Montagem que denuncia perseguição do STF a cristãos tem conteúdo falso

Bereia recebeu de leitor um vídeo que tem circulado com intensidade em grupos de WhatsApp nos últimos dias:

Imagem: reprodução de publicação que circula no WhatsApp

A publicação traz um vídeo que é a montagem de duas imagens: uma, com uma frase introdutória, cortada no início e no final, extraída de matéria de um telejornal, a partir do que dizem dois apresentadores, e dura dez segundos: “… pode provocar uma verdadeira caçada aos cristãos. A lei que entrará em vigor em um ano e meio prevê a criminalização daqueles que propagam a fala de Deus”.

Logo em seguida, a montagem inclui um novo vídeo com a fala de uma mulher, sob a legenda “Advogada alerta: STF quer tirar Deus da democracia”. A fala inserida na montagem, como se fosse parte do telejornal, dura 45 segundos, na qual a mulher afirma que o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral teriam encaminhado decisão para cassar todos os candidatos cristãos que forem eleitos.

Bereia já checou a parte da montagem com a fala da mulher

A parte da montagem que inclui o vídeo da mulher discursando contra o STF e o TSE, com a citação do nome do ministro Edson Fachin, é antiga: circulou nas mídias sociais em 2020 e foi checada pelo Bereia, classificada como conteúdo falso.

A mulher é a professora de Direito Tributário e advogada Lenice Moreira de Moura. O vídeo checado pelo Bereia foi publicado no seu canal do Youtube, em 02 de julho de 2020 (atualmente fora do ar), e alcançou alta repercussão nas redes religiosas.

Lenice Moura apresenta acusações contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e afirma que estas instituições buscam “tirar Deus da democracia”. Ela alega: que haveria cassação de candidatos cristãos eleitos sob o argumento de “abuso de poder religioso”; que “ministros do STF ordenaram a apreensão de celulares e computadores de políticos cristãos, além de mandarem prender jornalistas e ativistas cristãos”; “que há proibição de símbolos religiosos em repartições públicas e escolas e do ensino religioso no ambiente escolar”.

Bereia checou cada uma destas afirmações e concluiu, em 2020 (ano eleitoral para cargos municipais) que a acusação proferida por Lenice Moura era falsa. Ela utilizou temas descontextualizados como pretexto para sua argumentação de que cristãos estariam sendo perseguidos pelo Judiciário. Bereia também checou que a advogada era reincidente na propagação de desinformação, fazendo uso do discurso do medo e do pânico moral.

A montagem de agora circula desde 2022

Bereia checou a montagem grosseira em vídeo, recebida de leitor, neste janeiro de 2024, que contém o vídeo com a acusação de Lenice Moura ao STF e ao TSE. A pesquisa mostrou que a montagem já havia circulado amplamente em perfis de mídias sociais, em 2022, ano das eleições para cargos nacionais e estaduais.

Imagem: reprodução do X (antigo Twitter)

O projeto jornalístico de checagem “Aos Fatos”, já havia publicado matéria sobre a montagem em 29 de julho de 2022. Aos Fatos classificou o conteúdo como falso e ofereceu as seguintes informações resultantes de pesquisa:


1. O STF não criou uma lei que propõe cassar o mandato de candidatos cristãos eleitos. Não existe norma aprovada ou projeto de lei semelhante em tramitação no Brasil.

2. O vídeo tira de contexto uma reportagem sobre uma lei da Bolívia que não proíbe cristãos de se candidatar, mas veda o recrutamento forçado de pessoas por entidades religiosas – a introdução do telejornal –  e adiciona, a seguir, o protesto de Lenice Moura, que fez uso de informações enganosas (classificado pelo Bereia, em 2020, como falso).

3. Os dez segundos introdutórios foram retirados de telejornal da RIT TV, emissora vinculada à Igreja Internacional da Graça de Deus, de edição veiculada em 11 de janeiro de 2018. Nela, dois apresentadores criticam uma lei que, na opinião deles, iria perseguir cristãos. A medida criticada, entretanto, foi promulgada na Bolívia, não no Brasil. O governo boliviano havia proposto um artigo na reforma do Código Penal que considerava crime o recrutamento de pessoas para participação em conflitos armados, organizações religiosas ou de culto. A medida foi interpretada por religiosos como uma censura à evangelização cristã. Ainda em janeiro daquele 2018, o então presidente Evo Morales desistiu de defender a norma.

A montagem voltou a circular em 2023, em vários perfis, em diferentes mídias, com amplo alcance entre religiosos, com a divulgação de que a TV aberta estaria falando sobre perseguição a cristãos no Brasil, não apenas pelo STF, mas também pelo atual governo federal:

Imagens: reprodução do X (antigo Twitter)

Bereia acompanha o Aos Fatos, que, já em 2022, classificou a montagem que divulga que o STF (e agora o atual governo federal) querem “tirar Deus da democracia” como falsa.

Bereia alerta leitores e leitoras sobre a utilização deste tipo de conteúdo em ano eleitoral para convencer e fazer campanha contra instituições e pessoas públicas com uso de mentiras e falsidades. Em 2024 ocorrerão as eleições municipais e é preciso muita atenção para que tais estratégias não resultem em assimilação e compartilhamento automático, sem a avaliação e a reflexão devidas.

O tema da perseguição de instituições do Estado brasileiro a cristãos no Brasil tem sido amplamente checado pelo Bereia, e é comprovadamente falso. Bereia também já checou muitas publicações com acusações ao STF que são falsas e enganosas.

É preciso sempre recordar que fazer oposição a governos e oferecer críticas a instituições e suas lideranças são práticas viáveis, saudáveis a uma democracia e devem ser garantidas pelo Estado Democrático de Direito. Porém ambas as ações devem ser feitas com dignidade e coerência e não por meio de falsidades apelativas, o que deve ser imediatamente confrontado e denunciado.

Esta matéria foi produzida a partir de conteúdo enviado por leitor. Qualquer pessoa pode colaborar com o Bereia e enviar indicação de checagens: e-mail coletivobereia@gmail.com ; WhatsApp: (21) 97884-2525

Referências:

Bereia. https://coletivobereia.com.br/e-falso-conteudo-divulgado-em-video-por-advogada-que-acusa-stf-e-tse/ Acesso em 31 jan 2024

Aos Fatos. matéria sobre a montagem em 29 de julho de 2022 Acesso em 31 jan 2024

Portal de notícias gospel divulga dados imprecisos sobre evangélicos na América Central

No último 28 de agosto, o portal de notícias Gospel Prime veiculou informações de uma pesquisa que apontou evangélicos como maioria na América Central, em matéria com o título “Evangélicos já são maioria na América Central, diz pesquisa”.

Sem apresentar detalhes sobre a metodologia utilizada, o site também divulgou informações sobre o comportamento da população religiosa e apresentou dados sobre liberdade religiosa na região.

Imagem: reprodução Gospel Prime

Bereia apurou informações sobre a pesquisa utilizada.

Dados apresentados pela pesquisa

O site religioso Gospel Prime traz, em manchete, a informação de que evangélicos já são maioria na América Central. No texto veiculado, o portal de notícias destaca que 42% dos habitantes da região identificam-se como protestantes, enquanto 39,9% identificam-se como católicos romanos.

Para reforçar o papel evangélico na composição social centro-americana, o site traz, ainda, dado segundo o qual a Igreja Católica teria perdido, entre 1950 e 2023, 60% dos fiéis na Nicarágua. Outro dado exposto é o de que cristãos evangélicos estariam mais comprometidos com atividades religiosas e com a leitura da Bíblia.

As informações utilizadas pelo site são da segunda edição da pesquisa “Afiliación, Participación y Prácticas Religiosas”, estudo conduzido na América Central durante o primeiro semestre de 2023 e que entrevistou mais de 3 mil pessoas. A pesquisa afirma que o nível de confiança de seus resultados chega a 95% e os dados apresentam margem de erro de 1.65% para mais ou para menos.

O estudo também apresenta diversos dados relacionados ao fenômeno religioso, sendo o primeiro deles a migração religiosa do catolicismo para o protestantismo na América Central. Entre os entrevistados, 58% disseram ter sido educados no catolicismo, sendo que mais de 10% teriam migrado para o protestantismo, 6,9% para correntes sem denominação, e 0,4% teriam simplesmente abandonado a religião.

Em todos os países contemplados pelo estudo – Guatemala, El Salvador, Honduras, Nicarágua, Costa Rica e Panamá – houve diminuição do número de católicos e aumento do número de protestantes. Outras informações expostas pela pesquisa dizem respeito a práticas religiosas como frequência de orações, frequência de leitura da Bíblia, presença em cultos ou missas, contribuição com o dízimo, questões relativas à educação sexual e uso de contraceptivos, homossexualidade, aborto, entre outros.

Ao final, o estudo volta ao tema da proporção populacional de diversas correntes religiosas. A informação dá conta de que, especificamente na Nicarágua, observou-se, desde 1950, queda da população católica. A pesquisa não informa como os dados históricos foram obtidos ou coletados.

Informações sobre a instituição de pesquisa

A segunda edição da pesquisa sobre prática religiosa na América Central foi realizada pela M&R Consultores. Em seu site oficial, a instituição define-se como uma agência de inteligência de mercado da Nicarágua, fundada em 1991. A página informa, ainda, que a organização está em processo de expansão, já que, atualmente, realiza estudos na América Latina.

A M&R Consultores apresenta-se como membro da Sociedade Europeia para Pesquisa de Opinião e Marketing (Esomar, na sigla em inglês), fundada em 1947, e é dirigida pelo economista, psicólogo e declaradamente militante cristão Raúl Obregón Morales. Apesar dos alegados mais de 30 anos de atuação, o estudo mais antigo publicado no site da instituição é de 2020. Nas mídias sociais, o perfil da organização tem poucos seguidores e quase nenhuma interação.

Imagem: reprodução Instagram

Dentre as pesquisas realizadas pela M&R Consultores, há diversas edições sobre a aprovação do governo de Daniel Ortega (FSLN), presidente da Nicarágua desde 2006. Bereia identificou alguns questionamentos acerca da credibilidade destas informações. 

Reputação e credibilidade da M&R Consultores

O jornalista nicaraguense Miguel Mendoza contestou, em dezembro de 2019, as técnicas de pesquisa utilizadas pelo gerente geral da M&R Consultores Raúl Obregón Morales, em seu perfil do X, Twitter à época. Um dos comentários na publicação suscita a possibilidade de fraude nas eleições para corroborar os dados da pesquisa. 

Imagem: reprodução X (antigo Twitter)

Na mesma época, o advogado e cientista político Adolfo Miranda Sáenz, colunista do jornal nicaraguense La Prensa, escreveu sobre as falhas técnicas do estudo. “A última pesquisa de M&R Consultores, me surpreendeu porque tem, segundo o que se lê publicado por eles em sua página na web, várias falhas técnicas que prejudicam a credibilidade”.

Em 2021, o portal de notícias Geopolitical Economy publicou uma reportagem sobre a popularidade da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) na Nicarágua, e tomou como base a 9ª pesquisa pré-eleitoral, de novembro de 2021. O texto aponta a M&R Consultores como “a principal empresa de pesquisas na Nicarágua” e pontua que a instituição “costumava ser regularmente citada pelos principais meios de comunicação, como a Reuters”, mas passou a ser ignorada por questões políticas.

O portal de notícias Nicarágua Investiga, em matéria publicada em 2022, divulgou que a M&R Consultores havia apontado a aprovação do governo do casal Ortega em 71,2%, e afirmou que a consultoria CID Gallup revelou em outubro de 2021, antes mesmo das eleições, que apenas 8% da população era favorável a manutenção da FSLN no poder.

Ritmo de crescimento da população evangélica em países da América Central 

O professor da Universidad del Pacifico, no Peru, e vice-presidente do Instituto de Estudos Sociais Cristãos (IESC) José Luis Pérez Guadalupe, em entrevista ao Bereia, afirma que a tendência geral, desde os anos 1970, é de crescimento da população evangélica e diminuição da população católica, principalmente na América Central, mas há particularidades.

Segundo Pérez, é possível que, a partir de 2030, países como Nicarágua, Honduras e El Salvador passem a ter mais evangélicos do que católicos, realidade, porém, ainda não concretizada. Já em países como Costa Rica e Panamá, o cenário é diferente. O crescimento evangélico também é uma realidade, mas este segmento ainda representaria entre 20% e 25% das respectivas populações.

Outro aspecto que Pérez pontua é que a identidade religiosa, hoje, é cada vez mais fluida, o que torna comum que pessoas adeptas a diferentes religiões frequentem cultos de outras denominações, por exemplo. O professor destaca que, mais do que a mera identificação, o compromisso de cada comunidade com sua respectiva denominação é que constitui o dado mais importante.

Indagado sobre a qualidade da pesquisa divulgada pelo site Gospel Prime, Pérez afirma que, quando se trata de governos ditatoriais e autoritários, não se pode confiar em dados oficiais ou em supostos institutos de pesquisa. “Nas ditaduras, a primeira vítima é a verdade”, afirma.

Outros estudos sobre o assunto

Bereia buscou uma fonte relevante, não comprometida com o mercado, para comparar com os dados divulgados pelo Gospel Prime e chegou aos levantamentos realizados pelo Latinobarómetro, uma organização não-governamental (ONG) sem fins lucrativos com sede em Santiago do Chile. A ONG declara ter o objetivo de contribuir para o desenvolvimento da democracia, da economia e da sociedade como um todo, através de indicadores de opinião pública que medem atitudes, valores e comportamentos.

A Pesquisa Latinobarômetro é um estudo de opinião pública que aplica anualmente cerca de 20.000 entrevistas em 18 países latino-americanos, representando mais de 600 milhões de habitantes. Os resultados do Latinobarómetro são usados ​​por acadêmicos, agentes públicos e governamentais, produtores de mídias, meios de comunicação, entre outros atores sociopolíticos da região e internacionais.


Enquanto a pesquisa elaborada pela M&R Consultores, e repercutida pelo Gospel Prime, afirma que a população evangélica na América Central chega a 42%, dados da ONG chilena mostram números menos expressivos. O relatório Latinobarómetro de 2020 aponta que o número de evangélicos na América Central era de 31,3%, chegando a 34,7% quando consideradas as categorias “evangélicos sem especificar”, “batistas”, “metodistas”, pentecostais”, “adventistas” e “protestantes”.

Imagem: reprodução Latinobarómetro

Os números para a população católica também divergem. Enquanto M&R Consultores e Gospel Prime afirmam que os católicos representam 39,9% da população na região centro-americana, os dados do Latinobarómetro 2020 apontam representatividade de 46,1% deste segmento.

A discrepância entre as duas pesquisas chama mais atenção no caso da Nicarágua que, segundo M&R Consultores, tem 47,5% da sua população identificada como evangélica. O Latinobarómetro 2020 demonstra que a parcela deste segmento religioso representa 38,7% no país em questão.

Ainda a respeito da Nicarágua, a pesquisa divulgada pelo Gospel Prime apresenta um gráfico sobre a evolução da presença de católicos e não católicos no país, desde 1950. Afirma-se que a presença católica no país saiu de 95,8% em 1950 para 41,8% em 2020. Já o Latinobarómetro, afirma que os católicos representavam 44,9% da população nicaraguense em 2020.

Liberdade religiosa na América Central

Outro dado também apresentado pela pesquisa da M&R Consultores, que foi omitido pelo site Gospel Prime, diz respeito à liberdade religiosa na América Central. Segundo a pesquisa, 92,7% da população centro-americana considera que têm liberdade de religião. Entre os grupos religiosos, 91,3% dos católicos, 94,2% dos protestantes e 93,1% dos crentes sem denominação teriam afirmado que há liberdade religiosa na região.

A pesquisa traz, ainda, os dados sobre a percepção de liberdade religiosa em cada país. Excetuando-se a Nicarágua, que apresenta 82,6% de respostas afirmativas para a existência de liberdade religiosa, todos os outros países pesquisados pontuaram acima dos 90% (Guatemala: 95,9%; El Salvador: 95,8%; Honduras: 94,6%; Costa Rica: 90,9%; Panamá: 96,7%).

O relatório Informe 2021 elaborado pela Latinobarómetro revela que 68% dos cidadãos da América Latina percebem que têm garantias de escolher livremente a sua religião. O percentual está oito pontos percentuais abaixo do valor registrado em 2018 e 2017 (76%). A diferença é a mais elevada desde quando o indicador começou a ser medido, em 2007.

Imagem: reprodução Latinobarómetro

Além dos dados do Latinobarómetro, o Relatório de Liberdade Religiosa no Mundo – 2023 publicado bienalmente, desde 1999, pela organização Aid to the Church in Need (ACN) – Ajuda à Igreja que Sofre –, ligada à Igreja Católica, revela dados diferentes sobre a liberdade religiosa na Nicarágua, país de origem da pesquisa elaborada pela M&R Consultores.

Enquanto na pesquisa da M&R Consultores o país aparece com 82,6% de liberdade religiosa percebida, o Relatório de Liberdade Religiosa no Mundo, da ACN, destaca negativamente o país. A ACN salienta que, pela primeira vez, a Nicarágua foi incluída na categoria “perseguição”.

“Isso se deve à forte opressão que o governo Ortega continua a exercer sobre a Igreja Católica, cujas ações incluem, entre outras, a expulsão do núncio apostólico e das congregações religiosas, o exílio forçado de sacerdotes, a privação do estatuto jurídico de entidades e organismos religiosos, a perseguição aos sacerdotes, o cerco a igrejas, a detenção arbitrária de líderes e fiéis religiosos, o fechamento de um canal de televisão católico, ameaças explícitas e insultos a líderes religiosos”, afirma o relatório.

O levantamento Latinobarómetro 2020 Nicarágua apresenta a opinião da população nicaraguense sobre até que ponto a liberdade de professar qualquer religião está garantida no país. Apenas 39,2% disseram ter a liberdade religiosa completamente garantida, enquanto 12,5% afirmaram não ser nada garantida. Os outros 48,3% dos participantes da pesquisa responderam que tem alguma garantia, pouca garantia ou não responderam.

Imagem: reprodução Latinobarómetro


Perseguição religiosa na Nicarágua

Os desafios relacionados à liberdade religiosa são cada vez maiores na América Central e vêm sendo destaque na imprensa internacional. O caso da Nicarágua, em especial, tem chamado atenção pelas atitudes do governo de Daniel Ortega.

O Correio Braziliense divulgou, em setembro do ano passado, que Ortega acusou a Igreja Católica de ser uma “ditadura perfeita” e que a polícia havia proibido procissões religiosas naquele período. A notícia também informava que “as relações entre o governo e a Igreja Católica se deterioraram desde os protestos de 2018, que o presidente vinculou a uma suposta tentativa fracassada de golpe de Estado planejada pela oposição com o apoio de Washington”. O texto pontua que o conflito se agravou em agosto daquele ano, após a prisão domiciliar do crítico do governo, arcebispo de Matagalpa, Rolando Álvarez e que quatro padres e dois seminaristas também foram detidos sem que as acusações contra os religiosos fossem divulgadas.

Na mesma ocasião, o portal Nicaragua Investiga publicou texto que mostra a ligação de Ortega com pastores evangélicos e a perseguição aos líderes católicos no país. Em 2023, a revista Forbes divulgou que duas dioceses dirigidas por Álvarez, a essa altura condenado a mais de 26 anos de prisão por crimes considerados ‘traição contra a pátria’, e a diocese de Manágua tiveram as contas bancárias bloqueadas pelo governo Ortega. O texto também cita a prisão de outros três padres. Esta perseguição é sofrida pelas lideranças católicas que se expressam de forma crítica a ações autoritárias do governo Ortega, o que não ocorre em relação outras lideranças cristãs alinhadas com o poder nicaraguense. 

A Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou, em março deste ano, que o relatório do Grupo de Peritos em Direitos Humanos sobre a Nicarágua apontou que a população do país sofre violações de direitos humanos que configuram crimes contra a humanidade.

Imagem: reprodução ONU News

Em artigo traduzido e publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos, o teólogo e padre italiano, professor da Universidade de Flensburg, na Alemanha, Marcelo Neri detalha como o governo da Nicarágua tem agido com a Igreja Católica por se posicionar contra o regime Ortega. “Entre os dias 5 e 6 de fevereiro, ocorreram dois julgamentos de farsa que condenaram o grupo de colaboradores de Dom Alvarez e outro padre detido também em agosto de 2022 a 10 anos de prisão sob a acusação de conspiração contra o Estado da Nicarágua”, diz o texto do teólogo.

Na última semana, a BBC News Brasil publicou matéria sobre a perseguição do governo Ortega a ordens religiosas na Nicarágua. Em entrevista por telefone à BBC, o teólogo e porta-voz oficial da Companhia de Jesus na Nicarágua José María Tojeira explica de que modo o governo Ortega vem perseguindo a Igreja no país.

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Bereia considera o conteúdo checado como impreciso. Os dados da pesquisa divulgada pelo portal de notícias Gospel Prime, de forma ufanista, não são comprováveis, principalmente por não haver informações sobre a metodologia utilizada para a coleta e processamento destes dados. Ainda, a fonte tem histórico que levanta dúvidas em relação a comprometimento mercadológico e político.

Afora isto, o levantamento apresenta características de desinformação quando não considera a perspectiva católica sobre liberdade religiosa na Nicarágua. A maneira que as informações foram apresentadas pode levar o público a julgamentos errôneos sobre determinados grupos e organizações. Portanto, carece de complementações e alguma contextualização, por isso Bereia recomenda recurso a instituições de pesquisa metodologicamente acreditadas.

Referências de Checagem:

X.

https://twitter.com/Mmendoza1970/status/1204817152433360897 Acesso em: 30 ago 2023


https://twitter.com/MYRConsultores/status/489432292784635904/photo/1 Acesso em: 30 ago 2023

https://twitter.com/Mmendoza1970/status/1204817152433360897 Acesso em: 4 set 2023

Forbes. https://forbescentroamerica.com/2023/05/27/gobierno-de-nicaragua-congela-cuentas-bancarias-de-iglesia-catolica-nicaraguense Acesso em: 2 set 2023

La Prensa. https://www.laprensani.com/2019/12/16/opinion/2621982-encuesta-con-fallas-tecnicas Acesso em: 30 ago 2023

Nicaragua Investiga.

https://nicaraguainvestiga.com/politica/82926-mr-nicas-apoyan-ortega-canasta-basica/ Acesso em: 30 ago 2023

https://nicaraguainvestiga.com/politica/96820-pastores-evangelicos-bendicen-a-candidatos-del-fsln/ Acesso em: 30 ago 2023

BBC – ‘Governo da Nicarágua tem ódio da Igreja e quer controlá-la’, diz sacerdote

https://www.bbc.com/portuguese/articles/cyd9n4d2d59o

Esomar.

https://esomar.org/about-esomar Acesso em: 30 ago 2023

https://esomar.org/code-and-guidelines/icc-esomar-code Acesso em: 30 ago 2023

M&R Consultores

https://www.myrconsultores.com/quienes-somos/ Acesso em: 29 ago 2023

https://www.myrconsultores.com/afiliacion-participacion-y-practicas-religiosas-2da-ola-primer-semestre-2023/ Acesso em: 29 ago 2023

Geopolitical Economy. https://geopoliticaleconomy.com/2021/09/04/nicaragua-support-sandinistas-poll/ Acesso em: 30 ago 2023

YouTube.

https://www.youtube.com/watch?v=6kTzNdi7dBQ&ab_channel=vivanicaragua13 Acesso em: 31 ago 2023

https://youtu.be/EITRjDtLKVQ?t=1485 Acesso em: 4 set 2023

BBC News Brasil. https://www.bbc.com/portuguese/articles/cyd9n4d2d59o Acesso em: 1 set 2023

Correio Braziliense. https://www.correiobraziliense.com.br/mundo/2022/09/5040379-daniel-ortega-diz-que-a-igreja-catolica-e-uma-ditadura-perfeita.html Acesso em: 1 set 2023

Reuters. https://www.reuters.com/article/elecciones-nicaragua-sondeo-idLTAKCN12I29S Acesso em: 1 set 2023

ACN. https://www.acn.org.br/analise-regional-2023-america-latina-e-caribe/ Acesso em: 1 set 2023

Linkedin. https://www.linkedin.com/in/raul-obregon-morales-59b55129/?originalSubdomain=ni Acesso em: 4 set 2023

Latinobarometro

https://www.latinobarometro.org/latContents.jsp Acesso em: 6 set 2023

https://www.latinobarometro.org/lat.jsp?Idioma=724 Acesso em: 8 set 2023

https://media.elmostrador.cl/2021/10/Latinobarometro_Informe_2021.pdf Acesso: 6 set 2023

https://www.latinobarometro.org/latContents.jsp Acesso: 6 set 2023


ONU. https://news.un.org/pt/story/2023/03/1810687 Acesso: 7 set 2023

Unisinos. https://www.ihu.unisinos.br/categorias/626176-igreja-na-nicaragua-resistencia-e-perseguicao Acesso: 7 set 2023

Anajure. https://anajure.org.br/nota-publica-sobre-a-situacao-da-liberdade-religiosa-na-nicaragua/ Acesso: 7 set 2023

*** Foto de capa: reprodução Evangelical Focus

Conteúdo enganoso sobre proibição de frase cristã na Câmara Municipal de Araçatuba repercute nas mídias

* Matéria atualizada em 21/07/2023 para ajuste de texto e em 21/08/2023 para inserção de informações (ao final do texto)

Matéria publicada pelo site religioso Gospel Mais, replicada por outros diversos espaços  digitais, afirma que o Tribunal de Justiça de São Paulo, por decisão unânime dos desembargadores, proibiu o uso da frase “sob a proteção de Deus” na abertura das sessões legislativas da Câmara de Vereadores da cidade de Araçatuba (SP). 

Imagem: reprodução do site Gospel Mais

A publicação do site Gospel Mais é baseada em matéria do portal de notícias G1. O texto explica corretamente que “o Regimento Interno da Câmara Municipal de Araçatuba previa que, na abertura de cada sessão, o presidente da Casa ou o presidente da sessão declarasse que ‘sob a proteção de Deus, iniciamos nossos trabalhos’, seguido da leitura de um versículo bíblico por um dos vereadores presentes”.

Depois, relata que o “Ministério Público moveu uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), e em maio deste ano o Tribunal de Justiça decidiu que a prática violava o conceito do Estado laico, onde uma religião não pode ser privilegiada em detrimento de outras, repetindo uma decisão semelhante tomada contra a Câmara Municipal de Engenheiro Coelho”.

Ao final, porém, sem apuração sobre as bases da decisão e sem ouvir especialistas, Gospel Mais insere sua interpretação conclusiva: “A frase ‘sob a proteção de Deus’, apesar de ser parte do preâmbulo da Constituição Federal, agora é considerada inconstitucional em Araçatuba”.

De acordo com a assessoria de imprensa da Câmara Municipal de Araçatuba, o desembargador Tarcisio Ferreira Vianna Cotrim afirmou que o dispositivo viola o princípio da laicidade do Estado brasileiro, uma vez que a Câmara de Araçatuba, sendo uma instituição pública e que está inserida em um Estado laico, não pode privilegiar uma religião em detrimento das demais.

Nesse sentido, conforme a decisão do TJ-SP, a Câmara de Araçatuba não usará a frase “sob a proteção de Deus” e também não fará  leitura da Bíblia no rito de abertura das sessões legislativas, pois, de acordo com o TJ-SP,  esta prática “configura uma interferência do Estado no direito à liberdade religiosa, ofendendo também os princípios da isonomia, da finalidade e do interesse público, uma vez que não traz benefícios para a coletividade”.

Outras decisões do TJ-SP

O Tribunal de Justiça de São Paulo já decidiu de maneira semelhante anteriormente. O Órgão Especial do Tribunal anulou artigo de uma lei da cidade da cidade de  Engenheiro Coelho que previa a leitura de versículos da Bíblia antes do início das sessões na Câmara Municipal. 

Fez o mesmo com artigos de  leis das cidades de Piracicaba  e de Itapecerica da Serra, que também garantiam a leitura de versículos da Bíblia ainda do início das sessões legislativas nas Câmaras Municipais. 

Em 2022, o Órgão Especial do TJ-SP validou lei da cidade de  Porto Ferreira que previa a colocação de uma Bíblia no plenário da Câmara de Vereadores. A ação contra a prática proposta pela Procuradoria-Geral de Justiça foi negada e o desembargador Damião Cogan relatou que:

 “O conceito do Estado laico relaciona-se a neutralidade estatal, mas não preconiza o ateísmo, sendo perfeitamente possível e constitucional que se conviva com símbolos religiosos, principalmente porque dizem sobre sua história e sua cultura, muitas vezes de parcela considerável de seu povo, não se mostrando como intuito do legislador constitucional proibir exibição de objetos, imagens, escrituras religiosas de qualquer religião, porque tais medidas não cerceiam os direitos e liberdades concedidos aos cidadãos”. 

Estado Laico

Na decisão que anulou dispositivo legal da Câmara Municipal de Piracicaba, o desembargador Ferreira Rodrigues citou entendimento do STF de que nenhum ente da federação está autorizado a incorporar, a seu ordenamento jurídico, preceitos e concepções, seja da Bíblia ou de qualquer outro livro sagrado. O jurista acrescentou que, ao optar por uma orientação religiosa, a lei quebrou não apenas o dever de neutralidade estatal, como também a liberdade religiosa e de crença: 

“Não compete ao Poder Legislativo municipal criar preferência por determinada religião, voltado exclusivamente aos seguidores dos princípios cristãos, alijando outras crenças presentes tradicionalmente no tecido social brasileiro como a judaica, a muçulmana etc., bem como de outras que não ostentem essa percolação, justamente à vista da laicidade do Estado brasileiro”

Sobre o que isto significa em relação à liberdade religiosa como direito, a professora e pesquisadora Magali Cunha explica que:

“Estado laico não é sinônimo de Estado ateu ou de Estado neutro. Tem que valorizar o lugar das religiões na sociedade, com toda a diversidade interna que elas possuem, e ao mesmo tempo, atuar na garantia de liberdade e igualdade para todos os indivíduos e grupos religiosos e não religiosos no campo dos direitos”.

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Bereia checou o conteúdo e concluiu que a notícia divulgada pelo site Gospel Mais é enganosa. O TJ-SP, de fato,  determinou anulação de dispositivo legal da  Câmara dos Vereadores de Araçatuba que previa leitura da Bíblia no início das sessões legislativas. Entretanto, tal entendimento, quanto a incompatibilidade com o princípio da à laicidade do Estado, é corroborado por decisões do Supremo Tribunal Federal, encontra ampla discussão na doutrina jurídica e nas teorias acadêmicas. 

Nada disso foi mencionado na matéria de Gospel Mais, desenvolvida para confundir e distorcer as informações apresentadas e fazer crer que a decisão é  fruto de perseguição religiosa . Este tema já foi alvo de várias checagens do Coletivo Bereia, como o suposto fechamento de igrejas e a perda de mandato político de um deputado federal. 

A matéria de Gospel Mais adota as mesmas estratégias de desinformação observadas em outras checagens, ao silenciar sobre fatos relevantes a respeito da decisão proferida, contextualizar de maneira insuficiente e inverter a relevância dos fatos para induzir leitores a crerem que cristãos sofrem perseguição de instituições públicas no Brasil. 

ATUALIZAÇÃO: O Tribunal de Justiça de São Paulo, a partir de ação movida pelo Procurador Geral de Justiça do Estado de São Paulo declarou como inconstitucional o artigo do regimento interno da Câmara de Araçatuba, que obrigava que toda sessão deveria ser iniciada com uma leitura bíblica. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) citada sentença determinou que tal prática violaria a Constituição Federal, que determina que o Estado é laico. Nesse sentido, o Judiciário proibiu que vereadores sejam obrigados a ler a Bíblia no início dos trabalhos; estes parlamentares não estão impedidos de citar trechos do livro em nenhum momento como algumas reações em mídias sociais, em torno da decisão do TJ-SP, querem fazer crer. Aos Fatos checou algumas delas: https://www.aosfatos.org/noticias/justica-de-sp-nao-proibiu-biblia/.

Referências de checagem:

ConJur.

https://www.conjur.com.br/2023-mai-12/leitura-biblia-camara-municipal-viola-laicidade-estatal-tj-sp Acesso em: 18 JUL. 2023

https://www.conjur.com.br/2022-out-01/lei-obriga-leitura-biblia-camara-inconstitucional Acesso em: 18 JUL. 2023

https://www.conjur.com.br/2022-jul-12/biblia-camara-vereadores-nao-viola-principio-laicidade Acesso em: 18 JUL. 2023

Câmara Municipal de Araçatuba.https://www.aracatuba.sp.leg.br/noticia/Justica-julga-inconstitucional-leitura-biblica-no-inicio-das-sessoes Acesso em 17 JUL. 2023

Coletivo Bereia.

https://coletivobereia.com.br/apos-perda-de-mandato-de-dallagnol-politicos-religiosos-propagam-narrativa-enganosa-de-perseguicao/ Acesso em 17 JUL 2023

https://coletivobereia.com.br/cristofobia-perseguicao-a-cristaos-e-fechamento-de-igrejas-estao-entre-os-temas-com-mais-desinformacao-em-espacos-religiosos-nestas-eleicoes/ Acesso em 17 JUL 2023

Unisinos. https://ihu.unisinos.br/categorias/581841-religioes-politica-e-estado-laico-como-superar-equivocos Acesso em: 18 JUL. 2023

Fundação Perseu Abramo. Significado político da manipulação na grande imprensa. https://fpabramo.org.br/csbh/significado-politico-da-manipulacao-na-grande-imprensa/ Acesso em: 18 JUL. 2023 

A era da desinformação: pós verdade, fake news e outras armadilhas. Marco Schneider Rio de Janeiro, Garamond, 2022. 

Aos Fatos. https://www.aosfatos.org/noticias/justica-de-sp-nao-proibiu-biblia/ Acesso em: 21 AGO. 2023

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. https://esaj.tjsp.jus.br/cposg/search.do;jsessionid=AA5ED9AF2407BA2D6FEB2FD8D440A6E1.cposg2?conversationId=&paginaConsulta=0&cbPesquisa=NUMPROC&numeroDigitoAnoUnificado=2294532-79.2022&foroNumeroUnificado=0000&dePesquisaNuUnificado=2294532-79.2022.8.26.0000&dePesquisaNuUnificado=UNIFICADO&dePesquisa=&tipoNuProcesso=UNIFICADO. Acesso em: 21 AGO. 2023

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Foto de capa: Câmara Municipal de Araçatuba/Facebook

Site desinforma contra relatório apresentado à ONU sobre abusos da liberdade de religião contra direitos LGBT+

Matéria publicada pelo site Gospel Mais repercutiu nas mídias sociais digitais religiosas nos últimos dias. O texto, intitulado “Liberdade religiosa deve ceder às reivindicações do povo LGBT+, diz analista da ONU”, afirma que “o especialista independente em orientação sexual e identidade de gênero” Victor Madrigal-Borloz fez a seguinte declaração: 

“Crenças religiosas que confrontam o estilo de vida LGBT+ não devem ser amparadas pelo direito à liberdade religiosa” o que significa que se “um pastor, padre ou rabino ensinar que a relação com pessoas do mesmo sexo é pecado, sendo a homossexualidade condenada por Deus, e isto for considerado ofensivo pelo público LGBT+, tal ensino não deve mais ser protegido pela liberdade religiosa, mas sim eliminado!”

Além disso, o especialista teria alegado que crenças que confrontam o estilo de vida LGBT+ “podem ter consequências graves e negativas para a personalidade, dignidade e espiritualidade das pessoas LGBT”, motivo pelo qual não devem ter a garantia da liberdade religiosa. Posições de preconceito violentas e discriminatórias estão além das proteções legais internacionais de crenças religiosas ou outras”. 

Gospel Mais alerta que, de acordo com entidades internacionais, a organização poderá restringir a liberdade religiosa em nome dos direitos LGBT+. O site apresenta como fonte para a matéria o próprio site da ONU.

O que disse o especialista

O site da ONU divulgou o relatório do especialista independente em proteção contra a violência e a discriminação com base na orientação sexual e na identidade de gênero, apresentado na 53ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da Organização, em 21 de junho passado. O especialista Victor Madrigal-Borloz é Membro do Subcomitê das Nações Unidas para a Prevenção da Tortura, onde atuou como relator sobre represálias e supervisionou um projeto de política sobre tortura e maus-tratos de pessoas LGBT+.

O Perito Independente é parte dos “Procedimentos Especiais” do Conselho de Direitos Humanos da ONU, o maior corpo de especialistas independentes no sistema de Direitos Humanos da organização. O título  é o nome geral dos mecanismos independentes de investigação e monitoramento do Conselho que abordam situações específicas de países ou questões temáticas em todas as partes do mundo. Os especialistas em Procedimentos Especiais trabalham de forma voluntária; eles não são funcionários da ONU e não recebem salário por seu trabalho. Eles são independentes de qualquer governo ou organização e atuam em sua capacidade individual.

Bereia apurou que Victor Madrigal-Borloz é um jurista costarricense, pesquisador visitante sênior do Programa de Direitos Humanos da Escola de Direito de Harvard. Ele reside na Harvard Law School desde julho de 2019 e ficará até dezembro de 2023. Em 2019 ele atuou como secretário-geral do Conselho Internacional de Reabilitação para Vítimas de Tortura (IRCT), uma rede global de mais de 150 centros de reabilitação com a visão de pleno gozo do direito à reabilitação para todas as vítimas de tortura e maus tratos.

No relatório apresentado à ONU,  Madrigal-Borloz inicia reconhecendo que “liberdade de pensamento, consciência e de religião ou crença é uma parte fundamental da estrutura da Declaração Universal dos Direitos Humanos”. Mais ainda, declara que “o  Especialista Independente está comprometido com o respeito pela liberdade de religião e crença. Notavelmente, a resolução que criou o mandato reconhece a importância de respeitar os sistemas de valores religiosos”.

Depois de registrar visitas a diferentes países e entrevistas com líderes de diferentes confissões religiosas, reuniões com especialistas e acadêmicos e a realização de uma consulta pública, o jurista afirma no relatório: “Dentro de uma estrutura de direitos humanos, o termo “religião” não descreve uma entidade homogênea e estática. A norma religiosa, a tradição e a comunidade não fazem parte de uma única instituição, e a religião descreve uma multiplicidade de crenças e valores dinâmicos, contestados e em evolução que inspiram esperança, orientam a ação, imbuem identidade e ajudam as pessoas a dar sentido às suas experiências de vida”.

Nestas bases, o relatório registra: “Como um paradigma não fixo, a religião não tem posições inerentes essenciais, e não faria sentido posicioná-la como inerente ou predominantemente pró ou anti-LGBT. E, no entanto, a religião e os direitos humanos das pessoas LGBT são frequentemente colocados em posições antagônicas no discurso social e político, alimentando a alegação de que existe um conflito inerente entre a liberdade de religião ou crença e os direitos humanos dos indivíduos LGBT, uma narrativa fabricada que mina o ideal de paz pacífica convivência humana”.

O especialista, então, passa a levantar preocupações sobre líderes religiosos ou religiosos que alimentam desinformação, discurso de ódio e/ou intolerância contra pessoas LGBT, como bodes expiatórios para controvérsias, colocando-os como uma ameaça à família tradicional e interpretando doutrinas religiosas para excluir e promover a violência e a discriminação contra a homossexualidade e a inconformidade de gênero. 

“As pessoas LGBT podem ser especialmente vulneráveis ​​ao discurso de ódio, porque a exposição constante a ele pode levar ao exílio, sofrimento emocional e tendências suicidas”, escreveu o jurista de Costa Rica. O especialista destacou ainda que “abraçar a espiritualidade e a fé é um caminho que deve estar disponível para todos, incluindo todas as pessoas com diversas orientações sexuais e identidades de gênero.

As tradições religiosas inclusivas

Madrigal-Borloz apontou que muitas tradições religiosas ou de crença são inclusivas e afirmativas para pessoas lésbicas, gays, bissexuais, trans e com diversidade de gênero (LGBT). Para ele, prestar atenção às vozes e práticas de comunidades inclusivas pode ajudar a mudar as narrativas que afirmam que o exercício da liberdade de religião ou crença é incompatível com o gozo igualitário dos direitos humanos por pessoas LGBT+.

O relatório aponta ainda que a violência, a discriminação e a exclusão podem ter consequências graves e negativas para a personalidade, dignidade e espiritualidade das pessoas LGBT+. Há o reconhecimento de que estes cidadãos e cidadãs muitas vezes são marginalizados, estigmatizados e excluídos das comunidades religiosas simplesmente por serem quem são.

Madrigal-Borloz ainda destacou que a religião ou os sistemas de crença são frequentemente colocados deliberadamente em posições antagônicas contra os direitos humanos das pessoas LGBT+ no discurso social e político, alimentando a alegação de que existe um conflito inerente entre eles. “Em alguns casos, as narrativas religiosas foram usadas deliberadamente para justificar a violência e a discriminação – muitas vezes em desafio à doutrina dessas religiões e também além do escopo da liberdade de religião ou crença”, registrou o jurista no relatório à ONU.

Por fim, o texto explica que o direito à liberdade de religião ou crença não deve ser usado como desculpa para violência ou negação discriminatória dos direitos humanos das pessoas LGBT+: “Posições violentas e discriminatórias de preconceito estão além das proteções legais internacionais de crenças religiosas ou outras”.

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Bereia conclui que as informações apresentadas por Gospel Mais são enganosas e buscam alimentar a desinformação, propagar o discurso de ódio e a  intolerância contra pessoas LGBT+. O site religioso distorce palavras do documento apresentado à 53ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da Organização, em 21 de junho passado, para fazer crer que existe uma proposta de enquadramento de grupos religiosos às demandas das pessoas LGBT. Com esta distorção a matéria engana, ignora a afirmação do direito à liberdade religiosa contida no relatório mas também a existência de abuso deste direito com abordagens nocivas sobre pessoas LGBT+. 

Seguindo os princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos e resoluções da ONU, o recente Relatório de Recomendações para o Enfrentamento do Discurso de Ódio e o Extremismo no Brasil, do Ministério de Direitos Humanos e Cidadania, alerta para as tecnologias do ódio que operam com força pelas mídias digitais. Elas ”ligam o ódio à desinformação, a intencionalidade da criação de notícias fraudulentas e enganosas (popularmente denominadas de fake news) para obtenção de vantagens econômicas e políticas, podendo ser constatada uma instrumentalização específica do ódio como modelo de negócio e monetização. 

Operadas a nível transnacional, essas tecnologias do ódio configuram, nos dias atuais, a existência de uma midiosfera extremista que atua sob a forma de guerra ativa. A criação de mensagens de ódio segmentadas para a população, de forma sistemática e constante, intenciona mobilizar certos medos e ressentimentos, assentando-se na própria ação orgânica dos seguidores para fomentar as comunidades de ódio”.

Referências de checagem:

A/HRC/53/37: Relatório do Especialista Independente sobre proteção contra violência e discriminação com base na orientação sexual e identidade de gênero. https://www.ohchr.org/en/documents/thematic-reports/ahrc5337-report-independent-expert-protection-against-violence-and Acesso em 04 JUL 2023

Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2023/julho/mdhc-entrega-relatorio-com-propostas-para-enfrentar-o-discurso-de-odio-e-o-extremismo-no-brasil Acesso em 04 JUL 2023

United Nations.

https://www.ohchr.org/en/special-procedures/ie-sexual-orientation-and-gender-identity/victor-madrigal-borloz Acesso em 04 JUL 2023

https://www.ohchr.org/en/hr-bodies/hrc/regular-sessions/session53/regular-session Acesso em 04 JUL 2023 

https://www.ohchr.org/en/press-releases/2023/06/freedom-religion-or-belief-not-incompatible-equality-lgbt-persons-un-expert Acesso em 04 JUL 2023

https://www.ohchr.org/en/press-releases/2021/05/right-freedom-religion-or-belief-and-right-live-free-violence-and Acesso em 04 JUL 2023

Foto de capa: Pixabay

Missionário cearense é morto no Quênia e mídias religiosas precipitam-se em afirmar motivação do crime

A morte do missionário cristão brasileiro Francisco Antônio Chagas Barbosa, de 39 anos, em Nairóbi, no Quênia, ganhou repercussão nos últimos dias. Portais de grande alcance noticiaram o fato e mídias religiosas repercutiram-no com associação ao fenômeno da perseguição contra cristãos.

O portal Pleno News, em matéria sobre a trajetória de Francisco Barbosa, afirmou que a morte do missionário, em 7 de junho, “é reflexo da realidade de milhares de cristãos perseguidos no Quênia, Sudão do Sul e em toda a África Subsaariana”. Bereia buscou informações sobre as motivações do crime.

Imagem: reprodução do site Pleno.News

Francisco Barbosa e a Missão Cristã Mundial

Francisco Antônio Chagas Barbosa, 39 anos, nasceu no município de Varjota (CE), a 220 quilômetros de Fortaleza. De acordo com o portal G1, o missionário morava, desde 2011, no continente africano, onde desenvolvia um trabalho de evangelização cristã dos povos locais. A CNN Brasil afirma que o missionário residia no Quênia desde 2017.

Barbosa atuava para a Missão Cristã Mundial (MCM), organização que se apresenta como uma “instituição sem fins lucrativos”, cujo “principal objetivo é conquistar cidades e nações para Deus em parceria com as igrejas”.

O portal da MCM afirma que desenvolve, no Quênia, “auxílio na educação de crianças nas tribos Turkanas; suporte a viúvas através de cursos de artesanato e corte e costura”. Barbosa operava na Corner Stone Intercommunity Church Utawala, em Nairóbi, capital queniana.

Assassinato em Nairóbi, Quênia

Segundo o portal queniano People Daily, a esposa do missionário, Franciane de Oliveira Barbosa, reportou às autoridades locais o desaparecimento do marido em 7 de junho. No dia seguinte, após a polícia local receber a informação de que havia um carro em chamas nos arredores de Nairóbi, equipes foram destacadas para controlar o fogo e constataram a presença de um corpo carbonizado.

Imagem: reprodução do portal queniano People Daily

O corpo veio a ser identificado como o de Francisco Antônio Chagas Barbosa, o missionário brasileiro até então considerado desaparecido. Testemunhas afirmaram ter visto o carro do pastor sendo conduzido por jovens na região.

O portal People Daily afirma que a Diretoria de Investigações Criminais do Quênia iniciou investigações, mas que a motivação do crime ainda não foi estabelecida. O portal The Star também afirmou que ainda não está claro se o missionário foi morto em razão do seu trabalho ou se há outro motivo.

O chefe da polícia de Nairóbi Adamson Bungei declarou ao The Star que “incidentes como esse geralmente estão ligados a trabalho ou dinheiro” e disse que a polícia entraria em contato com todas as partes envolvidas para “chegar à raiz” do caso. Nenhuma prisão foi efetuada até o momento.

Imagem: reprodução do portal The Star

Repercussão no meio religioso

O site gospel Pleno News, em matéria publicada em 12 de junho, afirmou que o pastor morto no Quênia já tinha sido alvo de ataques anteriormente. O veículo destacou, ainda, a presença do Quênia na Lista de Países em Observação da organização internacional cristã Portas Abertas, que “apoia cristãos perseguidos em países onde não há liberdade para professar a fé em Jesus Cristo”, segundo definição encontrada no site da organização.

O Pleno News afirmou que “o que aconteceu a Francisco é reflexo da realidade de milhares de cristãos perseguidos no Quênia, Sudão do sul e em toda a África Subsaariana”. O site destacou, ainda, a presença do grupo islâmico Al-Shabaab na região.

