Liberdade de expressão à brasileira: desinformação de gênero e a ofensiva às mulheres 

Um novo ano começou e a tônica da famosa “liberdade de expressão” voltou a ser suscitada em virtude do resultado das eleições presidenciais dos Estados Unidos.

Entre as várias novidades do atual governo daquele país, entraram em vigor algumas revogações de medidas e a criação de novos decretos. Entre estas práticas, o presidente Donald Trump assinou uma ordem executiva para “restaurar a liberdade de expressão”. Conforme o noticiário, o documento afirma que o governo anterior havia violado os direitos de expressão dos cidadãos estadunidenses sob o pretexto de combater desinformação e informação enganosa.

Antes mesmo da posse de Trump, o proprietário da Meta – empresa que controla as plataformas digitais Facebook, Instagram, WhatsApp e Threads – Mark Zuckerberg anunciou mudanças que incluem o fim das ferramentas de checagem de fatos nas plataformas, inicialmente nos Estados Unidos.

Zuckerberg divulgou que a medida será substituída por uma funcionalidade chamada “notas da comunidade”, aberta aos usuários (prática que já existe na rede X). Segundo ele, os profissionais que atuavam na moderação de conteúdo, até então, eram muito tendenciosos politicamente. 

No Brasil, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) comemorou as mudanças da Meta em publicação em seu perfil no X, o que atribuiu  aos efeitos da eleição de Trump. Em 2023, Ferreira subiu à tribuna da Câmara dos Deputados no Dia Internacional da Mulher e proferiu, além de desinformação, um discurso misógino, ilustrado por uma ridícula peruca loura que usou na tribuna, pautado em crenças religiosas limitadas à sua perspectiva pessoal, que desqualificava e demonizava as pautas por justiça de gênero. 

Este episódio não foi um caso isolado. Publicações de políticos e lideranças religiosas que disseminam falsidades relacionadas a situações que envolvem temas referentes a gênero são frequentemente observadas.

Desinformação de gênero: Alguns exemplos

Em 2016, acompanhamos o impeachment da presidente Dilma Rousseff, alvo de um levante que culminou na sua retirada do governo. Tal evento mostrou que há incômodo quando uma mulher governa, fala, se coloca e decide, principalmente quando há muitos interesses envolvidos, que tangenciam os privilégios de muitos. 

No mesmo ano, a revista Carta Capital publicou matéria em crítica à  reportagem da revista ‘IstoÉ’, que,  com postura sexista, coroou o momento em que a misoginia mostrava-se (e permanece) como a regra para atacar as mulheres na política. Os termos usados para descrever a presidente variavam de “perda de condições emocionais” a “irascível”. Em contrapartida, Marcela Temer, a esposa do então vice-presidente Michel Temer, acumulava elogios como “bela, recatada e do lar”. Como disseram alguns, “só ela já servia como justificativa para a saída de Dilma do governo”. 

Durante a campanha eleitoral de 2018, Manuela D’Ávila (PCdoB) – que compunha, como vice, a chapa de Fernando Haddad (PT) à Presidência da República, –  foi alvo de ataques misóginos que favoreceram a eleição de Jair Bolsonaro (então do PFL). A candidata foi falsamente associada ao ataque a faca sofrido por Bolsonaro em Juiz de Fora (MG), durante a campanha eleitoral; foi vítima de manterrupting – interrupção desnecessária da fala de uma mulher – em entrevista à TV Cultura; e foi alvo de desinformação relacionada a temas morais (classificada “abortista”) e religiosos (denunciada como anticristãos). 

A ministra Marina Silva (Rede), antigo alvo de ataques contra sua condição física e sua inteligência, e a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) continuam sofrendo ataques, vítimas dos discursos de ódio e desinformação de gênero ao longo de suas carreiras políticas.

Em 2023, a bola da vez foi a senadora evangélica Eliziane Gama (PSD-MA), que, à época, exercia a função de relatora da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre os ataques a Brasília em  8 de janeiro. Em reportagem, a agência Lupa relatou que a senadora foi insistentemente chamada, por colegas do parlamento e seus apoiadores, de ‘burra’ e ‘analfabeta’, como forma de descredibilizar sua competência e logo, o lugar que ocupa.

Já em dezembro passado, o deputado Nikolas Ferreira, já mencionado neste artigo, publicou em seu perfil no Instagram um vídeo para diminuir e ridicularizar a esposa do presidente da República Rosângela (Janja) Lula da Silva. 

Estes são exemplos de como ataques misóginos – discursos de ódio contra mulheres – e desinformação de gênero são muitas vezes utilizados e tolerados como estratégias políticas contra a oposição e justificados como liberdade de expressão. 

No entanto, estas práticas vão na contramão da Lei nº 14.192, que trata da violência política de gênero, aprovada no Congresso Nacional, em 2021. A lei busca 

“prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher; e altera a Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral), a Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995 (Lei dos Partidos Políticos), e a Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997 (Lei das Eleições), para dispor sobre os crimes de divulgação de fato ou vídeo com conteúdo inverídico no período de campanha eleitoral, para criminalizar a violência política contra a mulher e para assegurar a participação de mulheres em debates eleitorais proporcionalmente ao número de candidatas às eleições proporcionais”.

Um levantamento sobre discurso de ódio contra mulheres nas redes digitais

A pesquisa MonitorA 2024 analisou comentários feitos em transmissões de debates no YouTube durante o período das últimas eleições municipais no Brasil. Os dados indicam que 56,8% dos comentários potencialmente ofensivos são direcionados a mulheres candidatas, e 23% aos candidatos homens. Entre os comentários confirmados como ofensivos, 68,2% se dirigem a mulheres, e 31,7% a homens.  

O levantamento MonitorA 2022 já havia apresentado análise sobre ataques contra as  esposas dos então candidatos, Rosângela Lula da Silva e Michelle Bolsonaro. Os dados coletados pelo estudo indicaram que o debate religioso que permeou as candidaturas de Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Messias Bolsonaro foi o pano de fundo dos ataques hostis às mulheres.

“Os ataques e insultos direcionados a Janja e Michelle nas redes sociais foram marcados pela misoginia, pela religião, por narrativas que disputavam noções de moralidade e pela intolerância religiosa”, diz o relatório. 

No caso de Michelle Bolsonaro, o levantamento indicou que, após circular um vídeo de seu marido Jair Bolsonaro em uma loja maçônica, a então primeira-dama da República foi alvo de comentários no Instagram com expressões como “herege maldita” e “demônio puro”.

O relatório apontou que as ofensas direcionadas a Rosângela Lula somaram 799 comentários, número significativamente superior aos 273 recebidos por Michelle Bolsonaro. Segundo o estudo, após o primeiro turno, as ofensas religiosas contra a atual primeira-dama aumentaram oito vezes. Os comentários dirigidos a Janja continham insultos como “falsa cristã”, “macumbeira” e “satanista”.

O cenário atual parece confirmar que estamos caminhando para um lado ainda mais obscuro no que diz respeito à integridade das mulheres parlamentares nos espaços digitais. Não é segredo que os esforços para coibir os ataques nunca foram dos mais elaborados, e os resultados nada animadores. 

O caso da vereadora Marielle Franco é emblemático para a reflexão e discussão sobre desinformação de gênero. Mesmo passados anos do assassinato da vereadora do Rio de Janeiro (em 2018), as mentiras continuaram a fazer parte do arsenal de investidas.  Insultos à sua vida pessoal foram uma das táticas mais usadas para atacar e desqualificar a atuação da parlamentar. As ofensas a ela são permeadas de discurso de ódio e contra os direitos humanos, pauta que Marielle Franco defendia. 

A desinformação contra a vereadora segue a trilha da depreciação, associando-a ao crime organizado e de ser “defensora de bandidos”.

