Balanço Janeiro 2025: Mentiras sobre o Pix como estratégia de oposição política

O ano de 2025 teve início com agitação nas redes digitais sobre o Pix, refletida em matérias da grande imprensa, provocada por viralização de conteúdo que contrapôs medida anunciada pela Receita Federal, em 2024, com vigência a partir de 1 de janeiro do novo ano.

A Instrução Normativa 2.219/2024, da Receita Federal, publicada no Diário Oficial da União, em 18 de setembro de 2024, dispunha sobre “a obrigatoriedade de prestação de informações relativas às operações financeiras de interesse da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil na e-Financeira”. A medida ampliava o monitoramento de transações financeiras no país, que alcançava apenas instituições financeiras tradicionais, como bancos e cooperativas de crédito, com a obrigação de prestar essas informações.

Com a norma, que vigoraria a partir de 1 de janeiro de 2025, transações via Pix e cartões de crédito, acima de R$ 5 mil para pessoas físicas e de R$ 15 mil para empresas, passariam a também ser reportadas por administradoras de cartão de crédito, bancos digitais e instituições de pagamento à Receita Federal. O órgão afirmou em nota que o objetivo era reforçar o combate à evasão fiscal e a promoção da transparência. Foi enfatizado, ainda, que a medida estaria alinhada aos compromissos internacionais do Brasil, para aumentar o controle sobre operações financeiras e facilitar a fiscalização.

A agitação com consequências

A agitação em torno da medida da Receita Federal foi promovida por dois parlamentares evangélicos de Minas Gerais nas redes: o senador Cleitinho (Republicanos) e o deputado federal Nikolas Ferreira (PL). Dias depois de iniciado o período de aplicação da nova norma, em 6 de janeiro de 2025, Cleitinho publicou um vídeo em seus perfis de mídias sociais com a legenda “Urgente! Governo Lula fazendo o povo de palhaço. Receita Federal irá tomar conta dos seus gastos do seu cartão de crédito e pix”.

Imagem: reprodução/Instagram

Com um minuto e meio de duração, em tom alarmista, o vídeo do senador ganhou forte repercussão ao anunciar que a cada seis meses, pessoas comuns, usuárias do Pix, teriam que informar suas operações financeiras ao governo federal. O senador assumiu o papel de “defensor” dos usuários do Pix e fez uma série de novas postagens sobre o tema, diante da repercussão do alarme, incluindo o anúncio de autoria de um “Decreto Legislativo para impedir o monitoramento do Pix”.

Em curto tempo, outros políticos e influenciadores digitais alinhados à direita política passaram a repercutir a ideia que passou a ser ampliada com outra, a de que o Pix seria taxado pelo governo federal.

O ápice da disseminação de desinformação baseada em pânico ocorreu em 14 de janeiro, quando foi lançado nas redes digitais um vídeo do deputado Nikolas Ferreira. Com o mesmo tom alarmista, no discurso verbal e visual, o deputado afirmou “o governo quer saber como você ganha R$ 5 mil” e fez uso da mentira sobre a taxação do Pix, mantendo-a viva com a frase: “Não, o Pix não será taxado, mas é bom lembrar que a comprinha da China não seria taxada. Não ia ter sigilo, mas teve. Você ia ser isento do Imposto de Renda, não vai mais. Ia ter picanha, não teve. O Pix não será taxado, mas não duvido que possa ser”. O deputado ainda afirmou que o “governo quer tratar os trabalhadores informais como sonegadores”. Em 16 de janeiro a publicação no Instagram ultrapassou a marca de 275 milhões de visualizações.

Imagem: reprodução/Instagram

Nikolas Ferreira também foi publicado na rede X, com versão com legendas em inglês, e chamada em que marca Elon Musk, proprietário da rede.

Imagens: reprodução/X

Os vídeos de Nikolas Ferreira seguem nas duas redes e continuam com milhões de visualizações.

Líderes e veículos religiosos repercutiram amplamente a desinformação e o tom de pânico que a embasou. O missionário R. R. Soares, foi um dos que fez uso de espaços religiosos para ampliar a disseminação das falsidades. No programa Show da Fé, em horário de TV pago na Rede Bandeirantes, que foi ao ar em 13 de janeiro, gravado com a presença de centenas de fiéis da Igreja Internacional da Graça, no momento em que pedia ofertas, Soares afirmou: “Está acontecendo uma campanha contra o pix, só porque a pessoa ajuda um parente, um amigo e é de graça, já querem cobrar imposto. Eles cobram imposto de tudo da gente. É uma maldade que querem fazer”. O missionário ainda fez um apelo público ao governo federal para que desse “um basta” na taxação do Pix. Matérias sobre o caso foram publicadas pela Folha de S. Paulo e pelo jornal O Globo.

