura de 1909 (Reprodução)
Na dedicação de evitar qualquer tipo de julgamento, olhemos. Quando os pais cedem aos filhos suas brincadeiras na rua, quando os jovens cedem ao desejo de se encontrar, quando as famílias cedem às festividades, quando as escolas cedem às aulas presenciais, quando os templos religiosos cedem a abertura de suas celebrações, permitimos que os furinhos se alarguem e que a anormalidade tome lugar na realidade. E, em última instância, vamos abrindo mão do bem.
Quero me ater nesse momento à possível abertura dos templos religiosos, especificamente na igreja católica, na qual pratico a minha fé. Em alguns lugares já reabriram, mas em outros, como em minha cidade, ainda permanecem fechadas em via de reabertura a partir de um protocolo.
As religiões, e digo especificamente da minha, são espaços de cultivo e preservação da vida, dom maior que Deus nos deu: vai e escolhe a Vida. Somos guardiões da vida. Por ela devemos lutar e defendê-la de qualquer ameaça. Seja ela do campo objetivo e material, ou seja em sua imaterialidade e sacralidade
Nada justifica se abrir para o mal, mesmo que seja um pouquinho. Mesmo que este esteja revestido de bem. O Bem é Deus e se estamos ao seu lado é a esse Bem que devemos servir.São 67.113 pessoas, com nome e sobrenome, criaturas do Altíssimo que foram ao seu encontro precocemente. São milhares de pessoas e famílias enlutadas, chorando seus mortos ou lutando pela vida em um hospital. É a Páscoa de Nosso Senhor vivida na nossa gente e de forma mais cruel nos pobres e pequeninos, os por Ele amados.
É a Páscoa de Nosso Senhor vivida na nossa gente e de forma mais cruel nos pobres e pequeninos, os por Ele amados.
A hora é de defender a vida, de lutar por ela, de denunciar o que vem acontecendo como nosso povo diante desses governantes. É hora de gastar toda nossa energia lutando pelo Reino e amparando os sofredores, amarrando nosso povo ao mastro para livrá-lo do canto da sereia da dita normalidade, indo contra a maré nesse mar nebuloso que envolve os fiéis em outra fidelidade apenas com a aparência de boa.
INEXISTE protocolo algum que possa proteger nosso povo indo às celebrações. Isso é uma ilusão e faz parte da sustentação da anormalidade como realidade. É um reforço nesse inconsciente coletivo, nessas trevas que se abateram sobre nós e que agora se disfarça de luz.
No entanto, não devemos nos deixar enganar. Precisamos ser luz de verdade. Nos manter acordados e de olhos bem abertos diante da noite escura, mesmos que nossos olhos pesem clamando pelo sono. Precisamos ajudar nosso povo a entender a gravidade do momento, que nada passou e que vai demorar a passar. Se flexibilizamos, a mensagem que estamos enviando, mesmo com as melhores intenções, é que o pior passou e que a gravidade arrefeceu.
Entendo as dificuldades de natureza econômica de manutenção da instituição e de todos que ganham seu pão trabalhando nas atividades da igreja. Mas assim como tem sido com o povo mais pobre, a instituição haverá de encontrar caminhos de solidariedade que possam permitir a sua subsistência.
É possível que haja também algo de natureza religiosa que nos diz respeito às outras denominações cristãs que já estão realizando seus cultos, e, algumas, diga-se de passagem, sem nenhum protocolo, e outras ainda, que sequer fecharam. Mas isso não pode nos fazer sair do caminho da verdade. Lamentamos por esses irmãos e pelo mal que possam ter realizado, mesmo querendo e pregando o bem. E, se ao final desse tempo formos poucos, temos o consolo e a força de Nosso Senhor: não tenham medo pequeno rebanho.
O momento ainda é de manter a bola fechada, sem furos ou com estes bem pequeninos, que possam ser tamponados. Podem me dizer: tudo já está aberto. Mas nós não somos esse tudo. Nós fomos chamados a ser a voz que clama no deserto. É no deserto o nosso chamado. É na contramão que Jesus foi chamado para ser fiel à escolha pela Vida e, por isso, atravessou seu deserto com altivez. Em fidelidade àquele que seguimos mantenhamos nossos corações abertos e nossas portas fechadas até que tenhamos um pouco mais de segurança para nos encontrarmos em nossos templos, igrejas e capelas.
O site de notícias Gospel Mais publicou, em 20 de junho, matéria intitulada: “Evangélicos rejeitam união gay em espaço de eventos e são condenados”. A informação provocou reações divergentes entre leitores, sobretudo os evangélicos.
Segundo a matéria, uma empresa localizada na cidade de Campinas (SP) teria sido processada por um casal homoafetivo por rejeitar sediar o evento de união homoafetiva. Os proprietários, evangélicos, teriam alegado também que a recepção seria contrária aos princípios filosóficos e religiosos da família do dono do local, o que poderia ser caracterizado ato discriminatório.
A questão foi levada à 1ª Vara do Juizado Especial Cível de Campinas, que decidiu condenar os responsáveis à frente do estabelecimento, impondo ainda o pagamento de indenização.
A publicação ainda apontou que o casal “repetiu uma estratégia que é usada por ativistas LGBT nos Estados Unidos, e processaram os proprietários, como no caso do confeiteiro Jack Phillips, que já foi processado três vezes por recusar produzir bolos para cerimônias de união entre pessoas do mesmo sexo”.
Outros sites também noticiaram o caso, como o portal R7.
De acordo com informações do portal Conjur , a juíza Thais Migliorança Munhoz, à frente do caso, afirmou, na sentença, que levou em conta as circunstâncias da causa, o grau de culpa e a condição socioeconômica do autor da ação para estipular o valor da indenização por danos morais em R$ 28 mil.
Entenda a sentença
A sentença foi liberada nos autos em 20 de maio de 2020, a juíza citou, entre outros, o Código de Defesa do Consumidor, o Código Civil e a Carta Magna.
