Balanço Janeiro 2024: políticos religiosos desinformam sobre situação econômica do Brasil

O levantamento do Bereia sobre destaques em desinformação disseminada no mês de janeiro de 2024, identificou o tema da economia e o protagonismo de políticos religiosos nestas publicações.

Alarde sobre alta no preço de alimentos

Em 15 de janeiro de 2024, o senador evangélico Magno Malta (PL-ES) publicou na plataforma X/Twitter, conteúdo com milhares de acessos e compartilhamentos, sobre o aumento dos alimentos no Brasil em que afirma haver uma exorbitante alta dos preços dos alimentos, atribuindo a suposta disparada ao atual governo.

Imagem: reprodução do X (antigo Twitter) 

Na postagem acima, o valor de compra de três produtos juntos, arroz, refrigerante e óleo de soja, de determinadas marcas, seria de R$ 80,00.  Seguindo as características de qualquer publicação identificada como desinformativa, a postagem de Magno Malta não tem dados fundamentais para comprovação do conteúdo, como a data de coleta dos preços, a procedência dos valores (o local de onde colheu a informação – estabelecimento, cidade) e o oferecimento de um parâmetro de comparação.

Bereia fez a busca dos dados ausentes e procedeu a um levantamento de preços dos produtos em outros dois estabelecimentos do ramo de alimentos, para obter parâmetros de comparação. Os preços totalizaram valores muito abaixo do divulgado na postagem do senador evangélico, conforme a tabela a seguir.

 ProdutoMarca/TipoQtdePreço
Magno Malta – X (15/Jan)Arroz – 1 kgCamil/Branco1Sem descrição
Coca Cola – 2 ltCola-Cola1Sem descrição
Oléo de cozinha – 1 ltLIZA/Soja1Sem descrição
Total (segundo Magno Malta)R$ 80,00
Pão de AçúcarArroz – 1 kgCamil/Branco1R$ 7,29
Coca Cola – 2 ltCola-Cola1R$ 10,99
Oléo de cozinha – 1 ltLIZA/Soja1R$ 6,89
Total (Pão de Açúcar – SEM DESCONTO – em 31 de janeiro de 2024)R$ 25,77
Rappi → ASSAÍ ATACADISTAArroz – 1 kgCamil/Branco1R$ 6,49
Coca Cola – 2 ltCola-Cola1R$ 9,95
Óleo de cozinha – 900 mlLIZA/Soja1R$ 5,85
Total (ASSAÍ – SEM DESCONTO – em 31 de janeiro de 2024)R$ 22,29

Tabela de preços levantados por Bereia – autoria própria

Este exercício também foi realizado por vários seguidores do perfil do senador, que publicaram diversos comentários, como os exemplificados a seguir:

Imagens: reprodução do X (antigo Twitter)

Magno Malta prosseguiu, em janeiro, com outras postagens de conteúdos relacionados à economia.

Imagem: reprodução do X (antigo Twitter)

O parlamentar, em 19 de Janeiro passado, também na plataforma X/Twitter,  publicou uma montagem de vídeo  que mostra, em primeiro plano, uma mulher, supostamente ligada ao Partido dos Trabalhadores (PT), festejando, de forma irônica,  preços associados aos produtos que aparecem em segundo plano. Os valores em destaque sugerem que o país estaria vivenciando um descontrole dos preços dos alimentos.

De forma similar à primeira postagem, destacada nesta matéria, o senador não informa a data, os valores de cada produto, ou qualquer informação sobre o local da coleta de preços. Tudo isto caracteriza a produção de conteúdo falso e enganoso.

O que dizem os dados da economia sobre preços dos alimentos

O Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que mede a variação de preços de quem ganha entre um e cinco salários mínimos, publicado em dezembro de 2023 registrou uma queda de 2,48%, no acumulado até novembro de 2023, no chamado Grupo de Alimentação no Domicílio. Isto significa um recuo nos preços na lista de alimentos mais comuns nas mesas das famílias brasileiras. Esta baixa foi alcançada ainda que o IPCA-15 (Índice de Preços ao Consumidor Ampliado), que mede a variação de preços dos itens consumidos por quem ganha entre um e quarenta salários mínimos, tenha tido uma alta de 0,4% em dezembro de 2023. A figura abaixo, retirada do site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), confirma estes dados.

Imagem: reprodução do site do IBGE

Estes dados demonstram que o senador Magno Malta mentiu em publicações que buscaram criticar políticas de preços e causar pânico em relação a falsa alta de custos gerais de alimentos.

Sobre as contas Contas Públicas em 2023

O radar do Bereia detectou outra publicação relacionada ao contexto da situação econômica do país, com suspeita de desinformação. O deputado estadual evangélico Ricardo Arruda (PL-PR) fez um alarde entre seguidores religiosos, ao publicar, em suas mídias sociais, em 30 de janeiro de 2024, um card com a seguinte legenda: “Brasil passa Argentina e vira o mais endividado da América Latina. Alguém surpreso?”.

Imagem: reprodução do Facebook

O veículo de extrema-direita Revista Oeste publicou matéria com o mesmo conteúdo, em 29 de janeiro de 2024, alegando que a informação foi divulgada pelo Instituto Millenium, sob a chamada: “O Brasil ultrapassou a Argentina e se tornou o país mais endividado da América Latina”. Bereia verificou o site do Instituto Millenium e não localizou este conteúdo.

Já o outro veículo da extrema-direita, Terra Brasil Notícias, publicou matéria com a chamada: “Vexame: Brasil passa Argentina e vira o mais endividado da América Latina”. A TV CNN Brasil repercutiu a informação de o Brasil ter fechado 2023 com o pior déficit da história:

Imagem: reprodução do Instagram

A Auditoria Cidadã da Dívida Pública (ACD), uma associação suprapartidária sem fins lucrativos, que estuda e divulga o endividamento público e seus desdobramentos, criticou a divulgação destes conteúdos:


 “Vários veículos de comunicação noticiaram hoje, praticamente na mesma linha editorial, um suposto rombo de R$ 230 bilhões em 2023, relativo às contas do governo central (Tesouro Nacional, Banco Central e Previdência Social), dando a entender que a dívida pública estaria financiando as áreas sociais. Porém, o que vem ocorrendo nos últimos anos é o contrário: a dívida pública tem SUGADO os recursos das áreas sociais. Isso ocorre, pois a metodologia do “Superávit Primário” OMITE diversas receitas que o governo vem tendo todos os anos, como lucros do Banco Central, recebimentos de juros de dívidas de estados, dentre outras, que têm sido destinadas para o pagamento da chamada “dívida pública”. Ou seja, ao mesmo tempo em que é massificada a propaganda do suposto “rombo”, omite-se que recursos que poderiam financiar setores fundamentais vão para este sistema vampiresco. A ACD está elaborando artigo para mostrar esta situação em detalhes, em breve. Por outro lado, os próprios veículos de comunicação informam que a conta não inclui os custos com o pagamento dos juros da dívida pública, nunca auditada, o verdadeiro problema que o Brasil precisa enfrentar.”

Em entrevista a jornalistas sobre o tema, o ministro da Fazenda Fernando Haddad afirmou que o déficit nas contas públicas em 2023 resultou do pagamento de precatórios atrasados, deixados pelo governo anterior. No ano passado, o resultado ficou negativo em R$ 230,54 bilhões, só perdendo para 2020, quando o déficit atingiu R$ 743,25 bilhões por causa da pandemia de covid-19. O déficit primário representa o resultado negativo das contas do governo sem os juros da dívida pública. Segundo Haddad:

“Esse resultado é expressão de uma decisão que o governo tomou de pagar o calote que foi dado, tanto em precatórios quanto nos governadores em relação ao ICMS sobre combustíveis. Desses R$ 230 bilhões, praticamente metade é pagamento de dívida do governo anterior, que poderia ser prorrogada para 2027 e que nós achamos que não era justo com quem quer que fosse o presidente na ocasião.”