No início de fevereiro deste ano, Somália, Etiópia, Quênia e Djibouti, países do leste africano, lançaram operações conjuntas contra o grupo armado islâmico, conforme noticiou o portal DW no Brasil. Após encontro de líderes políticos em Mogadíscio, capital da Somália, um comunicado conjunto reafirmou a necessidade de combater o grupo radical e reconheceu a “necessidade de mobilizar apoio para operações oportunas e decisivas”.

Nas informações sobre o caso encontradas em sites locais e mídias noticiosas não foram encontradas evidências de que há associação do crime contra o missionário Francisco Barbosa com grupos radicais islâmicos. As investigações seguem em curso.

Presença missionária em regiões de conflito

Em vídeo, publicado em dezembro de 2022, no canal MCMPovos, mantido pela Missão Cristã Mundial no YouTube, a organização divulga sua presença na região de conflito entre as etnias Pokot e Turkana, no Quênia. Dirigindo um carro, o pastor Francisco Barbosa afirma que a região é palco de um “conflito bem sensível” e narra episódios de violência ocorridos no local.

No artigo Persistent Conflict Between the Pokot and Turkana: Causes and Policy Implications (Conflito Persistente entre Pokot e Turkana: Causas e Implicações Políticas), publicado pela Universidade de Nairóbi, o fundador do Centro Shalom para Resolução de Conflitos e Reconciliação Patrick Devine ressalta que o conflito entre as duas etnias é uma característica que marca suas relações intercomunais há mais de um século.

Em entrevista ao G1, o diretor da MCM Nilson Cezar afirma que a organização tem como trabalho ir aos “confins da Terra”, termo que nomeia um dos programas da instituição. “Temos essa perspectiva de realmente ir em áreas que são conflituosas”, afirmou.

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Após pesquisa em portais quenianos que ouviram autoridades locais, Bereia considera inconclusiva a informação de que o missionário brasileiro Francisco Antônio Chagas Barbosa foi morto em razão de perseguição religiosa.

A região em que o crime ocorreu, no leste africano, é atravessada por conflitos étnicos e perseguições religiosas, conforme é possível comprovar por meio de artigos acadêmicos, informações de organizações internacionais e cobertura pela imprensa.

As informações das autoridades locais, porém, são de que o caso está ainda em fase de investigação, não sendo possível concluir a motivação até o presente momento.

Bereia classifica como inconclusiva a notícia, o pronunciamento ou a declaração que ofereçam conteúdos de substância informativa mas não apresentam todos os elementos necessários para serem classificados como verdadeiros. Neste caso, há uma investigação em curso. Além disso, tais conteúdos trazem evidências na redação para serem avaliados como desinformação. São matérias que demandam cuidado, atenção e acompanhamento em torno da conclusão. Acusar grupos islâmicos, alimentando intolerância religiosa ou advogar perseguição a cristãos são exemplos de uso desinformativo deste tipo de material. 

Referências da Checagem:

G1.

https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2023/06/10/missionario-brasileiro-encontrado-morto-no-quenia-ja-havia-sofrido-sequestro-e-espancamento.ghtml Acesso em: 13 jun 2023

https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2023/06/11/quem-foi-francisco-antonio-chagas-o-missionario-brasileiro-encontrado-carbonizado-no-quenia.ghtml Acesso em: 13 jun 2023

Correio Braziliense. https://www.correiobraziliense.com.br/cidades-df/2023/06/5100907-missionario-morto-a-tiros-na-africa-se-preparou-em-igreja-do-df.html Acesso em: 13 jun 2023

YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=DRrx_FDXfNo Acesso em: 13 jun 2023

Portas Abertas.

https://portasabertas.org.br/lista-mundial/paises-em-observacao Acesso em: 13 jun 2023

https://portasabertas.org.br/lista-mundial/paises-da-lista Acesso em: 13 jun 2023

Missão Cristã Mundial. https://mcmpovos.org/onde-estamos/ Acesso em: 13 jun 2023

Pleno.News

https://pleno.news/fe/pastor-morto-no-quenia-ja-tinha-sido-atacado-em-outras-ocasioes.html Acesso em: 13 jun 2023

https://pleno.news/fe/missionario-brasileiro-no-quenia-foi-executado-confirma-esposa.html Acesso em: 13 jun 2023

People Daily. https://www.pd.co.ke/news/body-of-missing-missionary-found-in-burning-vehicle-184331/ Acesso em: 13 jun 2023

The Star. https://www.the-star.co.ke/news/2023-06-09-body-of-missing-brazilian-missionary-found-burnt-in-abandoned-car-in-mwihoko/ Acesso em: 13 jun 2023

CNN. https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/missionario-brasileiro-e-morto-a-tiros-e-tem-corpo-carbonizado-dentro-de-um-carro-no-quenia/ Acesso em: 13 jun 2023

Shalom Conflict Center. https://shalomconflictcenter.org/devine-p-r-phd-history-of-the-conflict-between-the-pokot-and-the-turkana-in-space-and-time-causes-and-policy-implications/ Acesso em: 13 jun 2023

DW. https://www.dw.com/pt-002/som%C3%A1lia-eti%C3%B3pia-qu%C3%A9nia-e-djibuti-unidos-contra-al-shabaab/a-64584286 Acesso em: 13 jun 2023

*** Foto de capa: Arquivo pessoal

Notícia imprecisa sobre proibição de Bíblias nos EUA gera confusão sobre perseguição religiosa

* Matéria atualizada às 20:30 para correção de redação

De acordo com matéria distribuída por agências internacionais de notícias, e publicada, inicialmente, no Brasil, pelos jornais Estado de Minas e O Estado de São Paulo, no último 2 de junho, o Estado de Utah, nos Estados Unidos, teria retirado a Bíblia de bibliotecas e escolas. A ação teria sido uma resposta a decisões de políticos conservadores de retirar livros que abordassem questões LGBTQIA+ “de prateleiras educacionais”.

O assunto repercutiu fortemente no Brasil, e a decisão foi noticiada por sites religiosos e portais da grande mídia nos dias seguintes. Com algumas divergências, nem todos os conteúdos foram fiéis aos fatos.

Imagem: reprodução do site Pleno.News

Decisão de remover a Bíblia não foi do estado de Utah

Para ouvir uma fonte local, Bereia entrevistou o pastor da Igreja Metodista Unida dos EUA Rev. Jorge Luiz Domingues sobre o caso. Ele explicou que o banimento da Bíblia das bibliotecas de escolas elementares não partiu do Estado de Utah, mas de apenas um distrito escolar. “O estado aprovou a lei, e o distrito escolar está implementando a partir da solicitação [de um pai ou mãe de estudante]”, afirma.

Segundo o jornal The Salt Lake Tribune, de Utah, a decisão de banir a Bíblia em escolas de ensino fundamental foi tomada pelo Distrito Escolar de Davis, e não pelo estado, como dão a entender as matérias que reproduziram o conteúdo internacional. A entidade é responsável pela educação pública na região de mesmo nome, que pertence ao estado de Utah.

A apuração do jornal local estadunidense aponta que a medida não foi tomada por decisão judicial, nem mesmo legislativa, mas se trata de um consenso do comitê de revisão do Distrito Escolar que vem analisando o pedido de um pai desde dezembro de 2022. O site gospel Pleno News afirmou se tratar de uma “ação judicial” movida pelos responsáveis do aluno, mas não há evidências de que o pedido tenha tramitado no sistema de justiça.

A decisão de recolher as Bíblias das bibliotecas escolares ocorreu em 1 de junho, e foi considerada para escolas de ensino fundamental do condado de Davis. A Bíblia não foi banida de todas as escolas de Utah e nem de todas as bibliotecas. O porta-voz do Distrito Escolar de Davis afirmou ao The Salt Lake Tribune que sete ou oito escolas que contavam com exemplares seriam alvo da remoção.

O parâmetro utilizado pelo comitê para o banimento também não foi o de considerar o livro sagrado para o Cristianismo como pornográfico ou indecente, mas por se compreender ser um conteúdo sensível, por abordar temas vulgares e violentos para crianças e adolescentes. Escolas de Ensino Médio continuarão com seus exemplares, outra informação que também foi distorcida nas versões brasileiras sobre o caso. 

Polêmica em torno da Lei que permitiu remoção da Bíblia

Em 2022, o Estado de Utah aprovou uma lei sobre materiais sensíveis nas escolas que permite que pais de alunos opinem sobre o acesso dos filhos a livros nas instituições e que peçam a remoção de determinados conteúdos das prateleiras das bibliotecas.

Imagem: reprodução do site do jornal Salt Lake City Tribune

Incentivada por grupos conservadores, a lei tinha como principal alvo textos sobre a comunidade LGBTQIA+. Assim, o dispositivo legal, aprovado em março de 2022, permitiu a remoção de livros que apresentassem conteúdo “pornográfico ou indecente”. Entre os livros que já foram alvos de remoção está, por exemplo, o romance “O Olho Mais Azul”, da escritora vencedora do prêmio Nobel de Literatura Toni Morrison. O livro aborda questões de raça, padrões de beleza e aceitação social.

Ao final de 2022, porém, a mesma lei ensejou um pedido, apresentado pelo responsável de um aluno, para remoção da Bíblia das escolas, sob o argumento de que o livro sagrado seria um dos que têm mais conteúdo sexual.

O autor do pedido apresentou um documento de oito páginas em que listava passagens da Bíblia consideradas ofensivas e que mereciam uma apreciação. O código 76-10-1227 de Utah apresenta definições do que seriam “exibições públicas indecentes”, entre as quais se encontram, por exemplo, “descrições de sexo ilícito e imoralidade sexual”, e foi utilizado para sustentar a reclamação.

Segundo matéria da BBC News Brasil, o idealizador da lei sobre materiais sensíveis nas escolas Ken Ivory, chegou a se posicionar contrariamente à remoção da Bíblia das prateleiras escolares, mas teria mudado de ideia, sob a justificativa de que “tradicionalmente, na América, a Bíblia é melhor ensinada e compreendida em casa e em família”.

Casos semelhantes em outras regiões dos EUA

O Rev.Jorge Domingues ressaltou ao Bereia a existência de casos semelhantes nos Estados Unidos. “Um outro artigo diz que também há uma solicitação para banir o Livro dos Mórmons, o que é uma ironia pois o Estado de Utah é 68% Mórmom”, destaca. Domingues relembra, ainda, o banimento da Bíblia em escolas no Texas, em 2022, e destaca que “há várias iniciativas para banir a Bíblia em estados que aprovaram o banimento de outros livros considerados inapropriados”.

O portal norte-americano Education Week, que se dedica a publicar informações e notícias sobre o ensino primário nos Estados Unidos, já havia veiculadoartigo sobre a questão dos banimentos da Bíblia das bibliotecas escolares. Publicado antes do recente caso em Utah, o texto cita casos ocorridos na Flórida, no Texas e no Missouri.

Conforme apontado por Jorge Domingues, há notícias de que o Livro dos Mórmons passa pelo mesmo desafio enfrentado pela Bíblia, sendo também alvo de pedido de remoção no distrito escolar de Davis, Utah. O jornal The Salt Lake Tribune aponta o efeito em cascata dessa disputa.

Disputa de censuras

Sobre o fenômeno, o Rev. Jorge Domingues explica: “Várias leis estaduais têm sido aprovadas para banir livros considerados inapropriados por legisladores ou políticos conservadores e livros sobre, ou relacionados a, pessoas ou comunidade LGBT. Em resposta, indivíduos ou organizações têm usado estas leis para banir outros textos que contêm material inapropriado de acordo com a legislação. A Bíblia tem sido um desses livros”.

O diretor do programa Liberdade de Expressão e Educação Jonathan Friedman da PEN America – uma organização em prol da liberdade de expressão que monitora desafios relacionados aos livros – em entrevista ao Education Week,  diz que as recentes objeções à Bíblia “ocorreram como uma reação aos esforços para proibir tantos livros”.

A diretora do Escritório da Associação Americana de Bibliotecas para a Liberdade Intelectual Deborah Caldwell-Stone declarou ao portal que apesar dos desafios esporádicos, as reclamações que dizem respeito à Bíblia são, geralmente, uma tática para ressaltar os potenciais danos da censura.

“Quando você escolhe a censura como sua ferramenta para controlar o acesso à informação e controlar a capacidade dos indivíduos de aprender mais sobre várias ideias, inevitavelmente, isso vai varrer ideias e materiais com os quais você realmente concorda”, afirmou Caldwell-Stone.

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Bereia considera o conteúdo checado impreciso. A notícia veiculada pelos jornais Estado de Minas e O Estado de São Paulo, e repercutida por vários outros veículos, oferece conteúdo verdadeiro, mas carece da amplitude necessária para o completo entendimento dos acontecimentos.

Especialmente, a afirmação de que a remoção de Bíblias de bibliotecas escolares se deu pelo fato de o livro sagrado cristão  conter “sexo e violência”, como aparece na manchete, é imprecisa à luz do contexto mais amplo. Este permite afirmar que o banimento se deu em reação a outras censuras anteriormente implementadas, ainda que a decisão tenha se apoiado na previsão legal para retirada de conteúdos “pornográficos ou indecentes”.

Tais informações estão presentes no interior do texto veiculado pelos jornais Estado de Minas e Estadão. Há que se notar, no entanto, que a manchete, tal como foi apresentada, contribui para uma falsa ideia de perseguição contra cristãos, tanto mais em um contexto de rápido compartilhamento de informações pelas redes digitais, em que muitos leitores propagam manchetes como informações completas.

Não sendo o primeiro nem o último acontecimento relacionado a censura no país em questão, é fundamental o resgate do contexto para o real entendimento dos fatos. Em temas frequentemente utilizados para desinformar e criar pânico moral, como é o caso da falsa ideia de perseguição a cristãos, há de se adotar critérios ainda mais rígidos na elaboração de conteúdo informativo.

Referências de checagem:

Distrito Escolar de Davis, Utah. https://www.davis.k12.ut.us/ Acesso em: 6 jun 2023

H.B. 374. https://openstates.org/ut/bills/2022/HB374/ Acesso em: 6 jun 2023

BBC. https://www.bbc.com/portuguese/articles/c6p34rd5x7po Acesso em: 6 jun 2023

The Guardian. https://amp.theguardian.com/books/2023/jun/03/utah-school-district-book-of-morman-ban Acesso em: 6 jun 2023

npr. https://www.npr.org/2022/08/18/1117708153/bible-anne-frank-books-banned-texas-school-district Acesso em: 6 jun 2023

Vice. https://www.vice.com/en/article/epzv9j/texas-school-bans-the-bible Acesso em: 6 jun 2023

Education Week. https://www.edweek.org/teaching-learning/why-the-bible-is-getting-pulled-off-school-bookshelves/2022/12 Acesso em: 6 jun 2023

The Salt Lake Tribune.

https://www.sltrib.com/news/education/2023/06/01/bible-is-banned-these-utah/ Acesso em: 6 jun 2023

https://www.sltrib.com/religion/2023/06/02/book-mormon-now-challenged-utah/ Acesso em: 7 jun 2023

https://www.sltrib.com/news/education/2023/03/22/utah-parent-says-bible-contains/ Acesso em: 6 jun 2023

Utah Code 76-10-1227. https://law.justia.com/codes/utah/2006/title76/76_0c153.html Acesso em: 6 jun 2023

PEN America. https://pen.org/ Acesso em: 6 jun 2023

Britannica. https://www.britannica.com/topic/The-Bluest-Eye Acesso em: 7 jun 2023

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Foto de capa: Luis Quintero/Pexels

Após perda de mandato de Dallagnol, políticos religiosos propagam narrativa enganosa de perseguição

* Matéria atualizada em 29/05/2023 para correção de informações

No último 16 de maio, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cassou, por unanimidade, o registro da candidatura a deputado federal de Deltan Dallagnol (Podemos-PR), enquadrando-a na Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar n. 135/2010) . A decisão teve como consequência a perda do mandato por parte do ex-coordenador da Operação Lava-Jato em Curitiba.

Nos dias subsequentes, Deltan Dallagnol e outros políticos, que se utilizam da religião como plataforma política, manifestaram-se nas redes digitais de maneira contrária à decisão do TSE, alimentando um discurso religioso de perseguição.

Bereia apurou os acontecimentos recentes e os analisou a partir dos fatos, da legislação vigente e da opinião de especialistas, muitos dos quais também se manifestaram em plataformas digitais.

Deltan Dallagnol perde mandato de deputado federal

A federação partidária Brasil da Esperança, que reúne os partidos PT, PCdoB e PV, junto com o PMN, promoveu ação, no TSE, sobre a regularidade da candidatura de Dallagnol, argumentando que sindicâncias e reclamações disciplinares no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) contra o ex-procurador o impediam de deixar a carreira de procurador da República.

Segundo a Lei da Ficha Limpa, membros do Ministério Público (como Deltan Dallagnol) ficam inelegíveis por oito anos se pedirem exoneração ou aposentadoria voluntária enquanto tramitarem processos administrativos disciplinares. O relator do caso, ministro do TSE Benedito Gonçalves, entendeu que Deltan Dallagnol, ao pedir a exoneração para concorrer ao cargo de deputado federal, buscou se esquivar da regra que poderia torná-lo inelegível.

Estavam em trâmite no Conselho Nacional do Ministério Público 15 procedimentos administrativos de variada natureza que poderiam resultar em Processo Administrativo Disciplinar (PAD) e, possivelmente, na aposentadoria compulsória ou na perda do cargo de procurador por Dallagnol. O então procurador teria pedido exoneração para evitar que esses procedimentos se tornassem PADs, o que o impediria de se candidatar.

Gonçalves destacou, em seu voto, que, como consequência do pedido de exoneração, “todos esses procedimentos (…) foram arquivados, extintos ou mesmo paralisados, e, como se verá, a legislação e os fatos apurados poderiam perfeitamente levá-lo à inelegibilidade”. Em outro trecho, o ministro afirmou que “o pedido de exoneração teve propósito claro e específico de burlar a incidência da inelegibilidade”.

Interpretação extensiva e controvérsia sobre cassação

A perda do cargo de Deltan Dallagnol ensejou uma série de debates acerca da decisão do TSE e do voto do ministro Benedito Gonçalves. Juristas, acadêmicos e jornalistas repercutiram uma possível controvérsia na interpretação dos fatos concretos à luz do que prevê a Lei da Ficha Limpa. Isto porque a lei seria clara ao dizer que a inelegibilidade se dá nos casos em que a exoneração acontece “na pendência de processo administrativo disciplinar”, o que não era o caso quando Deltan se exonerou.

O advogado e presidente da Comissão Estadual de Direito Penal da Abracim-SP, Marcelo Aith, em artigo de opinião para o site Consultor Jurídico, aponta que “embora entenda que as condutas de Deltan sejam deploráveis diante do cargo que ocupava (…) não há menção expressa em relação aos procedimentos preparatórios”, em referência aos 15 procedimentos administrativos em curso no CNMP. Para Aith, a interpretação da lei deveria ser feita de modo restritivo, já que há em jogo uma sanção.

Em editorial, o jornal Folha de São Paulo manifestou contrariedade à cassação de Dallagnol: “Neste universo em que vivemos, o Judiciário deveria se guiar não por hipóteses, mas por fatos. E os fatos são simples: não havia nenhum PAD contra Deltan no momento de sua exoneração, e a lei menciona de maneira explícita justamente esse tipo de processo”. O texto do jornal destaca que “As regras, para terem o respeito de todos, não podem se dobrar ao sabor das circunsâncias”. 

Entretanto, as avaliações sobre o caso não são unânimes. A doutora e mestre em Direito do Estado Letícia Kreuz veiculou, nas plataformas digitais, considerações sobre a Lei da Ficha Limpa e a cassação de Dallagnol. Para Kreuz, o voto de Gonçalves “é ruim e abre uma porteira bizarra, com precedentes perigosos”, mas há motivos para a cassação, como o fato de o ex-procurador ter requerido a suspensão de sanções que recebeu em PADs, fazendo com que tais PADs continuassem em tramitação e tornando, de fato, Dallagnol inelegível.

Para o PhD em Direito, Política e Sociedade Fábio de Sá e Silva, com estudos sobre a Operação Lava Jato e seus efeitos, que também veiculou considerações nas mídias digitais, a decisão de cassar o mandato de Dallagnol não se fundamentou na pendência de PAD, mas no cometimento de fraude por parte de Dallagnol. Silva destaca, ainda, que “a decisão do TSE oferece um incentivo correto contra a instrumentalização da magistratura e do MP para fins de construção de carreiras políticas. Se juízes e procuradores/promotores querendo aparecer começam a cometer abusos, serão alvos de representações”.

Imagem: reprodução do Twitter

O portal ConJur veiculou, no dia seguinte à cassação, a opinião de diversos especialistas sobre o caso, que consideraram a atuação do TSE “coerente e adequada”. Para o membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep) Carlos Medrado, ouvido pelo portal, “A fraude é sempre de difícil demonstração. E foi no conjunto de indícios e presunções, como autoriza o artigo 23 da Lei das Inelegibilidades, que o ministro formou convicção, acompanhado, aliás, por todos os outros integrantes do TSE”. O referido artigo diz que o tribunal formará sua convicção a respeito da inelegibilidade a partir de uma livre apreciação dos fatos públicos e notórios, “ainda que não indicados  ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral”.

Defesa de Dallagnol e aceno ao eleitorado cristão

Após perder o cargo de deputado federal, Deltan Dallagnol passou a se dizer vítima de uma perseguição. Em pronunciamento à imprensa, disse que foi cassado por uma “inelegibilidade imaginária”. “Existia algum processo administrativo disciplinar? Não. Nenhum. Zero. Mas eles construíram suposições”, alegou.

Imagem: reprodução do Twitter

Na mesma ocasião, Dallagnol afirmou: “como muitos cristãos ao longo da história, quando parecia que eles tinham tomado um tombo e que era o fim, na verdade aquilo era um novo começo”. Os acenos ao eleitorado cristão continuaram, inclusive com referência a diversas passagens bíblicas.

Ainda, em nota divulgada via Twitter, Dallagnol declarou: “Meu sentimento é de indignação com a vingança sem precedentes que está em curso no Brasil contra os agentes da lei que ousaram combater a corrupção. Mas nenhum obstáculo vai me impedir de continuar a lutar pelo meu propósito de vida de servir a Deus e ao povo brasileiro”.

Imagem: reprodução do Twitter

Segundo matéria de O Globo, alguns parlamentares fizeram coro à ideia de “perseguição política”. Entre os políticos que saíram em defesa de Deltan Dallagnol, muitos têm no eleitorado cristão sua principal base de apoio. Os deputados federais Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Nikolas Ferreira (PL-MG) e André Fernandes (PL-CE) criticaram a cassação de Dallagnol e a senadora Damares Alves (Republicanos-DF) disse que estava “orando” pelo parlamentar cassado.

Em 20 de maio, o senador Sérgio Moro (União Brasil-PR) e Deltan Dallagnol participaram da Marcha para Jesus, em Curitiba, como noticiou o portal Poder 360. Moro, em discurso posteriormente compartilhado em suas redes digitais, fala em “gigantesca injustiça” e faz um apelo aos fiéis presentes: “Queria pedir para vocês orações, não só para que nós possamos ter justiça na Terra em relação ao Deltan, mas também para afastar as sombras dos corações e mentes de Brasília.

Sérgio Moro e Deltan Dallagnol discursam durante Marcha para Jesus, em Curitiba

Imagem: reprodução do Twitter

Desde 2021, Bereia produz materiais informativos acerca da relação estreita entre religião e política no Brasil. A falsa narrativa de perseguição a cristãos já foi destaque em checagem e Bereia já produziu, também, conteúdo sobre a desinformação envolvendo a chamada “cristofobia”.  A plataforma Religião e Poder, iniciativa do Instituto de Estudos da Religião (ISER), produz reportagens e estudos que contribuem para o debate sobre a temática.

Pastor condena discurso religioso de perseguição

Bereia ouviu o pastor e advogado da Igreja Evangélica de Confissão Luterana em Curitiba Walter Schenkel sobre o uso do discurso religioso que caracteriza perseguição ao ex-procurador batista Deltan Dallagnol. Ele avalia que não há perseguição como se apregoa. “Temos que entender que vivemos em um país laico, de maioria cristã. Dificilmente se vai encontrar uma pessoa no Brasil sofrendo por ser cristã. Ainda mais uma pessoa pública como ele. Dificilmente Dallagnol sofreria por ser cristão, pois conhece as leis, ou deveria conhecê-las, e sabe se defender”.

Schenckel se contrapõe, ainda, à consideração de que o ex-procurador sofre censura e perseguição política e ideológica. “Ao chegar em Curitiba [depois de ter o seu registro de candidatura cassado], Dallagnol subiu em um carro de som; dois dias depois esteve na Marcha para Jesus e fez uso da palavra; no domingo, convocou um ato de defesa do mandato dele. Quem sofre censura, perseguição política, não poderia conduzir tais atos”.

O pastor luterano, evocando a Bíblia, conclui: “Tem uma passagem que diz ‘Todos carecem da glória de Deus. Todos somos pecadores’. (…) Enquanto vivermos como cidadãos especiais, com uma imagem de estarmos acima de outros porque somos cristãos, ou de nos fazermos mártires, colocando-nos no papel de vítimas, quando na verdade, somos causadores da própria desgraça, nós estamos, não só enganando a população, como desfazendo do próprio Evangelho. Porque, nesse caso, Dallagnol usa a palavra de Deus para produzir uma defesa que não existe”.

Deslizes de Dallagnol e planos pessoais

O Jornal da Universidade de São Paulo (USP), em matéria publicada em maio de 2022, destaca que questionamentos sobre a Operação Lava-Jato mudaram o entendimento da imprensa internacional sobre a força-tarefa que, por algum tempo, foi sinônimo de combate à corrupção.

Em 2016, reportagem do jornal alemão DW mostrou que, já nos primeiros anos da operação, alguns observadores apontavam “espetacularização e exageros” por parte da Lava-Jato. Em entrevista ao jornal, o então diretor da Fundação Heinrich Böll no Brasil Dawid Bartelt alertava para a necessidade de que a Justiça não se torne parte de uma disputa política. É fato notório, porém, que personagens centrais da Lava-Jato se utilizaram dessa posição de destaque para migrar para a política, ocupando um espaço identificado com posições conservadoras e religiosas.

A série de reportagens conhecida como “Vaza-Jato”, conduzida por sete veículos de imprensa com o objetivo de analisar mensagens privadas tornadas públicas entre procuradores da Força-Tarefa, membros do Ministério Público e juízes, foi responsável por desvendar uma série de controvérsias nos métodos utilizados, por tais personagens, no esforço de combate à corrupção. Os desvios levariam, por exemplo, à anulação da condenação de Lula Inácio Lula da Silva (PT).

Especificamente no caso de Deltan Dallagnol, a Vaza-Jato mostrou, após acesso a mensagens trocadas pelo ex-coordenador da força-tarefa, uma série de práticas que extrapolaram sua atuação como membro do MP. Reportagens apontaram, entre outras coisas, a utilização de organizações sociais para pressionar o STF e o governo, a aliança com ONGs internacionais para moldar a imagem pública da Lava-Jato e, ainda, o esforço empreendido junto ao eleitorado evangélico para viabilização de sua candidatura ao Congresso Nacional nas eleições de 2022.

A esse respeito, mensagens de 2018, no aplicativo Telegram,  indicam que Dallagnol estudava uma saída estratégica do MP. O então procurador da República optou, à época, por permanecer no cargo, mas não deixou de tecer considerações para seu futuro na política: “Precisaria me dedicar bastante a isso e me programar. Para aumentar a influência, precisaria muito começar uma iniciativa de grupos de ação cidadã. Dois pilares seriam: grupos de ação cidadã em igrejas e viagens.”

Antevendo problemas com o Conselho Nacional do Ministério Público, continuou: “Tem um risco de CNMP, mas é pagável, cabendo fazer uma pesquisa de campanhas públicas (de órgãos) de voto consciente, para me proteger”.

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Após checagem dos fatos recentes, analisados à luz da legislação, bem como dos debates acerca da cassação do registro de candidatura de Deltan Dallagnol, Bereia considera enganosa a repercussão, promovida por políticos religiosos, que tenta caracterizar como “perseguição” a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Há vasto material informativo sobre a decisão e um rico debate, em curso, quanto à extensão interpretativa da Lei da Ficha Limpa. Não é possível, no entanto, afirmar que haja uma perseguição em andamento, como alguns políticos religiosos querem fazer acreditar.

Os pronunciamentos que propagam o discurso de perseguição não apresentam todos os elementos necessários para serem classificados como verdadeiros, sendo materiais que demandam cuidado, atenção e acompanhamento antes de se chegar a conclusões.

Referências de checagem:

CNN Brasil. https://www.cnnbrasil.com.br/politica/tse-marca-para-dia-16-julgamento-de-acao-contra-candidatura-de-dallagnol/ Acesso em: 25 mai 2023

Planalto. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp135.htm Acesso em: 25 mai 2023

Consultor Jurídico. https://www.conjur.com.br/2023-mai-17/marcelo-aith-controversias-cassacao-deltan-dallagnol Acesso em: 23 mai 2023

Folha de São Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2023/05/tse-no-metaverso.shtml Acesso em: 24 mai 2023

Consultor Jurídico. https://www.conjur.com.br/2023-mai-17/cassar-deltan-tse-nao-deu-interpretacao-extensiva-inelegibilidade Acesso em: 24 mai 2023

O Globo. https://oglobo.globo.com/blogs/sonar-a-escuta-das-redes/noticia/2023/05/perseguicao-criticas-e-oracao-de-eduardo-bolsonaro-a-damares-oposicao-reage-a-cassacao-de-deltan-dallagnol.ghtml?utm_source=dlvr.it&utm_medium=twitter Acesso em: 23 mai 2023

Poder 360. https://www.poder360.com.br/justica/moro-e-deltan-participam-de-marcha-para-jesus-em-curitiba/ Acesso em: 25 mai 2023

Jornal da USP. https://jornal.usp.br/ciencias/questionamentos-sobre-a-lava-jato-mudaram-visao-da-imprensa-internacional-sobre-a-operacao-aponta-pesquisa/ Acesso em: 25 mai 2023

DW. https://www.dw.com/pt-br/observadores-veem-espetaculariza%C3%A7%C3%A3o-e-exageros-na-lava-jato/a-19109844 Acesso em: 25 mai 2023

STF. https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=464261&ori=1 Acesso em: 25 mai 2023

Agência Pública.

https://apublica.org/2019/09/deltan-captava-recursos-de-empresarios-para-instituto-mude/ Acesso em: 25 mai 2023

https://apublica.org/2020/09/a-alianca-da-lava-jato-com-a-transparencia-internacional/ Acesso em: 25 mai 2023

https://apublica.org/2019/09/de-olho-em-vaga-no-senado-em-2022-dallagnol-mirou-apoio-de-evangelicos/ Acesso em: 25 mai 2023

https://apublica.org/especial/vaza-jato/ Acesso em: 25 mai 2023

Terra. https://www.terra.com.br/noticias/de-coordenador-da-lava-jato-a-deputado-cassado-as-polemicas-de-deltan-dallagnol,a0a5ebaf2f532c28c6212ba72c2ac98598oq7zyq.html Acesso em: 25 mai 2023

Thread Reader App. https://threadreaderapp.com/thread/1658832952975867906.html Acesso em: 24 mai 2023

Bereia.

https://coletivobereia.com.br/?s=cristofobia Acesso em: 25 mai 2023

https://coletivobereia.com.br/religiao-e-politica-no-olho-do-furacao/ Acesso em: 25 mai 2023

https://coletivobereia.com.br/lider-evangelico-afirma-que-cristaos-comecaram-a-ser-perseguidos-no-brasil/ Acesso em: 25 mai 2023

Religião e Poder. https://religiaoepoder.org.br/ Acesso em: 25 mai 2023

Twitter. https://twitter.com/deltanmd/status/1658940277283856385 Acesso em: 26 mai 2023

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Foto de capa: Lula Marques/Agência Brasil

Mídias viralizam notícia de que capela em cidade de São Paulo foi depredada por terraplanistas

Mídias noticiosas informaram no final deste abril de 2023, que uma igreja foi depredada por intolerantes religiosos e adeptos da teoria “terraplanista”. A notícia rapidamente ocupou grupos de mensagens e mídias sociais religiosas. 

Imagem: reprodução do site Metrópoles

Bereia checou as informações e, de fato, a Capela de Nossa Senhora da Piedade, conhecida como ‘Igrejinha’, localizada na zona rural de Araras (SP), foi alvo de um ato de vandalismo no sábado, 29 de abril. 

Segundo os relatos, um maçarico foi utilizado para destruir  a porta e invadir o local, que fica à Avenida Fábio da Silva Prado, no bairro Elihu Root. Na capela, que pertence ao território da Paróquia São Benedito, da Igreja Católica Romana, imagens de santos foram destruídas e jogadas ao chão, paredes pichadas com dizeres que expressam intolerância religiosa e teoria da conspiração. conhecida como “terraplanismo”.

Imagem: reprodução do G1

“Estas estátuas não tiveram poder algum para me impedir de entrar aqui, de movê-las de lugar e de escrever nestas paredes”. 

“Teriam elas algum poder para ouvir orações ou livrar do mal aqueles que clamam a elas?”

Imagem: reprodução do G1

“Detalhe importante, a Bíblia também diz que a Terra é plana Marcos 13:25”

“A Terra é um círculo plano com uma cúpula acima”. 

Nota da Diocese

A Diocese Católica de Limeira publicou nota em repúdio ao que classifica como ato de intolerância religiosa sofrido: 

A  Diocese de Limeira repudia veementemente a manifestação de intolerância religiosa cometida, no último fim de semana, contra a capela dedicada a Nossa Senhora da Piedade, localizada na zona rural de Araras e que pertence ao território da paróquia São Benedito.

A capela foi invadida e teve imagens retiradas de seus nichos  e pichações nas paredes com dizeres que demonstram o desrespeito religioso.

Em tempos de um comportamento social agressivo, onde destaca-se a violência, o preconceito e a intolerância ao próximo, devemos ressaltar a Carta Magna de 1988, principalmente no tocante da prática da tolerância religiosa e da cultura de paz, respeitando a dignidade e a liberdade de consciência da religião.

Que a bandeira da paz, do respeito às manifestações religiosas e do amor ao próximo seja a bandeira a ser empunhada por todos nós.

Intolerância religiosa no Brasil

Mesmo com as mensagens de ódio religioso e referentes a teorias da conspiração, não é possível afirmar que os praticantes do ato de vandalismo são mesmo seguidores destas teorias ou que este tenha sido um ato pensado para justificar uma prática de cristofobia. 

De acordo com a cientista social Brenda Carranza, o termo cristofobia “se intensificou e consolidou uma narrativa de perseguição e ameaça, centrada no ataque aos cristãos (católicos e evangélicos), vilipendiados por sua fé, moralidade e crenças religiosas, (…) entretanto, uma perseguição religiosa pressupõe ameaça a direitos de expressão e culto religioso (liberdade religiosa) e de ataque físico e simbólico a templos, igrejas, pessoas e até morte. Porém, no Brasil é inexistente a ameaça e/ou ataque à maioria  histórica, demográfica e simbolicamente cristã, portanto, a narrativa parlamentar cristã é construída a partir de um sentimento de perseguição fictício” 

Para a pesquisadora do Instituto Superior de Estudos da Religião (ISER), antropóloga Lívia Reis, Bolsonaro deu legitimidade estatal à falsa trama de que cristãos brasileiros são acossados pelo que creem. “Para comprovar esse ponto, fez-se necessário que o governo estimulasse o uso de canais de denúncia entre pessoas cristãs, de modo que as estatísticas corroborassem essa narrativa”, diz a pesquisadora.

A alta de cristãos que acionam o Disque 100 também está, segundo Reis, “intimamente ligada à forma negacionista como o governo federal [no poder de 2019 a 2022] encarou a pandemia de covid-19, desencorajando medidas sanitárias de prevenção à doença, entre elas o fechamento das igrejas”. Determinações para a suspensão de cultos e missas foram interpretadas por algumas lideranças como um ataque à liberdade religiosa. 

A pesquisa resultante da parceria ISER / Data_Labe  aponta que após anos de protagonismo dos adeptos de religiões de matriz africana entre as vítimas de intolerância religiosa no Brasil, dados do Disque 100 indicam que cristãos passaram a ser maioria entre os denunciantes no canal, a partir do segundo semestre de 2020, quando o instrumento esteve sob o comando da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos Damares Alves. Diante desse quadro, ISER e Data_Labe apresentaram dados e opiniões sobre como a ascensão de fundamentalistas religiosos na política nacional durante o governo de Jair Bolsonaro pode ter contribuído para a mudança nos dados existentes até então.

A média de registros de denúncia de intolerância religiosa entre o segundo semestre de 2020 e o primeiro semestre de 2022 indica 46% de fiéis do segmento cristão católico, 30% de cristãos evangélicos, 12% que apontaram não ter religião, 6% que indicaram a opção “outras”, 3% de espíritas, e 2% de afrorreligiosos. 

O cenário é bem diferente do período compreendido entre 2011 e o primeiro semestre de 2018, como consta na reportagem Terreiros na Mira, lançada, em 2019, pela associação jornalística Gênero e Número e pelo Data_Labe. Naquela análise, cerca de 60% das denúncias sobre intolerância religiosa recebidas pelo Disque 100 eram referentes a seguidores de religiões de matriz africana. 

Cristãos também eram minoria no último levantamento nacional e oficial produzido pelo governo federal. O Relatório sobre Intolerância e Violência Religiosa no Brasil (2011-2015), realizado pela Assessoria de Direitos Humanos e Diversidade Religiosa – ligada à Secretaria Especial de Direitos Humanos do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos – foi lançado em 2017 e apontava que 33% das vítimas não tinham sua religião identificada. Em segundo lugar, com 27%, estavam cidadãos que professam as religiões de matriz africana, seguidos por evangélicos com 16% e católicos com 8%. 

Terraplanismo 

Terraplanismo, segundo o Dicionário dos Negacionismos (2022), é um termo anticientífico e negacionista utilizado para defender a noção de que a Terra é plana. É uma teoria conspiratória baseada em algumas passagens da Bíblia, em dados sem comprovação científica e na imaginação de promotores da noção, cultivada por adeptos.

Imagem: reprodução do Twitter

O jornalista científico Javier Salas explica que negar o formato esférico da Terra é o caso mais extremo de um fenômeno que define a nossa época: desconfiar dos dados, enaltecer a subjetividade, rejeitar o que nos contradiz e acreditar em falsidades: 

Apenas 66% dos jovens de 18 a 24 anos nos Estados Unidos têm plena certeza de que vivemos em um planeta esférico (76% na faixa de 25 a 34 anos). Trata-se de um fenômeno global, também presente no Brasil, que costuma ser motivo de piada. No entanto, quando observamos os mecanismos psicológicos, sociais e culturais que levam as pessoas a se convencerem dessa gigantesca conspiração, descobrimos uma metáfora perfeita que resume os problemas mais representativos de nossa época. Embora pareça medieval, é muito atual.

Uma pesquisa do Instituto Datafolha, de 2019, mostrou que uma parcela de 7% dos brasileiros acredita que o formato da Terra é plano – cerca de 11 milhões de pessoas.. O levantamento foi realizado com 2.086 entrevistados maiores de 16 anos, em 103 cidades do país. Entre os entrevistados,  90% declararam crer que a Terra seja redonda e o restante disse não saber sua forma. 

Segundo a pesquisa, a crença de que a Terra é plana corresponde à baixa escolaridade: 10% das pessoas que deixaram a escola após o ensino fundamental defendem o chamado terraplanismo. O número diminui entre os que estudaram até concluir o ensino médio (6%) ou superior (3%).

Na pesquisa Datafolha, de forma similar ao que ocorre nos Estados Unidos, o recorte por idade também revelou uma propensão ligeiramente maior à crença entre os jovens no Brasil. Abaixo de 25 anos, 7% creem na Terra plana, e o número cai para 4% na faixa entre 35 e 44 anos. O terraplanismo é mais popular, porém, entre aqueles brasileiros acima dos 60 anos —11% adotam a crença.

No Brasil ainda não há dados sobre quando o terraplanismo surgiu. O desenvolvedor web Danilo Wiener, 43 anos, é um dos coordenadores do movimento Terra Plana Brasil. Matéria da Folha de S. Paulo informou que, como hobby, ele costuma fazer experimentos de observação do oceano buscando mostrar que ele não possui curvatura. 

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Bereia classifica as notícias sobre o vandalismo contra a capela católica em Araras(SP), como imprecisas. A igreja foi, de fato, invadida, depredada e pichada com frases que expressam intolerância religiosa e teorias da conspiração que defendem o formato plano da Terra. Porém, não é possível afirmar que “terraplanistas” foram os responsáveis, tomando por base apenas os textos pichados nas paredes da capela. Apenas a investigação da Polícia Civil de São Paulo poderá apontar o perfil dos autores/as do ataque. 

Além disso, atos de intolerância religiosa contra igrejas,  praticado por “terraplanistas”, ou seja, adeptos de uma teoria da conspiração que tem vínculos com outras noções relacionadas à grupos extremistas são incomuns. Portanto, as ações que envolvem este caso podem ter outros objetivos. 

Bereia também chama a atenção para o transbordamento de teorias da conspiração expostas em mídias sociais digitais e de discursos de ódio para o “mundo real”, transformando retórica, teorias conspiratórias e ideias extremistas em combustível para atos violentos.

Referências de checagem:

Metrópoles. https://www.metropoles.com/sao-paulo/capela-e-invadida-e-pichada-com-frases-terraplanistas-em-sp Acesso em 04 MAI 2023 

El País. 

https://brasil.elpais.com/brasil/2019/02/27/ciencia/1551266455_220666.html Acesso em 04 MAI 2023 

https://brasil.elpais.com/brasil/2018/08/06/opinion/1533562312_266402.html Acesso em 04 MAI 2023 

Diocese de Limeira. https://diocesedelimeira.org.br/publicacoes.php?id=4700 Acesso em 04 MAI 2023 

Outras Palavras. https://outraspalavras.net/crise-civilizatoria/qanon-delirio-como-arma-ideologica-do-capital/ Acesso em 04 MAI 2023 

G1.https://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/noticia/2023/05/02/capela-de-araras-e-vandalizada-e-diocese-repudia-intolerancia-religiosa.ghtml Acesso em 04 MAI 2023  

Religião e Poder. https://religiaoepoder.org.br/artigo/cristofobia/ Acesso em 04 MAI 2023  

Estado de Minas. https://www.em.com.br/app/noticia/diversidade/2023/01/20/noticia-diversidade,1447311/religioes-afro-sao-maior-alvo-de-intolerancia-apesar-de-suposta-cristofobia.shtml Acesso em 04 MAI 2023  

 Data Labe. https://datalabe.org/ Acesso em 04 MAI 2023  

 ISER. https://iser.org.br/ Acesso em 04 MAI 2023   

Genêro e Número https://www.generonumero.media/ Acesso em 04 MAI 2023  

Dicionário dos negacionismos no Brasil. Organização: José Szwako e José Luiz Ratton. Recife, Editora Cepe, 2022. https://www.cepe.com.br/lojacepe/dicionario-dos-negacionismos-no-brasil Acesso em 04 MAI 2023  

Ações da extrema-direita no poder em Israel promovem perseguição a cristãos e outras minorias religiosas

A FEPAL (Federação Árabe Palestina do Brasil) reproduziu em sua página do Instagram notícia publicada originalmente pelo Vatican News que chama a atenção para o  “potencial agravamento das já severas restrições ao Cristianismo em Israel, que poderá levar, por nova lei, à prisão de quem pregar a fé cristã”, no que seria  mais uma “ofensiva anticristã do regime racista israelense”. 

Nesse mesmo portal, diz que os “proponentes da norma são dois membros do Knesset, Moshe Gafni e Yaakov Asher, próximos à ala judaica ultra-ortodoxa e membros do Judaísmo da Torá Unida.” O texto, cujo título “Proibição de solicitação de conversão religiosa”, modificaria a lei penal israelense de 1977, onde a pena chegaria a até “um ano de prisão”, se tratando de tentativa de “conversão”, cuja pena se elevaria a dois anos, em caso de menoridade.

De fato, a lei impede qualquer forma de evangelização na Terra Santa, das práticas de evangelismo já conhecidas, até publicações e compartilhamentos de conteúdos midiáticos.

Imagem: reprodução do Instagram

A situação dos cristãos em Israel

Bereia checou as informações e verificou que a situação política em Israel piorou a vida dos cristãos no berço do Cristianismo. Para compreender como Israel chegou a esta posição extremista e de perseguição, Bereia apresenta um retrato do parlamento do país, a coalizão que sustenta o primeiro ministro no poder, as conexões com o Brasil e o histórico de aliança com os EUA, país de maioria protestante.

Netanyahu e sua coalizão de extrema-direita

O Likud, partido de direita liderado por Netanyahu, foi o grande vencedor das eleições de 1º de novembro de 2022. O resultado da eleição geral de novembro, a quinta realizada no país em menos de quatro anos, levou à formação do governo mais à direita da História de Israel. No pleito, o bloco de forças próximas a Netanyahu ficou com o total de 64 das 120 cadeiras da Knesset, o Parlamento israelense, com 32 para o seu partido, o Likud; 18 para os partidos ultraortodoxos Shas e Judaísmo Unido da Torá; e o recorde de 14 assentos para os representantes do Sionismo Religioso.

Imagem: o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu,
no Fórum Econômico Mundial / Flickr WEC

A partir de então, o governo preparou uma grande reforma judicial – que ainda deve passar por votação no Parlamento, e enfrenta protestos pelo país, – e de acordo com diversos especialistas, coloca em risco a democracia no país. Dentre as medidas propostas, encarrega o partido que está no poder da nomeação de juízes e permite ao Parlamento anular decisões da Suprema Corte por uma maioria simples de 61 votos. Assim, deixará para o Legislativo controlado por radicais religiosos e de direita a decisão final sobre leis que prejudicam direitos da minorias religiosas, da imprensa e da comunidade LGBTQIA+.

Yuval Noah Harari: “Israel pode se tornar uma teocracia messiânica”

O professor Yuval Noah Harari, um dos pensadores mais importantes da atualidade, explica que a fundação de Israel, mesmo influenciada pela religião judaica e pela Bíblia, foi um movimento nacional secular e não um movimento religioso, que prometeu liberdade e igualdade para todos os seus cidadãos: cristãos, muçulmanos, ateus. 

“Durante décadas, Israel esteve dividido entre duas visões conflitantes de si mesma — seria uma democracia secular ou uma teocracia messiânica? Agora esse conflito está chegando ao auge. O governo de Netanyahu — que se baseia em uma coalizão de extrema direita de forças messiânicas — está tentando destruir a democracia israelense. Se vencer, se conseguir, transformará a natureza de Israel, do povo judeu e até da religião judaica. O judaísmo israelense se tornará uma seita messiânica intolerante que usa a violência para defender a supremacia judaica. Isso criará uma divisão com comunidades judaicas mais liberais em outras partes do mundo, destruirá a unidade do povo judeu, trará infâmia à religião judaica e incendiará todo o Oriente Médio. As forças seculares e democráticas em Israel estão fazendo tudo o que podem para impedir esta catástrofe histórica e salvar a democracia israelense”.

Michel Gherman: a tentativa de colonização do judaísmo pelo bolsonarismo

Pesquisador do Centro de Estudos do Antissemitismo da Universidade Hebraica de Jerusalém e assessor acadêmico do Instituto Brasil-Israel, Gherman explica que, para além do uso de Israel como inspiração para a extrema-direita, há ligações concretas também entre o bolsonarismo e a comunidade judaica brasileira, na formação de uma espécie de comunidade conservadora.

