Durante a última semana de eleições, panfletos alarmantes e sensacionalistas foram distribuídos em diversos bairros do Rio de Janeiro, atribuídos a candidatos com identidade religiosa. Um desses materiais, enviado ao Bereia por leitor, intitulado “Estamos vivendo o tempo dificílimo”, circula na cidade e afirma que todos os partidos de esquerda apoiam a ideologia de gênero, a liberação das drogas e o aborto.
Imagem: Reprodução do planfleto impresso
A mensagem afirma explicitamente, sem qualquer base factual, que “todos os candidatos de esquerda” querem erotizar crianças e deslegitimar a autoridade dos pais na educação. O apelo final incentiva que se vote no pastor e cantor da Assembleia de Deus, candidato a vereador, Waguinho (PL).
Este apelo reflete as falsidades e enganos frequentemente veiculados em publicações políticas alarmantes, que associam a defesa da justiça de gênero e a educação sexual a ameaças à família tradicional e à moralidade cristã. Este tema também foi utilizado nas campanhas eleitorais municipal de 2020 e estadual-nacional de 2022 para convencer eleitores por meio do pânico, como Bereia checou, pois são objeto de verificação recorrente. Todas as checagens foram identificadas como falsas e enganosas.
Bereia já publicou que “ideologia de gênero” é um tema amplamente explorado em períodos eleitorais, especialmente em espaços digitais religiosos. O termo surgiu no contexto católico e foi adotado também por grupos evangélicos, com o intuito de deslegitimar a discussão científica sobre identidade de gênero e justiça de gênero.
O termo é falsamente apresentado como uma estratégia marxista, de grupos de esquerda, supostamente destinada a destruir a “família tradicional” por meio de “escolha do sexo que se deseja” e de uma educação sexual que levaria à depravação, homossexualidade e defesa do aborto e da pedofilia. Tal discurso gera pânico e medo entre os grupos religiosos.
Junto com este tema também é utilizado o pânico em torno da liberação tanto do aborto e das drogas, que também são frequentes objetos de checagem do Bereia. Todas as matérias mostram distorção das abordagens destes temas por lideranças religiosas, com omissão de informações e invenção de outras sobre o que se discute publicamente em torno deles.
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Bereia afirma que os panfletos distribuídos pelo candidato a vereador Waguinho (PL, Rio de Janeiro), intitulados “Estamos vivendo um tempo dificílimo” contêm conteúdo falso. O candidato, que é pastor e cantor da Assembleia de Deus, usa temas sensíveis como “ideologia de gênero” e as discussões em torno de drogas e do aborto para convencer eleitores que “todos os candidatos de esquerda” ameaçam crianças e seus pais. Waguinho faz campanha com conteúdo negativo contra outras candidaturas, sem oferecer qualquer referência que o justifique.
Essa estratégia de disseminação de desinformação busca gerar pânico moral e repulsa a opositores entre os eleitores, semelhantemente ao que foi observado em campanhas de pleitos anteriores. Por isso, é crucial que os eleitores desconfiem de candidatos que atuam com conteúdo negativo e não com propostas verifiquem a veracidade das informações antes de repercuti-las, a fim de evitar a propagação de discursos falsos.
Bereia participa da campanha Bote Fé no Voto. Votar é um direito que alerta sobre este tipo de má-fé nas eleições. Saiba mais.
Publicações sobre a participação do Brasil na Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), na última sexta (27), ganharam relevância nas mídias sociais, em especial em espaços digitais religiosos. No Instagram, uma postagem do cientista político André Lajst, em parceria com a StandWithUs Brasil (organização educacional sobre Israel), afirma que as delegações de Brasil, Cuba, Irã, Turquia, Arábia Saudita e Venezuela se retiraram do plenário durante o discurso da delegação de Israel no órgão.
Na legenda da imagem, Lajst diz que o ato é uma demonstração de que a ONU se transformou em uma plataforma para o antissemitismo e que o Brasil seguiu o “viés anti-Israel” da organização. O cientista político afirma, ainda, que algumas delegações que deixaram o salão “possuem um grave histórico de violações de direitos humanos, a exemplo do Irã, Arábia Saudita, Venezuela e Cuba”. A deputada federal católica Bia Kicis (PL-DF) compartilhou a publicação em seu perfil no Instagram.
Imagem: Reprodução/Instagram
Boicote e plenário vazio
Bereia levantou o que foi reportado pelas mídias de notícias sobre o discurso do primeiro- ministro de Israel na ONU. De acordo com o Jornal Nacional, da Rede Globo, ao menos 12 delegações se tiraram do salão da Assembleia Geral em sinal de protesto ao discurso primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu. Essa foi a primeira vez que o Brasil boicotou um discurso na ONU, e, segundo o jornal, a instrução foi para que os diplomatas saíssem do local antes da entrada do premier israelense no plenário.
Segundo o Estadão, a ordem partiu do Ministro de Relações Exteriores Mauro Vieira, e foi motivada não só pela escalada do conflito no Oriente Médio, protagonizado por Israel, mas também pela morte de dois brasileiros nas recentes ofensivas de Netanyahu no Líbano.
Em 25 de setembro, dois dias antes do discurso do primeiro-ministro, o Itamaraty confirmou a morte de Ali Kamal Abdallah, de 15 anos, primeiro brasileiro vitimado em um ataque de Israel ao Líbano. No dia do protesto, uma segunda morte foi confirmada: Mirna Raef Nasser, de 16 anos, estava em casa quando uma explosão atingiu o local no início daquela semana.
Em vídeo publicado pelo jornal The Guardian, é possível notar que membros das delegações começam deixar o local assim que o nome do premier israelense foi anunciado – o que contraria a afirmação de que o protesto ocorreu no meio do discurso. Por outro ângulo, um vídeo da agência AFP mostra que muitos lugares já estavam vazios antes da movimentação.
Analisando as imagens, Bereia verificou que os assentos das seguintes delegações estavam vazios: Turquia; Santa Lúcia; Paraguai; Nepal; Mauritânia; Madagascar; Argélia; Macedônia do Norte; Libéria; Namíbia; Nauru; Jordânia; Kuwait.
As ausências não significam adesão automática ao protesto, pois não é possível determinar em que momento os diplomatas deixaram do local, mas, além do Brasil, há confirmação de que no caso de Malásia, Indonésia e Turquia a saída foi intencional. Imagens do discurso do primeiro-ministro do Paquistão, que falou imediatamente antes de Benjamin Netanyahu, mostram que muitas delegações já haviam deixado o plenário.
Imagem: Reprodução/ Youtube
A situação não foi diferente após o discurso do premier israelense: a primeira-ministra de Barbados também encarou um auditório parcialmente vazio.
Imagem: Reprodução/ Youtube
Netanyahu pede paz em meio aos piores ataques dos últimos 20 anos
Nos registros em vídeo, Netanyahu foi vaiado no início. Ele fez críticas ao Irã, a quem chamou de “maldição”, falou sobre uma “reconciliação histórica” entre árabes e judeus, defendeu o que chamou de “mentiras e calúnias” sobre seu país. Netanyahu expôs uma demonstração de força diante da escalada do conflito no Líbano, onde o premier afirma “não ter escolha e ter todo o direito”.
Diante deste cenário, Israel sofre duras críticas de toda a comunidade internacional e da ONU, que, em março de 2024, afirmou ter motivos para sustentar que o país comete genocídio na Faixa de Gaza. Em julho deste ano, o principal tribunal das Nações Unidas considerou ilegal a ocupação de Israel em territórios palestinos e pediu a suspensão da construção de assentamentos israelenses na região.
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Bereia classifica a publicação de André Lajst e da organização Stand with Us como enganosa. Apesar de se basear em informações verdadeiras sobre o boicote do Brasil ao premier israelense, Lajst divulga desinformação para reforçar mensagem pró-governo israelense. Em primeiro lugar, afirma que a delegação brasileira se retirou do plenário da Assembleia Geral da ONU durante o discurso de Netanyahu, quando, de acordo com diplomatas ouvidos pela imprensa brasileira, ela nem estava presente quando o primeiro-ministro foi anunciado.
Em segundo lugar, a publicação coloca o Brasil em um suposto grupo de países que teria deixado o plenário. Como Bereia verificou, o grupo de países ausentes é muito maior do que o que foi listado nos perfis do Instagram. A seleção apresentada é composta por países que recebem frequentes críticas públicas a respeito de suas políticas interna e externa. Colocar o Brasil no grupo selecionado oferece a leitores e seguidores uma mensagem negativa como se o país se alinhasse às mesmas tendências políticas, o que não é factual.
Em terceiro lugar, a publicação reduz o gesto dos países a antissemitismo e descarta a dimensão política do protesto na Assembleia da ONU, associado aos fatos recentes, como a violenta ação no Líbano que vitimou centenas de civis, incluindo dois adolescentes brasileiros.
Essa imprecisão e a omissão de um contexto importante para a compreensão de uma questão tão complexa leva o público a uma percepção enganosa dos fatos.
Na última semana, o religioso católico Frei Gilson teve perfis bloqueados em redes sociais digitais, e não conseguiu transmitir lives em que rezava o Rosário com seus seguidores. Segundo a Meta, empresa dona das redes em que Gilson foi bloqueado temporariamente, o bloqueio ocorreu por engano. Os acessos foram restabelecidos em cinco dias. Mesmo assim, discursos de perseguição religiosa ecoaram nas redes e na política. Bereia checou o caso e a propagação de possíveis conteúdos enganosos.
Imagem: reprodução Instagram
Desde 15 de agosto, o líder católico Frei Gilson, que tem 5,4 milhões de seguidores no Instagram, vem rezando o Rosário diariamente às 4h, em lives nas suas redes. Trata-se da Quaresma de São Miguel, que muitos fieis acompanham nas primeiras horas da madrugada.
Em 17 de setembro, no entanto, o religioso da Ordem das Carmelitas fez uma publicação, em seu perfil no Instagram, na qual relatava ter sido alvo de medidas restritivas por parte da rede digital. Na legenda, ele disse que, segundo o Instagram, sua conta havia transgredido uma das normas da plataforma.
Nesta mesma publicação, Gilson afirmou que, após sua equipe ter entrado em contato com o Instagram, a plataforma respondeu “dizendo que tudo havia sido um erro” e com um pedido de desculpas. Porém, mesmo com o esclarecimento, a publicação ensejou comentários que difundiam um discurso de perseguição religiosa.
Ainda hoje estão visíveis, na aba de comentários da publicação, frases como: “Já estava achando que o Alexandre de Moraes iria derrubar o Rosário”, “O inimigo querendo nos derrubar”, “Certeza de que estão tentando calar o nosso Frei”, “Só acontece com páginas de valores cristãos” e “Certeza que foi porque o senhor falou sobre aborto”.
Em uma das imagens publicadas, Frei Gilson compartilhou a mensagem recebida do Instagram, com a informação de que o bloqueio havia sido um engano e de que o conteúdo fora restaurado.
Imagem: reprodução Instagram
Discurso enganoso de perseguição a cristãos ganhou fôlego em comentários
No dia seguinte, 18 de setembro, uma segunda publicação informava: “Santo Rosário!!! Até o momento não estamos conseguindo fazer transmissão ao vivo pelo Instagram. Estamos ao vivo no YouTube!!!”. Na legenda, Frei Gilson informava: “Avisa todo mundo!!!”
Nos comentários, alegações de perseguição religiosa continuavam: “Tem católicos que votam nessa esquerda”, “Senhor, livra o Brasil desse comunismo que estão querendo implantar”, “Está começando a perseguição religiosa”, entre outras que promoviam o mesmo discurso enganoso de perseguição.
Não havia, por parte da plataforma, nenhuma menção a restrição de conteúdo em razão de um posicionamento religioso. Também não havia – e não há, neste caso – qualquer envolvimento de entes governamentais ou do Estado brasileiro que permitam associar a queda das transmissões a perseguição religiosa ou à intenção de implantação do comunismo.
No mesmo dia 18, mais tarde, o perfil fez uma nova publicação sobre a situação com a plataforma. Na legenda, Frei Gilson informava: “Até o momento, o ‘Instagram’ ainda não liberou a ferramenta de transmissão ao vivo. Como vocês podem ver em um dos posts, fomos informados pelo Instagram que estamos bloqueados por 29 dias. No entanto, há uma contradição, pois em outro post o Instagram afirma que temos liberação para todas as ferramentas da plataforma”.
No dia 19, o perfil novamente informou seus seguidores: “Estamos ao vivo no YouTube. O Instagram ainda não liberou a transmissão ao vivo”. O público reagiu com comentários como “Guerra espiritual!!”, “Nós avisamos em 2022” e “Não podemos deixar o inimigo nos derrotar”. Alguns usuários, no entanto, pediam que as lives do Rosário apenas continuassem em outra plataforma enquanto o problema não fosse resolvido.
Plataformas da Meta, como Instagram e WhatsApp, contam com sistema de detecção de comportamento inautêntico e de conteúdos que possam ferir as diretrizes da comunidade. O Instagram tem, por exemplo, a prerrogativa de bloquear conteúdos quando há indícios de atuação fora dos padrões. Qualquer associação com intenções persecutórias ou de viés comunista não encontra sustentação na realidade.
Imagem: reprodução Instagram
Frei Gilson adere à tese de perseguição religiosa
No último domingo, 22, o caso ganhou repercussão a partir de uma nova publicação do perfil de Frei Gilson, que dizia: “ATENÇÃO!!! Quero, por meio deste post, informar que fui bloqueado em minhas comunidades do WhatsApp, nas quais me comunicava com 50 grupos. Além disso, hoje faz 5 dias que estou impedido de fazer transmissões ao vivo no Instagram, devido a um bloqueio que recebemos sob a alegação de termos transgredido as regras da plataforma”.
Na publicação, o religioso afirma que não transgrediu regras, que atua dentro das leis e pede orações aos fiéis. Ao final do texto, a mensagem: “É importante que você entenda o que está acontecendo. Evangelizar nunca foi fácil, desde os tempos da Igreja primitiva. Mas uma coisa é certa: não vamos parar. Se uma porta se fecha, vamos abrir outras. Não vamos parar”.
A publicação seguinte feita pelo perfil de Gilson subiu o tom. O religioso publicou um vídeo com a canção “A Nossa Fé” em que, na introdução, faz uma pregação sobre perseguição a cristãos. “Em todos os tempos, em todas as épocas, a Igreja de Jesus é perseguida. Em todas as épocas os cristãos são perseguidos. Se viverem o que tiverem que viver, sofrerão perseguições”, diz Gilson no vídeo.
A série de publicações, acrescida da adesão do líder carmelita à narrativa de perseguição, fortaleceu a propagação de discursos enganosos de perseguição a cristãos no Brasil, inclusive com reprodução por parte de atores políticos.
“Perseguição” chega ao Congresso Nacional
Naquele mesmo domingo, 22, a deputada federal católica Bia Kicis (PL-DF) publicou, em seu perfil no Instagram, um vídeo com os dizeres “Perseguição religiosa escancarada! Ódio ao Cristianismo! Basta!”. A legenda da publicação traz a seguinte mensagem: “A Meta bloqueou grupos do WhatsApp e suspendeu as lives do Frei Gilson nas quais ele reunia milhares de cristãos para rezar o terço. Ódio ao Cristianismo, mas, NÃO VÃO NOS CALAR!”.
Imagem: reprodução Instagram
No vídeo, Kicis afirma que Frei Gilson teve 50 grupos de WhatsApp bloqueados e foi censurado pelo Instagram, que o impediu de transmitir lives. A deputada sugere que as restrições à conta de Gilson ocorreram porque o Rosário estava sendo rezado e porque o religioso teria feito uma fala contrária à prática do aborto. Tais justificativas nunca foram usadas pela Meta, conforme mensagem da empresa que o próprio religioso compartilhou
A tese de que comentários sobre aborto teriam justificado o bloqueio foi repercutida pelo próprio Frei Gilson. Em uma outra postagem, publicada nos dias em que suas lives estavam bloqueadas, o carmelita contou que, há três anos, gravou três vídeos sobre o tema, e um deles não teve a mesma repercussão que os outros dois.
Segundo Gilson, o vídeo que teve a propagação restrita recebeu um alerta do YouTube com a informação de que o tema aborto não poderia ser tratado na plataforma. O conteúdo continua disponível na plataforma e contava com quase 130 mil visualizações até a publicação da matéria. Os outros dois vídeos já chegaram a 1 milhão e 2 milhões de visualizações. O fato de, em três vídeos, dois deles terem repercutido normalmente, sem interferência do YouTube, não pesa nas considerações do religioso.
Outro político que mencionou perseguição religiosa – neste caso, no Senado Federal – foi o senador Izalci Lucas (PL-DF). Na terça-feira, 24, ele levou à Sessão Plenária do Senado a informação de que contas ligadas a Frei Gilson haviam sido bloqueadas. O senador disse que entrou em contato com a Meta e recebeu a resposta de que houve equívoco por parte da empresa, e que o acesso às lives no Instagram e aos canais de WhatsApp vinham sendo normalizados.
Mesmo assim, ele afirmou estar preocupado com a possibilidade de perseguição religiosa: “Acontece uma coisa dessa, não é, onde o Frei Gilson simplesmente reza o Santo Rosário. A gente vê e fica preocupado que não esteja acontecendo também alguma perseguição, vamos dizer assim, religiosa, como vem acontecendo em outros países onde a ditadura reina, como as coisas estão caminhando aqui, nessa direção (…) espero que não haja nenhuma relação com a questão religiosa, mas lamentável que o Frei Gilson tenha tido mais de uma semana com o Instagram bloqueado”.
Discursos enganosos sobre perseguição a cristãos no Brasil
No mesmo domingo, 22, em que Bia Kicis fez seu protesto contra a suposta perseguição religiosa, o perfil de Frei Gilson no Instagram publicou e fixou uma postagem com a legenda: “Boas notícias!!! Quem ficou feliz???”. Em vídeo, Gilson diz que tanto seu perfil no Instagram quanto seus canais no WhatsApp haviam sido liberados. “Nossas redes voltaram, para que eu possa continuar rezando e evangelizando”, disse.
Nos comentários, fieis aliviados comemoraram o fim do bloqueio – que durou cinco dias -, mas o discurso de perseguição continuou: “A censura da extrema esquerda é uma ameaça de cada dia”, comentou um seguidor. Outro disse: “Eles tentaram nos calar, mas nossa fé é inabalável”.
A propagação do discurso de perseguição religiosa ou de “cristofobia” – um termo construído para justificar uma inexistente perseguição a cristãos no Brasil – tem tido ampla repercussão nas redes digitais e no meio político brasileiro. No recente caso que envolveu o Frei Gilson, a tese foi amplamente propagada, sem que houvesse indícios concretos de perseguição por parte da Meta, que efetuou os bloqueios e admitiu ter cometido um erro, ou de qualquer outra entidade.
Como Bereia tem alertado, os discursos sobre perseguição a cristãos têm ganhado terreno no Brasil, mas nem sempre estão em acordo com a realidade dos fatos. Muitas vezes, o discurso de perseguição ganha espaço nas redes digitais, mas também é comum encontrá-lo na política, propagado por líderes que fazem da fé suas plataformas eleitoreiras.
É comum que ocorra um apelo ao imaginário cristão e ao tema dos inimigos da fé como forma de explorar a fidelidade dos cristãos ao Evangelho, mesmo que não haja, de fato, uma perseguição em curso. O recente caso do Frei Gilson é um exemplo entre tantos.
Importante também destacar que a suspensão de contas é ação frequente das plataformas que trabalham com algoritmos e práticas automatizadas, sujeitas a equívocos, como justificado ao Frei Gilson pela Meta. São periódicas as reclamações de usuários que têm suas contas suspensas tanto no Instagram quanto no Facebook. Isto reforça o questionamento sobre a falta de regulação sobre as dinâmicas das plataformas digitais, até hoje soberanas nas decisões sobre o que e como publicam, levandos em conta os altos níveis de lucro financeiro.
*A reportagem entrou em contato com Frei Gilson, mas não obteve resposta até a publicação da matéria.
Deputados federais do Partido Liberal (PL) foram denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) ao Supremo Tribunal Federal (STF) por ações criminosas. Portal de notícias UOL divulgou, em 17 de setembro, matéria sobre a denúncia apresentada contra três Segundo reportagem do UOL Notícias, Josimar Maranhãozinho (PL-MA), Pastor Gil (PL-MA) e Bosco Costa (PL-SE) são acusados de corrupção passiva e organização criminosa em um suposto esquema de desvio de recursos provenientes de emendas parlamentares.
A denúncia, de acordo com o UOL, aponta para o possível desvio de R$ 1,6 milhão em verbas destinadas à Prefeitura de São José de Ribamar, no Maranhão. O ministro Cristiano Zanin, relator do caso, intimou os acusados a apresentarem suas defesas, e a Primeira Turma do STF decidirá sobre a abertura de ação penal.
Esta notícia foi coletada no radar do Bereia para verificar se os deputados denunciados têm identidade religiosa e histórico de outras ilegalidades.
O caso
A PGR denunciou os três deputados e outras seis pessoas envolvidas em um esquema de desvio de recursos destinados à Prefeitura de São José de Ribamar, no Maranhão, cidade de 244.579 habitantes, localizada na região metropolitana de São Luís Os parlamentares teriam enviado emendas visando receber parte dos valores de volta, no total de R$ 1,6 milhão. O ex-prefeito Eudes Sampaio relatou à Polícia Federal ter sofrido extorsões do grupo para repassar parte dos recursos.
A investigação, iniciada em 2021, coincidiu com a vigência do “orçamento secreto”, criado durante o.governo de Jair Bolsonaro (2019-2022), mecanismo de emendas parlamentares incluídas nas contas federais. Este tipo de política permitiu a deputados e senadores reivindicarem o uso de verbas públicas a que têm direito, para projetos em seus estados, porém sem identificação da finalidade, o que tornou possível contratos superfaturados e facilitou desvios de recursos públicos. Depois de ações com denúncias sobre suas consequências, o “orçamento secreto para parlamentares” foi declarado inconstitucional pelo STF, em 2022.
No caso do Maranhão, documentos apresentados nas denúncias incluem trocas de mensagens que evidenciam a pressão exercida sobre o prefeito do município. O caso permanece em sigilo no STF.
Quem são os denunciados?
Deputados federais do Partido Liberal (PL) estão envolvidos na denúncia: Josimar Maranhãozinho (MA), Pastor Gil (MA) e Bosco Costa (SE). Bereia levantou o perfil de cada um, com atenção à identidade religiosa e a relação deles com as mídias, em especial com a publicação de desinformação.
Josimar Maranhãozinho
Josimar Cunha Rodrigues, conhecido como Josimar Maranhãozinho, exerce o cargo de deputado federal, pelo PL, desde 2019 (no mandato anterior foi eleito pelo PR). Natural de Várzea Alegre (CE), foi prefeito de Maranhãozinho (2009-2012) e deputado estadual (2015-2018), pelo PR.
Imagem: Josimar Maranhãozinho. Reprodução: Câmara dos Deputados
O deputado tem publicado em sua página pessoal no Instagram vídeos pelos quais afirma que frequenta a Igreja Mundial do Reino de Deus, em São Luís do Maranhão. Em publicação de 24 de março, Mararanhãozinho está junto à sua esposa, a também deputada federal Detinha (PL-MA).
Imagem: Reprodução: Instagram
O parlamentar já foi investigado pela Polícia Federal (PF), por suposta participação em esquemas de fraude. Um deles envolvia empresas fantasmas para desviar R$ 1,8 milhão em obras de pavimentação em Zé Doca (MA) , cidade onde sua irmã é prefeita. O relatório da PF identificou crimes como falsidade ideológica, peculato, corrupção, fraude à licitação, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
A PF também acusa Maranhãozinho de desviar recursos públicos de emendas parlamentares enviadas a prefeituras do Maranhão, com crimes de peculato e lavagem de dinheiro. Em 2020, uma ação controlada autorizada pelo STF registrou o parlamentar manuseando e entregando dinheiro em espécie a aliados.
Gildenemir de Lima Sousa, conhecido como Pastor Gil, é deputado federal pelo PL do Maranhão, desde 2019. Pastor da Assembleia de Deus e membro da bancada evangélica no Congresso Nacional, é natural de São Luís (MA), e está na segunda legislatura.
Imagem: Pastor Gil. Reprodução: Câmara dos Deputados
O deputado tem publicado em seu perfil pessoal do Instagram uma série de vídeos em apoio a candidatos políticos em várias cidades do Maranhão, nas redes ele utiliza versos bíblicos como marketing de campanha.
Imagem: Reprodução: Instagram 25 de set 2024
Em 2022, Pastor Gil foi investigado por suposto uso indevido de emendas parlamentares. A investigação, autorizada pelo então ministro do STF Ricardo Lewandowski, incluía também os deputados Josimar Maranhãozinho e Bosco Costa. As suspeitas indicavam que os parlamentares obtinham empréstimos de um agiota no Maranhão. Para quitar as dívidas, supostamente indicavam prefeitos de cidades que receberiam as emendas, em vez de usar recursos próprios.
Bosco da Costa
João Bosco da Costa, natural de Itabaiana (SE), foi eleito deputado federal, pelo PR do Sergipe, em 2018, após ocupar os cargos de prefeito em Moita Bonita, município na região central do estado e deputado estadual. Eleito suplente de deputado federal, pelo PL-SE, em 2022, assumiu a vaga em 2024.
Imagem: Bosco Costa. Reprodução: Câmara dos Deputados
O deputado federal se autodenomina cristão, com diversas publicações nas mídias digitais em alusão à datas católicas, participação em festas e missas tradicionais de Sergipe. Em novembro de 2020, o parlamentar publicou em sua página pessoal do Facebook, felicitando os evangélicos pelo Dia do Evangélico, com os dizeres “eu sou cristão”.
Imagem: Reprodução: Facebook
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A Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou três deputados do Partido Liberal (PL) e outras seis pessoas envolvidas em um esquema de desvio de R$ 1,6 milhão em emendas parlamentares destinadas à Prefeitura de São José de Ribamar, no Maranhão. A investigação, que começou em 2021, revelou a pressão exercida sobre o ex-prefeito Eudes Sampaio, que relatou extorsões do grupo. A matéria do portal UOL ressalta que o caso está em sigilo no Supremo Tribunal Federal (STF).
Conforme levantamento realizado pelo Bereia, todos os deputados denunciados pela PGR têm identidade religiosa cristã. Josimar Maranhãozinho (MA) e Pastor Gil (MA) são evangélicos e Bosco Costa (SE) é católico. Este caso torna possível identificar controvérsias em torno do acionamento da identidade religiosa no cenário político. Envolvidos em um desvio de R$ 1,6 milhão em emendas parlamentares, esses políticos, que se apresentam como defensores de valores cristãos, demonstram como fazem uso de sua influência para propagar desinformação e legitimar práticas ilícitas.
O caso ressalta a necessidade de eleitores e eleitoras estarem alertas em relação a líderes que acionam identidade religiosa e ao mesmo tempo praticam ações criminosas contribuindo para a deterioração do importante papel dos parlamentares eleitos pelo voto no país.
Ao longo da campanha para as eleições municipais, lideranças religiosas têm se mobilizado para prestar apoio público a candidaturas que se mostram alinhadas com suas pautas e ideais. Tal prática é uma estratégia comum na política, que se repete a cada pleito.
Nesta matéria, Bereia verifica candidatos com histórico de publicar desinformação que estão entre os que recebem a benção de pastores e outras figuras de destaque no meio cristão. Do monitoramento da equipe Bereia em mídias sociais, são destacados os casos de Guilherme Kilter (Curitiba/PR), Dentinho (Passos/MG), Alana Passos (Rio de Janeiro/RJ), Pastor Dinho Souza (Serra/ES) e Sonaira Fernandes (São Paulo/SP).
Esses candidatos e candidatas fazem uso de sensacionalismo e desinformação para mobilizar eleitores e se apoiam na retórica religiosa e na proximidade, em algum grau, com lideranças eclesiásticas, para validar sua candidatura.
Guilherme Kilter
O influenciador digital evangélico e candidato a vereador de Curitiba, pelo Novo, Guilherme Kilter, 22 anos, se apresenta nas mídias como cristão, de direita e a favor da família.
Imagem: Reprodução/Facebook
Membro da Primeira Igreja Batista de Curitiba, Kilter conta ter sido “convidado a entrar na política” pelo ex-deputado federal Deltan Dallagnol (Novo-PR, cujo mandato foi cassado em 2023), que também é evangélico batista e mantém relações com lideranças eclesiásticas. Ele também se compara com o destacado político extremista de direita, deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), pela pouca idade e semelhança de posicionamentos, por ter iniciado a carreira política como vereador. Kilter declara querer se tornar “o Nikolas Ferreira do Paraná“.
Entre as lideranças evangélicas, Guilherme Kilter conta com o apoio do pastor Paschoal Piragine Jr., que também é seu tio. Ele é presidente da Convenção Batista Brasileira, pastor emérito da Primeira Igreja Batista de Curitiba, e pastor interino da Primeira Igreja Batista de Niterói. Pirajine Jr. se destacou nas mídias sociais, em 2010, ao empreender ferrenha campanha contra a eleição da candidata do Partido dos Trabalhadores a presidente da República Dilma Rousseff, com uso de discursos de pânico moral e terrorismo verbal. Em outras campanhas eleitorais, o pastor também atuou na mesma direção.
Na comunicação em redes digitais, além de frequentemente publicar imagens com essas figuras mais conhecidas de políticos com os quais quer ser relacionado, Guilherme Kilter utiliza também fotos de si mesmo na igreja para se afirmar como cristão e conservador.
Além disso, também faz publicações sobre as polêmicas atuais, alinhado com os demais perfis e influenciadores ligados à extrema direita. Ele se engajou recentemente, por exemplo,na onda de difamações contra a boxeadora olímpica argelina Imane Khelif, que foi checada por Bereia. Também publicou desinformação sobre a legalização do aborto pelo governo Lula, que foi verificada como falsa pelo G1.
Imagem: Reprodução/Instagram
Dentinho
Luis Carlos do Souto Junior, mais conhecido como Dentinho, se apresenta como um vereador com princípios de direita e está no terceiro mandato como parlamentar no município de Passos (MG). Em seu perfil no Instagram, o candidato do Progressistas (PP), à reeleição, ostenta fotos com grandes nomes do seu campo político, como o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o deputado federal Nikolas Ferreira, que prestou apoio ao candidato por meio de um vídeo para sua campanha.
Em 2023, Dentinho virou notícia ao ser indiciado, em apenas 15 dias, por xenofobia, racismo e produção de fake news. De acordo com a Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG), o vereador cometeu o primeiro crime em novembro de 2022, após o fim do segundo turno das eleições, ao afirmar, em uma publicação nas mídias sociais, que “Bolsonaro também é f*da, foi falar na Bahia que ia gerar um milhão de empregos… Assustou o povo!”. A declaração insinua que a população baiana não votou em Bolsonaro por não gostar de trabalhar. O delegado Felipe Capute, que assina o indiciamento, entendeu que a fala de Dentinho é ofensiva ao povo da Bahia e resulta em uma exposição discriminatória.
A segunda denúncia também está relacionada com o último pleito eleitoral: Dentinho teria usado panfletos para divulgar conteúdo falso contra o então candidato à Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo a PCMG, o vereador cometeu crime eleitoral previsto no art. 323 de Lei 4737, que dá pena de detenção de dois meses a um ano para quem “Divulgar, na propaganda eleitoral ou durante período de campanha eleitoral, fatos que sabe inverídicos em relação a partidos ou a candidatos e capazes de exercer influência perante o eleitorado”. Em resposta ao G1, o vereador negou que tenha cometido os crimes dos dois casos.
Imagem: Reprodução/Instagram
Alana Passos
Alana Passos é militar do Exército e foi deputada estadual do Rio de Janeiro de 2018 a 2022. Em sua entrada na política, pelo PSL, recebeu 106.253 votos (1,38% do total) e foi a mulher mais votada do estado, um sucesso que não se repetiu no pleito seguinte: a candidata recebeu apenas 0,45% dos votos e ficou fora da Alerj (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro) porque o seu então novo partido, PTB, não teve quociente eleitoral.
Nas eleições municipais deste ano, Alana Passos é candidata a vereadora na capital fluminense pelo Partido Liberal (PL) e ostenta o apoio do pastor Joel Serra, idealizador do Movimento Cristão Conservador, em fotos e no vídeo de sua campanha. A militar também esteve no gabinete do pastor da Igreja Batista Atitude Josué Valandro Jr e posou ao seu lado em uma publicação no Instagram.
Imagem: Reprodução/Instagram
A primeira vez em que Alana Passos foi associada à propagação de conteúdo falso foi
em julho de 2020, quando o Facebook excluiu, dentre outras contas, os perfis AlanaOpressora, artilhariadobem, tvanticomunismobrasil e Fabio Muniz por “criação de pessoas fictícias fingindo ser repórteres, publicação de conteúdo e gerenciamento de páginas fingindo ser veículos de notícias”.
De acordo com a rede social, as contas seriam ligadas a um ex-assessor de Alana Passos, que afirmou, em nota à BBC News Brasil, que “Quanto a perfis de pessoas que trabalharam no meu gabinete, não posso responder pelo conteúdo publicado. Nenhum funcionário teve a rede bloqueada por qualquer suposta irregularidade. Estou à disposição para prestar qualquer esclarecimento, pois nunca orientei sobre criação de perfil falso e nunca incentivei a disseminação de discursos de ódio”.
Em buscas no perfil da candidata no Facebook, Bereia identificou a propagação de conteúdo falso e enganoso sobre “ideologia de gênero”, um dos termos mais explorados nos materiais de desinformação que circularam em espaços digitais religiosos nas últimas eleições. Em junho de 2018, Alana publicou um vídeo que, retirado de contexto, deixa a entender que a deputada federal Erica Kokay (PT-DF) confessa que defende o incesto e a destruição da famiilia patriarcal.
Imagem: Reprodução/Facebook
O site Boatos.org já havia checado o vídeo em 2017, e chamou a atenção para o sentido da fala da deputada petista: segundos antes do recorte que viralizou ela diz “Por isso, eles querem romper a laicidade do Estado e implementam uma construção de ideologia de gênero, que ela é uma tentativa de sair do discurso essencialmente religioso e fazer a ponte com o discurso ideológico da extrema direita neste país. Porque aí eles dizem…”. Dessa forma, a candidata divulgou um conteúdo que tem elementos verdadeiros, mas foi apresentado de forma distorcida para produzir no receptor uma percepção da fala que é enganosa.
Já em 2021, a então deputada estadual usou a mesma rede para compartilhar a informação falsa de que um relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) sugeriu que a exposição à pornografia poderia ser positiva para crianças. A imagem usada na publicação exibe a logo do R7, portal de notícias do Grupo Record, como forma de gerar credibilidade para a afirmação, que já foi verificada pela coluna Fato ou Fake, do portal G1. Por meio de um comunicado, o UNICEF reafirmou sua posição de que nenhuma criança deve ser exposta a conteúdo nocivo, e explicou que um artigo publicado em abril de 2021 teve interpretações incorretas e diferentes do que a instituição defende.
Imagem: Reprodução/Facebook
Pastor Dinho Souza
Evandro De Souza Ferreira Braga, conhecido como Dinho Souza, é pastor da igreja evangélica Povo da Cruz, no município de Serra (ES). É filiado ao PL e concorre a vereador nas eleições deste ano. Ganhou destaque na imprensa nacional por um fato polêmico: em abril de 2022, a igreja que pastoreia promoveu a rifa de uma espingarda calibre 12 a fim de reformar a sala das crianças. A “ação entre irmãos”, como dizia o informativo, foi celebrada pelo pastor, que declarou sentir orgulho do ato.
O fato serviu para projetar Souza para as mídias e noticiários. Ele seguiu a cartilha da desinformação religiosa monitorada pelo Bereia ao propagar ideias de perseguição religiosa contra cristãos no Brasil e de eleger as esquerdas como inimigas da fé cristã.
Imagem: reprodução/ Instagram
O pastor, que concorre a vereador da Câmara de Serra, alinhou discurso com a extrema-direita e ficou marcado pela sua posição pró-armas, pelo discurso contra diversidade de gênero e pela defesa contra o aborto, até mesmo em casos de estupro, direito assegurado por lei.
Além disso, Dinho Souza atacou setores do segmento evangélico. No domingo em que se comemorava a Páscoa, o religioso xingou o artista Timóteo Oliveira, membro da igreja Anglicana, e o acusou de ser um “black block gospel”, devido a representação da figura de Jesus negro em uma de suas artes. O caso rendeu uma nota de repúdio assinada pela coordenação do Movimento Negro Evangélico Nacional.
Instituições evangélicas ligadas ao campo conservador também estiveram na mira do pastor. Em 2023, Dinho Souza atacou a Associação de Pastores Evangélicos da Serra (APES) em um dos seus discursos. Apesar de toda polêmica, os episódios não o impediram de ganhar apoiadores do mundo político e religioso como pastor Anderson Silva, padre Kelmon, o senador Magno Malta (PL-ES), a deputada federal Bia Kicis (PL-DF), o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) e o pastor da Igreja Batista Vale da Benção e desembargador aposentado Sebastião Coelho.
Sonaira Fernandes
Ex-secretária da Mulher do estado de São Paulo, Sonaira Fernandes é evangélica e busca seu segundo mandato como vereadora na capital paulista. Muito próxima do ex-presidente Jair Bolsonaro e de sua família (com quem começou a trabalhar em 2014), a candidata é a principal indicação do ex-presidente nestas eleições. Sonaira também é apoiada pelo governador Tarcísio de Freitas e chegou a ser cotada para vice de Ricardo Nunes na sua busca pela reeleição, mas acabou ficando fora da chapa.
Sonaira Fernandes é muito atuante nas mídias sociais e exibe visitas a igrejas e fotos com pastores de diferentes denominações. Em apuração no perfil da candidata no Instagram, Bereia verificou que a candidata visitou 24 igrejas evangélicas desde o início de agosto, ostentando o apoio de líderes da Igreja Renascer em Cristo e de diferentes Assembleias de Deus, dentre outras igrejas.
A forte influência de Fernandes no meio evangélico a levou ao “palco” da Marcha para Jesus deste ano e uma de suas falas sobre o evento foi checada pelo Bereia. A candidata repercutiu a declaração do líder da Igreja Renascer em Cristo apóstolo Estevam Hernandes, de que exista uma perseguição às igrejas no Brasil. Em seu perfil no X, Sonaira publicou que “Em plena época de Igreja perseguida, a 32ª Marcha para Jesus ficou marcada como uma das maiores da história”.
Imagem: reprodução/X
A retórica do medo da perseguição religiosa é comum em conteúdo desinformativo, e na referida apuração Bereia concluiu que “que é falsa a afirmação de que haja perseguição aos cristãos no Brasil, e que as alegações de fechamento de igrejas e perseguição são estratégias de desinformação usadas por políticos e líderes religiosos para manipular o medo e influenciar o eleitorado, distorcendo a realidade e criando uma falsa sensação de vitimização.”
No mesmo sentido, dois meses antes das eleições presidenciais de 2022, Sonaria compartilhou um vídeo de imagens editadas do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva em um encontro de lideranças religiosas de matriz africana. Na legenda, a vereadora disse:
“Lula já entregou sua alma para vencer essa eleição. Não lutamos contra a carne nem o sangue, mas contra os principados e potestades das trevas. O cristão tem que ter a coragem de falar de política hoje, para não ser proibido de falar de Jesus amanhã.”
O caso foi abordado pelo Bereia na reportagem “Cristofobia e intolerância religiosa: as fake news como estratégia política para enganar cristãos na campanha eleitoral 2022”, que destaca que o conteúdo publicado pela vereadora não se trata apenas de desinformação, mas é também um uso da intolerância religiosa para campanha política. A matéria ressalta, ainda, que a tentativa de associar Lula e o Partido dos Trabalhadores (PT) ao fechamento de igrejas evangélicas e a perseguição religiosa acontece desde 1989, e tais “notícias” nunca apresentam fontes ou informações factíveis.
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Bereia alerta leitores e leitoras a atentarem a candidaturas que mobilizam identidade religiosa e lançam mão de desinformação, conteúdo com base em mentiras e falsidades, como estratégia de campanha.
O site Pleno.News publicou, em 14 de setembro, matéria sobre a viagem da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima Marina Silva para o estado de São Paulo com o intuito de, segundo a notícia, atuar em campanhas eleitorais de seu partido Rede Solidariedade, em municípios da região. O portal gospel enfatiza no título da matéria a contradição entre a situação de calamidade em que o país se encontra por conta das queimadas em diversos locais no Brasil e a propensa motivação política da viagem de Marina Silva ao estado paulista para apoiar candidatos às eleições municipais.
Imagem: Site Pleno.news
A mesma notícia circulou em outros portais de direita como os sites Agora Notícias Brasil e Aliados do Brasil. Em ambos os textos, o título chama atenção com o destaque para a situação das queimadas, mas em seguida apresenta as ações em campanhas eleitorais realizadas por Marina Silva, insinuando o descaso da ministra com a catástrofe pela qual o país está passando.
Imagem: Site Agora notícias Brasil
Em todos os sites, as informações apresentadas são as mesmas. A notícia relata a agenda da Ministra em cidades paulistas para apoiar candidatos políticos. É citada com exatidão a passagem de Marina Silva por Mauá (SP) para apoiar Marcelo Oliveira (PT) e em eventos em São Carlos e na capital paulista.
Em seguida, os textos destacam dados sobre os incêndios recentes em São Carlos e os problemas causados pela fumaça em diferentes regiões do Brasil. Todas as publicações resgatam, ao final, o posicionamento da chefe da pasta do Meio Ambiente e Mudança do Clima em relação à atuação do governo para conter as queimadas.
Bereia acessou texto publicado pela Agência Brasil, no último 14 de setembro, o Brasil registrou 7.322 focos de incêndio, o que representa 71,9% das queimadas na América do Sul. Segundo dados do sistema BDQueimadas do INPE, até 13 de setembro, o país tinha acumulado 180.137 focos, um aumento de 108% em relação ao mesmo período de 2023.
Segundo o delegado da Polícia Federal (PF) Humberto Freire, em entrevista à GloboNews, , parte das queimadas pode ser resultado de ações coordenadas. “A gente vê que alguns incêndios começaram quase ao mesmo tempo. Isso traz o indício de que podem ter acontecido ações coordenadas. É um ponto inicial da investigação”, disse ele.
Outro ponto de atenção sobre as queimadas é o uso de fogo para práticas agrícolas, algo que está proibido em todo o território nacional devido à seca severa, de acordo com a ministra. “Há uma proibição em todo o território nacional do uso do fogo, mas existem aqueles que estão fazendo um verdadeiro terrorismo climático, usando a temperatura alta e a baixa umidade e ateando o fogo do nosso país, prejudicando a saúde das pessoas, a biodiversidade, destruindo as florestas”, disse Marina Silva, em São Carlos. Bereia já fez várias checagens sobre o tema.
O encontro aconteceu no Palácio dos Bandeirantes, e faz parte de uma orientação do governo federal para estados e municípios sobre como lidar com os efeitos das mudanças climáticas. Segundo Marina Silva, foram colocados à disposição do estado, helicópteros e mais de 500 pessoas do Exército para ajudarem no combate às queimadas.
Como é prática de todos os políticos que atuam em Brasília, depois de cumprir a agenda do Ministério no Estado de São Paulo, no final de semana, no sábado, 14 de setembro, Marina Silva, de fato, teve reuniões com candidatos às eleições nos municípios pelos quais passou.
De volta a Brasília, na segunda-feira, 16 de setembro, a ministra participou de reunião com o presidente Lula, convocada em caráter emergencial, para tratar da crise climática e das queimadas que assolam o país, com outros ministros mas o vice-presidente da República Geraldo Alckmin, além de lideranças do governo no Congresso Nacional, e representantes do Ibama e ICMBio. O mesmo tema motivou a reunião que aconteceu no dia seguinte com diferentes participantes.