Reportagem da Agência Brasil explica que a informação do Tesouro é a de que, sem os precatórios, o resultado negativo ficaria em R$ 23,8 bilhões. Este valor ficaria abaixo da estimativa das instituições financeiras. Segundo a pesquisa Prisma Fiscal, divulgada todos os meses pelo Ministério da Fazenda, os analistas de mercado esperavam resultado negativo de R$ 35,5 bilhões, sem considerar o pagamento de precatórios.

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Bereia classifica as publicações sobre economia, que circularam em ambientes digitais religiosos, verificadas nesta matéria como falsas.

Como registrado acima, as publicações do senador Magno Malta têm todas as características de conteúdo falso propagado nas mídias digitais, por não oferecerem dados que embasem a divulgação dos valores de preços indicados. É conteúdo inventado com a explícita intenção de divulgar críticas à situação econômica do país e forçar reação negativa ao atual governo.

Já a publicação do deputado estadual do Paraná reproduz conteúdo enganoso fartamente explorado em mídias alinhadas à extrema-direita para criticar o atual governo. O déficit nas contas públicas existe, de fato, porém é preciso contextualizar que ele tem origem em políticas implementadas nos governos anteriores ao atual.

Bereia tem repetido continuamente que é muito importante haver oposição a governos em uma democracia. Parlamentares da oposição devem criticar e cobrar ações, o que é parte de sua atuação. Porém isto deve ser feito de forma digna, com conteúdo correto, e não com o recurso a mentiras e falsidades como estratégia de convencimento de seguidores. 

Referências de checagem:

Auditoria Cidadã da Dívida/ACD. https://www.facebook.com/photo/?fbid=776566384496949&set=a.637030275117228. Acesso Fev 2024

CNN. https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/fmi-eleva-projecao-de-alta-do-pib-brasileiro-em-2024-a-17-e-cita-economia-resiliente/?. fbclid=IwAR1_uiIvGyosBGbj_og9bJPA8DA1QC77qzsT3RkXQoge8z8sMbxQfD8DwEQ#:~:text=Apesar%20disso%2C%20o%20Brasil%20deve,abaixo%20da%20sua%20estimativa%20anterior. Acesso Fev 2024

FMI. Atualização das Perspectivas Econômicas Mundiais. file:///C:/Users/Xenia/Desktop/FMI%20-%20Atualiza%C3%A7%C3%A3o%20das%20Perspectivas%20Econ%C3%B4micas%20Mundiais%202023.pdf.

Revista Oeste. https://revistaoeste.com/economia/brasil-passa-argentina-e-se-torna-o-pais-mais-endividado-da-america-latina/. Acesso Fev 2024

Terra Brasil Notícias. https://terrabrasilnoticias.com/2024/01/vexame-brasil-passa-argentina-e-vira-o-mais-endividado-da-america-latina/. Acesso Fev 2024

X.

https://twitter.com/MagnoMalta/status/1746952452727824651?t=Wfdv7Nw_EvM-lLChnRavYQ&s=19. Acesso Jan 2024

https://twitter.com/MagnoMalta/status/1748357394998907089?t=JbxB3YReeQuRA_1ts0jP0Q&s=19 Acesso Jan 2024

PÃO DE AÇÚCAR.

https://www.paodeacucar.com/produto/99080/arroz-agulhinha-tipo-1-camil-pacote-1kg Acesso Jan 2024

https://www.paodeacucar.com/produto/449568/refrigerante-coca-cola-original-garrafa-2l Acesso Jan 2024

https://www.paodeacucar.com/produto/131661/oleo-de-soja-liza-pet-900ml Acesso Jan 2024

RAPPI.

https://www.rappi.com.br/lojas/900612877-assaiatacadista-nc/mercearia/arroz Acesso Jan 2024

https://www.rappi.com.br/lojas/900612877-assaiatacadista-nc/bebidas Acesso Jan 2024

https://www.rappi.com.br/lojas/900612877-assaiatacadista-nc/mercearia/oleos-azeites-e-vinagres Acesso Jan 2024

IBGE. https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/38884-ipca-chega-a-0-56-em-dezembro-e-fecha-o-ano-em-4-62 Acesso Fev 2024

TV CULTURA. https://www.youtube.com/watch?v=UyE2HzOS4Io Acesso Fev 2024

AGÊNCIA BRASIL. https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2024-01/haddad-deficit-resultou-de-quitacao-de-precatorios-do-governo-passado. Acesso Fev 2024

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Foto de capa: Joel Santana/Pixabay

Balanço Janeiro 2024: suspensão de ato que ampliou isenção fiscal a líderes religiosos causa desinformação

O ano começou com polêmicas e informações desencontradas que causaram rebuliços nas redes digitais. Uma dessas celeumas foi a questão envolvendo a suspensão, pela Receita Federal, do Ato Declaratório Interpretativo (ADI) RFB nº 1, de 29 de julho de 2022. Editado pelo secretário da Receita Federal, do governo de Jair Bolsonaro, Julio César Vieira Gomes, o Ato dispôs sobre a não incidência de contribuição previdenciária sobre as “prebendas” – valores pagos por instituições religiosas a padres, pastores, líderes religiosos, em razão do seu ofício. 

Deputados e líderes cristãos publicaram em suas contas no X, antigo Twitter, mensagens sobre o tema, manifestando indignação e revolta com a imprensa e com o atual governo federal pela ação, classificada como desrespeito a pastores, ataque e perseguição. 

Imagem: Reprodução do perfil do Pr. Silas Malafaia no X

Imagem: Reprodução do perfil do deputado Pr. Sóstenes Cavalcante no X

A Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional (FPE) também se manifestou. Em seu perfil no Instagram, a entidade divulgou uma nota de esclarecimento, com a acusação sobre “isenção a ministros religiosos” ser “fake news”. A FPE declara que o ADI editado no governo Bolsonaro tinha como objetivo esclarecer dúvidas que a Receita Federal tinha sobre questões previdenciárias dos sacerdotes. Segundo o texto, ao não pagar o valor referente à previdência social das prebendas, deixa-se de descontar do “salário” bruto de seu líder, o que beneficia também a pessoa física.  Além disso, a nota alega risco de líderes religiosos se tornarem alvo de auditores fiscais: “Revogar um ato interpretativo deixa os ministros de qualquer culto à mercê da interpretação particular e do humor dos auditores da Fazenda”. O texto acusa o governo de aplicar “velha tática para promover caos”.

No mesmo dia, as Frentes Parlamentares Evangélicas da Câmara Federal e do Senado Federal distribuíram à imprensa uma “Nota de Repúdio” conjunta na qual acusam a “revogação” do ADI de 2022 como um “ataque explícito” do governo federal ao “segmento religioso”.

Esta posição foi repercutida pelos senadores Magno Malta (PL-ES) e Damares Alves (PL-DF):

Imagem: Reprodução do perfil do Senador Magno Malta no X

Imagem: reprodução do perfil da Senadora Damares Alves no X

Veículos digitais e perfis religiosos também reproduziram a noção de a medida da Receita Federal representar uma perseguição do atual governo a igrejas evangélicas, e obtiveram muitos compartilhamentos de suas publicações.

Imagem: reprodução do site Acre News

Imagem: reprodução do site Poder 360

Entenda o caso

A decisão de suspender o ADI,em 2024, partiu do atual secretário especial da Receita Federal Robinson Barreirinhas,e foi publicada no Diário Oficial da União, em 17/01/2024, seção 1, página 24.

Segundo o ministro da Fazenda Fernando Haddad, a Receita Federal precisava do parecer do Tribunal de Contas da União sobre a legalidade do Ato impetrado em 2022. “Só queríamos um entendimento do TCU sobre a validade do ato”, disse Haddad, em entrevista ao programa Roda Viva da TV Cultura, no dia 22 de janeiro. O caso está “sob investigação do Ministério Público junto ao TCU” em razão de vícios possíveis. A suspensão se deu porque, segundo a Receita, há dúvidas e a discussão recai sobre quais valores recebidos pelos líderes religiosos são qualificados ou não como “prebendas”. 