Uma Israel branca e fortemente armada. Uma muralha contra o Islã, os movimentos LGBTQIA+ e o avanço de culturas que contrariem o fundamentalismo religioso. Ultra capitalista, cristã e militarizada. Essa é a “Israel imaginária”, não necessariamente uma leitura ampla sobre a realidade do país, é definida pelo historiador Michel Gherman, autor do livro “O não judeu judeu: A tentativa de colonização do judaísmo pelo bolsonarismo”, como um modelo cultural que foi importado pela extrema-direita no mundo, inclusive a brasileira, e apropriado pelo bolsonarismo.

Israel e EUA – aliança histórica

A ocupação do território e posterior criação de Israel foi perpetrada por colonos e não por cidadãos de uma potência europeia que os enviou na sua missão colonizadora e os protegeu. Por esse motivo, ficou claro desde o início para os fundadores do sionismo político que era vital para o seu projeto obter o patrocínio de uma Grande Potência – qualquer que fosse a Grande Potência dominante no Oriente Médio – que lhes proporcionaria um ‘muro de aço”, atrás do qual a colonização sionista poderia prosseguir. Sem esse apoio – a que o discurso sionista inicial se referia como uma “carta” – a colonização da Palestina seria uma colonização ainda não iniciada.

Na década de 1930, as relações entre o movimento sionista e o seu antigo defensor britânico arrefeceram e  um processo de início de um novo vínculo: em vez da Inglaterra-sionismo, EUA-Sionismo – um processo que dependia do fato dos EUA estarem entrando no Oriente Médio como uma potência mundial decisiva.

Minoria Cristã em Israel 

Residentes milenares dessa região, os cristãos palestinos representam 1% da população. Para a maioria, a única saída é emigrar, deixar sua nação. Os que ficam, sofrem com os conflitos que atravessam o território.

No total, 48% dos palestinos cristãos pertencem à Igreja Ortodoxa Grega, 38% à Igreja Católica e os demais pertencem a Igrejas Protestantes, como as presbiterianas e ortodoxas de outros ritos (Síria e Armênia).

Nessas regiões estão alguns dos centros mais importantes de peregrinação de suas crenças religiosas: os lugares onde Jesus nasceu, pregou e morreu, de acordo com o relato bíblico e a tradição cristã.

De acordo com a matéria da BBC, os líderes cristãos da região criticam as ações do governo israelense, como parte de “uma tentativa, inspirada em uma ideologia extremista, que nega o direito de existir a quem mora em suas próprias casas”, como disse o bispo católico Pierbattista Pizzaballa de Jerusalém em uma declaração recente.

Assim, como os cristãos são minoria, essa ameaça velada os coloca em maior risco de desaparecer se o conflito perdurar.

Nesse contexto, a comunidade cristã, especificamente, é afetada por duas razões principais: a primeira, pelo crescente assédio por parte dos colonos israelenses às comunidades cristãs ortodoxas e seus representantes religiosos. Em segundo lugar, porque dos aproximadamente 16 mil cristãos que vivem em Jerusalém, cerca de 13 mil são palestinos.

Visto que a comunidade cristã em Jerusalém é muito pequena, tem um peso simbólico e uma forte presença religiosa, no entanto, sua capacidade de influenciar politicamente o conflito, é limitada.

Outro problema que afeta diretamente os cristãos que residem nos territórios palestinos, é o impacto sobre o turismo, atividade que envolve a maioria dos cristãos.

O governo de Israel é quem regula o turismo, assim é também ele, que determina quem entra, quem sai, os itens de consumo, chegando até a segmentar a vacinação contra o coronavírus, que nos territórios palestinos está em fase inicial.

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Bereia conclui que é verdadeiro o conteúdo divulgado pelo site católico  Vatican News que aponta o recrudescimento da perseguição a minorias religiosas por Israel, o que inclui cristãos palestinos. Tal ação resulta tanto de projetos de lei do Parlamento como de ações do governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. A reforma proposta pelo governo israelense, caso aprovada, coloca em risco não só a permanência de minorias religiosas no país como suas próprias instituições democráticas. 

Referências de checagem:

Federação Árabe-Palestina do Brasil. https://fepal.com.br/ Acesso em: 17 abr 2023 

Vatican News.

https://www.vaticannews.va/pt/mundo/news/2023-03/israel-shomali-lei-anti-evangelizacao-viola-liberdade-conscienci.html Acesso em: 17 abr 2023  

https://www.vaticannews.va/pt/mundo/news/2023-03/israel-shomali-lei-anti-evangelizacao-viola-liberdade-conscienci.html Acesso em: 17 abr 2023  

Yuval Noah Harari. https://www.ynharari.com/pt-br/ Acesso em: 17 abr 2023 

Folha de S. Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2022/12/netanyahu-forma-coalizao-para-voltar-ao-poder-em-israel.shtml Acesso em: 17 abr 2023  

Instituto Humanitas Unisinos.

https://www.ihu.unisinos.br/categorias/626764-israel-para-os-cristaos-a-situacao-esta-piorando-a-direita-religiosa-nao-fala-conosco Acesso em: 17 abr 2023  

https://www.ihu.unisinos.br/categorias/627298-conferencia-internacional-debate-o-uso-de-israel-como-modelo-cultural-pela-extrema-direita Acesso em: 17 abr 2023

https://www.ihu.unisinos.br/categorias/626764-israel-para-os-cristaos-a-situacao-esta-piorando-a-direita-religiosa-nao-fala-conosco Acesso em: 17 abr 2023 

UOL. https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2022/09/08/por-que-eventos-bolsonaristas-tem-bandeiras-de-israel.htm Acesso em: 17 abr 2023  

O Globo.

https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2022/12/netanyahu-consegue-maioria-e-liderara-governo-mais-de-extrema-direita-da-historia-de-israel.ghtml Acesso em: 17 abr 2023  

https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2023/04/movimentos-de-extrema-direita-pelo-mundo-estao-conectados-diz-professor-israelense.ghtml Acesso em: 17 abr 2023  

https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2023/04/em-israel-tentam-evitar-a-catastrofe-e-salvar-a-democracia-diz-autor-de-best-sellers.ghtml Acesso em: 17 abr 2023  

G1. https://g1.globo.com/mundo/noticia/2014/07/g1-explica-o-que-e-sionismo-judaismo-e-antissemitismo.html Acesso em: 17 abr 2023   

Agência Pública. https://apublica.org/2023/03/como-a-extrema-direita-brasileira-se-apropriou-de-simbolos-judaicos/  Acesso em: 17 abr 2023 

VEJA. https://veja.abril.com.br/mundo/perseguicao-onde-os-cristaos-sao-vitimas-de-opressao-e-violencia/ Acesso em: 17 abr 2023  

Brasil de Fato. https://www.brasildefato.com.br/2021/05/19/pesquisador-explica-conflito-entre-israel-e-palestina-nao-e-um-conflito-religioso Acesso em: 17 abr 2023  

BBC.

https://www.bbc.com/portuguese/articles/c03k6wr202eo Acesso em: 17 abr 2023  

https://www.bbc.com/portuguese/internacional-57143976  Acesso em: 17 abr 2023  

https://www.google.com/amp/s/www.bbc.com/portuguese/internacional-57143976.amp Acesso em: 17 abr 2023   

Outras Palavras. https://outraspalavras.net/geopoliticaeguerra/israel-e-eua-parceiros-na-geopolitica-da-barbarie/Acesso em: 17 abr 2023  

Youtube.

https://www.youtube.com/watch?v=SY2eNW6n0po Acesso em: 17 abr 2023  

https://www.youtube.com/watch?v=Olx3rZtUbug Acesso em: 17 abr 2023  

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Foto de capa: Flickr World Economic Forum

Deputado evangélico usa Bíblia em material falso de campanha para impedir projeto de lei

* Matéria atualizada às 10:25 e às 11:09 de 26/04/2023 e às 9:49 de 27/04/2023 para acréscimo de informações e às 23:36 para correção de link; e às 12:26 de 02/05/2023 para acréscimo de informações

Por conta da votação de um requerimento de urgência na Câmara Federal nesta terça-feira, 25 de abril, passaram a circular nas redes digitais uma série de conteúdos desinformativos referentes à matéria que o compõe: o projeto que regulamenta a atividade das mídias sociais no país, para o enfrentamento da ampla circulação de fake news, que prejudicam situações de interesse público e acionam ódio e violência.

Trata-se do Projeto de Lei 2630/2020, do senador Alessandro Vieira (PSDB-SE), popularmente denominado PL das Fake News. O PL já foi aprovado no Senado, em 2020, e foi enviado naquele ano para a Câmara, seguindo o protocolo de aprovação de leis, e lá se encontrava parado há três anos.

Unindo-se a outros parlamentares que se manifestam contra a votação do PL, o deputado evangélico, vinculado à Igreja Batista, ex-procurador do Ministério Público Federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR), publicou na segunda, 24 de abril, postagem em suas mídias sociais que chamou a atenção pelo uso de textos bíblicos, em tom de pânico, tendo como alvo os cristãos:

Imagem: reprodução do Twitter
Imagem: reprodução do Twitter

O Projeto de Lei 2630/2020, a chamada Lei das Fake News

O PL 2630/2020, de autoria do senador Alessandro Vieira (PSDB/SE, na época do Cidadania) institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Segundo o texto, relatado pelo senador Ângelo Coronel (PSD-BA), então presidente da extinta Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News, uma vez aprovado,

“Estabelece normas relativas à transparência de redes sociais e de serviços de mensagens privadas, sobretudo no tocante à responsabilidade dos provedores pelo combate à desinformação e pelo aumento da transparência na internet, à transparência em relação a conteúdos patrocinados e à atuação do poder público, bem como estabelece sanções para o descumprimento da lei”.

Esta ementa demonstra que a proposta diz respeito não à censura, mas à regulação da responsabilidade das plataformas de mídias digitais (provedores) para impedir a farta propagação de desinformação, com transparência dos processos de filtragem e transparência dos processos de monetização, em especial quanto a conteúdo maldoso patrocinado. A busca de regulação dos espaços digitais é uma demanda internacional, e vários países no mundo discutem este processo.

Segundo carta aberta sobre o tema, da Coalização Direitos na Rede (CDR), da qual faz parte a Rede Nacional de Combate à Desinformação (RNCD), integrada por vários projetos e coletivos, entre eles o Bereia, e atua em defesa dos direitos digitais,

“A Internet é essencial para a vida em sociedade, especialmente no que tange ao debate público e à participação política. Mas uma série de transformações nesse espaço, a exemplo da concentração de poder econômico e político das plataformas digitais e da utilização delas em campanhas de desinformação, tem gerado preocupações e levado à criação de novas regras em todo o mundo, a fim de proteger os direitos humanos das pessoas que usam a Internet, evitar a concentração de poder e a degradação da esfera pública”.

A CDR explica que o PL 2630 é um projeto que vem sendo debatido há mais de três anos, e se forem considerados somente os debates realizados no âmbito do Grupo de Trabalho Aperfeiçoamento da Legislação Brasileira – Internet (GTNET) na Câmara dos Deputados,

“foram realizadas 27 reuniões técnicas, incluindo 15 audiências públicas onde mais de 150 especialistas de diversos setores e áreas foram ouvidos. Além disso, a proposta ganhou mais centralidade diante das preocupações que cresceram, especialmente no contexto das eleições e na tentativa frustrada de golpe no 8 de janeiro, quando restou nítida a insuficiência da ação das plataformas digitais para conter a desinformação e os ataques à democracia. Esta conjuntura demonstra que a proteção da democracia e dos direitos humanos no ambiente digital necessita pactuação de novas ações e regras para enfrentar esses novos desafios”.

O CDR alerta que depois do 8 de janeiro e a crise de segurança das escolas, as empresas de tecnologia que dominam o mercado das mídias digitais (como Google/Alphabet, Amazon, Apple, Facebook/Meta e Microsoft, as chamadas Big Techs), querem adiar o debate e ganham, como aliados, indivíduos e grupos do cenário político, que lucram com a propagação de desinformação e de ações violentas decorrentes.

Segundo a coordenadora da RNCD Profa. Ana Regina Rego, “o relator do PL 2630/20 na Câmara Federal deputado Orlando Silva (PCdoB- SP), afirmou em entrevistas recentes que o PL absorveu sugestões que vieram do Governo e que tem como inspiração a lei dos Serviços Digitais da União Europeia (Digital Service Act- DSA) tais como: a ideia do dever de cuidado a partir das plataformas, a questão da análise de risco sistêmico, a criação de auditorias independentes, obrigações legais de transparência e criminalização do mercado da desinformação”. 

A Profa. Ana Regina Rego acrescenta que o Ministério da Justiça tem defendido a responsabilização civil das plataformas pelos danos causados por conteúdo gerado por terceiros (ou seja, elas seriam responsáveis pelo que permitem tornar público), porém isto “contraria o Artigo 19 do Marco Civil da Internet, que reza que as plataformas não podem ser responsabilizadas por tais conteúdos, a não ser se descumprirem decisões judiciais”. A coordenadora da RNCD explica que este é mais um ponto polêmico em discussão no governo, no Congresso, no STF e nas instituições da sociedade civil que acompanham de perto as questões vinculadas a regulação das plataformas e combate à desinformação no Brasil.

A CDR, que reúne 50 instituições e organizações da sociedade civil e da academia, lançou um documento em que chama atenção para dez pontos a serem considerados no processo de debate e de aprovação do PL 2630 para superação de divergências.

Imagem: Divulgação da CDR nas mídias sociais

O requerimento de urgência

Desde 2020 travado na Câmara Federal, em março de 2022, o PL ganhou nova versão do relator deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), mas teve suas expectativas de aprovar o projeto antes das eleições presidenciais frustradas quando a Câmara rejeitou o regime de tramitação com urgência. 

O requerimento de urgência foi apresentado tendo em vista as medidas demandadas por conta de episódios violentos, como os assassinatos em escolas, alguns praticados por menores de idade, e vem se intensificando nos últimos meses incentivados por extremistas organizados nas mídias digitais. Os ataques golpistas contra a democracia do Brasil, concretizados em 8 de janeiro passado, também impulsionaram o projeto de lei.

O requerimento de urgência acelera a tramitação do texto, sem que ele passe por comissões e seja avaliado diretamente em plenário. A previsão é que o plenário da Câmara vote o mérito do PL em 2 de maio. Caso seja aprovado pelos deputados, o texto passará por uma votação no Senado, que dará a palavra final sobre o texto.

Políticos notadamente identificados como propagadores de desinformação (conteúdo falso, popularmente denominado fake news, mas também enganoso, impreciso e inconclusivo, como Bereia tem apresentado em suas checagens), desde a apresentação do requerimento de urgência no início da atual legislatura da Câmara Federal, têm publicado material falso e enganoso contra a lei. Entre estes estão vários deputados com identidade religiosa, como Deltan Dallagnol.

Oposição ao PL das Fake News com mentiras

Matéria da Agência Pública, deste 24 de abril, apresenta estudo, obtido com exclusividade, do Laboratório de Estudos de Internet e Mídias Sociais (NetLab) da UFRJ, que buscou identificar como o PL das Fake News “tem sido alvo de desinformação nas diferentes plataformas”. A partir de publicações no Twitter, WhatsApp, Telegram, Facebook, Instagram, Youtube, TikTok e veículos de propagação de fake news (Jornal da Cidade, Gazeta do Povo, Revista Oeste e Jovem Pan), entre 26 de março de 16 de abril passados. Foram identificadas duas noções falsas propagadas nestes espaços e replicadas por seguidores e simpatizantes: “O PL 2630 favorece os grandes grupos de mídia”, no caso para manter o monopólio da grande imprensa que “favoreceu Lula”; e “Lula usa tragédias como pretexto para censura”, o que significa dizer que o PL 2630 seria uma lei de censura.

Imagem: Reprodução da Agência Pública – post no Telegram da deputada Carla Zambelli (PL-SP)

A reportagem ouviu a professora doutora em Ciência da Informação Rose Marie Santini, uma das autoras do estudo, que explica que tais noções são mais um grupo de mentiras produzidas pela extrema-direita. “Não são críticas consistentes. As [críticas] que eles fazem, como ‘a rede social é o último refúgio da oposição’, ‘esse PL é um instrumento de dominação da esquerda’, ou ‘é uma forma de censura’ são completamente sem cabimento. A gente tem outras críticas, críticas técnicas, mas não essas. Críticas conceituais de uma PL e de uma regulamentação em si. Eles [os deputados e grupos da extrema-direita] não estão entrando de verdade na discussão, eles estão criticando conceitualmente a ideia de se regulamentar e não o que está se regulamentando”, declarou à Agência Pública. 

Segundo o estudo apresentado na matéria, “parlamentares da extrema-direita como Flávio Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro, Carla Zambelli, Gustavo Gayer e Mário Frias e influenciadores como Leandro Ruschel, Elisa Brom e Kim Paim se destacam como principais porta-vozes da campanha contra o PL 2630 nas diferentes plataformas”. O texto acrescenta que o Partido Novo e seus filiados também se destacam por terem proposto um Projeto de Decreto Legislativo para derrubar o PL.

A Bíblia como instrumento da mentira de Deltan Dallagnol: biblistas avaliam

O deputado Deltan Dallagnol (Podemos-PR), eleito em 2022 com base nas pautas da extrema-direita, chamou a atenção neste grupo de propagadores de conteúdo falso contra o PL 2630 por conta do uso da Bíblia para atingir o público cristão.

Membro da Igreja Batista em Curitiba, Dallagnol lançou mão de seu conhecimento de textos bíblicos que tocam em pautas atraentes para a atenção de grupos cristãos – a moralidade sexual, a defesa da família e a suposta ameaça da perseguição por governos identificados com a esquerda – para buscar apoio de fiéis católicos e evangélicos à oposição ao projeto de lei de enfrentamento das fake news.

Segundo o ex-procurador, a aprovação da nova lei, que ele chama de “PL da Censura” deve ser impedida pois “até a fé será censurada” e coloca como exemplos “alguns versículos [que] serão banidos das redes sociais. O deputado passa a listar uma série de versículos e trechos de livros bíblicos do Antigo e do Novo Testamentos que seriam, no seu entender, banidos da rede, sob a vigência da lei.

Como verificado acima, o deputado apresenta argumento falso porque o PL 2630 não tem caráter de censura. Em primeiro lugar, porque o alvo da lei é a regulação das plataformas de mídias para que sejam responsabilizadas especificamente por conteúdo danoso na forma de desinformação e violência estimulada. Em segundo, porque tal característica o tornaria inconstitucional, dadas as garantias da Constituição Federal à liberdade de opinião e de expressão (Artigo 5º, incisos IV e IX). Isto está explicitado em vários trechos do documento, em especial no artigo 6º, cuja reprodução do capítulo II do Projeto de Lei circula amplamente em mídias sociais há dias para contrapor a noção de censura, falsamente propagada pela extrema-direita, como o estudo do Netlab-UFRJ mostra.

Imagem: Reprodução de publicações em diversas mídias sociais

Bereia ouviu dois estudiosos da Bíblia pra uma avaliação do discurso do deputado Deltan Dallagnol. Um deles é o Prof. Dr. Marcelo Carneiro, pesquisador do Cristianismo Primitivo e professor de Novo Testamento da Universidade Metodista de São Paulo (MEC).

Para ele, “Dallagnol faz um recorte da Bíblia, no mínimo grosseiro. Os textos que ele usa variam de tema: alguns condenam a homossexualidade, outros reforçam a autoridade do homem sobre a mulher, alguns falam da punição que os pais devem exercer sobre as crianças. Em todos os casos, esses textos já são foco de debate intenso, que precisam ser contextualizados cultural e historicamente, e não podem ser aplicados literalmente. Isso já é ponto passivo de discussão até mesmo em igrejas conservadoras.”

Carneiro continua: “Por exemplo, ele cita Levítico 20.10 e 13: são ordens de uniões proibidas que devem ser punidas com a morte. Será que o nobre político deseja que se crie a pena de morte para tais atitudes, como o adultério? Por outro lado, ao citar Deuteronômio 22.28-29, ele está insinuando que um casal que fizer sexo terá que casar obrigatoriamente?”

O biblista da UMESP, que atua a partir do contexto evangélico, admite que “os textos que ele diz serem passíveis de censura já são controversos mesmo no debate interno das igrejas cristãs, e alguns foram abandonados por serem considerados inaplicáveis em nosso tempo. Nenhum deles está na categoria que podemos chamar mandamentos éticos, ou seja, que tenham valor universal e atemporal. São textos morais, cuja limitação se coloca no tempo e no espaço onde foram elaborados. Nem mesmo Israel aplica de forma direta os textos citados acima. E o Novo Testamento, que tem centenas de textos que colocam as mulheres em igualdade com os homens, é resumido a dois ou três textos que as colocam submissas aos homens, proibidas de ensinar e sem qualquer autoridade”.

Marcelo Carneiro alerta que “isso não condiz com as práticas e ensinos de Jesus, e nem mesmo do apóstolo Paulo. O único texto que cita de Jesus, Mateus 10.34-36, é o que fala da família dividida por causa do evangelho. Talvez seja o único que cabe para nossos dias, diante das divisões que as famílias tiveram que enfrentar, devido à situação política do país e as muitas mentiras que envenenaram os debates sobre política”.

O professor questiona: “Mais uma vez, a Bíblia é usada de forma recortada, fora de seu contexto, com o fim de embasar certos discursos. O campo conservador acusa o campo progressista de fazer isso, mas usa do mesmo artifício. A questão é: com que fim se faz o recorte? Que aspecto ético está sendo levado em conta? Citar a Bíblia sem contextualizar adequadamente os textos é, na opinião de qualquer estudioso sério, ato de má-fé”.

Já o biblista Doutor Honoris Causa em Ciências das Religiões, pela Universidade Federal da Paraíba, Marcelo Barros reconheceu ter dificuldade com o tema: “Não sei se compreendi bem o problema e a denúncia de censurarem a Bíblia nas redes sociais. Não compreendi bem como fariam isso, nem de que forma. Menos ainda o que isso tem a ver com o Congresso Nacional. Em um momento no qual estamos tentando de todos os modos, retomar o caráter laical do Estado, como entrar nesse tipo de discussão? Dá a impressão de que nos impõem uma pauta para obstruir o processo da laicidade reconquistada. E fazem isso usando de versos que amamos e que são força para nós e, sim, versos de fato problemáticos e que são sempre usados por eles, conservadores, fundamentalistas (que a mulher deva ser submissa ao marido, que homem que dorme com outro seja excluído da comunidade e morto, que os servos obedeçam a seus senhores, etc). É estranho isso, ao menos para alguém que vê de fora como eu”.

Marcelo Barros também vê dificuldade em comentar o assunto exegeticamente: “porque se fosse para ser coerentes naquilo que eles dizem estar defendendo, haveriam de ser cancelados vários capítulos do livro do Levítico e não apenas um verso. Teriam de cancelar todo um texto do capítulo 3 de Colossenses e não apenas aquele citado”.

O biblista católico avalia que “mesmo sem entrar no detalhe da exegese de cada texto proposto relacionado à campanha contra a PL 2630, podemos concluir que não há sentido em destacar esses textos do conjunto da Bíblia como se esta fosse um livro a-histórico e fora da realidade. A fidelidade à Palavra de Deus pede que compreendamos como a revelação divina é evolutiva e, portanto, não seria honesto querer se deter em um momento da revelação sem ver como a partir do Cristo tudo o que era passado pode ser visto à luz da ressurreição”.

Em notícia de última hora, o colunista do jornal Metrópoles, Guilherme Amado, revelou que lobistas da empresa Meta (controladora do Facebook, do Instagram e do WhatsApp) entregaram a deputados evangélicos um documento com a tese de que o PL 2630/20 poderia censurar versículos bíblicos. A Meta negou a acusação.

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Bereia verificou as afirmações do deputado batista Deltan Dallagnol, em postagem de conteúdo contrário à votação do PL 2630, e conclui que são falsas. Não há qualquer base factual ou documental para se atribuir ao projeto de lei o caráter de censura, muito menos em relação uma seleção de textos da Bíblia que são usados para embasar certos temas referentes à moralidade religiosa cristã e à compreensão de família. O deputado recorre ao discurso alarmista da censura e da perseguição a cristãos que vem sendo usado para convencer pessoas das igrejas a aderirem a pautas da extrema-direita em processos eleitorais e para interferirem em temas de interesse público, como o enfrentamento da desinformação, do ódio e do extremismo pelas plataformas digitais. Bereia já alertou leitores e leitoras sobre tais discursos falsos e enganosos em várias matérias.

Bereia também chama a atenção para a contribuição dos estudiosos da Bíblia que alertam leitores e leitoras para o uso irresponsável e desonesto dos textos cristãos sagrados para instrumentalização política e para mentir.

Referências de checagem:Senado Federal. https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/141944 Acesso em: 26 abr 2023

Rede Nacional de Combate à Desinformação

https://rncd.org/ Acesso em: 26 abr 2023

https://rncd.org/comentarios-sobre-regulacao-das-plataformas-e-combate-a-desinformacao-no-brasil/Acesso em: 26 abr 2023

Câmara dos Deputados.

https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2305033 Acesso em: 26 abr 2023

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2256735 Acesso em: 27 abr 2023

Direitos na Rede. https://direitosnarede.org.br/2023/04/12/a-democracia-brasileira-deve-assumir-um-papel-ativo-na-regulacao-das-plataformas-digitais/ Acesso em: 26 abr 2023

Jusbrasil. https://www.jusbrasil.com.br/noticias/se-aprovado-na-camara-o-requerimento-de-urgencia-o-pl-2648-podera-ser-aprovado-ainda-hoje-04-04/327222000 Acesso em: 26 abr 2023

Agência Pública. https://apublica.org/2023/04/bolsonaristas-planejaram-nas-redes-um-movimento-de-boicote-a-pl-das-fake-news/?utm_source=twitter&utm_medium=post&utm_campaign=boicoteplfakenews Acesso em: 26 abr 2023

Metropoles. https://www.metropoles.com/colunas/guilherme-amado/lobistas-do-facebook-espalharam-que-pl-das-fake-news-censura-religiao Acesso em: 27 abr 2023

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Foto de capa: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Panfleto político-religioso promove desinformação entre igrejas

Bereia recebeu pedido de checagem de um panfleto com conteúdo político que circulou na Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) no município de Francisco Morato (SP). O texto, intitulado “Propostas que afrontam os valores cristãos”, foi distribuído aos fiéis e não traz menção à denominação religiosa ou assinatura.

O texto se propõe a enumerar “apenas alguns projetos” em tramitação no Congresso Nacional, nas Assembleias Legislativas, nas Câmaras Municipais ou no Poder Judiciário, e que vão de encontro aos “valores cristãos”, tendo como alvos principais a família, a escola e a igreja. Na lista de projetos estão: 

  • “Ideologia de gênero”
  • Mudança de sexo em crianças e adolescentes
  • Lei anti-homofobia
  • Liberação da maconha
  • Famílias do século XXI
  • Programas religiosos na televisão
  • Limite sonoro nas igrejas

Bereia checou, ponto a ponto, os temas mencionados e o que se sabe sobre cada um.

Imagem: foto do panfleto distribuído, enviado por leitora

“Por exemplo, no Supremo Tribunal Federal, a ideologia de gênero nas escolas é tratada pela recente Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5568. Ela modificou o Plano Nacional de Educação (PNE), Lei nº 13.005/2014, com o intuito de obrigar escolas públicas e particulares a tratarem crianças de acordo com o gênero ao qual se identificam.

Mas esse não é o único projeto absurdo. Imagine você que, após todo esse ensino que eles promovem na escola, a criança comece a achar que ela nasceu com o sexo errado e queira mudar, você como pai vai se colocar contra isso porque sabe que aquilo não é uma ideia do seu filho, mas algo que foi implantado nele”.

“Ideologia de gênero”

O panfleto menciona  “ideologia de gênero” e apresenta a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.568, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), para argumentar que escolas serão obrigadas a respeitar o gênero com o qual cada criança se identifica. 

Ao contrário do que o texto afirma, não se trata de um “projeto” de ensino a ser promovido nas escolas. A ADI nº 5.568 foi ajuizada em 2017, na busca de que o STF reconhecesse o dever constitucional das escolas de coibir o bullying homofóbico e de respeitar a identidade de pessoas LGBT no ambiente escolar.

A justificativa para a ação está na Lei 13.005/2014 – Plano Nacional da Educação – que em seu art. 2º traz como diretriz a superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação.

O panfleto omite que, ao final de novembro de 2020, após articulação da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) com a Frente Parlamentar Evangélica, o STF retirou a ação da pauta. Desde então, não houve movimentação desta ADI.

Conforme Bereia já publicou, a  noção de “ideologia de gênero” tem sido utilizada como estratégia discursiva e arma política e foi um dos temas mais explorados nas eleições gerais de 2022. A ADI nº 5.568, em particular, já foi alvo de desinformação checada por Bereia, em que se verificou a presença de narrativas enganosas em mídias sociais e portais religiosos. 

Mudança de sexo em crianças e adolescentes

O texto que circulou na Iurd afirma que o Projeto de Lei (PL) nº 5.002/2013 busca autorizar crianças e adolescentes a realizarem mudança de sexo, mesmo sem autorização dos pais. Porém,o que o PL busca, na verdade, é reafirmar o direito ao reconhecimento da identidade de gênero de acordo com a vivência individual de cada pessoa. 

A Lei 6.015/1973, sobre registros públicos, já prevê que o nome das pessoas é definitivo, “admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios”. O que o PL 5.002/2013 propõe é que também se admita a substituição do nome em casos de discordância com a identidade de gênero autopercebida.

Quanto às intervenções cirúrgicas de transsexualização, o PL as prevê para pessoas maiores de 18 anos e requer o consentimento informado da pessoa adulta, informação que o panfleto religioso omite. Para menores de 18 anos, a solicitação de intervenção cirúrgica deve ser efetuada através de seus representantes legais e com expressa anuência da criança ou adolescente. 

O panfleto diz que crianças e adolescentes podem realizar mudança de sexo mesmo sem a aprovação dos pais, o que é uma leitura distorcida do projeto de lei. De acordo com o texto do projeto, quando não for possível obter o consentimento dos representantes legais, os menores de idade poderão contar com a assistência da Defensoria Pública. Ou seja, nesse caso há a intervenção, obrigatória, de um órgão do Estado para conduzir o caso, o que não significa, necessariamente, que haverá autorização para a intervenção.

Consta no portal da Câmara dos Deputados que o projeto foi arquivado pela Mesa Diretora em janeiro de 2019, informação que o panfleto religioso também oculta.

Lei anti-homofobia

Segundo o texto que circulou em Franciso Morato, o Projeto de Lei nº 122/2006 busca cercear o direito de expressão, impedindo até mesmo que pais e mães se manifestem em sentido contrário à mudança de sexo em crianças e adolescentes. A informação divulgada é falsa.

Apresentado em 2006, o projeto buscou criminalizar a homofobia, ou seja, a discriminação motivada exclusivamente na orientação sexual ou na identidade de gênero. A ideia era acrescentar à Lei 7.716 – que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor – os crimes contra gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero. 

Trata-se de um projeto que tramitou durante 14 anos no Congresso Nacional, mas que, sem ter alcançado consenso para evoluir, foi  arquivado em 2015 – informação que não consta  no panfleto.

Em 2019, o STF criminalizou a homofobia como forma de racismo, em decisão que não guarda relação com o projeto de lei. Conforme matéria no portal do STF, os ministros da Corte fizeram ressalvas sobre a liberdade de expressão em templos religiosos. Assim, a mera opinião contrária a relações homossexuais não tipifica crime, sendo criminalizada a incitação ou indução da discriminação.

A desinformação sobre a criminalização da homofobia já foi alvo de checagem por Bereia, em que se constatou narrativa enganosa sobre a tipificação do crime e sobre as ressalvas à liberdade de expressão em templos religiosos.

Liberação da maconha

O panfleto religioso diz que o Projeto de Lei 7.270/2014 “abre portas não apenas para a maconha, mas para todos os outros tipos de drogas e males que destroem famílias”. Porém,o que o projeto de lei busca, de fato, é regular a industrialização e comercialização de cannabis (planta que pode produzir substâncias psicoativas, popularmente associada ao termo “maconha”, como exposto pela Fundação Oswaldo Cruz), dispor sobre o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas e criar o Conselho Nacional de Assessoria, Pesquisa e Avaliação para as Políticas sobre Drogas.

Entre outras disposições, o PL obriga o registro, a padronização, a classificação, a inspeção e a fiscalização da produção e do comércio de cannabis. Apenas o plantio, o cultivo e a colheita destinados a consumo individual ou domiciliar ficam isentos dessas obrigações, somente até seis plantas maduras e seis plantas imaturas por indivíduo. 

O projeto esclarece que não há intenção de “liberar” o comércio da maconha, mas regulá-lo, ressaltando que há, atualmente, um cenário em que o comércio dessa e de outras substâncias proibidas por lei está, na prática, liberado. O documento também aponta que milhares de pessoas morrem graças ao cenário atual da política de drogas, com pessoas armadas exercendo a violência ou, quando presas, submetidas a condições desumanas, enquanto o circuito das drogas continua funcionando.

Famílias do século XXI

Em outro trecho, o panfleto que circulou da Iurd de Francisco Morato menciona o PL nº 3.369/2015, conhecido como “Estatuto das Famílias do Século XXI”, e sustenta que tal projeto permitiria o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo e até entre pessoas da mesma família. Trata-se de informação falsa.

O projeto apresentado em 2015, pelo atual deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) não trata de relações sexuais, mas da definição de família para fins legais. Segundo o texto do PL nº 3.369, família seria toda forma de união entre duas ou mais pessoas que se constitua com o intuito de ser uma família e que se baseie no amor e na socioafetividade.

O projeto ressalta que a família assim constituída independe de consanguinidade, gênero, orientação sexual, nacionalidade, credo, raça e inclui filhos e pessoas que sejam consideradas como tal.

O panfleto, sob análise, induz seus leitores a acreditar que há uma permissão a relações incestuosas no projeto de lei, o que não condiz com a realidade. A tramitação do PL pode ser acompanhada neste link.

Programas religiosos na televisão

Outra afirmação presente no panfleto com conteúdo político-religioso é a de que o Projeto de Lei nº 299/1999 limita o tempo de programas religiosos na televisão a, no máximo, uma hora de duração. Porém,o mencionado projeto não guarda qualquer relação com o tema apresentado pelo folheto.

Trata-se, na verdade, de uma proposta de alteração do Código Penal (CP) que propõe que as penas de pessoas condenadas em regime aberto sejam cumpridas em casa de albergado ou prisão domiciliar, entre outras providências também ligadas ao CP.

Em 2022, a Justiça determinou que a Rádio e Televisão Record S/A e a Rádio e Televisão Bandeirantes diminuíssem o tempo televisivo de programas religiosos, conforme noticiado pelo portal UOL. A decisão, no entanto, se justificou pelo limite legal para comercialização de espaço televisivo para programas de qualquer natureza, estipulado em 25%, o que vinha sendo descumprido por essas emissoras.

Limite sonoro nas igrejas

Por fim, o panfleto religioso menciona um projeto de lei que seria benéfico aos “valores cristãos” e que ajudaria na “propagação do evangelho”. O PL 524/2015 estabelece limites para emissão sonora nas atividades em templos religiosos.

O projeto estipula um limite diurno de 85 decibéis em zonas industriais, 80 decibéis em zonas comerciais e 75 decibéis em zonas residenciais, com limite de 10 decibéis a menos para o período noturno (entre 22h e 6h).

Segundo o texto que circulou na Iurd, trata-se de um bom exemplo de projeto de lei, pois permitiria tranquilidade nas atividades religiosas, “sem correr o risco de tomar multas desnecessárias”.

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Bereia considera enganoso o conteúdo checado, com alguns fragmentos de substância verdadeira, mas apresentados para confundir. Em sua maior parte, o panfleto apresenta projetos de lei existentes e que tratam dos temas referidos, porém faltam detalhes importantes que permitam a total compreensão dos fatos. A omissão de informações, como no trecho que menciona a ADI nº 5.568, já retirada de pauta pelo Supremo Tribunal Federal, contribui para a construção de uma narrativa enganosa persistente no mundo religioso.

Além das omissões, em alguns trechos, há informações que não condizem com as fontes oficiais. Em outros, utiliza-se o exagero como estratégia discursiva para sustentar a tese de que há um projeto em curso contra valores cristãos. O fato de o panfleto não conter fonte ou autoria, uma das características comuns a materiais desinformativos como estratégia de propagação, permite a circulação entre diferentes grupos cristãos que se apropriam do conteúdo. A forma como o texto é apresentado instiga julgamentos negativos contra um ente não revelado, mantendo os interlocutores em constante estado de medo e mobilização política.

Referências de checagem:

Portal STF. https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=338927&ori=1 Acesso em: 4 abr 2023

Lei 13.005/2014. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm Acesso em: 4 abr 2023

Anajure. https://anajure.org.br/processos-sobre-teorias-de-genero-e-bullying-homofobico-sao-adiados-julgamentos-sobre-dia-de-guarda-religiosa-sao-reagendados-para-18-11/ Acesso em: 4 abr 2023

Portal STF. https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5148159 Acesso em: 4 abr 2023

Planalto.

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7716.htm Acesso em: 4 abr 2023

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6015compilada.htm Acesso em: 4 abr 2023

Câmara dos Deputados.

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=565315 Acesso em: 4 abr 2023

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1059446&filename=PL%205002/2013 Acesso em: 4 abr 2023

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1237297&filename=PL%207270/2014 Acesso em: 4 abr 2023

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1402854&filename=PL%203369/2015 Acesso em: 6 abr 2023

http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD18MAR1999.pdf#page=240 Aceso em: 6 abr 2023

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1304807&filename=PL%20524/2015 Acesso em: 6 abr 2023

Senado Federal.

https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=3584077&ts=1630421107838&disposition=inline Acesso em: 4 abr 2023

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/01/07/projeto-que-criminaliza-homofobia-sera-arquivado Acesso em: 4 abr 2023

Agência Brasil. https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-06/supremo-decide-criminalizar-homofobia-como-forma-de-racismo Acesso em: 4 abr 2023

G1. https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/06/13/stf-permite-criminalizacao-da-homofobia-e-da-transfobia.ghtml Acesso em: 4 abr 2023

Carta Capital. https://www.cartacapital.com.br/justica/justica-determina-que-record-e-band-diminuam-tempo-televisivo-para-igrejas/ Acesso em: 6 abr 2023

UOL.

https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2023/02/15/maconha-medicinal-x-recreativa-quais-as-diferencas.htm Acesso em: 10 abr 2023

https://www.uol.com.br/splash/noticias/2022/05/24/justica-condena-band-rio-e-record.htm Acesso em: 10 abr 2023

Bereia.

https://coletivobereia.com.br/ideologia-de-genero-estrategia-discursiva-e-arma-politica/ Acesso em: 4 abr 2023

https://coletivobereia.com.br/ideologia-de-genero-e-um-dos-temas-explorados-por-quem-produz-desinformacao-em-espacos-religiosos-nestas-eleicoes/ Acesso em: 4 abr 2023

https://coletivobereia.com.br/acao-proposta-pelo-psol-nao-exige-que-ideologia-de-genero-seja-obrigatoria-nas-escolas/ Acesso em: 4 abr 2023

https://coletivobereia.com.br/site-gospel-desinforma-sobre-indiciado-de-pastor-por-homofobia/ Acesso em: 4 abr 2023

https://coletivobereia.com.br/universidades-publicas-nao-produzem-drogas-em-suas-dependencias/ Acesso em: 4 abr 2023

Site gospel usa vídeo de participante de reunião do PT para alimentar desinformação sobre perseguição a igrejas pelo novo governo

“‘Pastor do Lula’ quer criar escolas progressista de pastores” é o título da matéria publicada, em 12 de novembro, pelo site evangélico Gospel Prime. A matéria se baseia em uma das gravações publicadas no Twitter pelo pastor das Assembleias de Deus Paulo Marcelo Schallemberger, integrante do Núcleo de Evangélicos do Partido dos Trabalhadores (NEPT). As publicações do pastor relatam sua participação em uma reunião realizada, em 11 de novembro, pelo NEPT com lideranças evangélicas, na Sede do Diretório Nacional do PT, em São Paulo. 

Imagem: reprodução do site Gospel Prime

A matéria do Gospel Prime baseou-se em um dos três vídeos publicados no Twitter pelo pastor, no qual ele tem uma fala na reunião. O site evangélico afirma que Paulo Marcelo “aparece no Diretório Nacional do PT ensinando como ocupar as igrejas” e incluiu o vídeo, com 53 segundos de duração, publicado também no perfil do Twitter do veículo com a chamada “’Pastor do Lula’ ensina como ocupar igrejas e enganar pastores”.

Imagem: reprodução do site Gospel Prime

O conteúdo publicado pelo Gospel Prime não contextualiza a fala do pastor, tão pouco a reunião da qual ele participou, e oferece aos leitores e leitoras uma avaliação: “Diante da forte rejeição do eleitor evangélico, o Partido dos Trabalhadores (PT) vem buscando formas de se infiltrar nas igrejas, incluindo a proposta de criar escolas progressistas de pastores, mas se identificar para atrair os líderes evangélicos”.

As publicações do pastor Paulo Marcelo Schallemberger

Paulo Marcelo Schallemberger tem sido alvo de abordagens negativas de lideranças e mídias evangélicas, desde que se apresentou em público, no início de 2022, como construtor de pontes entre o PT e os evangélicos. Ele ganhou o noticiário político nacional, como um líder das Assembleias de Deus participante da campanha eleitoral do ex-presidente Lula e foi o jornal Folha de S. Paulo que lhe atribuiu o apelido “Pastor do PT”, repetido agora pelo Gospel Prime.

Em abril, Bereia checou informações que circulavam em mídias sociais religiosas sobre o pastor, por indicação de leitores e leitoras, que incluíam várias acusações, verificadas como improcedentes. Nas eleições de outubro passado, Pastor Paulo Marcelo se candidatou a deputado federal (Solidariedade/SP), mas não conseguiu ser eleito, e consta no Tribunal Superior Eleitoral como suplente. 

As publicações de Paulo Marcelo em seu perfil no Twitter, nas quais aborda a reunião do
Diretório Nacional do PT, em 11 de novembro, são três, todas com pequenos vídeos de poucos segundos. Em dois deles, o pastor está falando aos presentes –  um foi selecionado para a matéria do Gospel Prime (o terceiro na ordem de postagens):

Imagem: reprodução do Twitter

Imagem: reprodução do Twitter

Imagem: reprodução do Twitter

No primeiro vídeo, Paulo Marcelo oferece sugestões de como o PT deve se comunicar com as igrejas evangélicas e mostrar que elas têm um lugar no programa de governo. Ele explica que a comunicação é fundamental para superar a estratégia de grupos de direita que demonizam as esquerdas e colocam as igrejas como “reféns de maus líderes”. Segundo o pastor, “na verdade não são homens que verdadeiramente seguem a Deus porque se seguissem a Deus não teriam coragem de mentir, sabendo que estão falando uma coisa que é inverdade”. Paulo Marcelo reforça: “Nós [líderes] temos a responsabilidade de mudar isto”.

No segundo vídeo, utilizado para o conteúdo do Gospel Prime, o pastor refere-se ao valor das políticas públicas para que as lideranças ligadas ao novo governo não sejam mais “reféns de Malafaia e de Macedo”. Segundo ele, com políticas públicas atingindo positivamente pessoas que são fiéis de igrejas evangélicas haverá abertura para que as igrejas conheçam “uma palavra de libertação da mentira do fascismo”. Paulo Marcelo segue com a explicação de como fazer:

“Criando escolas progressistas de pastores em todo o Brasil. Não tem as escolas que eles fazem? Levam os pastores lá? São Paulo, Campinas, Curitiba, enfim, Rio de Janeiro, começa com os núcleos nas cidades, a partir das cidades ir às regiões, vai para os estados. Primeiro na escola de Teologia tal tal tal (sic.). Evitar o nome ‘progressista’. Traz primeiro os pastores para depois você falar que precisar se falar pois qualquer frase assusta.. [corte]”.

A reunião com evangélicos progressistas 

Bereia não conseguiu contato com os organizadores da reunião promovida pelo Núcleo de Evangélicos do PT em São Paulo, em 11 de novembro. Para esta matéria, a equipe levantou com  as coberturas da rede de TV CNN e do portal de notícias paulista Poá com acento, que o evento reuniu evangélicos progressistas, ligados a partidos de esquerda, para discutir como contribuir com o processo de transição em curso e com o futuro governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, com foco na questão social. Foram convidados para a reunião pastores, pastoras e deputados federais eleitos que são membros de alguma igreja evangélica. 

Em entrevista, um dos participantes do evento, o pastor coordenador da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, Ariovaldo Ramos, explicou que o evento também teve caráter celebrativo da vitória nas urnas, e da participação de evangélicos na campanha. Os presentes tiveram tempo para discutir como apoiar o governo Lula e trabalhar com a base evangélica, além de também dialogar sobre como as lideranças progressistas poderão garantir um processo de interlocução com o governo Lula. 

Ramos reconhece que houve uma “overdose” de evangélicos no governo Bolsonaro, de uma forma que o pastor considera “errada, pois comprometeu a laicidade do Estado”. Porém, o pastor alerta que não se pode desconsiderar que os evangélicos são uma parcela relevante da população e que há de se dialogar com ela e “trabalhar nas bases e construir uma consciência evangélica”. 

A reunião foi pauta do programa Visão CNN, na edição de 11 de novembro. Na abordagem do canal de TV, o jornalista Leandro Resende afirma que, entre os encaminhamentos, estão o chamado a igrejas pequenas e independentes para atuarem com o governo Lula, sobretudo em projetos de assistência social.  

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Bereia classifica as publicações de Gospel Prime como enganosas. O veículo usa um vídeo postado pelo pastor Paulo Marcelo Schallemberger, em matéria sem apuração sobre o evento e o contexto da fala do pastor. A matéria no site e o tuíte do Gospel Prime atuam para alimentar desinformação fartamente utilizada no período eleitoral para impor medo de que um novo governo Lula representaria uma ameaça às igrejas e a cristãos. 

Ao afirmar que o “pastor está ensinando petistas se infiltrarem em igrejas e enganarem pastores”, o Gospel Prime manipula a informação compartilhada pelo pastor Paulo Marcelo, retirando-a do contexto original. 

A publicação se apresenta como matéria jornalística, porém se configura uma interpretação descontextualizada com a intenção de promover rejeição ao pastor Paulo Marcelo e ao governo do presidente eleito em 30 de outubro entre leitores e leitoras evangélicos.

Bereia afirma o valor de um amplo debate público, com o direito à crítica e à oposição a governos, a políticos e a apoiadores deles, marca do processo democrático. Porém alerta que este debate deve ser conduzido com conteúdo verdadeiro, marcado pela dignidade, garantindo a leitores e leitoras o direito à informação.

Referências de checagem:

Folha de S. Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/02/pastor-do-pt-leva-a-lula-plano-sobre-evangelicos-com-dicas-sobre-temas-tabus.shtml Acesso em 29 nov 2022

Bereia. https://coletivobereia.com.br/pastor-da-assembleia-de-deus-que-aderiu-a-campanha-de-lula-tem-funcao-pastoral-questionada/ Acesso em 29 nov 2022

Tribunal Superior Eleitoral. https://resultados.tse.jus.br/oficial/app/index.html Acesso em 29 nov 2022

Twitter. 

https://twitter.com/prpaulomarcelo/status/1591201136240865280?s=20&t=QeVajI8AMRaMkK3d8eo2bg, Acesso em 29 nov 2022

https://twitter.com/prpaulomarcelo/status/1591236433368731648?s=20&t=QeVajI8AMRaMkK3d8eo2bg Acesso em 29 nov 2022

https://twitter.com/prpaulomarcelo/status/1591245787862028289?s=20&t=QeVajI8AMRaMkK3d8eo2bg Acesso em 29 nov 2022

Youtube.

https://www.youtube.com/watch?v=15EgDElTph8 Acesso em 29 nov 2022

https://www.youtube.com/watch?v=AHLuMZc_fCA Acesso em 29 nov 2022

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Imagem de capa: reprodução site Gospel Prime

Matérias da Folha de S. Paulo e de O Globo alimentam desinformação sobre perseguição a igrejas no período pós-eleitoral

Matéria publicada pela Folha de S. Paulo, em 24 de novembro passado, com o título “Lula diz que vai cobrar apoio de evangélicos a vacinas ou responsabilizar igrejas por mortes” foi fonte para uma série de publicações críticas ao presidente eleito em mídias digitais religiosas. 

