Acusação de antissemitismo é instrumentalizada para blindar o Estado de Israel de críticas

A campanha militar assimétrica travada pelo Estado de Israel contra os grupos políticos armados Hamas e o Hezbollah já levou à morte de mais de 43 mil pessoas, ao longo de um ano. O governo do primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu tem sido acusado, por países, organizações e distintos fóruns internacionais, de promover, de forma deliberada, uma política de morte (necropolítica) e genocídio (ação para eliminação de determinada população). A indignação contra o uso da força perante grandes contingentes de civis já levou, inclusive, a acusações, lideradas pela África do Sul na Corte Internacional de Justiça, com sede em Haia (Holanda), de que Israel promove o genocídio da população palestina.

Mesmo diante de todas estas manifestações críticas apoiadas, inclusive, por cidadãos israelenses, demonstradas nas ruas do país, surge, no entanto, uma reação contrária. A acusação de que tais oposições incorrem em uma expressão de antissemitismo, ódio racial e de perseguição ao povo judeu.

Reprodução: UN NEWS (faixa de Gaza, 2024)

Conflito de décadas 

O conflito entre Israel e a Palestina remonta à década de 1940, quando, na esteira do holocausto, a defesa da criação de um Estado nacional para o povo judeu ganhou força e resultou em uma migração em massa para a região onde estão Israel e Palestina. Em território partilhado com subvenção da Organização das Nações Unidas (ONU), couberam terras a árabes (Palestina) e judeus (Israel).

Logo em seguida à criação do Estado de Israel, em 1948, a Primeira Guerra Árabe-Israelense opôs o novo país às forças de Egito, Síria, Jordânia, Iraque e Líbano. Trata-se de uma primeira demonstração do conflito que se estende até os dias de hoje, motivado pela não aceitação da convivência pacífica entre os diferentes povos em uma mesma região. Já nos anos iniciais do conflito, novas divisões territoriais, promovidas por ocupações israelenses, levaram ao deslocamento forçado de milhares de palestinos – episódio conhecido como Nakba (“catástrofe”) pelos árabes.

Conflitos como a Guerra dos Seis Dias (1967) e a Guerra do Yom Kippur (1973) foram marcos da relação tensa entre Israel e os povos árabes que, na Palestina, vêm sendo confinados a territórios cada vez menores, graças ao desrespeito aos tratados e seguidas invasões territoriais promovidos por Israel desde 1967. 

Em reação ao domínio israelense, a Primeira Intifada (1987-1993) e a Segunda Intifada (2000-2005) foram levantes palestinos contra as invasões. Em ambos os casos, as demandas populares levaram a conflitos violentos entre as duas partes, situação que ocorre até os dias atuais.

A comparação de mapas históricos permite ver como Israel tem avançado sobre territórios destinados à Palestina em 1947. A Organização das Nações Unidas (ONU) tem alertado, ainda hoje, que os assentamentos israelenses sobre os territórios palestinos continuam a avançar.

Mapas mostram avanço da ocupação do Estado de Israel sobre o território destinado à Palestina em resolução da ONU em 1947 – Reprodução: UCCPIN

O mais recente capítulo do conflito teve início em 7 de outubro de 2023, quando o grupo armado palestino Hamas (Movimento de Resistência Islâmica) entrou no território israelense e matou cerca de 1,2 mil pessoas, fez reféns e divulgou imagens de execuções.

Em resposta ao ataque que chocou o mundo, Israel, liderado pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, lançou uma ofensiva bélica contra o Hamas e o território palestino. Apesar do direito de retaliação, as ações militares levadas à cabo por Israel vêm sendo criticadas por serem desproporcionais ao ataque sofrido e atingirem de forma dramática civis inocentes.

Acusações de antissemitismo

As críticas à resposta militar israelense, porém, têm se chocado com acusações de antissemitismo, por parcela de judeus e seus apoiadores, que nem sempre têm o respaldo dos fatos. Nas redes, vozes contrárias às mortes promovidas pelo Estado de Israel são acusadas de estarem baseadas em ódio aos judeus e grupos à esquerda já foram acusados, de forma genérica, de antissemitas. Tais discursos desconsideram que até mesmo judeus manifestam-se nas ruas contra as ações israelenses. Houve um número deles presos, nos Estados Unidos, sob acusação de antissemitismo.

No Brasil, o jornalista Breno Altman, fundador do site Opera Mundi, especializado na cobertura de temas internacionais, foi alvo de ataques e ameaças de grupos pró-Israel ainda em outubro de 2023. Altman, que é judeu, publica conteúdos críticos à postura de Israel e ao sionismo (movimento político-religioso, de várias correntes, que defende o direito à autodeterminação da totalidade do povo judeu sobre o território considerado judaico).

Em outubro de 2023, pouco tempo após os ataques do Hamas a Israel, o Opera Mundi revelou o recebimento de mensagens no WhatsApp que sugeriam “arrancar os dentes da boca desse fdp e cortar os dedos fora para parar de escrever e falar merda”. De acordo com o site, algumas publicações nas redes digitais comparavam Altman a um “kapo” – os judeus que atuavam como agentes nazistas em campos de concentração, durante a Segunda Guerra Mundial.

Os ataques também atingiram outro judeu crítico da política israelense, o doutor em História Social, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Michel Gherman que, ao contrário de Altman, é um sionista da corrente que defende o direito a um Estado Palestino. Em palestra na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), em outubro de 2023, o professor, que também é pesquisador do Centro de Estudos do Antissemitismo da Universidade de Jerusalém, foi acusado de praticá-lo.

Em vídeo publicado em seu canal no YouTube, Gherman avalia: “A capacidade que essas pessoas têm de não escutar o que eu digo e produzir, sobre mim, acusações mentirosas é cruel. Eu estudo antissemitismo, sou vítima de antissemitismo. E fui chamado, por essas pessoas, de um judeu antissemita. Isso é cruel.”

As acusações de ódio ao povo judeu também recaíram sobre o presidente da República Luis Inácio Lula da Silva (PT). Em evento público, em 23 de fevereiro de 2024, Lula criticou as ações militares levadas a cabo por ordens de Netanyahu e afirmou que “o que o governo de Israel está fazendo não é guerra, é genocídio, porque está matando mulheres e crianças (…) se isso não é genocídio, eu não sei o que é genocídio”.

A crítica, feita à condução das práticas militares, foi interpretada por apoiadores de Israel como “antissemitismo explícito”. No X/Twitter, o senador Sérgio Moro (União-PR) publicou: “Nenhuma palavra sobre os reféns de Israel, nem sobre a invasão da Ucrânia, nem sobre a ditadura venezuelana. Antissemitismo explícito. Quem quiser que acredite no “democrata”.

Na sequência dos ataques de 7 de outubro de 2023, porém, Lula havia dito, por meio de seu perfil no X/Twitter, que ficou “chocado com os ataques terroristas realizados hoje contra civis em Israel, que causaram numerosas vítimas. Ao expressar minhas condolências aos familiares das vítimas, reafirmo meu repúdio ao terrorismo em qualquer de suas formas”.

Criminalização de críticas como estratégia

Conforme apontado por Bereia, em matéria publicada em maio de 2024, as alegações de antissemitismo são uma estratégia discursiva de grupos conservadores teologica e politicamente e de apoiadores do governo de Israel para impedir críticas. A checagem classificou como enganosa publicações que declararam protestos estudantis contra o massacre de palestinos, nos Estados Unidos, realizados meses atrás,  como antissemitas.

Como exemplo disto, a doutora em sociologia e professora da Universidade de Brasília (UnB) Berenice Bento cita a ação judicial da Confederação Israelita do Brasil (Conib) contra Breno Altman. “É um dos muitos exemplos dessa grave ofensiva. Israel passou a tomar para si a totalidade da representação judaica e, ao fazê-lo, busca igualar todas as críticas às suas políticas coloniais e genocidas em expressão do antissemitismo”.

Antissemitismo é a intolerância contra judeus, por características étnicas e religiosas que os constituem como povo. É fato que ataques antissemitas foram registrados na Europa e fora do continente após as ações bélicas de Israel na Faixa de Gaza, em 7 de outubro de 2023. Países como França, Áustria e Reino Unido anunciaram aumento considerável de ataques contra judeus nos meses seguintes ao conflito. 

No entanto, críticas e manifestações contra decisões políticas do Estado de Israel e ações bélicas abusivas praticadas por ele são direitos civis garantidos, como liberdade de expressão. Entre outras situações, o verbete do Dicionário de Política cita explicitamente a “oposição à política israelense ou ao movimento sionista” como uma das situações que não podem ser consideradas como antissemitas.

Em entrevista ao Bereia, o professor de Teologia e doutorando em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP) Wallace Góis reconhece que o próprio governo israelense em defesa de suas ações adota o discurso de “antissemitismo”, pelo mesmo motivo que a extrema direta anuncia uma “ameaça comunista”, como uma propagação de pânico.  

Ações de ONG sionista conservadora e campanhas diversas pro-Estado de Israel

Grupos sionistas e organizações pró-Israel atuam intensivamente nas mídias sociais, quer para impedir críticas, quer para promover uma boa imagem do governo israelense. Dentre essas organizações, uma das mais ativas é a organização internacional de promoção do Estado de Israel “Stand with Us”. A ONG se define como “uma instituição educacional sobre Israel sem fins lucrativos” que declara “ensinar pessoas de todas as idades sobre Israel e a combater o extremismo e o antissemitismo”.

Com sede em Los Angeles, a organização tem dezoito escritórios nos Estados Unidos, além de bases no Canadá, em Israel, no Reino Unido e, desde 2018, no Brasil. A instituição conta também com o Centro de Educação, emblemático, no coração de Jerusalém e hospeda programas na América Latina, África do Sul, China, Europa e Austrália.

As mídias sociais são espaço privilegiado para conteúdo promotor de apoio às políticas do Estado de Israel como sinônimos de simpatia com o povo judeu. Isto é reforçado pela apropriação de símbolos religiosos – uma tendência judaizante de parte dos evangélicos (o fenômeno denominado em pesquisas acadêmicas como “Sionismo Cristão”).

Há grupos evangélicos no Tik&Tok, no Telegram e no Facebook, programas de viagens para Israel , notícias de campanhas de oração, mobilizações diversas, combate ao que é classificado como terrorismo islâmico com base religiosa e campanhas comunicacionais. Na pesquisa do Bereia foram identificadas 854 hashtags, como, por exemplo, “#oremporisrael”, e o incentivo ao uso da bandeira israelense nos perfis das mídias sociais.

Bereia coletou, ao longo de um ano, 2.789 postagens diferentes, similares aos links já relatados a favor das ações bélicas contra a Palestina e pró-Israel. Nesta busca também foram encontrados conteúdos pró-Estado de Israel em mídias alinhadas à extrema direita, como a Gazeta do Povo e o portal Brasil Paralelo, o que referenda a tese de suporte e articulação de grupos ultraconservadores com o governo Netanyahu.

Em todos esses casos, há um apagamento da situação desumanizada em que se encontra a população palestina, especialmente a cristã, que é invisibilizada, para se fazer crer que palestinos são islâmicos violentos.

Uso do imaginário judaico pela direita fundamentalista brasileira

A negação das críticas à política de morte do Estado de Israel, com atribuição de “antissemitismo”, pode ser explicada por dois elementos: desconhecimento do processo de reconstituição do Estado de Israel, em 1948, e dos conflitos políticos em torno dele, e o fator ideológico-político do alinhamento ao sionismo conservador. 

O movimento sionista, denominado por inspiração do Monte Sião, em Jerusalém – a representatividade bíblica da terra prometida ao povo hebreu – surgiu ainda no fim do século 19. Uma das correntes ideológicas do movimento defendeu a criação de um Estado judaico na antiga Terra de Israel.

O Estado de Israel foi criado em 1948, por intermédio da Organização das Nações Unidas, após a aprovação da Resolução 181/1947. O documento sugeriu a divisão da Palestina em um Estado Árabe e um Estado Judeu. Os sionistas garantiram 55% do território palestino para 600 mil imigrantes judeus, enquanto os outros 45% foram destinados a 1,2 milhões de palestinos, por uma campanha que envolveu compra de terras e imigração ilegal fortalecida pela ideia de reparação da culpa pelo Holocausto.

O Reino Unido foi um facilitador na imigração judaica para a Palestina, por ter exercido controle sobre a região depois da Primeira Guerra Mundial. A enciclopédia Britannica indica que entre os anos finais do século 19 e os iniciais do século 20, a região vivia um “renascimento árabe geral”. Em 1914, a população da Palestina era de 690 mil habitantes, destes 535 mil eram muçulmanos, 70 mil cristãos, a maioria árabes e 85 mil judeus.

Quanto ao alinhamento ideológico, o professor Michel Gherman aponta, no artigo O Judeu imaginário no Bolsonarismo: Um Caso de Conversão e Desconversão e seus oponentes, publicado na plataforma Religião e Poder, do Instituto de Estudos da Religião (ISER), a importância das articulações de grupos conservadores com setores religiosos para o fortalecimento de pautas da extrema direita brasileira, e afirma: “A recuperação do vínculo com os judeus brasileiros é, na perspectiva dessa direita, um dos elementos determinadores de uma nova brasilidade, religiosa e conservadora; judaica e cristã”.

No texto, o historiador também apresenta o conceito de Judeu Imaginário. Segundo ele, seria a visão de Israel como um país branco, armado, capitalista e cristão. “A barreira necessária contra a invasão da esquerda, dos comunistas, da ‘ditadura gay’ ”, pontua Gherman.

Imagem: reprodução/X

O cientista social, mestre e doutorando em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC) Matheus Alexandre, em artigo para o jornal Le Monde Diplomatique Brasil, ressalta que “o Estado de Israel imaginado por essa direita evangélica é uma reconstrução imaginária do antigo Reino de Judá e, portanto, incongruente com o que, de fato, é Israel hoje”.

Alexandre destaca ainda que, especificamente após a liderança de Benjamin Netanyahu, a direita conservadora, principalmente a cristã com raízes pentecostais, se tornou apoiadora do Estado de Israel.

Em seu texto, o cientista social critica, sobretudo, a simplificação de temas complexos e polarizados, como a guerra entre Israel e o Hamas – Movimento de Resistência Islâmica -, no ambiente virtual, sem que haja espaço para a compreensão de nuances e diferentes posições que sejam capazes de considerar as vidas humanas em ambos os lados.

Política militar do governo de Israel

No início da resposta aos ataques de 7 de outubro, um dos principais objetivos de Netanyahu era a morte de líderes do Hamas. Após a execução do mentor dos ataques, no entanto, o primeiro-ministro reforçou que iria “continuar com toda a força” os ataques contra o grupo que é considerado terrorista por Israel,  União Europeia e mais três paises.

Desde outubro do ano passado, Israel matou aproximadamente 43,6 mil pessoas na região palestina da Faixa de Gaza. De acordo com um relatório produzido pelo Escritório de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), quase 70% das vítimas são mulheres e crianças, o que indica um desrespeito sistemático aos princípios do Direito Humanitário Internacional. O relatório aponta, ainda, que 80% das mortes ocorreram em edifícios residenciais, hospitais e habitações semelhantes.

Mesmo em situações de guerra declarada, em que a violência é parte da realidade local, há regras a serem seguidas, para a proteção de civis. Porém, as ações militares perpetradas pelo Estado de Israel têm explicitado o desrespeito a tais regras.

Sem ter alcançado o resgate de todos reféns israelenses, a política de guerra contra a Palestina implementada por Netanyahu passou a ser, cada vez mais, parte de um cálculo que também tem como objetivo determinar o próprio futuro político e jurídico do primeiro-ministro.

Exemplo disso é a demissão, no último 5 de novembro, do ministro da Defesa Yoav Gallant, que passou a ser alvo de desconfiança por parte do chanceler israelense. Conforme informou a rede Al Jazeera, Benjamin Netanyahu, anunciou a decisão acompanhada da declaração de que desentendimentos entre o primeiro-ministro e o agora ex-ministro da Defesa foram conhecidos pelos inimigos e interferiram na gestão da ação bélica.

A notícia também traz à luz as divergências entre os objetivos de Netanyahu, de eliminar o grupo Hamas, e Gallant. No mesmo dia, o ex-ministro da Defesa declarou, em seu perfil no X, que a sua prioridade foi “a segurança do Estado de Israel”. Gallant já havia criticado a condução das ações militares e outros posicionamentos do primeiro-ministro israelense.

Necropolítica do Estado de Israel

A necropolítica pode ser entendida como o “uso do poder político e social, especialmente por parte do Estado, de forma a determinar quem pode permanecer vivo ou deve morrer”. A definição é da Academia Brasileira de Letras (ABL), baseada nas formulações do intelectual camaronês Achille Mbembe. A ABL ressalta que esta determinação de vida ou morte pelo Estado pode ser feita por ação, ou omissão.

No caso em questão, as ações militares que levaram à quase completa destruição da Faixa da Gaza – antes local de residência de cerca de 2,2 milhões de pessoas – podem ser creditadas à ação do Estado de Israel. Mesmo diante de seguidos apelos da comunidade internacional por tréguas na matança de civis implementada em nome da destruição do Hamas, as decisões do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu apontaram, ao longo de mais de um ano, sempre na direção de mais violência.

O próprio Mbembe, no ensaio “Necropolítica”, em que explica as manifestações desta forma de exercer o poder, usa o exemplo da relação Israel-Palestina para explicitar o fenômeno. “A forma mais bem sucedida de necropoder é a ocupação colonial contemporânea da Palestina”, afirma. Em outro trecho, o autor diz que “a ocupação colonial contemporânea [da Palestina] é uma concatenação de vários poderes: disciplinar, biopolítico e necropolítico. A combinação dos três possibilita ao poder colonial dominação absoluta sobre os habitantes do território ocupado”.

No entanto, embora a destruição da Faixa de Gaza – que teve mais de 128 mil edifícios destruídos, entre residências  escolas, universidades e hospitais – e a morte de inocentes sejam noticiadas rotineiramente pela imprensa internacional, o olhar crítico sobre a postura de Israel continua a ser deliberadamente confundido com antissemitismo.

Ataques a templos religiosos também fazem vítimas cristãs 

No início da ação bélica de Israel, em outubro de 2023, 18 pessoas de uma comunidade cristã, abrigadas em um edifício da Igreja Ortodoxa Grega de São Porfírio, no norte da Faixa de Gaza, morreram após um ataque aéreo israelense. Durante o bombardeio de Gaza, hospitais evangélicos e escolas cristãs também foram atingidas.

Imagem: Igreja cristã ortodoxa de Gaza, atingida pelos bombardeios israelitas

Organizações cristãs internacionais como o Conselho Mundial de Igrejas (CMI) e o Vaticano têm se pronunciado contra o estado israelense. Além de denunciar publicamente, o CMI  produziu uma declaração conjunta (de protestantes, católicos e ortodoxos) condenando a escalada de violência por parte de Israel no Oriente Médio, atingindo igrejas, escolas e hospitais religiosos, bem como civis indiscriminadamente. O Vaticano também denunciou a destruição de santuários, escolas e unidades de saúde

No Brasil, 27 igrejas, organizações cristãs e  271 assinaturas lideranças de diferentes igrejas cristãs também se pronunciaram em condenação à ação militar israelense. O Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC), também “rompeu o silêncio” denunciando a “guerra, que já ceifou a vida de 17 mil crianças, além de médicos, profissionais da ONU, estudantes e mulheres”.

Após um ano do início do atual conflito, os ataques bélicos de Israel se estenderam a um país vizinho, o Líbano. Segundo a Cruz Vermelha, um bombardeio matou 21 pessoas em uma vila de maioria cristã no norte do Líbano, em outubro desse ano, o setor cristão de Beirute também foi bombardeado. A Cruz Vermelha também enviou reforços para a equipe libanesa e emitiu comunicados sobre o Direito Humanitário Internacional, que vem sendo desrespeitado. Além da crise recente, no Líbano, desde maio de 2024, as organizações internacionais vêm denunciando as violações de direitos humanos ocorridas na faixa de Gaza

Em 21 de novembro de 2024, após aceitar denúncias de crimes de guerra, o Tribunal Penal Internacional (TPI),  de Haia (Holanda) emitiu mandado de prisão contra o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e o seu antigo ministro da Defesa, Yoav Gallant. Também foram condenados, no mesmo tribunal, os comandantes do Hamas – Mohamed Deif, Ismail Haniyeh e Yahya Sinwar. O TPI decidiu que “cada um tem responsabilidade criminal como superiores civis pelo crime de guerra de dirigir intencionalmente um ataque contra uma população civil”. O estado israelense não reconhece nem a sentença, nem a jurisdição do tribunal. 

Benjamin Netanyahu se pronunciou e argumentou que a decisão do TPI é antissemita. O chanceler israelense comparou a condenação ao caso emblemático do judeu e capitão do exército francês Alfred Dreyfus, vítima de uma falsa acusação e um julgamento injusto em 1894. Para corroborar sua versão, Netanyahu responsabiliza “um juiz francês” ao correlacionar à história do século 19. Em sua defesa, o primeiro-ministro diz fazer de tudo para evitar mortes de civis e defende uma “guerra justa” contra o Hamas. A realidade pelas telas de TV, computadores e smartphones mostra outra postura.

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Bereia alerta leitores e leitoras para o engano de se classificar como “antissemitismo” manifestações críticas ao massacre da população palestina imposto pela ação bélica de Israel no Oriente Médio.

É preciso repudiar sempre preconceito, discriminação e ódio contra judeus, a cultura e a religião judaicas, o que, de fato, consiste em antissemitismo. Porém, é preciso garantir o direito à crítica respeitosa, justa e construtiva a qualquer injustiça cometida da parte de qualquer pessoa, grupo, autoridade, governo, ancorada em dados da realidade que a estimulam. 

Referências:

TikTok.

https://www.tiktok.com/@historiascretasdabiblia/video/7288348707668446470?is_from_webapp=1&sender_device=pc&web_id=7438967406414562871 Acesso em: 25 nov 2024.

https://www.tiktok.com/@js_jesus7/video/7289065431971974406?is_from_webapp=1&sender_device=pc&web_id=7438967406414562871 Acesso em: 25 nov 2024.

https://www.tiktok.com/@tododiacomdeus/video/7294756466664262918?is_from_webapp=1&sender_device=pc&web_id=7438967406414562871 Acesso em: 25 nov 2024.

https://www.tiktok.com/@israelemportuguess/video/7283480925223144705?is_from_webapp=1&sender_device=pc&web_id=7438967406414562871 Acesso em: 25 nov 2024.

https://www.tiktok.com/@_lugarsecreto/video/7287290314434284805?is_from_webapp=1&sender_device=pc&web_id=7438967406414562871 Acesso em: 25 nov 2024.

https://www.tiktok.com/@ildineicostaoficial/video/7419800094263774469?is_from_webapp=1&sender_device=pc&web_id=7438967406414562871 Acesso em: 25 nov 2024.

Instituto Brasileiro de Direito e Religião. https://www.ibdr.org.br/publicacoes/2023/10/8/nota-de-repdio-aos-ataques-terroristas-do-hamas-ibdr-e-unigrejas Acesso em: 25 nov 2024.

Gazeta do Povo. https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/guilherme-de-carvalho/preconceito-esquerda-evangelicos-israel Acesso em: 25 nov 2024.

Coalizão pelo Evangelho. https://coalizaopeloevangelho.org/article/chamado-a-oracao-por-israel-e-pela-paz-no-oriente-medio/ Acesso em: 25 nov 2024.

Religião e Poder. https://religiaoepoder.org.br/artigo/sionismo-cristao/ Acesso em: 25 nov 2024.

BBC.

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Enciclopédia do Holocausto. https://encyclopedia.ushmm.org/content/pt-br/article/introduction-to-the-holocaust Acesso em: 25 nov 2024.

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X. https://twitter.com/michel_gherman/status/1860696385311392126?t=lmgEHaCnTqHhCstGn2LWKg&s=19 Acesso em: 25 nov 2024.

USP. https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/2938561/mod_resource/content/1/BOBBIO. Dicion%C3%A1rio de pol%C3%ADtica..pdf Acesso em: 25 nov 2024.

Foto de capa: Free Malasya Today

Organização católica emite crítica a parceria da Rede Canção Nova com produtora extremista Brasil Paralelo

A parceria entre dois significativos veículos de comunicação e das mídias sociais, com forte segmentação religiosa, a Rede Canção Nova (internet, rádio e TV) e a produtora Brasil Paralelo (internet e stream media) repercutiu negativamente.  Neste 10 de setembro, foi divulgada uma nota pública do Observatório da Comunicação Religiosa no Brasil (OCR), ligado à Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB) e à Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP), a serviço da Comissão Episcopal de Pastoral para a Comunicação Social da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

A nota do OCR viralizou em várias mídias sociais. Bereia verificou a procedência da nota que circula amplamente em grupos de WhatsApp, e diz o seguinte:

“O Observatório da Comunicação Religiosa (OCR), iniciativa da Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB Nacional) e da Comissão de Justiça e Paz (CBJP) a serviço da CNBB (§ 345, Capítulo X do Diretório de Comunicação da Igreja no Brasil, 2023), tomou conhecimento em julho da parceria entre a TV Canção Nova (Estúdio Anuncia-me) e a empresa Brasil Paralelo.

Esta nova informação apenas confirma o que a própria empresa Brasil Paralelo já havia divulgado, em fevereiro de 2022, quando listou a Canção Nova entre os meios de comunicação que veiculavam seus conteúdos.

Considerando que a TV Canção Nova é um importante e poderoso meio de comunicação que integra o Sistema Canção Nova de Comunicação e se apresenta como parte da Comunidade Católica Brasileira; e

Considerando que a empresa Brasil Paralelo notoriamente se alinha com o pensamento de extrema direita; divulga teorias conspiratórias que já foram contestadas, dentre outros, pela Associação Nacional de História; e divulga, reiteradamente, notícias falsas identificadas e denunciadas por agencias de checagem idôneas e pelo próprio TSE;

O OCR julga de seu dever chamar a atenção da própria Canção Nova e das autoridades eclesiásticas para os graves riscos que esta parceria com a empresa Brasil Paralelo representa para o cumprimento das Diretrizes da Igreja Católica, o alinhamento com o ensinamento do Papa Francisco e a fidelidade ao Evangelho de Jesus Cristo”.

Risco às Diretrizes Católicas

Bereia ouviu a Coordenação do Observatório da Comunicação Religiosa (OCR), que confirmou a publicação da Nota Pública em agosto deste ano.

A Coordenação explicou  que , “o Observatório não é um órgão da CNBB, mas uma iniciativa da Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB) e da Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP), a serviço da CNBB e da sociedade”. Um dos objetivos do OCR é “contribuir para qualificar sempre mais a comunicação da Igreja Católica do país, orientado pelas Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora e pelo Diretório de Comunicação da Igreja no Brasil”.

Bereia ouviu que o OCR “tomou conhecimento da parceria entre a TV Canção Nova (Estúdio Anuncia-me) e a empresa Brasil Paralelo, durante evento realizado em 14 de julho de 2024”, o que causou preocupação. Segundo a Coordenação do Observatório  “a nota publicada evita posicionamento ideológico. É uma nota factual”.

O anúncio de inauguração do Projeto Anuncia-me, feito pelos líderes da Canção Nova  no evento que teve a presença de mais de 10 mil pessoas, mostrou em dois momentos a lista de parceiros do canal católico, na qual aparece o nome do Brasil Paralelo.

Outras publicações foram registradas pelo OCR, como por exemplo, uma no X, que agora não é mais possível visualizar no Brasil, e em matéria publicada pelo site do Brasil Paralelo, em 25 de fevereiro de 2022, com o título “Conteúdo da BP gratuito em TVs e Rádios” e intertítulo: “Veja quais são os canais que transmitem conteúdo da Brasil Paralelo gratuitamente”. A TV Canção Nova está na lista apresentada pela matéria.

A nota pública emitida pelo OCR foi publicada no website da organização

A nota cita o Diretório de Comunicação da Igreja para explicar que as instituições católicas não podem divergir das orientações episcopais e pontifícias. Isto porque o OCR avalia que “notoriamente [a Brasil Paralelo] se alinha com o pensamento de extrema direita; divulga teorias conspiratórias que já foram contestadas, dentre outros, pela Associação Nacional de História; e divulga, reiteradamente, notícias falsas identificadas e denunciadas por agencias de checagem idôneas e pelo próprio TSE [Tribunal Superior Eleitoral]”.

A produtora Brasil Paralelo tem se destacado no segmento religioso, conseguindo forte penetração em espaços no meio evangélico. A parceria com a Rede Canção Nova faz parte de um crescimento em direção a outro grupo cristão,  o católico. Porém, ao contrário da fragmentação característica ao meio evangélico, as instituições ligadas à Igreja Católica Romana têm subordinação hierárquica e orientação doutrinária centralizada, bem como interrelacionamentos e diretivas.

O OCR, conforme consta em seu site, “é uma iniciativa da Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB) e da Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP), a serviço da Comissão Episcopal de Pastoral para a Comunicação Social da CNBB. É inspirado pelo valor da comunicação como serviço de uma autêntica cultura do encontro; quer contribuir para qualificar sempre mais a comunicação da Igreja Católica no País, orientada pelas Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora.

A CNBB  é a instituição permanente que congrega os bispos da Igreja Católica Apostólica Romana no Brasil, na qual exercem conjuntamente algumas funções pastorais em favor dos fiéis (cf. cân. 381, § 2).  Foi fundada em 1952, no Rio de Janeiro, onde teve sua sede até 1977, quando foi transferida para Brasília.

São membros da CNBB, os bispos diocesanos, coadjutores, auxiliares e titulares que exerçam no Brasil um encargo especial confiado pela Sé Apostólica ou pela CNBB. Estão incluídos os   hierarcas das Igrejas Orientais Católicas, com ofícios correspondentes aos de bispos diocesanos (ou os que a eles se equiparam no direito), coadjutores ou auxiliares.  

Sobre a Rede Canção Nova

A Canção Nova é uma rede católica de comunicação (Comunidade Canção Nova) fundada pelo Monsenhor Jonas Abid, em 2 de fevereiro de 1978, com a missão de evangelizar por meio de encontros e pelos meios de comunicação social. depois de ingressar na Renovação Carismática Católica (RCC), Abid, inaugurou, em 1980, a Rádio Canção Nova, em Cachoeira Paulista (SP), e em 1989, criou a TV Canção Nova. A Comunidade Canção Nova tornou-se uma Rede de Comunicação, com TV, Rádio e Editora. Também atua no mercado musical. 

Monsenhor Jonas Abid fundou e tornou-se presidente da Fundação João Paulo II, mantenedora do Sistema Canção Nova de Comunicação e da Rede de Desenvolvimento Social Canção Nova. Oficialmente, a Canção Nova participa da Fraternidade Católica Internacional, órgão ligado ao Pontifício Conselho para Leigos da Santa Sé, em Roma, e tem alguns de seus integrantes como membros do Conselho Nacional da Renovação Carismática Católica no Brasil (RCC).

Sobre a produtora Brasil Paralelo

Sob o CNPJ 25.446.930/0001-02 , a Brasil Paralelo,  em seu próprio website, autonomeia-se uma “empresa de mídia independente” e declara não receber nenhum tipo de financiamento de partidos, políticos, movimentos, leis, entre outros. Declara, também, que sua receita “advém da venda de assinaturas de conteúdo para os membros”, sobre os quais e propagandeia ter mais de 400 mil. O conteúdo publicado é distribuído gratuitamente em seis plataformas de mídias sociais – que servem como degustação para produções veiculadas para assinantes (acesso pago). 

Filipe Valerim, Henrique Viana e Lucas Ferrugem fundaram a Brasil Paralelo em Porto Alegre (RS), em 2016 e a primeira produção, o “Congresso Brasil Paralelo” . A empresa, atualmente, tem sede em São Paulo (SP) e declara ter produzido “mais de 70 documentários que alcançaram milhões de brasileiros”.

A Brasil Paralelo produz documentários, filmes, programas, notícias, cursos e séries que tratam de política, história, filosofia, economia, educação, artes e cultural com produções de alto custo. A empresa diz ter a meta de alcançar um milhão de assinantes.

O conteúdo das produções da Brasil Paralelo, distribuídos também em escolas e universidades, tem sido identificado como propaganda do extremismo de direita. Há estudos que classificam a produtora como revisionista da história passada e contemporânea do Brasil, como a relativização dos efeitos da escravidão e da ditadura militar, e da pauta de direitos e de movimentos sociais, como a desqualificação da Lei Maria da Penha e do Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra.

A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Covid (Requerimento n° 1371, de 2021) incluiu a Brasil Paralelo como parte das investigações – por conta de publicações com conteúdo negacionista. Posteriormente, a empresa solicitou (e conseguiu) a limitação da quebra de sigilo solicitada pela CPI. A empresa também reagiu na Justiça contra veículos que divulgaram seus gastos em publicidade (Youtube, Meta e outras mídias).

O negacionismo também passa pelo tema da crise climática. Após a tragédia ambiental no Rio Grande do Sul, no primeiro semestre de 2024, o ICL Notícias levantou que o vice-prefeito de Porto Alegre Ricardo Gomes atua na produtora Brasil Paralelo, com conteúdo negacionista sobre as mudanças climáticas.

O pesquisador e professor do Instituto de Ciência Política da UnB Luis Felipe Miguel afirma que a alegação de que o faturamento com anunciantes mantém a propaganda e a produção é “contrafação”.

A publicação do balanço (demonstrativo e financeiro) da Brasil Paralelo S/A não foi localizada pelo Bereia, apesar de a legislação obrigar a empresa a fazê-lo, conforme artigo 1º, da Lei 13.818/2019, que alterou o artigo 289 da Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/1976).

A lei prevê que as publicações deverão ser feitas em jornal de grande circulação, editado na localidade da sede da companhia, de forma resumida e com divulgação simultânea da íntegra dos documentos na página do mesmo jornal na internet. Somente com base nessas informações – que também não estavam disponíveis no site da produtora – seria possível dizer que a base de assinantes é a única fonte de renda da organização.

Oposição à Brasil Paralelo

A nota do Observatório da Comunicação Religiosa, da Igreja Católica, crítica à parceria da Rede Canção Nova com a Brasil Paralelo, se une a outras iniciativas que denunciam o prejuízo que o conteúdo disseminado pode oferecer.  Além de trabalhos acadêmicos e de matérias e artigos publicados sobre o tema em veículos da imprensa, neste 2024 foi criado o coletivo Brasil Parasita. Segundo os organizadores, o objetivo é “inverter a lógica [de projetos como o Brasil Paralelo] e, em nosso parasitismo, atuar desgastando e esvaziando desinformações, com educação, ética, ciência, responsabilidade social e uma pitada de bom humor”

Perguntada pelo Bereia se o OCR vê alguma possibilidade de mudança de atitude da Canção Nova, a Coordenação respondeu que “o OCR e as demais organizações fizeram o seu papel de evidenciar uma contradição, porém não se sabe ainda como será a resposta da rede de TV católica”.

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Bereia classifica as publicações que afirmam que a nota da CNBB faz advertência crítica à parceria entre a produtora Brasil Paralelo e o Sistema Canção Nova como informação VERDADEIRA. O OCR cita diretrizes e normas das organizações católicas para que as instituições ligadas à igreja observem a hierarquia e as orientações da Santa Sé, dos bispos e das doutrinas do Catolicismo.

Referências de checagem:

Observatório da Comunicação Religiosa. https://ocr.crbnacional.org.br/nota-publica/ Acesso em 11 set 2024

Threads. https://www.threads.net/@dcm_on_line/post/C_womcjxnsV Acesso em 11 set 2024

Brasil Paralelo.

https://www.brasilparalelo.com.br Acesso em 11 set 2024

https://www.brasilparalelo.com.br/noticias/conteudo-bp-gratuito-tvs-radios?fbclid=IwY2xjawFOvYFleHRuA2FlbQIxMAABHbaT3hoZJvXBbBU_E8hbHi
yhB1inzts9RN4-o_yM28JGwxDwWuoP_-pJ0A_aem_4oLRHin_qr8AojBLTiIARw
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Acesso em 11 set 2024

YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=iyfFvlnBjMs. Acesso em 11 set 2024

ICL. https://iclnoticias.com.br/negacionista-vice-porto-alegre-brasil-paralelo/ Acesso em 11 set 2024.

Canção Nova. https://noticias.cancaonova.com/igreja/cancao-nova-lanca-biografia-oficial-de-seu-fundador-padre-jonas-abib/ Acesso em 11 set 2024

Observatório da Comunicação Religiosa no Brasil. https://ocr.crbnacional.org.br/o-observatorio/. Acesso em 11 set 2024

Senado Federal. https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/148070 Acesso em 11 set 2024

Superior Tribunal Federal. http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código B119-A667-0925-0F8B e senha D62C-580A-69E4-6822 Acesso em 11 set 2024

Piauí. https://piaui.folha.uol.com.br/no-facebook-brasil-paralelo-e-recordista-de-gastos-com-propaganda-politica/ Acesso em 11 set 2024.

Agência Pública. https://apublica.org/2024/05/os-lacos-da-brasil-paralelo-que-nega-crise-climatica-na-vice-prefeitura-de-porto-alegre/ Acesso em 11 set 2024.

The Intercept BR. https://www.intercept.com.br/2024/05/24/como-a-brasil-paralelo-surfou-na-radicalizacao-da-direita/ Acesso em 11 set 2024.

Departamento Interssindical de Assessoria Parlamentar. https://www.diap.org.br/index.php/noticias/artigos/91895-o-que-aprender-com-o-brasil-paralelo Acesso em 11 set 2024

Metrópoles. https://www.metropoles.com/colunas/guilherme-amado/produtora-bolsonarista-usou-rs-9-mi-para-impulsionar-posts-no-facebook Acesso em 11 set 2024

Poder 360. https://www.poder360.com.br/partidos-politicos/brasil-paralelo-gastou-r-411-mil-em-anuncios-politicos-leia-lista/ Acesso em 11 set 2024

Brasil Parasita. https://brasilparasita.com/ Acesso em 11 set 2024

Justiça condena Rede Record e Igreja Universal por fake news contra Manuela D’Ávila

O noticiário nacional destacou, nesta última semana de julho de 2024, que a ex-deputada federal Manuela D’Ávila (PCdoB-RS) venceu uma ação judicial que moveu contra a Rede Record de TV e a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), por conta da divulgação de uma notícia falsa vinculada à sua imagem e nome, no programa “Entrelinhas”, em 2022.

Imagem: reprodução/Estado de São Paulo

Imagem: reprodução/CartaCapital

Em 29 de maio de 2022, o bispo da IURD Renato Cardoso, genro de Edir Macedo e apresentador de programas religiosos na Rede Record, convidou outros pastores para discutir o apoio à campanha de Jair Bolsonaro (PL). Durante o programa, Cardoso alegou que o então candidato à Presidência da República Lula (PT) teria contratado pastores evangélicos para cuidar de sua comunicação. Afirmou, ainda, que a esquerda apoiava um projeto de lei para a “legalização do incesto”, que permitiria que pais e filhos tivessem relacionamentos sexuais legalmente. A informação falsa já circulava em grupos de WhatsApp desde 2019 e foi reiteradamente desmentida por agências de checagem.

Além de vincular a fake news à campanha do candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o programa exibia uma foto de Manuela D’Ávila, como uma das apoiadoras do projeto.

O Bispo Renato Cardoso disse no programa (minuto 00:07:39 a 00:08:06): “Com relação à família, as propostas da esquerda são caóticas e vão desde a criação de um estatuto  com diretrizes tão amplas que permitem inúmeras interpretações, inclusive, segundo especialistas, se aprovado, poderia dar direito de defender arranjos familiares como trisal, que é o casamento entre três pessoas, e até relações incestuosas, entre pais e filhos ou irmãos” (A imagem de Manuela D’Ávila aparece vinculada a este texto, na minutagem 00:07:46 à 00:07:50). No acesso em 24/07/2024, o link do programa no Youtube contava com 25.022 visualizações  (Transmitido ao vivo em 29 de mai. de 2022), com o seguinte texto: “Esquerda contrata pastores para saber como se aproximar dos cristãos e é aconselhada a enganá-los mudando o seu discurso para não espantá-los. Como o eleitor cristão pode evitar essa armadilha?”

Imagem: Reprodução/Youtube

Manuela D’Ávila declara no livro de sua autoria, “Sempre foi sobre nós: Relatos da violência política de gênero no Brasil”: (Editora Rosa dos Tempos, 2022), que as acusações e desinformações contra as mulheres candidatas sempre foram mais violentas do que as acusações a outros candidatos.

Em 2020 disputei minha oitava eleição. Já fui vereadora, deputada federal e estadual, concorri à Vice-Presidência da República numa eleição marcada por um violento esquema de produção e distribuição de desinformação. Desde 2004 sou vítima de ameaças, minha filha já foi agredida fisicamente e, meu marido, hostilizado. Nada, nada, nada se compara ao que vivi em 2020, concorrendo à Prefeitura de Porto Alegre. Líder das pesquisas, me vi vítima de um jogo sórdido, no qual um candidato laranja usava o fato de ter se relacionado comigo na juventude como elemento legitimador de qualquer tipo de mentira e violência. Afinal, qual legitimidade pode ser maior, diante de uma sociedade machista e de um sistema político misógino, do que ter tido uma relação com uma mulher?

Foi chorando, depois do último debate do primeiro turno, que decidi escrever este livro. Primeiro eu queria escrevê-lo sozinha. Depois percebi que éramos muitas que vivíamos a mesma situação. (“Sempre foi sobre nós”, p. 9)

Ataques contra ela, sua família, e sua filha, já haviam ocorrido quando foi candidata a vice, em 2018, na chapa de Fernando Haddad (PT) à Presidência da República. Foram divulgadas à época, também, várias imagens manipuladas e montagens contra da ex-deputada.

Imagem: reprodução/Facebook

Já em 2021, um ano depois de ter sido candidata derrotada à Prefeitura de Porto Alegre, em entrevista ao UOL, a política gaúcha comentou sobre a virulência das fake news e acusações, e afirmou que as mentiras sobre ela  teriam minado sua candidatura. Por conta desta situação, Manuela D’Ávila desistiu de participar de novos processos eleitorais.

Na decisão sobre a ação que a ex-deputada moveu contra a Record/IURD, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) reconhece que ela sofreu danos morais ao ter sua imagem pública prejudicada pelo conteúdo falso propagado. Na decisão, a juíza Tamara Benetti também observou que  não cabe uma suposta defesa da “liberdade de imprensa”, tampouco de “acesso à informação” – “pois o uso da imagem da autora não informa; ao contrário, desinforma.” Pela sentença, Manuela deve ser indenizada em R$ 12,7 mil por danos morais.  O texto da sentença cita diversas agências de checagem para corroborar a decisão, como pode ser lido no trecho reproduzido aqui:

II.2.3 – PL nº 3.369/2015 e Fake News

É inegável que a temática aqui posta é sensível, pois já veiculada como fakenews (diversas vezes desmentida), como indicado pela autora na petição inicial e nãorefutado pela parte contrária.

Seguem links informativos acessados nesta data (15/04/2024,16:55):

https://www.estadao.com.br/estadao-verifica/boato-falso-diz-que-projeto-de-lei-na-camara-quer-legalizar-o-incesto

https://lupa.uol.com.br/jornalismo/2020/08/20/verificamos-casamento-pais-filhos

https://www.boatos.org/politica/manuela-davila-lei-poliamor-casamento-pais-filhos.html

https://noticias.uol.com.br/comprova/ultimas-noticias/2019/08/23/projeto-de-lei-nao-pretende-legalizar-incesto.htm

https://www.e-farsas.com/o-pcdob-quer-legalizar-o-poliamor-e-o-incesto.html

https://lupa.uol.com.br/jornalismo/2024/04/12/e-falso-que-projeto-de-lei-propoe-legalizar-relacoes-sexuais-entre-pais-e-filhos

A disseminação de informações falsas sobre o PL nº 3.369/2015 são recorrentes e já foram alvo de verificações da Lupa.

Em abril de 2023 , por exemplo, circulou nas redesum vídeo de um discurso do ex-deputado federal Aroldo Martins sobre o projeto. Apublicação afirmava que o projeto poderia legalizar o casamento entre pais e filhos. Oque é falso.

Já em junho de 2022,viralizou uma postagem afirmando que a proposta foi apresentada pelo PT, quando, na verdade, o autor é Orlando Silva, do PCdoB-SP.

Em agosto de 2020, um post com uma interpretação enganosa do projeto utilizava uma foto da ex-deputada Manuela D’Ávila (PCdoB-RS) e do deputado Orlando Silva. O boato foi desmentido.

Em agosto de 2019, um outro post com a foto do deputado Túlio Gadelha (então no PDT-PE, hoje, filiado à Rede-PE), ex-relator do projeto, circulou sugerindo que ele seria um “mensageiro do apocalipse” por relatar uma proposta de “Lei do Incesto”, o que é falso.

A IURD e a Rede Record já recorreram da decisão. Porém, até o momento do fechamento desta matéria não houve nota oficial, ou entrevista sobre a decisão judicial.

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Bereia classifica como verdadeira a notícia do ganho de causa de Manuela D’Ávila contra a Rede Record/IURD por propagação de conteúdo falso caluniador, e alerta leitores e leitoras para uso político de discursos a favor da “liberdade de expressão” absoluta e “liberdade de imprensa” para divulgação de material desta natureza. Estas abordagens são enganosas pois liberdade de expressão e de imprensa não significa liberdade de mentir e caluniar.

Bereia também chama a atenção para falsas alegações de perseguição judicial à IURD, dona da Record, já identificadas em comentários sobre este caso em mídias digitais. A decisão judicial foi proferida de acordo com a legislação do país e as igrejas, assim como quaisquer outras instituições do país, devem responder por atos praticados.

Referências de checagem:

UOL, https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2021/03/01/manuela-davila-violencia-politica-de-genero.htm). Acesso em: 23 jul 2024

TERRA, https://www.terra.com.br/amp/noticias/brasil/politica/record-e-universal-sao-condenadas-a-pagar-indenizacao-por-fake-news-contra-manuela-davila,64ac7f06c971757ab8a9d189f5660583vzd8u49c.html / Acesso em: [23 jul 2024

CARTA CAPITAL, https://www.cartacapital.com.br/cartaexpressa/justica-condena-record-e-igreja-universal-por-divulgacao-de-fake-news-contra-manuela-davila/ Acesso em 23 jul 2024

ZERO HORA, https://gauchazh.clicrbs.com.br/colunistas/rosane-de-oliveira/noticia/2024/07/por-fake-news-record-e-igreja-universal-sao-condenadas-a-indenizar-manuela-d-avila-clyxemim1009r0162f2pc1ju6.html – Acesso em 23 jul 2024

MÍDIA NINJA, https://midianinja.org/justica-condena-record-e-igreja-universal-por-fake-news-sobre-manuela-davila/ – Acesso em 23 jul 2024

Instituto “E Se fosse você?”, https://www.esefossevoce.org/ Acesso em 23 jul 2024

Livro “Sempre foi sobre nós”, violência política de gênero contra candidatas (Manuela D’ Ávila e outras autoras), https://www.researchgate.net/publication/376220291_Sempre_foi_sobre_nos_violencia_politica_de_genero_no_Brasil. Acesso em 23 jul 2024

JUSBRASIL, https://www.jusbrasil.com.br/processos/nome/33430259/manuela-pinto-vieira-d-avila  Acesso em 23 jul 2024

Brasil de Fato, https://www.youtube.com/watch?v=vHeh7IGi06s – Acesso em 23 jul 2024

Veja, https://veja.abril.com.br/coluna/me-engana-que-eu-posto/manuela-davila-nao-publicou-que-aborto-evita-criar-filho-de-vagabundo#google_vignette – Acesso em 23 jul 2024

YouTube, https://www.youtube.com/watch?v=CEbwbx7PaRs.  Acesso em 23 jul 2024

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Foto de capa: Flickr Manuela D’Ávila

Prefeita de Canoinhas (SC) destrói livros e mente ao dizer que foram produzidos pelo governo federal

Atualizado às 17h para ajuste de redação.

Em vídeo no Instagram que viralizou, neste 18 de abril,  prefeita de Canoinhas (SC) Juliana Maciel (PL) aparece jogando no lixo livros do programa de educação nas escolas Mundoteca. Ela se referiu às obras como “porcaria” e alegou que não seriam adequadas para crianças e adolescentes, por não respeitarem os “valores” da família.  

Maciel, que se elegeu, pelo PSDB, em 2020, mas migrou para o PL,em 2023, disse: “Mais uma vez o governo do PT faz este tipo de coisa. Não é o que realmente uma criança ou até um adolescente precisa ler numa biblioteca. Então, aqui em Canoinhas, a gente jogou esse tipo de porcaria no lixo”. A prefeita, atualmente, conta com o apoio de PP e PL para concorrer à reeleição. 

Imagem: reprodução do Instagram

Os livros que aparecem no vídeo não fazem parte de programa do governo federal. Um deles, “Aparelho Sexual e Cia – Um guia inusitado para crianças descoladas”, conforme Bereia apurou à época, foi publicado no Brasil pela Companhia das Letras, de autoria dos educadores da Suíça e França, Phillipe Chappuis, com o codinome ZEP e Hélène Bruller, nunca foi comprado pelo Ministério da Educação, nem foi distribuído em escolas. 

A mesma estratégia de associação falsa do livro ao PT foi utilizada nas campanhas presidenciais de 2018 e 2022. A obra publicada pela Companhia é voltada à crianças e jovens de 11 a 15 anos – e não para crianças a partir de 6 anos, como circulou nas mídias sociais e foi reforçado pelo então candidato Jair Bolsonaro em entrevista.