O Ato Declaratório Executivo RFB Nº 1, de 2024, que suspendeu o ADI de 2022, se baseou em um processo do Tribunal de Contas da União sobre suspender a eficácia da regra. Entretanto, o TCU desmentiu a Receita e informou, por meio de nota oficial, que o processo que avalia a eficácia da isenção fiscal a líderes religiosos ainda está em análise e negou ter sido o responsável pela decisão do Fisco que determinou essa mudança. “O Tribunal de Contas da União esclarece que o assunto é objeto de análise no processo TC 018.933/2022-0, de relatoria do ministro Aroldo Cedraz, ainda sem decisão do TCU”.

Fernando Haddad também falou sobre o caso à revista Carta Capital, logo após uma reunião no Ministério da Fazenda, em Brasília (DF), no dia 19 de janeiro, com os deputados Silas Câmara (Republicanos-AM), presidente da Frente Parlamentar Evangélica, e Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus. Segundo o ministro, ainda há dúvidas em torno da extensão de benefícios que podem ser indevidos. “O papel da Receita é buscar o entendimento do Tribunal e da Advocacia-Geral para cumprir a lei. Não podemos conviver com uma lei tributária que não dá clareza para o auditor. Então, não foi uma revogação, nem uma convalidação. Foi uma suspensão. Vamos entender o que a lei diz e vamos cumprir a lei”, assegura. 

Haddad explica ainda que a Receita busca entendimento sobre a extensão desse benefício. “Como houve ato não convalidado e há, por parte do TCU, questão que ainda não foi julgada, não podemos continuar convivendo com essa questão (de incerteza sobre interpretação). É para isso que a AGU [Advocacia-Geral da União] foi acionada. Estamos aqui para atender à lei. A AGU foi acionada para pôr fim à discussão. Houve muita politização indevida, estamos discutindo regra e vamos despolitizar isso”, frisa. 

Após o encontro com o ministro, o presidente Frente Parlamentar Evangélica, deputado Silas Câmara recuou em suas críticas. De acordo com matéria publicada no Estadão, os dois anunciaram a criação de um grupo de trabalho para discutir a isenção tributária sobre a remuneração de pastores para evitar a “politização indevida” sobre o tema. 

O histórico da isenção fiscal em questão

De acordo com o artigo publicado no site noticioso JOTA e escrito pelo advogado e doutor em Direito pela Universidade de São Paulo Eduardo Pannunzio, a não incidência de contribuição previdenciária sobre as prebendas está prevista na legislação brasileira há pelo menos 23 anos. “Foi em 2000, durante o governo FHC, que a Lei 10.170 incluiu um novo parágrafo, 13 ao art. 22 da Lei 8.212/1991 para deixar claro que os valores pagos a título de prebenda não caracterizam ‘remuneração’ e, portanto, não estão sujeitos à contribuição previdenciária”, explica Pannunzio . 

“Do ponto de vista jurídico, portanto, o ADI não representou nenhuma grande novidade. Ainda assim, gerou um fato político que teve significativa repercussão à época”, ressalta Pannunzio, lembrando que 2022 era um ano eleitoral e que tal encaminhamento poderia aproximar ainda mais o ex-presidente Jair Bolsonaro do eleitor evangélico. 

No mesmo artigo, o advogado afirma que o ADI foi suspenso, conforme proposto pelo Ministério Público ao Tribunal de Contas da União (TCU), porque estes desconhecem os motivos jurídicos que levaram à sua adoção (o ato não foi acompanhado da necessária Exposição de Motivos). Entretanto, a Lei 8.212, que garante o benefício, continua vigente. “Portanto, as prebendas, ainda que pagas de forma e montantes diferenciados, continuam não alcançadas pela contribuição previdenciária. A situação das organizações religiosas não foi agravada pela suspensão do ADI”. 

Perdas financeiras 

Outro dado importante levantado, pelo Blog do Otávio Guedes no G1, estima que o Brasil deixou de arrecadar R$300 milhões em tributos após o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ter editado o ato que ampliou a isenção de impostos pagos pelos líderes religiosos. O relatório, ao qual o blog do jornalista global teve acesso, mostra que existem, atualmente, 26 processos administrativos e um judicial questionando a tributação. O valor milionário consta em um relatório sigiloso feito por uma auditoria da Corte de Contas no mês de dezembro de acordo com o blog. A quantia considera valores com “exigibilidade suspensa” ou “parcelada” entre os anos de 2017 e 2023. 

Ainda de acordo com o blog, a auditoria do TCU também recomendou a abertura de uma sindicância contra o ex-secretário da Receita Federa lJulio César Vieira Gomes, que editou o ADI. O relatório aponta que o ex-secretário concedeu benefícios fiscais “sem observar as formalidades legais e regulamentares” e que ele pode ter cometido uma “infração disciplinar e potencial ato de improbidade administrativa”. 

Para quem não se lembra, Vieira Gomes é o mesmo personagem que pressionou seus colegas da Receita para liberar as joias enviadas pela Arábia Saudita ao ex-presidente Bolsonaro. A entrada dos itens no Brasil foi barrada por servidores do Fisco em outubro de 2021, como revelou o jornal Estadão. O secretário foi exonerado no fim de maio de 2023.

Há perseguição a igrejas e suas lideranças com esta medida do atual governo?

Bereia tem realizado várias checagens de publicações, em espaços digitais religiosos, que alegam supostas ações de perseguição sistemática de lideranças políticas, partidos e movimentos da esquerda política a cristãos, particularmente evangélicos, muitas sob a classificação de “cristofobia”. A equipe do Bereia levantou que este tema, casado com o da ameaça de “fechamento de igrejas”, apareceu com mais  intensidade nas mídias sociais a partir de agosto de 2021, quando pesquisas eleitorais passaram a mostrar a força da campanha do Partido dos Trabalhadores (PT) e maior rejeição a Jair Bolsonaro. Cresceu, então, o número de publicações verificadas pelo Bereia que enfatizam a ameaça de fechamento de igrejas com a possível vitória das esquerdas, mais supostas tentativas de silenciamento de lideranças religiosas e de diretores de escola e professores cristãos opostos a pautas referentes à diversidade sexual e à pluralidade religiosa.   

A perseguição a cristãos no Brasil, sob o rótulo de “cristofobia”, tem apelo porque é um discurso que responde à ideia do cristão perseguido como prova de fidelidade ao Evangelho. Porém, o termo “cristofobia” não se aplica, por conta da predominância cristã no país, onde há plena liberdade de prática da fé para este grupo, conforme explica, em artigo para o Bereia, a pesquisadora das religiões Brenda Carranza. Manipula-se, neste caso, a noção de combate a inimigos para alimentar disputas no cenário religioso e político. 

Isto se configura uma estratégia de políticos e religiosos extremistas que pedem mais liberdade e usam desta expressão para garantirem voz contra os direitos daqueles que consideram “inimigos da fé”, em especial sexuais e reprodutivos e os de comunidades quilombolas e indígenas. Histórias relacionadas a situações ocorridas no exterior são amplamente utilizadas para reforçar a ameaça de que o que se passa fora pode ocorrer no Brasil.

Quando estabelecimentos religiosos precisam se submeter a legislação ou a políticas públicas aos quais certos segmentos resistem cumprir ou se opõem, a noção de perseguição tem se tornado um recurso retórico em contraposição. A equipe do Bereia avalia que parece ser este o caso em relação a encaminhamentos sobre pagamento de impostos, uma vez que a medida alcança todas as agremiações religiosas e a observação das publicações sobre tema indica que apenas uma parcela das lideranças evangélicas explicitou indignação com ela.

Nesta direção, o Sindifisco (Sindicato de Auditores Fiscais da Receita Federal) rebateu a nota da Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional, que havia insinuado que, com a nova regra, estes profissionais, quando mal humorados, tirariam a paz dos religiosos. A entidade tranquiliza a FPE e diz que os parlamentares não precisam se preocupar com a medida que suspendeu a isenção fiscal a pastores e líderes religiosos. 