Na terça-feira, 17 de setembro, reuniu as mesmas lideranças do governo e convocou os líderes dos outros dois Poderes da República, como Bereia já informou, para fazerem “façam um diagnóstico da situação dos incêndios no país e compartilhem responsabilidades”. Durante esta reunião Marina Silva afirmou que o governo pretende criar um Conselho Nacional para tratar de questões climáticas, para reunir representantes dos ministérios, do Legislativo, do Judiciário e também de diversos setores da sociedade, como o empresarial.
“Nosso país tem imensas vantagens comparativas e nós não vamos mais transformá-las em vantagens competitivas, nós vamos transformá-las em vantagens colaborativas, distributivas. Nós podemos ser grandes produtores de alimento, grandes produtores de energia. O Brasil, como o senhor disse [presidente Lula], no G7, no Japão, vai ser um grande exportador de sustentabilidade”, declarou a ministra.
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Bereia classifica a matéria publicada pelo Pleno News como enganosa. O veículo religioso manipulou a informação sobre a agenda da ministra Marina Silva, em São Paulo, para levar leitores a acreditarem que ela não está atuando frente às emergências ambientais no país, mas dedica tempo e viagens para fazer política eleitoral.
Como Bereia verificou, a ministra cumpriu compromisso, na sexta-feira, 13 de setembro, no Palácio dos Bandeirantes, com o governador do Estado Tarcísio de Freitas e a ministra da Saúde Nísia Trindade, como consta na agenda oficial do Ministério. A viagem teve por objetivo, justamente, a crise das queimadas no estado e as providências com o apoio do governo federal. Marina Silva permaneceu mais um dia em São Paulo e, de fato, realizou reuniões com políticos em campanha eleitoral, porém, fora da agenda do ministério, prática comum a políticos que atuam em Brasília em finais de semana.
Ao retornar a Brasília, na segunda-feira, 16 de setembro, Marina Silva seguiu cumprindo tarefas referentes ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança no Clima, todas relativas ao enfrentamento da crise ambiental que assola o Brasil.
Bereia alerta leitores e leitoras quanto a matérias desinformativas de veículos religiosos elaboradas, deliberadamente, para comprometer a reputação de governos, partidos e personagens do mundo político a quem se opõem. Antes de compartilharem matérias críticas a estas figuras, é preciso que leitores e leitoras verifiquem o conteúdo para não se tornarem propagadores de desinformação.
A parceria entre dois significativos veículos de comunicação e das mídias sociais, com forte segmentação religiosa, a Rede Canção Nova (internet, rádio e TV) e a produtora Brasil Paralelo (internet e stream media) repercutiu negativamente. Neste 10 de setembro, foi divulgada uma nota pública do Observatório da Comunicação Religiosa no Brasil (OCR), ligado à Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB) e à Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP), a serviço da Comissão Episcopal de Pastoral para a Comunicação Social da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
A nota do OCR viralizou em várias mídias sociais. Bereia verificou a procedência da nota que circula amplamente em grupos de WhatsApp, e diz o seguinte:
“O Observatório da Comunicação Religiosa (OCR), iniciativa da Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB Nacional) e da Comissão de Justiça e Paz (CBJP) a serviço da CNBB (§ 345, Capítulo X do Diretório de Comunicação da Igreja no Brasil, 2023), tomou conhecimento em julho da parceria entre a TV Canção Nova (Estúdio Anuncia-me) e a empresa Brasil Paralelo.
Esta nova informação apenas confirma o que a própria empresa Brasil Paralelo já havia divulgado, em fevereiro de 2022, quando listou a Canção Nova entre os meios de comunicação que veiculavam seus conteúdos.
Considerando que a TV Canção Nova é um importante e poderoso meio de comunicação que integra o Sistema Canção Nova de Comunicação e se apresenta como parte da Comunidade Católica Brasileira; e
Considerando que a empresa Brasil Paralelo notoriamente se alinha com o pensamento de extrema direita; divulga teorias conspiratórias que já foram contestadas, dentre outros, pela Associação Nacional de História; e divulga, reiteradamente, notícias falsas identificadas e denunciadas por agencias de checagem idôneas e pelo próprio TSE;
O OCR julga de seu dever chamar a atenção da própria Canção Nova e das autoridades eclesiásticas para os graves riscos que esta parceria com a empresa Brasil Paralelo representa para o cumprimento das Diretrizes da Igreja Católica, o alinhamento com o ensinamento do Papa Francisco e a fidelidade ao Evangelho de Jesus Cristo”.
Risco às Diretrizes Católicas
Bereia ouviu a Coordenação do Observatório da Comunicação Religiosa (OCR), que confirmou a publicação da Nota Pública em agosto deste ano.
A Coordenação explicou que , “o Observatório não é um órgão da CNBB, mas uma iniciativa da Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB) e da Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP), a serviço da CNBB e da sociedade”. Um dos objetivos do OCR é “contribuir para qualificar sempre mais a comunicação da Igreja Católica do país, orientado pelas Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora e pelo Diretório de Comunicação da Igreja no Brasil”.
Bereia ouviu que o OCR “tomou conhecimento da parceria entre a TV Canção Nova (Estúdio Anuncia-me) e a empresa Brasil Paralelo, durante evento realizado em 14 de julho de 2024”, o que causou preocupação. Segundo a Coordenação do Observatório “a nota publicada evita posicionamento ideológico. É uma nota factual”.
O anúncio de inauguração do Projeto Anuncia-me, feito pelos líderes da Canção Nova no evento que teve a presença de mais de 10 mil pessoas, mostrou em dois momentos a lista de parceiros do canal católico, na qual aparece o nome do Brasil Paralelo.
Outras publicações foram registradas pelo OCR, como por exemplo, uma no X, que agora não é mais possível visualizar no Brasil, e em matéria publicada pelo site do Brasil Paralelo, em 25 de fevereiro de 2022, com o título “Conteúdo da BP gratuito em TVs e Rádios” e intertítulo: “Veja quais são os canais que transmitem conteúdo da Brasil Paralelo gratuitamente”. A TV Canção Nova está na lista apresentada pela matéria.
A nota pública emitida pelo OCR foi publicada no website da organização
A nota cita o Diretório de Comunicação da Igreja para explicar que as instituições católicas não podem divergir das orientações episcopais e pontifícias. Isto porque o OCR avalia que “notoriamente [a Brasil Paralelo] se alinha com o pensamento de extrema direita; divulga teorias conspiratórias que já foram contestadas, dentre outros, pela Associação Nacional de História; e divulga, reiteradamente, notícias falsas identificadas e denunciadas por agencias de checagem idôneas e pelo próprio TSE [Tribunal Superior Eleitoral]”.
A produtora Brasil Paralelo tem se destacado no segmento religioso, conseguindo forte penetração em espaços no meio evangélico. A parceria com a Rede Canção Nova faz parte de um crescimento em direção a outro grupo cristão, o católico. Porém, ao contrário da fragmentação característica ao meio evangélico, as instituições ligadas à Igreja Católica Romana têm subordinação hierárquica e orientação doutrinária centralizada, bem como interrelacionamentos e diretivas.
O OCR, conforme consta em seu site, “é uma iniciativa da Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB) e da Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP), a serviço da Comissão Episcopal de Pastoral para a Comunicação Social da CNBB. É inspirado pelo valor da comunicação como serviço de uma autêntica cultura do encontro; quer contribuir para qualificar sempre mais a comunicação da Igreja Católica no País, orientada pelas Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora.
A CNBB é a instituição permanente que congrega os bispos da Igreja Católica Apostólica Romana no Brasil, na qual exercem conjuntamente algumas funções pastorais em favor dos fiéis (cf. cân. 381, § 2). Foi fundada em 1952, no Rio de Janeiro, onde teve sua sede até 1977, quando foi transferida para Brasília.
São membros da CNBB, os bispos diocesanos, coadjutores, auxiliares e titulares que exerçam no Brasil um encargo especial confiado pela Sé Apostólica ou pela CNBB. Estão incluídos os hierarcas das Igrejas Orientais Católicas, com ofícios correspondentes aos de bispos diocesanos (ou os que a eles se equiparam no direito), coadjutores ou auxiliares.
Sobre a Rede Canção Nova
A Canção Nova é uma rede católica de comunicação (Comunidade Canção Nova) fundada pelo Monsenhor Jonas Abid, em 2 de fevereiro de 1978, com a missão de evangelizar por meio de encontros e pelos meios de comunicação social. depois de ingressar na Renovação Carismática Católica (RCC), Abid, inaugurou, em 1980, a Rádio Canção Nova, em Cachoeira Paulista (SP), e em 1989, criou a TV Canção Nova. A Comunidade Canção Nova tornou-se uma Rede de Comunicação, com TV, Rádio e Editora. Também atua no mercado musical.
Monsenhor Jonas Abid fundou e tornou-se presidente da Fundação João Paulo II, mantenedora do Sistema Canção Nova de Comunicação e da Rede de Desenvolvimento Social Canção Nova. Oficialmente, a Canção Nova participa da Fraternidade Católica Internacional, órgão ligado ao Pontifício Conselho para Leigos da Santa Sé, em Roma, e tem alguns de seus integrantes como membros do Conselho Nacional da Renovação Carismática Católica no Brasil (RCC).
Sobre a produtora Brasil Paralelo
Sob o CNPJ 25.446.930/0001-02 , a Brasil Paralelo, em seu próprio website, autonomeia-se uma “empresa de mídia independente” e declara não receber nenhum tipo de financiamento de partidos, políticos, movimentos, leis, entre outros. Declara, também, que sua receita “advém da venda de assinaturas de conteúdo para os membros”, sobre os quais e propagandeia ter mais de 400 mil. O conteúdo publicado é distribuído gratuitamente em seis plataformas de mídias sociais – que servem como degustação para produções veiculadas para assinantes (acesso pago).
Filipe Valerim, Henrique Viana e Lucas Ferrugem fundaram a Brasil Paralelo em Porto Alegre (RS), em 2016 e a primeira produção, o “Congresso Brasil Paralelo” . A empresa, atualmente, tem sede em São Paulo (SP) e declara ter produzido “mais de 70 documentários que alcançaram milhões de brasileiros”.
A Brasil Paralelo produz documentários, filmes, programas, notícias, cursos e séries que tratam de política, história, filosofia, economia, educação, artes e cultural com produções de alto custo. A empresa diz ter a meta de alcançar um milhão de assinantes.
A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Covid (Requerimento n° 1371, de 2021) incluiu a Brasil Paralelo como parte das investigações – por conta de publicações com conteúdo negacionista. Posteriormente, a empresa solicitou (e conseguiu) a limitação da quebra de sigilo solicitada pela CPI. A empresa também reagiu na Justiça contra veículos que divulgaram seus gastos em publicidade (Youtube, Meta e outras mídias).
O negacionismo também passa pelo tema da crise climática. Após a tragédia ambiental no Rio Grande do Sul, no primeiro semestre de 2024, o ICL Notícias levantou que o vice-prefeito de Porto Alegre Ricardo Gomes atua na produtora Brasil Paralelo, com conteúdo negacionista sobre as mudanças climáticas.
O pesquisador e professor do Instituto de Ciência Política da UnB Luis Felipe Miguel afirma que a alegação de que o faturamento com anunciantes mantém a propaganda e a produção é “contrafação”.
A publicação do balanço (demonstrativo e financeiro) da Brasil Paralelo S/A não foi localizada pelo Bereia, apesar de a legislação obrigar a empresa a fazê-lo, conforme artigo 1º, da Lei 13.818/2019, que alterou o artigo 289 da Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/1976).
A lei prevê que as publicações deverão ser feitas em jornal de grande circulação, editado na localidade da sede da companhia, de forma resumida e com divulgação simultânea da íntegra dos documentos na página do mesmo jornal na internet. Somente com base nessas informações – que também não estavam disponíveis no site da produtora – seria possível dizer que a base de assinantes é a única fonte de renda da organização.
Oposição à Brasil Paralelo
A nota do Observatório da Comunicação Religiosa, da Igreja Católica, crítica à parceria da Rede Canção Nova com a Brasil Paralelo, se une a outras iniciativas que denunciam o prejuízo que o conteúdo disseminado pode oferecer. Além de trabalhos acadêmicos e de matérias e artigos publicados sobre o tema em veículos da imprensa, neste 2024 foi criado o coletivo Brasil Parasita. Segundo os organizadores, o objetivo é “inverter a lógica [de projetos como o Brasil Paralelo] e, em nosso parasitismo, atuar desgastando e esvaziando desinformações, com educação, ética, ciência, responsabilidade social e uma pitada de bom humor”
Perguntada pelo Bereia se o OCR vê alguma possibilidade de mudança de atitude da Canção Nova, a Coordenação respondeu que “o OCR e as demais organizações fizeram o seu papel de evidenciar uma contradição, porém não se sabe ainda como será a resposta da rede de TV católica”.
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Bereia classifica as publicações que afirmam que a nota da CNBB faz advertência crítica à parceria entre a produtora Brasil Paralelo e o Sistema Canção Nova como informação VERDADEIRA. O OCR cita diretrizes e normas das organizações católicas para que as instituições ligadas à igreja observem a hierarquia e as orientações da Santa Sé, dos bispos e das doutrinas do Catolicismo.
Após as atletas olímpicas conquistarem medalhas nos Jogos em Paris, as redes digitais foram tomadas por uma onda de desinformação sobre as taxações das premiações olímpicas. Entre os desinformantes, estão os parlamentares cristãos.
Aproveitando a comoção nacional em torno das medalhistas brasileiras, a deputada Julia Zanatta (PL-SC), por exemplo, publicou um vídeo para criticar o imposto sobre as premiações dos atletas. Ela disse que o “papai Estado quer ficar com boa parte da premiação”, fazendo crer que se trata de uma ação deliberada do atual governo contra os atletas. Além disso, a parlamentar autodenominada cristã mentiu ao dizer que o governo federal não promove incentivos aos atletas.
Imagem: Reprodução/X
A ginasta Rebeca Andrade, que emocionou o Brasil com sua performance em Paris, testemunhou sobre o apoio recebido do governo federal por meio do programa Bolsa Atleta.
“O Bolsa Atleta com certeza é importante para a gente, porque a gente compra nossos materiais para treinamento, ajuda nossas famílias a trazer uma segurança para a gente, que muitas vezes é o que falta. Isso permite que a gente foque no nosso trabalho, sabe? Não deixa que a gente tenha preocupações externa”, celebrou a ginasta durante coletiva de imprensa.
Já o deputado federal evangélico Helio Lopes (PL-RJ) parece ter mudado de opinião com relação aos valor dos esportistas olímpicos. Sob o governo de Jair Bolsonaro, o parlamentar assistiu o fim do Ministério dos Esportes, a redução histórica de 17% do orçamento para o Bolsa Atleta, e ainda viu a Receita Federal cobrar os atletas olímpicos naquele ano, mas nada propôs. Agora, no entanto, Lopes declarou nas redes que assinou um Projeto de Lei que propõe isentar os atletas das taxações da Receita.
A enxurrada de falsidades sobre a taxação das premiações foi tão grande que a Receita Federal emitiu um comunicado para desmentir as mentiras. Em nota, publicada em 7 de agosto, a Receita explicou que medalhas e troféus não são taxados e sim premiações recebidas em dinheiro, como será o caso dos atletas medalhistas olímpicos ao desembarcarem no Brasil.
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) manteve, no dia 28 de junho, decisão da 2ª Vara Cível da Comarca de São Bento do Sul, que determinou que um casal providencie, no prazo de 60 dias, a imunização de suas duas filhas de acordo com o esquema vacinal proposto pelo Ministério da Saúde. De acordo com a decisão, se os pais não acatarem a determinação, deverão pagar multa diária, entre R$ 100 e R$ 10 mil, em favor do Fundo de Infância e Adolescência daquele município. A ação foi ajuizada pelo Ministério Público catarinense. A não realização da vacinação das crianças somente seria aceita por meio da apresentação de atestado médico que comprovasse a contraindicação.
Imagem: reprodução do perfil do senador Cleitinho (REPUBLICANOS-MG)
Imagens: reprodução do perfil do senador Jorge Seif Junior (PL – SC)
A deputada federal Júlia Zanatta usou a repercussão do caso para publicitar o Projeto de Decreto Legislativo (PDL 486/2023), de sua autoria, que susta a Nota Técnica do Ministério da Saúde que incorpora as vacinas contra a covid-19 no Calendário Nacional de Vacinação Infantil, para crianças de seis meses a cinco anos de idade.
Imagens: reprodução do perfil da deputada federal Júlia Zanatta (PL – SC)
O site Pleno.News também repercutiu a decisão do TJSC.
Imagem: Reprodução do site Pleno.news
Já o jornal Gazeta do Povo publicou uma entrevista em que o deputado Osmar Terra critica a obrigatoriedade da vacinação e que classifica a decisão do TJSC como absurda.
Imagem: Reprodução do site Gazeta do Povo
Entenda o caso
Em 28 de junho, o site do Poder Judiciário de Santa Catarina divulgou notícia que confirma que o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) manteve a decisão, tomada na 2ª Vara Cível na comarca de São Bento do Sul,que determina que um casal deve realizar a vacinação de suas duas filhas, no prazo de 60 dias, de acordo com o esquema vacinal do Ministério da Saúde.
A notícia destaca que o não cumprimento da determinação acarreta o pagamento de multa diária entre R$ 100 e R$ 10 mil em favor do Fundo de Infância e Adolescência do município. A não vacinação das crianças só será aceita perante apresentação de atestado médico que comprove a contra indicação. A decisão foi tomada devido às infrações administrativas às normas do Estatuto da Criança e do Adolescente.
O site também aponta que a mãe recorreu da decisão e alegou que toma as devidas providências para a saúde das filhas. Ela defendeu que está sendo obrigada a realizar a vacinação sem segurança para tal e assim colocaria em risco a integridade física das filhas. Em contrapartida, o juiz declarou que, segundo o artigo 227 da Constituição da República, é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança o direito à vida, à saúde, à dignidade e ao respeito. A decisão também aborda a importância da vacinação e das vidas que poderiam ter sido poupadas graças às vacinas durante a pandemia de covid-19.
Vacinação infantil e o impacto da determinação
A partir do artigo 227 da Constituição Federal, é possível afirmar que crianças e adolescentes deixam de ser considerados meros objetos de tutela e devem ser considerados sujeitos de direitos, de forma que a ação estatal e familiar deve garantir a realização de todos os seus direitos. Além disso, o primeiro inciso do artigo 14, do Estatuto da Criança e do Adolescente, define que é obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias.
Contudo, a obrigatoriedade da vacinação infantil pela legislação é questionada com frequência no período recente, especialmente após a descredibilização das vacinas durante a pandemia de covid-19. O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), um dos críticos da eficácia das vacinas, anunciou, em 2021, que não vacinaria a filha contra a covid-19, à época, com 11 anos.
Sobre a distinção que ocorre entre casos como o do ex-presidente e o que acarretou a decisão do TJSC, a enfermeira pediátrica Juliana Campos, disse, em entrevista ao Bereia, que a decisão judicial, em geral, é resultado de uma série de negligências que a criança pode estar sofrendo.
“Quando chega a ser determinação judicial, provavelmente a criança já vem vivenciando situações de negligência do responsável legal. São crianças que adoecem com mais frequência, que têm números de internações mais elevados e concomitantemente sofrem outras negligências envolvidas relacionadas ao estilo de vida. São casos muito críticos, dentro da unidade de saúde e realidades mais comuns do que imaginamos. As crianças adoecem porque não estão com o esquema vacinal completo e, assim, são mais propensas a desenvolver diversas doenças que são evitáveis pelas vacinas oferecidas pelo próprio governo”, ela afirma.
O que dizem os especialistas?
O advogado especialista em Direito Constitucional Antonio Carlos de Freitas Júnior falou, em entrevista ao site jurídico JusBrasil, que a mera recomendação de vacinação pela autoridade sanitária já a torna obrigatória para as crianças por força normativa do ECA. “A omissão dos pais na vacinação por si só deflagra o sistema de proteção do estatuto, que pode acarretar em diversas sanções aos pais”, afirmou o advogado ao site. Ele ressalta ainda que, criminalmente, os pais poderão, ainda, ser responsabilizados nos termos do artigo 132 do CP: “Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente, com detenção, de três meses a um ano”. O advogado avalia que “em caso de morte ou de lesão corporal os pais podem responder pela modalidade culposa de tais crimes podendo ser aplicado ou não o perdão judicial a depender do caso concreto”..
Na mesma linha de pensamento de Freitas Júnior, o advogado, especialista em Direito e Processo Penal Leonardo Pantaleão entende que os pais são responsáveis por eventual omissão penalmente relevante e que, em razão dela, cause danos à saúde ou à vida de seus filhos menores.l: “nesse sentido, a simples não vacinação das crianças, já os coloca como potencialmente incursos nas penas do artigo 132 do Código Penal”, afirma.
O jurista acrescenta. “Caso, em razão da não imunização, a criança seja contaminada e apresente complicações de saúde, os pais ou representantes omissos responderão criminalmente pelo resultado produzido em decorrência da omissão, ou seja, lesão corporal ou, no pior cenário, pelo resultado da morte”, reforçou.
No mesmo sentido, Julina Campos destaca que a vacinação é um direito que deve ser garantido às crianças e que está explícito na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do adolescente, como citado anteriormente. A enfermeira destaca ainda a importância da vacinação: “entende-se que a vacina é uma forma de prevenção de várias doenças e existem estudos que comprovam isso. O aumento da não vacinação por sua vez vem de movimentos de grupos anti vacina e que não tem nenhuma fundamentação científica para tal”.
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Bereia checou as informações divulgadas nas mídias gospel e avalia que não houve exageros ou inverdades nas publicações. De fato, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina determinou que os pais vacinem suas filhas em 60 dias, caso contrário, estão sujeitos a multa diária de 100 a 10 mil reais. A única ressalva é que, por correr em segredo de justiça, não há informação sobre as idades dos menores e sobre a qual vacina ou vacinas o processo se refere.
Bereia alerta leitores e leitoras quanto ao uso político de parlamentares negacionistas do direito à imunização e da obrigatoriedade dela como recurso de saúde pública que visa à coletividade, especialmente em períodos eleitorais, como 2024.
O XII Seminário Internacional sobre Redes Educacionais e Tecnologias, promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, realizou um debate essencial para a compreensão dos fenômenos contemporâneos na educação e na sociedade em geral, nesta sexta-feira, 5 de julho. A editora-geral do Coletivo Bereia e pesquisadora do ISER Magali Cunha, e o sociólogo, assessor de Campanhas da Casa Galileia, Flávio Conrado, participaram da mesa de debate sobre as investidas de discurso neoconservadores em tempos de redes sociais, com destaque para a influência dos evangélicos nesse contexto.
Magali Cunha chamou atenção para a presença marcante de evangélicos nas mídias sociais e criticou o desconhecimento de parte da imprensa sobre a complexidade e a diversidade do segmento cristão. Segundo a editora, esta falta de distinção contribui para a disseminação de desinformação e para uma representação simplista dos religiosos na mídia.
Como pesquisadora da Religião, destacou que o ativismo de evangélicos na política brasileira é consequência de processos antigos, entre eles, a Teologia do Domínio. “Há um desconhecimento quando se fala sobre o assunto no momento que se coloca a Teologia do Domínio como algo novo, quando, na verdade, não é”. Ela explicou que teólogos do domínio são observados desde os anos 60, nos Estados Unidos, no ambiente calvinista, e chega ao Brasil muito antes do alto crescimento de evangélicos pentecostais, na década de 80.
Sobre o dilema da identificação de evangélicos, a coordenadora do debate, professora Talita Vidal, da Faculdade de Educação da Uerj, criticou a generalização ao tratar do segmento e compartilhou um caso sobre a confissão religiosa evangélica de uma familiar que se transformou após o contato com diferentes leituras teológicas.
Para falar sobre o avanço de neoconservadores na militância digital, o cientista social Flávio Conrado apresentou uma série de dados coletados a partir do monitoramento de 450 perfis de influenciadores digitais do campo religioso. O trabalho da Casa Galileia gerou cerca de 90 relatórios, agrupados por temas, e apontou para um aumento significativo da radicalização dentro do campo conservador evangélico nas redes sociais. O sociólogo destacou o fenômeno do “orgulho conservador”, declarado por atores da extrema-direita. “É preciso desmobilizar o discurso de guerra e desarmar os lados para melhorar o ambiente democrático”, analisa.
O evento reforçou a necessidade de novas pesquisas sobre o avanço do conservadorismo em outros segmentos religiosos como as religiões de matrizes africanas. O professor Gustavo Oliveira, durante sua contribuição, celebrou iniciativas como Coletivo Bereia e Casa Galileia, pois, “foram as primeiras iniciativas a reagirem ao avanço da extrema-direita nos ambientes digitais”.
A deputada federal e líder da minoria na Câmara Bia Kicis (PL/DF) levantou uma questão polêmica em sua conta pessoal no X (antigo Twitter) em 26 de maio, viralizada repercutido nas redes. A parlamentar questionou se o governo estaria escondendo o número verdadeiro de mortes causadas pelas enchentes no Rio Grande do Sul, por meio do compartilhamento de um vídeo com supostas graves denúncias. De acordo com o conteúdo do vídeo, o governo não estaria contabilizando corretamente o número de mortos na tragédia do Rio Grande do Sul, com o registro das mortes por afogamento como “indeterminadas” nas certidões de óbito.
Na denúncia, há um trecho da TV Jovem Pan e outro de vídeo anônimo. As denúncias mencionadas, caso fossem verdadeiras, seriam de extrema gravidade. Segundo as alegações, a esfera pública estaria mascarando o motivo das mortes relacionadas à catástrofe, a fim de não revelar a verdadeira proporção da mortalidade decorrente das enchentes. De acordo com números oficiais, foram contabilizadas 169 mortes, até o fechamento desta matéria, com outras 63 pessoas ainda desaparecidas.
Imagem: reprodução/X
Conteúdo do vídeo da deputada
Imagem: reprodução/Facebook
O vídeo compartilhado por Bia Kicis apresenta dois relatos para embasar a denúncia.
No trecho em questão, retirado do programa ao vivo, foi veiculada a entrevista em que um homem de nome Alex (não é mencionado sobrenome na entrevista) afirma que resgatou o corpo do pai afogado e preso a fiações, mas que este teria brevemente desaparecido do IML. O homem afirma que para sua surpresa, a causa da morte consta na certidão como indeterminada. Os jornalistas e comentaristas do programa não teceram comentários em relação a isto, e restringiram-se reconhecimento da tristeza e da terrível situação vivida pelo entrevistado.
O segundo relato, originado de um vídeo amador, mostra um anônimo que afirma que sua irmã morreu devido às enchentes em Eldorado do Sul. Ele alega que, no IML de Porto Alegre, para onde o corpo teria sido levado, os servidores estariam impedindo os familiares de reconhecerem os corpos e obrigando-os a assinar um termo com a declaração da morte por causa indeterminada, e não por afogamento decorrente das chuvas. O homem menciona ainda que é o governo da capital gaúcha, liderado pelo prefeito Sebastião Melo (MDB/RS), que estaria adulterando os atestados de óbito e obrigando os familiares a atestarem que as causas das mortes foram indeterminadas.
Identificação de óbitos das enchentes Rio Grande do Sul
Dessa maneira, os peritos conseguem fazer um tratamento para melhorar a qualidade da impressão, processo que demora de dois a três dias. Caso ainda não seja possível, é necessário recorrer ao reconhecimento pela arcada dentária ou por exames de DNA. Porém, não são métodos infalíveis e há grande possibilidade de pessoas não serem identificadas.
Atuação do governo do Estado sobre a tragédia do Rio Grande do Sul
A Defesa Civil do Rio Grande do Sul, afirma que está atuando de forma eficaz para atender a população afetada e garantir a segurança de todos. Diariamente, pela manhã e ao final da tarde são divulgadas as ações de resgate e os últimos números da tragédia no estado. Até 28 de maio, 169 pessoas foram vítimas das enchentes, enquanto ainda há ao menos, 53 desaparecidos, tendo sido mais de 77 mil pessoas resgatadas em 469 municípios afetados.
Além disso, a Secretaria do Meio Ambiente do Estado, mantém atualizações de hora em hora sobre o nível do Guaíba, lago localizado na região metropolitana de Porto Alegre, que alcançou níveis históricos no mês de maio. O governo do Estado do Rio Grande do Sul, em parceria com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e do Operador Nacional do Sistema (ONS), também está monitorando a situação das demais barragens gaúchas.
Bia Kicis e o compartilhamento de notícias falsas
Imagem: reprodução/X
Beatriz Kicis Torrents de Sordi (PL/DF) foi eleita deputada federal em 2019, ocupou os cargos de vice-líder do governo Jair Bolsonaro (PL) na Câmara, além de ter sido eleita presidente da Comissão de Constituição e Justiça também em 2019. Com identidade católica declarada, a deputada frequentemente se envolve em casos de compartilhamento de notícias falsas, tanto nas mídias digitais quanto em discursos públicos, como Bereia já checou em várias matérias.
Imagens: reprodução site Bereia
Desde 2020, Kicis está na lista dos parlamentares investigados no Inquérito n° 4781, mais conhecido como Inquérito das Fake News, no Superior Tribunal Federal (STF). Ela é acusada de disseminação de notícias falsas ou/e distorcidas sobre a pandemia de covid-19, tendo apregoado contra medidas de isolamento social, atacou opositores do governo Bolsonaro e convocou seguidores para as manifestações antidemocráticas que ocorreram no auge da pandemia.
Em outro episódio, Bia Kicis teve que se desculpar depois de afirmar, da tribuna da Câmara dos Deputados, que uma idosa, presa por ter participado dos ataques de 8 de janeiro de 2023, teria falecido nas dependências do presídio. A idosa não existia.
Hoje, Bia Kicis é a líder da Minoria da Câmara dos Deputados, e continua a fazer uso da máquina desinformativa para atacar opositores. Mais recentemente, a deputada católica afirmou, de forma mentirosa, que a cidade de Farroupilha (RS) foi retirada da lista de alvos de calamidades do governo federal após uma discussão entre o prefeito Fabiano Feltrin (PL) e o recém-empossado ministro da Secretaria Extraordinária de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul Paulo Pimenta (PT) por telefone, divulgada por Feltrin.
Coincidências com a pandemia de Covid-19
A notícia de possíveis adulterações nas causas de óbitos da população durante uma grave crise, como as chuvas de maio no Rio Grande do Sul, traz à tona lembranças recentes para os brasileiros. Isso porque, em 2021, em meio à pandemia de covid-19, o então presidente Jair Bolsonaro, também do PL, fez uma afirmação semelhante.
Na época, Bolsonaro alegou que um suposto relatório “paralelo” do Tribunal de Contas da União (TCU) indicava que cerca de 50% das mortes atribuídas à pandemia, em 2020 não foram causadas pela doença. No entanto, no mesmo dia, o TCU desmentiu a informação, e afirmou que o documento era falso. Apesar disso, a deputada Bia Kicis (PL/DF), então presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara, repostou o vídeo das declarações de Bolsonaro.
É importante ressaltar que essa notícia sobre a adulteração de dados da covid-19 era comprovadamente falsa, tendo sido desmentida por diversas instituições e órgãos. O próprio TCU negou a autenticidade do relatório mencionado por Bolsonaro, e os números oficiais das Secretarias de Saúde Estaduais, aferidos pelo Consórcio de Veículos de Imprensa, contradisseram a afirmação do ex-presidente. Além disso, investigações conduzidas pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Pandemia e pelo Ministério Público Federal também comprovaram a falsidade da alegação.
Imagem: reprodução/O Globo
Imagem: reprodução/Carta Capital
Imagens: reprodução/Veja
Bereia verificou que o vídeo compartilhado pela deputada católica Bia Kicis é enganoso pois distorce informações verdadeiras com o objetivo de afetar o governo federal e o ministro Paulo Pimenta. Os estados da federação são os entes que têm a atribuição e a gerência dos Institutos Médicos Legais. O governo do Estado do Rio Grande do Sul esclareceu em nota, que a causa da morte é determinada pelo médico legista no momento do exame e caso não haja evidências suficientes para atestar que a vítima, de fato, morreu de afogamento, a causa é indeterminada, até que os exames complementares requisitados sejam recebidos pelo IML.
Ou seja, por mais que seja verdadeira a informação compartilhada no vídeo, essa prática não é uma ação deliberada do governo do Rio Grande do Sul para mascarar o número de óbitos decorrentes das enchentes. Está sendo obedecido um padrão para casos em que os médicos legistas necessitam de mais informações para aferir corretamente a causa mortis. Ademais, o governo federal não tem responsabilidade nesta ação, como deve ser de conhecimento de uma agente pública, como a parlamentar. Portanto, há indícios de que a deputada está, deliberadamente, propagando um engano.
Desinformação sobre as enchentes no Rio Grande do Sul é o foco do relatório divulgado pelo NetLab, laboratório de pesquisa da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO-UFRJ), em 16 de maio passado. O material tem como objetivo analisar as principais temáticas que são alvo de mentiras, enganos e imprecisões, além dos perfis que fazem parte dessa propagação em diferentes plataformas.
Esse é o quarto desastre relacionado a questões ambientais que atingem o estado no período de um ano. As chuvas tiveram início em 27 de abril e as consequências delas levaram o poder público a declarar Estado de Calamidade em 1 de maio. Nas atualizações, publicadas pela Defesa Civil do RS, até o fechamento desta matéria, o número de óbitos confirmados atingiu a marca de 161 pessoas e mais de 580 mil cidadãos desabrigados.
Junto dos números alarmantes sobre a tragédia, cresceu também o número de conteúdos de desinformação sobre a situação do estado. Essas publicações prejudicam o trabalho de assistência prestado à população, propiciam um ambiente de insalubridade e funcionam como palco para uma disputa política entre figuras que buscam lucrar com a tragédia, como mostra a pesquisa do NeltLab-UFRJ.
O relatório apresenta o mapeamento de influenciadores e conteúdos desinformativos em diferentes plataformas, como o Instagram, Facebook, a biblioteca de anúncios do Meta, o Youtube e outros sites. A partir dessa análise, o laboratório de pesquisa observou que influenciadores e plataformas de conteúdo fazem uso dessas informações para descredibilizar o governo Lula e banalizar a crise climática, por meio do negacionismo das mudanças no clima, teorias da conspiração e críticas à resposta governamental federal.
Entre os principais resultados, o material destaca oito temas que embasam mentiras, enganos e imprecisões e circulam nas mídias:
1. Ao presidente Lula não está comprometido com as vítimas das enchentes;
2. A Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima Marina Silva insiste em culpar Bolsonaro por tragédia;
3. Starlink (tecnologia de propriedade do megaempresário dos EUA Elon Musk) é a única internet que está ajudando nos resgates;
4. Show da cantora Madonna (Rio, ll de Janeiro, 4 de maio) recebeu recursos governamentais que deveriam ir para o RS;
5. Governo federal está impedindo que doações cheguem às vítimas;
6. As chuvas são um castigo de Deus;
7. A tragédia foi planejada e implementada por globalistas;
8. Figuras vinculadas à direita política estão ajudando mais que o governo federal.
O relatório aponta que a disseminação de desinformação já ocorreu em outras catástrofes e que a situação se repete devido à ausência de regulamentação do ambiente digital. O destaque são plataformas como a Meta (Facebook, Instagram e WhatsApp) que não apresentam transparência sobre dados de usuários e de anúncios que propagam notícias fraudulentas, com informações e links falsos.
O papel dos influenciadores e das plataformas religiosas
Além da análise das principais publicações desinformativas, o relatório faz a checagem de perfis de influenciadores e conteúdos divulgados sobre a situação do Rio Grande do Sul. Entre os influenciadores analisados pelo NetLab estão personagens com identidade religiosa como Michele Abreu, que divulgou vídeos afirmando que a calamidade no Sul seria resultado de um castigo de Deus por conta de o estado ter o maior número de terreiros de religiões de tradição africana. .
Outras personagens com identidade religiosa analisadas pelo laboratório são o influenciador Pablo Marçal, o senador Cleitinho Azevedo (Republicanos-MG) e Eduardo Bolsonaro, que disseminaram conteúdos afirmando que a Polícia Rodoviária Federal (PRF) havia bloqueado caminhões com recursos para as vítimas. Estes conteúdos também foram checados pelo Bereia, cuja matéria também inclui outras figuras públicas religiosas.
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Os conteúdos e anúncios fraudulentos propagados nas mídias sociais, além de causarem pânico e confusão, corroboram ainda para um cenário de desestruturação e descredibilidade das estruturas governamentais e de pesquisa. Isto, a longo prazo, repercute em ataques políticos-ideológicos com o objetivo de lucrar com esses eventos, como aponta o professor Camilo Aggio, docente do Departamento de Comunicação Social da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), em entrevista ao Nexo.
Bereia alerta os leitores e leitoras para este último ponto, uma vez que o Brasil vive ano de eleições para os cargos municipais e o uso político da tragédia no Sul para campanha eleitoral deve ser observado.
A editora-geral do Coletivo Bereia Magali Cunha foi uma das mulheres homenageadas pela Agência Lupa no Dia Internacional da Mulher neste 2024 pelo trabalho de enfrentamento à desinformação. Sob o título “8 cientistas mulheres que pesquisam desinformação que você precisa conhecer”, Lupa, um hub de soluções de combate à desinformação por meio do jornalismo e da educação midiática, as apresentou e também trouxe uma reflexão de cada uma dentro da área de atuação delas.
Imagem: reprodução do X
Além de Magali Cunha, também receberam o reconhecimento Ana Regina Rego (coordenadora da Rede Nacional de Combate à Desinformação – RNCD), Luisa Massarani (Fiocruz), Thaiane Moreira (UFF), Adriana Barsotti (UFF), Alyne Costa (PUC-RJ), Marie Santini (UFRJ) e Helena Martins (UFC).
Em seu artigo, publicado na revista Debates da NER e reproduzido na Lupa, a editora-geral do Bereia aborda o impacto das mídias sociais no voto das mulheres evangélicas. O foco é a pesquisa qualitativa realizada por Jaqueline Teixeira e Lívia Reis com 45 mulheres evangélicas de diferentes denominações, idades e regiões do Brasil. De acordo com Magali Cunha, três elementos são essenciais em qualquer análise sobre política no Brasil: religião, gênero e mídias.
“Quaisquer considerações sobre a presença de evangélicos na igreja e nas dinâmicas socioculturais e políticas do Brasil precisam levar em conta a expressão de uma religião que carrega simbólicas e intensas marcas das lógicas da mídia e de seu processo de produção de sentidos”, destacou a pesquisadora.
*Matéria atualizada em 07/05/2024 às 17:40 para correção de título.
O portal evangélico digital Guiame publicou, em 22 de abril, matéria que divulga decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo. Com o título “Justiça proíbe uso de ‘sob a proteção de Deus’ em abertura de sessões da Câmara de Bauru”, a matéria relata a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que declarou inconstitucional as práticas de ler a Bíblia e de usar a frase “sob a proteção de Deus” antes de cada reunião da Câmara de Vereadores da cidade de Bauru (SP). O texto do portal Guiame usa uma nota da Câmara de Bauru que justifica que tais práticas são uma tradição local e por isso deverá recorrer à decisão.
Imagem: Reprodução do site Guiame
A ação judicial contra a Câmara Municipal de Bauru – SP
A Câmara Municipal de Bauru foi alvo de uma decisão do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), publicada em 23 de abril de 2024. A Justiça declarou inconstitucional a prática determinada pelo Regimento Interno da casa de fazer a leitura da Bíblia e usar a frase “sob a proteção de Deus” na abertura das sessões legislativas. A decisão, baseada em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, movida pela Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo, argumenta que tais práticas violam o princípio da laicidade do Estado, favorecendo uma religião em detrimento de outras.
Além da leitura da Bíblia no momento de abertura das sessões, a decisão judicial derruba também a determinação do regimento para que a Bíblia fique sobre a Mesa Diretora da Casa durante as sessões.
O Regimento Interno da Câmara Municipal de Bauru foi aprovado em 1990, e alterado, por meio de resoluções, em diversos períodos das décadas seguintes. O artigo 76, inserido pela Resolução n. 475, de 26 de junho de 2007, determina que:
No início da sessão os membros da Mesa e os Vereadores ocuparão os seus respectivos lugares.
§ 1º. A Bíblia Sagrada ficará sobre a Mesa, durante todo o tempo da sessão, à disposição de quem dela quiser fazer uso.
I – Antes de iniciar o Expediente, após a declaração Sob a proteção de Deus, iniciamos os nossos trabalhos, o Secretário fará a leitura de um versículo da Bíblia Sagrada; […]
§ 3º. Havendo quórum regimental, o Presidente declarará aberta a sessão e a instalará solenemente, com as seguintes palavras: INVOCANDO A PROTEÇÃO DE DEUS, OS VEREADORES À CÂMARA MUNICIPAL DE BAURU, INICIAM SEUS TRABALHOS.
A Procuradoria Geral do Estado de São Paulo sustenta que essas práticas violam o princípio da laicidade estatal, assim como os princípios de igualdade, finalidade e interesse público, conforme estabelecidos na Constituição Federal e na Constituição Estadual.
Desta maneira, o TJ-SP acolheu o pedido da Procuradoria Geral e decidiu que essas práticas previstas no Regimento Interno da Câmara de Bauru são inconstitucionais. A decisão destaca que o estado deve manter neutralidade em questões confessionais para garantir a liberdade religiosa e o tratamento isonômico entre todas as religiões.
A decisão judicial aponta que o regimento interno da Câmara de Bauru favorece uma crença específica em detrimento das demais, violando assim o direito à liberdade religiosa e reforça a separação entre estado e religião, assegurada pela Constituição, e ressalta a importância de manter o caráter laico do estado, permitindo a liberdade de crença e culto de forma equânime e isonômica.
Bereia classifica a matéria publicada pelo portal Guiame como enganosa. O Tribunal de Justiça não proibiu o uso da expressão “sob a proteção de Deus”, mas declarou a inconstitucionalidade da obrigatoriedade da leitura da Bíblia e do pronunciamento de saudação cristã inseridas no Regimento Interno da Câmara.
Qualquer vereador pode proferir palavras de cunho religioso ou citar provérbios em suas falas e discursos, o que fica vedada é a obrigatoriedade de práticas religiosas cristãs durante a abertura das sessões legislativas.
A matéria do portal Guiame adota as mesmas estratégias de desinformação observadas em outras checagens do Bereia sobre ações de Inconstitucionalidade, praticadas por instituições públicas. Como em outros casos, Guiame também silencia sobre fatos relevantes a respeito da decisão proferida, e oferece informação insuficiente sobre a situação, o que induz leitores e leitoras a crerem que cristãos sofrem perseguição da Justiça no Brasil.
* Matéria atualizada em 18/04/2024 às 17:52 e 07/06/2024 para ajustes de texto
O conflito na Faixa de Gaza chegou ao sexto mês. Desde o ataque do Hamas a Israel, em 7 de outubro, o governo israelense revidou com, o que o governo do Brasil considera, um massacre da população palestina. Bereia publicou em 19 de março a primeira parte desta reportagem, na qual abordou a corrente de desinformação que surgiu a partir da fala do presidente Luís Inácio Lula da Silva, durante visita à Etiópia, em 18 de fevereiro passado, enquanto participava da 37ª Cúpula da União Africana e de reuniões bilaterais com chefes de Estado. O presidente brasileiro se pronunciou sobre o conflito e comparou a resposta de Israel aos ataques promovidos pelo Hamas, ao extermínio de milhões de judeus por nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, o que gerou uma série de críticas e comoção nas redes.
Bereia também abordou, na primeira parte desta matéria, a escalada da violência na região e como Israel vem perdendo o apoio da comunidade internacional diante das atrocidades praticadas sobre a população palestina. Leia a matéria completa.
Nesta segunda parte, Bereia apresenta a origem histórica deste conflito, a motivação do apoio de cristãos evangélicos a Israel e atualizações sobre a guerra contra a Palestina que completou seis meses.
O Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou, em 25 de março passado, pela primeira vez desde o 7 de outubro de 2023, um pedido de cessar-fogo em Gaza. A resolução recebeu o apoio de 14 dos 15 membros do órgão, o único a se abster foi os Estados Unidos. O texto estabelece uma cessação de hostilidades durante o Ramadã, período sagrado para os muçulmanos, que começou em 11 de março e terminou em 9 de abril. Apesar da aprovação histórica, e da pressão internacional, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu afirmou que não acatará a ordem da ONU e ainda planeja um ataque terrestre à cidade de Rafah. “Não estamos dispostos a cessar-fogo”, declarou.
Apesar da abstenção, o gesto do governo estadunidense causou uma rusga entre o presidente Joe Biden e Benjamin Netanyahu. Assim que o resultado no Conselho de Segurança foi anunciado, o governo israelense suspendeu a visita planejada de uma delegação do país aos EUA. O grupo iria discutir uma alternativa à invasão planejada por Israel à Rafah. O premiê israelense acusou a Casa Branca de abandonar sua “posição de princípio”. Entretanto, o governo de Biden correu para explicar que não havia mudanças na posição dos EUA de apoio a Israel.
“A única certeza em Gaza é a incerteza” O grupo Hamas, por sua vez, pediu desculpas à população de Gaza pelo sofrimento causado pela guerra, entretanto, reiterou a intenção de prosseguir com o conflito que, segundo o comunicado, deve conduzir à “vitória e à liberdade” dos palestinos. O anúncio foi feito, no dia 31 de março, pelo canal oficial do grupo no Telegram.
Para o líder palestino que ocupou o posto de ministro da Saúde entre 2007 e 2012, o grupo está disposto a negociar o fim da guerra, entretanto o lado israelense não quer chegar a um acordo. “Apelamos por um cessar-fogo completo e sustentável, pela retirada total das forças israelenses da Faixa de Gaza e pelo retorno das pessoas que foram expulsas de suas casas e vilarejos depois de 7 de outubro. Também pedimos uma grande operação de socorro e de reconstrução da Faixa de Gaza. Ao mesmo tempo, o engajamento em um acordo tácito para a troca de prisioneiros”, disse Naim ao jornal brasiliense.
Perguntado sobre as denúncias de violência sexual cometida por integrantes do Hamas, o político palestino negou veementemente as acusações. “Nós negamos qualquer agressão sexual a qualquer mulher. (…) Esta foi uma operação militar e nossos alvos eram complexos militares e soldados. Nós evitamos civis, mulheres, crianças e homens. Ao mesmo tempo, temos dito que estamos prontos para receber qualquer comitê de investigação da ONU ou internacional, a fim de apurar o que ocorreu em 7 de outubro”, assegurou.
Por que os cristãos evangélicos apoiam Israel incondicionalmente?
Segundo o professor de Teologia e doutorando em Filosofia, pela PUC-SP, Wallace Góis, os evangélicos têm uma visão escatológica do papel de Israel na história da humanidade e o consideram como o “Relógio de Deus no mundo”. “Para eles, você tem que ficar de olho no que acontece em Israel para entender o que está acontecendo no plano divino. Então os eventos que envolvem Israel, qualquer avanço político, ameaça militar ou instabilidade, vai ser interpretado à luz de alguma passagem bíblica que tenha mais ou menos a ver com essa situação e vai ser colocado como um sinal do fim dos tempos, como a volta de Cristo”, explica o professor em entrevista ao Bereia.
“Eles dizem que Israel é a continuidade da história do povo de Deus, apoiam porque Israel é e sempre foi o povo perseguido das escrituras, o guardião da Palavra de Deus, e as coisas que acontecem em Israel têm uma direta conexão com aquilo que ajuda a formar a cosmovisão cristã sobre a realidade”, afirma Góis se referindo ao que pensam os evangélicos brasileiros.
Para o professor, que integra a coordenação brasileira do Programa de Acompanhamento Ecumênico na Palestina e em Israel, do Conselho Mundial de Igrejas, e viveu por quatro meses, de julho a outubro de 2015, na região, há uma espiritualização exacerbada em tudo que se refere a Israel. “Tem toda uma aura mística que envolve o imaginário cristão evangélico sobre Israel e coloca o país como se fosse um lugar mágico, um lugar sagrado em que tudo que se toca e se vê é referência do Divino”.
Além disso, o professor ressalta que o turismo religioso reforça a ideia de que a nação é o ideal de civilidade para todas as outras. “Há uma propaganda de Israel como um país civilizado, ético, abençoado por Deus e aberto à liberdade religiosa, mas é uma grande encenação, porque a liberdade religiosa é restrita. Principalmente, para os muçulmanos, as comunidades cristãs na Palestina também estão definhando, estão sofrendo com restrições”, relata.
Góis compara a ação do governo israelense ao Império Romano da época de Jesus. “Israel se tornou um grande império opressor e a população palestina se vê perseguida pelos ideais imperialistas, pela opressão, pela sanha de poder, pela sede por territórios. As melhores áreas da Palestina estão sendo ocupadas pela extensão territorial israelense, as riquezas naturais estão sendo exploradas por Israel. Então, qualquer chance que a Palestina teria de se estabelecer, de construir uma história de demonstração da ‘benção de Deus’ foi previamente sequestrada por Israel e tudo isso vai sendo associado à imagem de que Deus está na verdade ao lado de Israel”, lamenta.
O teólogo denuncia ainda que os direitos palestinos estão sendo minados para que Israel possa ser vitoriosa. “O próprio Monte do Templo, onde muitos evangélicos dizem que será reconstruído o Templo de Jerusalém, existem mesquitas no local e, por isso, para os cristãos há uma certa ojeriza, uma certa ideia de usurpação do lugar sagrado pela religião islâmica, sobre o Judaísmo, uma tentativa de suplantar o Deus verdadeiro. Então, são detalhes e mais detalhes da geografia da organização social dos pontos turísticos que são utilizados na hora de tecer esses argumentos em favor de Israel”.
A antropóloga e professora da Universidade de Brasília Jacqueline Teixeira também analisou a situação. Em entrevista à BBC Brasil, ela disse que o bolsonarismo trouxe uma novidade para o apoio que cristãos evangélicos sempre deram à Israel: o discurso bélico-religioso, ou seja, a ideia de que uma disputa entre o bem e o mal justificaria o uso da violência. “Tem me chamado a atenção a tentativa de construção de uma justificação ética para os bombardeios, para as políticas de violência e de guerra que Israel tem lançado sobre o povo palestino. Uma naturalização da violência ou da guerra”, explica.
Teixeira acredita ainda que a naturalização entre religiosos de medidas como restrição de comida e água para os palestinos, seria resultado de uma “circulação mais preeminente de imagens do bolsonarismo no contexto das igrejas”, que permitiu uma “naturalização um pouco maior da desumanização” dos palestinos.
Jerusalém e as três religiões
De acordo com a antropóloga, professora e pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) Dra. Francirosy Campos Barbosa Ferreira, ouvida pelo Bereia, é importante ressaltar que aquela região é sagrada para judeus, cristãos e muçulmanos que dividem o espaço de Jerusalém. “O que a gente tem visto acontecer é uma captura, algo que costumamos chamar de leituras fundamentalistas da Bíblia. Os livros sagrados passam por leituras diversas, desde as mais rígidas, ipsis litteris, até as reformistas ou com interpretações diferenciadas. Então, acho que essa é uma das questões, é a ideia da Terra Prometida, associada com outras questões do judaísmo”, aponta a pesquisadora.
A antropóloga da USP relembra o caso das senhoras cristãs que, em uma manifestação a favor do ex-presidente Jair Bolsonaro, disseram que Israel é um país cristão, assunto já abordado por Bereia, na primeira reportagem desta série. “É a distopia que a nossa sociedade chegou. Não é de estranhar que uma pessoa cristã diga, de repente, que judeus também são cristãos. Infelizmente, em nossa sociedade hoje, o nível de conhecimento religioso, e isso eu falo de qualquer religião, é muito pífio, é insignificante, não tem profundidade, não tem um contexto histórico. É uma espiritualidade vazia”, analisa.
Para Campos, a ultradireita soube se apropriar dessa narrativa e cooptar pessoas com esse conhecimento dúbio sobre o cristianismo. “Assim começaram a criar outras figuras, outros seres, outras formas de interpretação. Então, acho que a extrema direita bolsonarista, junto com interpretações fundamentalistas, podemos até dizer equivocadas da Bíblia, acabam distorcendo todo esse campo religioso, e fazendo mau uso dele”.
Ela ressalta ainda, que precisamos lembrar que antes da criação do Estado de Israel em 1948, as três religiões viviam em harmonia na região. “Antes da ocupação da Palestina, da expulsão dos palestinos, a gente tem um histórico de uma convivência respeitosa entre cristãos, muçulmanos e judeus, isso em várias partes do mundo, seja na Síria, no Egito, enfim, a gente tem um histórico de boa convivência. havia festas religiosas e as pessoas se respeitavam mutuamente. Essa é uma forma de uso da religião, de uma instrumentalização religiosa muito equivocada, infelizmente, que gera todo esse conflito”.
Origem do conflito na região
Para compreender o atual cenário na região é necessário voltar no tempo. Governada, destruída, povoada e repovoada por diversos povos, dinastias e impérios, a Palestina foi conquistada pelo Império Otomano no século 16. A região que havia sido conquistada por Alexandre, o Grande, pelo Império Romano e pelo general Amr Ibn Al-As, vivenciou várias expressões de fé e viveu períodos de declínio e prosperidade ao longo dos séculos.
A Palestina fez parte do Império Otomano até 1917, quando passou a ser controlada pelo Reino Unido. Os britânicos se comprometeram a apoiar a formação de um reino árabe unificado.
Durante a Primeira Guerra Mundial britânicos e turcos chegaram a um acordo sobre o futuro da Palestina e da maioria dos territórios árabes na Ásia antes pertencentes ao Império Otomano.
No entanto, durante a Conferência de Paz de Paris, em 1919, as potências europeias vencedoras da Primeira Guerra impediram a criação do reino árabe unificado. Elas estabeleceram uma série de mandatos para que pudessem controlar e repartir toda a região. Assim, a região passou a integrar o Mandato Britânico da Palestina, autorizado pela Liga das Nações e se estendeu de 1920 até 1948.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, o Reino Unido decidiu transferir a decisão sobre a Palestina para a recém criada Organização das Nações Unidas (ONU). A ONU aprovou, em 1947, a Resolução 181, que dividiu a Palestina da seguinte forma: 55% do território para os judeus, Jerusalém sob controle internacional e o restante para os árabes (incluindo a Faixa de Gaza). Ao entrar em vigor em maio de 1948, a resolução pôs fim ao Mandato Britânico da Palestina e Israel declarou sua independência.
A crise econômica causada pela Guerra da Independência e a necessidade de sustentar uma população em rápido crescimento exigiram austeridade no país e ajuda financeira do exterior. A assistência prestada pelo Estados Unidos, os empréstimos de bancos americanos, as contribuições de judeus da Diáspora e reparações alemãs após a guerra foram usados para construir casas, mecanizar a agricultura, estabelecer uma frota mercante e uma companhia aérea nacional, além de favorecerem a exploração mineral, o desenvolvimento industrial e a expansão de rodovias, telecomunicações e redes elétricas.
Após seis dias de batalha, as antigas linhas de cessar-fogo foram substituídas por outras como Judeia, Samaria, Gaza, Península do Sinai e Colinas de Golã, sob controle israelense. A passagem para Israel através do Estreito de Tiran foi assegurada e Jerusalém, que estava dividida desde 1949 entre Israel e Jordânia, foi reunificada sob autoridade israelense. Desde o fim do conflito Israel ocupa a Faixa de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental. Esta ocupação desencadeou uma série de conflitos que chegaram até os dias atuais.
Evolução do território palestino – 1920 aos dias atuais
Foi na Faixa de Gaza que teve início uma série de conflitos armados, incluindo algumas das guerras que influenciaram a história recente da região. Entregue aos palestinos em 2005, a Faixa de Gaza passou a ser governada pelo partido Hamas, em 2007, enquanto a região da Cisjordânia ficou sob o governo da Autoridade Nacional Palestina (PNP), mas sob ocupação militar israelense.
A primeira intifada (levante) dos palestinos contra os israelenses na Faixa de Gaza ocorreu em 1987. No mesmo ano foi criado o partido islâmico Hamas, que se estenderia posteriormente a outros territórios ocupados.
Os Acordos de Oslo entre israelenses e palestinos, em 1993, criaram a Autoridade Nacional Palestina (ANP) e concederam autonomia limitada à Faixa de Gaza e partes da Cisjordânia ocupada. Após uma segunda intifada, mais violenta que a primeira, Israel retirou suas tropas e cerca de 7 mil colonos da Faixa de Gaza, em 2005.
No ano seguinte o Hamas venceu as eleições palestinas. Este resultado gerou uma violenta luta de poder em 2007 entre o Hamas e o partido Fatah, liderado pelo líder da ANP, Mahmoud Abbas. O grupo militante saiu vitorioso na Faixa de Gaza. Desde então, o Hamas mantém o poder na região, tendo sobrevivido a três guerras e a um bloqueio de 16 anos. O braço armado do partido, mais radical, faz oposição ostensiva a Israel.
Em comunicado no dia 22 de janeiro passado, o Hamas destacou essas origens históricas do conflito, afirmando que “a batalha do povo palestino contra a ocupação e o colonialismo não começou em 7 de outubro. A liderança do partido recordou que a luta palestina foi iniciada há 105 anos, incluindo os 30 anos de colonialismo britânico e os 75 anos de ocupação sionista, e pretende responsabilizar legalmente a ocupação israelense pelo sofrimento infligido ao povo palestino”.
Netanyahu isolado
O Primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu tem sofrido vários reveses, por conta de sua condução do conflito em Gaza, considerada equivocada e desastrosa por analistas de todo o mundo. Para permanecer no poder, o líder israelense tem levado o país a se embrenhar cada vez mais fundo em conflitos regionais secundários.
Em 01 de abril, Israel bombardeou e destruiu o consulado iraniano em Damasco, na Síria, e matou Mohammed Reza Zahedi, comandante da Guarda Revolucionária, a força de elite que protege o regime iraniano, além de outros alvos militares e civis. O motivo estaria ligado ao conflito em Gaza. De acordo com o governo israelense, o Irã é o principal financiador do Hamas e de outros grupos extremistas islamitas.
No mesmo dia, mais um ataque israelense deixou líderes de todo o mundo em alerta. Desta vez, um drone israelense atingiu o carro onde funcionários da World Central Kitchen, ONG do chef espanhol José Andrés, estavam. O ataque vitimou sete voluntários. A organização não governamental havia acabado de levar uma carga de alimentos ao território palestino, horas antes do bombardeio. A entidade é uma das principais fornecedoras de alimentos à Faixa de Gaza desde o início da guerra. O premiê admitiu a culpa de Israel e disse que incidentes como este “’Acontecem em guerras’. “Infelizmente, no último dia houve um caso trágico em que as nossas forças atingiram involuntariamente pessoas inocentes na Faixa de Gaza. Acontece em guerras, e estamos verificando até o fim, estamos em contato com os governos, e tudo faremos para que isso não aconteça novamente”, declarou Netanyahu. Segundo a ONG, entre os mortos há três cidadãos do Reino Unido, um da Austrália, um dos Estados Unidos, um da Polônia, e um palestino. A World Central Kitchen é uma das mais atuantes em Gaza. Os dois veículos que transportavam as vítimas e que foram atingidos tinham o logotipo e o nome da ONG desenhados no teto e circulavam sozinhos em uma via de uma área sem conflitos. “Este não é apenas um ataque contra a World Central Kitchen, é um ataque a organizações humanitárias que se apresentam nas situações mais terríveis, em que os alimentos são usados como arma de guerra. Isso é imperdoável”, disse o CEO da ONG, Erin Gore.
Nem mesmo o governo americano, aliado de Israel, tem poupado críticas e conseguido fechar os olhos para o que acontece em Gaza. O presidente americano Joe Biden disse estar “Indignado” com o ataque de Israel ao veículo de transporte da ONG World Central Kitchen e cobrou uma investigação “rápida” e que “traga responsabilidade”. Biden está em ano eleitoral e passou a ser acusado por sua própria base de ser cúmplice pelas mortes de palestinos.
Em balanço realizado pela Federação Internacional de Jornalistas (FIJ), desde o início do conflito 109 jornalistas e trabalhadores de meios de comunicação perderam suas vidas: 102 palestinos, 4 israelenses e três libaneses. Com estes dados, a Guerra em Gaza se configura como um dos conflitos mais mortais da história para os meios de comunicação e apresenta grave risco para a liberdade de imprensa.
Segundo dados do Serviço Prisional Israelense divulgados pela Human Rights Watch, as autoridades do país mantinham, até 1º de dezembro, 2.873 palestinos em detenção administrativa, sem acusação ou julgamento, com base em informações secretas. Já a organização palestina de direitos humanos Addameer afirma que, até novembro de 2023, a população carcerária palestina em unidades carcerárias administradas por Israel tinha um total de 7.000 palestinos presos. A lista inclui 80 mulheres e 200 crianças menores de 18 anos.
Números da guerra
Após seis meses de conflito, os números do conflito em Gaza falam por si. Segundo levantamento da BBC Brasil, até o 175º dia de guerra, pelo menos, 32.623 pessoas tinham morrido e 75.092 tinham sido feridas, de acordo com o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA, na sigla em inglês), a maioria das vítimas é de mulheres e crianças.
Ainda segundo a ONU, 85% da população no setor sitiado, onde vivem mais de 2,3 milhões de pessoas, foi forçada a deixar suas casas devido à destruição de infraestrutura e a falta de alimentos, água, combustível e eletricidade na região. “Prevê-se que metade da população da Faixa de Gaza (1,11 milhões de pessoas) enfrente condições catastróficas no que diz respeito à segurança alimentar”, afirmou um relatório elaborado pela ONG Integrated Food Security Phase Classification (IPC), que fornece à governos, à ONU e às agências de ajuda humanitária dados apolíticos sobre a fome no mundo.
Imagem: reprodução/BBC
Mais de 196 trabalhadores humanitários foram mortos em Gaza desde outubro, de acordo com a Aid Worker Security Database, entidade financiada pelos EUA que registra incidentes de violência contra agentes humanitários. Além destes, há os jornalistas mortos já citados nesta matéria.
Do lado Israelense, cerca de 600 soldados morreram desde os ataques de 7 de outubro. Nesse dia, 253 pessoas foram sequestradas. Acredita-se que cerca de 130 reféns ainda estejam detidos em Gaza, dos quais, pelo menos, 34 são considerados mortos, afirmam autoridades de Israel.
Em 1º de abril de 2024, o golpe militar que depôs João Goulart completa 60 anos. Durante 21 anos (1964-1985), o Brasil viveu sob um regime que, além de atentar contra o Estado Democrático de Direito, privilegiou interesses empresariais e militares e promoveu graves violações de direitos humanos.
Na última década, com a popularização das mídias sociais, algumas interpretações distorcidas sobre a ditadura militar brasileira ganharam adeptos e passaram a ocupar o debate público. Nesse contexto, há disseminação de desinformação sobre ditadura e religião no Brasil.
Na marca de 60 anos do golpe, Bereia relembra checagens e artigos que produziu sobre o tema.
Não é possível afirmar que o coronel Ustra tenha sido presbiteriano
Publicações de perfis evangélicos nas redes digitais afirmavam, em outubro de 2020, que o coronel do Exército e comandante da tortura de presos da ditadura militar no Brasil Carlos Alberto Brilhante Ustra, tratado como herói pela extrema-direita e exaltado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, seria integrante da liderança da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), o que Bereia classificou como informação imprecisa.
Após verificação dos fatos, ficou esclarecida a impossibilidade de confirmar a fonte da informação propagada pelo teólogo e pastor da Igreja Presbiteriana Unida (IPU) Zwinglio Motta Dias, durante palestra na Universidade Metodista de São Paulo (UMESP) em 2014, e anteriormente, em um capítulo de sua autoria no livro ‘Cristo e Processo Revolucionário Brasileiro’, publicado em 2012.
A checagem produzida pela editora-geral Magali Cunha, com a colaboração de André Mello, também incluiu a verificação dos materiais produzidos pela Comissão Nacional da Verdade, por meio da qual foi possível encontrar o depoimento de uma das vítimas torturadas pelo regime militar, quem teria afirmado ter ouvido do próprio Ustra, que este seria metodista como ela. Também não foram encontradas provas contundentes de sua vinculação à denominação evangélica.
Por fim, o texto apresenta o histórico de cerimônias católicas associadas à morte do coronel, o linguajar característico do Catolicismo adotado por ele, e uma declaração pessoal de sua fé católica feita a jornalistas da revista Época, em 2008, como indícios da ligação do militar, agente da ditadura, com a Igreja Católica.
A ameaça comunista e outras mentiras sobre o golpe
Em abril de 2021, após chamado do governo Jair Bolsonaro para as comemorações dos 57 anos do início da ditadura militar, líderes religiosos e fiéis exaltaram o golpe em espaços digitais religiosos. Os argumentos mentirosos mais comuns que circularam tentavam sustentar que o golpe teria ocorrido para “salvar” o Brasil da implantação do comunismo.
À época, Bereia reproduziu conteúdo publicado pelo UOL Confere que desmentiu, com auxílio de historiadores especialistas em ditadura militar, a existência de uma ameaça comunista no Brasil. Conforme contribuição do historiador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Carlos Fico, as tentativas de implantar o comunismo foram tímidas e sem apoio da população, e não chegaram a constituir uma ameaça.
A mesma publicação, assinada pela editora-geral do Bereia Magali Cunha, veiculou o material “10 mentiras sobre a ditadura militar no Brasil”, produzido pela Associação de Docentes da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (Adur-RJ). Entre as falácias desmentidas estão a ideia de que não houve corrupção na ditadura, de que a tortura não foi uma política de Estado, de que não havia violência urbana no período ditatorial, entre outras.
A ditadura militar fechou, sim, igrejas, deputado!
Em abril de 2021, Bereia publicou artigo de opinião assinado por Leonardo Viana e intitulado “A ditadura militar fechou, sim, igrejas, deputado!”. O artigo é uma resposta à declaração do deputado federal Marco Feliciano (então filiado ao Republicanos-SP, hoje filiado ao PL-SP) de que a “revolução” militar não teria fechado igrejas.
Viana demonstra informações que constam no relatório final da Comissão Nacional da Verdade e comprovam diversos ataques a pessoas e instituições religiosas. Destacam-se: violência contra 352 cristãos, assassinato de 18 católicos (entre eles, três padres), prisão de 27 evangélicos (com tortura na maioria dos casos), assassinato ou desaparecimento de sete evangélicos, fechamento de duas Faculdades de Teologia.
O artigo traz, ainda, alguns relatos de fiéis que contam sobre o fechamento de igrejas presbiterianas em Vitória (ES) e no Rio de Janeiro (RJ), ao contrário do que defendeu o deputado federal evangélico Marco Feliciano.
Falsa narrativa da ameaça comunista continua circulando nas mídias sociais
Em março de 2023, matéria assinada por Gabriella Vicente e João Pedro Capobianco mostrou que lideranças religiosas e políticos conservadores continuavam a propagar conteúdo falso sobre suposta “ameaça comunista”, desta vez associada ao atual governo federal liderado por Lula da Silva (PT).
O conteúdo traz pesquisa da doutora em linguística pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Bethania Mariani, que explica as origens da retórica de “ameaça comunista” ainda na década de 1920, no imediato pós-Revolução Russa.
Além de evidenciar a desinformação veiculada por personalidades e perfis religiosos em mídias sociais, Bereia demonstrou como o tema da “ameaça comunista” é amplamente explorado em contextos de desinformação e espalham pânico moral associado às ideologias de esquerda.
Filho de sindicalista morta pela ditadura desinforma sobre história da mãe
Bereia checou, em abril de 2022, a declaração de José de Arimatéia Alves, filho da sindicalista e mártir da luta camponesa Margarida Alves, assassinada na Paraíba durante o regime militar, sobre a reparação e indenização à família pelo crime que vitimou sua mãe, por parte do governo Bolsonaro.
Alves, que é pastor da Assembleia de Deus, se disse agradecido ao governo Bolsonaro pela reparação e indenização do crime, durante cerimônia de filiação ao Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), em 17 de março de 2022. Naquele ano filiou-se ao partido aliado do então governo, e candidatou-se a deputado estadual pela Paraíba.
Dias antes, o candidato já havia citado Sérgio Queiroz, então pré-candidato a senador pelo PRTB e integrante do segundo escalão do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos do governo Bolsonaro, como responsável pela resolução do caso que perdurava 20 anos, em discurso durante evento pelo Dia Internacional da Mulher, em João Pessoa.
No entanto, conforme levantado por reportagem de Magali Cunha e Xênia Casséte, a declaração de Alves é enganosa, por fazer uso de sensacionalismo para conquista de audiência em favor do então presidente Jair Bolsonaro, em ano de eleição, e não contextualizar que se tratou do cumprimento de uma decisão judicial, resultante de ações de diversas entidades e órgãos durante mais de 20 anos.
Comunismo vs. patriotismo: desinformação em espaços religiosos
Levantamento do Bereia, realizado entre o período eleitoral iniciado em 2021 e 2 de outubro de 2022, apontou que o pânico associado ao comunismo, falso argumento utilizado largamente durante o regime militar e que cresceu em importância com amplos significados na sociedade brasileira desde então, permeia os cinco temas identificados como mais recorrentes em conteúdos falsos e enganosos disseminados em espaços digitais religiosos.
A matéria ‘Comunismo e “ameaça comunista” vs. patriotismo é argumento que embasa temas com mais desinformação em espaços religiosos nas eleições’ aponta que a “ameaça comunista” é tema presente nas disputas políticas intensificadas pela imprensa brasileira desde os anos 1920, e especialistas defendem que há documentos do Exército que comprovam que o país nunca correu este risco.
De acordo com texto de Hugo Silva e Diego Custódio, pesquisa do UOL Confere relatou que um informe do Serviço Nacional de Informações (SNI) já citava o desgaste do comunismo na Europa Ocidental e os militares também concluíram que não havia clima para a instalação do comunismo no Brasil, enquanto o historiador e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Carlos Fico disse à BBC, em 2019, que as tentativas de implementar o comunismo no Brasil foram movimentos inexpressivos e não contavam com o apoio majoritário da população.
A pesquisa concluiu que, quando associado à religião, o termo ‘ameaça comunista’ assume o papel de enfrentamento moral/espiritual, e é colocado como afronta à família e à Igreja ao ligar-se a temas como perseguição religiosa e direitos sexuais e reprodutivos.
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O golpe militar de 1964 foi dado com base em desinformação e pânico moral sobre uma inexistente “ameaça comunista”. Lamentavelmente, esta estratégia política persiste e se fortaleceu com as mídias digitais. A tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023 é o mais forte exemplo da continuidade dessa estratégia e serve como alerta para as graves consequências políticas da desinformação.
Nesta oportunidade dos 60 anos do golpe militar de 1964, Bereia conclama leitores e leitoras à leitura crítica e ponderada dos fatos e de discursos políticos, especialmente daqueles que ocupam rapidamente os espaços digitais e utilizam o pânico moral como estratégia de mobilização.
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Foto de capa: Marcha da Família Com Deus Pela Liberdade, 1964/Memorial da Democracia
O deputado federal evangélico Hélio Lopes (PL-RJ) publicou no X, em 4 de março, conteúdo referente ao Projeto de Lei do governo federal para regularização e garantia de direitos a motoristas de aplicativo. Na legenda o deputado publicou: “Na ânsia da regulação, o desgoverno não mede o desemprego que suas médias vão gerar e nem os investimentos que deixarão de atrair! Dito governo dos mais pobres, né?!”
Imagem: reprodução / X
A legenda estava relacionada a uma foto retirada de matéria do veículo da extrema-direita Terra Brasil Notícias. O título da matéria, publicada no mesmo dia, dizia: “‘Encerrar atividades’: essa é a resposta dos aplicativos de delivery que classificam como ‘inaceitável’ proposta do governo; ENTENDA”.
Bereia verificou que a matéria reproduzida repercute conteúdo do site Poder 360 publicado dois dias antes .
Imagem: Site Terra Brasil Notícias
A matéria do Poder 360 afirma : “Aplicativos de delivery classificam a possibilidade de pagamento mínimo de R$ 25,00 por hora trabalhada a entregadores como ‘inaceitável’. A avaliação entre empresas como iFood e Rappi é de que o custo as levaria ao encerramento das atividades, conforme apurou o Poder360. Só o iFood teria cerca de 500 mil entregadores afetados. Também há questionamentos em relação à contribuição previdenciária que incidiria sobre as empresas (20%), que não contaria para a aposentadoria do trabalhador”.
Poder 360 não cita nomes de supostos entrevistados, nem fontes ou links que comprovem tais afirmações.
Imagem: Site Poder360
O que diz o Projeto de Lei enviado pelo Governo
Em cerimônia realizada no Palácio do Planalto, em 4 de março, o presidente Luis Inácio Lula da Silva (PT) assinou o Projeto de Lei Complementar (PLC) que regulamenta os serviços prestados por trabalhadores de aplicativos no país. Foi esta a data da publicação do deputado Hélio Lopes.
De acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), do governo federal, “o documento aponta para a criação de mecanismos previdenciários e melhoria das condições de trabalho, a partir de quatro eixos: remuneração, previdência, segurança e saúde e transparência. O PLC será enviado ao Congresso Nacional e, caso seja aprovado, entrará em vigor no primeiro dia do quarto mês subsequente ao da publicação”.
O projeto vinha sendo estudado pelo Grupo de Trabalho Tripartite, criado em maio do ano passado e coordenado pelo MTE, que contou com representantes dos trabalhadores, das empresas e do governo federal.
O MTE relata que o trabalho foi acompanhado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), Ministério Público do Trabalho (MPT), e outros.
Estudo divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no mesmo dia, trouxe um panorama do trabalho por meio de plataformas digitais no Brasil e apresentou os problemas que enfrentam os trabalhadores. “O trabalho principal por meio de aplicativos de transporte de passageiros em ao menos um dos tipos analisados de táxi ou excluindo táxi, alcançou 52,2%, ou 778 mil do total de trabalhadores de plataformas”, diz o estudo.
O trabalho do IBGE foi resultado do “inédito módulo Teletrabalho e Trabalho por Meio de Plataformas Digitais da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua”. Esta pesquisa mostrou ainda que no quarto trimestre de 2022, “o Brasil tinha 1,5 milhão de pessoas que trabalhavam por meio de plataformas digitais e aplicativos de serviços”.
A nova categoria
O ministro do Trabalho e Emprego Luiz Marinho disse que desde o ano passado, “a mesa tripartite debateu a regulamentação para trabalhadores que prestam serviços por meio de plataformas de transporte de pessoas. O resultado foi a criação de uma nova categoria: “trabalhador autônomo por plataforma”. Segundo o ministro, essas pessoas passam agora a ter proteção social, com acesso a vários benefícios trabalhistas como outros trabalhadores do país.
Luiz Marinho ainda explicou na ocasião: “O mercado de trabalho brasileiro sofreu um grande retrocesso entre 2016 e 2022 no Brasil nas relações de trabalho e nas leis trabalhistas, empurrando os trabalhadores para informalidade […] estamos reorganizando esse mercado para que esses trabalhadores tenham seus direitos assegurados e para que os empregadores também tenham segurança jurídica”.
As propostas apresentadas no PLC, que o presidente Lula assinou em 4 de março, para encaminhamento ao Congresso Nacional são fundamentalmente:
Cobertura dos custos – Para cada hora efetivamente trabalhada, será pago um valor de R$ 24,07/hora, destinado a cobrir os custos da utilização do celular, combustível, manutenção do veículo, seguro, impostos, entre outros. Esse valor é indenizatório e não compõe a remuneração.
Previdência – Os trabalhadores e trabalhadoras serão inscritos obrigatoriamente no Regime Geral da Previdência Social (RGPS), com regras específicas para o recolhimento da contribuição de cada parte (empregados e empregadores):
1) Os trabalhadores irão recolher 7,5% sobre os valores referentes à remuneração (que compõe 25% da hora paga, ou seja, R$ 8,03/hora);
2) Os empregadores irão recolher 20% sobre os valores referentes à remuneração (que compõe 25% da hora paga, ou seja, R$ 8,03/hora);
As empresas devem realizar o desconto e repassar para a Previdência Social, juntamente com a contribuição patronal.
Auxílio maternidade – As mulheres trabalhadoras terão acesso aos direitos previdenciários previstos para os trabalhadores segurados do INSS.
Acordo coletivo tripartite – O trabalhador em aplicativo será representado por entidade sindical da categoria profissional “motorista de aplicativo de veículo de quatro rodas”. As entidades sindicais terão como atribuições: negociação coletiva; assinar acordo e convenção coletiva; e representar coletivamente os trabalhadores nas demandas judiciais e extrajudiciais de interesse da categoria.
O Grupo de Trabalho Tripartite que elaborou as propostas foi composto por:
Centrais sindicais: Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Central Única dos Trabalhadores (CUT), Força Sindical (FS), Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST) e a União Geral dos Trabalhadores (UGT).
Representantes das empresas: Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), iFood, Uber, Zé Delivery, Lalamove, Movimento de Inovação Digital (MID), Mercado Livre, Rappi, 99, inDrive, Mercado Livre, Rappi, Associação Latino-Americana de Internet (Alai).
A posição das empresas de aplicativo sobre o Projeto de Lei
Bereia verificou o posicionamento das principais empresas cujos modelos de negócios são baseados em aplicativos.
A Uber, destacada no ramo do transporte de passageiros, declarou em nota:
“A Uber considera a proposta elaborada pelo Grupo de Trabalho Tripartite do governo federal como um importante marco visando a uma regulamentação equilibrada do trabalho intermediado por plataformas. O projeto amplia as proteções desta nova forma de trabalho sem prejuízo da flexibilidade e autonomia inerentes à utilização de aplicativos para geração de renda.
A empresa valoriza o processo de diálogo e negociação entre representantes dos trabalhadores, do setor privado e do governo, culminando na elaboração dessa proposta, a qual inclui consensos como a classificação jurídica da atividade, o modelo de inclusão e contribuição à Previdência, um padrão de ganhos mínimos e regras de transparência, entre outros.”
O Ifood, principal empresa de entrega de alimentos por aplicativo, emitiu nota em que afirma “sua posição ativa nas negociações e apoio contínuo à regulamentação do trabalho em plataformas.” O texto afirma também::
“A última proposta feita pelo próprio Ministro Marinho, com ganhos de R$17 por hora trabalhada, foi integralmente aceita pelo iFood. Depois disso, o governo priorizou a discussão com os motoristas, que encontrava menos divergência na bancada dos trabalhadores.
A empresa reforça que apoia desde 2021 a regulação do trabalho intermediado por plataformas e busca uma regulamentação para delivery que atenda as particularidades e necessidades diferentes dos motoristas, visando proteger os entregadores e preservar a sustentabilidade de seu ecossistema…”
Imagem: Site do Ifood
Já a nota da plataforma Mercado Livre, uma das maiores do ramo de venda e entrega de produtos pela internet, publicada no site de notícias CNN, afirma:
“Apesar de ainda não ter tido acesso ao texto da proposta em questão, o Mercado Livre segue aberto ao diálogo e continuará trabalhando colaborativamente nesta agenda a partir das diferentes frentes nas quais já está presente.”
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Bereia classifica a publicação do deputado federal evangélico Hélio Lopes (PL-RJ) sobre a regulamentação do trabalho de motoristas e entregadores por aplicativos, verificadas nesta matéria, como falsa. Como verificado pelo Bereia, a publicação repercutida por Hélio Lopes, não tem base em fatos. O parlamentar da extrema-direita tenta convencer seguidores que o Projeto de Lei do governo deve gerar desemprego, criando pânico por meio de desinformação.
Com base em notícias enganosas do site Terra Brasil Notícias e do Poder 360, Helio Lopes quer fazer crer que as empresas de serviços por aplicativos não aceitariam a proposta do governo, por recusarem o teor do projeto. Entretanto, as empresas participaram da discussão do GT que indicou o conteúdo do PL e se manifestaram positivamente sobre ele. Portanto, é falso o conteúdo de pânico em torno de um suposto aumento do desemprego que seria acarretado ao mercado de trabalho brasileiro como resultado do movimento do governo em prol dos direitos de trabalhadores de empresas serviços por aplicativos.
* Checagem publicada em três partes. Veja aqui a parte 1 e a parte 2
Veja abaixo a terceira parte da checagem na qual Bereia analisou, quadro a quadro, tabela que circula nas redes disseminando desinformação sobre supostos posicionamentos políticos e atitudes comportamentais. Bereia alerta para a fundamental necessidade de se checar as fontes dos conteúdos que circulam na internet e analisá-los criticamente, para que estratégias de desinformação sejam efetivamente combatidas. A síntese feita pelo quadro buscava reforçar a polarização entre direita x restante do campo político.
Imagem: reprodução propositalmente desfocada
Sem liberdade individual x liberdade individual
Historicamente, a defesa das liberdades individuais, também conhecidas como liberdades civis, ganhou força na Modernidade com o Iluminismo, os Humanismos e a Revolução Francesa, a partir do século 18. O professor da Universidade Federal do Espírito Santo Victor Gentilli explica que a noção moderna de liberdade entende o direito de ir-e-vir, o direito de escolher, o direito à privacidade, o direito de não ser preso, de não ser torturado. Enfim, a liberdade era vista pelos antigos como alguma coisa vinculada à esfera pública, enquanto para os modernos o conceito de liberdade é hoje nitidamente vinculado à esfera privada.
A cientista política estadunidense Wendy Brown, na obra “Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no ocidente” (Editora Filosófica Politéia, 2019), explica que as estas noções de liberdade formuladas por agentes influenciadores neoliberais, deram base para a extrema direita política mobilizar um discurso de liberdade que justifica exclusões e violações que reasseguram privilégios históricos da hegemonia branca, masculina e cristã, além de expandir o poder do capital. Para a pesquisadora, esta noção de liberdade “demoniza o social, rotula a esquerda como tirânica em sua preocupação com a justiça social e, ao mesmo tempo, coloca-a como a responsável pelo esgarçamento do tecido moral e por premiar quem não merece”.
Wendy Brown afirma que esta propagada liberdade contribui para o desmantelamento das democracias com a demonização das propostas de justiça social em nome da liberdade, dos mercados e dos valores morais. Nesta trilha, a cientista política aponta como especialmente problemática a relação entre liberdade de expressão e liberdade religiosa no neoliberalismo. Ela expõe a estratégia de se usar a ideia de liberdade como instrumento para promover a desregulamentação dos mercados e barrar iniciativas antidiscriminatórias. Nesta direção, o indivíduo deve gozar de uma “liberdade ilimitada que desconhece limites éticos”, como direito de espalhar mentiras e falsidades pelas redes digitais até ofender e caluniar desafetos e opositores.
A postagem checada pelo Bereia, ao atribuir “sem liberdade individual” às esquerdas políticas e “com liberdade individual” à direita, expõe os elementos expostos na análise de Wendy Brown. Porém, a pesquisadora alerta que, ao mesmo tempo há contradição nesta proposição com o uso do termo “liberdade” pois “os grupos extremistas que clamam por ela não toleram o pluralismo, abominam a diversidade de modos de vida e atuam para impor seus valores a toda a sociedade”. Brown indica que neste sistema de valores da liberdade individual estão no centro “o rancor, a reprimenda e a vingança” e um desejo de negar tudo: “a crise climática, o racismo, a afirmação de direitos a mulheres e à comunidade LGBT, a esfericidade da terra”, entre outros.
Educação doutrinadora X educação de excelência
A publicação checada pelo Bereia atribui a ideia de “educação doutrinadora” às esquerdas políticas e a de “educação de excelência” à direita. Tal proposição tem relação com a ideologia que emergiu, recentemente, no Brasil, denominada “Escola Sem Partido” (ESP).
A professora da Universidade Federal de Juiz de Fora Andréa Silveira de Souza explica que ESP “é um programa e um projeto de lei oriundo de um movimento político surgido no Brasil em 2003, no âmbito da sociedade civil, capitaneado pelo procurador paulista Miguel Nagib. No contexto do surgimento, a principal pauta do ESP era o combate ao que Nagib denominou ‘doutrinação política e ideológica’ de crianças e jovens nas escolas brasileiras”.
Andréa Silveira mostra que segundo o procurador e os defensores do programa, a “‘doutrinação’ estaria sendo promovida por professores e professoras que, ardilosamente, se valem da ‘audiência cativa’ de estudantes vulneráveis nas salas de aula para promover uma suposta doutrinação a qual classificam como comunista ou ‘de esquerda’.
A pesquisadora explana que por “doutrinação” entenda-se “toda e qualquer informação que seja diversa daquela que é preservada pelas famílias dos e das estudantes, as quais fazem parte da pluralidade de ideias que caracteriza os conhecimentos e os currículos de diferentes componentes para uma formação escolar ampla e cidadã”.
Andréa Silveira acrescenta que “compreender o ESP significa compreender que ele é um dispositivo jurídico que, assimilado por grupos religiosos fundamentalistas, reverbera um certo tipo de ideologia religioso-política pautada pela perseguição de educadores e educadoras, pela supressão do reconhecimento e do diálogo entre as alteridades, e cuja pretensão é garantir pela força da lei o apagamento da pluralidade de ideias, da liberdade e da diversidade em uma das principais instituições da vida moderna, a escola”.
A publicação que o Bereia verificou atribui “doutrinação” apenas às esquerdas políticas, eximindo a direita de tal prática, o que não é verdade. Segundo a Enciclopédia do Holocausto, durante o regime nazista, professores considerados “não confiáveis politicamente” foram expulsos das escolas públicas e os que permaneceram foram associados a Liga de Professores ligada ao partido e ensinavam aos alunos, primordialmente, o amor a Hitler, o militarismo e o racismo.
Conforme apontado pelo Centro de Referências em Educação Integral, durante a ditadura militar no Brasil “foram excluídas as aulas de Sociologia e Filosofia do currículo básico dos estudantes e também foram promovidas alterações importantes em outras disciplinas, notadamente as de humanas, como História e Geografia” com o objetivo de “consolidar outra visão de História, na qual o nacionalismo era ressaltado”.
Mais recentemente, no governo de direita de Jair Bolsonaro, foram implantadas as escolas cívico-militares com a justificativa de promover melhorias nos índices educacionais do país, no entanto,Bereia checou informações e identificou que o programa carecia de ajustes e justificativas técnicas para ser considerado totalmente eficiente.
Relativismo x objetivismo e lógica
O Relativismo é uma corrente filosófica que compreende o conhecimento humano como uma variável, a depender de contexto histórico, cultural, social, político, econômico e temporal. Fortalecido a partir do movimento pós-modernista, em meados da década de 1960, está presente em diversas áreas, como cultural, moral e científica.
O filósofo Friedrich Nietzsche é considerado um dos precursores do movimento, autor da frase que traduz a filosofia relativista em poucas palavras: “Não há fatos, apenas interpretações”.
O Objetivismo, por sua vez, descarta a subjetividade do existir humano. Nas palavras de Ayn Rand, romancista e roteirista de filmes para Hollywood, quem estruturou esta vertente filosófica, “a realidade existe como algo absoluto e objetivo: fatos são fatos, independentemente das emoções, desejos, esperanças ou medos dos homens. A razão (a faculdade que identifica e integra o material fornecido pelos sentidos do homem) é o único meio do homem de perceber a realidade, a sua única fonte de conhecimento, o seu único guia para a ação e o seu meio básico de sobrevivência”.
A alegação contra o Relativismo é que esta filosofia vai contra verdades e fatos, ou seja, padrões estabelecidos, segundo ela, lógicos e fundamentados.
Conforme os estudos da cientista política Camila Rocha, o Objetivismo é uma das bases que orientam o que se pode denominar nova direita brasileira. Além de grupos como o Movimento Brasil Livre e o Partido Novo, há articulações que se estabeleceram para difundir ideias conservadoras ou de matriz liberal alinhadas à direita política. Entre elas estão: o Instituto de Estudos Empresariais, o Instituto de Formação de Líderes, o Instituto Mises Brasil, o Instituto Millenium, o Instituto Liberal, o Lola Brasil, que pretende engajar mulheres, entre outros.