Imagem: reprodução do site da Companhia das Letras

O outro livro que a prefeita de Canoinhas joga no lixo é “As melhores do Analista de Bagé”, da Editora Objetiva, seleção de crônicas do escritor gaúcho Luis Fernando Verissimo ao público juvenil, que também não foi distribuído pelo governo federal. Ambos os livros constam na biblioteca comunitária Mundoteca, mas nunca foram indicados ou emprestados para crianças, segundo dirigentes. O primeiro é indicado para adultos e o segundo para o público juvenil.

Lei Rouanet, alvo constante de desinformação

Juliana Maciel ainda diz no vídeo que a Mundoteca seria “um programa do governo federal e tal, Lei Rouanet, essas coisas”. A Lei Rouanet é frequentemente usada em desinformações, como Bereia já checou várias vezes.   

A forma mais comum de financiar projetos via Lei Rouanet é o incentivo fiscal, prática que articula setor cultural, governo e setor privado”. Para beneficiarem-se de um incentivo fiscal, os projetos culturais devem, primeiramente, ser submetidos à avaliação de um corpo técnico, que verifica se o projeto se enquadra nos requisitos da lei. Uma vez aprovados pela Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (Cnic), órgão que analisa se os projetos que buscam incentivos fiscais estão em conformidade com a lei, os projetos são autorizados a captar recursos junto ao setor privado. As empresas que investem em projetos culturais recebem descontos em impostos devidos ao governo. Quem decide quais projetos apoiar são as próprias empresas.

A Secretaria de Comunicação do governo federal também se pronunciou a respeito da Mundoteca de Canoinhas: 

“Peças de desinformação estão expondo o projeto Mundoteca, da FGM Produções, como sendo uma iniciativa do Governo Federal. Aprovado a captar recursos por meio da Lei de Incentivo Cultural em 2018, o projeto foi executado entre 2019 e 2023. Apesar de acessar uma política pública de incentivo, a Mundoteca não é uma ação do Governo Federal”.

Em nota, a produtora cultural explica como funciona a Mundoteca:

“Além das bibliotecas, oferecemos nas cidades uma formação de mediadores de leitura, palestra para professores e treinamento dos profissionais que serão responsáveis pela gestão do espaço. Em cada unidade, é previsto em contrato assinado com as prefeituras das cidades contempladas um período no qual a gestão do espaço é feita pelo projeto Mundoteca, com contratação de educadores sociais e acompanhamento pedagógico. Após esse período, a gestão, a biblioteca e todos os seus recursos passam à gestão das próprias prefeituras.”

Ainda de acordo com a nota do Governo, a unidade do projeto de onde se originou o factoide desinformativo era de gestão da própria prefeitura do município:

“A unidade de Marcílio Dias, na cidade de Canoinhas, foi inaugurada no dia 19 de novembro de 2022 e gerida pelo projeto por um período de oito meses, como previsto em contrato, não tendo qualquer vínculo com a atual gestão do Governo Federal. Após esse período, o gerenciamento do espaço e de seu acervo foram entregues ao poder executivo municipal.”

Vale ressaltar que o governo federal não envia livros para escolas e espaços dos sistemas municipais e estaduais de educação sem que haja a devida solicitação dos materiais, realizada por gestores e educadores e escolhidos de maneira democrática nos conselhos de educação. 

Além disso, o artigo 216-A da Constituição Federal preconiza o Sistema Nacional de Cultura organizado em regime de colaboração de forma descentralizada e participativa e institui um processo de gestão e promoção conjunta de políticas públicas de cultura, democráticas e permanentes, pactuadas entre os entes da Federação e a sociedade, tendo por objetivo promover o desenvolvimento humano, social e econômico com pleno exercício dos direitos culturais. 

Dentre os princípios desse sistema, está a autonomia dos entes federados como princípio dessa política. O dispositivo constitucional também prevê que Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão seus respectivos sistemas de cultura em leis próprias. Dessa forma, a prefeitura em questão tinha plena autonomia sobre o acervo da biblioteca. Sendo assim, cabia aos responsáveis locais conferir se o acervo estava a contento da comunidade dentro das tratativas do contrato com o projeto Mundoteca.

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Bereia, com base nas informações apuradas, classifica a informação apresentada pela prefeita Juliana Maciel – de que o livro “Educação Sexual e Cia.” seria iniciativa do governo do PT – é falsa. O livro foi editado originalmente na Suíça e publicado no Brasil pela Companhia das Letras, sem nunca ter feito parte de programas de distribuição por governos do PT.

Bereia alerta leitores e leitoras para o uso de desinformação neste processo eleitoral para os municípios, em 2024. É preciso estar atentos/as a prefeitos/as e vereadores/as candidatos à reeleição ou em campanha por sucessores que fazem uso de mentiras e enganos para convencer a população para suas pautas ou para manifestar oposição a outras, em especial por meio de temas que afetam o emocional das pessoas.

(Com colaboração de Magali Cunha)

Referências de checagem:

Secretaria de Comunicação Social.

 https://www.gov.br/secom/pt-br/fatos/brasil-contra-fake/noticias/2023/3/mundoteca-nao-e-um-projeto-do-governo-federal Acesso em 19 abr 2024

https://www.gov.br/secom/pt-br/fatos/brasil-contra-fake/noticias/2023/3/o-que-voce-precisa-saber-sobre-a-lei-rouanet Acesso em 19 abr 2024

Bereia.

https://coletivobereia.com.br/nao-ha-duvida-a-existencia-de-um-kit-gay-organizado-por-fernando-haddad-e-falsa/ Acesso em 19 abr 2024

https://coletivobereia.com.br/fake-news-sobre-livro-de-educacao-sexual-infantil-nas-escolas-volta-a-circular/ Acesso em 19 abr 2024

Companhia das Letras. https://www.companhiadasletras.com.br/livro/9788555340789/aparelho-sexual-e-cia Acesso em 19 abr 2024

G1. https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/eleicoes/2022/noticia/2022/10/30/canoinhas-sc-elege-juliana-maciel-do-psdb-como-prefeita.ghtml Acesso em 19 abr 2024

Ministério Público de Santa Catarina. https://www.mpsc.mp.br/noticias/operacao-mensageiro-encerrada-a-instrucao-criminal-na-acao-penal-referente-ao-municipio-de-lages Acesso em 19 abr 2024

Instagram. https://www.instagram.com/p/C56x9I6PtJh/?img_index=1 Acesso em 19 abr 2024

Imagem: reprodução do site do MP-SC. Canoinhas, ao norte, é uma das cidades alvo das operações

Balanço Janeiro 2024: Conferência Nacional de Educação é alvo de intensa campanha de desinformação

Desde o final de 2023, Bereia passou a acompanhar publicações em mídias digitais de identidade religiosa sobre a Conferência Nacional de Educação (Conae). Matéria específica sobre o tema foi publicada em dezembro passado, para confrontar vídeo publicado pela Associação Internacional de Escolas Cristãs (ACSI) publicou, em sua página oficial no Instagram, classificado como enganoso.

No vídeo, o diretor-executivo da instituição no Brasil pastor Mauro Meister faz uso de discurso alarmista sobre a convocação, em caráter extraordinário, para a (Conae). Meister afirma que o processo que estava em curso – realização das etapas distritais, municipais e estaduais que antecediam a conferência – estava sendo feito de maneira açodada, “como uma avalanche, por debaixo dos panos, sem citar como, oficialmente, estava protocolada a realização do evento. O pastor alegava ainda que o documento-referência da Conae 2024 seria uma ameaça à liberdade educacional, sem apresentar dados ou citar elementos concretos que justificassem a acusação.

Como o Bereia levantou, a realização do evento está prevista na Lei nº 13.0005/14, que aprovou o Plano Nacional de Educação (PNE), e incluiu a realização de duas Conferências Nacionais de Educação (Conae) durante o decênio 2014-2024. Em seu artigo 6º, o dispositivo prevê que tais conferências sejam precedidas de versões distritais, municipais e estaduais, sendo articuladas e coordenadas pelo Fórum Nacional de Educação.

Segundo a referida lei, as Conferências Nacionais de Educação, a serem realizadas a cada quatro anos, têm o objetivo de avaliar a execução do PNE estabelecido e subsidiar a elaboração do plano para o decênio subsequente.

O Fórum Nacional de Educação, criado em 2010, e instituído por lei com a aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE), é o órgão responsável pelo acompanhamento e implementação do PNE. Ele estava desarticulado no mandato federal anterior, e foi retomado pelo atual governo por meio da Portaria Ministerial nº 478, de 17/03/2023. A Conae de 2024 foi oficializada pelo Decreto nº 11.697, de 11/09/2023.

Mais sobre o que é a Conae e como ela está projetada oficialmente, pode ser verificado na matéria do Bereia, de dezembro de 2023.

Como foi a Conae em janeiro passado

Cerca de 2,5 mil educadores/as, de todo o país, estiveram em Brasília, de 28 a 30 de janeiro, nas dependências da Universidade de Brasília (UnB) para debater e aprovar as propostas voltadas ao texto final do novo PNE 2024-2034.

Participaram da Conferência 1.847 pessoas, delegados e delegadas eleitos nas etapas estaduais, municipais e distritais, da educação básica, da educação superior e da educação profissional e tecnológica, tanto do setor público como do privado. Entre eles, estavam gestores, trabalhadores, docentes, secretários, conselheiros, estudantes, pais, mães e responsáveis. A lista dos participantes pode ser verificada aqui.

A Conae contou, ainda, com 204 observadores, 78 palestrantes nacionais e internacionais, e 200 pessoas que atuaram no apoio, como servidores do Ministério da Educação e da UnB, estudantes, docentes. Também estavam presentes 48 pessoas com deficiência.

Na conferência, aconteceram sete plenárias simultâneas de discussão do Documento-Base. Ao todo foram 40 horas de avaliação das 8.651 emendas recebidas pelos estados e municípios. Também houve 34 colóquios, para o aprofundamento de temas relacionados ao Documento-Base, como “Sistema Nacional de Educação”, “Saúde e educação”, “Alfabetização”, “Educação antirracista”, “Escola de jovens e adultos”, entre outros. O documento pode ser acessado, na íntegra, aqui.

A desinformação sobre a Conae que circula em ambientes religiosos

Bereia checou que, durante o mês de janeiro de 2024, a Conferência Nacional de Educação (Conae) foi apresentada  em perfis de mídias sociais, com identidade religiosa ultraconservadora, de parlamentares, associações  de educação  e influenciadores digitais,  como um avanço da esquerda na doutrinação dos alunos para a próxima década.

O jornal Folha de S. Paulo, publicou matéria, no dia de abertura da Conae 2024, com a afirmação de que as bancadas ruralista e evangélica no Congresso Nacional , além de outras frentes do Congresso ligadas a movimentos conservadores, como Comércio e Serviço, Segurança Pública (Bancada da Bala) e Brasil Texas, pediram adiamento do evento e criticaram a política de educação do atual governo, em nota conjunta. A nota critica o documento-base da conferência, com a afirmação de que há nele pontos com viés político e ideológico. Os exemplos são a desmilitarização das escolas, crítica à prática de “homeschooling” (ensino em casa) e ao movimento Escola Sem Partido, ações chamadas de ultraconservadoras e temas como diversidade de gênero e religião, questões LGBTQIA+ e ambientais.

A Associação Nacional de Juristas Evangélicos (ANAJURE) também publicou uma nota, juntamente com a Frente Parlamentar Evangélica, a Associação Internacional de Escolas Cristãs, a South American Indian Mission, os Ministérios Pão Diário, a Associação de Escolas Cristãs de Educação e a Convenção Batista Nacional. A nota acusa o documento-base da Conae de propor a “imposição de concepções ideológicas radicais e controversas, contrárias às presentes disposições da legislação nacional e à vontade da parcela majoritária da população”. As concepções que a ANJURE contrapõe são “ideologia de gênero”, “liberdade religiosa das escolas confessionais”, “conselhos e comitês fiscalizadores”, ”desqualificação das escolas privadas”, “apoio à formação em direitos humanos por movimentos e coletivos”, “críticas ao agronegócio”, “avaliação ideológica do desempenho de professores”.

Estas críticas opinativas aparecem, de forma distorcida, em postagens de políticos, como esta coletada pela equipe do Bereia, publicada pela deputada Julia Zanatta (PL-SC):

Imagem: reprodução do Instagram

Esta postagem do deputado federal Mario Frias (PL-SP) foi enviada por leitor para o WhatsApp do Bereia:

Imagem: reprodução do Instagram

Outro leitor também enviou ao Bereia um vídeo de seis minutos de duração, em que mulher não identificada diz estar presente na Conae 2024, em Brasília. Em tom alarmista, como os expostos acima, ela faz uma montagem de coleta que realizou de livros, materiais e produtos expostos em barracas e estandes, do depoimento que colheu de outra mulher e do recorte de falas de um grupo de debates, que reforçam a ideia de que a Conae é uma articulação que promove “ameaça/doutrinação marxista/socialista”, “fim da pluralidade de ideias” e perversão.

Imagem: reprodução de vídeo compartilhado em mídias sociais

Doutrinação esquerdista e marxista?

A associação entre educação, que inclui a pauta de direitos (humanos, sociais, culturais, econômicos, sexuais e ambientais), “ideologia de gênero”, “limitação da liberdade religiosa” e “doutrinação marxista” é a principal linha de argumentação de grupos políticos alinhados ao ultraconservadorismo no Brasil. Tal proposição tem relação com a ideologia que emergiu, recentemente, no Brasil, denominada “Escola Sem Partido” (ESP).

Escola sem Partido é um programa e um projeto de lei oriundo de um movimento político surgido no Brasil em 2003, no âmbito da sociedade civil, capitaneado pelo procurador paulista Miguel Nagib. No contexto do surgimento, segundo a pesquisadora e professora da Universidade Federal de juiz de Fora, especialista no tema, a principal pauta do ESP era o combate ao que Nagib denominou ‘doutrinação política e ideológica’ de crianças e jovens nas escolas brasileiras”.

A professora e pesquisadora da Universidade Federal de Juiz de Fora Andréa Silveira explana que por “doutrinação” entenda-se “toda e qualquer informação que seja diversa daquela que é preservada pelas famílias dos e das estudantes, as quais fazem parte da pluralidade de ideias que caracteriza os conhecimentos e os currículos de diferentes componentes para uma formação escolar ampla e cidadã”.

A pesquisadora explica que é nesse sentido que “grupos religiosos fundamentalistas e bancadas conservadoras atuam em conjunto para promover a perseguição de educadores e educadoras, pela supressão do reconhecimento e do diálogo entre as alteridades, forçando o apagamento da pluralidade de ideias, da liberdade e da diversidade em uma das principais instituições da vida moderna, a escola”.

As publicações da deputada federal Julia Zanatta (PL-SC) e da mulher não identificada, expostas como exemplo nesta matéria, atribuem “doutrinação” desta forma e a relaciona apenas às esquerdas políticas, eximindo as direitas e o centro de tal prática. A afirmação se torna enganosa, de acordo com o que a Profa. Andréa Silveira expõe, uma vez que a promoção de quaisquer ideologias, como o militarismo e o armamentismo, por exemplo, e a própria ideia de uma “Escola sem Partido”, podem ser qualificadas como doutrinação ideológica.

Uma informação importante a se recuperar é que participantes da Conae eram oriundos de todos os estados do Brasil, a maioria eleita, segundo o protocolo descrito em legislação referenciada nesta matéria, e o suposto critério de alinhamento partidário e ideológico não faz parte do processo de escolha.

Como classificado na primeira matéria do Bereia sobre este tema (dezembro de 2023), as postagens sobre a Conae, em janeiro de 2024, seguem sendo enganosas, pois contêm elementos dispostos estrategicamente para confundir e causar pânico moral, caso das publicações que subsidiam a matéria.

Como elementos do discurso enganoso estão a ausência de contextualização e a omissão de detalhes. As acusações feitas de que o documento-base da Conae são “doutrinação marxista”, visam usar o tema “marxismo”, amplamente desconhecido por boa parte do público, como ameaça para provocar reações negativas ao processo de discussão do qual

A estratégia de pânico moral se apresenta na defesa de uma pauta política erguida por políticos ultraconservadores, que envolvem a educação infantil. Como este nível educacional, consequentemente se liga à formação familiar, exigem que a educação seja pautada por valores cristãos, sem considerar a diversidade cultural, sexual, de gênero e a liberdade de credo da sociedade brasileira. Trata-se de mais um elemento de discurso enganoso quando não sustentado por fatos, mas por alegações fortalecidas por ideologias apoiadas em valores cristão-conservadores.

Referências de checagem:

Lei 13.005/14. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L13005.htm#art12 Acesso em: 2 fev 2024

Decreto 11.697/23. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/decreto/D11697.htm#:~:text=DECRETO%20N%C2%BA%2011.697%2C%20DE%2011,cidade%20de%20Bras%C3%ADlia%2C%20Distrito%20Federal. Acesso em: 2 fev 2024

Religião e Poder/Escola sem Partido. https://religiaoepoder.org.br/artigo/escola-sem-partido/ Acesso em 2 fev 2024

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO.

https://www.gov.br/Ministério da Educação/pt-br/assuntos/noticias/2024/janeiro/ultimo-dia-da-conae-aprovara-texto-do-novo-pne  Acesso em 2 fev 2024

https://www.gov.br/Ministério da Educação/pt-br/acesso-a-informacao/participacao-social/conferencias/conae-2024  Acesso em 2 fev 2024

https://www.gov.br/Ministério da Educação/pt-br/assuntos/noticias/2023/setembro/convocada-conferencia-nacional-de-educacao  Acesso em 2 fev 2024

https://www.gov.br/Ministério da Educação/pt-br/assuntos/noticias/2023/outubro/publicado-documento-referencia-da-conae-2024 Acesso em 2 fev 2024

http://portal.Ministério da Educação.gov.br/component/tags/tag/conferencia-nacional-de-educacao Acesso em 2 fev 2024

https://www.gov.br/Ministério da Educação/pt-br/assuntos/noticias/2023/outubro/regimento-geral-define-regras-para-a-conae-2024 Acesso em 2 fev 2024

https://www.gov.br/Ministério da Educação/pt-br/assuntos/noticias/2023/outubro/documento-orienta-estados-e-municipios-para-conferencias Acesso em 2 fev 2024

Fórum Nacional de Educação,  https://fne.Ministério da Educação.gov.br/#documentos Acesso em 2 fev 2024

Folha de S. Paulo, https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2024/01/agro-e-evangelicos-montam-ofensiva-contra-plano-de-educacao-do-governo-lula.shtml Acesso em 2 fev 2024

Anajure, https://anajure.org.br/manifestacao-publica-sobre-o-documento-referencia-da-conferencia-nacional-de-educacao-para-a-elaboracao-do-plano-nacional-de-educacao-2024-2034/ , Acesso em 2 fev 2024

Publicação viral que compara nazismo, esquerda e direita distorce o debate político – PARTE 3

* Checagem publicada em três partes. Veja aqui a parte 1 e a parte 2

Veja abaixo a terceira parte da checagem na qual Bereia analisou, quadro a quadro, tabela que circula nas redes disseminando desinformação sobre supostos posicionamentos políticos e atitudes comportamentais. Bereia alerta para a fundamental necessidade de se checar as fontes dos conteúdos que circulam na internet e analisá-los criticamente, para que estratégias de desinformação sejam efetivamente combatidas. A síntese feita pelo quadro buscava reforçar a polarização entre direita x restante do campo político. 

Imagem: reprodução propositalmente desfocada

Sem liberdade individual x liberdade individual 

Historicamente, a defesa das liberdades individuais, também conhecidas como liberdades civis, ganhou força na Modernidade com o Iluminismo, os Humanismos e a Revolução Francesa, a partir do século 18. O professor da Universidade Federal do Espírito Santo Victor Gentilli explica que a noção moderna de liberdade entende o direito de ir-e-vir, o direito de escolher, o direito à privacidade, o direito de não ser preso, de não ser torturado. Enfim, a liberdade era vista pelos antigos como alguma coisa vinculada à esfera pública, enquanto para os modernos o conceito de liberdade é hoje nitidamente vinculado à esfera privada. 

A cientista política estadunidense Wendy Brown, na obra “Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no ocidente” (Editora Filosófica Politéia, 2019), explica que as estas noções de liberdade formuladas por agentes influenciadores neoliberais, deram base para a extrema direita política mobilizar um discurso de liberdade que justifica exclusões e violações que reasseguram privilégios históricos da hegemonia branca, masculina e cristã, além de expandir o poder do capital. Para a pesquisadora, esta noção de liberdade “demoniza o social, rotula a esquerda como tirânica em sua preocupação com a justiça social e, ao mesmo tempo, coloca-a como a responsável pelo esgarçamento do tecido moral e por premiar quem não merece”.

Wendy Brown afirma que esta propagada liberdade contribui para o desmantelamento das democracias com a demonização das propostas de justiça social em nome da liberdade, dos mercados e dos valores morais. Nesta trilha, a cientista política aponta como especialmente problemática a relação entre liberdade de expressão e liberdade religiosa no neoliberalismo. Ela expõe a estratégia de se usar a ideia de liberdade como instrumento para promover a desregulamentação dos mercados e barrar iniciativas antidiscriminatórias. Nesta direção, o indivíduo deve gozar de uma “liberdade ilimitada que desconhece limites éticos”, como direito de espalhar mentiras e falsidades pelas redes digitais até ofender e caluniar desafetos e opositores. 

A postagem checada pelo Bereia, ao atribuir “sem liberdade individual” às esquerdas políticas e “com liberdade individual” à direita, expõe os elementos expostos na análise de Wendy Brown. Porém, a pesquisadora alerta que, ao mesmo tempo há contradição nesta proposição com o uso do termo “liberdade” pois “os grupos extremistas que clamam por ela não toleram o pluralismo, abominam a diversidade de modos de vida e atuam para impor seus valores a toda a sociedade”. Brown indica que neste sistema de valores da liberdade individual estão no centro “o rancor, a reprimenda e a vingança” e um desejo de negar tudo: “a crise climática, o racismo, a afirmação de direitos a mulheres e à comunidade LGBT, a esfericidade da terra”, entre outros. 

Educação doutrinadora X educação de excelência

A publicação checada pelo Bereia atribui a ideia de “educação doutrinadora” às esquerdas políticas e a de “educação de excelência” à direita. Tal proposição tem relação com a ideologia que emergiu, recentemente, no Brasil, denominada “Escola Sem Partido” (ESP).

A professora da Universidade Federal de Juiz de Fora Andréa Silveira de Souza explica que ESP “é um programa e um projeto de lei oriundo de um movimento político surgido no Brasil em 2003, no âmbito da sociedade civil, capitaneado pelo procurador paulista Miguel Nagib. No contexto do surgimento, a principal pauta do ESP era o combate ao que Nagib denominou ‘doutrinação política e ideológica’ de crianças e jovens nas escolas brasileiras”.

Andréa Silveira mostra que segundo o procurador e os defensores do programa, a “‘doutrinação’ estaria sendo promovida por professores e professoras que, ardilosamente, se valem da ‘audiência cativa’ de estudantes vulneráveis nas salas de aula para promover uma suposta doutrinação a qual classificam como comunista ou ‘de esquerda’. 

A pesquisadora explana que por “doutrinação” entenda-se “toda e qualquer informação que seja diversa daquela que é preservada pelas famílias dos e das estudantes, as quais fazem parte da pluralidade de ideias que caracteriza os conhecimentos e os currículos de diferentes componentes para uma formação escolar ampla e cidadã”.

Andréa Silveira acrescenta que “compreender o ESP significa compreender que ele é um dispositivo jurídico que, assimilado por grupos religiosos fundamentalistas, reverbera um certo tipo de ideologia religioso-política pautada pela perseguição de educadores e educadoras, pela supressão do reconhecimento e do diálogo entre as alteridades, e cuja pretensão é garantir pela força da lei o apagamento da pluralidade de ideias, da liberdade e da diversidade em uma das principais instituições da vida moderna, a escola”. 

A publicação que o Bereia verificou atribui “doutrinação” apenas às esquerdas políticas, eximindo a direita de tal prática, o que não é verdade. Segundo a Enciclopédia do Holocausto, durante o regime nazista, professores considerados “não confiáveis politicamente” foram expulsos das escolas públicas e os que permaneceram foram associados a Liga de Professores ligada ao partido e ensinavam aos alunos, primordialmente, o amor a Hitler, o militarismo e o racismo. 

Conforme apontado pelo Centro de Referências em Educação Integral, durante a ditadura militar no Brasil “foram excluídas as aulas de Sociologia e Filosofia do currículo básico dos estudantes e também foram promovidas alterações importantes em outras disciplinas, notadamente as de humanas, como História e Geografia” com o objetivo de “consolidar outra visão de História, na qual o nacionalismo era ressaltado”.

Mais recentemente, no governo de direita de Jair Bolsonaro, foram implantadas as escolas cívico-militares com a justificativa de promover melhorias nos índices educacionais do país, no entanto, Bereia checou informações e identificou que o programa carecia de ajustes e justificativas técnicas para ser considerado totalmente eficiente. 

Relativismo x objetivismo e lógica

O Relativismo é uma corrente filosófica que compreende o conhecimento humano como uma variável, a depender de contexto histórico, cultural, social, político, econômico e temporal. Fortalecido a partir do movimento pós-modernista, em meados da década de 1960, está presente em diversas áreas, como cultural, moral e científica. 

O filósofo Friedrich Nietzsche é considerado um dos precursores do movimento, autor da frase que traduz a filosofia relativista em poucas palavras: “Não há fatos, apenas interpretações”. 

O Objetivismo, por sua vez, descarta a subjetividade do existir humano. Nas palavras de Ayn Rand, romancista e roteirista de filmes para Hollywood, quem estruturou esta vertente filosófica, “a realidade existe como algo absoluto e objetivo: fatos são fatos, independentemente das emoções, desejos, esperanças ou medos dos homens. A razão (a faculdade que identifica e integra o material fornecido pelos sentidos do homem) é o único meio do homem de perceber a realidade, a sua única fonte de conhecimento, o seu único guia para a ação e o seu meio básico de sobrevivência”.

A alegação contra o Relativismo é que esta filosofia vai contra verdades e fatos, ou seja, padrões estabelecidos, segundo ela, lógicos e fundamentados.

Conforme os estudos da cientista política Camila Rocha, o Objetivismo é uma das bases que orientam o que se pode denominar nova direita brasileira. Além de grupos como o Movimento Brasil Livre e o Partido Novo, há articulações que se estabeleceram para difundir ideias conservadoras ou de matriz liberal alinhadas à direita política. Entre elas estão: o Instituto de Estudos Empresariais, o Instituto de Formação de Líderes, o Instituto Mises Brasil, o Instituto Millenium, o Instituto Liberal, o Lola Brasil, que pretende engajar mulheres, entre outros. 

Boa parte destes grupos e movimentos, se baseia em ideias liberais clássicas, do século 17, a partir de pensadores como John Locke, até autores do século 20 como Ludwig von Mises e Friedrich Hayek. Outros defendem ideias de diferentes vertentes como o Objetivismo, de Ayn Rand, também Minarquismo, de Robert Nozick, o Anarcocapitalismo, de  Murray Rothbard, todos autores famosos na lista de “defensores da liberdade”. 

Quem produziu a publicação checada pelo Bereia se revela adepto da nova direita brasileira, da vertente objetivista, e nela expõe sua ideologia/filosofia, não uma informação.

***

Bereia classifica a publicação na forma de um quadro sem autoria, que consiste em uma tabela comparativa entre  Nazismo, “esquerda” e “direita” como informação FALSA. O material é um conjunto de expressões opinativas, de caráter ideologizado, não têm substância factual. É desinformação sem base comprobatória, identificado com a direita política. É conteúdo fabricado para parecer informação, porém se constitui um panfleto de campanha anti-esquerdas.

Referências de checagem:

VIZENTINI, P. F. A Guerra Fria: o desafio socialista à ordem americana. Porto Alegre: Leitura XXI, 2004

Scielo

https://www.scielo.br/j/rae/a/3gyNF765nj8nsRtD5vVnYGn/# Acesso em: 17 nov 2023

CNN Brasil

https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/essencial-ou-dispensavel-entenda-o-papel-da-uniao-sovietica-na-2a-guerra-mundial/ Acesso em: 8 nov 2023

https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/conhecido-pela-uniao-entre-moradores-kibutz-no-sul-de-israel-foi-palco-de-massacre/ Acesso em: 8 nov 2023

Bellingcat

https://www.bellingcat.com/news/2023/10/20/geolocating-hamas-led-attacks-on-israeli-civilians/?utm_source=aosfatos&utm_campaign=1508caad78-EMAIL_CAMPAIGN_2023_07_11_08_34_COPY_01&utm_medium=email&utm_term=0_-d376c0b720-%5BLIST_EMAIL_ID%5D Acesso em: 15 nov 2023

BBC

https://www.bbc.com/portuguese/articles/cd1kwg7320qo Acesso em: 8 nov 2023

https://www.bbc.com/portuguese/internacional-49877815 Acesso em: 10 nov 2023

https://www.bbc.com/portuguese/internacional-51071094 Acesso em: 10 nov 2023

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62521737 Acesso em: 10 nov 2023

https://www.bbc.com/portuguese/salasocial-39809236 Acesso em: 9 nov 2023

Unisinos

https://www.ihu.unisinos.br/categorias/188-noticias-2018/579759-discurso-do-estado-minimo-inebria-o-enfrentamento-das-desigualdades Acesso em: 8 nov 2023

Enciclopédia do Holocausto

https://encyclopedia.ushmm.org/content/pt-br/article/introduction-to-the-holocaust#:~:text=O%20Holocausto%20foi%20a%20persegui%C3%A7%C3%A3o,anos%20de%201933%20a%201945.&text=O%20antissemitismo%20foi%20a%20base%20do%20Holocausto. Acesso em: 9 nov 2023

https://encyclopedia.ushmm.org/content/pt-br/article/nazi-rule?series=60 Acesso em:  nov 2023

https://encyclopedia.ushmm.org/content/pt-br/article/indoctrinating-youth Acesso em: 10 nov 2023

Senado Federal

https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/276/r135-27.pdf?sequence=4&isAllowed=y Acesso em: 10 nov 2023

A Crise em Perspectiva: 1929 e 2008

https://www.scielo.br/j/nec/a/Tn53n6xsSgDmhbB3cFgL6Bh/?format=pdf&lang=pt Acesso em: 10 nov 2023

Politize!
https://www.politize.com.br/joao-goulart/#:~:text=Acuado%2C%20Jo%C3%A3o%20Goulart%20resolveu%2C%20de,personifica%C3%A7%C3%A3o%20de%20seus%20piores%20pesadelos. Aceso em: 10 nov 2023

Memorial da Resistência

https://memorialdaresistenciasp.org.br/noticias/lei-censura-imprensa-55-anos/ Acesso em: 10 nov 2023

FGV
https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/FatosImagens/AI5#:~:text=O%20Ato%20Institucional%20n%C2%BA%205,a%C3%A7%C3%B5es%20arbitr%C3%A1rias%20de%20efeitos%20duradouros. Acesso em: 10 nov 2023

Agência Brasil

https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2023-05/liberdade-de-imprensa-brasil-melhora-e-sobe-18-lugares-aponta-estudo Acesso em: 10 nov 2023

UFRGS

https://www.ufrgs.br/fce/liberalismo-bolsonarismo-e-nazismo/ Acesso em : 10 nov 2023

Educação Integral

https://educacaointegral.org.br/reportagens/ditadura-legou-educacao-precarizada-privatizada-anti-democratica/ Acesso em: 10 nov 2023

Humanidades

https://humanidades.com/br/relativismo/ Acesso em: 10 nov 2023

Ayn Rand Center Latin America
https://www.aynrandlatam.org/objetivismo Acesso em: 13 nov 2023

Lista de partidos políticos registrados no Brasil – e posicionamento político.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_partidos_pol%C3%ADticos_do_Brasil Acesso em: 16 nov 2023

Lista de Partidos (Oficial) – TSE

https://www.tse.jus.br/partidos/partidos-registrados-no-tse Acesso em: 16 nov 2023

Revista Ciência e Cultura

http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252016000300018 Acesso em: 17 nov 2023

Jornal da USP

https://jornal.usp.br/radio-usp/crescimento-de-neonazistas-no-pais-e-um-dos-desafios-das-eleicoes-2022/ Acesso em: 20 nov 2023

Organização Mundial da Sáude

https://abortion-policies.srhr.org/ Acesso em: 20 nov 2023

Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação

https://www.fndc.org.br/ Acesso em: 20 nov 2023

Revista FAMECOS

https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article/view/3184 Acesso em: 20 nov 2023

PINTO, A. C. “O  regresso  das  ditaduras?”. Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2021

BROWN, W. “Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no ocidente”. Editora Filosófica Politéia, 2019

*** Foto de capa: Andrea Piacquadio/Pexels

Publicação viral que compara nazismo, esquerda e direita distorce o debate político – PARTE 2

* Checagem publicada em três partes. Veja aqui a parte 1 e a parte 3

Bereia analisou, quadro a quadro, tabela que circula nas redes disseminando desinformação sobre supostos posicionamentos políticos e atitudes comportamentais. Bereia alerta para a fundamental necessidade de se checar as fontes dos conteúdos que circulam na internet e analisá-los criticamente, para que estratégias de desinformação sejam efetivamente combatidas. A síntese feita pelo quadro buscava reforçar a polarização entre direita x restante do campo político. 

Imagem: reprodução propositalmente desfocada

Confira a parte 2 da checagem:

Defesa do aborto x contra o aborto 

O tema do aborto tem sido amplamente utilizado na mobilização de pânico moral nas redes digitais. Bereia já produziu extenso material sobre o assunto, desde checagem sobre acusações imprecisas envolvendo a Ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Carmem Lúcia, até a disseminação de conteúdo enganoso sobre aborto por sites e políticos religiosos. Nessas postagens, como no material checado nesta matéria pelo Bereia, atribui-se à esquerda política a defesa do aborto (classificado como “assassinato de bebês”), enquanto que a direita se coloca contra o aborto.

Esta divisão ideológica do tema pode ser desmentida pelo levantamento da Organização Mundial de Saúde sobre as políticas em relação ao aborto nos diferentes países do mundo. Tendências políticas tanto de esquerda, quanto de direita e de centro governam países que aprovam o aborto, desde por exclusiva solicitação da mulher, para preservar sua saúde física ou mental, por conta de violência sexual, por anomalia fetal grave.

Outro ponto a ser considerar, apesar das estratégias discursivas de tratar do assunto pelo viés moral, as discussões sobre aborto consideram questões de saúde pública, relacionadas às condições de vida e bem-estar de mulheres e direitos reprodutivos, por exemplo. Segundo uma das autoras da Pesquisa Nacional de Aborto (PNA), Débora Diniz, mesmo com queda nos registros, estima-se que meio milhão de abortos tenham sido realizados no Brasil em 2021, sendo que 57% foram realizados sem hospitalização.

Dados da PNA de 2021 divulgados pela Gênero e Número mostram que mulheres de diversas origens, escolaridades e práticas religiosas realizam abortos todos os anos, não havendo vínculo político-ideológico relacionado à prática. “A gente precisa falar com mais tranquilidade e menos estigma para que as pessoas possam compreender o aborto como uma necessidade de saúde, que é o que ele é”, afirma a ginecologista do Núcleo de Atenção Integral a Vítimas de Agressão Sexual (Nuavidas) do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) Helena Paro.

Desarmamentismo x cidadãos armados

A noção, defendida na postagem checada pelo Bereia, de que o regime nazista promoveu uma política desarmamentista e que, portanto, se os judeus perseguidos tivessem mais armas, estariam em condições de lutar contra seus perseguidores, é de difícil comprovação. Associar a figura de Adolf Hitler ao desarmamentismo é estratégia antiga, desvendada pelo professor da Universidade de Columbia Bernard Harcourt, em seu artigo “Sobre registro de armas, a NRA, Adolf Hitler e as leis nazistas sobre armas: Explodindo as guerras culturais com armas (um apelo aos historiadores)”.

Artigo de Adam Geller, para a Associated Press (AP) destaca, em primeiro lugar, que o debate atual sobre controle de armas não se aplica ao cenário da Alemanha no entreguerras, por diversos motivos. Em entrevista à AP, o historiador Steve Paulsson, descendente de sobreviventes do holocausto, acredita que, se judeus perseguidos tivessem mais armas à época, “poderia ter piorado as coisas”. Em suma, o debate sobre controle de armas durante a Alemanha nazista está longe de um consenso.

Em relação ao debate contemporâneo, estudos recentes mostram a correlação entre o maior número de armas de fogo à disposição da sociedade e o aumento da violência. Reportagem do jornal eletrônico Nexo sobre o tema destaca pesquisa do National Bureau of Economic Research, ligado ao governo dos Estados Unidos, que aponta o crescimento de 13% a 15% dos crimes violentos em locais que adotaram legislações mais permissivas. A facilidade de acesso a armas também aumenta casos de suicídio, feminicídio e mortes de crianças. 

Ditadura/opressão x democracia/liberdade 

Um dos pontos da publicação checada pelo Bereia atribui “ditadura/opressão à esquerda política” e “democracia/liberdade” à direita. Esta afirmação é desprovida de qualquer base analítica. Assim como um Estado absoluto, pela mesma razão, uma ditadura também pode ocorrer tanto em governos à direita como à esquerda. O Nazismo é um conhecido símbolo de um regime ditatorial de direita, apesar de pontuais tentativas de associar o Fascismo na Alemanha a um regime à esquerda, como neste conteúdo aqui checado, terem surgido no Brasil nos últimos anos.

Segundo o Dicionário de Política, de autoria do intelectual italiano Norberto Bobbio, ditadura é um regime caracterizado pela concentração absoluta do poder e pela subversão da ordem política anterior. Historicamente, os ditadores tomam o poder por meio de um golpe que destitui a governança em curso, como no caso dos militares no Brasil e a tentativa de Hitler em 1923.

A ditadura nazista teve na pessoa de Hitler a expressão do autoritarismo. O Partido Nazista era o único permitido na Alemanha e o parlamento existia apenas para confirmar as determinações do ditador, a base da política de governo. Como todo regime ditatorial, além da política e da economia, a educação, a cultura e as leis do país passaram a ser controladas pelo Nazismo, restringindo a liberdade dos cidadãos

As características de governo do Nazismo alinham-se às premissas do posicionamento político de extrema-direita. No Brasil, a Ditadura Militar foi a maior expressão deste posicionamento político. Durante os 21 anos do regime militar, 17 atos Institucionais (AI), a Lei de Segurança Nacional e a Lei de Imprensa garantiram a concentração do poder nas mãos dos militares, a permanência destes no poder e a privação da liberdade dos brasileiros. Esta ditadura foi estabelecida no Brasil, após um golpe militar destituir um governo de esquerda liderado por João Goulart, filiado ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).

Segundo o cientista político português António Costa Pinto, uma autoridade no tema, autor da obra “O  regresso  das  ditaduras?” (Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2021),  estes regimes ocupam, atualmente, mais de um terço de governos no mundo. O autoritarismo é a forma de governo dominante em potências como a Rússia, a China ou em países como a Arábia Saudita, a Venezuela, a Hungria, a Turquia, Coreia do Norte, Angola, entre outros. Costa Pinto afirma que, quando a política contemporânea é considerada, não é possível afirmar que os regimes autoritários estejam novamente  em  crescimento, porém é certo que o regime  democrático enfrenta uma dinâmica de crise associada à emergência da direita radical (extrema-direita).

Para o cientista político português há características que afastam e aproximam as diversas ditaduras da época fascista, como a do fascismo italiano, e distingue ditaduras socialistas, ditaduras militares e outras ditaduras. Costa Pinto reconhece que hoje o mundo vive uma erosão democrática por conta da chegada ao poder de líderes populistas de direita radical como Jair Bolsonaro no Brasil e chama a atenção para uma diferença fundamental desta nova forma de acesso ao poder. 

Enquanto no  passado, segundo o pesquisador,  a  ascensão  das  ditaduras  resultou  de  uma  aniquilação  imediata da  democracia,  na  atualidade  os  regimes  autoritários chegam legalmente ao poder, disfarçam-se de democracias e provocam lentamente a sua degradação. Costa Pinto cita a questão da censura como marca das ditaduras, e cita a Rússia como exemplo, porém destaca a  divulgação de conteúdo falso, desinformativo, como uma das maiores ameaças à democracia hoje, classificadas como um poderoso papel na manipulação da opinião pública.

Os ex-presidentes dos Estados Unidos e do Brasil, Donald Trump e Jair Bolsonaro,  são dois exemplos de políticos, citados por Costa Pinto, que lançaram mão da divulgação de notícias falsas em proveito próprio. O pesquisador alerta que também partidos de direita radical, em franco crescimento na Europa e com uma crescente representatividade parlamentar, são assíduos utilizadores de notícias falsas. 

Controle da imprensa x liberdade de imprensa

O conteúdo checado por Bereia atribui o controle da imprensa à tendência política da esquerda em contraposição à liberdade de imprensa como elemento defendido pela direita. A afirmação falaciosa não encontra base referencial que a comprove. Este discurso não é novo e aparece todas as vezes que há reivindicação de setores da sociedade civil pela regulação das mídias, para que haja livre comunicação das ideias, das notícias e das opiniões, em especial pelos veículos que são concessões do Estado.

O jornalista e professor da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo Eugênio Bucci explica que “sem imprensa independente não há democracia. Do mesmo modo, sem democracia não pode haver imprensa livre. Uma pede a outra, uma concorre para a outra”. Bucci afirma que “o cidadão livre precisa da imprensa por que é com base na existência da imprensa livre que ele se informa e debate ideias e, com isso, capacita-se a melhor delegar, fiscalizar e até mesmo exercer o poder”.

Na linha das reivindicações dos grupos que atuam pela democratização da comunicação no Brasil, país que tem onze famílias no controle das concessões estatais de mídias abertas de rádio e TV e de impressos, Eugênio Bucci explica o sentido da regulação necessária. O professor da USP afirma que “o problema dos monopólios (e também dos oligopólios) é que, controlando sozinhos o mercado numa determinada região do país, eles podem inibir a diversidade cultural, a diversidade das opiniões políticas e, além disso, a concorrência comercial saudável. Para a plena vigência da liberdade de expressão e do direito à informação, o Estado deve, na regulação do mercado (não dos conteúdos), inibir a formação de oligopólios e de monopólios”.

Bucci conclui que “em nenhum sentido precisamos de alguma regulação que venha para restringir os conteúdos. A regulação só é útil quando é necessária para assegurar a todos o direito à informação e à liberdade de expressão. Vejam que, para publicar um jornal impresso, ninguém precisa de concessão pública. Por isso, não há necessidade de regulação direta para essa modalidade de comunicação social. A regulação só é necessária quando sem ela não se pode proteger a liberdade de expressão e o direito à informação”.

Referências de checagem:

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* Foto de capa: Engin Akyurt/Pexels

Publicação viral que compara nazismo, esquerda e direita distorce o debate político – PARTE 1

Com o crescimento de posicionamentos a respeito do conflito bélico entre Israel e Palestina voltou a circular, nas redes digitais, um quadro sem autoria, com baixa qualidade gráfica e sem fontes de pesquisa, que consiste em uma tabela comparativa entre  Nazismo, “esquerda” e “direita”. 

O quadro viralizou, no passado, em grupos e mídias sociais, em 2018 e 2022, por ocasião das eleições – associando a esquerda (com a foice e martelo, do movimento comunista) ao Nazismo. A síntese feita pelo quadro buscava reforçar a polarização entre direita x restante do campo político. 

Imagem: reprodução propositalmente desfocada

Como se pode constatar, entre os 29 partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), há variadas expressões de “direita”, dentro e fora do Brasil. Ou seja, dentro da própria “direita” há variações e nuances. No artigo “Uma Nova Classificação Ideológica dos Partidos Políticos Brasileiros” os pesquisadores Bruno Bolognesi, Ednaldo Ribeiro e Adriano Codato constatam, a partir de pesquisa realizada junto à comunidade de cientistas políticos em 2018, uma movimentação à direita pelos partidos políticos brasileiros, bem como um predomínio de partidos fisiológicos, que desprezam seus programas partidários em prol da dinâmica voto-cargo.

Embora o Brasil tenha sido, e ainda seja, palco de movimentos como o Integralismo, de inspiração fascista, e o Neonazismo, não há, no país, partido nazista ou neonazista – e nenhum campo político institucionalizado assumiu ou é apontado, abertamente, como apoiador das ideologias do partido Nacional Socialista Alemão.

Nas mídias sociais que circulam no Brasil, em novembro de 2023, com destaque para o TikTok, a publicação ganhou novo impulso. No Twitter/X, uma única publicação soma mais de 620 mil visualizações e 20 mil curtidas, no momento do fechamento desta matéria. Em grupos de Telegram, Whatsapp e do Facebook, o quadro também apareceu em uma sequência de comentários, em fotografias alusivas ao Partido dos Trabalhadores e ao conflito bélico Israel-Palestina.

Esse tipo de campanha, com associação de ideias, com ou sem imagens, em quadros e sem frases, sem fontes, sem autoria e sem análises é muito comum nos “linchamentos virtuais” e nas estratégias de desinformação, que procuram disseminar também conceitos ou preconceitos através de memes – unidades de informação, e desinformação, que, ao veicular ideias, imagens e sons, se multiplicam facilmente nas redes.

Bereia analisou, quadro a quadro, a tabela que circula nas redes disseminando desinformação sobre supostos posicionamentos políticos e atitudes comportamentais. Diante do volume de informações, dividimos a checagem em três partes, que serão publicadas em sequência.

Bereia alerta para a fundamental necessidade de se checar as fontes dos conteúdos que circulam na internet e analisá-los criticamente, para que estratégias de desinformação sejam efetivamente combatidas.

Ódio aos judeus x apoio a Israel 

Segundo a publicação, o Nazismo e a esquerda odeiam os judeus, enquanto a direita apoia Israel.  Registros históricos ensinam que o Nazismo não apenas pregou o ódio aos judeus, mas promoveu o holocausto, tendo assassinado cerca de seis milhões de pessoas de origem judaica na Europa, de 1933 a 1945.

Associar o ódio aos judeus à esquerda, no entanto, é um erro. Ainda durante a 2ª Guerra Mundial, uma das principais forças que contribuíram para a derrota do Nazismo foi a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), como destaca o professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Paulo Visentini, no livro “A Guerra Fria – O desafio socialista à ordem americana”. 

Outro aspecto a se destacar é que, na formação do Estado de Israel, comunidades agrícolas socialistas, os chamados kibutzim, tiveram um papel essencial no desenvolvimento rural, intelectual e político do país. Essas comunidades existem até hoje e os ataques de 7 de outubro contra Israel tiveram kibutzim entre seus alvos.

A associação da direita política ao apoio a Israel, por sua vez, pode ser explicada por posturas como o sionismo cristão, que defende o fortalecimento do Estado de Israel e a ampliação do território que ocupa. No Brasil, este fenômeno vem, gradativamente, alinhando-se a uma direita religiosa e ultraconservadora, fortalecida pelos discursos do ex-presidente Jair Bolsonaro, estabelecidos desde 2018. Além disso, o fato de o atual premiê israelense Benjamin Netanyahu ser ultraconservador contribui para que muitos confundam o Estado de Israel, o judaísmo, o nacionalismo e o conservadorismo defendido pelos governantes atuais do Estado.

Estado absoluto x Estado mínimo 

Associar “Estado absoluto” ao Nazismo e à esquerda e “Estado mínimo” à direita é, também, um erro. O uso do conceito de absolutismo em um debate contemporâneo está sujeito a diversas interpretações errôneas, já que se trata de um produto típico das monarquias nos séculos 16, 17 e 18. Desta forma, a própria utilização do termo torna o argumento equivocado.

Governantes com poderes irrestritos podem surgir em regimes à direita e à esquerda. No sentido que a publicação em questão aparentemente quer produzir, de um Estado que interfere em diversos aspectos da vida em sociedade, há exemplos históricos em ambas as vertentes. Ainda assim, atribuir o termo “Estado absoluto” a experiências do século 19 e 20 seria um erro.

Igualmente, a publicação apaga o mais importante agrupamento da esquerda no início do século 20, o Anarquismo, que propõe uma sociedade de liberdades individuais, sem autoridade ou poder estatal, baseada na ajuda mútua e na cooperação voluntária. Na Guerra Civil da Espanha (1936 – 1939), por exemplo, os anarquistas foram o grupo majoritário na luta contra o regime de Francisco Franco (conservador, ultracatólico, capitalista e direitista).

Já o “Estado mínimo”, defendido pela corrente extrema do liberalismo, conhecida, de forma curiosa, como libertarianismo, vem sendo difundido como sinônimo de um Estado que se concentra apenas em tarefas pontuais, atuando com pouca interferência na sociedade. O artigo “O projeto neoliberal e o mito do Estado Mínimo”, do professor do Programa de Estudos Pós-Graduados em Economia Política da PUC-SP Antônio Carlos de Moraes, explica que a própria dinâmica atual do capitalismo torna a ideia de “Estado mínimo” uma impossibilidade. Além disso, alguns estudiosos alertam para os efeitos nocivos do discurso do Estado mínimo, principalmente no enfrentamento às desigualdades. 

