Circula em grupos de Whatsapp de igrejas um documento assinado divulgado por uma suposta aliança empresarial das chamadas “Big Techs”, formada por Google, Meta, Twitter, Telegram e Spotify, denominada “Democracy Alliance” (Aliança Democracia, em inglês). Segundo a nota, com data de 2 de maio de 2023, as empresas de mídia teriam decidido suspender suas atividades no Brasil a partir de 4 de junho de 2023, caso a PL 2630/2020 seja aprovada.
O Projeto de Lei 2630/2020
Conhecido de forma simplista como “PL das Fake News”, o Projeto de Lei 2630/2020 diz institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. No texto, o PL cria medidas de enfrentamento a disseminação de conteúdo desinformativo (falso e enganoso), bem como de material que estimule o ódio, o extremismo e a violência (as chamadas fake news) nas mídias digitais, sejam os perfis públicos ou privados, bem como visa à responsabilização das plataformas que não somente publicam mas monetizam (ganham financeiramente) com tais conteúdos.
Os artigos 3° e 4° expõem estes princípios e objetivos:
Art. 3º Esta Lei será pautada pelos seguintes princípios:
I – liberdade de expressão e de imprensa;
II – garantia dos direitos de personalidade, da dignidade, da honra e da privacidade do indivíduo;
III – respeito ao usuário em sua livre formação de preferências políticas e de uma visão de mundo pessoal;
IV – responsabilidade compartilhada pela preservação de uma esfera pública livre, plural, diversa e democrática;
V – garantia da confiabilidade e da integridade dos sistemas informacionais;
VI – promoção do acesso ao conhecimento na condução dos assuntos de interesse público;
VII – acesso amplo e universal aos meios de comunicação e à informação;
VIII – proteção dos consumidores;
IX – transparência nas regras para veiculação de anúncios e conteúdos pagos.
Art. 4º Esta Lei tem como objetivos:
I – o fortalecimento do processo democrático por meio do combate ao comportamento inautêntico e às redes de distribuição artificial de conteúdo e do fomento ao acesso à diversidade de informações na internet no Brasil;
II – a defesa da liberdade de expressão e o impedimento da censura no ambiente online;
III – a busca por maior transparência das práticas de moderação de conteúdos postados por terceiros em redes sociais, com a garantia do contraditório e da ampla defesa;
IV – a adoção de mecanismos e ferramentas de informação sobre conteúdos impulsionados e publicitários disponibilizados para o usuário.
O projeto é de autoria do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), e é uma resposta aos mais de 50 projetos de leis para combate à fake news que circularam no Congresso Nacional até o ano de 2020, ano em que o PL foi apresentado. O projeto foi aprovado no Senado, depois de três anos de debates e encaminhado à Câmara de Deputados, onde está em debate e pode ser acompanhado pelo portal da Câmara legislativa.
Em matéria detalhada, o portal Boatos.org aponta como falsas as informações contidas na nota em circulação e lembra que “ao olhar o texto, já é possível ficar muito desconfiado. A mensagem segue o velho roteiro das fake news na internet. Ela apresenta caráter vago, extremamente alarmista e tem muitos erros de ortografia”.
Quanto à Democracy Alliance, a instituição não tem relações com as empresas de mídia citadas na falsa nota oficial”. Em seu site, a rede Democracy Alliance defende ser uma rede de doadores que se dedica à promoção de uma agenda progressista durante as eleições estadunidenses; O site explica que esta comunidade de doadores, formada por agentes políticos ligados às pautas de gênero, raça e classe, torna possível que estas pessoas “troquem experiências e conhecimentos com outros e alinhem recursos e estratégias com sindicatos, fundações progressistas, bem como indivíduos e famílias comprometidos com a construção de uma democracia mais inclusiva e equitativa”.
Bereia classifica como falsa a informação de que as empresas META, Spotify e Google haviam se unido e redigido um documento/comunicado sobre o fim de suas atividades no Brasil. Algumas empresas citadas manifestaram-se a respeito, negando a autoria da nota, que tampouco se encontra no site da alegada organização responsável , a Democracy Alliance.