Os auditores afirmaram em nota publicada no site da entidade representativa, que atuam de forma isenta e não têm sua atuação pautada por humores ou interpretações particulares. Além disso, alegam que o Ato Declaratório do governo Bolsonaro, que originou toda essa discussão,  invadiu competência do Congresso Nacional, que é quem detém o poder de conferir e limitar isenções tributárias no âmbito da União Federal. 

“A Receita Federal e os Auditores-Fiscais não podem decidir pela ampliação ou redução de isenções tributárias. Esta definição cabe aos deputados federais e aos senadores no exercício do poder a eles conferido pela Constituição Brasileira e pela legislação complementar. As razões pelas quais, à época da publicação do ADI 1 de 2022, o Sindifisco Nacional se manifestou contrário ao Ato Interpretativo, pois tramitou de forma ilegal e usurpou a função do Congresso Nacional de regulamentar o tema”, alega a entidade. 

Outro ponto verificado pelo Bereia é que o senador evangélico Magno Malta, ao verbalizar a sua indignação com o tema na publicação em seu perfil no X, citada nesta matéria, mostrou desconhecer o assunto tratado no Ato Declaratório suspenso pela Receita Federal. No texto divulgado ele confunde o ministro religioso, pessoa física, com a igreja, pessoa jurídica, o que faz propagar mais desentendimento sobre o tema. 

De fato, como diz o senador em seu perfil no X, a isenção fiscal de igrejas e entidades religiosas está prevista na Constituição na Lei Nº 3.193, de 4 de julho de 1957, promulgada pelo ex-presidente Juscelino Kubitschek. No entanto, o ADI suspenso em janeiro passado  trata do imposto previdenciário, relacionado a proventos pagos a líderes religiosos como indivíduos, pessoa física, com CPF, e não da Igreja como instituição, com CNPJ. 

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Bereia considera enganosas as publicações de líderes religiosos sobre a suspensão da ADI nº 1/2022, pelo atual governo federal, checadas nesta matéria 

No que diz respeito afirmações do Pastor Silas Malafaia e da Nota de Esclarecimento da Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional, apesar de usarem fatos para construírem suas teses, levam o leitor a acreditar que não houve mudanças com a aplicação do Ato Normativo impetrado durante o governo Bolsonaro. 

De acordo com auditoria que está sendo realizada pelo Tribunal de Contas da União, o ato gerou benefícios fiscais a uma classe específica e portanto deve ser analisado. Não é uma mera orientação, como querem levar a crer os líderes religiosos. Além disso, há uma estimativa de perda de R$300 milhões em tributos, que deixaram de ser arrecadados pelo país durante a vigência do ADI. Portanto, enquanto o TCU analisa o caso, não é possível afirmar que não houve perda ou ganho por qualquer das partes. 

No que diz respeito às acusações de perseguição e ataques a líderes cristãos e a igrejas por conta da medida da Receita Federal em janeiro passado, Bereia alerta  leitores e leitoras sobre a desinformação sobre perseguição a igrejas e cristãos no Brasil. Tal prática não existe e não é projeto de qualquer partido político ou líder religioso. A Constituição do Brasil assegura a liberdade de crença e de culto para todas as religiões. Atos de intolerância contra qualquer grupo religioso devem ser repudiados e denunciados. Afirmações em postagens em mídias sociais sobre a existência de ameaças a igrejas e “cristofobia” (perseguição sistemática) no país não são verdadeiras e são desenvolvidas para campanhas de convencimento e busca de apoio por meio do pânico.

Referências da checagem:

UOL – https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2024/01/20/tcu-calcula-que-r-300-mi-deixaram-de-ser-arrecadados-com-isencao-dada-por-bolsonaro-a-pastores.htm?cmpid=copiaecola Acesso em: 5 fev 2024

O Antagonista – https://oantagonista.com.br/brasil/fake-news-diz-frente-parlamentar-evangelica-sobre-isencao-a-pastores/#google_vignette  Acesso em: 5 fev 2024

Gazeta do Povo – https://www.gazetadopovo.com.br/republica/bancada-evangelica-diz-que-nunca-houve-isencao-fiscal-a-pastores-dada-por-bolsonaro/  Acesso em: 5 fev 2024

Metrópolis – https://www.metropoles.com/brasil/receita-suspende-isencao-fiscal-a-pastores-dada-por-bolsonaro Acesso em: 5 fev 2024

TCU – https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/nota-de-esclarecimento-8A81881E8C27E349018D197822256C31.htm  Acesso em: 5 fev 2024

EBC – https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2024-01/tcu-esclarece-que-nao-decidiu-sobre-isencao-lideres-religiosos Acesso em: 5 fev 2024

G1- https://g1.globo.com/politica/blog/octavio-guedes/post/2024/01/18/isencao-a-pagamento-de-pastores-tem-impacto-de-r-300-milhoes.ghtml Acesso em: 5 fev 2024

Poder 360 – https://www.poder360.com.br/congresso/frente-parlamentar-evangelica-fala-em-ataque-explicito-do-fisco/ Acesso em: 5 fev 2024

Jota – https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/o-provento-de-religiosos-passou-a-ser-tributado-29012024 Acesso em: 5 fev 2024

Carta Capital – https://www.cartacapital.com.br/economia/haddad-recebe-evangelicos-e-diz-que-buscara-entendimento-juridico-sobre-isencoes/ Acesso em: 5 fev 2024

Estadão – https://www.estadao.com.br/politica/silas-camara-frente-parlamentar-evangelica-muda-tom-anulacao-isencao-fiscal-pastores-ministro-fazenda-fernando-haddad-nprp/ Acesso em: 5 fev 2024

Deputado federal desinforma sobre encaminhamento referente a  despesas do governo federal

O deputado federal, autodenominado cristão, Hélio Lopes (PL-RJ) publicou, em sua conta no Twitter, conteúdo sobre  suposto bloqueio de 1,5 bilhões do orçamento federal, citando as pastas da Saúde e Educação como as mais afetadas. Ele se referiu ao contingenciamento de despesas, termo técnico que significa “retardamento ou, ainda, a inexecução de parte da programação de despesa prevista na Lei Orçamentária em função da insuficiência de receitas previstas”. A imagem publicada contém um texto sobre o suposto contingenciamento, com o título “Silêncio da Mídia!” e uma foto do presidente Lula entre a ministra da Saúde Nísia Trindade e o ministro da Educação Camilo Santana, além da chamada “E o choro da militância, cadê?”

Imagem: reprodução do Twitter

Hélio Lopes foi eleito deputado federal, em 2018, pelo PSL-RJ, com 345.234 votos. Na última disputa, em 2022, foi reeleito com 132.986 votos. Antes da eleição de 2018 e do apoio direto do então candidato a presidente Jair Bolsonaro, com quem trabalhava, Lopes havia concorrido em 2004, pelo extinto PRP, ao cargo de vereador do município de Queimados (RJ), tendo recebido apenas 277 votos. Em 2016, o político havia se lançado candidato pelo PSC ao mesmo cargo municipal, porém,  em Nova Iguaçu (RJ), e mais uma vez não foi eleito – naquele pleito recebeu  480 votos. 

Contingenciamento e teto de gastos

Bereia checou as informações sobre as quais o deputado federal denuncia “silêncio da mídia”. O político se referia a um decreto presidencial com a indicação dos cortes orçamentários,  que foi publicado em 28 de julho passado, em edição extraordinária do Diário Oficial da União. Os ministérios da  Saúde e da Educação, de fato, respondem por metade do novo contingenciamento de R$1,5 bilhão no Orçamento de 2023. Eis a lista de cortes (reduções) orçamentárias:

•   Saúde: R$ 452 milhões;

•   Educação: R$ 333 milhões;

•   Transportes: R$ 217 milhões;

•   Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome: R$ 144 milhões;

•   Cidades: R$ 144 milhões;

•   Meio Ambiente: R$ 97,5 milhões;

•   Integração e Desenvolvimento Regional: R$ 60 milhões;

•   Defesa: R$ 35 milhões;

•   Cultura: R$ 27 milhões;

•   Desenvolvimento Agrário: R$ 24 milhões.