“O nó górdio da presente reside sobre a necessidade de se apurar se a recusa da empresa requerida em recepcionar o casamento dos autores, sob argumento de que iria de encontro aos princípios filosóficos e religiosos do proprietário e sua família, caracteriza ato discriminatório e, por conseguinte, merece reparação civil. Pois bem. A Constituição da República Federativa do Brasil dispõe, em seu artigo 5º, caput, que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. O artigo 3º, inciso IV, da Carta Magna, prescreve, ainda, que constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
Afirma ainda:
“A reprovação do ato de recusa do requerido em recepcionar o casamento homoafetivo dos autores mostra-se adequada para se alcançar o fim almejado, qual seja a salvaguarda de uma sociedade pluralista, onde reine a tolerância. Assegura-se a posição do Estado, no sentido de defender os fundamentos da dignidade da pessoa humana (artigo 1°, III da Constituição Federal), do pluralismo político (artigo 1°, V, CF), o princípio do repúdio ao terrorismo e ao racismo, que rege o Brasil nas suas relações internacionais (artigo 4°, VIII), e a norma constitucional que estabelece ser o racismo um crime imprescritível”,
Para a juíza, não se contesta a proteção conferida constitucionalmente à liberdade de crença e de expressão do dono da empresa de Campinas. “Todavia, é inegável que essa liberdade não pode alcançar o campo da discriminação e da homofobia. Há inúmeros outros bens jurídicos de base constitucional que estariam sacrificados na hipótese de se dar uma amplitude absoluta, intangível, à liberdade de expressão, de consciência e crença etc., na espécie”, afirma na sentença.
Dessa forma, a juíza entende que a condenação da empresa é necessária para salvaguardar uma sociedade pluralista, em que reine a tolerância, sob o pressuposto de ausência de outro meio menos gravoso e igualmente eficaz para tanto.
Ressalta que a Lei 7.716/89 estabelece que são puníveis os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, sendo vedada a recusa ou impedimento de acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador (artigo 1º e 5º).
E lembra que o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), recentemente, entendeu pelo enquadramento da homofobia e da transfobia como tipo penal definido na Lei do Racismo (Lei 7.716/1989) até que o Congresso Nacional edite lei sobre o tema. O caso foi julgado na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26 e no Mandado de Injunção (MI) 4733.
A magistrada também cita parte da ementa do julgamento da ADI 4.277, de relatoria do ministro Ayres Britto, em maio de 2011, que reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar.
Por fim, ela julga ilícita a conduta da empresa em se negar a recepcionar o casamento homoafetivo, sob argumento de incompatibilidade com a política de atuação instituída dentro de convicções filosóficas e religiosas. Segundo a juíza, estão presentes todos os elementos ensejadores da responsabilidade civil: “ação ou omissão do agente (falha na prestação dos serviços, deixando de cumprir o pactuado); dano (ofensa íntima ao autor em evento de extrema importância pessoal); nexo de causalidade e culpa”.
De acordo com a matéria, na Suprema Corte, a multa foi derrubada porque, segundo entenderam os julgadores, a comissão que aplicou a multa violou o dever do Estado sob a Primeira Emenda de não basear leis ou regulamentos na hostilidade a um culto ou ponto de vista religioso. Isto porque um dos membros da comissão havia feito comentários “hostis” em relação à religião. Ou seja, a Suprema Corte não adentrou ao mérito da questão, e deu ganho de causa ao confeiteiro por uma questão processual.
Por outro lado, a advogada do casal afirma que “homofobia é uma violação do direito humano fundamental de liberdade de expressão da singularidade humana, revelando-se um comportamento discriminatório” e que “a negativa de locar o espaço aos requerentes pelo simples fato de serem um casal homoafetivo já constitui homofobia”.
Wilson Barreto afirmou durante o processo que “a gente trabalha só em família e todos nós somos evangélicos, está lá pra qualquer um ver. Dessa forma, falamos para eles procurarem outro lugar, porque não iria ficar bom se fizéssemos”.
A empresa ainda apontou que “não impede homossexuais de visitar suas instalações ou realizarem qualquer outro tipo de evento (confraternização, aniversário, baile de debutante etc.)”
Em contraponto, a matéria apresenta a fala da advogada do casal homoafetivo, que acusou a prática de homofobia, o que fica confirmado, segundo ela, com “a negativa de locar o espaço aos requerentes pelo simples fato de serem um casal homoafetivo”. Ela considerou também que a partir do momento que a organização se dispõe a locar um espaço ao público, não cabe aos donos distinguir os locatários pela orientação sexual. Ressaltou que o casal se preparava para um dia especial e, ao receber a negativa, tiveram de lidar com a tristeza de serem discriminados pela sua orientação sexual.
Na sentença, a juíza Munhoz argumentou que não está em questão a liberdade de crença e de expressão dos donos do estabelecimento, mas, sim, a preservação de uma sociedade pluralista e, portanto, tolerante.
Na ocasião, o site Jota fez uma cobertura ampla do caso. Logo no primeiro parágrafo, apresenta a fala de um dos contratantes do serviço de buffet:
“Conversei com Wilson, né, que é o proprietário, e você tinha até comentado comigo no telefone, né, quando eu falei para você vir visitar e você falou que viria com ele, no caso comigo no telefone, e eu conversei com ele e ele falou assim que eles aqui no espaço não fecham contratos para celebração de casamento, ou seja, recepção de convidados que seja de pessoas do mesmo sexo, né…”.
A partir daí, a reportagem traz os apontamentos já evidenciados em outros conteúdos, finalizando com a afirmação de que a casa de eventos iria recorrer à decisão e apresentando o número da tramitação no Tribunal de Justiça de São Paulo.
As abordagens da matéria causaram reações divergentes no Twitter @JotaInfo
Bereia conclui que a matéria publicada no site Gospel Mais é enganosa, pois apresenta um fato ocorrido com abordagem não-informativa, opinativa e tendenciosa, já no título que vitimiza “evangélicos”, apresentados no texto como uma “família”. Também por levar leitores a se revoltarem com uma a “falta de liberdade” da empresa em negar a realização de um evento, o que disfarça a atitude de homofobia, explicitada na sentença da juíza. Ainda, com a classificação da reivindicação do casal homoafetivo, legítima diante da justiça, como “estratégia usada por ativistas LGBT nos Estados Unidos”. Por fim, há na matéria do Gospel Mais a ocultação de informações sobre os direitos garantidos à população LGBTI+ em casos como este.