Boa parte destes grupos e movimentos, se baseia em ideias liberais clássicas, do século 17, a partir de pensadores como John Locke, até autores do século 20 como Ludwig von Mises e Friedrich Hayek. Outros defendem ideias de diferentes vertentes como o Objetivismo, de Ayn Rand, também Minarquismo, de Robert Nozick, o Anarcocapitalismo, de Murray Rothbard, todos autores famosos na lista de “defensores da liberdade”.
Quem produziu a publicação checada pelo Bereia se revela adepto da nova direita brasileira, da vertente objetivista, e nela expõe sua ideologia/filosofia, não uma informação.
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Bereia classifica a publicação na forma de um quadro sem autoria, que consiste em uma tabela comparativa entre Nazismo, “esquerda” e “direita” como informação FALSA. O material é um conjunto de expressões opinativas, de caráter ideologizado, não têm substância factual. É desinformação sem base comprobatória, identificado com a direita política. É conteúdo fabricado para parecer informação, porém se constitui um panfleto de campanha anti-esquerdas.
Referências de checagem:
VIZENTINI, P. F. A Guerra Fria: o desafio socialista à ordem americana. Porto Alegre: Leitura XXI, 2004
* Checagem publicada em três partes. Veja aqui a parte 1 e a parte 3
Bereia analisou, quadro a quadro, tabela que circula nas redes disseminando desinformação sobre supostos posicionamentos políticos e atitudes comportamentais. Bereia alerta para a fundamental necessidade de se checar as fontes dos conteúdos que circulam na internet e analisá-los criticamente, para que estratégias de desinformação sejam efetivamente combatidas. A síntese feita pelo quadro buscava reforçar a polarização entre direita x restante do campo político.
Esta divisão ideológica do tema pode ser desmentida pelo levantamento da Organização Mundial de Saúde sobre as políticas em relação ao aborto nos diferentes países do mundo. Tendências políticas tanto de esquerda, quanto de direita e de centro governam países que aprovam o aborto, desde por exclusiva solicitação da mulher, para preservar sua saúde física ou mental, por conta de violência sexual, por anomalia fetal grave.
Outro ponto a ser considerar, apesar das estratégias discursivas de tratar do assunto pelo viés moral, as discussões sobre aborto consideram questões de saúde pública, relacionadas às condições de vida e bem-estar de mulheres e direitos reprodutivos, por exemplo. Segundo uma das autoras da Pesquisa Nacional de Aborto (PNA), Débora Diniz, mesmo com queda nos registros, estima-se que meio milhão de abortos tenham sido realizados no Brasil em 2021, sendo que 57% foram realizados sem hospitalização.
Dados da PNA de 2021 divulgados pela Gênero e Número mostram que mulheres de diversas origens, escolaridades e práticas religiosas realizam abortos todos os anos, não havendo vínculo político-ideológico relacionado à prática. “A gente precisa falar com mais tranquilidade e menos estigma para que as pessoas possam compreender o aborto como uma necessidade de saúde, que é o que ele é”, afirma a ginecologista do Núcleo de Atenção Integral a Vítimas de Agressão Sexual (Nuavidas) do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) Helena Paro.
Desarmamentismo x cidadãos armados
A noção, defendida na postagem checada pelo Bereia, de que o regime nazista promoveu uma política desarmamentista e que, portanto, se os judeus perseguidos tivessem mais armas, estariam em condições de lutar contra seus perseguidores, é de difícil comprovação. Associar a figura de Adolf Hitler ao desarmamentismo é estratégia antiga, desvendada pelo professor da Universidade de Columbia Bernard Harcourt, em seu artigo “Sobre registro de armas, a NRA, Adolf Hitler e as leis nazistas sobre armas: Explodindo as guerras culturais com armas (um apelo aos historiadores)”.
Artigo de Adam Geller, para a Associated Press (AP) destaca, em primeiro lugar, que o debate atual sobre controle de armas não se aplica ao cenário da Alemanha no entreguerras, por diversos motivos. Em entrevista à AP, o historiador Steve Paulsson, descendente de sobreviventes do holocausto, acredita que, se judeus perseguidos tivessem mais armas à época, “poderia ter piorado as coisas”. Em suma, o debate sobre controle de armas durante a Alemanha nazista está longe de um consenso.
Em relação ao debate contemporâneo, estudos recentes mostram a correlação entre o maior número de armas de fogo à disposição da sociedade e o aumento da violência. Reportagem do jornal eletrônico Nexo sobre o tema destaca pesquisa do National Bureau of Economic Research, ligado ao governo dos Estados Unidos, que aponta o crescimento de 13% a 15% dos crimes violentos em locais que adotaram legislações mais permissivas. A facilidade de acesso a armas também aumenta casos de suicídio, feminicídio e mortes de crianças.
Ditadura/opressão x democracia/liberdade
Um dos pontos da publicação checada pelo Bereia atribui “ditadura/opressão à esquerda política” e “democracia/liberdade” à direita. Esta afirmação é desprovida de qualquer base analítica. Assim como um Estado absoluto, pela mesma razão, uma ditadura também pode ocorrer tanto em governos à direita como à esquerda. O Nazismo é um conhecido símbolo de um regime ditatorial de direita, apesar de pontuais tentativas de associar o Fascismo na Alemanha a um regime à esquerda, como neste conteúdo aqui checado, terem surgido no Brasil nos últimos anos.
Segundo o Dicionário de Política, de autoria do intelectual italiano Norberto Bobbio, ditadura é um regime caracterizado pela concentração absoluta do poder e pela subversão da ordem política anterior. Historicamente, os ditadores tomam o poder por meio de um golpe que destitui a governança em curso, como no caso dos militares no Brasil e a tentativa de Hitler em 1923.
A ditadura nazista teve na pessoa de Hitler a expressão do autoritarismo. O Partido Nazista era o único permitido na Alemanha e o parlamento existia apenas para confirmar as determinações do ditador, a base da política de governo. Como todo regime ditatorial, além da política e da economia, a educação, a cultura e as leis do país passaram a ser controladas pelo Nazismo, restringindo a liberdade dos cidadãos.
As características de governo do Nazismo alinham-se às premissas do posicionamento político de extrema-direita. No Brasil, a Ditadura Militar foi a maior expressão deste posicionamento político. Durante os 21 anos do regime militar, 17 atos Institucionais (AI), a Lei de Segurança Nacional e a Lei de Imprensa garantiram a concentração do poder nas mãos dos militares, a permanência destes no poder e a privação da liberdade dos brasileiros. Esta ditadura foi estabelecida no Brasil, após um golpe militar destituir um governo de esquerda liderado por João Goulart, filiado ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).
Segundo o cientista político português António Costa Pinto, uma autoridade no tema, autor da obra “O regresso das ditaduras?” (Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2021), estes regimes ocupam, atualmente, mais de um terço de governos no mundo. O autoritarismo é a forma de governo dominante em potências como a Rússia, a China ou em países como a Arábia Saudita, a Venezuela, a Hungria, a Turquia, Coreia do Norte, Angola, entre outros. Costa Pinto afirma que, quando a política contemporânea é considerada, não é possível afirmar que os regimes autoritários estejam novamente em crescimento, porém é certo que o regime democrático enfrenta uma dinâmica de crise associada à emergência da direita radical (extrema-direita).
Para o cientista político português há características que afastam e aproximam as diversas ditaduras da época fascista, como a do fascismo italiano, e distingue ditaduras socialistas, ditaduras militares e outras ditaduras. Costa Pinto reconhece que hoje o mundo vive uma erosão democrática por conta da chegada ao poder de líderes populistas de direita radical como Jair Bolsonaro no Brasil e chama a atenção para uma diferença fundamental desta nova forma de acesso ao poder.
Enquanto no passado, segundo o pesquisador, a ascensão das ditaduras resultou de uma aniquilação imediata da democracia, na atualidade os regimes autoritários chegam legalmente ao poder, disfarçam-se de democracias e provocam lentamente a sua degradação. Costa Pinto cita a questão da censura como marca das ditaduras, e cita a Rússia como exemplo, porém destaca a divulgação de conteúdo falso, desinformativo, como uma das maiores ameaças à democracia hoje, classificadas como um poderoso papel na manipulação da opinião pública.
Os ex-presidentes dos Estados Unidos e do Brasil, Donald Trump e Jair Bolsonaro, são dois exemplos de políticos, citados por Costa Pinto, que lançaram mão da divulgação de notícias falsas em proveito próprio. O pesquisador alerta que também partidos de direita radical, em franco crescimento na Europa e com uma crescente representatividade parlamentar, são assíduos utilizadores de notícias falsas.
Controle da imprensa x liberdade de imprensa
O conteúdo checado por Bereia atribui o controle da imprensa à tendência política da esquerda em contraposição à liberdade de imprensa como elemento defendido pela direita. A afirmação falaciosa não encontra base referencial que a comprove. Este discurso não é novo e aparece todas as vezes que há reivindicação de setores da sociedade civil pela regulação das mídias, para que haja livre comunicação das ideias, das notícias e das opiniões, em especial pelos veículos que são concessões do Estado.
O jornalista e professor da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo Eugênio Bucci explica que “sem imprensa independente não há democracia. Do mesmo modo, sem democracia não pode haver imprensa livre. Uma pede a outra, uma concorre para a outra”. Bucci afirma que “o cidadão livre precisa da imprensa por que é com base na existência da imprensa livre que ele se informa e debate ideias e, com isso, capacita-se a melhor delegar, fiscalizar e até mesmo exercer o poder”.
Na linha das reivindicações dos grupos que atuam pela democratização da comunicação no Brasil, país que tem onze famílias no controle das concessões estatais de mídias abertas de rádio e TV e de impressos, Eugênio Bucci explica o sentido da regulação necessária. O professor da USP afirma que “o problema dos monopólios (e também dos oligopólios) é que, controlando sozinhos o mercado numa determinada região do país, eles podem inibir a diversidade cultural, a diversidade das opiniões políticas e, além disso, a concorrência comercial saudável. Para a plena vigência da liberdade de expressão e do direito à informação, o Estado deve, na regulação do mercado (não dos conteúdos), inibir a formação de oligopólios e de monopólios”.
Bucci conclui que “em nenhum sentido precisamos de alguma regulação que venha para restringir os conteúdos. A regulação só é útil quando é necessária para assegurar a todos o direito à informação e à liberdade de expressão. Vejam que, para publicar um jornal impresso, ninguém precisa de concessão pública. Por isso, não há necessidade de regulação direta para essa modalidade de comunicação social. A regulação só é necessária quando sem ela não se pode proteger a liberdade de expressão e o direito à informação”.
Referências de checagem:
VIZENTINI, P. F. A Guerra Fria: o desafio socialista à ordem americana. Porto Alegre: Leitura XXI, 2004
Com o crescimento de posicionamentos a respeito do conflito bélico entre Israel e Palestina voltou a circular, nas redes digitais, um quadro sem autoria, com baixa qualidade gráfica e sem fontes de pesquisa, que consiste em uma tabela comparativa entre Nazismo, “esquerda” e “direita”.
O quadro viralizou, no passado, em grupos e mídias sociais, em 2018 e 2022, por ocasião das eleições – associando a esquerda (com a foice e martelo, do movimento comunista) ao Nazismo. A síntese feita pelo quadro buscava reforçar a polarização entre direita x restante do campo político.
Imagem: reprodução propositalmente desfocada
Como se pode constatar, entre os 29 partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), há variadas expressões de “direita”, dentro e fora do Brasil. Ou seja, dentro da própria “direita” há variações e nuances. No artigo “Uma Nova Classificação Ideológica dos Partidos Políticos Brasileiros” os pesquisadores Bruno Bolognesi, Ednaldo Ribeiro e Adriano Codato constatam, a partir de pesquisa realizada junto à comunidade de cientistas políticos em 2018, uma movimentação à direita pelos partidos políticos brasileiros, bem como um predomínio de partidos fisiológicos, que desprezam seus programas partidários em prol da dinâmica voto-cargo.
Embora o Brasil tenha sido, e ainda seja, palco de movimentos como o Integralismo, de inspiração fascista, e o Neonazismo, não há, no país, partido nazista ou neonazista – e nenhum campo político institucionalizado assumiu ou é apontado, abertamente, como apoiador das ideologias do partido Nacional Socialista Alemão.
Nas mídias sociais que circulam no Brasil, em novembro de 2023, com destaque para o TikTok, a publicação ganhou novo impulso. No Twitter/X, uma única publicação soma mais de 620 mil visualizações e 20 mil curtidas, no momento do fechamento desta matéria. Em grupos de Telegram, Whatsapp e do Facebook, o quadro também apareceu em uma sequência de comentários, em fotografias alusivas ao Partido dos Trabalhadores e ao conflito bélico Israel-Palestina.
Esse tipo de campanha, com associação de ideias, com ou sem imagens, em quadros e sem frases, sem fontes, sem autoria e sem análises é muito comum nos “linchamentos virtuais” e nas estratégias de desinformação, que procuram disseminar também conceitos ou preconceitos através de memes – unidades de informação, e desinformação, que, ao veicular ideias, imagens e sons, se multiplicam facilmente nas redes.
Bereia analisou, quadro a quadro, a tabela que circula nas redes disseminando desinformação sobre supostos posicionamentos políticos e atitudes comportamentais. Diante do volume de informações, dividimos a checagem em três partes, que serão publicadas em sequência.
Bereia alerta para a fundamental necessidade de se checar as fontes dos conteúdos que circulam na internet e analisá-los criticamente, para que estratégias de desinformação sejam efetivamente combatidas.
Ódio aos judeus x apoio a Israel
Segundo a publicação, o Nazismo e a esquerda odeiam os judeus, enquanto a direita apoia Israel. Registros históricos ensinam que o Nazismo não apenas pregou o ódio aos judeus, mas promoveu o holocausto, tendo assassinado cerca de seis milhões de pessoas de origem judaica na Europa, de 1933 a 1945.
Outro aspecto a se destacar é que, na formação do Estado de Israel, comunidades agrícolas socialistas, os chamados kibutzim, tiveram um papel essencial no desenvolvimento rural, intelectual e político do país. Essas comunidades existem até hoje e os ataques de 7 de outubro contra Israel tiveram kibutzim entre seus alvos.
A associação da direita política ao apoio a Israel, por sua vez, pode ser explicada por posturas como o sionismo cristão, que defende o fortalecimento do Estado de Israel e a ampliação do território que ocupa. No Brasil, este fenômeno vem, gradativamente, alinhando-se a uma direita religiosa e ultraconservadora, fortalecida pelos discursos do ex-presidente Jair Bolsonaro, estabelecidos desde 2018. Além disso, o fato de o atual premiê israelense Benjamin Netanyahu ser ultraconservador contribui para que muitos confundam o Estado de Israel, o judaísmo, o nacionalismo e o conservadorismo defendido pelos governantes atuais do Estado.
Estado absoluto x Estado mínimo
Associar “Estado absoluto” ao Nazismo e à esquerda e “Estado mínimo” à direita é, também, um erro. O uso do conceito de absolutismo em um debate contemporâneo está sujeito a diversas interpretações errôneas, já que se trata de um produto típico das monarquias nos séculos 16, 17 e 18. Desta forma, a própria utilização do termo torna o argumento equivocado.
Governantes com poderes irrestritos podem surgir em regimes à direita e à esquerda. No sentido que a publicação em questão aparentemente quer produzir, de um Estado que interfere em diversos aspectos da vida em sociedade, há exemplos históricos em ambas as vertentes. Ainda assim, atribuir o termo “Estado absoluto” a experiências do século 19 e 20 seria um erro.
Igualmente, a publicação apaga o mais importante agrupamento da esquerda no início do século 20, o Anarquismo, que propõe uma sociedade de liberdades individuais, sem autoridade ou poder estatal, baseada na ajuda mútua e na cooperação voluntária. Na Guerra Civil da Espanha (1936 – 1939), por exemplo, os anarquistas foram o grupo majoritário na luta contra o regime de Francisco Franco (conservador, ultracatólico, capitalista e direitista).
A publicação diz que o Nazismo e a esquerda são anticapitalistas, enquanto a direita seria capitalista. A apresentação descontextualizada de conceitos amplos, e que carregam subjetividades, gera uma grande confusão e ainda apresenta o capitalismo como o “regime-modelo-salvador”.
O capitalismo é um sistema econômico que busca a acumulação de riquezas por meio da propriedade privada dos meios de produção. Já o anticapitalismo seria a oposição a tais ideais, com a defesa do controle coletivo dos meios de produção e geração de riqueza.
O Nazismo, apesar de criticar o liberalismo econômico nos moldes vigentes na Europa dos anos 1930, não propunha a socialização dos meios de produção. Em entrevista à BBC News Brasil, a antropóloga e estudiosa de movimentos neonazistas Adriana Dias, falecida em 2023, explica que o discurso nazista era radicalmente contrário às ideias de Karl Marx, por exemplo. “O nazismo e o fascismo diziam que não existia a luta de classes – como defendia o socialismo – e, sim, uma luta a favor dos limites linguísticos e raciais”, afirma.
No mundo globalizado, diferentes perspectivas político-ideológicas coexistem, como é o caso chinês, em que há ampla participação de empresas privadas em modelo comumente chamado de “capitalismo de Estado”. Além disso, grupos de esquerda, presentes em países capitalistas, não necessariamente defendem a abolição do sistema econômico vigente. A defesa de um modelo econômico não capitalista não guarda qualquer relação com a defesa das ideias nazistas, que caracterizam-se pela ideia de superioridade de uma raça sobre outra e de uma nação sobre a outra.
Estado controla a economia x livre mercado
A postagem checada pelo Bereia atribui à esquerda o controle da economia pelo Estado em oposição à direita política que trabalha pelo livre mercado. A ideia de que as transações financeiras e de bens e serviços devem acontecer sem interferência do Estado tem origem na corrente de pensamento que ficou conhecida como Liberalismo Econômico. Em suma, os defensores dessas ideias pregam que a dinâmica entre oferta e procura – por um bem ou serviço – deve ocorrer livre das decisões de agentes estatais.
A noção de que o “Estado controla a economia”, por sua vez, tem raízes, não apenas nas experiências de economia planificada, mas, principalmente, em uma visão crítica ao Liberalismo. Nela, o Estado deveria intervir no conjunto da economia nacional para corrigir assimetrias como desequilíbrios entre demanda e oferta, inflação, quadros recessivos, entre outros possíveis desafios.Em momentos de crise econômica, como em 1929 ou 2008, importantes intervenções estatais foram implementadas, inclusive em países símbolos do capitalismo, no intuito de controlar os impactos das crises. Em países com altos índices de desigualdade, o Estado pode ser um importante instrumento de direcionamento de recursos visando o bem-estar coletivo. O uso indiscriminado e descontextualizado de termos como “livre mercado” ou “controle estatal da economia” não contribui para uma completa compreensão dos fenômenos econômicos.
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Bereia classifica a publicação na forma de um quadro sem autoria, que consiste em uma tabela comparativa entre Nazismo, “esquerda” e “direita” como informação FALSA. O material é um conjunto de expressões opinativas, de caráter ideologizado, não têm substância factual. É desinformação sem base comprobatória, identificado com a direita política. É conteúdo fabricado para parecer informação, porém se constitui um panfleto de campanha anti-esquerdas.
Referências de checagem:
VIZENTINI, P. F. A Guerra Fria: o desafio socialista à ordem americana. Porto Alegre: Leitura XXI, 2004
Pessoas identificadas como evangélicas, entre 35 e 44 anos, com grau de instrução até o ensino médio, integrantes das classes de renda mais baixa (D e E), usuários do Telegram, do TikTok e audiência do Jornal da Record, formam o perfil de quem mais compartilha conteúdo falso sobre vacinas no Brasil. A descoberta é parte do estudo “A comunicação no enfrentamento da pandemia de Covid-19”, produzido pelo Centro de Pesquisa em Comunicação Política e Saúde Pública, da Universidade de Brasília. O levantamento foi realizado em agosto passado, com 1.845 pessoas que têm acesso à internet, e os resultados foram divulgados no último 22 de outubro, pela Agência Brasil.
Para seleção dos entrevistados, os pesquisadores utilizaram um cadastro online com mais de 500 mil inscritos, no qual foram aplicadas cotas de gênero, idade, região e classe social para representar adequadamente a população brasileira. Os participantes selecionados responderam um questionário online, no qual foram convidados a compartilhar 12 notícias sobre vacinas, identificadas apenas pelo título, divididas igualmente entre verdadeiras e falsas.
De todos os pesquisados, 11,3% informaram que compartilhariam ao menos uma das notícias falsas e 3,7% informaram que compartilhariam cinco das seis notícias inverídicas.
O coordenador do CPS da UnB, e líder do estudo, Prof. Wladimir Gramacho, fez um destaque, com a Agência Brasil, sobre o perfil dos que mais propagam estes conteúdos:
“não quer dizer que pessoas que têm essas características são pessoas que automaticamente compartilham notícias falsas, mas o contrário: que pessoas que compartilham esses tipos de desinformação sobre vacinas costumam ter essas características”.
O professor acrescenta que outros estudos que tratam do tema da desinformação na internet indicam que o comportamento de pessoas que divulgam informações incorretas, ou notícias falsas, variam conforme o tema. Gramacho explica quando o tema em questão é político, há uma tendência de pessoas idosas compartilharem desinformação mais facilmente, mas quando o assunto é vacina este padrão é diferente no Brasil, inclusive quando comparado a pesquisas realizadas em outros países.
“A principal explicação para isso talvez seja o fato de pessoas mais velhas terem sido socializadas em uma época em que o país viveu grandes conquistas no seu Programa Nacional de Imunizações”, conclui o pesquisador.
Imagem: Agência Brasil
Telegram, TikTok e Jornal da Record em destaque na propagação de falsidades
Na pesquisa também foram analisados os hábitos de uso de mídias das pessoas que afirmaram que compartilhariam as notícias falsas. Foi observado que as pessoas que mais espalhariam desinformação são as que têm as mídias digitais como principal fonte de informação. “São usuários mais frequentes de plataformas como Telegram e Tik Tok que têm maior tendência de compartilhar notícias falsas sobre as vacinas”, indicou o Prof. Wladimir Gramacho à Agência Brasil.
Ao analisarem o uso da televisão, principal meio de informação no país, pesquisadores compararam entrevistados que declararam ser audiência do Jornal Nacional e os que declararam ser audiência do Jornal da Record. Os telespectadores do Jornal Nacional demonstraram compartilhar menos notícias falsas do que os da Record: os primeiros tiveram a metade das chances de divulgarem falsidades sobre vacinas.
Uma possível justificativa para esse comportamento, segundo Wladimir Gramacho, é um processo de exposição seletiva das pessoas entre esses dois telejornais. “A audiência mais frequente do Jornal da Record reúne pessoas simpatizantes do governo Jair Bolsonaro, que foi um governo que difundiu muitas informações incorretas sobre as vacinas e que, ele próprio, fez campanha contra a vacinação”, destaca o pesquisador.
As conclusões da pesquisa do CPS da UnB reafirmam os resultados da pesquisa que originou e o Coletivo Bereia e orienta suas ações: “Caminhos da Desinformação: Evangélicos, Fake News e WhatsApp no Brasil”. Realizada de 2019 a 2020, a pesquisa foi conduzida pelo Grupo de Estudos sobre Desigualdades na Educação e na Saúde (Gedes), do Instituto Nutes de Educação em Ciências e Saúde da UFRJ, sob a coordenação dos professores Dr. Alexandre Brasil e Dra. Juliana Dias, colaboradores do Bereia, com relatório publicado em 2021.
A escolha dos novos membros dos conselhos tutelares no Brasil aconteceu em 1º de outubro, e, pela primeira vez, as urnas eletrônicas foram utilizadas em todo o território brasileiro para o processo. Porém,antes mesmo do pleito, discussões sobre a interferência política e religiosa nas escolhas de representantes dos direitos da criança e do adolescente tomaram as redes digitais.
O Ministério Público Federal (MPF) notificou o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), em 28 de setembro, com alerta para a integridade do processo eleitoral e contra abusos religiosos. A notificação foi apresentada após denúncia da Associação de Ex-Conselheiros e Conselheiros da Infância (Aecci) em conjunto com o Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH).
Como todo processo de tomada de decisão, a votação é impactada pelas informações a que os eleitores têm acesso. Por isso, Bereia checou se houve desinformação antes do pleito, durante a campanha como estratégia pelos candidatos, e depois com outras abordagens sobre o tema.
Estrutura dos Conselhos Tutelares
O Conselho Tutelar é um órgão permanente e autônomo, encarregado de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente. Conforme previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), todo município brasileiro, e toda região administrativa do Distrito Federal (DF) deve contar com um Conselho Tutelar, composto por 5 membros escolhidos para mandatos de 4 anos.
Embora o termo popular ‘eleição’ seja amplamente utilizado, segundo o Observatório dos Conselhos, o correto é processo de escolha. Os órgãos responsáveis pela organização deste processo são o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA). O Ministério Público (MP) faz a fiscalização e o Poder Executivo Municipal (ou do Distrito Federal) garante a estrutura e divulgação.
Para se candidatar a cargo no Conselho Tutelar é necessário possuir mais de 21 anos, ter idoneidade moral reconhecida e residir no município de atuação do Conselho. Uma vez escolhidos, os membros do órgão gozam de benefícios como salário, cobertura previdenciária, férias remuneradas, gratificação natalina, entre outros.
Imagem: reprodução Governo Federal
O trabalho de um conselheiro tutelar consiste, em linhas gerais, em atender crianças e adolescentes que tiverem seus direitos ameaçados ou violados por ação, ou omissão da sociedade, ou do Estado, dos pais ou responsáveis, ou em razão de sua própria conduta.
O acompanhamento dos casos pelos conselheiros tutelares se dá “em parceria com escolas, organizações sociais e serviços públicos”, como informa o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Atribuições do Conselho Tutelar
O ECA prevê que casos de suspeita ou confirmação de castigo físico, tratamento cruel ou degradante e maus-tratos contra criança ou adolescente devem ser comunicados ao Conselho Tutelar da localidade, independentemente de outras providências legais, que podem ser tomadas em conjunto.
Assim como qualquer cidadão pode acionar o Conselho Tutelar por meio de denúncia anônima, os dirigentes escolares devem informar os respectivos conselhos não apenas sobre situações de maus tratos envolvendo seus alunos, mas também situações de reiteradas faltas injustificadas, evasão escolar e repetência.
Dentre as atribuições do Conselho Tutelar, estão a adoção de medidas como encaminhamento da criança ou adolescente aos pais ou responsáveis, promoção de orientação e acompanhamento temporário do caso, matrícula em instituições de ensino, inclusão em programas oficiais ou comunitários de proteção e apoio à família, encaminhamento médico, psicológico ou psiquiátrico.
Em suma, como informa o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, os conselheiros tutelares podem, de forma autônoma, requisitar serviços de qualquer área do Poder Público. O órgão não pode, entretanto, afastar a criança ou adolescente do convívio familiar, atribuição exclusiva da autoridade judiciária.
Nos casos em que o Conselho Tutelar entender que há necessidade de afastamento do convívio familiar, o Ministério Público deve ser comunicado, para que avalie o caso na esfera judiciária.
Mobilização da extrema-direita para eleições do Conselho Tutelar
Matéria do jornal Estado de Minas, publicada na véspera da eleição para os conselhos, trouxe a informação de que houve um aumento na circulação de informações falsas e de discurso de ódio nas redes digitais, em razão da eleição de membros para os conselhos tutelares. Segundo o texto, a articulação teria sido detectada pelo grupo de ativismo digital Sleeping Giants Brasil, que reuniu informações no relatório “Vamos ocupar o Conselho Tutelar”.
A pesquisa foi realizada por meio do recebimento de denúncias em plataforma própria, busca avançada em mídias sociais e mapeamento de conteúdos desinformativos e com discurso de ódio monetizados em plataformas digitais.
Dos diversos conteúdos identificados nas redes, destaca-se a articulação de parlamentares da extrema-direita que utilizam a religião como plataforma política, como a senadora Damares Alves (PL-DF), os deputados federais Gustavo Gayer (PL-GO), Nikolas Ferreira (PL-MG) e Carla Zambelli (PL-SP), e a deputada estadual Índia Armelau (PL-RJ) .
Imagem: reprodução X
Entre publicações de parlamentares e anônimos, o pânico moral é uma das principais características observadas nas postagens, como demonstra a fala da deputada estadual Índia Armelau, publicada em seu perfil no X. Armelau diz que é preciso “zunir a esquerda do conselho tutelar”, por considerar que a atuação deste grupo político tem interesse na vida de crianças e jovens.
Imagem: reprodução X
Em diferentes vídeos publicados nas redes digitais, o deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO) aparece no palco de uma igreja, junto a candidatos a conselheiros tutelares, orientando o voto dos fiéis.
Imagem: reprodução X
Após o dia do pleito, em publicação no Instagram, Gayer mostrou-se satisfeito com a articulação da direita para as eleições dos conselhos tutelares. “A eleição para os conselhos tutelares foi prova de que a direita, quando se organiza, consegue fazer a diferença na política do nosso país”, diz o deputado, que em seguida convoca os cidadãos a pressionarem seus deputados por uma paralisação das atividades do Congresso Nacional.
Desinformação em torno da escolha dos conselheiros tutelares
Conforme divulgado pelo portal de notícias G1, líderes religiosos foram flagrados disseminando informações enganosas sobre candidatos que concorriam com os indicados pelas organizações religiosas, o que é irregular.
Em um dos casos, o representante de uma igreja evangélica, no Rio de Janeiro, teria afirmado que candidatos que concorrem com aquele que foi indicado pela instituição religiosa apoiam pedofilia e uso de drogas para induzir o voto dos fiéis.
Imagem: reprodução G1
Nas redes digitais, canais do Telegram voltados para informações sobre homeschooling (educação domiciliar em inglês) foram usados para promover campanha de candidatos que diziam apoiar a modalidade de ensino não admitida no Brasil.
Pais e responsáveis que defendem o ensino domiciliar têm um impasse com o Conselho Tutelar devido a uma das atribuições do órgão, que é a de receber denúncias quando a criança não está frequentando as aulas. Segundo reportagem do Coletivo Catarinas, os grupos são um desdobramento do movimento Escola Sem Partido.
Entre outros assuntos que demandam“o direito dos pais de escolherem os conteúdos discutidos em sala de aula”, o responsável por um dos canais compartilhou desinformação antivacina e medidas para “contornar a obrigatoriedade de vacinas em crianças e adolescentes”, apontou o texto jornalístico.
Após a escolha dos conselheiros tutelares por todo Brasil, circularam nas redes digitais mensagens enganosas, conforme checado pelas agências Aos Fatos e Lupa, sobre o Ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania Silvio Almeida querer anular a eleição em algumas partes do país.
Posteriormente, outro conteúdo enganoso, checado pela agência Estadão Verifica, foi disseminado nas mídias sociais, desta vez associando a abertura do código-fonte das urnas eletrônicas, referentes às eleições municipais do próximo ano, ao pleito dos conselhos tutelares.
Eleição de candidatos conservadores com motivação política
A jornalista e coordenadora da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito Nilza Valeria Zacarias ressalta, em artigo publicado no Bereia, que é fundamental a sociedade “entender o papel da religiosidade brasileira na vida pública, e que a pauta moral não orienta somente a vida dos evangélicos, mas da maioria dos brasileiros.
“Tenho a impressão, ao olhar para o resultado dos Conselhos, que querem me fazer acreditar que os evangélicos são um grupo de talibãs que vivem normalmente no meio de uma sociedade com altos marcos civilizatórios. Apontar os evangélicos como culpados é esquecer do que preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente em relação à infância: somos todos responsáveis. Todos”, escreveu Zacarias.
De acordo com matéria publicada no jornal O Globo, logo após a mobilização da extrema-direita para polemizar sobre temas como a suposta instituição do banheiro unissex, o grupo político se articula antecipadamente para as eleições municipais do próximo ano, por meio do pleito dos conselheiros tutelares.
O texto pontua como exemplo, a eleição de candidatos de conselhos tutelares do Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul, com apoio de deputados federais, entre eles Gustavo Gayer (PL-GO), e aponta o contato direto com a população e a prestação de serviços à sociedade, por parte desses conselheiros aliados, como fatores de interesse dos parlamentares.
Em entrevista à Agência Pública, a professora da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pesquisadora e coordenadora do Observatório dos Conselhos Miriam Krenzinger destacou a importância deste “espaço popular” e de “entender o processo não só de desinformação, mas de uma formação política de base”.
Krenzinger também reafirmou o fato dos conselhos tutelares serem um dos espaços de entrada no campo político. “Não tem como dizer que esse espaço não é um lugar de política. É um espaço de poder. E todo espaço de poder é um espaço de política” explicou.
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Bereia considera os conteúdos que viralizaram nas redes digitais, promovidos por lideranças religiosas relacionadas à extrema-direita, durante e depois das eleições para os conselhos tutelares, como falsos. O teor distorcido das mensagens sobre este processo eleitoral estimula um grupo, no caso pessoas de fé cristã ou que se identificam como conservadoras, a julgamentos negativos sobre o tema.
Os discursos proferidos em certos púlpitos de igrejas evangélicas e nas publicações em redes digitais foram estruturados sobre uma estratégia de pânico moral e sensacionalista para prender a atenção, portanto, são classificados como desinformação e necessitam de correções.
A tática utilizada por líderes religiosos e políticos de extrema-direita se baseia na criação de um problema com o intuito de criar espaço para oferecer a solução, que neste caso foi apresentada como os candidatos a conselheiros tutelares ideais indicados por eles. Foi explorada ainda a figura de um “inimigo”, no caso, “a esquerda” ou personagens ligadas às esquerdas políticas, para contrapor campanhas opositoras e convencer por apoio a determinadas candidaturas.
O histórico deste tipo de metodologia abordada para indicação dos candidatos a conselheiros tutelares tem mostrado que o objetivo vai além da preocupação com o papel desempenhado pelos integrantes desses conselhos, como buscam apresentar. Conforme apontado na checagem, a eleição e o espaço de poder a que os conselheiros tutelares têm acesso demonstram compor uma estrutura política que objetiva as próximas eleições municipais.
Bereia alerta sobre a importância de se conhecer os espaços de participação política, as funções e competências de cada órgão público, e principalmente verificar fatos e afirmações, antes de levar em consideração acusações feitas por lideranças comunitárias, religiosas e políticas contra adversários. É cada vez mais frequente o uso de desinformação para conquistar apoios e atacar opositores em processos políticos.
O deputado federal, identificado como cristão, Carlos Jordy (PL-RJ) compartilhou, em sua conta pessoal no X (antigo Twitter), no Instagram e no Telegram, um compilado de vídeos críticos ao atual governo federal. Ao todo, são oito recortes de vídeos de diferentes jornais brasileiros, que apresentam notícias sobre a atual gestão do Poder Executivo federal. Ao compartilhar o conteúdo, o parlamentar afirma que “até quem não votou em [Jair] Bolsonaro está com saudade dele”.
A publicação alcançou quase cem mil visualizações e obteve mais de dois mil compartilhamentos até o fechamento desta matéria. Bereia checou as afirmações de cada um dos vídeos expostos.
Imagem: reprodução X
Vídeo 1 – Rombo nas contas do governo
O primeiro corte de vídeo apresentado refere-se à notícia, veiculada pela CNN Brasil, de que o governo federal registrou déficit de R$ 45 bilhões nas contas públicas em junho, sendo o pior resultado desde 2021, quando o déficit foi de R$ 84 bilhões. A informação também foi divulgada pelo Ministério da Fazenda, por meio dos canais oficiais do governo. Trata-se de dado apresentado pelo relatório Resultado do Tesouro Nacional (RTN), publicado mensalmente.
A informação publicada pelo deputado Carlos Jordy omite esta explicação importante. O secretário do Tesouro Nacional Rogério Ceron destacou que os resultados do primeiro semestre de 2023 foram impactados por desonerações (redução do recolhimento de tributos) implementadas em 2022, durante o governo anterior, como estratégia de campanha pela reeleição. “Por mais que o Ministério da Fazenda tenha adotado medidas para recompor as receitas que foram desoneradas, é preciso respeitar ciclos de noventenas”, disse Ceron, em referência ao que a Constituição Federal determina (art. 150, inciso III): que sejam cobrados novos impostos somente depois de decorridos 90 dias da publicação da lei que o instituiu ou aumentou.
O Tesouro Nacional informa que, pela ótica das receitas, houve impacto na arrecadação graças à concessão da Eletrobras, ao pagamento de dividendos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e à queda na arrecadação de receitas administradas. Pela ótica das despesas, os motivos principais seriam o pagamento de benefícios previdenciários e o aumento do valor executado com o programa Bolsa Família.
Imagem: reprodução Tesouro Nacional
Vídeo 2 – Bloqueio do Bolsa Família
O segundo trecho de vídeo que compõe a publicação feita pelo deputado Carlos Jordy diz respeito ao bloqueio temporário do acesso ao Bolsa Família para 1,2 milhão de beneficiários. A notícia foi veiculada pelo telejornal SBT Brasil, em abril deste ano, mas o trecho veiculado omite que o bloqueio temporário foi aplicado a pessoas que dizem morar sozinhas e que começaram a receber o benefício durante o período eleitoral de 2022.
Segundo o Ministério do Desenvolvimento, Assistência Social, Família e Combate à Fome informou em março deste ano, os bloqueios destinavam-se a combater possíveis fraudes e inconsistências na composição familiar declarada ao Bolsa Família. A medida foi implementada na esteira da percepção, por parte do gabinete de transição do candidato eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de que houve abuso de poder econômico durante a gestão Bolsonaro.
A ex-ministra do Desenvolvimento, Assistência Social, Família e Combate à Fome Tereza Campello, que integrou o grupo técnico da transição na área de desenvolvimento social e combate à fome, apontou que houve crescimento anormal na quantidade de beneficiários unipessoais. Segundo Campello, de janeiro de 2019 a outubro de 2022, houve aumento de 200% nos cadastros unipessoais, com picos concentrados de crescimento.
Vídeo 3 – Taxação de compras internacionais online
No terceiro trecho que compõe a postagem crítica do deputado cristão, a notícia, retirada do Jornal da Band, trata da taxação de compras internacionais feitas pela internet. O vídeo de Jordy omite informações que permitam entender o novo modelo de tributação, que isenta remessas de até US$ 50 entre pessoas físicas ou entre pessoas físicas e empresas que se cadastrarem na Receita Federal.
Um dos objetivos do novo modelo de tributação é mitigar a sonegação de impostos por parte de empresas que tentam burlar a taxação. Recentemente, o secretário especial da Receita Federal Robinson Barreirinhas disse que a Receita identificou um cidadão que já realizou mais de 16 milhões de envios para o Brasil.
O quarto trecho veiculado na montagem de vídeos reproduz matéria do telejornal CNN 360º sobre o preço de combustíveis. A notícia dá conta de que o preço da gasolina atingiu o valor mais alto em um ano, após o preço médio do litro chegar a R$ 5,88.
O trecho omite a informação, apresentada logo em seguida no mesmo jornal CNN 360º, de que, em julho de 2022, o preço do litro do combustível estava em R$ 6,06, ou seja, valor ainda mais alto do que o preço alcançado em 2023.
Em 2023, o tema do preço dos combustíveis tem sido usado para desinformar, como demonstraram checagens do Bereia, da AFP Checamos e do Estadão Verifica. Nas checagens, assim como no trecho utilizado pelo deputado federal Carlos Jordy (PL-RJ), são feitas comparações entre os governos de Lula da Silva e Jair Bolsonaro.
Vídeo 5 – Redução do Fundo de Participação dos Municípios
Na sequência, o conteúdo compartilhado pelo deputado apresenta o trecho de uma reportagem veiculada pelo jornal televisivo piauiense Jornal de Picos, que cita um protesto de prefeituras da região Nordeste, devido à redução do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).
A reportagem em questão foi veiculada em 30 de agosto e informou que cerca de 150 prefeitos da região de Picos (PI) paralisaram suas atividades e participaram do ato, na Assembleia Legislativa do Piauí (Alepi), contra a redução do FPM, que chegou a 50% em agosto. Em entrevista ao jornal, o presidente da Associação Piauiense de Municípios (APPI) e prefeito de Caridade (PI) Toninho de Caridade afirmou que 16 unidades federativas aderiram à paralisação.
O deputado federal Carlos Jordy reproduz o tema esteira de outras publicações. Como demonstra checagem do Projeto Comprova, a mobilização de prefeitos em defesa do Fundo de Participação dos Municípios tem sido alvo de desinformação nas redes digitais.
A Confederação Nacional de Municípios (CNM) divulgou, em seu portal oficial, que em relação à 2022, o repasse de agosto teve redução de quase 8%. O cálculo do valor do FPM é feito sobre a arrecadação do Imposto de Renda (IR) e do Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI). Em 13 de setembro, um substitutivo ao Projeto de Lei Complementar (PLP) 136/2023incluiu texto que define um apoio financeiro para recomposição de quedas no FPM. O projeto ainda deve passar pelo Senado.
Vídeo 6 – Lula se torna o presidente que mais liberou emendas parlamentares em um mês
O sexto trecho na sequência de vídeos publicada por Jordy (PL-RJ) corresponde a chamada do programa Os Pingos nos Is, de 21 de agosto, do canal de notícias Jovem Pan News no YouTube, sobre o valor de emendas parlamentares liberadas em julho. O quadro noticia economia e política a partir da discussão e análise dos apresentadores.
De acordo com o noticiário, foram liberados quase R$ 12 bilhões aos estados e municípios no mês. A matéria omite informações como um levantamento do portal de notícias Metrópoles, que considerou o valor liberado pelo atual governo mês a mês até a data e apresentou as circunstâncias políticas no Congresso que possivelmente pautam as decisões de Lula da Silva.
O texto pontua que, nos quatro primeiros meses, não houve liberação e classifica o governo lento quanto a isso. Destaca ainda que, apesar dos R$ 11,8 bilhões liberados em julho, o acumulado até aquele momento era ligeiramente menor que o valor liberado no mesmo período de 2022.
Jordy, ao utilizar vídeo da Jovem Pan, despreza o fato de que este é um notório veículo de propagação de desinformação. A emissora, que tem concessões públicas de rádio e de TV, enfrenta, uma ação civil pública, ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF), em razão de campanhas de desinformação. O MPF pede o cancelamento de outorgas de concessão e permissão para radiodifusão da empresa por entender que a Jovem Pan propaga “desinformação em larga escala” com “potencial de incitação à violência e à ruptura democrática”.
Vídeo 7 – Mais de 400 mil empresas fechadas no primeiro semestre de 2023
Com mais uma chamada de reportagem televisiva, o deputado federal compõe a montagem de vídeos publicados com a informação de que mais de 400 mil empresas foram fechadas de janeiro a junho deste ano. O vídeo correspondente é a reportagem do Jornal da Tarde de 4 de setembro, da TV Cultura.
A notícia apresenta que o número exato de empresas fechadas no período foi de 427.935 empresas, de acordo com pesquisa da Contabilizei, baseada em dados da Receita Federal. O levantamento também aponta que, desde o quarto trimestre de 2021, o saldo entre abertura e fechamento de empresas é negativo, gerando um acumulado de 750 mil. Os números não incluem Microempreendedores Individuais (MEIs).
A montagem de Carlos Jordy omite que a reportagem traz ainda informações do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) de que as micro e pequenas empresas criaram quase 710 mil vagas de trabalho, o equivalente a 70% das vagas com carteira assinada geradas no mesmo período e os valores são equivalentes aos primeiros semestres de 2021 e 2022.
Segundo publicado pelo portal G1 no mesmo dia, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic) contestou os valores apresentados pela Contabilizei e apontou saldo positivo de 212.654 empresas, desconsiderados os MEIs. A pasta se baseou em números do Mapa de Empresas, que considera dados de juntas comerciais e cartórios, além da Receita Federal.