Em comparação com outros anos, mesmo com as novas condições, o total de recursos bloqueados em 2023 é significativamente menor do que no ano anterior, sob o governo de Jair Bolsonaro. Em 2022 foram contingenciados R$15,38 bilhões para cumprir o limite de gastos, quando o Ministério da Educação sofreu um congelamento de R$ 1,4 bilhão.

Os bloqueios e cortes ocorrem quando a estimativa de despesas supera o limite estabelecido pelo teto federal de gastos , fruto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55/2016. Esta medida, que promoveu um mecanismo de controle de gastos públicos, foi encaminhada pelo governo do presidente Michel Temer ao Legislativo e foi aprovada em 2016. 

O conteúdo da PEC é relativamente simples. Ela determinou que o total dos gastos primários do governo federal, isto é, todos os gastos menos o pagamento de juros sobre a dívida pública, deveria ficar, a cada ano, limitado a um teto definido pelo montante gasto neste ano de 2016, reajustado pela inflação acumulada. A aprovação da PEC Teto de Gastos foi, então, apresentada com uma referência positiva de controle para que governos não gastem demais e, caso os gastos fossem reajustados de acordo com a inflação, eles não seriam congelados e não iriam diminuir. Porém, a decisão do Congresso Nacional foi muito criticada por diversos segmentos sociais que viram graves problemas decorrentes.

As distorções do teto de gastos

O professor de Economia da Universidade de São Paulo Fernando Rugitsky, por exemplo, explicou à época que,  “a PEC não congela os gastos em termos nominais, mas os congela, sim, em termos reais, na medida em que não acompanharão o eventual crescimento da economia. Ou seja, a economia cresce e o tamanho dos gastos como percentual do PIB encolhe”. 

O professor indicou também que “o governo teve que propor uma PEC, ao invés de um simples projeto de lei, justamente porque um dos seus pontos centrais é a desvinculação dos gastos com educação e com saúde, previstos hoje na Constituição como percentuais da receita – crescendo a economia e a arrecadação, crescem obrigatoriamente tais gastos. Talvez fosse mais transparente chamá-la de PEC da Desvinculação, dessa forma”. 

O fato de saúde e educação terem sido alvos explícitos de redução, com geração de consequências graves de tal encaminhamento para as políticas sociais, popularizou o apelido da proposta aprovada de “PEC do Fim do Mundo”. Rugitsky explicou: “[A PEC do Teto de Gastos] longe de representar uma solução, só vai aprofundar a crise política, econômica e social pela qual estamos passando. Sábios foram aqueles que a denominaram de PEC do Fim do Mundo e foram ocupar ruas e escolas para se posicionar contra ela”.

O governo de Jair Bolsonaro (2019-2022) seguiu à risca o teto de gastos, sem desenvolver alternativas para a crise que se estabeleceu nas políticas públicas, o que resultou em situações dramáticas nas áreas de saúde (especialmente diante da pandemia da covid-19), de educação e de infra-estrutura. 

O relatório do Gabinete de Transição para o novo governo (2023-2026), eleito em 2022, apresentou dados sobre a crise.  Ainda nesse ano, o Gabinete propôs e conseguiu aprovação no Congresso da PEC de Transição, que permitiu ao novo governo deixar o valor de R$ 145 bilhões do Orçamento de 2023 fora do teto de gastos, para serem utilizados para bancar despesas com o Bolsa Família, o Auxílio Gás e a Farmácia Popular, entre outras.

Em 2023, o novo governo terá que lidar com a realidade de crise econômica estabelecida e com o orçamento aprovado no governo anterior, com base no teto de gastos – justificativa do contingenciamento apresentado, por decreto presidencial, em 28 de julho. Para  corrigir as distorções da PEC do Teto de Gastos e preservar investimentos, principalmente de programas sociais, foi enviado ao Congresso o projeto de um novo arcabouço fiscal, já aprovado na Câmara e aguardando votação no Senado. 

O Partido Liberal (PL) ao qual pertence o  Lopes, votou majoritariamente contra este projeto.

Novo arcabouço fiscal 

Hoje, a regra do teto de gastos introduzida na Constituição Federal,  em vigor desde 2017,  impede que os gastos federais cresçam mais do que a inflação  ano a ano. Com a proposta do novo arcabouço fiscal, apresentada pelo atual governo, em discussão no Congresso, em vez do teto de gastos, a despesa poderá crescer o equivalente a 70% da alta nas receitas (por exemplo, se a arrecadação subir 2%, a despesa poderá subir até 1,4%). 

Haverá, porém, limites mínimos e máximos para essa variação nas despesas. O percentual mínimo evita que uma queda brusca ou temporária na arrecadação obrigue o governo a comprimir despesas. Já o limite máximo afasta o risco de o Executivo expandir gastos de forma exagerada quando há um pico nas receitas.

O percentual não será aplicado de forma linear a todas as despesas. Com o fim do teto de gastos, serão retomados os mínimos constitucionais de saúde e educação como eram até 2016: 15% da RCL (Receita Corrente Líquida) para a saúde e 18% da receita líquida de impostos, no caso da educação.

Na prática, o avanço dessas despesas acompanhará mais de perto a arrecadação, enquanto outros gastos precisarão ter crescimento mais moderado para respeitar o limite como um todo.

O limite será abrangente, mas algumas despesas ficarão de fora, entre elas os repasses do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) e a ajuda financeira para estados e municípios bancarem o piso da enfermagem, conforme proposta introduzida na Câmara de Deputados. São gastos aprovados por emenda constitucional e deverão ser realizados.

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Bereia classifica a publicação do deputado federal Hélio Lopes (PL-RJ) como enganosa. Lopes desinforma ao selecionar apenas parte das informações a respeito do contingenciamento dos gastos. Os números dos valores bloqueados são verdadeiros, mas o parlamentar não diz que correspondem ao mecanismo da aplicação constitucional teto de gastos, proposta pelo governo de Michel Temer e aprovada pelo Congresso, em 2016. Lopes não informou aos seus leitores que o governo anterior promoveu cortes mais dramáticos no orçamento e que o atual governo já apresentou uma nova proposta ao Parlamento para alterar distorções das regras do teto de gastos, a fim de garantir investimentos públicos, em especial nas áreas fundamentais da vida da população.

Referências de checagem:

Diário Oficial da União. https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-n-11.621-de-28-de-julho-de-2023-499584664 Acesso em 31 JUL 2023   

Agência Brasil.

https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2023-07/saude-e-educacao-concentram-metade-de-novo-bloqueio-no-orcamento Acesso em 31 JUL 2023 

https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2023-03/agencia-brasil-explica-o-que-e-arcabouco-fiscal Acesso em 31 JUL 2023 

Governo Federal. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc95.htm Acesso em 31 JUL 2023  

Agência Senado. https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/12/15/promulgada-emenda-constitucional-do-teto-de-gastos Acesso em 31 JUL 2023  

Poder 360. https://www.poder360.com.br/economia/governo-anuncia-bloqueio-adicional-de-r-57-bilhoes-no-orcamento/ Acesso em 31 JUL 2023  

G1. https://g1.globo.com/politica/noticia/2023/05/24/sete-partidos-100percent-a-favor-tres-100percent-contra-veja-como-a-camara-se-dividiu-para-votar-regra-fiscal.ghtml  Acesso em 31 JUL 2023   

BBC Brasil. https://www.bbc.com/portuguese/articles/ce906dgrlnjo Acesso em 31 JUL 2023   

Folha de São Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2023/03/entenda-os-principais-pontos-da-regra-fiscal-proposta-pelo-governo-lula.shtml Acesso em 31 JUL 2023

Revista Fevereiro.  https://revistafevereiroblog.wordpress.com/2016/11/04/para-entender-a-pec-do-teto-dos-gastos/ Acesso em 31 JUL 2023

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Foto de capa: Câmara dos Deputados

Políticos religiosos repercutem suposto abuso de quantidade de voos pela FAB no início do governo Lula

A deputada federal Carla Zambelli (PL) repercutiu em seu perfil no Twitter  matéria do UOL sobre voos com aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) no governo Lula. No post, além de  um card afirmando que “a mamata voltou”, Zambelli acrescenta que “Além de gastarem mais, segundo levantamento do UOL, a média de passageiros foi menor neste desgoverno”. Sua postagem teve 63,7  mil visualizações e compartilhada em espaços digitais religiosos.