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Referências da Checagem
JM Notícia– Juíza condena evangélicos por não aceitarem casamento gay em seu espaço de eventos. Disponível em: https://www.jmnoticia.com.br/2020/06/16/juiza-condena-evangelicos-por-nao-aceitarem-casamento-gay-em-seu-espaco-de-eventos/
Paulopes– Eventos Alvorada terá de indenizar gays por negar locação por motivo religioso. Disponível em:https://www.paulopes.com.br/2020/05/homofobia-eventos-alvorado.html#.XvFCrGhKiUk
R7 – Espaço de eventos vai indenizar casal gay após recusar festa. Disponível em: https://noticias.r7.com/sao-paulo/espaco-de-eventos-vai-indenizar-casal-gay-apos-recusar-festa-12062020
JOTA – Casa de eventos deve indenizar casal gay por recusa a celebrar casamento. Disponível em: https://www.jota.info/coberturas-especiais/liberdade-de-expressao/casa-de-eventos-deve-indenizar-casal-gay-por-recusa-a-celebrar-casamento-22052020
Conjur – Processo Digital nº: 1041244-74.2019.8.26.0114. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/decisao-espaco-eventos.pdf
A cantora gospel Fabiana Anastácio publicou “o coronavírus não atingirá a sua casa, porque quem guarda a sua casa é Jesus”
Na última quinta-feira, 04, o novo Coronavírus vitimou de forma fatal a cantora gospel Fabiana Anastácio. Ela era hipertensa e diabética, tendo falecido em São Paulo, após ficar uma semana internada em decorrência da Covid-19, segundo a página da artista no Facebook.
Último clipe lançado durante a internação da cantora
Natural de Santo André (SP), ela era filha de um pastor e de uma maestrina. Fabiana tinha 45 anos e era pastora da igreja evangélica Assembleia de Deus, no bairro Demarchi, em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. De acordo com matéria publicada em 08 de junho, no portal G1 , em 2008, uma apresentação de Fabiana na igreja Assembleia de Deus de Santo André viralizou e ela passou a ser conhecida em todo o Brasil pelos evangélicos. Em 2012, gravou seu primeiro CD intitulado: “Adorador 1″. Outros dois CD’s foram lançados posteriormente: “Adorador 2 – Além da Canção”, em 2015, e “Adorador 3 – Além das Circunstâncias”, em 2017.
Segundo matéria publicada no portal Hoje em Dia no dia 04 de junho, a cantora teria esperado por sete dias uma vaga na UTI em uma unidade pública.
Conforme anunciado na mídia social da cantora no dia 01 de junho, amigos, familiares e fãs se mobilizaram para custear as despesas por meio de uma campanha de arrecadação.
De acordo com o site Correio Braziliense, em matéria publicada no dia 04 de junho, a campanha conseguiu angariar mais R$ 24 mil para ajudar no tratamento de Fabiana.
“Como igreja sabemos que quando uma parte do corpo perece, todo corpo sente a dor ou, pelo menos, deveria sentir. A dor não escolhe cor, nem raça, nem status ou condição… ela simplesmente surge e traz suas consequências. Nesse momento nossa amiga/pastora/cantora Fabiana Anastácio precisa da nossa ajuda para combater o COVID-19, ela está internada no hospital com todos os cuidados necessários, mas com um custo alto para a família, ainda mais nesse momento de recesso de agendas e claro, com algo que ninguém esperava. Estamos todos juntos nessa causa, #SomosTodosFabiana!”, dizia a campanha.
Na já citada reportagem do Hoje em Dia, o esposo e pastor, Ruben Nascimento também foi testado positivo para Covid-19, mas se recuperou. Fabiana e Ruben estavam juntos há 21 anos e casados há 20, tendo gerado três filhos: Ruben Junior, 17 anos, Guilherme, 16 e Lucas, de 13.
De acordo com o marido, a doença evoluiu rápido para Fabiana. Segundo ele, no início, ela tinha sintomas de gripe e foi isolada em casa. Quando piorou, foi para um hospital, testou positivo e ficou internada. Ruben chegou a convocar uma campanha de oração e jejum na segunda-feira, 01.
“Ela continua na UTI do hospital aqui em São Paulo. Seu quadro geral ainda é estável, mas com um pouco de dificuldade pra respirar. Lembrando que essa dificuldade tem a ver com seu peso, ou seja, a recuperação toda tem a tendência de ser mais lenta por causa disso”, dizia o texto.
Contudo, a cantora gospel Fabiana Anastácio morreu na manhã desta quinta-feira, 04. A notícia foi confirmada na página oficial da artista, nas mídias sociais.
Na nota dizia: “Deus decidiu levar, nossa (Fabiana Anastacio Nascimento) para os seus braços. Obrigado a todos pelas orações, ao longo do dia será postado mais informações.
Te Adorarei, te adorarei, quando chegar aí no Céu te adorarei”.
A publicação contou com 191 mil interações, 41 mil comentários e 24 mil compartilhamentos. “Deus decidiu levar, nossa (Fabiana Anastácio Nascimento) para os seus braços. Obrigado a todos pelas orações, ao longo do dia será postado mais informações. Te Adorarei, te adorarei, quando chegar aí no Céu te adorarei”, dizia a legenda.
Ao G1, o Pastor Ruben Souza Nascimento, marido da cantora, afirmou que Fabiana deixa como lembrança para familiares e fãs o sorriso largo e contagiante que carregava e afirma que a cantora “cumpriu sua missão de levar fé e alegria para pessoas de todo o Brasil“.
“Ela era muito bonita, muito alegre. Todo ambiente em que ela estava, era contaminado por alegria e simpatia. Ela cantava e palestrava em igrejas no Brasil inteiro e quem a conheceu sabia que era uma pessoa extraordinária”, disse o p Pastor Ruben em entrevista ao G1 nesta segunda-feira, 08 de junho.
Na entrevista, Ruben ainda afirmou que a missão dele e da família agora é caminhar e, apesar da dor do luto, encontrar forças na fé para superar a perda. O pastor diz que a esposa cumpriu em vida uma importante missão.
Cantora publicou frase sobre o Coronavírus?
Circula nas redes sociais uma frase que teria sido publicada pela cantora Fabiana Anastácio. A postagem, realizada em um perfil do Facebook no dia 05 de junho, salienta na legenda: “O negacionismo é que está matando a população”.
Reprodução/ Facebook
O Coletivo Bereia checou as mídias sociais da cantora, de onde a publicação teria surgido e constatou que a existência da frase é verdadeira e foi postada no Instagram de Fabiana Anastácio no dia 21 de março, período em que os governos se mobilizavam para implantar o sistema de isolamento social como forma de conter o avanço da doença no país.
Cantora gravou áudio alertando sobre Covid-19 enquanto esteve internada?
Circula na internet um áudio atribuído à Fabiana Anastácio, no qual essa afirmaria que a doença não vê religião. Além disso, o áudio alerta os cristãos a ficarem em casa para não se exporem ao vírus.