Imagem: Reprodução do site do jornal Folha de S. Paulo

As publicações, como as reproduzidas a seguir, em sites de notícias gospel e mídias sociais de apoiadores religiosos do atual governo, ganharam tom de terror verbal e deram fôlego ao tema desinformativo mais disseminado durante as eleições, segundo levantamento do Bereia, a “perseguição a cristãos e a igrejas”. 

Imagem: reprodução site Pleno.News

Interface gráfica do usuário, Texto, Aplicativo

Descrição gerada automaticamente
Imagem: reprodução do Twitter, perfil de Damares Alves, 24 nov 2022

Imagem: reprodução do Instagram do senador eleito Magno Malta (PL/ES), 26 nov 2022

A matéria da Folha de S. Paulo

A matéria que serviu de base para nova safra de publicações sobre “perseguição a igrejas”, relata reunião fechada da equipe de saúde do governo de transição com representantes de várias áreas da saúde, em 24 de novembro, em Brasília. Segundo o jornal, a reunião teve formato híbrido e a participação do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se deu por vídeo. 

No relato da Folha de S. Paulo, Lula teria afirmou aos participantes da reunião: “Eu pretendo procurar várias igrejas evangélicas e discutir com o chefe delas: ‘Olha, qual é o comportamento de vocês nessa questão das vacinas?’”. Ele teria dito ainda, segundo o texto: “Ou vamos responsabilizar vocês pela morte das pessoas”.

O presidente eleito ainda teria dito, de acordo com a matéria, que os primeiros cem dias de seu governo terão como foco a recuperação do PNI (Programa Nacional de Imunizações), o aumento da cobertura vacinal e a restauração da confiança da população, que, segundo a avaliação de Lula, foi afetada por fake news sobre o tema. “Vamos ter de agora pegar muita gente que combateu a vacina que vai ter de pedir desculpa”, teria dito o presidente eleito.

A matéria da Folha de S. Paulo relatou ainda que Lula se comprometeu a “enfrentar a burocracia da máquina pública” diante do sofrimento da população na busca de atendimento médico e atender demandas com a questão do autismo. Além destes temas e o da cobertura vacinal, o fortalecimento do Serviço Único de Saúde (SUS) também foi pauta do diálogo com o presidente eleito, segundo o jornal.

A reportagem cita a participação de ex-ministros da Saúde na reunião (Alexandre Padilha, Arthur Chioro, José Gomes Temporão, José Agenor e Humberto Costa, bem como de representantes do Instituto Butantan, da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, da Opas (Organização Pan-Americana da Saúde), da Fiocruz, do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde), do Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde) e ex-chefes de PNI, entre outros órgãos. 

A fala do presidente eleito na reunião fechada durou cinco minutos, foi assistida por algum interlocutor em um notebook, gravada em telefone celular e publicada em link da TV UOL. O link está inserido na matéria da Folha de S. Paulo. A menção às igrejas evangélicas foi uma parcela do total da exposição de Lula que durou 38 segundos.

Reações e novo destaque no noticiário

O destaque do jornal Folha de S. Paulo à parcela da fala do presidente que mencionou as igrejas provocou publicações críticas, como as citadas acima, e notas públicas de organizações evangélicas. A Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) publicou nota de repúdio à fala de Lula na reunião fechada, em 25 de novembro, com base na matéria do jornal. 

Segundo a nota da Anajure, o repúdio refere-se ao fato de Lula, “ao generalizar o segmento evangélico, desconsidera os múltiplos exemplos de colaboração de interesse público ocorridos na pandemia e na sociedade brasileira, afastando-se da via adequada para os debates acerca da vacinação com as entidades religiosas e o público em geral, qual seja, o do consentimento informado”. 

A Anajure afirma na nota que “tal perspectiva, que aposta num consentimento informado, colide com discursos excludentes que, próximos da ameaça, terminam por se mostrar contraproducentes”.

A Frente Parlamentar Evangélica também publicou nota de repúdio, assinada pelo presidente, o deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL/RJ), também em 25 de novembro. No texto, a FPE se coloca “em defesa de todos os Evangélicos do Brasil” para repudiar a fala de Lula. Segundo o texto, “ao complementar a fala LULA disse que vai ‘pegar muita gente’ demonstrando claro intuito de perseguir preconceituosamente à comunidade Evangélica, visto que não se referiu a nenhuma outra organização religiosa, sindical e ou a qualquer outro segmento da sociedade que defende a ampla liberdade de escolha de seus integrantes”.

A FPE, mantendo a postura de oposição ao presidente eleito com uso do terror verbal, ainda afirma na nota que: “Discursos como esse reforçam a necessidade de continuarmos conclamando nossa sociedade a refletir sobre os fundamentos e os princípios que nortearão a República, caso Lula assuma e permaneça na presidente, eis que tal fala conduz o país ao temeroso caminho da discriminação, preconceito e intolerância religiosa, especificamente contra os Evangélicos”.

O jornal O Globo repercutiu o caso, na mesma direção da Folha de S. Paulo, e publicou, em 26 de novembro, matéria com o título “Pastores e bancada evangélica reagem a cobrança de Lula sobre vacina”. 

Imagem: reprodução de O Globo, 26 nov 2022

Para o conteúdo, o jornal fez uso de um vídeo publicado em mídias sociais, pelo pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia, no qual ele critica o Partido dos Trabalhadores (PT) e afirma que o presidente eleito tem “preconceito com a igreja evangélica”.

O Globo ainda transforma em notícia um extrato da gravação do pastor Malafaia em que ele ataca o presidente eleito e o Supremo Tribunal Federal de forma grosseira: “Que moral o Lula tem para cobrar alguma coisa? Vai lavar essa sua boca de cachaça. você só está aí porque tem amiguinho no STF (Supremo Tribunal Federal) que liberou você. Você foi condenado em todas as instâncias por corrupção. Quero ver que líder evangélico que vai receber esse crápula”.

Além de Silas Malafaia, os pastores ouvidos por O Globo, críticos à fala de Lula, foram os deputados federais vinculados às Assembleias de Deus, apoiadores da reeleição de Jair Bolsonaro, Sóstenes Cavalcate, Otoni de Paula (MDB/RJ) e Marco Feliciano (PL/SP). Um deputado federal pastor foi ouvido “em contraponto”, Davi Soares (União/SP), da Igreja Internacional da Graça de Deus, que, segundo a matéria, afirmou que “sua igreja ‘é 100% a favor da imunização’ e que tomou quatro doses da vacina contra a Covid-19”. O pastor e deputado apoiador do atual governo, declarou à reportagem ter as portas abertas ao diálogo com Lula: “O presidente, tendo contato com as lideranças das igrejas, verá que apoiamos a vacinação por completo. Tomara que ele as procure”.

O tom da reunião da equipe de transição 

Para compreender o contexto da fala do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva na reunião com o Grupo de Trabalho em Saúde da equipe de transição para o novo governo, Bereia ouviu a pesquisadora da Fiocruz e ex-presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS) Dra. Socorro Souza. Ela integra o GT como representante da diversidade regional, racial e de gênero na área da saúde. 

Socorro Souza avalia que a matéria da Folha de S. Paulo cobre “incorretamente ou insuficientemente alguns dos importantes pontos abordados na reunião; que não somente a fala do presidente eleito”.   A ex-presidente da CNS relata que foi tratado o relevante tema da defasagem no orçamento da saúde decorrente do teto de gastos, superior aos 22,7 bilhões  anunciados. Segundo ela “este valor a ser recomposto resulta da aplicação da Lei 141/2012, que determina à União aplicar o valor do ano anterior somado à variação do PIB. Algo que se aproxima de 10% da receita corrente líquida da União”. 

Sobre a vacina e o Plano Nacional de Imunização (PNI), Socorro Souza explica que “o presidente iniciou sua fala referindo-se à importância de se falar com a sociedade, as famílias e o povo (e não somente os evangélicos) para que possam voltar a acreditar na eficácia das vacinas, e não mais nas ‘brincadeiras’ ditas pelo atual governo”.  

A pesquisadora acrescenta que Lula “fez elogios aos trabalhadores da saúde e afirmou que quer que o trabalhador tenha qualidade de vida. Que vai procurar conversar com líderes religiosos (das igrejas)”. Socorro Souza acrescenta que o presidente eleito “mencionou, neste contexto, a responsabilidade sanitária de autoridades. Sobre responsabilidade por mortes, a referência foi feita a Bolsonaro, atual Presidente da República”.

A ex-presidente do CNS ouvida pelo Bereia, reitera a fala do ex-ministro da Saúde Arthur Chioro, citada na matéria da Folha de S. Paulo, que, segundo ela, “contextualiza e usa palavras que retraram o exato sentido dos conteúdos abordados na reunião”. Ela se refere ao trecho da reportagem que cita a afirmação de Chioro: “Muito bom saber que nós temos um presidente que participa da reunião com a sociedade de especialistas e que se compromete [com a pauta]. O Brasil vai contar com o presidente da República liderando a retomada do nosso Programa Nacional de Imunização e do enfrentamento da pandemia”.

A fala de Lula na reunião (transcrição em blocos de assuntos):

00:00 a 1:30 (um minuto e meio): Primeiro, eu estou muito feliz com a reunião. Era exatamente este tipo de discussão que eu queria ouvir. E estou mais preocupado é como vocês vão sistematizar toda esta história. O dado concreto, gente, é que vou sair agora e só queria dizer o seguinte. Nós vamos ter que tratar neste mandato na saúde tentando vencer um pouco a burocracia na máquina pública. Você foi ministro, Padilha foi ministro, Humberto foi ministro, Temporão foi ministro, e sabe como às vezes a máquina emperra, a máquina não anda. Às vezes um burocrata faz e não faz, nós vamos ter que tentar lidar com isto porque todo o nosso lema, além da saúde de qualidade é a gente tentar atender este povo, povo está muito sofrido. Consegue até ir a Upa depois não consegue mais nada. O povo fica esperando, esperando e a gente não pode deixar isto. 

1:31-2:09 (38 segundos): A gente não pode, de forma precipitada, achar que a gente anunciar vacina, o povo vai tomar. Não. O povo tem que ser convencido outra vez da eficácia da vacina, e nós vamos ter agora que pegar muita gente que combateu a vacina, que vai ter que pedir desculpa. Eu, pelo menos, pretendo procurar várias igrejas evangélicas e discutir com o chefe deles o seguinte: ‘Qual é o comportamento de vocês nessa questão da vacina?’ Ou nós vamos responsabilizar vocês pelas mortes das pessoas.

2:10-2:19 (nove segundos): Outra coisa que me preocupa é que temos que levar médicos para o interior longínquo, para aqueles lugares que ninguém quer ir.

2:20-2:49 (29 segundos):  Estamos com um desafio muito grande. Nós temos que tentar fazer. Neste ano, eu tenho desejo de fazer neste ano tudo o que eu não fiz em oito anos. A gente não conseguiu fazer porque não conseguiu, não tinha expertise para fazer. Hoje nós temos muita gente com expertise, temos aí cinco ministros, muita gente com expertise para ajudar. 

2:50-3:00 (10 segundos): Nos próximos dias eu vou passar a escolher o ministério e qualquer ministro da saúde, da educação, vai ter uma gama de gente para ajudar, não para atrapalhar. 

3:01-3:36 (35 segundos): A saúde para mim é uma coisa muito dura porque a gente ouve no palanque, quando a gente desce do palanque, as pessoas que vêm abraçar a gente, muitas vezes, vêm pedir coisas, e uma coisa que me assusta é a preocupação com o autismo. Você não tem noção, Chioro, quantas pessoas no palanque falavam ‘Lula, faz alguma coisa pelo autismo, eu tenho um filho autista”. É uma coisa que eu nem me dava conta. 

3:37-4:16 (39 segundos): nós precisamos voltar a ter uma medicina humanizada, qualificada e funcional. Esta é a ideia básica e por isso é que eu estou gostando da reunião. Esta reunião serve de base para a gente ter um bom começo de mandato. Eu não posso estar anunciando algumas coisas e esperar três meses para começar. Tem que ser logo. Por exemplo, farmácia Popular, estas coisas, nós vamos ter que dar de bico, e começar a ganhar este jogo. 

4:17-5:00 (43 segundos): eu queria só agradecer. Padilha, a Janja acha que eu estou falando demais, eu queria agradecer [comentários]. Espero que vocês vão ter um relatório disto que eu gostaria de receber – está gravando, né Padilha? Eu quero receber tudo. Vocês vão ficar até que horas? [comentários]. Se eu puder eu entro um pouco à noite. Muito obrigado.

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Bereia classifica as matérias da Folha de S. Paulo e de O Globo como imprecisas. Os veículos de notícias desinformam com imprecisão em vários elementos.

A Folha de S. Paulo promove desinformação ao dar destaque à menção de 38 segundos sobre as igrejas evangélicas na fala do presidente eleito, sem contextualizá-la, no que dizia respeito ao tratamento do tema do Plano Nacional de Imunização, colocado na reunião como uma das prioridades para o novo governo na área da saúde.  O papel das igrejas evangélicas não foi o tema central da reunião e nem da fala de cinco minutos de Lula, que teve oito blocos temáticos, como se pode observar na transcrição oferecida pelo Bereia nesta matéria. 

A desinformação, produzida por extrato de material de reunião fechada da equipe com a participação do presidente eleito, destacada no título da matéria (muitas vezes, o único conteúdo lido pelo público), induz à compreensão de um destaque às igrejas evangélicas que não ocorreu. A opção do jornal por uma hierarquização temática, que provocou reações entre os evangélicos, citados brevemente na reunião, leva à conclusão de ter ocorrido uma deliberada alimentação da tensão já existente com o presidente eleito desde o período eleitoral, com a suposta ameaça de perseguição a igrejas em futuro governo de esquerda.

Isto se reflete na forma como as reações se deram em publicações de indivíduos e de mídias religiosas apoiadores do atual governo e nas notas públicas de organizações ligadas ao segmento evangélico. Elas reacenderam o tema desinformativo da “perseguição a igrejas” como usado na campanha eleitoral de oposição à candidatura de Lula. 

A ação desinformativa da Folha de S. Paulo se estende na matéria de O Globo, que repercute várias reações críticas de líderes evangélicos, a maioria políticos de oposição ao presidente eleito. O jornal chega a publicar um ataque grosseiro a Lula, em vídeo publicado na internet, que atinge também o STF e faz uso de mentiras, sem informação que ofereça contraposição. 

A reportagem de O Globo ouviu apenas um deputado federal pastor “em contraponto” e desconsiderou outros que teriam relevância para o tema, como lideranças fora do campo político, que pudessem opinar sobre uma possível cobrança de apoio das igrejas em relação à vacinação.

A desinformação se configura ainda no fato de que nem a Folha de S. Paulo nem O Globo recuperaram o papel exercido por diferentes lideranças evangélicas no contexto da pandemia de covid-19 para se verificar a pertinência de uma “responsabilização” em relação a “comportamento em relação a vacinas” da parte do futuro governo. Estes veículos de notícias também não buscaram informação dos participantes da equipe de transição sobre o porquê da menção de igrejas evangélicas pelo presidente eleito quando o tema tratado foram as vacinas.

Referências de checagem:

TV UOL. https://tvuol.uol.com.br/video/lula-participa-de-reuniao-online-com-grupo-tematico-de-saude-na-transicao-04028C183072C4897326. Acesso em 28 nov 2022.

Anajure. https://anajure.org.br/nota-publica-sobre-fala-de-lula-quanto-a-responsabilizacao-de-igrejas-evangelicas-em-relacao-a-vacinacao/. Acesso em 28 nov 2022.

Frente Parlamentar Evangélica. https://www.facebook.com/fparlamentarevangelica/posts/pfbid02uft5L2zjkaTD9fnfgS95NdKuxrvPFssrqVBsRQ4xJA9jJaX3uqDEKonbdya3cJ8Vl. Acesso em 28 nov 2022.

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Foto de capa: Pexels

Montagem em vídeo sustenta pânico sobre perseguição a igrejas com base em entrevista de ex-presidente do PT

Na primeira semana do período pós-eleitoral passou a circular, especialmente pelo Twitter e pelo WhatsApp, um vídeo de dois minutos em que o ex-deputado federal e ex-presidente do Partido dos Trabalhadores (PT) José Genoino, em entrevista, explicaria como partido irá “combater” e “confrontar” as igrejas.

Imagem: reprodução do canal “Católicos de Verdade” no YouTube

Imagem: reprodução do canal “Melodia News” no YouTube

O conteúdo foi transformado em matéria de sites de notícias ligados à extrema-direita política como o evangélico Pleno News e a revista Oeste, sob os títulos: “José Genoino promete retaliação contra igrejas no governo do PT” e “Genoino revela plano do PT para ‘confrontar’ igrejas evangélicas”. 

A origem do vídeo

O vídeo com a entrevista de José Genoino é um extrato da participação do político no  programa Sabadão, do Diário do Centro do Mundo (DCM), transmitido pelo Youtube. O programa teve a duração de três horas e Genoino foi entrevistado pelo jornalista Kiko Nogueira e pela advogada Sara Vivacqua  por uma hora e 55 minutos de duração. A entrevista versou sobre uma avaliação do político do processo eleitoral concluído em 30 de outubro. 

Por volta dos 50 minutos de entrevista, Nogueira e Vivacqua questionaram José Genoino sobre o sentimento de ódio disseminado durante e depois das eleições contra o candidato Lula (PT), seu partido e as esquerdas. Para isso, fizeram uso de um vídeo que mostra um pastor batista falando do púlpito contra membros da igreja que votaram no PT e contra pessoas do Nordeste que ajudaram a derrotar o presidente Jair Bolsonaro (PL). A partir desse caso os entrevistadores perguntaram qual deve ser a política do novo governo em relação às igrejas orientadas pela extrema-direita e se haverá alguma postura diferenciada sobre impostos. A contextualização dos entrevistados tem a duração de três minutos e a resposta do ex-presidente do PT dura dois minutos.

Na resposta, Genoino não fala em nome do PT sobre qualquer plano do partido para retaliar ou confrontar igrejas no Brasil. O ex-parlamentar inicia com a afirmação de que é preciso tratar “institucionalmente, com muita habilidade” para não haver acusações de que se está perseguindo as igrejas. 

Para Genoino é preciso abordar o tema de maneira equilibrada e começar com a mudança do sistema tributário pois “não só as igrejas que não pagam imposto no Brasil, os meios de comunicação também (…), [com] as isenções, o papel, rádio”. A partir disto o ex-presidente do PT afirma: “é preciso fazer uma reforma agrária no ar para depois fazer na terra (…) e colocar num conjunto mais amplo porque senão vão dizer que a gente está perseguindo as igrejas, numa guerra santa (…) portanto temos que ter cuidado, o que vai exigir uma habilidade muito grande”.

Genoino considerou ainda que a medida que se vão criando melhorias nas condições de vida se vai formando uma “massa crítica a este fundamentalismo, estas figuras toscas, a estas figuras fundamentalistas”, referindo-se a líderes religiosos como o pastor batista do vídeo apresentado. Para o político, será preciso uma batalha no campo das ideias com muito cuidado para não ser vítimas do que “eles mesmos pregam que é o maniqueísmo”. Nesse sentido, ele afirma ser fundamental que se organize pela base, como foi no segundo turno das eleições, quando as igrejas tiveram “limitação política para atuar” porque foram organizados coletivos de religiosos que apoiaram Lula e foram realizados atos com religiosos em cidades. Genoino destacou ainda que há lideranças religiosas que atuam nos meios de comunicação e “prestam péssimo serviço com este tipo de coisa” (referindo-se ao vídeo exibido com o pastor batista), por isso será preciso “ver o melhor caminho para enfrentar”.

Montagem grosseira

O vídeo que circula nas redes para reacender o pânico da perseguição às igrejas, tema frequente de falsidades checadas pelo Bereia, tem a duração de dois minutos e é uma montagem do total de cinco minutos em que o tema foi tratado na entrevista. Os cortes grosseiros incluem trechos das questões dos entrevistadores sobre o relacionamento com as igrejas e outros da resposta de José Genoino, com a exclusão do contexto exposto com o vídeo do pastor batista de Piabetá (RJ). As falas foram selecionadas para dar o tom do suposto combate às igrejas.

O Pleno News chegou a usar um subtítulo na pequena matéria: “Ele fala em combater os evangélicos no campo das ideias e acabar com ‘figuras toscas fundamentalistas”.

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Bereia avalia como enganosas a montagem em vídeo com trechos da entrevista de José Genoino ao programa Sabadão do DCM e as matérias publicadas sobre ele.  Tais conteúdos compõem o acervo de material desinformativo criado com o objetivo de manter o pânico entre fiéis cristãos no tocante ao tema da perseguição a igrejas que permeou toda a campanha eleitoral de 2022.

Referências de checagem:

Pleno News. https://pleno.news/brasil/jose-genoino-promete-retaliacao-contra-igrejas-no-governo-do-pt.html?fbclid=IwAR2e8dfPE7bOwJUU37-uxwTmQYjQyN4uL5Tgh8g4MixafnlZyHn0UXyE0I8 Acesso em:  12 nov 2022

Revista Oeste. https://revistaoeste.com/politica/genoino-revela-plano-do-pt-para-confrontar-igrejas-evangelicas/?fbclid=IwAR0QK1mIkOc_NcIk09gnc30mwwvdwWrfBJGggvnqDiwFXLze_D5VuzW95nE Acesso em: 12 nov 2022

YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=Dk7OfasAQ0w Acesso em:  14 nov 2022

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Imagem de capa: frame de vídeo no YouTube

“Cristofobia”, perseguição a cristãos e fechamento de igrejas estão entre os temas com mais desinformação em espaços religiosos nestas eleições

Levantamento do Bereia a partir de suas checagens no período eleitoral iniciado em 2021 até o primeiro turno realizado em 2 de outubro passado, mostra que “cristofobia”, perseguição a cristãos e ameaças de fechamento de igrejas estiveram entre os temas com mais conteúdo falso e enganoso circulante em espaços digitais religiosos. 

Fonte: Bereia. Levantamento até 03/10/2022

A perseguição a cristãos, casada com o tema da “cristofobia” e do “fechamento de igrejas” tem sido  o tema mais abordado no período eleitoral, presente em 26 das matérias de checagem publicadas pelo Bereia entre fevereiro de 2021 e outubro de 2022. É registrada maior incidência deste tema a partir de agosto de 2021, quando pesquisas eleitorais passaram a mostrar a força da campanha do Partido dos Trabalhadores (PT) e maior rejeição a Jair Bolsonaro. Cresceu, então, o número de publicações verificadas pelo Bereia que enfatizam a ameaça de fechamento de igrejas com a possível vitória das esquerdas, mais supostas tentativas de silenciamento de lideranças religiosas e de diretores de escola e professores cristãos opostos a pautas referentes à diversidade sexual e à pluralidade religiosa.   

A perseguição a cristãos no Brasil, sob o rótulo de “cristofobia”, tem apelo porque é um discurso que responde à ideia do cristão perseguido como prova de fidelidade ao Evangelho. Porém, o termo “cristofobia” não se aplica, por conta da predominância cristã no país, onde há plena liberdade de prática da fé para este grupo, conforme explica, em artigo para o Bereia, a pesquisadora das religiões Brenda Carranza. Manipula-se, neste caso, a noção de combate a inimigos para alimentar disputas no cenário religioso e político. 

Isto se configura uma estratégia de políticos e religiosos extremistas que pedem mais liberdade e usam desta expressão para garantirem voz contra os direitos daqueles que consideram “inimigos da fé”, em especial sexuais e reprodutivos e os de comunidades quilombolas e indígenas. Histórias relacionadas a situações ocorridas no exterior são amplamente utilizadas para reforçar a ameaça de que o que se passa fora pode ocorrer no Brasil.


Bereia selecionou reportagens e checagem do último triênio sobre o tema perseguição religiosa que ganharam relevância nas mídias:

Desinformação sobre suposta perseguição a cristãos no Brasil

Silas Malafaia afirma que PT processou pastores por culto com participação do presidente Jair Bolsonaro
https://coletivobereia.com.br/silas-malafaia-afirma-que-pt-processou-pastores-por-culto-com-participacao-do-presidente-jair-bolsonaro/

Volta a circular mensagem falsa sobre lei do Senado que proibiria pregações
https://coletivobereia.com.br/volta-a-circular-mensagem-falsa-sobre-lei-do-senado-que-proibiria-pregacoes/

Líder evangélico afirma que cristãos começaram a ser perseguidos no Brasil
https://coletivobereia.com.br/lider-evangelico-afirma-que-cristaos-comecaram-a-ser-perseguidos-no-brasil/

Pastor engana ao alegar sofrer perseguição de governos petistas
https://coletivobereia.com.br/pastor-engana-ao-alegar-sofrer-perseguicao-de-governos-petistas/

Suposta demissão de professora por perseguição religiosa e ideológica no ES é destaque em mídias evangélicas
https://coletivobereia.com.br/suposta-demissao-de-professora-por-perseguicao-religiosa-e-ideologica-no-es-e-destaque-em-midias-evangelicas/

Sites gospel repercutem que decisão judicial sobre programação em rádio e TV é perseguição religiosa
https://coletivobereia.com.br/sites-gospel-repercutem-que-decisao-judicial-sobre-programacao-em-radio-e-tv-e-perseguicao-religiosa/

Sites e líderes religiosos apontam suposta perseguição em decreto sobre comprovante vacinal
https://coletivobereia.com.br/sites-e-lideres-religiosos-apontam-suposta-perseguicao-religiosa-em-decreto-sobre-comprovante-vacinal/

Pastor assassinado não é vítima de perseguição religiosa
https://coletivobereia.com.br/pastor-assassinado-nao-e-vitima-de-perseguicao-religiosa/

Diretor de Colégio Batista afirma sofrer perseguição religiosa

https://coletivobereia.com.br/diretor-de-colegio-batista-afirma-sofrer-perseguicao-religiosa/Portal gospel omite intolerância e homofobia de líder religioso para sugerir perseguição a cristãos

https://coletivobereia.com.br/portal-gospel-omite-intolerancia-e-homofobia-de-lider-religioso-para-sugerir-perseguicao-a-cristaos/

Vídeo de Marisa Lobo desinforma sobre perseguição religiosa
https://coletivobereia.com.br/video-de-marisa-lobo-desinforma-sobre-perseguicao-religiosa/

Site gospel usa nota de jornalista para explorar tema de perseguição a evangélicos
https://coletivobereia.com.br/site-gospel-usa-nota-de-jornalista-para-explorar-tema-de-perseguicao-a-evangelicos/

Mídias sociais e noticiosas circulam desinformação sobre perseguição a cristãos na China
https://coletivobereia.com.br/midias-sociais-e-noticiosas-circulam-desinformacao-sobre-perseguicao-a-cristaos-na-china/

Joio ou Trigo? (RCR) – O ministro do STF, Edson Fachin, tem promovido perseguição religiosa? Checamos
https://coletivobereia.com.br/joio-ou-trigo-rcr-o-ministro-do-stf-edson-fachin-tem-promovido-perseguicao-religiosa-checamos/

Ministro do Supremo Tribunal Eleitoral não promove perseguição religiosa
https://coletivobereia.com.br/ministro-do-supremo-tribunal-eleitoral-nao-promove-perseguicao-religiosa/

Folha de S. Paulo: Igrejas evangélicas simulam Estado Islâmico e até estupro em projetos ‘radicais’
https://coletivobereia.com.br/folha-de-s-paulo-igrejas-evangelicas-simulam-estado-islamico-e-ate-estupro-em-projetos-radicais/

Jornal desinforma ao tratar censura conservadora a pastor como punição por posicionamento político
https://coletivobereia.com.br/jornal-desinforma-ao-tratar-censura-conservadora-a-pastor-como-punicao-por-posicionamento-politico/

Apoiadores da reeleição de Jair Bolsonaro continuam a enganar sobre suposta ameaça do PT às igrejas
https://coletivobereia.com.br/apoiadores-da-reeleicao-de-jair-bolsonaro-continuam-a-enganar-sobre-suposta-ameaca-do-pt-as-igrejas/

Desinformação sobre suposta perseguição religiosa no exterior

Nos EUA, igreja alega que Conselho negou construção de escola por perseguição religiosa
https://coletivobereia.com.br/nos-eua-igreja-alega-que-conselho-negou-construcao-de-escola-por-perseguicao-religiosa/

Pastor assassinado não é vítima de perseguição religiosa
https://coletivobereia.com.br/pastor-assassinado-nao-e-vitima-de-perseguicao-religiosa/

Incêndio de Igrejas no Chile não é caso de perseguição a cristãos
https://coletivobereia.com.br/incendio-de-igrejas-no-chile-nao-e-caso-de-perseguicao-a-cristaos/

Mídias sociais e noticiosas circulam desinformação sobre perseguição a cristãos na China
https://coletivobereia.com.br/midias-sociais-e-noticiosas-circulam-desinformacao-sobre-perseguicao-a-cristaos-na-china/

Sites religiosos são imprecisos ao falarem de perseguição de cristãos na Coreia do Norte
https://coletivobereia.com.br/sites-religiosos-sao-imprecisos-ao-falar-de-perseguicao-de-cristaos-na-coreia-do-norte/

Referências de checagem:

Carta Capital. https://www.cartacapital.com.br/blogs/dialogos-da-fe/evangelicos-foram-alvo-privilegiado-de-mentiras-na-campanha-do-1o-turno-veja-as-principais/amp/ Acesso em 10 out 2022

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Foto de capa: Pexels/Ric Rodrigues

Folha de S. Paulo: Igrejas evangélicas simulam Estado Islâmico e até estupro em projetos ‘radicais’

O jornal Folha de S. Paulo publicou neste sábado (24/09) uma reportagem sobre as encenações de perseguição religiosa em acampamentos “radicais” promovidos por igrejas evangélicas. Segundo a reportagem feita pela jornalista Anna Virginia Balloussier, ”uma fantasia aterrorizante para fazer o fiel sentir na pele o que é uma nação sem liberdade religiosa, como se o cristianismo no Brasil também estivesse a perigo”.

O sentimento religioso de perseguição cultivado pelas organizações promotoras desses eventos une-se à estratégia de desinformação que prega a existência da “cristofobia” no Brasil, país de maioria histórica cristã. Segundo levantamento feito pela Genial/Quaest à pedido da revista Veja, 34% dos eleitores evangélicos acreditam que o candidato Luís Inácio Lula da Silva (PT) pretende fechar as igrejas caso seja eleito, mentira checada pelo Bereia que continua sendo disseminada nas redes sociais de igrejas.

Foto de capa: reprodução da Folha de S.Paulo

Portais de notícias religiosas desinformam quanto a suposto projeto comunista para crianças

Circula em portais de notícias religiosas um vídeo com uma fala descontextualizada da advogada Laura Astrolabio, sobre um suposto projeto político da “esquerda comunista” que visa infiltrar-se em igrejas evangélicas, para a cooptação de crianças em prol das políticas comunistas. 

Imagem: reprodução do Instagram

Em evento da Revista Fórum, intitulado “Mulheres no poder em um momento bolsonarista!, transmitido ao vivo no domingo, 11 de setembro de 2022, a advogada e estudante de Mestrado em Direitos Humanos (UFRJ) Laura Astrolabio dialogou com a candidata a deputada estadual, Benny Briolly (PSOL, RJ), que se destaca como primeira vereadora transsexual do Rio de Janeiro, e a ativista política e candidata a deputada estadual Chirley Pankará (PSOL, RJ), que é liderança indígena do povo Pankará, sob a mediação do jornalista Anderson Morais. 

Imagem: reprodução site Revista Fórum

O grupo de debatedoras abordou temas ligados às pautas feministas, etnicidades, patrimônio sociocultural, intolerância religiosa, gênero e sexualidade. Tais temas tiveram como fio condutor o combate às pautas políticas conservadoras da extrema-direita. O trecho do debate que vem ganhando repercussão nos meios de comunicação religiosos, por meio de vídeo, é um fragmento da fala de Astrolábio, em que ela afirma.    

“[…] Acho que a gente precisa conversar coletivamente, No mestrado eu cheguei a falar uma vez que a gente tinha que se infiltrar nas igrejas. Outro dia eu encontrei uma amiga minha da época em que eu era da igreja, porque eu fui cristã durante 30 anos, eu já fui até para Jerusalém, no dia em que contar o que foi essa viagem, eu acabo com o Cristianismo no Brasil”, disse, e continuou, “eu falei ‘amiga, vamos voltar pra igreja’, porque hoje eu sou candomblecista, não tenho um terreiro que eu vá frequentar, porque eu não sou religiosa, mas eu amo os orixás, agora, que nós temos que voltar para a igreja, ou ir para ela, a gente tem. Ela [e a amiga] disse que eles (fiéis) não iriam permitir, e eu disse ‘quem disse que a gente vai falar pra eles? a gente vai para a escolinha dominical’. O que mais a igreja quer é pegar uma irmãzinha pra tomar conta das crianças. Enquanto eles estão no culto, tem uma sala de aula cheia de crianças. Aí você pega a Bíblia e começa a falar que Jesus amava os pobres e que os ricos não entrarão no Reino dos céus…”, explicou a advogada. 

Imagem: reprodução do Youtube

A fala em questão ocorre após a participante ser questionada sobre a existência dos “pobres de direita”. Na resposta que abordou a  integração entre política e religião,  a advogada deu um exemplo  para ilustrar como esquerdas podem enfrentar o conservadorismo da extrema-direita: “infelizmente essa pessoas [os pobres de direita] não têm acesso a esses debates, a essas discussões, os debates feitos dentro dos partidos políticos não chega a essas pessoas […], então eu acho que temos que pensar em estratégias para fazer esse debate chegar lá, a eles”, disse. 

O trecho selecionado do discurso de Laura Astrolábio, usado para denunciar planos da “esquerda comunista para ocupar as igrejas”, segundo várias postagens em mídias sociais,  refere-se a possíveis estratégias de enfrentamento da extrema-direita. Na concepção da advogada, as pessoas devem se “armar” (simbolicamente) de seus direitos constitucionais e lutar por suas demandas, “o Estado é laico e a gente tem que cobrar”. Para ela,  a extrema-direita deve ser combatida por meio de ferramentas de reeducação cívica e militância organizadas. 

Ouvida para avaliar o caso, a pesquisadora em Comunicação e Religiões e editora-geral do Bereia Magali Cunha pondera:

Ao falar para um público de esquerda (seguidores da revista Fórum), a advogada Laura Astrolabio opta por usar as igrejas evangélicas em exemplo, por meio de um discurso crítico, com expressões exageradas como ‘eu fui cristã durante 30 anos, eu já fui até para Jerusalém, no dia em que contar o que foi essa viagem, eu acabo com o cristianismo no Brasil’, e de oposição, como ‘hoje eu sou candomblecista, não tenho um terreiro que eu vá frequentar, porque eu não sou religiosa, mas eu amo os orixás’. Ela introduz a fala sobre o processo educativo com ‘a gente tinha que se infiltrar nas igrejas’ e segue com o discurso crítico e o exemplo do espaço importante das escolas dominicais com as crianças”. 

Magali Cunha considera que “não há qualquer problema em alguém enxergar que as  igrejas, por meio das escolas dominicais e do trabalho com crianças, sejam vistas como espaço em que a educação para a realidade da desigualdade social (pobres x ricos) deveria ser praticada. Porém, o que vemos neste caso é que o uso do exagero, “eu acabo com o Cristianismo”, junto com “a gente tinha que se infiltrar”, mais o termo “criancinhas” como alvo de uma possível ação educativa para a crítica, formam um conjunto de expressões inadequadas em um discurso público pela internet, que certamente geram desconforto justificável em pessoas das igrejas evangélicas, e são um ‘prato cheio’ para produtores de desinformação e de pânico moral contra candidaturas de esquerda nestas eleições, tendo como alvo os o segmento evangélico”. 

A professora acrescenta que “na era digital, produtores de conteúdo e participantes de espaços de debate precisam usar de sabedoria com o que expressam publicamente. A máxima hoje é ‘tudo o que você disser pode ser usado contra você e contra seus pares’, afinal, tudo pode ser manipulado e sempre há quem acredite no que se produz deliberadamente para enganar”.

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Bereia classifica o conteúdo disseminado em vídeo em espaços digitais religiosos, com trecho da fala da advogada Laura Astrolábio, em evento da revista Fórum, como enganoso. 

O discurso em questão, que contém termos críticos e exagerados sobre as igrejas, foi recortado, descontextualizado e relativizado para tornar possível a defesa de uma proposta de intervenção política organizada por uma suposta “esquerda comunista”. A fala completa da advogada diz respeito a políticas de militância e enfrentamento ao racismo e misoginia, atuação política baseada em um regime de Estado laico e democrático.  

Referências de checagem:

Bereia. https://coletivobereia.com.br/desinformacao-e-intolerancia-religiosa/ Acesso em: 16 de set. 2022

Youtube. https://www.youtube.com/watch?v=swbub6ep0Y8 Acesso em: 16 de set. 2022

Documentos Revelados. https://documentosrevelados.com.br/wp-content/uploads/2015/08/carlos-marighella-manual-do-guerrilheiro-urbano.pdf Acesso em: 16 de set. 2022

A tenda das candidatas. http://atendadascandidatas.org/campanhas/a-conta-nao-fecha Acesso em: 16 de set. 2022

CNN Brasil. https://www.cnnbrasil.com.br/politica/vereadora-trans-benny-briolly-diz-ter-recebido-ameaca-de-morte-por-e-mail-de-deputado/ Acesso em: 16 de set. 2022

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Foto de capa: frame de live da Revista Fórum

Apoiadores da reeleição de Jair Bolsonaro continuam a enganar sobre suposta ameaça do PT às igrejas

* Com colaboração de Heloísa Carvalho e Luis Henrique Vieira

Perfis de mídias sociais em campanha pela reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL) atuam para garantir apoio do segmento cristão evangélico por meio de desinformação baseada em terrorismo verbal (busca de convencimento com imposição do pânico). Um dos temas mais fortes neste sentido nas eleições de 2022 é a ideia de que o Partido dos Trabalhadores (PT), que está à frente nas pesquisas com a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e as esquerdas em geral, ameaçam a existência das igrejas no Brasil. Em várias postagens se propaga que, caso vençam, Lula, o PT, as esquerdas, vão silenciar os cristãos e fechar as igrejas.

A mais recente postagem mostra o vídeo de uma  marcha na qual manifestantes gritam “Igreja fascista tu tá na nossa lista”. Ao vídeo foi adicionado o título “Passeata do PT ameaça igrejas”. Legendas usam do pânico para convencer: “Olha o absurdo que nos espera se, acontecer o inesperado” e “‘Nicaraguar’ o Brasil não é uma opção” (esta última, em referência à perseguição que o atual governo da Nicarágua tem imposto a lideranças da Igreja Católica no país que lhe tem feito críticas).

Imagem: reprodução do Twitter

Origem do vídeo

Bereia checou que este vídeo já havia sido utilizado por apoiadores de Jair Bolsonaro na campanha eleitoral de 2018. Ele foi publicado no Facebook, em 15 outubro de 2018, pelo pastor da Igreja da Trindade Franklin Ferreira, em postagem contra esquerdas e pastores progressistas. No conteúdo, o pastor  critica a disseminação de ódio contida na frase gritada por manifestantes em marcha, diante da Catedral da Fé da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), em Porto Alegre (RS).

Imagem: reprodução do Facebook

A pesquisa que Bereia fez das origens do vídeo indica que ele foi produzido por fiéis da Catedral da Fé, em outubro de 2018, com o registro de um momento em que manifestantes passam em frente ao templo e gritam a frase que classifica a igreja como ” fascista”. 

Em 9 de outubro de 2018, há a publicação de um pastor da IURD em seu perfil pessoal no Facebook, que reproduz o vídeo com a legenda:  

“Estamos sendo CHAMADOS DE FACISTAS!! 

Bispo, por três vezes lá em Porto Alegre, tivemos que fechar a catedral durante passagem de manifestantes da esquerda. Nas três vezes tivemos que pintar de novo a fachada, porque deixaram frases como essa. Podemos usar agora, mostrando o que eles pretendem em relação a nós. Repare que a frase cantada é “igreja fascista, tu tá na nossa lista”.

Imagem: reprodução do Facebook

A manifestação em Porto Alegre ocorreu no contexto das marchas antifascistas, em oposição à candidatura de Jair Bolsonaro (PSL), durante o segundo turno daquele pleito, disputado também por Fernando Haddad (PT). O jornal Sul 21 cobriu uma das marchas, organizada pela Frente Povo Sem Medo para protestar contra os casos de violência verbal e física de apoiadores do candidato dirigida a militantes de esquerda. 

Os gritos contra a IURD, apoiadora de Jair Bolsonaro, registrados em vídeo, ocorreram em uma dessas manifestações. Como o pastor indica na publicação do Facebook, eles passaram a ser usados para contrapor a afirmação de que os discursos de ódio partiam da candidatura de Bolsonaro.

A falsa perseguição a igrejas 

O uso do tema da perseguição a cristãos pelas esquerdas e pelo PT em campanha eleitoral não é novo, remonta às eleições de 1989, quando o PT lançou Lula candidato pela primeira vez, usado por apoiadores de Fernando Collor de Mello. Usava-se o imaginário da ameaça comunista relacionada ao PT e o discurso de que fecharia as igrejas para apoiar Collor, que as protegeria. 

Este tema como campanha não foi tão usado em eleições posteriores e foi retomado com mais força somente mais recentemente, nas eleições municipais de 2020, sob o rótulo do termo “cristofobia”. Bereia publicou material sobre a circulação desta desinformação naquele ano. Como não havia casos a serem explorados no Brasil, onde cristãos livremente professam sua fé, os discursos lançaram mão de casos como o da queima de um templo católico no Chile, em 2020. O fato foi manipulado por candidaturas de direita, como exemplo do que poderia acontecer no Brasil governado por partidos de esquerda. 

Bereia aprofundou a abordagem e publicou artigo que explica que “cristofobia” é tema inventado para explorar o imaginário cristão de perseguição e ganhar com isto adesão a certas causas e extrapolar a liberdade de expressão, uma vez que não existe este tipo de ação sistemática no Brasil. 

O caminho aberto para a abordagem do tema da perseguição a igrejas como estratégia de convencimento de campanhas de direita está sendo trilhado em 2022 com os discursos em torno da reeleição de Jair Bolsonaro. São muitas as postagens de conteúdo em mídias sociais que afirmam que Lula e as esquerdas vão fechar igrejas e perseguir cristãos. 

Mesmo contrapondo tal conteúdo com afirmações de que durante os mandatos do PT não houve qualquer sinal de animosidade contra grupos religiosos, especialmente cristãos, a Coligação Brasil da Esperança, que tem o ex-presidente Lula como candidato, protocolou representação no Tribunal Superior Eleitoral  (TSE) contra materiais publicados pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) com a temática. 

A ministra Carmem Lúcia tratou o caso e determinou, em 5 de setembro de 2022, a remoção dos vídeos nas mídias sociais do deputado nos quais afirmava que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o PT (Partido dos Trabalhadores) “apoiam invasões de igrejas e perseguição de cristãos”.

Tais abordagens também foram disseminadas por personagens públicas como o deputado federal Marco Feliciano (PL-SP), o pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia, entre outras, como pode ser encontrado em várias matérias do Bereia.

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Bereia classifica as postagens com o vídeo intitulado “Passeata do PT ameaça igrejas” como enganosas. O vídeo é de 2018 e registra um ocorrido no contexto das disputas do segundo turno das eleições daquele ano. Representa um ato de intolerância religiosa que é pontual, contextual, referente a uma personagem específica, a IURD, e não a todas as igrejas. 

Quem faz uso deste vídeo em 2022 quer fazer crer que tal manifestação ocorreu neste momento, por isso não indica data e local do ocorrido, muito menos as circunstâncias. Isto é característico da propagação de desinformação. Não há registro de qualquer manifestação organizada contrária a igrejas na campanha eleitoral de 2022. 

Bereia alerta  leitores e leitoras sobre a desinformação sobre perseguição a igrejas e cristãos no Brasil. Tal prática não existe e não é projeto de qualquer partido político. A Constituição do Brasil assegura a liberdade de crença e de culto para todas as religiões. Atos de intolerância contra qualquer grupo religioso devem ser repudiados e denunciados. Afirmações em postagens em mídias sociais sobre a existência de ameaças a igrejas e “cristofobia” (perseguição sistemática) no país não são verdadeiras e são desenvolvidas para campanhas de convencimento por meio do pânico.

Referências de checagem:

Sul 21. https://sul21.com.br/ultimas-noticias-politica-areazero-2/2018/10/marcha-antifascista-reune-milhares-contra-bolsonaro-no-centro-de-porto-alegre/ Acesso em: 7 set 2022.

Tribunal Superior Eleitoral. https://bibliotecadigital.tse.jus.br/xmlui/handle/bdtse/5134 Acesso em: 7 set 2022.

Coletivo Bereia.

https://coletivobereia.com.br/incendio-de-igrejas-no-chile-nao-e-caso-de-perseguicao-a-cristaos/ Acesso em: 7 set 2022.

https://coletivobereia.com.br/cristofobia-uma-estrategia-preocupante/ Acesso em: 7 set 2022.

Poder 360. https://static.poder360.com.br/2022/09/decisao-carmen-lucia-eduardo-bolsonaro.pdf Acesso em: 7 set 2022.

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Foto de capa: Google Street View

Pastor engana ao alegar sofrer perseguição de governos petistas

Em entrevista ao portal UOL em julho , ao tratar sobre relacionamento com evangélicos, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o pastor presidente da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia foi bem tratado no tempo em que o PT estava na presidência do Brasil. O pastor, no entanto, em reação publicada pelo jornal O Estado de São Paulo, afirmou que foi perseguido pelos governos petistas. “Fui muito bem tratado com uma perseguição da Receita Federal. Até hoje eu respondo (às ações). Isso foi perversidade e maldade em cima da igreja”.

Imagem: reprodução do site do Estado de São Paulo
Imagem: reprodução do UOL

De fato o pastor, a Associação Vitória em Cristo (AVEC), a Assembleia de Deus Vitória em Cristo (ADVEC) e a editora Central Gospel foram alvos de ações da Receita Federal em 2014, o que gerou fortes reações de Malafaia na época. 

Imagem: reprodução do Twitter

O motivo da investigação federal, no entanto, não é identificada como perseguição, mas segue o protocolo da instituição  uma vez que as entidades ligadas ao pastor têm uma dívida milionária com o Tesouro Nacional. 

A igreja e a editora dirigidas pelo pastor Silas Malafaia têm R$ 4,6 milhões em impostos inscritos como dívida ativa da União — desse valor, R$ 1,3 milhão estão sendo parcelados. As cifras são quase o triplo do registrado em dezembro de 2018, quando somavam R$ 1,59 milhão, segundo dados da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), obtidos pelo portal UOL por meio da Lei de Acesso à Informação. 

As dívidas totais da Igreja ADVEC, que somam R$ 2,89 milhões, são referentes ao imposto de renda e contribuições previdenciárias. A editora Central Gospel também tem R$ 26 mil em débitos da CSL (Contribuição Social do Lucro Líquido). Em recuperação judicial desde 2019, a editora tem R$ 1,76 milhão em dívida ativa no total. O pastor é sócio-administrador da empresa junto com a esposa, Elizete Malafaia. 