Imagem: reprodução do Twitter

O site evangélico Pleno News também publicou matéria que citou a informação publicada no site UOL e deu destaque para o fato de que os ministros da Infraestrutura e da Cidadania no governo Bolsonaro, Tarcísio de Freitas e Osmar Terra foram os que mais utilizaram aviões da FAB durante o início do governo. Nesta comparação, que durante o atual governo Lula, “Fernando Haddad, ministro da Fazenda e Nísia Trindade, ministra da Saúde, são os atuais ‘campeões’.”

Imagem: reprodução do site Pleno.News

O que diz a matéria do UOL

No texto, o UOL afirma que “a equipe do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) superou a de seu antecessor, Jair Bolsonaro (PL), em viagens com aeronaves da FAB (Força Aérea Brasileira)”. Segundo o levantamento feito pelo portal de notícias, nos primeiros 40 dias de governo do atual presidente do Brasil, foram realizados 89 voos com aviões da FAB , o que representa 46% a mais do que a gestão do ex-presidente, que, nos primeiros 40 dias de 2019, utilizou as aeronaves em 61 viagens.

A assessoria do ministro da Fazenda Fernando Haddad, respondeu ao site UOL e explicou “que as viagens a São Paulo se justificam pelo fato de haver escritório do Ministério da Fazenda na cidade, o maior centro financeiro da América Latina”. Também em resposta ao site, a ministra da Saúde Nísia Trindade disse “que as viagens ao Rio eram necessárias porque é o estado que mais possui unidades de saúde vinculadas ao ministério”.  Os ministros Haddad e Nísia, e o atual governador do estado de São Paulo Tarcísio de Freitas, disseram ao UOL que respeitam o decreto que regula voos da FAB.

Legislação que regula voos da FAB

De acordo com matéria publicada pelo UOL “desde 1999, decretos regulam o uso de voos da FAB por autoridades, ministros, comandantes de Forças Armadas e presidentes de Casas do Congresso e do Supremo Tribunal Federal”. Em 2020 o ex-presidente Jair Bolsonaro sancionou novo decreto que manteve a permissão do uso de voos da FAB por motivos de emergência médica, de segurança e a serviço e o voo deve ser compartilhado “sempre que possível” quando o intervalo entre os voos para o mesmo destino for “inferior a duas horas”. Para alegar necessidade de segurança, é preciso uma “justificativa que fundamente a necessidade”, afirma a regra. Segundo o site UOL, o decreto 10.267 de 05/03/2020, editado por Jair Bolsonaro, “ainda diz que essa justificativa é presumida quando os viajantes são os presidentes das Casas do Congresso e do Supremo e se dirijam a ‘local de residência permanente’.”

Também a matéria do UOL diz que “a versão anterior do decreto, baixada por Dilma Rousseff em 2015, proibia o trajeto para residência dos ministros. O texto foi revogado por Bolsonaro. Agora, o decreto estabelece que o registro em agenda oficial é a comprovação de que a viagem é para serviço”, informa o site.

Motivos para a realização dos voos

Para uma informação corretamente oferecida ao público, pelo UOL e por quem repercute o conteúdo, é preciso levantar, na avaliação dos números de voos da FAB,os respectivos propósitos para as viagens.

Bereia oferece como exemplo, a tragédia humanitária sofrida pelo povo Yanomami, que demandou ações emergenciais  durante o primeiro mês do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. As ações resultaram em mais de 1.200 horas de voos da FAB para o território indígena conforme relatório da instituição divulgado em 4 de março deste ano. Além de levar autoridades e agentes públicos para atuarem no local, “a Força  Aérea Brasileira (FAB) já entregou mais de 400 toneladas de mantimentos e medicamentos à população da Terra Indigena Yanomami em um mês de operação da instituição no território […] O transporte de suprimentos faz parte de uma das frentes de atuação das Forças Armadas na crise sanitária no território. As entregas tem sido feitas pelo Comando Operacional Conjunto Amazônia (Cmdo Op Cj Amz).”

Imagem: Divulgação Ministério da Defesa

Por outro lado, no final de fevereiro de 2023, a imprensa publicou denúncia sobre utilização de um voo da FAB, pelo ministro das Comunicações Juscelino Filho, do atual governo, para participar de um leilão de cavalos. A denúncia foi recebida pela Presidência da República.

Na linha da comparação proposta pelo UOL e repercutida nas mídias religiosas,  há exemplos no final do primeiro ano do governo Bolsonaro. De um lado, a tentativa de regular a prática das viagens com a FAB para evitar excessos. De outro, casos como o do secretário-executivo da Casa Civil Vicente Santini, exonerado por ter utilizado um voo da FAB com somente três passageiros para ir de Brasília à Suíça, e, em seguida, à Índia. Outros casos críticos ocorreram nos anos seguintes, como viagens de autoridades com um passageiro apenas para trajetos nacionais, transporte de cocaína e uso para campanha de reeleição do então presidente e de ministros, culminando com a viagem de Bolsonaro para os Estados Unidos, sem agenda pública, após entregar o cargo, tendo perdido as eleições.

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Bereia avalia como IMPRECISA a notícia que o governo Lula usou voos da FAB quase 50 por cento a mais do que o ex-governo Bolsonaro em seus primeiros 40 dias de trabalho. A notícia do site UOL repercutida por políticos religiosos, em crítica ao atual governo, checada oferece conteúdo verdadeiro, com base em números, mas não contextualiza as demandas em que geraram a quantidade de voos da FAB. Isto pode levar o público a julgamentos errôneos sobre o uso de recursos governamentais do Poder Executivo. É desinformação e necessita de complementações e contextualização.

Referências de checagem:

UOL.

https://cultura.uol.com.br/noticias/56675_aviao-da-fab-transportou-mais-de-400-toneladas-de-mantimentos-para-a-terra-yanomami.html. Acesso em 17 mar 2023

https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2023/03/08/gastos-voo-fab-lula-bolsonaro-ranking-ministros-farra-passagens.htm?fbclid=IwAR0TaYqzHrdzziQMNcHaK02TmwL83jiMmQ-ZPwbGSMif-MsPLWXgn8qn358&cmpid=copiaecola . Acesso em 17 mar 2023

YOUTUBE. https://www.youtube.com/watch?v=8dy6cm0bMZQ. Acesso em 17 mar 2023


PLANALTO. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/decreto/D10267.htm. Acesso em 17 mar 2023

PLENO NEWS. https://pleno.news/brasil/politica-nacional/governo-lula-supera-em-50-gestao-bolsonaro-em-voos-da-fab.html. Acesso em 17 mar 2023

FORÇA ÁEREA BRASILEIRA.

https://www.fab.mil.br/noticias/mostra/40438/OPERA%C3%87%C3%83O%20YANOMAMI%20%20-%20Comando%20Operacional%20Conjunto%20Amaz%C3%B4nia%20divulga%20balan%C3%A7o%20de%2030%20dias%20de%20opera%C3%A7%C3%A3o Acesso em 23 mar 2023

https://www.fab.mil.br/noticias/tag/YANOMAMI Acesso em 23 mar 2023

ESTADÃO. https://www.estadao.com.br/politica/ministro-de-lula-usou-voo-da-fab-e-diarias-para-ir-a-leilao-de-cavalos-de-raca/ Acesso em 23 mar 2023