Anticapitalista x capitalista

A publicação diz que o Nazismo e a esquerda são anticapitalistas, enquanto a direita seria capitalista. A apresentação descontextualizada de conceitos amplos, e que carregam subjetividades, gera uma grande confusão e ainda apresenta o capitalismo como o “regime-modelo-salvador”. 

O capitalismo é um sistema econômico que busca a acumulação de riquezas por meio da propriedade privada dos meios de produção. Já o anticapitalismo seria a oposição a tais ideais, com a defesa do controle coletivo dos meios de produção e geração de riqueza.

O Nazismo, apesar de criticar o liberalismo econômico nos moldes vigentes na Europa dos anos 1930, não propunha a socialização dos meios de produção. Em entrevista à BBC News Brasil, a antropóloga e estudiosa de movimentos neonazistas Adriana Dias, falecida em 2023,  explica que o discurso nazista era radicalmente contrário às ideias de Karl Marx, por exemplo. “O nazismo e o fascismo diziam que não existia a luta de classes – como defendia o socialismo – e, sim, uma luta a favor dos limites linguísticos e raciais”, afirma.

No mundo globalizado, diferentes perspectivas político-ideológicas coexistem, como é o caso chinês, em que há ampla participação de empresas privadas em modelo comumente chamado de “capitalismo de Estado”. Além disso, grupos de esquerda, presentes em países capitalistas, não necessariamente defendem a abolição do sistema econômico vigente. A defesa de um modelo econômico não capitalista não guarda qualquer relação com a defesa das ideias nazistas, que caracterizam-se pela ideia de superioridade de uma raça sobre outra e de uma nação sobre a outra.

Estado controla a economia x livre mercado

A postagem checada pelo Bereia atribui à esquerda o controle da economia pelo Estado em oposição à direita política que trabalha pelo livre mercado. A ideia de que as transações financeiras e de bens e serviços devem acontecer sem interferência do Estado tem origem na corrente de pensamento que ficou conhecida como Liberalismo Econômico. Em suma, os defensores dessas ideias pregam que a dinâmica entre oferta e procura – por um bem ou serviço – deve ocorrer livre das decisões de agentes estatais.

A noção de que o “Estado controla a economia”, por sua vez, tem raízes, não apenas nas experiências de economia planificada, mas, principalmente, em uma visão crítica ao Liberalismo. Nela, o Estado deveria intervir no conjunto da economia nacional para corrigir assimetrias como desequilíbrios entre demanda e oferta, inflação, quadros recessivos, entre outros possíveis desafios.Em momentos de crise econômica, como em 1929 ou 2008, importantes intervenções estatais foram implementadas, inclusive em países símbolos do capitalismo, no intuito de controlar os impactos das crises. Em países com altos índices de desigualdade, o Estado pode ser um importante instrumento de direcionamento de recursos visando o bem-estar coletivo. O uso indiscriminado e descontextualizado de termos como “livre mercado” ou “controle estatal da economia” não contribui para uma completa compreensão dos fenômenos econômicos.

***

Bereia classifica a publicação na forma de um quadro sem autoria, que consiste em uma tabela comparativa entre Nazismo, “esquerda” e “direita” como informação FALSA. O material é um conjunto de expressões opinativas, de caráter ideologizado, não têm substância factual. É desinformação sem base comprobatória, identificado com a direita política. É conteúdo fabricado para parecer informação, porém se constitui um panfleto de campanha anti-esquerdas.

Referências de checagem:

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Embate verbal entre integrantes da Bancada Evangélica na CPMI dos Atos Golpistas entra no radar do Bereia

Um  debate entre a relatora da CPMI dos Atos Golpistas do 8 de Janeiro, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), e o deputado federal Marco Feliciano (PL-SP), ocorrido em 24 de agosto passado, repercutiu fortemente no noticiário e se estendeu nas mídias sociais de grupos religiosos.

A sessão daquele dia foi convocada para interrogar o sargento do Exército Luís Marcos dos Reis, que era auxiliar do tenente-coronel Mauro Cid, na Ajudância de Ordens do Palácio do Planalto, sob relação direta com o ex-presidente Jair Bolsonaro.

A troca de críticas entre Marco Feliciano e Eliziane Gama ocorreu quando o deputado assumiu o microfone para inquirir o sargento. Ao invés de fazê-lo (minuto 3:05), Feliciano passou a se referir à “troca de farpas” que havia ocorrido entre ele e a senadora, pelas mídias sociais, por conta de um primeiro conflito já vivenciado em sessão da CPMI dois dias antes. A sessão anterior foi encerrada pelo presidente da comissão justamente devido ao grau de violência verbal entre os parlamentares.Em sua defesa, tanto na CPMI quanto nas mídias sociais, Feliciano acusou a relatora da comissão de já “ter o relatório pronto” e de já saber de quem vai pedir o indiciamento. Denunciou que “não há respeito nenhum” nos trabalhos e que a CPMI está “rotulada”.

Imagem: TV Senado, 24 de agosto de 2023

Eliziane Gama, então, usou do direito à palavra por ter sido citada, e disse que o deputado a ataca comportando-se como uma “pessoa abjeta, misógina”. Após relatar sua história como filha e irmã de pastores e membro de uma igreja evangélica pentecostal, proferiu duras afirmações de cunho religioso em relação a Marco Feliciano, afirmou que ele não iria intimidá-la e que ele “não merece” ser chamado de pastor e “prega outro Evangelho”.

Imagem: TV Senado, 24 de agosto de 2023

Em tréplica, o deputado rolutou a senadora como “mentirosa contumaz” e “oportunista”. Por fim, o presidente da CPMI deputado federal Arthur Maia (UNIÃO-BA) interrompeu a discussão, julgando-a como distante da pauta da CPMI – alertando que os parlamentares devem responder postagens nas “redes sociais” nas próprias mídias sociais e não na CPMI. Eliziane Gama comentou, em entrevista, que o debate foi resultado de um “acúmulo de provocações”.

A sessão  da CPMI, transmitida ao vivo, foi compartilhada por várias mídias e perfis de identidade religiosa (em várias edições e cortes, listados nas referências de checagem ao final desta matéria). O trecho do embate entre Eliziane e Feliciano está disponível na TV Senado entre o minuto 3:05 e 3.25. 

A discussão entre o deputado e a senadora chamou a atenção pelo uso do termo “hipócrita”, dirigido por Eliziane Gama a Feliciano, com a leitura integral do trecho de Mateus 23.27 – “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora realmente parecem formosos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e de toda imundícia”.

Em sua réplica, Feliciano respondeu que o diabo também cita a Bíblia (fazendo alusão a Mateus 4, quando Jesus foi tentado no deserto). O deputado, que também é pastor e cantor evangélico, afirmou o congresso não é “gabinete pastoral” .

Bereia destaca a seguir alguns trechos da tréplica de Marco Feliciano, no debate com Eliziane Gama, que foram repercutidos nos espaços digitais religiosos e demandaram verificação por terem conteúdo característico de desinformação.

O deputado é alvo de perseguição?

Durante o embate na CPMI, Feliciano alegou sofrer perseguição religiosa e que ele, sua família, seus seguidores e suas igrejas têm sido agredidos (no minuto 3:21).

Bereia não encontrou fontes, nem em mídias religiosas e nem no site pessoal do deputado, que comprovem as supostas agressões ou perseguições ao parlamentar, ou aos alegados nove milhões de seguidores – também não há registro de que frequentadores de suas igrejas tenham sido espancados por sua causa.

Durante uma entrevista à Rádio CBN, em(14/08/2022), Feliciano disse que uma “perseguição de Lula a evangélicos” poderia “culminar no fechamento de igrejas”. Também, em entrevista à Folha de S.Paulo no dia 15/08/2022, Feliciano acusou o PT de ser a “expressão viva do mal” no Brasil, que a “barra iria pesar” contra os pastores e declarou que “existem muitas formas de se fechar uma Igreja. Uma delas é calando os pastores ou obrigando religiosos a terem condutas anti-bíblicas. A igreja fisicamente estará aberta, mas na prática estará fechada”. Feliciano também associou Lula a Ortega e reagiu fortemente à Carta de Lula aos evangélicos, durante a campanha de 2022. Em vídeo, que ainda está no ar em seu canal (com 1,7 mil curtidas), Feliciano adjetiva Lula como “endemoniado mor” e “Barrabás” (sic).

Imagem: reprodução do YouTube

As interpelações judiciais e as ações, já julgadas ou em tramitação, têm sido utilizadas pelo deputado como prova de ação contra igrejas, ou comprovação de“cristofobia” no Brasil – ainda que não tenha resultado em prejuízo ou cassação de atividade parlamentar para o deputado.

Eliziane tem sido hostilizada no segmento evangélico?

Marco Feliciano alegou que a Eliziane Gama tem sido vaiada nas igrejas e no seu estado do Maranhão (minuto 3:09 do vídeo da TV Senado).

Bereia, após pesquisa, inferiu que o deputado repercutiu em sua fala postagens de mídias sociais que divulgaram que Eliziane Gama teria sido vaiada no  Congresso de Mocidade da Assembleia de Deus em São Luis-MA (COMADESL), em julho passado. Todavia, nos vídeos, a imagem da senadora não aparece e há apenas uma narradora que alega terem ocorrido vaias – enquanto a plateia aparece conversando.

Sobre essa suposta vaia, a  Coordenação Geral do 12º do COMADESL (Congresso de Mocidade da Assembleia de Deus) em São Luís emitiu uma nota:

NOTA DA COMADESL

“ A coordenação geral do 12º COMADESL vem por meio desta nota esclarecer que todas as autoridades políticas e eclesiásticas foram recebidas durante os dias do nosso evento com o mais profundo respeito e em conformidade com os princípios do espírito cristão.

Reafirmamos o compromisso da coordenação geral em garantir que todas as autoridades convidadas sejam tratadas de maneira digna e respeitosa , reconhecendo a importância de suas posições e contribuições para o evento. Repudiamos veementemente qualquer ação ou atitude que desrespeite ou deprecie a imagem de qualquer autoridade política e eclesiástica presentes no COMADESL.

Cordialmente.

A coordenação geral do COMADESL ”

Centenário da Assembleia de Deus

Bereia também encontrou vídeos do Youtube alusivos à comemoração do centenário Assembleia de Deus em São Luís, no Maranhão, em 18 de dezembro de 2022, na qual houve a participação de Eliziane Gama. Nestes vídeos, aparece um homem adjetivando a senadora de “comunista”. A relatora da CPMI e um senhor (com Bíblia na mão) continuam conversando e é possível ver que Eliziane circula entre a multidão sem seguranças e sem ser incomodada por outros participantes.

Fonte: YouTube

Imagem: reprodução do YouTube

Bereia entrou em contato com a assessoria da senadora Eliziane Gama a respeito do embate, a qual enviou o seguinte pronunciamento:

“ A senadora Eliziane Gama é membro da Assembleia de Deus em São Luís (IADESL), professora de Escola Bíblica Dominical (EBD) e filha de pastor assembleiano que tem mais de 40 anos de vida ministerial. Nos mais de 15 anos de vida pública, a parlamentar maranhense sempre defendeu a Justiça, a Vida e os mais vulneráveis.

Por causa da decisão de votar no presidente Lula no segundo turno das Eleições 2022, ela enfrenta hostilidade e ataques de alas mais radicais bolsonaristas no segmento evangélico.

No entanto, Eliziane Gama continua se congregando regularmente na IADESL e cumprindo sua tarefa como professora de EBD.

Sobre vídeo que circula sobre suposta vaia, há uma distorção sobre fato ocorrido durante o evento. Eliziane Gama foi bem recebida durante o Congresso de Juventude, não fez uso do microfone durante o evento. Porém, imagem de entrevista concedida apareceu no telão durante início de apresentação de uma coreografia, o que trouxe descontentamento para os que acompanhavam a programação.

Desde que assumiu a tarefa de ser relatora da CPMI dos Atos de 8 de janeiro, a senadora tem sido vítima de ataques constantes e discurso de ódio nas redes sociais.

Durante as sessões da Comissão Parlamentar de Inquérito enfrenta interrupções constantes, escárnios e discursos questionando sua competência e compromisso com a investigação dos fatos. O deputado Marco Feliciano também reproduz esse comportamento durante as sessões e nas redes sociais ao fazer referência à parlamentar.

Eliziane Gama respeita a autoridade dos líderes religiosos e pastores, só respondeu após o deputado federal fazer publicação no Twitter ironizando a situação e tripudiando da senadora. “

Bereia avalia que o deputado federal Marco Feliciano em sua tréplica no debate com a senadora Eliziane Gama, durante sessão da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro, lançou mão de conteúdo falso e enganoso, ao afirmar que sofre perseguição da parte da senadora, por conta de sua religião. Pode-se observar que ambos disputam politicamente o campo e o discurso religioso – inclusive com a citação de passagens bíblicas no debate parlamentar.

Bereia também chama a atenção para o fato de a senadora evangélica Eliziane Gama (PSD-MA) ter sido  frequentemente desqualificada em sua função na relatoria da CPMI – por diversos parlamentares da oposição ao atual governo. Em postagens nas mídias sociais, a senadora é classificada como ‘burra’ e ‘analfabeta’, como forma de descredibilizar sua competência e logo, o lugar que ocupa. Tem sido também chamada de “mentirosa” e apontada como “relatora de um documento pronto”. Como foi apresentado em artigo publicado pelo Bereia, esta tentativa de descredenciamento é parte de uma violência política de gênero, segundo pesquisas têm indicado e sobre as quais há farta comprovação.

Referências de checagem:

Bereia. https://coletivobereia.com.br/desinformacao-de-genero-violencia-politica-em-perspectiva/ Acesso em 11 SET 2023

Senado Notícias.

https://legis.senado.leg.br/comissoes/comissao?codcol=2606&_gl=1*w4zgsy*_ga*MjA3MDgyNDU1LjE2OTQyNzA0ODE.*_ga_CW3ZH25XMK*MTY5NDI3MDQ4MC4xLjEuMTY5NDI3MDY4MC4wLjAuMA Acesso 11 SET 2023

https://www12.senado.leg.br/noticias/videos/2023/08/ao-vivo-comissao-parlamentar-mista-de-inquerito-do-8-de-janeiro-24-8-23 Acesso em 11 SET 2023

https://www25.senado.leg.br/web/senadores/senador/-/perfil/5718 Acesso em 11 SET 2023

YouTube.

https://www.youtube.com/watch?v=CxwjfUo0wWQ (depoimento do sargento do Exército, Luís Marcos dos Reis – 24/08/2023) Acesso em 11 SET 2023

https://www.youtube.com/watch?v=8cHV49mb_r4  Acesso em 11 SET 2023

https://www.youtube.com/watch?v=Vq9fgFCbIIc Acesso em 11 SET 2023

Câmara dos Deputados.

https://www.camara.leg.br/deputados/178883/biografia  Acesso em 11 SET 2023

https://www.camara.leg.br/deputados/16060 Acesso 11 SET 20232

https://www.camara.leg.br/noticias/993285-cpmi-do-8-de-janeiro-ouve-general-goncalves-dias-assista Acesso em 11 SET 2023

O Globo. https://oglobo.globo.com/politica/eleicoes-2022/noticia/2022/08/apos-dizer-que-igrejas-fecharao-em-caso-de-vitoria-do-pt-feliciano-agora-fala-em-perseguicao-aos-evangelicos-por-parte-da-rf.ghtml Acesso em 11 SET 2023

Poder 360. https://www.poder360.com.br/eleicoes/perseguicao-do-pt-aos-crentes-ja-comecou-diz-feliciano/ Acesso em 11 SET 2023

Jornal do Brasil. https://www.jb.com.br/brasil/informe-jb/2023/08/1045577-video-a-lapada-da-senadora-eliziane-gama-no-deputado-marcos-feliciano.html Acesso em 11 SET 2023

CNN Brasil. https://www.cnnbrasil.com.br/politica/eliziane-bate-boca-com-feliciano-e-diz-que-deputado-e-misogino-e-abjeto/ Acesso em 11 SET 2023

Portal G1. https://g1.globo.com/politica/noticia/2023/08/24/pessoa-abjeta-e-misogina-mentirosa-contumaz-eliziane-gama-e-marco-feliciano-trocam-ofensas-na-cpi.ghtm Acesso em 11 SET 2023

Senador Magno Malta zomba de racismo sofrido pelo jogador Vinícius Júnior

O caso de racismo sofrido pelo jogador brasileiro Vinícius Júnior, durante uma partida de futebol na Espanha, foi comentado pelo senador evangélico Magno Malta (PL-ES) na sessão da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, em 23 de maio passado e gerou muita controvérsia.

Com manifestações de apoio de alguns (não identificados) colegas de comissão, o senador eleito com mais de 800 mil votos, pelos cidadãos do Espírito Santo, declarou sobre o caso de racismo: “ O mais triste para mim  é que as emissoras ficam com esse assunto desde ontem, reverberando [“reverberando”, afirma colega apoiador ], revitimizando ele, porque o assunto dá Ibope, para eles ganhar (sic) mais patrocinador (sic). É uma descaração isso… É um assunto que eu nem posso falar em público. … Quando o cara é picado de cobra, quando ele corre para tomar injeção, aquela injeção foi feita de quê? [“de cobra”, reverbera apoiador não identificado] Então, você só pode matar uma coisa com o próprio veneno de alguma coisa, está bem?… Então, é o seguinte: cadê os defensores da causa animal que não defendem o macaco? O macaco está exposto…. Veja quanta hipocrisia. O macaco é inteligente, é bem pertinho do homem, a única diferença é o rabo. É ágil, valente, alegre, tudo que se pode imaginar ele tem Eu se fosse jogador negro, entrava em campo como uma leitoa branca nos braços e ainda dava um beijo nela. Falava assim: ‘olha como não tenho nada contra branco’.”

Na  continuação da fala, o senador nega a existência do racismo no Brasil, cita pessoas negras, já falecidas, com destaque na imprensa e desqualifica o trabalho da imprensa dizendo que “aquilo que fizeram com ele, a gente leva tudo para a cor da pele, mas tem muita coisa envolvida ali, tem inveja… é pai que queria ver o filho jogar, botou na escolinha de futebol e não deu em nada… aí tem inveja e inveja mata… leva as pessoas pra tudo isso… então, eles podiam chamar psicólogos, pessoas que entendem comportamento, pra desqualificar essa gente, pela via da inveja, mas não fica ali só, botando Vini Jr. chorando… e agora vamos para os comerciais… ele virou um instrumento desses vagabundos ganharem dinheiro… Finaliza, negando a discriminação racial: “as pessoas não sabem: quando duas mãos se encontram e dois corpos se unem… reflete no chão a sombra da mesma cor”.  

Imagem: Agência Brasil

Conselho de Ética

Líderes dos partidos PSOL, Rede e  PT afirmaram entrar com representação contra Magno Malta no Conselho de Ética do Senado e com uma notícia-crime contra o senador no Supremo Tribunal Federal (STF). O líder do PT no Senado, o também parlamentar pelo Espírito Santo Fabiano Contarato, afirmou em nota divulgada à imprensa que vai apresentar ao Supremo a abertura de inquérito por injúria racial, chamando as declarações de Malta de racistas.

“Durante seu comentário, Malta fez diversas declarações injuriosas, incluindo uma pergunta sobre ‘onde estariam os defensores da causa animal que não defendem o macaco?”, fazendo uma comparação notoriamente utilizada em falas racistas’, registra a nota de Contarato, que acrescenta: “Como pai de duas crianças negras, não posso ignorar o que testemunhei, mesmo que essa fosse a opção mais fácil. O Judiciário precisa demonstrar seu compromisso no combate ao racismo, punindo com maior rigor aqueles que, amparados pelo poder de seus cargos públicos, sentem-se à vontade para discriminar impunemente o povo negro em plena luz do dia”.

Neste 25 de maio, o procurador-geral da República Augusto Aras, pediu ao STF a abertura de um inquérito contra o senador Magno Malta por ofensas a Vinicius Junior. Aras pediu à corte autorização para apurar a gravidade das declarações do senador. 

O político Magno Malta

Imagem: Marcos Oliveira/Agência Senado

Magno Malta é um político evangélico com origem na Igreja Batista. Foi pastor e tornou-se cantor de pagode gospel. Construiu carreira política no estado do Espírito Santo: vereador em Cachoeiro de Itapemirim (1993), deputado estadual (1995), deputado federal (1999) e senador (2003 a 2018), tendo retornado ao Senado em 2023. Passou pelo PTB, pelo PL, pelo PR e retornou ao PL.

Malta ganhou notoriedade ao presidir duas Comissões Parlamentares de Inquérito no Congresso, a do Narcotráfico, na Câmara Federal, e a da Pedofilia, no Senado. Como senador, aliou-se à chamada Bancada da Bala, e atuou em torno da pauta da diminuição da maioridade penal.

Magno Malta foi investigado, sem conclusões, em vários escândalos de corrupção ao longo de sua carreira política, entre eles o caso dos Sanguessugas (desvio de verbas públicas na compra de ambulâncias (2006). Em 2009, apareceu como beneficiado pelos “atos secretos” que vieram a público após uma série de denúncias, segundo as quais vários atos administrativos envolvendo nepotismo e medidas impopulares não vinham sendo devidamente divulgados. Ainda em 2011, foi citado no escândalo do Ministério dos Transportes, que revelou acertos entre empreiteiras com o Partido da República (PR), que receberia propinas em troca de obras superfaturadas. 

Em 2018, uma nova denúncia revelou que Malta gastou R$ 472 mil, de cota parlamentar, em dois postos de gasolina do Espírito Santo, o equivalente a percorrer o seu estado 2.823 vezes, ou cruzá-lo a cada 29 horas durante os nove anos de mandato. Os valores declarados pelos outros dois senadores do ES somados se distanciavam muito do valor apresentado por Magno. Os dois postos de gasolina pertenciam ao ex-deputado estadual e ex-chefe da Casa Civil do Espírito Santo José Tasso Oliveira de Andrade, condenado em segunda instância por roubo de dinheiro público. Não houve prosseguimento à denúncia.

Malta chegou a ser considerado como vice-presidente na chapa do candidato à presidência Jair Bolsonaro em 2018, mas o capixaba acabou derrotado para a reeleição como senador.  

Racismo é tipificado como crime no Brasil

Racismo é tipificado como crime no país desde a promulgação da  Lei 7.716/89, conhecida com Lei do Racismo, que pune todo tipo de discriminação ou preconceito, seja de origem, raça, sexo, cor, idade. Em seu artigo 3º, a lei prevê como conduta ilícita o ato de impedir ou dificultar que alguém tenha acesso a cargo público ou seja promovido, tendo como motivação o preconceito ou discriminação. Por exemplo, não deixar que uma pessoa assuma determinado cargo por conta de raça ou gênero. A pena prevista é de 2 a 5 anos de reclusão. 

A lei também veda que empresas privadas neguem emprego por razão de preconceito. Esse crime esta previsto no artigo 4o. da mesma lei, com mesma previsão de pena.

Em 12 de janeiro de 2023, foi publicada no Diário Oficial da União a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Lei 14.532, de 2023, que tipifica como crime de racismo a injúria racial, com a pena aumentada de um a três anos para de dois a cinco anos de reclusão. Enquanto o racismo é entendido como um crime contra a coletividade, a injúria é direcionada ao indivíduo.

Embora desde 1989 a Lei 7.716 (Lei de Crime Racial) tenha tipificado crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, a injúria continua tipificada apenas no Código Penal.

Assim, a pena de um a três anos de reclusão continua para a injúria relacionada à religião ou à condição de pessoa idosa ou com deficiência, aumentando-se para dois a cinco anos nos casos relacionados a raça, cor, etnia ou procedência nacional.

Daqui em diante, todos os crimes previstos na Lei 7.716 terão as penas aumentadas em um terço até a metade quando ocorrerem em contexto ou com intuito de descontração, diversão ou recreação.

Em relação ao crime de injúria, com ofensa da dignidade ou decoro, em razão de raça, cor, etnia ou procedência nacional, a pena é aumentada da metade se o crime for cometido por duas ou mais pessoas. 

Quando o crime de injúria racial ou por origem da pessoa for cometido por funcionário público no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las, a pena será aumentada em um terço.

O agravante será aplicado também em relação a outros dois crimes tipificados na Lei 7.716:

  • praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional: reclusão de um a três anos e multa;
  • fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada para fins de divulgação do nazismo: reclusão de dois a cinco anos e multa.

Para esses dois tipos de crime, se a conduta ocorrer “no contexto de atividades esportivas, religiosas, artísticas ou culturais destinadas ao público”, será determinada pena de reclusão de dois a cinco anos e proibição de o autor frequentar, por três anos, locais destinados a práticas esportivas, artísticas ou culturais destinadas ao público, conforme o caso.

O texto atualiza o agravante (reclusão de dois a cinco anos e multa) quando o ato é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou de publicação de qualquer natureza, incluindo também os casos de postagem em redes sociais ou na internet.

Sem prejuízo da pena pela violência, quem dificultar, impedir ou empregar violência contra quaisquer manifestações ou práticas religiosas será punido com reclusão de um a três anos e multa. 

Na interpretação da lei, o juiz deve considerar como discriminatória qualquer atitude ou tratamento dado à pessoa ou a grupos minoritários que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida e que usualmente não se dispensaria a outros grupos em razão da cor, etnia, religião ou procedência. Quanto à fase processual, seja em varas cíveis ou criminais, a vítima dos crimes de racismo deverá estar acompanhada de advogado ou de defensor público.

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Ao checar o ocorrido no Senado Federal, Bereia verificou que é verdade que a declaração em tom de zombaria do senador Magno Malta ocorreu. O senador, de fato, se pronunciou em tom de deboche, no exercício de sua função, em relação à comoção causada pelo ato de racismo sofrido por Vinícius Júnior, ao argumentar, em público, que macacos (imagem usada pela torcida do time do Valência para atacar o jogador) deveriam ser defendidos. Ao se utilizar de tom “jocoso”, escarnecedor, ao referir-se a leitões e macacos, o senador promove desinformação, desqualificando o caso que teve ampla repercussão e condenação internacional. 

Bereia também alerta leitores e leitoras para o discurso do senador, que obteve apoio. Confundir o racismo  com uma atitude individual – de ressentimento ou inveja diante do sucesso de uma outra pessoa – além de promover desinformação é, também uma forma perversa de promoção do agressor e silenciamento da vítima.É desconsideração para com a denúncia e uma minimização na atitude daqueles que promovem e perpetuam o racismo. A postura do senador do PL, ainda, encontra reverberação entre as pessoas que promovem o racismo ou se colocam contra a pauta antirracista. 

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Referências de checagem:

UOL. https://www.uol.com.br/esporte/futebol/ultimas-noticias/2023/05/22/espanha-tem-historico-de-racismo-contra-jogadores-e-ronaldo-ja-foi-vitima.htm Acesso em: 26 mai 2023

Globoesporte.com https://ge.globo.com/futebol/futebol-internacional/futebol-espanhol/noticia/2023/05/22/veja-todas-as-denuncias-de-racismo-contra-vinicius-junior-em-laliga-nenhuma-punicao-esportiva.ghtml Acesso em: 26 mai 2023

Folha de S.Paulo.

https://www1.folha.uol.com.br/esporte/2023/05/entenda-o-caso-de-racismo-contra-vinicius-junior.shtml Acesso em: 26 mai 2023

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/painel/2023/05/aras-pede-inquerito-contra-magno-malta-por-ofensas-a-vini-jr.shtml Acesso em: 26 mai 2023

Lance. https://www.lance.com.br/lancebiz/casos-de-racismo-na-espanha-especialistas-avaliam-impactos-nos-negocios-da-laliga.htmlhttps://www.gazetaesportiva.com/bastidores/veja-os-principais-casos-de-racismo-na-historia-recente-do-futebol-brasileiro/ Acesso em: 26 mai 2023

YouTube.

https://www.youtube.com/shorts/7n6x1ZxoATM Acesso em: 26 mai 2023

https://www.youtube.com/watch?v=A8CxxEb89Aw&pp=ygUbbWFnbm8gbWFsdGEgdmluaWNpdXMganVuaW9y Acesso em: 26 mai 2023

https://www.youtube.com/watch?v=_X9qzG1_p_c&pp=ygUbbWFnbm8gbWFsdGEgdmluaWNpdXMganVuaW9y Acesso em: 26 mai 2023

https://www.youtube.com/watch?v=wXBZiJP2W3U Acesso em: 26 mai 2023

Diário do Nordeste. https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/jogada/magno-malta-e-denunciado-ao-conselho-de-etica-e-stf-apos-fala-racista-contra-vini-jr-veja-video-1.3372873 Acesso em: 26 mai 2023

O Estado de São Paulo. https://www.estadao.com.br/tudo-sobre/magno-malta/ Acesso em: 26 mai 2023

Tribunal de Justiça do Distrito Federal. https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-facil/edicao-semanal/lei-do-racismo Acesso em: 26 mai 2023

Normas Legislativas.

http://normas.leg.br/?urn=urn:lex:br:federal:lei:2023-01-11;14532 Acesso em: 26 mai 2023

http://normas.leg.br/?urn=urn:lex:br:federal:lei:2023-01-11;14532 Acesso em: 26 mai 2023

http://normas.leg.br/?urn=urn:lex:br:federal:decreto.lei:1940-12-07;2848 Acesso em: 26 mai 2023

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Foto de capa: Moreira Mariz/Agência Senado

Lideranças evangélicas publicam falsidades sobre a crise humanitária dos Yanomamis

* Matéria atualizada em 24/01/2023 às 12:54 para ajustes de texto e inserção de informações

Bereia recebeu pedido/s de checagem quanto à crise humanitária do povo Yanomami. Após a /divulgação de denúncias  da grave situação de inanição e desnutrição de homens, mulheres e crianças indígenas, uma comitiva liderada pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e os ministros dos Direitos Humanos, da Saúde, dos Povos Originários e da Defesa visitou, em 21 de janeiro, a região dos yanomamis em Roraima.

Apesar dos documentos anteriores (que somaram várias páginas), ações de socorro aos povos da tribo Yanomami abortadas e dos relatos do drama daquelas pessoas, que vieram à tona nos últimos dias, influenciadores evangélicos e simpatizantes do ex-presidente Jair Bolsonaro disseminaram desinformação.  Publicações em mídias digitais passaram a questionar a veracidade das imagens, os dados apresentados, a nacionalidade dos indígenas (com a falsa alegação de que são venezuelanos) e, também, o grau de responsabilidade do governo anterior diante das denúncias de etnocídio e pelas mortes por inanição, que  entre elas mais de 500 crianças. 

Imagem: reprodução do site Poder DF
Imagem: reprodução do Instagram do pastor Ricardo Martins

O Ministério da Saúde instalou o Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública (COE – Yanomami) como mecanismo nacional da gestão coordenada da resposta neste campo. A gestão do COE estará sob responsabilidade da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai/MS), considerando a tipologia da emergência. 

Uma equipe da Força Nacional do Sistema Único de Saúde (SUS) com 13 profissionais instalou um Hospital de Campanha. Outra equipe multidisciplinar com oito profissionais da área de saúde da Aeronáutica (FAB) foi deslocada de Manaus (AM) para a região de Surucucu (a cerca de 270 km a oeste da capital roraimense).  Outra medida é o início do transporte de retorno para as aldeias dos yanomamis sem problemas de saúde e que se encontram na Casa de Saúde Indígena de Boa Vista. 

Por determinação do presidente Lula, os ministros de diversas áreas estão adotando uma série de medidas de enfrentamento à grave crise.

A ação interministerial irá acompanhar de perto a crise sanitária do povo Yanomami, vítima de desnutrição e de outras violações dos direitos humanos – com atenção especial para as ameaças de morte a autoridades, agentes de saúde e indigenistas, já anteriormente denunciadas ao Governo Federal (leia aqui o inteiro teor das denúncias anteriores)

Damares se defende, mas cai em contradição

No campo das denúncias que circulam nas mídias sociais, além de Jair Bolsonaro,  o nome mais citado de autoridades a serem responsabilizadas  é o da ex-ministra e senadora eleita Damares Alves (PL/DF).

Imagem: reprodução do site Yahoo!Notícias
Imagem: reprodução da coluna de Guilherme Amado, no site do jornal O Globo

Imagem: reprodução de tweets do procurador do MPF Mario Bonsaglia relatando a situação com os Yanomamis nos últimos três anos

Com a publicação de matérias jornalísticas que expuseram documentos e ofícios que mostram omissão do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos diante de denúncias da grave situação dos yanomamis, desde 2019, Damares Alves publicou tuítes nos quais alega ter realizado ações a favor dos indígenas, afirmando que os governos anteriores é que provocaram o caos. Tais justificativas, que serão checadas posteriormente pelo Bereia, acabaram contrapondo seus próprios apoiadores e os do governo Bolsonaro que insistiam nas publicações de negação da crise humanitária e da identidade dos yanomamis.

Imagem: reprodução do Twitter do Ministério da Saúde

Na noite de 23 de janeiro, o Ministério da Saúde publicou nota com a afirmação de que é falsa a informação de indígenas encontrados em estado grave não são brasileiros. 

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Bereia verificou serem falsas as publicações que circulam em mídias digitais de lideranças e influenciadores religiosos negadoras da crise humanitária e da própria identidade dos yanomamis brasileiros, habitantes da terra indígena em Roraima. Qualquer publicação neste sentido, além de falsa, é manifestação de desumanidade diante da situação dramática vivida por aquela população.

Referências de checagem:

Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI). https://www.gov.br/funai/pt-br/assuntos/noticias/2023/conheca-as-medidas-de-socorro-aos-yanomami-ja-anunciadas-pelo-governo-federal Acesso em: 23 jan 2023.

Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2197283 Acesso em: 23 jan 2023.

O Globo.
https://oglobo.globo.com/epoca/guilherme-amado/damares-alegou-falta-de-consulta-indigenas-ao-pedir-veto-para-oferta-de-uti-agua-potavel-24632056?versao=amp Acesso em: 23 jan 2023.

Yahoo!Notícias. https://br.noticias.yahoo.com/veto-de-bolsonaro-a-lei-de-protecao-a-indigenas-foi-pedido-de-damares-141323609.html Acesso em: 23 jan 2023.

Twitter.
https://twitter.com/Mario_Bonsaglia/status/1617315163626946560?t=4gdNGTxGwgxuBFU1LO-AYg&s=19 Acesso em: 23 jan 2023.

https://twitter.com/DamaresAlves/status/1617219040535089154?cxt=HHwWhMC8scSJwvEsAAAA Acesso em: 23 jan 2023.

https://twitter.com/minsaude/status/1617648714566471693 Acesso em: 23 jan 2023.

Ministério da Saúde. https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2023/janeiro/ministerio-da-saude-esclarece-que-indigenas-resgatados-no-territorio-yanomami-sao-brasileiros-1 Acesso em: 23 jan 2023.

FERNANDES, Rhuan Muniz Sartore. A epidemia do garimpo ilegal e o avanço da covid-19 na terra indígena Yanomami. Revista Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 7, nº 14, pp. 214-226, maio-agosto de 2021.

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Foto de capa: Ricardo Stuckert/Presidência da República

Nacionalismo cristão promove terrorismo no Brasil

* Matéria atualizada às 15:08 de 19/01/2023 para acréscimo ao final do texto de organizações que se manifestaram contra os atos em Brasília

Os ataques às instituições da República Federativa do Brasil – em especial ao Supremo Tribunal Federal (STF) – saíram da retórica para a ação, após a derrota eleitoral do candidato da extrema-direita, Jair Messias Bolsonaro, em 30 de outubro de 2022. 

Nacionalistas cristãos, também chamados de “golpistas”, “bolsonaristas radicais” e “terroristas domésticos” promoveram um atentado, bloquearam estradas, ocuparam áreas militares e atacaram as sedes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, no último domingo 8 de janeiro)

O objetivo do grupo, que marchou escoltado pela Polícia Militar de Brasília até chegar aos prédios públicos, cantando hinos, cânticos espirituais e utilizando símbolos religiosos, era, como publicizado pelo próprio nas mídias sociais, uma tomada hostil do poder e a instauração de um golpe de Estado. 

Desde o fim das eleições, quando bloquearam estradas e iniciaram os acampamentos em frente aos quartéis do Exército Brasileiro, os revoltosos clamavam pela mobilização das tropas e “virada de mesa” na derrota eleitoral – nesses quatro meses, além de agredirem verbalmente os eleitores de Lula, os derrotados perseguiram e saquearam jornalistas, espancaram agentes de segurança, destruíram viaturas e saquearam as sedes dos Três Poderes (exibindo nas fotografias e vídeos os resultados das ações como troféus de uma guerra santa).  

Em 12 de dezembro, como forma de protesto contra a prisão do pastor evangélico indígena José Acácio Tserere Xavante, cinco bolsonaristas foram presos após ataque ao prédio da Polícia Federal em Brasília. O ápice da escalada em direção ao terrorismo doméstico foi a tentativa de explodir um caminhão-tanque no Aeroporto de Brasília, em 24 de dezembro passado. 

Caminhão de combustível com artefato explosivo (imagem: Correio Braziliense)

Frustrados na ação que visava impedir a posse do presidente eleito, o movimento rearticulou-se para “retomar o poder” em 8 de janeiro de 2023. Religiosos atuaram nas convocações.

O cantor gospel Salomão Vieira, apontado como um dos articuladores dos atos em Brasília, teve sua conta banida do Instagram nesta semana após transmitir em tempo real as invasões às sedes dos Três Poderes. Segundo reportagem da rádio CBN, ele teria financiado com ao menos 10 mil reais em suprimentos para manifestantes golpistas. 

Já o pastor José Acácio Tserere Xavante não participou da invasão em Brasília. Preso desde dezembro por determinação do STF, o indígena publicou uma carta na quinta-feira 5 de janeiro, pedindo desculpas pelos seus atos e reconhecendo que errou ao dizer que havia fraude nas urnas eletrônicas. Bereia já confirmou a biografia de José Acácio Tserere Xavante em matéria anterior.

O terrorismo doméstico brasileiro, que é denominado como “fascismo verde-amarelo”, pelo presidente do Instituto Carioca de Criminologia, o ex-governador presbiteriano Nilo Batista, titular de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da Universidade Candido Mendes, revisita as práticas de movimentos fascistas italianos da década de 1930, atualizando-as com ações e retórica “conspiracionista global” imitadas do movimento trumpista “Make America Great Again (em português: Torne a América Grande Novamente), negando em especial o papel da Justiça, como árbitro final do Estado de Direito.

Reações das igrejas, organizações e influenciadores religiosos

Desde o domingo, dia 8 de janeiro, igrejas e organizações religiosas têm se manifestado contra as tentativas de incentivo à sedição, golpe de Estado ou guerra civil. Os clamores pela paz e pela manutenção da lei e da ordem vão desde a Universidade Presbiteriana Mackenzie e ANAJURE (anteriormente alinhados ao governo Bolsonaro) até instituições que sempre se posicionaram contra atos da extrema-direita brasileira (como a CNBB e CONIC). Estão listados ao final da matéria os links e os pronunciamentos na íntegra daqueles a que Bereia teve acesso até o fechamento desta matéria.

O jornalista e teólogo da Assembleia de Deus, Ministério Belém, Gutierres Fernandes Siqueira autor de três livros pela Casa Publicadora das Assembleias de Deus (CPAD) e pela Thomas Nelson Brasil, publicou um artigo analítico, na revista evangélica Christianity Today (Cristianismo Hoje), em 10 de janeiro, e no jornal Folha de S. Paulo, em 11 de janeiro), no qual sugere que a Igreja Brasileira e o país precisam exorcizar o nacionalismo religioso messiânico. 

O pastor da Igreja Batista e músico cristão Nelson Bomilcar, definiu os líderes evangélicos que incentivaram a rebelião como “influencers do caos”. Bomilcar também escreveu : “Precisamos de (uma) campanha nacional para diminuir violência de toda espécie. Desarmamento é fundamental. Violência é injustificável em qualquer situação (…) Violência por qualquer motivo: Religiosa, política, policial”.

Até o momento, ao contrário do que ocorreu nos EUA em 6 de janeiro de 2021, com a invasão do Capitólio por extremistas, o nacionalismo evangélico ainda não provocou vítimas fatais  – concentrando suas ações em bloqueios econômicos, destruição de patrimônio público e ameaças. Podem, também, figurar nessa lista, os atos que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aponta como “sabotagem” e vandalismo”, ocorridos entre 8 e 10 de janeiro, nas redes de transmissão do Paraná e Rondônia

O teólogo Ronilson Pacheco, Mestre em Religião e professor assistente da Universidade de Filosofia de Oklahoma (EUA) avalia: “Sem um monitoramento inteligente de como a extrema-direita se movimenta, seu núcleo organizado e desorganizado, de onde vem estratégias e narrativas, sem conhecer a capilaridade de suas ideologias e atravessamentos, principalmente religiosos, vai ser um ataque atrás do outro”. 

Além das prisões em flagrante dos que praticaram as ações criminosas de 8 de janeiro, ao solicitar a prisão do ex-ministro da Justiça de Jair Bolsonaro e do ex-secretário de segurança pública do Distrito Federal, o Supremo Tribunal Federal (STF) registrauma possível organização criminosa que tem por um de seus fins desestabilizar as instituições republicanas, principalmente aquelas que possam contrapor-se de forma constitucionalmente prevista a atos ilegais ou inconstitucionais… utilizando-se de uma rede virtual de apoiadores que atuam, de forma sistemática, para criar ou compartilhar mensagens que tenham por mote final a derrubada da estrutura democrática e o Estado de Direito no Brasil”.

Após o decreto de intervenção federal na segurança pública de Brasília e os mandados de busca e prisão dos sediciosos, monitoramento de mídias sociais demonstram que os mesmos nomes que incentivaram a ocupação dos acampamentos em frente aos quartéis e clamavam pela “intervenção”, começaram a clamar por direitos humanos e apelaram às organizações internacionais na denúncia de uma “ditadura comunista” instaurada no Brasil. 

Detidos pedem ajuda aos Direitos Humanos (reprodução do Twitter)

Mensagens enganosas, relatando maus tratos aos detidos, falecimentos e suicídios passaram a circular intensamente. A deputada federal Bia Kicis, inclusive, espalhou a mentira em um de seus pronunciamentos, mas retratou-se posteriormente, por meio da sua conta no Twitter.

Reprodução do Twitter
Reprodução do Twitter

A Polícia Federal divulgou uma nota combatendo a desinformação disseminada e notificou que após a detenção em flagrante de 1.500 pessoas, entre vândalos e acampados em Brasília, idosos e mulheres com crianças já foram liberados. 

Reprodução do Twitter

Até o fechamento desta matéria, as autoridades já receberam mais de 60 mil denúncias de promoção e patrocínio de atos anti-democráticos. Ao todo, foram detidas em Brasília, 1.843 pessoas. Todas foram identificadas pela Polícia Federal e irão responder por crimes de terrorismo, associação criminosa, atentado contra o Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, perseguição, incitação ao crime, sedição, dentre outros. Há 684 detidos, entre os quais há idosos, pessoas com problemas de saúde, pessoas em situação de rua e pais/mães acompanhados de crianças responderão em liberdade.

A Polícia Federal qualificou, interrogou e prendeu 1.159 pessoas. Há, ainda, novos mandados de prisão, busca e bloqueio de bens – especialmente de empresários e financiadores do movimento, com um total de 50 investigações relatadas até o momento. Não há ações contra igrejas.

Envie vídeos e publicações nas mídias sociais para o Bereia

Bereia continuará coletando e analisando as publicações, vídeos e mensagens enviadas por pastores, igrejas e organizações religiosas sobre os atos de sedição e terrorismo doméstico ocorridos entre 30 de outubro de 2022 e 8 de janeiro de/2023.  

Envie-os pelo formulário abaixo:

https://forms.gle/MRHk1fEVZazba2hi9

Lista de links de líderes e organizações que se manifestaram contra os atos terroristas:

Reprodução do Linkedin

Universidade Presbiteriana Mackenzie – https://www.linkedin.com/posts/professorflaviodeleaobastos_activity-7018235852199739392-X_nY

Conselho dos Pastores Evangélicos do Distrito Federal (Copev-DF), Mitra Arquidiocesana de Brasília, Federação Espírita do Distrito Federal, Central Organizada de Matriz Africana (Afrocom) e Igreja Sirian Ortodoxa de Antioquia – Missão no Brasil – https://noticias.r7.com/brasilia/entidades-religiosas-divulgam-nota-de-repudio-a-atos-e-pedem-retorno-de-ibaneis-rocha-10012023

ANAJURE – https://anajure.org.br/nota-publica-sobre-a-invasao-as-sedes-dos-tres-poderes-na-cidade-de-brasilia/

Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC) – https://www.conic.org.br/portal/conic/noticias/conic-e-igrejas-historicas-manifestam-repudio-pelos-atos-terroristas-praticados-em-brasilia

UNIGREJAS, União Nacional das Igrejas e Pastores Evangélicos – https://www.unigrejas.com/noticia/4573/nota-acerca-da-invasao-aos-predios-dos-tres-poderes.html

Aliança de Batistas do Brasil – https://www.facebook.com/aliancadebatistas/posts/pfbid031KXzfyPA35gvGeC35A1zWVKHutzBEanEBUEaFKeMEjBFBjKk5zWnpS1LkFApQ2Vil

Igreja Adventista – https://noticias.adventistas.org/pt/imprensa/notas-oficiais/nota-publica/

Aliança Cristã Evangélica Brasileira – https://aliancaevangelica.org.br/2023/01/09/alianca-lamenta-e-repudia-ataques-aos-tres-poderes/

Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito – https://www.instagram.com/p/CnLfnktLzZZ/ 

CNBB – https://www.cnbb.org.br/organismos-do-povo-de-deus-da-igreja-no-brasil-repudiam-ataques-feitos-contra-as-sedes-dos-tres-poderes-da-republica-em-brasilia/

Resistência Reformada – www.instagram.com/p/CnLQvzGOZPy/?igshid=YmMyMTA2M2Y%3D

Igreja Episcopal Anglicana do Brasil – https://www.ieab.org.br/2023/01/09/ieab-manifesta-repudio-pelos-atos-terroristas-perpetrados-em-brasilia/

Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) – https://www.luteranos.com.br/textos/manifesto-da-ieclb-sobre-invasao-em-brasilia

Igreja Metodista – https://www.metodista.org.br/nota-de-repudio-a-atos-de-violencia-e-vandalismo/

Igreja Presbiteriana Unida – http://ipu.org.br/nota-de-repudio-atos-golpistas/

Associação Nacional de Educação Católica do Brasil (ANEC)

Aliança Bíblica Universitária do Brasil (ABUB) – https://www.instagram.com/p/CnUdgdkOEht/

Associação Nacional de Educação Católica do Brasil (ANEC) – https://anec.org.br/noticias/nota-de-repudio/

Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos – CEBI – https://www.instagram.com/p/CnMvWK2un1y/

Coletivo Mulheres Presbiterianas do Brasil – https://www.facebook.com/coletivompb/posts/pfbid02DPMpNiJLY7sSZXJvayNtBR6zCsezpJtVzKQdzJMZCGF82RcAvcSpmAAR7yo5a1Hvl

Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) do Estado de São Paulo (Regional Sul-1 da CNBB) – https://cebsdobrasil.com.br/nota-de-repudio-das-cebs-sul-1-aos-atos-terroristas-de-08-de-janeiro/

Confederação dos Conselhos de Pastores do Brasil (Concepab) e Fórum Evangélico Nacional de Ação Social e Política (Fenasp) – https://saranossaterra.com.br/concepab-e-fenasp-declaram-repudio-as-manifestacoes-do-dia-08-de-janeiro/

Conferência dos Religiosos do Brasil – CRB – https://crbnacional.org.br/nota-de-repudio-3/

Igreja Betesda – https://www.instagram.com/p/CnNN2yJv8Ug/

Igreja Presbiteriana Independente do Brasil (IPI) – https://ipib.org/index.php/2023/01/09/alianca-evangelica-brasileira-lanca-nota/

Igreja Sara Nossa Terra – https://twitter.com/BispoRodovalho/status/1615339078009995266

Movimento Batistas por Princípios – https://www.batistasporprincipios.com.br/2023/01/09/nota-de-repudio-ao-ataque-aos-simbolos-da-democracia/

Rede Cristã De Advocacia Popular (RECAP) – https://www.instagram.com/p/CnNen7Isxzs/

União Marista do Brasil – https://marista.org.br/noticia/nota-de-repudio/

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Referências de checagem:

Brasil de Fato. https://www.brasildefato.com.br/2023/01/08/atos-golpistas-apoiadores-de-jair-bolsonaro-invadem-congresso-nacional-veja-reacoes. Acesso em: 12 jan 2023

Folha de S. Paulo.