Vídeo 8 – Poder 360
O oitavo e último vídeo da publicação de Jordy (PL-RJ) apresenta uma fala de Lula da Silva sobre o Desenrola, programa de renegociação de créditos inadimplidos criado pelo governo federal. O programa tem três etapas com atendimento a públicos diferentes, em que a terceira etapa, iniciada em setembro, atende pessoas endividadas no varejo em até R$ 5 mil.
A esta última situação, em entrevista ao canal do portal Poder 360 no YouTube, Lula se refere ao “grosso” como uma injeção de valores importantes para o giro da economia. O trecho publicado pelo deputado atribui conotação distinta à fala do atual Presidente da República, ao insinuar que o atual mandatário estaria ironizando a situação da população enquanto alvo das políticas de seu governo.
*** Após checagem das informações apresentadas na publicação feita pelo deputado federal Carlos Jordy (PL-RJ), Bereia considera o conteúdo como enganoso. A postagem oferece conteúdos de substância verdadeira, mas não contextualiza as informações apresentadas e ainda omite explicações fundamentais para compreensão dos fatos. Tal prática, frequentemente tem a intenção de levar o público a julgamentos errôneos sobre os diversos temas ali presentes e, neste caso, sobre a condução do atual governo federal como um todo.
Ademais, a inclusão de um trecho de fala do atual Presidente da República Lula da Silva de modo sensacionalista contribui para uma percepção equivocada das informações anteriormente apresentadas. A postagem representa desinformação e carece de substância e contextualização. Bereia incentiva que o público exerça sempre uma leitura crítica dos discursos presentes nas redes digitais que se apresentam de forma recortada, longe do todo em que foram apresentados, procurando informações de qualidade, completas e contextualizadas.
Não deveria ser assim, diria Jesus Cristo, mas infelizmente é. Alguns dos autointitulados intelectuais do meio evangélico, por falarem como doutores, cometem desonestidade intelectual. Ao longo das próximas semanas devo apresentar algumas delas, as quais selecionei ora pela importância da temática, ora por sua insistente repetição.
A primeira grande desonestidade é atribuir o fenômeno do pós-cristianismo europeu ao surgimento do chamado liberalismo teológico. Para estes intelectuais o declínio da fé cristã no continente europeu se deu por conta da crescente racionalização da fé, de um profícuo diálogo com a ciência. Ao contrário dos fundamentalistas que, quando muito, instrumentalizam a ciência, apropriando-se das partes que lhes interessam, os chamados teólogos liberais se propuseram a revisionar interpretações, incorporar métodos no fazimento teológico. A perspectiva era dialógica, e não ideológica como fazem os fundamentalistas, pelo simples reconhecimento que nem toda verdade estava na Bíblia.
Os que assim fazem esquecem o desgaste pela longevidade no continente (2000 anos), o que faz com que a institucionalidade ganhe expressões insuportáveis para quem quer viver a singeleza da fé. Em Estudos de Religião é recorrente a noção de as religiões possuem sua maior taxa de expansão justamente no seu início, período em que há mais espontaneidade e menos institucionalização. Ora, ao mesmo tempo que a institucionalização funciona como um foco de permanência, de resistência para um grupo religioso, ela também traz consigo o desgaste, que afasta a instituição da sua própria raiz, da sua crença primeira, como Dostoievski brilhantemente assinalou em O Grande Inquisidor.
Outro esquecimento que me parece seletivo é a ausência de menção das guerras de religião, que varreram o continente europeu, opondo católicos aos protestantes e produzindo milhares de mortes em nome da mesma fé, nos séculos XVI-XVIII. Voltaire chegou a comparar tal insanidade a um trovão irrompendo em pleno sol de meio dia. Ele também sarcasticamente assinalou, em uma de suas Cartas Inglesas, que a Bolsa de Valores de Londres produzia mais resultados em termos de tolerância religiosa e de respeito ao diferente, do que os templos religiosos, dos quais os participantes saíam com menos disposição ao diálogo. Estas estúpidas mortes pelo legado da Cristandade e não do Cristianismo, e muito menos do Cristo, marcaram profundamente a alma do europeu, tornando-o reticente a uma religião que discursa sobre o amor, mas que tem disposição de matar seu semelhante por divergência doutrinária.
Nesta mesma linha que conduz aos equívocos históricos, está o apoio de boa parte da Igreja cristã ao nazismo, bem como a insistência de certos grupos alienados da pesquisa histórica que sustentam que regime hitlerista foi de esquerda. Os que assim procedem esquecem que da invasão da URSS, e do apoio da elite alemã a Hitler para que freasse a escalada da simpatia alemã com a internacional socialista. Sim, minha prezada leitora, o nazismo sacrificou judeus e caçou comunistas. Uma vez desnudados os horrores praticados na 2ª Grande Guerra, a igreja cristã ficou adesivada com este selo da vergonha, deslegitimando sua pregação. Se para Paulo a questão era quem iria ouvir a mensagem do evangelho se não há pregadores que alcancem as diferentes etnias, após a passagem do nazismo a igreja se viu diante de uma atualização: quem vai QUERER ouvir sua pregação?
Por fim, em uma lista que não se esgota em si mesma, é preciso lembrar que parte do escanteamento da fé cristã se deu pela sua própria e inadequada pregação. Há um esquecimento do teor do querigma praticado que obsoletou Deus. Ora, se Deus é anunciado como o cirurgião do plantão eterno, ou como o Rei das melhorias sociais, quando a ciência avança encontrando novas formas, fármacos para a cura, ele se torna, como lembra Harry Emerson Fosdick, obsoleto. O mesmo procede com um governo antenado às necessidades do seu povo. Nesse caso a política traria respostas que antes eram buscadas no templo. Não foi por outro motivo que Ernst Troeltsch aventou a possibilidade da religião se substituída pela Ciência e pela Política.
Se os pregadores querem que Deus seja sempre atual, é preciso falar mais sobre Ele e menos sobre o que Ele pode fazer. Se os pregadores querem que Deus seja assunto do almoço em família, é preciso que eles dialoguem com esse tempo, com suas demandas, em suas prédicas. Caso contrário, seguirão confinando Deus ao passado e declarando sua obsoletização, sua perda crescente de importância, quanto mais respostas a Ciência e a Política fornecerem às pessoas.
Fica então a indagação: por que tais intelectuais evangélicos não abordam estes fatores ao explicarem o declínio cristão na Europa? Por que eles não mencionam que o fundamentalismo tem feito o principal estamento religioso dos Estados Unidos, a saber, a Convenção Batista do Sul, perder membros, entrar em declínio?
**Os artigos da seção Areópago são de responsabilidade de autores e autoras e não refletem, necessariamente, a opinião do Coletivo Bereia.
De acordo com a pesquisa publicada no site no Departamento de Estado dos Estados Unidos da América, a desinformação de gênero vem ganhando cada vez mais espaço nas mídias, sendo um ataque direto à democracia de uma nação.
Ao definir a desinformação de gênero, o estudo refere-se à junção de abuso misógino e violência contra mulheres, que se utiliza de falas falsas ou enganosas, e narrativas com base em sexo onde muitas vezes são usadas estrategicamente pretendendo impedir mulheres de participar da esfera pública.
Essa lógica perversa também tem sido perpetrada por atores estatais estrangeiros e não estatais, usando coordenadamente a desinformação de gênero com o objetivo de silenciar as mulheres, desestimular o discurso político on-line e moldar as percepções em relação ao gênero e ao papel da mulher nas democracias.
A pesquisa Malign Creativity How gender, sex, and lies are weaponized Against Womenonline [Criatividade Maligna. Como gênero, sexo e mentiras se tornam armas on line contra mulheres] elencou algumas conclusões relevantes sobre o tema. São elas:
Dentre os perpetradores de desinformação de gênero voltada contra mulheres estão atores estatais estrangeiros;
A desinformação muitas vezes tem como alvo mulheres com identidades interseccionadas;
Os perpetradores costumam disseminar desinformação de gênero por meio de atividades coordenadas de redes sociais que são espontâneas ou pré-mediadas em várias plataformas;
Atores estatais estrangeiros mobilizam a desinformação de gênero a fim de atingir uma variedade de indivíduos, grupos e legislação;
O objetivo final da desinformação de gênero é baseada no ataque à identidade, desencorajando o exercício da liberdade de expressão e minando a democracia.
Violência Política no Brasil
Neste mês de julho, a agência Lupa publicou uma reportagem na qual reflete a temperatura na qual as parlamentares brasileiras estão inseridas.
A bola da vez foi a senadora evangélica Eliziane Gama (PSD-MA) , que atualmente exerce a função de relatora da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito de 8 de janeiro. Na reportagem, relata-se que a senadora é frequentemente chamada de ‘burra’ e ‘analfabeta’, como forma de descredibilizar sua competência e logo, o lugar que ocupa.
Essa prática, que aqui chamamos de Desinformação de Gênero, não é nova e podemos identificá-la ao longo da História, mas a roupagem que tem usado é recente e vem ganhando força com o alcance cada vez maior das mídias por todo o mundo.
Além desse episódio, oColetivo Bereia também identificou o ataque do deputado federal evangélico Nikolas Ferreira (PL-MG), que profere um discurso misógino, em que diz para que as mulheres “retomem sua feminilidade, tenham filhos, amem a maternidade, formem a sua família porque, dessa forma, vocês colocarão luz no mundo e serão, com certeza, mulheres valorosas”. A fala foi proferida pelo deputado quando usava uma peruca loira. Nikolas Ferreira valeu-se do Dia Internacional da Mulher para, ditar às mulheres como proceder em suas vidas, a partir de suas crenças pessoais.
É de extrema importância que o tema da desinformação de gênero seja amplamente discutido e que haja meios de identificá-la. Além de contribuir para a corrosão da democracia, as fake news – popularmente chamadas – impedem o avanço dos direitos das mulheres e da sociedade em geral.
A desinformação já é vista como um problema crônico com o qual as sociedades têm lidado com dificuldade. A violência de gênero na política vislumbra a piora do cenário, onde a pouca representatividade no legislativo, a dissonância das bancadas sobre temas importantes, o tradicionalismo e fundamentalismo da maioria dos parlamentares, entre outros fatores, corroboram para que a desinformação se torne uma prática cada vez mais comum.
Políticos religiosos voltaram a disseminar, nas redes digitais, que o atual presidente da República Lula da Silva irá taxar as transações financeiras por pix. Os deputados federais Carla Zambelli (PL) e Eduardo Bolsonaro (PL) foram alguns dos políticos que compartilharam a ideia, se valendo de uma suposta notificação enviada aos clientes de contas Pessoa Jurídica (PJ) da Caixa Econômica Federal sobre tarifas para esta modalidade, em seus perfis no Twitter.
O discurso sobre taxação da modalidade de pagamento foi bastante repercutido durante a disputa eleitoral presidencial. Apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro usavam, como uma das estratégias políticas de ataque à campanha adversária, a afirmativa de que o então presidente teria criado o Pix e que o atual presidente, e adversário político à época, iria taxar a medida caso assumisse o poder. Bereia checou estas informações.
Imagem: reprodução Twitter
Taxação do Pix para Pessoa Jurídica (PJ) foi definida em 2020 e já é feita por outros bancos
A Caixa Econômica Federal publicou, em 19 de junho, em seu site oficial, uma nota sobre a situação. O texto da instituição financeira esclarece que as cobranças de fato acontecerão, a partir de 19 de julho, e que, portanto, informou com antecedência os clientes PJ. O banco reforçou que não cobra tarifa Pix de seus clientes pessoa física.
No entanto, as afirmações e publicações compartilhadas pelos deputados e outros políticos religiosos suscitam a ideia de que a decisão foi tomada pelo atual presidente da República e que o próximo passo será taxar as operações financeiras da modalidade Pix também para pessoas físicas.
A decisão da instituição financeira, divulgada neste mês de junho, se baseia na Resolução BCB nº 1/2020 que permite aos bancos a aplicação de tarifas em transações Pix relacionadas a contas PJ. A Caixa não foi a primeira instituição a optar pela aplicação das tarifas.
O site do Banco Central do Brasil esclarece que a isenção da cobrança de tarifas para pessoas físicas apresenta exceções, como no caso de o Pix ser realizado utilizando canais presenciais da instituição, ao invés dos meios eletrônicos disponíveis, ou quando houver transferências em razão da venda de produtos ou serviços.
No caso das pessoas jurídicas, as possibilidades de cobrança são mais amplas, podendo ser aplicadas em caso de transações de transferência financeira ou compra, e pela contratação de serviços acessórios que permitam a oferta de atividades complementares pelas empresas. Os informes foram atualizados ainda em janeiro de 2023.
Grandes bancos, como Bradesco, Banco do Brasil, Santander e Itaú já aplicam tarifas a transações via Pix realizadas por pessoas jurídicas,a depender do valor da operação e do tipo de chave cadastrada. As taxas aplicadas por cada instituição foram compiladas pela CNN Brasil.
O que é o Pix
Pix é um meio eletrônico de pagamento instantâneo desenvolvido pelo Banco Central do Brasil. Trata-se de um recurso rápido para transações financeiras a partir de uma conta corrente, conta poupança ou conta de pagamento pré-paga, sendo possível realizar transações sem limite de data, horário ou instituição bancária.
Além de ter instituído o método de pagamento, o Banco Central também exerce o papel de regulador do Pix, definindo suas regras de funcionamento, e de gestor das plataformas operacionais, ou seja, disponibilizando a tecnologia para diversas instituições.
O Pix já foi alvo de desinformação eleitoral checada por Bereia, em que se considerou falsa a afirmação, veiculada nas redes digitais, de que Jair Bolsonaro foi o criador da transação bancária. Na ocasião, também se afirmava que o Pix causaria prejuízo a bancos e que Lula da Silva poderia acabar com a transação, ambas consideradas falsas.
Imagem: reprodução Twitter
Repercussão nas redes digitais
Após o anúncio de que a Caixa Econômica Federal iniciará cobrança por transações via Pix, exclusivamente para pessoas jurídicas privadas, políticos de oposição ao atual governo federal repercutiram a medida, associando-a ao atual presidente da República Lula da Silva.
A deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) compartilhou, em seu perfil no Twitter, uma imagem com os dizeres “Lula começou a taxar o Pix”, dizendo, ainda, que “Bolsonaro avisou”.
Já o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), também no Twitter, veiculou mensagem questionando: “dar tanto dinheiro do seu trabalho para o Lula por quê?”. Na imagem veiculada, é possível ler os dizeres “PT vai taxar o Pix”.
Reação do Governo Federal
Na tarde de 20 de junho, a Caixa anunciou a suspensão da medida. A decisão teria sido tomada depois de um pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de acordo com o ministro da Casa Civil, Rui Costa.
Costa afirmou que, em conversa com a presidente da Caixa Rita Serrano, pediu que aguardassem o retorno de Lula ao Brasil para uma reavaliação da medida. O presidente está em viagem oficial à Itália.
Segundo Costa,a presidente da Caixa mostrou-se surpresa com a repercussão do caso, já que trata de uma medida já praticada por outros bancos no país.
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Bereia considera enganoso o conteúdo checado. As publicações feitas pelos deputados citados na checagem, considerando-se não apenas as imagens, mas também os textos veiculados, são apresentadas para confundir. A informação de que a Caixa Econômica Federal começaria a taxar transações financeiras via Pix para pessoa jurídica são verdadeiras, mas os deputados omitem que se trata de prática comum dos bancos brasileiros.
A publicação feita por Eduardo Bolsonaro (PL-SP) sugere, ainda, que após a cobrança para pessoa jurídica, o público em geral também será taxado. Tal suposição não encontra respaldo nas informações disponibilizadas pela Caixa, pelo Banco Central ou por qualquer outra instituição que faz uso do Pix.
A ausência da informação de que a cobrança estava restrita apenas a pessoa jurídica, excetuados também os microempreendedores individuais (MEI), contribui para que o público em geral sinta-se atingido pela cobrança, o que não é verdade à luz dos fatos.
As mais recentes informações sobre a medida a ser adotada pela Caixa indicam que haverá uma suspensão de sua implementação, até que seja feita uma reavaliação conjunta sobre sua efetivação.
Saiu no O Globo, impresso e digital, da terça 11 de abril, a matéria “Desinformação contra gestão petista cresce entre evangélicos, onde circulam ao menos 30 fake news sobre o governo Lula”, que cita o trabalho de checagem realizado pelo Bereia como fonte da reportagem. Desde o período eleitoral até recentemente, as checagens do coletivo têm abordado, em sua maioria, as temáticas da perseguição religiosa, “ideologia de gênero”, “ameaça comunista” e assuntos relacionados à pauta econômica. A editora-geral Magali Cunha analisou os recentes materiais em circulação:
— O discurso ainda permanece o mesmo e com alguma repetição na formação de memes que são criados com alertas de pânico e em torno de alguns vídeos. Uma diferença que nós estamos observando são alguns personagens que não estavam tão evidentes, como Nikolas (Ferreira) e Michelle Bolsonaro, que ocupa o lugar de Damares que agora está mais discreta.
A matéria completa do jornal O Globo está disponível aqui (para assinantes).
Publicações feitas em perfis religiosos nas mídias sociais divulgaram informações que supostamente encerrariam duas grandes polêmicas envolvendo a pandemia de COVID-19: a origem do vírus e a eficácia do uso de máscaras.
Baseando-se, principalmente, em artigo de opinião veiculado pela revista Veja, figuras ligadas à extrema-direita compartilharam postagens afirmando que a origem da pandemia está no vazamento do vírus, a partir de um laboratório chinês, e que o uso de máscaras não teve impacto na redução da propagação do vírus.
A deputada federal Bia Kicis (PL-DF) e o pastor Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, ecoaram, em seus perfis no Twitter, o artigo assinado pela colunista Vilma Gryzinski. Malafaia, em sua publicação, diz que a “matéria sensacional” da revista Veja “destrói toda safadeza montada na pandemia”. Outras contas também fizeram coro à tese, sempre utilizando a hashtag “BolsonaroTinhaRazão”. As narrativas sobre a origem chinesa do vírus e sobre a ineficácia do uso de máscaras foram amplamente disseminadas por Jair Bolsonaro durante a pandemia.
Informações retiradas de artigo de opinião
A jornalista Vilma Gryzinski, autora da coluna Mundialista na revista Veja, usa em seu texto intitulado Teste da realidade: vírus saiu de laboratório e máscaras foram inúteis, o termo “razoável convicção” para se referir às recentes declarações do Departamento de Energia dos Estados Unidos ao considerar a teoria de que o vírus da covid-19 teria escapado por acidente de um laboratório do governo chinês em Wuhan.
Gryzinski afirma, sem apresentar referências, que a França cortou relações com o laboratório de Wuhan e avisou que este era utilizado para estratégias militares. Não foram encontrados dados suficientes para sustentar a veracidade desta afirmação.
O texto continua e apresenta um levantamento da Cochrane Library – uma coleção de bancos de dados da área da saúde – que segundo Vilma, afirma a indiferença no uso de máscaras no combate à COVID-19.
Uso de máscaras
A publicação da Cochrane Library, principal referência utilizada no artigo de opinião veiculado na revista Veja, intitula-se Intervenções físicas para interromper ou reduzir o espraiamento de vírus respiratórios. Trata-se de uma revisão sistemática, ou seja, um “estudo secundário, que tem por objetivo reunir estudos semelhantes, publicados ou não, avaliando-os criticamente em sua metodologia”, segundo definição da Cochrane Library.
Conforme o título da revisão indica, não se trata de uma pesquisa específica para o coronavírus, mas para vírus respiratórios de maneira geral, e as “intervenções físicas” podem ser não apenas o uso de máscaras, mas a lavagem das mãos, o distanciamento social e outras providências, conforme relata o pesquisador em clínica epidemiológica Leonardo Costa, em artigo para a revista Questão de Ciência. Ressalta-se, ainda, que a referida revisão teve início no ano de 2007, muito antes do início da pandemia de coronavírus e de toda a polêmica alimentada por grupos políticos que não necessariamente baseiam-se em evidências científicas.
O pesquisador explica que estudos laboratoriais sustentam, com alto grau de evidência científica, que o uso de máscaras apropriadas (N95, PFF2 ou máscaras cirúrgicas) constitui uma ótima barreira na contenção de diversos microrganismos transmissores de doenças. A revisão da Cochrane, ampla e preocupada em entender o fenômeno na escala comunitária, inclui estudos com “alto risco de viés”, ou seja, com grandes chances de apresentar erros, graças à própria natureza dos estudos.
A má utilização de máscaras, seja porque as pessoas deixam nariz ou boca descobertos, retiram-na para falar, comer ou até para sentir algum alívio na respiração, também foi observada nos estudos avaliados pela revisão, podendo ocasionar erros nos resultados. A própria publicação da Cochrane ressalta a ocorrência de vieses nos estudos, algo que o artigo de opinião veiculado na revista Veja esconde.
Origem do coronavírus
As recentes publicações reverberadas por perfis ligados à extrema-direita afirmam, ancoradas no artigo de Vilma Gryzinski, que a covid-19 teve origem no vazamento de um laboratório chinês. Para sustentar a afirmação, Gryzinski apoiou-se em um relatório vazado do Departamento de Energia dos Estados Unidos da América e na posição divulgada pelo FBI, unidade de investigação ligada ao Departamento de Justiça norte-americano.
Segundo a colunista da Veja, as duas instituições apontam com “razoável convicção” a origem do vírus a partir de um vazamento de um laboratório chinês. O termo utilizado pelo FBI foi “moderado”. Apesar de semanticamente próximos, há ligeira diferença entre os termos, o que pode induzir a conclusões diferentes. O projeto Comprova, que se dedica a combater conteúdos enganosos, ressalta que o FBI não confirmou a origem do vírus.
A rede britânica BBC, em matéria publicada no início do mês de março, chama atenção para o fato de um debate “tóxico” sobre a teoria do vazamento estar atrapalhando as pesquisas sobre a origem do vírus. A possibilidade de um vazamento laboratorial ter originado a pandemia de covid-19 não está descartada, mas a contaminação política do tema impede uma abordagem isenta.
É preciso lembrar que Estados Unidos e China travam, há anos, uma intensa batalha geopolítica e que suas respectivas instituições tendem a culpar o rival pelo espraiamento do vírus. Apesar de diferentes teorias circularem em ambos os países, as mais altas autoridades nacionais são cautelosas. O conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, em entrevista recente à rede americana de televisão CNN afirmou que “no momento não há uma resposta definitiva que tenha surgido da comunidade de inteligência sobre esta questão”.
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As postagens em mídias sociais que foram analisadas por esta checagem trazem um tom de sensacionalismo ao se utilizarem única e exclusivamente do título do texto e da marca do veículo de comunicação, com o objetivo de trazer ao artigo opinativo uma relevância de matéria jornalística de um veículo reconhecido.
Além disso, Bereia checou o texto publicado na revista Veja – já que este foi compartilhado pelos perfis de extrema-direita e compunha a mensagem divulgada – e identificou a omissão intencional de informações com o objetivo de construir uma narrativa norteada pela inclinação ideológica da autora.
O conteúdo checado traz alguma substância verdadeira, mas a maneira escolhida para apresentá-lo o torna enganoso, e portanto se faz necessária uma contextualização para o entendimento total da informação.
Bereia alerta seus leitores e leitoras para sempre receberem criticamente conteúdo opinativo, que pode ser apoiado, contestado ou rechaçado. Afinal, opinião é a livre expressão de uma ideia sobre alguma coisa, tem caráter subjetivo. Opinião não é informação. Para um conteúdo ser classificado como informação precisa estar ancorado em fatos, contextos, referências objetivas, tais como dados e explicações, todos verificáveis. Se o conteúdo se apresenta como informação mas não tem estes elementos, ou é opinativo, então é desinformação, como as postagens verificadas nesta matéria.
No Mês da Mulher (a propósito do 8 de março, Dia Internacional da Mulher), temos visto as novas formas de exaltação do feminino por toda parte, mostrando os importantes avanços conquistados.
No entanto, é central entendermos o quanto há de se lutar ainda nos dias atuais. Hoje, a desinformação ganhou espaço e, quem a produz, tem utilizado o gênero para mentir, forjar e até mesmo manipular os discursos. Como parte de sua estrutura, grupos que promovem desinformação têm criado, quase que diariamente, novas maneiras de fazer circular a atuação das mulheres, ora fazendo juízo de valor, com poucos elogios, ora massacrando as mulheres.
Em 2016, acompanhamos o impeachment da presidente Dilma Rousseff, alvo de um levante que desaguou em sua saída do governo. Tal evento mostrou que há pavor quando uma mulher governa, fala, se coloca e decide, principalmente quando há muitos interesses envolvidos, que tangenciam os privilégios de muitos.
Em abril de 2016, a revista Carta Capital publicou matéria criticando a reportagem da revista ‘IstoÉ’, que com postura sexista, coroou o momento em que a misoginia mostrava-se (e permanece) como a regra para atacar as mulheres na política. Os termos usados para descrever a presidente variavam de “perda de condições emocionais” a “irascível”. Em contrapartida, a esposa do vice-presidente Michel Temer, Marcela Temer, acumulava elogios e como disseram alguns, só ela já servia como justificativa para a saída de Dilma do governo.
Como se não bastasse a pressão de governar o país, Dilma Rousseff chegou a receber, de um jornalista o conselho de “fazer mais sexo”, defendendo que esta seria a solução para as supostas crises emocionais de Dilma.
Em 2020, o Coletivo Bereia publicou um artigo que deu o tom sobre o desafio de pensar as relações de gênero nos âmbitos público e privado. De acordo com o teólogo Leonardo Boff, é relevante dizer que o movimento feminista fez a crítica mais necessária à cultura patriarcal.
Na chefia do Estado, nos demais cargos públicos, nas Forças Armadas, nas guerras, nas divindades, e nas histórias de heróis, a figura masculina, está e é o principal personagem, do início ao fim. Homens ocupam a vida pública. À mulher, é destinada a casa, refúgio especial onde o patriarcado se fortalece.
Em 2023, observamos um novo enquadramento. Depois de quatro anos de um governo que promoveu opressão sistemática das mulheres, após as últimas eleições, as mulheres voltam a arena pública, e com isso, novamente tornando-se alvos de novos ataques. Elas estão por toda parte: nas câmaras legislativas, no Senado, no Supremo Tribunal Federal, nos ministérios. Estão ocupando os espaços da vida pública.
No entanto, é preciso acionar a memória e lembrar que quando todo o processo de mudança é visto como um avanço, há também um custo que a história nos mostra, que as mulheres precisam pagar.
Mulheres na política: gênero em perspectiva
O levantamento realizado pela Escola de Comunicação, Mídia e Informação, da Fundação Getúlio Vargas (ECMI-FGV), que analisou publicações no Twitter, Facebook e Telegram, entre 13 de janeiro e 13 de fevereiro de 2023, mostra, entre outros assuntos, o protagonismo das mulheres na política, evidenciando a tendência da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, e da atual, Rosângela (Janja) Lula da Silva, como possíveis candidatas às eleições presidenciais de 2026.
Mais do que isso, o levantamento analisou a constituição do que seria o perfil de “mulher ideal” para estar na política, associando a ex-primeira-dama à religiosidade, e simultaneamente, uma pessoa com altas capacidades políticas. Ao contrário, Janja aparece classificada como pouco “refinada” e com baixa influência política.
Fonte: Twitter | Elaboração: Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV
De acordo com o levantamento, “de modo mais lateral, ambas são alvo de críticas generificadas, seja em comentários sobre a prótese mamária de Michelle, seja em postagens sobre as roupas de Janja”.
As análises abarcam as ministras Marina Silva (Meio Ambiente), Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) – que aliás, tem sido colocada como antagonista ao presidente nas resoluções financeiras – , Nísia Trindade (Ministério da Saúde), Margareth Menezes (Cultura) e o suposto uso indevido da Lei Rouanet, Luciana Santos (Ciência, Tecnologia e Inovação), acusada de ser aliada do presidente venezuelano Nicolás Maduro. Em maior ou menor medida, os nomes de todas as ministras circulam pelas mídias, ora destacando criticamente suas atuações, ora com o registro de ataques.
Parece que, com o tempo, tudo muda, mas muitas coisas não. O ar que respiramos no fim de 2022 foi de esperança. Esperança para continuar, para lutar, para resistir e para avançar mas, como podemos constatar ainda há muito o que transformar.
* Matéria atualizada em 24/01/2023 às 12:54 para ajustes de texto e inserção de informações
Bereia recebeu pedido/s de checagem quanto à crise humanitária do povo Yanomami. Após a /divulgação de denúncias da grave situação de inanição e desnutrição de homens, mulheres e crianças indígenas, uma comitiva liderada pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e os ministros dos Direitos Humanos, da Saúde, dos Povos Originários e da Defesa visitou, em 21 de janeiro, a região dos yanomamis em Roraima.
Apesar dos documentos anteriores (que somaram várias páginas), ações de socorro aos povos da tribo Yanomami abortadas e dos relatos do drama daquelas pessoas, que vieram à tona nos últimos dias, influenciadores evangélicos e simpatizantes do ex-presidente Jair Bolsonaro disseminaram desinformação. Publicações em mídias digitais passaram a questionar a veracidade das imagens, os dados apresentados, a nacionalidade dos indígenas (com a falsa alegação de que são venezuelanos) e, também, o grau de responsabilidade do governo anterior diante das denúncias de etnocídio e pelas mortes por inanição, que entre elas mais de 500 crianças.
O Ministério da Saúde instalou o Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública (COE – Yanomami) como mecanismo nacional da gestão coordenada da resposta neste campo. A gestão do COE estará sob responsabilidade da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai/MS), considerando a tipologia da emergência.
Uma equipe da Força Nacional do Sistema Único de Saúde (SUS) com 13 profissionais instalou um Hospital de Campanha. Outra equipe multidisciplinar com oito profissionais da área de saúde da Aeronáutica (FAB) foi deslocada de Manaus (AM) para a região de Surucucu (a cerca de 270 km a oeste da capital roraimense). Outra medida é o início do transporte de retorno para as aldeias dos yanomamis sem problemas de saúde e que se encontram na Casa de Saúde Indígena de Boa Vista.
A ação interministerial irá acompanhar de perto a crise sanitária do povo Yanomami, vítima de desnutrição e de outras violações dos direitos humanos – com atenção especial para as ameaças de morte a autoridades, agentes de saúde e indigenistas, já anteriormente denunciadas ao Governo Federal (leia aqui o inteiro teor das denúncias anteriores)
Damares se defende, mas cai em contradição
No campo das denúncias que circulam nas mídias sociais, além de Jair Bolsonaro, o nome mais citado de autoridades a serem responsabilizadas é o da ex-ministra e senadora eleita Damares Alves (PL/DF).
Com a publicação de matérias jornalísticas que expuseram documentos e ofícios que mostram omissão do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos diante de denúncias da grave situação dos yanomamis, desde 2019, Damares Alves publicou tuítes nos quais alega ter realizado ações a favor dos indígenas, afirmando que os governos anteriores é que provocaram o caos. Tais justificativas, que serão checadas posteriormente pelo Bereia, acabaram contrapondo seus próprios apoiadores e os do governo Bolsonaro que insistiam nas publicações de negação da crise humanitária e da identidade dos yanomamis.
Na noite de 23 de janeiro, o Ministério da Saúde publicou nota com a afirmação de que é falsa a informação de indígenas encontrados em estado grave não são brasileiros.
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Bereia verificou serem falsas as publicações que circulam em mídias digitais de lideranças e influenciadores religiosos negadoras da crise humanitária e da própria identidade dos yanomamis brasileiros, habitantes da terra indígena em Roraima. Qualquer publicação neste sentido, além de falsa, é manifestação de desumanidade diante da situação dramática vivida por aquela população.
Referências de checagem:
Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI). https://www.gov.br/funai/pt-br/assuntos/noticias/2023/conheca-as-medidas-de-socorro-aos-yanomami-ja-anunciadas-pelo-governo-federal Acesso em: 23 jan 2023.
Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2197283 Acesso em: 23 jan 2023.
O Globo. https://oglobo.globo.com/epoca/guilherme-amado/damares-alegou-falta-de-consulta-indigenas-ao-pedir-veto-para-oferta-de-uti-agua-potavel-24632056?versao=amp Acesso em: 23 jan 2023.
Yahoo!Notícias. https://br.noticias.yahoo.com/veto-de-bolsonaro-a-lei-de-protecao-a-indigenas-foi-pedido-de-damares-141323609.html Acesso em: 23 jan 2023.
Twitter. https://twitter.com/Mario_Bonsaglia/status/1617315163626946560?t=4gdNGTxGwgxuBFU1LO-AYg&s=19 Acesso em: 23 jan 2023.
https://twitter.com/DamaresAlves/status/1617219040535089154?cxt=HHwWhMC8scSJwvEsAAAA Acesso em: 23 jan 2023.
https://twitter.com/minsaude/status/1617648714566471693 Acesso em: 23 jan 2023.
Ministério da Saúde. https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2023/janeiro/ministerio-da-saude-esclarece-que-indigenas-resgatados-no-territorio-yanomami-sao-brasileiros-1 Acesso em: 23 jan 2023.
FERNANDES, Rhuan Muniz Sartore. A epidemia do garimpo ilegal e o avanço da covid-19 na terra indígena Yanomami. Revista Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 7, nº 14, pp. 214-226, maio-agosto de 2021.
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Foto de capa: Ricardo Stuckert/Presidência da República
Matéria publicada pela Folha de S. Paulo, em 24 de novembro passado, com o título “Lula diz que vai cobrar apoio de evangélicos a vacinas ou responsabilizar igrejas por mortes” foi fonte para uma série de publicações críticas ao presidente eleito em mídias digitais religiosas.
As publicações, como as reproduzidas a seguir, em sites de notícias gospel e mídias sociais de apoiadores religiosos do atual governo, ganharam tom de terror verbal e deram fôlego ao tema desinformativo mais disseminado durante as eleições, segundo levantamento do Bereia, a “perseguição a cristãos e a igrejas”.
A matéria da Folha de S. Paulo
A matéria que serviu de base para nova safra de publicações sobre “perseguição a igrejas”, relata reunião fechada da equipe de saúde do governo de transição com representantes de várias áreas da saúde, em 24 de novembro, em Brasília. Segundo o jornal, a reunião teve formato híbrido e a participação do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se deu por vídeo.
No relato da Folha de S. Paulo, Lula teria afirmou aos participantes da reunião: “Eu pretendo procurar várias igrejas evangélicas e discutir com o chefe delas: ‘Olha, qual é o comportamento de vocês nessa questão das vacinas?’”. Ele teria dito ainda, segundo o texto: “Ou vamos responsabilizar vocês pela morte das pessoas”.
O presidente eleito ainda teria dito, de acordo com a matéria, que os primeiros cem dias de seu governo terão como foco a recuperação do PNI (Programa Nacional de Imunizações), o aumento da cobertura vacinal e a restauração da confiança da população, que, segundo a avaliação de Lula, foi afetada por fake news sobre o tema. “Vamos ter de agora pegar muita gente que combateu a vacina que vai ter de pedir desculpa”, teria dito o presidente eleito.
A matéria da Folha de S. Paulo relatou ainda que Lula se comprometeu a “enfrentar a burocracia da máquina pública” diante do sofrimento da população na busca de atendimento médico e atender demandas com a questão do autismo. Além destes temas e o da cobertura vacinal, o fortalecimento do Serviço Único de Saúde (SUS) também foi pauta do diálogo com o presidente eleito, segundo o jornal.
A reportagem cita a participação de ex-ministros da Saúde na reunião (Alexandre Padilha, Arthur Chioro, José Gomes Temporão, José Agenor e Humberto Costa, bem como de representantes do Instituto Butantan, da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, da Opas (Organização Pan-Americana da Saúde), da Fiocruz, do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde), do Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde) e ex-chefes de PNI, entre outros órgãos.
A fala do presidente eleito na reunião fechada durou cinco minutos, foi assistida por algum interlocutor em um notebook, gravada em telefone celular e publicada em link da TV UOL. O link está inserido na matéria da Folha de S. Paulo. A menção às igrejas evangélicas foi uma parcela do total da exposição de Lula que durou 38 segundos.
Reações e novo destaque no noticiário
O destaque do jornal Folha de S. Paulo à parcela da fala do presidente que mencionou as igrejas provocou publicações críticas, como as citadas acima, e notas públicas de organizações evangélicas. A Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) publicou nota de repúdio à fala de Lula na reunião fechada, em 25 de novembro, com base na matéria do jornal.
Segundo a nota da Anajure, o repúdio refere-se ao fato de Lula, “ao generalizar o segmento evangélico, desconsidera os múltiplos exemplos de colaboração de interesse público ocorridos na pandemia e na sociedade brasileira, afastando-se da via adequada para os debates acerca da vacinação com as entidades religiosas e o público em geral, qual seja, o do consentimento informado”.
A Anajure afirma na nota que “tal perspectiva, que aposta num consentimento informado, colide com discursos excludentes que, próximos da ameaça, terminam por se mostrar contraproducentes”.
A Frente Parlamentar Evangélica também publicou nota de repúdio, assinada pelo presidente, o deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL/RJ), também em 25 de novembro. No texto, a FPE se coloca “em defesa de todos os Evangélicos do Brasil” para repudiar a fala de Lula. Segundo o texto, “ao complementar a fala LULA disse que vai ‘pegar muita gente’ demonstrando claro intuito de perseguir preconceituosamente à comunidade Evangélica, visto que não se referiu a nenhuma outra organização religiosa, sindical e ou a qualquer outro segmento da sociedade que defende a ampla liberdade de escolha de seus integrantes”.
A FPE, mantendo a postura de oposição ao presidente eleito com uso do terror verbal, ainda afirma na nota que: “Discursos como esse reforçam a necessidade de continuarmos conclamando nossa sociedade a refletir sobre os fundamentos e os princípios que nortearão a República, caso Lula assuma e permaneça na presidente, eis que tal fala conduz o país ao temeroso caminho da discriminação, preconceito e intolerância religiosa, especificamente contra os Evangélicos”.
O jornal O Globo repercutiu o caso, na mesma direção da Folha de S. Paulo, e publicou, em 26 de novembro, matéria com o título “Pastores e bancada evangélica reagem a cobrança de Lula sobre vacina”.
Para o conteúdo, o jornal fez uso de um vídeo publicado em mídias sociais, pelo pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia, no qual ele critica o Partido dos Trabalhadores (PT) e afirma que o presidente eleito tem “preconceito com a igreja evangélica”.
O Globo ainda transforma em notícia um extrato da gravação do pastor Malafaia em que ele ataca o presidente eleito e o Supremo Tribunal Federal de forma grosseira: “Que moral o Lula tem para cobrar alguma coisa? Vai lavar essa sua boca de cachaça. você só está aí porque tem amiguinho no STF (Supremo Tribunal Federal) que liberou você. Você foi condenado em todas as instâncias por corrupção. Quero ver que líder evangélico que vai receber esse crápula”.
Além de Silas Malafaia, os pastores ouvidos por O Globo, críticos à fala de Lula, foram os deputados federais vinculados às Assembleias de Deus, apoiadores da reeleição de Jair Bolsonaro, Sóstenes Cavalcate, Otoni de Paula (MDB/RJ) e Marco Feliciano (PL/SP). Um deputado federal pastor foi ouvido “em contraponto”, Davi Soares (União/SP), da Igreja Internacional da Graça de Deus, que, segundo a matéria, afirmou que “sua igreja ‘é 100% a favor da imunização’ e que tomou quatro doses da vacina contra a Covid-19”. O pastor e deputado apoiador do atual governo, declarou à reportagem ter as portas abertas ao diálogo com Lula: “O presidente, tendo contato com as lideranças das igrejas, verá que apoiamos a vacinação por completo. Tomara que ele as procure”.
O tom da reunião da equipe de transição
Para compreender o contexto da fala do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva na reunião com o Grupo de Trabalho em Saúde da equipe de transição para o novo governo, Bereia ouviu a pesquisadora da Fiocruz e ex-presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS) Dra. Socorro Souza. Ela integra o GT como representante da diversidade regional, racial e de gênero na área da saúde.
Socorro Souza avalia que a matéria da Folha de S. Paulo cobre “incorretamente ou insuficientemente alguns dos importantes pontos abordados na reunião; que não somente a fala do presidente eleito”. A ex-presidente da CNS relata que foi tratado o relevante tema da defasagem no orçamento da saúde decorrente do teto de gastos, superior aos 22,7 bilhões anunciados. Segundo ela “este valor a ser recomposto resulta da aplicação da Lei 141/2012, que determina à União aplicar o valor do ano anterior somado à variação do PIB. Algo que se aproxima de 10% da receita corrente líquida da União”.
Sobre a vacina e o Plano Nacional de Imunização (PNI), Socorro Souza explica que “o presidente iniciou sua fala referindo-se à importância de se falar com a sociedade, as famílias e o povo (e não somente os evangélicos) para que possam voltar a acreditar na eficácia das vacinas, e não mais nas ‘brincadeiras’ ditas pelo atual governo”.
A pesquisadora acrescenta que Lula “fez elogios aos trabalhadores da saúde e afirmou que quer que o trabalhador tenha qualidade de vida. Que vai procurar conversar com líderes religiosos (das igrejas)”. Socorro Souza acrescenta que o presidente eleito “mencionou, neste contexto, a responsabilidade sanitária de autoridades. Sobre responsabilidade por mortes, a referência foi feita a Bolsonaro, atual Presidente da República”.
A ex-presidente do CNS ouvida pelo Bereia, reitera a fala do ex-ministro da Saúde Arthur Chioro, citada na matéria da Folha de S. Paulo, que, segundo ela, “contextualiza e usa palavras que retraram o exato sentido dos conteúdos abordados na reunião”. Ela se refere ao trecho da reportagem que cita a afirmação de Chioro: “Muito bom saber que nós temos um presidente que participa da reunião com a sociedade de especialistas e que se compromete [com a pauta]. O Brasil vai contar com o presidente da República liderando a retomada do nosso Programa Nacional de Imunização e do enfrentamento da pandemia”.
A fala de Lula na reunião (transcrição em blocos de assuntos):
00:00 a 1:30 (um minuto e meio): Primeiro, eu estou muito feliz com a reunião. Era exatamente este tipo de discussão que eu queria ouvir. E estou mais preocupado é como vocês vão sistematizar toda esta história. O dado concreto, gente, é que vou sair agora e só queria dizer o seguinte. Nós vamos ter que tratar neste mandato na saúde tentando vencer um pouco a burocracia na máquina pública. Você foi ministro, Padilha foi ministro, Humberto foi ministro, Temporão foi ministro, e sabe como às vezes a máquina emperra, a máquina não anda. Às vezes um burocrata faz e não faz, nós vamos ter que tentar lidar com isto porque todo o nosso lema, além da saúde de qualidade é a gente tentar atender este povo, povo está muito sofrido. Consegue até ir a Upa depois não consegue mais nada. O povo fica esperando, esperando e a gente não pode deixar isto.
1:31-2:09 (38 segundos): A gente não pode, de forma precipitada, achar que a gente anunciar vacina, o povo vai tomar. Não. O povo tem que ser convencido outra vez da eficácia da vacina, e nós vamos ter agora que pegar muita gente que combateu a vacina, que vai ter que pedir desculpa. Eu, pelo menos, pretendo procurar várias igrejas evangélicas e discutir com o chefe deles o seguinte: ‘Qual é o comportamento de vocês nessa questão da vacina?’ Ou nós vamos responsabilizar vocês pelas mortes das pessoas.
2:10-2:19 (nove segundos): Outra coisa que me preocupa é que temos que levar médicos para o interior longínquo, para aqueles lugares que ninguém quer ir.
2:20-2:49 (29 segundos): Estamos com um desafio muito grande. Nós temos que tentar fazer. Neste ano, eu tenho desejo de fazer neste ano tudo o que eu não fiz em oito anos. A gente não conseguiu fazer porque não conseguiu, não tinha expertise para fazer. Hoje nós temos muita gente com expertise, temos aí cinco ministros, muita gente com expertise para ajudar.
2:50-3:00 (10 segundos): Nos próximos dias eu vou passar a escolher o ministério e qualquer ministro da saúde, da educação, vai ter uma gama de gente para ajudar, não para atrapalhar.