EXAME. https://exame.com/brasil/viagem-de-bolsonaro-sem-agenda-publica-para-florida-custou-ao-menos-r-110-mil-aos-cofres-publicos/ Acesso em 23 mar 2023

METROPOLES. https://www.metropoles.com/colunas/rodrigo-rangel/os-voos-de-campanha-de-bolsonaro-que-a-fab-nao-cobrou?amp Acesso em 23 mar 2023

CONGRESSO EM FOCO. https://congressoemfoco.uol.com.br/amp/area/governo/autoridades-planejaram-64-voos-da-fab-com-no-maximo-3-passageiros-em-2019/ Acesso em 23 mar 2023

AGÊNCIA BRASIL. https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/politica/audio/2023-03/lula-vai-ouvir-ministro-das-comunicacoes-sobre-uso-de-aviao-da-fab%3famp Acesso em 23 mar 2023

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Foto de capa: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Circula em meios religiosos conteúdo enganoso sobre aumento do custo do combustível

O primeiro reajuste no preço dos combustíveis em 2023, sob o novo governo, ocorreu no início de março. Postagens em mídias sociais repercutiram o aumento no valor pago pelo litro da gasolina e atribuíram ao governo Lula a culpa pelo fato. Várias dessas postagens circulam em espaços religiosos, como matérias de sites como o Terra Brasil Noticias, disseminando pânico ao relacionarem o aumento do preço da gasolina ao aumento de impostos e do custo de vida pelo novo governo.

Imagem: reprodução da internet
Imagem: reprodução do Twitter

Por que houve o aumento do preço da gasolina?

Em texto publicado pelo Ministério da Fazenda, o ministro Fernando Haddad explicou que a desoneração dos combustíveis (quando o governo abre mão de cobrar impostos sobre eles para baixar o preço para os consumidores), foi uma decisão tomada pelo governo de Jair Bolsonaro em 2022, durante o período eleitoral, que resultou em um rombo anual de R$ 200 bilhões no orçamento público. “Vários ministérios foram deixados em uma situação caótica. Educação, Saúde, Assistência Social, Meio Ambiente. Todos os ministérios estão tendo de ser reconstruídos. Mas eu, como ministro da Fazenda, tenho que tomar medidas compensatórias para equilibrar o jogo”, declarou.

A decisão de 2022 também baixou a receita dos estados e municípios, que arrecadam pelo Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o que provocou o comprometimento de uma série de serviços providos por estes entes da União.

O atual governo herdou as consequências da decisão e teve que buscar encaminhamentos que recuperassem a arrecadação do governo, tendo em vista as metas fiscais, sem onerar ainda mais a população que sofre com os altos preços. Foi decidido o fim da isenção de PIS e Cofins sobre a gasolina e o etanol (reoneração), mas o diesel e o gás de cozinha – os que têm efeito mais forte na vida da maior parte da população – permanecerão com impostos zerados até dezembro de 2023.. Em entrevista coletiva sobre o tema, o ministro Fernando Haddad afirmou que, nas bombas, o aumento do preço da gasolina foi calculado em R$ 0,34 por litro, enquanto o etanol combustível subiria apenas R$ 0,02, valores menores do que os que eram cobrados antes da desoneração dos tributos no ano passado. 

Imagem: reprodução do Twitter

A reoneração dos combustíveis faz parte do plano governamental de crescimento econômico, anunciado pelo ministro da Fazenda Fernando Haddad, no dia 1º de março passado. De acordo com ele, o Brasil tem “um problema no crédito, na atividade econômica. Temos que dar um horizonte de planejamento para os investidores, porque a 13,75% vai ficar muito difícil”.

Os textos de base sobre a reforma tributária no país ainda estão em discussão no Ministério da Fazenda. A proposta de emenda à constituição (PEC), nº 110/2019, pretende criar o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), e o texto da PEC 45/2019 busca uniformidade de alíquotas para  bens e serviços, com autonomia para União, estados e municípios fixarem suas próprias alíquotas.

Abusos dos postos de combustível

De acordo com o jornal Folha de São Paulo, em levantamento feito pelas empresas Ticket Log  e Triad Research, o preço médio do litro de gasolina no estado de São Paulo era de R$ 5,30 , no início do mês de março. Porém, na capital paulista, alguns postos de combustíveis chegaram a cobrar R$ 8,49 centavos por litro depois do reajuste autorizado pelo governo. 

A composição dos preços de combustíveis segue uma série de precificações desde as refinarias até as bombas dos postos de distribuição e revenda. Os preços devem seguir as diretrizes da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), e a margem de lucro de uma distribuidora comercial de gasolina não deve ultrapassar os 4% do valor total do produto. Como Bereia já checou, segundo a Petrobras, o preço final dos combustíveis é composto por três parcelas: realização do produtor ou importador, tributos e margens de comercialização. No Brasil, esta margem de comercialização diz respeito à atribuição de preços de distribuição e dos postos revendedores. O custo de realização da Petrobras é de 31% do valor que chega ao consumidor. Já 45% do custo é composto pelos tributos. Diferente da gasolina, a maior parte do custo do diesel (54%) pertence a realização da Petrobras.

Em entrevista para a Folha de São Paulo, o diretor da Edenrend Brasil  afirmou que “a maior alta, de 5,7%, aconteceu na região Sul, com o combustível passando em média de R$ 5,22, no dia 27, para R$ 5,52, no primeiro dia deste mês”, afirmou.  A região sudeste teve um aumento médio de 5,5% no preço médio. 

O aumento no preço dos combustíveis que extrapola os R$ 0,34 para a gasolina e os R$ 0,02 para o etanol  podem ser vistos como uma prática abusiva de mercado, sendo possível a denúncia. O Procon São Paulo lembra que a cobrança de taxas e preços acima do permitido é crime, e casos de cobrança abusivas devem ser denunciadas. 

No entanto, tal situação de abuso foi atribuída em postagens em mídias sociais ao governo federal.

Como entender o preço dos combustíveis herdado pelo atual governo

Desde o governo de Michel Temer (2016-2018), o preço dos combustíveis tem alcançado índices muito altos no Brasil. Como Bereia já explicou, em outra matéria de checagem de desinformação sobre o tema, naquele período, reajustes eram praticados diariamente, quando houve a decisão de que os preços deveriam seguir parâmetros internacionais. Ao continuar a mesma política, o governo Bolsonaro (2019-2022), os custos para os consumidores alcançaram altíssimos valores. 

Diante da alta da inflação e da insatisfação da população, tendo em vista a aproximação do ano eleitoral, o governo anterior conseguiu aprovar no Congresso Nacional a Lei Complementar 194/2022, para frear a inflação, com a adoção de algumas medidas de alteração da cobrança de tributos. Entre estas medidas estão base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), do estabelecimento de valores fixos de contribuição, redução de alíquotas, bem como desoneração de alguns tributos, como o Programa de Integração Social (PIS), o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) sobre alguns bens e serviços. 

A lei que zerou os impostos federais (PIS e Cofins) sobre combustíveis até 31 de dezembro de 2022 e limitou a cobrança de ICMS pelos Estados à alíquota mínima de 17% ou 18%,

foi sancionada por Jair Bolsonaro em meio à forte alta internacional dos preços do petróleo, devido à guerra entre Rússia e Ucrânia. Após a aprovação da medida, os combustíveis tiveram queda de preços em julho, agosto e setembro, contribuindo para a deflação registrada pelo IPCA, índice oficial de inflação do país, nesses mesmos meses.

Porém, o fôlego das medidas se revelou curto, como declarou o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), em Nota Técnica de agosto de 2022:. “Apenas no primeiro semestre de 2022, o diesel acumulou alta de 33,39%, a gasolina, de 8,06%, e o gás de cozinha, de 7,49%. No mesmo período, a taxa geral da inflação, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foi de 5,49%”.