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/11/equipe-do-uol-e-agredida-por-manifestantes-bolsonaristas-em-resende-rj.shtml Acesso em: 12 jan 2023

https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/11/manifestantes-atacam-prf-com-tiros-e-pedras-em-bloqueio-antidemocratico-veja-video.shtml Acesso em: 12 jan 2023

https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/1752057185608884-bolsonaristas-tentam-invadir-pf-e-queimam-carros-em-brasilia#foto-1752057186239931 Acesso em: 12 jan 2023

https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2023/01/o-nacionalismo-evangelico.shtml Acesso em: 12 jan 2023

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2023/01/moraes-fala-em-organizacao-criminosa-e-omissao-para-justificar-prisao-de-ex-ministro-de-bolsonaro.shtml Acesso em: 12 jan 2023

CNN Brasil.

https://www.cnnbrasil.com.br/politica/policiais-encontram-arma-roubada-no-palacio-do-planalto-em-avenida-de-brasilia/ Acesso em: 12 jan 2023

https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/invasao-ao-capitolio-completa-um-ano-relembre-o-ataque-a-democracia-dos-eua/ Acesso em: 12 jan 2023

Contragolpe. https://www.instagram.com/p/CnKyK-KpuPa/ Acesso em: 12 jan 2023

G1.

https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2022/12/12/bolsonaristas-radicais-depredam-carros-em-frente-ao-predio-da-policia-federal-no-df.ghtml Acesso em: 12 jan 2023

https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/01/12/veja-quem-sao-os-5-mortos-na-invasao-ao-congresso-dos-eua.ghtml Acesso em: 12 jan 2023

Estado de Minas. https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2023/01/10/interna_politica,1443154/torres-de-energia-sao-derrubadas-e-aneel-cogita-vandalismo-e-sabotagem.shtml Acesso em: 12 jan 2023

Correio Braziliense. https://www.correiobraziliense.com.br/cidades-df/2022/12/5061410-com-dispositivo-remoto-homem-planejou-explosao-sob-caminhao-com-querosene.html Acesso em: 12 jan 2023

Agência Pública. https://apublica.org/2023/01/a-face-religiosa-do-terrorismo-pastores-articularam-caravanas-e-convocaram-ataques-em-bsb/ Acesso em: 12 jan 2023

CBN. https://cbn.globoradio.globo.com/media/audio/397231/cantor-gospel-salomao-vieira-e-apontado-como-um-do.htm Acesso em: 12 jan 2023

Coletivo Bereia. https://coletivobereia.com.br/indigena-preso-por-atos-antidemocraticos-e-pastor-evangelico/ Acesso em: 12 jan 2023

Conjur. https://www.conjur.com.br/2019-out-02/nilo-batista-advogado-criminal-co-construtor-jurisprudencia Acesso em: 12 jan 2023

Insurgência. https://periodicos.unb.br/index.php/insurgencia/article/view/44011 Acesso em: 12 jan 2023

Presidência da República. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/decreto/D11377.htm Acesso em: 12 jan 2023

Ministério da Justiça e Segurança Pública. https://www.christianitytoday.com/ct/2023/january-web-only/ataque-evangelicos-brasil-congresso-stf-bolsonaro-lula-pt Acesso em: 12 jan 2023

Christianity Today. https://www.christianitytoday.com/ct/2023/january-web-only/ataque-evangelicos-brasil-congresso-stf-bolsonaro-lula-pt.html Acesso em: 12 jan 2023

Twitter.

https://twitter.com/sonsdocoracao Acesso em: 12 jan 2023

https://twitter.com/sonsdocoracao/status/1611052602732728320?s=20&t=N010yzQ1XZUW4kwIJRO2CA Acesso em: 12 jan 2023

https://twitter.com/ronilso_pacheco/status/1612173564249268224 Acesso em: 12 jan 2023

https://twitter.com/Biakicis/status/1612649054164471809 Acesso em: 12 jan 2023

https://twitter.com/policiafederal/status/1612638943958413312 Acesso em: 12 jan 2023

https://twitter.com/delucca/status/1613234618588602368

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Foto de capa: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Presidente Jair Bolsonaro participa de cerimônias da maçonaria

*Com a colaboração de André Mello

* Matéria atualizada em 07/10/2022 às 11:00 para complemento de informações

Logo após a divulgação do resultado das eleições nacionais no Brasil, no domingo 2 de outubro, com a confirmação de que haverá um segundo turno na disputa para a Presidência da República, as mídias sociais de fiéis cristãos viralizaram postagens que relacionavam o candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao satanismo. A campanha do ex-presidente teve que agir com um desmentido, em 3 de outubro, o que foi checado por diversas agências jornalísticas. Bereia publicou checagem sobre o caso

A partir da terça, 4 de outubro, uma nova onda de publicações virais ocupou ambientes digitais religiosos. Desta vez o alvo foi o candidato à reeleição presidente Jair Bolsonaro (PL). Denotando uma ação de contra-ataque de apoiadores de Lula, foram publicados vários trechos de vídeos e imagens demonstrativas da presença de Bolsonaro em eventos da maçonaria e documentos indicando apoio de lojas maçônicas ao presidente.

Em um dos vídeos, postado originalmente em 2017, quando Bolsonaro era deputado federal pelo Partido Social Cristão (PSC), a caminho da campanha para a presidência, ele discursa e pede a bênção da maçonaria:

Uma imagem contendo espelho, foto, mulher, mesa
Descrição gerada automaticamente
Reprodução de vídeo que circula em mídias sociais

Em um segundo vídeo, de 2014, quando era deputado federal pelo Partido Progressista (PP), Bolsonaro participa da comemoração de 50 anos do golpe militar de 1964, em uma loja maçônica, acompanhado do atual ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República General Augusto Heleno Ribeiro Pereira:

Pessoas em uma sala
Descrição gerada automaticamente com confiança média
Reprodução de vídeo que circula em mídias sociais

Grupo de homens com uniforme militar posando para foto
Descrição gerada automaticamente
Imagem que circula em mídias sociais

Em uma das imagens a esposa do presidente Michelle Bolsonaro também aparece em uma das lojas maçônicas:

Multidão de pessoas em pé
Descrição gerada automaticamente com confiança média
Foto que circula em mídias sociais

As imagens divulgadas mostram também a vinculação de ministros e apoiadores de Bolsonaro com a maçonaria:

Grupo de homens com uniforme militar
Descrição gerada automaticamente
Foto que circula em mídias sociais com o ex-ministro Tarcísio Freitas em uma loja maçônica
Foto que circula em mídias sociais com o casamento da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) em uma loja maçônica

Nesta quinta, 6 de outubro, constava na agenda do Vice-Presidente Hamilton Mourão constava uma visita a uma loja maçônica em Manaus. Mourão, aliás, surgiu para o cenário político após viralizar um discurso no qual o então Secretário de economia e finanças do Exército defendia uma intervenção militar no país.

Reprodução do Twitter

Um dos documentos publicados na rede digital, assinado pelo Grão-Mestre Edimo Muniz Pinho, de uma das principais instituições maçônicas do país – o Grande Oriente do Brasil no Rio de Janeiro – é um decreto que dá a ano de 2019 o lema da campanha eleitoral de Jair Bolsonaro nas eleições de 2018. Mas com a devida adaptação à cultura maçônica: “Brasil acima de tudo, G.A.D.U. acima de todos”. A sigla se refere ao “Grande Arquiteto do Universo”, o que representa Deus na maçonaria.

O decreto do Grande Oriente do Brasil no Rio de Janeiro foi assinado 21 dias depois da posse do presidente. Nele está registrado que “a história da Maçonaria em nosso país se entrelaça com os principais acontecimentos históricos que marcaram o Brasil”. O documento também afirma que a adoção do lema leva em conta “a nova estrutura governamental brasileira”. A adaptação traz “G.A.D.U.” e não “Deus”. 

Texto, Carta
Descrição gerada automaticamente
Imagem do decreto maçônico

A partir da viralização destas imagens, expressões como ‘maçonaria’, ‘decepção’, ‘traidor’, ‘Bolsonaro não é cristão” passaram a ser as mais comentadas em mídias sociais. A equipe do Bereia verificou a tendência de menções na tarde de 5 de outubro e a combinação Bolsonaro-maçonaria foi amplamente superior à Lula-satanista, que havia predominado até o dia 3.

Gráfico
Descrição gerada automaticamente
Imagem: pesquisa no Google Trends na tarde de 5 de outubro

Postagens verdadeiras, desdobramentos falsos

Os vídeos e as fotos são verdadeiros, não são montagens. O próprio presidente Jair Bolsonaro foi forçado a declarar publicamente que, de fato, já esteve em cerimônia na maçonaria. Em transmissão ao vivo, em 5 de outubro, o presidente afirmou:

“Está aí na mídia agora, pessoal me criticando porque fui em loja maçom em 2017. Fui sim, fui em loja maçom, acho que foi a única vez que eu fui numa loja maçom. Eu era candidato a presidente, pouca gente sabia, e um colega falou ‘vamos lá’ e eu fui. Acho que foi aqui em Brasília. Fui muito bem recebido. Me trataram bem”.  

Bolsonaro disse não ver problema em ter ido no estabelecimento e afirmou que é “presidente de todos”. Além disso, o candidato à reeleição afirmou não ter nada contra a maçonaria e destacou que nunca mais foi em um estabelecimento do tipo:

“Fui de novo? Não fui. Agora, sou presidente de todos. Isso agora a esquerda faz estardalhaço. O que tenho contra maçom? Tenho nada. Se tiver alguma coisa a gente vê como proceder. Quero apoio de todos aqui do Brasil”.

Ele não se pronunciou sobre o documento de 2019 em que o Grande Oriente do Brasil no Rio de Janeiro reforça e assume seu lema de campanha e governo.

Alguns desdobramentos dos vídeos, fotos e documentos foram postados amplamente nas redes e têm conteúdo falso: 

um print de tuíte em que Bolsonaro afirma que maçonaria será maior que o Cristianismo;

– a foto em que Bolsonaro e General Heleno se colocam ao lado de maçons presentes na cerimônia, em 2014, contendo na parede figura mística de Baphomet (ou Bafomé), associada ao satanismo. Na foto original não há imagens na parede;

Imagens relacionando a maçonaria ao demônio, ao satanismo, a cultos de magia negra.

Por que atrelar Bolsonaro à maçonaria afetaria a sua campanha?

A maçonaria não é uma religião. A sociedade existe por muitos séculos e se apresenta como uma instituição fraterna, filosófica que reúne homens em torno da filantropia, da caridade. De acordo com o historiador Davi Gueiros Vieira, na obra “O Protestantismo, a Maçonaria e a Questão Religiosa no Brasil”, o estabelecimento da maçonaria no Brasil pode ser datado em 1801, com a fundação de uma loja no Rio de Janeiro, seguida da fundação de uma outra na Bahia em 1802. 

Originada na Idade Média, na Europa, a maçonaria teve início como uma associação de construtores. Ao longo dos séculos, os objetivos filantrópicos agregaram pessoas das mais diversas ocupações e vertentes sociais. 

O documento denominado “Constituições dos Maçons”, um dos primeiros que formalizam a associação denominada maçonaria, foi, por exemplo, redigido por um pastor presbiteriano, o escocês James Anderson (1691-1739). Nele, porém, é estabelecido que os membros não precisavam ter vinculação com qualquer religião, mas declararem fé num “Ser Supremo”, uma noção genérica do divino, denominado o “Grande Arquiteto do Universo”. Cada novo membro faz o juramento de se comprometer com o G.A.D.U. de acordo com o livro sagrado que decida seguir. Por isso, entre os símbolos maçônicos há um misto de imagem míticas, as lojas (nome dado aos locais de reunião) reúnem fiéis de diferentes religiões ou sem religião.

Davi Gueiros Vieira explica que a maçonaria no Brasil parece ter tido um programa, que se não foi “tramado” ou claramente elaborado, aparece nitidamente no desenrolar dos acontecimentos históricos: a) conservar a nação unida a qualquer preço, usando o trono como seu ponto de apoio; b) controlar a Igreja, conservando-a liberal, dominada pela Coroa, com um clero não educado e sobretudo, não tradicionalista; c) lutar pelo “progresso “ do Brasil por meio do desenvolvimento da educação leiga, da expansão do conhecimento científico e técnico (não estorvado pela teologia) e da importação de imigrantes “progressistas” e tecnicamente educados, dos Estados Germânicos, da Inglaterra e de outras nações protestantes.

Fama de “seita”

Vista como uma seita, inimiga do Cristianismo, a maçonaria é condenada tanto pela Igreja Católica, da qual o presidente Jair Bolsonaro é adepto, quanto pelas igrejas evangélicas. A Encíclica Humanun Genus, do Papa Leão XIII, de 1884, afirma que seguidores da maçonaria, “ajuntados por perversos acordos e por conselhos secretos, ajudam-se uns aos outros, e excitam-se uns aos outros a uma audácia nas coisas malignas”. Não há mais entre católicos a pena de excomunhão para quem se associar à maçonaria mas a “Declaração sobre a Maçonaria”, da Congregação para a Doutrina da Fé, publicada em 1983, assinada pelo prefeito, então Cardeal Joseph Ratzinger, mais tarde Papa Bento 16, decreta:

” Permanece portanto imutável o parecer negativo da Igreja a respeito das associações maçónicas, pois os seus princípios foram sempre considerados inconciliáveis com a doutrina da Igreja e por isso permanece proibida a inscrição nelas.  Os fiéis que pertencem às associações maçônicas estão em estado de pecado grave e não podem aproximar-se da Sagrada Comunhão”

Ainda que tenham muitas vertentes e não contem com um órgão centralizador como o Vaticano, as igrejas evangélicas têm compreensão similar no Brasil desde a chegada do grupo ao Brasil no século 19. A rejeição à idolatria é um dos principais motivos à rejeição. Elas não reconhecem a noção de G.A.D.U. como o Deus cristão, da Bíblia, mas um outro deus que não pode ser cultuado”. O fato de haver indiferença e aceitação de que fiéis evangélicos sejam maçons chegou a ser uma das causas da primeira grande divisão da Igreja Presbiteriana do Brasil, em 1903, tendo sido formada a Igreja Presbiteriana Independente, com relata Davi Gueiros Vieira. 

Entre os vídeos que viralizaram nos últimos dias, há registros da condenação à vinculação à maçonaria da parte de apoiadores de Jair Bolsonaro, como o pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia, o missionário da Igreja Internacional da Graça R. R. Soares e o pastor da Igreja Batista da Lagoinha André Valadão

ATUALIZAÇÃO: A Confederação Maçônica do Brasil (COMAB) divulgou nota na qual afirma: “Somos uma Instituição do BEM para o BEM e jamais compactuaremos com pessoas do mal, inescrupulosas e desprovidas de caráter que tentam deturpar nossos princípios em nome de objetivos abjetos, escusos e nefastos que desejam arrastar nosso País ao caos”.

Reprodução da nota da COMAB

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Bereia classifica os vídeos e imagens que mostram Jair Bolsonaro e seus seguidores participando de cerimônias da maçonaria como verdadeiros. Alguns materiais decorrentes destes vídeos e imagens passaram a conter registros falsos, como exposto nesta matéria. Bereia alerta seus leitores e leitoras para a guerra de conteúdo permeada por ataques e contra-ataques à imagem de candidatos no período do segundo turno eleitoral e conclama à verificação da veracidade antes de qualquer compartilhamento.

Referências de checagem:

Coletivo Bereia. https://coletivobereia.com.br/video-manipulado-que-liga-o-ex-presidente-lula-ao-satanismo-viraliza-entre-evangelicos/ Acesso em: 6 out 2022.

YouTube. 

https://youtu.be/4f9AXbdWDAk Acesso em: 6 out 2022.

https://www.youtube.com/watch?v=YFN8W2GNaIc Acesso em: 6 out 2022.

https://www.youtube.com/watch?v=NuLEcu93G0Q Acesso em: 6 out 2022.

https://www.youtube.com/shorts/e1H4-IUECow Acesso em: 6 out 2022.

https://www.youtube.com/watch?v=TCVBcYfRMyo Acesso em: 6 out 2022.

https://www.youtube.com/watch?v=p54iVJoKUVs Acesso em: 6 out 2022.

G1. https://g1.globo.com/fato-ou-fake/eleicoes/noticia/2022/10/04/e-fake-print-de-twitter-de-bolsonaro-que-afirma-que-maconaria-sera-maior-que-o-cristianismo.ghtml Acesso em: 6 out 2022.

UOL. https://noticias.uol.com.br/confere/ultimas-noticias/2022/10/05/foto-de-bolsonaro-na-maconaria-e-antiga-montagem-insere-simbolo-pagao.htm Acesso em: 6 out 2022.

Aos Fatos. 

https://www.aosfatos.org/bipe/falsas-ligacoes-de-lula-e-bolsonaro-com-satanismo-viralizam-e-geram-explosao-de-buscas/ Acesso em: 6 out 2022.

Vaticano. 

https://www.vatican.va/content/leo-xiii/pt/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_18840420_humanum-genus.html Acesso em: 6 out 2022.

https://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_19831126_declaration-masonic_po.html Acesso em: 6 out 2022.

Governo Federal. https://www.gov.br/planalto/pt-br/vice-presidencia/agenda-vice-presidente/2022-10-06 Acesso em: 6 out 2022.

Correio Braziliense. https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/10/5042537-vice-presidente-mourao-vai-a-loja-maconica-em-manaus-nesta-quinta-06.html Acesso em: 6 out 2022.

COMAB. https://comab.org.br/2022/10/nota-a-sociedade-brasileira/ Acesso em: 7 out 2022.

Possível repressão de Igreja Presbiteriana do Brasil a “esquerdismo” repercute em noticiários: Bereia verificou

Bereia acompanhou a repercussão de uma proposta de expurgo de membros da Igreja Presbiteriana  do Brasil (IPB) alinhados à esquerda e a partidos políticos. A proposta, compartilhada por grandes mídias de notícias, sites evangélicos e perfis em mídias sociais, fazia parte da documentação a ser apresentada no Supremo Concílio, órgão máximo de deliberação da denominação, entre os dias 24 e 31 de julho, em Cuiabá (MT). 

O documento que continha a proposta (com o selo “Aguardando aprovação”) foi divulgado nas mídias sociais da Secretaria Executiva da Igreja Presbiteriana do Brasil e no aplicativo iCalvinus. Ele foi compartilhado em mídias sociais e viralizou. Trata-se de um relatório assinado pelo Rev. Osni Ferreira, que propunha o que em várias mídias sociais e sites passou a ser chamado de “caça aos comunistas”. O relator, após a redação, divulgou um vídeo no Youtube, “Nós temos que reeleger Bolsonaro”, tornando explícita a orientação política em sua liderança.

Imagem: reprodução do app iCalvinus

A cobertura do caso pela grande imprensa

Além das mídias sociais, vários órgãos da imprensa tradicional, que não costumam pautar assuntos internos das igrejas, noticiaram o concílio da IPB e seus desdobramentos (referências ao final da matéria). 

Daniel Weterman (repórter do Jornal Estado de São Paulo, Brasília) foi o primeiro a publicar, em 21/07/2022, às 07h50, que havia uma proposta para cercear fiéis de esquerda, na IPB, tendo dado destaque, também, o tratamento preferencial ao candidato Jair Bolsonaro. 

Entrevistado por Weterman, contudo, o Rev. Osni Ferreira negou que a Igreja tenha candidato. Também ouvido, o presidente da igreja também procurou afastar conexões com a candidatura de Bolsonaro.“Cada pastor é responsável por aquilo que ele fala, por aquilo que ele pronuncia, e responde ao seu conselho e também ao presbitério. Quando a igreja faz um posicionamento oficial é através da minha pessoa, e nós não fizemos nenhum pronunciamento”, afirmou Roberto Brasileiro Silva ao jornal O Estado de São Paulo. 

O jornalista Matheus Leitão, da revista Veja, que é evangélico, também escreveu sobre o assunto em sua coluna (que se tornou a mais lida da semana naquele veículo). Ele chamou a proposta para o Supremo Concílio da IPB de “a nova vergonha da igreja evangélica”.  Neto de pastor, o colunista abriu espaço para vozes presbiterianas críticas do movimento de alinhamento da igreja com Jair Bolsonaro.

Reinaldo Azevedo, católico romano e jornalista político da rádio Band News FM, abordou o assunto no programa “É da Coisa”. O comentarista cita uma das doutrinas mais enfatizadas pela denominação presbiteriana, a predestinação, o entendimento de que Deus determinou de antemão o “destino” da humanidade. 

“A ideia da predestinação é muito importante para a Igreja Presbiteriana. Eu pergunto aos irmãos presbiterianos: vocês acham mesmo que Jair Bolsonaro é compatível com a ideia da predestinação? Será isso o que Deus nos reservou?”. Reinaldo Azevedo,, além de comentar a proposta, alertou: “se a Igreja Presbiteriana fez a opção de se tornar partido político, deve também abrir mão da isenção de impostos, da qual gozam os evangélicos, suas igrejas, pastores e instituições” . 

Resistências internas

Movimentos de grupos resistentes internos à igreja, além da divulgação pela imprensa, resultaram em pressões sobre a reunião que levaram a ações de inviabilização da proposta. A Folha de S.Paulo noticiou a apresentação de um substitutivo (com uso das regras do Concílio) pelo pastor Cid Pereira Caldas.

No texto apresentado por Caldas consta que a “IPB tem mantido equidistância de radicalismos” e a defesa de que “não é finalidade da IPB manifestar-se sobre partidos políticos”.O relatório substitutivo foi aprovado pelo Supremo Concílio, por maioria, em 29/07/2022, por 738 votos contra 538. 

A Folha também apurou que “Cid Pereira Caldas é presidente do Conselho de Administração do Instituto Presbiteriano Mackenzie e pastor da Igreja Presbiteriana de Botafogo. Ele é próximo do presidente do Supremo Concílio da IPB, Roberto Brasileiro”. No mesmo texto, cita-se que “três membros da cúpula da IPB e interlocutores de Cid afirmaram à Folha, sob reserva, que o relatório inicial tinha potencial para rachar a igreja como ocorreu na década de 1970, durante a ditadura militar. Na época, a Igreja Presbiteriana do Brasil apoiava o governo militar. Indignados, pastores decidiram romper com a liderança da instituição e criaram a Igreja Presbiteriana Unida”. Não foram ouvidos, pela Folha, os representantes na Igreja Presbiteriana Unida (IPU), apesar do Supremo Concílio da IPB também ter aprovado, nesta mesma reunião de 2022, documento no qual declara “que a IPB não reconhece a IPU como genuinamente evangélica”. Também não foram ouvidos os vários lados nessa matéria.

Imagem: reprodução da Folha de S. Paulo

Alinhamento político

Pesquisa do Instituto Datafolha, publicada em 28 e 29 de julho de 2022 constatou que a candidatura de Lula (PT) tinha 18 pontos à frente de Jair Bolsonaro (PL). Em todos os segmentos, o candidato do PT mantinha a liderança, com exceção dos mais ricos (44% dos que ganham até mais de 5 salários mínimos), empresários (54%) e evangélicos ( Bolsonaro tem 43%, contra 33% de Lula).

Este alinhamento do segmento evangélico com a candidatura de Jair Bolsonaro, embora não seja majoritário, tem sido bem constatado nas cúpulas e concílios de várias igrejas. Curiosamente, reproduz-se o posicionamento de uma dissidência entre os presbiterianos (que não faz parte da IPB), a “Igreja Presbiteriana Conservadora” como lugar comum – a pauta anti-esquerda e anti-identitária está disseminada nas igrejas.

A Convenção Batista do Brasil está discutindo a sua matriz doutrinária (princípios) e já expulsou da ordem de pastores batistas o pastor da Igreja Batista da Água Branca (São Paulo-SP) Ed René Kivitz, por suas posições progressistas. Também houve intervenção da Igreja Adventista do Sétimo Dia em uma de suas mais famosas comunidades (Nova Semente) com o afastamento do pastor Edson Nunes. Até mesmo a Igreja Presbiteriana Independente (IPI), ramo dissidente da IPB, que ordena mulheres pastoras, reuniu-se-se em concílio, uma semana após a IPB, com uma pauta para que a Assembleia Geral não acatasse nenhum documento que proponha posicionamento da instituição favorável às relações homoafetivas e de identidade de gênero, além de não receber, nas igrejas locais, pessoas que militam em favor das causas LGBTQIA+. Além disso, o documento também determina uma intervenção na FATIPI (Faculdade de Teologia de São Paulo da igreja) para afastar professores que defendam tais pautas.

Embora oficialmente haja algum silêncio por parte das cúpulas das igrejas históricas no espaço público quanto a questões políticas, na prática, observa-se uma convergência excludente.

De todos os órgãos de imprensa que cobriram o caso do Supremo Concílio da IPB, apenas a coluna de notícias do UOL ouviu pessoas perseguidas por suas posições políticas dentro da Igreja.

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Bereia conclui que embora os fatos noticiados sobre o clima de exclusão na Igreja Presbiteriana do Brasil sejam verdadeiros, a cobertura da imprensa foi parcial, pois não houve abordagem ampla sobre os movimentos de resistência internos bem como de consideração da memória histórica. A cultura de exclusão presente na IPB e em outras igrejas não foi tratada, o que auxiliaria os leitores a entender melhor o movimento e as medidas internas nas igrejas. Por exemplo,  nenhum veículo noticiou o sombrio momento vivido pelas igrejas durante a ditadura militar – material que está disponível para acesso público.

Referências de checagem:

Veja. 

https://veja.abril.com.br/coluna/matheus-leitao/o-pastor-heroi-brasileiro-perseguido-por-bolsonaristas-e-fundamentalistas/ Acesso em: 3 ago 2022.

https://veja.abril.com.br/coluna/matheus-leitao/a-nova-vergonha-da-igreja-evangelica-com-bolsonaro-agora-em-2022/amp/ Acesso em: 3 ago 2022.

Adventistas. http://www.adventistas.com/2022/07/03/depois-de-remocao-do-pastor-edson-nunes-da-nova-semente-leonardo-goncalves-publica-carta-aberta-a-iasd-na-america-do-sul/comment-page-1/ Acesso em: 3 ago 2022.

Revista Fórum. https://revistaforum.com.br/lgbt/2022/7/27/perseguio-igreja-presbiteriana-independente-decide-se-pode-excluir-membros-lgbtqia-120800.htm Acesso em: 3 ago 2022.

UOL.

https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2022/07/28/por-posicao-esquerdista-teologo-e-afastado-da-presbiteriana-diz-jornal.htm Acesso em: 3 ago 2022.

https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2022/07/29/igreja-presbiteriana-reduz-tom-contra-esquerda-mas-mantem-brecha-para-punicao.htm Acesso em: 3 ago 2022.

https://www.uol.com.br/eleicoes/2022/07/20/igreja-presbiteriana-diretriz-anti-esquerda-comunismo.htm Acesso em: 3 ago 2022.

https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2022/07/28/por-posicao-esquerdista-teologo-e-afastado-da-presbiteriana-diz-jornal.htm Acesso em: 3 ago 2022.

Comissão Nacional da Verdade. http://cnv.memoriasreveladas.gov.br/16-grupos-de-trabalho/28-papel-das-igrejas-durante-a-ditadura.html Acesso em: 3 ago 2022.

Igreja Presbiteriana Conservadora do Brasil. https://ipcb.org.br/index/posicionamento-da-igreja-presbiteriana-conservadora-do-brasil-em-relacao-a-esquerda/ Acesso em: 3 ago 2022.

G1. https://g1.globo.com/politica/blog/gerson-camarotti/post/2022/07/30/igreja-presbiteriana-rejeita-proposta-que-inibiria-voto-de-fieis-na-esquerda.ghtml Acesso em: 3 ago 2022.

O Dia. https://odia.ig.com.br/brasil/2022/07/6454195-igreja-presbiteriana-reduz-tom-contra-esquerda-mas-mantem-brecha-para-punicao.html Acesso em: 3 ago 2022.

Folha de S. Paulo.

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/07/igreja-presbiteriana-desiste-de-veto-a-cristao-de-esquerda-para-evitar-racha-interno.shtml Acesso em: 3 ago 2022.

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/07/datafolha-bolsonaro-se-descola-de-lula-e-lidera-entre-evangelicos.shtml Acesso em: 3 ago 2022.

Yahoo. https://br.vida-estilo.yahoo.com/igreja-presbiteriana-desiste-veto-crist%C3%A3o-133300164.html Acesso em: 3 ago 2022.

IstoÉ Dinheiro. https://www.istoedinheiro.com.br/igreja-presbiteriana-reduz-tom-contra-esquerda-mas-mantem-brecha-para-punicao/ Acesso em: 3 ago 2022.

Terra. https://www.terra.com.br/noticias/brasil/politica/igreja-presbiteriana-tenta-barrar-esquerda-e-abre-pulpitos-para-bolsonaro,fad5e1fbcf5a93fd86ff5e8cb8c983c7uj7a1915.html Acesso em: 3 ago 2022.

Leia Já. https://www.leiaja.com/politica/2022/07/19/suposto-documento-de-igreja-caca-obreiros-comunistas/ Acesso em: 3 ago 2022.

Gospel Prime. https://www.gospelprime.com.br/igreja-presbiteriana-quer-comissao-para-combater-influencia-de-esquerda/ Acesso em: 3 ago 2022.

YouTube. https://youtu.be/vNRPICMdSA0?t=2760  Acesso em: 3 ago 2022.

Coletivo Bereia. https://coletivobereia.com.br/wp-content/uploads/2022/08/esquerdista_doc-icalvinus-2022.pdf Acesso em: 3 ago 2022.

Vídeo de culto em que pastor ora pela morte de ministros do STF viraliza

Bereia recebeu de leitores vários pedidos de checagem de um vídeo que circula pelas mídias sociais desde o último 12 de julho, no qual o pastor da Igreja Pentecostal Geração Jesus Cristo Tupirani da Hora Lores, durante uma oração, profere duras palavras contra os ministros do STF . O vídeo viralizou e gerou comentários com pedidos de prisão do pastor e ataques às igrejas evangélicas em geral, marcados por desconhecimento sobre a igreja e o seu líder, uma vez que ele já estava preso desde fevereiro passado, tendo sido julgado e condenado em junho. Comentários sobre a prisão geraram, por sua vez, defesa de quem viu nela “restrição à liberdade de religião” e “início da perseguição da igreja”.

Ficha corrida

O tipo de discurso observado neste vídeo que circula não é novo. Outros vídeos e postagens de falas do pastor e de membros da igreja Geração Jesus Cristo, levantados pela equipe do Bereia, têm conteúdo contra outras igrejas (sendo um alvo frequente a Assembleia de Deus), judeus, pessoas LGBTI+ e religiões afro-brasileiras. O pastor Tupirani Lopes é reincidente – tem 54 processos judiciais, alguns deles movidos pela Polícia Federal, pela Procuradoria Federal, pelo Ministério Público. Contra a vacinação e medidas sanitárias de enfrentamento da covid-19, ele já acionou na Justiça a Prefeitura do Rio de Janeiro, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o ministro da Saúde Marcelo Queiroga. O pastor moveu processos contra várias empresas de comunicação, jornais e emissoras que publicaram matérias sobre suas ações de cunho religioso, e tem uma demanda judicial contra o Facebook. 

Bereia também apurou que a igreja Geração Jesus Cristo registrou um domínio e mantém um site em um servidor do Japão – estratégia usada para evitar o bloqueio de suas mídias. Não há perfil ou site no nome do pastor, mas a igreja, por meio dos membros, mantém intensa atividade no Youtube (com várias páginas espelhadas), Twitter e Facebook. Porém, não há mais de dois mil seguidores em seus perfis e páginas. A repercussão se dá pela viralização das postagens feitas nessas mídias.

Histórico de condenações

As complicações do pastor Tupirani Lopes com a Justiça vêm de 2009. Em junho desse ano, ele foi preso pela Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática da Polícia Civil do Rio. Havia sido denunciado por pregar em blogs o fim das Assembleias de Deus, da Igreja Universal do Reino de Deus e praticava intolerância contra outras religiões, em especial as de matriz afro, caracterizando-as como “seguidoras do diabo e “adoradoras do demônio. 

O líder e seus seguidores também associavam a figura de pais de santo a homossexuais, de forma pejorativa, propagando a tese (que ainda defende) de que pessoas LGBTI+ são possuídas por demônios. Ele passou 18 dias preso e ganhou direito de responder ao processo em liberdade, mas já tinha sido condenado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em 2012. A juíza Ana Luiza Mayon Nogueira, da 20ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio, proferiu a sentença de condenação por difundir, por meio da internet, ideias de discriminação religiosa, com ofensas a seguidores de outras religiões. 

Tupirani da Hora Lores e o membro da igreja Afonso Henrique Alves Lobato, de acordo com a sentença, confirmaram que sua religião prega que, “como discípulo de Jesus Cristo, deve acusar todos os outros conceitos em geral que são contrários ao Evangelho de Jesus Cristo (…), que não existe pai de santo heterossexual, pois todos são homossexuais; que homossexualismo é possessão demoníaca; que uma pessoa que está possuída pelo demônio não merece confiança; e que discrimina todas as religiões”. 

Ainda de acordo com a sentença, em nenhum momento os dois tentaram justificar suas condutas. O pastor foi condenado a duas penas restritivas de direito: prestação de serviço à comunidade e pagamento de dez salários-mínimos em favor de uma entidade beneficente. Afonso Henrique foi condenado à prestação de serviço e limitação de fim de semana.

Em abril de 2018, um grupo de 40 seguidores da igreja Geração Jesus Cristo agrediu guardas municipais que tentaram impedi-los de vandalismo de monumentos. A ação terminou com 12 pessoas da congregação feridas, uma delas em estado grave. Os fiéis espalhavam inscrições na cidade, avisando da suposta volta do JESUS em 2070. A data faz parte da doutrina apocalíptica do grupo religioso – que vê em Tupirani Lopes um último profeta, “Elias”. O grupo já era conhecido na cidade do Rio de Janeiro por espalhar lambes e outros materiais que diziam “Bíblia, sim. Constituição, não”)

Imagem: reprodução do G1

Tupirani Lopes, porém, seguiu com o mesmo discurso. Com isso, depois de novas denúncias apresentadas ao Ministério Público em 2021, em especial as que partiram da Confederação Israelita do Brasil, alvo de vários ataques do pastor, a Polícia Federal (PF) o prendeu, em fevereiro de 2022, sob a acusação de crimes de racismo, dentro da Operação Rófesh (liberdade, em hebraico). 

Em julgamento ocorrido em 30 de junho de 2022, o líder da Igreja Pentecostal Geração de Jesus Cristo foi condenado à pena de 18 anos de reclusão por promover discursos de ódio contra a comunidade judaica em seus cultos e divulgá-los na internet. No vídeo usado como prova para a punição, ele afirma que os judeus serão envergonhados como no Holocausto da Segunda Guerra Mundial. Tupirani Lopes comemorou publicamente a prisão, ao dizer que já estava “profetizada” em placas na porta de sua congregação. O vídeo com críticas pesadas ao STF também faz parte do conjunto de provas.


Imagem: reprodução do G1

Pastor sem registro

Bereia não encontrou ligações de Tupirani Lopes com Conselhos de Pastores, Ordem de Ministros Evangélicos, Convenções, Confederações ou outras denominações evangélicas do Brasil. Não há registro em mídias da igreja, nem por parte de seus seguidores, que diga respeito à formação teológica como pastor, tal como ele se apresenta, em seminários, ou fotografias, documentos que comprovem sua ordenação por um líder, ou investidura. 

Depois de solto da primeira prisão em 2009, adicionou à fachada da sua igreja, na área portuária do Rio de Janeiro, os dizeres “templo pós-prisão”, com a imagem de uma mão algemada. Também ostenta os dizeres: “não votamos, nem elegemos bandidos”. O líder da igreja, além dos homossexuais, judeus e negros, também ataca todas as outras igrejas evangélicas e defende a volta da ditadura ao Brasil. 

Um dos delegados citados no livro do pastor, Henrique Pessoa, processou membros da igreja Geração Jesus Cristo por danos morais (e por ameaças). Em 2014, após uma audiência realizada no V Juizado de Copacabana, entrou em vias de fato com apoiadores de Tupirani Lopes e, durante o confronto, disparou para o chão e um dos fiéis foi ferido no abdômen. Na ação movida pela corregedoria, o delegado foi inocentado.

Imagem: foto de fachada da igreja que circula em mídias sociais

Anti-vacina

O líder religioso e seu grupo também rejeitam a ciência e o que classificam como várias “modernidades”, com críticas ao sistema de saúde, a escolas, universidades e tecnologias. Contribuíram para disseminar várias teorias conspiratórias sobre a COVID-19 e as vacinas com várias postagens em mídias sociais. 

Porém, ao contrário dos grupos que negam a existência do vírus e diferentemente daqueles que afirmam que a doença foi resultado de uma arma biológica (teorias mais correntes entre as seitas norte-americanas), o grupo da igreja Geração Jesus Cristo afirma que a vacina é “impossível”, porque a doença foi mandada por Deus, para punir aos maus e purificar a humanidade. 

No começo da pandemia, em maio de 2020, o pastor publicou um vídeo em um canal no YouTube afirmando que a doença seria “invencível; porque contra a força de Deus não existe defesa”. Tupirani Lopes, contrariando os cientistas, afirmava que doença “não vai parar” e que seria “impossível uma vacina”. O prolongamento e a força da pandemia deram mais visualizações ao vídeo e ajudaram a ampliar o alcance do grupo. 

Igreja ou seita?

A sociologia da religião tem essa pergunta como uma de suas principais temáticas. Peter Berger, em sua tese doutoral “Da seita à igreja: uma interpretação sociológica do Movimento Bahai”, defendida em 1954, abordou o tema. Em resumo, pode-se dizer que embora a categoria seja utilizada, por vezes, como uma forma de acusação contra grupos novos, na pluralidade religiosa do mundo moderno, ela é válida para entender a interação dos novos movimentos religiosos com a sociedade – e em especial com os demais grupos de crenças. Uma seita, como indica o nome, tem uma atuação, doutrina e liderança com fortes características separatistas, sectárias, autoritárias e, no limite, tais grupos podem defender ações armadas e desordem social. Todavia, seitas e movimentos podem se institucionalizar e moderar seus discursos e ações à medida que ganham adeptos e maior interação social. 

Rodney Stark e William Bainbridge, em “Uma teoria da religião”, publicado originalmente em 1985  (traduzido pela Edições Paulinas em 2008) sugerem que “a secularização produz uma era de reavivamento religioso e experimentação”. Em sociedades liberais e pluralistas, religiões e igrejas de baixa tensão – isto é, organizações religiosas que se secularizaram e cujas lideranças se elitizaram, abandonaram o proselitismo e deixaram de confrontar seu ambiente sociocultural – tendem a perder poder e adeptos e dar “às seitas um novo mercado para explorar”.  Stark e Bainbridge  definem seita como “uma organização religiosa desviante”. 

Partindo da conceituação de Benton Johnson, os autores consideram que a seita apresenta elevado grau de tensão (ou desvio subcultural) com seu ambiente sociocultural. Dessa forma, se separa dos e antagoniza os grupos dominantes e seus padrões normativos e comportamentais. A secularização, portanto, permite a emergência incessante de seitas e de cultos a partir da derrocada de igrejas e denominações. As seitas é que se isolam da sociedade ou que mantêm níveis extremos de tensão com a sociedade.

Bereia ouviu a professora titular de Antropologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Patrícia Birman. Ela destacou, a partir deste caso da Igreja Pentecostal Geração Jesus Cristo, que “independente do grupo ou ação religiosa”, declarações racistas, misóginas e homofóbicas não necessariamente levam em conta definição religiosa. 

“A ideia de seita é uma noção acusatória, quando se chama um grupo de seita está se dizendo que é um grupo pernicioso infiltrado no campo da religião, é complicado, porque essa política acusatória transforma as lutas internas no campo religioso entre igrejas que estão disputando o mercado de bens religiosos em uma questão judicial. Acho que a gente deve aceitar em princípio a autodesignação que o grupo faz. Se ele merecer ser punido, que seja pelas leis do país, independente das posições conflituosas internas entre as religiões. Não precisa dessa designação de seita para que seus componentes respondam na justiça”, explica a pesquisadora da UERJ.

Patrícia Birman complementa que “os grupos de ódio não são especificamente religiosos, não acreditam que sejam. De alguma forma, se espalham no país pela mesma lógica daqueles que atuam insuflados pelo atual governo, mas não são necessariamente religiosos. E se cometem crimes, independentemente de sua vinculação religiosa ou política, devem responder na justiça.”

A intolerância religiosa

Esse também é o posicionamento do superintendente Estadual da Promoção da Liberdade Religiosa do Estado do Rio de Janeiro Justino Carvalho, que tem sob sua gestão os Núcleos de Atendimento às Vítimas de Intolerância Religiosa (Navir), da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos. Há atualmente, no Estado do Rio de Janeiro, seis NAVIR, somando mais de 200 atendimentos em três anos. Os Núcleos de Atendimento às Vítimas de Intolerância Religiosa (NAVIR) oferecem assistência social, jurídica e psicológica para aqueles que sofrem com violações ocasionadas por discriminação, intolerância ou racismo religioso. Além desses serviços, o núcleo também realiza ações de prevenção. O núcleo é coordenado pela Superintendência de Promoção da Liberdade Religiosa (SUPLIR) vinculada à Subsecretaria de Promoção, Defesa e Garantia dos Direitos Humanos.

Para Carvalho, ouvido pelo Bereia, este “é um caso que está sob a tutela do Judiciário. Toda intolerância deve ser combatida através da promoção da liberdade religiosa, através do bom diálogo inter religioso, proporcionando assim o respeito e a convivência harmoniosa sem preconceito sobre a crença das pessoas”. Justino também ressalta que as ações judiciais não são motivadas por religião, pois “o estado é laico e permite o pleno exercício da liberdade religiosa do indivíduo”.

Avaliações

Em relação ao vídeo viralizado e a controvérsia em torno do pastor Tupirani Lopes, o Rabino Nilton Bonder declarou à equipe do Bereia

“É muito triste que a gente tenha que responder à ignorância tão pura e absurda quanto essa que fala esse senhor, porque viraliza e a gente tem que trazer informação para se contrapor à desinformação. Eu não chamo esse senhor de pastor, porque pastor é uma imagem positiva, harmônica, é alguém que encaminha as pessoas para a civilização, para as coisas de bem. Esse senhor obviamente é uma personagem dessa realidade que a gente vive no Brasil e no mundo onde as redes sociais dão voz para essas pessoas que não deveriam nem ser escutadas, quanto mais respondidas, então essa ode à morte à violência, tudo isso não tem nada a ver com religião, são máfias que adentram os espaços religiosos, que fazem manipulação, usam esses espaços. Por isso, é muito importante, principalmente, de dentro da religião, de onde esses indivíduos aparecem, que haja vozes de oposição”. 

Já o pastor vinculado à Igreja Batista em Vitória (ES), doutor em Ciências da Religião e professor da Faculdade Unida de Vitória Kenner Terra, co-autor do livro “Experiência e Hermenêutica Pentecostal” (publicado pela CPAD), declarou ao Bereia:

“O discurso de ódio do pastor Tupirani Lopes é lamentável, incompatível com o evangelho e representa a pior face do extremismo religioso, o qual, ao contrário da opinião de alguns setores, não representa a maioria dos evangélicos. Esta seita cristã criada pelo criminoso pastor (preso desde fevereiro) não pode ser a ‘régua de medida’ do fenômeno evangélico brasileiro. Quem não toma esse cuidado acaba promovendo aquilo que denúncia: a intolerância e o preconceito”. 

***

Bereia classifica o vídeo que circula com a oração do pastor Tupirani da Hora Lopes, contra  ministros do STF, como verdadeiro. Porém, Bereia destaca que o vídeo é antigo, provavelmente do ano de 2021, e voltou a circular depois da prisão e condenação do pastor em junho passado como se fosse atual, causando confusão de compreensão em pessoas que desconheciam os episódios em torno do pastor e da igreja Geração Jesus Cristo, e provocando comentários de ódio contra evangélicos, de forma generalizada. Bereia também ressalta a importância de se buscar informação antes de compartilhar e opinar para evitar expressões de intolerância em versão reativa. 

Referências de checagem:

Veja. https://veja.abril.com.br/coluna/virou-viral/pastor-antivacina-deseja-morte-dolorosa-a-ministros-do-stf-assista/  Acesso em: 14 jul 2022

Conjur. https://www.jusbrasil.com.br/processos/nome/40838914/tupirani-da-hora-lores  Acesso em: 14 jul 2022

Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. http://www.tjrj.jus.br/noticias/noticia/-/visualizar-conteudo/5111210/5142249  Acesso em: 14 jul 2022 

G1.

https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/confusao-entre-grupo-de-evangelicos-e-guardas-municipais-deixa-feridos-na-zona-sul-do-rio.ghtm  Acesso em: 14 jul 2022

https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2022/06/30/radical-religioso-e-condenado-a-18-anos-de-prisao-por-ataques-a-judeus-na-internet.ghtml  Acesso em: 14 jul 2022

Folha de S.Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/184123-fiel-e-baleado-por-delegado-apos-confusao-em-audiencia-no-rio.shtm  Acesso em: 14 jul 2022
El Pais. https://brasil.elpais.com/internacional/2021-01-12/teorias-conspiratorias-do-qanon-varrem-o-mundo-e-sao-mais-perigosa-do-que-parecem.html  Acesso em: 14 jul 2022

Bereia checa informações que circulam sobre pastor assembleiano que aderiu à campanha de Lula

* Matéria atualizada às 12:26

Bereia recebeu, de leitores e leitoras,  vários pedidos de checagem sobre  o pastor da Assembleia de Deus Paulo Marcelo Schallemberg, que aderiu à campanha do ex-presidente Lula à Presidência da República, com o objetivo de fazer “uma ponte” com evangélicos conservadores.

Reportagens da grande mídia e da mídia evangélica deram destaque à figura do pastor que, ao lado de sua esposa, pastora Bianca, tem percorrido os comitês de evangélicos progressistas e, também, grupos de pastores independentes em nome da campanha. 

Bereia verificou que lideranças da Assembleia de Deus têm divulgado notas pelas quais negam a relação do pastor com a igreja e até mesmo que ele seja um pastor. A mídia evangélica, por sua vez, tem publicado matérias sobre Paulo Marcelo ter uma ficha criminal pregressa

Bereia levantou em pesquisa que o pastor não é filiado ao PT, não militou em articulações progressistas antes, porém, já fez parte do PSC, tendo sido filiado em 2011, e ao Podemos, partido pelo qual foi candidato a vereador em 2020. Nesste pleito municipal Paulo Marcelo recebeu  4.486 votos (0,09% dos válidos), e figura na condição de suplente. 

Imagem: reprodução do site do TSE

Imagem: reprodução do Estado de São Paulo

Quem é o pastor Paulo Marcelo?

O pastor Paulo Marcelo enviou ao Bereia um vídeo, no qual ele se apresenta e dialoga com representantes da ala evangélica do PT, veja aqui. A reunião ocorreu em 24 de março passado, e contou com os pastores Cesario Silva, Jair Alves e Josias Vieira. 

Em 2021, Paulo Marcelo havia entregado a Lula um projeto de “inclusão de evangélicos” no PT, defendendo o “respeito à diversidade, sem indução à mudança de costumes”. O pastor afirma que pretende reunir um “exército de pastores” independentes dispostos a apoiar Lula. 

Quando as grandes mídias passaram a publicar matérias sobre as articulações da campanha de Lula para alcançar evangélicos, com a adesão do pastor Paulo Marcelo, a Assembleia de Deus em São Paulo também emitiu nota informando que o pastor não pertence à denominação e não faz parte da convenção. A nota foi assinada pelo presidente da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB), pastor José Wellington Bezerra.

Imagem: reprodução do Instagram

A  Convenção das Igrejas Evangélicas Assembleias de Deus no Estado do Paraná (CIEADEP-18), cujo presidente é o Pastor Perci Fontora, também  secretário-geral da CGADB e vice-presidente da União dos Ministros das Assembleias de Deus da Região Sul do Brasil, declarou não reconhecer Paulo Marcelo como pastor

Imagem: reprodução do site da CIEADEP

No entanto,  Bereia levantou que o pastor Paulo Marcelo pregou no Congresso dos Gideões Missionários da Última Hora , em 2009, 2011 e 2014.  O Congresso é organizado pela instituição de mesmo nome, fundada pelo pastor Cesino Bernardino, filiado à  Convenção das Igrejas Evangélicas Assembleia de Deus de Santa Catarina e Sudoeste do Paraná. Os pastores escalados para pregar no Congresso são da Assembleia de Deus, principalmente jovens. Além de Paulo Marcelo, Marco Feliciano (hoje deputado federal) também passou por lá. Os dois, aliás, chegaram a fazer uma live juntos .

No Centenário da Assembleia de Deus no Brasil, comemorado em um culto-vigília em 2011, Paulo Marcelo foi um dos pregadores.

Tendo sua posição de pastor também questionada nas mídias pelo pastor presidente da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia, Paulo Marcelo respondeu em seu perfil no Instagram que não afirmou estar ligado como pastor a uma Convenção. E que este seria o mesmo caso de Malafaia, que em 2010 rompeu com a Convenção Geral para criar a sua igreja, que até hoje não pertence a nenhuma Convenção.

Ouvido pelo Bereia, o Pastor Paulo Marcelo resumiu assim a sua trajetória eclesiástica: “Em Foz do Iguaçu fui diácono, presbítero, depois, pela convenção CIEADP da CGADB, fui a evangelista em 2005 e em 2007 ordenado pastor. Congreguei ao lado do Pastor Israel Sodré por mais de 15 anos até ele ir para o céu, depois ao lado do Pr Isaías Cardoso . Até me mudar a SP em 2017 e ficar independente mesmo estando ligado à Assembleia de Deus no Paraná” . No vídeo do Instagram, Paulo Marcelo mostra o que seriam os certificados referentes a cada uma dessas etapas

Em entrevista a um podcast gospel, Paulo Marcelo se apresenta como “pastor itinerante”. Bereia ouviu a teóloga, mestra em Ciências da Religião e pastora pentecostal Viviane da Costa para entender que categoria seria essa: “O pastor itinerante não é uma unanimidade dentro das igrejas pentecostais apesar de bem comum. Muitos pregadores que passaram pelo [Congresso dos] Gideões, devido à relevância do evento nesse campo evangélico, ganham visibilidade nacional, o que impulsiona seguirem exercendo esse ministério. É alguém que prega em outras igrejas como convidado para eventos mas não tem um cotidiano de pastor em uma igreja local. Também é chamado de pastor congressista ou conferencista, porque estão sempre viajando para pregar em diversos lugares”.