Importa considerar que essas empresas de plataformas de mídias digitais são conglomerados que comandam o mercado mundial de consumo de informações virtuais. Uma suposta retirada de um país do tamanho do Brasil – o terceiro país do mundo a consumir redes sociais, e o primeiro da América Latina – dificilmente seria cogitada, pois representaria um prejuízo muito significativo para o altamente lucrativo mercado que estes conglomerados disputam, arena em que há muita concorrência.
Bereia lembra leitores e leitoras que o PL segue em trâmite legal, e o processo pode ser acompanhado pelo portal da Câmara dos Deputados.
O senador Magno Malta (PL-ES) publicou, em seu perfil de mídia social, a informação de que o governo federal estaria encobrindo “rombo” de R$ 7,7 bilhões no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O “rombo” seria fruto de “pedaladas fiscais”, mesmo motivo usado no processo de impeachment de Dilma Rousseff, em 2016. Em publicação o senador aponta que as “pedaladas” só vieram a público graças à imprensa, e levanta o questionamento se o governo Lula estaria fazendo o mesmo movimento.
O que são as “pedaladas fiscais”
“Pedalada fiscal” é como ficou conhecida a manobra contábil feita pelo Poder Executivo visando ao cumprimento de metas fiscais. A ação faz parecer que houve equilíbrio entre gastos e despesas, com o remanejamento de valores entre itens orçamentários. Durante o governo Dilma, o Tribunal de Contas da União entendeu que, voluntariamente, o Tesouro Nacional havia atrasado o repasse de recursos para pagamento de brancos credores, impossibilitando o pagamento de programas como o Minha Casa Minha Vida, Bolsa Família e auxílio-salário via INSS. Ao mesmo tempo, o governo havia omitido essas informações nas estatísticas da dívida pública, adiando para o próximo mês a contabilização da dívida.
De acordo com relatório publicado pelo Senado Federal, “Ao todo, o saldo negativo do governo Dilma com a Caixa alcançou R$ 34,2 bilhões em recursos obrigatórios para pagar programas sociais, como Bolsa Família, seguro-desemprego e abono salarial, entre o início de 2011 e o mês de abril deste ano (2013). Esses atrasos foram cobertos pelo banco, que precisou usar recursos próprios”, afirmou.
Essa ação, comumente praticada por governos nos diferentes níveis da administração pública, foi usada como base para o processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff, em agosto de 2016.
Surpreendentemente, dois dias após a destituição da presidente, o vice-presidente que assumiu o cargo, Michel Temer, e o presidente da câmara Rodrigo Maia (DEM/RJ), sancionaram lei regulamentando as pedaladas fiscais. A Lei nº 13.332, de 1º de setembro de 2016, flexibilizou as regras de abertura de créditos suplementares sem a necessidade de autorização do Congresso ou alterações concedidas de orçamento através de pleito público, o que possibilitou ao governo vigente realizar as “pedaladas”. De acordo com a legislação:
“Fica autorizada a abertura de créditos suplementares, restritos aos valores constantes desta Lei, excluídas as alterações decorrentes de créditos adicionais abertos ou reabertos, deste que as alterações promovidas na programação orçamentária sejam compatíveis com a obtenção da meta de superávit primário estabelecida para o exercício de 2016”, artigo 4º da Lei.
A mudança na lei orçamentária possibilitou ainda que o governo cancelasse recursos de emendas coletivas e direcionasse recursos para outras áreas de seu interesse, sem que para isso fosse feito um pedido à priori ao Congresso Nacional. As pedaladas fiscais de Temer, em dois anos, somaram R$ 30 bilhões de reais. As pedaladas também fizeram parte do governo Bolsonaro, que, em seu primeiro ano de governo, chegaram a R$ 55 bilhões de reais.