Segundo a matéria do Boatos.org, diversas histórias falsas de pessoas gravando áudio antes de morrerem já circularam na internet. Outrossim, é perceptível o caráter vago e alarmista da mensagem, sem contar os erros de português e a falta de fontes confiáveis. Todos esses pontos são indicativos de uma fake news.
Confira o áudio :
Mesmo que a mensagem tenha algo de verdadeiro, quando afirma que “a doença não vê religião”, além da sugestão positiva para “que fiquem casa”, o áudio não é da cantora Fabiana Anastácio. De acordo com a assessoria da cantora, Fabiana não teve acesso a nenhum tipo de dispositivo móvel enquanto permaneceu no hospital.
ÁUDIO QUE VAZOU DIZENDO SER A CANTORA FABIANA ANASTÁCIO ANTES DE MORRER!!
Obs: Não foi da cantora!! Entrem nesse canal e vejam!”
Pandemia e o racha entre os evangélicos no Brasil
Em entrevista para a BBC Brasil, o teólogo Kenner Terra afirma que “só de você estar considerando as recomendações da OMS já é quase como um ‘ato de resistência”.
Terra é pastor de uma igreja Batista, coordenador do Fórum Evangelho e Justiça no Espírito Santo e está entre os que defendem as medidas recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para evitar a disseminação da covid-19. Por isso, foi alvo de muitas críticas e comentários agressivos de outros evangélicos contrários ao isolamento.
“As igrejas estão divididas. De um lado líderes que defendem o fim do isolamento, a manutenção dos templos abertos e os cultos presenciais — destes, alguns até entraram em disputa com o Ministério Público do Rio de Janeiro pelo direito de manter as igrejas abertas. Do outro lado, líderes que fecharam os templos, fazem cultos online e pedem que os fiéis orem em casa”, diz a matéria da BBC Brasil.
Para Terra, essa divergência expõe uma divisão nesse grupo religioso que se acentuou durante os últimos anos, à medida que o presidente Jair Bolsonaro assumia uma “aura de autoridade religiosa”. Esses que minimizam a pandemia, continua Terra, “em geral, são grupos que se alinham com o projeto bolsonarista e o acompanham na forma de lidar com a pandemia”.
“Nos últimos dias, pastores como Edir Macedo e Silas Malafaia têm feito um grande desserviço ao combate da epidemia, colocando-se contra o isolamento social e temendo o esvaziamento das igrejas, que é fonte de arrecadação de dízimo e também de formação de coesão social. Mais do que isso, multiplicam-se memes e vídeos no WhatsApp de pastores charlatões, dizendo que quem tem fé está imune, que a epidemia é coisa de satã, uma vingança divina. Também há aqueles que oferecem receitas de cura”.
A relação entre parte do público evangélico e Bolsonaro é de mão dupla. Como exemplo, há a fala de Bolsonaro, no Programa do Ratinho, onde esse se conecta com esses religiosos quando diz que a igreja às vezes é a única coisa que as pessoas têm. Além disso, ele também pediu jejum nacional para combater o vírus com a fé.
Em uma entrevista dada para a jornalista Patrícia Fachin, do Instituto Humanitas Unisinos, a socióloga Rosana Pinheiro-Machado afirma que “o que está em jogo é uma disputa por novos discursos, regimes de verdade e fontes de autoridade”. “São sistemas de pensamentos distintos. Um é baseado em evidência; outro, na autoridade da fé” [].
Conclusão
Bereia conclui ser verdadeira a informação de que a cantora gospel Fabiana Anastácio disse que o Coronavirus não atingirá a sua casa, porque quem guarda a sua casa é Jesus. A publicação está em sua própria página no Instagram. Por outro lado, o áudio atribuído à cantora é falso.
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Referências de Checagem
Metropoles– Frase sobre Coronavirus – Disponível em: https://www.metropoles.com/colunas-blogs/pipocando/o-coronavirus-nao-atingira-sua-casa-disse-cantora-gospel-antes-de-morrer
Os impactos e desdobramentos da crise de saúde pública com a pandemia do Covid-19 no Brasil tornam-se ainda mais críticos com as sucessivas crises políticas geradas pelo próprio governo brasileiro e representam uma ameaça à democracia e à dignidade humana. Diante desta situação que resulta em graves consequências, principalmente à população mais pobre, 34 organizações evangélicas assinam a carta “O governante sem discernimento aumenta as opressões – Um clamor de fé pelo Brasil”.
O documento reconhece e apoia as universidades e os centros de pesquisa, bem como seus pesquisadores e cientistas, e repudia a conduta do presidente por seus pronunciamentos contrários às recomendações de especialistas da saúde. O editorial da revista britânica especializada em medicina The Lancet, publicado em 9 de maio de 2020, afirma que há uma condução caótica por parte do governo federal, grande dificuldade de gestão dos dados e de condução de respostas, sejam na área da saúde, sejam na área social.
Nilza Valéria Nascimento, integrante da coordenação nacional da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, uma das signatárias da carta, destaca:
“Não há conflito entre fé e ciência. De modo algum um se opõe ao outro. É triste que tenhamos que nos manifestar sobre isso, em plena pandemia, quando temos que achar, na ciência, caminhos para combater o vírus letal. A fé, deixe, com a fé, o consolo e a esperança”.
Caio Marçal, membro da coordenação nacional da Rede Fale, que também assina a carta, avalia que as igrejas devem jogar um papel fundamental no enfrentamento ao novo Coronavírus por ter forte inserção nas periferias.
“As igrejas poderiam facilitar a inserção de famílias pobres no acesso às possibilidades de receber auxílio em meio a pandemia. Contudo, a desinformação e a disseminação de fake news, inclusive promovidas por Jair Bolsonaro, tem colocado a vida de nossos irmãos e irmãs em risco”.
Uma das proposições da carta é que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) assuma seu papel constitucional e proceda o imediato julgamento das Ações de Investigação Judicial (AIJs) no (TSE) e que pedem a cassação da chapa de Jair Bolsonaro e de Antônio Mourão em razão da disseminação de mentiras durante a campanha eleitoral e pela prática que tem se mantido durante o governo com dinheiro público. “A preservação de vidas e da democracia exigem ação imediata”, finaliza o documento.