Folha corrida e Ficha Limpa

Bereia checou as informações a respeito da ficha criminal do pastor Paulo Marcelo e encontrou registros de um habeas corpus, de 17 de maio de 2007, e de uma prisão em 17 de julho de 2014

Segundo o jornal Metrópoles, que teve acesso ao boletim de ocorrência, “o pastor foi preso porque policiais civis da 6ª Subdivisão Policial de Foz do Iguaçu acharam uma pistola calibre 380, com 45 cartuchos de munição, “no interior do closet de sua casa”, e uma “bucha com substância análoga a cocaína”.

O habeas corpus se refere a um pedido de prisão preventiva pelo fato de Paulo Marcelo não ter comparecido a um interrogatório a respeito do processo. O juiz apontou que não foram esgotadas as possibilidades de localização do pastor para a intimação. 

Em carta, Paulo Marcelo explica que a arma e o entorpecente encontrados com ele pertenciam ao seu segurança particular. Ainda segundo o Metrópoles, “o processo foi suspenso na etapa inicial, um benefício previsto para processos penais em que os crimes possuem pena inferior a 4 anos de prisão. Para conseguir a suspensão do processo, o pastor teve de se comprometer a pagar fiança para uma instituição beneficente, a não frequentar bares e a comparecer mensalmente em juízo para justificar suas atividades. Paulo Marcelo cumpriu todas essas condições e teve qualquer punição extinta, em março de 2017, por esse caso”. Estas ocorrências não impediram a homologação de sua candidatura e até mesmo a tentativa de se eleger para a Câmara dos Vereadores de São Paulo, em 2020. Na sua ficha no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), constam certidões negativas apontando não haver processos em curso contra o pastor.

As Assembleias de Deus no Brasil: entenda as Convenções e Ministérios

As Assembleias de Deus chegaram ao Brasil por intermédio dos missionários suecos Gunnar Vingren e Daniel Berg, que aportaram em Belém do Pará, em 19 de novembro de 1910, vindos dos Estados Unidos. Após romperem com a Igreja Batista, Vingren e Berg fundaram uma nova Igreja e adotaram o nome, por inspiração do movimento das Assembleias de Deus nos Estados Unidos da América. 

Nas Assembleias de Deus as igrejas sedes têm várias filiais (igrejas locais), todas com várias congregações e pontos de pregação. Muitas dessas comunidades não possuem personalidade jurídica independente. 

Essa fluidez institucional favorece uma estrutura na qual as maiores sedes formam organizações “guarda-chuva” (com personalidade jurídica) que têm, atualmente, várias convenções nacionais, sendo as principais, a Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB), a Convenção Nacional das Assembleias de Deus Ministério Madureira (CONAMAD) e a Convenção da Assembleia de Deus no Brasil (CADB). 

São convenções nas quais são filiados pastores e obreiros, que realizam assembleias e têm estatutos, cada um responsável por seus campos, ou ministérios. Além das convenções, as Assembleias de Deus são organizadas em Ministérios, que são articulações que mantêm o nome “Assembleia de Deus” mas são formados a partir de dissidências dentro das convenções.

Como funciona o setor evangélico do PT

O PT conta com núcleos de evangélicos no plano nacional e nos estados, os Núcleos de Evangélicos do PT (NEPT). Há também a organização de comitês de evangélicos, em todos os estados do país, liderada pela deputada federal, ligada à Igreja Presbiteriana Benedita da Silva (RJ).

Bereia ouviu dois pastores que são referências entre os evangélicos progressistas, o pastor da Igreja Presbiteriana Independente, Luis Alberto de Mendonça Sabanay, da coordenação do Núcleo Nacional de Evangélicos do PT; e o coordenador da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito pastor Ariovaldo Ramos. Sabanay afirmou que “há um racha no mundo evangélico bolsonarista e que o desafio do campo progressista é acolher essas dissidências do bolsonarismo”. Para ele, o caráter da atual disputa é “antibolsonarista” e “quem quiser somar, está dentro”. 

Ariovaldo Ramos, em uma análise mais ampla, afirma que “ninguém sabe ao certo o tamanho e a direção da base eleitoral evangélica, porque todos estão trabalhando com dados antigos, desatualizados, visto que não houve o censo nacional. Por isso, se o PT não souber lidar com esse campo, pode ser surpreendido”. 

Ramos ainda afirma que o desafio é atrair e dialogar com os evangélicos não-progressistas, porque os progressistas, como ele diz, “não são os alvos dessa comunicação”.  Porém, “a duplicidade de canais e a confusão na comunicação podem não ajudar o PT a dialogar com esse campo”, afirma o pastor.

Referências de checagem:

G1. https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2022/noticia/2022/03/13/pre-candidatos-a-presidencia-criam-estruturas-de-campanha-para-atrair-voto-evangelico-conheca.ghtml Acesso em 8 abr 2022.

Poder 360. https://www.poder360.com.br/poderdata/lula-alcanca-bolsonaro-entre-evangelicos-mostra-poderdata/ Acesso em 8 abr 2022.

Folha de S. Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/02/pastor-do-pt-leva-a-lula-plano-sobre-evangelicos-com-dicas-sobre-temas-tabus.shtml Acesso em 8 abr 2022.

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/03/datafolha-evangelicos-divididos-entre-lula-e-bolsonaro-sao-pote-de-ouro-eleitoral.shtml Acesso em 8 abr 2022.

Instagram. 

https://www.instagram.com/tv/CbfkowrgjwJ/?utm_medium=share_sheet Acesso em 6 abr 2022.

https://www.instagram.com/tv/CaIDczxhpNH/ Acesso em 6 abr 2022.

https://www.instagram.com/p/CaH6w7VlV8f/ Acesso em 6 abr 2022.

Convenção das Igrejas Evangélicas Assembleia de Deus no Estado do Paraná.

https://cieadep.com.br/wp-content/uploads/2022/02/NOTA-DE-ESCLARECIMENTO_PAULO-MARCELO_2.pdf Acesso em 6 abr 2022.

Metrópoles. 

https://www.metropoles.com/brasil/pt-vai-criar-comites-evangelicos-em-busca-de-eleitores-para-lula. Acesso em 8 abr 2022.

https://www.metropoles.com/brasil/como-um-pastor-do-parana-quer-ajudar-lula-a-fisgar-evangelicos. Acesso em 6 abr 2022.

Estado de Minas.

https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2022/02/15/interna_politica,1344902/pastor-pro-lula-defende-diversidade-entre-os-evangelicos.shtml Acesso em 8 abr 2022.

UOL.https://www.uol.com.br/eleicoes/2022/03/10/uol-entrevista-10-de-marco.htm Acesso em 8 abr 2022.

YouTube. 

https://www.youtube.com/watch?v=Tj3RV90MxWc Acesso em 8 abr 2022.

https://www.youtube.com/results?search_query=marco+feliciano+gideoes+internacionais Acesso em 6 abr 2022.

https://www.youtube.com/watch?v=-VgxJ_6rDfU Acesso em 6 abr 2022.

https://www.youtube.com/watch?v=1WNf6KiCWds Acesso em 6 abr 2022.

https://youtu.be/Z1fsxXi21Vc?t=1382 Acesso em 6 abr 2022.

https://www.youtube.com/watch?v=Jtz3-S0KZNI Acesso em 6 abr 2022.

https://www.youtube.com/watch?v=-oWUk7ittAY Acesso em 6 abr 2022.

https://youtu.be/DyIG_LL_Vxw?t=460 Acesso em 6 abr 2022.

Carta Capital.

https://www.cartacapital.com.br/politica/podcast-do-pt-para-atrair-eleitorado-evangelico-e-suspenso-em-meio-a-divergencias/ Acesso em 8 abr 2022.

Gospel Mais. 

https://noticias.gospelmais.com.br/pastor-paulo-marcelo-pregador-gideoes-preso-69538.html Acesso em 8 abr 2022.

https://noticias.gospelmais.com.br/pastor-paulo-marcelo-pregador-gideoes-preso-69538.html  Acesso em 8 abr 2022. 

Pleno News. https://pleno.news/brasil/politica-nacional/assembleia-de-deus-nega-ligacao-com-pastor-aliado-de-lula.html Acesso em 8 abr 2022.

O Estado de São Paulo.

https://politica.estadao.com.br/eleicoes/2020/candidatos/sp/sao-paulo/vereador/pastor-paulo-marcelo,19200 Acesso em 1 abr 2022.

Convenção das Igrejas Evangélicas Assembleia de Deus de Santa Catarina e Sudoeste do Paraná.

https://www.ciadescp.com.br/ Acesso em 8 abr 2022.

Extra. https://extra.globo.com/noticias/religiao-e-fe/silas-malafaia-diz-que-havia-descalabro-administrativo-na-cgadb-369024.html Acesso em 6 abr 2022.

Tribunal Superior Eleitoral.

https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/71072/250000811390 Acesso em 6 abr 2022.

Gideões Internacionais.

https://www.gideoes.com.br/congresso/historia/ Acesso em 6 abr 2022.

https://www.gideoes.com.br/cesino-bernardino Acesso em 6 abr 2022.

Foto de capa: divulgação

A sabatina de André Mendonça pelo Senado – Parte 2: evangélicos no STF

Bereia prossegue com a parte 2 da checagem da sabatina de André Mendonça, agora sobre o “salto” da chegada de um evangélico ao STF (veja aqui a parte 1).

O Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) André Luiz de Almeida Mendonça é um advogado e pastor presbiteriano. Durante a sabatina perante a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Mendonça reiterou sua postura garantista, bem como declarou compromisso com o Estado laico e o respeito aos direitos de minorias. Foi aprovado na comissão com 18 votos favoráveis e 9 contrários e no plenário com 47 votos favoráveis e 32 contrários.  

Em sua primeira entrevista após a aprovação de seu nome para a condição de ministro, parafraseando a chegada do homem à Lua, na década de 60, quando o astronauta norte-americano Neil Armstrong classificou o feito como “um pequeno passo para o homem, mas um grande salto para a humanidade”, Mendonça declarou: “É um passo para um homem, mas na história dos evangélicos do Brasil é um salto. Um passo para um homem e um salto para os evangélicos”

Não foi salto

Em Brasília, os evangélicos sabem que Mendonça não foi o primeiro evangélico a ocupar um cargo elevado na elite do judiciário. Este “salto” foi noticiado pelo Jornal Batista, em 21 de fevereiro de 1957.  Na capa do periódico religioso há um destaque para o diácono Antônio Martins Villas Boas, a quem o Jornal Batista felicitou por ter sido escolhido por unanimidade (33 votos, na época), destaca que é um crente fiel. Há uma grande comunidade batista em Brasília que é testemunho de sua dedicação. Fundada em 1967 pelo então ministro do STF Antonio Martins Villas Boas, a Igreja Batista Central de Brasília reúne, semanalmente, 4,5 mil fiéis nos cultos. A atuação do ministro foi discreta, mas operosa na fundação de congregações e na assessoria de instituições evangélicas por toda a região. O ministro Antônio Villas Boas exerceu a presidência da Corte de 9 de março de 1965 até 15 de novembro de 1966. Possivelmente o silêncio sobre sua figura remonta aos anos de chumbo.

Imagem: reprodução d’O Jornal Batista

O verbete sobre o ministro Villas Boas, no CPDOC (da FGV), acentua sua atividade incômoda ao regime de arbítrio: “Como ministro do STF, Vilas Boas votou favoravelmente à transferência desse órgão para Brasília, o que de fato se consumou a partir de abril de 1960. Participou de diversos julgamentos de importância política, como ocorreu em 18 de setembro de 1957, quando votou a favor das representações dos diretórios regionais do Partido Socialista Brasileiro (PSB) e do Partido Republicano (PR), bem como da deputada Almerinda Magalhães Arantes, contra o Ato Constitucional nº 1, promulgado em maio de 1957 pela Assembleia Legislativa de Goiás, prorrogando por mais um ano os mandatos do governador, do vice-governador e dos prefeitos desse estado. A votação do STF processou-se por unanimidade”.

Todavia, não são apenas ministros cassados que escreveram a história da presença evangélica nas cortes superiores. A família Gueiros (com vários líderes presbiterianos e um ramo batista), também forneceu vários de seus filhos para as cortes durante a ditadura militar. O Rev. Jerônimo de Carvalho Silva Gueiros (1880-1953) pastor, professor, jornalista teve doze filhos. Entre eles, Neemias Gueiros foi o redator do Ato Institucional nº 2 e Evandro Gueiros foi o primeiro presidente do Supremo Tribunal de Justiça.  Eraldo Gueiros Leite (1912 1983) ocupou o centro do poder, durante o regime de exceção, como ministro do Supremo Tribunal Militar (STM). Como presidentes do STJ e do STM, evangélicos já ocuparam, portanto, o centro do poder judiciário brasileiro, em época recente.

O Salto Supremo: A Presidência da República

Além das cortes superiores, topo da carreira do Judiciário, evangélicos já ocuparam também a Presidência da República, duas vezes. Com Café Filho, presbiteriano, e Ernesto Geisel, luterano.

Café Filho

João Fernandes Campos Café Filho  (1899-1970) foi um advogado e político brasileiro, tendo sido o 18.º presidente do Brasil, entre 24 de agosto de 1954 e 8 de novembro de 1955. Também foi o 13.º vice-presidente do país, entre 1951 e 1954, função que assumira paralelamente com a de presidente do Senado Federal. Era filho de um líder da Igreja Presbiteriana,  frequentou o Colégio Americano, o Grupo Escolar Augusto Severo, a Escola Normal e o Ateneu Norte-Rio-Grandense, todos localizados em Natal. Foi o único potiguar e o primeiro protestante a ocupar a Presidência da República do Brasil. 

Ernesto Geisel

Ernesto Beckmann Geisel (1907-1996) general do Exército brasileiro, que, entre 1974 e 1979, foi o 29º Presidente do Brasil, tendo sido o quarto na ditadura militar. Filho de imigrantes luteranos alemães, estudou no Colégio Martinho Lutero de Estrela (RS) e no Colégio Militar de Porto Alegre, formando-se aspirante a oficial na Escola Militar de Realengo, atual Academia Militar das Agulhas Negras, na arma de artilharia. Depois de alcançar o topo da carreira militar, como general, participou do grupo que depôs o presidente João Goulart, atuou no governo de Castelo Branco e, no período de Costa e Silva, foi nomeado ministro do Superior Tribunal Militar (STM), onde participou do julgamento de inúmeros processos referentes a crimes políticos enquadrados na Lei de Segurança Nacional. Com fama de “disciplinador”, Geisel foi ativo e influente das Forças Armadas. Como o fim da ditadura,envolveu-se na eleição de Tancredo Neves pelo Colégio Eleitoral, em 1985. Geisel apoiou o presidente José Sarney (1985-1989) e defendeu a realização de eleições diretas para a Presidência da República, com a retirada dos militares para os quartéis.

Educação, a melhor política

Nos perfis biográficos de Villas Boas, dos Gueiros, de Café Filho e de Geisel há uma constante – o acesso à educação de qualidade, por meio de diversos colégios evangélicos, de educação básica, fundamental e do ensino médio. O professor e historiador ex- Chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie Osvaldo Henrique Hack, em seu livro “Protestantismo e Educação Brasileira” (Editora Cultura Cristã, 2000), acentua que a educação “foi o motor para a formação de uma elite acadêmica, jurídica e econômica” entre os evangélicos, que mesmo minoritários diante da população brasileira, puderam ocupar, pela formação, diversos cargos. Ou seja, as personagens citadas nesta matéria são fruto de uma visão de educação popular, básica e fundamental, que, espalhando-se por todo o Brasil ,resgatou crianças e adolescentes da pobreza e da invisibilidade social. 

Na biografia de Jerônimo Gueiros registra-se: “Fundou com o Rev. Calvin Porter uma escola para rapazes chamada Externato Natalense, na qual estudou João Café Filho (1899-1970), futuro Presidente da República. Também fundou a Escola Eliza Reed e reorganizou o Instituto Pestalozzi, onde lecionou português por vários anos. Foi professor da Escola Normal do Rio Grande do Norte, primeiro interinamente e depois como titular, tendo feito concurso para a cadeira de português em fevereiro de 1919. Rev. Jerônimo foi secretário geral da Associação Cristã de Moços (ACM), que oferecia cursos profissionalizantes, entre os quais datilografia, algo muito valorizado na época. Lecionou no Colégio Americano Batista e fundou o Instituto de Assistência e Educação, que mais tarde recebeu o seu nome”  (Instituto Presbiteriano Mackenzie “Os Consolidadores da Obra Presbiteriana no Brasil”, 2014)

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Bereia verifica, portanto, que não houve um “salto” de evangélicos a um alto espaço de poder público com a aprovação da indicação de André Mendonça ao STF, Já houve outros nomes na história recente do Brasil, ligados a igrejas evangélicas, ocupando cargos relacionados ao Poder Judiciário  e ao cargo maior, a Presidência da República. A pesquisa mostra, também, que a chegada a estes cargos, além de estar relacionada a uma aproximação do poder, tem relação com a formação educacional. As  escolas básicas e fundamentais e as universidades evangélicas são uma rede de inclusão que abriu portas das cortes e escolas para os filhos de imigrantes, migrantes e para a minoria religiosa  evangélica.

Universidade, missão e igreja: para poucos ou para todos?

O Ministro da Educação é pastor presbiteriano. Eu também sou, desde 1996. Em entrevista à TV Brasil, no dia 10/08/2021, Milton Ribeiro declarou que “universidade deveria, na verdade, ser para poucos”. A frase provocou questionamentos, por parte da comunidade acadêmica; gerou indignação entre estudantes e suas famílias e, também, incentivou reflexões sobre o papel da Universidade.

O contexto da frase acompanha a lógica de incentivo à educação técnica – voltada para o mercado de trabalho. No discurso e na prática – que se traduz em verbas cortadas ou reduzidas (veja o gráfico no final do texto) – o Brasil vive um momento de desindustrialização, de subordinação aos processos produtivos internacionais, condenando o país à mera posição de exportador de matérias-primas, minérios, alimentos e proteína animal. Todavia, a engenharia nacional, capaz de produzir no passado, jatos da EMBRAER, poderia também produzir tecnologia 5G. 

Nesse texto, não vamos discutir os pontos acima, mas questionar qual seria a visão de um pastor presbiteriano acerca da universidade. Qual seria a visão da Igreja Evangélica acerca da educação? Optamos pelo modelo de educação e evangelização para as elites? 

Para ajudar, há muitas pistas, livros e instituições. No livro “Protestantismo e Educação Brasileira”, o professor e pastor presbiteriano Osvaldo Henrique Hack, descreve como o impacto dos missionários protestantes (presbiterianos, congregacionais, metodistas e batistas) transformou a educação do Brasil e promoveu uma evangelização consistente, interiorizada.

Em 12 de agosto, dois dias depois da fala do ministro, presbiterianos recordaram que, em 1859, o primeiro casal de missionários chegou ao Brasil – Rev. Ashbel Green Simonton e Helen Murdoch Simonton. Helen morreria no parto de sua primeira filha (1864) e Ashbel faleceu de febre amarela (1867). Atualmente, seriam ambos salvos pelo SUS – com suas maternidades e vacinas.  

O casal Simonton, além de organizar igrejas, também criou o primeiro seminário, o primeiro jornal e uma escola. Todos os quatro casais de missionários pioneiros (Simonton, Blackford, Schneider e Chamberlain) organizaram igrejas e escolas. Havia, inclusive um lema: “ao lado de cada igreja, uma escola”. 

De fato, os missionários acreditavam que “outro meio indispensável para assegurar o futuro da igreja evangélica no Brasil é o estabelecimento de escolas… O Evangelho dá estímulo a todas as faculdades do homem e o leva a fazer os maiores esforços para avantajar-se na senda do progresso.” (Relatório Pastoral de Ashbel Green Simonton, em 1867, cujo original encontra-se no Arquivo Presbiteriano)

James Cooley Fletcher, missionário presbiteriano, filho do banqueiro Calvin Fletcher, graduado na Universidade Brown e Princeton (EUA) foi um dos mais ativos agentes na implantação dessa missão educacional. Entre 1851 e 1856 Fletcher atuou no Brasil, como agente da União Americana de Escolas Dominicais e representante da União Cristã Americana Estrangeira, quando viajou quase cinco mil quilômetros Brasil adentro – distribuindo Bíblias, incentivando escolas, patrocinando missionários e, principalmente, difundindo o sistema educacional norte-americano. Curiosamente, no Brasil, chamava-se à época o sistema estadunidense de “sistema escolar socialista de Horace Mann”.  Em 1866. Fletcher escreveu ao imperador Pedro II, convidando o ministro Joaquim Maria Nascentes de Azambuja e uma delegação brasileira para visitar escolas e universidades nos EUA. Fletcher, Azambuja (que tornou-se Diretor de Instrução Pública nas Províncias do Espírito Santo e Pará) e principalmente o Deputado Aureliano Cândido Tavares Bastos iniciaram uma campanha pública de críticas ao sistema educacional brasileiro. Em 1869, falando no Senado, Francisco de Paula Silveira Lobo, irmão do jornalista e líder abolicionista Aristides Lobo lembrava que “na própria Côrte havia apenas 4.800 alunos primários para uma população estimada em 400 000 a meio milhão de almas”. Ou seja, segundo o Censo de 1872,  a taxa de analfabetismo era de 77,2% (RJ) , 87,1% (PB) e 87,0% (CE). Havia grande disparidade, mas como se pode perceber, a educação era para poucos. 

O analfabetismo era, desde a origem do movimento missionário, o grande problema. No Brasil, para fins de comparação, a alfabetização surge como questão nacional somente com a reforma eleitoral de 1882 (Lei Saraiva), a qual conjugava “censo pecuniário” (econômico) com o “censo literário”, proibindo o voto do analfabeto. A Constituição Republicana de 1891, acabou com o “censo econômico”, mas manteve o “censo literário” (vetando direitos políticos aos analfabetos). 

Assim, não era raro que os missionários protestantes fossem acusados de “agitação política” e “socialismo” por conta de seus esforços alfabetizadores. Na tabela abaixo constatamos que, ainda agora, no Censo 2000, na capital da República, não erradicamos o analfabetismo. Portanto, junto com a Missão, a educação ainda é tarefa da Igreja. Pois como lerão as Sagradas Escrituras se não sabem ler? Que espécie de igreja pode ser gerada sem leitura? 

Tabela – Percentuais de Analfabetismo no Brasil (de 1872 a 2000)

Horace Mann defendia uma educação pública, universal e gratuita, para todos – como forma de alfabetizar, civilizar e gerar progresso e prosperidade. Todos os missionários pensavam da mesma forma. Os batistas chegaram registrar a necessidade de fundarem pelo menos um colégio em cada capital do país. Textualmente: “a superioridade das doutrinas batistas não será demonstrada ao povo brasileiro exclusivamente no campo da evangelização. É justamente no campo da educação que o Evangelho produz os seus frutos seletos e superiores, homens preparados para falar com poder à consciência nacional” (Cabtree, A. História dos Batistas, Casa Publicadora Batista, 1962, p. 125) William Buck Bagby (missionário pioneiro na implantação das missões batistas no Brasil) defendia a tese de que “colégios prepararão o caminho para a marcha das igrejas”.

De fato, os missionários implantavam, junto com os educandários, sistemas educacionais e práticas, consideradas avançadas para o século XIX. O Rev. George Whitehill Chamberlain (1839-1902), educador pioneiro, ordenado pastor pelo Presbitério Rio de Janeiro, em 8 de julho de 1866, fundou em 1870 São Paulo, junto com sua esposa Mary Chamberlain, a Escola Americana, o embrião daquilo que viria a se tornar a Universidade Mackenzie. Uma escola mista (para meninos e meninas, inter-racial, multicultural e com aulas de educação física) era um “escândalo” para uma sociedade escravagista, racista, machista – e a prática de esportes esbarrava no decoro público. 

Em sua correspondência à Junta de Nova Iorque (EUA) para justificar o investimento de recursos para a nova tarefa, Chamberlain registra “o fato de as filhas e filhos de muitos pais brasileiros não evangélicos, pertencentes às correntes republicanas e abolicionistas (grifo nosso), também sofrerem perseguições” (Garcez, Benedito. Mackenzie, Casa Editora Presbiteriana, 1970. p. 32) 

A Junta de Missões da Igreja Presbiteriana dos EUA não somente percebeu a oportunidade, como também determinou que a nova escola deveria “observar o sistema de ensino americano (EUA): escola mista para ambos os sexos; liberdade religiosa, política e racial (grifo nosso). Educação baseada nos princípios da moral cristã, segundo as normas das Santas Escrituras, atendendo ao conceito protestante que exclui da escola a campanha religiosa, limitando-se às questões de moralidade ética, contidas no ensino de Cristo”. 

Em 1897, o “Protestant College” mudou o seu nome para “Mackenzie College at São Paulo”. A mudança foi uma homenagem a John Theron Mackenzie, (1818-1892), advogado e filantropo, o qual por meio de testamento, doou parte de sua herança, à então “Escola Americana” (hoje Universidade Presbiteriana Mackenzie). Morreu em 17 de setembro de 1892, aos 74 anos de idade e seu testamento dedicava um terço de seus bens à construção de uma escola de engenharia na então Escola Americana, que passou a chamar-se Universidade Presbiteriana Mackenzie.

É desnecessário dizer que não havia campo de trabalho para engenheiros no Brasil na segunda metade do século XIX – a base de nossa economia era, como ainda é, o agro.

Assim, vincular a oferta de vagas de ensino ao mercado, é um erro histórico – que penaliza as futuras gerações. 

Para encerrarmos esse início de debate sobre a visão, missão e tarefa para a Igreja Evangélica no Brasil cabe perguntar: se os presbiterianos do século XIX tivessem uma visão estreita, de uma universidade para poucos ou de uma igreja seletiva (apenas para uma classe), nós estaríamos aqui hoje?  Existiria uma Universidade Mackenzie? Existiria curso de engenharia na universidade plantada em um país exportador de café e açúcar?

O papel de uma Universidade é formar apenas gente para o mercado de trabalho? 

O papel de uma Igreja é apenas influenciar algumas poucas pessoas e lugares exclusivos? 

O que é uma Missão Cristã? 

São perguntas que me surgem quando olho para o passado, quando me entristeço diante do presente e quando creio que o futuro há de levantar uma geração de pregadores e pregadoras que não seja formada apenas para agradar aos interesses da ocasião. 

Lanço então, esta  mensagem, como numa garrafa, a balançar nas ondas desse informar, como um pequeno fio nessa rede. Vamos debater o papel da Universidade e da Educação? Será possível que sou o único a imaginar que escolas e centros universitários devem ser lugares de inovação, transformação e progresso? Seria a Missão da Igreja um fermento para o Mundo?

Se quiser continuar essa conversa, mande um e-mail. Ficarei imensamente grato pela sua opinião e estou aberto para ampliar esse diálogo: revmello@gmail.com.


Gráfico – Investimento nas Universidades (MEC/Brasil)

Postagem que convoca bloqueio de fact-checkers é campanha contra verificação de conteúdo falso

O monitoramento do Coletivo Bereia encontrou uma mensagem que sugeriria fortemente que os disseminadores de fake news, haters (espalhadores de mensagens de ódio) e bots (programas com disparos de mensagens em massa contratadas) sentiram-se incomodados com o fortalecimento do trabalho das agências de checagem e atuação dos projetos e profissionais de verificação (fact-checkers). Repassada em vários grupos, a mensagem (sem autoria) ensinava a “bloquear” mensagens com checagens de fake news e informações falsas.

A mensagem é uma tradução de outra, que circulou nos Estados Unidos (EUA) durante a tentativa de reeleição de Donald Trump – que incitou acusações e bloqueios de seus seguidores contra “fact checkers”  (checadores de fatos) – e os que aqui a repercutiram nem sequer traduziram a expressão “fact checkers”. 

Nos EUA e no Brasil, as agências de checagem começaram a ser acionadas pelas mídias de notícias e por plataformas de comunicação, para desmentir conteúdos falsos (amenamente chamados de “boatos”) fake news e demais formas de desinformação. O aplicativo Facebook, um dos mais criticados nas eleições do EUA em 2016 (inclusive com processo judicial), anunciou esse recurso em sua plataforma.

A tentativa de bloquear a divulgação das checagem de notícias, porém, é tão inútil quanto tentar bloquear o termo “covid” ou “BBB” nas mídias sociais. 

A mensagem, que tem circulado é esta:

Importante

COMO BLOQUEAR AS PESSOAS (FACT CHECKER) QUE MONITORAM SUAS PUBLICAÇÕES NO FACEBOOK.

Antes de mais nada coloquem no google:
 *Fact Checkers Facebook* e leiam quem são estas pessoas. No meu celular tinham quase 60 pessoas. Vejam os prints screen destas pessoas. 

PARA QUEM TEM CELULAR IOS OU ANDROID O PROCEDIMENTO É:

1) Clicar nas 3 barrinhas horizontal do facebook.
2) Clicar em Configurações e Privacidade.
3) Clicar em Configurações.
4) Rolar a tela para baixo ate chegar em Privacidade e clicar em Bloqueados. 
5) Clicar em Adicionar lista de bloqueados.
6) Digitar Fact Checker.
7) As pessoas que aparecerem são os verificadores das publicações do facebook (Fact Checker) e nominadamente pessoas de esquerda. 

Agora é só bloquear. 
Faça isto semanalmente.

Inutilidade pública e falso alerta

O Coletivo Bereia testou o procedimento sugerido e verificou que é inútil, pois o bloqueio de palavras (sejam elas “fact chekers”, “BBB” ou “covid”) não é eficaz para bloquear pessoas (seus perfis). Também é possível entender que muitos “fact-checkers” não se apresentam desta forma em seus perfis pessoais nas mídias sociais.

Além disso, uma análise do procedimento indicado verifica que os usuários que “bloquearem” estas palavras somente terão bloqueados alguns “grupos de Facebook” e empresas. Assim, a menos que você pretenda bloquear a hashtag “#FactCheckers” (com 93k de comentários) e muitas informações sobre a covid-19, a ferramenta é inútil.  Ou seja, é um serviço falso de alerta, ou uma “inutilidade pública”.

Finalmente, no teste realizado pelo Coletivo Bereia, durante três dias de uso intenso, não foi impossível abrir mensagens enviadas pelos grupos e nem houve bloqueio de mensagens denunciando conteúdo falso, restabelecendo a verdade sobre a covid-19 e outros. Pelo contrário, houve continuidade no recebimento de mensagens e alertas de fact-checkers ativos no Facebook. Inclusive prosseguiu o recebimento de alertas do próprio Facebook sobre o conteúdo enganoso ou perigoso de algumas mensagens.

Se esse “bloqueio” não funciona, por que esse tipo de mensagem circula?

O medo da vigilância ou a soma de todos os medos

Por trás, por dentro e por cima das mensagens que denunciam censura na ação de “Fact Checkers” estão grupos de pessoas que acreditam que há uma conspiração internacional, dominada pela China, pelo “Estado Profundo”, em uma associação insólita dos partidos comunistas e grandes capitalistas para controlar a opinião pública mundial.

A suspensão de Donald Trump das mídias sociais serviu de alerta para todos os políticos que fazem campanha utilizando contra-informação, desinformação e estratégias de mensagens em massa. Twitter, Facebook e Instagram anunciaram o bloqueio das contas do ex-presidente empresário da comunicação (que impede, além da comunicação, outras estratégias de monetização). Donald Trump (logo seguido por outros como o deputado federal Eduardo Bolsonaro, do PSL/SP) sugeriram a migração para outros nichos, além de incentivar o uso de plataformas alternativas

O plano ficou mais difícil, pois a gigante de tecnologia Amazon, decidiu “desmontar” a rede alternativa Parler, tirando os aplicativos do ar e silenciando os servidores. Em fevereiro de 2021, o presidente da Parler que tinha planos de formar uma “rede conservadora” foi demitido.

As redes de disseminação de teorias das conspiração também entraram no radar das mídias sociais – especialmente aquelas ligadas ao grupo Q-Anon. Ativistas do grupo e políticos de extrema direita denunciaram que haveria uma “censura chinesa”, em reação às medidas contra Trump e Q-Anon .

Não há, porém, qualquer evidência de que a China – ou alguma empresa chinesa – esteja envolvida nos embates entre as plataformas de mídias sociais e os políticos ultraconservadores. Ao contrário, são os políticos “progressistas” – na Europa especialmente – que estão lutando para diminuir o poder, fragmentar ou estabelecer legislações que impeçam o aumento de poder e influência das chamadas “Big Techs” (empresas ligadas às telecomunicações, mídias sociais e internet).

Porém, a busca pelo “pote de ouro” no final do arco-íris continua. E para isso, os disseminadores de informações falsas, contratantes de bots e haters apostam em outra via. Um aplicativo da Rússia – o Telegram. 

Um bunker chamado Telegram

O Telegram Messenger foi lançado em 2013, na Rússia. Criado pelos irmãos Nikolai e Pavel Durov, o aplicativo é o principal concorrente do WhatsApp, com mais de 500 milhões de usuários ativos no mundo. O serviço oferece o envio e recebimento de mensagens de texto, áudio, imagem e vídeo, além de arquivos de diversos formatos. A plataforma grátis tem ganhado popularidade nos últimos anos e pode servir como alternativa para os mensageiros do Facebook (Messenger e WhatsApp). O serviço permite grupos de até 200 mil membros e disparo de mensagens em massa, o que o WhatsApp não mais autoriza, desde que o aplicativo passou a enfrentar acusações de ter sido usado nas campanhas por empresas de influenciadores. 

O Brasil passou a conhecer mais o Telegram quando do episódio das reportagens do The Intercept Brasil, em parceria com outros órgãos de imprensa, apelidadas de Vaza Jato. As reportagens mostraram como os integrantes da Operação Lava Jato, juntamente com o então juiz federal de Curitiba Sérgio Moro, usaram o aplicativo que consideraram mais seguro, para trocar informações sobre como forjar provas e outras estratégias ilegais para  incriminar pessoas, a partir do seu interesse político.

Muitas das “facilidades” do Telegram, são duramente criticadas por especialistas de segurança. Como o uso de “perfis fantasmas” que se autodestroem em seis meses (em nosso uso, detectamos 234 contas excluídas,  automaticamente nesse modelo); o uso de nicknames (em vez de números de telefone); e a possibilidade de apagar as mensagens originais “sem deixar rastro”.  Podem, além de ser utilizados por criminosos, facilitar o uso de disseminações de falsidades e enganos. 

O aplicativo russo oferece, ainda, a possibilidade de editar mensagens já enviadas pelo usuário (ou por outras pessoas), apagar mensagens sem rastro, utilizar ao mesmo tempo “várias contas e pastas de chat”, “grupos de até 200 mil participantes”, “ferramentas de edição de vídeo” e a cereja do bolo – “API e plataforma de bot para desenvolvedores”. Essa última ferramenta facilita o comando de disparo de mensagens em massa – inclusive pré-agendadas.

Uma pesquisa rápida no buscador global que o próprio Telegram traz demonstra que a ferramenta já se tornou um bunker para os exilados do WhatsApp, Twitter e Facebook. Olavo de Carvalho tem dois grupos (um com 6.819 integrantes e outro com 3.512). Jair M. Bolsonaro tem 451.212 contatos em seu Telegram e Flávio 55. 520. Há três grupos de “patriotas” pró-Bolsonaro, com 26.719, 23.572 e 2.573 (esse último mais ativo). Sobre a covid-19 há dois grupos, um com 226.789 “pessoas” e outro com 615.979. Mesmo que as assinaturas não correspondam a um único número de telefone, ou “pessoa física”, ainda assim estamos diante de uma migração em massa. 

A migração começou com o bloqueio de Trump e o silenciamento de perfis ativos na disseminação de desinformações (bem como nas ações judiciais, movidas em vários países contra WhatsApp e Facebook, por calúnia, difamação e desinformação política).  A mudança dos termos de contrato (adesão) ao Whatsapp – com a sincronização entre perfis do Facebook e verificações de autenticidade também apressaram alguns a migração de plataformas. 

Durov já fez duras críticas a grandes empresas de internet como Facebook e Google ao longo dos últimos anos. Entende que elas oferecem ferramentas para acalmar o público, mas não entregam resultados ao marketing. Ou seja, o magnata russo quer uma ferramenta que aumente as vendas e que permita o crescimento do público, além dos limites que Facebook (dona de WhatsApp e Instagram) e Google apresentam. 

Nesta briga por audiência virtual muitas armas são antigas – utilizar o medo, falar de vigilância e censura, disseminar “falsos bloqueios”. Governos e ativistas de cybercidadania, porém, ensinam que mais transparência e mais acesso aos protocolos das empresas são os únicos caminhos, quando se deseja que cada cidadão tenha a posse e o conhecimento de como são lidos, por onde transitam e onde ficam armazenados seus dados. E essa história está bem contada no livro e documentário “Manipulados”/ “Privacidade Hackeada”. 

Em resumo, qualquer que seja a mídia social, qualquer que seja a empresa de internet ou de comunicação, é sempre muito importante variar as fontes, checar por conta própria aquilo que você ouve, lê e vê. Cada pessoa que se preocupa com informação correta e justa pode ser um “Fact Checker”. 

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Foto de capa: Pixabay/Reprodução

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Referências

Facebook, https://www.facebook.com/help/search/?query=PRIVACIDADE. Acesso em: 08 mar. 2021.

Facebook, https://www.facebook.com/business/help/2593586717571940. Acesso em: 07 mar. 2021.

Facebook, https://www.facebook.com/hashtag/factcheckers. Acesso em: 07 mar. 2021.

Observatório da Imprensa, http://www.observatoriodaimprensa.com.br/checagem-de-informacoes/o-que-e-fact-checking/. Acesso em: 07 mar. 2021.

Fact Checker Legal Support, https://factcheckerlegalsupport.org/. Acesso em: 07 mar. 2021.

Fact Checker, https://www.factchecker.in/. Acesso em: 07 mar. 2021.

IFCN, https://ifcncodeofprinciples.poynter.org/. Acesso em: 07 mar. 2021.

Facebook Journalism Project, https://www.facebook.com/journalismproject/programs/third-party-fact-checking. Acesso em: 07 mar. 2021.

CNN, https://edition.cnn.com/2020/10/29/tech/fact-checkers-facebook-trump/index.html. Acesso em: 07 mar. 2021.

DW, https://www.dw.com/pt-br/apoiadores-de-trump-migram-para-redes-sociais-de-nicho/a-56241234. Acesso em: 07 mar. 2021.

DW, https://www.dw.com/pt-br/twitter-bane-mais-de-70-mil-perfis-ligados-ao-qanon/a-56202310. Acesso em: 07 mar. 2021.

A Gazeta, https://www.agazeta.com.br/brasil/eduardo-bolsonaro-diz-apoiar-trump-e-fala-em-criacao-de-nova-rede-0121. Acesso em: 07 mar. 2021.

DW, https://www.dw.com/pt-br/amazon-decide-suspender-m%C3%ADdia-social-parler-o-twitter-dos-conservadores/a-56185550. Acesso em: 07 mar. 2021.

Terra, https://www.terra.com.br/noticias/tecnologia/presidente-de-rede-social-parler-e-demitido,5c97594c8976ebc7612a0833c3f3ab8dl2bypsf7.html. Acesso em: 07 mar. 2021.

Tecnoblog, https://tecnoblog.net/404132/whatsapp-signal-ou-telegram/. Acesso em: 07 mar. 2021.

Amazon, https://www.amazon.com.br/Manipulados-Cambridge-Analytica-privacidade-democracia/dp/8595086540. Acesso em: 07 mar. 2021.

Netflix, https://www.netflix.com/br-en/title/80117542. Acesso em: 07 mar. 2021.

Ciência Hoje, https://cienciahoje.org.br/artigo/perfis-manipulados/. Acesso em: 07 mar. 2021.

Veja, https://veja.abril.com.br/paginas-amarelas/brittany-kaiser-campanha-de-bolsonaro-usou-internet-para-desinformacao/. Acesso em: 07 mar. 2021.

UFSC, https://jornalismoehistoria.sites.ufsc.br/2020/10/30/a-internet-quebrou-a-democracia/. Acesso em: 07 mar. 2021.

Saiba como enfrentar a disseminação de desinformação na reta final do segundo turno das eleições

A poucos dias do segundo turno das Eleições Majoritárias para prefeito e vice no Brasil, a disseminação de material falso em mídias digitais de cristãos aumenta vertiginosamente. Bereia montou uma força-tarefa para verificar conteúdos e instruir os leitores a analisar criticamente os conteúdos que recebem.

Ganhou destaque essa semana a avalanche de fake news e propagandas negativas (propagandas contra candidatos) visando fins eleitorais. Em 57 municípios do Brasil haverá segundo turno e a disputa eleitoral incentiva uma panfletagem específica, direcionada contra alguns e em favor de outros. Durante a campanha, em 5.567 municípios, voltaram a circular boatos, acusações e “fake news” que já circularam na eleição de 2018, com objetivos eleitoreiros. O volume foi tão grande que o TSE criou um chatbot (um serviço automático de mensagens, com o endereço http://wa.me/556196371078) para desfazer boatos e criou a campanha com a hashtag #EuVotoSemFake com o mote: “se for fake news, não transmita”.

Como acontece em outras notícias falsas, os autores e aqueles que as repassam pedem para não serem identificados, para dificultar a apuração dos responsáveis pelos crimes eleitorais. Por isso, desconfie de notícias alarmistas, de suposta perseguição religiosa, vinculadas a uma suposta ideologia de gênero, ou “contra a Bíblia”.

Bereia recebeu folhetos de leitores com campanha difamatória e os tons alarmistas sem autor identificado – ou então com a autoria da peça ilegível. Por que isso acontece? Porque os verdadeiros autores sabem que se trata de um crime eleitoral – e passam adiante a responsabilidade, tentando dificultar o rastreamento de sua autoria.

Os eleitores deverão retornar às urnas no próximo dia 29 de novembro para escolha final do próximo prefeito ou prefeita das cidades. É importante tomar cuidado com as falsas acusações.

Fique atento! Há muita campanha no segundo turno fazendo uso de material falso não apenas para apoiar candidatos mas também para destruir a reputação de candidatos opostos.

Lembre-se que isto já ocorreu em 2018 e é objeto de investigação no STF, na Polícia Federal. E em comissão parlamentar mista de inquérito no congresso. No Rio de Janeiro, Espírito Santo, Recife e Fortaleza, Bereia recebeu material que busca manipular a população religiosa contra adversários políticos de alguns candidatos. A estratégia, como em 2018, é de pânico moral e terrorismo verbal para convencer pessoas pelo medo.

Mais uma vez, pela falta de provas e autoria duvidosa, Bereia verifica que quem cria o material busca fazer de quem o repassa cúmplice de um crime eleitoral e de uma campanha difamatória.

Seja prudente e fique alerta. Se você receber algum conteúdo alarmista e tem dúvidas se é falso ou verdadeiro, envie por e-mail para coletivobereia@gmail.com ou entre em contato pelo nosso WhatsApp – (38) 98418-6691 ou clique aqui e envie o seu conteúdo.

Confira gravação abaixo para o Jornal Brasil Hoje, da Rede Católica de Rádio (RCR), que vai ao ar esta semana:

Ministro das Comunicações dissemina desinformação e politiza produção da vacina contra a Covid-19

O Ministro das Comunicações Fábio Faria, da ala evangélica do governo bolsonaro, publicou no Twitter, em 9 de novembro de 2020, um post sobre a interrupção do estudo clínico da vacina Coronavac, produzida pela farmacêutica chinesa Sinovac, em parceria com o Instituto Butantan, de São Paulo.

No texto, Fábio Faria anuncia a interrupção dos testes com a vacina, – a partir de uma intervenção da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), instituição reguladora vinculada ao Ministério da Saúde. “A Anvisa determinou a interrupção do estudo clínico da vacina Coronavac. Segundo a Agência, a medida decorre de ocorrência de evento adverso grave, que pode incluir morte, invalidez, incapacidade, entre outros.”, afirmou o ministro.

A postagem de Fabio Faria diz respeito à nota, publicada pela Anvisa, em 9 de novembro, tornando pública a “interrupção do estudo clínico da vacina CoronaVac”, “após a ocorrência de um evento adverso grave”. O texto afirma que o caso havia ocorrido em 29 de outubro e foi comunicado à agência mas não especifica o que, de fato, havia ocorrido para provocar a interrupção do processo. Ao final da nota, a Anvisa explica o que entende como “evento adverso grave”:

De acordo com a RDC 9/2015, são considerados eventos adversos graves:

a) óbito;
b) evento adverso potencialmente fatal (aquele que, na opinião do notificante, coloca o indivíduo sob risco imediato de morte devido ao evento adverso ocorrido);
c) incapacidade/invalidez persistente ou significativa;
d) exige internação hospitalar do paciente ou prolonga a internação;
e) anomalia congênita ou defeito de nascimento;
f) qualquer suspeita de transmissão de agente infeccioso por meio de um dispositivo médico;
g) evento clinicamente significante.

O Ministro das Comunicações do Brasil extraiu desta lista de sete itens as palavras “morte, invalidez, incapacidade” para divulgar que a vacina, produzida em parceria com o Instituto Butantan de São Paulo, teria provocado estes tipos de consequências nos testes, que por isso teriam sido suspensos.

Suspensão sob suspeita

Em coletiva de imprensa realizada no dia seguinte, 10 de novembro, o diretor do Instituto Butantan Dimas Covas explicou que “o evento adverso grave”, foi o óbito de um dos 13 mil voluntários dos testes da Coronavac, e que a morte não teve relação com a vacina. Covas declarou que a Anvisa tinha a informação do caso desde o dia 6 de novembro, mas ficou três dias parada no sistema da agência por problemas técnicos, segundo foi justificado. “Às 15h da segunda (9) foi enviado um ofício informando o problema e pedindo dados, dando um dia de prazo. Às 18h, um segundo ofício pedia os dados, e os enviamos”, disse ao jornal Folha de S. Paulo o diretor do Butantan, Dimas Covas “Quase três horas depois, eles nos convidaram para uma conversa na terça (10) e, logo depois, suspendeu os testes sem nos avisar. Um telefonema teria resolvido”, afirmou. O diretor disse ainda que a decisão da agência causou “incerteza” e “medo” nas pessoas.

No mesmo dia 9 de novembro, o Presidente Jair Bolsonaro fez postagem em mídia social, condenando a vacina do instituto paulista e repetindo palavras semelhantes às extraídas por Fabio Faria da nota da Anvisa, como se fossem as causas da suspensão dos testes: “morte, invalidez, anomalia”.

Bolsonaro também comemorou a interrupção da processo: “Esta é a vacina que o Dória [governador do Estado de São Paulo] queria obrigar a todos os paulistanos tomá-la. O presidente disse que a vacina jamais poderia ser obrigatória. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”, afirmou o presidente em uma rede social.

A TV Cultura noticiou que o evento adverso não teve relação com a vacina, mas, sim, à morte de um voluntário por suicídio, segundo a Polícia Civil. A divulgação da causa do óbito do voluntário, não relacionada aos testes da vacina, levantou suspeitas sobre a politização da vacina (disputa política do governo federal com o governo de São Paulo) dentro da própria agência reguladora da saúde, a Anvisa.

O Supremo Tribunal Federal (STF) foi acionado por meio de ação ajuizada pela Rede Sustentabilidade é a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), nº 754. O partido entendeu que privar a população de acesso pleno, amplo e rápido à vacinação em massa representa violação dos direitos fundamentais à saúde e à vida. A Rede demanda que o governo federal assine o protocolo de intenções de compra de 46 milhões de doses inicialmente previstas da Coronavac. O partido também requer que a Anvisa analise os registros de vacinas internacionais eventualmente solicitados, em caráter de urgência.

O ministro do STF relator da ADPF Ricardo Lewandowski decidiu, no mesmo dia 10 de novembro, dar prazo de 48 horas para esclarecimentos acerca dos critérios utilizados para proceder aos estudos e experimentos concernentes. Veja aqui a decisão.

Em discurso na noite do dia 10, durante cerimônia de lançamento de um programa federal de turismo Jair Bolsonaro negou ter comemorado a interrupção do processo de estudos para a produção da Coronavac e declarou:

“Não adianta fugir disso, fugir da realidade. Tem que deixar de ser um país de maricas. Olha que prato cheio para a imprensa. Prato cheio para a urubuzada que está ali atrás. Temos que enfrentar de peito aberto, lutar. Que geração é essa nossa?” (…) “Tudo agora é pandemia. Tem que acabar com esse negócio, pô. Lamento os mortos, lamento, mas todos nós vamos morrer um dia.”

Jair Bolsonaro, presidente do Brasil

No fechamento desta matéria, o Brasil contabiliza quase 165 mil mortos em decorrência da Covid-19.

O Comitê Internacional Independente, que acompanha a produção das vacinas, recomendou à Anvisa a retomada dos testes. Não foi divulgado se o voluntário que faleceu recebeu a vacina em teste ou uma vacina placebo (sem eficácia) — esse tipo de informação é mantido em sigilo, inclusive para o voluntários, com objetivo de que não adotem comportamentos diferentes (como se proteger mais ou menos de contágio) que possam comprometer o resultado dos estudos.