Na avaliação do DIEESE, “um fator tem impactado muito mais os preços do que os tributos, que é a Política de Paridade de Preços de Importação (PPI). Essa política funciona na Petrobrás desde outubro de 2016” . O DIEESE explica que, com a política de ‘desinvestimento’ na Petrobrás, que esteve em curso no país de 2016 a 2022, o governo perdeu o  controle sobre os preços dos combustíveis como um todo, uma vez que a partir da privatização das refinarias, as empresas que as adquirem podem adotar a própria política. O caso da Acelen, na Bahia, é um exemplo enfatizado pelo DIEESE.

Na avaliação do prof. Bruno Carazza, da Fundação Dom Cabral, em entrevista à BBC Brasil, “essa medida teve como objetivo agradar a fatia do eleitorado de classe média, que estava bastante incomodado com os preços altos dos combustíveis. Então foi uma medida estratégica do governo para tentar acalmar esse segmento, que foi muito decisivo para a eleição do Bolsonaro em 2018”. Para o economista, “a lei foi uma estratégia para, por vias indiretas, ao intervir no mercado de combustíveis, criar uma redução artificial da inflação, reduzindo seus efeitos para a classe de renda mais baixa. Então, sem dúvida nenhuma, isso teve um objetivo eleitoral muito forte.”

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Bereia classifica como enganosas as matérias de sites e postagens em mídias sociais sobre reajustes abusivos no preço de combustíveis, que são usadas para criar pânico em relação à situação econômica do Brasil. Estes veículos e perfis não informam o público que os aumentos abusivos da gasolina e do álcool têm sido encaminhados por postos de combustíveis e não correspondem ao que foi aprovado pelas medidas governamentais.

Referências de checagem:

Terra Brasil Notícias. https://terrabrasilnoticias.com/2023/03/vai-chegar-a-r-10-gasolina-ja-pode-ser-vista-por-r-8-49-em-postos-apos-governo-lula-retomar-impostos/ Acesso em 17 mar 2023

Folha de S. Paulo.

https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2023/03/postos-ja-vendem-gasolina-por-r-699-em-sao-paulo.shtml Acesso em 17 mar 2023

https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2023/02/tributo-federal-sera-de-r-047-para-gasolina-e-r-002-sobre-etanol.shtml Acesso em 17 mar 2023

Money Times.

https://www.moneytimes.com.br/75-a-mais-na-gasolina-e-21-no-etanol-veja-como-deve-ser-a-reoneracao-dos-combustiveis/ Acesso em 17 mar 2023

https://www.moneytimes.com.br/gasolina-chega-a-r-849-em-sao-paulo-com-volta-de-impostos-federais/ Acesso em 17 mar 2023

Metropoles. https://www.metropoles.com/brasil/economia-br/haddad-sobre-reforma-tributaria-ou-faz-ou-o-brasil-nao-vai-crescer Acesso em 17 mar 2023

Procon São Paulo https://www.procon.sp.gov.br/ Acesso em 17 mar 2023

Agência Brasil. https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2023-03/pib-cresce-29-em-2022-e-fecha-o-ano-em-r-99-trilhoes#:~:text=O%20Produto%20Interno%20Bruto%20(PIB,em%20rela%C3%A7%C3%A3o%20ao%20ano%20anterior. Acesso em 17 mar 2023

Governo Federal. https://www.gov.br/fazenda/pt-br/assuntos/noticias/2023/marco/solucao-sobre-tributacao-dos-combustiveis-ajuda-a-pavimentar-reducao-dos-juros-no-pais Acesso em 17 mar 2023

Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis.

https://www.gov.br/anp/pt-br Acesso em 20 mar 2023

https://www.gov.br/anp/pt-br/assuntos/precos-e-defesa-da-concorrencia/precos  Acesso em 20 mar 2023

BBC Brasil- https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63419897 Acesso em 21 mar 2023Bereia- https://coletivobereia.com.br/governo-federal-reduz-impostos-no-valor-dos-combustiveis/ Acesso em 21 mar 2023

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Foto de capa: Erik Mclean/Pexels.com

Fake news sobre livro de educação sexual infantil nas escolas volta a circular

Voltou a circular entre mídias sociais de grupos religiosos que teria sido distribuído em escolas públicas em governos do PT o livro “Aparelho Sexual e Cia – Um guia inusitado para crianças descoladas”. Segundo um dos vídeos, o livro foi entregue para turmas de crianças pequenas, como uma que segura um exemplar enquanto é filmada.

Imagem: reprodução de WhatsApp

Fake news “requentada”

“Aparelho Sexual e Cia – Um guia inusitado para crianças descoladas”, publicado no Brasil pela Companhia das Letras, de autoria dos educadores da Suíça e França, Phillipe Chappuis, com o codinome ZEP e Hélène Bruller, surgiu na cena pública há quatro anos. Foi quando o então candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro afirmou, em entrevista ao Jornal Nacional, que o livro foi comprado pelo Ministério da Educação, durante a gestão de Fernando Haddad, e distribuído nas escolas.

Conforme Bereia já checou, o livro nunca foi comprado pelo Ministério da Educação, nem foi distribuído em escolas. A obra publicada pela Companhia das Letras é destinada  a crianças e jovens de 11 a 15 anos, e não para crianças a partir de 6 anos, como circulou nas mídias sociais e foi reforçado por Jair Bolsonaro na entrevista. 

Não à toa, o conteúdo falso volta a circular às vésperas de novas eleições. A “ideologia de gênero” uma noção inventada como estratégia discursiva e arma política continua sendo utilizada para a mobilização dos votantes. 

Bereia pontua que, novamente, as campanhas de desinformação buscam mobilizar grupos de eleitores alinhados a pautas conservadoras contra  líderes de esquerda. A estratégia de voltar às pautas morais exploradas na campanha eleitoral de 2018 (e retomadas também no pleito municipal de 2020) é uma tentativa de repetir êxitos e surpresas daquele ano.

Referências de checagem:

Companhia das Letras. https://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=12264 Acesso em: 16 ago 2022

Coletivo Bereia.

https://coletivobereia.com.br/nao-ha-duvida-a-existencia-de-um-kit-gay-organizado-por-fernando-haddad-e-falsa/ Acesso em: 16 ago 2022

https://coletivobereia.com.br/ideologia-de-genero-estrategia-discursiva-e-arma-politica/ Acesso em: 16 ago 2022

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Foto de capa: Companhia das Letras

Bereia participa de reportagem sobre fake news produzidas por evangélicos

O jornal Folha de S. Paulo elaborou reportagem a respeito das fake news que estão sendo elaboradas por redes de apoiadores evangélicos do presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ) sobre seus virtuais opositores nas eleições deste ano. A repórter Anna Virginia Baloussier listou uma série de conteúdos que estão circulando nas mídias sociais envolvendo montagens e declarações fora de contexto de Luis Inácio Lula da Silva e Sergio Moro. A maioria evocando o pânico moral e a cristofobia. A editora-geral do Bereia, Magali Cunha, contribuiu com uma análise do cenário:

“Historicamente, as desinformações relacionadas à moralidade religiosa “afetam fortemente ambientes religiosos”, diz Magali Cunha, editora-geral do Bereia, coletivo que analisa potenciais inverdades que abordem conteúdos sobre religião —em pouco mais de dois anos, foram 285 checagens. Vide a mamadeira com bico em formato de pênis supostamente distribuída em creches paulistanas, mais infame notícia falsa a atingir a campanha do presidenciável Fernando Haddad (PT) em 2018.

Cunha aposta, contudo, que em tempos de crise econômica, quando a população se vê às voltas com fome e desemprego, “estas pautas perdem força de afetação”. Nas eleições municipais de 2020, por exemplo, já arrefeceram um bocado. “Neste caso, o acionamento do imaginário do inimigo e da perseguição a cristãos, como o tema da cristofobia, tende a ser mais explorado.”

O tema ainda repercutiu no podcast Café da Manhã, também da Folha, no qual o Bereia foi citado como referência na checagem de desinformação em mídias religiosas.

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Imagem de capa: reprodução da Folha de S. Paulo. Fotos de Ueslei Marcelino/Reuters, Marlene Bergamo/Folhapress e Evaristo Sá/AFP