Um caso recente (janeiro de 2025), é o da deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), que sofreu ameaças de morte nas redes sociais em retaliação por ter desmentido notícias falsas sobre a taxação do PIX pelo governo Lula, disseminadas por colegas parlamentares, sendo o mais destacado Nikolas Ferreira . Os ataques à deputada, além da ameaça de morte, se concentraram em sua sexualidade com ofensas transfóbicas de perfis ligados à extrema direita.  

A desinformação de gênero reúne componentes graves de violência. Alguns deles são a violência verbal, a misoginia, o discurso de ódio, a repressão, o assédio entre outros. Como mencionado, não estamos destacando algo novo, o objetivo é lançar luz a mais uma forma de ataque. 

Se até o momento a violência política de gênero já era um fato que demandava respostas e esforços, o espaço digital passou a servir como amplificador desse tipo de violência. A situação atual agrava o problema, pois com a desobrigação autodefinida pelas empresas das plataformas digitais de checarem conteúdos, as chances de se rastrear e punir os ataques e seus respectivos agressores serão muito reduzidas. 

Diante dos fatos, será possível imaginar a dimensão do impacto das medidas adotadas por Trump e Zuckerberg não apenas nos Estados Unidos, mas no mundo, e principalmente no Brasil? É um enorme desafio para pessoas e grupos comprometidos com a justiça do conteúdo que circula em espaços de comunicação digital e com a dignidade do que se chama informação.

Referências

CNN

https://edition.cnn.com/2025/01/22/media/trump-censorship-executive-order-disinformation/index.html

Coletivo Bereia

https://coletivobereia.com.br/deputado-federal-evangelico-nikolas-ferreira-promove-desinformacao-em-discurso-na-camara-dos-deputados/

https://coletivobereia.com.br/portal-gospel-repercute-agenda-de-marina-silva-em-sp-de-forma-enganosa/

https://coletivobereia.com.br/embate-verbal-entre-integrantes-da-bancada-evangelica-na-cpmi-dos-atos-golpistas-entra-no-radar-do-bereia/

Jornal Opção

https://www.jornalopcao.com.br/ultimas-noticias/apos-serie-de-ataques-a-dilma-justica-condena-istoe-a-direito-de-resposta-71649

Veja

https://veja.abril.com.br/brasil/marcela-temer-bela-recatada-e-do-lar

https://veja.abril.com.br/politica/tse-manda-facebook-derrubar-33-fake-news-sobre-manuela-davila

https://veja.abril.com.br/coluna/me-engana-que-eu-posto/manuela-davila-nao-publicou-que-aborto-evita-criar-filho-de-vagabundo

Estadão

https://www.estadao.com.br/politica/eleicoes/apos-fake-news-sobre-adelio-manuela-davila-e-ameacada-nas-redes-sociais

Revista Marie Claire

https://revistamarieclaire.globo.com/Blogs/Barbara-Thomaz/noticia/2018/06/manuela-davila-e-o-manterrupting-arte-de-reprimir-mulheres.html

G1

https://g1.globo.com/fato-ou-fake/noticia/2018/10/05/e-fake-post-com-manuela-davila-dizendo-que-e-mais-popular-que-jesus-e-que-o-cristianismo-vai-desaparecer.ghtml

Aos Fatos

https://www.aosfatos.org/noticias/dilma-assalto-ditadura-banco-dos-brics

Presidência – Legislação

https://legislacao.presidencia.gov.br/atos/?tipo=LEI&numero=14192&ano=2021&ato=e5dkXVq5UMZpWT04e

InternetLab

https://internetlab.org.br/pt/noticias/mulheres-sao-15-das-candidatas-no-2o-turno-mas-recebem-682-dos-comentarios-ofensivos-em-debates/

Monitora

https://monitora.org.br/narrativas/guerras-religiosas-como-a-religiao-pautou-as-redes-de-janja-e-michelle

BBC

https://www.bbc.com/portuguese/internacional-56367394

Congresso em Foco

https://www.congressoemfoco.com.br/noticia/106133/erika-hilton-sofre-ameacas-apos-divulgar-video-combatendo-noticias-falsas-sobre-pix

** Os artigos da seção Areópago são de responsabilidade de autores e autoras e não refletem, necessariamente, a opinião do Coletivo Bereia

Balanço Janeiro 2025: Mentiras sobre o Pix como estratégia de oposição política

O ano de 2025 teve início com agitação nas redes digitais sobre o Pix, refletida em matérias da grande imprensa, provocada por viralização de conteúdo que contrapôs medida anunciada pela Receita Federal, em 2024, com vigência a partir de 1 de janeiro do novo ano.

A Instrução Normativa 2.219/2024, da Receita Federal, publicada no Diário Oficial da União, em 18 de setembro de 2024, dispunha sobre “a obrigatoriedade de prestação de informações relativas às operações financeiras de interesse da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil na e-Financeira”. A medida ampliava o monitoramento de transações financeiras no país, que alcançava apenas instituições financeiras tradicionais, como bancos e cooperativas de crédito, com a obrigação de prestar essas informações.

Com a norma, que vigoraria a partir de 1 de janeiro de 2025, transações via Pix e cartões de crédito, acima de R$ 5 mil para pessoas físicas e de R$ 15 mil para empresas, passariam a também ser reportadas por administradoras de cartão de crédito, bancos digitais e instituições de pagamento à Receita Federal. O órgão afirmou em nota que o objetivo era reforçar o combate à evasão fiscal e a promoção da transparência. Foi enfatizado, ainda, que a medida estaria alinhada aos compromissos internacionais do Brasil, para aumentar o controle sobre operações financeiras e facilitar a fiscalização.

A agitação com consequências

A agitação em torno da medida da Receita Federal foi promovida por dois parlamentares evangélicos de Minas Gerais nas redes: o senador Cleitinho (Republicanos) e o deputado federal Nikolas Ferreira (PL). Dias depois de iniciado o período de aplicação da nova norma, em 6 de janeiro de 2025, Cleitinho publicou um vídeo em seus perfis de mídias sociais com a legenda “Urgente! Governo Lula fazendo o povo de palhaço. Receita Federal irá tomar conta dos seus gastos do seu cartão de crédito e pix”.

Imagem: reprodução/Instagram

Com um minuto e meio de duração, em tom alarmista, o vídeo do senador ganhou forte repercussão ao anunciar que a cada seis meses, pessoas comuns, usuárias do Pix, teriam que informar suas operações financeiras ao governo federal. O senador assumiu o papel de “defensor” dos usuários do Pix e fez uma série de novas postagens sobre o tema, diante da repercussão do alarme, incluindo o anúncio de autoria de um “Decreto Legislativo para impedir o monitoramento do Pix”.

Em curto tempo, outros políticos e influenciadores digitais alinhados à direita política passaram a repercutir a ideia que passou a ser ampliada com outra, a de que o Pix seria taxado pelo governo federal.

O ápice da disseminação de desinformação baseada em pânico ocorreu em 14 de janeiro, quando foi lançado nas redes digitais um vídeo do deputado Nikolas Ferreira. Com o mesmo tom alarmista, no discurso verbal e visual, o deputado afirmou “o governo quer saber como você ganha R$ 5 mil” e fez uso da mentira sobre a taxação do Pix, mantendo-a viva com a frase: “Não, o Pix não será taxado, mas é bom lembrar que a comprinha da China não seria taxada. Não ia ter sigilo, mas teve. Você ia ser isento do Imposto de Renda, não vai mais. Ia ter picanha, não teve. O Pix não será taxado, mas não duvido que possa ser”. O deputado ainda afirmou que o “governo quer tratar os trabalhadores informais como sonegadores”. Em 16 de janeiro a publicação no Instagram ultrapassou a marca de 275 milhões de visualizações.