A Coronavac está na terceira e última fase do teste clínico, entendido como o “test-drive” da vacina. “É quando os resultados das duas primeiras fases permitem que os cientistas avancem para um grupo de voluntários de milhares de pessoas”, disse ao blog Viva Bem do UOL, o virologista Flávio Guimarães da Fonseca, pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Os participantes são divididos em dois grupos: metade toma a vacina e metade recebe um placebo ou uma outra vacina que não protege contra o patógeno estudado. “Ninguém sabe quem tomou o que, nem os cientistas nem os voluntários. É o que chamamos de duplo-cego. E ele é randomizado, ou seja, sorteia-se, equilibra-se os grupos, porque tem um monte de detalhes que podem influenciar no resultado, como a idade dos participantes”, diz Alfredo Gilio, coordenador da clínica de imunizações da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein (SP).

Na manhã do dia 11 de novembro, a Anvisa anunciou a retomada dos testes da Coronavac.

As idas e vindas na suspensão dos testes, porém, não deverão interferir no cronograma sugerido pelo Instituto Butantã. O secretário de Saúde do Estado de São Paulo afirma que a interrupção nos testes da CoronaVac não vai atrapalhar o cronograma de fabricação da vacina. Mas, ao mesmo tempo, ressaltou que caberá a Anvisa liberar a vacinação.

Disputa política em torno de caso de saúde pública

Nas mídias sociais , apoiadores do Presidente da República e parlamentares ligados ao governo federal estão chamando os testes e o anúncio de vacinação em São Paulo de “ditadoria”. Sem apresentar provas ou elementos substanciais, alergam que as vacinas causam depressão e suicídio (visto que o voluntário paulista falecido foi encontrado morto em condições que sugerem suicídio). As investigações ainda não foram concluídas, até o fechamento desta matéria, permanecendo, porém, fortes consumo de drogas ilícitas por parte do voluntário. , segundo boletim de ocorrência. Grupos religiosos têm reproduzido estes conteúdos e chamado a Coronavac de “Vachina”, ideologizando o programa de imunização.

Página do Facebook de um dos grupos religiosos que ideologizam a vacina
Foto: Reprodução/Facebook

Bereia classifica a postagem do Ministro das Comunicações do Brasil Fabio Faria como enganosa. A Anvisa não declarou em sua nota oficial, de 09 de novembro, o teor do caso que levou à suspensão do processo de produção da vacina contra covid-19, pelo Instituto Butantan de São Paulo, e que pudesse levar à conclusão de que a vacina causaria “morte, invalidez, incapacidade”. Fabio Faria extraiu indevidamente as palavras da nota da Anvisa. A decisão de suspensão do processo de produção da Coronavac causou surpresa à direção do instituto (uma vez que a agência tinha conhecimento da causa da morte por suicídio, e não por efeito colateral da vacina). A ela se somam as postagens de pânico moral ideologizadas de membros do governo e seus apoiadores a cobrança de explicações pelo STF e a autorização de retomada do processo de produção dois dias depois. Tudo isto reforça suspeitas de disputa política com uso de desinformação, em torno de uma situação de saúde pública, provocadora de tantas mortes.

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Foto de capa: Secretaria Especial de Comunicação da Presidência da República/Twitter/Reprodução

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Referências de checagem

Nota da Anvisa sobre interrupção dos estudos da CoronaVac, https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2020/anvisa-interrompe-os-estudos-clinicos-da-vacina-coronavac. Acesso em 14 nov. 2020.

YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=hoA4XHYATQg&feature=youtu.be. Acesso em 11 nov 2020.

Folha de S. Paulo, https://outline.com/RvsyV5. Acesso em 14 nov. 2020.

Cultura. https://cultura.uol.com.br/noticias/13946_coronavac-morte-de-voluntario-durante-testes-foi-suicidio-aponta-laudo-do-iml.html. Acesso em 11 nov 2020.

Conjur, https://www.conjur.com.br/2020-nov-10/lewandowski-informacoes-anvisa-vacina-covid. Acesso em: 14 nov. 2020.

Decisão do STF, https://www.conjur.com.br/dl/lewandowski-informacoes-anvisa.pdf. Acesso em: 14 nov. 2020.

Comitê Internacional Independente, https://outline.com/RvsyV5. Acesso em 14. nov. 2020.

BBC Brasil, https://www.bbc.com/portuguese/brasil-54885955. Acesso em 14 nov. 2020.

UOL Viva Bem, https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2020/06/11/saiba-como-funciona-a-vacina-chinesa-que-sera-testada-em-sao-paulo.htm. Acesso em 14 nov. 2020.

Governo Federal. https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2020/anvisa-autoriza-retomada-do-estudo-da-coronavac. Acesso em 11 nov 2020.

Band, https://www.band.uol.com.br/noticias/interrupcao-de-testes-da-coronavac-nao-vai-atrasar-cronograma-de-vacinacao-diz-secretario-de-saude-de-sp-16315751. Acesso em 14 nov. 2020.

G1, https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/11/12/laudo-do-iml-indica-morte-por-combinacao-de-medicamentos-que-nada-tem-a-ver-com-a-vacina-homem-encontrado-morto-em-sp-teria-participado-de-teste-da-coronavac.ghtml. Acesso em 14 nov. 2020.

Nexo. https://www.nexojornal.com.br/ensaio/debate/2020/Do-voto-evang%C3%A9lico-ao-crist%C3%A3o-o-que-as-elei%C3%A7%C3%B5es-de-2020-tem-a-nos-dizer. Acesso em 11 nov 2020.

Nota da Sinovac, https://pfarma.com.br/coronavirus/6049-sinovac-publica-nota-sobre-testes-da-coronavac-no-brasil.html. Acesso em 13 nov. 2020.

Sobre a Religião dos Brasileiros, http://www.ibge.gov.br/servidor_arquivos_est/. Acesso em 13 nov. 2020.

Não é possível afirmar que o coronel Brilhante Ustra tenha sido membro da Igreja Presbiteriana do Brasil

* Com a colaboração de André Mello

Neste outubro de 2020, depois de mais uma declaração pública de exaltação ao destacado comandante da tortura de presos da ditadura militar brasileira, o coronel do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, passou a circular em mídias sociais de perfil evangélico a afirmação de que o militar teria sido uma liderança da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB).

As postagens, com tom crítico à existência de torturadores entre evangélicos históricos, surgiram nas redes digitais, depois da divulgação da declaração do vice-presidente da República General Hamilton Mourão, em entrevista ao jornal alemão Deutsche Welle, em 7 de outubro, de que o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, condenado por tortura na ditadura militar, foi um homem de “honra”, “que respeitava os direitos humanos de seus subordinados”.

Uma das postagens críticas mais compartilhadas nas mídias sociais dizia que Ustra fazia parte do “quarteto de ferro” de militares presbiterianos, que perseguia subversivos na igreja.

Fonte: Reprodução do Twitter

O conteúdo foi propagado de várias formas:

Depois de comentários feitos nas postagens, indagando sobre fontes desta informação, emergiram desdobramentos:

Sobre o coronel Ustra ter sido presbiteriano

Para verificar a informação sobre a vinculação de Carlos Alberto Brilhante Ustra à fé evangélica presbiteriana, Bereia contatou o autor de um dos conteúdos mais compartilhados sobre o tema nas mídias sociais em outubro, postado no Twitter. Ele relatou que tomou como fonte duas informações: uma notícia no website da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), a respeito de uma palestra do Prof. Zwinglio Motta Dias, em que foi indicada a vinculação de Ustra à Igreja Presbiteriana do Brasil, e o livro “Cristo e o Processo Revolucionário Brasileiro”, que tem um capítulo de Dias, em que é mencionada a relação do coronel com a igreja.

Bereia verificou estas fontes. De fato, foi publicada matéria no site da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), intitulada “Protestantismo ignorou característica brasileira, lamenta professor sobre golpe militar”, com o relato de palestra oferecida pelo teólogo Prof. Zwinglio Motta Dias, também pastor da Igreja Presbiteriana Unida (IPU). A palestra foi realizada em 23 de setembro de 2014, na XVIII Semana de Estudos da Religião, daquela universidade, sob o tema “Religião e Poder: Os 50 anos do Golpe Militar”. A coordenação da mesa foi feita pelo professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da UMESP, à época, Leonildo Silveira Campos. Diz a matéria:

“Foi esse distanciamento das marcas culturais e políticas brasileiras que teria influenciado a pronta adesão das igrejas evangélicas ao golpe de 1964, com a presbiteriana à frente devido à preponderância que detinha sobre a classe média da época e ao prestígio nos meios militares. ‘Oficiais de alta patente eram presbíteros, entre os quais Carlos Alberto Brilhante Ustra’, citou Zwinglio sobre o chefe do aparelho repressor DOI-CODI entre 1970-74”.

Já o livro “Cristo e o Processo Revolucionário Brasileiro”, publicado dois anos antes, organizado por Wanderley Rosa e José Adriano Filho [Editora Mauad, 2012), tem um capítulo de autoria de Zwinglio Dias, com o título “O Protagonismo dos Evangélicos durante os ‘Anos de Chumbo’ e a busca incessante por uma ‘Ecclesia Reformata’” (p. 55-73). Nela, o teólogo afirma na página 59:

“[A dissertação] relaciona os nomes de quatro oficiais militares de alta patente, presbiterianos, com funções de importância no seio do regime: cel. Renato Guimarães, presbítero, que na década seguinte se tornou vice-presidente da IPB, cel. Teodoro de Almeida, cel. Walter Faustini e o major Carlos Alberto Brilhante Ustra, que foi comandante do DOI de São Paulo”.

Esta é a única menção no livro publicado em 2012, e foi repetida por Zwinglio Dias na palestra de 2014, como relatado no site da UMESP. A matéria diz que Zwinglio Dias afirmou que “oficiais de alta patente eram presbíteros”, o que indica ser uma incompreensão da pessoa responsável pela redação, que deveria ter escrito “presbiterianos”. Segundo afirma Zwinglio Dias no livro, presbítero (cargo de liderança na IPB) era apenas um, o coronel Renato Guimarães. Esta desinformação acabou reproduzida pelo autor da postagem no Twitter, que afirmou ser o coronel Ustra um presbítero da IPB.

Bereia também verificou a fonte utilizada por Zwinglio Dias para afirmar a vinculação religiosa de Ustra, no capítulo e na palestra. Foi a dissertação de Mestrado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Programa de Pós-Graduação em História, por Eduardo Paegle, intitulada “A posição política da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) nos anos de chumbo (1964-1985)”, defendida e aprovada em 2006. A informação, referenciada por Zwinglio Dias, consta na p. 82 da dissertação: “A participação no Golpe de 1964, contou com algumas personalidades presbiterianas, entre elas, de Eraldo Gueiros Leite, Evandro Gueiros, Nehemias Gueiros, Renato Guimarães, Teodoro de Almeida, Walter Faustini e Carlos Alberto Brilhante Ustra”.

No trabalho acadêmico, há referências para a vinculação dos Gueiros, de Guimarães e de Almeida, porém não constam fontes para afirmar a vinculação de Faustini e Ustra. O autor da dissertação afirmou ao Coletivo Bereia que não lhe é possível retomar a origem da informação da qual se valeu.

Bereia ouviu lideranças presbiterianas e buscou levantar possível vinculação do coronel Ustra com a igreja em São Paulo, durante o período que atuou no DOI-CODI, ou a partir dos anos 1986, quando se estabeleceu em Brasília e não obteve qualquer dado sobre isto. Uma das fontes levantou a possibilidade de amizade entre os coronéis Ustra e José Walter Faustini (este membro da Igreja Presbiteriana Independente). Faustino poderia ter levado o primeiro para a IPI. Esta hipótese foi rechaçada por três lideranças da IPI em São Paulo ouvidas pelo Coletivo Bereia.

Desta forma, permaneceu a dúvida, o que levou a novas buscas do Coletivo Bereia, que recorreu aos registros da Comissão Nacional da Verdade, a fonte oficial do país quanto aos fatos e às personagens que dizem respeito à ditadura militar de 1964 a 1985.

A Comissão Nacional da Verdade e o levantamento sobre igrejas na ditadura

A Comissão Nacional da Verdade (CNV) foi criada pela Lei 12.528/2011 e instituída em 16 de maio de 2012 com a finalidade de “apurar (examinar e esclarecer) as graves violações de direitos humanos ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional”.

Dada a complexidade das pesquisas e do relatório que deveria ser apresentado, o mandato da Comissão foi prorrogado até dezembro de 2014 (Medida Provisória nº 632/dez 2013). A criação e o trabalho da CNV se inspiraram em outras mais de 20 CNVs instaladas em outros países desde 1974, as quais viveram circunstâncias semelhantes à da ditadura militar brasileira. A CNV da África do Sul, por exemplo, ajudou a esclarecer violações de direitos humanos ocorridas sob o regime do apartheid. Também foram instaladas comissões em países latino–americanos como Argentina, Chile, Peru, Guatemala, El Salvador e Colômbia.

Já havia iniciativas desde o final dos anos de 1970, como o Projeto Brasil Nunca mais, a Rede Tortura Nunca Mais, a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, cuja atuação levou ao reconhecimento formal pelo Estado da figura dos “desaparecidos políticos, com a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (governo Fernando Henrique Cardoso, 1995).

A CNV foi composta por sete membros nomeados pela Presidência da República: Gilson Dipp, José Carlos Dias, José Paulo Cavalcanti Filho, Maria Rita Kehl, Paulo Sérgio Pinheiro, Pedro Dallari e Rosa Maria Cardoso da Cunha. Eles/as coordenaram 13 grupos de trabalho temáticos, entre eles, o “Papel das Igrejas durante a ditadura”. As atividades da CNV consistiram em: pesquisa documental, realização de entrevistas e coletas de depoimentos de vítimas da repressão, agentes do Estado, parentes de vítimas e testemunhas, visitas para reconhecimento de locais que serviram como base para a violação de direitos de vítimas da repressão, diligências e audiências públicas.

No website da CNV é possível acessar o relatório final, publicado em 2014, no ano 50 do golpe militar de 1964. No Volume II consta o relatório do GT Papel das Igrejas durante a ditadura, intitulado “Violação de Direitos Humanos nas Igrejas Cristãs”. Foram levantados casos de prisões arbitrárias, sequestros, tortura, desaparecimentos, assassinatos, expulsões e exílio de católicos e evangélicos que atuaram em oposição à ditadura militar. Não há menção ao nome de Carlos Alberto Brilhante Ustra entre os cristãos colaboradores da repressão, delatores e perpetradores das violações de direitos, citados no relatório.

Ouvido pelo Coletivo Bereia, o coordenador do GT Papel das Igrejas durante a ditadura Anivaldo Pereira Padilha, explicou que uma expressiva parte do conteúdo reunido durante a pesquisa não consta no relatório e foi encaminhado para o Arquivo Nacional. Ele afirma que o nome de Carlos Alberto Brilhante Ustra apareceu em depoimento colhido pelo GT, nas dependências do Escritório Regional da Presidência da República em São Paulo, em 3 de maio de 2013.

Uma das torturadas pelo regime, Ana Maria Ramos Estêvão, que era membro da Igreja Metodista, presa em 1970, em 1972 e 1973, relatou ter sido interrogada pelo coronel Ustra em julho de 1973. Ela contou que, ao ver na ficha dela que ela tinha estudado no Instituto Metodista (em São Paulo), o militar lhe disse “Eu também sou metodista!” e a partir daí passou a dizer que ia lhe favorecer, deu o número do telefone dele, caso precisasse quando saísse da prisão, pois dizia acreditar que “o seu compromisso com a fé é maior do que o compromisso com a política”.

A afirmação de Ana Maria Ramos Estêvão consta na Tese de Doutorado, defendida na Universidade de São Paulo, Programa de Pós-Graduação em História, em 2015, por Leandro Seawright, com o título “Ritos da oralidade: a tradição messiânica de protestantes no Regime Militar Brasileiro”. O autor havia atuado como pesquisador da CNV, por um período, e também entrevistou a ex-presa política. O relato do encontro de Ana Maria Ramos com o coronel Ustra, quando ele lhe afirma que “também era metodista” consta na página 282 da tese.

Bereia localizou Ana Maria Ramos Estêvão, que confirmou o depoimento à CNV e a Leandro Seawright. Perguntada se haveria possibilidade de o coronel Ustra ter sido presbiteriano, ela afirmou:

“Presbiteriano ele não era, com certeza. Ele era metodista, originalmente da Igreja de Santa Maria no Rio Grande do Sul. E ele frequentava a Igreja Metodista Central quando estava em São Paulo. Tenho amigos em Santa Maria que foram na Igreja Metodista pedir a declaração de que ele era membro lá, mas o pastor, o povo lá, não se manifesta sobre isto e se recusa a falar qualquer coisa. Eu tenho muito claro na memória que ele se declarou ser da Igreja Metodista. Ele conhecia várias coisas. Disse para mim e para a minha amiga, que também era do Instituto Metodista e foi presa junto comigo. A Igreja de onde ele veio era a Metodista Santa Maria, Rio Grande do Sul. Estou repetindo porque isto eu repito até morrer. Nós só não conseguimos o documento da Igreja Metodista, do registro dele como membro. Mas a família dele ainda é de lá”.

Ana Maria Ramos Estêvão

O coordenador do GT da CNV Anivaldo Padilha afirmou ao Coletivo Bereia que foi feito contato formal com a Igreja Metodista em Santa Maria, em 2013, e o nome de Carlos Alberto Brilhante Ustra não foi encontrado no rol de membros da igreja.

Sobre a vinculação do coronel Ustra à Igreja Metodista

Bereia fez contato com a Igreja Metodista em Santa Maria, pastoreada pela Revda. Lediane Dias de Almeida Mello, que forneceu todas as informações disponíveis e confirmou o que foi levantado pela CNV, em 2013. O pai do Coronel Ustra, sr. Celio Martins Ustra, era membro da Igreja Metodista, tendo sido recebido em 1927, junto com a irmã Serafina. A esposa, Cacilda Brilhante Ustra, não foi localizada no rol de membros. Dois dos quatro filhos do casal constam nos registros da Igreja Metodista: Glaucia Brilhante Ustra (a terceira filha, que depois de casada, adotou o nome Glaucia Ustra Soares) e o caçula, José Augusto Brilhante Ustra, este falecido em 1982 (com registro de morte na igreja). Os irmãos Carlos Alberto, o mais velho, e Renato, o segundo filho, não foram batizados ou recebidos como membros da Igreja Metodista, de acordo com os registros.

A Revda. Lediane Mello ainda ofereceu informações que colheu com um dos membros mais antigos da igreja, uma senhora de 99 anos, em plena lucidez, que tem boa memória da atuação do sr. Celio Ustra, o pai, como líder na igreja (dirigente da Escola Dominical e da associação de homens), bem como da esposa que o acompanhava em algumas atividades. Ela não se recorda da presença Carlos Alberto Ustra na igreja, apesar de ter forte lembrança dos episódios em torno da morte do irmão José Augusto, por acidente de carro. Essa senhora disse ser vizinha de Glaucia Ustra, mas orientou que ela não fosse procurada porque se recusa a falar sobre o irmão.

Bereia ouviu também uma pessoa que foi membro da Igreja em Santa Maria nos anos 1960 e se tornou muito amiga da irmã do coronel Ustra, Glaucia Ustra. Ela diz que “a família era cristã, a mãe uma pessoa muito católica, praticante, e muito respeitada na cidade, bem como o marido”. Ela confirma que Célio Ustra era metodista, “muito ativo na igreja local e na organização regional da Igreja Metodista”. A amiga de Glaucia Ustra se recorda que nos cultos de 31 de dezembro, naqueles anos 60, “todos os membros da família, inclusive Carlos Alberto, participavam”. Ela confirma que Gláucia Ustra evita falar sobre o coronel Ustra e desrecomendou contato. Ainda assim, intermediários do Coletivo Bereia buscaram dialogar com a sra. Glaucia Ustra, em Santa Maria, e não obtiveram resposta.

Outra pessoa que participou da Igreja Metodista em Santa Maria nos anos 70, declarou ao Coletivo Bereia que os pais do coronel Ustra eram acompanhados pastoralmente, pois sofriam com as histórias que envolviam o filho. O pai seguia metodista e a mãe, católica.

Sobre o coronel ter frequentado a Igreja Metodista Central de São Paulo (hoje Catedral Metodista de São Paulo), quando atuou pelo DOI-CODI, nos anos 70, Bereia procurou uma liderança da igreja, a Revda. Ana Carolina Chizzolini Alves. Ela não localizou qualquer registro de que o coronel tenha se vinculado formalmente àquela congregação. Sobre a possibilidade de ele ter sido um frequentador, um membro dessa igreja, que participava dela ativamente nos anos 1970, o procurador da República aposentado Antonio Carlos Rodrigues Ramozzi, declarou:

“Naqueles anos agitados, inclusive com o fechamento da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista [por conta da repressão interna que as igrejas viveram], nunca ouvi referências de que o referido militar frequentasse alguma de nossas igrejas protestantes. Tivemos jovens amigos presos na ocasião e, por certo, saberíamos de ‘milicos’ que frequentassem nossas igrejas. A única vez que vimos agentes policiais na [Igreja Metodista] Central foi quando levaram o Fernando [Cardoso] preso [um líderes de jovens metodistas, preso e torturado com o irmão Celso segundo o relatório da CNV], para que apontasse quem era o Domingos [Alves de Lima] que procuravam [outra liderança de juventude]. Era um sábado e se dirigiram ao pátio, onde havia um jogo na quadra. Domingos fugiu pelo portão, o que deve ter enfurecido os agentes”.

Antonio Carlos Rodrigues Ramozzi

Para Anivaldo Padilha, o coronel Ustra, como experiente torturador, pode ter “jogado com a informação de que seria metodista (de fato tinha raízes com o pai e irmãos metodistas em Santa Maria) para obter a confiança de Ana Maria Ramos, dando-lhe seu telefone, a fim de obter delação, ou, em outro sentido, torturá-la psicologicamente, como sendo alguém da sua igreja, que lhe estava causando mal”.

A mesma opinião é partilhada pelo cientista da religião prof. Leonildo Silveira Campos, também pastor da Igreja Presbiteriana Independente (IPI), que foi preso pelos órgãos da ditadura em São Paulo, quando era seminarista da igreja, entre 21 de julho e 4 de agosto de 1969. Ouvido pelo Coletivo Bereia ele declarou:

“Também acho que alguns torturadores poderiam assumir identidades falsas para conseguir suposta ‘intimidade’ com os torturados. Como diria Hamlet ‘mesmo na loucura há uma lógica’. No meu caso fui torturado por um jovem, pela voz podia-se perceber que não seria uma pessoa de mais idade. Ele dizia que estava penalizado em interrogar um jovem com a idade de seu filho com 22 anos. Por isso ele esperava que eu deixasse de mentir e oferecer informações falsas. O problema é que eu não tinha o que informar. Nesse caso os que não sabem de nada são os que mais sofriam e as vezes morriam! Fui salvo do ciclo de torturas pela intervenção de um coronel a pedido de meu pai.”

Leonildo Silveira Campos

Bereia levantou que o prof. Leonildo Silveira Campos se referiu, quanto à sua soltura, ao coronel José Walter Faustini, presbítero da IPI, destacado agente do serviço de inteligência militar no Estado de São Paulo, nomeado pelo Ministério do Exército para o Serviço Nacional de Informações mobilizado em 1968, aposentado em 1972. Em entrevista para a tese de Leandro Seawright, ele relata, nas p. 261 a 263, como, a pedido do pai, o coronel membro da IPI foi acionado para retirá-lo da prisão do DOI-CODI, e, consequentemente, das torturas. O prof. Leonildo Campos já havia registrado esta memória em artigo acadêmico (Estudos de Religião, n. 23, Universidade Metodista de São Paulo, dez. 2002).

A religião de Ustra

Nos livro de memórias de Carlos Alberto Ustra, “Rompendo o silêncio” (Editerra, 1987) e “Verdade Sufocada” (Editora Ser, 2013), não há qualquer menção a uma vinculação religiosa. Ele diz que viveu em Santa Maria até os 16 anos (1949), quando foi para um Colégio Militar em Porto Alegre, de lá foi para Resende (RJ), na Academia Militar e, em 1954, retornou para Santa Maria, para servir naquele regimento. De 1970 a 1974 foi comandante do DOI-CODI em São Paulo, órgão da repressão. Em 1974 foi para Brasília, como instrutor da Escola Nacional de Informações (ESNI). Em 1978 foi destacado para São Leopoldo (RS) e, com o fim do governo militar, virou adido militar no Uruguai, em 1985, quando foi reconhecido pela atriz Bete Mendes como o homem que a torturou. Com o escândalo, foi aposentado e passou a morar em Brasília. Carlos Alberto Brilhante Ustra depôs em Audiência Pública realizada pela CNV, em 10 de maio de 2013. Morreu em 2015, aos 83 anos.

Bereia verificou que foi realizada missa de 7º dia pela alma do coronel Ustra, em 21 de outubro de 2015, com convite aberto pela esposa Maria Joselita, por meio da página na internet que ela mantém. Houve também missa por um ano da morte dele. Todas as lideranças presbiterianas ouvidas pelo Coletivo Bereia consideram incomum que alguém ligado ao presbiterianismo tivesse missa de sétimo dia, ainda que a esposa fosse vinculada à Igreja Católica.

Bereia também submeteu a essas pessoas um trecho do livro “Rompendo o silêncio”, em que Ustra afirma:

Nunca tomei conhecimento de que os setores progressistas da Igreja, os mesmos que defendem com tanto ardor os subversivos e os terroristas, tenham, como Pastores da Igreja, subido aos púlpitos para condenar, veementemente, as organizações terroristas que fizeram muitas vítimas, na sua quase totalidade católicos praticantes”.

Rompendo o Silêncio, sem página, versão on line

Todas as pessoas consultadas, incluindo Anivaldo Padilha e o prof. Leonildo Silveira Campos, avaliam que um evangélico não usaria a linguagem do senso comum católico de se referir à Igreja Católica como “A Igreja’ e a seus padres e bispos como “Pastores da Igreja”. Portanto, o coronel usa a linguagem de um católico ao se referir à Igreja Católica.

Com base nesta avaliação e no levantamento da não-vinculação de Ustra ao presbiterianismo e ao metodismo, o Coletivo Bereia verificou a possibilidade de Carlos Alberto Brilhante Ustra ter seguido a mãe e ter-se feito católico.

Na recusa de contato da parte da irmã e de outros familiares do coronel, uma busca de fontes levou a um texto da revista Época de 26 de junho 2008 intitulado “Dá para perdoá-lo?”. De autoria de Matheus Leitão, Andréa Leal, Leandro Loyola e Wálter Nunes, a matéria relata o contexto da entrevista que o coronel Ustra concedeu à revista, tendo-os recebido em casa em Brasília. No perfil do coronel que a equipe descreve aparece:

“Quase sem cabelos, aos 76 anos, 1,74 metro, um coração frágil que já exigiu três stents – dispositivos implantados para desobstruir as artérias –, todas as tardes Ustra costuma ir à padaria. Continua católico, mas deixou de ir à missa. Diz gostar de ir ao banco pagar contas, faz compras no supermercado e vai ao correio. Afirma passar horas na internet. Abre a porta quando tocam a campainha”.

Revista Época, de 26 de junho de 2008

Bereia fez contato com o jornalista Matheus Leitão, que confirmou que, naquela entrevista, Ustra se declarou católico, vinculado à Igreja Nossa Senhora do Lago, em Brasília, na companhia da esposa Maria Joselita.

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Com base nesta verificação, o Coletivo Bereia classifica a informação de que o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra teria sido membro e líder da Igreja Presbiteriana como imprecisa. Não há registros formais de que o coronel tenha se tornado membro dessa igreja e não foram localizadas testemunhas de que ele tenha sequer frequentado alguma congregação de denominação presbiteriana.

Ustra também não foi membro da Igreja Metodista como afirmou em interrogatório à, então, presa e torturada, Ana Maria Ramos Estêvão. Como Bereia levantou, o coronel, provavelmente, fez uso das informações que tinha sobre a igreja, por conta do relacionamento com pai e irmãos que eram membros em Santa Maria, sua cidade natal, para tirar vantagem da jovem que estava em situação vulnerável.

Ustra se declarou católico a jornalistas, se expressava com linguajar católico e teve missa de sétimo dia e de ano de morte. Estes podem ser considerados indícios da vinculação do agente da ditadura ao Catolicismo, tendo seguido a trajetória religiosa mãe, com quem tinha fortes laços, segundo sua biografia.

Apesar de o comandante da tortura no regime militar coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra não ter sido evangélico, o relatório final da CNV registra que houve, sim, casos de pastores metodistas e batista tanto informantes do sistema de repressão como torturador (p. 184 e 198). Há ainda documentos que comprovam a inserção de evangélicos nos quadros do regime da ditadura militar em cargos públicos, no sistema de repressão e nos cursos da Escola Superior de Guerra, levantados pela CNV e guardados no Arquivo Nacional, com toda a documentação utilizada pela comissão. Estas informações podem ser também encontradas em documentos e depoimentos atrelados a uma gama variada de pesquisas científicas, que podem ser localizadas por meio do Banco de Teses e Dissertações da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), bem como em livros como “Inquisição sem Fogueiras”, de João Dias de Araújo (ISER, 1982, relançado em 2020 pelo movimento Resistência Reformada, “Dogmatismo e Tolerância”, de Rubem Alves (Paulinas, 1982; Loyola, 2004), “Memórias Ecumênicas Protestantes”, de Zwinglio Dias (Koinonia, 2014) entre muitos outros.

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Foto de capa: Sergio Lima/Folhapress/Reprodução

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Referências

Deutsche Welle, https://www.dw.com/pt-br/ustra-respeitava-os-direitos-humanos/av-55209554. Acesso em 26 out 2020.

Universidade Metodista de São Paulo, http://portal.metodista.br/posreligiao/noticias/protestantismo-ignorou-caracteristica-brasileira-lamenta-professor-sobre-golpe-militar

Wanderley Rosa e José Adriano Filho, Cristo e o Processo Revolucionário Brasileiro”, Editora Mauad, 2012.

Eduardo Paegle, A posição política da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) nos anos de chumbo (1964-1985). https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/89510/235493.pdf?sequence=1&isAllowed=y

Comissão Nacional da Verdade, http://cnv.memoriasreveladas.gov.br/

Leandro Seawright, “Ritos da oralidade: a tradição messiânica de protestantes no Regime Militar Brasileiro”.

Diário Oficial da União, 11 mar 1968. https://www.jusbrasil.com.br/diarios/2860769/pg-12-secao-1-diario-oficial-da-uniao-dou-de-11-03-1968

Leonildo Silveira Campos, Estudos de Religião, n. 23, Universidade Metodista de São Paulo, dez. 2002.

Carlos Alberto Brilhante Ustra, Rompendo o silêncio, Editerra, 1987, https://conservadorismodobrasil.com.br/2017/05/livro-em-pdf-rompendo-o-silencio-carlos-alberto-brilhante-ustra.html )

Carlos Alberto Brilhante Ustra, Verdade Sufocada, Editora Ser, 2013. https://conservadorismodobrasil.com.br/2017/05/livro-em-pdf-verdade-sufocada.html

A verdade sufocada, https://www.averdadesufocada.com/index.php?option=com_content&view=article&id=13491:191015-missa-de-7o-dia-doi-coronel-carlos-alberto-brilhante-ustra&catid=43&Itemid=90

Folha de S. Paulo, http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/10/1823396-em-celebracao-brilhante-ustra-e-chamado-de-heroi-que-lutou-pela-paz.shtml

Revista Época, http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI6952-15223,00.html

Mensagem de Whatsapp oferece acesso gratuito a quase 500 livros da Editora Paulus

* Matéria atualizada em 11/04/2022 (correção de etiqueta)

Está circulando em vários grupos de WhatsApp, católicos e evangélicos, um link que oferece livre acesso a 471 livros da Editora [Católica] Paulus . O Coletivo Bereia verificou, porém, que não se trata de um material promocional da editora, mas, sim, um furto intelectual.

Martha Bispo, assessora do Centro de Estudos Biblícos do Maranhão e secretária-executiva da CNBB Região IV, conta que recebeu o link suspeito via WhatsApp e logo percebeu que havia algo errado. A assessora imediatamente consultou um padre,- que já sabendo sobre o ocorrido, solicitou que ela excluísse a mensagem recebida.

“Eu abri porque recebi de um WhatsApp seguro, mas logo percebi que era vírus”, disse Martha Bispo. Ela conta que, em seguida, recebeu uma mensagem de um dos funcionários da Paulus confirmando tratar-se de algo ilegal:

Prezados/as,

infelizmente o link acima que dispõe as obras da Paulus gratuitamente foram fruto de roubo intelectual, o que é previsto no Código Civil por crime. Fazer o download, segundo alguns especialistas, não constitui crime. Mas a apropriação indébita de uma obra, fruto de roubo, é crime.

Verifiquei com o Jurídico da Editora Paulus, que já foi acionado. No Brasil, há mais de 1000 casos de roubos de propriedade intelectual ou privada. As obras que constam ali são supostamente verdadeiras, mas podem conter vírus que prejudicam computadores, celulares, tablets ou leitores de livros digitais, e, muitas vezes não se manifestam logo de início, mas ao longo do tempo, pois ficam alojados nos arquivos baixados. Portanto, se baixarem, pode ser que em algum momento informações confidenciais de seus computadores sejam roubados também da mesma forma que as obras foram.

É bom que se tenha um antivírus muito bom em sua máquina ou celular. A Paulus, provavelmente não sabe como isso ocorreu. Os livros, revistas e outras obras que são dispostos digitalmente, podem ser baixados diretamente no site da Paulus, como a Revista Vida pastoral, por exemplo. É o que sabemos no momento

Euri Ferreira

O Coletivo Bereia também entrou em contato com Francisco Galvão, religioso Paulino e escritor da Paulus. Ele confirmou, então, que houve furto do material da Editora. Também, confirmou que a editora ainda não conseguiu compreender como o fato ocorreu. Francisco Galvão lamenta o “roubo de quase 500 obras” e, também, informou que a área jurídica da instituição está trabalhando quanto às medidas jurídicas que a editora poderia tomar.

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Referências de Checagem

Link oficial da Editora Paulus: https://www.paulus.com.br/portal/conteudo-gratuito/

Jejum ajudou a diminuir pandemia no Brasil?

Debate entre influenciadores evangélicos, mensagens nas redes sociais de políticos e até declarações do Presidente Bolsonaro provocam uma guerra de números e estatísticas. Todavia, só há uma certeza: o Brasil precisa ampliar a testagem da população, a coleta, o tratamento, análise e divulgação dos dados. Em meio à pandemia, uma das questões centrais é a necessidade de transparência, dados confiáveis e atualizados.

O Deputado Federal Marco Feliciano (PODE/SP) publicou em seu perfil no Twitter em 14 de abril:

O deputado citou “dados do Ministério da Saúde” – e não foi o único a se referir a números sobre a COVID-19 que são conflitantes. Foram muitas as postagens sobre dados com respeito a infectados e mortos que apareceram nas mídias sociais nos últimos dias. Bereia checou a guerra de índices e narrativas sobre os infectados e os óbitos por COVID-19 (nome da doença causada pelo coronavírus).

Há narrativas que tentam associar alguns números à queda de mortes devido o “Dia de Jejum Nacional de combate à COVID-19″, que aconteceu dia 05 de abril de 2020 por meio de uma convocação feita pelo Presidente Jair Bolsonaro nas mídias sociais. Essa abordagem provocou uma disseminação considerável de dados incorretos.

LETALIDADE ALTA – O vírus é mais letal que H1N1 e continua matando

A comparação entre H1N1 e COVID-19 demonstra que o vírus atual é mais letal, inclusive, porque é capaz de provocar danos no organismo, diretamente. Mesmo que a taxa de letalidade do novo vírus seja de 0,5% a 1%, como sugerem consultores científicos do governo britânico, a letalidade seria, ainda, muito maior do que a da pandemia de H1N1, que é estimada em 0,02%, segundo um estudo liderado pela cientista Maria Van Kerkhove, da Organização Mundial de Saúde (OMS).

Além da letalidade dez vezes maior do que o H1N1, o impacto maior da atual pandemia é sobre os sistemas de saúde. Até os países com mais recursos sofrem com a falta de leitos. Em todo o mundo, a taxa de ocupação é de 14 a 21 dias de internação em UTIs. A noção de que somente os idosos e pessoas com doenças preexistentes ficam doentes, também não é verdade.

A GUERRA DOS NÚMEROS – De Nova York a Brasília

Nos Estados Unidos, o debate sobre o número de mortos e infectados pela COVID-19 aumentou quando o prefeito de Nova York sugeriu que o número poderia ser maior. De fato, um dos maiores desafios na estatística é a inclusão de pacientes que morreram fora de hospitais, mas que já tinham testado positivo, bem como aqueles não testados mas que manifestavam os sintomas da doença.

No Brasil, os números também estão sendo debatidos. Em parte, a confusão é provocada pelas diferenças nas métricas, comparação de números sem tratamento epidemiológico (por semanas de evolução da doença) e, principalmente, pela não testagem da população. Por falta de coordenação, prefeituras e governos estaduais estão tomando decisões em relação a testes, equipamentos e tratamentos diversos de forma desarticulada.

Enquanto o Ministro Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS) esteve à frente do processo de combate à pandemia pelo governo federal, os protocolos da OMS foram seguidos, e os óbitos e casos eram contabilizados considerando-se cada cem mil habitantes. Esta tem sido a prática adotada para taxas oficiais, em todas as epidemias. É desta forma que o Instituto Nacional do Câncer (INCA) trata o avanço dos casos, e as prefeituras e governos acompanham os casos de dengue e meningite (número/cem mil habitantes).

Em postagem no Twitter, em 15 de abril de 2020, o Presidente Jair Bolsonaro expôs outra forma de contabilização dos casos: por milhão de habitantes. Ainda que matematicamente possível, faz parecer que a mortalidade é menor. Este tipo de contagem mostra, apenas, a gravidade do problema sob outra perspectiva. Além disso, o dado atual é de que a letalidade está em 10 óbitos/milhão de habitantes.

DA ESPANHOLA à COVID-19 – a pandemia sempre nasce da mutação de um vírus

A gripe “espanhola” que se tornou uma pandemia, de janeiro de 1918 a dezembro de 1920, infectou 500 milhões de pessoas em dois anos. O surto ganhou esse nome por causa da liberdade da imprensa espanhola em noticiar os casos, incluindo até a família real espanhola. Na época, não havia o sequenciamento genético dos vírus – algo que ajuda a entender melhor como as doenças se espalham, por isso, a origem acertada da “gripe espanhola” é desconhecida.

Atualmente, por conta do sequenciamento genético possível, a OMS passou a designar as doenças por siglas, como a COVID-19, causada pelo SARS-COV-2. O vírus é uma mutação de outro conhecido anteriormente, que provoca Síndrome Aguda Respiratória – ou seja, uma doença que acomete os pulmões e impede a pessoa de respirar. A falta de UTIs, de respiradores e a evolução rápida para o óbito fazem da atual pandemia um desafio global.

Ao lado da mudança de nome e da leitura dos casos a cada cem mil habitantes, os cientistas também verificam grau de contágio e, principalmente, as evoluções por semanas. Saber se o vírus contagia mais pessoas e verificar em quantas semanas os pacientes pioram é essencial para a prevenção e o tratamento. Até 19 de abril de 2020, segundo dados da Universidade Johns Hopkins (EUA), foram confirmados 2.401.379 casos de COVID-19 no mundo e 165.044 mortes . Até a mesma data, o Brasil confirmou 38.654 casos e 2.462 mortes.

No Brasil são feitos poucos testes, sendo o país com uma das menores proporções no mundo e isso impacta de forma significativa na subnotificação. Além disso, há desafios relacionados às dificuldades existentes para a atribuição da causa da morte. Com isso, o número de mortes confirmadas e divulgadas pode não ser precisa em relação ao número real de mortes por COVID-19. A cada dia somam-se aos resultados divulgados, óbitos que ocorreram entre 1 e 30 dias anteriores à essa data de divulgação. Ou seja, além da pressão sobre leitos de UTI, o país pode experimentar também uma pressão sobre a coleta de dados e registro de óbitos. Chama a atenção, em todos os boletins epidemiológicos do Ministério da Saúde, uma nota: os dados podem ser revistos.

POR QUE PRECISAMOS SABER LER GRÁFICOS?

Em 14 de abril de 2020, o pastor Marcos de Souza Borges, também conhecido como Pr. Coty, um dos diretores da organização Jovens com uma Missão (JOCUM), publicou no Instagram que a redução do número de mortes no Brasil por coronavírus coincide com o 5 de abril, dia do Jejum Nacional. O pastor induziu seus leitores à conclusão de que a campanha religiosa convocada pelo Presidente da República foi bem sucedida no combate ao vírus.

Bereia checou vários exemplares do Boletim Epidemiológico (material publicado pelo Ministério da Saúde) de onde foi retirado o gráfico do pastor Coty (Boletim Epidemiológico 8). A cada dia, novos óbitos são incluídos nas estatísticas, isso se dá em função da demora na confirmação do laudo da causa morte por COVID-19. Há um tempo de testagem que precisa esperar e uma fila cada vez maior diante do aumento do número de casos. O colapso que se anuncia para o sistema de saúde inclui a capacidade de diagnóstico e análise de dados. E esses desafios somam-se à questão da subnotificação.

Ao analisar os boletins 8, 9 e 10 do Ministério, foi possível identificar que a cada dia é indicado um número que pode ser revisto – cerca de 20% dos óbitos anunciados ainda não tinham sido confirmados como tendo sido causados ou não por COVID-19. Além desse percentual, novos óbitos, que não eram suspeitos, podem vir a ser incluídos após o resultado dos exames. Assim, observou-se que a cada dia os novos óbitos anunciados não se concentram na véspera ou no dia em questão, mas se distribuem nos 30 dias anteriores à publicação do relatório.

É significativa a diferença na distribuição dos dados quando observado o período entre 15 de março e 6 de abril como publicado, em 6 de abril no Boletim Epidemiológico nº 7, em comparação com o mesmo período do Boletim Epidemiológico nº 10, publicado no dia 16 de abril.

Veja a seguir:

Boletim Epidemiológico nº 7

Fonte: Ministério da Saúde, Boletim Epidemiológico 7. https://www.saude.gov.br/images/pdf/2020/April/06/2020-04-06-BE7-Boletim-Especial-do-COE-Atualizacao-da-Avaliacao-de-Risco.pdf

Boletim Epidemiológico nº 10

Fonte: Ministério da Saúde, Boletim Epidemiológico 10. https://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2020/April/17/2020-04-16—BE10—Boletim-do-COE-21h.pdf

Bereia ouviu o pesquisador Alexandre Brasil (professor e diretor do Instituto de Educação em Ciências e Saúde da UFRJ), para analisar os relatórios do Ministério da Saúde e concluiu que os dados estão sendo revisados a cada boletim (sempre para cima, com mais casos). Além disso, parece não existir especificidade no Brasil, seja relacionada à vacinação por BCG ou ao clima, que impeça a concretização de um quadro similar aos outros países. Até o momento, o distanciamento social parece ser, como recomendado pela OMS, o elemento mais efetivo para prolongar o tempo de contaminação e assim permitir que o sistema público de saúde e outras instituições tenham condições de atender o volume de pessoas que serão acometidas pela doença.

A observação dos gráficos acima permite identificar um evidente movimento em direção ao aumento no número de casos, o que vai se confirmando no lento processo em que ocorrem as confirmações e ajustes dos dados divulgados. Há uma pressão da pandemia sobre a coleta de dados.

O CREMESP (Conselho Regional de Médicos do Estado de São Paulo) e os Boletins Epidemiológicos do Ministério da Saúde também alertam para o problema da subnotificação, pois a demanda de testes impacta o armazenamento e a capacidade de providenciar resultados a tempo. Ou seja, os dados apresentam a fotografia de uma realidade, com até 30 dias de atraso, período em que já existem pessoas sepultadas por COVID-19, de quem o resultado do teste chegou depois da notificação do óbito. Ainda há os casos de pacientes, com testes e “causa mortis” em aberto, por falta de conclusão no inquérito epidemiológico.

O projeto de monitoramento da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) do COVID-19, o Infogripe, somados aos dados municipais de sepultamentos (municipais), também revelam que há, no mínimo, um atraso considerável nos dados oficiais do Ministério da Saúde divulgados.

AJUSTANDO O TERMÔMETRO – Os números são confiáveis?

Para que a população tenha acesso à informação mais correta e completa possível, o Ministério da Saúde precisa divulgar, juntamente com os dados de casos confirmados e de óbitos pelo coronavírus, o índice de contaminação de profissionais de saúde e os dados de ocupação de UTIs e CTIs, – ainda que a divulgação continue a oferecer os números com atraso de 7, 14 ou 21 dias.

Levantamentos na China e na Espanha, por exemplo, indicaram um expressivo número de contaminações entre agentes de saúde.

É fundamental, também, acompanhar o número de hospitalizações por SARGs (Síndromes Agudas Respiratórias Graves), pois essas hospitalizações é que provocam o colapso dos sistemas de saúde em todo o mundo.

HOSPITALIZAÇÃO – Os casos de SARG (Síndrome Aguda Respiratório Grave) internados

CONCLUSÃO

A checagem feita pelo Coletivo Bereia conclui que as informações oficiais com dados de infectados e mortos por coronavírus no Brasil, apresentadas em 5 de abril de 2020, são resultado de dias anteriores – conforme os Boletins Epidemiológicos do Ministério da Saúde indicam. Logo, não é possível afirmar que qualquer ação de combate à pandemia no campo da ciência ou de grupos religiosos tenha influenciado nos dados daquele dia e posteriormente. As indicações de pesquisadores são de que somente no final de maio será possível ter um quadro mais fidedigno desse período. Ainda assim, a tendência dos dados é de crescimento nos números de casos e óbitos.

Afirmar qualquer coisa, neste momento, seria apressado. A única informação possível é a de que os números continuam aumentando – tanto de casos novos, como de óbitos. Portanto, qualquer afirmação de que houve relação entre o jejum convocado para 5 de abril e os dados presentes nas tabelas é enganosa (em função dos atrasos na confirmação dos números) e falsa se estiver sugerindo que há redução de casos no Brasil.

O dia destacado pelos influenciadores midiáticos evangélicos citados nessa checagem corresponde à situação da pandemia nas semanas anteriores. Portanto, a correlação é FALSA se estiver sugerindo diminuição após o jejum e ENGANOSA se estiver sugerindo correlação com a data do Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde. Mas, ela pode ser VERDADEIRA, se, como sugere o Ministério da Saúde, estiver medindo o impacto das medidas de isolamento social.

O número de óbitos confirmados continua aumentado (apesar da variação), com uma taxa atual de 7% em relação ao dia anterior (e o gráfico cumulativo demonstra o crescimento). Isso equivale à contabilização de um total de vendas ou de nascimentos de pessoas em determinada localidade: importa o registro total e não apenas um único dia.

Bereia ressalta que a checagem não busca refutar o poder da oração e a eficácia do jejum bíblico. Estes elementos estão fora do campo de checagem jornalística, pois são questões que dizem respeito à fé.

A responsabilidade que se deve ter com o uso de dados é que chama a atenção do Coletivo. São informações que dizem respeito a problemas graves: transparência, consistência e, principalmente, interpretação dos resultados. Isto é importante não só para a opinião pública, mas, principalmente, para o enfrentamento do vírus e da sua letalidade. Portanto, pelas evidências e orientações existentes até o momento, Bereia reforça que os leitores respeitem o distanciamento social para a preservação das vidas e para permitir que a rede pública de saúde tenha condições de atender quem está doente.