De acordo com matéria publicada pelo jornal Folha de São Paulo, “o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) alterou um dado no orçamento de 2023 para reduzir artificialmente a previsão de gastos com o INSS e evitar, de última hora, uma pressão maior sobre as despesas logo no início do novo mandato”. A afirmação se deu após o jornal ter acesso a documentos da Secretaria de Política Econômica, via Lei de Acesso à Informação.
A alteração dos dados orçamentários configuram-se como “pedaladas” uma vez que reajustam, sem ter passado por pleito, verbas destinadas ao pagamento de Previdência feitas junto ao INSS. Essa alteração se deu quando o salário mínimo foi reajustado da previsão inicial de R$ 1.320,00 e foi reduzido para R$ 1.302,00, até o fim do ano. Essa ação permitiu a redução de R$ 7,7 bilhões de reais nas despesas do benefício previdenciário, segundo o jornal, verba que será redistribuída para outras áreas.
Em nota informativa a Diretoria do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), explica os novos cálculos :
Segundo o Ministério da Previdência Social (MPS), a redução do piso salarial reduziu a estimativa de despesas governamentais com a Previdência Social, e, a principal razão para a diminuição dos gastos surgiu da diferença entre o valor do salário mínimo e as despesas da Previdência. O ministério aponta ainda que uma possível nova alteração no valor do salário mínimo só será possível após nova aprovação da Lei Orçamentária, o que não deve acontecer este ano.
ATUALIZAÇÃO ÀS 15:47 DE 02/05/2023: Em medida provisória publicada em edição extra do Diário Oficial da União, no dia 01 de maio de 2023, a remuneração mensal passou de R$ 1.302 para R$ 1.320. Em nota, Agência Brasil, afirma que “Inicialmente, a equipe econômica queria adiar o reajuste para 2024, mas o governo conseguiu encontrar recursos para o novo aumento do mínimo. O dinheiro veio do recadastramento do Bolsa Família, que eliminou 1,2 milhão de beneficiários em situação irregular apenas em abril.”. O aumento fará uso de R$ 6,8 bilhões, verba destinada pela Emenda Constitucional da Transição.
**
Bereia classifica a informação usada pelo senador Magno Malta em publicação nas mídias sociais como enganosa. A alteração orçamentária feita pelo governo federal trata-se não da tentativa de encobrir um “rombo” no INSS, como aponta o senador, mas de uma busca por redução de custos, usando para tanto a verba orçamentária prevista para o pagamento de beneficiários do INSS. Bereia lembra a leitores e leitoras que, desde 2016, com a Lei Nº 13.332, as aberturas de manipulação de contas, historicamente realizadas por governos, nos diferentes níveis da administração pública, outrora conhecidas como “pedaladas fiscais”, passaram a ser manobras legais, e, portanto, não podem ser objeto de acusação manipulação da opinião pública, como busca fazer o senador da Bancada Evangélica no Congresso Nacional.
Gov.br. https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=615&pagina=1&data=01/05/2023&totalArquivos=2 acesso em: 01 mai 2023
Agencia Brasil- https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2023-05/salario-minimo-de-r-1320-entra-em-vigor-nesta-segunda#:~:text=A%20remunera%C3%A7%C3%A3o%20mensal%20passou%20de,Geral%20da%20Uni%C3%A3o%20de%202023. acesso em: 01 mai 2023
Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/noticias/931149-pec-da-transicao-e-promulgada-pelo-congresso/#:~:text=A%20PEC%20foi%20promulgada%20como,e%20dificuldades%20financeiras%20da%20popula%C3%A7%C3%A3o. acesso em: 01 mai 2023
*** Foto de capa: Joel Santana – Joel Fotos / Pixabay
Vídeos em que pessoas vestidas com as indumentárias de orixás do candomblé estariam dançando e cantando em shoppings viralizaram em mídias sociais. Os vídeos em questão não dizem onde ou quando as imagens foram feitas, mas em legendas os usuários levam à compreensão de que o ato se deu após evangélicos começaram a cantar e pregar em centros comerciais. Com estas postagens se afirma que tais manifestações seriam uma resposta e uma tentativa de evangelização por parte dos candomblecistas.