Imagem: reprodução/Instagram

Nikolas Ferreira também foi publicado na rede X, com versão com legendas em inglês, e chamada em que marca Elon Musk, proprietário da rede.

Imagens: reprodução/X

Os vídeos de Nikolas Ferreira seguem nas duas redes e continuam com milhões de visualizações.

Líderes e veículos religiosos repercutiram amplamente a desinformação e o tom de pânico que a embasou. O missionário R. R. Soares, foi um dos que fez uso de espaços religiosos para ampliar a disseminação das falsidades. No programa Show da Fé, em horário de TV pago na Rede Bandeirantes, que foi ao ar em 13 de janeiro, gravado com a presença de centenas de fiéis da Igreja Internacional da Graça, no momento em que pedia ofertas, Soares afirmou: “Está acontecendo uma campanha contra o pix, só porque a pessoa ajuda um parente, um amigo e é de graça, já querem cobrar imposto. Eles cobram imposto de tudo da gente. É uma maldade que querem fazer”. O missionário ainda fez um apelo público ao governo federal para que desse “um basta” na taxação do Pix. Matérias sobre o caso foram publicadas pela Folha de S. Paulo e pelo jornal O Globo.

O site evangélico de notícias Pleno.News deu espaço aos pronunciamentos de políticos com identidade religiosa com base nas falsidades, mesmo quando já circulavam amplos desmentidos oficiais e por parte de mídias noticiosas, um deles publicado pelo próprio veículo.

Imagens: reprodução/Pleno.News

Ações de comunicação do governo federal foram realizadas para confrontar as falsidades sobre a normativa da Receita e a grande imprensa também agiu com veiculação de informações corretas sobre as novas regras. A Federação de Bancos do Brasil (Febraban) e a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomércio-SP) também divulgaram notas com desmentidos de que a normativa não afeta usuários de Pix e de cartões de crédito. “Os clientes que utilizam o Pix para pagamentos e transferências não precisam tomar qualquer providência, nem passarão a ser cobrados”, divulgaram a organizações.

Influenciadores digitais comprometidos com a informação tiveram papel importante em comunicações de desmentidos, como Gil do Vigor e Nath Finanças que se destacaram nas redes. A deputada federal Erika Hilton (Psol/SP) produziu vídeo, veiculado em 18 de janeiro em seus perfis de mídias sociais, que contrapôs o de Nikolas Ferreira e teve alcance também na casa dos milhões.

Imagem: reprodução/Instagram

Ainda assim, o alcance da enxurrada de material desinformativo em todas as redes digitais nos primeiros quinze dias de janeiro teve efeitos fortes. Houve redução no volume de transações realizadas por Pix, diante da insegurança, em especial em bom número de pequenos comerciantes, que passaram a recusar pagamentos por este sistema e demandar dinheiro em espécie, e houve abusos de outros que passaram a aplicar taxas de até 10% sobre pagamentos por Pix.

Em 15 de janeiro, o Ministério da Economia do Brasil anunciou a revogação do ato normativo que estendeu o monitoramento das transações financeiras. Segundo o ministro Fernando Haddad, o governo editará uma medida provisória (MP) para proibir a cobrança diferenciada por transações em Pix e em dinheiro. Ele explicou que a MP também reforçará princípios garantidos pela Constituição nas transações via Pix, como o sigilo bancário e a não cobrança de impostos nas transferências pela modalidade, além de garantir a gratuidade do Pix para pessoas físicas.

O ministro indicou que, com a edição da MP, nenhum comerciante poderá cobrar preços diferentes entre pagamentos via Pix e em dinheiro, prática detectada como consequência das falsidades disseminadas neste janeiro de 2025. Haddad ainda negou que a revogação do ato seja o reconhecimento da derrota para as fake news. “Pelo contrário. Isso é impedir que esse ato [a instrução normativa] seja usado como justificativa para não votar a MP. Estamos lançando uma medida provisória e queremos que ela seja discutida com sobriedade pelo Congresso Nacional”, justificou.

Criação de caos como estratégia

Um estudo do NetLab da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) oferece compreensão sobre como as mentiras sobre a economia popular, que geraram o caos nas transações via Pix e pânico na população, foram propagadas com ajuda da Meta, empresa proprietária das redes Facebook, Instagram e WhatsApp. A pesquisa mostra como a Meta foi paga para impulsionar a divulgação de anúncios fraudulentos sobre o tema para alcançar um número extenso de usuários.

Além de um vídeo falso em que o ministro da Economia do Brasil Fernando Haddad afirmava que taxaria o Pix, entre 10 e 21 de janeiro de 2025, 1.770 anúncios fraudulentos foram impulsionados no Facebook e no Instagram para promover informações falsas contra programas governamentais, mais golpes e desinformações sobre o Pix (falsa taxa a pagar) e supostos valores a receber. Os anúncios foram pagos por 151 perfis de anunciantes (que podem ser também fraudulentos) e direcionaram os usuários para 85 sites falsos para aplicação de golpes financeiros.

O estudo do Netlab indica: “(1) o número de golpes e fraudes em anúncios da Meta cresceu 35% após a revogação das novas regras pelo governo; e 2) o uso de deepfakes do deputado federal Nikolas Ferreira (PL/MG), protagonista da campanha pela revogação da norma, aumentou 234%”.

Em nota enviada ao veículo Olhar Digital, a Meta afirmou que não permite “atividades que tenham como objetivo enganar, fraudar ou explorar terceiros”. A empresa disse estar sempre aprimorando a sua tecnologia para combater atividades suspeitas, porém, não respondeu qual o destino do dinheiro recebido pelos anúncios fraudulentos.

As postagens com conteúdo falso e enganoso da parte de políticos, influenciadores e outros usuários seguem no ar em todas as plataformas digitais.

Bereia identifica há cerca de um ano, a estratégia de notórios propagadores de desinformação com criação de pânico com falsidades em torno de temas de interesse público com foco na economia. Tais conteúdos circulam amplamente em espaços digitais religiosos. Há várias matérias publicadas pelo Bereia em 2024, como as que trataram da regulamentação do trabalho por aplicativos, do uso dos lucros extraordinários com ações da Petrobrás, do projeto de taxação de offshores, entre outras.

Esta tendência observada pelo Bereia em 2024, foi objeto de matéria do jornal O Globo com o título “Oposição muda a tática: ‘esquece’ agenda de costumes e tenta desgastar governo Lula com pauta econômica”. Tal conteúdo pode ser observado nos conteúdos enganosos circulantes em espaços digitais religiosos, como os acima citados, e em materiais que exploram o pânico com abordagens infundadas, como este publicado em vídeo em setembro passado:

Matéria do jornal O Globo trouxe à tona em 16 de janeiro, após a revogação da medida da Receita Federal sobre a ampliação do monitoramento de movimentações financeiras, que o vídeo de Nikolas Ferreira, peça importante na disseminação de desinformação e pânico na economia popular, foi articulado pelo Partido Liberal (PL). A estratégia para explorar o tema foi traçada pelo marqueteiro responsável pela campanha eleitoral de Jair Bolsonaro à reeleição para presidente da República em 2022, Duda Lima.

Mais informações sobre o caso das mentiras sobre o Pix podem ser acessadas aqui.


Bereia alerta leitores e leitoras, como recorrentemente registra, que é muito importante em uma democracia que haja oposição a governos. Eles precisam ser cobrados, pressionados, o que é saudável em um Estado democrático de direito. Um espaço político sem oposição é um espaço que nega a diversidade de ideias, de opiniões e tende a um regime de exceção. Porém, a oposição deve ser feita de forma digna, ancorada na honestidade e na justiça, em discursos e em ações. O uso de mentiras, falsidades e enganos para contrapor governos e para convencer e ganhar aliados para causas de determinados grupos não é coerente com os princípios de oposição política democrática e deve ser denunciado, bem como seus agentes.