O site evangélico de notícias Pleno.News deu espaço aos pronunciamentos de políticos com identidade religiosa com base nas falsidades, mesmo quando já circulavam amplos desmentidos oficiais e por parte de mídias noticiosas, um deles publicado pelo próprio veículo.

Imagens: reprodução/Pleno.News

Ações de comunicação do governo federal foram realizadas para confrontar as falsidades sobre a normativa da Receita e a grande imprensa também agiu com veiculação de informações corretas sobre as novas regras. A Federação de Bancos do Brasil (Febraban) e a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomércio-SP) também divulgaram notas com desmentidos de que a normativa não afeta usuários de Pix e de cartões de crédito. “Os clientes que utilizam o Pix para pagamentos e transferências não precisam tomar qualquer providência, nem passarão a ser cobrados”, divulgaram a organizações.

Influenciadores digitais comprometidos com a informação tiveram papel importante em comunicações de desmentidos, como Gil do Vigor e Nath Finanças que se destacaram nas redes. A deputada federal Erika Hilton (Psol/SP) produziu vídeo, veiculado em 18 de janeiro em seus perfis de mídias sociais, que contrapôs o de Nikolas Ferreira e teve alcance também na casa dos milhões.

Imagem: reprodução/Instagram

Ainda assim, o alcance da enxurrada de material desinformativo em todas as redes digitais nos primeiros quinze dias de janeiro teve efeitos fortes. Houve redução no volume de transações realizadas por Pix, diante da insegurança, em especial em bom número de pequenos comerciantes, que passaram a recusar pagamentos por este sistema e demandar dinheiro em espécie, e houve abusos de outros que passaram a aplicar taxas de até 10% sobre pagamentos por Pix.

Em 15 de janeiro, o Ministério da Economia do Brasil anunciou a revogação do ato normativo que estendeu o monitoramento das transações financeiras. Segundo o ministro Fernando Haddad, o governo editará uma medida provisória (MP) para proibir a cobrança diferenciada por transações em Pix e em dinheiro. Ele explicou que a MP também reforçará princípios garantidos pela Constituição nas transações via Pix, como o sigilo bancário e a não cobrança de impostos nas transferências pela modalidade, além de garantir a gratuidade do Pix para pessoas físicas.

O ministro indicou que, com a edição da MP, nenhum comerciante poderá cobrar preços diferentes entre pagamentos via Pix e em dinheiro, prática detectada como consequência das falsidades disseminadas neste janeiro de 2025. Haddad ainda negou que a revogação do ato seja o reconhecimento da derrota para as fake news. “Pelo contrário. Isso é impedir que esse ato [a instrução normativa] seja usado como justificativa para não votar a MP. Estamos lançando uma medida provisória e queremos que ela seja discutida com sobriedade pelo Congresso Nacional”, justificou.

Criação de caos como estratégia

Um estudo do NetLab da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) oferece compreensão sobre como as mentiras sobre a economia popular, que geraram o caos nas transações via Pix e pânico na população, foram propagadas com ajuda da Meta, empresa proprietária das redes Facebook, Instagram e WhatsApp. A pesquisa mostra como a Meta foi paga para impulsionar a divulgação de anúncios fraudulentos sobre o tema para alcançar um número extenso de usuários.

Além de um vídeo falso em que o ministro da Economia do Brasil Fernando Haddad afirmava que taxaria o Pix, entre 10 e 21 de janeiro de 2025, 1.770 anúncios fraudulentos foram impulsionados no Facebook e no Instagram para promover informações falsas contra programas governamentais, mais golpes e desinformações sobre o Pix (falsa taxa a pagar) e supostos valores a receber. Os anúncios foram pagos por 151 perfis de anunciantes (que podem ser também fraudulentos) e direcionaram os usuários para 85 sites falsos para aplicação de golpes financeiros.

O estudo do Netlab indica: “(1) o número de golpes e fraudes em anúncios da Meta cresceu 35% após a revogação das novas regras pelo governo; e 2) o uso de deepfakes do deputado federal Nikolas Ferreira (PL/MG), protagonista da campanha pela revogação da norma, aumentou 234%”.

Em nota enviada ao veículo Olhar Digital, a Meta afirmou que não permite “atividades que tenham como objetivo enganar, fraudar ou explorar terceiros”. A empresa disse estar sempre aprimorando a sua tecnologia para combater atividades suspeitas, porém, não respondeu qual o destino do dinheiro recebido pelos anúncios fraudulentos.

As postagens com conteúdo falso e enganoso da parte de políticos, influenciadores e outros usuários seguem no ar em todas as plataformas digitais.

Bereia identifica há cerca de um ano, a estratégia de notórios propagadores de desinformação com criação de pânico com falsidades em torno de temas de interesse público com foco na economia. Tais conteúdos circulam amplamente em espaços digitais religiosos. Há várias matérias publicadas pelo Bereia em 2024, como as que trataram da regulamentação do trabalho por aplicativos, do uso dos lucros extraordinários com ações da Petrobrás, do projeto de taxação de offshores, entre outras.