Evento no shopping
Em perfis do Twitter foi informado que o “ato” em questão diz respeito a uma ação de marketing do Shopping Barra, realizada anualmente, com o nome “Lavagem do Barra”. O evento é parte de uma série de intervenções culturais que acontecem no shopping a fim de anunciar a primeira liquidação do ano, entre os meses de janeiro e fevereiro. O Shopping Barra fica em Salvador (Bahia), próximo ao Farol da Barra, ponto turístico da cidade.
A intervenção publicitária faz alusão ao evento popularmente conhecido como a Lavagem do Bonfim, evento inter-religioso que acontece no segundo domingo após o Dia de Reis, em janeiro, e consiste no cortejo entre as Igrejas da Conceição da Praia e do Senhor do Bonfim e a lavagem de suas escadarias.
No entanto, as imagens mostram pessoas vestidas como orixás, e não baianas. Bereia entrou em contato com o Shopping Barra e com o dono do perfil que divulgou as imagens para checar se elas se referem, de fato, ao evento. Porém até o fechamento deste texto não obteve resposta.
Por ter sido movimento aparentemente espontâneo, as ações provocaram a circulação de postagens de exaltação ao ato, como um “avivamento”. Porém, o que aconteceu em várias cidades do país, faz parte do projeto IDE de evangelização, criado pela Igreja Fonte da Vida, que tem por principal objetivo propagar a palavra de Deus para fora da igreja adentrando em lugares de massiva movimentação de pessoas.
Todavia, essa ação não representa necessariamente uma novidade para com as práticas de proselitismo e evangelização da Igreja. É possível encontrar vídeos publicados há pouco mais de sete anos em que essa mesma prática é realizada em praças de alimentação de shoppings. O termo IDE também foi usado nesses vídeos.
Bereia apurou que religiões de matrizes afro-ameríndias e afro-brasileiras não têm a prática de realizarem intervenções urbanas com o objeto de fazer proselitismo, uma vez que o ato de conversão por convencimento não pertence à atividade dessas expressões religiosas. Em sua dissertação de mestrado pela Universidade de Brasília, a pesquisadora e advogada Milene Santos lembra que não apenas religiões de matriz afro não praticam o proselitismo público, como elas são um dos principais alvos das práticas de intolerância e importunação religiosa da parte de cristãos.
***
Bereia classifica como inconclusiva a notícia de que fiéis do candomblé estariam praticando proselitismo e apelo à conversão em shoppings. Embora determinados eventos do calendário cívico secular tenham sido sincretizados e fazerem parte de comemorações de fiéis afrorreligiosos (a exemplo, a Lavagem do Bonfim) não é comum às religiões de matrizes afro-ameríndias realizarem atos de conversão pública. Também não é possível afirmar, até o momento, que as imagens que circularam referem-se a uma ação publicitária de um shopping em Salvador.
Sites de notícias evangélicas circulam a informação de que uma escola do estado de Mato Grosso, inaugurada em 24 de fevereiro, na cidade de Barra do Bugres, seria alvo de investigação do Ministério Público de Mato Grosso (MPMT). A investigação seria motivada por conta do nome da escola, “Escola Estadual Evangélica Assembleia de Deus”.
O colégio em questão surgiu de um projeto social da Igreja Assembleia de Deus, na cidade de Barra do Bugre, a 169 km da capital do Estado, ha mais de 30 anos. Segundo reportagem do G1, ainda durante os anos 1990 a instituição passou a ser de responsabilidade interina do Estado de Mato Grosso, e, depois, assumiu de vez a gestão da unidade.
A escola passou por uma série de ampliações e reformas, por cerca de dez anos, com um custo estimado em 5,4 milhões de reais. O novo prédio foi entregue à comunidade local em 24 de fevereiro deste ano.