Luciano Caparroz, advogado especialista em Direito Eleitoral, diretor do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral e integrante da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político, em artigo para o Congresso em Foco, explica o caso das AIJs no TSE:
“No TSE pendem seis AIJEs que tratam dos temas de possíveis ilegalidades perpetradas pelo então candidato Jair Bolsonaro e sua chapa, que ganharam as eleições presidenciais e precisam ser julgadas com a celeridade necessária para que não se repita o prolongamento de exercício no poder por parte de quem não deveria lá estar – se for esta a decisão ao fim do processo – ou que seja considerada regular e se ponha fim as dúvidas.
Vale lembrar que o candidato vencedor e que ocupa a Presidência da República declarou, recentemente, que as eleições haviam sido fraudadas e que ele teria ganho no primeiro turno, afirmando ainda que apresentaria provas.
Faz-se necessário, portanto, que a Justiça Eleitoral exija a apresentação destas provas para que sejam analisadas e, deste modo, seja respondido à população se tais eleições foram ou não fraudadas. Que sejam julgados os processos pendentes, para que o eleitor, soberano, possa ter a certeza de que a representação que ele transferiu a um político seja verdadeira e devidamente constituída.
Na hipótese de fraude nas eleições ou de cassação da chapa eleita, deve-se realizar novas eleições.
As AIJs já vinham sendo potencializadas com a atuação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre Fake News nas Eleições 2018. Elas ganharam mais força com as revelações do empresário Paulo Marinho, em entrevista publicada pela Folha de S. Paulo, em 17 de maio de 2020, que apontam fraude eleitoral na disputa presidencial de 2018. O empresário revelou que a Polícia Federal alertou a família Bolsonaro sobre a investigação do esquema das rachadinhas no gabinete do então deputado estadual do Rio de Janeiro Flátvio Bolsonaro, que envolvia o miliciano Fabrício Queiroz, até hoje foragido.
Segue a íntegra do documento das organizações e movimentos evangélicos:
Para saber mais acesse o link: http://bit.ly/ClamorBrasil.
Aliança de Batistas do Brasil – Associação Projeto Videiras – AMSK Brasil – Coletivo Abrigo – Coletivo Cristãos Pela Justiça – Coletivo Memória e Utopia- Comunidade Cristã da Lapa – Comunidade Cristã na Zona Leste – Congrega – Comunidade Presbiteriana Videiras – Cristãos Contra o Fascismo – Direitos Humanos nos Passos de Jesus – Evangélicas pela Igualdade de Gênero – Evangélicos Trabalhistas – Evangélicos pela Justiça – Evangélicxs pela Diversidade – Fé e Afeto Cristão – Fórum Evangelho e Justiça – Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito – Grupo Fé & Política: Reflexões – Igreja Batista de Direitos Humanos – Igreja Batista Nazareth – Instituto Guarani de Responsabilidade Socioambiental – Igrejas Libertárias! – Miquéias Brasil – Missão Aliança – Movimento Evangélico Progressista – Movimento Negro Evangélico do Brasil – Nossa Igreja Brasileira – Núcleo de Evangélicas e Evangélicos do PT – Núcleo Evangélico 23 – Paz e Esperança Brasil – Primavera Ecumênica – PSOL/PR – Plataforma Intersecções – Rede Fale – Redenção Baixada – Vozes Maria
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Fonte/imagem de destaque: https://knowyourmeme.com/photos/564485-2013-brazil-bus-taxes-protests
Em meio a tantas informações e desinformações sobre a Covid-19 que circulam em espaços noticiosos e mídias sociais de indivíduos e grupos religiosos, o Coletivo Bereia avança no processo de checagem dos conteúdos sobre a pandemia que mudou o cenário global.
A igreja é liderada pelo casal Silvio Ribeiro e Maria Ribeiro, autoproclamados “profetas”. Após processo de checagem, identificamos que a informação “sobre unção imunizadora” era verdadeira, os líderes foram acusados de charlatanismo e o caso foi encaminhado para o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul.
Dias depois, em 13 de março, a jornalista e editora executiva do Coletivo Bereia, Alynne Sipaúba, elaborou reportagem intitulada “Coronavírus e igreja: uma dupla que não é fantasia”. Ela entrevistou o médico e pastor, Carlos Bezerra, a respeito das ações solidárias das igrejas durante a pandemia do Covid 19.
“A igreja tem uma inescapável função social. A igreja, em suas palavras e ações, seu kerigma e sua práxis, profetiza, ensina e serve. Walter Brueggemann, teólogo e catedrático do Antigo Testamento, disse que profetizar não é predizer o futuro, é falar a verdade a respeito do tempo presente. A verdade de hoje é que enfrentamos uma pandemia e não podemos ser displicentes nos cuidados necessários à sua superação. A medida extrema de cancelar as celebrações dominicais presenciais é também um ato pedagógico, um alerta àqueles ainda negligentes face à gravidade da situação. Acima de tudo, evitando os grandes ajuntamentos a igreja atua de maneira responsável e cuidadosa não apenas para com seus frequentadores, como também para com toda a sociedade.”
Ed René Kivit
Na manhã do dia 15, domingo, Bereia publicou checagem sobre as manifestações pró-bolsonaro, que aconteceram em 229 cidades ao redor do país, desafiando as recomendações de isolamento da Organização Mundial de Saúde (OMS).
No mês de março Bereia fechou o mês com checagem sobre os posts e vídeos do pastor Silas Malafaia sobre o coronavírus. As mensagens tinham o objetivo de comparar e minimizar a cobertura da imprensa, profissionais de saúde e cientistas sobre a COVID-19.
Post de Silas Malafaia
Números oficiais
394 casos de COVID-19 no Brasil em 18/03/2020
428 casos de COVID-19 no Brasil em 18/03/2020
2 mortes por COVID-19 no Brasil em 18/03/2020
4 mortes por COVID-19 no Brasil em 18/03/2020
58.178 casos de H1N1 no Brasil (considerando período de 2009 a 2011)
60.048 casos de H1N1 no Brasil (considerando período de 2009 a 2011)
2.101 mortes por H1N1 no Brasil (considerando período de 2009 a 2011)
2.194 mortes por H1N1 no Brasil (considerando período de 2009 a 2011)
Fonte dos Dados: desconhecida
Fonte dos Dados: Ministério da Saúde
No mês de abril a quantidade de notícias, precisas ou não, sobre o coronavírus se intensificou, fazendo com que a OMS classificasse o cenário como INFODEMIA. Diante da enxurrada de desinformação o Coletivo Bereia reforçou suas checagens sobre o tema durante todo o mês.