Imagem: reprodução do UOL

Entretanto, esse não foi o único problema do pastor com a justiça. Em 2016, já no governo Temer, Malafaia foi alvo de um mandado de condução coercitiva para depor na sede da Polícia Federal no Rio, mas como estava em São Paulo, não chegou a ser conduzido. O mandado fazia parte da Operação Timóteo (em referência ao livro da Bíblia, sendo o alvo um religioso) que investigava a possibilidade de o pastor emprestar contas bancárias de sua instituição para ajudar a ocultar dinheiro. A PF indiciou o pastor por lavagem de dinheiro.

Imagem: reprodução do G1

Bereia classifica como enganosa a afirmação  do Pr. Silas Malafaia de sofrer perseguição no governo Lula, já que as ações da Receita Federal durante os governos petistas foram baseadas no fato de que a igreja e a editora dirigidas pelo pastor tinham milhões de reais de impostos inscritos como dívida ativa da União. O não pagamento dos impostos foi cobrado pela Receita, na forma como ocorre com empresas, instituições e pessoas físicas no Brasil que estejam devendo impostos à União. Já a investigação da Policia Federal sobre ilegalidades que envolvem o pastor, ocorreram durante o.governo Temer.

Bereia alerta leitores e leitoras sobre o uso de discursos falsos e enganosos sobre a existência de perseguição contra cristãos no Brasil para causar medo e aversão contra certos partidos e lideranças políticas. Este conteúdo tem sido usado, em especial, para  influenciar o debate eleitoral. 

Referências de checagem:

O Estado de São Paulo. https://politica.estadao.com.br/blogs/coluna-do-estadao/52372-2/ Acesso em: 30 ago 2022.

UOL.

https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2022/07/27/entrevista-lula-uol-integra.htm  Acesso em: 27 ago 2022

https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2021/05/17/silas-malafaia-igreja-editora-divida-ativa-sobe-receita-federal-milhoes.htm – Acesso em: 27 ago 2022

G1.

https://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/pf-indicia-pastor-silas-malafaia-em-inquerito-da-operacao-timoteo.ghtml – Acesso em: 27 ago 2022

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Foto de capa: Pillar Pedreira / Agência Senado

Cristofobia e intolerância religiosa: as fake news como estratégia política para enganar cristãos na campanha eleitoral 2022

A campanha eleitoral começou oficialmente em 16 de agosto. Os programas de televisão e rádio, além das publicações nas mídias sociais, devem respeitar as regras estabelecidas pela legislação eleitoral. Porém, no ciberespaço, aparentemente sem regulação e controle, a campanha eleitoral começou há algum tempo, ou melhor, não parou e esta edição está ativa desde 2018. 

No campo virtual não existem regras. Quanto mais alarmante e absurdo, melhor. O objetivo é gerar pânico e com isso, compartilhamentos. No que diz respeito às religiões, nestas eleições nacionais de 2022, os temas da cristofobia (perseguição aos cristãos no Brasil), além de temas como intolerância religiosa e racismo religioso, parecem estar no centro da disputa por votos e para criticar adversários. 

Para além de indivíduos religiosos,  o discurso cristão é uma linguagem familiar a quase todos os brasileiros, compreendido pela ampla maioria. Isto porque, existe uma referência histórica e cultural desde a colonização portuguesa, que trouxe com ela o Cristianismo católico, e cria um senso de identidade, ainda que grande parte  da população não frequente uma igreja. Desta maneira, o discurso religioso com ênfase cristã é utilizado como arma política para além dos muros das igrejas. 

A controvérsia do Estado laico

Num Estado laico como o Brasil, lideranças políticas não devem se comportar como fiéis de uma crença particular, e muito menos atacar qualquer religião. No entanto, não é isto que se observa neste conturbado processo eleitoral. Em tempos de mídias sociais, a desinformação com a circulação de conteúdo falso e enganoso, especialmente, as chamadas fake news, se tornaram armas mais poderosas do que as antigas artilharias militares. 

De acordo com a antropóloga, pesquisadora e coordenadora de Religião e Política do ISER Lívia Reis, de forma abrangente, podemos dizer que um Estado é laico quando há uma separação oficial entre Estado e religião. Isso significa que não existe uma religião oficial de Estado, que nenhuma religião pode ser beneficiada em detrimento de outras e que a interferência religiosa não é permitida em decisões estatais. Assim, ao invés de divulgar, perseguir ou hostilizar religiões, um Estado laico deve garantir que todas as religiões sejam valorizadas e tenham o direito de existir igualmente.

Entretanto, Bereia tem monitorado discursos e publicações em mídias sociais de personagens políticos importantes como a primeira dama Michelle Bolsonaro e o deputado pastor Marco Feliciano, além de um grande número de políticos e “influenciadores” digitais cristãos e observa o quanto pregam a intolerância religiosa, reverberando discursos de ódio e disseminando pânico com falsas notícias. 

O caso da intolerância contra religiões de matriz africana 

A primeira-dama Michelle Bolsonaro compartilhou nos stories de seu Instagram, em 9 de agosto, um vídeo que tem imagens editadas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em encontro com lideranças de religiões de matriz africana. A publicação tem mensagens que associam a prática deste grupo religioso às trevas. Ao compartilhar o vídeo, a primeira-dama escreveu: “Isso pode, né? Eu, falar de Deus, não”, numa referência às críticas que recebera por promover uma reunião de oração de vigília durante a madrugada no Palácio do Planalto, sede do Poder Executivo Federal. 

O vídeo foi publicado originalmente pela vereadora autodenominada cristã, de igreja não identificada, Sonaira Fernandes (Republicanos-SP). Na legenda da publicação, a vereadora escreveu: “Lula entregou sua alma para vencer essa eleição. Não lutamos contra a carne nem o sangue, mas contra os principados e potestades das trevas. O cristão tem que ter a coragem de falar de política hoje para não ser proibido de falar de Jesus amanhã.”

Imagem: reprodução do Instagram

Na mesma direção da referência negativa de Sonaira Fernandes, dias antes da postagem no Instagram, no domingo, 7 de agosto, a primeira-dama e o presidente participaram de culto na Igreja Batista da Lagoinha, em Belo Horizonte, ao lado do pastor André Valadão e outras lideranças religiosas. Michelle Bolsonaro, ao se referir sobre os palácios de governo em Brasília, afirmou, ao lado do presidente em lágrimas, que: 

“Por muitos anos, por muito tempo, aquele lugar foi um lugar consagrado a demônios. Cozinha consagrada a demônios, Planalto consagrado a demônios e hoje consagrado ao Senhor Jesus.” (a partir do 00:06:00 min do vídeo).

Bereia avalia que o caso da postagem de Sonaira Fernandes, compartilhada por Michelle Bolsonaro, ao lado da afirmação feita pela primeira dama na Igreja Batista em Belo Horizonte, não é um simples caso de desinformação sobre uma determinada expressão religiosa. Como pesquisadores cujos estudos Bereia tem acesso afirmam, é um caso de desinformação baseada em intolerância religiosa utilizada como campanha política.

O antropólogo e Conselheiro do ISER Marcelo Camurça, observa que “diante da aproximação das eleições presidenciais de 2022, com a perda crescente de popularidade de Bolsonaro, e o avanço de sua ação tóxica de afrontar as instituições democráticas da república, a estratégia (que começa a se esboçar nos “gabinetes do ódio” e redes de expansão de fake news) de intolerância religiosa como forma de atingir adversários políticos pode recrudescer. Projetos políticos que articulam o pluralismo cultural, religioso, étnico começam a ser rotulados como provindos de religiões do “mal” e por isso ditos “anti-evangélicos”. Não é por outra que Bolsonaro e seus partidários vêm levantando o argumento de uma inexistente “cristofobia” para justificar, como nos exemplos acima, uma confrontação política na forma de “guerra espiritual”.

A desinformação produzida pela vereadora Sonaira Fernandes, compartilhada por Michele Bolsonaro, foi reproduzida por outras personagens do mundo político, como o deputado federal Pastor Marco Feliciano (PL-SP) e continua circulando amplamente mesmo depois de denúncias às plataformas de mídias sociais.

Perseguição às igrejas no Brasil: a mentira que tem mais de 30 anos 

Supostas notícias relacionando o Partido dos Trabalhadores, o ex-presidente Lula e a “esquerda” com o a perseguição e o fechamento de igrejas têm sido compartilhadas diariamente com diversas mídias digitais religiosas. 

Esta desinformação é antiga e foi disseminada já nas primeiras eleições diretas para a Presidência da República depois da ditadura militar, em 1989. Naquela ocasião, circulava entre fiéis a orientação de não votar em candidatos da esquerda, especialmente no candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, porque, no poder, fecharia as igrejas e perseguiria cristãos. Esta campanha foi amplificada quando boa parte do segmento pentecostal decidiu apoiar o candidato Fernando Collor de Mello (PRN). Esta afirmação foi repetida em todos os pleitos em que Lula se candidatou depois de 1989.

Tais “notícias” nunca apresentam as fontes para as informações apresentadas, têm autoria desconhecida e com teor alarmante, pedem o compartilhamento urgente da mensagem. Há ainda casos da criação de postagens com autoria falsa, como é o caso desta postagem atribuída falsamente ao ex-presidente Lula, com a afirmação de que em um futuro governo a igreja teria seus benefícios cortados entre outras “punições”.   

Imagem: reprodução do UOL

Além do compartilhamento nos grupos de mensagens e nas redes sociais digitais, estes conteúdos são legitimados por autoridades públicas, como o já citado pastor deputado Marco Feliciano (PL-SP), destacado propagador de desinformação. 

A menos de dois meses das eleições de 2022,  uma notícia falsa voltou a se espalhar entre fiéis igrejas evangélicas por todo o país: a possibilidade de seus templos serem fechados caso Lula volte a governar o país. Feliciano admitiu que tem feito essa pregação para “alertar” os evangélicos.

“Conversamos sobre o risco de perseguição, que pode culminar no fechamento de igrejas. Tenho que alertar meu rebanho de que há um lobo nos rondando, que quer tragar nossas ovelhas através da enganação e da sutileza. A esmagadora maioria das igrejas está anunciando a seus fiéis: ‘tomemos cuidado’”disse Feliciano, que é pastor da Assembleia de Deus Ministério Catedral do Avivamento.

Imagem: reprodução do Twitter

Diante desse cenário, o PT acelerou o movimento para rebater as acusações. O partido produziu um material no qual afirma que Lula “é cristão, nunca fechou e nem vai fechar igrejas”. A peça lembra que Lula sancionou a lei que garante personalidade jurídica às organizações religiosas em 2003, conhecida como lei da liberdade religiosa e instituiu o Dia Nacional da Marcha para Jesus em 2009.  Em 2016, Dilma Rousseff sancionou a lei que criou o Dia Nacional do Evangélico. 

Imagem: divulgação PT

Lei da liberdade religiosa sancionada em 2003 pelo então presidente Lula

Imagem: reprodução do YouTube

Na primeira fila da cerimônia de sanção da lei da liberdade religiosa em 2003, dentre várias autoridades, destacamos o pastor e então senador, Magno Malta.

Imagem: reprodução do YouTube

Em 2022, agora em campanha para voltar ao Senado, Magno Malta publica ataques ao Partido dos Trabalhadores, relacionando seus líderes a uma suposta cristofobia. Na imagem publicada pelo agora candidato Magno Malta, ele utiliza a foto do ex-chefe de gabinete de Lula e ex-ministro de Dilma Rousseff, Gilberto Carvalho. Entre aspas, coloca uma frase jamais dita por Gilberto Carvalho.

Imagem: reprodução do Twitter

Na cerimônia que sancionou a lei de liberdade religiosa em 2003, o então presidente Lula declarou:

“Olá meus companheiros pastores. Durante muito tempo eu disse que Deus escreve certo por linhas tortas. Eu não sei se é coincidência ou não, mas essa é a última lei que eu sanciono este ano. Ah e eu não sei se coincidência ou não é exatamente uma lei que

torna livre a liberdade religiosa no país. Por quê que eu digo coincidência porque durante muitos e muitos anos eu encontrava com pastores pelo Brasil a fora que perguntavam para mim: Lula é verdade que se você ganhar as eleições, você vai fechar as igrejas evangélicas? E no primeiro ano do meu governo e a última lei do ano de 2003 é exatamente para dizer que aqueles que me difamaram,  agora vão ter que pedir desculpas não a mim, mas a Deus e a sua própria consciência. Eu dizia sempre que tem três coisas que demonstram que um país vive em democracia: uma é liberdade política, outra é liberdade religiosa e a liberdade sindical. Eu penso que nós estamos vivendo esses momentos de liberdade no Brasil.”

Porém,em tempos de pós-verdade, os fatos não importam. Como disse o então presidente Lula na cerimônia da lei de liberdade religiosa, na campanha de 2002 ele já era questionado a respeito do fechamento de igrejas, caso eleito. Vinte anos depois, as mesmas acusações são repaginadas em tempos de mídias digitais. Magno Malta estava na cerimônia que sancionou a lei de liberdade religiosa, um marco para as igrejas evangélicas do Brasil, e hoje, promove ataques e acusações aos mesmos que sancionar a lei. Um dos maiores porta-vozes das acusações infundadas contra o agora candidato Lula, é pastor deputado Marco Feliciano:

Imagens: reprodução do Twitter

 

Como enfrentar estas mentiras

A intolerância contra as expressões religiosas e culturais de indígenas e negros remonta à escravização e à exploração destes povos desde o período colonial. Séculos depois, e ainda sem a devida superação desta questão dramática, o artigo do antropólogo Marcelo Camurça, “Intolerância religiosa e a instrumentalização da religião pelo autoritarismo” chama atenção para uma “nova modalidade de intolerância que se coloca ao dispor da estratégia política de correntes de extrema direita para seus projetos de poder”. O artigo apresenta dois casos recentes de intolerância religiosa praticada por políticos. 

O presbiteriano e vereador do PTB de Belo Horizonte Ciro Pereira, que fez uma postagem em sua rede social onde dizia: “engana-se quem pensa que não existe uma guerra espiritual acontecendo. Lula busca as forças ocultas africanas, foi ungido e benzido por várias entidades”. E concluía dizendo: “ a guerra começou e eu luto pela minha família e pelo futuro de minha pátria”. 

Em seguida, a deputada estadual pelo Partido Social Cristão de Pernambuco Clarissa Tercio, da Assembleia de Deus, postou uma foto de Lula ladeado por suas ialorixás paramentadas com suas roupas religiosas, todos de máscara anti-covid, com a seguinte legenda: “Lula recebe benção de Zé Pelintra para vencer a eleição de 2022”, seguido de um comentário da vereadora: “Já o meu presidente Jair Messias Bolsonaro vai ao culto receber a benção do Deus todo poderoso”.

Marcelo Camurça encerra e afirma que: “uma ignominiosa e inaceitável “demonização” das religiões afro-brasileiras é estendida a Lula pela ameaça que sua candidatura significa para os planos continuístas de Bolsonaro; como se a agenda do ex-presidente com lideranças do Candomblé e Umbanda fosse prova já dada de que ambos estariam urdindo “feitiços” maléficos contra a nação”. 

As publicações e declarações de figuras políticas e religiosas que atacam as religiões de matriz africana, são o retrato de um país que está longe de respeitar os princípios da Constituição de 1988.

Um Estado laico é um Estado onde todos estão livres para praticar sua religião. Um credo não se sobrepõe a outra e nenhuma religião deve ser perseguida ou atacada.  Entretanto, o que se vê hoje é a utilização do discurso religioso com fins políticos e como arma eleitoral. 

Além disso, a suposta cristofobia alardeada por Feliciano e outros líderes, ou seja, a perseguição que cristãos, principalmente os evangélicos, poderiam sofrer num novo mandato do presidente Lula, não é verdade. Se fosse, os 14 anos de governo do PT (2003 a 2014) revelariam casos. Ao contrário, como Bereia verificou, já mostramos que declarações e atos de Lula enquanto presidente da República indicam o oposto. Bereia já publicou artigo explicando o falacioso termo “cristofobia” e várias matérias de verificação de conteúdo sobre este tema, todas falsas e enganosas. 

O deputado Marco Feliciano projeta suas próprias convicções políticas nos adversários, numa tática de inversão de posições. Ao pregar intolerância contra religiões de matriz africana e criticar posições de personagens e grupos progressistas, por exemplo, ele faz crer que os alvos do ataque são os intolerantes e perseguidores. Os fatos não importam. O objetivo é gerar pânico entre fiéis e disseminar o maior número de notícias falsas e alarmantes. 

Referências de checagem:

Valor Econômico. https://valor.globo.com/politica/noticia/2022/08/09/michelle-bolsonaro-compartilha-vdeo-com-lula-que-associa-religio-de-matriz-africana-s-trevas.ghtml Acesso em 17 AGO 22

Portal UOL. https://noticias.uol.com.br/confere/ultimas-noticias/2022/02/09/e-falso-tweet-de-lula-sobre-cortar-beneficios-de-igrejas.htm Acesso em 17 AGO 22

O Globo.

https://oglobo.globo.com/politica/eleicoes-2022/noticia/2022/08/fake-news-sobre-fechamento-de-igrejas-em-caso-de-vitoria-da-esquerda-tem-respaldo-de-deputado.ghtml Acesso em 17 AGO 22

https://oglobo.globo.com/blogs/sonar-a-escuta-das-redes/post/2022/08/michelle-bolsonaro-leva-evangelicos-para-orar-de-madrugada-dentro-do-palacio-do-planalto.ghtml Acesso em 17 AGO 22

Folha de São Paulo.

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2022/01/montagem-que-associa-lula-e-candomble-ao-demonio-leva-vereador-bolsonarista-a-ser-denunciado.shtml?utm_source=twitter&utm_medium=social&utm_campaign=twfolha Acesso em 17 AGO 22

Coletivo Bereia.

https://coletivobereia.com.br/pastor-felippe-valadao-promove-intolerancia-religiosa-em-evento-publico/ Acesso em 17 AGO 22

https://coletivobereia.com.br/volta-a-circular-mensagem-falsa-sobre-lei-do-senado-que-proibiria-pregacoes/ Acesso em 17 AGO 22 

https://coletivobereia.com.br/cristofobia-uma-estrategia-preocupante/ Acesso em 17 AGO 22

Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. https://www.al.sp.gov.br/noticia/?id=275831 Acesso em 17 AGO 22

O Estado de São Paulo. https://politica.estadao.com.br/blogs/estadao-verifica/dia-nacional-do-evangelho-foi-sancionado-por-dilma-nao-por-bolsonaro/ Acesso em 17 AGO 22

Youtube.

https://www.youtube.com/watch?v=DYAJ_kasEyA Acesso em 17 AGO 22

https://www.youtube.com/watch?v=8r1q3huGzio Acesso em 17 AGO 22

EBC. http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2003-12-22/lula-sanciona-lei-que-garante-personalidade-juridica-organizacoes-religiosas Acesso em 17 AGO 22

Religião e Poder.

https://religiaoepoder.org.br/artigo/racismo-religioso/  Acesso em 17 AGO 22

https://religiaoepoder.org.br/artigo/projeto-de-lei-coloca-a-biblia-no-centro-do-debate-sobre-estado-laico/ Acesso em 17 AGO 22

https://religiaoepoder.org.br/artigo/estado-laico/ Acesso em 17 AGO 22

https://religiaoepoder.org.br/artigo/avancos-no-combate-a-intolerancia-religiosa-no-rio-de-janeiro/ Acesso em 17 AGO 22 

https://religiaoepoder.org.br/artigo/a-intolerancia-religiosa-como-forma-de-instr Acesso em 17 AGO 22

https://religiaoepoder.org.br/artigo/liberdade-religiosa/ Acesso em 17 AGO 22

https://religiaoepoder.org.br/artigo/para-alem-de-uma-estrategia-eleitoral-as-fake-news-na-pauta-dos-poderes-da-republica/ Acesso em 17 AGO 22

https://religiaoepoder.org.br/artigo/serie-fake-news-parte-2-acoes-do-poder-legislativo-frente-o-fenomeno-das-fake-news/ Acesso em 17 AGO 22

https://religiaoepoder.org.br/artigo/serie-fake-news-parte-3-acoes-dos-poderes-judiciario-e-executivo-frente-o-fenomeno-das-fake-news/ Acesso em 17 AGO 22

Tribunal Superior Eleitoral. https://bibliotecadigital.tse.jus.br/xmlui/handle/bdtse/5134 Acesso em 17 AGO 22

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Foto de capa: Pete Linforth por Pixabay

Postagens em mídias sociais mentem sobre esquerda ter proibido cultos e missas na Argentina

Circulam pelas mídias sociais e meios religiosos a informação de que a celebração de missas e cultos evangélicos foi vedada na Argentina. Segundo as postagens, a proibição teria partido da esquerda política no país. 

Imagem: reprodução de Twitter

Bereia recebeu pedidos de leitores para checar a veracidade da afirmação. Para isso, além de pesquisar em fontes jornalísticas da Argentina, foi contatado o pastor da Igreja Metodista Evangélica Argentina há quase 30 anos Leonardo Félix, que reside no país, e é também Diretor Executivo da Agência de Comunicações da América Latina e do Caribe (ALC notícias), e atual presidente da Associação Mundial para a Comunicação Cristã, região América Latina (WACC-Al).

Cultos evangélicos continuam ocorrendo normalmente na Argentina

Segundo Félix, não há e nunca houve qualquer restrição do tipo à população cristã na Argentina. Ele ainda complementa que, no país, a esquerda dificilmente poderia promover proibições no espaço público, pois não tem uma representação mínima na Câmara dos Deputados ou Senadores, e acrescenta: “aqui, a esquerda sequer possui este poder, já que em nenhum lugar, em nenhum estado, que aqui se chamam Províncias, há governos de esquerda”. O país é uma República regida pelos três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário.

Atualmente, o vizinho latino-americano é governado por Alberto Fernández e a vice Cristina Kirchner, ambos parte de uma coalizão governante – a Frente de Todos – que é uma conjunção de diversas dissidências do movimento peronista no país. Em linhas gerais, o Peronismo é um regime político de esquerda, construído pelo ex-presidente Juan Domingo Perón . Dentre os seus princípios fundamentais estão a soberania política, a independência econômica e a justiça social.

O pastor Felix ainda informou ao Bereia que conversou com contatos de partidos de esquerda, que não confirmaram qualquer movimento de desautorização dos cultos evangélicos. Tal conteúdo tampouco circula no país, onde o número de pessoas que se identificaram como cristãos evangélicos aumentou de 9% em 2008 para 15,3% em 2019, de acordo com a Segunda Pesquisa Nacional sobre Crenças e Atitudes Religiosas, apesar de o Catolicismo ser adotado como religião oficial.  A Argentina é um Estado Confessional, no qual a liberdade de culto está garantida constitucionalmente.

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Bereia classifica a informação como falsa. Durante o processo de produção desta checagem, além do líder religioso, foram consultados sites de notícias especializados em temas religiosos, assim como canais de mídias sociais, sem que fosse encontrado qualquer indício de intervenção do Estado ou partidos políticos nas instituições evangélicas argentinas. Bereia alerta para este tipo de conteúdo que faz uso político da religião com base em mentira para promover pânico moral entre fiéis contra determinados segmentos sociais. Também recomenda  que, antes de compartilhar qualquer informação em mídias sociais, os leitores e leitoras façam uma pesquisa sobre o tema, a fim de verificar a procedência das afirmações.  

Referências de checagem:

Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas. http://www.ceil-conicet.gov.ar/wp-content/uploads/2019/11/ii25-2encuestacreencias.pdf Acesso: 15 ago. 2022

El País. https://brasil.elpais.com/internacional/2021-11-15/eleicao-na-argentina-quem-e-quem-no-peronismo.html Acesso: 15 ago. 2022

Estado de Minas.

https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2019/08/12/interna_internacional,1076633/entenda-o-peronismo-movimento-que-marca-a-historia-politica-argentina.shtml acesso: 15 ago. 2022

EBC.

https://memoria.ebc.com.br/noticias/internacional/2013/03/catolicos-sao-maioria-na-argentina Acesso: 18 ago. 2022

Sites gospel repercutem que decisão judicial sobre programação em rádio e TV é perseguição religiosa

Circula por sites de notícias gospel a recente decisão da Justiça Federal do Rio de Janeiro sobre o tempo destinado à comercialização nas grades de programação das emissoras de rádio e televisão pertencentes aos grupos Band Rio e Record. 

A sentença trata ainda do tempo televisivo dedicado pelas emissoras e retransmissoras às igrejas. O caso tem sido classificado como censura e perseguição religiosa por algumas personalidades do meio em seus perfis nas mídias sociais.

Imagem: reprodução do Instagram

O que dizem as sentenças

A decisão da Justiça Federal foi proferida em duas ações civis públicas movidas pelo Ministério Público Federal (MPF), e está respaldada na Lei Geral de Radiodifusão, Decreto nº 88.067.

Segundo o Decreto, concessionárias e permissionárias de serviços de radiodifusão devem limitar a 25% o tempo destinado à publicidade comercial no horário da programação diária. Esta restrição inclui o espaço comercializado para entidades religiosas ou sem fins lucrativos.

Conforme apurado pelo MPF em inquérito, em 2019 a Band destinava até 25,98% de sua programação diária à veiculação remunerada de conteúdos produzidos por terceiros, enquanto a Record comercializa em média 28,19% de seu tempo televisivo semanalmente. 

No que diz respeito aos conteúdos religiosos, a retransmissora da Rede Bandeirantes no Rio tem 20,38% da grade ocupada por programas desta natureza, enquanto a Record, emissora da Igreja Universal do Reino de Deus, cede 20,83% de sua programação para programas idealizados por essa mesma Igreja. 

Sendo assim, ambas as emissoras foram condenadas a reduzir o período total comercializado em suas grades para os 25% previstos em lei, o equivalente a seis horas diárias, cabendo à União fiscalizar o cumprimento da decisão.

O descumprimento da Lei Geral de Radiodifusão pela Band Rio e pela Record foi apontado,  em 2019, pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Rio de Janeiro e o resultado do julgamento – datado de abril de 2021 – foi divulgado pelo MPF-RJ em 23 de maio passado.

Para a Juíza Federal Frana Mendes, responsável pelo caso da Band Rio, “ainda que os programas religiosos comercializados pela emissora de TV não se refiram a publicidade de marca, produto, ou ideia, há verdadeira comercialização de grade mediante contratos de caráter sinalagmático e de inegável intuito lucrativo, já que recebe a mesma contraprestação financeira pela cessão do tempo de sua programação” [p.06].

Já o Juiz Federal Alberto Nogueira Júnior, que decidiu sobre o caso da Record, afirmou que “todas as prestadoras de serviços de radiodifusão estão sujeitas ao mesmo limite de tempo máximo de 25% de comercialização, independentemente de qualquer ligação com entidades ou ideologias religiosas” [p.06].

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Bereia classifica o conteúdo que circula em sites gospel com este assunto como enganoso. Apesar de substancialmente verdadeiro, haja vista que realmente houve deliberação sobre o tempo comercializado na grade das emissoras Band e Record, tal decisão não diz respeito somente a programas religiosos, mas sim ao tempo total destinado a conteúdos pagos por terceiros, que está sendo desrespeitado. Portanto, não se trata de um caso de perseguição religiosa ou censura, como alegam algumas personalidades religiosas repercutidas nos sites gospel, mas, sim, do cumprimento da regulamentação dos meios de comunicação, prevista em lei.

Referências de checagem:

Planalto.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/antigos/d52795compilado.htm Acesso em: 7 jun 2022 

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/antigos/D88067.htm#art1 Acesso em: 7 jun 2022

Jota.

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2022/05/sentenca-band.pdf Acesso em: 7 jun 2022

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2022/05/sentenca-record-compactado.pdf Acesso em: 7 jun 2022

UOL.

https://www.uol.com.br/splash/noticias/2022/05/24/justica-condena-band-rio-e-record.htm#:~:text=A%20R%C3%A1dio%20e%20Televis%C3%A3o%20Bandeirantes,religiosas%20ou%20sem%20fins%20lucrativos Acesso em: 7 jun 2022

Veja. https://veja.abril.com.br/coluna/veja-gente/justica-condena-duas-emissoras-por-tempo-televisivo-excessivo-para-igrejas/ Acesso em: 7 jun 2022

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Foto de capa: Pixabay

Pastor Felippe Valadão promove intolerância religiosa em evento público

Circulou em várias mídias a notícia de que o pastor da Igreja Batista Lagoinha Felippe Valadão atacou religiões de matriz africana em um evento oficial promovido pela Prefeitura de Itaboraí, na Região Metropolitana do Rio, em 19 de maio passado. O prefeito da cidade é Marcelo Delaroli, filiado ao Partido Liberal (PL) e membro da 1ª Igreja Batista.

Imagem: reprodução do G1

O município comemora o aniversário de 189 anos de emancipação político-administrativa com uma série de shows,  na qual se apresentaram artistas gospel. Segundo os relatos, no intervalo de uma das apresentações , Felippe Valadão subiu ao palco e discursou: 

Queira o diabo ou não, você sabe o que fizeram aqui de ontem para hoje? O pessoal acordou aqui e de ontem para hoje tinham quatro despachos aqui na frente do palco!

Avisa aí pra esses endemoniados de Itaboraí, o tempo da bagunça espiritual acabou, meu filho! A igreja está na rua! a igreja está de pé!!! A igreja está na rua! a igreja está de pé!!!

E ainda digo mais: prepara para ver muito centro de umbanda sendo fechado na cidade! Eu declaro, vem um tempo aí ó, Deus vai começar a salvar esses pais de santo que tem aqui na cidade.

Você vai ver coisas que você nunca viu na vida. Chegou o tempo Itaboraí! Aquele espírito maligno de roubalheira na política acabou! Eu vou repetir: o tempo de bagunça e roubalheira nessa cidade acabou!

Repúdio e medidas legais 

No dia seguinte, a Comissão de Matrizes Afro-Brasileiras de Itaboraí (Comabi), publicou nota de repúdio ao discurso do pastor e exigiu retratação pública do prefeito, responsável pelo evento.

NOTA DE REPÚDIO

Ao Ilmo Sr. Prefeito de Itaboraí Marcelo Delarolli.

Itaboraí, 20 de maio de 2022.

A Comissão de Povos Tradicionais de Terreiros de Itaboraí, COMABI, vem por meio desta nota, repudiar as infelizes palavras do pastor Felippe Valadão na noite desta quinta-feira, dia 19 de maio de 2022, por ocasião da abertura das festividades em comemoração aos 189 anos do Município de Itaboraí.

Em sua fala, o pastor agride de maneira vil, desrespeitosa e ameaçadora a comunidade religiosa do Candomblé e da Umbanda desta cidade que tem sancionada a lei 2603/2016 que Institui o DIA MUNICIPAL DE COMBATE À INTOLERÂNCIA RELIGIOSA CONTRA OS POVOS TRADICIONAIS DE MATRIZES AFRICANAS no dia 24 de Julho, que no então, não corrobora com o acontecido na Cidade no citado evento.

Queremos antes de tudo, questionar o motivo de uma manifestação festiva, popular e laica, ter em sua programação, discursos de cunho religioso, quando na verdade, se houve a intenção de manifestar alguma religiosidade, haveria de ter representantes de todas as matrizes, e não tão somente evangélicas por não representar a diversidade e a pluralidade dos cidadãos e cidadãs do município 

O Pastor começa chamando-nos de ‘ENDEMONIADOS’, e que o tempo da bagunça religiosa acabou na cidade.

Que se pode matar galinha, fazer o que quiser os terreiros serão fechados e os ‘Pais e Mães de santo’ serão salvos pelo ‘deus’ que ele professa. Sim, “deus” com letra minúscula, porque o Deus com maiúsculo que conhecemos não compactua com sua megalomania, loucura e arrogância.

Perguntamos; com qual autoridade, seja ela política ou religiosa esta insana figura foi outorgada, para desferir tamanhas agressões contra uma comunidade que vive a fazer o bem, cuidando das pessoas e contribuir com sua comunidade, onde muitas das vezes o poder público não a alcança.

Desta forma, exigimos urgente retratação pública do Sr. prefeito, organizador do evento, para que no poder de suas atribuições, venha a restaurar, a ordem, igualdade, laicidade e o respeito a todo o povo religioso de Itaboraí, aviltado por esta figura desequilibrada, que certamente irá responder nos autos por sua infração e crime de intolerância religiosa, como confere a legislação brasileira. O Brasil tem normas jurídicas que visam punir a intolerância religiosa.

No Brasil, a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, alterada pela Lei nº 9.459, de 15 de maio de 1997, considera crime a prática de discriminação ou preconceito contra religiões.

Exigimos aqui que seja feito um T.A.C – Termo de Ajuste de condutas – ajustando no calendário festivo um espaço para a manifestação cultural dos povos de Terreiro que em sua jornada de “reXistência” foi duplamente atacado pelo citado ”líder” e pela instituição majoritária que deveria defender a constituição em seu capítulo 5°.

Certo de sua sensibilidade com tal fato assinamos.

COMABI.

Em 20 de maio de 2022.

O Estado do Rio de Janeiro tem observado diversos avanços no combate à intolerância religiosa, dentre eles a criação  da Comissão Parlamentar de Inquérito Contra a Intolerância Religiosa, criada em maio de 2021. O relator da CPI da Intolerância Religiosa, na Assembleia Legislativa do Rio, deputado Átila Nunes (PSD) preparou uma representação ao Ministério Público contra o pastor Felippe Valadão e contra o prefeito de Itaboraí e também apresentou denúncia pessoalmente à Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância – DECRADI,  pela promoção ao ódio religioso em evento patrocinado com dinheiro público. 

Além destas representações legais, o deputado Átila Nunes afirmou que  “os terreiros de Itaboraí precisam de segurança”. Vou pedir ao governador para reforçar o policiamento na região, considerando as ameaças feitas pelo autointitulado pastor Felippe Valadão numa festa patrocinada pela prefeitura contra os religiosos da Umbanda e do Candomblé”.

Racismo religioso

A socióloga Carolina Rocha aponta, em artigo, que: “Intolerância religiosa marca uma situação em que uma pessoa não aceita a religião ou a crença de outro indivíduo. Sobre os princípios da laicidade na Constituição Federal de 1988, o seu Art. 5º, inciso VI, assegura liberdade de crença aos cidadãos: ‘Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […] VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias’”. 

De acordo com a abordagem de Carolina Rocha, o caso de Itaboraí pode ser classificado ainda como racismo religioso. “O termo ‘racismo religioso’ tem sido caracterizado, no Brasil, por preconceito e/ou ato de violência contra adeptos das religiões de matrizes africanas, que são os principais alvos de violência religiosa no país. […] Quem defende o termo argumenta que, no caso das violências que atingem as religiões de origem africana no Brasil, o componente nuclear é o racismo. Nesse caso, parte-se do entendimento de que o objeto do racismo não é uma pessoa em particular, mas certa forma de existir. Um racismo que está, portanto, incidindo além do genótipo ou do fenótipo, mas na própria cultura (tradições de origem negro-africana). […] O que a maioria desses autores ressalta é que existe um amplo histórico de perseguição à cultura afro-brasileira no Brasil, do período colonial até os dias atuais”. 

Segundo o professor de Direito da Universidade Federal de Ouro Preto e do Ibmec-BH Alexandre Bahia, ouvido pelo Bereia, o pastor Felippe Valadão pode ter praticado o crime de discriminação religiosa, de acordo com os dispositivos da Lei nº 7.716  – Art. 1º:  “Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.” Ainda seria enquadrado no  “Art. 20: “Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”, ao afirmar que os centros de Umbanda seriam fechados na cidade e chamando de “endemoniados” os praticantes de religiões de matriz africana.

Além disso, segundo o professor Bahia, o pastor parece atentar contra os princípios da laicidade estabelecidos pela Constituição Federal de 1988 que assegura liberdade de crença aos cidadãos – “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Alexandre Bahia acrescenta que a liberdade de crença  “é inviolável (…) sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. 

O professor de Direito orienta que, ao relacionar o fechamento dos centros de Umbanda e a  chegada de um tempo em que “aquele espírito maligno de roubalheira na política acabou”, Felippe Valadão, aparentemente, tenta estabelecer uma ligação entre as religiões de matriz africana e uma suposta corrupção política. 

***

Bereia classifica as notícias que afirmam que o pastor Felippe Valadão praticou intolerância religiosa em discurso durante show em Itaboraí (RJ) como verdadeiras. Os registros em vídeo da fala do pastor correspondem ao conteúdo reproduzido nas matérias que noticiaram o episódio e os especialistas consultados pelo Bereia confirmam que o tom do discurso de Valadão é marcado pelo que, social e juridicamente, é qualificado como intolerância e violência com motivação religiosa.

Referências de checagem:

G1. https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2022/05/20/pastor-felippe-valadao-ataca-religioes-afro-em-evento-oficial-de-itaborai.ghtml Acesso em: 23 MAI 2022

UOL. https://www.youtube.com/watch?v=MYG5eRk755k Acesso em: 23 MAI 2022

Instagram.

https://www.instagram.com/p/CdyVP_NgLjd/ Acesso em: 23 MAI 2022

https://www.instagram.com/p/Cd584EzgwIi/ Acesso em: 23 MAI 2022

Religião e Poder.

https://religiaoepoder.org.br/artigo/racismo-religioso/ Acesso em: 23 MAI 2022

https://religiaoepoder.org.br/artigo/avancos-no-combate-a-intolerancia-religiosa-no-rio-de-janeiro/ Acesso em: 23 MAI 2022

BBC. https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/01/160120_intolerancia_religioes_africanas_jp_rm Acesso em: 23 MAI 2022

Governo Federal.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9459.htm  Acesso em: 23 MAI 2022

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7716.htm Acesso em: 23 MAI 2022O Dia https://odia.ig.com.br/rio-de-janeiro/2022/05/6405654-religiosos-denunciam-pastor-felippe-valadao-apos-incitacao-de-odio-contra-religioes-africanas-em-evento-de-itaborai.html Acesso em: 23 MAI 2022

Foto de capa: frame de vídeo do canal UOL no YouTube

Nos EUA, igreja alega que Conselho negou construção de escola por perseguição religiosa

Circula em sites religiosos a notícia de que o governo estadunidense teria desaprovado um projeto de construção de uma escola privada cristã, ligada à Igreja hispânica Vida Real. O fato teria ocorrido na cidade de Somerville, em Massachusetts (EUA), e de acordo com as publicações, o impedimento para a abertura do colégio teve como base perseguição religiosa e étnico-racial. Ainda segundo a informação em circulação, o motivo do veto se deu por conta das crenças da igreja em relação a assuntos como ciência, sexualidade e saúde mental.

Os Estados Unidos proíbem escolas religiosas?

Nos Estados Unidos, escolas privadas podem, sim, ter ligações com instituições religiosas. A regulação e secularização do ensino se detêm apenas ao ensino público. O programa educacional público prevê autonomia para que cada estado possa construir sua base comum curricular, desde que siga os princípios legais estabelecidos pela Constituição estadunidense. Dentre eles, encontra-se a Primeira Emenda, que trata da separação entre Estado e religião:

 O Congresso não legislará no sentido de estabelecer uma religião, ou proibindo o livre exercício dos cultos; ou cerceando a liberdade de palavra, ou de imprensa, ou o direito do povo de se reunir pacificamente, e de dirigir ao Governo petições para a reparação de seus agravos. [p.07]

Seguindo essa Emenda, o Estado não deve intervir diretamente sobre o estabelecimento, ou mesmo proibição, do exercício religioso. Assim, o governo fica impedido de determinar uma religião oficial ou realizar interferências nas religiões, desde que sejam “privadas”. Em 1940 a Suprema Corte norte-americana decretou que não apenas o Governo Federal, como os estaduais e municipais devem acatar a decisão de um ensino público secularizado. De acordo com a decisão, o texto bíblico poderia continuar sendo lido nas escolas, se feito dentro de motivações seculares, sem o propósito de evangelizar: Defende-se que o objetivo primário de uma instituição deve ser aquele que não promova nem inibe a religião, e não devendo promover “envolvimento excessivo do governo com a religião”.

Contudo, escolas privadas se encontram fora das regularidades da primeira emenda, por se tratarem de instituições privadas. Elas podem, mesmo hoje, ter relações com instituições religiosas. Exige-se, no entanto, que o plano educacional da escola seja submetido e aprovado por órgãos educacionais regionais, a fim de manter a qualidade do ensino. Como resultado de pesquisa associada ao Pew Research Center, o pesquisador Gregory A. Smith, em seu livro  “Fé + Liberdade: religião nos EUA,  aponta que:

As escolas públicas formavam um número cada vez maior de jovens americanos, mas os cidadãos continuavam livres para enviar seus filhos — normalmente os meninos — para escolas dirigidas por denominações religiosas. Os católicos frequentemente construíam escolas paroquiais. Outras religiões seguiram o exemplo, fundando escolas que refletiam seus valores. Hoje, muitas congregações oferecem instrução religiosa suplementar para os alunos que frequentam a escola pública. As igrejas oferecem “escola dominical” ou aulas de catecismo. As mesquitas e as sinagogas oferecem oportunidades semelhantes para os americanos muçulmanos e judeus. Várias universidades americanas respeitadas começaram como faculdades religiosas. Entre as mais antigas está a Universidade de Princeton, fundada em 1746.  [p.38]

A decisão do Supremo Tribunal, 1940, se dirige majoritariamente para as escolas públicas. Ainda de acordo com o livro “Fé + Liberdade: religião nos EUA”, instituições de educação particulares podem exercer sua liberdade religiosa desde que respeitem os princípios constitucionais, como a defesa da liberdade de expressão individual e o direito ao culto e ao credo. Isto é, “Os alunos, no entanto, podem orar voluntariamente, sozinhos ou em grupos, desde que não obriguem outros a participar da oração e que não perturbem a escola” [p.39].

Escola cristã teve autorização negada

No último 30 de março, o Conselho Escolar de Somerville, Massachusetts, recusou que a Igreja Real Life International (Vida Real), formada majoritariamente por imigrantes e descendentes hispânicos, abrisse uma escola particular na cidade, com o nome de Real Life Learning Center (RLLC). Em carta aberta, publicada pela RLLC, a Igreja aponta que:

Apesar do desejo expresso da Vida Real de abrir o RLLC o mais rápido possível, o Comitê repetidamente impediu os esforços da Vida Real de fornecer educação religiosa privada para sua comunidade há mais de cinco meses. Ainda mais preocupante, o Comitê expressou hostilidade em relação às crenças religiosas de Vida Real, e vários membros do Comitê afirmaram que o desejo do RLLC de criar um currículo consistente com suas crenças religiosas é motivo para negar sua inscrição em escolas particulares.[p.02]

De acordo com o documento, os motivos para a não concessão do direito ao exercício educacional se deu graças à visão religiosa da escola, sua relação com as ciências e a psiquê humana. 

No entanto, segundo o pronunciamento municipal, a recusa se deu devido aos seguintes fatores:

Não há acomodações para alunos matriculados em educação especial, ou alunos não apresentem progresso acadêmico/cognitivo. Não há detalhes sobre avaliações ou como a escola usará avaliações para melhorar os resultados dos alunos. Não há detalhes sobre as formas como os funcionários serão apoiados. Não está claro como o processo de inscrição será resultar em um conjunto diversificado de candidatos. Não está claro se as instalações são adequadas para alunos mais jovens, e não está claro como são as instalações quando os alunos estão lá. A posição da escola sobre a homossexualidade e o criacionismo torna difícil ver como um currículo completo de ciências e saúde é possível. A abordagem da escola para serviços e aconselhamento estudantil parece desvalorizar a psicologia baseada em evidências e sua ênfase em abordagens enraizadas na crença de que a doença mental é causada pelo pecado e pelos demônios é não científico e nocivo. A escola não apresentou provas relacionadas com a segurança da planta física e solvência financeira. No geral, a escola foi totalmente contrária aos valores da SPS e à ideia de educar toda a criança como sendo inclusiva. [tradução livre, p. 03 e 04]

A decisão do Conselho de negar a criação da instituição de ensino se deu, portanto, com base na problemática relação que a instituição religiosa tem com questões ligadas aos direitos humanos, como destaca a carta, em questões como saúde mental, sexualidade e acessibilidade. Pode-se compreender que tal recusa alinha-se aos Direitos Humanos universais, sobre a preservação da qualidade de vida dos possíveis alunos matriculados.

1. Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. 2. Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania.

Bereia classifica a informação como enganosa. A notícia insinua que a decisão do  Conselho Educacional se deve a perseguição religiosa, quando, na verdade, como exposto na própria carta publicada pela RLLC, a escola a ser construída teria seus processos pedagógico e metodológico norteados por uma visão religiosa, sob a negação princípios seculares previstos na Constituição dos Estados Unidos. Cai-se aqui em uma questão pertinente, isto porque o Estado não deve, de acordo com a Constituição, interferir na questão do ethos religioso de uma comunidade. Porém, em igual medida, não pode autorizar uma instituição educacional que se oponha aos direitos universais da vida e integridade humana.  

Bereia alerta leitores e leitoras para o uso de material enganoso, no Brasil, com o tema de “perseguição a cristãos”, com o objetivo de criar pânico moral com o público religioso. Este recurso que vem sendo utilizado em campanhas eleitorais no país, como já demonstrado em outras matérias aqui publicadas.

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Referências de checagem:

U.S. Senate: Constitution of the United States. https://www.senate.gov/civics/constitution_item/constitution.htm. Acesso em: 08 abr 2022.

Universidade Estadual de Londrina – tradução da Constituição dos EUA. http://www.uel.br/pessoal/jneto/gradua/historia/recdida/ConstituicaoEUARecDidaPESSOALJNETO.pdf. Acesso em: 08 abr 2022.

BBC. https://www.bbc.com/portuguese/geral-48336499. Acesso em: 4 abr 2022.

Novos Alunos. https://novosalunos.com.br/entenda-como-funciona-a-grade-curricular-americana-no-ensino-bilingue/ Acesso em: 4 abr 2022.

First liberty.

https://firstliberty.org/wp-content/uploads/2022/03/Somerville-School-Board-Demand-Letter_Redacted.pdf Acesso em: 4 abr 2022.

https://firstliberty.org/. Acesso em: 4 abr 2022.

Oyez. https://www.oyez.org/cases/1970/89#:~:text=The%20statute%20must%20have%20a,secular%20legislative%20purposes%20because%20they. Acesso em: 4 abr 2022.

Pew Research Center. https://www.pewresearch.org/about/  Acesso em: 4 abr 2022.

Livro: Fé+ Liberdade: religião nos Estados Unidos. https://share.america.gov/wp-content/uploads/2020/01/Faith-Freedom_Religion-in-the-USA_Portuguese-Lo-Res.pdf. Acesso em: 4 abr 2022.

Gestão Escolar. https://gestaoescolar.org.br/conteudo/728/as-leis-brasileiras-e-o-ensino-religioso-na-escola-publica. Acesso em: 4 abr 2022.

UNICEF. https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos Acesso em: 4 abr 2022.

Igreja Vida Real. https://vidareal.net/ Acesso em: 4 abr 2022.

Senado Federal. https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/181796/000433550.pdf?sequence=1&isAllowed=y Acesso em: 4 abr 2022.

Foto de capa: El País

Volta a circular mensagem falsa sobre lei do Senado que proibiria pregações

Nas últimas semanas voltou a circular em mídias religiosas uma mensagem referindo-se a uma suposta “lei de proteção doméstica” em debate no Senado Federal que proibiria a pregação religiosa. O conteúdo é falso e já foi checado por Bereia há mais de dois anos. Veja aqui

Imagem: reprodução do WhatsApp

Não existe Projeto de Lei em discussão denominado “Proteção Doméstica”. O mais próximo texto em tramitação que Bereia encontrou, o PL 524/2015, também não diz respeito a “prisão religiosa”, proibições de pregações e visitas religiosas ou de leitura da Bíblia, referindo-se, sim, a controle de volume de som exagerado em horários noturnos, o que já é feito por meio de diversas leis municipais e estaduais.