De acordo com jornal Diário da Serra, houve um aumento na capacidade de atendimento da escola para cerca de 1,3 mil alunos de ensino médio e profissionalizante, oferecidos pela Secretaria Estadual de Educação (Seduc), em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai).
A cerimônia de inauguração contou com a participação do secretário de Educação do Estado, Alan Porto, e da prefeita de Barra do Bugres, Zenilda Pereira. As presenças de agentes religiosos na cerimônia de inauguração do novo prédio não foram registradas.
Investigação
Com o anúncio da inauguração pelas mídias sociais do Estado de Mato Grosso, emergiram muitas críticas do público sobre o uso do nome de uma igreja específica em uma unidade escolar pública. Foram registrados comentários nas postagens oficiais como: “um completo absurdo o nome dessa escola! Falta de respeito com os preceitos laicos do país”e “Que o MP faça a devida investigação”.
Em resposta às críticas, o governo do estado informou nas próprias mídias, que o nome é uma referência à história da unidade na comunidade. “Criada há 36 anos, o nome foi idealizado pelo pastor Walter dos Santos, que sempre teve uma visão inovadora da educação como objeto de desenvolvimento humano. Já sobre o funcionamento da unidade, a escola é mantida com recursos dos governos estadual e federal e administrada pelo Conselho Deliberativo da Comunidade Escolar”,diz a resposta oficial.
Diante das críticas ostensivas, o Ministério Público de Mato Grosso (MPMT), abriu um procedimento de apuração sobre possíveis irregularidades na escolha do nome da escola. O motivo da investigação é constatar se houve violação constitucional do Estado Laico, uma vez que, de acordo com a Constituição Federal, de 1988, tem vários dispositivos que caracterizam a laicidade do Estado brasileiro: art. 5º, incisos VI, VII e VIII; art. 19 inciso I; art. 143 §1º; art. 150, inciso VI, alínea b; art. 210 § 1º; e art. 226 § 2º. Nestes artigos se garante que, independentemente da predominância de alguma religião, o Brasil é constitucionalmente um Estado laico, ou seja, deve adotar uma posição neutra no campo religioso, buscar a imparcialidade nesses assuntos e não apoiar ou discriminar qualquer religião. A liberdade religiosa na vida privada deve ser completamente preservada, desde que devidamente separada do Estado.
Especialistas divergem sobre o tema. O advogado mestre em Direito Constitucional André Trapani avalia que, em seu entendimento, a nomeação fere a Constituição Federal. “[Ela] estabelece que o estado é laico, ou seja, não pode ter preferência a igrejas ou religiões. O nome da escola, que é pública, deve respeitar a laicidade do Estado e pode ser sensível a pessoas de outras religiões que queiram matricular seus filhos lá. Então, sim, há uma inconstitucionalidade no nome”, afirmou.
Bereia afirma serem verdadeiras as postagens que noticiam a ação do Ministério Público do Estado de Mato Grosso para apurar se há violação do princípio constitucional do Estado laico, com a atribuição do nome da escola pública de Barra de Bagres (MT), “Escola Estadual Evangélica Assembleia de Deus”.
Bereia informa aos leitores e leitoras que este é um procedimento comum a outros estados e municípios, uma vez que o MP deve atuar para a garantia do cumprimento de princípios constitucionais e das leis do país. Bereia alerta para o fato de as postagens sobre este caso servirem para alimentar a desinformação que vem sendo alvo de uma série de checagens do Bereia desde 2020: a suposta perseguição sistemática a cristãos no Brasil, com o nome de “cristofobia”.
*Matéria atualizada no dia 13/12/2022 para correção de informações. Na primeira versão do texto, que repercute matéria de Aos Fatos, constava que os conteúdos relativos a contatos com alienígenas havia sido também compartilhados por perfis religiosos, o que não ocorreu.
Circula em mídias sociais religiosas conteúdo falso alegando a morte do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Os conteúdos produzidos vão da morte do futuro presidente, até trocas de corpos, e pedidos de intervenção alienígena.