Referências de checagem:

Receita Federal.

http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=140539 Acesso em: 11 fev 2025.

https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/noticias/2024/setembro/receita-atualiza-regras-da-e-financeira-e-amplia-obrigatoriedade-para-novas-entidades Acesso em: 11 fev 2025.

Folha de S. Paulo. https://f5.folha.uol.com.br/colunistas/outro-canal/2025/01/rr-soares-usa-horario-comprado-na-band-para-espalhar-noticia-falsa-sobre-pix.shtml Acesso em: 11 fev 2025.

O Globo.

https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2025/01/14/pastor-rr-soares-difunde-fake-news-sobre-o-pix-ao-pedir-doacao-a-fieis-na-tv-cobram-imposto-de-tudo-video.ghtml Acesso em: 11 fev 2025.

https://oglobo.globo.com/blogs/sonar-a-escuta-das-redes/noticia/2025/02/09/oposicao-muda-a-tatica-esquece-agenda-de-costumes-e-tenta-desgastar-governo-lula-com-pauta-economica.ghtml Acesso em: 11 fev 2025.

https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2025/01/16/video-de-nikolas-fez-parte-de-acao-coordenada-de-marqueteiro-de-bolsonaro-sobre-pix.ghtml Acesso em: 11 fev 2025.

Netlab/UFRJ. https://netlab.eco.ufrj.br/post/danos-causados-pela-publicidade-enganosa-na-meta Acesso em: 11 fev 2025.

Febraban. https://portal.febraban.org.br/noticia/4246/pt-br/ Acesso em: 11 fev 2025.

Fecomércio. https://www.fecomercio.com.br/noticia/medida-provisoria-reforca-seguranca-do-pix-e-encerra-fake-news-sobre-cobranca Acesso em: 11 fev 2025.

ICL Notícias. https://iclnoticias.com.br/fake-news-pix-influenciadores-no-debate-publico/ Acesso em: 11 fev 2025.

Agência Brasil. https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2025-01/receita-revoga-ato-normativo-que-previa-fiscalizacao-do-pix Acesso em: 11 fev 2025.

Olhar Digital. https://olhardigital.com.br/2025/02/07/pro/meta-foi-paga-para-divulgar-fake-news-sobre-pix-diz-estudo/ Acesso em: 11 fev 2025.

Bereia.

https://coletivobereia.com.br/deputado-evangelico-publica-falsidade-sobre-a-regulamentacao-do-trabalho-por-aplicativos/ Acesso em: 11 fev 2025.

https://coletivobereia.com.br/deputada-catolica-dissemina-enganos-sobre-uso-dos-lucros-extraordinarios-com-acoes-da-petrobras-pelo-governo/ Acesso em: 11 fev 2025.

https://coletivobereia.com.br/deputado-catolico-mente-sobre-projeto-de-lei-de-taxacao-de-offshores/ Acesso em: 11 fev 2025.

Instagram. https://www.instagram.com/reel/DF5f1GYRI06/?igsh=MWhja2h1bDRzOXlmcw%3D%3D Acesso em: 11 fev 2025.

Políticos e veículos cristãos desinformam sobre PEC que propõe redução da carga de trabalho

Na primeira semana de novembro, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC), apresentada pela deputada Erika Hilton (PSOL-SP), para redução da jornada de trabalho e fim da escala 6×1 – em que empregados cumprem seis dias de trabalho para ter direito a um de folga – tornou-se alvo de ampla discussão e muita desinformação. Bereia checou as informações circulantes nas mídias sociais de políticos, líderes cristãos e veículos de comunicação contrários à proposta. 

O que é a escala 6×1 e o que diz a PEC

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) apresentada pela deputada federal Erika Hilton propõe a alteração do artigo 7º da Constituição Federal que prevê a “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”.  

No texto da PEC no novo artigo deve constar que  a “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e trinta e seis horas semanais, com jornada de trabalho de quatro dias por semana, facultada a compensação de horários e a redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho.”

Na redação da PEC, a deputada justifica que se baseia em uma petição pública online criada pelo Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), liderado pelo vereador recém-eleito para a Câmara Municipal do Rio de Janeiro Ricardo Azevedo (PSOL), que defende o fim da jornada 6×1. e obteve mais de 2,7 milhões de assinaturas.

O texto justifica ainda que a PEC busca alinhar o Brasil às práticas internacionais de redução de jornada e cita  a economista Marilane Teixeira, para quem a mudança pode impulsionar o consumo, gerar novos empregos e reduzir desigualdades. A proposta destaca que experiências semelhantes no Reino Unido e em empresas brasileiras mostraram impactos positivos na produtividade, na saúde mental dos trabalhadores e na receita empresarial. A PEC prevê a manutenção de salários e direitos dos trabalhadores intactos, com a promoção de um equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, enquanto beneficia a economia e inovação das empresas.

Para poder tramitar na Câmara dos Deputados, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) necessita de 171 assinaturas. Em 15 de novembro passado, a PEC alcançou  231 assinaturas, de acordo com a equipe de Erika Hilton. 

Outras propostas semelhantes já estavam em tramitação na Câmara Federal há alguns anos, como a PEC 221/19, apresentada pelo deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), que propõe uma redução da jornada semanal do trabalhador brasileiro de 44 para 36 horas, com  um prazo de dez anos para implementação. Segundo a Agência de Notícias da Câmara, o texto do deputado está na Comissão de Constituição e Justiça à espera de um relator desde março deste ano. O Congresso Nacional já engavetou ou manteve com tramitação parada ao menos nove PECs sobre a redução de jornada de trabalho no Brasil. 

Deputado Nikolas Ferreira publica vídeo alarmista crítico à PEC

Em seu perfil no Instagram, o deputado federal evangélico Nikolas Ferreira (PL-MG) divulgou um vídeo em que alega que a aprovação da PEC traria problemas econômicos e sociais para o país, como desemprego, informalidade e inflação, com custos repassados aos consumidores. O deputado acusa políticos de esquerda de agirem de modo populista ao apoiarem pautas que impactam a economia negativamente e questiona o uso de fundos públicos em campanhas e políticas públicas da esquerda.

Imagem: reprodução/Instagram

Nikolas Ferreira defende ainda que a medida vai aumentar o desemprego no país: “E sabe quem vai pagar essa conta? Exatamente, você. Ou seja, a discussão é só se vai aumentar o desemprego ou a informalidade, porque destruir o sustento do pobre, não tenho dúvidas”. 

Bereia checou que, de acordo com uma Nota Técnica publicada em 2009 pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e citada na PEC de Erika Hilton, a diminuição da jornada de trabalho das atuais 44 para 40 horas semanais, sem alteração dos salários, tem potencial de gerar, no limite, mais de 2,5 milhões de novas vagas. Portanto, a redução da jornada de trabalho teria o efeito contrário ao que o deputado levanta como argumento, o desemprego.

O deputado do PL mineiro critica também que o texto da PEC por apresentar o que classifica como  “bizarrices”, por ter, segundo ele, erros de cálculo. “Se você não notou nada de errado aí, você não tem direito de falar alguma coisa. Porque é uma conta básica. 8×4 = 32, não é 36. Até nisso eles erraram”. 

Bereia checou no texto da PEC que a descrição das horas consta da seguinte forma: “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e trinta e seis horas semanais, com jornada de trabalho de quatro dias por semana, facultada a compensação de horários e a redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho“. Portanto, o deputado não levou em consideração que segundo a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) o trabalhador pode fazer horas extras ao longo da semana que não contam no limite das oito horas diárias propostas. Entretanto, o total semanal, segundo a proposta de Erika Hilton, não pode superar 36 horas semanais. 