Fonte: PAHO
Bereia iniciou o mês com a reflexão do pastor batista, professor e escritor, Irenio Silveira Chaves, na coluna Areópago – “Como será a vida depois da quarentena?”, que ressalta possíveis transformações mundiais pós-pandemia.
No dia 3, para ampliar o olhar crítico sobre a relação igrejas-covid19, as jornalistas Alynne Sipaúba e Mariana Domin, produziram a reportagem “Igrejas e suas ações transformadoras em tempos de pandemia” com destaque sobre as ações sociais promovidas por congregações católicas e evangélicos nos três estados brasileiros mais populosos do país – São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. As jornalistas verificaram que muitas igrejas, mesmo com seus templos fechados, por conta das medidas sanitárias implementadas em todo o país, continuaram servindo as comunidades em nome do bem comum, inclusive em parceria com prefeituras.
Igreja Batista Betânia – Rio de Janeiro
No sábado, 04, o historiador Lyndon de Araújo, lançou texto crítico sobre a “santa convocação” para um jejum nacional feito pelo presidente Bolsonaro – “Fiquemos com Isaías, profeta do século VIII a.C. Os profetas são como os historiadores, incômodos demais, falam coisas que ninguém quer se lembrar e falar, causam mal-estar. Pois Isaías apregoou um tipo de anti jejum que ultrapassava a mera performance religiosa de uso político. É esse o jejum que cristãos deveriam convocar, e não uma demonstração religiosa de exteriorização ou cooptação política. Assim nos diz esse profeta no capítulo 58.”
“Será esse o jejum que escolhi, que apenas um dia o homem se humilhe, incline a cabeça como o junco e se deite sobre pano de saco e cinzas? É isso que vocês chamam jejum, um dia aceitável ao Senhor? O jejum que desejo não é este: soltar as correntes da injustiça, desatar as cordas do jugo, pôr em liberdade os oprimidos e romper todo jugo? Não é partilhar sua comida com o faminto, abrigar o pobre desamparado, vestir o nu que você encontrou, e não recusar ajuda ao próximo?”
isaías 58:5-7
No início dia 6 outro texto crítico foi lançado na coluna Areópago, desta vez pela teóloga Romi Bencke. Ela declarou que o cenário do coronavírus revela o triunfo do fundamentalismo:
“Esse cristianismo distorcido, manipulado e instrumentalizado para os interesses das criaturas com modificações internas, é o que está presente hoje na política brasileira. Trata-se de um cristianismo fundamentalista aonde Deus é mero instrumento do mercado como ideal de Reino. Em obediência e reverência a este reino, valem todos os sacrifícios. Este é o triunfo dos fundamentalismos.
Quando vemos altas autoridades e “pessoas do bem” argumentando que é melhor perder algumas vidas para que a economia seja salva, podemos dizer que deixamos de existir. Esta também é a morte de Deus. É a repetição da cruz.”
“Seremos capazes de captar o sinal que o coronavírus nos está passando ou continuaremos fazendo mais do mesmo, ferindo a Terra e nos autoferindo no afã de enriquecer?”
No dia 11, Bereia checou, à pedido de leitor, notícia veiculada de forma intensa em sites e mídias sociais sobre suporta afirmação do Ministro da Saúde de Israel, Yaakov Litzman, sobre “coronavírus: um castigo de Deus contra a homossexualidade“. Veja o desfecho da checagem aqui.
“Ao invocar essa falsa dicotomia, o governo quer dividir com a população uma responsabilidade que ela, na Constituição e no voto, confiou a ele. Cabe à população, apenas, seguir as regras de distanciamento. Cabe ao governo, e apenas a ele, conseguir levantar ou gerar os recursos para bancar esse povo que morre e teme a morte dia pós dia.”
Silvio Gomes
Para finalizar a semana, a equipe do Bereia fez checagem sobre o cenário do coronavírus no Brasil após o jejum do dia 05, e concluiram queos números continuavam aumentando – tanto de casos novos, como de óbitos – “qualquer afirmação de que houve relação entre o jejum convocado para 5 de abril e os dados presentes nas tabelas é enganosa (em função dos atrasos na confirmação dos números) e falsa se estiver sugerindo que há redução de casos no Brasil.”
Na data seguinte, 23, o monge Guido Dotti escreveu sobre esperança para a coluna Areópago. O texto intitulado “Estamos sob cuidado, não em guerra!” fala sobre a necessidade do ser humano ser agente real do cuidado do outro.
Imagem de um paciente e o médico que o levou para ver o sol após dias de quarentena (Reprodução/ Reuters)
“O futuro será colorido pelo que fomos capazes de viver nesses dias mais difíceis, será determinado pela nossa capacidade de prevenção e assistência, começando pelo atendimento ao único planeta à nossa disposição. Se formos e pudermos ser guardiões da terra, a própria terra cuidará de nós e protegerá a condição indispensável para nossa vida. As guerras terminam, ainda que recomecem, mas os cuidados, por outro lado, nunca terminam. Se, de fato, existem doenças que (por enquanto) não podem ser curadas, não existem e nunca existirão pessoas para as quais não possamos oferecer assistência.”
“Nesses tempos de pandemia, temos ouvido e assistido reflexões intermináveis vindas de uma ordem diferente em meio à confusão e ao medo. Muitas delas, de natureza religiosa, são atravessadas por visões simplistas, dualistas, espiritualistas e em perspectivas de punição, condenação, mérito e salvação. Elas apresentam versículos bíblicos, independentemente de seus contextos e história, e assim, provocam o que parece mais uma atitude mágica do que uma audição serena à experiência comunitária da palavra de Deus endereçada ao seu povo.”
No decorrer desses meses o alastramento de dois vírus tem se intensificado – o covid19 e a desinformação.
O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, deixou um recado durante Conferência de Segurança em Munique:
“As fake news se disseminam mais rapidamente e mais facilmente que o vírus e são igualmente perigosas.”
No Brasil, o combate à desinformação foi intensificada desde agosto de 2019, quando o Ministério da Saúde lançou uma ferramenta chamada “Canal Saúde sem Fake News”, cujo objetivo é combater a divulgação de desinformação através da plataforma do WhatsApp. Para utilizá-lo, basta adicionar o número (61) 99289-4640 em seus contatos do whatsapp e enviar links, informações ou fotos para serem verificadas. A partir do recebimento das mensagens o conteúdo é apurado junto às áreas técnicas do Ministério da Saúde e devolvido com uma “etiqueta” que esclarece se é fake news ou não.