Além do Bereia, a informação já foi checada por Boatos.org e desmentida também pelo próprio Senado Federal.

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Bereia reafirma que a mensagem é falsa. Seu ressurgimento no meio religioso reforça a existência de estratégia para fortalecer a mentira que circula há alguns anos em sobre a existência de uma suposta perseguição a cristãos no Brasil (“cristofobia”), que ganhou força na campanha eleitoral de 2020.

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Foto de capa: Marcos Oliveira/Agência Senado

Protesto em igreja de Curitiba é classificado em vídeo enganoso como crime religioso

* Matéria atualizada em 10/02/2022 às 11:54, 16:12 e 23:15; e em 18/02/2022 às 16:24

Bereia recebeu em seu número de WhatsApp solicitação de verificação de um vídeo que trata da manifestação ocorrida na Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, em Curitiba, liderada pelo vereador Renato Freitas (PT-PR). No vídeo, o deputado estadual e membro da Igreja Cristã Maranata Capitão Assumção (Patriotas-ES), chama o parlamentar de “bandido”, afirmando que a manifestação foi uma “invasão” na qual “centenas de petistas e comunistas forçaram a entrada, durante a missa”. Algumas cenas dos manifestantes dentro da igreja são mostradas enquanto se ouve ao fundo Renato Freitas discursando.

Imagem: reprodução do aplicativo Kwai

Em seguida o deputado do Espírito Santo afirma que o ato deveria ser considerado “crime contra o sentimento religioso, artigo 208 do código penal”, que trataria sobre “escarnecer de alguém publicamente por motivo de crença religiosa e impedir ou perturbar cerimônia; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto”. Finaliza dizendo que isso seria uma “amostra do que o candidato do PT vai fazer com nossos cultos no Brasil”, evocando uma suposta perseguição religiosa.

Esta não é a primeira vez que Capitão Assumção envolve-se em polêmica a partir de vídeos em mídias sociais. No ano passado a Justiça determinou que ele retirasse do ar um vídeo em que simulava uma entrevista com o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), cujas respostas foram inseridas fora de contexto via montagem, induzindo que houve corrupção na gestão da Secretaria de Saúde do estado. 

O que ocorreu

No dia 5 de fevereiro um protesto contra o assassinato do imigrante congolês Moïse Kagambe começou a ocorrer do lado de fora da igreja durante uma missa, na trilha de um grande número de manifestações que ocorreram em todo o Brasil e fora dele. O local foi escolhido, segundo o vereador Renato Freitas afirmou em seu perfil no Twitter, porque a igreja “foi construída em 1737, durante o regime de escravidão, por pessoas pretas e para pessoas pretas, a quem era negado o direito de entrar em outros lugares”. 

Neste link é possível assistir a gravação de toda a missa. Perto do final, o pároco Luiz Haas reclama do barulho de fora da igreja e diz não ser contra a realização de protestos, desde que não atrapalhem a celebração. Os manifestantes entram após a missa ter acabado e com os fieis já tendo saído, estando o templo vazio. Não houve interrupção da cerimônia religiosa.  O vereador discursa, os manifestantes gritam palavras de ordem e se retiram pacificamente. O padre permaneceu durante o tempo todo com o grupo e em entrevista afirmou que os manifestantes “não quebraram nada, não sujaram nada, que isso fique bem claro”.

Como repercutiu

O caso ganhou muita repercussão nas mídias sociais, com informações e posicionamentos tanto de pessoas comuns quanto de lideranças religiosas e políticas.

Em tuíte divulgado nesta terça-feira, 8 de fevereiro, a vereadora de São Paulo Sonaira Fernandes (Republicanos), ex-estagiária de Eduardo Bolsonaro na Polícia Federal, divulgou a apresentação de uma notícia-crime contra o vereador de Curitiba Renato Freitas (PT). Nas postagens que seguem a vereadora afirma que adotará as medidas jurídicas cabíveis e, caso necessário, sairá às ruas para combater o que ela chama de “hordas demoníacas”. Apesar de acusar Freitas de atuar, baseada em um fato fora da sua jurisdição, a vereadora de São Paulo age contra o vereador de Curitiba sob a justificativa de que a manifestação contra “uma igreja cristã deve ser entendido como um ataque à toda a Igreja de Cristo”. no esforço de universalizar o ato cometido no bairro de São Francisco.

Imagens: reprodução do Twitter

Também no Twitter, o assessor para Assuntos Internacionais da Presidência da República Filipe Martins associou a presença de uma bandeira do Partido Comunista Brasileiro (PCB) à perseguição religiosa aos cristãos, afirmando que “o ataque ao Cristianismo é regra e não exceção na conduta comunista”, afirmando ser uma “ideologia que assassinou” cristãos e que o faria até os dias atuais. 

Martins também retuitou uma postagem antiga do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), associando uma declaração de apoio ao vereador Renato Freitas, após uma abordagem policial abusiva à uma suposta aprovação ao ato liderado por Freitas dentro da Igreja do Rosário, dessa forma, retirando-a de contexto. O assessor, um dos poucos seguidores do ativista político, inspirador do bolsonarismo, recentemente falecido, Olavo de Carvalho, que restaram no governo Bolsonaro, está sendo investigado pela Polícia Federal no inquérito sobre as “milícias digitais”

Imagens: reprodução do Twitter

Uma postagem falsa de Twitter atribuída ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com a defesa da manifestação também foi compartilhada nas redes. 

O ex-juiz e ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro, Sergio Moro, também repercutiu o ocorrido, afirmando que locais de culto “não podem ser utilizados para ofensas ou propaganda política”. Ontem, o pré-candidato à Presidência da República pelo Podemos divulgou uma “Carta de Princípios para os Cristãos”, buscando se aproximar deste segmento da população.

Imagem: reprodução do Twitter

O jornalista Alexandre Garcia chamou a manifestação de “profanação” e associou o ato aos protestos populares no Chile, em 2021, quando ocorreu o incêndio de um templo católico, insinuando tratar-se de novo caso perseguição religiosa (o que Bereia já verificou a divulgação do caso do Chile por certas lideranças como enganosa).

Imagem: reprodução do Twitter

Movimentos e personalidades de outros matizes políticos também se manifestaram a respeito. O grupo Cristãos Trabalhistas, ligado ao Partido Democrático Trabalhista (PDT), divulgou uma nota de repúdio aos “incidentes finais” do protesto, classificando a entrada na igreja como agressão à liberdade religiosa. O sacerdote do candomblé e interlocutor da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, Babalawo Ivanir dos Santos, manifestou votos de solidariedade ao padre e aos fiéis da igreja.

Imagem: reprodução do Facebook

Em nota, o diretório do PT no Paraná afirmou que “Em relação ao ato público que ocorreu em Curitiba, a Comissão Executiva Estadual do PT do Paraná lamenta o episódio e esclarece que não participou nem da organização nem da decisão de adentrar o templo religioso. Há, por parte da imprensa tendenciosa, a manipulação de fatos para prejudicar o Partido dos Trabalhadores, pois os vídeos evidenciam que no momento em que os manifestantes estiveram no interior da paróquia, a missa já havia terminado e o templo estava vazio.”

O Setorial Inter-religioso do PT soltou nota pública sobre o ocorrido afirmando que “Entendemos que a escolha da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, para manifestação foi justa e legítima, por ser esta igreja construída, no século XVII, como um lugar de veneração, de celebração da fé católica pelos escravizados que eram impedidos de frequentar outras Igrejas juntamente com os brancos.(…) Repudiamos aqueles, sobretudo a imprensa tendenciosa, que manipulam os fatos para prejudicar o Partido dos Trabalhadores e Trabalhadoras e ampliar o discurso do ódio e da intolerância. O PT é defensor histórico da liberdade religiosa, da liberdade de crenças e cultos, bem como respeita os templos, igrejas, terreiros, e demais espaços religiosos representativo do sagrado de todos os segmentos religiosos. Ressaltamos que estes espaços são invioláveis”.

A Associação Nacional de Juristas Evangélicos (ANAJURE) também se manifestou por meio de nota de repúdio: “A ANAJURE repudia, ainda, a conduta do vereador Renato Freitas, que, no papel
de representante popular, deveria pautar suas ações com base nos ditames constitucionais,
mas assim não procedeu. (…) A conduta de Freitas não observa o compromisso assumido como um
representante do povo, no sentido de preservar a democracia e a harmonia no tecido social”.

O que diz o vereador

No Twitter o vereador Renato Freitas afirmou que “Vídeos sem contexto e informações falsas estão sendo divulgadas a respeito de ato contra o racismo, a xenofobia e pela valorização da vida, do qual participamos no sábado. A manifestação foi realizada em memória e por justiça para Moïse Kabagambe e Durval Teófilo Filho, dois homens negros brutalmente assassinados nos últimos dias. Ressaltamos que não houve invasão à Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos de São Benedito, pois ela se encontrava aberta e a missa já havia terminado, como facilmente se constata nas imagens, já que o lugar estava vazio”.

ATUALIZAÇÃO: durante sessão da Câmara Municipal de Curitiba o vereador pediu desculpas aos que se sentiram ofendidos pelo protesto. ““Algumas pessoas se sentiram profundamente ofendidas [pela manifestação contra o racismo ter adentrado à igreja] e a elas eu peço perdão, pois não foi, de fato, a intenção de magoar ou ofender o credo de ninguém, até porque eu mesmo sou cristão”, disse Freitas.

O que diz a Igreja Católica

Em nota repercutida pela Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB), a Arquidiocese de Curitiba repudiou a ação, declarada como “profanação injuriosa”. Segundo a nota, como a manifestação transcorria durante a missa os manifestantes foram solicitados a não tumultuarem a liturgia religiosa quando houve, conforme a Arquidiocese, “comportamentos invasivos, desrespeitosos e grotescos” e manifestações de agressividades e ofensas da parte dos manifestantes.

A igreja finaliza a nota afirmando que “não se quer “politizar”, “partidarizar” ou exacerbar as reações”, lembrando que esses tipos de confronto não são pacificadores. A declaração foi assinada pelo arcebispo Metropolitano de Curitiba D. José Antonio Peruzzo, que se envolveu em 2020 num embate com a CNBB, episódio em que o arcebispo saiu em defesa do padre Reginaldo Manzotti para obtenção de licença para operadoras de telecomunicações.

Avaliações

Em declaração ao Bereia, o padre Superior dos Padres Jesuítas em Curitiba (ordem à qual a Igreja do Rosário está ligada), afirmou:“Sobre o ocorrido, sabemos que foi um fato lamentável, mas estamos serenos. Não queremos endossar a espiral de raiva e, sim, promover a paz. Por orientação de Dom Peruzzo, rezaremos pela paz e reconciliação nas missas deste final de semana.”

O Coordenador Nacional do Setorial Inter-religioso do PT, Gutierres Barbosa, disse ao Bereia que “estão transformando um momento, politizando-o, para tentar dizer que o PT é um partido contra as religiões. Isso não procede. Tem um conjunto de fake news, uma série de tentativas de pegar um vídeo, ora balançando a câmera de um lado para outro, para dar a ideia de que há um tumulto. Contudo, quando assistimos outros vídeos de forma frontal, vemos que há um diálogo entre o padre e os manifestantes e não tinha missa. Então tem uma série de informações mentirosas sendo veiculadas. Estão tentando transformar o fato de que existia uma movimentação dentro da igreja, que também entendemos que deveria ser melhor conversada, para não ficar nenhuma dúvida sobre a legitimidade do movimento, que é em favor de duas pessoas negras que foram mortas, e não podemos esquecer isso como centralidade. Mas, ao mesmo tempo, respeitar os espaços de fé. Não queremos colocar lenha na fogueira, para colocar o vereador contra a igreja, a igreja contra o vereador, contra o PT, como é a tentativa de setores da mídia e da parte das fake news. É momento de cautela, queremos um ambiente de paz. Respeitamos muito a liberdade religiosa”.

Sobre o enquadramento penal do caso 

O professor do Ibmec-BH Alexandre Bahia, falou ao Bereia a respeito do enquadramento do protesto no artigo 208 do Código Penal, que trata de ofensa religiosa. “Em tese, numa análise muito superficial, seria possível enquadrar. O caso poderia estar em uma dessas duas possibilidades do artigo: impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso, ou vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso. Porém,tudo depende de como a coisa de fato aconteceu. Teria-se que provar se uma das duas coisas aconteceu e demonstrar o ‘dolo’ (intenção)”. 

No entanto, Bereia apurou que o próprio padre local não interpretou a atividade dessa forma, uma vez que o protesto ocorreu após a celebração religiosa, e pelo fato de ele  ter declarado que não houve qualquer prejuízo ao templo e seus pertences, e também não registrou queixa. 

O que Bereia avalia

Bereia conclui que o vídeo em que o deputado estadual Capitão Assumção relata os fatos ocorridos na igreja em Curitiba é enganoso. O vídeo se baseia em conteúdos de substância verdadeira, mas a apresentação interpretativa deles é desenvolvida para confundir. As imagens não correspondem ao que foi gravado na íntegra, disponível nas redes digitais. Além disso, o político oferece teores distorcidos que instigam julgamentos negativos de uma pessoa (o vereador Renato Freitas), de um grupo (o Partido dos Trabalhadores e outros de esquerda) e de movimentos sociais (o movimento negro), além de recorrer ao sensacionalismo, com terrorismo verbal, para conquistar audiência. Este material representa desinformação e necessita de correções, substância e contextualização. Bereia apurou que o protesto começou fora da igreja e, de fato, os manifestantes entraram no templo. Porém, a entrada dos manifestantes não foi forçada, e tampouco interrompeu celebração religiosa, como confirmado pelas imagens recuperadas em mídias digitais e pela declaração pública do próprio pároco local. 

Pela desproporção entre o ocorrido e a repercussão, com pesquisa sobre a interpretação e a condução política e midiática do caso, percebe-se que o episódio serviu de motivação para fortalecer a mentira que circula há alguns anos em ambientes religiosos sobre a existência de uma suposta perseguição a cristãos  no Brasil (“cristofobia’), que ganhou força na campanha eleitoral de 2020. 

Conforme avaliação da antropóloga, professora da UNICAMP Brenda Carranza, “numa primeira leitura, a opção simbólica [pelo local do protesto] foi uma evocação histórica acertada pelo peso político e religioso que possa ter. Porém, durante o protesto vieram à tona acusações à Igreja Católica sobre os resquícios de racismo religioso que a acompanham, revelando a longa convivência do cristianismo com a escravidão, uma das diversas dimensões que o termo encerra”.

“Tanto o aspecto simbólico quanto os conteúdos (racismo religioso, racismo estrutural, violência, perda de humanidade) do protesto são válidos e legítimos, mas, talvez a performance na ocupação da igreja não tenha tido o impacto desejado. Isso porque, protestos em espaços sagrados têm sua própria lógica e a eficácia política advêm do uso da linguagem religiosa (por exemplo vigílias frente à igreja, silêncios prolongados, velas e cruzes, procissões etc.)”, avalia a antropóloga.

Carranza ainda explica que “há um outro elemento interessante nessas reações contra o manifesto na Igreja de São Benedito: invocar a perseguição aos cristãos como objetivo do ato político. Em países como na Índia, Coreia do Norte, Afeganistão, Argélia, entre outros, onde os cristãos são minorias, frequentemente se verifica hostilidade e perseguição a eles”. 

A professora, porém afirma categoricamente: “Não é o caso do Brasil, que é histórica, demográfica e culturalmente cristão, contudo, há um imaginário de perseguição religiosa que as elites pastorais e influencers religiosos vem cultivando nos últimos anos sob o mote de “cristofobia”. Entretanto, as acusações de uma perseguição “cristofóbica”, na verdade, esconde a justificativa de uma ofensiva contra grupos considerados inimigos da religião cristã”.

Brenda Carranza analisa com detalhes este caso, em artigo exclusivo para o Bereia. Sobre as mentiras em torno da “cristofobia”, a antropóloga que estuda o tema das religiões, já havia produzido artigo, também para o Bereia, que pode ser acessado aqui.

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Foto de capa: reprodução Instagram

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Referências:

Portal GGN. https://www.portalgn1.com.br/sancionada-lei-do-deputado-capitao-assumcao-que-torna-a-igreja-crista-maranata-patrimonio-historico-do-espirito-santo/  [Acesso 10 Fev 2022]

G1. https://g1.globo.com/es/espirito-santo/noticia/2021/07/07/justica-determina-que-deputado-apague-video-que-simula-entrevista-com-governador-do-es.ghtml   [Acesso 9 Fev 2022]

BBC Brasil. https://www.bbc.com/portuguese/brasil-60224204  [Acesso 9 Fev 2022] 

Twitter. https://twitter.com/Renatoafjr/status/1490812142454550529?s=20&t=BptXFu753bUT3hymAp29bQ  [Acesso 10 Fev 2022]

YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=p3PYwJXZ4Rg  [Acesso 9 Fev 2022]

Meio Dia Paraná. https://globoplay.globo.com/v/10281342/  [Acesso 9 Fev 2022]

Câmara Municipal de São Paulo. https://www.saopaulo.sp.leg.br/vereador/sonaira-fernandes/  [Acesso 9 Fev 2022]

Twitter. https://twitter.com/Sonaira_sp/status/1491029556089991174?t=A_oFyP2UHhHVV9zBUpk3MA&s=08  [Acesso 9 Fev 2022]

Plural Curitiba. https://www.plural.jor.br/noticias/vizinhanca/lula-condena-truculencia-policial-contra-renato-freitas-veja-outras-reacoes/  [Acesso 9 Fev 2022]

Metrópoles. https://www.metropoles.com/colunas/igor-gadelha/olavista-filipe-martins-depoe-a-pf-no-inquerito-das-milicias-digitais  [Acesso 9 Fev 2022]

Revista Fórum. https://revistaforum.com.br/redes-sociais/twitter-falso-de-lula-ataca-igrejas-e-defende-acao-de-vereador-renato-freitas/  [Acesso 9 Fev 2022]

O Globo. https://oglobo.globo.com/politica/em-carta-aos-cristaos-moro-defende-imunidade-tributaria-de-igrejas-se-posiciona-contra-aborto-25384343  [Acesso 9 Fev 2022]

Bereia. https://coletivobereia.com.br/incendio-de-igrejas-no-chile-nao-e-caso-de-perseguicao-a-cristaos/  [Acesso 9 Fev 2022]

Twitter. https://twitter.com/cristaostrabpdt/status/1490773409768394759/photo/2  [Acesso 9 Fev 2022]

Site do Partido dos Trabalhadores no Paraná. http://www.pt-pr.org.br/Noticia/65031/nota-do-pt-pr-respeito-pelas-instituicoes-religiosas-e-justica-pela-barbarie-contra-o-povo-negro  [Acesso 9 Fev 2022]

Nota pública do Setor Inter-religioso do Partido dos Trabalhadores. file:///C:/Users/lessa/Documents/Freela/Bereia/Checagens/09%20fev%20-%20Renato%20Freitas/Nota%20P%C3%BAblica%20do%20Setorial%20Interreligioso.pdf [Acesso 18 Fev 2022]

Nota de repúdio da Associação Nacional de Juristas Evangélicos. https://anajure.org.br/wp-content/uploads/2022/02/07-02-2022-anajure-nota-invasao-igreja-curitiba.pdf [Acesso 18 Fev 2022]

Câmara Municipal de Curitiba. https://www.curitiba.pr.leg.br/informacao/noticias/201cnao-foi-intencao-ofender-o-credo-de-ninguem201d-diz-freitas-sobre-manifestacao [Acesso 10 Fev 2022]

Instagram. https://www.instagram.com/p/CZry1xRJoUH/  [Acesso 9 Fev 2022]

O Estado de São Paulo. https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,arcebispo-de-curitiba-contraria-cnbb-e-defende-padre-que-ofereceu-midia-positiva-a-bolsonaro,70003332069  [Acesso 9 Fev 2022]

JusBrasil.https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10612290/artigo-208-do-decreto-lei-n-2848-de-07-de-dezembro-de-1940  [Acesso 9 Fev 2022]

A indignação de São Benedito no trágico fim de Moïse Kagambe

As informações disponíveis na mídia e redes sociais sobre o protesto contra o assassinato do refugiado político congolês de Moïse Kagambe, num quiosque da Barra da Tijuca/RJ, em 24 de janeiro de 2022, tiveram uma dupla conotação. De um lado, visibilizar a indignação que o ato brutal contra o trabalhador informal, que ironicamente procurou segurança no Brasil ao fugir da guerra em seu país, e a necessidade de manifestar o grau de barbárie que se instalou como uma forma de solução de conflitos. De outro lado, marcar o posicionamento político dos presentes no ato – organizado pelo vereador da Câmara de Curitiba/PR Renato Freitas (PT), em 5 de fevereiro e 2022 –, denunciando o racismo e violência estrutural entranhadas na sociedade brasileira, bem como a urgente necessidade de sua superação. Porém, o ato que tinha forte potencial de indignação acabou sendo confusão. 

Segundo declarações do próprio organizador, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos de São Benedito, erguida por escravos em 1737, foi escolhida por ser considera símbolo de resistência contra a escravidão em solo brasileiro. Numa primeira leitura, a opção simbólica foi uma evocação histórica acertada pelo peso político e religioso que possa ter. Porém, durante o protesto vieram à tona acusações à Igreja Católica sobre os resquícios de racismo religioso que a acompanham, revelando a longa convivência do cristianismo com a escravidão, uma das diversas dimensões que o termo encerra. Tanto o aspecto simbólico quanto os conteúdos (racismo religioso, racismo estrutural, violência, perda de humanidade) do protesto são válidos e legítimos, mas, talvez a performance na ocupação da igreja não tenha tido o impacto desejado. Isso porque, protestos em espaços sagrados têm sua própria lógica e a eficácia política advêm do uso da linguagem religiosa (por exemplo vigílias frente à igreja, silêncios prolongados, velas e cruzes, procissões etc.). 

Além disso, forma parte do impacto desses atos as articulações com os grupos religiosos, como por exemplo, neste caso, a pastoral do imigrante, pastoral do negro, pastorais sociais. Tudo isso, contribui para angariar adesão à “causa”, legitimidade no uso do espaço e reverbera entre os fiéis e a sociedade a performance que tem como palco o espaço sagrado. Constata-se no protesto liderado pelo vereador um duplo barulho: uma contradição entre os conteúdos da denúncia do racismo religioso e a escolha assertiva da igreja como palco performático. Essa colisão neutralizou o objetivo principal do ato e o protesto rumou por caminhos contrários e indesejados, até para os organizadores. Todavia, estão por vir as consequências e o seu desfecho, possivelmente com repercussões jurídicas, administrativas e processuais para seus envolvidos.

Sem dúvida que, uma das reações institucionais é a de preservação patrimonial,  zelo pelo uso do espaço sagrado, o que é válido e legítimo. Muitas vezes a defesa desse espaço (territorial e simbólico) obriga seus guardiões (sacerdotes e bispos) a invocar o direito à defesa da liberdade religiosa e reagir perante possíveis ameaças de profanação, depredação. Mesmo assim, seguramente, que tanto o pároco quanto a Arquidiocese concordam que o assassinato de Moïse Kagambe foi um ato de barbárie e uma afronta à convivência entre seres humanos. Certamente a adesão a toda manifestação de indignação é endossada pela Igreja Católica, pois isso a faz coerente com a ética cristã que prega, e, ao mesmo tempo alinha-se com o Papa Francisco que não cansa de denunciar os atos de xenofobia e de racismo que sofrem os refugiados nos diversos países, o que não exclui o Brasil da listagem. 

Fora das repercussões no âmbito eclesiástico e judiciário, o ato de protesto traz uma revelação que nos lembra cenários anteriores acerca do clima pré-eleitoral. O crescente ambiente de polarização social, propiciando enfrentamentos nas esferas públicas, religiosas e familiares vem em crescendo desde 2014, elevando a temperatura em 2018. Este ano parece não se vislumbrar diferente. A produção de desinformação, conteúdos falsos, incentivo ao ódio, deslegitimarão das instituições democráticas, descrédito dos mecanismos democráticos tem sido a tônica que pauta a pandemia e o clima da contenda no acesso ao Planalto. Evidentemente que, o ganho político que o protesto possa gerar dependerá do contexto eleitoral, ora pode ser objeto de inúmeras distorções que mirem o público religioso, nutrindo imaginários de ameaça e agressão religiosa, ora pode ser apenas um incidente episódico que cai no esquecimento. 

No entanto, o interessante é observar como o fato provocou certas reações e posicionamentos das pessoas nas mídias sociais. Muitas ficaram indignadas diante do que se denominou como “invasão” e cujos argumentos trazem à tona o pensamento ultraconservador, político e religioso, que percorre suas reações. Assim, percebe-se como é gerado, imediatamente, um posicionamento de um nós contra eles, sejam eles do Partido dos Trabalhadores ou de outras alas da Esquerda. As acusações perpetuam clichês que desqualificam seus militantes como sendo baderneiros, desordeiros, arruaceiros etc. Até aqui nenhuma novidade, pois são termos já presentes nos idos anos de 1989, no primeiro pleito eleitoral pós-ditadura militar. O novo, onde emerge um alerta, é quando se passa de um posicionamento antagônico, próprio da arena política, para uma identificação do outro como inimigo, seja indivíduo seja coletivo, com uma motivação inerente à linguagem bélica. No campo religioso esse inimigo assume conotação teológica, sendo demonizado. Tal passagem, política e religiosa, se torna perigosa porque situações de violência estrutural, como a que vivemos, o inimigo deve ser eliminado de qualquer forma e a qualquer custo. Assim,  um pensamento polarizado leva identificar e classificar os outros sob o prisma da ameaça o que muitas vezes se concretiza em agressão (física, verbal, simbólica, moral) como forma ofensiva de defesa, muitas vezes justificada religiosamente. 

Há um outro elemento interessante nessas reações contra o manifesto na Igreja de São Benedito: invocar a perseguição aos cristãos como objetivo do ato político. Em países como na Índia, Coreia do Norte, Afeganistão, Argélia, entre outros, onde os cristãos são minorias, frequentemente se verifica hostilidade e perseguição a eles. Não é o caso do Brasil, que é histórica, demográfica e culturalmente cristão, contudo, há um imaginário de perseguição religiosa que as elites pastorais e influencers religiosos vem cultivando nos últimos anos sob o mote de cristofobia. Entretanto, as acusações de uma perseguição cristofóbica, na verdade, esconde a justificativa de uma ofensiva contra grupos considerados inimigos da religião cristã. De acordo com essa lógica cristofóbica existem grupos que conspiram contra o cristianismo e impedem os fiéis o direito de exercer sua liberdade religiosa e/ou a possibilidade de impor a moralidade cristã como moralidade pública a ser assumida na sociedade brasileira, independente de serem todos seus membros religiosos de outros credos ou de não ter religião. Evidentemente que, há um elemento comum na desqualificação da esquerda política e na cristofobia: a manifestação de uma alteridade tida como inimiga. De tal forma que, identificar o antagônico e/ou o diferente (religioso ou não) como inimigo que deve ser eliminado, promover ódio entre pessoas e grupos diferentes, resolver de forma violenta atritos e problemas comuns, valorizar a linguagem violenta, machista e homofóbica são alguns dos traços ideológicos caracterizam grupos de ultradireita, cada vez mais atuantes internacionalmente. Desgraçadamente, esses traços devem nos acompanhar na atual conjuntura sociopolítica-eleitoral.

Enfim, se é verdade que o ato de protesto diante do trágico fim do asilado Moïse Kagambe descortinou finas nuances políticas, religiosas e ideológicas, também é certo que a evocação simbólica de São Benedito pode inspirar o fortalecimento da indignação: mecanismo eficaz contra a naturalização da violência que como suave torpor adormece consciências.

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Foto de capa: reprodução do Facebook

Deputado apresenta Projeto de Lei que proibiria pregações em espaços públicos

Bereia recebeu dos leitores uma indicação de checagem sobre a postagem da deputada estadual Rosane Félix (PSD) do Rio de Janeiro, que fala sobre o projeto de lei 4257/18 em tramitação na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ) e que, supostamente, proíbe “pregações, evangelismo e convites a pregação” em espaços públicos.

Imagem: reprodução Facebook

O projeto de lei em questão, de autoria do deputado Átila Nunes (MDB), entrou em pauta nesta quarta-feira (15) e saiu após receber 92 emendas de plenário. Segundo o texto do artigo 1º, a proposta proíbe “o assédio religioso nas instituições públicas e privadas no Estado do Rio de Janeiro”. Embora, inicialmente, constasse a proibição ao proselitismo, o termo foi retirado ao longo da tramitação na Casa legislativa. Criado em 2018, somente este ano ele foi alvo de parlamentares da bancada religiosa com a justificativa de que a proposta fere os princípios de liberdade religiosa. 

Durante a tramitação dentro da Assembleia, o texto sofreu inúmeras modificações, foi arquivado, desarquivado e recebeu diversas emendas, mas, até a data da postagem, 14 de dezembro, a deputada Rosane Félix não havia feito emendas ao projeto como afirma em sua conta no Facebook.

Autora da postagem e disseminadora da desinformação, Rosane Félix é locutora, foi radialista por mais de 20 anos e está em sua primeira legislatura. Antes de ser eleita pelo PSD em 2018, trabalhava na rádio gospel 93 FM, empresa pertencente ao grupo MK, idealizado pelo falecido senador Arolde de Oliveira (PSD). Na eleição, a parlamentar contou com o apoio do senador e de Flávio Bolsonaro (PL).

Imagem: reprodução do Facebook


Após ouvir todas as manifestações dos deputados da bancada evangélica da ALERJ, o deputado Átila Nunes (MDB), atual presidente da CPI da Intolerância, identificou-se como umbandista cristão e saiu em defesa de seu projeto. Visivelmente emocionado, indagou aos pares: “É justo zombar, é justo fazer comentários pejorativos, escrever ofensas pessoais, ameaçar alguém por razões religiosas?”. O projeto “não atinge a liberdade religiosa do indivíduo em ostentar símbolos e realizar práticas devocionais”, finalizou o deputado.

Proselitismo é diferente de assédio

Para aprofundar as questões que giram em torno do projeto, Bereia entrevistou o mestre em Filosofia pela UERJ e doutor em Teologia pela PUC e pastor evangélico Irenio Chaves, e a professora e antropóloga pesquisadora em religiões e política da Universidade Federal Fluminense (UFF) e do Instituto de Estudos da Religião (ISER), Christina Vital .

A polêmica em torno do projeto parte também da falta de educação no uso do espaço público, como explica o pastor Irenio Chaves: “Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que o espaço público deve ser compreendido como laico e democrático, como também admitir que há excessos no uso desse espaço para fins de proselitismo e de propaganda indevida de ideias religiosas. Entretanto, é preciso entender essas manifestações no âmbito da Constituição Federal, que garante a livre manifestação na esfera pública.”

Sobre o proselitismo que envolve a expressão cultural e religiosa, Chaves diz: “as atividades religiosas no espaço público não se restringem ao proselitismo, mas também a expressões culturais e até manifestações sociais em defesa de direitos. A grande questão é se, a título de orientar as atividades religiosas, não está embutida nessa lei uma inibição às formas de livre expressão e de manifestação em todos os sentidos, principalmente aquelas que estão relacionadas à cultura, à defesa de ideias e de pensamento.”

“Qualquer forma de cerceamento da liberdade de expressão, seja religiosa, filosófica ou ideológica, é sempre uma ameaça à democracia. E isso não é bom.” conclui Chaves.

Sobre a liberdade de culto, citada pela deputada, o pastor e filósofo faz um alerta:  “quando tais atitudes extrapolam para a intolerância, já não estamos mais tratando de liberdade, mas de uma violação ao direito do outro, que pode até vir a ser tipificado como crime. Aí nesse caso, o Estado deve agir na forma jurídica, da lei, que foi aprovada em instâncias maiores”. 

Com relação ao termo “assédio religioso” disposto no projeto, Chaves, afirma:” o projeto inclusive tipifica algumas das atitudes que corresponderiam ao assédio religioso, mas que são, na verdade, ações de intolerância, de preconceito e de discriminação. Nesse caso, a pessoa que se sentir prejudicada deve ser orientada e estimulada a buscar seus direitos, provando que foi vítima de intolerância, preconceito ou discriminação” conclui.

A exploração do tema

Segundo a pesquisadora Christina Vital, esse tipo de desinformação gera um ambiente de ameaças e define três pontos em sua análise. O primeiro é a exploração da retórica da perda, no caso a liberdade de culto. Ela explica que é cultivada por atores que, futuramente, se apresentarão como gestores de uma falsa conquista. É como se vendesse a ideia de que algo está sendo perdido, mas na realidade, não está. 

Outro ponto destacado é o uso da falácia na retórica por parte dos disseminadores de fake news. “Como toda falácia, ela envolve meias verdades”, explica, “em parte, em situações que estão sendo observadas, mas são distorcidas”. A pesquisadora reforça que os pontos estão “umbilicalmente” ligados.

Por último, Vital alerta que esse caso tenta fortalecer uma retórica da intolerância contra o cristão no Brasil, a “cristofobia”. “Envolver o cristianismo, de forma geral, é uma estratégia para a propagação da agenda da cristofobia, por parte de atores evangélicos especialmente articulados para isso”, explica.

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Bereia classifica como FALSA a afirmação que o projeto de lei 4257/2018 irá proibir cultos, pregações e evangelismos na rua. O artigo do projeto de lei, na sua última redação, não proíbe o proselitismo religioso, não proíbe culto, não proíbe o evangelismo.

O artigo primeiro proíbe, sim, o assédio religioso, entendido como a prática, a indução ou a incitação à discriminação ou preconceito. Bereia vem alertando aos seus leitores que o pânico moral é uma estratégia política a fim de mobilizar eleitores em torno de um projeto comum. Segundo a pesquisadora e editora-geral do Bereia Magali Cunha, a retórica da cristofobia é uma das mentiras que mais circulam na internet e está sendo usada como estratégia eleitoral. Em texto publicado originalmente na Carta Capital e reproduzido aqui, ela explica: “o termo “cristofobia” não se aplica, por conta da predominância cristã no País, onde há plena liberdade de prática da fé para o grupo. Manipula-se, neste caso, a noção de combate a inimigos para alimentar disputas no cenário religioso e político. Além disso, se configura uma estratégia de políticos e religiosos extremistas que pedem mais liberdade e usam a palavra para falarem e agirem como quiserem contra os direitos daqueles que consideram “inimigos da fé”. Ou seja, contra ativistas de direitos humanos, partidos de esquerda, movimentos por direitos sexuais e reprodutivos, religiosos não cristãos e até cristãos progressistas – nem os da mesma família da fé são poupados.”

Referências de checagem:

Alerj – PL em votação no dia 15 de dezembro.

http://www3.alerj.rj.gov.br/lotus_notes/default.asp?id=7&URL=L3NjcHJvMTUxOS5uc2YvMGM1YmY1Y2RlOTU2MDFmOTAzMjU2Y2FhMDAyMzEzMWIvNjVlMjkyOWFjZDI3YWZiMzAzMjU4N2E2MDA1YzY1Njc/T3BlbkRvY3VtZW50JkhpZ2hsaWdodD0wLDIwMTgwMzA0MjU3&amp%5Ch# Acesso em: 23 dez 2021.

Alerj – PL original com justificativa.

http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/scpro1519.nsf/18c1dd68f96be3e7832566ec0018d833/2a21b8843412a250832582ba006e8475?OpenDocument&Start=1&Count=200&Expand=1.1.1 Acesso em: 23 dez 2021.

Bereia.https://coletivobereia.com.br/as-mentiras-que-circulam-em-ambientes-religiosos-no-brasil/ Acesso em: 23 dez 2021.

Pastor assassinado não é vítima de perseguição religiosa

Circula em redes sociais digitais cristãs mensagem sobre o assassinato do pastor Cung Biak Hum, 31 anos, em 18 de setembro, por militares no Myanmar, Sudeste Asiático. O texto que segue a imagem convoca cristãos a um posicionamento diante do assassinato devido a uma suposta perseguição religiosa a cristãos no país.

Reprodução do WhatsApp

Após receber de leitor esta indicação de conteúdo, Bereia verificou a informação. A morte do pastor foi noticiada em mídias de Myanmar, como o Chinland Post, e ocorreu durante bombardeios à cidade de Thantlang, Chin State, efetuados pela Junta Militar que assumiu o poder em fevereiro de 2021, por meio de um golpe de Estado. O ataque provocou a destruição de 19 casas. Segundo mídia local, antes de ser morto, o pastor da Igreja Batista ajudava a apagar o fogo de casa pertencente a um dos membros da igreja, quando foi baleado e morto por soldados.

Fotos: The Chinland Post, Facebook

Com base na apuração, Bereia conclui que o conteúdo publicado nas mídias sociais do Brasil é enganoso. Ele induz o leitor a crer que a morte do pastor ocorreu por perseguição religiosa a cristãos. Apesar da morte violenta, ela não foi motivada por intolerância religiosa e sim consequência da violência imposta pelas forças militares que atualmente tomam conta do país. Bereia alerta leitores e leitoras sobre o recebimento de informações que não registram fonte da informação, autoria do texto e data do ocorrido. Este tipo de conteúdo é, frequentemente, desinformativo.

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Referências:

Facebook https://www.facebook.com/THECHINLANDPOST/posts/4821032317924652 Acesso em: [20 set 2021]

El País https://brasil.elpais.com/internacional/2021-02-01/mianmar-sofre-golpe-de-estado-e-militares-detem-aung-san-suu-kyi-e-o-presidente-win-myint.html Acesso em: [20 set 2021]

Baptist World Alliance (BWA) https://www.baptistworld.org/wp-content/uploads/2021/09/BWA_BWAW_APBF_ABWU_Myanmar-Advocacy-Letter.pdf Acesso em: [20 set 2021]

Site gospel divulga que expressão “Glória a Deus! Aleluia” é censurada pelo Facebook

Em 19 de agosto passado, o site gospel de notícias Pleno News repercutiu um post de mídias sociais do Pastor Lucinho Barreto, segundo o qual a expressão religiosa “Glória a Deus! Aleluia” estaria sendo censurada pelo Facebook por ser classificada como discurso de ódio. Em sua postagem, o pastor da Igreja Batista da Lagoinha (Belo Horizonte/MG) reproduziu um print de um vídeo do youtuber Gustavo Gayer, empresário ligado à extrema direita política, que consta entre os investigados no inquérito sobre fake news do Supremo Tribunal Federal.

Reprodução: internet

O vídeo de Gustavo Gayer era uma denuncia de uma mensagem do Facebook que aparecia após usuários registrarem o comentário “Glória a Deus! Aleluia”. Segundo o youtuber, a plataforma registrava: : “É possível que este comentário não siga nossos Padrões de Comunidade – Seu comentário está no Facebook, mas é similar a outros comentários removidos por não seguirem nossos padrões sobre discurso de ódio”. Abaixo aparecem duas opções: “Excluir comentário” ou “Ignorar”. No vídeo, depois de mostrar como outros usuários recebiam a mesma mensagem, Gayer passa a concluir que o Facebook promove perseguição religiosa. Foi esta conclusão de o pastor Lucinho e, depois, o site gospel Pleno News repercutiram.

Fragilidade do sistema de algoritmos

A reportagem do Bereia fez  testes de registro da expressão religiosa em perfis  de outras pessoas que relataram receber a mesma notificação do Facebook que aparece no post de Lucinho. Não foi recebida a notificação em qualquer dos testes de notificação. Ainda assim, Bereia entrou em contato com pessoas quais comentários de “Glória a Deus! Aleluia” foram classificados como discurso de ódio e confirmou que tal restrição da plataforma de fato ocorreu. Portanto, a restrição do Facebook com a classificação de “discurso de ódio” ocorreu para alguns usuários e não para outros, indicando que não havia um padrão definitivo aplicado para a expressão.

Para entender melhor o que pode ter levado a essa classificação, Bereia entrevistou o doutorando em Ciências Humanas e Sociais na Universidade Federal do ABC (UFABC) Tarcízio da Silva, cuja pesquisa tem como título “Dados, Algoritmos e Racialização em Plataformas Digitais”. Para ele, o caso é mais um exemplo da fragilidade dos sistema de moderação do Facebook. A empresa de Mark Zuckerberg não é a única a sofrer críticas a respeito de erros em seu sistema. O Twitter, por exemplo, já foi criticado (e confirmou as suspeitas de usuários) de que seu algoritmo privilegia pessoas brancas nos recortes de fotografias. “Seja realizado por algoritmos, por moderação individual humana ou por táticas comuns mistas, a moderação pode errar de diferentes modos.  O ponto chave da questão parece ser a falta de transparência do Facebook que permite este tipo de interpretação do problema realizada pelo pastor em questão.”

O pesquisador esclarece que, para se ter certeza do porquê e como os algoritmos do Facebook erraram a classificação em questão, a empresa deveria dar aos usuários acesso aos dados e decisões sobre o assunto. “Porém, estes dados e decisões não são fornecidos à sociedade civil e são usados argumentos de ‘segredo de negócio’ e similares. Na prática, significa que grupos como Facebook (que também detém Instagram e Whatsapp), Google e outras possuem discricionariedade para modular a esfera pública de debate de acordo com seus objetivos de negócio.”

Nesse sentido, poderiam ser feitas diversas questões sobre a moderação. “Qual a composição demográfica de moderadores humanos? Qual o percentual de moderação realizada semi-automaticamente por algoritmos e manualmente por humanos? Qual o percentual de cada tipo de discurso de ódio entre as publicações deletadas ou restringidas? Quais termos e categorias influenciam positivamente ou negativamente a circulação de conteúdos na plataforma? Qual o peso de ações passadas dos usuários para que um conteúdo seja bloqueado? Poderia aqui listar dezenas de questões similares que influenciam práticas de moderação e não são respondidas pela empresa.”, explica o pesquisador.

Tarcízio da Silva comenta que novas iniciativas de transparência por parte do Facebook apresentaram, limitações e contradições. Um exemplo são os relatórios da rede sobre conteúdos mais compartilhados. Em 18 de agosto passado, o Facebook tinha disponibilizado um relatório argumentando que memes eram os conteúdos mais populares na rede. No entanto,dois dias depois o jornal New York Times publicou uma matéria afirmando que um relatório anterior da empresa apontava outras tendências – de que desinformação sobre a pandemia e conteúdos polêmicos sobre políticas eram a principal fonte de interação na rede. A veracidade do relatório anterior (que não estava público antes da matéria do Times) foi confirmada pelo Facebook.

“Então destaco que é um risco enorme não supervisionar socialmente o Facebook, pois a falta de informações e transparência abre um leque de interpretações possíveis sobre inclinações políticas ou ideológicas da empresa que são ainda mais nocivas e radicalizam alguns grupos. O poder concentrado pelo oligopólio das grandes empresas globais de tecnologia (Facebook, Google, Apple, Amazon, Microsoft) ameaça a própria democracia e avanços humanísticos do último século”, afirma Tarcízio da Silva.

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Bereia reconhece como verdadeira a existência da classificação por parte do Facebook, no entanto classifica como enganoso afirmar que esse caso seja uma “prova” de perseguição religiosa pela plataforma. Três motivos levam à avaliação do Bereia: a classificação não impediu o comentário religioso de ser postado; nem todos os usuários receberam a notificação ao publicar a mesma frase; a falta de transparência do Facebook torna impossível identificar qual é exatamente o motivo pela qual a rede fez essa classificação errada (afinal, uma expressão religiosa de louvor à divindade sem juízo de valor não é discurso de ódio. Sem esta última evidência, não é possível concluir que haja uma perseguição religiosa intencional por parte da empresa como a matéria do Pleno News quer fazer crer. Pleno News simplesmente reproduz o que o Pastor Lucinho diz sem produzir uma verificação, o que fere os princípios do jornalismo que se propõe a informar. O Pastor Lucinho, por sua vez, reproduziu sem conferir, o que o youtuber Gustavo Gayer divulgou, mesmo sabendo que este dissemina fake news, estando entre investigados por estes atos. 

Como Bereia observa em várias matérias que produziu, este tipo de publicação serve para alimentar pânico entre religiosos, com a ideia de que existe uma perseguição articulada contra cristãos. Isto é falso e tem sido usado como arma política.

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Referências:

Aos Fatos. https://www.aosfatos.org/noticias/canais-de-youtube-alvos-do-stf-estao-entre-os-mais-compartilhados-em-grupos-bolsonaristas-no-whatsapp/. Acesso em: [30 ago 2021].

UOL. https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2021/05/20/twitter-detalha-como-seu-algoritmo-privilegia-pessoas-brancas-em-fotos.htm. Acesso em: [26 ago 2021].

UOL. https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2021/03/11/apos-ter-algoritmo-acusado-de-racismo-twitter-muda-recorte-de-fotos.htm. Acesso em: [26 ago 2021].

Engadget. https://www.engadget.com/facebook-q-1-widely-viewed-content-report-175024538.html. Acesso em: [26 ago 2021].

Engadget. https://www.engadget.com/facebook-widely-viewed-content-170843073.html. Acesso em: [28 ago 2021].NY Times. https://www.nytimes.com/2021/08/20/technology/facebook-popular-posts.html. Acesso em: [28 ago 2021].

Portal gospel omite intolerância e homofobia de líder religioso para sugerir perseguição a cristãos

O portal de notícias Gospel Mais publicou matéria que afirma que o canal do bispo nigeriano T.B. Joshua no Youtube teria sido excluído da plataforma por “supostamente” pregar a “cura gay”. O religioso lidera a Igreja Sinagoga de Todas as Nações (SCOAN, sigla em inglês).

O vídeo que levou à exclusão

Diferente do que a matéria do Gospel Mais afirma, o vídeo excluído pela plataforma digital, de fato, continha a pregação da “cura gay”. Em um primeiro momento, Joshua aparece dando tapas em duas mulheres lésbicas que atendiam ao culto de forma a fazerem-nas cair “sob uma ação espiritual”. Outros membros da igreja também ajudam a derrubar as mulheres que tentam se levantar. Em seguida, elas ficam deitadas por um momento e depois são levantadas e recebem um abraço do religioso.

No segundo momento do vídeo, Mary Okoye, uma das mulheres que passaram pela “libertação do demônio”,  conta seu testemunho. Conforme aparece no primeiro momento do vídeo, Okoye diz que Joshua explicou que ela estava sob a ação de um espírito de mulher. Esse espírito teria feito com que, desde criança, Okoye quisesse ter traços masculinos e se casar com outra mulher quando adulta. Ela também diz que o espírito prejudicava outras áreas da sua vida, como os estudos. Questionada pelo religioso por quem ela sente afeição agora, Okoye responde que agora sentia atração por homens.

De acordo com a BBC, uma das referências citadas pelo Gospel Mais, a decisão do Youtube foi tomada depois da organização openDemocracy, com sede no Reino Unido, prestar queixa pelo conteúdo dos vídeos. 

A matéria da openDemocracy diz que o mesmo tipo de exorcismo foi publicado pelo menos outras sete vezes diferentes antes entre 2016 e 2020. O texto reproduz a justificativa do Youtube para o fechamento do canal. “As Diretrizes da comunidade do YouTube proíbem discurso de ódio e removemos vídeos sinalizados e comentários que violam essas políticas. Nesse caso, encerramos o canal“. A openDemocracy argumenta que o vídeo viola as políticas da plataforma na seção de discurso de ódio, mencionando este trecho: “Afirmar que pessoas ou grupos são fisicamente ou mentalmente inferiores, deficientes ou doentes com base nas características mencionadas acima. Isso inclui declarações de que um grupo é problemático ou menos desenvolvido do que outro em termos de inteligência e capacidade.”