3:01-3:36 (35 segundos): A saúde para mim é uma coisa muito dura porque a gente ouve no palanque, quando a gente desce do palanque, as pessoas que vêm abraçar a gente, muitas vezes, vêm pedir coisas, e uma coisa que me assusta é a preocupação com o autismo. Você não tem noção, Chioro, quantas pessoas no palanque falavam ‘Lula, faz alguma coisa pelo autismo, eu tenho um filho autista”. É uma coisa que eu nem me dava conta.
3:37-4:16 (39 segundos): nós precisamos voltar a ter uma medicina humanizada, qualificada e funcional. Esta é a ideia básica e por isso é que eu estou gostando da reunião. Esta reunião serve de base para a gente ter um bom começo de mandato. Eu não posso estar anunciando algumas coisas e esperar três meses para começar. Tem que ser logo. Por exemplo, farmácia Popular, estas coisas, nós vamos ter que dar de bico, e começar a ganhar este jogo.
4:17-5:00 (43 segundos): eu queria só agradecer. Padilha, a Janja acha que eu estou falando demais, eu queria agradecer [comentários]. Espero que vocês vão ter um relatório disto que eu gostaria de receber – está gravando, né Padilha? Eu quero receber tudo. Vocês vão ficar até que horas? [comentários]. Se eu puder eu entro um pouco à noite. Muito obrigado.
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Bereia classifica as matérias da Folha de S. Paulo e de O Globo como imprecisas. Os veículos de notícias desinformam com imprecisão em vários elementos.
A Folha de S. Paulo promove desinformação ao dar destaque à menção de 38 segundos sobre as igrejas evangélicas na fala do presidente eleito, sem contextualizá-la, no que dizia respeito ao tratamento do tema do Plano Nacional de Imunização, colocado na reunião como uma das prioridades para o novo governo na área da saúde. O papel das igrejas evangélicas não foi o tema central da reunião e nem da fala de cinco minutos de Lula, que teve oito blocos temáticos, como se pode observar na transcrição oferecida pelo Bereia nesta matéria.
A desinformação, produzida por extrato de material de reunião fechada da equipe com a participação do presidente eleito, destacada no título da matéria (muitas vezes, o único conteúdo lido pelo público), induz à compreensão de um destaque às igrejas evangélicas que não ocorreu. A opção do jornal por uma hierarquização temática, que provocou reações entre os evangélicos, citados brevemente na reunião, leva à conclusão de ter ocorrido uma deliberada alimentação da tensão já existente com o presidente eleito desde o período eleitoral, com a suposta ameaça de perseguição a igrejas em futuro governo de esquerda.
Isto se reflete na forma como as reações se deram em publicações de indivíduos e de mídias religiosas apoiadores do atual governo e nas notas públicas de organizações ligadas ao segmento evangélico. Elas reacenderam o tema desinformativo da “perseguição a igrejas” como usado na campanha eleitoral de oposição à candidatura de Lula.
A ação desinformativa da Folha de S. Paulo se estende na matéria de O Globo, que repercute várias reações críticas de líderes evangélicos, a maioria políticos de oposição ao presidente eleito. O jornal chega a publicar um ataque grosseiro a Lula, em vídeo publicado na internet, que atinge também o STF e faz uso de mentiras, sem informação que ofereça contraposição.
A reportagem de O Globo ouviu apenas um deputado federal pastor “em contraponto” e desconsiderou outros que teriam relevância para o tema, como lideranças fora do campo político, que pudessem opinar sobre uma possível cobrança de apoio das igrejas em relação à vacinação.
A desinformação se configura ainda no fato de que nem a Folha de S. Paulo nem O Globo recuperaram o papel exercido por diferentes lideranças evangélicas no contexto da pandemia de covid-19 para se verificar a pertinência de uma “responsabilização” em relação a “comportamento em relação a vacinas” da parte do futuro governo. Estes veículos de notícias também não buscaram informação dos participantes da equipe de transição sobre o porquê da menção de igrejas evangélicas pelo presidente eleito quando o tema tratado foram as vacinas.
Sites como PlenoNews, Gospel Mais e Gospel Prime divulgaram em 4 de novembro um relatório que seria uma prova contumaz de fraudes nas eleições brasileiras para a Presidência da República, cujo segundo turno foi realizado em de outubro e elegeu o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para mais um mandato como presidente do Brasil.
A “auditoria” teria sido realizada por iniciativa privada de brasileiros e teria gerado um dossiê apócrifo de 70 páginas, enviado por uma pessoa não identificada ao dono do canal “La Derecha Diario”, o argentino Fernando Cerimedo. A apresentação foi feita em uma live transmitida por Cerimedo no YouTube e no Twitch no mesmo dia da publicação dos sites. A transmissão foi derrubada pelo YouTube, e o canal não está mais disponível no Brasil, por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O principal argumento apresentado na live afirma que cinco modelos antigos de urnas eletrônicas (UE2015, UE2013, UE2011, UE2010 e UE2009) usadas na eleição deste ano registraram mais votos para Lula (PT) do que para Bolsonaro (PL). Esses modelos, diz o dossiê, não teriam sido submetidos a testes de segurança. Ainda de acordo com o documento, apenas a urna UE2020 teria passado pelo crivo de peritos de universidades federais e das Forças Armadas. Essa informação, entretanto, é falsa porque todos os modelos de urna eletrônica já foram submetidos a testes, de acordo com o Superior Tribunal Eleitoral. Além disso, Cerimedo alega que há divergências entre os arquivos de log (registro de eventos) entre urnas do mesmo modelo. Em mensagem que circula no WhatsApp, apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) usam as alegações do marqueteiro argentino para espalhar mais informações falsas sobre o resultado do pleito 2022.
O argentino alega que recebeu dados de uma auditoria privada do Brasil, no entanto, não revela o nome do grupo ou empresa que levantou as informações. “Essa informação chegou em nossas mãos a menos de 72 horas e foi realizada por parte de pessoas privadas no Brasil que registraram anomalias em diferentes estados do Brasil”, afirma Cerimedo na live em que apresentou sua teoria. O vídeo com dados distorcidos foi assistido por mais de 400 mil pessoas, e foi amplamente divulgado entre aliados do presidente Bolsonaro, derrotado no pleito.
Tiago Batalhão rebate cada uma das alegações dispostas no relatório. “Ele (Cerimedo) comenta que ‘Modelos não-2020 têm ângulo fixo ‘máximo’, do qual os votos do Bolsonaro ou do Lula ‘não podem passar’. Obviamente, a soma dos votos de Bolsonaro e de Lula não podem passar do número de eleitores aptos a votar naquela urna”, explica Tiago em uma série de tuítes para esclarecer cada “denúncia” apontada na live. “Na minha opinião, isso já enfraquece bem o relatório, coloca uma dúvida sobre a capacidade técnica de quem fez. Porque ele trata como grande escândalo algo que na verdade é bem trivial”, argumenta.
Outro ponto rebatido por Batalhão é a homogeneidade da população apurada. O argentino alega que em uma mesma região homogênea, que deveria ter votos semelhantes, Bolsonaro fica 11% mais abaixo se comparar máquinas antigas com os votos nas máquinas novas. De acordo com o cientista de dados, o relatório exclui as capitais, mas não as cidades próximas às capitais. “No interior dos estados do Nordeste, há poucas urnas novas (modelo 2020), com exceção de algumas regiões de Bahia e Piauí (ao redor da capital, a única que não fica no litoral), já era sabido desde antes que o Lula tinha um desempenho muito bom no interior do Nordeste e nem tanto assim no litoral. A votação maior do Lula nas urnas antigas parece fácil de entender ao olhar o mapa e ver que o litoral tinha urnas novas e o interior ficou com as antigas”.
As urnas com zero voto para Bolsonaro… e para Lula
Cerimedo levantou mais uma questão: o fato de haver urnas com zero voto para Bolsonaro. É fato que existem urnas com zero voto para o candidato do PL, mas há também para Lula. De acordo com o TSE, a predominância de votos para um dos candidatos não é indício de fraude eleitoral. A situação é comum e já ocorreu em eleições anteriores. “Foram apenas 144 urnas (com votos apenas em Lula), o que corresponde a 0,02% de todas as urnas utilizadas nessas eleições”, afirma o TSE em sua conta oficial no Twitter. O candidato do PL, Jair Bolsonaro, por sua vez, foi unanimidade em quatro seções eleitorais.
Os docentes do Laboratório de Arquitetura e Redes de Computadores (Larc) do Departamento de Engenharia de Computação e Sistemas Digitais da Escola Politécnica (Poli) da USP Wilson Ruggiero e Marcos Simplicio, também rebateram as desinformações veiculadas por Cerimedo.
Quem é Fernando Cerimedo?
Fernando Cerimedo é estrategista, consultor especializado em marketing digital e político, dono de diversos canais ligados à direita argentina e responsável pelo canal “La Derecha Diário” no YouTube, onde a live com as supostas fraudes foi transmitida. Cerimedo é apoiador declarado da família Bolsonaro e alega ter ajudado na campanha do presidente em 2018. O argentino teria se encontrado com o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) pouco antes do segundo turno deste ano.
Na live de 4 de novembro, Cerimedo diz que recebeu os documentos que comprovariam a fraude do Brasil, mas que não tinha qualquer relação com a família Bolsonaro. No entanto, nas mídias sociais, ele se mostra um apoiador convicto do clã, engajado durante todo o processo eleitoral em prol do presidente.
Diferentemente do que foi dito, não é verdade que os modelos anteriores das urnas eletrônicas não passaram por procedimentos de auditoria e fiscalização. Os equipamentos antigos já estão em uso desde 2010 (para as urnas modelo 2009 e 2010) e todos foram utilizadas nas Eleições 2018. Nesse período, esses modelos de urna já foram submetidos a diversas análises e auditorias, tais como a Auditoria Especial do PSDB em 2015 e cinco edições do Teste Público de Segurança (2012, 2016, 2017, 2019 e 2021).
As urnas eletrônicas modelo 2020, que ainda não estavam prontas no período de realização do TPS 2021, foram testadas pelo Laboratório de Arquitetura e Redes de Computadores (Larc) da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (EP-USP), além de ter o conjunto de softwares avaliado também pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Nas três avaliações, não foi encontrada nenhuma fragilidade ou mesmo indício de vulnerabilidade.
É importante ressaltar que o software em uso nos equipamentos antigos é o mesmo empregado nos equipamentos mais novos (UE2020), cujo sistema foi amplamente aberto para auditoria dentro e fora do TSE desde 2021. A urna eletrônica é um hardware, ou seja, um aparelho. O que realmente importa é o que funciona dentro dela: o programa que ficou disponível para inspeção durante um ano, foi assinado digitalmente e lacrado em cerimônia pública com participação das entidades fiscalizadoras, como Ministério Público, Polícia Federal, Controladoria-Geral da União e Ordem dos Advogados do Brasil, por exemplo.
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Bereia classifica que as informações divulgadas pelos sites evangélicos Gospel Mais, Pleno News e Gospel Prime são falsas. Os veículos desinformam ao sugerir que houve fraude nas urnas eletrônicas usando como base apenas informações falsas divulgadas por um suposto dossiê do qual não se conhece nem mesmo a autoria. O site Pleno News, no entanto, sem retirar o conteúdo falso publicado em 4 de novembro, atualizou em 7 de novembro a matéria, acrescentando a nota do TSE que desmente e contradiz as informações divulgadas pelo influencer argentino em seu canal “La Derecha Diario”.
Na disputa político-eleitoral de 2022, o principal embate é travado no território da da linguagem. Uma das estratégias mais utilizadas neste conflito informacional é o pânico moral e o ataque à cognição (a forma de raciocínio e assimilação de conteúdo) dos eleitores via mídias sociais. Nas diversas declarações e notícias checadas pelo Bereia em processos eleitorais, temas como “ideologia de gênero”, aborto, erotização de crianças e defesa da “família tradicional” são temas recorrentes.
O pânico moral pode ser compreendido “numa acepção mais abrangente, como o consenso, partilhado por um número substancial de membros de uma sociedade, de que determinada categoria de indivíduos estaria ameaçando a estrutura social e a ordem moral”. Esta ideia é explicada pelo professor associado de Direito Civil da UFMG César Fiúza e da doutora em Direito Privado pela PUC-MG, Luciana Poli.
Na guerra de discursos pela internet, este estado de pânico é desencadeado com terror verbal com falsas acusações a líderes políticos, partidos e formadores de opinião que não partilham das mesmas opiniões ou são uma ameaça à hegemonia dos grupos que estão atualmente no poder.
A recente declaração em vídeo da ex-ministra de Estado e senadora eleita Damares Alves sobre as criancinhas que teriam seus dentes arrancados por pedófilos, sob investigação do Ministério Público, segue uma cartilha já conhecida e bastante utilizada pela senadora eleita: falta de fontes ou provas; combinação e reconfiguração de temas anteriormente explorados; forte apelo à emoção e a fé; discurso exaltado; inimigo a ser combatido.
Segue uma seleção as checagens do Bereia sobre declarações, publicações e mensagens que exploraram o pânico moral e “viralizaram” nas mídias sociais religiosas:
Levantamento do Bereia a partir de suas checagens no período eleitoral iniciado em 2021 até o primeiro turno realizado em 2 de outubro passado, mostra que supostos feitos do governo Jair Bolsonaro estiveram entre os temas com mais conteúdo falso e enganoso circulante em espaços digitais religiosos.
Desde 2019 circulam diversos conteúdos desinformativos em mídias e meios religiosos a respeito de realizações do governo de Jair Bolsonaro. Desde execução de obras públicas à gestão da pandemia, passando pela criação de mecanismos financeiros como o Pix, foram várias falsidades publicadas a respeito de ações do Poder Executivo.
Pronunciamentos do presidente da República em eventos ou à imprensa contendo desinformação também foram reproduzidos nos meios religiosos.
Bereia oferece aqui uma seleção de checagens sobre supostos feitos de Jair Bolsonaro no comando da nação:
Desde o início do segundo turno das eleições presidenciais as mídias sociais foram inundadas de conteúdos falsos. Como parte do nosso compromisso com a verdade nas redes, o Bereia assina a Nota Pública sobre Desinformação Eleitoral, elaborada pela Rede Nacional de Combate à Desinformação (RNCD) e apoiada por instituições, empresas de comunicação, coletivos, grupos e núcleos de pesquisas e demais atores da área de comunicação.
A Rede cobra das plataformas de mídias o enfrentamento à desinformação, ao discurso de ódio e à violência política. Segundo a nota, o movimento Democracia Pede Socorro “já apontava a fragilidade do cenário eleitoral, além disso, o próprio Tribunal Superior Eleitoral-TSE e inúmeras organizações publicaram relatórios, debateram o papel das plataformas e apontaram como poderiam atuar para minimizar os efeitos nocivos da circulação em grande quantidade e velocidade de mensagens com desinformação”.
Leia a nota na íntegra:
NOTA PÚBLICA SOBRE DESINFORMAÇÃO ELEITORAL
Plataformas digitais devem coibir a desinformação eleitoral urgentemente
Canais diretos e agilidade nas respostas são caminhos possíveis para um segundo turno mais saudável e com enfrentamento real à desinformação.
Em menos de 48 horas após o resultado eleitoral do primeiro turno das eleições de 2022 nos deparamos com um cenário já conhecido: uma enxurrada de desinformação que perpassa desde a pauta de costumes a ataque às pesquisas e urnas eletrônicas. O que mais nos surpreende diante disso tudo é que, infelizmente, a tragédia já estava anunciada. A Rede Nacional de Combate à Desinformação, portanto, vem a público trazer o alerta e, principalmente, cobrar a responsabilidade de alguns atores envolvidos diretamente nessa desenfreada propagação de desinformação, são eles: as plataformas digitais e o poder público.
Não é de forma ingênua que cobramos as plataformas no enfrentamento à desinformação, ao discurso de ódio e à violência política. Um movimento da sociedade civil organizada denominado Democracia Pede Socorro já apontava a fragilidade do cenário eleitoral, além disso, o próprio Tribunal Superior Eleitoral-TSE e inúmeras organizações publicaram relatórios, debateram o papel das plataformas e apontaram como poderiam atuar para minimizar os efeitos nocivos da circulação em grande quantidade e velocidade de mensagens com desinformação.
No entanto, estamos cientes das ‘limitações’ das plataformas em uma atuação efetiva de combate, visto que medidas mais eficazes podem interferir diretamente em seu modelo de negócios. As plataformas lucram com a desinformação. Não à toa, como informado recentemente pela CNN, o custo por mil visualizações (CPM) de propagandas na internet aumentou mais de 1.800% nos primeiros quinze dias de campanha eleitoral. Os dados foram levantados na plataforma do Facebook Ads, que é o gerenciador de anúncios do Facebook e do Instagram. Segundo dados registrados no TSE até esta sexta-feira (7), os candidatos gastaram cerca de R$ 191 milhões com impulsionamento de publicações nas redes sociais e demais plataformas digitais. Sabemos que conteúdos desinformativos geram mais engajamento, e, em consequência, geram mais lucros a esses grupos econômicos.
Diante desse reconhecimento de poder e concentração do debate na esfera pública virtual, o que fazemos aqui é solicitar que as plataformas ajam de forma responsável, defendendo a democracia como propagam e respondendo de forma imediata e ainda dentro do cenário eleitoral para que possamos garantir minimamente um ambiente de informação saudável.
Diante do exposto, indicamos duas principais formas: reações mais céleres às denúncias desvelando de forma transparente a moderação de conteúdo e abertura de canais mais diretos aos especialistas da área que subscrevem essa nota, em especial, os componentes dessa Rede.
Para a sociedade em geral e seus representantes eleitos para o próximo pleito fica o apelo ao apoio e aprovação ao projeto de Lei 2630/2020, que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, para que esse cenário não se repita a cada dois anos e fiquemos à mercê das escolhas autorreguladas das plataformas. Precisamos agir de maneira coletiva responsabilizando os responsáveis, mas cientes de que para enfrentar a desinformação precisamos de um pacto coletivo entre todos os atores.
Subscrevem essa nota:
Instituições, Empresas de Comunicação, Coletivos, Grupos e Núcleos de Pesquisas e demais atores Pesquisadores e Especialistas.
No contexto da cobertura noticiosa dos casos de reação negativa de membros de igrejas evangélicas a discursos de campanha pró-reeleição do presidente Jair Bolsonaro, o jornal O Globo produziu, em 6 de setembro passado, a matéria “Campanha eleitoral em cultos evangélicos provoca reação de fiéis e até troca de igreja”. O texto também enfatiza que algumas lideranças têm sido punidas internamente após as reações negativas a estas práticas.
Entre os casos mencionados na matéria está o do tiro disparado em uma igreja por um PM depois de um membro reagir a um pregação política contra esquerdas. É também apresentada a situação do pastor da Igreja Batista de Água Branca Ed René Kivitz. O jornal afirma que ele teria sido punido pela Ordem dos Pastores Batistas de São Paulo depois de fazer pregação política. O jornal desinformou ao inserir este caso na matéria pois ele não corresponde à ênfase dada.
Liderança evangélica com forte presença nas mídias, Ed René Kivitz há tempos é alvo de críticas de um público conservador das igrejas, tendo sofrido linchamentos virtuais e “cancelamentos”. Conhecido por sua crítica ao posicionamento político alinhado à extrema direita, de algumas igrejas e religiosos, Kivitz manifesta-se contrário a uma série de pautas defendidas por apoiadores do governo Bolsonaro, entre eles o porte de armas e o apoio institucional de igrejas ao governo. Ele sofreu graves críticas por um sermão pregado em sua igreja, em culto online do dia 25 de outubro de 2020, intitulado “Cartas vivas contra letras mortas”, pelo qual desafia os fiéis a uma leitura da Bíblia mais contextualizada e relacionada à vida. No apedrejamento virtual que sofreu, o pastor foi acusado de herege por querer “atualizar a Bíblia”.
A abordagem de O Globo menciona brevemente que Kivitz foi excluído da Ordem dos Pastores Batistas de São Paulo por ser crítico ao candidato Bolsonaro. Sem aprofundar o tema, a matéria coloca o pastor entre outros que estão relacionados a punições por realização de discurso político em cultos.
O pastor Kivitz comentou uma postagem de divulgação na matéria no Twitter e afirma que não foi expulso da Ordem dos Pastores Batistas de São Paulo:
Em vídeo publicado em suas mídias sociais em 2021, o pastor reconhecia o seu desligamento da Ordem Batista por conta da pregação online, de 2020, que gerou a acusação de heresia. Ele afirma: “foram oito minutos, em um sermão de 50 minutos, numa série de treze sermões, numa história de mais de 30 anos; e foram exatamente esses oito minutos que deram origem a um processo disciplinar que culminou, nessa última semana, com o meu desligamento da Ordem dos Pastores Batistas do Brasil”.
Durante o vídeo em questão não há menção à perseguição religiosa por motivações políticas. Bereia tentou conversar com o Pastor, mas não obteve resposta.
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Bereia classifica a informação levantada pelo Jornal O Globo como imprecisa. O Pastor Kivitz não foi ouvido pelo jornal para a construção da matéria, houve falha de apuração do caso que levou à redação de conteúdo superficial e inverídico, levando o público a uma compreensão distorcida dos acontecimentos que foram indevidamente utilizados no texto.
Ao contrário do que foi divulgado em pelo menos três matérias publicadas na Folha de São Paulo, o acordo assinado por lideranças de diferentes religiões com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pretende promover a paz e a tolerância nas Eleições Gerais de 2022 – e não combater as fake news, como publicado pelo jornal.
Segundo o Termo de Cooperação disponibilizado no site do TSE, os signatários do documento declararam a intenção de promover por meio dos seus meios de comunicação “ações de conscientização relacionadas com a tolerância política, legitimação do pensamento divergente e a consequente exclusão da violência” para preservação da paz social. Não há, no documento, menção sobre combate às fake news, notícias falsas ou a desinformação.
A questão da verdade apareceu no processo, contudo, foi mencionada apenas durante a cerimônia de assinatura do Termo, em 6 de junho no Salão Nobre do Tribunal, no discurso do atual presidente do TSE, Edson Fachin. “Defender a democracia é negar a cólera, fugir das armadilhas retóricas, fiar-se no valor da verdade”.
Acordo: sucesso ou fracasso
Para organizar o evento, o TSE convidou o desembargador William Douglas, do TRF (Tribunal Regional Federal) da 2ª Região, pastor ligado à igreja Batista. Em entrevista concedida ao Bereia, o desembargador federal declarou que foi procurado pelo TSE pelo fato de possuir experiência em magistratura e trânsito inter-religioso.
Para o evento de solenidade foram convidadas 33 pessoas, no entanto, apenas 12 assinaram o documento. O desembargador federal atribuiu o fato à desinformação veiculada na imprensa, “[…] a imprensa noticiou, mais de uma vez, como sendo um projeto sobre combate às fake news. Não é o caso: neste projeto não há qualquer menção a fake news”. Segundo sua análise, o assunto foi politizado levando, assim, a discussão para temas que não estavam propostos no Termo de Cooperação.
Outro ponto do evento que chamou a atenção foi a ausência de representantes de denominações históricas como Metodistas, Anglicanos e Luteranos para a assinatura do acordo. “A seleção [dos convidados] foi baseada em presença exemplificativa do segmento. O que se quis foi um rol exemplificativo e não exaustivo” explicou o desembargador, pontuando sobre a dificuldade da representação devido ao tamanho do segmento evangélico.
Para o desembargador, o fato do evento não ter uma representatividade maior não configura um problema, “não se espera de nenhuma liderança alguma postura de ciúme em relação a outras, o que não é bíblico”, conclui o desembargador que, apesar de ser pastor, assinou o Termo na condição de escritor.
Bereia também ouviu a secretária-geral do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC), a pastora luterana Romi Bencke. A organização cristã que representa a Aliança de Batistas do Brasil, as Igrejas Episcopal Anglicana do Brasil,Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, Presbiteriana Unida, entre outras, não foi convidada para o evento. “Fizemos contato informando nossa disposição em participar, no entanto, as pessoas que nos representariam não foram procuradas pelo TSE. Desde uma perspectiva de laicidade do Estado, creio que a participação deveria ter sido o mais plural possível, sem discriminação”, reclama a secretária-geral.
Romi Bencke conta que nas últimas eleições, para prefeitos e vereadores, em 2020, o CONIC foi convidado para apoiar as campanhas do TSE por eleições democráticas. “O TSE tem e deve ter o nosso nome em seu banco de dados. Após o encontro, fomos questionados por algumas organizações que estiveram presentes, por que não estávamos lá. A resposta foi: porque não fomos convidados ou informados. Por isso, pergunto pelos critérios considerados para deixar organizações de fora. Cabe ao TSE responder esta pergunta”, finaliza a pastora.
Independente de estar ou não presente no evento, o CONIC tem apoiado as campanhas do órgão por eleições limpas e divulgou uma nota de apoio ao processo eleitoral, de repúdio à violência e a FakeNews.
O evento pela Paz e Tolerância não sofreu apenas com a desinformação e com a ausência de entidades importantes como o CONIC. Apesar dos esforços para agregar os diferentes religiosos, o pastor Silas Malafaia, apoiador do governo Bolsonaro, atacou a reunião e pediu boicote ao evento.
“Eu só acredito que um líder religioso vá aparecer na reunião hoje se ele for alienado, está por fora desses fatos ou é esquerdopata. Um líder religioso que sabe das coisas não vai cair nesse jogo. Nós não vamos ser usados por esses interesses mesquinhos”, disse o pastor em um vídeo publicado em seu canal no Youtube, no mesmo dia do evento.
Assinou, não assinou
A lista de convidados foi composta, na sua maioria, por pessoas e entidades ligadas à fé evangélica e oito ligadas às demais religiões como. A relação a seguir onde constam os nomes dos convidados foi obtida pelo jornal Folha de São Paulo mediante a Lei de Acesso à Informação (LAI):
Abner Ferreira, presidente da Assembleia de Deus (Madureira/RJ).
Samuel Câmara, presidente da CADB (Convenção da Assembleia de Deus do Brasil)
Roberto Brasileiro, presidente da Igreja Presbiteriana do Brasil
Hilquias Paim, presidente da Convenção Batista Brasileira, conta com 8 mil igrejas e em torno de 1,7 milhão membros.
Jesus Aparecido, presidente da Convenção Batista Nacional, atualmente conta com 2.700 igrejas com mais de 400 mil membros.
Thiago Rafael Vieira, presidente do IBDR (Instituto Brasileiro de Direito e Religião)
Eduardo Bravo, presidente da Unigrejas (União Nacional das Igrejas e Pastores Evangélicos)
Edna Zilli, presidente em exercício da Anajure (Associação Nacional de Juristas Evangélicos)
Ismael Ornilo, presidente da Aliança das Igrejas Evangélicas Congregacionais do Brasil
Girrad Mahmoud Sammour, presidente da Anaji (Associação Nacional de Juristas Islâmicos)
Thiago Crucitti, diretor-executivo da Visão Mundial,
Claudio Lottenberg, presidente da Conib (Confederação Israelita do Brasil)
Juliane Penteado Santana, presidente da AJE-Brasil (Associação Jurídico Espírita do Brasil)
Augusto César Rocha Ventura, presidente da Associação Educativa Evangélica, mantenedora de instituições de ensino superior e colégios baseados em Goiás.
Stanley Arco, a Aneasd (Associação Nacional de Entidades Adventistas do Sétimo Dia) – é preciso explicar estas associações desconhecidas. Arco também é o atual presidente da Igreja Adventista do Sétimo Dia na América do Sul.
Walmor Oliveira de Azevedo, presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).
Sóstenes Cavalcante, deputado federal e presidente da bancada evangélica
Antônio Carlos Costa, presidente da ONG Rio de Paz
Davi Lago, pastor e escritor
Paschoal Piragine Jr., presidente da Primeira Igreja Batista de Curitiba
Márcio de Jagun, fundador do Instituto Orí
Nilce Naira, coordenadora da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde
Augusto Cury, escritor
Cláudio Duarte, pastor e escritor
Carlos Wizard, empresário e escritor.
David Raimundo Santos, fundador da ONG Educafro
William Douglas, escritor e desembargador federal do TRF 2 e organizador do encontro.
Aaron Inácio Silva Freitas, presidente do Igreja Assembleia de Deus Ministério Internacional do Guará, sediada no Distrito Federal, conta com aproximadamente 1.500 igrejas pelo Brasil.
Coen Roshi, monja budista, primaz fundadora da Comunidade Zen Budista Zendo Brasil (2001).
Ademar Kyotoshi Sato, monge budista do Templo Shin Budista Terra Pura, em Brasília-DF.
Keizo Doi, monge regente do Templo Shin Budista Terra Pura, em Brasília-DF.
Luzia Lacerda, diretora do Expo Religião, organização que promove seminários, congressos e feiras inter-religiosas. Lacerda também é jornalista e apresentador do programa Expo Religião transmitido na TV Alerj.
Dessa lista, apenas 11 instituições foram as signatárias, além do desembargador federal William Douglas, que assinou na condição de escritor e pensador:
Instituto Orí
Rede Nacional de Religiões Afro-brasileiras e Saúde (Renafro),
Templo Shin Budista Terra Pura
Organização Não Governamental (ONG) EducAfro
Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
Associação Jurídico-Espírita do Brasil (AJE-Brasil)
Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure)
Associação Nacional de Entidades Adventistas do Sétimo Dia (Aneasd)
ONG Visão Mundial
Confederação Israelita do Brasil (Conib)
Associação Nacional de Juristas Islâmicos (Anaji)
O pastor Antonio Carlos Costa, presidente da ONG Rio de Paz, publicou no dia 29 de junho, em sua conta no Twitter, uma nota, declarando que não assinou o Termo, pois não havia recebido em tempo. Após o recebimento comprometeu-se a assiná-lo.
………..
Bereia classifica como enganosa a notícia sobre o acordo contra fake news veiculada no jornal Folha de S. Paulo e demais veículos da imprensa. O acordo proposto pelo TSE referia-se à promoção da paz e tolerância nas Eleições Gerais de 2022. Como está demonstrado nesta matéria, o Termo de Cooperação não faz qualquer menção à desinformação. O combate às fake news deve ser prioridade em um processo eleitoral e não pode ser utilizado como chamariz de assuntos. Ele se faz com informação de qualidade, apurada com rigor jornalístico em busca da verdade. Como Bereia prediz em sua Metodologia de Checagem, deve-se buscar, sempre que possível, as fontes originais da informação.
Novas formas de ativismo passaram a compor o cenário político brasileiro, traduzindo as mudanças significativas na organização e mobilização política na era das novas tecnologias, mídias sociais, influenciadores digitais, disparos de mensagens em massa etc, conferindo à esfera pública digital e à opinião pública um papel fundamental sobre as mediações que realiza entre os cidadãos e o Estado.
A pesquisa “Cara da Democracia no Brasil” realizada pelo Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação fornece algumas pistas para tentar compreender estas e outras importantes mudanças no comportamento, nas atitudes, nas crenças e valores dos cidadãos brasileiros com relação à democracia, temas que dominam o debate público desde a eleição de Jair Bolsonaro, como legalização do aborto, descriminalização das drogas e direitos das chamadas minorias.
De acordo com a pesquisa, o dobro dos brasileiros se diz mais à direita do que à esquerda no espectro político. Entretanto, devemos levar em conta que a compreensão do significado do que é pertencer à direita ou esquerda não alcança a maioria da população, e muitas percepções mudam ao longo do tempo.
Direita e esquerda
Os termos direita e esquerda no campo político surgiram no turbulento período da Revolução Francesa de 1789. Durante os acalorados debates na Assembleia Constituinte a respeito do poder que o rei Luís 16 deveria ter a partir daquele momento, o grupo conservador, favorável à manutenção dos poderes da monarquia, ficaram à direita; enquanto os progressistas ou revolucionários, que defendiam diminuir os poderes do rei, sentaram-se à esquerda.
Com o passar dos anos, as diferenças entre os grupos evoluíram para outros temas, além dos poderes da monarquia, que pouco tempo depois chegou ao fim. Com a direita em busca de uma república vinculada à Igreja e um Estado com mercado liberal e a esquerda lutando por um Estado laico e regulador na economia. Em alguns países os termos progressistas e reacionários, conservadores e liberais ou democratas e republicanos nomeiam esses espectros políticos opostos. No Brasil, mais de 200 anos depois das discussões na França, os campos da esquerda e direita, com diversos tons entre os extremos de cada lado, continuam polarizando o debate político.
A pesquisa “A Cara da Democracia”, para tentar compreender onde cada brasileira está posicionado neste debate, apresentou um questionário no qual os entrevistados deveriam marcar de 1 a 10, sendo 1 o máximo à esquerda e 10 o máximo à direita.
Entretanto, chama atenção na pesquisa – para além de uma direita sedimentada que convive com algumas opiniões progressistas pontuais – o grande número de brasileiros que acreditam em teorias da conspiração. Apresenta-se como um desafio compreender de que maneira essas bizarras teorias ocuparam o imaginário social, o conjunto de crenças, de parte da população.
É espantoso que 20% dos entrevistados acreditam que a Terra é plana, 21% que a cloroquina cura a covid-19, e 27% não acreditam que o ser humano pisou na lua. No aspecto “ideológico” das conspirações, os números são ainda maiores, 49% acreditam que a China criou a covid-19 e uma das teorias mais difundidas pelo bolsonarismo, o globalismo (ideia de que a globalização econômica passou a ser controlada pelo “marxismo cultural”), é acolhida por 44% dos entrevistados, que acreditam em uma conspiração global da esquerda para tomar o poder no mundo. O falecido guru do bolsonarismo, Olavo de Carvalho e o ex chanceler Ernesto Araújo difundiram o globalismo incansavelmente.
Como explica a jornalista e doutora em Ciências da Comunicação Magali Cunha, em seu artigo O lugar das mídias no processo de construção imaginária do “inimigo” no caso Marco Feliciano, “os seres humanos vivem de imagens, vivem de imaginação socialmente construída, o que forma e reforma suas crenças, sua linguagem e suas atitudes frente às demandas da vida e do outro”.
Desta maneira, “o imaginário é, portanto, um componente da existência humana como experiência marcadamente social, que dá sentido à vida coletiva e é ressignificado por ela. Imaginário é a elaboração coletiva da coleção de imagens formada pelo ser humano, de tudo o que ele apreende visualmente e experencialmente do mundo.”
Na campanha eleitoral de 2018, Jair Messias Bolsonaro reuniu os discursos conservador tradicional, neoliberal, populista e religioso em uma nova combinação e elaborou uma retórica sem precedentes no Brasil. Tal rearticulação discursiva materializa um projeto hegemônico para a constituição de uma nova base e agenda política, liberal na economia e conservadora nos costumes, que é uma das facetas de um projeto político mais amplo de reestruturação da hegemonia do bloco centrado na elite econômica e financeira do país em novas condições.
De acordo com o sociólogo Jessé Souza, “distorcer o mundo social é parte do projeto das classes dominantes para subjugar os demais segmentos da sociedade e se apropriar da riqueza nacional e só a percepção adequada da dimensão cultural e simbólica da vida social nos permite uma compreensão mais profunda e verdadeira da vida que levamos como indivíduos”. No Brasil de Bolsonaro, as pautas morais e o inimigo comunista alimentam o imaginário de grande parte da população. As mídias sociais são o caminho.
“Engenheiros do Caos”
Na obra “Os Engenheiros do Caos: Como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições, Giuliano da Empoli (2019) refaz os caminhos percorridos por figuras como Gianroberto Casaleggio_ cofundador do partido italiano Movimento Cinco Estrelas e um dos primeiros a utilizar a internet e as redes sociais para fazer política, Steve Bannon – guru de Donald Trump e um dos principais nomes da ultradireita no mundo, Milo Yiannopoulos – comunicador e “blogueiro” inglês, apoiador convicto da “liberdade de expressão” e crítico feroz do “politicamente correto” e Arthur Finkelstein – conselheiro de Viktor Orban, presidente ultraconservador da Hungria, que juntos “estão em vias de reinventar uma propaganda adaptada à era das selfies e das redes sociais, e, como consequência, transformar a própria natureza do jogo democrático”. Esses são os Engenheiros do Caos.
O engajamento técnico: curtidas, comentários e compartilhamentos, tão buscados pelos executivos de marketing e publicidade das grandes empresas, é também o objetivo desses “profissionais” da esfera pública digital. Assim, colocam os algoritmos das redes sociais digitais ao seu favor, pois se os programadores do Facebook ou Instagram, por exemplo, trabalham para atrair e prender a atenção dos usuários pelo maior tempo possível, os algoritmos e ferramentas dos Engenheiros do Caos têm a mesma finalidade, capturar a razão dos indivíduos, neste caso, através da emoção, com iniciativas como o projeto Brasil Paralelo, produtora de conteúdo de extrema-direita, inspirado nas ideias de figuras como Olavo de Carvalho. Buscam “recontar” a História do Brasil, e as teorias da conspiração são a matéria prima de suas produções e documentários. Um projeto que à primeira vista pode parecer independente e feito por alguns jovens conservadores com “uma ideia na cabeça”, é parte de um movimento bem orquestrado, organizado e muito bem financiado.
Não importa se as posições apresentadas são absurdas, mentirosas ou fantasiosas, pois estão pautadas em uma questão numérica de engajamento e não são baseadas em valores éticos. A meta é identificar e hackear as aspirações e os temores dos usuários das mídias sociais digitais e fazer com que interajam com outros que defendem as mesmas posições e com as páginas ou perfis que apresentam estes conteúdos.
Magali Cunha explica que exércitos precisam de inimigos e a Teologia de um Deus guerreiro e belicoso sempre esteve presente na formação fundamentalista dos evangélicos brasileiros, compondo o seu imaginário e criando a necessidade de identificação de inimigos a serem combatidos, através dos tempos estes inimigos foram, em maior ou menor grau, a Igreja Católica, as religiões afro-brasileiras, os comunistas e mais recentemente, a população LGBTQIA+. Parte das estratégias no quadro das disputas político-ideológicas baseadas no enfrentamento de inimigos estabelecidos simbolicamente é criar uma “guerra” pela visibilidade, que comumente envolve números e exposição nas mídias.
As consequências na política nacional
Jair Bolsonaro e os seus próprios Engenheiros do Caos deram ainda uma nova roupagem a esse discurso, unindo a ameaça aos valores tradicionais da família e da ameaça comunista. Esses temas não são novos, mas a utilização das redes sociais digitais é a novidade.
Jessé Souza afirma que “colonizar o espírito e as ideias de alguém é o primeiro passo para controlar seu corpo e seu bolso”. De nada adianta os Engenheiros do Caos proclamarem as virtudes do governo atual e demonizar os governos de esquerda se ninguém acreditar nisso. E essa lavagem cerebral, ou melhor, privação sensorial, é turbinada pelas notícias falsas, teorias da conspiração, manipulação de dados e desinformação, turbinados pelas mídias sociais digitais e legitimadas por políticos, religiosos e influenciadores digitais. Algumas vezes, um indivíduo representa tudo isso, como o pastor presidente da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia.
Nessa bolha sinistra que comporta as mais inusitadas ideias e conspirações, os indivíduos em busca de acolhimento, reconhecimento e alguma explicação para seus anseios, parecem cada vez mais presos e hipnotizados. As teorias da conspiração, preconceitos e ódio sempre estiveram entre nós, no entanto, as redes sociais digitais conectaram pessoas com interesses em comum, inclusive os mais negativos. Os Engenheiros do Caos perceberam este poder das mídias sociais digitais e a utilizaram para manipulação da informação com fins políticos.
Derrotar Jair Bolsonaro é, para muitos analistas, fundamental para estancar esse processo do que podemos chamar de privação sensorial. Temos o componente religioso e conservador, um grande número de evangélicos e católicos representados por líderes políticos e influenciadores digitais nada cristãos, além de um grande contingente, independentemente de classe social ou nível de escolaridade, que lê cada vez menos, escreve cada vez menos, interpreta cada vez menos e tem nas mídias sociais digitais sua única fonte de informação.
Contudo, mesmo derrotando o atual presidente nas urnas, esse grupo extremista e seus métodos continuarão em atuação na esfera pública, buscando provocar uma ruptura no sistema democrático. Estes seres não estão mais nas sombras, são métodos e táticas são debatidos em artigos, livros e documentários, mas como um espectro sinistro, são difíceis de abalar ou capturar.
Voltaram a circular em mídias sociais do meio religioso notícias, vídeos e fotos sobre a morte de Maya Murmu, 68, que foi pisoteada e morta por um elefante no último dia 9 de junho. O caso ocorreu na Índia e, segundo jornais locais, o animal teria ainda invadido o velório da idosa, pisoteando-a pela segunda vez. Logo após a invasão, uma manada de elefantes atacou a vila na qual a vítima morava, destruindo a casa de Murmu e matando sua criação de cabras.
A vingança dos elefantes?
De acordo com o jornal Times of India, tudo se passou na vila de Raipal, localizada no estado indiano de Odisha. Supostamente, o elefante teria fugido do santuário de vida selvagem de Dalma, a 200 quilômetros do ocorrido.
Moradores da vila relataram que o elefante selvagem atacou Maya Murmu enquanto ela pegava água. O animal teria invadido uma área povoada e pisoteado a idosa, que faleceu a caminho do hospital. Depois, ele retornou à comunidade com sua manada e destruiu três casas, dentre elas a residência de Murmu, que também teve o velório interrompido pelo animal. Ele retirou o corpo de Murmu da pira funerária — uma estrutura de madeira onde os mortos são queimados em cerimônias, geralmente hinduístas — e o pisoteou novamente.
O caso não é isolado na região. Odisha é uma área abundante em minerais usados para construção civil e a exploração é feita utilizando força animal, dentre eles, os elefantes. Nos últimos 20 anos, 1.356 elefantes foram explorados e mortos na região, segundo autoridades locais. Para a jornalista e presidente fundadora da Agência de Notícias de Direitos Animais (ANDA) Silvana Andrade, consultada pelo Bereia, é comum na Índia que elefantes sejam explorados como força de trabalho em setores como a construção civil, turismo, indústria e mineração: “eles são submetidos a trabalhos terríveis e pesados, inclusive, como você faz um elefante puxar toneladas? Eles pegam um bebê elefante e o colocam na frente, e a mãe dele vai andando e puxando a carga para tentar alcançar seu bebê, levando com ela cargas pesadíssimas”.
O elefante responsável pelo ataque não foi identificado como pertencente à reserva animal, ou mesmo a qualquer habitante da região. A trajetória percorrida por ele até chegar ao vilarejo é desconhecida e ainda não há investigação sobre quando e como uma manada de elefantes atravessou mais de 200 km sem ser vista.
A jornalista e defensora dos direitos dos animais destaca, ainda, que o vídeo divulgado não mostra nenhum indício de que a destruição das casas, mencionada por diversos portais de notícias, tenha realmente sido causada por uma manada de elefantes. No vídeo, é possível ver apenas um senhor pegando pedaços de escombros, sem nenhuma contextualização ou cena que leve a crer que tal destruição fora provocada por um elefante ou mesmo uma manada.
O apreço ao exótico no jornalismo
As circunstâncias da morte da idosa ganharam destaque e a notícia repercutiu não só na mídia local, como também, e principalmente, no noticiário de diversos países, incluindo o Brasil. Aquilo que nos é estranho, exótico, não só atrai a atenção, como atende a certos critérios criados pelo jornalismo ocidental do que pode ou não ser notícia.
Para compreender se algum acontecimento é noticiável é preciso que o acontecido siga critérios de noticiabilidade. Para a pesquisadora e professora universitária Gislene Silva, os “valores notícia” são criações culturais, que variam de acordo com a cultura local, mas tendem a seguir um modelo universal pré estabelecido como: acontecimentos inusitados, acontecimentos locais, celebridades, mortes, curiosidades, dentre outros. Assim, o acontecimento “estranho”, chama a atenção e se torna notícia, e, ao tornar-se notícia o fator estranho é acentuado, e os demais atenuados.