ÓBITOS DIA A DIA (TODO O BRASIL)

ÓBITOS POR UNIDADE DA FEDERAÇÃO (ESTADOS)

Referências de Checagem:

BBC – H1N1 não era mais letal. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-52078906

UFMG – Comparações entre H1N1 e Covid-19. Disponível em: https://www.medicina.ufmg.br/h1n1-fatos-e-fakes/

Agência Brasil – Contágio, letalidade e idade. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-03/covid-19-nao-e-doenca-somente-de-idosos-alerta-oms

UOL – Letalidade da Covid-19. disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2020/04/13/covid-19-e-dez-vezes-mais-letal-que-h1n1-diz-oms.htm

OMS – Artigo acadêmico (sobre a Pandemia de H1N1 – assinado por Maria Van Kerkhove. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/irv.12074 N1):

USP – Sequenciamento, mutações e nome da doença. Disponível em: http://www.fm.usp.br/fmusp/noticias/-genoma-do-sars-cov-2-do-primeiro-caso-de-covid-19-da-america-latina-sequenciado-em-48-horas-no-instituto-adolfo-lutz

PAHO – Dados covid-19 nas Américas – Organização Panamericana de Saúde. Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6101:covid19&Itemid=875

FIOCRUZ – Pressão sobre sistema, leitos e SARGs. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/observatorio-covid-19

UOL – Países com mais testes tem menos mortes. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/04/por-que-paises-com-mais-testes-por-milhao-de-habitantes-tem-menos-mortes-por-covid-19.shtml

O GLOBO – A Gripe Espanhola. Disponível em: https://oglobo.globo.com/cultura/gripe-espanhola-menosprezada-em-1918-epidemia-parou-rio-matou-presidente-24337334 e também no link: https://oglobo.globo.com/fotogalerias/gripe-espanhola-ha-102-anos-produziu-cenas-consequencias-semelhantes-as-da-atual-pandemia-de-covid-19-veja-fotos-24341592

UOL – Subnotificação em Nova York. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/efe/2020/04/08/numero-real-de-mortes-por-covid-19-em-nova-york-e-muito-maior-diz-prefeito.html  e também no link: https://www.nytimes.com/2020/04/12/nyregion/coronavirus-new-york-update.html

FIOCRUZ – Subnotificação e Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARG). Disponível em: https://portal.fiocruz.br/noticia/infogripe-registra-crescimento-de-casos-de-sindrome-respiratoria-aguda-grave

Agência Brasil – Invalidação de 20 mil amostras. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-04/covid-19-cremesp-denuncia-instituto-por-invalidar-20-mil-amostras

BAHIA NOTÍCIAS – Nove em cada dez casos não são detectados no Brasil. Disponível em: https://www.bahianoticias.com.br/saude/noticia/23872-nove-em-cada-dez-casos-de-coronavirus-nao-sao-detectados-no-brasil-afirma-estudo.html

ESTADÃO – Cemitério de SP já tem mais enterros e abre sepulturas. Disponível em: https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,coronavirus-cemiterio-de-sp-ja-tem-mais-enterros-e-abre-sepulturas-prefeitura-contrata-coveiros,70003258701

UOL – Mortes com suspeita de coronavírus já são até metade dos enterros em cemitérios públicos de SP. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/04/mortes-com-suspeita-de-coronavirus-ja-sao-ate-metade-dos-enterros-em-cemiterios-publicos-de-sp.shtml

G1 – 3500 profissionais da saúde contaminados por coronavírus. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2020/03/22/quase-3-500-profissionais-da-saude-contaminados-por-coronavirus-na-espanha.ghtml

G1 – Mais de 1.700 agentes de saúde infectados na China. Disponível em: https://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2020/02/15/coronavirus-mais-de-1-700-agentes-de-saude-infectados-na-china.ghtml

Portal Arquivos. Disponível em: https://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2020/April/17/2020-04-16—BE10—Boletim-do-COE-21h.pdf

Pandemia nos dados. Disponível em: https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=10163684310075232&id=866465231

É enganosa matéria sobre interrupção de culto doméstico em Santa Catarina pela PM

No dia 04 de abril o portal Gospel Prime publicou matéria com o seguinte título: “PM interrompe culto doméstico em SC por decreto de quarentena”.

A matéria trazia a seguinte redação:

Um culto doméstico de oração com cinco senhoras na cidade de Forquilhinha foi interrompido pela Polícia Militar de Santa Catarina, sob argumento de infringir o decreto 515/2020 emitido pelo governador do estado sobre isolamento social e quarentena.

O decreto de Carlos Moisés (PSL) determina que “os eventos e as reuniões de qualquer natureza, de caráter público ou privado, incluídas excursões, cursos presenciais, missas e cultos religiosos”.

O boletim de ocorrência emitido pela PMSC, que o Gospel Prime teve acesso, relata que cinco pessoas da mesma família estavam orando dentro de sua casa, no Residencial Forquilhinha, mas interromperam as orações por não saberem que o decreto estadual proibia cultos dentro da própria residência.

Os policiais então orientaram a família a interromper as orações para evitar “aglomeração de pessoas e contaminação com o vírus Covid-19”.

O pastor e bacharel em Direito Davi Araújo, presidente da Assembleia de Deus na cidade, da qual as irmãs são membros, viu “uma quebra dos preceitos constitucionais por parte do governo, os policiais estão debaixo de ordens”, mas salienta que os policiais “não precisavam parar a oração”.

O advogado Rafael Vieira Silveira critica o decreto estadual e afirma que “o teor das competências estaduais para legislar sobre tal é bem discutível”.

Lembra também que “constitucionalmente a casa é asilo inviolável (Art. 5º, XI)” e que não havendo medidas excepcionais, “como infração de qualquer direito da vizinha (Art. 1.277 e ss do Código Civil)”, “não faria sentido tal intervenção do Estado” e que os policiais poderiam responder por abuso de autoridade.

Também em 04 de abril, Gospel Prime publicou mais uma matéria sobre o mesmo tema, com o título: “Fiel que teve culto doméstico interrompido ora por policiais” . Confira:

Carina Andrade da Silva, fiel da Assembleia de Deus em Forquilhinha (SC), fez uma oração em favor de todos os policiais para proteção em meio à pandemia de Covid-19. Ontem (3), a PMSC interrompeu um culto doméstico na casa dela seguindo decreto estadual do governador Carlos Moisés (PSL).

A fiel citou as pragas enviadas ao Egito e lembrou que “Deus é o principal protetor contra este mal [coronavírus]”.

“Venha cobrir cada policial com teu sangue… venha repreender este mal Senhor… este gigante invisível… envia um anjo ao lado de cada um dos teus filhos para proteger”, clamou.

O comandante-geral da Polícia Militar em Santa Catarina, coronel Carlos Alberto de Araújo Gomes Júnior, junto do tenente-coronel Cristian Dimitri Andrade, visitaram a casa da fiel um dia após ela ter um culto doméstico de oração com cinco pessoas interrompido.

O coronel afirmou que “em nenhum momento a legislação retira a liberdade de culto”, apesar do decreto 515/2020 citar especificamente a proibição de cultos religiosos de caráter público ou privado. “O que ela faz é estabelecer normas para isso [reunião] acontecer em segurança”, diz.

O advogado Rafael Vieira Silveira critica o decreto estadual e afirma que “o teor das competências estaduais para legislar sobre tal é bem discutível”.

Lembra também que “constitucionalmente a casa é asilo inviolável (Art. 5º, XI)” e que não havendo medidas excepcionais, “como infração de qualquer direito da vizinha (Art. 1.277 e ss do Código Civil)”, “não faria sentido tal intervenção do Estado” e que os policiais poderiam responder por abuso de autoridade.

No mesmo dia, 04 de abril, a deputada estadual de Santa Catarina, Ana Caroline Campagnolo (dissidente do PSL), publicou em seu Instagram o registro do boletim de ocorrência da ação da Polícia Militar, acrescido de críticas aproveitando ao governador do Estado, Carlos Moisés da Silva (PSL) – com um comentário mencionando que faria “três cultos domésticos por dia” em sua própria casa.

Bereia checou as informações das matérias de Gospel Prime e constatou que houve a interrupção do culto pelos policiais para a orientação dos responsáveis do domicílio para que evitassem a aglomeração, utilizando como base o decreto 515/2020, do governo do Estado de Santa Catarina, e a lavratura do Boletim de Ocorrência na cidade de Forquilhinha-SC, aonde o fato ocorreu.

Bereia também constatou que a Polícia Militar de Santa Catarina tem feito um trabalho de orientação em todo o Estado, principalmente em estabelecimentos comerciais. Em 27 de março de 2020, uma nota da PM de Santa Catarina informou que foram emitidos 74 termos circunstanciados (quando há desobediência às orientações feitas pela PM), com mais de oito mil intervenções (orientação, interdição ou lavratura de termo) em todo o Estado.

A nossa equipe checou o decreto estadual nº 515/2020, de 17 de março de 2020, cuja redação declara a situação de emergência e estabelece medidas restritivas. O decreto menciona, em seu artigo terceiro que:

Art. 3º Ficam suspensos, em todo território catarinense, pelo período de 30 (trinta) dias, eventos e reuniões de qualquer natureza, de caráter público ou privado, incluídas excursões, cursos presenciais, missas e cultos religiosos.

Cabe explicar que a decretação de situação de emergência pelo Governo do Estado de Santa Catarina encontra amparo legal na medida do Governo Federal, que declarou estado de calamidade pública no Brasil, chancelada pela Câmara de Deputados e pelo Senado Federal em 20 de março de 2020. Isso possibilita, além das medidas restritivas, tratamento diferenciado das contas públicas, permitindo uma flexibilização do teto de gastos e metas fiscais.

PORTARIA 188 – OMS e Ministério da Saúde

Apesar do decreto catarinense ser anterior ao decreto federal, a Organização Mundial da Saúde já havia decretado situação de emergência em saúde pública de interesse internacional em 30 de janeiro de 2020, e o Ministério da Saúde brasileiro havia publicado a PORTARIA Nº 188 (03 de fevereiro de 2020) que declarava emergência de saúde pública de importância nacional.

A deputada Ana Campagnolo, que fez publicação em seu Instagram, não mencionou as ações do Governo Federal (e a portaria do Ministério da Saúde), e fez críticas ao governo estadual. Campagnolo é dissidente do Partido Social Liberal (PSL), partido do governador. No entanto, a partir da saída do presidente Jair Bolsonaro do PSL, também resolveu se desfiliar e imbuir-se da criação do partido Aliança pelo Brasil em Santa Catarina. De origem presbiteriana e com ligação com a bancada evangélica, a deputada se identifica também como “cristã e antifeminista”, na descrição do seu perfil no Instagram.

Portanto, os fatos contemplados na matéria de Gospel Prime se resumem a uma intervenção corriqueira da PM de Santa Catarina, não exclusiva e descaracterizada como ato de perseguição à liberdade de culto (visto que todas as atividades coletivas e não apenas cultos estão suspensas). Do ponto de vista do Direito, entretanto, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º traz os seguintes incisos que se complementam:

VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

(…)

VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;

(…)

XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;

Por se tratar de emergência de saúde pública, a interrupção e proibição de cultos religiosos está amparada pela própria Constituição, que garante a realização dos mesmos. Porém, o culto doméstico em questão, realizado na cidade de Forquilhinha-SC, foi interrompido devido à aglomeração e, conforme consta o boletim de ocorrência, não houve violação da residência. Toda a ação foi orientada no diálogo, com advertência. Como prova, no dia seguinte o comandante-geral da PM de Santa Catarina, coronel Carlos Alberto de Araújo Gomes Júnior, e o tenente-coronel Cristian Dimitri Andrade, estiveram na casa em que a ocorrência foi lavrada para esclarecer os fatos.

Bereia conclui que a matéria é enganosa, pois é composta para induzir a ideia de perseguição religiosa, que não existiu.

Referências de Checagem:

Gospel Prime. Disponível em: https://www.gospelprime.com.br/pm-interrompe-culto-domestico-em-sc-por-decreto-de-quarentena/

Gospel Prime. Fiel que teve culto doméstico interrompido ora por policiais. Disponível em: https://www.gospelprime.com.br/irma-que-teve-culto-domestico-interrompido-ora-por-policiais/amp/

Instagram. Boletim de ocorrência postado por Ana Campagnolo. Disponível em: https://www.instagram.com/p/B-keBhJnZxR/?igshid=rht2ner5zfex

Instagram. Ana Campagnolo. Disponível em: https://www.instagram.com/anacampagnolo/

Constituição Federal de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm

Imprensa Nacional. Portaria nº 188 de 3 de fevereiro de 2020. Disponível em: http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-188-de-3-de-fevereiro-de-2020-241408388

Livraria Campagnolo. Biografia de Ana Campagnolo. Disponível em: https://livrariacampagnolo.com.br/index.php?route=product/author&author_id=3105

Governo do Estado de Santa Catarina. Decreto nº 515/2020. Disponível em: http://www.coronavirus.sc.gov.br/wp-content/uploads/2020/03/decreto_515_17_03_20.pdf

Nexo Jornal. Calamidade pública: o que é e quais suas implicações. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/03/18/Calamidade-p%C3%BAblica-o-que-%C3%A9-e-quais-suas-implica%C3%A7%C3%B5es

NSC Total. Alesc acende sinal amarelo para Moisés ao deflagrar proposta que derruba decretos de calamidade. Disponível: https://www.nsctotal.com.br/colunistas/upiara-boschi/alesc-acende-sinal-amarelo-para-moises-ao-deflagrar-proposta-que-derruba

NSC Total. Comissão do PSL vai julgar deputados por infidelidade. Disponível em: https://www.nsctotal.com.br/colunistas/moacir-pereira/comissao-do-psl-vai-julgar-deputados-por-infidelidade

PMSC. Trabalho de fiscalização da PMSC é realizado com sucesso até o momento. Disponível em: https://www.pm.sc.gov.br/noticias/trabalho-de-fiscalizacao-da-pmsc-e-realizado-com-sucesso-ate-o-momento

PMSC. PMSC atualiza a população das ações e restrições oficiais. Disponível em: https://www.pm.sc.gov.br/noticias/pmsc-atualiza-a-populacao-das-acoes-e-restricoes-oficiais

Senado Federal. Projeto de Decreto Legislativo n° 88, de 2020. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/141114

São enganosos e perigosos os posts e vídeos de Silas Malafaia sobre o coronavírus

No dia 23 de março de 2020, no Twitter, o Pastor Silas Malafaia publicou uma imagem (reproduzida abaixo) com texto, que dizia:“Leia isso!”. A mensagem tinha o objetivo de comparar e minimizar a cobertura da imprensa, profissionais de saúde e cientistas sobre a COVID-19 (nome oficial da doença provocada pelo coronavírus sars-cov2).

Malafaia tem defendido a postura do presidente da república frente à pandemia. A mesma tabela compartilhada por ele foi replicada em outros perfis:

CAMPANHA CONTRA A CHINA?

No mesmo dia, Silas Malafaia, também publicou em seu canal no Youtube um vídeo intitulado “BOLSONARO, CORONAVÍRUS E AS CRÍTICAS À CHINA”, que até o momento do fechamento dessa checagem contava com mais de 890 mil visualizações.  No mesmo período, um dos filhos do presidente gerou um incidente diplomático com o maior parceiro comercial do Brasil.

TEXTO E CONTEXTO

Bereia checou as informações publicadas pelo presidente da Assembleia de Deus Vitória em Cristo (ADVEC) e verificou que as informações publicadas são enganosas por sua descontextualização. O post de Malafaia no Twitter recebeu “atualizações” como essa abaixo, divulgada em uma rede social, que endossam números descontextualizados:

ENGANOSO, POR QUÊ?

A checagem da primeira postagem de Malafaia foi realizada pela agência Aos Fatos e pelo portal de notíciais G1, amparados pelas informações oficiais.

Segundo o Informe Técnico de Influenza, do Ministério da Saúde, publicado em janeiro de 2012, a quantidade de casos registrados na pandemia de H1N1 no ano de 2009 foi de 50.482, em 2010 de 9.385 e em 2011 de 181, totalizando, nos três anos da série 60.048 casos. E foram registrados 2.060 mortes em 2009, 113 em 2010 e 21 em 2011, totalizando 2.194 casos no período.

Post de Silas Malafaia Números oficiais
394 casos de COVID-19 no Brasil em 18/03/2020 428 casos de COVID-19 no Brasil em 18/03/2020
2 mortes por COVID-19 no Brasil em 18/03/2020 4 mortes por COVID-19 no Brasil em 18/03/2020
58.178 casos de H1N1 no Brasil (considerando período de 2009 a 2011) 60.048 casos de H1N1 no Brasil (considerando período de 2009 a 2011)
2.101 mortes por H1N1 no Brasil (considerando período de 2009 a 2011) 2.194 mortes por H1N1 no Brasil (considerando período de 2009 a 2011)
Fonte dos Dados: desconhecida Fonte dos Dados: Ministério da Saúde

FONTE E DATA ERRADAS

Os dados apresentados no post de Malafaia, além de descontextualizados, apresentam comparação irregular, pois não observam períodos iguais. No primeiro mês de H1N1 no Brasil (isto é, desde a primeira confirmação de caso em maio), foram registrados 627 casos e a primeira morte aconteceu em junho, no Rio Grande do Sul. Se comparado ao coronavírus, no primeiro mês, de 26 de fevereiro até 26 de março, foram 2985 contaminados e 77 mortos. A primeira morte ocorreu dia 17 de março. O número de casos de coronavírus para o mesmo período é 152,5% maior que o da pandemia de H1N1.

REMÉDIO E VACINA

A epidemia de H1N1 alterou a política e a prática de vacinação no Brasil. Na época, a faixa etária era a partir de 60 anos de idade e, por causa da pandemia de H1N1, a vacinação passou a ser indicada para grupos prioritários com maior risco de complicações, visando contribuir para a redução da morbimortalidade associada à influenza. O Ministério da Saúde também recomendava o uso de antiviral (fosfato de oseltamivir) em todos os pacientes com Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) e na infecção por influenza (SG), independentemente da situação vacinal. A indicação impactou na redução das mortes pela doença, já que o medicamento reduz a duração dos sintomas e ocorrência de complicações da infecção pelos vírus da influenza. A COVID-19 não tem vacina e nem remédio com eficácia comprovada, até o momento desta edição.

Vídeo

Bereia também checou as informações que Silas Malafaia publicou no vídeo. O pastor endossa os dados do post já analisado e afirma, a partir da descrição do vídeo no Youtube, que havia informações ocultadas pela imprensa, como se segue reproduzido abaixo:

Imperdível! Eu falo sobre #coronavírus, #Bolsonaro e as críticas à #China. E mostro também dados que a imprensa não deu.

De acordo com Malafaia, o percentual de infecção por H1N1 é de uma média de 8% enquanto a infecção por Covid-19, o novo coronavírus, seria de 4% da população exposta. O pastor não menciona, porém, que a taxa de mortalidade mundial por H1N1, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, é de 0,01% enquanto a taxa de mortalidade por coronavírus é de 2,3%, segundo estudo feito pelo Centro Chinês de Controle e Prevenção de Doenças (CCDC). A infecção média de 8% da população, mencionada por Malafaia, é resultado de um estudo do Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) que leva em consideração apenas a população dos Estados Unidos.

Malafaia também menciona que a tuberculose mata cerca de 125 mil pessoas por mês no mundo e reclama que não há uma preocupação da mídia similar à pandemia do coronavírus. O líder religioso não menciona, porém, que a tuberculose é uma doença com cura e que há tratamento disponível em todo o mundo. Também, não foi mencionado que houve, entre 2008 e 2018, uma redução de 8% dos casos de óbitos por tuberculose no Brasil, comprovando a eficácia do tratamento existente. Ainda no vídeo, Silas Malafaia menciona uma frase postada pelo presidente americano, Donald Trump, no Twitter:

Ao mencionar a frase, Malafaia indaga ao seus espectadores: “Vocês não acham que o caos social pode ser pior do que a consequência do coronavírus?”

Ele também criticou a realização de pesquisas de opinião para medir a popularidade do presidente brasileiro bem como o apoio da população às medidas restritivas em face do surto de coronavírus. Por fim, Malafaia parabeniza o deputado Eduardo Bolsonaro por ter dito que o coronavírus era uma conspiração chinesa, sem mencionar em nenhum momento provas a respeito. Também endossou apoio ao presidente Jair Messias Bolsonaro às medidas de flexibilização das restrições durante a quarentena.

CONCLUSÃO: ENGANOSO E PERIGOSO

Bereia conclui que citar dados fora de seu contexto, utilizar uma estratégia persuasiva e atacar os especialistas são práticas enganosas na apresentação de dados. O tratamento da Pandemia de COVID-19 é um tratamento científico. Somente vacinas e remédios poderão deter o coronavírus e reduzir a mortalidade dos pacientes. Essa tem sido uma das metas de todo o mundo, por isso, a estratégia de quarentena, isolamento e “achatamento da curva” são necessárias, além da ampliação do número de leitos em hospitais, leitos de UTI e respiradores.

#FiqueEmCasa  – Cuide-se e cuide dos seus parentes.

Referências de Checagem:

Aos fatos. É falso que início do surto de H1N1 foi mais mortal que o de Covid-19. Disponível em: https://aosfatos.org/noticias/e-falso-que-inicio-do-surto-de-h1n1-foi-mais-mortal-que-o-de-covid-19/

BBC Brasil. Coronavírus: como a taxa de mortalidade do covid-19 se compara com outras doenças infecciosas. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-51627407

G1. Fato ou Fake. Disponível em: https://g1.globo.com/fato-ou-fake/noticia/2020/03/25/e-fake-que-inicio-do-surto-de-h1n1-no-brasil-em-2009-matou-mais-que-o-do-novo-coronavirus.ghtml

Ministério da Saúde. Informe Técnico de Influenza. Disponível em: https://www.saude.gov.br/images/pdf/2014/maio/22/informe-influenza-2009-2010-2011-220514.pdf

Ministério da Saúde. Coronavírus: 4 mortes e 428 casos confirmados. Disponível em: https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46556-coronavirus-4-mortes-e-428-casos-confirmados

Ministério da Saúde. Brasil confirma primeiro caso da doença. Disponível em: https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46435-brasil-confirma-primeiro-caso-de-novo-coronavirus

Ministério da Saúde. Brasil reduz em 8% o número de mortes por tuberculose na última década. Disponível em: https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46592-brasil-reduz-em-8-o-numero-de-mortes-por-tuberculose-na-ultima-decada

Sobre a alteração na campanha de vacinação e uso de medicamentos. Disponível em: http://www.blog.saude.gov.br/index.php/53845-10-anos-do-surto-global-de-h1n1

O Globo. Gripe suína: Brasil já tem 627 casos confirmados. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/gripe-suina-brasil-ja-tem-627-casos-confirmados-3135394

O Globo. Ministério da Saúde confirma primeira morte por gripe suína no país no Rio Grande do Sul. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/ministerio-da-saude-confirma-primeira-morte-por-gripe-suina-no-pais-no-rio-grande-do-sul-3137316

PebMed. Ministério da Saúde confirma primeira morte por coronavírus no Brasil. Disponível em:

Twitter. Post de Silas Malafaia. Disponível em:https://twitter.com/PastorMalafaia/status/1242239795406962689?s=20

Youtube. BOLSONARO, CORONAVÍRUS E AS CRÍTICAS À CHINA. Disponível em: https://youtu.be/73Txn2bzxYM

Igreja e (IR)responsabilidade social – os paradoxos da pandemia de 2020

Paradoxos de Origem

Rubem Alves sintetizou no livro “Protestantismo e Repressão” (1979) o paradoxo das igrejas evangélicas brasileiras. Um paradoxo de formação, revisitado na pandemia de 2020.  

Nós, evangélicos/as, temos uma moeda de duas faces: ao mesmo tempo, pregamos uma mensagem de amor ao próximo e de individualismo sectário. E não é só um conflito entre fé e vida. Os fundadores das igrejas cultivaram forças modernizadoras, libertadoras e comunitárias e, simultaneamente, incentivaram padrões individualistas, desencarnados, quanto aos costumes. Não desenvolvemos uma ética da liberdade, solidariedade e comunidade. Em nome de uma salvação individual, dinamitamos pontes e cortamos laços.

Isso pode mudar?

Balança Enganosa

Em primeiro lugar, para mudar, precisamos enxergar essa balança enganosa, sempre pendendo para os interesses pessoais, imobilizando colheitas e fazendo secar sementes da transformação… Há muitos exemplos de tensão entre a responsabilidade social e sectarismos na história.

Secaram e murcharam instituições que reuniam as muitas denominações e missões brasileiras para uma ação social. Sucumbiram a Liga Evangélica (1890), a Aliança Evangélica (1902), a Confederação Evangélica do Brasil (CEB, 1934) e a Associação Evangélica Brasileira (1991). Restaram o CONIC (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs, membro do Conselho Mundial de Igrejas) e a Aliança Cristã Evangélica Brasileira (membro da World Evangelical Alliance). A lição histórica é escandalosa: mesmo perante crises, epidemias ou conflitos mundiais, somos incapazes de unir forças. Sectarismos são egoísmos aumentados.

“Social Branding”

Sintomaticamente, o tema da “Responsabilidade Social” – nome de um dos setores da Confederação Evangélica do Brasil – é, para os sectários, o assunto mais espinhoso. São duas palavras enormes, que se tornam explosivas quando faladas no ambiente eclesiástico. E só lá.

Até empresas, imersas na concorrência comercial, têm setores de Responsabilidade Social. Publicitários apelam ao conceito para ganhar simpatia – isto é, como estratégia de marketing. Como exemplo, nestes tempos de Pandemia, empresas de telefonia e streaming media liberaram acessos gratuitos. A Burger King está doando receitas para a saúde. Porém, as igrejas têm alergia ao binômio: “responsabilidade social”.

Imagine, porém, se as igrejas suprissem as necessidades dos moradores de rua? Ou se fizessem uma arrecadação para o SUS? Assustou-se?  Essa era a prática dos cristãos do passado.

Em nossos dias, a balança da Responsabilidade Social desequilibra-se sob a mão pesada do sectarismo, do egocentrismo, do consumismo, da prosperidade econômica e da lógica de mercado.  Posturas irresponsáveis como as de Malafaia e Macedo afetam não apenas seu rebanho, precarizado, socialmente vulnerável e passível de enfermidades, elas mancham a Cruz e o Evangelho.

Em resumo, a igreja peca socialmente pelo que faz, mas também pelo que deixa de fazer. Erra no atacado e no varejo, peca no “Social Branding” (e até o Google é mais bem quisto por fazê-lo).

“TRISTEMUNHO”

Ao invés de ganhar simpatia, as lideranças que desafiam a quarentena e insultam as autoridades sinalizam às comunidades e aos vizinhos que não se importam devidamente com a saúde coletiva.

Médicos cristãos sofrem duas vezes por isso. O Dr. Wilson Bonfim, médico e cristão, utilizou suas redes sociais para orientar as pessoas, mas os comentários dos seus irmãos/ãs evangélicos/as, disponíveis em sua página do facebook, são um “tristemunho” (mau testemunho). Lembre-se porém, ao ler, que a fé, sem obras, é morta. Uma fé viva é socialmente responsável.

Tal fé moveu, em 1864, Jean-Henri Dunant, calvinista. Ele convenceu católicos e protestantes a adotarem a primeira Convenção de Genebra, obrigando exércitos a cuidarem dos feridos, independente do uniforme. Graças a Dunant, o emblema padronizado foi a Cruz Vermelha. Mas, agora, filantropia e saúde desligam-se cada vez mais da Cruz. Na Coréia do Sul, uma mega igreja foi a grande responsável pela expansão da pandemia. No Brasil, em 2020, líderes utilizam o discurso da fé contra a saúde. Silas Malafaia e Edir Macedo, por exemplo, destacaram-se em suas posturas diante das quarentenas, insistindo em manter cultos e reuniões.

Seria louvável, socialmente responsável, se mantivessem templos abertos para tratamento ou cuidado dos enfermos. Infelizmente não é. Para piorar, o discurso dos cristãos evangélicos nas redes sociais oscila entre o “destemor” e a defesa de que a pandemia faz parte de uma conspiração “comunista de origem chinesa”. A xenofobia apelidou a COVID-19 de “chinavírus”. Enquanto isso, médicos chineses são aplaudidos ao chegarem na Itália, e a OMS (Organização Mundial de Saúde) lembra que vírus e vacinas não têm bandeira ou partido político. Um dia, esse foi o discurso da Igreja de Cristo.

COMO OS PAGÃOS?

O contraste com as origens cristãs foi notado por Moses Lee (do site Coalizão pelo Evangelho) que recordou a solidariedade dos primeiros cristãos com os doentes e o cuidado com a coletividade como marcas sociais dos primeiros cristãos. Lee relembra que com o risco da própria vida, os “santos”, ofereciam apoio aos vizinhos e, no limite, iam a locais que estavam sendo evitados.

Hoje, ao desafiar as quarentenas para abrir suas igrejas para cultos egocêntricos e incentivar práticas de irresponsabilidade social, os evangélicos não estão cuidando do próximo. E, ainda por cima, passam a mensagem de que estão mais preocupados consigo mesmos, como os antigos sacerdotes dos templos pagãos. Cheios de pompa e riqueza, seguiam celebrando aos seus deuses nos tempos da peste. Atualmente, os ícones do sacrifício são cientistas, pesquisadores, médicos, enfermeiros e profissionais de saúde.

Ou seja, se a história mantiver o seu ritmo, o que é certo, os templos ficarão vazios e os consultórios lotados. Não é apenas um conflito entre a vacina e a prece.  A Covid-19 (doença causada pelo coronavírus) é mais do que um conflito entre fé e ciência, é um conflito ético, entre posturas coletivas e individualistas.

O que podemos fazer?

  • Auxiliar nossos vizinhos que têm dificuldade de locomoção, ou avançada idade;
  • Manter os vínculos comunitários, através das redes sociais e telefone;
  • Doar sangue – porque os doentes continuam precisando disso (vá ao hemocentro);
  • Oferecer suporte e cestas de alimentos e recursos para os mais pobres;
  • Orar pelas autoridades, pesquisadores, cientistas e profissionais de saúde;
  • Combater o preconceito, a xenofobia e as fake news;
  • Ver um filme: “Até o Último Homem”(2016). Veja e entenda que se sua oração não tem ação social, você está deixando pessoas feridas e enfermas pelo caminho…

EM TEMPO 1 (Atualizado em 19/03/2020)

Recebemos, com alegria, as informações e testemunhos de que algumas Igrejas estão distribuindo cestas básicas, que comunidades estão dando apoio a asilos de idosos e que grupos de jovens cristãos estão organizando doações para os bancos de sangue. Que Deus os(as) abençoe. Sejamos sal e luz!

EM TEMPO 2 – Segundo a BBC e o Jornal New York Times, Lee Man-Hee, líder da Shincheonji Churh of Jesus ajoelhou-se e pediu perdão pela sua postura durante da Pandemia, na Coréia do Sul. Em média, 60% dos casos confirmados no país são dos fiéis de sua denominação. Soube-se disso porque a Coréia do Sul fez testes em massa. Pastores coreanos de outras denominações criticaram a Shincheonji Church.

No Brasil, depois de ter dito que “governador algum fecha meu culto”, Silas Malafaia postou em suas redes sociais o aviso: “Atenção, pastores! Qualquer estado ou cidade que decreta estado de emergência, independente se tem ônibus circulando ou não, tem que parar o culto”… Em 20/03, Malafaia anunciou que vai suspender cultos, a conferir…

EM TEMPO 3 – Oremos pelos profissionais de saúde e também pelos jornalistas. Todos estão sobrecarregados. Muitos, dobrando escala.

Fonte imagem: kindpng.com

É imprecisa reportagem sobre gari que virou doutor em Teologia no Ceará

No dia 09 de março de 2020, o site CPAD News publicou matéria com o seguinte título: “Gari que estudava com livros achados no lixo se torna doutor em Teologia”.

A matéria do CPAD News relata:

Um gari da cidade do Crato (CE) encontrou no lixo uma forma de mudar de vida e se tornou um exemplo de superação. Desde os 18 anos de idade, Cícero Rodrigues Ferreira – conhecido como Ferreirinha – encontrava livros no lixo que recolhia e os levava para casa para estudar.

Ferreirinha sentiu que seu esforço foi recompensado quando recebeu no final do ano passado o seu diploma de Teologia.

Hoje com 39 anos, dos quais 21 foram dedicados à limpeza pública, Cícero contou que há quatro anos incluiu em sua rotina as salas de aula, trabalhando como professor em instituições de ensino de Crato, Juazeiro do Norte, Iguatu e Icó.

Cícero contou que se sente orgulhoso e “realizado” pela trajetória.

“Eu inspiro outras pessoas”, afirmou.

Há seis anos, ele foi promovido dentro da limpeza pública e deixou de varrer e recolher o lixo das ruas para cuidar da parte administrativa do serviço, emitindo ofícios, memorandos e fazendo registro de horas-extras. Tudo por causa dos estudos.

Breve histórico

Ferreirinha é o mais velho de quatro irmãos e teve uma infância pobre, em uma casa de apenas um cômodo, no bairro Alto da Penha, no Crato. Seus pais não tiveram oportunidade de estudar, mas sempre incentivaram as crianças a terem outro destino.

Com influência da música internacional Cícero aprendeu inglês ainda na adolescência e começou a dar aulas no ensino secundário.

Já aos 18 anos, ele conseguiu seu primeiro emprego na coleta de lixo do Crato. Mesmo com uma jornada de trabalho cansativa, que ia das 5h às 18h, Ferreirinha assistia aulas à noite para concluir seus estudos do Ensino Médio. Porém, durante um tempo, acabou largando os estudos e dedicando-se somente ao trabalho.

Mas o desejo de aprender mais sobre a Bíblia e amadurecer sua própria fé cristã protestante o fez voltar a estudar. Em 2015, Cícero estudou Teologia no seminário do Crato. Depois de três anos, conseguiu o bacharelado.

“Sempre gostei de Teologia Sistemática, que vai organizando os pensamentos” explica Ferreirinha.

Mestrado

Com o Ensino à Distância (EAD), o gari iniciou então seu mestrado em Teologia. Estudando por volta de cinco a seis horas por dia, conseguiu cumprir as 18 disciplinas e conquistou seu diploma. No tempo do mestrado, Cícero se mostrou autodidata e aprendeu o idioma grego sozinho.

“Isso nasceu da necessidade. O Novo Testamento foi escrito em grego, como também sou professor, tive que entender os escritos originais”, conta.

Hoje, Cícero também compreende a escrita do hebraico.

Após aprender o idioma grego, Ferreirinha começou seu doutorado, concluído também à distância, há dois anos e meio.

Agora, Cícero é doutor em Teologia, com ênfase em Psicologia Pastoral e está apto a lecionar 16 disciplinas. Apesar disso, :

“Mas ainda me considero gari, com muito orgulho. Meu registro está como gari”.

Fonte: G1

Bereia checou as informações e verificou que, de acordo com o relato disponível no Portal da Transparência do município de Crato (CE), Cícero Rodrigues Ferreira é servidor público municipal há 18 anos e sua função consta como gari.

Bereia também checou a existência da instituição de ensino e do curso mencionado no diploma que ilustra a matéria. O Instituto de Teologia Logos é uma microempresa de ensino superior e pós-graduação, conforme consta no seu CNPJ junto à Receita Federal. No entanto, a empresa não é reconhecida pelo Ministério da Educação para a oferta de cursos superiores e/ou de pós-graduação com validade legal.

O registro do CNPJ da empresa consta ativo na base de dados da Receita Federal.

As páginas dos cursos do Instituto de Teologia Logos, incluindo o curso de doutorado em Teologia citado na reportagem do CPAD News, na parte de dúvidas frequentes, último bloco de informações da página, explicitam: “não temos e não focamos o reconhecimento do MEC”.

Também foi verificado, na plataforma oficial e-MEC, a lista de instituições que estão ou já foram autorizadas a funcionar cursos superiores no Brasil, e nenhum registro foi encontrado para o nome da instituição em questão.

É importante destacar que a matéria compartilhada no site CPAD News foi publicada originalmente pelo portal de notícias G1, do estado do Ceará, no dia 07 de março de 2020. Posteriormente, vários outros sites religiosos compartilharam a matéria, como Guiame e Amigo de Cristo.

De acordo com o artigo 29 do Decreto 9.235 de 15 de dezembro de 2017, que dispõe sobre a regulamentação do ensino superior brasileiro, cursos de pós-graduação só podem ser ofertados por instituições de ensino credenciadas pelo MEC.

CONCLUSÃO: IMPRECISA

A matéria publicada pelo CPAD News é imprecisa, pois provoca entendimento distorcido por não considerar que o curso é chamado erroneamente de doutorado, enquanto, na verdade, é de livre oferta. Também não há registro que comprove a atividade do entrevistado por 21 anos como gari, apenas 18 anos conforme registro da própria Prefeitura de Crato (CE).

Por fim, a instituição de ensino em que o entrevistado estudou não está autorizada pelo MEC para ofertar cursos de ensino superior, além disso, o diploma expedido não tem titulação compatível (Doutorado em Teologia) ou superior ao nível de ensino ministrado.

É importante reconhecer o esforço de Cícero Rodrigues Ferreira para estudar e buscar conhecimento. Isto deve ser valorizado e estimulado. O que está em questão é o reconhecimento de diplomas. Há muitos cursos de Teologia oferecidos por variadas igrejas e instituições no país, como resultado do crescimento das igrejas evangélicas. Um número significativo é reconhecido pelo MEC, outros são cursos livres, cuja diplomação não é considerada como “curso superior” pelo Governo Federal.

No caso da Pós-Graduação, Mestrado e Doutorado, os cursos devem ser credenciados e avaliados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Ela está vinculada ao Ministério da Educação e subdividida em áreas de conhecimento. Ciências da Religião e Teologia é uma delas, de número 44.

Segundo o coordenador para Mestrados Profissionais desta Área, Prof. Dr. Claudio de Oliveira Ribeiro, o reconhecimento dos cursos de Mestrado e Doutorado garantem a legitimidade acadêmica da formação dos estudantes pois eles são aprovados a partir de critérios de qualidade nos conteúdos, na infraestrutura das instituições que oferecem e na capacidade do corpo docente, de quem se demanda não apenas o ensino mas também a produção de conhecimento com pesquisas. O coordenador da área esclarece ainda que a diplomação em cursos livres não permite a atuação profissional em espaços públicos e nem o prosseguimento de estudos em instituições renomadas.

Bereia também preparou um check-list para os leitores interessados em estudar teologia, ciências da religião, educação cristã e outros cursos mais buscados pelos fiéis de várias igrejas e comunidades.

CUIDADOS AO SE MATRICULAR:

1 – Verifique o CNPJ (Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica) e a situação da instituição no MEC. Se, ao verificar CNPJ, o leitor encontrar alguma divergência entre o curso oferecido e a autorização para o funcionamento da instituição – ou se o CNPJ estiver suspenso, irregular ou, mesmo, se não existe CNPJ, recomenda-se muito cuidado. Instituições com problemas no CNPJ estão promovendo desinformação e confusão no Ensino Superior.

Para ver o CNPJ – http://receita.economia.gov.br/interface/lista-de-servicos/cadastros/cnpj/comprovante-de-inscricao-e-situacao-cadastral-cnpj

Para conferir a situação no MEC: http://portal.mec.gov.br/instituicoes-credenciadas

2 – Se a instituição tem CNPJ e oferece cursos regulares, o próximo passo é checar a reputação. Atualmente, basta um google para verificar se há processos na justiça contra o CNPJ. Mas, também, existem sites como o “reclame aqui”, no qual os usuários dão ranking para compras e serviços. Ali, verifica-se que muitas instituições de ensino têm deixado a desejar.

 Confere aí – https://www.reclameaqui.com.br/

3 – Se instituição passar pelos dois critérios anteriores, aí vale a pena checar o corpo docente (os educadores, professores e coordenadores dos cursos). Se você se identifica com alguma das linhas de trabalho, pesquisa e deseja um diploma, certificado, ou busca conhecimento. Esse é o caminho.

VALIDAÇÃO DOS DIPLOMAS DE TEOLOGIA

(Acréscimo à matéria, edição feita em 12/03/2020)

Em 1999, o Parecer 241 da legislação do Ensino Superior reconheceu a Teologia como área do saber universitário. Existem mais de 150 cursos de graduação e cerca de 70 cursos de especialização (pós-graduação) na área de Teologia reconhecidos pelo MEC.

A homologação também estabeleceu um prazo para a “Convalidação” – alternativa para quem fez seminários e, posteriormente, optou por validar o seu diploma como equivalente a curso superior.

O prazo final para as validações foi Setembro de 2017. Ou seja, ao regulamentar os cursos existentes, o MEC também encerrou a prática anterior de permitir a validação (na prática, uma extensão feita por algumas universidades para portadores de cursos livres).

Os cursos chamados livres continuam funcionando normalmente, mas tem que se adaptar e não poderão mais utilizar-se de nomenclaturas oficiais (Bacharelado, Mestrado, Doutorado), sob pena de fiscalização e denúncia perante o Ministério Público Federal.

Fique atento:  não há mais validação de diplomas e somente as instituições credenciadas no MEC podem oferecer diploma de Bacharel em Teologia, Mestrado e Doutorado.

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Referências de checagem:

Foto de destaque. Disponível em: https://razoesparaacreditar.com/gari-estudos-livros-lixo-diploma-doutorado/

Gari que estudava com livros achados no lixo se torna doutor em Teologia. Disponível em: http://www.cpadnews.com.br/universo-cristao/49696/gari-que-estudava-com-livros-achados-no-lixo-se-torna-doutor-em-teologia.html

Após começar a estudar com livros achados no lixo, gari recebe diploma de doutorado no Ceará. Disponível em: https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2020/03/07/apos-comecar-a-estudar-com-livros-achados-no-lixo-gari-recebe-diploma-de-doutorado-no-ceara.ghtml

Decreto nº 9.235/2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Decreto/D9235.htm#art29

E-MEC. Disponível em: http://emec.mec.gov.br/

Instituto de Teologia Logos. Curso de doutorado em Teologia. Disponível em: https://institutodeteologialogos.com.br/curso-doutor-em-teologia/?hsrc=QmxvZ1RvcG8%3D

Portal da Transparência – Crato (CE). Disponível em:  http://www.sstransparenciamunicipal.net/transparencia/folha.php?entcod=25&dataini=01/08/2019&datafim=31-03-2020&campo=1FOLFUNCIONARIONOME&texto=Um9kcmlndWVzIEZlcnJlaXJh&pagina=2

Receita Federal – Emissão de Comprovante de CNPJ. Disponível em: http://servicos.receita.fazenda.gov.br/Servicos/cnpjreva/Cnpjreva_Solicitacao.asp

É FALSO que Bento XVI tenha sido vítima de um golpe

O site Newspunch.com divulgou matéria, replicada em português no whatsApp  sobre renúncia de Bento XVI.  Leia abaixo o texto compartilhado:

O Newspunch já havia produzido matérias relacionadas a George Soros, Obama e Hilary Clinton, que posteriormente foram checadas e classificadas como falsas. Na matéria que circula pela mídia social, “denuncia-se que  Soros, Obama e Hilary Clinton orquestraram um golpe no Vaticano para derrubar o Papa Conservador.

O site afirma que “um grupo de líderes católicos” citou e-mails publicados pelo Wikileaks – mas não confirma essa fonte, e também insinua que a máquina diplomática norte-americana foi usada para coagir, corromper e chantagear uma “mudança de regime” na Igreja Católica Romana.

Carlo Maria Viganó

As insinuações de que a “primavera católica” tinha semelhanças com a “primavera árabe” já foram publicadas anteriormente pelo site brasileiro tercalivre.com.br – “Papa conservador foi forçado a renunciar pelo Deep State”. A renúncia, porém, aconteceu depois de um vazamento de informações pessoais (escândalo denonimado de Vatileaks por Federico Lombardi, diretor emérito da Sala de Imprensa da Santa Sé). O Vatileaks levou à prisão o administrador do Vaticano e mordomo do Papa Bento XVI, Carlo Maria Viganó. Documentos sigilosos da Igreja e dados do Banco do Vaticano foram entregues ao jornalista italiano Gianluigi Nuzzi, apontando uma rede de corrupção, superfaturamento e nepotismo no Vaticano. Viganó foi indultado e depois transferido para o Estados unidos como Núncio Apostólico.

EMAILS HACKEADOS VALEM COMO FONTE?

Os e-mails apontados como “fontes da matéria” de NewsPunch/Terça Livre são mensagens entre Jonh Podesta (ex-presidente da Campanha presidencial de Hillary Clinton em 2016. Anteriormente Chefe de Gabinete da Casa Branca de Bill Clinton e conselheiro do presidente Barack Obama) e uma assessora de Hilary Clinton, Jennifer Palmieri – com indiscrições, ironias e críticas aos conservadores católicos.

Também entram nas conversas comentários e críticas trocadas entre Podesta e John Halpin, analista político. Podesta, Palmieri e Halpin fazem piadas com a criação católica dos filhos do magnata Rupert Murdoch e zombam dos conservadores, dizendo que “devem se sentir atraídos ao raciocínio sistemático e às relações extremamente retrógradas de gênero”. Palmieri diz que o catolicismo é “a religião politicamente mais conservadora e mais aceitável socialmente”.

Os e-mails que foram “hackeados” e expostos provocaram constrangimentos, ajudaram a campanha de Trump e, para ampliar o mal-estar, Jennifer Palmieri disse não reconhecer as mensagens e declarou-se católica. Podesta e Halpin afirmaram que os e-mails podem ter sido adulterados.

Em síntese, as fontes da denúncia realizada por NewsPunch e TerçaLivre não foram reconhecidas por seus autores, foram obtidas através de hackers e, segundo algumas investigações, disseminadas por agentes externos para tumultuar a campanha presidencial norte-americana. Voltaram a circular este ano (2020), por haver, novamente, ambiente pré-eleitoral nos EUA.

DOIS PAPAS

No Brasil, as mensagens de um suposto golpe contra Bento XVI circulam juntamente com críticas ao Papa Francisco. No livro, “Dois Papas: Francisco, Bento e a decisão que abalou o mundo”, de Anthony McCarten, fica claro que Bento XVI decidiu renunciar após o vazamento de suas informações pessoais, documentos sigilosos, bancários e prisão de seu mordomo e  administrador. Bento XVI renunciou para não expor mais a Cúria e o Estado do Vaticano.

Ou seja, não foi um vazamento de mensagens de políticos norte-americanos, mas um movimento interno dentro do Vaticano que provocou a segunda renúncia de um Papa, depois de 700 anos.

McCarten também lança luz na biografia de ambos, seus diálogos antes e durante a crise. O livro foi adaptado como filme por Fernando Meireles, e tem o mérito de demonstrar que, mesmo com as nomeações de João Paulo II e Bento XVI, o crescimento da Igreja Católica Romana, fora de Europa, torna a modernização do Vaticano inevitável. 

CATOLICISMO NO MUNDO

O VaticanNews (informativo oficial do catolicismo romano) publicou no anuário pontíficio 2018 que a África é o continente com o maior crescimento de batizados de 2010 a 2016, enquanto a Europa registra uma diminuição dos fiéis. Há 1,313 católicos batizados no mundo. 228 milhões de africanos são católicos (17% do total) e 48% dos católicos romanos estão nas Américas, e apenas 11% na América do Norte.

Papa Francisco

Há 119 Cardeais eleitores , 59 são europeus; 22 da América do Norte, 13 da Ásia, 12 da América do Sul, 12 da África e apenas 1 da Oceania. 28 Cardeais são italianos, mas o Brasil é o país com o maior número de católicos do Mundo (172 milhões), seguido pelo México (110 milhões), Filipinas (83 milhões), Estados Unidos (72 milhões) e Itália (58 milhões). Francisco, o atual Papa, é argentino – país com 40 milhões de católicos (90% da população).

Bereia verificou as informações e conclui que os conteúdos divulgados são falsos. Também identificou um aumento de postagens com conteúdo falsos relacionados ao Vaticano, Bento XVI e papa Francisco.

Leia neste link checagem que Bereia produziu sobre notícias falsas envolvendo o papa Francisco.

Referências de checagem:

WikiLeaks: Conservative Pope Benedict Was Forced To Resign By ‘Deep State’. Disponível em: https://newspunch.com/wikileaks-pope-benedict-deep-state/

Papa Conservador foi forçado a renunciar pelo “Deep State”. Disponível em: https://www.tercalivre.com.br/wikileaks-papa-conservador-foi-forcado-renunciar-pelo-deep-state/

‘Cercado de lobos’, Bento 16 anuncia a sua saída. Disponível em: https://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:O0pzr4QavIEJ:https://www1.folha.uol.com.br/fsp/especial/93385-cercado-de-lobos-bento-16-anuncia-a-sua-saida.shtml+&cd=11&hl=pt-PT&ct=clnk&gl=br&client=opera

John Podesta. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/John_Podesta

Dois Papas: Francisco, Bento e a decisão que abalou o mundo. Disponível em: https://ler.amazon.com.br/kp/kshare?asin=B07ZKXM6P6&id=yhpCq9TeTNyJKqHCyHdp_A&reshareId=74KJ9R0QP4SMEM1ES6FM&reshareChannel=system

Dois Papas | Teaser oficial | Netflix. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Tgdd94j_x18

Cresce o número de católicos no mundo, na África o maior aumento. Disponível em: https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2018-06/anuario-pontificio-catolicos-mundo.html

Papa não cancelou a Bíblia e nem propôs novo livro. Disponível em: https://coletivobereia.com.br/papa-nao-cancelou-a-biblia-e-nem-propos-novo-livro/

PETRA não mentiu em entrevista à TV americana, mas críticas aos evangélicos são IMPRECISAS

Na segunda-feira (03/02), o site Pleno News publicou duas notícias relacionadas ao filme “Democracia em Vertigem” (Netfilx), indicado ao Oscar 2020, na categoria Melhor Documentário. Em ambas, optou-se pela crítica – “Diretora de filme pró-PT ataca Bolsonaro e internet critica e Governo acusa diretora de filme pró-PT de difamar o país.

O FILME E A ENTREVISTA

A reação do governo aumentou a polêmica sobre o filme, provocada depois de entrevista concedida por Petra Costa, diretora do documentário Democracia em Vertigem (Netflix), ao programa Amanpour and Company, do canal de televisão americano PBS, no dia 31 de janeiro.

Petra criticou as políticas do governo brasileiro sobre gays, mulheres, pessoas de cor, segurança pública e meio-ambiente. Na primeira notícia, veiculada às 9h25, o Pleno News destaca que as hashtags #PetraCostaLiar e #PetraMente ficaram entre os assuntos mais comentados do Twitter e traz a declaração do deputado federal, Eduardo Bolsonaro, publicada na mesma mídia, em que considera a atitude da cineasta como criminosa e menciona que ela é herdeira da empreiteira Andrade Gutierrez, que está ligada ao Petrolão.

Na sequência, divulgou-se o vídeo da Secretaria de Comunicação (Secom) do governo federal em que a cineasta Petra Costa é acusada de difamar a imagem do Brasil no exterior e de divulgar fake news.