Esta tendência observada pelo Bereia em 2024, foi objeto de matéria do jornal O Globo com o título “Oposição muda a tática: ‘esquece’ agenda de costumes e tenta desgastar governo Lula com pauta econômica”. Tal conteúdo pode ser observado nos conteúdos enganosos circulantes em espaços digitais religiosos, como os acima citados, e em materiais que exploram o pânico com abordagens infundadas, como este publicado em vídeo em setembro passado:

Matéria do jornal O Globo trouxe à tona em 16 de janeiro, após a revogação da medida da Receita Federal sobre a ampliação do monitoramento de movimentações financeiras, que o vídeo de Nikolas Ferreira, peça importante na disseminação de desinformação e pânico na economia popular, foi articulado pelo Partido Liberal (PL). A estratégia para explorar o tema foi traçada pelo marqueteiro responsável pela campanha eleitoral de Jair Bolsonaro à reeleição para presidente da República em 2022, Duda Lima.

Mais informações sobre o caso das mentiras sobre o Pix podem ser acessadas aqui.


Bereia alerta leitores e leitoras, como recorrentemente registra, que é muito importante em uma democracia que haja oposição a governos. Eles precisam ser cobrados, pressionados, o que é saudável em um Estado democrático de direito. Um espaço político sem oposição é um espaço que nega a diversidade de ideias, de opiniões e tende a um regime de exceção. Porém, a oposição deve ser feita de forma digna, ancorada na honestidade e na justiça, em discursos e em ações. O uso de mentiras, falsidades e enganos para contrapor governos e para convencer e ganhar aliados para causas de determinados grupos não é coerente com os princípios de oposição política democrática e deve ser denunciado, bem como seus agentes.

Referências de checagem:

Receita Federal.

http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=140539 Acesso em: 11 fev 2025.

https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/noticias/2024/setembro/receita-atualiza-regras-da-e-financeira-e-amplia-obrigatoriedade-para-novas-entidades Acesso em: 11 fev 2025.

Folha de S. Paulo. https://f5.folha.uol.com.br/colunistas/outro-canal/2025/01/rr-soares-usa-horario-comprado-na-band-para-espalhar-noticia-falsa-sobre-pix.shtml Acesso em: 11 fev 2025.

O Globo.

https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2025/01/14/pastor-rr-soares-difunde-fake-news-sobre-o-pix-ao-pedir-doacao-a-fieis-na-tv-cobram-imposto-de-tudo-video.ghtml Acesso em: 11 fev 2025.

https://oglobo.globo.com/blogs/sonar-a-escuta-das-redes/noticia/2025/02/09/oposicao-muda-a-tatica-esquece-agenda-de-costumes-e-tenta-desgastar-governo-lula-com-pauta-economica.ghtml Acesso em: 11 fev 2025.

https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2025/01/16/video-de-nikolas-fez-parte-de-acao-coordenada-de-marqueteiro-de-bolsonaro-sobre-pix.ghtml Acesso em: 11 fev 2025.

Netlab/UFRJ. https://netlab.eco.ufrj.br/post/danos-causados-pela-publicidade-enganosa-na-meta Acesso em: 11 fev 2025.

Febraban. https://portal.febraban.org.br/noticia/4246/pt-br/ Acesso em: 11 fev 2025.

Fecomércio. https://www.fecomercio.com.br/noticia/medida-provisoria-reforca-seguranca-do-pix-e-encerra-fake-news-sobre-cobranca Acesso em: 11 fev 2025.

ICL Notícias. https://iclnoticias.com.br/fake-news-pix-influenciadores-no-debate-publico/ Acesso em: 11 fev 2025.

Agência Brasil. https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2025-01/receita-revoga-ato-normativo-que-previa-fiscalizacao-do-pix Acesso em: 11 fev 2025.

Olhar Digital. https://olhardigital.com.br/2025/02/07/pro/meta-foi-paga-para-divulgar-fake-news-sobre-pix-diz-estudo/ Acesso em: 11 fev 2025.

Bereia.

https://coletivobereia.com.br/deputado-evangelico-publica-falsidade-sobre-a-regulamentacao-do-trabalho-por-aplicativos/ Acesso em: 11 fev 2025.

https://coletivobereia.com.br/deputada-catolica-dissemina-enganos-sobre-uso-dos-lucros-extraordinarios-com-acoes-da-petrobras-pelo-governo/ Acesso em: 11 fev 2025.

https://coletivobereia.com.br/deputado-catolico-mente-sobre-projeto-de-lei-de-taxacao-de-offshores/ Acesso em: 11 fev 2025.

Instagram. https://www.instagram.com/reel/DF5f1GYRI06/?igsh=MWhja2h1bDRzOXlmcw%3D%3D Acesso em: 11 fev 2025.

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