Bereia já verificou outro caso de exclusão de canal religioso por quebra das regras de diretrizes de comunidades.

Apesar do bloqueio, em novo vídeo de uma reunião da SCOAN, Joshua pediu orações pelo Youtube. “Vejam eles como amigos”, afirmou. Ele argumentou que, se não fosse pela plataforma, muitas pessoas não teriam conhecido sua igreja. A matéria da BBC informa que o religioso vai recorrer.

Quem é T.B. Joshua

T. B. Joshua é pastor e televangelista da Sinagoga de Cristo Pelas Nações, em Lagos, maior cidade da Nigéria, sendo um dos pregadores mais influentes do continente africano. Dono da TV Emanuel, com transmissão de cultos 24h, ganhou grande destaque pelas promessas de cura e milagres, relatando ter realizado cura de câncer, HIV/AIDS, esterilidade, ressurreição de mortos e “reversão de sexualidade”. Segundo o site oficial, a sede da igreja reúne em média 15 mil pessoas por culto e suas pregações também têm grande alcance pela internet, reunindo cinco milhões de seguidores no Facebook e 585 mil no Instagram. Antes de ser derrubado, seu canal no YouTube contava com 1,8 milhão de assinantes

Cura Gay

Desde 1990, a Organização Mundial da Saúde deixou de tratar a homossexualidade como doença, um passo importante para a compreensão desta condição humana como identidade, que não necessita de cura. A tentativa de terapias de reversão de sexualidade, conhecidas popularmente como “cura gay”, são procedimentos de tentativas de mudança na orientação sexual por meio de métodos de tortura psicológica e são proibidos pelo Conselho Federal de Psicologia desde 1999.

O procedimento surgiu nos Estados Unidos, em movimentos como o Instituto Exodus, fundado em 1976, em Orlando, que oferecem tratamento para cristãos que querem se livrar de inclinações sexuais “indesejadas”. Em 2013, o fundador Alan Chambers anunciou o fechamento do instituto e pediu perdão público pelas pessoas LGBTQIA+ feridas pelos procedimentos realizados em 37 anos de funcionamento. “Por muito tempo, estivemos aprisionados em uma cosmovisão que não honra nossos irmãos, nem é bíblica.”, afirmou. Apesar disto, o Exodus Brasil permanece comouma missão cristã interdenominacional com filiais em território nacional e realiza congressos anuais e tem como um dos valores “proclamar a mensagem de redenção da sexualidade”. As narrativas de que a sexualidade de pessoas LGBTQIA+ pode ser mudada é comum em discursos evangélicos e frequentemente ouvida em igrejas.

O artigo “Cura Gay? Debates parlamentares sobre a (des)patologização da homossexualidade” de Maria Clara da Gama faz uma revisão das tentativas de parlamentares legislarem contra a resolução 01/99 do CFP. A primeira tentativa, por meio do Projeto de Decreto Legislativo (PDC) 1640/2009, recebeu parecer que rejeitava a proposta. O PDC foi arquivado em dezembro de 2010. Outro Projeto de Decreto Legislativo (PDC 234/2011) tramitou na legislatura seguinte. Apesar dessa proposta ter recebido um parecer favorável, ela terminou retirada de tramitação pelo próprio autor João Campos (PSDB/GO) que alegou não ter apoio do próprio partido para o PDC. Uma ação popular contra a norma do CFP chegou ao STF e foi extinta pelos ministros da 2ª Turma em maio de 2020, reafirmando a validade da resolução 01/99.

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Bereia conclui que a matéria do Gospel Mais é enganosa. O pastor é conhecido por realizar rituais de reversão de sexualidade e chegou a agredir mulheres lésbicas em cultos. Os vídeos foram excluídos por apresentarem discurso de ódio contra pessoas LGBTQIA+, violando diretrizes da plataforma YouTube. Nesse sentido, não há “suposição de pregação da cura gay”, como o portal gospel registra na reescrita da matéria da BBC que utiliza. O texto do Gospel Mais se coloca no conjunto de conteúdos religiosos, já identificados pelo Coletivo Bereia, que buscam induzir leitores e leitoras a crerem na existência de práticas de censura e de perseguição a cristãos e cristãs em casos de penalidades a lideranças religiosas e igrejas que praticam intolerância, como nesta situação de homofobia na Nigéria.

Referências

Emmanuel TV (Youtube), https://www.youtube.com/c/emmanueltv. Acesso em 19 de maio de 2021.

Cla6iQ Tv Worldwide (Youtube), https://youtu.be/6L2W77QFqNY. Acesso em 19 de maio de 2021.

BBC, https://www.bbc.com/portuguese/internacional-56775734. Acesso em 19 de maio de 2021.

openDemocracy, https://www.opendemocracy.net/en/5050/youtube-closes-african-channel-promoting-televangelists-violent-conversion-therapy/. Acesso em 19 de maio de 2021.

Youtube, https://support.google.com/youtube/answer/2802168. Acesso em 19 de maio de 2021.

Youtube, https://support.google.com/youtube/answer/2801939#zippy=%2Coutros-tipos-de-conte%C3%BAdo-que-violam-a-pol%C3%ADtica. Acesso em 19 de maio de 2021.

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/canal-catolico-foi-excluido-por-espalhar-desinformacao-a-respeito-da-pandemia/. Acesso em 19 de maio de 2021.

Deraaco (Youtube), https://youtu.be/W4vqSrqxhGs. Acesso em 19 de maio de 2021.

Sinagoga de Cristo Pelas Nações. https://www.scoan.org/about/. Acesso em 20 de maio de 2021.

Conselho Federal de Psicologia, https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/1999/03/resolucao1999_1.pdf. Acesso em 20 de maio de 2021.

G1, http://g1.globo.com/mundo/noticia/2013/06/grupo-dedicado-cura-gay-pede-desculpas-e-fecha-nos-eua.html. Acesso em 20 de maio de 2021. 

Exodus, https://www.exodus.org.br/. Acesso em 20 de maio de 2021. 

Scielo (Sexualidad, Salud y Sociedad – Rio de Janeiro), https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1984-64872019000100004. Acesso em 20 de maio de 2021.

Câmara Federal, https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=147CC1F8B08B24C43FBE4895CBF09DDC.proposicoesWeb2?codteor=828201&filename=Tramitacao-PDC+1640/2009/. Acesso em 20 de maio de 2021.

Câmara Federal, https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=CB76BB29626C622D9FE78646C5642559.proposicoesWeb2?codteor=1050466&filename=Tramitacao-PDC+234/2011. Acesso em 20 de maio de 2021.

Jota, https://www.jota.info/stf/do-supremo/turma-do-stf-reafirma-validade-de-resolucao-do-cfp-contra-a-cura-gay-26052020/ Acesso em 20 de maio de 2021.

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Foto de Capa: T.B Joshua: BBC/AFP (Reprodução)

Indígenas Truká destroem obra de igreja em suas terras após fala de pastor

Circula nas redes sociais um vídeo em que indígenas do povo Truká aparecem demolindo as obras de uma igreja construída em seu território na Ilha de Assunção, em Cabrobó (PE), no dia 24 de abril. Em outra postagem, a página do Facebook “Assembleianos de Valor” classificou a ação dos Truká como intolerância religiosa.

Foto: Print do Facebook

Expressões de intolerância

A construção do templo na terra indígena Truká estava sendo realizada pela Igreja Evangélica Assembleia de Deus Pernambuco, filial Cabrobó, dirigida pelo pastor presidente Ailton José Alves e pelo pastor local Jabson Avelino. 

Em um vídeo de transmissão ao vivo do culto de 9 de abril de 2021 publicado pelo canal da Igreja no Youtube, o pastor Jabson Avelino aparece zombando da religião tradicional do povo Truká. “Ore pelos nossos irmãos índios. Estamos novamente precisando de um socorro de Deus, o pajé foi lá falar com os presbíteros junto com os caciques, basicamente proibiram o culto novamente lá. O pajé disse que o espírito de luz deles não está descendo, acho que cortaram a energia deles lá (risos). É porque eles tão orando lá e o espírito de luz não está descendo. E não desce mesmo não, porque maior é o que está conosco”, afirmou, no trecho a 1:05’53’’ da transmissão.

Foto: Youtube

Sentindo-se desrespeitados pelas falas do pastor e pela falta de diálogo da igreja com as lideranças, os indígenas do Povo Truká realizaram um ato de derrubada da construção da igreja no local invadido

“Nós não fomos às redes sociais difamar a religião de ninguém, pelo contrário, fomos nós que tivemos nosso sagrado desrespeitado pelo pastor. Imaginem se fôssemos nós indígenas que tivéssemos difamado a religião do pastor e achando pouco, fôssemos construir uma aldeia na sua igreja, digo, dos irmãos. Talvez não desse tantos comentários, sem fundamentos, sabe por quê? Porque vivemos em uma sociedade hipócrita, onde as minorias são tratadas às margens da sociedade”, afirmou em nota o Cacique Bertinho, liderança do povo Truká.

Ele destaca ainda que, em nenhum momento, os pastores consultaram as lideranças da aldeia sobre a construção do templo no local, e que há algum tempo a população local enfrentava desrespeito e abuso por parte dos evangélicos que invadiram a aldeia sem permissão. “Para construir ou fazer qualquer obra no território indígena, faz-se necessário a consulta prévia para saber se as lideranças indígenas aceitam ou não determinada ação. Em nenhum momento as lideranças foram procuradas pelo pastor para dar anuência para referida construção, por diversas vezes os representantes da Assembleia aqui na Ilha de Assunção foram procurados para conversar, mas mesmo diante da decisão da organização interna, os mesmo continuaram a insistir na construção de uma igreja”, declarou. 

A nota relembra ainda que a construção da igreja em terra indígena foi feita sem autorização: 

A Constituição Federal Brasileira (Art. 231 e 232) reconhece o respeito às formas de organizações próprias dos povos indígenas, além de suas crenças, costumes, usos e tradições bem como os direitos originários dos povos indígenas sobre suas terras.
O Decreto 5051/04 (Convenção 169 da OIT) reafirma o reconhecimento desses direitos constitucionais e ressalta o direito de autonomia dos povos indígenas, no sentido de garantir o respeito às formas diferenciadas de vida e organização de cada povo indígena, seus anseios, planos de vida, de gestão e de desenvolvimento de seus territórios, afastando-se antigos ideários de assimilação e sua superioridade ou dominação frente aos povos indígenas.

Trecho da nota da liderança do povo Truká

Procurado pelo Coletivo Bereia, o pastor da IEADPE de Cabrobó Jabson Avelino emitiu a seguinte nota:

“O que tenho a esclarecer é que a estrutura demolida que segundo os indígenas era construção da instituição Assembleia de Deus não procede. O que se trata é de uma construção de um espaço que estava sendo feita (não templo) com recursos dos próprios índios que são evangélicos, já que estavam fazendo o culto embaixo de uma árvore e não tinham nem um local adequado para realizar suas necessidades fisiológicas. Tendo em vista a quantidade razoável de índios que participam dos cultos, tiveram a iniciativa de construir um lugar minimamente adequado para realização dos cultos. É bom deixar claro que o trabalho lá tem um presbítero e três diáconos que são índios, sendo assim, dirigidos pelos próprios índios. 
Desejo também externar o meu sentimento de apreço e consideração pelo povo indígena. Nunca tive intenção de denegrir e nem propagar intolerância religiosa, o que se tratou foi uma fala mal colocada por mim em uma live o qual repassei o que me falaram, reconheço a minha infelicidade e aproveito o momento para me retratar e pedir desculpas com os amigos indígenas ao qual sempre respeitei, até porque minha esposa é descendente direta de índios. Quem me conhece sabe que não houve dolo na minha fala. Deixo claro o nosso sentimento de cordialidade, aprendemos com o nosso Mestre Jesus Cristo a amar uns aos outros.”

Nota do Pr. Jabson Avelino

Direitos ameaçados

Ao site Marco Zero Conteúdo, o Cacique Bertinho afirmou que notificou a Fundação Nacional do Índio (Funai) e que pretende pedir a abertura de investigação no Ministério Público Federal sobre o caso. A Funai tem um Programa de Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas que inclui a vigilância e a proteção de terras desses povos, que formam mais de 200 grupos étnicos em todo o Brasil.  

Estudos diversos têm mostrado como a cada dia, surgem casas, igrejas evangélicas, bares, restaurantes, oficinas e ganha força o mercado ilegal de lotes dentro das terras indígenas, o que não tem sido devidamente fiscalizado e punido pelos órgãos governamentais responsáveis..

Histórico do povo indígena Truká

Os Truká vivem na Ilha da Assunção desde o século 18I e a fundação data de aproximadamente 1722, segundo o Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Etnicidade (Nepe) da Universidade Federal do Pernambuco (UFPE). Desde então, o povo indígena travou disputas pela terra com autoridades de Cabrobó. Os Truká passaram a reivindicar a terra em 1940 , por meio do Serviço de Proteção do Índio (SPI) e conseguiram uma Ação de Nulidade de Venda e Reintegração de Posse. Mesmo assim, o Estado de Pernambuco voltou a comprar parte da ilha de Assunção para estabelecer um núcleo de Colonização.

O povo Truká voltou a reivindicar o direito à terra por meio da Fundação do Índio (Funai). De acordo com a base de dados Terras Indígenas no Brasil, do Instituto Socioambiental (ISA), o território dos Truká foi declarado em portaria de 2002. Desde então,faltam o processo de demarcação física pela Funai, a homologação pela Presidência da República e o  registro na Secretaria de Patrimônio da União (SPU). No site da Funai, há três registros referentes à terra Truká. Todas estão na modalidade “tradicionalmente ocupada”. O registro “Truká-Reestudo” é o mesmo encontrado na plataforma Terras Indígenas no Brasil do ISA.

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Bereia conclui que as postagens da página Assembleianos de Valor são enganosas. Embora a destruição da construção tenha de fato ocorrido, não se trata de “a mais pura intolerância religiosa”, como o grupo classificou e quer levar seus leitores a crerem. A ação foi uma forma de repúdio dos indígenas contra uma declaração intolerante do pastor Jabson Avelino, que se sucedeu à construção de uma obra ilegal em seu território, sem autorização da liderança Truká, informações que foram omitidas pela página religiosa e pela declaração do pastor ao Coletivo Bereia.

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Referências

IEADPE Cabrobó, https://youtu.be/aPrmtUw1XSg?t=3953. Acesso em 29 de abril de 2021

Mídia 1508 – YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=ENoNeEjvpps. Acesso em 28 de abril.

Nota de esclarecimento do Cacique Betinho https://www.didigalvao.com.br/cacique-bertinho-em-nome-da-comunidade-truka-emite-nota-de-esclarecimento-sobre-os-fatos-ocorridos-em-24-04-21/. Acesso em 28 de abril de 2021.

Marco Zero Conteúdo, https://marcozero.org/demolicao-de-obra-de-templo-em-aldeia-truka-expoe-ofensiva-evangelica-nos-territorios-indigenas/. Acesso em 29 de abril de 2021.

Funai, http://www.funai.gov.br/arquivos/conteudo/cgmt/pdf/Vigilancia_e_Protecao_de_TIs.pdf. Acesso em 29 de abril de 2021.

Folha de São Paulo, https://temas.folha.uol.com.br/amazonia-sob-bolsonaro/renascer-para-quem/desmate-invasoes-e-garimpo-se-alastram-por-terras-indigenas-perto-do-rio-xingu.shtml?origin=folha. Acesso em 29 de abril de 2021.

Instituto Socioambiental, https://www.socioambiental.org/pt-br. Acesso em: 28 de abril de 2021.

Terras Indígenas, https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-indigenas/3777. Acesso em: 28 de abril de 2021.

Funai, http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/terras-indigenas. Acesso em: 28 de abril de 2021.

Iluminação vermelha do Cristo Redentor na última semana de novembro não homenageia cristãos perseguidos

Circula em sites de notícias e portais de organizações religiosas que a iluminação vermelha do Cristo Redentor, na última semana de novembro, seria uma homenagem a cristãos perseguidos no mundo. A informação é falsa. A iluminação do Cristo Redentor se deve à campanha de doação de sangue dos hemocentros do Rio de Janeiro.

Foto: ACN/Reprodução

No site da Fundação Pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre (ACN), instituição católica de apoio a projetos e missões sediada no Vaticano, a informação é de que “a ACN celebra na quarta-feira, 25 de novembro, a Red Wednesday (quarta-feira vermelha) – uma ação simbólica que ilumina de vermelho igrejas, edifícios públicos e monumentos em todo o mundo, como o Cristo Redentor, com o intuito de chamar a atenção para a situação dos cristãos perseguidos. A data marca também o lançamento do relatório “Presos em Nome da Fé”.”

A informação foi replicada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em seu site oficial. Ambos os portais são citados por sites de notícia religiosos e perfis em mídias sociais de jornalistas religiosos de outros países latino-americanos. A notícia, originalmente publicada no site oficial da ACN, foi reproduzida erroneamente.

Foto: CNBB/Reprodução

No texto, o Cristo Redentor é citado como um exemplo dentre os monumentos que ACN teria intencionado iluminar, mas não diz que ele seria iluminado neste ano e nesta data em particular. A informação, portanto, foi tirada de contexto e usada pelos sites para repercutir que a iluminação que ocorreria esse ano seria em prol da causa da ACN.

No entanto, a ACN não controla a iluminação do Cristo Redentor – o órgão responsável é o Santuário Cristo Redentor, ligado à Arquidiocese do Rio de Janeiro. Em seu site oficial, o Santuário Cristo Redentor afirma que a iluminação é para promover as doações para os hemocentros – o jogo de luz ilumina de vermelho a escultura de baixo para cima fazendo alusão a uma bolsa de sangue se enchendo.

Em entrevista ao portal G1, o reitor do Santuário Cristo Redentor, Padre Omar, afirma que “o objetivo dessa iluminação especial é reconhecer a importância daqueles que já são doadores de sangue, por seu gesto de generosidade, e incentivar aqueles que ainda não se tornaram doadores a darem esse passo, para que haja o constante abastecimento dos bancos de sangue.”

A ação conta ainda com o apoio de Diego Ribas, jogador do Flamengo, que atua como embaixador da campanha. Para a Agência Brasil, Ribas disse:

“Me senti muito honrado em ser convidado a fazer parte dessa campanha incrível. Doar sangue é algo que precisa ser reforçado todos os dias e estamos aqui para lembrar disso durante essa data tão importante”.

Diego Ribas

O Bereia classifica a informação como falsa. Ambas as instituições, ACN e CNBB, não têm autoridade para determinar a coloração do Cristo. A autoridade responsável é o Santuário Cristo Redentor, que responde à Arquidiocese do Rio de Janeiro. Em seu site oficial, o Santuário Cristo Redentor afirma que a iluminação é uma campanha para os hemocentros da cidade, o que foi amplamente divulgada em mídias brasileiras. Portanto, a informação de que o Cristo Redentor seria iluminado de vermelho em homenagem aos cristãos perseguidos pelo mundo é falsa, servindo apenas para alimentar o uso político da ideia de que há perseguição a cristãos no continente.

Referências

ACN, https://www.acn.org.br/acn-lanca-relatorio-presos-em-nome-da-fe/. Acesso em 25 nov 2020.

Agência Brasil, https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-11/cristo-redentor-sera-iluminado-hoje-de-vermelho. Acesso em 25 nov 2020.

Aleteia, https://es.aleteia.org/2020/11/25/brasil-la-imagen-de-cristo-redentor-se-tine-de-rojo/. Acesso em 25 nov 2020.

CNBB, https://www.cnbb.org.br/acn-ajuda-a-igreja-que-sofre-lanca-relatorio-presos-em-nome-da-fe-na-quarta-feira-25/. Acesso em 25 nov 2020.

G1, http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2014/03/veja-como-funciona-mudanca-de-cor-na-iluminacao-do-cristo-redentor.html, Acesso em 25 nov 2020.

G1, https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/11/25/cristo-recebe-iluminacao-vermelha-para-incentivar-campanha-no-dia-nacional-do-doador-de-sangue.ghtml. Acesso em 25 nov 2020.

1 ano: Sites religiosos e ativistas digitais que propagam desinformação

O Bereia completou um ano de atuação em 31 de outubro de 2020. Como parte deste marco tão importante, é apresentado um aprofundamento de levantamento publicado em junho de 2020 com um balanço das verificações realizadas pelo coletivo durante esse período.

Foram levadas em consideração todas as publicações da seção “Verificamos” do site Bereia, que se referem à checagem de veracidade de conteúdos informativos sobre religião que circulam em espaços digitais, encontrados pela equipe do coletivo ou indicados por seguidores/as (textos analíticos da seção Areópago não foram considerados). No total, nos doze meses de atuação do Coletivo Bereia (outubro de 2019 a outubro de 2020) foram realizadas 133 verificações de conteúdos, distribuídas conforme o gráfico a seguir:

Fonte: Coletivo Bereia

No que diz respeito ao conteúdo qualitativo dessas checagens, serão expostos a seguir dados quanto à classificação do tipo de informação aos temas e às fontes de informação mais recorrentes nos conteúdos avaliadas.

Classificação por tipo de informação

Fonte: Coletivo Bereia

Há pouca variação entre os dados de classificação apresentados na análise realizada em junho passado. Mais da metade das matérias publicadas por Bereia (60%) ainda concluem que os conteúdos verificados são falsos e enganosos. Pouco mais de 20% ainda representam conteúdos imprecisos e inconclusivos, ou seja, que não apresentam fundamentos para a informação transmitida ou não apresentam recursos necessários para a avaliação de sua veracidade. E apenas 19,20% são confirmadas como verdadeiras.

Temas abordados

Fonte: Coletivo Bereia

Neste aspecto, é possível notar algumas alterações em relação à última análise. Desta vez, o conteúdo que mais se destaca na base de dados como o mais citado é Política Brasileira, com 25,20% dos casos verificados. Na sequência, está “Perseguição Religiosa”, representando 21,26% das notícias e em terceiro, com percentual de 20,47%, está Saúde (com ênfase em coronavírus), que aparecia como o assunto mais citado na última avaliação. Tal fato pode ser atribuído a redução dos casos da COVID-19 no âmbito nacional e a diminuição do espaço de divulgação de informações sobre a pandemia nas mídias. Além disso, o fato de 2020 ser um ano de eleições municipais, o tema se destaca ainda mais no dia a dia da população informações relacionadas ao cenário político.

Fontes de desinformação mais citadas

Fonte: Coletivo Bereia

Quanto as fontes de desinformação mais recorrentes nas verificações do Bereia, o Twitter ainda se destaca como a principal, representando um percentual de 23,47 % nas matérias produzidas. Outras mídias sociais como WhatsApp e Facebook, além da categoria “Mídias digitais variadas” utilizada quando a informação não parte de uma mídia específica, mas para um conjunto delas, são ressaltadas na visualização de dados. Juntas, as plataformas de mídias digitais representam quase 60% das fontes de informação de conteúdos verificados pelo coletivo. Isto remete mais uma vez para o alerta do tipo de informação publicada nestas plataformas, que contam com critérios ainda pouco efetivos para o enfrentamento da desinformação.

As demais fontes são de sites religiosos de notícias, que recorrentemente publicam conteúdo que representam mais uma defesa de suas ideologias e valores morais. Destaca-se o portal Pleno News, como aquele que mais ofereceu material para ser verificado, seguido do Gospel Prime, do Gospel Mais, do CPAD News e do Conexão Política como os espaços digitais com vinculação religiosa que mais produzem desinformação.

Bereia reafirma um alerta aos leitores, para que não deem crédito ou compartilhem informações que não estejam fundamentadas em dados ou tenham sido expostas em veículos de informação não credenciados. O Bereia, neste um ano de atividades, renova o compromisso de atuar pela informação verdadeira e responsável e se dispõe como parceiro de maneira cada vez mais presente, colaborando a partir da metáfora bíblica de “separar o joio do trigo”, pelos próximos longos anos que espera servir.

Confira o balanço e perspectivas no enfrentamento à desinformação em espaços religiosos

Como parte das comemorações do aniversário de 1 ano do Bereia, foi realizada uma live através do Facebook com o balanço de atividades e novas perspectivas no enfrentamento à desinformação em espaços religiosos. Confira o vídeo abaixo:

Casamento precoce forçado: violência contra mulheres que independe de adesão religiosa

Nas últimas semanas, continuou a ecoar em sites cristãos, nacionais e internacionais, o apelo pelo caso Maira Shahbaz, em que uma adolescente do Paquistão de 14 anos foi sequestrada, forçada a conversão ao islã e a casamento com um muçulmano de nome Mohamed Nakash. A indignação compartilhada nas redes refere-se ao fato de o tribunal de justiça paquistanês ter decidido devolver a guarda da menina ao homem que supostamente a sequestrou.

Gospel Mais e Guiame foram os sites brasileiros que repercutiram as notícias, indicando que sua fonte principal era o site americano Morning Star News, especializado em veicular notícias dedicadas exclusivamente ao tema da perseguição a cristãos.

O caso Maira Shahbaz

Maira Shahbaz foi sequestrada no dia 28 de abril deste ano, no Paquistão, por Mohamad Nakash, segundo o site Aid to the Church in Need. O sequestrador alegou que a jovem cristã teria se convertido ao islã e que ela, portanto, teria consentido em se casar com ele.

Uma decisão judicial permitiu que Maria fosse retirada da posse do muçulmano, ficando em um abrigo para mulheres aguardando julgamento final de uma Corte superior, de acordo com o site Church in Chains.

Porém, na primeira semana de agosto, o Tribunal de Faisalabad decidiu que a jovem cristã fosse devolvida ao sequestrador, supostamente seu “marido”. A decisão foi tomada pelo juiz Raja Muhammad Shahid Abbasi, do Tribunal Superior de Lahore. Em 22 de agosto, Maira Shahbaz escapou de seu sequestrador e se escondeu com sua mãe Nighat e irmãos.

Segundo a matéria em Aid to the Church in Need (ACN), a jovem cristã sofreu coerção e estupros, além de ser obrigada a dizer coisas favoráveis ao seu sequestrador para proteger os próprios familiares. Em contato com a ACN, Lala Robin Daniel, amiga da família de Maira, descreveu a sua vida em fuga, mudando-se de um lugar para outro a intervalos de poucos dias, acrescentando:

“Maira está traumatizada. Ela não pode falar. Queremos levá-la ao médico, mas temos medo de sermos vistos. Estamos todos com muito medo, mas colocamos nossa confiança em Deus. ”.

Lala Robin Daniel

Perseguição a cristãos ou abuso de uma mulher?

O caso foi abordado pelas mídias religiosas brasileiras e por várias outras em países distintos, com ênfase no fato de a jovem Maira Shahbaz ser uma cristã forçada a se casar e à conversão.

Entretanto, a maneira como as notícias são conduzidas leva à compreensão de que esse é um caso exclusivo do islamismo.

“O caso de Maria Shahbaz é um entre tantos que revelam uma prática que apesar de repugnante e primitiva, ainda existe em algumas regiões do planeta, colocando em risco a liberdade e os direitos de meninas que se tornam alvos do fanatismo religioso”

conclusão do site Gospel Mais

Estupros e casamentos forçados e precoces, são uma realidade em diversos países do Oriente e da África, mas não são exclusivos a estas regiões. No Brasil, isso também acontece e envolve líderes religiosos, inclusive, cristãos.

O Coletivo Bereia reuniu quatro casos de abuso e pedofilia por parte de religiosos, fora os marcantes casos de João de Deus e o abuso à ministra Damares.

Tem-se o polêmico caso do padre Pedro Leandro Ricardo, em Araras (SP), que assediou coroinhas e funcionários na paróquia em que residia. A revelação ocorreu em 2018 através de uma reportagem da Veja. Um grupo de sete pessoas quatro homens, duas trans e uma mulher fizeram a denúncia que o padre tinha cometido nos últimos 15 anos. A advogada Talitha Camargo da Fonseca e o produtor audiovisual José Eduardo Milani enviaram um dossiê de 68 páginas ao Vaticano para denunciar os crimes, incluindo relatos das vítimas.

O que gerou grande indignação na época, é que ele contou com a proteção de dom Vilson Dias de Oliveira, bispo emérito da Diocese de Limeira, jurisdição que representa dezesseis cidades do interior de São Paulo. Leandro acabou afastado das funções de padre e de reitor da Basílica de Santo Antônio de Pádua e está impedido de celebrar missas até a conclusão da investigação. O bispo Vilson, que o protegia, renunciou ao cargo quando o escândalo veio à tona. “Ele cansou de receber denúncias a respeito”, diz a advogada Talitha.

Em Santa Catarina, um padre chamado Vitalino Rodrigues foi preso em maio deste ano, após ser acusado de pedofilia em pelo menos cinco crianças. A notícia extraída do noticiário Balanço Geral diz que o padre já foi preso uma vez, em 2007 em Fazenda Rio Grande, município do Paraná e teria sido preso novamente agora por denúncia anônima. Os primeiros crimes aconteceram em 2007. A polícia relatou que no local em que o padre cometia os crimes foram encontrados brinquedos e filmes pornográficos.

No início de 2020, um pastor e psicólogo da Igreja Batista de Recife (PE), foi indiciado por assédio, estupro, difamação, injúria racial e violação de segredo profissional. A Convenção Batista afastou o pastor após oito mulheres que frequentavam o templo, afirmarem ter sido vítimas dessas violências entre os anos de 1996 e 2019. A identificação do pastor não foi liberada.

Em junho deste ano, o pastor Davi Passamani, líder da Igreja Casa, foi denunciado pelo Ministério Público do Estado de Goiás pelo crime de importunação sexual, que ocorreu em janeiro de 2019. Além disso, o pastor já havia sido denunciado por uma veterinária que frequentava sua igreja pelo mesmo crime, de acordo com a vítima, ele afirmou que queria sentir seu beijo e que havia sonhado com ela. Em abril de 2020, a Justiça de Goiás determinou o arquivamento do inquérito.

Além disso, segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), o Brasil ocupa a quarta posição em maior número de casamentos infantis em todo o mundo, sendo o maior na América Latina. Ao entrevistar mulheres de 20 a 24 anos, em 2015, constatou-se que 36% delas, ou 3 milhões de brasileiras, casaram-se precocemente.

A violência contra adolescentes ocorre em todos os lugares do mundo e pode envolver líderes de diversas religiões. Não é algo que está caracterizado ou vinculado a apenas uma crença.

Bereia chama a atenção de leitores/as para matérias em sites de notícias religiosas que desinformam por desviarem o assunto para outros temas de interesse deles. O tema da perseguição religiosa tem forte apelo de público, neste caso, foi o tema privilegiado na cobertura do Gospel Mais e de vários outros sites cristãos, o que, frequentemente, leva à rejeição do islã, colocado em evidência. Bereia demonstra, com esta verificação, que o material noticioso divulgado é impreciso e deixa de abordar o caso que é um problema mundial, portanto, também do Brasil, que envolve violência contra mulheres por meio do casamento forçado precoce, o que pode ter ou não relação com adesão religiosa.

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Foto de Capa: ACN Portugal/Reprodução

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Referências

GOSPEL MAIS. Adolescente cristã sequestrada por muçulmano diz que foi estuprada “repetidamente”, https://noticias.gospelmais.com.br/adolescente-crista-sequestrada-por-muculmano-diz-que-foi-estuprada-repetidamente.html. Acesso em: 12 out. 2020.

G1 GOIÁS. Após ter inquérito por assédio arquivado, pastor é denunciado por importunação sexual em outro caso, em Goiânia. https://g1.globo.com/go/goias/noticia/2020/06/11/apos-ter-inquerito-por-assedio-arquivado-pastor-e-denunciado-por-importunacao-sexual-em-outro-caso-em-goiania.ghtml. Acesso em: 14 out. 2020.

G1 GOIÁS. Justiça arquiva processo de assédio sexual contra pastor em Goiânia, diz advogado, https://g1.globo.com/go/goias/noticia/2020/04/28/justica-arquiva-processo-de-assedio-sexual-contra-pastor-em-goiania-diz-advogado.ghtml. Acesso em: 12 out. 2020.

G1 PERNAMBUCO. Pastor evangélico é indiciado pela polícia por violência sexual contra oito frequentadoras de igreja. https://g1.globo.com/pe/pernambuco/noticia/2020/02/28/pastor-evangelico-e-indiciado-pela-policia-por-violencia-sexual-contra-oito-frequentadoras-de-igreja.ghtml. Acesso em: 12 out. 2020.

GUIA ME. Sequestrada e forçada a casamento islâmico, garota cristã diz que ‘marido’ a estuprou. https://guiame.com.br/gospel/missoes-acao-social/sequestrada-e-forcada-casamento-islamico-garota-crista-diz-que-marido-estuprou.html. Acesso em: 14 out. 2020.

MORNING STAR NEWS. Verdict in Pakistan Portends More Forced Marriages/Conversions of Christian Girls. https://morningstarnews.org/2020/08/verdict-in-pakistan-portends-more-forced-marriages-conversions-of-christian-girls/. Acesso em: 14 out. 2020.

CHILDFUND. Como você pode ajudar a evitar casamento infantil no Brasil? https://www.childfundbrasil.org.br/blog/casamento-infantil-no-brasil/. Acesso em: 14 out. 2020.

Notícias sobre cristofobia em portais gospel não contextualizam questão ao redor do mundo

O Portal Folha Gospel publicou em 24 de setembro de 2020 a matéria “Falar de cristofobia incomoda, mas vamos chamar a atenção para isso, diz Ernesto Araújo”.

O texto reproduz matéria do Portal Guia-me, que sintetiza a entrevista que o Ministro de Relações Exteriores Ernesto Araújo deu à rede de TV CNN, em 22 de setembro passado. Araújo defendeu a relevância do discurso do presidente Jair Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU, no qual abordou o combate à cristofobia. Na entrevista, o ministro afirmou que o conceito existe e o presidente não foi o primeiro a usar.

Araújo acrescentou à CNN que existe uma conscientização pequena ao redor do mundo acerca da cristofobia e chama a atenção para essa realidade em países cuja maioria da população é cristã e onde, às vezes, o cristianismo é atacado e outras religiões não são.

Ele se referiu ao discurso de Bolsonaro na ONU que incluiu o tema da liberdade religiosa e mencionou o conceito de cristofobia, em defesa dos cristãos que sofrem perseguição.

De acordo com a matéria, parte da imprensa teria repercutido negativamente o discurso do presidente do Brasil, alegando a inexistência de cristofobia no Brasil. Folha Gospel destaca que o ministro acredita que o Brasil é um país majoritariamente cristão, por isso tem responsabilidade em defender os cristãos perseguidos ao redor do mundo (em torno de 260 milhões, número apontado pela ONG Cristã Portas Abertas e reproduzido no Folha Gospel).

Na edição publicada pela Folha Gospel, o ministro Araújo avalia que, em um país como o Brasil, que apresenta a porcentagem de 90% de cristãos, o cristianismo é responsável por parte da sua identidade e da sua essência, o que levaria as autoridades brasileiras a assumirem a responsabilidade de chamarem a atenção para a questão.

A matéria traz a citação do ministro à CNN, referente a um estudo enviado ao Ministério de Relações Exteriores do Reino Unido, que aponta que 80% dos perseguidos por religião no mundo são cristãos. Araújo, segundo a síntese publicada pela Folha Gospel, defende o uso do termo “cristofobia”, já que islamofobia é utilizado para definir a perseguição aos muçulmanos. “Isso precisa ter um nome, para que as pessoas se conscientizem disso”, destacou, de acordo com a edição da Folha Gospel.

Ernesto Araújo afirmou à CNN, segundo a matéria reproduzida, que o discurso do presidente nas Nações Unidas não se limitou à diplomacia, mas foi “relevante, inovador e corajoso”. “Falar de cristofobia pode incomodar algumas pessoas, mas vamos chamar atenção para isso”, disse o ministro na entrevista.

A síntese publicada pela Folha Gospel destaca que o ministro foi questionado por jornalistas da CNN sobre o discurso de Jair Bolsonaro não ter contemplado brasileiros de outras religiões, e ele esclareceu que o presidente não deixou de olhar para as outras religiões, pois defende a liberdade religiosa para todos. A matéria destacou, novamente, que Araújo ressaltou que, pelo fato do Brasil ser um país cristão, as autoridades se sentem responsáveis por chamar a atenção sobre a intolerância religiosa. “Não excluímos ninguém, mas queremos recuperar a identidade nacional, não queremos ser um país genérico”, afirmou o ministro à CNN.

O discurso do presidente Bolsonaro na ONU

Em seu discurso de abertura da 75° Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), que durou pouco mais de quatorze minutos, o presidente Jair Bolsonaro destacou a covid-19 e o desemprego, como dois problemas a serem resolvidos e apontou a imprensa brasileira como agente disseminador de pânico entre a população. Falou sobre as medidas tomadas pelo governo federal no âmbito da pandemia, como o auxílio emergencial.

Bolsonaro falou ainda sobre a Amazônia e o Pantanal e a propagação de “desinformação” sobre os incêndios que devastaram os dois ecossistemas, que segundo o presidente, começaram na área em que índios e caboclos mantém plantações, sendo que estas áreas já se encontram desmatadas e comentou sobre o derramamento de óleo venezuelano em 2019 na costa brasileira.

Ao afirmar que “a liberdade é o bem maior da humanidade”, Bolsonaro faz uso do tema da liberdade religiosa e do combate à cristofobia e afirma que “o Brasil é um país cristão e conservador, e tem na família a sua base”.

Sobre o conteúdo do discurso do presidente Bolsonaro na ONU, o projeto Aos Fatos verificou 41 afirmações, tendo avaliado 12 delas como verdadeiras e 29 como desinformação, entre 11 falsas, 7 imprecisas, 6 insustentáveis, 4 contraditórias e uma exagerada. O tema da cristofobia não foi verificado.

A doutora em Ciências da Comunicação, pesquisadora sobre religião e política, jornalista e editora-geral do Coletivo Bereia Magali Cunha afirma que o discurso de Bolsonaro na ONU se revelou recheado de falácias, ou seja, informações falsas, estrategicamente utilizadas para passar a impressão de serem verdadeiras.

A apresentação do tema da “cristofobia” como uma das grandes questões a serem enfrentadas no mundo, representou, para Magali Cunha, um forte aceno aos apoiadores do presidente, tanto católicos quanto evangélicos brasileiros e não é dirigida como “apelo à comunidade internacional”, como faz parecer.

De acordo com a editora-geral do Coletivo Bereia, o termo “cristofobia” não se aplica ao Brasil, por conta dos cristãos serem ampla maioria religiosa e, não haver nesse contexto, perseguição à religião cristã, como ocorre em outros países. Casos de perseguição religiosa a este grupo no país são pontuais, reflexos da ignorância e do preconceito contra evangélicos e de situações, como atentados a símbolos e templos católico-romanos por extremistas evangélicos.

São as religiões de matriz africana que sofrem perseguição religiosa recorrente no Brasil, conforme apontam relatórios elaborados pelo governo federal, fruto de histórica demonização destas religiões por conta da hegemonia cristã exclusivista e do racismo estrutural, por serem expressões de fé da cultura negra. Segundo Magali Cunha, a estratégia discursiva adotada pelo presidente visa a ampliação de forças fundamentalistas anti-direitos de minorias sociais. Para isso, o governo brasileiro tem buscado assessoria de juristas fundamentalistas entre católicos e evangélicos. A atuação da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (ANAJURE) com o ministro Ernesto Araújo em pautas internacionais, é um exemplo.

O professor da Universidade de Brasília (UNB) e coordenador do grupo de pesquisa sobre Filosofia da Religião na instituição, Agnaldo Cuoco Portugal, afirmou em entrevista ao Portal Congresso em Foco que o discurso de combate ao ódio contra cristãos não é necessariamente novo. “Já vi o Papa Francisco falando desta perseguição. O patriarca de Moscou também. Aí faz sentido a estas autoridades falar contra a perseguição de cristãos”, disse, referindo-se ao líder da Igreja Católica Apostólica Romana e a Cirilo I, líder da Igreja Ortodoxa Russa.

O discurso bolsonarista mostra que não se trata apenas da interferência da religião na política, mas também da interferência da política na religião. Qualquer uma das duas manobras, pondera Agnaldo, é perigosa. “O chefe de nação defender determinada religião incorre no perigo de aumentar sua legitimidade política. E é algo perigoso numa democracia por conta de sua laicidade- o Estado não pode tomar uma posição religiosa, em detrimento de uma ou outra expressão”, explicou.

O conceito de cristofobia

Em entrevista ao Coletivo Bereia, o teólogo e pastor batista Irenio Chaves analisou o uso do termo “cristofobia”.

Não existe cristofobia no Brasil. Esse termo foi usado para descrever a perseguição a cristãos em países dominados por outros fundamentalismos e regimes extremistas, muitas vezes com martírio, desterro e violência. Não é o nosso caso. Não resta a menor dúvida de que há uma herança histórica de preconceito a protestantes, que vem diminuindo e quase desaparecendo, que é aquele que diz que todo o crente é sem entendimento e de classes sociais inferiores.

Irenio Chaves

Ouvida por Bereia, a professora de Antropologia da Religião na Unicamp Brenda Carranza explica que o uso do termo “cristofobia” pode estar relacionado às falas do Deputado Marco Feliciano em reação à Parada Gay em São Paulo. “Utilizar pública e aleatoriamente o termo Cristofobia é pavimentar a ideia de que existe um ódio contra o cristianismo. Tal ódio, segundo os disseminadores do termo, é nutrido por minorias sociais, étnicas e demográficas (entre elas comunidades LGBTQ+, movimentos sociais, indígenas, negros, pobres e feministas) que ameaçam o moral e costumes cristãos e acalentam desejos de atacar os cristãos”, afirma a pesquisadora. Em 2015, o então Presidente da Câmara Eduardo Cunha tentou votar com urgência um projeto de lei sobre cristofobia. O PL se encontra na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e teve relatório favorável em 2019.

No entanto, o pastor Irênio Chaves interpreta que o aumento de antipatia a segmentos fundamentalistas do evangelicalismo brasileiro acontece devido a um alinhamento deles a uma mensagem política e social imbuída de discurso de ódio, obscurantismo e negacionismo.

“Infelizmente, esse discurso é assumido por lideranças que têm acesso a grandes somas de dinheiro, a uma grande quantidade de pessoas e ao uso de mídias e redes sociais. Infelizmente, essa realidade tem favorecido o fortalecimento da extrema direita, como sinônimo de ‘conservadorismo’, e a divisão nas comunidades, com perseguição e ataques aos que pensam diferente. Se podemos falar em alguma ‘cristofobia’ no Brasil, é o que parte de fundamentalistas contra esses cristãos que querem colocar em prática a mensagem de amor e acolhimento de Jesus no contexto atual.”

Irênio Chaves

O pesquisador e mestre em Ciência das Religiões, Nelson Lellis, ouvido por Bereia, explica que o conceito é impossível de ser aplicado no Brasil:

O conceito Cristofobia diz sobre intolerância religiosa aos cristãos, o que é impossível sua aplicação no Brasil. Cristãos católicos ainda são a maioria; os evangélicos, em crescimento constante, protagonizarão esse cenário em 2032. O atual governo possui vários atores cristãos no poder. O presidente se declara cristão e frequenta missas e cultos. Como o Brasil pode ser cristofóbico? O fato é que as religiões de matriz africana continuam em primeiro lugar como foco de intolerância religiosa. Os principais “perseguidores” são evangélicos. Além de demonizarem sua teologia, destroem terreiros e apedrejam membros desses segmentos. O uso do termo “cristofobia” faz parte de uma tarefa propagandista política conservadora do atual governo. Seu intento é garantir a pauta “Deus, pátria e família”, um mote já bastante conhecido e defendido por igrejas bolsonaristas.

Nelson Lellis

Em entrevista ao Portal O Povo o padre Rafhael Maciel, sacerdote eleito pelo Papa Francisco como Missionário da Misericórdia, disse que o termo cristofobia se refere à aversão ou ridicularização pública de uma pessoa, em razão de sua fé em Jesus Cristo. “A igreja é repleta de mártires, vários santos no passado foram perseguidos porque acreditavam em Cristo. Naqueles primeiros tempos, não chamávamos de cristofobia”, esclarece o padre, recordando que a perseguição contra os cristãos se tornava testemunho de fé.

O sacerdote reconhece que o termo também é empregado para mascarar discursos que negam o extremismo religioso por parte de cristãos. O padre Rafhael salienta que assim como existem preconceitos de raça ou sexual, existem preconceitos ligados à questão religiosa.

Também entrevistado pelo portal O Povo, Christian Dennys, professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC) e estudioso sobre religião há 25 anos, afirma que o conceito de cristofobia tem sido utilizado por supremacistas de direita para afirmar que maiorias cristãs são vítimas “das esquerdas”. Segundo o pesquisador, o termo ganhou novo significado com a midiatização (via mídias sociais) e a judicialização (através de bancadas evangélicas).

“‘Cristofobia’ não existe: mas pode virar uma lei para incriminar, de forma hedionda, quem atente contra a pregação de um ‘neopentecostal’- ultimamente tornado sinônimo do verdadeiro evangélico cristão”, comenta o professor. No entendimento de Dennys, o discurso da cristofobia é instrumento de revanchismo usado por grupos de extrema direita.

Dentro das esferas evangélicas o termo cristofobia tem sido utilizado para se referir a perseguições sofridas por adeptos do cristianismo em diversos países, principalmente onde são minoria. Há inúmeros relatos de prisões, violência e assassinatos de cristãos na Ásia, em países do Oriente Médio e da África.

No Brasil o termo tem sido usado para se referir a episódios de preconceito e discriminação contra evangélicos, embora não exista no país um sistema estruturado de perseguição violenta contra esse segmento religioso.

Entrevistado pela BBC Brasil, Marco Cruz, secretário-geral da ONG Portas Abertas, disse que não dá para falar em “cristofobia” no Brasil. “Há casos isolados de preconceito, mas, no nosso contexto, não consideramos que exista no Brasil uma perseguição estruturada e sistemática contra cristãos, como em outros países. Nós podemos expressar nossa fé livremente, ninguém é expulso de algum local por ser cristão, nenhuma pessoa morre ou é presa no Brasil por ser cristã”, afirma.

Magno Paganelli, doutor em história social pela Universidade de São Paulo (USP), disse à BBC Brasil que embora as religiões afro-brasileiras sofram mais com a discriminação, acredita que de fato existe cristofobia no Brasil, “se você considera o rigor do conceito de islamofobia, lgbtfobia e afins”, afirma.

Liberdade religiosa e perseguição de cristãos ao redor do mundo

A liberdade religiosa ou de crença faz parte dos direitos humanos, como afirma o artigo 18º da Declaração Universal dos Direitos Humanos:

“Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos.”

Declaração Universal dos Direitos Humanos

A ONU já publicou diversas resoluções e documentos a respeito da questão, desde a relação da liberdade religiosa com grupos vulneráveis até a intersecção desse direito com outros direitos humanos. Além disso, 22 de Agosto é o Dia Internacional contra a Violência baseada na religião e outras crenças.

Além de instituições religiosas como Porta Abertas e Ajuda à Igreja que Sofre, que colocam atenção à perseguição de cristãos, há organizações, como Pew Research Center, órgão de pesquisa estadunidense, que olham a questão de forma ampla, para além do Cristianismo, e têm publicado levantamentos anuais a respeito das restrições à liberdade de qualquer crença ao redor do mundo.

O pesquisador Brian Grim expôs a metodologia do estudo do Pew Research Forum em um TEDx: mede-se tanto as restrições governamentais quanto as hostilidades sociais relacionadas à liberdade religiosa ou de crença. De forma geral, 52 países (26% do total) impunham grandes ou muito grandes restrições governamentais à crença em 2017. Já os países com grandes ou muito grandes hostilidades sociais relacionadas à religião somavam 56.