Corte de vídeo crítico do deputado Pastor Marco Feliciano repercute

O deputado federal Pastor Marco Feliciano (PL-SP) também se posicionou contra a proposta e  publicou um corte de vídeo em que afirma que a  proposta é uma “excrescência”. Ele afirma que o trabalho dignifica o homem e  que “em democracias sérias como nos Estados Unidos, todas as pessoas trabalham até a exaustão para verem a prosperidade, a riqueza e tudo o mais”. O corte que viralizou nas redes, é parte de transmissão realizada pela TV Câmara de reunião da Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial, realizada no dia 5 de junho de 2024, com o trecho da participação de Feliciano.

Imagem: reprodução/YouTube

Bereia checou que o político da extrema direita, entretanto, deixou de lado o fato da remuneração média do trabalhador norte-americano ser superior a do brasileiro. De acordo com relatório publicado em julho de 2024 pelo Bureau of Labor Statistics dos EUA, os trabalhadores assalariados em tempo integral no país tiveram um ganho médio semanal de US$ 1,165 no segundo trimestre de 2024. Isso equivale, em média, a pouco mais de 60 mil dólares anuais per capita, o que equivale a aproximadamente US$ 5,000 de salário médio mensal. 

Além disso, entre os países do G20, o Brasil aparece em 11º lugar com a média de 39 horas semanais, uma hora a mais que os EUA, que está em nono lugar na lista com a média de 38 horas por semana.

O uso da Bíblia para propagar enganos contra a redução da jornada de trabalho 

Alguns líderes evangélicos têm citado a Bíblia para justificar e defender a escala 6×1. Entre eles está o pastor sênior da Igreja Cristã da Aliança em Niterói (RJ) Renato Vargens,  que publicou em seu perfil do X o texto de Êxodo 34:21, Seis dias trabalharás, mas no sétimo dia descansarás, em tom crítico à proposta da PEC. 

Imagem: reprodução/X

Segundo o jornal O Povo, o deputado estadual Alcides Fernandes (PL-CE), que é pastor evangélico, também fez alusão à bíblia durante o plenário da Assembleia Legislativa do Ceará, no último dia 14 de novembro. “Deus fez o homem, ele trabalha e no sétimo dia ele descansa. O homem não é de ferro, ele trabalha os seis dias e no sétimo ele descansa”. 

Bereia ouviu teólogos especialistas em Bíblia para checar se tais referências críticas à PEC da redução da jornada de trabalho estão corretas. 

De acordo com o teólogo e doutor em Exegese Bíblica Ricardo Lengruber, o texto de Gênesis 1 não é uma base para as relações de trabalho contemporâneas. “Atualmente, quem é contra a PEC para abolição da escala 6×1 tem usado o argumento bíblico ou pretensamente bíblico, para dizer que o próprio Deus foi quem ordenou essa escala de seis dias de trabalho e um de descanso. Na verdade, o que acontece é o seguinte, o texto de Gênesis não é um texto muito antigo, foi escrito durante o exílio de Israel na Babilônia entre os anos 587 e 537 antes de Cristo. Os babilônios subjugaram diversos povos à sua dominação e uma das características dessa opressão era exatamente o trabalho continuado, uma forma de escravidão”, esclarece Lengruber. 

“As pessoas trabalhavam 28 dias e havia apenas um descanso, toda vez que a lua cheia aparecia no céu, em homenagem à divindade representada pela lua adorada pelos babilônios. Por isso, quando o texto bíblico, escrito por pessoas subjugadas pelos babilônicos, diz “Deus criou o mundo em seis dias e descansou no sétimo”, é uma afirmação revolucionária. Eu não vou descansar apenas a cada 28 dias, vou descansar a cada seis dias. Perceba que o texto está na verdade outorgando um direito que esses trabalhadores escravizados pela Babilônia não tinham. É quase uma afirmação do direito à greve”, analisa o teólogo.

 Ricardo Lengruber explica ainda que “a teologia do Sétimo Dia, do shabbat, tem essa potência: eu não vivo para trabalhar, eu trabalho para viver. Hoje, vivemos num tempo em que aquela escravidão babilônica não existe mais, ou talvez exista, já que um trabalhador, infelizmente mais vulnerabilizado, só tem um descanso, por semana, às vezes um final de semana por mês, está completamente igual aquele israelita que era vítima do império babilônico”, lamenta o professor. 

Para Lengruber fazer uso do texto bíblico para defender a escala 6×1 é uma “verdadeira manipulação, completamente indevida e teologicamente insustentável”. Ele indica que, “na verdade, o texto bíblico é pela preservação do direito das pessoas. Produzimos muita riqueza, infelizmente muita riqueza que tá acumulada na mão de pouca gente. A ideia é distribuir essa riqueza e a lógica do sábado, essa teologia que incorpora o descanso e a Bíblia inaugura sua primeira página dizendo isso: Deus descansou no sétimo dia”.

O doutor em  Ciências da Religião, professor da Universidade Metodista de São Paulo Pablo Marcelo Carneiro, por sua vez, ressalta que o texto bíblico em questão é constitutivo de uma sociedade rural e não uma sociedade urbanizada e industrializada como a brasileira. “Em uma sociedade rural, em que você todo dia tem que cuidar de animais, plantações, ficar um dia parado já é muito. Ou seja, a necessidade de trabalho era cotidiana, mas era um trabalho para produção própria, para sobrevivência, para subsistência, dentro de um ambiente em que não havia uma pressão, ansiedade por conta da produtividade, de tensões de relacionamento”. 

Carneiro acredita, ainda, ser desonesto usar o texto bíblico para justificar a defesa da jornada 6×1 de trabalho. “A Bíblia está em outro tempo, em outra situação, outra realidade”. 

Outros posicionamentos contrários de políticos e veículos de mídia 

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ironizou a PEC apresentada por Erika Hilton:  “Que tal R$10 mil de salário?”, em reunião na sede do Partido Liberal, em 13 de novembro. No entanto, o ex-presidente orientou seus correligionários a terem cuidado com as críticas à PEC. Bolsonaro afirmou que os parlamentares não podem “cair na armadilha” de se opor ao tema, que incita a opinião pública. 

Durante o discurso, o ex-presidente disse que a medida traria prejuízos à economia, mas que é necessário ter cautela ao se opor à proposta, definida por ele como “areia movediça”. “Quem está contra a PEC 6×1 está com razão mas está dando um tiro no pé [ao se opor ao assunto]. Quem quiser fazer a coisa certa vai se dar mal. O PT está colocando empregados contra patrões”, declarou. 

Bolsonaro declarou também ao portal Metrópoles que os partidos de esquerda que apoiam a proposta estão “Pegando muita gente desinformada, que está lá na base do mercado de trabalho” e alegou que a PEC quer mudar uma das Cláusulas Pétreas da Constituição. “O que está sendo proposto ali está lá no artigo 7º da Constituição, que é uma cláusula pétrea. Qual a intenção do PT, do PSol, do PCdoB? Como eles estão perdidos, estão desconectados do povo brasileiro, estão querendo voltar à origem. Como?”, disse o ex-presidente. 

Bereia checou que há desinformação na fala do ex-presidente. Além do fato de que as cláusulas pétreas são dispositivos constitucionais que não podem ser alterados, nem mesmo por meio de Emenda Constitucional, o artigo 7º da Constituição não é uma dessas cláusulas, e é, portanto, passível de mudanças.

Veículos de comunicação ligados à extrema direita política divulgaram reportagens em tom alarmista que enganam sobre a Proposta. A Gazeta do Povo publicou, em 11 de novembro, matéria sob o título Erika Hilton diz que fim da escala 6×1 não tem nem estudo de impacto econômico”. A chamada distorce uma declaração da deputada do Psol sobre o fato de a proposta se basear em modelos internacionais, e ainda não ter estudos sobre os impactos econômicos no Brasil.