Tais medidas, assim como os esforços do Coletivo Bereia, que funciona majoritariamente de forma voluntária, corroboram como instrumento de saúde em meio à uma sociedade que sofre com a pandemia da desinformação – INFODEMIA. O Coletivo Bereia continuará atento prestando serviço de acuidade e informação contra esta guerra.
A nomeação de Ricardo Lopes Dias, ex-missionário da Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB), como coordenador-geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Diretoria de Proteção Territorial da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), oficializada no último dia 05 no Diário Oficial da União, gerou inúmeras críticas, até mesmo dos próprios servidores da FUNAI. Mas o governo Bolsonaro parece não estar preocupado com opiniões contrárias, inclusive de entidades que são referências quando o assunto é política indigenista, como a APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), UNIVAJA – União dos Povos Indígenas do Vale do Javari, INA – Indigenistas Associados, FPMDDPI – Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, CIMI – Conselho Indigenista Missionário. Junta-se a elas o CONIC – Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil, que lançou nota indicando seu desacordo frente à nomeação.
“O Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC), composto pela Aliança de Batistas do Brasil, Igreja Católica Apostólica Romana, Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, Igreja Presbiteriana Unida e Igreja Sirian Ortodoxa de Antioquia expressa seu desacordo à indicação do ex-missionário, Ricardo Lopes Dias, para chefiar a Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) da Funai.”
CONIC, 03 de fevereiro de 2020
Além da nomeação do ex-missionário, que fere o princípio constitucional da laicidade do Estado, o presidente da FUNAI, Marcelo Xavier, fez uma manobra que durou 24 horas para efetivar Dias Lopes. Xavier solicitou uma mudança no regimento interno do órgão, alterando as medidas do cargo, que até então só poderia ser ocupado por servidores públicos efetivos da FUNAI.
INDICAÇÕES DE EVANGÉLICOS NO GOVERNO BOLSONARO
Bolsonaro recebe oração de Edir Macedo durante culto na Igreja Universal
Indicações e nomeações de evangélicos no governo Bolsonaro têm sido uma prática rotineira desde as eleições, em 2018. Após vencer nas urnas, o “Messias”, que conquistou o cargo por meio de estratégias que incluíram batismo no rio Jordão, “aceitação de Jesus” em culto, e alianças políticas com líderes religiosos como Edir Macedo, Silas Mafalaia e Marco Feliciano com a bancada evangélica no Congresso Nacional. O ex-capitão tem governado o país como um pastor autoritário, que faz de tudo para não perder seu “ministério”, nomeando figuras “terrivelmente evangélicas”, como ele mesmo afirma, para cargos de liderança.
Como o Estado é laico, “mas o governo é cristão”, segundo fala do próprio presidente, a equipe bolsonarista tem, hoje, cinco evangélicos no primeiro escalão do governo ocupando ministérios. O maior conselheiro do presidente, Luiz Eduardo Ramos, ministro-chefe da Secretaria do Governo, é batista. Os outros são: Onyx Lorenzoni, ministro-chefe da Casa Civil, luterano. Marcelo Álvaro Antônio, do Ministério do Turismo, membro da Igreja Maranata. André Luiz Mendonça, ministro da Advocacia Geral da União, pastor presbiteriano. Ele é, possivelmente, o homem “terrivelmente evangélico” que Bolsonaro indicaria para o STF. E finalmente, a pastora pentecostal, Damares Alves, ministra da pasta da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Ela tem levado várias “propostas pastorais” de políticas públicas para o governo, como a de abstinência sexual como uma das diretrizes para combater a gravidez precoce, ignorando, como seu presidente, todas as críticas de médicos, educadores e cientistas que trabalham com o tema da sexualidade na adolescência.
No segundo escalão o número funcionários evangélicos é expressivo, principalmente no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
QUAL O PROBLEMA DE HAVER EVANGÉLICOS NA LIDERANÇA DO GOVERNO FEDERAL?
Nenhum. A questão que se coloca no contexto religioso é o “tipo” de evangélico/a que lá está. O mínimo que se espera de um/a cristão/cristã na política é que respeite a Constituição, o que não tem se dado, de forma bem explícita, neste governo.
Jair Bolsonaro e Benedito Aguiar
Nomeações como a do ex-reitor da Universidade Mackenzie, o presbiteriano Benedito Guimarães Aguiar, para a CAPES em 24 de janeiro deste ano, e agora, Ricardo Dias Lopes para FUNAI, revelam a plena coalizão do governo com a religião, fazendo dela a bandeira que rege a desordem e o desprogresso que o Brasil vem enfrentando neste último ano. Lopes já foi missionário em aldeias indígenas e agora, por meio de manobra, o que intensifica ainda mais o equívoco de sua nomeação, é indicado para um cargo que requer a maior imparcialidade religiosa possível, pois o departamento irá coordenar os índios isolados e de recente contato da Funai, que tem como principal atribuição proteger esses povos e não expô-los a nenhum tipo de evangelização.
Para esclarecer a nomeação do ex-missionário Ricardo Dias Lopes, entrevistei um ex-servidor da FUNAI, que pediu para não se identificar devido o cenário de perseguição que se instalou na Fundação na última semana.
O entrevistado é um antropólogo que tem mais de 10 anos de experiência com questões indigenistas.
ENTREVISTA
1- Como ex-servidor da FUNAI, como o senhor vê a nomeação de Ricardo Lopes Dias para a coordenação de índios isolados?
É importante destacar a total incompatibilidade entre a atividade missionária e a coordenação da política de proteção aos povos indígenas em isolamento voluntário e povos de recente contato. Conforme o próprio declarou, o objetivo de vida dele era a criação do que ele chama de “igreja autóctone” em cada povo indígena. Com esse objetivo o missionário vai contra os standards internacionais dos direitos humanos e dos direitos específicos dos povos indígenas, que afirmam o direito à autodeterminação sobre suas vidas e seus territórios bem como afirma o direito dos povos indígenas à consulta livre, prévia e informada sobre todas as ações que possam impactá-los.
2 – O senhor acha que esta nomeação de Lopes fere a política laica para com os povos indígenas? Sendo que as políticas de proteção territorial da Funai, voltada para os índios isolados, é reconhecida como um exemplo pioneiro no mundo.