As declarações de Petra e da Secom foram checadas pela Agência Lupa na matéria intitulada “Governo Federal distorce dados ao acusar Petra Costa de espalhar fake news”.

PETRA MENTIU?

A afirmação de Petra “Desde que ele [Bolsonaro] foi eleito, a taxa de pessoas mortas por policiais no Rio [de Janeiro] cresceu 20%” foi classificada como Verdadeira. Segundo a checagem da Agência:

“Os dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) mostram que o número de homicídios por intervenção de agentes do estado aumentou 18% entre 2018 e 2019 no estado do Rio de Janeiro. No ano passado, 1.810 pessoas foram mortas por policiais militares e civis no Rio, um recorde na série histórica do indicador, iniciada em 2003. Em 2018, foram 1.534 ocorrências. O número de mortes ocasionadas pelas forças policiais do estado vem aumentando progressivamente desde 2013. Naquele ano, foram 416 homicídios. O maior aumento percentual se deu entre os anos de 2015 e 2016, quando as ocorrências cresceram 43% – de 645 para 925”.

Em resposta, a Secom afirmou que “Em 2019, o número de homicídios no país teve uma queda de 20%”.

De acordo com a checagem:

“Até o momento, não há dados consolidados sobre o número de homicídios no Brasil para todo o ano de 2019. Os números parciais contemplam o período de janeiro a setembro de 2019 e mostram uma queda de cerca de 20% nesse indicador. Embora a redução esteja próxima à apontada pela Secom, não é correto afirmar que ela vale para todo o ano, já que as informações ainda não estão consolidadas.”

Agência Lupa

Monitor da Violência, mantido pelo portal G1, indica que o número de assassinatos no Brasil caiu 22% nos primeiros nove meses de 2019, comparado ao mesmo período de 2018. No ano passado, o Brasil registrou 30.862 mortes violentas de janeiro a setembro. No mesmo período do ano anterior, foram 39.527 mortes.

Já os dados do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, mostram que houve uma queda de 21,6% comparando o período de janeiro a setembro de 2018 e 2019. Nos primeiros nove meses de 2019, o sistema da pasta registrou 29.478 homicídios dolosos. Em 2018, foram 37.600 mortes.

COMPARAÇÃO INCORRETA

Esses dados, no entanto, não são os mesmos citados por Petra em sua entrevista. A cineasta menciona as mortes por intervenção de agentes do estado no Rio de Janeiro, enquanto a Secom se refere ao número de homicídios dolosos em todo o Brasil. A comparação é incorreta”

A PM DO RIO MATA MAIS?

A segunda afirmação da cineasta utilizada no vídeo da Secom “…O [estado] Rio [de Janeiro] tem mais pessoas mortas por policiais que o Estados Unidos inteiro” foi classificada pela Lupa como verdadeira.

“O número de mortes por intervenção de agentes no Rio de Janeiro supera o total registrado nos Estados Unidos. Segundo o ISP, 1.810 pessoas foram assassinadas pelas forças policiais fluminenses em 2019. Já nos Estados Unidos, o número de pessoas mortas por policiais foi de 980, de acordo com levantamento do jornal The Washington Post. O projeto Mapping Police Violence, que também acompanha os dados de mortes causadas por policiais, aponta que houve 1.099 casos deste tipo no país em 2019.

Na última segunda-feira (3), a Secom classificou a informação citada pela cineasta como “fake news”. Contudo, Petra Costa usou um dado correto

A secretaria citou duas informações ao dizer que é “fake news” o que diz a cineasta: a primeira é de que o cenário de mortes por intervenção de agentes do estado é de responsabilidade do governo do Rio de Janeiro. De fato, essas mortes foram provocadas por ações de policiais militares e civis, subordinados ao governo do estado. Isso, no entanto, não significa que a informação é falsa.

Depois, a Secom cita uma suposta redução no número de mortes em confronto pelas Polícias Federal e Rodoviária Federal. Essa informação não aparece em relatórios públicos do governo ou de organizações externas que monitoram a segurança pública no país, além de não ter relação com o dado citado por Costa.

E A AMAZÔNIA?

A terceira declaração de Petra incluída no vídeo da Secom foi “[A Amazônia] Chegou a um ponto que pode virar uma savana a qualquer momento”.

A checagem concluiu que a afirmação é verdadeira, mas…

O chamado risco de savanização da Amazônia é apontado por várias pesquisas publicadas nos últimos 20 anos. No entanto, esse não é um processo que ocorre “a qualquer momento”, como menciona a cineasta. Ele já começou nas áreas mais degradadas, e, progressivamente, começa a afetar regiões mais preservadas, mas ainda não há áreas do bioma amazônico que, de fato, tenham se transformado em savana.

O processo de savanização consiste na transformação gradual de uma floresta equatorial úmida, como a Amazônia, em um bioma similar ao Cerrado brasileiro, que alterna entre estações secas e úmidas. A precipitação média na Amazônia é de entre 2,3 mil e 3,5 mil milímetros ao ano. No Cerrado, ela oscila entre 1,2 mil e 1,8 mil, dependendo da região. 

A Secom classificou a informação como “fake news”, e citou como motivo apenas que: “O compromisso do Governo Federal já foi reforçado pelo próprio presidente Jair Bolsonaro em discurso na ONU”. As declarações do presidente, no entanto, não invalidam a ocorrência de um processo de savanização do bioma amazônico.

CULPA DOS EVANGÉLICOS?

Além dessas três afirmações de trechos da entrevista de Petra, que foram editadas pela Secom para classificá-las como notícias falsas, destacamos uma associação feita pela cineasta entre o que ela chama de “onda evangélica” e ideias de extrema direita.

Textualmente: “…e também devido a uma onda evangélica que tem se posicionado contra direitos dos gays, feminismo e pessoas de cor, todas essas ideias de extrema direita que estão crescendo na sociedade brasileira”.

Bereia classifica o conteúdo das notícias publicadas pelo site Pleno News como IMPRECISO por apresentar apenas as argumentações do governo, que foram checadas como falsas pela Agência Lupa.

Bereia também classifica como IMPRECISA a declaração de Petra sobre os evangélicos, ao relacioná-los diretamente com a extrema direita, sugerindo nesta generalização que há um consenso, sem apresentar dados (percentuais) que indiquem o que é predominante e quais as diferentes perspectivas dos evangélicos brasileiros. Sobre esse tipo de afirmação, Bereia verificou uma postagem do Pastor Henrique Vieira publicada no seu Instagram esta semana, que não está diretamente relacionada com a fala de Petra, mas colabora para evitar a reprodução de estereótipos.

Na opinião de Henrique Vieira (que desfilará na Mangueira, Escola de Samba do Rio de Janeiro, por causa de um enredo sobre Jesus Cristo), “o conservadorismo presente na base evangélica não é tão diferente do que existe na sociedade brasileira. É preciso perceber e reconhecer que o campo evangélico (plural e não monolítico) é majoritariamente popular, composto por trabalhadores, mulheres e negros”.

Referências de checagem:

Diretora de filme pró-PT ataca Bolsonaro e internet critica?. Disponível em: https://pleno.news/brasil/politica-nacional/diretora-de-filme-pro-pt-ataca-bolsonaro-e-internet-critica.html

Governo acusa diretora de filme pró-PT de difamar o país. Disponível em: https://pleno.news/brasil/governo-acusa-diretora-de-filme-pro-pt-de-difamar-o-pais.html

Oscar Nominee Petra Costa on Threats to Democracy in Brazil. Disponível em: https://www.pbs.org/wnet/amanpour-and-company/video/oscar-nominee-petra-costa-on-threats-to-democracy-in-brazil/

Governo Federal distorce dados ao acusar Petra Costa de espalhar ‘fake news’. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2020/02/05/petra-costa-secom/?fbclid=IwAR2Z4rXtyWLwauQP2JHPtKMYXnwHpKL6vSlmh8n5pWpjUSILZ47nBD9NwgM

Twitter @SecomVc. Disponível em: https://twitter.com/secomvc/status/1224441600798887937

Twitter @eduardobolsonaro. Disponível em: https://twitter.com/BolsonaroSP/status/1224268124943462415

Instagram @pastorhenriquevieira. Disponível em: https://www.instagram.com/p/B8OhVNuFh5p/?igshid=1gvgcaqpize65

As Campanhas de Damares fazem mal à saúde?

Damares Alves, Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) , é a segunda pessoa mais popular do Governo Bolsonaro, só perde para o Ministro Sérgio Moro. A popularidade de Damares é a face “terrivelmente evangélica” do governo. Mulher e evangélica, a pastora tem uma forte presença simbólica.

Nos primeiros meses de 2020, com o anúncio de que o MMFDH faria enfrentamento da gravidez precoce (ou gravidez na adolescência) por meio de uma bandeira ligada à pauta de costume, isto é, uma propaganda da “preservação”/“abstinência” sexual, em pleno mês de fevereiro, tempo de Carnaval, provocou vários debates, inclusive sobre o “celibato voluntário”.

O programa de “preservação sexual”, que tem sido chamado pela imprensa de “abstinência sexual”, tem desdobramentos para além do MMFDH, afeta o programa de saúde da família, as políticas do Ministério da Saúde (material de educação sexual, DSTs e vacinação contra HPV) e, finalmente, desdobramentos e interlocuções com o Ministério da Educação por meio do FNDE, especialmente em relação ao material de educação sexual  do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Ou seja, ao defender a iniciativa, a ministra Damares não está  fazendo campanha religiosa, como tem sido repetido, mas está claramente ampliando sua influência dentro do governo.

Em entrevista recente, a ministra defendeu a abstinência sexual como nova orientação de política pública do governo federal para combater a gravidez precoce na adolescência e as infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) – orientar jovens, nas escolas brasileiras, a não fazer sexo. Veja o vídeo aqui.

Damares ampliou suas alianças políticas e também conseguiu chamar a atenção de dois grupos altamente organizados na Internet: cientistas/ médicos (que questionam a eficácia do método) e “incels”/”spamers” (celibatários involuntários e propagandistas de whatsapp). 

Os cientistas questionam a falta de dados comprobatórios de que os programas de abstinência sejam  eficazes, enquanto os “incels” tomaram de assalto as redes sociais associando “depravação sexual e promiscuidade” com a “esquerda progressista”. Assim,  partidos de esquerda foram associados com posturas liberais e libertárias. O que há de verdade nessa campanha toda? E quem ganha com isso?

Areópago já falou da campanha pela abstinência e da realidade das adolescentes

Em dezembro de 2019, Bereia publicou o artigo de Valéria Vilhena sobre a gravidez precoce. “Mais do que um problema moral, ou de “preservação sexual”, o problema inclui uma parcela da população (mães adolescentes) que vivem em risco social’, afirma Vilhena.

Médicos contra Damares: Por quê?

A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) considera adolescente aquele ou aquela que tem entre 10 e 20 anos. O Brasil teve queda nas taxas de gravidez de jovens na última década, mas está bem acima dos demais países da América Latina. Os médicos da SBP já se manifestaram contra a proposta de “abstinência” ou “preservação”, sendo claramente contrários à proposta da ministra.

O documento elaborado pela SBP em oposição à ministra está disponível para leitura e sugere que a imposição (ou sugestão aos adolescentes) não funciona, textualmente: “A SBP reitera o posicionamento da Sociedade Americana de Medicina do Adolescente que aponta para as falhas científicas e éticas da abordagem “abstinence only “, deixando à margem adolescentes sexualmente ativos, aqueles que já são pais, os que não se consideram heterossexuais e as vítimas de abuso sexual. Adicionalmente, compreende-se que a abstinência das relações sexuais pode ser uma escolha saudável para os adolescentes desde que seja uma decisão pessoal deles e não uma imposição ou única opção oferecida, respeitando seu direito à autonomia”.

Celibatários de todo mundo, uni-vos

Os celibatários (incels) são público-alvo das campanhas de desinformação (fakenews), estratégia desenhada por Steve Bannon  e pela Cambridge Analytica . Por quê? Porque os celibatários “involuntários” (incels) são os jovens ressentidos que não conseguem namoradas e defendem que o comportamento sexual das mulheres progressistas é a principal causa de sua solidão.  A linguagem agressiva com sinais de desequilíbrio psicológicos, associados a episódios de massacres e culto das armas de fogo, fazem desse grupo uma das maiores preocupações da área de segurança. Conforme documentários recentes, o “ódio que os incels têm dos sexualmente ativos” e sua defesa de uma abstinência imposta por autoridades (escolas, governos, grupos)  fazem da proposta da ministra uma mistura explosiva, que sugere mais desdobramentos negativos do que positivos por parte de uma política pública.

Não se trata apenas de uma campanha cientificamente questionável, mas de uma campanha que pode acirrar ainda mais os ambientes escolares. E é preciso lembrar que o Brasil passou a viver a realidade estadounidense de massacres escolares justamente por causa do crescimento desses grupos. Empoderar o discurso dos celibatários é um dos efeitos colaterais desse programa!?

Cientistas alertam – educação sexual é saída

O argumento da “abstinência”, denominado “preservação sexual” pelo MMFDH, tem sido contestado com base em pesquisas sociais. Para cientistas e médicos o método mais eficaz contra a gravidez é a “educação sexual”, ou as políticas de “sexo seguro”, bem como estratégias de redução das estatísticas de DSTs e gravidez adolescente. Nota-se também, no cenário atual, que a campanha pela “preservação” esbarra em um fato: como falar em preservação com aqueles que já são ativos?

Justamente, por isso, há grandes reações ao programa de Damares no Ministério da Saúde.  Além da idade (razão de uma discordância pública), também está em questão o cronograma de vacinação contra o HPV.

Uma visão distorcida do movimento americano – “Eu escolhi esperar”

Nos Estados Unidos, o movimento “Eu escolhi esperar” é interdenominacional (o que significa que não tem relações com igrejas) e não-governamental (isto é, não aceita e nem tem patrocínios ou líderes políticos).  É protagonizado por jovens youtubers, bandas de música com apostas em ações diretas, em eventos de massa. É parte da cultura religiosa norte-americana manter movimentos que desconfiam das igrejas organizadas e dos governos.

No Brasil,  o movimento de “abstinência sexual” foi introduzido por líderes de várias igrejas e é liderado por pastores. O Pr. Nelson Junior do Ministério Eu Escolhi Esperar da Igreja Batista da Lagoinha, a mesma que a ministra Damares faz parte, é uma das referências. Funcionaria um programa voltado para jovens com inspiração eclesial e governamental? Não seria melhor organizar comitês com os jovens?   

Quem? Como? Quanto?

Pesa sobre a campanha, por último, uma dúvida. Quem produzirá o material? Para ser distribuído ainda em 2020, nas escolas, o material teria que passar pelo edital do PNLD (programa nacional do livro didático) e pelos diversos editais do Ministério da Saúde. Conforme o cronograma, os textos e campanhas teriam que ter sido produzidos em 2018 e passar pelo processo de seleção pública – a não ser que se pretenda adotar algo que já esteja pronto, ou que tenha sido produzido em outro contexto.

O Ministério da Saúde ainda não esclareceu quando e como irá implementar a política de incentivo à abstinência sexual. Hoje, o Sistema Único de Saúde (SUS) disponibiliza nove métodos contraceptivos, incluindo diferentes tipos de anticoncepcional injetável, pílula (incluindo a do dia seguinte), diafragma, DIU e preservativo. Também há campanha e vacinação ativa contra HPV (para meninas e meninos adolescentes).

O Ministério da Educação já divulgou edital e lista de editoras de material que vai ser distribuído para crianças e adolescentes em todo o Brasil. Serão gastos R$ 862.222.089,49 com livros de diversas editoras, segundo a Associação Brasileira de Editores e Produtores de Conteúdo e Tecnologia Educacional (ABRELIVROS).  No Edital do PNLD foram excluídas algumas exigências, como a de que livros didáticos promovam positivamente a cultura quilombola e os povos do campo (p. 39). Foi mantida a exigência de que as obras promovam positivamente a imagem da mulher, mas foi eliminado um trecho requerendo atenção “com a agenda de não violência contra a mulher” (p. 39). Finalmente, as ilustrações não precisam mais retratar a diversidade étnica da população brasileira, a pluralidade social e cultural do país (p. 41).

Existe risco?

O MMFDH manteve a promessa de lançar a campanha pela abstinência sexual a partir de fevereiro de 2020. Dia 23/01/2020 a ministra usou sua página em uma rede social para se posicionar diante da enxurrada de críticas diante da iniciativa de pregar a abstinência sexual.

“Pais e responsáveis por cuidar de adolescentes, digam-me qual é o mal de conversar com um menino ou menina, a partir dos 12 anos, e dizer que talvez ainda não esteja maduro o suficiente para começar a ter relações sexuais? Que grande risco isso pode trazer?”

Há várias respostas para a pergunta da Ministra. Vários riscos, inclusive, de gestão do dinheiro público, já escasso na saúde e educação.

Respeitando as Regras?

A ABRE alertou seus filiados (e as editoras que participaram do último edital) para o risco quanto ao novo decreto do MEC, que permite ao ministério produzir seu próprio material. Além de promover uma insegurança no setor, o decreto abre brechas para a confecção de novos conteúdos, incluindo aqueles que interessam o MMFDH. Ou seja, as regras de produção e difusão do material didático e das campanhas teriam sido burladas?

As Defensorias Públicas da União e do Estado de São Paulo  recomendaram ao governo não veicular a campanha de Damares, e citam estudos realizados nos EUA, em especial  da Society for Adolescent Health and Medicine, concluindo que a medida não promoveu mudanças positivas na vida sexual dos jovens, não impediu a gravidez na adolescência e nem diminuiu a propagação de infecções sexualmente transmissíveis.

Quanto ao aspecto legal, as Defensorias manifestaram preocupações com a alteração das formulações de políticas públicas, especialmente quanto à necessidade de promover audiências públicas sobre o tema. As defensorias também solicitaram aos ministérios que apresentem o custo total de produção e divulgação da campanha e o valor que isso representa proporcionalmente em relação ao que foi gasto no ano de 2019.

A Lei de Acesso à Informação (LAI) promulgada há mais de sete anos prevê o acesso às informações públicas, especialmente nas questões orçamentárias. Isto foi previsto na Constituição Federal, em especial nos capítulos que tratam dos direitos e deveres individuais e coletivos, dos princípios que regem a administração pública, bem como da gestão da documentação governamental, além de aumentar a eficiência do Poder Público, diminuir os desvios de conduta e ampliar a participação popular. Isto é, as Defensorias, Controladorias e até cidadãos podem cobrar dos ministérios que prestem contas e forneçam informações sobre custo, distribuição e construção das campanhas.

E não adianta esconder dados, pois quem quer moralidade pública precisa respeitar as regras.

Vale a pena esperar transparência por parte dos governos? Se achamos que SIM, devemos cobrar lisura, rigor, estudos, regras e orçamentos claros.

“Kit Gay” continua sendo alvo de políticos de direita

O Deputado Federal, Marco Feliciano, continua afirmando que o “kit gay” existiu. A nossa equipe, mais uma vez, tenta desmentir essa falsa notícia publicada desde 2011, e compartilhada até os dias de hoje como verdade.

Foi em 2012 que o deputado começou a falar em Kit Gay. Logo, o argumento de que a esquerda queria transformar crianças em homossexuais começou a circular nas mídias sociais e virou uma “palavra de ordem” nos discursos e estratégias políticas da ala mais conservadora. Mas existiu mesmo um Kit Gay, distribuído nas escolas?

Bereia fez uma chegagem em dezembro de 2019 e verificou que o “Kit gay” foi o apelido dado por deputados federais conservadores ao material do projeto “Escola sem Homofobia”, campanha lançada em 2004 no governo Lula, denominada “Brasil sem Homofobia”, aprovada no Congresso Nacional. O programa de combate à homofobia foi  lançado para combater o bullying, e fez parte de uma orientação aos educadores como política de inclusão social.

A cartilha explicava conceitos como gênero e sexualidade e sugeria atividades em sala de aula para os alunos refletirem sobre temas como comportamento preconceituoso ou analisarem, por exemplo, expressões sexistas na língua portuguesa. Também havia sugestão de materiais audiovisuais para a sala de aula. Organizado por profissionais de educação, gestores e representantes da sociedade civil, o material era composto de um caderno, uma série de seis boletins, cartaz, cartas de apresentação para os gestores e educadores e três vídeos.

O Ministério da Educação, no entanto, cedeu às pressões das bancadas religiosas do Congresso Nacional e setores conservadores da sociedade, e suspendeu a distribuição do material antes dele ser, de fato, enviado aos professores.

Uma análise do material engavetado, foi feito pelo site “Nova Escola” e pode ser acessado aqui.

Histórico:

2005 – MEC financia projetos de capacitação para diversidade sexual 2006 – MEC cria grupo de trabalho para discutir a homofobia 2011 – Projeto “Escola sem homofobia” – MEC: kit anti-homofobia seria entregue aos educadores. 2011 – Lincoln Portela (PR-MG) inicia pressão contra kit-gay 25 maio 2011 – Rádio Câmara anuncia que “Deputados católicos e evangélicos pressionam a iniciativa e governo suspende kit anti-homofobia

Referências de Checagem:

Twitter Marco Feliciano. Disponível em: https://twitter.com/marcofeliciano/status/1214675718396948485?s=19

‘Kit gay’: A verdade sobre o programa alvo de críticas e fake news de Bolsonaro. Disponível em: https://www.huffpostbrasil.com/entry/kit-gay-a-verdade-sobre-o-programa-alvo-de-criticas-e-fake-news-de-bolsonaro_br_5c335c5ce4b0944f666c213b?guccounter=1&guce_referrer=aHR0cHM6Ly93d3cuZ29vZ2xlLmNvbS5ici8&guce_referrer_sig=AQAAANZGbr1RX6Trgw0GmQupa64ZfLPXiaUoeUaN5u31TVC8sqi9Ujm0Diad0Ckq4t6rTpU_Ir3cA1R4tWOlfVADKax7XSnCRocEgDMaKJmPdm1qvGpvI2US3fxQNqtD3B37xmD3tIvVJ6wu38oIDf_OCu6ksMnV7denWNhxzxC7SisE

Leia a transcrição da entrevista de Marco Feliciano à Folha e ao UOL. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2013/04/02/leia-a-transcricao-da-entrevista-de-marco-feliciano-a-folha-e-ao-uol.htm

Não há dúvida: a existência de um “kit gay” organizado por Fernando Haddad é falsa. Disponível em: https://coletivobereia.com.br/nao-ha-duvida-a-existencia-de-um-kit-gay-organizado-por-fernando-haddad-e-falsa/

Uma análise do caderno Escola sem Homofobia. Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/1579/uma-analise-do-caderno-escola-sem-homofobia

Bolsonaro “aceitou Jesus” em culto no Planalto?

O portal Gospel Prime anunciou na última terça, 17, que Jair Messias Bolsonaro havia “aceitado Jesus” durante culto de ação de graças realizado pela Frente Parlamentar Evangélica no Palácio do Planalto, em Brasília. A notícia viralizou nas principais mídias sociais depois de algumas horas. Bereia recebeu inúmeros pedidos de checagem e decidiu verificar a autenticidade da matéria.

Fonte: gospelprime.com.br

Bolsonaro “aceitou a Jesus?”

A pedido do Bereia, a assessoria da Presidência enviou por e-mail o conteúdo da fala de Bolsonaro no culto de ação de graças realizado no Palácio do Planalto.  Um trecho contém a afirmação:

“A todos vocês, nesse momento, é motivo de honra, de orgulho e de satisfação vê-los, juntamente comigo, publicamente, aceitando Jesus nessa Casa, que estava carente da Sua Palavra”.

Para muitos evangélicos, a afirmação veio como uma “nova conversão”, já que uma primeira teria se dado no Rio Jordão, em 2016, quando Bolsonaro foi batizado pelo pastor assembleiano Everaldo Dias Pereira.

Bereia checou a trajetória de Jair Messias Bolsonaro, no tocante a religião, ao longo dos seus 65 anos e verificou que há muitas ambiguidades.

Início da caminhada

Fonte: jornalggn.com.br

Bolsonaro é um ítalo-brasileiro, criado no Vale do Ribeira, no sul do Estado de São Paulo. A região foi estruturada a partir de vários grupos étnicos, dentre eles os italianos. As colônias italianas são marcadas pela religiosidade popular católico-romana, pela agricultura tradicional e por fortes laços familiares. Bolsonaro nasceu neste cenário, em março de 1955, no povoado de Glicério, fundado pela família italiana de Castillho. A torcida pelo Palestra Itália (atual Palmeiras) e a festa de Nossa Senhora de Aparecida são especialmente importantes para a colônia ítalo-brasileira e seus descendentes.

Em 1966, ainda criança, mudou-se com a família para Eldorado, uma das regiões mais pobres de São Paulo e com forte predominância católica, 80% de sua população. Aos 18 anos deu início à carreira militar, da qual se aposentou aos 33 anos devido a eleição de 88, da qual elegeu-se como vereador do Rio de Janeiro.

Durante sua caminhada no exército, não se envolveu e nem participou de nenhuma Associação de Oficiais Cristãos .

Primeiros passos na carreira política

Fonte: arquivo da câmara dos deputados.

Em 1988 Bolsonaro foi eleito vereador do Rio de Janeiro pelo Partido Democrata Cristão (PDC). Seu mandato foi discreto e pouco participativo, usado principalmente para dar visibilidade às causas militares. Manteve-se, nessa época, distante da Frente Parlamentar Evangélica. Ainda pelo PDC, elegeu-se como deputado federal em 1990, também pelo Rio de Janeiro. Nos anos seguintes conseguiu se reeleger como Federal transitando por 8 partidos – PDC, PPR, PPB, PTB, PFL, PP, PSC e PSL.

Em 2011, após ser entrevistado por leitora da Revista Época, afirmou ser católico.

Gostaria de saber se o deputado segue algum tipo de religião.
Suzana Marques, RJ Bolsonaro: “Acredito em Deus, essa é a minha religião. Sou um católico que, por 10 anos, frequentou a Igreja Batista”.

Casamento

Fonte: último segundo/IG

Em 2013, Jair Messias Bolsonaro, católico, consolidou um terceiro casamento, este com Michelle de Paula Firmo Reinaldo, evangélica, por meio de cerimônia religiosa realizada pelo pastor Silas Malafaia, da Igreja Vitória em Cristo. Michelle foi membro da igreja de Malafaia até 2016, depois passou a frequentar a Igreja Batista Atitude em 2018, localizada na Barra da Tijuca, no Rio. A primeira-dama desenvolve naquela igreja, até hoje, projetos sociais com surdos.

Rumo à Presidência / Parte 1

Fonte: contextolivre

Em março de 2016 Bolsonaro filiou-se ao Partido Social Cristão (PSC), do qual foi apresentado como pré-candidato à Presidência da República para 2018, inclusive pelo presidente nacional do partido, Pastor Everaldo, o mesmo que iria batizá-lo posteriormente no Rio Jordão.

“Recebo a indicação como pré-candidato à Presidência da República pelo PSC como missão. Vamos afinar o discurso, mas pode ter certeza que o direcionamento será para a direita”, disse Bolsonaro.

No evento de filiação, as bancadas evangélica e da bala prestigiaram a admissão de Bolsonaro ao novo partido.

Desde 2013 Bolsonaro já vinha se aproximando de Feliciano (PSC-RJ), e também do senador Magno Malta (PL-ES), defensores de pautas e alianças políticas.

PSC e Pastor Everaldo

O PSC era historicamente um “partido de aluguel” e, a partir de 2003 foi ocupado pela Assembleia de Deus, em certa concorrência com a Igreja Universal do Reino de Deus, que havia ocupado o PRB (Partido Republicano do Brasil). A partir daí passou a mobilizar a pauta conservadora. A fórmula, “conservador nos costumes e liberal na economia” passou a definir a legenda e seus candidatos.

O atual presidente do PSC, Everaldo Dias Pereira, registrado na política como “Pastor Everaldo”, é oriundo da Assembleia de Deus – por meio da qual entrou na política, tendo exercido o cargo de Secretário da Casa Civil (1999 – 2002) no Governo de Anthony Garotinho (PDT).

Everaldo foi candidato, pelo PSC, ao cargo de Presidente da República nas eleições de outubro de 2014. Ficou em 5º lugar com 0,75% dos votos. Foi acusado, na época, de ligação com o candidato Aécio Neves no caso Odebrecht.

A conexão entre os evangélicos e a política foi potencializada com a formação da bancada evangélica no Congresso Nacional em 1986, consolidada ao longo das décadas seguintes com força maior entre pentecostais, especialmente políticos ligados à Assembleia de Deus e à Universal do Reino de Deus. A eleição do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) como presidente da Câmara Federal em 2015-2016 foi o resultado da potencialização deste poder.

Bolsonaro e o Batismo no Rio Jordão

Após filiar-se ao PSC, em março de 2016, Jair Bolsonaro foi batizado dois meses depois, no dia 12 de maio de 2016, no Rio Jordão, em Israel, pelo Pastor Everaldo. O ato foi realizado enquanto acontecia o impeachment de Dilma no Senado.

Fonte: extra.globo.com

Assista o vídeo do batismo aqui.

Antes de ser mergulhado nas águas do Jordão, Bolsonaro respondeu às perguntas do pastor Everaldo, reconhecendo a morte e ressurreição de Jesus Cristo.

– Jair Bolsonaro, você acredita que Jesus é o filho de Deus?

– Acredito.

– Você crê que Ele morreu na cruz?

– Sim.                                                                                                                            

– Que Ele ressuscitou?

– Sim.

– Está vivo para todo o sempre?

– Sim

– É o salvador da humanidade?

– Sim.

– Mediante a sua confissão pública, eu te batizo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

“Aceitar a Cristo” é um ato simbólico característico da cultura de fé dos evangélicos, que significa alguém aceitar vincular-se a uma confissão cristã e abraçar seus dogmas e costumes. A pessoa que “Aceita Jesus” declara isto publicamente em momento específico nos cultos e reuniões religiosas após atender a um apelo dos líderes para a “conversão” (assumir as regras de fé cristãs e da confissão e viver uma “nova vida” pautada por elas). A confissão de fé tem sido institucionalizada, normatizando-se a padrões denominacionais. Neste cenário a conversão é também confissão a uma verdade e não a uma pessoa ou divindade.

Antônio Gouvêa Mendonça

Para o sociólogo Ricardo Mariano, Bolsonaro orquestrou uma “aproximação simbólica” através do batismo nas águas:

“Bolsonaro não é evangélico. O batismo não significa que ele se tornou um, aquilo tinha o objetivo simples, de ventilar nas redes/mídias sociais uma aproximação simbólica com o meio evangélico.”

Rumo à Presidência – Parte 2

Em 2017 Bolsonaro começa a movimentação para conseguir uma legenda que permitisse sua candidatura à Presidência da República em 2018. Houve o rompimento com o PSC naquele ano por vários motivos. Uma delas foi a aliança que o partido fechou com o PCdoB no Maranhão nas eleições municipais de outubro de 2016. Bolsonaro não admitia que o PSC apoiasse legendas relacionadas a “comunismo” ou à esquerda. A aliança comuno-cristã em São Luiz possibilitou a eleição de três vereadores comunistas e um evangélico. O ex-capitão considerava que o programa político do PCdoB, que defende bandeiras como a descriminalização do aborto e do consumo de maconha e apoia o casamento gay, seriam incompatíveis com o que o PSC prega.

Outro problema com o PSC tem relação com a campanha do filho Flávio, deputado estadual e candidato à prefeitura do Rio de Janeiro, em 2016. Bolsonaro foi repreendido pelo pastor Everaldo porque recusou, aos gritos, a ajuda da deputada Jandira Feghalli (PCdoB), que é médica, quando Flávio desmaiou durante um debate na TV e a concorrente foi ajudá-lo. A repreensão de Everaldo irritou Bolsonaro.

Um terceiro desentendimento entre o deputado e o PSC ocorreu quando ele gravou um vídeo recusando as doações, em dinheiro, para a campanha do filho no Rio de Janeiro, pedidas pelo partido. A direção da legenda se queixou que o parlamentar não aceita orientação partidária, não gosta de trabalhar em conjunto e é considerado personalista. Bolsonaro avisou que pretendia criar um sistema pessoal de arrecadação para a campanha, o que é proibido por lei, e ao qual PSC é contra.

Após inúmeras buscas, Bolsonaro finalmente filia-se ao Partido Social Liberal (PSL) no dia 05 de janeiro de 2018.

Bolsonaro e os evangélicos

Fonte: bolsonaro.com.br

A simpatia dos evangélicos sempre foi alvo de Bolsonaro. Ao lado da esposa evangélica e com o apoio das principais lideranças religiosas do Brasil – Silas Malafaia (Vitória em Cristo), Edir Macedo (Igreja Universal do Reino de Deus) e José Wellington Bezerra da Costa (Ministério Belém, da Assembleia de Deus), ancorava sua candidatura.

Decidiu por um slogan cristão em sua campanha presidencial – “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, confrontando o Estado Laico, e defendeu pautas conservadoras para conquistar seu eleitorado – 40 milhões de fiéis em todo o país.

Para os pesquisadores na área da Religião, Ana Keila Mosca Pinezie Andrew Chesnut, Bolsonaro toca o arsenal simbólico não só de evangélicos, mas de cristãos católicos que o reconhecem como a melhor e única saída para as mazelas do país, ou seja, estabelece-se uma relação entre a figura do candidato e o forte messianismo do catolicismo popular e evangélico do pentecostalismo. É importante lembrar que católicos e evangélicos uniram-se à bancada evangélica, na Câmara dos Deputados, em uma só voz contra pautas relacionadas à descriminalização do aborto e o casamento gay.”

Bolsonaro, Presidente católico, mas politicamente evangélico

Jair Messias Bolsonaro obteve 57,8 milhões de votos (55,13%) válidos nas eleições de 2018. Os 11,6 milhões de votos que obteve a mais do que Haddad entre os evangélicos foi maior que a diferença total registrada entre os dois candidatos, no resultado final.

Fonte: IHU

Após vitória nas urnas, em novembro de 2018, Bolsonaro concedeu entrevista à TV Aparecida à qual afirma que é católico, apostando assim na “ambiguidade religiosa”.

Em maio de 2019, o país foi “consagrado ao Coração de Maria”. Na celebração, realizada no Salão Leste do Palácio do Planalto, o presidente assinou o ato de consagração do Brasil, que foi “um pedido da Frente Parlamentar Católica”, representada pelo Deputado Eros Biondini (PROS-MG).

Fonte: itabiraonline.com.br

Em 12 de outubro de 2019, Bolsonaro participou da Missa em Aparecida, fez uma leitura e comungou, recebendo a hóstia. No mesmo mês o ex-capitão enviou o vice-presidente da República para o Vaticano, para participar da missa de canonização da primeira santa brasileira, a Irmã Dulce.

Bereia Conclui

Nesta checagem Bereia analisou a trajetória de Jair Messias Bolsonaro e suas relações com o contexto evangélico, ao qual pertence o ato simbólico de adesão denominado “aceitar Jesus”. Conclui-se que Bolsonaro tem uma postura política-eclesiástica muito irregular e ambígua.

Oficialmente, o perfil religioso do presidente anuncia sua vinculação ao catolicismo, porém, politicamente, acena para os evangélicos.

Em contato com a assessoria da Presidência da República na última quinta, 19, Bereia perguntou sobre a religião de Bolsonaro. Em resposta, a assessoria afirmou que não comenta sobre a religião do Presidente, mantendo, oficialmente, a posição de ambiguidade.

Bereia classifica, portanto, a matéria publicada pelo site Gospel Prime sobre a “conversão de Bolsonaro” como imprecisa, pois o texto não inclui a “aceitação a Jesus”, tornada pública no ato de batismo no Rio Jordão em 2016. A matéria faz uso, apenas, de uma frase do discurso do Presidente no culto realizado no Palácio do Planalto. Até o presente momento, Jair Bolsonaro não comprovou adesão a uma denominação evangélica.

Referências de checagem:

Bolsonaro “aceita Jesus” em culto no Palácio do Planalto. Disponível em: https://www.gospelprime.com.br/bolsonaro-aceita-jesus-em-culto-no-palacio-do-planalto/?utm_source=facebook&utm_medium=social&utm_campaign=gospelprime

Jair Messias Bolsonaro. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Jair_Bolsonaro

Jair Bolsonaro: “Sou preconceituoso, com muito orgulho”. Disponível em: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI245890-15223,00-JAIR+BOLSONARO+SOU+PRECONCEITUOSO+COM+MUITO+ORGULHO.html

Silas Malafaia celebra casamento de deputado Bolsonaro na Mansão Rosa. Disponível em: https://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2013-03-22/silas-malafaia-celebra-casamento-do-deputado-bolsonaro-na-mansao-rosa.html

No Rio, Bolsonaro participa de culto na Barra da Tijuca. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2019-05/no-rio-bolsonaro-participa-de-culto-na-barra-da-tijuca

Bolsonaro se filia ao PSC e é lançado como pré-candidato à Presidência. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/bolsonaro-se-filia-ao-psc-e-lancado-como-pre-candidato-presidencia-18792086

“Partidos passam por reformulação para atrair eleitores da “nova direita”. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/partidospassam-por-reformulacao-para-atrair-eleitores-da-nova-direita-bngjok7h9t6x3seckwzkplw5x/

Pastor Everaldo recebeu R$ 6 milhões para favorecer Aécio, diz Odebrecht. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/pastor-everaldo-recebeu-6-milhoes-para-favorecer-aecio-diz-odebrecht-21210969

Batismo de Bolsonaro. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=0bE0iHNwg54

MENDONÇA, Antônio Gouvêa.A experiência religiosa e a institucionalização da religião. Scientific Electronic Library Online, 27 ago 2004. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142004000300004

Novo batismo deu impulso à ligação de Bolsonaro com os evangélicos. Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/politica/eleicoes/noticia/2018/11/novo-batismo-deu-impulso-a-ligacao-de-bolsonaro-com-os-evangelicos-cjo0m3ed50axn01pi6b3nd76w.html

Bolsonaro deixará o PSC e negocia candidatura ao Planalto por outro partido. Disponível em: https://congressoemfoco.uol.com.br/especial/noticias/bolsonaro-deixara-o-psc-e-negocia-candidatura-ao-planalto-por-outro-partido/

Flavio Bolsonaro passa mal em debate e pai impede ajuda de Jandira Feghali. Disponível em: https://extra.globo.com/noticias/rio/flavio-bolsonaro-passa-mal-em-debate-pai-impede-ajuda-de-jandira-feghali-19996703.html

Bolsonaro rompe com Pastor Everaldo e vai disputar eleição por outro partido. Disponível em: https://www.pragmatismopolitico.com.br/2016/11/bolsonaro-rompe-pastor-everaldo-eleicao-outro-partido.html

Bolsonaro vai para o PSL e liberais abandonam sigla. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,presidente-do-psl-confirma-que-bolsonaro-sera-candidato-pelo-partido,70002140037

Pastores se destacam entre líderes que orbitam governo de Bolsonaro. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/06/pastores-se-destacam-entre-lideres-que-orbitam-governo-de-bolsonaro.shtml

PINEZI, Ana Keila Mosca; Mosca Pinezi; CHESNUT, Andrew. Jair Messias Bolsonaro como novo messias para evangélicos e católicos tradicionais. Observatório da Imprensa, 11 dez 2018. Disponível em:  http://observatoriodaimprensa.com.br/eleicoes-2018/jair-messias-bolsonaro-como-novo-messias-para-evangelicos-e-catolicos-tradicionais/

O voto evangélico garantiu a eleição de Jair Bolsonaro. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/584304-o-voto-evangelico-garantiu-a-eleicao-de-jair-bolsonaro

Sou católico e não vou acabar com o feriado de 12 de Outubro, diz Bolsonaro em entrevista. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=FC5LvU98-pg

Bolsonaro junto com Dom Rifan fará um ato de consagração do Brasil ao Imaculado Coração de Maria. Disponível em: https://www.tercalivre.com.br/bolsonaro-junto-com-dom-rifan-fara-um-ato-de-consagracao-do-brasil-ao-imaculado-coracao-de-maria/

Bolsonaro participa de missa em homenagem a Nossa Senhora Aparecida. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2019/10/12/interna_politica,797046/bolsonaro-participa-de-missa-em-homenagem-a-nossa-senhora-aparecida.shtml

“Mourão vai ao Vaticano para canonização de Irmã Dulce”. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/republica/breves/mourao-vaticano-canonizacao-irma-dulce/

São falsas as declarações do ministro da Educação sobre maconha nas universidades e “kit gay” nas escolas

O ministro da educação, Abraham Weintraub, voltou a associar as Universidades Federais ao plantio de maconha, falando à Comissão de Educação da Câmara dos Deputados na última quarta, 11 de dezembro. Weintraub disse que “há plantações de maconha e produção de drogas sintéticas nas universidades federais brasileiras“.

As acusações foram feitas sem novas provas e com base em reportagens que já haviam sido apuradas pela polícia. O ministro foi convocado para explicar as mesmas acusações que repetiu, feitas inicialmente em entrevista ao Jornal Cidade Online no dia 21 de novembro. Weintraub ainda disse que o Brasil está vivendo “a maior revolução na área de ensino” e que “o símbolo máximo é que sai o kit gay, e entra livros para as crianças lerem com os pais”.

Bereia checou as afirmativas do ministro à Comissão. Confira:

“Há plantações de maconha e produção de drogas sintéticas nas universidades federais brasileiras.” (confira o vídeo aqui)

Para o ministro, vídeos no youtube e reportagens de emissoras como Globo e Record, servem de evidências. Porém, as matérias mostram casos já conhecidos. Um deles é sobre a operação policial de 2017 em uma área vizinha da Universidade de Brasília (UnB). A Universidade já esclareceu que houve uma sindicância interna para a apuração de responsabilidades. Em nota oficial, repudiou a associação – “no processo, foi confirmado, por meio de um parecer técnico, que o local da apreensão não pertence à Universidade”, diz o comunicado. Ainda, segundo a instituição, os alunos acusados foram absolvidos da culpa.

O ministro também exibiu reportagem sobre a produção de drogas sintéticas em laboratório de química na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e sobre a apreensão de maconha e haxixe na instituição. Em nota de esclarecimento o Conselho Universitário da UFMG informou que com o fim das investigações, foi comprovado que “nenhum dos acusados é estudante ou servidor da UFMG” e que “não há na sentença qualquer prova ou sequer indício que ampare a acusação improcedente de que houve uso dos laboratórios de química da UFMG para a fabricação de drogas ilícitas”.

Enquanto Weintraub promovia desinformação e difamação na convocatória, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) disponibilizou, em 12 de dezembro, o Conceito Preliminar de Curso (CPC) e o Índice Geral de Cursos Avaliados da Instituição (IGC) 2018. Os indicadores são produzidos a partir dos resultados do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade). Os resultados falam por si. Contrariando o Ministro, o próprio MEC constatou que as Universidades Federais lideram o ranking das melhores escolas superiores do país.

Weintraub ainda afirmou que o Brasil tem vivido uma revolução na área do ensino.“Eu adoraria ser convidado para falar sobre o que eu fiz, o que o MEC fez, que é a maior revolução na área de ensino do Brasil nos últimos 20 anos. Nós estamos vivendo isso”, e ainda disse que o símbolo máximo (da revolução) é que sai o ‘kit gay’ e entra livro para as crianças lerem com os pais”.

A fala do ministro apenas reforça a ideia de que um suposto “kit gay” existiu e foi entregue nas escolas. Esta notícia falsa começou a ser amplamente divulgada em 2018, quando o candidato e hoje presidente, Jair Bolsonaro, afirmou em rede nacional que o livro “Aparelho Sexual e Cia”, escrito por Hélène Bruner, fez parte de um “kit gay” distribuído nas escolas brasileiras. 

Na época, o ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Carlos Horbach, determinou a suspensão de links de sites e mídias sociais com a expressão “kit gay” usados pela campanha de Jair Bolsonaro (PSL) para atacar o candidato do PT, Fernando Haddad.

Confira aqui a checagem completa que Bereia produziu sobre o “kit gay”.

Referências de Checagem:

Ministro da Educação reafirma que há plantações de maconha nas universidades. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/625418-ministro-da-educacao-reafirma-que-ha-plantacoes-de-maconha-nas-universidades/

A “soberania” das Universidades escondeu “plantações extensivas de pés de maconha”, revela Weintraub. Disponível em: https://www.jornaldacidadeonline.com.br/noticias/17424/a-soberania-das-universidades-escondeu-plantacoes-extensivas-de-pes-de-maconha-revela-weintraub-veja-o-video

Weintraub repete acusações contra universidades com base em reportagens. Disponível em: https://exame.abril.com.br/brasil/ministro-da-educacao-repete-que-ha-plantacoes-de-maconha-nas-universidades/

Ministro mantém declaração sobre plantação de maconha nas universidades – 11/12/19. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=iZ2RkaAj0eQ

Polícia encontra plantação de maconha em faculdade de Brasília. Disponível em: https://recordtv.r7.com/cidade-alerta/videos/policia-encontra-plantacao-de-maconha-em-faculdade-de-brasilia-20102018

Nota de esclarecimento – UNB. Disponível em: https://noticias.unb.br/76-institucional/3682-nota-de-esclarecimento

Polícia apura se insumos da UFMG são usados para fabricar drogas. Disponível em: https://noticias.r7.com/minas-gerais/policia-apura-se-insumos-da-ufmg-sao-usados-para-fabricar-drogas-23052019

Nota de esclarecimento – UFMG. Disponível em: https://ufmg.br/comunicacao/noticias/nota-de-esclarecimento-do-conselho-universitario-a-comunidade

Resultados dos Indicadores de Qualidade da Educação Superior calculados pelo Inep. Disponível em: http://portal.inep.gov.br/web/guest/educacao-superior/indicadores-de-qualidade/resultados

Instituições federais têm performance duas vezes melhor que particulares em avaliação do MEC. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2019/12/instituicoes-federais-tem-performance-duas-vezes-melhor-que-particulares-em-avaliacao-do-mec.shtml

Reportagem do GLOBO de 2013 sobre ‘kit gay’ não se refere a livro mostrado por Bolsonaro no Jornal Nacional. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/reportagem-do-globo-de-2013-sobre-kit-gay-nao-se-refere-livro-mostrado-por-bolsonaro-no-jornal-nacional-23029039

Ministro do TSE determina retirada de fake news contra candidato Fernando Haddad. Disponível em: http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2018/Outubro/ministro-do-tse-determina-retirada-de-fake-news-contra-candidato-fernando-haddad

 

É verdade que neopentecostais torturam índios por questões religiosas no Mato Grosso do Sul

A matéria publicada pela Revista Fórum no dia 20 de novembro intitulada “Neopentecostais torturam índios por questões religiosas no Mato Grosso do Sul” continua sendo compartilhada nas mídias sociais com um certo sobressalto por parte dos internautas. Bereia checou a notícia e verificou que as informações são verdadeiras

O texto relata o cenário vivido pelos índios/as guarani-kaiowá em suas aldeias durante um ataque religioso por parte de algumas igrejas neopentecostais da região.

Entende-se aqui por neopentecostais as igrejas que “foram geradas no âmbito do pentecostalismo e com uma série de elementos comuns a este. As principais características desta terceira onda são: exacerbação do tema da guerra espiritual, ênfase da pregação da prosperidade material, liberalização de estereótipos, usos e costumes e estruturação empresarial”, explica o professor de Ciências Sociais da Universidade de São Paulo, Ricardo Mariano.

Segundo a matéria, os indígenas convertidos à teologia destas igrejas e empoderados como missionários em uma nova missão, tentaram cristianizar os seus próprios conterrâneos por meio de uma religião que demoniza a própria cultura indígena.

Bereia conversou com o missionário Fábio Ribas, da missão Kaiowá – Dourados/MS, sobre a situação. Ele afirmou que é verdade todo o cenário de manipulação religiosa.

Confira a fala de Fábio Ribas, na íntegra.

“Realmente aconteceu. Aqui na região há muitas igrejas neopentecostais causando muita confusão, até porque, muitas pessoas que entram na área dos Kaiowá não têm preparo transcultural nenhum, não tem conhecimento da cultura da região e chegam com aquela história de poder. Na verdade, o indígena faz a seguinte leitura – na minha cultura tem o pajé que é um homem de poder, então, Jesus Cristo está trazendo um outro pajé, que é o pastor. É a troca de um poder pelo outro. Há muita confusão, muito sincretismo. A denúncia já foi encaminhada para a Funai. Reuniões já estão acontecendo entre os Guarani Kaiowá, e eles têm pedido a retirada dessas igrejas neopentecostais, pois elas chegam, levantam o templo, falam de dízimo sem respeito nenhum pela cultura.”

Fábio Ribas

No Facebook de Jaqueline Gonçalves, que é Guarani Kaiowá e membra do Grupo Assessor da Sociedade Civil Brasil da ONU Mulheres, Bereia encontrou a seguinte declaração:

Bereia vai continuar acompanhando o caso para identificar quais igrejas estão, de fato, envolvidas. Até o momento ainda não há dados sobre quais denominações fizeram parte da tortura religiosa.

Referências de Checagem:

Neopentecostais torturam índios por questões religiosas no Mato Grosso do Sul https://revistaforum.com.br/noticias/neopentecostais-torturam-indios-por-questoes-religiosas-no-mato-grosso-do-sul/

https://web.facebook.com/search/top/?q=A%20intolerância%20religiosa%20passou%20dos%20limites%2C%20homens%20vestidos%20de%20“CRENTES”%20&epa=SEARCH_BOX