A Bancada Evangélica na Câmara está dividida sobre o assunto. Oficialmente, a bancada evangélica do Congresso afirma que não vai se posicionar sobre o tema. “Essa questão será tratada no âmbito de cada partido”, afirmou o presidente do bloco Silas Câmara (Republicanos-AM).

Porém,  alguns parlamentares estão empolgados com a possibilidade dos trabalhadores terem mais tempo para ir à igreja e servir nos templos. Um deles é  o deputado federal Marcelo Crivella (Republicanos-RJ). “Não posso falar por todos os evangélicos, mas espero que a PEC 6×1 permita que as pessoas tenham mais tempo para ir à igreja e se dedicar a causas sociais”, diz o bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus. Para Crivella, é possível “compensar a diminuição da jornada dobrando a produtividade, ou seja, conscientizar a todos de que é preciso haver essa compensação”.  

O senador bolsonarista Cleitinho (Republicanos-MG), por sua vez, criticou a jornada de trabalho atual no país, demonstrou apoio à proposta de Hilton e defendeu a necessidade de mudanças que beneficiem os trabalhadores. O político de oposição falou sobre sua experiência pessoal, e ressaltou que a escala 6×1 prejudica a qualidade de vida dos trabalhadores e impede que eles possam aproveitar momentos com suas famílias.

“Eu vi meu pai, que morreu agora neste ano, com 70 anos de idade, fazendo a escala sete por zero. Sempre trabalhou, até não foi seis por um, foi sete por zero. E sabe o que aconteceu? O meu pai, sempre que chegava em casa, já se deitava para dormir, para acordar no outro dia para trabalhar. O meu pai não ia aos jogos de futebol quando eu jogava bola. O meu pai não foi às apresentações que eu fiz quando eu era cantor; nunca ia. O meu pai não parava um dia para ele poder me ensinar a estudar. Sabe por quê? Não fazia, não é porque ele não queria, não. É porque ele não tinha tempo; é porque sempre trabalhou”, relatou o parlamentar em pronunciamento no Senado no último dia 12 de novembro. “Ele ia fazer 70 anos e ia aposentar, aí ele morreu. Meu pai teve que morrer para descansar”.

A Agência de Notícias da Câmara divulgou ainda que diversos deputados alinhados à esquerda e o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) se manifestaram positivamente sobre a proposta de redução da jornada de trabalho, destacando que a carga atual é exaustiva e ultrapassada. Parlamentares do PSOL, PCdoB, e PT defenderam a redução da jornada como forma de proporcionar melhor qualidade de vida e aumentar a produtividade e o emprego. 

Já deputados alinhados à direita, como os do PL e do Podemos, afirmam que a mudança pode trazer impactos negativos para empresas e a economia, e defendem que as negociações de jornada sejam flexíveis e ajustadas entre empregadores e empregados. 

Público reage negativamente às críticas 

Além da repercussão nas mídias digitais, veículos de imprensa e entre membros do legislativo, a mobilização pública cresceu. Seguidores dos deputados Nikolas Ferreira e do Pastor Marcos Feliciano entre outros do mesmo espectro político que têm se posicionado contra a proposta, cobraram seus  representantes para se posicionarem a favor da PEC. “Cara eu sou de direita mas você as vezes parece um mlk de 15 anos sendo deputado, perdeu todo meu apoio, o trabalhador precisa de dignidade”, comentou um dos seguidores do deputado Nikolas Ferreira no vídeo publicado em seu perfil no Instagram. 

Já na conta de Feliciano na mesma rede social, uma publicação de 11 de novembro que não abordava o tema, teve vários comentários que cobravam um posicionamento do pastor a favor da PEC. “Pastor Marcos, você votou contra o fim da escala 6/1? Independente de partidos políticos, este tipo de projeto, teria que ser ouvido pela sociedade e principalmente quem trabalha nesse tipo de escala, como eu por exemplo. Que não dar para ter vida social direito. Para quem defende, é porque certamente não conhece chão de fábrica. Pra quem vai na Câmara no horário que quer e nos dias que quer, assim é fácil né?”, escreveu um dos seguidores do deputado.

Na primeira quinzena de novembro, o número de assinaturas na petição online do Movimento “Vida Além do Trabalho” (VAT) cresceu em dois milhões e o movimento chamou manifestações de rua pelo fim da escala 6×1. No feriado de  15 de novembro passado ocorreram eventos em São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Belo Horizonte.

Imagem: reprodução/Instagram

Imagem: reprodução/Instagram

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Bereia classifica o conteúdo circulante publicado por deputados com identidade cristã e outros políticos e veículos contrários à proposta de redução da jornada de trabalho como enganoso.  Estas publicações desinformam sobre a PEC da escala 6×1 com mentiras e enganos, mensagens alarmistas sem fundamentos teóricos para desqualificar a proposta, e incluem o uso da Bíblia.

A proposta destaca a necessidade de um debate fundamentado, com estudos de impacto econômico e social. É essencial que a discussão permaneça ancorada em dados científicos e não em discursos desinformativos que desviam a atenção dos desafios e das consequências de uma possível mudança.

Referências de checagem:

Petição Pública.

https://peticaopublica.com.br/pview.aspx?pi=BR135067. Acesso em: 18 de nov, 2024.

Projeto de Emenda À Constituição contra a escala 6×1.

https://drive.google.com/file/d/1CxlovCLJljtouKyZnEVB5l_fzLuSS5B6/view?usp=sharing. Acesso em: 18 de nov, 2024.

Carta Capital

https://www.cartacapital.com.br/politica/erika-hilton-afirma-ter-134-assinaturas-para-a-pec-pelo-fim-da-jornada-6×1/. Acesso em: 18 de nov, 2024.

Brasil de Fato

https://www.brasildefato.com.br/2024/11/12/ao-menos-sete-capitais-recebem-atos-pelo-fim-da-escala-6×1-nesta-sexta-15. Acesso em: 18 de nov, 2024.

Folha de São Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2024/11/lideres-evangelicos-se-dividem-sobre-6×1-entre-mais-tempo-para-igreja-e-temor-de-ruina-economica.shtml. Acesso em: 18 de nov, 2024.

Agência Câmara.

https://www.camara.leg.br/noticias/632530-pec-reduz-jornada-semanal-de-trabalho-de-44-para-36-horas. Acesso em: 18 de nov, 2024.

https://www.camara.leg.br/noticias/1110526-proposta-de-reducao-da-jornada-de-trabalho-e-fim-da-escala-6×1-gera-debates-no-plenario-da-camara/ . Acesso em: 18 de nov, 2024.

https://www.camara.leg.br/noticias/1110526-proposta-de-reducao-da-jornada-de-trabalho-e-fim-da-escala-6×1-gera-debates-no-plenario-da-camara/. Acesso em: 18 de nov, 2024.

Metrópoles.

https://www.metropoles.com/colunas/igor-gadelha/bolsonaro-se-pronuncia-sobre-fim-da-jornada-6×1. Acesso em: 18 de nov, 2024.

Estado de Minas.

https://www.em.com.br/politica/2024/11/6989449-bolsonaro-ironiza-pec-contra-escala-6×1-que-tal-rs-10-mil-de-salario.html. Acesso em: 18 de nov, 2024.