O acontecimento se torna notícia se ele possuir potencialidade de chamar a atenção e atrair o público. Outra problemática presente em notícias como essa é a exotização de culturas. Para o antropólogo e professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Jocélio Teles dos Santos, é comum que países do sul globals, como Brasil e Índia, sejam abordados não por suas culturas em seus termos, mas por aquilo que se convencionou chamar de “exótico”, por uma visão externa e objetificante de histórias, feitos e acontecimentos que levem a questionar a racionalidade, os valores e as culturas dos povos nativos, tidos como folclóricos e próximo a uma linha de selvageria.
De todo modo, o que convém ressaltar é o privilégio que a cultura assume nessas interpretações e o desenvolvimento de argumentações marcantes que atravessam o século XX. Se as culturas deixaram de ser primitivas, bárbaras, exacerbadamente exóticas, adentramos, passo a passo, em discursos sobre a ótica das culturas. Se no exotismo da cultura do “outro”, as narrativas de filósofos, viajantes, literatos, da imprensa no século XIX, continham um desejo nem sempre manifesto, no final da primeira metade do século XX, e até as últimas décadas desse mesmo século, o desejo é mais que manifesto, pois ele vira um fetiche, posto que a cultura assim o torna. Uma reificação cada vez mais se apresenta no conceito de cultura. [p. 259]
O exótico é sempre algo fora de nossa realidade, algo que não veríamos e que nos chama a atenção por seu ineditismo ou por ser estranho ao nosso meio. O valor atribuído ao que acontece na vida cotidiana das pessoas se torna sujeito aos valores externos. A morte de uma idosa se torna parte de uma narrativa onde o exótico e o entretenimento se exaltam sob uma narrativa sensacionalista, sem levar em consideração feitos e acontecimentos internos que levaram ao caso.
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Bereia classifica a notícia como imprecisa, uma vez que não é possível aferir a veracidade dos relatos. Há uma tendência à exotização somada à descontextualização e ao sensacionalismo das informações, transformando-as em narrativas superficiais de forte poder de entretenimento, capazes de repercutir e chamar a atenção, sem que haja um sério levantamento ou compromisso com a checagem dos fatos.
Pesquisas comprovam que evangélicos se rendem às fake news. Há grupos de igrejas dispostos a enfrentar este quadro
Paulina Santos, 53 anos, foi diagnosticada duas vezes com Covid-19 em 2020 e chegou a ficar internada. A professora, que é membro de uma igreja evangélica tradicional no interior do Estado do Rio de Janeiro, considera-se uma sobrevivente e agradece a Deus. Porém, ela tem muita tristeza de avaliar que o grupo de WhatsApp das mulheres da igreja pode ter sido um dos responsáveis pela dupla contaminação. Paulina havia seguido orientações diversas que circularam no grupo, que incluíam, além das orações pela proteção de Deus, tomar bastante sol, ingerir uma colher de chá de suco puro de limão todos os dias, tomar chá de alho. A fiel relata que houve indicações para comprar hidroxicloroquina na farmácia, mas ficou com medo e optou pelas outras receitas, tendo mantido uma vida normal com muita fé. Depois da segunda contaminação com internação, compreendeu que as orientações das irmãs da igreja não foram corretas. Ela sobreviveu, mas sofre com sequelas como queda de cabelo e perda de memória, além de “sentir muita tristeza com a igreja”.
Casos como o de Paulina Santos são inúmeros e representam um mal que não é novo e foi agravado durante a pandemia da Covid-19, pois colaborou para tornar pessoas doentes e até matar: as fake news. O termo em inglês, que significa “notícias falsas”, diz respeito a um fenômeno que permeia hoje, especialmente, as populares mídias sociais e atinge o jornalismo.
Do WhatsApp ao Facebook, do Twitter e do Instagram ao Youtube, para citar os mais populares, o processo é simples: alguém, intencionalmente, produz e divulga uma mentira na internet, geralmente no formato de notícia para criar mais veracidade, valendo-se até mesmo de dados científicos adaptados; ela é debatida nos espaços das mídias sociais; torna-se algo reconhecido, com caráter de sabedoria e verdade.
A propagação de fake news, que interferem em temas de interesse público, tem sido destaque em estudos de diferentes áreas do conhecimento e também de instituições. Entre elas estão a Comunidade Europeia, a Organização das Nações Unidas, e ainda empresas de comunicação, como o Facebook, que criou políticas de filtragem deste tipo de conteúdo.
A Comissão Europeia, por exemplo, criou, em 2018, um “Plano de Ação contra a Desinformação”1, uma compreensão mais abrangente do fenômeno, que passa não apenas pelo que é falso, mas também por todo conteúdo que vise ao engano e possa conter alguma verdade. No documento, desinformação é “Informação comprovadamente falsa ou enganadora que é criada, apresentada e divulgada para obter vantagens econômicas ou para enganar deliberadamente, podendo prejudicar o interesse público”.
Os episódios que envolveram a votação do Brexit, em 2016, na Grã-Bretanha, os processos eleitorais dos Estados Unidos, naquele mesmo ano, e do Brasil, em 2018, têm sido objetos de análise em vários espaços, que demonstram como a produção de desinformação interferiu prejudicialmente na formação da opinião pública e em ações políticas.
Neste contexto, emerge o lugar dos grupos religiosos, com destaque para os cristãos. Amplas parcelas deste segmento não só tiveram papel importante na dinâmica que levou à vitória Donald Trump e Jair Bolsonaro, como revelaram-se receptores e propagadores de fake news que alimentaram estas disputas.
Fake news nos espaços cristãos
Por que as pessoas acreditam nas mentiras da internet e ainda ajudam a divulgá-las e a consolidá-las? Uma das respostas está na psicologia social, orienta o cientista social com estágio doutoral no Centro para o Cérebro, Biologia e Comportamento (Universidade de Nebraska,Estados Unidos) Davi Carvalho.2 O pesquisador esclarece que há pessoas que, ainda que constatem que acreditaram numa mentira, não abrem mão dela, pois ela se revela coerente com seu jeito de pensar, de agir, de estar no mundo, ou lhe traz alguma compensação, conforto. Isso é o que se chama “dissonância cognitiva”. Carvalho explica que isso acontece quando pessoas têm necessidade de estabelecer uma coerência entre suas cognições (seus conhecimentos, suas opiniões, suas crenças), que acreditam ser o certo, com o que se apresenta como opção de comportamento ou de pensamento.
Neste ponto se situa a perspectiva da religião e como os grupos religiosos, especificamente os cristãos, se tornam propagadores de fake news. Isto foi identificado por um grupo de pesquisadores, em um artigo científico intitulado “A crença em notícias falsas está associada a delírio, dogmatismo, fundamentalismo religioso e pensamento analítico reduzido”,3 publicado em 2019, em uma revista científica sobre memória e cognição. No artigo, os quatro pesquisadores reconhecem que cristãos estão propensos não só a assimilar as notícias e ideias mentirosas que circulam pela internet, coerentes com suas crenças, como também a fazer a propagação, a “evangelização”, espalhando estas notícias e ideias para que convertam pessoas ao mesmo propósito.
Imagem: reprodução da pesquisa
No Brasil, uma pesquisa realizada pelo Instituto Nutes de Educação em Ciências e Saúde, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, buscou compreender o uso intenso do WhatsApp no fortalecimento de redes de desinformação no segmento evangélico. Intitulada “Caminhos da desinformação: evangélicos, fake news e WhatsApp no Brasil”,4 a pesquisa, coordenada pelo sociólogo Alexandre Brasil Fonseca, trabalhou nos resultados de 1.650 questionários aplicados em congregações das igrejas Batista e Assembleia de Deus, no Rio de Janeiro e em Recife (as duas maiores igrejas evangélicas e as duas cidades de maior concentração de evangélicos no Brasil, segundo o Censo 2010), e formulários on-line com pessoas de todas as religiões e sem religião em todo o país. Foram também realizados grupos de diálogo nessas localidades.
Como resultado, 49%, ou quase metade, dos evangélicos que responderam aos questionários afirmaram ter recebido conteúdo falso, e, neste segmento religioso, 77,6% disseram ter recebido desinformação em grupos de WhatsApp relacionados à sua comunidade de fé. Na coleta com outros grupos religiosos, 38,5% de católicos, 35,7% de espíritas e 28,6% de fiéis de religiões afro-brasileiras afirmaram ter recebido mensagens falsas em grupos relacionados às suas religiões. Entre os entrevistados, 61,9% dos evangélicos afirmaram que as notícias sobre política eram as mais frequentes.
Esta pesquisa mostrou que, além do apelo que a desinformação exerce sobre grupos religiosos – porque se adequa mais a crenças e valores e menos a fatos propriamente ditos –, elementos relacionados à prática da religião entre evangélicos é que interferem mais fortemente na propagação de desinformação. O uso intenso das mídias sociais como “um novo ir à igreja” é uma dessas práticas, associada ao sentimento de pertencimento à comunidade, que gera uma imagem de líderes e irmãos como fontes confiáveis de notícias. Isso tem relação com o depoimento de Paulina Santos a esta reportagem.
Há ainda a retórica do medo que é utilizada para disseminar desinformação de um modo geral, mas afeta grupos religiosos, especialmente evangélicos, no Brasil. Estes cultivam o imaginário de enfrentamento de inimigos e da perseverança diante da perseguição religiosa como alimento da fé. Desinformação em torno da “defesa da família” e dos filhos das famílias, como núcleos da sociedade que estariam em risco, por conta da agenda de igualdade de direitos sexuais tem forte apelo. Na mesma direção, notícias falsas de que políticos ou o Supremo Tribunal Federal fecharão igrejas no Brasil têm sido fartamente propagadas nos ambientes cristãos em períodos de disputas políticas.
O enfrentamento das fake news
São vários os projetos no Brasil voltados para o enfrentamento da desinformação por meio da checagem de fatos, com número ampliado desde as eleições de 2018, ligados a empresas de mídia e também de iniciativa independente. Destacam-se: Agência Lupa, UOL Confere, Estadão Verifica, Fato ou Fake, Projeto Comprova, Aos Fatos, Boatos.org e o Coletivo Bereia – Informação e Checagem de Notícias.
O Coletivo Bereia é iniciativa ímpar entre as listadas, pois é o único projeto de jornalismo colaborativo de checagem de fatos especializado em religião e tornou-se pioneiro no Brasil em verificação de fakes news que circulam em ambientes digitais religiosos, com atenção voltada para cristãos. Criado em 2019, o projeto é resultado da pesquisa do Instituto NUTES, da UFRJ.
O editor-executivo do Coletivo Bereia, Marcos Lessa, avalia: “Bereia é o primeiro coletivo de checagens especializado em religião do Brasil. E o que se percebe, e há pesquisas que apontam isso, é que a desinformação circula em ambientes de comunidades de confiança. E os ambientes das igrejas sempre tiveram essa característica. Irmão confia no que o irmão está dizendo. E aí muita desinformação ganha esse peso da confiança ao ser passada adiante. Checar o que está circulando nesse meio, conhecendo o meio, é um diferencial para o Brasil que vemos hoje”.
Além da equipe do Bereia, outros grupos cristãos têm realizado iniciativas para contribuir no enfrentamento das fake news. Durante o período eleitoral de 2020, foi realizada a Campanha #IgrejaSemFakeNews, promovida pela Igreja Batista em Coqueiral (Recife, PE), por meio do Instituto Solidare, em parceria com a Tearfund e a Aliança Bíblica Universitária do Brasil (ABUB). Uma das ações foi o lançamento da publicação Diga Não Às Fake News!,5 com reflexões acerca do tema, tanto à luz da Bíblia quanto da legislação brasileira. O livro gratuito permanece à disposição do público. Outro material resultante da Campanha #IgrejaSemFakeNews é o livro da ABU Editora, também com acesso gratuito,6 com estudos bíblicos indutivos, organizado por Morgana Boostel e Thiago Oliveira.
Em 2021, a Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE) decidiu que sua campanha anual Primavera para a Vida, que estimula as igrejas a ações referentes a temas sociais emergentes, teria o tema “Buscar a verdade: um compromisso de fé”. Iniciada em setembro de 2021, a campanha conta com um seminário virtual sobre o tema,7 uma publicação gratuita,8 em português e em espanhol, cujo título é o mesmo da iniciativa, formação para igrejas9 sobre o impacto das fake news e indicação de formas de ação. Para este último objetivo, a CESE publicou um conjunto de cards10 com as principais mentiras que circulam em ambientes cristãos (identificadas pelo Coletivo Bereia) e atitudes preventivas diante delas.
O membro da Igreja Batista em Coqueiral Nilton Leite de Sousa Júnior, um dos idealizadores da campanha #IgrejaSemFakeNews, lembra que as igrejas são unânimes em condenar a prática da mentira, mas reconhece: “Os locais de culto e seus públicos não estão isentos de serem contaminados pelas fake news”. O líder batista vê possíveis ações das igrejas neste enfrentamento como um passo responsável: “Ainda que o espalhamento das fake news seja rápido e generalizado como uma pandemia, a vacina para acabar com isso é assumir a responsabilidade de verificar os fatos que compartilhamos”. Paulina Santos agradece.
O surgimento e o trabalho do coletivo Bereia foi tema de reportagem da edição de hoje do jornal O Estado de São Paulo. Nossa editora-geral Magali Cunha foi entrevistada e discorreu sobre o perfil diverso da equipe, a metodologia de checagem que junta jornalismo e pesquisa em religião, que tem sido compartilhada no meio religioso para combater a desinformação. Leia um trecho:
“O coletivo é o primeiro especializado em fact-checking religioso. Ao que se sabe, segundo Sérgio Lüdtke, editor do Projeto Comprova, é também o único projeto assim no mundo. O diferencial do Bereia não para por aí. Magali relatou que, após pesquisar o modus operandi de agências de checagem no Brasil e no exterior, o grupo criou sua própria metodologia “que junta jornalismo especializado em religião com fact-checking e com pesquisa voltada para a temática da religião no Brasil”
Chega a parecer incoerente que cristãos sejam propagadores de notícias falsas, visto que o próprio Jesus aponta a “verdade” como um dos caminhos para segui-lo. Na teoria esse argumento bastaria. No entanto, vemos crescer o número de pessoas de religiões cristãs que não apenas recebem informações sem fundamento, como também se tornam promotoras desses conteúdos.
Incomodado com essa realidade, um grupo de jornalistas e pesquisadores, “com a cara e a coragem”, entendeu que era hora de agir. E, em 2019, surge o Coletivo Bereia e seu trabalho de fact cheking, especializado em conteúdos de caráter religioso.
Quem está à frente dessa iniciativa é Magali Cunha, com sua larga experiência no jornalismo e pesquisa em comunicação. Além de editora-geral do Bereia, é doutora em Ciências da Comunicação, coordenadora do Grupo de Pesquisa Comunicação e Religião da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM), membro da Associação Internacional em Mídia, Religião e Cultura e da Associação Mundial para a Comunicação Cristã (WACC).
Nesta entrevista, Magali conta um pouco da sua caminhada na profissão, a proposta e desafios do Coletivo, num momento em que a própria religião é instrumentalizada de forma estratégica para alcançar objetivos políticos e econômicos.
Como foi sua trajetória no jornalismo e sua experiência com checagem de notícias?
Minha trajetória é longa, eu me formei nos anos 1980, pela Universidade Federal Fluminense. O sonho do meu pai era que eu fizesse Direito porque, segundo ele, eu tinha que lutar pela verdade. Era o período da Ditadura Militar e meu pai era um sindicalista muito preocupado com a justiça, com a verdade. Eu disse a ele: “pai, eu vou lutar pela verdade e pela justiça mas por outros caminhos. Eu gosto muito de escrever e eu me vejo como jornalista”. Eu fui atrás dessa minha vocação, fiz o curso de jornalismo e depois fui convidada para trabalhar numa organização ecumênica de nome “Koinonia”, que naquela época se chamava Centro Ecumênico de Documentação e Formação. Eu tinha a tarefa de coordenar um pequeno jornal que se chamava “Aconteceu”, que reunia notícias relacionadas ao mundo religioso no Brasil, principalmente de católicos e evangélicos naquele momento. E a nossa tarefa era muito interessante: reescrever notícias que saíam nos jornais e que a gente identificava lacunas ou equívocos da cobertura sobre religião. Então, a gente reescrevia. Isso pra mim já foi uma escola saindo da universidade… Depois, eu fui fazer o mestrado e entrei no mundo acadêmico, me tornei professora, mas nunca deixei o jornalismo, sempre escrevendo, sempre atuando nesse campo.
Como surgiu a ideia do Coletivo Bereia e qual a proposta? Essa iniciativa nasceu de uma pesquisa na universidade. Quem criou o Coletivo Bereia foram jornalistas e pesquisadores que, na época, trabalhávamos em pesquisa na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) sobre disseminação de fake news entre grupos religiosos. Aconteceu que vendo o resultado dessa pesquisa, que foi muito significativo, uma parte desse grupo se questionou sobre uma tomada de atitude para enfrentar o problema da desinformação. Então, resolvemos criar um projeto com a cara e a coragem, sem dinheiro, sem nenhum recurso, só a nossa vontade e o expertise, aquilo que podíamos fazer como jornalistas e pesquisadores em religião, voltado para o grupo religioso. E tivemos o apoio de uma organização cristã chamada “Paz e Esperança Brasil” que nos ajudou com recursos para colocar o projeto no ar, através de um site com os conteúdos que a gente estava criando. Assim começou.
Poderia nos explicar o significado do nome do Coletivo?
O nome “Bereia” foi escolhido por ser um nome que está na Bíblia, é de uma cidade grega. A história, segundo o texto bíblico, é que as pessoas que receberam a pregação dos primeiros apóstolos do cristianismo nessa cidade foram conferir nas escrituras se o que estavam ouvindo era verdade. Então, a gente já procurou um nome relacionado à religião já pensando que poderia causar uma identidade com o público-alvo, especialmente os cristãos, como é identificada a maioria da população brasileira.
Como se dá a metodologia de checagem das informações?
Hoje, nós temos uma equipe formada por 23 pessoas. Desse grupo 22 são voluntárias, inclusive eu. Nós temos uma pessoa que recebe uma bolsa e, entre outras atividades, nos ajuda a colocar os conteúdos online. Para os voluntários, nós pedimos uma dedicação de 4 horas por semana e nós nos organizamos em equipes, de segunda à sexta-feira. Essas equipes fazem o trabalho de monitoramento de sites e perfis de mídias sociais e, além disso, estão atentas a discursos de personalidades de destaque político e a eventos sociais que envolvem a temática religiosa, como foi o caso do discurso do Presidente Jair Bolsonaro, durante a reunião da ONU, em setembro deste ano, e dos atos do dia 7 de setembro, no Brasil. O nosso prazo é muito curto para tamanha demanda. Por exemplo, a pesquisa de WhatsApp da UFRJ mostrou que desinformação das mídias digitais circulam por 48 horas. Então, se a gente quer concorrer com a desinformação, se a gente quer mostrar o outro lado, a gente tem um prazo muito curto que é de 24 a 52 horas para produzir uma matéria e, mesmo considerando a questão do voluntariado nessas equipes, a gente tem procurado cumprir esses prazos. Fundamentalmente é feita uma pesquisa do tema que é a contextualização. Todo trabalho de verificação precisa ser contextualizado. Que tema é esse, do que ele trata, como ele surgiu e, a partir daí, explicar esse tema nas suas nuances todas. Nesse processo, a gente recorre à entrevista com especialistas, pesquisas e fontes das mais diversas. Feito isso, é dado um parecer a este conteúdo: verdadeiro, falso, enganoso, impreciso ou inconclusivo.
Que fatores contribuem para a propagação de notícias falsas?
A propagação de conteúdo falso não é uma novidade. Isso é coisa humana. Desde que mundo é mundo as pessoas usam de falsidades, de engano para poder conseguir algum benefício próprio ou para poder interferir em alguma causa, algum objetivo. Então, isso é coisa antiga. E nas mídias, principalmente no jornalismo, a gente vai identificar vários exemplos, vários momentos em que o jornalismo se rendeu aos conteúdos falsos por questões políticas ou interesses econômicos de donos das mídias – porque a gente sabe que as mídias tem donos, tem perspectivas políticas e econômicas que muitas vezes comprometem o jornalismo. Mas a gente vai ver essa explosão do tema mais recentemente. Em 2016, a palavra do ano do dicionário Oxford foi “pós-verdade” e que está relacionada a este tema da desinformação justamente por conta dessa explosão das mídias digitais, das possibilidades que as pessoas têm hoje de serem produtoras de conteúdo, muito mais do que receptoras. Então, o público hoje, as pessoas que têm acesso às mídias digitais – e, é um acesso muito amplo, de diferentes camadas sociais, diferentes formações humanas – tornaram possível essa proliferação e essa participação intensa, tanto na produção quanto no recebimento também.
Que característica torna esses conteúdos atrativos e aceitáveis? Quais são os principais assuntos abordados pelo Bereia?
A temática é a principal característica. Por exemplo, “política” é um tema chave. A religião na política hoje tem uma relação muito estreita. As pessoas querem saber o que os políticos estão fazendo relacionado à religião. Seja no Executivo, seja no Legislativo e também no Judiciário onde, recentemente, o tema da religião tem avançado. Temas relativos à moralidade também são muito compartilhados. Temas que tenham a ver com a sexualidade humana, idem. Por exemplo, uma das maiores fake news dos últimos tempos é a chamada “ideologia de gênero”. Esse termo é falso e enganoso também e sempre estamos trabalhando com ele. Outro assunto é a perseguição religiosa. Hoje se fala muito de cristãos que são perseguidos fora do Brasil, especialmente no Oriente Médio e nos países denominados “comunistas”. E, de 2020 para cá, conteúdo relacionado à Covid-19 foi campeão de verificações, inclusive, causando contaminação e morte. Desinformação mata, fake news mata e a gente observou isso com o uso da religião muito forte nessa temática.
Você citou a política como uma das temáticas mais presentes para a construção desses conteúdos desinformativos. A partir de que momento ela passa a ser usada de forma estratégica por grupos e pessoas?
A partir de 2016, o tema da desinformação ganhou novos contornos. E por quê? Porque 2016 é o ano do Brexit, da campanha pela saída da Grã Bretanha da União Europeia e houve muita desinformação para criar medo, fazer um terrorismo verbal e as pessoas votarem pela saída. Isso gerou, inclusive, uma série de processos na justiça. Também foi o ano da eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, que usou a mesma metodologia do Brexit para fazer a campanha eleitoral. Então, 2016 foi o ano em que esses temas começaram a ser discutidos porque, pela primeira vez na história, as mídias sociais apareceram com muita força para promover desinformação com interesse político. Diversos estudos passaram a ser desenvolvidos e a União Europeia tem um próprio sobre essa questão. E, partindo dessa pesquisa, foi criado um conceito de desinformação que a gente tem usado no Bereia. Ele define que desinformação é toda e qualquer informação deliberadamente produzida para interferir em interesses públicos ou para ganhos econômicos. Então, por exemplo, no caso da Covid a gente vai ver pessoas e empresas que ganharam muito dinheiro com cloroquina, com ivermectina, com tratamento precoce, empresas farmacêuticas, planos de saúde etc. Aqui no Brasil, a gente tem uma CPI das fake news nas eleições de 2018. Existem grupos que ganharam com isso.
Nesse sentido, o que dizer dos órgãos reguladores? Acredito que é uma das grandes pautas de quem trabalha pela democratização da comunicação e da dignidade no trato com a informação. É preciso regulação, é preciso legislação porque as empresas de mídias sociais, as plataformas, as empresas jornalísticas se autorregulam e a gente precisa da sociedade civil participando desses processos. Mas o mais importante nisso é a legislação que garanta o direito à informação. Quando as pessoas recebem desinformação, é o direito à informação que está sendo negado. Então, é preciso acompanhar muito bem essas iniciativas, especialmente o andamento desse tema no Congresso.
Se existem conteúdos desinformativos que partem justamente de veículos que são ditos “confiáveis”, um dos problemas não estaria na formação do profissional dessas instituições?
O Coletivo Bereia é um projeto que faz jornalismo especializado. E, há muito tempo nas escolas de jornalismo não há disciplinas que tratem da cobertura de religião. É uma certa defasagem. A gente encontra muitos erros de cobertura. Não é só a desinformação liberada, existem erros na reportagem porque não há muita formação. Se a pessoa não tem a iniciativa de buscar uma formação mais específica em religião, ela não vai conseguir cobrir adequadamente o tema. Agora, quando a gente fala dos espaços digitais, precisa muito pensar uma formação para compreender como as mídias operam. Não adianta só produzir para as mídias, não adianta só pesquisar. A gente precisa saber como elas operam. A velha história dos algoritmos, entender o que é isso, da monetização… Tudo isso implica em elementos que estão na forma de operar do universo digital. A gente tem a composição desses elementos todos nas mídias sociais… tudo isso a gente precisa entender. Não adianta saber fazer, saber ler, saber pesquisar se a gente não sabe como é que opera, o que está por trás. Isso é uma coisa muito importante. Outro ponto está na apuração. Muita coisa que sai em grandes mídias é por falta de apuração. O jornalista se conforma com o material, não procura especialista, não fez leituras para além do que acompanhou em sites, esquece dos livros, esquece dos artigos… É preciso ir fundo na apuração, conhecer as fontes, não dá para ficar só com o superficial
O trabalho que o Bereia realiza é, em certa medida, de reparo dentro de uma cadeia de desinformação. É separar o joio do trigo, como diz o lema do Coletivo. Mas o que pode ser feito para essa erva daninha nem chegar a aparecer?
A gente tem um desafio. A gente entende que não adianta só publicar uma matéria dizendo que um conteúdo é falso ou enganoso e apresentar uma contextualização. É preciso fazer educação para a informação. Então, um trabalho que vai junto com a verificação que a gente faz é o trabalho educativo, formativo. Nosso projeto também oferece palestras, minicursos, apoia grupos religiosos que estão preocupados com esse tema, e a gente tem no nosso site uma seção chamada “Areópago”, que é um espaço de discussão ampla, em que a gente publica também artigos sobre o tema, pequenas instruções sobre como cada pessoa pode por si mesma fazer uma verificação de informação. Não é só o trabalho de fact cheking. O trabalho não se esgota numa matéria de verificação, na publicação jornalística de um conteúdo. O nosso trabalho também é o de educadores e educadoras, formadores para a informação digna e coerente.
Após quase seis meses de trabalho, a CPI da Pandemia, que apura responsabilidades referentes à atuação de autoridades e cidadãos brasileiros no trato com a pandemia do coronavírus, aproxima-se do fim. E seu relatório final cita diversas autoridades e influenciadores digitais de perfil religioso como atuantes na propagação de notícias falsas e desinformação a respeito do tema. O relatório ainda passará pelos integrantes da comissão, podendo sofrer emendas ou alterações.
Segundo consta no relatório, a disseminação de notícias falsas era operada por vários núcleos, que contavam com a participação de diversos atores de identidade religiosa. São eles:
Núcleo Central:
Eduardo Bolsonaro, deputado federal (PSL-SP), evangélico batista
Carlos Bolsonaro, vereador (Republicanos-RJ), evangélico batista
Núcleo Formulador:
– Filipe Martins, assessor internacional da Presidência da República, cristão
Conforme descrito pelo Nexo Jornal, “o relatório final de uma CPI é o documento que reúne as provas colhidas ao longo das investigações conduzidas pela comissão parlamentar, indicando possíveis crimes que, na visão dos autores do texto, foram cometidos pelas pessoas investigadas. (…) Esse pedido de punição costuma ser chamado por parlamentares e imprensa de “indiciamento”. Isso porque uma CPI cumpre por vias parlamentares o papel que normalmente é exercido pela polícia. Ou seja, a comissão não acusa formalmente, não julga nem pune, apenas investiga”.
A partir da aprovação do texto final pela CPI, o relatório é encaminhado ao Ministério Público, que pode propor a responsabilização civil e criminal dos investigados, além de acionar outros órgãos para encaminhamento de outras providências.
Além dos indiciamentos, o relatório da CPI da Pandemia também propôs sugestões aos poderes Legislativo e Judiciário no sentido de combater a disseminação de desinformações:
– Tipificação da conduta de produzir ou disseminar notícia falsa no âmbito do Direito Penal;
– Aperfeiçoamento da identificação de usuários e perfis de redes sociais na internet. Somente a partir da devida identificação do eventual infrator é que se pode responsabilizá-lo por seus atos e exigir a reparação dos danos causados;
– Aumento da responsabilidade dos provedores de aplicação de internet, uma vez que já se sabe que essas empresas dispõem de recursos tecnológicos para, no mínimo, restringir o alcance de conteúdos maliciosos;
– Limitar ou mesmo de eliminar os ganhos financeiros auferidos por meio das fake news, tal como já adotado de forma pontual em algumas decisões judiciais
No entanto, algumas propostas estão sendo criticadas por especialistas. Embora se reconheça o esforço de combater a prática da desinformação, o que se aponta é que da maneira que está colocada, a lei pode dar margem para arbitrariedades. Bia Barbosa, pesquisadora da organização Repórteres Sem Fronteiras e participante do Comitê Gestor da Internet, pontua:
“O relatório do senador Renan Calheiros para a CPI da Covid erra nas duas propostas que traz para combater a desinformação nas plataformas digitais. Primeiro, porque cria um crime com pena de dois anos para quem divulgar notícia falsa, ameaçando todo mundo em vez de focar na indústria das fake news. Segundo, porque tenta definir “notícia falsa”, um conceito extremamente subjetivo e que abrirá margem para arbitrariedades da Justiça. O problema é tão grande que nem o PL das Fake News propôs uma definição para o termo, entendendo que o combate à prática passa por outros caminhos”.
A pesquisadora ainda aponta que as propostas alteram o Marco Civil da Internet sem debater com a sociedade, alterando regras sobre guarda e uso de dados pessoais e sobre liberdade de expressão nas redes sociais. “A CPI faria melhor se remetesse as propostas para o GT-Net, presidido na Câmara pela deputada Bruna Furlan, onde uma dezena de parlamentares está há um ano discutindo a fundo o tema do enfrentamento às fake news”.
No último sábado, 5 de junho,o portal gospel Pleno News publicou notícia com o título “UNICEF sugere que pornografia pode ser positiva para crianças”. Nos últimos dias, a informação foi replicada por sites como ContraFatos, AcessePolítica, O Nortão e Gospel Prime. O conteúdo também circulou pelo aplicativo de mensagens WhatsApp em grupos religiosos.
A notícia foi replicada por políticos, como os deputados federais Marco Feliciano e Bia Kicis:
O Unicef explicou que o relatório “Ferramentas de garantia da era digital e direitos das crianças online em todo o mundo” discute como melhorar a proteção das crianças na internet e apresenta os numerosos riscos e danos associados ao acesso das crianças à pornografia e a outros conteúdos nocivos online. “A posição do UNICEF é clara: nenhuma criança deve ser exposta a conteúdo nocivo, online ou offline”, informa o comunicado.
Em virtude dessa desinformação em relação aos resultados do estudo, o Unicef o retirou do ar para revisão e ajustes necessários.
O relatório mencionado na matéria do Pleno News só se encontra disponível no momento no site do Centro da Família e Direitos Humanos (C-Fam, no original em inglês), que serviu de fonte para o portal gospel. No entanto, ao contrário do que diz a C-Fam e a notícia do Pleno News, o estudo não menciona qualquer “direito humano ao consumo de pornografia”, nem implica que o consumo de pornografia possa ser benéfico para crianças.O estudo – que estava disponível somente em inglês – não chegou a ser publicado no site do UNICEF no Brasil.
O estudo original
Em seu subcapítulo sobre “Quais os riscos que ferramentas de restrição de idade ajudam a mitigar, e quais as evidências que corroboram esses riscos”, o Unicef apresenta um intertítulo denominado “Pornografia”, páginas 35 à 39. Neste trecho, o estudo afirma que:
“Há vários riscos e males que foram associados à exposição de crianças a pornografia, mas não há consenso em que grau a pornografia é prejudicial a crianças. Proeminentes críticos apontam que as pesquisas mostram como o acesso à pornografia, em tenra idade, é associado a uma saúde mental empobrecida, sexismo e objetificação, agressão sexual e outros males. A evidência sugere que algumas crianças aparentam ser prejudicadas pela exposição a pornografia por algum tempo, mas a natureza do dano e sua duração variam de caso a caso”.
Trecho de Estudo do Unicef
Pelo menos seis estudos são citados para corroborar a posição do órgão, citados em revistas científicas revisadas por pares e bem classificadas em termos de credibilidade. O trecho que é mal interpretado pelos portais, diz respeito a uma pesquisa, realizada pelo grupo European Union Kids Online, em que se avaliava as reações emocionais de crianças a pornografia. Em nenhum momento o estudo ratifica que a pornografia é boa ou ruim, mas avaliava como as crianças se sentiam ao ter contato com ela. Dessas, o maior número foi de indiferente, seguido por crianças que se sentiam mal, e por fim, crianças que alegavam ter se sentido mais alegres. Dessas, 39% eram espanholas.
Mais à frente o relatório diz: “Como discutido acima, a evidência é inconsistente, e não há consenso quanto a natureza ou extensão do mal causado pelo consumo de pornografia por crianças”. “Natureza”, em um estudo científico, se refere a perguntar “o que é afetado”. Determinar se é um mal para a psicologia, a neurofisiologia, os órgãos sexuais, comportamental, é definir sua natureza. A “extensão” é definida pelo tempo de duração – se são problemas causados por toda a vida ou que podem ser remediados. Em nenhum dos casos se propôs que a pornografia não causasse mal às crianças.
O Unicef
O Fundo das Nações Unidas para a Infância, do inglês United Nations Children’s Fund (UNICEF), foi criado em 11 de dezembro de 1946, em Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), como meio de fornecer assistência às crianças no período pós-Segunda Guerra Mundial da Europa, no Oriente Médio e na China. Tornou-se órgão permanente em 1953 e atua defendendo e protegendo os direitos das crianças e adolescentes de todo o mundo.
“O bem-estar das crianças de hoje está inseparavelmente ligado à paz do mundo de amanhã.”
Henry Labouisse, diretor executivo do UNICEF de 1965 a 1979
O Unicef está presente no Brasil desde 1950 e a atuou diretamente “na aprovação do artigo 227 da Constituição Federal e na elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente; do movimento pelo acesso universal à educação; dos programas de enfrentamento ao trabalho infantil; entre outros grandes avanços para a garantia dos direitos de meninas e meninos brasileiros”, segundo seu site.
Em 7 de junho passado o Unicef declarou publicamente que a notícia do Pleno News que circulava pelos canais de WhatApp brasileiros é fake. O Unicef afirma na nota pública que “nenhuma criança deve ser exposta a conteúdo pornográfico nem a qualquer outro conteúdo nocivo online e offline”. Após as interpretações incorretas e a dissipação das fake news,o orgnaismo afirmou que retirou do ar o estudo para que ajustes fossem feitos e o artigo revisado.
O Unicef declara ainda estar alarmado com a quantidade de conteúdos pornográficos disponíveis para crianças e reforça como a atitude é prejudicial para o desenvolvimento infantil. A nota pública indica também que o organismo trabalha para promover a segurança online das crianças e que incentiva governos, indústria de tecnologia, escolas, pais e comunidades a que façam tudo ao seu alcance para proteger as crianças de todos os conteúdos prejudiciais. No Brasil, o Unicefatuana proteção de meninas e meninos contra as diferentes formas de violência.
Pleno News não se retrata e ainda usa desmentido da UNICEF
Em 8 de junho, o Pleno News publicou a notícia de que o Unicef retirou o estudo do ar depois da controversa interpretação errônea e ter gerado repercussão negativa. O portal afirmou também que, embora o órgão tenha classificado as notícias como fake news, decidiu retirar o estudo para revisão mantendo o tom de suspeita sobre o conteúdo.
Mais uma vez o deputado Marco Feliciano repercutiu a desinformação dizendo que a retirada do relatório do site do Unicef foi uma “vitória”:
Diversas agências de checagem e veículos de comunicação realizaram a verificação sobre este caso que se alastrou pelas mídias sociais e classificaram a alegação em favor da pornografia no estudo como enganoso e falso, como Boatos.org, Estadão Verifica e o Portal R7 da Rede Record.
Bereia entrou em contato com o secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos Maurício Cunha para uma declaração sobre como o órgão está atuando na superação desta desinformação contra o Unicef, parceiro do governo federal. O secretário indicou que Bereia deveria entrar em contato com a assessoria de imprensa do ministério, o que foi feito. Até o fechamento dessa verificação não houve retorno. Tão longo se consiga o posicionamento governamental esta matéria será atualizada.
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Com base na apuração, o Coletivo Bereia conclui ser enganosa a notícia do Pleno News de que o UNICEF sugere que pornografia pode ser positiva para crianças. Apesar do estudo tratar do tema, as conclusões tiradas dele por meio de interpretações incorretas,e divulgadas de forma a comprometer a reputação do organismo, são tratadas de forma imprecisa. Pleno News age na linha dos veículos e grupos que disseminam desinformação para provocar pânico moral com temas sobre sexualidade e sobre a educação de crianças, gerando, assim, engajamento em suas matérias.
Bereia alerta leitores e leitoras que uma das formas de se avaliar se um conteúdo é falso ou enganoso é identificar matérias de cunho bizarro ou ausentes de sentido. No caso da publicação do Pleno News, pode-se avaliar como bizarro que um organismo da ONU, historicamente respeitado pelo trabalho dedefesa dos direitos das crianças e adolescentes, em várias frentes em todo o mundo, como o Unicef, com atuação no Brasil há 70 anos, seja acusado de sugerir que “pornografia seja positiva para crianças”. Uma afirmação fora de sentido como esta deve gerar desconfiança no primeiro acesso, a veracidade deve ser imediatamente buscada e os promotores da calúnia devem ser denunciados.
*Matéria atualizada para acréscimo de informações sobre a trajetória do senador Heinze em 13/06 às 12h28 após acionamento de leitor. Atualizada novamente em 16/06 às 08h30 para correção de filiação do senador Flávio Bolsonaro.
Em cada sessão da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia, há uma polarização entre os senadores alinhados com o governo federal e a oposição. Senadores independentes, também, acabam sendo atraídos por essa polarização. De um lado, os aliados do presidente da República Jair Bolsonaro defendem o chamado “tratamento precoce” (com um kit farmacológico), apregoam que o governo federal sempre trabalhou pela compra de vacinas, defendem ministros e ex-ministros e espalham desinformação, tanto para atacar opositores, quanto para defender investigados pela CPI. De outro, acompanhando o relator do processo Senador Renan Calheiros, ou desnudando as falhas e incompetências, opositores do governo e parlamentares independentes polarizam as narrativas – demonstrando, com fontes externas, ou documentos, que houve uma série de erros na condução da pandemia – os quais provocaram um agravamento da contaminação e incremento do número de mortos e sequelados. Bereia verificou, a partir de uma consulta a perfis de mídias sociais, os senadores que se autodeclaram evangélicos, constatando uma polarização idêntica dentro do campo religioso.
Marcos Rogério e Luiz Carlos Heinze: senadores evangélicos pró-governo abusam das fake news e viralizam nas redes
Dois senadores, ligados a igrejas evangélicas, têm se destacado na linha de defesa do governo federal – Marcos Rogério e Luiz Carlos Heinze.
Marcos Rogério da Silva Brito (de Ji-Paraná, Rondônia foi filiado ao PDT (2007-2016) e atualmente é filiado ao DEM. Destacou-se como relator do processo de cassação do presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB), no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar. É cristão evangélico, pastor da Igreja Evangélica Assembleia de Deus, mas frequenta, em Brasília, a Igreja Batista Central. Seu perfil na CPI tem sido o de alternar a defesa do tratamento precoce (kit farmacológico defendido pelo governo federal e seus apoiadores) ao lado de uma argumentação que sustenta que estados e municípios são responsáveis pelas mortes.
Em sua atuação parlamentar, tem reiterado ataques ao governador de São Paulo João Dória e aos parlamentares de oposição ao governo federal, em especial os senadores relator da CPI Renan Calheiros (MDB/AL), o vice-presidente da CPI Randolfe Rodrigues (Rede/AP) e Otto Alencar (PSB/BA, que é médico). Marcos Rogério e Otto Alencar, confrontaram-se na Globo News (Programa Estudio I), em 2 de junho, sobre a convocação de governadores e prefeitos como depoentes na CPI. Na ocasião, Marcos Rogério voltou a defender que o governo repassou verbas para os estados e municípios, sem discriminar que os repasses eram regulares, segundo a lei, e diziam respeito a vários itens além do combate à covid-19. Também, argumentou que o STF atravessou a atuação do governo (o que já foi verificado pelo Bereia como enganoso). Marcos Rogério foi advertido, ao vivo, por uma das apresentadoras do Estúdio I, de que tinha posturas machistas, interrompendo e elevando a voz diante de colegas senadoras na CPI. Marcos Rogério lidera o ranking digital de presença nas redes sociais – segundo levantamento da Folha de São Paulo. O senador aparece em listas de disseminadores de fake news e seu comportamento na CPI reforça esta exposição.
Em sua performance mais flagrante, Marcos Rogério levou à CPI vídeos com declarações antigas (de março de 2020) de governadores adversários de Bolsonaro, como João Dória (PSDB-SP), Flávio Dino (PC do B- MA)e Renan Filho (MDB-AL). Nas imagens, governadores como Flávio Dino, Wellington Dias, Helder Barbalho não falam contra o uso de cloroquina e hidroxicloroquina – remédios sem comprovação de eficácia contra a covid-19. Em expediente muito conhecido e criticado entre evangélicos, Marcos Rogério utilizou a o texto da fala destes líderes políticos fora de contexto, em período em que não se tinha dados sobre os malefícios destas medicações no tratamento da covid-19, como pretexto para defendê-las, acompanhando opresidente, Jair Bolsonaro. O fato omitido pelo senador é que em julho de 2020, quando Bolsonaro “ofereceu” uma caixa de cloroquina às emas do Palácio do Planalto, cientistas e também os governadores já haviam abandonado esta possiblidade – ainda que o tivessem defendido no início da pandemia.
O Democratas, partido de Marcos Rogério, pronunciou-se, oficialmente contra o senador, afirmando que não endossa suas posições. “Desde o início da pandemia, o compromisso do Democratas com a ciência e a preservação da vida se faz evidente em nossas gestões pelo Brasil”, comentou o partido em resposta à jornalista da CNN Daniela Lima (20.mai.2021).
Marcos Rogério também editou uma fala da infectologista Luana Araújo sobre corticoides e retirou a afirmação da médica de que não existe tratamento precoce. Em sua edição omitiu a parte em que a médica diz que corticoide deve ser usado em um momento específico da doença e postou na internet como recomendação e prova de que o tratamento precoce existe e é combatido pelos adversários de Bolsonaro. O perfil do Twitter Desmentindo Bolsonaro disponibiliza a íntegra do vídeo, desmontando a edição de Marcos Rogério.
Luiz Carlos Heinze (PP/RS) é um engenheiro agrônomo, ex-prefeito de São Borja, atualmente senador do Rio Grande do Sul. É cristão evangélico, membro da Igreja Evangélica Luterana. Também é ligado ao agronegócio, definindo-se como “produtor rural”, representante de associações de classe e cotista de empresas, todas ligadas ao segmento arrozeiro, dono da empresa familiar de alimentos Heinze (sem qualquer relação com a marca de alimentos da Kraft Foods, Heinz). Por sua defesa reiterada do governo federal e do presidente da República, a quem define como honesto, tem se destacado na tentativa de construir uma agenda “positiva”. Destaca o número de “recuperados” (vidas salvas) e defende o tratamento farmacológico (kit covid), como ferramenta para a redução de mortes. Ataca o governador de São Paulo João Dória, por ser opositor ao presidente Bolsonaro e, também, destaca os “baixos índices de mortalidade” de cidades que adotaram o protocolo farmacológico do suposto tratamento precoce – ainda que, em sua lista, a maioria dos municípios não ultrapasse 100 mil habitantes.