A desinformação a respeito da morte de Lula tem ganhado popularidade após a vitória do líder do Partido dos Trabalhadores (PT). Em pouco mais de 30 dias a falsa morte de Lula tornou-se um dos principais assuntos pesquisados na ferramenta de busca Google, atingindo o top cinco nacional. Com esta “notícia” vieram também dúvidas sobre seu estado de saúde e teorias da conspiração envolvendo um sósia dele.
As falsidades sobre a morte de Lula dividiram opiniões entre influenciadores evangélicos. De um lado ficaram os produtores de conteúdo que defendiam que, de fato, o presidente havia morrido – como é o caso dos que compartilharam publicações do advogado Marcelo Suave. Em live, Suave afirmou que lula havia morrido graças a complicações do câncer na laringe.
Já outros influenciadores e canais conservadores que afirmaram que essa era uma estratégia de marketing envolvendo Lula, o PT e comunistas, para confundir a população e desorganizar o movimento bolsonarista denominado “patriótico”. Vídeos do canal Mundo Polarizado News e do jornal Gazeta do Povo reforçam esta noção.
Após aparições do presidente eleito em matérias jornalísticas, entrevistas, e eventos públicos (dentre eles COP27 – Conferência do Clima das Nações Unidas -, no Egito), passou-se a divulgar que um sósia havia assumido o lugar de Lula e imagens foram manipuladas para encobrir algumas falhas na prótese usada pelo sósia.
Entre influenciadores que ganharam mais seguidores com o tema, está o pastor da Igreja Porto de Cristo (em São João Batista/SC) Sandro Rocha, que incluiu o caso em suas lives no YouTube, com trechos em vídeos curtos nas redes do TikTok, Kwai e Helo. Em 15 de novembro, o pastor apoiador da campanha de Jair Bolsonaro à reeleição, exibiu fotos antigas de Lula para comparar e insinuar que não se trata da mesma pessoa. “Você pensa o que você quiser, eu só vou te mostrar as fotos”, diz ele na live que, segundo Aos Fatos, chegou a 344 mil visualizações no YouTube e mais de dois milhões em trecho no TikTok. .⁸
Ao publicarem capturas de tela, vídeos de análise de imagens e especialistas em edição e manipulação de fotografia, os influenciadores passaram a, não apenas a produzir conteúdo sobre a falsa morte de Lula, como também alegar que seu corpo estaria escondido e ele foi substituído por um sósia que usava uma máscara de silicone com o rosto do presidente morto. Uma das “provas” era que a pessoa que aparecia nas imagens possuía dez dedos (já que é de conhecimento notório que Lula tem nove dedos, uma vez que ele perdeu um em um acidente de trabalho décadas atrás).
Bereia lembra que a produção de conteúdo falso sobre Lula e apoiadores é campo fértil e em constante transformação, não se restringindo apenas ao período de disputa eleitoral. A desinformação produzida por perfis alinhados a uma campanha bolsonarista têm sido verificadas pelo Bereia, e suas abordagens se estendem desde embates religiosos e suposta ameaça comunista, até acusações de satanismo, entre outras variações alinhadas a disputas que envolvem grupos extremistas da direita política. Os que mais fazem uso destes recursos para convencer e captar apoiadores.
“‘Pastor do Lula’ quer criar escolas progressista de pastores” é o título da matéria publicada, em 12 de novembro, pelo site evangélico Gospel Prime. A matéria se baseia em uma das gravações publicadas no Twitter pelo pastor das Assembleias de Deus Paulo Marcelo Schallemberger, integrante do Núcleo de Evangélicos do Partido dos Trabalhadores (NEPT). As publicações do pastor relatam sua participação em uma reunião realizada, em 11 de novembro, pelo NEPT com lideranças evangélicas, na Sede do Diretório Nacional do PT, em São Paulo.