Os objetivos do missionário ferem a Constituição Federal de 1988 ao ir contra as garantias estabelecidas na Carta Magna em relação ao respeito ao direito dos povos indígenas, sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições (artigo 231 da CF de 1988). No caso dos povos indígenas em isolamento voluntário, o anseio de Ricardo Lopes é ainda mais grave, porque, ao defender a ação missionária nas terras indígenas ele vai contra os princípios e a política de respeitar e garantir que esses povos vivam de forma autônoma dentro do seu território, protegidos pelas ações desenvolvidas pelas frentes de proteção etno-ambientais da FUNAI, que desenvolvem um trabalho exemplar em defesa da autodeterminação e autonomia dos povos em isolamento voluntário. O Estado brasileiro ao longo do último século passou por várias políticas em relação aos indígenas não contactados até compreender que a melhor forma de respeitar a autonomia e os modos de vida desses povos é garantindo que eles tenham autonomia em realizar o contato ou não.
3-A relatora da ONU para o direito dos povos indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, criticou a decisão do governo brasileiro de nomear um evangélico para o cargo na FUNAI. Ela afirmou que “é uma decisão perigosa e que pode ter o potencial de gerar um genocídio para a população de indígenas isolados”. O senhor concorda com essa afirmação?
O trabalho missionário, independente do discurso, da intensão alegada, é uma violência contra esses povos ao tentar impor uma religião específica a eles. É necessário destacar que a ação missionária é invasiva e traz riscos muito sér[ios para os indígenas, inclusive do ponto de vista da saúde, tendo em vista possíveis contágios e vírus decorrentes do contato. Isso ocorreu dezenas de vezes no Brasil, com genocídios provocados por contatos desastrosos e, muitas vezes, criminosos. Importante afirmar que essas populações em isolamento voluntário não estão alheias à realidade a sua volta. Eles optam pelo isolamento muitas vezes por terem passado por experiências traumáticas em relação ao contato com a sociedade nacional. Contato que muitas vezes causou centenas e centenas de morte de Indígenas. É uma opção que deve ser fortemente respeitada.
4 – O estado brasileiro tem a responsabilidade de garantir a proteção integral dos povos indígenas. O senhor acha que este governo tem essa pauta como prioritária?
Fica muito claro nas entrevistas do Ricardo Lopes que ele não está assumindo o cargo para trabalhar na política de proteção e promoção dos direitos indígenas e sim na defesa de uma agenda que a muito tempo eles buscam impor a esses povos. Trata-se de algo totalmente invasivo e vai contra os princípios da liberdade religiosa na medida em que esses missionários promovem proselitismo religioso. Acredito que essa nomeação é um retrocesso de décadas em relação à laicidade do Estado brasileiro e da política indigenista. Cabe lembrar que faz bastante tempo que as organizações de missionários cristãs buscam acessar esses territórios e sempre se ressentiram do trabalho realizado pela Funai na proteção etno-ambiental dos territórios indígenas.
A Missão Novas Tribos, da qual esse senhor participa, tem uma longa história com os povos em isolamento e de recente contato, com inúmeros casos de desrespeito e violência contra os povos indígenas. Uma outra questão a considerar é a total falta de experiência desse senhor em relação à política indigenista. A Funai tem um corpo de funcionários concursados e com longa experiência de trabalho com os povos indígenas. A política hoje é de perseguição a esses funcionários e a colocação de pessoas sem experiência e vivência indigenistas. Pessoas que estão entrando na Funai com uma agenda totalmente contrária aos princípios norteadores da ação indigenista do Estado brasileiro.
5 – Para o senhor, em que princípios a Funai deveria se pautar para escolher o coordenador ou coordenadora para o departamento de índios isolados?
Um pressuposto da vaga de Coordenador-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato era ser servidor da FUNAI. Por isso o cargo foi mudado para permitir a nomeação desse senhor. Foi retirada a exigência e transformou em cargo de livre nomeação. Foi uma manobra capitaneada pelo Delegado da Polícia Federal que está a frente da Funai ultimamente. Ele mesmo não tinha nenhuma experiência de trabalho com povos indígenas e foi colocado justamente para garantir a agenda do governo Bolsonaro de desconstrução dos direitos dos povos indígenas.
Assim, não é possível pensar essa nomeação de forma isolada. Faz parte de uma agenda que busca a flexibilização dos direitos indígenas, de forma a interromper os processos de reconhecimento territorial em curso e possibilitar a exploração econômica dos territórios indígenas. A integração defendida pelo Governo Bolsonaro nada mais é do que a tentativa de acessar os recursos naturais e ambientais das terras indígenas e explorar de forma predatória sem respeitar os direitos dos povos indígenas em relação à autodeterminação, autonomia, direito de consulta e de usufruto exclusivo dos territórios. Temos um sério risco de um genocídio dos povos indígenas no Brasil. Algo que já foi vivenciado muitas vezes pelos povos indígenas, como registrado. É desconsiderar toda a história da política indigenista no Brasil. A FUNAI registra, hoje, 107 grupos de povos indígenas em isolamento voluntário.
Já vimos a ampliação das ações de invasão dos territórios indígenas por frentes de exploração econômica que hoje avaliam que estão com a carta branca do Governo Bolsonaro para explorarem ilegalmente os territórios tradicionais dos povos indígenas. Não podemos ver essa nomeação de forma isolada. É a colocação de pessoas estratégicas na Funai para fazer o desmonte por dentro, paralisando políticas, perseguindo servidores, rompendo o diálogo com o movimento indígena, perseguindo lideranças, sufocando as coordenações regionais da FUNAI. Então, por mais que esse senhor fale da defesa dos indígenas, não pode negar o fato de que ele faz parte de um grupo que ocupa hoje a FUNAI para acabar com a política de proteção e promoção dos direitos indígenas. Acompanha essa invasão da FUNAI um amplo esforço de mudança normativa para permitir a exploração econômica dos territórios indígenas, como ocorreu essa semana no projeto de lei de mineração e exploração hídrica em terras indígenas sem respeitar o direito de autodeterminação e o direito à consulta livre, prévia e informada. Há pressão para descontrair as políticas de cidadania.
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O chamado crítico do CONIC precisa ser assumido por todos que defendem o Estado laico como princípio constitucional fundamental para o Estado Democrático de Direito: “A concepção evangelizadora que acompanha uma política pública deve ser isenta de toda e qualquer lógica religiosa. Povos indígenas têm um patrimônio cultural e espiritual próprios. É dever do Estado protegê-los e garantir a sua preservação”.