Em 2 de junho, Luis Carlos Heinze disse que o Amapá adota o tratamento precoce e tem a “menor letalidade do país”. A afirmação provocou reação contundente de Randolfe Rodrigues, senador pelo Amapá”O senhor está mentindo. Esse dado é falso como todos os dados que o senhor está publicando aqui. Esse dado é fraudado. O senhor está mentindo”, disse o amapaense. Heinze tirou os números de contexto (como faz ao chamar os recuperados da covid-19 de “vidas salvas”). O número citado pelo senador (e também pela médica Nise Yamaguchi, que depôs na CPI) para defender a cloroquina – medicamento utilizado no combate à malária – é um referencial que mede a quantidade de mortes em função da quantidade de pessoas que contraíram a doença. Ou seja, não é possível falar de taxa de letalidade como taxa de mortalidade (índice que mostra o número de mortos em relação à população. A mortalidade é usualmente demonstrada por 100 mil habitantes.A taxa de letalidade não é o indicador ideal para medir os efeitos da pandemia, já que a subnotificação e a falta de testagem podem subdimensionar o resultado.
Nas mídias sociais, Heinze acabou virando meme por causa das fake news divulgadas em suas intervenções na CPI da Pandemia. Em quase todos os momentos, quando este senador tem a palavra, ele cita termos como Didier Raoult (chamado nas redes de DJ Raul), o município de Rancho Queimado, Big Pharma, entre outros. Há também um meme em que uma ex-atriz pornô libanesa Mia Khalifa teria sido citada pelo senador.
Em 25 de maio, o nome de Mia Khalifa, que circulou em um meme no início da pandemia, apareceu no topo dos assuntos mais comentados do Twitter, já que boa parte de quem acompanhava a sessão julgou que o senador governista havia cometido uma gafe em seu discurso. O meme com Khalifa – que circulou na internet em 2020, a partir de campanhas, em sites de direita, atacava a pesquisadora Marcela Pereira – que estudava a eficácia do uso de cloroquina – utilizando, ironicamente, fotos da ex-atriz pornô.
Porém, o senador Heinze citou a empresa Surgisphere, que conduziu um teste publicado na revista científica “The Lancet” condenando o uso da cloroquina contra a covid-19. Logo após o estudo ser publicado, foi revelado que, entre os funcionários da Surgisphere, trabalhava uma atriz pornô e um escritor de livros de ficção científica”. O artigo sobre a eficácia da cloroquina citado pelo senador durante a CPI foi retratado pelo “The Lancet”, que detectou um erro nos estudos, retirando-o do ar. A empresa Sugesphere fez a auditoria independente depois de críticas de outros pesquisadores. O meme com Heinze foi verificado pela agência Lupa.
A intensa atuação do senador Heinze em defesa do governo federal com o uso de conteúdo falso e enganoso, porém, já provocou uma reação do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) que indicou entrar com uma representação no Conselho de Ética do Senado contra o senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), por disseminação de informações falsas na CPI da Pandemia. Heinze, por sua vez, disse ter confiança nos dados que apresenta. O senador continua a disseminar desinformação na CPI da Covid, como relata outra matéria do Bereia.
Eliziane Gama:senadora evangélica polariza com Heinze, Marcos Rogério e questiona o governo federal
A senadora Eliziane Pereira Gama Melo é jornalista e política brasileira filiada ao Cidadania do estado do Maranhão. Membro da Assembleia de Deus, Eliziane Gama passou a participar da CPI da Pandemia por acordo a partir de demanda da Bancada Feminina no Congresso Nacional, uma vez que nenhuma parlamentar mulher havia sido indicada por partidos para integrar a comissão. É fato que a composição dos 11 titulares da CPI apenas com homens, traduz a realidade do congresso (dos 81 senadores, apenas 12 são mulheres). Ela ganhou destaque, logo no início da do processo da CPI, ao ser interrompida em suas intervenções por senadores governistas que não aceitaram o acordo para a participação da Bancada Feminina na CPI. Eliziane Gama tem sido uma voz evangélica em contraponto aos senadores governistas deste grupo religioso. A senadora afirma frequentemente que o governo federal colocou a ideologia acima da ciência e defende mais atenção com as novas cepas.
Em entrevista ao Portal Terra, Eliziane Gama avaliou, que a CPI já obteve informações comprometedoras para o governo Jair Bolsonaro e embora não seja integrante da comissão (com direito a voto), ela liderou reação à tentativa de aliados do governo de romper o acordo que garantiu às mulheres o direito de se manifestar nas reuniões – tendo, inclusive, confrontado o senador Flávio Bolsonaro (Patriota/RJ), denunciando sua postura “machista”.Em suas entrevistas e atuação, a senadora reitera que já existem indícios de ações criminosas e de falhas no combate à pandemia, por parte do governo federal. “Tentar mudar uma bula é, no meu entendimento, algo criminoso”, disse ela ao Correio Braziliense.
Eliziane Gama também se uniu aos senadores da CPI Renan Calheiros, Humberto Costa, Tasso Jereissati e Randolfe Rodrigues, que repudiaram, em 2 de junho, um ataque verbal do presidente Jair Bolsonaro à jornalista da CNN Daniela Lima. A agressão ocorreu em frente ao Palácio do Alvorada, no dia anterior quando, em conversa com apoiadores, o presidente se referiu à jornalista como “quadrúpede”. O senador Heinze, como representante da ala governista, declarou que esse é o “jeito” do presidente falar.
Em artigo publicado pelo Coletivo Bereia, as Assembleias de Deus são um exemplo da polarização em torno da realidade política do Brasil, o que também se pode perceber na CPI da Pandemia. Assim como há dois senadores assembleianos em polarização (Marcos Rogério e Eliziane Gama), é possível perceber pelo que se dá na arena pública, que nas bases políticas e nas comunidades de fiéis ocorre o mesmo fenômeno, pois a representação política não é diferente da realidade nacional.
De acordo com o censo de 2010, as Assembleias de Deus são o maior segmento evangélico, com 12 milhões de fiéis, e o segundo maior do Brasil, atrás da Igreja Católica (dados Censo/IBGE). Ao todo, as Assembleias de Deus têm 64 milhões de membros espalhados no mundo e 363.450 ministros, divididos entre 351.645 igrejas e presentes em 217 países. O Brasil lidera essa lista com 22,5 milhões de membros, de acordo com as estimativas da igreja nos EUA
A cisão entre os representantes evangélicos e os fiéis das igrejas também apareceu nas sondagens de voto do DataFolha. Porém, o mais importante é perceber que mesmo com uma forte campanha de desinformação no meio do segmento, com fake news sobre a China e vacinas que assolaram os sites e redes evangélicas, a CPI demonstra que nem todos os membros das igrejas são permeáveis às redes de desinformação.
O portal de notícias Pleno News indicou em texto de 23 de maio de 2021, que “Brasil e Panamá são únicos (países) latinos a reduzir pobreza”.
A informação se valia de uma suposta notícia do portal da BBC de Londres. A matéria, na verdade, estava no portal “BBC News Mundo”, divisão em espanhol do portal BBC, e se valia de um estudo da Comissão Econômica Para a América Latina (CEPAL). No entanto, o estudo não apresenta dados sobre 2020-2021, apenas projeções.
O Estudo Original
A notícia do Pleno News se baseia em uma notícia veiculada pela BBC News Mundo, publicada no dia 20 de maio de 2021. O texto usava como dados estudo publicado pelo CEPAL em que se analisava os índices de pobreza, extrema pobreza, mercado de trabalho e outras variantes para a América Latina. A informação de que Brasil e Panamá reduziram pobreza foi exibida da seguinte maneira:
“O paradoxo do Brasil e Panamá – os únicos países onde se diminuiu a extrema pobreza foram Brasil e Panamá. Enquanto no Brasil a extrema pobreza caiu de 5,5% para 1,4%, no Panamá se registrou uma diminuição de 6,6% para 6,4%. Fonte: Projeção Cepal (Comparação 2029-2020).”
Há dois problemas na notícia original. O primeiro é a data de comparação: o estudo original compara de 2019-2020 (na notícia se escreveu 2029-2020, o que provavelmente constitui erro de digitação). O segundo diz respeito ao caráter do estudo: originalmente oi publicado no site do CEPAL em março de 2021, porém foi finalizado em 2020, usando dados de 2014-2019. Logo, não haviam dados sobre a situação da pandemia no mundo, uma vez que esta acometeu o país a partir de março de 2020, período não contabilizado no levantamento.
Um comunicado à imprensa no site do CEPAL, em 4 de março, no entanto, desfaz as projeções iniciais: no informe nota-se que a pobreza e a pobreza extrema aumentaram na América Latina como um todo e não é feita nenhuma menção em particular ao Brasil.
Pobreza no Brasil
Diferentemente do que a notícia do Pleno News afirma em seu primeiro parágrafo, a extrema pobreza no Brasil aumentou durante a pandemia. Dados recentes, divulgados pela FGV Social, informam o aumento da pobreza e da desigualdade nos últimos quatro anos (2018 – 2021). O estudo “Qual foi o impacto da crise sobre a pobreza e a distribuição de renda?”, baseado em dados do IBGE, mostra que 23,3 milhões de pessoas vivem abaixo da linha de pobreza (R$ 232,00 por mês), equivalente a 11,2% da população. “A miséria subiu 33% nos últimos 4 anos. Foram 6,3 milhões de novos pobres”, relata a FGV Social.
Outros portais compartilharam a informação enganosa
A pesquisa do Bereia para esta matéria levantou que a notícia de que Brasil e Panamá reduziram a extrema pobreza foi replicada em outros portais, como o Terra Brasil Notícias, A Província do Pará, ContraFatos e o Focus.Jor – as referências usadas eram a notícia da BBC News Mundo, o estudo do CEPAL ou o próprio Pleno News. Todos, no entanto, seguiam a mesma lógica de tratar como realidade a projeção do CEPAL. A notícia dada pela Agência Brasil no dia 4 de março se destaca como cobertura jornalística que não corroborou a desinformação.
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Bereia classifica a notícia publicada pelo Pleno News como enganosa, a fim de levar leitores e leitoras a crerem que há políticas bem sucedidas na área da economia pelo governo do Brasil. O dado que embasa a matéria não diz respeito a uma queda na extrema pobreza, mas a uma projeção feita a partir de dados anteriores à pandemia, o que não foi contextualizado pelo portal de notícias. A desinformação encontra terreno mais fértil para proliferar com a ausência de estudos robustos como o do IBGE, cujo corte no orçamento inviabilizou a realização plena de pesquisas atualizadas sobre o dado.
A Campanha da Fraternidade que, em 2021, é ecumênica tem sido alvo de desinformação e ataques de grupos católicos fundamentalistas nos últimos dias. Os ataques têm como vítima principal a pastora luterana, secretária-geral do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC) Romi Márcia Bencke, que está à frente da realização da campanha 2021. A pastora admitiu ter sofrido agressões pelas mídias sociais, o que tem gerado, inclusive denúncias judiciais.
Romi Bencke acredita que a campanha de difamação contra ela também tenha motivação para além da religião. “Avalio que esses ataques têm muita relação com o pedido de impeachment que a gente protocolou na Câmara algumas semanas atrás”, diz a secretária-geral do CONIC. Ela foi uma das lideranças religiosas que esteve em Brasília para protocolar o documento que pede o impeachment do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), assinado por um grupo de 380 líderes católicos e evangélicos.
O que é a Campanha da Fraternidade Ecumênica?
A Campanha da Fraternidade ocorre no cerne da Igreja Católica do Brasil há mais de 50 anos, sob responsabilidade da Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB). Desde os anos 2000 a campanha é realizada de forma ecumênica, a cada cinco anos, e conduzida pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC), reunindo diversas denominações cristãs e movimentos.
A campanha de 2021 tem como tema “Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor”, com o objetivo principal: “Através do diálogo amoroso e do testemunho da unidade na diversidade, inspirados e inspiradas no amor de Cristo, convidar comunidades de fé e pessoas de boa vontade para pensar, avaliar e identificar caminhos para a superação das polarizações e das violências que marcam o mundo atual”.
Em 2021, participam da campanha, organizada pelo CONIC, a Igreja Católica Apostólica Romana, por meio da CNBB; Aliança de Batistas no Brasil; Igreja Episcopal Anglicana; Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil; Presbiteriana Unida; Sirian Ortodoxa de Antioquia; Igreja Betesda (igreja convidada); e CESEEP, organismo ecumênico. O Papa Francisco enviou uma mensagem em apoio à CFE 2021 bem o secretário geral do Conselho Mundial de Igrejas.
Desinformação sobre a CFE e ataques à coordenação
Entre os vários conteúdos de ataque à CFE 2021 e à coordenação da Pastora Romi Bencke e da CNBB, está um vídeos de grande repercussão, publicado pelo pregador e influenciador católico Anderson Reis. As declarações de Anderson Reis em seu canal do Youtube disseminam desinformação sobre o tema.
Os ataques à pastora Romi Márcia Bencke e à CNBB se baseiam em afirmações falsas. No vídeo, o autor afirma:
“Essa pastora é a favor do aborto, feminista e a favor da ideologia de gênero. Isso é uma agenda que vem sendo imposta para nós e depois dessa pandemia avançou com uma velocidade supersônica. E o dever da igreja que deveria ser uma resistência profunda contra essas trevas do quinto dos infernos está permitindo no Brasil um documento cuja alma desse documento é a favor de tudo isso”
Anderson Reis
“Essa pastora é a favor do aborto” diz o influenciador aos 0:43 segundos do vídeo. Anderson Reis realiza aqui prática comum na desinformação, que é mudar o contexto de declarações e favorecer interpretações rasas do conteúdo.
A pastora Romi Márcia Bencke, registra sua posição sobre o tema no artigo para a Open Society Foundation: é a favor da legalização do aborto, o que diz respeito a uma posição distinta de ser a favor do aborto.
A legalização do aborto é a existência de uma legislação que ampare a mulher que opte por abortar. Envolve acompanhamento psicológico das gestantes, condições específicas para seu cumprimento, e tem um papel relevante no combate às clínicas clandestinas.
Um estudo publicado em 2013, por Karla Ferraz dos Anjos, Vanessa Cruz Santos, Raquel Souzas e Benedito Gonçalves Eugênio, expõe a realidade das mulheres que realizam abortos clandestinos: tem maiores taxas de mortalidade, se encontram desamparadas e geram custos sociais e econômicos para os sistemas de saúde do país. Outro estudo, de Wendell Ferrari e Simone Peres, mostra como a falta de amparo leva a tomadas de decisão trágicas entre jovens que recorrem ao aborto clandestino.
Desta forma, ser a favor da legalização do aborto é se colocar contra o aborto clandestino, e não a favor de que se aborte. A questão é recorrente em debates feministas e busca esclarecer essa diferença primordial entre o direito a se tomar uma atitude e o apoio à atitude.
“O aborto não é um tema bíblico. Como apontou a Pra. Lusmarina Campos Garcia em audiência ao STF existem apenas dois textos no Primeiro Testamento que fazem referência à prática do aborto. O primeiro, em Êxodo 21:22- 23, determina que se uma mulher, por estar envolvida na briga entre o seu marido e outro homem, for ferida e abortar, o agressor deve pagar uma indenização para o marido. Isto significa que, à época, a perda do feto em decorrência de uma agressão sofrida não era considerada grave e passível de penalidade maior, uma vez que o feto não era considerado um “ser vivo”, diz a pastora Romi Bencke no seu artigo.
A segunda situação é ainda mais marcante: “Números 5:11-34, que relata um aborto ritual praticado pelo sacerdote. Se a mulher abortasse estava comprovado que ela tinha sido infiel e o marido podia puni-la, inclusive com a morte por apedrejamento. Ressalte-se que a punição era por causa da infidelidade e não por causa do aborto realizado”, conclui a pastora, destacando que o debate em torno do aborto comumente se pauta pelo mandamento “não matarás”. “Como pode-se ver, não era considerado vida”, conclui.
Anderson Reis usou de um conteúdo descontextualizado em relação à pastora Romi Bencke para agredi-la, atacando também a CFE.
O fantasma da ideologia de gênero
Anderson Reis também acusa a CFE 2021 de ser a favor da falaciosa “ideologia de gênero”. Ao acessar o texto base da campanha, Bereia verificou que a palavra “gênero” aparece três vezes no documento, nos itens 67 e 125, destacando a questão da violência contra a mulher:
“Os dados nos mostram quem são as pessoas atingidas pelo sistema de violência. As mulheres, em especial as negras e indígenas, são impactadas em todas as dimensões da sua existência. Observar esta realidade evidencia a necessidade de se discutir as questões de gênero, não se limitando à igualdade entre os sexos, mas, compreendendo que a libertação das mulheres da situação histórica de opressão passa pela discussão da propriedade privada, da divisão sexual do trabalho, da laicidade do Estado e da Teologia quando impõe um patriarcado como modelo divino de hierarquia social. Além disso, é importante salientar que as relações sociais de classe, de gênero, de raça, de etnia estão historicamente interligadas.”
“(…) Efésios (2,1-10) alerta para a necessidade premente de se aceitar plenamente as pessoas, que são diferentes, e ver nas diferenças a riqueza do corpo de Cristo. Não é possível estar com Deus e, ao mesmo tempo, discriminar e desrespeitar as outras pessoas por causa das suas diferenças étnicas, religiosas ou de gênero.”
Texto-base da CFE
O texto também se manifesta contra a violência contra pessoas LGBTQI+ no item 68:
“Outro grupo social que sofre as consequências da política estruturada na violência e na criação de inimigos, é a população LGBTQI+. O já citado Atlas da Violência de 2020, mostra que o número de denúncias de violências sofridas pela população LGBTQI+ registradas no Dique 100 no ano de 2018 foi de 1685 casos. Segundo dados do Grupo Gay da Bahia apresentados no Atlas da Violência 2020, no ano de 2018, 420 pessoas LGBTQI+ foram assassinadas, destas 164 eram pessoas trans. Percebe-se que em 2011 foram registrados 5 homicídios de pessoas LGBTQI+. Seis anos depois, em 2017, este número aumentou para 193 casos. O aumento no número de homicídio de pessoas LGBTQI+, entre 2016 e 2017, foi de 127%. Estes homicídios são efeitos do discurso de ódio, do fundamentalismo religioso, de vozes contra o reconhecimento dos direitos das populações LGBTQI+ e de outros grupos perseguidos e vulneráveis.”
Texto-base da CFE
A defesa da vida de mulheres e da população LGBTQI+ é relacionada, pelo influenciador católico, como uma “ideologia” em sentido negativo, sendo, portanto, desqualificada.
Bereia já publicou em verificação anterior sobre o fantasma da “ideologia de gênero”, termo falacioso que é objeto de muita desinformação, especialmente entre grupos religiosos. Como demonstra a matéria, líderes políticos e outros grupos de tendência conservadora têm se apropriado dessa pauta para ganhar adesão política, por meio de pânico moral
Consultada por Bereia, a coordenadora nacional do movimento Evangélicas pela Igualdade de Gênero (EIG) professora Valéria Vilhena explica que não existe e nunca existiu uma “ideologia de gênero”. “Essa narrativa foi construída para se opor aos direitos da mulher e da população LGBT. Eles constroem esse discurso para mais uma vez se posicionarem e reforçarem a negação da dignidade humana. Essa é a questão. Porque não existe uma “ideologia de gênero” – algo que se referem como uma “crença”, uma crença que se impõe para destruir a família (…) O que há é a construção de uma narrativa se utilizando do conceito “gênero” que vem dos estudos de gênero, mas que não tem nada a ver com o que dizem”, declara.
Texto-base não foi redigido por uma só pessoa
Outra acusação de Anderson Reis, no vídeo que circula nas mídias sociais, é que o texto-base da CFE 2021 é de autoria de uma só pessoa, não tendo a participação da CNBB.
“A redação do Texto-Base foi resultado de um processo coletivo de construção, que iniciou no final de 2019. Teve participação direta de pessoas de diferentes áreas do conhecimento, em especial, sociologia, ciência política e teologia. A parte bíblica do Texto contou com a colaboração de biblistas de diferentes igrejas cristãs. Todas pessoas com profundo conhecimento bíblico. Depois de escrito, o Texto-Base foi amplamente discutido por uma Comissão Ecumênica formada por 8 pessoas, sendo 6 indicadas oficialmente pelas igrejas-membro do CONIC, uma igreja convidada e um organismo ecumênico.”
Nota do CONIC
A CNBB publicou nota em que ressalta que a CFE é marca e riqueza da Igreja Católica no Brasil e diz que lhe cabe “cuidar dela, melhorá-la sempre mais por meio do diálogo, assim como nos cabe cuidar da causa ecumênica, um ideal que se nos impõe”.
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Bereia conclui que as informações do vídeo sobre a CFE são enganosas e buscam gerar pânico moral em torno dos temas do aborto e do fantasma da “ideologia de gênero”. O texto-base da campanha, na verdade, defende o fim da violência contra mulheres e pessoas LGBTQI+.
A Campanha da Fraternidade ocorre desde 1964 e tem como objetivo promover a união entre pessoas de diversas manifestações de fé, tendo apoio do próprio Papa Francisco e de outros líderes religiosos mundiais.
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Matéria atualizada em 11 de março de 2021 às 9h14 para correção de dado sobre ano de início da CFE.
O texto do Gospel Mais também reproduz o que a diretora de marketing do Life News Site Rebekah Roberts disse ao canal norte-americano Christian Broadcast Network News. Rebekah afirma que ela considera o banimento como mais um episódio de perseguição ideológica a veículos conservadores e cristãos. Além disso, a matéria relaciona esse caso à remoção do canal bolsonarista brasileiro Terça Livre do Youtube.
O que motivou a exclusão do Life News Site
A matéria do Gospel Mais reproduz a justificativa do porta-voz do Google (detentora do Youtube) veiculada no Christian Broadcast Network. Originalmente, a declaração foi dada ao portal conservador The Blaze, que também considera o banimento uma censura. “De acordo com nosso antigo sistema de strikes [exclusão de conteúdo], encerramos o canal Life News Site por violar, repetidamente, nossa política de desinformação sobre a COVID-19, que proíbe conteúdo que promova métodos de prevenção que contradizem as autoridades de saúde locais ou a OMS. Qualquer canal que viole nossa política de desinformação sobre a COVID-19 receberá um aviso, que restringe temporariamente o envio ou a transmissão ao vivo. Os canais que receberem três avisos no mesmo período de 90 dias serão removidos permanentemente do YouTube”. A mesma mensagem foi enviada à VICE norte-americana, em reportagem sobre o tema.
No entanto, o site brasileiro não informa quais foram as infrações que o LifeNews Site cometeu até receberem a exclusão. A reportagem da VICE informa que não está claro qual conteúdo levou à última remoção, já que o canal do site não existe mais.
Porém, um vídeo do apresentador John-Henry Weston, no próprio LifeNews Site, mistura críticas ao presidente Joe Biden e à esquerda norte-americana e ao imunologista Anthony Fauci (líder no combate à pandemia nos governos Trump e Biden) e aponta alguns conteúdos que poderiam ter justificado o banimento
De acordo com o vídeo, a primeira exclusão teria vindo por veicular o áudio de um patologista canandense que considera a covid-19 “a maior farsa já perpetrada” e “apenas uma gripe forte”, além de questionar o uso de máscaras, distanciamento social e outras medidas de combate à pandemia. Esse conteúdo já foi verificado como falso pela Associated Press. A seguir, a plataforma deu um alerta ao canal católico por publicar um vídeo em que uma freira também classifica a pandemia como farsa para promover controle, uma Nova Ordem Mundial e uma Grande Restauração. Teorias da conspiração como essas já foram verificadas como falsas pelo Coletivo Bereia.
Segundo a reportagem da VICE, um dos conteúdos diz respeito a uma entrevista da bióloga Pamela Acker. A respeito da posição da Academia do Vaticano pela Vida (citada na verificação do Bereia) ela diz: “Você não pode simplesmente dizer: ‘As vacinas salvam vidas, portanto esta vacina é uma ótima ideia’. Você tem que olhar para as vacinas caso a caso, e aquelas que usam células fetais abortadas, em geral, são não. Elas não são realmente vacinas que salvam vidas”. Ela esclarece que não há células fetais nas vacinas Pfizer e Moderna, o que é correto.
O que dizem as políticas do Youtube sobre desinformação relacionada à pandemia
De forma geral, o Youtube monitora o conteúdo que é postado na plataforma em duas fases. A primeira é feita por sistemas automatizados que ajudam a sinalizar violações de políticas e diretrizes. Depois, esses conteúdos passam por revisão humana, como explica este vídeo do Youtube sobre as ações tomadas sobre o coronavírus, datado de 20 de março de 2020. As políticas da plataforma foram atualizadas ao longo do tempo.
O Youtube tem uma política específica para desinformação médica. Conforme o porta-voz do Youtube diz, o Life News Site violou termos que tratam de conteúdos que contradizem métodos de prevenção indicados por autoridades locais e a OMS. O Life News Site diz em seu vídeo de defesa que strikes vieram também por causa de conteúdos que relacionavam vacinas a abortos. A política da plataforma também tem um termo em que pede para criadores não postarem conteúdo que “afirme que uma vacina contra a COVID-19 aprovada contenha substâncias que não estão na lista de ingredientes da vacina, como tecido fetal”.
O caso Terça Livre
Em situação semelhante no Brasil, o encerramento do canal Terça Livre no Youtube se deu pelo mesmo mecanismo de “strikes” explicadas acima e nas matérias do Poder 360 e UOL citadas pelo Gospel Mais. O desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Mathias Coltro considerou a medida do Google desproporcional e que a ação violou o direito constitucional de expressão e informação. Ao UOL, a Google disse que não foi intimada sobre a decisão e que não comenta casos judiciais em andamento.
Debate sobre liberdade de expressão e o controle das big techs
O debate sobre liberdade de expressão e a responsabilidade das Big Techs e mídias sociais no combate a fake news e discurso de ódio tem crescido nos últimos anos. A Lei das Fake News (Projeto de Lei n° 2630, de 2020), aprovada no Senado e aguardando tramitação na Câmara dos Deputados, trata do assunto em seu primeiro artigo:
Art. 1º Esta lei estabelece normas, diretrizes e mecanismos de transparência de redessociais e de serviços de mensageria privada através da internet, para desestimular o seuabuso ou manipulação com potencial de dar causa a danos individuais ou coletivos.
LeiBrasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet
Procurada por Bereia, a professora de Comunicação Social na Universidade Federal do Ceará e membro do Coletivo Intervozes Helena Martins respondeu a algumas perguntas sobre liberdade de expressão e as Big Techs. Confira a entrevista:
Bereia: O que é liberdade de expressão? Significa poder falar o que quiser?
A liberdade de expressão é um direito fundamental, reconhecido já na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789): art. 11: “A livre comunicação dos pensamentos e opiniões é um dos direitos mais preciosos do homem; todo cidadão pode, então, falar, escrever e imprimir livremente, salvo responder ao abuso desta liberdade nos casos determinados pela lei”. A Constituição brasileira a consagra explicitamente no art. 5º, IV, que diz “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”.
Portanto, a liberdade de expressão é um direito, mas os direitos não são absolutos. Eles devem ser postos sempre em relação com outros direitos. A liberdade de expressão não comporta, por exemplo, a incitação a uma violência, porque é um crime. A injúria, o racismo e tantos outros são exemplos de crimes que já são tipificados. Então, não, a liberdade de expressão não quer dizer que se pode dizer tudo. Quer dizer que você tem direito de falar, mas não o direito de praticar crime. Também é importante ponderar que, além do direito de dizer, a pessoa que diz se torna responsável pelos seus atos. Então, as pessoas ficam sujeitas a possíveis repercussões e até mesmo a responsabilização em caso de ter ultrapassado o limite da liberdade de expressão e incorrido em crime.
Helena Martins
Bereia: Quais são os limites e responsabilidades das Big Techs no combate às fake news? Qual a importância da criação de leis e mecanismos de garantia de liberdade de expressão?
As Big Techs têm um papel central na circulação de informações, na própria convivência em sociedade, já que cada vez mais as várias atividades passam a ser mediadas pelas plataformas digitais. Plataformas que não apenas suportam as redes, mas também definem os seus contornos, o que pode ou não ser dito nelas a partir da determinação unilateral – infelizmente – dos seus termos de uso. Muitas vezes, por meio de algoritmos, as redes facilitam ou dificultam a circulação de determinados conteúdos. Tudo isso mostra uma centralidade muito grande das plataformas digitais no momento atual.
Isso quer dizer que elas devem cooperar para a busca por soluções de problemas. Ao meu ver, as plataformas devem ser repensadas em seus próprios modelos de negócios porque eles são baseados na captura de dados, disputa de atenção e na mercantilização das informações. Esses elementos estão na base, inclusive, do funcionamento das fake news, por exemplo. Então, elas devem ser cobradas a contribuir para a resolução desses problemas.
Por outro lado, no direito internacional (e aqui no Brasil com o artigo 19 Marco Civil da internet), há toda uma compreensão que aponta também limites para atuação nas plataformas. Sobretudo quando há uma atuação isolada, unilateral, sem participação e definição pública. Por exemplo, quando a plataforma definir unilateralmente retirar um conteúdo do ar, ela pode, sim, acabar gerando censura em relação àquele conteúdo. Então, é muito preocupante que as plataformas sejam alçadas à posição de donas da verdade, de gatekeepers da informação que circula no cenário nacional e até mesmo mundial. Então há a responsabilidade, é importante que que isso seja cobrado, mas também há limites. Eu apontaria a necessidade sobretudo de um processo de co-regulação, de debate entre os diversos agentes, inclusive o Judiciário e a sociedade para que não haja riscos de, com o intuito de buscar sanar alguns problemas, acabarem incorrendo à censura privada .
Helena Martins
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Bereia conclui que é enganoso que o canal católico LifeNews Site, bem como o canal Terça Livre, tenham sofrido censura do YouTube. Os dois canais infringiram regras previstas nas políticas da plataforma sobre fake news, ao publicarem informações falsas sobre a pandemia que já matou mais de 2 milhões de pessoas no mundo, e sofreram penalidades em decorrência disso.
Postagens em ambientes digitais religiosos têm divulgado que seis pessoas imunizadas com a vacina da Pfizer contra a Covid-19 na Inglaterra teriam morrido.
As postagens surgiram depois que a agência federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos responsável pela saúde pública, controle de medicamentos, produtos biológicos, dispositivos médicos, alimentos e cosméticos, a FDA (Food and Drug Administration), aprovou, em 11 de dezembro, a vacina do Laboratório Pfizer e da empresa BioNTech. Era a etapa que faltava para permitir o início da distribuição das doses nos Estados Unidos.
Em entrevista coletiva em 12 de dezembro, o diretor da FDA Stephen Hahn negou que tenha sofrido pressão política para acelerar a liberação e garantiu que a avaliação manteve a integridade científica e afirmou que os americanos devem ter plena confiança nos cientistas.
A verificação feita pelo Estadão constatou que a informação é falsa. Duas das pessoas que morreram haviam tomado a vacina, e as outras quatro haviam tomado um placebo (formulação sem efeito farmacológico, administrada ao participante do ensaio clínico com a finalidade de mascaramento ou de ser comparador, segundo a ANVISA, RDC nº9, de 20/02/2015. Uma substância que não contém ingredientes ativos, feito para ter gosto e aparência idêntica da droga real a ser estudada). Portanto, a FDA descartou relação entre as mortes e o imunizante.
A vacina da Pfizer
O imunizante da Pfizer utiliza a técnica de RNA mensageiro, em que informações genéticas levam o organismo a produzir proteína do vírus e assim ativar a produção de anticorpos no sistema imunológico contra o vírus. Já aprovada em alguns países como Reino Unidos, EUA, Chile, Bahrein e México, a chegada da vacina norte-americana ainda é negociada pelo Governo Federal do Brasil. Em 17 de dezembro, a farmacêutica protocolou os dados da fase 3 na Anvisa e a agência analisará os dados recebidos. A próxima fase trata de registrar a vacina para uso emergencial. Até o momento de publicação desta reportagem, nenhuma empresa fez esse pedido no Brasil.
Autorizações para campanhas de vacinação
A Lei 14.006 de 2020, sancionada em maio, estipula que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitário) deve analisar em 72 horas a liberação de vacina que for aprovada por pelo menos uma das seguintes autoridades sanitárias estrangeiras: FDA (Estados Unidos), European Medicines Agency (EMA), da União Europeia; Pharmaceuticals and Medical Devices Agency (PMDA), do Japão; National Medical Products Administration (NMPA), da China.
Nesse sentido, a aprovação da vacina da Pfizer no FDA deveria levar à análise desse imunizante pela Anvisa em até 72 horas. No entanto, matéria do jornal Folha de São Paulo explica como a autoridade brasileira faz uma interpretação restritiva da lei, segundo a qual a regra não se aplicaria à aprovação de uso emergencial no exterior.
Por outro lado, especialistas ouvidos pela Folha discordam dessa leitura. “Não faria sentido excluir da regra vacinas aprovadas de forma emergencial numa lei editada para fazer frente à situação emergencial da pandemia”, afirma o diretor da Faculdade de Direito da USP, Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto, especializado em direito administrativo. O médico e advogado sanitarista Daniel Dourado, pesquisador do Institut Droit et Santé da Universidade de Paris, também critica a interpretação feita pela autoridade sanitária. “No debate da inclusão desse prazo no Congresso, a lógica foi a de agilizar o processo. Acrescentar um dispositivo para acelerar, mas esperar o registro definitivo em outro país, que demora três ou quatro meses, não faz sentido”, afirma.
A liberação da vacina da Pfizer pela autoridade sanitária norte-americana ocorreu em 11 de dezembro, já no dia 14 de dezembro, a Anvisa publicou nota em que fixou prazo de 10 dias para avaliar pedidos de uso emergencial de vacinas contra a Covid-19. A Agência determinou que só irá realizar a avaliação “se todos os documentos necessários tenham sido enviados pela fabricante da vacina” e possuam ensaios clínicos em condução no Brasil.
A agência também argumentou que nenhum país deu aprovação automática de uma vacina baseada na liberação de agência reguladora estrangeira. Além disso, a Anvisa divulgou uma lista de questões que devem ser respondidas pela fabricante, que vão desde o tipo de vacina, qualidade dos insumos e até mesmo qual é a população-alvo para uso no país.
Anvisa e CoronaVac
A nota da Anvisa critica os critérios chineses para autorização de uso emergencial da CoronaVac (vacina contra o coronavírus desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan de São Paulo) e menciona a consideração de questões geopolíticas envolvidas na discussão sobre a vacina da Covid-19. Ainda assim, a fixação do prazo de dez dias para análise do pedido de uso emergencial fez o Instituto Butantan divulgar que vai solicitar a aprovação do imunizante nessa modalidade.
Mais cedo naquele dia 14 de dezembro, o governador de São Paulo João Doria havia decidido já buscar o registro definitivo do fármaco. Em lugar de divulgar de imediato o estudo preliminar da fase 3 do imunizante foi decidida uma apresentação do ensaio completo no dia 23 de dezembro para o registro definitivo do fármaco. Também no dia 23, a Sinovac vai pedir o registro à NMPA, agência sanitária chinesa. Dessa forma, o governo paulista busca tanto o uso emergencial quanto o registro definitivo.
Limiar do Supremo Tribunal Federal
Em 17 de dezembro, o ministro do STF Ricardo Lewandovski permitiu que estados e municípios distribuam vacinas já aprovadas por autoridades sanitárias estrangeiras, caso a Anvisa não autorizá-las seguindo o prazo de 72 horas estipulado na Lei 14.006/2020. Se o Plano Nacional de Imunização, entregue pelo governo federal ao STF, por exigência do órgão, em novembro, for descumprido, estados e municípios também poderão distribuir e aplicar imunizantes aprovados pela Anvisa.
Em entrevista, o presidente da Anvisa Antônio Barra Torres afirmou: “Não tivemos acesso ao texto oficial, mas faremos todo o possível para o acatamento integral do que está ali preconizado. É claro que prazos podem ser difíceis de serem cumpridos em função do volume de informações, mas, nem por isso, deixaremos de tentar esse cumprimento. Aguardamos obter formalmente essa definição para que possamos fazer os ajustes necessários”.
Estratégias de combate à desinformação
Em 16 de dezembro, o Twitter atualizou sua política de combate a informações falsas sobre a Covid-19 e as vacinas contra a doença. Em uma postagem no blog oficial da empresa, a plataforma afirmou que irá remover postagens com conteúdo enganoso sobre a vacinação a partir da próxima semana. Para as semanas seguintes planejou um esforço maior para inserir avisos marcando tuítes sobre vacinas como potencialmente incorretos.
Já está incluída atualmente na política da empresa a remoção de conteúdos falsos sobre a natureza do coronavírus, transmissões, eficácia de medidas de segurança, tratamentos, diretrizes oficiais de controle da doença e o risco de infecção e morte ligado à Covid-19. Com as novas regras, também serão retiradas as postagens que afirmarem que vacinas causem danos ou são usadas para controle populacional, alegações falsas sobre efeitos colaterais das vacinas e tuítes que digam que a Covid-19 não é real ou um problema sério e que, portanto, não requer vacinação. A partir de 2021 a rede social planeja incluir um aviso em tuítes que espalhem conteúdo falso, informações não verificadas ou incompletas a respeito das vacinas. A inteligência artificial e a análise humana devem estar juntas na checagem das informações.
Pesquisadores ao redor do mundo decidiram se unir em meio à pandemia provocada pelo coronavírus para um desafio que vai além das análises e descobertas em laboratório. Os cientistas estão produzindo conteúdo sobre a Covid-19 em redes como TikTok, Instagram e Twitter para se comunicar com um público amplo de forma direta e didática.
A iniciativa é da Equipe Halo, uma ação global criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) e outras organizações internacionais para apoiar e celebrar a colaboração científica em busca de vacinas seguras e eficazes.
Por meio dos aplicativos os pesquisadores mostram seu dia a dia de forma voluntária e publicam vídeos, nos quais contam histórias, explicam detalhes sobre as pesquisas, respondem perguntas do público, esclarecem boatos e informações incorretas.
Os profissionais são oriundos de diversos países e conta com a participação de seis brasileiros. Entre eles, o professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), diretor regional da Sociedade Brasileira de Imunologia.
Em entrevista, o pesquisador André Báfica afirmou que “esse engajamento é um processo fundamental para que cientistas capilarizem conteúdo confiável e não autoritário para as pessoas. Precisamos ocupar esses espaços e naturalmente as pessoas compreenderão o que a nossa universidade produz e como a ciência é uma grande aliada das nossas vidas”, ressalta.
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Bereia conclui que é falsa a informação de que pessoas morreram em decorrência da imunização pela vacina da farmacêutica Pfizer. O imunizante tem a segurança atestada pelos países em que já está sendo utilizado e. no Brasil. tem seguido as fases necessárias para sua aprovação. Quanto à CoronaVac, vacina produzida em parceria da chinesa Sinovac e o Instituto Butantan, o mais recente status é de espera pelo pedido de uso emergencial, anunciado pelo governo paulista em 17 de dezembro. Em todos os casos, a Agência tem prazo determinados para realizar as avaliações requisitadas para a aprovação de vacinas no país. Bereia também checou e classificou como falsas as informações a respeito da CoronaVac disseminadas por um pastor durante pregação no Ceará.
O vídeo usado como fonte para a reportagem do Conexão Política é de autoria do blogueiro e youtuber canadense Abdullah Sameer, publicado em seu canal no YouTube em 28 de novembro de 2020, baseado em matéria original da Agência France Presse (AFP). Sameer professou o islamismo durante muitos anos até abandonar a fé e decidir compartilhar suas posições contrárias ao islamismo, como ele mesmo afirma em seu blog.
Vídeo de Abdullah Sameer utilizado como fonte pelo Conexão Política
No vídeo, Sameer relata o ocorrido na vila de Lemban Tongoa, localizada na ilha de Sulawesi, ao leste da Indonésia, em 28 de novembro, conforme reportado pela AFP. Sameer aponta que seis casas foram incendiadas, sendo que uma delas seria utilizada como capela para orações. A BBC também reproduziu essa informação em matéria do dia 01 de dezembro. Já o Conexão Política, afirma na matéria que publicou, que “foram seis capelas incendiadas no ataque”.
Contradições
A contradição está no fato de que não há prova de que as casas incendiadas, eram de fato, capelas. As autoridades locais não as reconheceram como capelas. A afirmação partiu de um pronunciamento do Exército da Salvação, que assumiu que a casa incendiada era um local de culto e que os cristãos mortos atuavam no Exército da Salvação.
Conforme a própria reportagem do Conexão Política, o inspetor de polícia de Sulawesi Rakhman Baso, “disse que ‘nenhuma igreja foi queimada’ – os edifícios que foram queimados não foram oficialmente reconhecidos como igrejas oficiais”. Entretanto, no texto original produzido pela AFP, a fonte é o chefe da polícia de Sigi Regency Yoga Priyahutama, e Rakhman Baso não é citado.
Segundo a matéria do Conexão Política, quem afirma que as casas eram utilizadas como capelas pelo Exército da Salvação é o , presidente do “Sínodo Cristão Protestante, o reverendo Gumar Gultom”.
O Conexão Política também traz a afirmação de que Gumar Gultom condenou os ataques e admitiu que as vítimas eram membros do Sínodo Cristão Protestante, organização de igrejas protestantes na Indonésia. A fala do reverendo (tampouco a sua ligação com as vítimas do ataque) não está presente no vídeo de Abdullah Sameer, nem no texto da AFP. A fala do pastor aparece em texto da Asian News, site de notícias católico, publicado em 28 de novembro. O texto da BBC, embora não cite o pastor Gumar Gultom, também traz trechos da nota emitida pelo Exército da Salvação e pelo Sínodo Cristão Protestante.
A matéria da AFP não oferece conteúdo referente às vítimas serem do Exército da Salvação ou membros do Sínodo Cristão Protestante, e está ancorada no relato das autoridades locais, que afirmam que apenas uma das casas incendiadas era utilizada como capela. Também nada cita sobre as vítimas assassinadas serem membros de uma mesma família, conforme trouxe a Asian News Católica, e o Conexão Política reproduziu.
O vídeo de Abdulla Sameer, apesar de também não citar ligação do ataque ao Sínodo Cristão Protestante, nem ao Exército da Salvação, apresenta uma análise do caso a partir da qual especula sobre o grupo terrorista apontado como principal suspeito pelo atentado, indicando suas possíveis motivações e comentado sobre o que chama de “Ideologia Terrorista”, que colocaria em risco os cidadãos não muçulmanos.
O grupo terrorista Mujahideen
A única informação que não foi passível de contradições entre os textos e o vídeo publicados sobre o ataque foi a autoria do atentado, atribuída ao East Indonesia Mujahideen ou Mujahidin Indonesian Timur (MIT) . “Chegamos à conclusão de que eles [os atacantes] eram do MIT depois de mostrarem fotografias dos seus membros aos familiares das vítimas” que testemunharam a emboscada, disse o chefe da polícia de Sigi Regency, Yoga Priyahutama.
O Mujahideen é um grupo extremista criado em 2010 que apoia ações do Estado Islâmico e é responsável por diversos ataques em Sulawesi e em outras ilhas da Indonésia, mas estava inativo desde 2016. Conforme o Conselho de Segurança das Nações Unidas o “Mujahidin Indonesian Timur (MIT) foi listado em 29 de setembro de 2015 nos termos dos parágrafos 2 e 4 da resolução 2161 (2014) como estando associado à Al-Qaeda por ‘participar no financiamento, planejamento, facilitação, preparação ou perpetração de atos ou atividades por, em conjunto com, sob o nome de, em nome de, ou em apoio do’ Estado Islâmico no Iraque e no Levante (ISIL), listado como Al-Qaida no Iraque (QDe.115)”.
Título retirado do site do Conexão Política, de mesma autoria do texto sobre o ataque na Indonésia
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O Bereia classifica a notícia veiculada pelo site Conexão Política sobre ataque a cristãos na Indonésia como imprecisa. Foi verificado, conforme publicações da AFP, da BBC e de sites de notícias religiosos, como a Asian News Católica, que há contradições sobre o parentesco das vítimas, sobre se o atentado foi de fato a capelas ou somente a casas de cristãos locais. Por fim, a matéria está ancorada em material opinativo de um blogueiro ex-islâmico sem pesquisa de dados, importante para um jornalismo comprometido com a informação.