Ao separar por religião, o estudo aponta o Cristianismo como confissão mais alvo de restrições em 2017. São 143 países em que cristãos sofrem alguma forma de assédio (termo usado pela pesquisa). Logo atrás vêm o islamismo, com 140 países em que restrições são impostas a seus praticantes. A pesquisa nota que essas religiões são mais alvejadas porque também são os maiores grupos religiosos do mundo.

Cristãos sofrem restrições em todos os 20 países do Oriente Médio e Norte da África e em 75% dos países da região Asiática do Pacífico. Já muçulmanos têm algum tipo de restrição em 95% do Oriente Médio e Norte da África e 93% da Europa. Vale lembrar a explicação de Grim: esses dados levam em conta todo tipo de restrição (governamental ou social): desde a prefeitura de Moscou restringir a 4 o número de mesquitas em seu território até o Paquistão punir o crime de blasfêmia com prisão ou pena capital. Ainda que o estudo avalie a gravidade das restrições por país, não o faz por religião.

Por último, é importante notar que o tema da liberdade religiosa voltada para cristãos faz parte de uma das prioridades da política externa estadunidense sob Donald Trump, como um aceno político ao apoio que recebe desse segmento religioso . A Casa Branca já publicou uma Ordem Executiva tratando do tema em 2020 e o Departamento de Estado dos EUA deixa público relatórios sobre o assunto produzidos desde 2017. A menção de Bolsonaro à liberdade religiosa e à cristofobia faz parte de um alinhamento brasileiro à política externa norte-americana nessa questão, buscando acenar também a seus apoiadores cristãos. inserir esta referência

O cristianismo como elemento formador da identidade brasileira

Em seu discurso, Bolsonaro disse que o Brasil é um país cristão, ponto reafirmado por Ernesto Araújo. No entanto, esta afirmação é enganosa, pois, apesar da predominância numérica cristã, o Brasil é um país com ampla pluralidade de religiões, e não pode ser chamado de cristão.

O Pew Research Center aponta que o país tem a maior população católica absoluta do mundo, apesar da queda nas últimas décadas. De acordo com dados do Censo Demográfico de 1970, os seguidores do Vaticano eram 91,8%. Hoje a população cristã tornou-se mais diversa. O Censo de 2010 aponta que evangélicos são 22,2% de todos os brasileiros e, somados aos católicos, os cristãos correspondem a 86,8% da população brasileira.

A predominância cristã tem relação com a colonização por Portugal, uma nação que esteve no regime do Padroado. De acordo com Eduardo Navarro, livre-docente do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Universidade de São Paulo, nesse regime, a Igreja Católica assistia o direito ou incumbia o dever aos reis de Espanha e Portugal de evangelizar as terras colonizadas. Além disso, os patronos também podiam nomear bispos e comandar missionários em seu território.

Durante o Império de Pedro I e Pedro II, o Brasil manteve o Catolicismo Romano a religião oficial do Estado, ainda que permitisse outras práticas (como a protestante muitas vezes trazida por imigrantes como alemães luteranos na região sul ou ingleses anglicanos), sem autorização de erguer-se templos. Foi apenas com a Proclamação da República em 1889 que o país tornou-se laico, o que não mudou o caráter hegemônico do catolicismo entre os brasileiros. Os símbolos tradicionais dessa vertente do cristianismo ainda se fazem presentes no espaço público, como os crucifixos em prédios da Justiça.

No entanto, o cristianismo não é o único elemento formador da identidade brasileira. A cultura indígena tem marcas profundas na religiosidade popular e a cultura africana dos que foram trazidos como escravizados durante séculos também se faz presente entre os brasileiros, seja na culinária, música e também na religião. Em 2010, 0,3% da população brasileira se declarava umbandista ou candomblecista. Além disso, 8% da população se diz sem religião, 2% segue o espiritismo e há uma pluralidade de religiões de diferentes origens presentes no país, conforme o Censo de 2010.

Nesse sentido, ainda que cristãos sejam a maioria, o Estado é laico e, portanto, não favorece nem persegue credos específico e deve garantir que todos tenham plena liberdade de crer e de não crer , conforme definem os Artigos 5º e 19 da Constituição Federal de 1988:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

VI – e inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

Art. 19 “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público; II – recusar fé aos documentos públicos; III – criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.”

Constituição Federal de 1988

O Coletivo Bereia classifica a matéria da Folha Gospel como imprecisa. O texto que reproduz matéria de outro veículo gospel, o Portal Guiame, faz uma edição de conteúdos da entrevista concedida pelo Ministro das Relações Exteriores do Brasil à CNN que atua como promoção da fala do político e, por sua vez, do tema da cristofobia, na linha de uma assessoria de imprensa, sem contextualização das diversas afirmações do político apresentadas de forma imprecisa. Além disso, a matéria da Folha Gospel ainda acusa veículos de imprensa de repercutirem negativamente o discurso de Jair Bolsonaro na ONU, sem informar quais foram estes veículos e o que disseram exatamente. Com isso, Folha Gospel (e o Portal Guia-me) produz desinformação e animosidade do público contra veículos de imprensa em geral, tendo transformado o tema, tratado pelo ministro de forma vaga, em título da matéria.

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Foto de capa: Pixabay/Reprodução

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Referências

CORREIO BRAZILIENSE, https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/mundo/2020/01/15/interna_mundo,820607/mais-de-250-milhoes-de-cristaos-foram-perseguidos-no-mundo-em-2019.shtml. Acesso em: 29 set. 2020.

BBC BRASIL: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-54254309. Acesso em: 27 set. 2020

PLANALTO (YOUTUBE): https://youtu.be/821wal-DuEA. Acesso em: 27 set. 2020

RELATÓRIO INTOLERÂNCIA E VIOLÊNCIA RELIGIOSA BRASIL: https://direito.mppr.mp.br/arquivos/File/RelatorioIntoleranciaViolenciaReligiosaBrasil.pdf. Acesso em: 27 set. 2020.

EXAME: https://exame.com/brasil/em-video-feliciano-ataca-cristofobia-na-parada-gay/. Acesso em: 30 set. 2020.

PORTAL CONGRESSO EM FOCO: https://congressoemfoco.uol.com.br/especial/noticias/cunha-quer-urgencia-para-projeto-da-%e2%80%98cristofobia%e2%80%99/. Acesso em: 29 set. 2020.

CÂMARA DOS DEPUTADOS, https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1302214. Acesso em: 30 set. 2020.

PORTAL CONGRESSO EM FOCO: https://congressoemfoco.uol.com.br/governo/o-que-e-cristofobia-e-por-que-faz-pouco-sentido-bolsonaro-falar-sobre-isso/. Acesso em: 27 set. 2020

UNITED NATIONS HUMANS RIGHTS OFFICE OF THE HIGH COMMISSIONER: https://www.ohchr.org/en/udhr/documents/udhr_translations/por.pdf. Acesso em: 28 set. 2020.

UNITED NATIONS HUMANS RIGHTS OFFICE OF THE HIGH COMMISSIONER: https://www.ohchr.org/en/issues/freedomreligion/pages/standards.aspx#20. Acesso em: 28 set. 2020.

UNITED NATIONS: https://www.un.org/press/en/2019/ga12147.doc.htm. Acesso em: 28 set. 2020.

PEW RESEARCH CENTER: https://www.pewforum.org/2013/04/30/the-numbers-of-religious-freedom-brian-j-grim-at-tedxviadellaconcilizaione/. Acesso em: 28 set. 2020.

PEW RESEARCH CENTER, https://www.pewforum.org/2019/07/15/harassment-of-religious-groups-steady-in-2017-remaining-at-10-year-high/. Acesso em: 28 set. 2020.

WHITE HOUSE: https://www.whitehouse.gov/presidential-actions/executive-order-advancing-international-religious-freedom/#:~:text=Policy.,and%20vigorously%20promote%20this%20freedom. Acesso em: 28 set. 2020

U.S. STATE DEPARTMENT: https://www.state.gov/international-religious-freedom-reports/. Acesso em: 28 set. 2020.

RELIGARE, https://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/religare/issue/view/2439. Acesso em: 29 set. 2020.

PEW RESEARCH CENTER, https://www.pewforum.org/2013/02/13/the-global-catholic-population/. Acesso em: 28 set. 2020.

IBGE, https://sidra.ibge.gov.br/Tabela/137. Acesso em: 28 set. 2020

IBGE, https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/69/cd_1970_v1_br.pdf. Acesso em: 28 set. 2020.

EDUARDO NAVARRO, http://www.revistas.usp.br/teresa/article/download/116738/114296/. Acesso em: 28 set. 2020.

PLANALTO, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm. Acesso em: 28 set. 2020.

PLANALTO, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao91.htm. Acesso em: 28 set. 2020.

CONSULTOR JURÍDICO, https://www.conjur.com.br/2007-mai-29/uso_simbolo_nao_fere_carater_laico_estado_cnj. Acesso em: 28 set. 2020.

BRASIL ESCOLA, https://brasilescola.uol.com.br/cultura/cultura-africana.htm. Acesso em: 28 set. 2020.

IBGE, https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/14244-asi-censo-2010-numero-de-catolicos-cai-e-aumenta-o-de-evangelicos-espiritas-e-sem-religiao. Acesso em: 28 set. 2020.

PLANALTO, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 28 set. 2020.

Cristofobia, uma estratégia preocupante

O presidente Jair Bolsonaro, no dia 22 de setembro de 2020, lançou no seu discurso de abertura do encontro anual da Organização das Nações Unidas (ONU), um termo que teve repercussão na imprensa nacional e internacional. Após fazer digressões sobre a situação econômica do país, a crise ambiental, as consequências da pandemia, relações internacionais, com foco na Venezuela, o Sr. Presidente pronuncia a seguinte frase: “faço um apelo a toda a comunidade internacional pela liberdade religiosa e pelo combate à cristofobia”. O discurso continua em direção ao Oriente Médio, prestando solidariedade ao Líbano, atingido recentemente por uma explosão portuária e acenando para parcerias com o Estado de Israel. O discurso é encerrado com uma frase que declara o Brasil, um Estado laico, como sendo: “um país cristão e conservador e [que] tem na família sua base. Deus abençoe todos”.

Essa frase aparentemente solta, pronunciada por um chefe de Estado numa congregação mundial das nações, não é leviana e não pode passar despercebida. Como não passou pela reverberação de seus efeitos que se encontra na imprensa, em geral, e nas redes sociais, em particular. Cabe uma ponderação reflexiva sobre o que é e pode vir a ser uma cristofobia no Brasil. Será feita de forma catequética, que via perguntas e respostas, ajuda a focar na argumentação.

Mas, o que é cristofobia?

É uma narrativa cristã construída a partir de um sentimento de perseguição, ameaça e/ou ataque. Usado sem essas situações reais de perseguição que pode ser seguida de morte, ameaça a direitos de expressão religiosa e de ataque físico e simbólico a templos, igrejas, pessoas. O termo pode ser utilizado como uma estratégia retórica que afirma supremacia de uma maioria cristã e justifica perseguição para aqueles que não são maiorias demográficas, simbólicas e políticas. Enquanto estratégia retórica e sem base real e fundamento o termo “cristofobia” se torna um preconceito com suas consequências discriminatórias.

O termo pode ser aplicado ao Brasil?

NÃO.

O Brasil é um país com maioria histórica, demográfica e simbolicamente cristã. É o Cristianismo sua matriz cultural, a orientação de seu código de costumes e o horizonte jurídico que impregna direitos fundamentais garantidos por lei na Constituição de 1988. Ainda que por diversos motivos, entre eles de cunho político, tanto no passado remoto quanto no recente, tenham-se registrado perseguições a pessoas que se confessam cristãs, atualmente isso não é um fato. Mesmo assim, no passado essa perseguição não era explicitada como sendo uma perseguição religiosa em massa, nem se colocava o sistema jurídico, policial e/ou militar para a perpetrar. Atualmente o Brasil não pode ser enquadrado entre os países como a Índia e no Oriente Médio, nos quais existe, em diferentes graus, essa perseguição por motivos religiosos. Contudo, dentro do Cistianismo e fora não tem sido referido como cristofobia e sim como perseguição aos cristãos, como o próprio Papa Francisco se referiu no seu discurso à ONU em ocasião do seu 75º aniversário, na mesma data do pronunciamento do Sr. Presidente Bolsonaro.

Por que, então, utilizar o termo no Brasil?

A resposta é muito interessante e deve ser colocada no contexto do uso retórico. Assim, cristofobia pode ser aproximadamente datado às intervenções públicas do deputado federal Marco Feliciano, na Câmara dos Deputados desde 2011, conhecidamente por suas atitudes homofóbicas, quem perante as passeatas gay em São Paulo, desde 2015, vem reagindo de forma acusatória, indicando que essas manifestações são expressões de aberrações morais e desvios de comportamentos. Utilizar pública e aleatoriamente o termo cristofobia é pavimentar a ideia de que existe um ódio contra o cristianismo. Tal ódio, segundo os disseminadores do termo, é nutrido por minorias sociais, étnicas e demográficas (entre elas comunidades LGBTQ+, movimentos sociais, indígenas, negros, pobres e feministas) que ameaçam o moral e costumes cristãos e acalentam desejos de atacar os cristãos.

Cristofobia pode ser um termo perigoso?

SIM.

Porque, de um lado, coloca na pauta religiosa, social e da mídia um fenômeno que não existe no Brasil nem na América Latina. De outro lado, porque como todo preconceito esconde as diferenças internas que há nos grupos que ele estigmatiza, justifica sua exclusão e reforça uma visão de serem ameaçadores para a ordem moral estabelecida por um tipo de interpretação cristã. Que dito seja, não é consenso no Cristianismo, nem católico nem evangélico, pois ambos segmentos são profundamente plurais. Mais ainda, e aqui entra o elemento perigoso: ele justifica ameaçar, atacar e criminalizar aqueles que são alvo de sua perseguição em nome de uma inversão criada por esses grupos que reverberam o termo. Dito de outra forma: cristofobia é um álibi para perseguir a quem se disse perseguido. Álibi que historicamente sempre foi nefasto para a sociedade e a religião, basta lembrar a Inquisição e ler a História.

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Foto de capa: Presidência da República/Reprodução

Ministro do Supremo Tribunal Eleitoral não promove perseguição religiosa

O site Pleno News publicou dia 28 de junho a seguinte notícia Pr. Silas Malafaia acusa Fachin de perseguição religiosa: ministro do Supremo propôs cassação do mandato por abuso de poder religioso”.

Reprodução/ Pleno News

Pleno News destacou a proposta de cassação de mandato de candidatos, já nas eleições de 2020, por abuso de poder religioso, feita pelo ministro do Tribunal Superior Eleitoral e também membro do Tribunal Superior Federal, Edson Fachin. Como contraposição ao pronunciamento do ministro, a matéria destaca a opinião de Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, que fez um pronunciamento em seu canal do Youtube acusando o ministro Edson Fachin de preconceito e perseguição religiosa. 

O pastor afirmou que “o Estado é laico, mas não é laicista, ou seja, ele não é contra a religião”. Segundo o pastor, a proposta do Ministro Edson Fachin é “uma tentativa de cerceamento do pensamento conservador” e “é um jogo nojento e inescrupuloso”.

Por fim, fez um apelo aos ministros do Tribunal Superior Eleitoral para que “rejeitem essa aberração que não passa de um preconceito e perseguição religiosa. que Deus nos livre desses conceitos esquerdopatas que estão na nossa nação e que venham tempos de liberdade, bênção, paz e prosperidade para o Brasil”.

Pleno News não apresenta a fonte da declaração do ministro Fachin e muito menos o contexto em que tal declaração foi feita.

Bereia checou as informações. O pastor Silas Malafaia faz referência à declaração feita pelo ministro Edson Fachin, durante sessão virtual do Tribunal Superior Eleitoral no dia 25 de junho.

O TSE discutia o processo de cassação do mandato da vereadora Valdirene Tavares dos Santos, eleita em 2016 no município de Luziânia (GO). Valdirene é acusada de praticar abuso de poder religioso durante a campanha. Foi condenada nas instâncias inferiores e agora há o Recurso Especial nº 000008285, da parte da vereadora, em julgamento no TSE.

Durante a campanha eleitoral de 2016, a então candidata teria se reunido na catedral da Assembleia de Deus em Luziânia e pedido votos aos membros da igreja. Pastores de outros bairros teriam sido chamados para a reunião, pelo pai da candidata, pastor Sebastião Tavares. Para o Ministério Público Eleitoral, Valdirene Tavares utilizou de sua condição de autoridade religiosa, uma vez que também atuava como pastora, para influenciar a escolha dos eleitores e intervir no direito constitucional da liberdade de voto.

Valdirene morou em Santo Antonio quando seu pai pastoreou a igreja Assembleia de Deus. Sebastião Tavares, pai da vereadora (à direita) é presidente do campo da Assembleia de Deus, ministério Madureira, em Luziânia. (Reprodução/ Folha da Copaiba)

Após perder nas instâncias inferiores, que julgaram pela cassação do mandato, o recurso pela não cassação chegou ao TSE. O julgamento foi suspenso por um pedido de vista ministro Tarcísio Vieira de Carvalho Neto.

Até o pedido de vista, apenas o relator do caso, ministro Edson Fachin havia proferido seu voto, seguido pelo ministro Alexandre de Moraes. Ambos optaram pela não cassação do mandato. Segundo Fachin, a única prova apresentada, um vídeo de três minutos em que a então candidata pede votos dentro da igreja, não seria suficiente para a cassação do mandato.

No entanto, Edson Fachin ressaltou a necessidade da separação entre Estado e religião para garantir ao cidadão autonomia para escolher seus representantes políticos. O ministro propôs ao Plenário do TSE que, a partir das Eleições de 2020, seja possível incluir a investigação do abuso de poder de autoridade religiosa no âmbito das Ações de Investigação Judicial Eleitoral (Aijes).

O ministro afirmou durante seu voto que “a imposição de limites às atividades eclesiásticas representa uma medida necessária à proteção da liberdade de voto e da própria legitimidade do processo eleitoral, dada a ascendência incorporada pelos expoentes das igrejas em setores específicos da comunidade”.

O ministro Alexandre de Moraes seguiu o voto do relator e optou pela não cassação do mandato, no entanto, divergiu na questão do abuso de poder religioso. Moraes afirmou que, considerando a inviolabilidade de crença, não parece ser possível, em virtude do princípio da legalidade, adotar uma espécie não prevista em lei, que é o abuso de poder religioso, sem que a questão religiosa seja instrumento para se chegar ao abuso de poder econômico.

“Não se pode transformar religiões em movimentos absolutamente neutros sem participação política e sem legítimos interesses políticos na defesa de seus interesses assim como os demais grupos que atuam nas eleições”, disse ele, ao destacar que, se assim o entendesse, a legislação abordaria também o abuso do poder sindical, o abuso do poder empresarial e o abuso do poder corporativo.

Moraes conclui que “Qualquer atitude abusiva que acabe comprometendo ou gerando abuso de poder político e econômico deve ser sancionado pela legislação eleitoral, nem mais nem menos”, A corte eleitoral aguarda a decisão do ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto.

Diante da crítica exposta na matéria do site Pleno News, é importante recuperar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos garante que:

Todo ser humano tem direito a liberdade de pensamento, consciência e religião; esse direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto em público ou em particular” (art. 18).

E a Constituição Brasileira afirma:

“É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias” (art. 5, VI).

No entanto, a mesma Constituição, no artigo 19, I, estabelece a cláusula geral da separação Estado-igreja (Estado laico, a que se refere o pastor Silas Malafaia na matéria do Pleno News), dispondo que vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”.

O advogado especialista em Direito Criminal e Direito Público e professor na Escola Paulista de Direito Marcelo Adith afirma sobre isto: .“A liberdade religiosa não constitui direito absoluto. Não há direito absoluto. O ministro Henrique Neves destacou, com acerto, que a liberdade de pregar a religião, essencialmente relacionada com a manifestação da fé e da crença, não pode ser invocada como escudo para a prática de atos vedados pela legislação (TSE, RO 265308, j. 7/3/2017, DJe 5/4/2017, p. 2).

Já o advogado, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político – ABRADEP e professor de cursos jurídicos Amilton Augusto Kufa afirma que 

“O abuso do poder religioso, pode ser considerado como o desvirtuamento das práticas e crenças religiosas, visando influenciar ilicitamente a vontade dos fiéis para a obtenção do voto, para a própria autoridade religiosa ou terceiro, seja através da pregação direta, da distribuição de propaganda eleitoral, ou, ainda, outro meio qualquer de intimidação carismática ou ideológica, casos que extrapolam os atos considerados como de condutas vedadas, previstos no art. 37, § 4º, da Lei nº 9.504/97. E os abusos vão desde o registro de candidatura até o dia das eleições, configurados por inúmeros atos, entre eles: registro de números de candidaturas que possuam identificação com números bíblicos; criação de células dentro do seio da entidade religiosa com o intuito de arregimentar os discípulos como cabos eleitorais; pedidos de votos na porta das igrejas e até mesmo apelos mais enfáticos e impositivos vindos do altar, durante os cultos de celebração, tudo amparado na crença e, por vezes, na ignorância e inocência dos fiéis seguidores.7 Divergências e polêmicas a parte, o que a Constituição Federal de 1988 busca, em especial pelo que descreve no § 9º, do artigo 14, é que as eleições sejam um campo de oportunidades iguais aos postulantes, a possibilitar que o vencedor seja o mais preparado na preferência do eleitorado, em face de suas propostas e realizações, tudo isso exercido de forma livre, sem qualquer tipo de influência, fraude ou desvirtuamento, garantindo-se, assim, “a normalidade e a legitimidade das eleições, em respeito à própria soberania popular.”

Com base nesta verificação, Bereia conclui que a notícia do site Pleno News, baseada na palavra do pastor evangélico, Silas Malafaia é enganosa. O ministro Edson Fachin propôs  propôs ao plenário do TSE a possibilidade de incluir a investigação do abuso de poder de autoridade religiosa no âmbito das Ações de Investigação Judicial Eleitoral (Aijes).

Fachin fez apenas uma proposta ao plenário da corte eleitoral e dentro do debate, sua proposta foi refutada pelo ministro Alexandre de Moraes. Além disso, durante a sessão, o ministro Fachin votou pela não cassação do mandato da vereadora Valdirene Tavares, pois no caso concreto em análise, observou que não houve abuso de poder. 

Sua proposta foi feita em sessão do Tribunal Superior Eleitoral, portanto órgão mais do que apropriado para este tipo de debate. A sessão era pública e todas as opiniões e votos são passíveis de análise pelos veículos de comunicação e analistas políticos. Muito longe de uma perseguição religiosa,  a proposta do ministro parece uma tentativa de aprimorar a democracia e corrigir possíveis distorções do processo eleitoral.

Além disso, o veículo noticioso não contextualizou o caso e transformou a opinião de um único líder religioso em notícia, com palavra definitiva, sem ouvir o pensamento de outras lideranças sobre a situação.

Dica para o leitor:

As eleições se aproximam e o Tribunal Superior Eleitoral têm uma seção exclusiva para esclarecer fatos e boatos eleitorais: Fato ou Boato?

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Referências de Checagem:
Pleno News. Pr. Silas Malafaia acusa Fachin de perseguição religiosa. Disponível em: https://pleno.news/brasil/politica-nacional/pr-silas-malafaia-acusa-fachin-de-perseguicao-religiosa.html Consulta em 30/06/2020https://youtu.be/H7SFtuTwQJY
Youtube. Silas Malafaia Oficial. O Preconceito e a perseguição Religiosa do Ministro Fachin. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=H7SFtuTwQJY#action=share Consulta em 30/06/2020
Tribunal Superior Eleitoral. TSE inicia debate sobre a possibilidade de reconhecer abuso de poder religioso. Disponível em: http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2020/Junho/tse-inicia-debate-sobre-a-possibilidade-de-reconhecer-abuso-de-poder-religioso Consulta em 30/06/2020
TSE. Íntegra do voto do ministro Edson Fachin. Disponível em: http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/arquivos/tse-respe-8285-luziania-go-voto-ministro-edson-fachin-em-25-06-2020/rybena_pdf?file=http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/arquivos/tse-respe-8285-luziania-go-voto-ministro-edson-fachin-em-25-06-2020/at_download/file Consulta em 30/06/2020. 

6 meses: Sites religiosos e ativistas digitais que propagam desinformação

Segundo o Manual para Educação e Treinamento em Jornalismo produzido pela UNESCO, a desinformação é uma história antiga, fomentada por tecnologias novas.

Um dos primeiros registros vem da época da Roma Antiga, quando Antônio encontrou-se com Cleópatra e seu inimigo político, Otaviano, lançou uma campanha de difamação contra ele com slogans curtos e afiados, escritos em moedas no estilo dos tuítes arcaicos. 

O transgressor tornou-se o primeiro imperador romano que utilizou fake news como arma política, permitindo que Otaviano invadisse o sistema republicano de uma vez por todas. 

Em uma escala sem precedentes, o século 21 transformou a informação em armamento. Novas e poderosas tecnologias simplificam a manipulação e a fabricação de conteúdo, e as mídias sociais ampliam dramaticamente falsidades propagadas por Estados, políticos populistas e entidades corporativas desonestas. 

A propagação de desinformação com temática religiosa é assunto ainda mais sensível. O Coletivo Bereia checa fatos publicados periodicamente em mídias religiosas e em mídias sociais que abordem conteúdos religiosos, além de pronunciamentos de autoridades e personalidades ligadas à religião. 

O Coletivo fez um levantamento das temáticas de todas as checagens publicadas na seção “Checamos” do site, entre os dias 12 de dezembro de 2019 e 09 de junho de 2020, e oferece aos leitores e leitoras um quadro do universo da desinformação religiosa. 

Desinformação religiosa: levantamento das checagens do Bereia 

Esta avaliação levou em consideração as checagens realizadas num período exato de 180 dias. Foram analisados todos os artigos presentes na página de checagens no sítio do Coletivo Bereia, dentre estas, sete foram desconsiderados, por se tratarem de textos reflexivos relacionados a fatos ocasionados por notícias falsas ou duvidosas e não sobre uma checagem de fatos, propriamente dita. Sendo assim, um total de 53 checagens compuseram a análise.

A primeira observação foi quanto à classificação das notícias. São utilizadas 5 categorias para as checagens. São elas: Verdadeiro, Falso, Enganoso, Inconclusivo e Impreciso. O seguinte panorama foi encontrado na observação desse aspecto:

Como é possível observar no gráfico acima, a maior parte das notícias (30%) foi classificada como Enganosa seguida das Falsas com 28%. No total, 77% são informações cuja veracidade não pode ser confirmada. Isto já aponta que, em grande parte das vezes que o Coletivo Bereia recebe uma notícia suspeita, há grandes possibilidades de ela não ser verdadeira ou não haver possibilidade de realizarmos essa comprovação. 

Quanto aos assuntos mencionados nas notícias checadas, foi realizada uma segmentação do conteúdo com base em uma avaliação geral das checagens publicadas no site. As 7 principais categorias de temas mais recorrentes de assuntos: Sexualidade, Saúde (com ênfase em Ccoronavírus), Perseguição Religiosa, Marxismo e Comunismo, Política Brasileira, Política internacional e, também foi incluída a categoria “Outras”.

Identificamos que a maior parte das notícias avaliadas pelo Bereia no período pesquisado foi sobre saúde em assuntos relacionados ao Coronavírus. Por ser uma das discussões mais importantes do cenário mundial neste período, é coerente o que as estatísticas apontam. A pandemia é causada por um vírus ainda pouco conhecido no âmbito científico, por isso, gera incertezas para toda população e abre margem para que notícias de diversas fontes e, muitas vezes, sem embasamento, causem impacto na população. Em segundo lugar, a categoria Política Brasileira, uma justificativa possível para que ocupe tamanho espaço entre as checagens do Bereia é que, por vezes, o cenário político e o religioso caminham em proximidade. O Bereia monitora constantemente os líderes políticos ligados a bancadas religiosas, e é comum haver posicionamentos de líderes religiosos a respeito de questões políticas. O terceiro tema mais recorrente é a Perseguição Religiosa. Infelizmente, com frequência, veículos de comunicação se utilizam de cenários onde esse tipo de perseguição de fato acontecem, disseminando assim, notícias, em sua maioria, impossibilitadas de serem verificadas.

Em relação às fontes das notícias que são alvo das verificações do Coletivo Bereia, identifica-se as dez mais recorrentes:

Como observado, a maior parte das notícias é originada no Twitter, em segundo lugar no Facebook e em terceiro no WhatsApp. Juntas, as notícias originadas de mídias digitais representam 50% das análises realizadas pelo Bereia. Isso atenta para que leitores e leitoras estejam alertas para informações identificadas nestes meios cuja veracidade precisa ser confirmada antes de serem compartilhadas pelos usuários destas plataformas. 

Quanto aos sites, a maioria é ligada a organizações ou indivíduos religiosos, por isso, muitas vezes publicam com um viés de reforçar e corroborar com o posicionamento de determinada denominação ou político, pois, há veículos de comunicação evangélicos ligados à parlamentares. Há uma grande quantidade de notícias enganosas checadas pelo Bereia relacionadas a estes sites, que, por vezes, apresentam fatos reais de forma distorcida, e confundem o leitor em relação àqueles conteúdos.

Observando o gráfico das checagens realizadas pelo Bereia, destacam-se os sites voltados para o público religioso que se apresentam como os mais frequentes entre as checagens. São eles: Gospel Prime e CPAD News.

Baseando-se nos dados citados, realizamos uma análise sobre os principais sites que promovem fake news.

Gospel Prime

Fundado em 2008, Gospel Prime se declara um portal de conteúdo cristão voltado para notícias, estudos bíblicos e colunas de opinião, com missão de “Defender os princípios e valores do Reino através de notícias, estudos bíblicos e colunas de opinião, contribuindo assim para uma igreja madura e contextualizada com os tempos”. 

Com slogan “O cristão bem informado”, o site atrai 385 mil visitantes orgânicos por mês e declara já ter recebido 190 milhões de usuários desde sua fundação.

Gospel Prime aparece como fonte de 11% das checagens do Bereia, sendo três notícias enganosas e duas imprecisas: 

Como já exposto em checagem anterior, Gospel Prime foi citado no ranking da revista Época, em matéria publicada em 23 de abril de 2018, como o número um de uma lista com os 10 maiores veiculadores de notícias falsas no país. A matéria intitulada “O Exército de Pinóquios” se baseou em levantamento nos bancos de dados do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação da Universidade de São Paulo (USP) e do Laboratório de Imagem e Cibercultura da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Durante dois meses, foram listados mais de 200 sites na pesquisa, dos quais 69 continham conteúdo suspeito. 

CPAD News

CPAD News é o portal de notícias oficial da Igreja Assembleia de Deus. Fundado em 2010, o portal é ligado à Editora CPAD e concentra 12 mil visitantes orgânicos por mês. Sobre o site, a CPAD escreve: 

Utilizando os mesmos recursos dos maiores portais de notícias do Brasil, o CPAD News atende ao principal quesito da informação na internet: tempo real. Notícias do universo cristão no Brasil e no mundo, ampla cobertura de notícias de interesse geral atualizadas a todo o momento, conteúdos exclusivos e interatividade através de inúmeros recursos tecnológicos estão à disposição dos usuários em

Bereia checou duas notícias do CPAD News, ambas classificadas como inconclusivas:

Duas frentes contra a desinformação e o discurso de ódio: Comissão Parlamentar Mista de Inquérito no Congresso Nacional e Inquérito aberto no Superior Tribunal Federal. 

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, determinou, em março de 2019,  abertura de inquérito criminal para apurar “notícias fraudulentas”, ofensas e ameaças, que “atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e familiares”. A investigação foi objeto de análise do Bereia, 

Dias Toffoli nomeou o ministro Alexandre de Moraes como relator do processo. A portaria não delimita um objeto específico ou grupo a ser investigado, apenas as possíveis infrações. Mais informações sobre este inquérito podem ser verificadas em uma análise já realizada pelo Bereia, disponível aqui.

Investigações e ações da Polícia Federal aconteceram desde o início, no entanto, a operação de maior repercussão aconteceu mais de um ano depois da abertura do inquérito.

No dia 27 de maio de 2020, a Polícia Federal fez uma grande operação para cumprir mandados de busca e apreensão relacionados ao inquérito aberto pelo STF. Foram 29 mandados cumpridos em cinco estados e no distrito federal. Os alvos foram supostos envolvidos no financiamento e divulgação de ofensas, ataques e ameaças aos Ministros do STF.

Entre eles estão Allan dos Santos, Sara Winter e Bernardo Kuster, ativistas religiosos digitais, propagadores de notícias falsas e figuras cativas em sites e agências de checagem de notícias. 

Em seu site, Sara Winter informa ser ex-feminista e relata que após passar por um aborto, converteu-se ao catolicismo. Ainda conta que é escritora e seu primeiro livro se intitula “Sete vezes que o Feminismo me traiu”.  Está prestes a lançar sua nova obra com o título “Como tirar sua filha do Feminismo: um guia para pais desesperados”, que será prefaciada pela Ministra de Estado Damares Alves. 

Além do inquérito do STF, o Congresso Nacional instalou, em 4 de setembro de 2019, uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das fake news. A deputada federal Lídice da Mata (PSB-BA) é a relatora das investigações. O senador Ângelo Coronel (PSD-BA) foi eleito presidente da comissão. O requerimento para a criação da CPI foi feito pelo deputado Alexandre Leite (DEM-SP) e recebeu o apoio de 276 deputados e 48 senadores.

Depoimentos feitos à comissão apontaram a participação de dois filhos do presidente, Eduardo e Carlos Bolsonaro, e de assessores próximos em campanhas na internet para atacar adversários, por meio de um possível “Gabinete do Ódio”, instalado no Palácio do Planalto.

Aliada do presidente Jair Bolsonaro desde a campanha presidencial e agora sua adversária política, a deputada federal evangélica, Joice Hasselmann (PSL-SP), que até pouco tempo ocupava o cargo de líder do governo na Câmara,  apresentou um dossiê à comissão em que aponta “milícias digitais” que praticam ataques orquestrados aos adversário do presidente da república e de seus filhos. Os ataques, segundo a deputada, seriam impulsionados por perfis falsos e robôs e teriam como operadores assessores dos gabinetes da família Bolsonaro e funcionários do executivo federal. 

Em conversa com a BBC Brasil, a relatora da CPMI informou que existem três núcleos sob investigação: “o operacional, que conta com assessores de deputados estaduais e federais; o distribuidor, que envolve sites e blogs; e o núcleo econômico, que todos queremos identificar”. Um dos objetivos próximos passos da CPMI é “seguir o caminho do dinheiro”.

Em 2 de abril de 2020, deputados e senadores decidiram prorrogar por mais 180 dias a Comissão Parlamentar de Inquérito das fake news.

Coletivo Bereia e checagens em mídias religiosas

Daniel Patrick Moynihan, senador do estado de Nova York e embaixador na Índia e nas Nações Unidas (1927-2003), disse: “você têm direito a suas próprias opiniões, não a seus próprios fatos”.

A relação entre mídias digitais, política e fake news foi tema do documentário Privacidade Hackeada, que mostrou como a privacidade de dados dos usuários na internet é frágil e pode ser utilizada indevidamente. A empresa de dados Cambridge Analytica se tornou o símbolo do lado sombrio das redes sociais após a eleição presidencial de 2016 nos EUA. O documentário está disponível para acesso na plataforma Netflix.

Diante disso, e em meio ao turbilhão de informações, o Coletivo Bereia surgiu com o propósito específico de combater a desinformação de cunho religioso difundida em mídias sociais digitais e sites, além de verificar os pronunciamentos feitos por lideranças religiosas ou políticas ligadas a alguma denominação religiosa. 

A intenção do projeto é contribuir para um debate mais transparente dos assuntos religiosos, muitas vezes usados como pano de fundo para desinformar, manipular e confundir com vistas a algum ganho escuso. 

Bereia oferece a oportunidade a leitores e leitoras de fazerem uma leitura crítica das informações e tirarem suas conclusões baseadas em fontes oficiais e verificáveis. Há reflexões, levantamentos e também a “Torre de Vigia“, seção dedicada a checagens de notícias e pronunciamentos de pessoas ligadas à gestão pública e com filiação religiosa. Além das checagens, Bereia publica artigos de opinião de especialistas na área de religião e comunicação na seção “Areópago“.

Para saber mais sobre fake news e eleições manipuladas:

Documentário: Privacidade Hackeada. Entenda como a empresa de análise de dados Cambridge Analytica se tornou o símbolo do lado sombrio das redes sociais após a eleição presidencial de 2016 nos EUA. 

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Referências de checagem:

Congresso Nacional instala CPI das Fake News com relatora da oposição: https://www.cartacapital.com.br/politica/congresso-nacional-instala-cpi-das-fake-news-com-relatora-da-oposicao/ 

CPMI das Fake News é instalada no Congresso: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/09/04/cpmi-das-fake-news-e-instalada-no-congresso 

CPI é prorrogada por 180 dias e investigará fake news sobre coronavírus: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/04/03/cpi-e-prorrogada-por-180-dias-e-investigara-fake-news-sobre-coronavirus 

Inquérito do STF sobre fake news: entenda as polêmicas da investigação que provoca atrito entre Bolsonaro e a Corte: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52824346 

Toffoli abre inquérito para apurar ‘notícias fraudulentas’, ofensas e ameaças a ministros do STF: https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/03/14/toffoli-anuncia-inquerito-para-apurar-noticias-fraudulentas-que-ofendam-a-honra-do-stf.ghtml

Ex-aliados de Bolsonaro mostram como funciona o Gabinete do Ódio: https://congressoemfoco.uol.com.br/governo/ex-aliados-de-bolsonaro-detalham-modus-operandi-do-gabinete-do-odio/

Jornalistas evangélicos contra as fake news: https://outraspalavras.net/crise-civilizatoria/bereia-jornalistas-evangelicos-contra-as-fake-news/

Jornalismo, fake news & desinformação: manual para educação e treinamento em jornalismo: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000368647?fbclid=IwAR1ltj8iF00MPv69hOx4WViYAHzMUlp8VoYlT0Mepi_TYL_utbV5xIgnnEk

Comissão Parlamentar Mista de Inquérito – Fake News: https://legis.senado.leg.br/comissoes/audiencias?1&codcol=2292

Folha de São Paulo “Você tem direito a suas próprias opiniões, não a seus próprios fatos”: https://m.folha.uol.com.br/colunas/patriciacamposmello/2014/06/1477698-voce-tem-direito-a-suas-proprias-opinioes-nao-a-seus-proprios-fatos.shtml

Comissão Parlamentar Mista de Inquérito – Fake News. Documentos de Audiências Públicas e Oitivas: https://legis.senado.leg.br/comissoes/audiencias?1&codcol=2292

Época- O Exército de Pinóquios – https://epoca.globo.com/brasil/noticia/2018/04/o-exercito-de-pinoquios.html

É imprecisa a notícia sobre demissão de professores cristãos na China

O portal CPAD News (Casa Publicadora das Assembleias de Deus) publicou no dia 20 de maio a notícia “China demite professores cristãos que não renunciarem sua fé em Jesus”.

Na matéria são indicadas, entre outras situações, a suposta coação de professores por colegas de trabalho e perdas de benefícios para a instituição escolar quando membros da escola, incluindo alunos, fossem ligados ao cristianismo. São citadas possíveis demissões nas províncias de Heilongjiang, Liaoning e Shandong.

O texto da CPAD cita como uma das fontes a missão Portas Abertas, famosa por seu trabalho de apoio ao que é denominado “igreja perseguida”. Bereia não encontrou qualquer notícia sobre demissão de professores na China no site da Portas Abertas.

Verificou-se que a matéria trata da tradução parcial de um texto publicado no site Bitter Winter

Bereia buscou outras informações que validassem as afirmativas apresentadas na notícia. Não há relatos específicos das demissões em qualquer outro veículo. Pelo contrário, todos os textos com essa informação tomam como fonte primária o texto do Bitter Winter.

O site da organização Bitter Winter parece ser a única fonte de informação de sites religiosos brasileiros quando se trata de notícias a respeito da China. As matérias publicadas nele são simplesmente reproduzidas por aqui sem que nenhuma outra fonte de informação ou ponto de vista seja apresentado. Como já foi checado pelo Coletivo Bereia em outra matéria sobre aquele país.

As publicações de Bitter Winter sobre perseguição religiosa na China seguem sempre o mesmo formato: não são assinadas por qualquer jornalista, nomes de fontes nunca são divulgados por supostas questões de segurança, fotos que acompanham as matérias são retiradas da internet e nenhuma evidência, além de hipotéticos relatos e declarações serem apresentados. 

Trecho da matéria sobre perseguição a professores cristãos traz a seguinte informação:

“Enquanto isso, a China também está apagando a religião da literatura escolar. Por exemplo, todas as referências ao cristianismo foram excluídas do romance de Daniel Defoe, do século 18, ‘Robinson Crusoe.”

Nenhuma evidência é apresentada para corroborar esta alegação. Assim como qualquer outra alegação feita pela matéria. 

Além disso, nenhum grande veículo de comunicação brasileiro reproduz ou tem como fonte de informação o site da organização.

Matérias reproduzidas do Bitter Winter em sites brasileiros

Uma vez publicada em site religioso brasileiro, outros sites gospel reproduzem a mesma notícia. Em poucas horas a informação está em dezenas de outros espaços digitais e compartilhada nas mídias – Twitter, Facebook e Whatsapp, em movimento aparentemente articulado. 

Segue o exemplo da notícia “Cristão são presos em hospitais psiquiátricos por causa da sua fé”, propagada em dezembro de 2019.

Veículo de comunicaçãoData de publicação
Guia-me10/12/2019
Folha Gospel12/12/2019
Melodia News13/12/2019
YouTube – Canal Atalaia de Yeshua15/12/2019

A agência Bitter Winter iniciou suas atividades em maio de 2018 e declara ter seu conteúdo voltado para a liberdade religiosa e direitos humanos na China. Segundo o site, o diferencial do portal é uma rede com centenas de correspondentes na China, que normalmente fornecem fotografias e vídeos sobre os casos retratados no portal. No entanto, na notícia destacada nesta checagem, as únicas fontes citadas são uma professora cuja identidade não é registrada.

A relação entre a China e o Cristianismo

Apesar de a liberdade religiosa ser um princípio garantido pela constituição chinesa, os habitantes do Estado sofrem intensas restrições quanto ao exercício deste direito. Nesse sentido, são indicadas pelo próprio governo as atividades religiosas normais (quando legalizadas) e anormais (quando se práticas proibidas).

Existem evidências da presença cristã na China desde o século VII, através do trabalho desenvolvido por jesuítas da Igreja Católica. Enquanto o Protestantismo se fez presente no país a partir do século XIX, com a ida de missionários dos Estados Unidos, Alemanha e Inglaterra.

As três décadas que se seguiram à Revolução Chinesa, em 1949, transformando o regime político em comunismo, trouxeram dificuldades aos cristãos chineses. Com o intuito de diminuir a interferência estrangeira, missionários foram expulsos e foram rompidos os vínculos com o Vaticano, que, para o governo, representava o imperialismo e o colonialismo europeu.

A Igreja Católica Chinesa oficial é controlada pelo governo e não é vinculada ao Vaticano. Para que a prática dos cultos relacionados a cada religião seja considerado legal, a igreja deve ser previamente autorizada pelo governo.

Apenas do ano de 2019, pela primeira vez desde quebra de relações entre a China e a Santa Sé em 1950, houve consagração de sete bispos da Igreja Católica da China pelo Papa. A medida ocorreu por meio de um acordo provisório, consolidado à partir de diálogos que vêm acontecendo desde os anos 1990.

Segundo dossiê elaborado pela Human Rights Watch Brasil (HRW) em 2019, a China se constituiu como uma das principais ameaças aos direitos humanos no mundo. Situação agravada com a administração do atual presidente Xi Jinping, que tem atitudes de opressão sobre organizações da sociedade civil, o jornalismo, monitoramento do espaço virtual, além de perseguições às minorias étnicas e religiosas, havendo substituição do Estado de Direito pelo Estado por Direito.

Mesmo diante deste conturbado contexto a China possui milhões de adeptos ao cristianismo.  Segundo os registros do Conselho Mundial de Igrejas, as estimativas variam amplamente, de cerca de 22 milhões de cristãos (protestantes e católicos) a 100 milhões (ou seja, de 1,5% a 8,5% da população). O número maior inclui mais de 40 milhões de carismáticos em igrejas domésticas, 14 milhões em igrejas domésticas não registradas, cinco milhões de movimentos de “Novo Nascimento”, entre outros.

A estimativa do WCD de cristãos que se auto-identificam é a mesma de 16 milhões registrada no Conselho Cristão da China. As instituições de pesquisa chinesas estimam o número total em cerca de 65 milhões. Há uma pequena minoria de cerca de 60 mil cristãos ortodoxos chineses.

Conclusão

Bereia classifica a matéria publicada por Bitter Winter e reproduzida por CPAD News como imprecisa. Mesmo com um histórico de conflitos entre o governo chinês e o cristianismo, não é possível confirmar a veracidade das informações publicadas. Como observado, as publicações da Bitter Winter não têm autoria identificável, apresentam fontes desconhecidas e apenas relatos sem comprovação possível.

Todas as matérias de sites religiosos no Brasil sobre a China seguem o mesmo padrão e não encontram respaldo em qualquer grande grupo de mídia ou agências de notícias brasileiras e estrangeiras. Cabe destacar que a perseguição a cristãos e a outros grupos religiosos é uma realidade em alguns países e deve ser enfrentada com seriedade, responsabilidade e, portanto, sem desinformação, que acabe por servindo como promoção da intolerância e da simples oposição.

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Referências de Checagem:

BITTER WINTER. Teachers Forced to Renounce Faith, Become CCP’s Political Pawns. https://bitterwinter.org/teachers-forced-to-renounce-faith-become-ccps-political-pawns/. Acesso em: 21 maio 2020.

CONEXÕES POLÍTICAS. Partido Comunista Chinês continua a reprimir cristãos, com ataques, remoção de cruzes e desmantelamento de igrejas. https://conexaopolitica.com.br/ultimas/partido-comunista-chines-continua-a-reprimir-cristaos-com-ataques-remocao-de-cruzes-e-desmantelamento-de-igrejas/. Acesso em: 21 maio 2020.

HUMAN RIGHTS WATCH. A ameaça global da China aos direitos humanos. Disponível em: https://www.hrw.org/pt/world-report/2020/country-chapters/337660. Acesso em: 27 maio 2020.

JELB. O Cristianismo na China – 1a parte. http://www.jelb.org.br/projetos/relacoes-internacionais/o-cristianismo-na-china-1a-parte. Acesso em: 21 maio 2020.

NEXO JORNAL. O projeto chinês de ‘retraduzir’ a Bíblia. E o cerco às religiões. https://www.nexojornal.com.br/expresso/2019/05/15/O-projeto-chin%C3%AAs-de-%E2%80%98retraduzir%E2%80%99-a-B%C3%ADblia.-E-o-cerco-%C3%A0s-religi%C3%B5es. Acesso em: 21 maio 2020.

REVISTA DO CAAP. Liberdade Religiosa na China: Estudos de Casossobre o País Socialista sobre o País Socialista. https://revistadocaap.direito.ufmg.br/index.php/revista/article/view/404/370. Acesso em: 27 maio 2020.

UOL. Onde o papa é clandestino. https://www.uol/noticias/especiais/catolicos-na-china.htm#onde-o-papa-e-clandestino?cmpid. Acesso em: 21 maio 2020.

HUMAN RIGHTS WATCH BRASIL. A ameaça global da China aos direitos humanos. https://www.hrw.org/pt/world-report/2020/country-chapters/337660. Acesso em: 21 de maio 2020.

Conselho Mundial de igrejashttps://www.oikoumene.org/en/member-churches/asia/china-people-s-republic-of