Notícias UOL

https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2024/11/13/pec-da-escala-6×1-leia-texto-completo-da-proposta-de-emenda-constitucional.htm . Acesso em: 18 de nov, 2024.

https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2024/11/13/pec-da-escala-6×1-leia-texto-completo-da-proposta-de-emenda-constitucional.htm. Acesso em: 18 de nov, 2024.

https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2024/11/13/propostas-engavetadas-reducao-jornada-de-trabalho-congresso.htm. Acesso em: 18 de nov, 2024.

https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2024/11/12/o-que-e-a-escala-6×1-entenda-o-que-propoe-a-pec-para-reducao-da-jornada.htm – Acesso em: 19 de nov, 2024

Foto de capa: Chevanon Photography/Pexels

Onda de desinformação sobre decisão do STF quanto ao uso da maconha invade redes religiosas

* Matéria atualizada em 03/07/2024 para acréscimo de informações

Políticos da Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional e líderes religiosos usaram as redes sociais para disseminar a falsa informação de que o Supremo Tribunal Federal (STF) havia descriminalizado o uso da maconha. O que motivou as publicações foi a decisão da Corte, na última terça-feira, 25 de junho, pela inconstitucionalidade do Artigo 28, da Lei nº 11.343/2006, conhecida como Lei de Drogas, que criminaliza o porte de maconha para uso pessoal. Por oito votos a três, os ministros decidiram pela descriminalização . 

“A maconha foi legalizada? Não. Ainda continua sendo crime o tráfico da cannabis. No entanto, a maioria formada é para que usuários não sejam mais fichados criminalmente ao serem pegos usando a planta”, explica a deputada federal pelo PSOL/SP Erika Hilton, em seu perfil no X, antigo Twitter

O senador evangélico Flávio Bolsonaro foi um dos que divulgaram falsidades sobre a decisão. Em sua conta, também no X, o político evangélico disse que a corte estava “praticamente liberando o tráfico de drogas. “Hoje o STF descriminalizou a maconha”, afirmou o filho do ex-presidente Jair Bolsonaro. 

Imagem: reprodução de publicação do senador Flávio Bolsonaro em sua conta no X

O senador espírita Eduardo Girão (Novo-CE) foi além. Em seu perfil no X, o político disse que a corte “formou maioria a favor de todas as drogas”. 

Imagem: reprodução de publicação do senador Eduardo Girão em sua conta no X

A deputada federal católica Bia Kicis também fez questão de emitir opinião sobre o assunto. Para ela, o STF desrespeita o Congresso Nacional com essa decisão. Mesmo não tendo registrado no texto da publicação, na imagem que acompanha sua postagem está escrito: “Supremo atropela o Congresso e libera Maconha”, o que não é verdade.  

Imagem: reprodução de publicação da deputada Bia Kicis em sua conta no X

Uma liderança que não se absteve de dar sua opinião foi o pastor presidente da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia. Em  vídeo publicado em seu canal no YouTube  o pastor acusou o STF de legislar e descriminalizar a maconha. “Povo abençoado do Brasil em mais uma invasão de competência do Supremo Tribunal Federal eles legislam e descriminalizam a maconha, algo que não pertence a eles e sim ao poder legislativo, liberando a maconha para uso recreativos. Os traficantes agradecem”, disse o pastor na gravação.

Malafaia publicou o mesmo conteúdo no X  (ex-Twitter), no Instagram e demais redes digitais nas quais tem conta. Além de desinformar sobre o Supremo estar usurpando a competência do Poder Legislativo, o líder cristão mente sobre haver a “liberação da maconha para uso recreativo”.  Tal afirmação não procede, pois o STF determinou que usuários com até 40g da erva não sejam processados criminalmente pelo porte, entretanto, usar maconha continua classificado como comportamento ilícito.

Bereia checou as publicações.

Imagem: reprodução/YouTube

Entenda o caso

Na última terça-feira, 25 de junho, o STF decidiu, por oito votos a três, descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal. Com a decisão, usar   maconha continua classificado como comportamento ilícito – permanece proibido fumar a droga em público, mas as punições definidas contra os usuários passam a ter natureza administrativa, e não criminal. Dessa forma, deixam de valer a possibilidade de registro de reincidência penal e de cumprimento de prestação de serviços comunitários. Também foi determinado um critério para diferenciar usuários de traficantes: para caracterizar o tráfico foi estabelecido porte de 40g ou seis plantas fêmeas,  até que o Congresso Nacional legisle sobre o critério. A quantidade foi definida em 26 de junho. 

“O plenário do STF, por unanimidade, considera que o consumo de drogas ilícitas é uma coisa ruim e que o papel do Estado é combater o consumo, evitar o tráfico e tratar os dependentes”, afirmou o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso ao anunciar o resultado por maioria pela descriminalização. O ministro disse ainda, que o julgamento sobre porte de maconha não foi escolha do Supremo. Ele explicou que se tratou de decisão sobre recurso apresentado à Corte contra a condenação por porte com pouca quantidade e que era necessário estabelecer critérios para diferenciar traficantes e usuários para processos na Justiça. A decisão é válida apenas para a maconha. O porte de outras drogas de consumo pessoal continua sendo crime.

Barroso se refere ao Recurso Extraordinário (RE 635659) movido pela Defensoria Pública de São Paulo, que pede a inconstitucionalidade do art. 28 da Lei 11.343, de 2006. A lei manda punir o porte de maconha e outras drogas proibidas, “para consumo pessoal”, com medidas socioeducativas e prestação de serviços à comunidade. O mesmo vale para quem semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância, também para uso pessoal. 

A Defensoria de São Paulo entrou com o recurso  e questionou a decisão do Colégio Recursal do Juizado Especial Cível de Diadema, em São Paulo, que manteve a condenação de um homem à pena de dois meses de prestação de serviços comunitários pelo crime de porte de drogas para consumo pessoal. O recurso teve por base na proteção do artigo 5º, X,  da Constituição Federal que torna inviolável a intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, visando a decretação da inconstitucionalidade à pena a ele aplicada.

Bereia verifica, portanto, que os ministros do STF não liberaram a maconha, tampouco legalizaram outros entorpecentes, conforme alegou o senador Girão. Inclusive, outras condutas envolvendo a erva, que não o uso pessoal, podem ser configuradas como tráfico. Por exemplo, se uma pessoa for flagrada com maconha, ainda que em quantidade inferior a 40 gramas, e haja elementos de que ela estava vendendo a droga, poderá ser presa e responder pelo crime de tráfico.

De acordo com o pesquisador e assessor do Instituto de estudos da religião (ISER) Erivelto Melchiades, ouvido pelo Bereia, a decisão do STF não deve produzir efeitos imediatos e esperados de desencarceramento nas unidades prisionais, onde se encontram pessoas presas por conta da lei de drogas, porém outros dois efeitos poderão ser notados de imediato. “Pessoas que possuem em seus registros anotações criminais por porte de drogas devem ter seus registros limpos. Isto, de certa forma, tem um impacto significativo, já que grande parte das empresas verifica se há indícios de registros criminais, o que por si só impacta na empregabilidade da população mais vulnerável”, analisa o pesquisador. 

O assessor do ISER também vê um ponto negativo nessa questão. Para ele pode ocorrer uma espécie de “vingança” por parte da força policial, pois ainda que se estabeleceu a quantidade de 40g para definição de quem é usuário, fica a cargo da autoridade definir este critério para a diferenciação. “Como a palavra do policial tem a boa fé (súmula 70, do TJRJ), como se dará a prova da quantidade no momento da abordagem, sabendo-se que existem diversos casos em que houve o flagrante forjado para incriminar usuários? Isto ocorre principalmente nas favelas e periferias! Como será feita a pesagem da droga? Será que a mão do policial não vai pesar mais em determinados territórios, sabendo-se que este roteiro é mais corriqueiro nas regiões periféricas do que nas zonas nobres?”, questiona Melchiades.

