Eleições para Conselhos Tutelares reafirmam urgência de se compreender lugar da religiosidade na vida pública

Nenhuma igreja evangélica, sozinha, é a responsável pelos conselheiros tutelares eleitos. O sistema de proteção à infância tem desafios que atravessam a sociedade brasileira como um todo. Não custa lembrar que até mesmo boa parte do campo progressistas despreza essa pauta, pois mesmo quando fazem a disputa por posições nos conselhos, esquece-se que o fundamental da disputa pelo bem-estar das crianças se dá na dimensão da comunidade.

Apontar os evangélicos como culpados é esquecer do que preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente em relação à infância: somos todos responsáveis. Todos. O que estou vendo, sobretudo, é a incapacidade de reconhecermos nossas falhas, nossa opção ou nossa omissão no trato com a infância. Basta vermos o número de crianças atingidas pela letalidade policial e nossa inércia na reação. Então, como não temos respostas nem conseguimos fazer autocrítica, é mais fácil acirrar a disputa ideológica, alimentar uma guerra santa sem ter controle dos dados reais (evangélicos ainda não são maioria no país) e atacar a religiosidade escolhida pelos mais vulneráveis, que é a fé evangélica.

Líderes evangélicos associados com a extrema direita usam o trunfo que está sendo dado pelos progressistas. E vice-versa, mas numa escala muito menor. Ou a gente entende o papel da nova religiosidade brasileira na vida pública ou não vamos a lugar nenhum, seremos tragados pelos nossos discursos que não acham aderência popular. A pauta moral está posta, e ela não orienta somente a vida dos evangélicos, mas da maioria dos brasileiros.

Tenho a impressão, ao olhar para o resultado dos Conselhos, que querem me fazer acreditar que os evangélicos são um grupo de talibãs que vivem normalmente no meio de uma sociedade com altos marcos civilizatórios. É possível isso?

Talvez caiba a nós, comprometidos com um Brasil mais justo, mais igualitário, falarmos das crianças em todo o tempo e em todo lugar. Quando colocarmos a criança na centralidade da vida, dentro do debate sobre emprego e renda, dentro do debate sobre violências, dentro do debate sobre a qualidade da educação, dentro do debate sobre saúde, dentro do debate sobre a cidade que queremos, a eleição de conselheiros tutelares não será o que tem sido, pois os oportunistas (de qualquer credo) serão desmascarados, e esse processo que precisa ser regulado pela Justiça Eleitoral será regulado, antes, pelo compromisso com a proteção integral das crianças.

**Os artigos da seção Areópago são de responsabilidade de autores e autoras e não refletem, necessariamente, a opinião do Coletivo Bereia.

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