Mal-estar com o Congresso

Outra informação que circula nas redes digitais e tem gerado confusão na interpretação das ações do STF é a acusação de que a corte está criando uma lei, legislando, o que é atribuição do Congresso Nacional. Entretanto, a decisão foi de caráter judicial, no contexto de um processo. Os ministros foram provocados a julgar dentro do recurso interposto pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, dentro de suas competências previstas na Constituição. Não aprovaram uma nova lei. 

De acordo com o presidente do STF, a discussão no Tribunal foi sobre o tratamento jurídico a ser dado ao porte de maconha para consumo pessoal e o estabelecimento de um critério para diferenciar traficantes de usuários, pois a Lei de Drogas  não estabeleceu parâmetros. “Não é o Supremo que escolhe decidir essa matéria, os recursos é que chegam aqui. As pessoas são presas e entram com habeas corpus aqui, e o Supremo não tinha como se furtar a essa discussão”, disse.

O presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG), por sua vez, discorda da decisão do STF. Para ele, a decisão invade a competência técnica da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a competência legislativa do Congresso Nacional sobre o tema, além de gerar uma lacuna jurídica no Brasil. 

“Ou seja, a substância entorpecente na mão de quem a tem para fazer o consumo é um insignificante jurídico sem nenhuma consequência a partir dessa decisão do STF. E essa mesma quantidade dessa mesma substância entorpecente na mão de alguém que vai repassar a um terceiro é um crime hediondo de tráfico ilícito de entorpecentes. Há uma discrepância nisso”, avalia Pacheco que é autor da proposta de emenda à Constituição  45/2023, a chamada PEC das drogas, que  insere no art. 5º da Constituição a determinação de que é crime a posse ou porte de qualquer quantidade de droga ou entorpecente “sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”. A PEC foi aprovada no Senado, em 16 de abril de 2024, e tramita na Câmara dos Deputados. 

O deputado evangélico Sóstenes Cavalcante é um dos críticos da decisão do STF e considera o ato uma usurpação das competências do legislativo. 

Em sua conta no X, a deputada federal Erika Hilton discorda de Cavalcante e de Damares Alves. Ela explicou, de forma didática, a decisão do Supremo e as divergências levantadas pela extrema direita. “O STF está legislando no lugar do Congresso? NÃO. Ele cumpriu a sua função de analisar a validade do Art. 28 da Lei de Drogas, e, a maioria dos Ministros entendeu que é inconstitucional. a Lei não definir critérios objetivos para distinguir quem é usuário e quem é traficante, e penalizar os usuários criminalmente”, diz ela e continua. “Ao não definir um critério que leve em conta, por exemplo, a quantidade de maconha, a definição de quem é usuário e traficante fica por conta dos policiais e dos juízes: se é preto, pobre e periférico, então é traficante. Se é rico e branco, é usuário”, ressalta a parlamentar. 

A senadora evangélica Damares Alves também teceu duras críticas ao Supremo. “O STF mais uma vez tensiona com o Congresso Nacional e usurpa do Parlamento a função legislativa. Temas tão sensíveis como a liberação das drogas jamais deveria ser decidido por quem não é representante eleito pelo povo”, lamentou a senadora.  

***

Bereia checou e verificou que o conteúdo publicado nas redes digitais dos políticos religiosos é FALSO. 

Não é verdade que o Supremo Tribunal Federal liberou a maconha, tampouco outras drogas. A decisão da corte é à favor do usuário que deve ser submetido a intervenção na área da saúde, e muitas vezes é encarcerado como se traficante fosse. Entretanto, os ministros deixaram claro em seus votos que  mantêm as bases da lei que determina que o consumo de drogas ilícitas é uma coisa ruim e que o papel do Estado é combater o consumo, evitar o tráfico e tratar os dependentes. 

Mais uma vez os parlamentares identificados como  religiosos  espalham falsidades pela internet e causam confusão e pânico entre os menos avisados que consomem as informações falsas sem checar, pois confiam na palavra de agentes públicos. 

Referências de checagem:

Folha de São Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2024/06/stf-deve-definir-nesta-quarta-26-quantidade-de-maconha-que-diferencia-traficante-de-usuario.shtml – Acesso em: 26 de junho de 2024.

Perfil no X – Deputada Federal Erika Hilton

https://x.com/ErikakHilton/status/1805673224472084687?t=9jQi_RsTKA8vXzXUBI-5VA&s=19 – Acesso em: 26 de junho de 2024.

https://x.com/ErikakHilton/status/1805731028784288076?t=G9BYXtmAByx6jbkOpxt3Jg&s=19 – Acesso em: 26 de junho de 2024.

Aos Fatos

https://www.aosfatos.org/noticias/falso-stf-liberou-maconha-brasil/ – Acesso em: 26 de junho de 2024

Correio Braziliense 

https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2024/06/6885271-decisao-do-stf-sobre-maconha-gera-onda-de-desinformacao-entenda-o-que-muda.html – Acesso em: 26 de junho de 2024

STF

https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/stf-forma-maioria-para-descriminalizar-porte-de-maconha-para-consumo-pessoal/ – Acesso em: 26 de junho de 2024

https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/stf-define-40-gramas-de-maconha-como-criterio-para-diferenciar-usuario-de-traficante/ – Acesso em: 26 de junho de 2024

https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/presidente-do-stf-diz-que-julgamento-sobre-porte-de-maconha-nao-foi-escolha-do-supremo/ – Acesso em: 26 de junho de 2024

https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4034145 – Acesso em: 26 de junho de 2024

Jota

https://www.jota.info/stf/do-supremo/stf-forma-maioria-para-descriminalizar-o-porte-de-maconha-25062024#:~:text=Logo%20no%20come%C3%A7o%20da%20sess%C3%A3o,criminalizado%E2%80%9D%2C%20disse%20o%20ministro – Acesso em: 26 de junho de 2024

Uol

https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2024/06/25/maconha-foi-liberada-entenda-decisao-do-stf-sobre-descriminalizacao.htm – Acesso em: 26 de junho de 2024

Conjur

https://www.conjur.com.br/2024-jun-25/supremo-forma-maioria-para-descriminalizar-porte-da-maconha-para-consumo-proprio/ – Acesso em: 26 de junho de 2024

G1

https://g1.globo.com/politica/noticia/2024/06/26/porte-de-maconha-para-uso-pessoal-entenda-como-ficou-apos-a-conclusao-do-julgamento-no-stf.ghtml – Acesso em: 26 de junho de 2024

Congresso em Foco

https://congressoemfoco.uol.com.br/area/justica/stf-retoma-as-14h-julgamento-sobre-descriminalizacao-do-porte-de-maconha/ – Acesso em: 26 de junho de 2024

Agência Senado

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/03/04/drogas-girao-critica-stf-e-diz-que-barroso-tem-conflito-de-interesse – Acesso em: 26 de junho de 2024

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/04/16/senado-aprova-pec-sobre-drogas-que-segue-para-a-camara – Acesso em: 26 de junho de 2024

Jus Brasil

https://www.jusbrasil.com.br/artigos/re-635659-a-descriminalizacao-do-porte-de-drogas/358561903 – Acesso em: 26 de junho de 2024

Alerj

http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/constfed.nsf/fc6218b1b94b8701032568f50066f926/54a5143aa246be25032565610056c224?OpenDocument#:~:text=X%20%2D%20s%C3%A3o%20inviol%C3%A1veis%20a%20intimidade,Crimes%20contra%20a%20honra%3A%20arts. – Acesso em: 26 de junho de 2024

EBC

https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2024-06/supremo-fixa-40g-de-maconha-para-diferenciar-usuario-de-traficante – Acesso em: 26 de junho de 2024

CNN

https://www.cnnbrasil.com.br/politica/pacheco-stf-senado-maconha/ – Acesso em: 26 de junho de 2024

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Foto de capa: Pixabay