A matéria do Gospel Prime baseou-se em um dos três vídeos publicados no Twitter pelo pastor, no qual ele tem uma fala na reunião. O site evangélico afirma que Paulo Marcelo “aparece no Diretório Nacional do PT ensinando como ocupar as igrejas” e incluiu o vídeo, com 53 segundos de duração, publicado também no perfil do Twitter do veículo com a chamada “’Pastor do Lula’ ensina como ocupar igrejas e enganar pastores”.
O conteúdo publicado pelo Gospel Prime não contextualiza a fala do pastor, tão pouco a reunião da qual ele participou, e oferece aos leitores e leitoras uma avaliação: “Diante da forte rejeição do eleitor evangélico, o Partido dos Trabalhadores (PT) vem buscando formas de se infiltrar nas igrejas, incluindo a proposta de criar escolas progressistas de pastores, mas se identificar para atrair os líderes evangélicos”.
As publicações do pastor Paulo Marcelo Schallemberger
Paulo Marcelo Schallemberger tem sido alvo de abordagens negativas de lideranças e mídias evangélicas, desde que se apresentou em público, no início de 2022, como construtor de pontes entre o PT e os evangélicos. Ele ganhou o noticiário político nacional, como um líder das Assembleias de Deus participante da campanha eleitoral do ex-presidente Lula e foi o jornal Folha de S. Paulo que lhe atribuiu o apelido “Pastor do PT”, repetido agora pelo Gospel Prime.
Em abril, Bereia checou informações que circulavam em mídias sociais religiosas sobre o pastor, por indicação de leitores e leitoras, que incluíam várias acusações, verificadas como improcedentes. Nas eleições de outubro passado, Pastor Paulo Marcelo se candidatou a deputado federal (Solidariedade/SP), mas não conseguiu ser eleito, e consta no Tribunal Superior Eleitoral como suplente.
As publicações de Paulo Marcelo em seu perfil no Twitter, nas quais aborda a reunião do Diretório Nacional do PT, em 11 de novembro, são três, todas com pequenos vídeos de poucos segundos. Em dois deles, o pastor está falando aos presentes – um foi selecionado para a matéria do Gospel Prime (o terceiro na ordem de postagens):
No primeiro vídeo, Paulo Marcelo oferece sugestões de como o PT deve se comunicar com as igrejas evangélicas e mostrar que elas têm um lugar no programa de governo. Ele explica que a comunicação é fundamental para superar a estratégia de grupos de direita que demonizam as esquerdas e colocam as igrejas como “reféns de maus líderes”. Segundo o pastor, “na verdade não são homens que verdadeiramente seguem a Deus porque se seguissem a Deus não teriam coragem de mentir, sabendo que estão falando uma coisa que é inverdade”. Paulo Marcelo reforça: “Nós [líderes] temos a responsabilidade de mudar isto”.
No segundo vídeo, utilizado para o conteúdo do Gospel Prime, o pastor refere-se ao valor das políticas públicas para que as lideranças ligadas ao novo governo não sejam mais “reféns de Malafaia e de Macedo”. Segundo ele, com políticas públicas atingindo positivamente pessoas que são fiéis de igrejas evangélicas haverá abertura para que as igrejas conheçam “uma palavra de libertação da mentira do fascismo”. Paulo Marcelo segue com a explicação de como fazer:
“Criando escolas progressistas de pastores em todo o Brasil. Não tem as escolas que eles fazem? Levam os pastores lá? São Paulo, Campinas, Curitiba, enfim, Rio de Janeiro, começa com os núcleos nas cidades, a partir das cidades ir às regiões, vai para os estados. Primeiro na escola de Teologia tal tal tal (sic.). Evitar o nome ‘progressista’. Traz primeiro os pastores para depois você falar que precisar se falar pois qualquer frase assusta.. [corte]”.
A reunião com evangélicos progressistas
Bereia não conseguiu contato com os organizadores da reunião promovida pelo Núcleo de Evangélicos do PT em São Paulo, em 11 de novembro. Para esta matéria, a equipe levantou com as coberturas da rede de TV CNN e do portal de notícias paulista Poá com acento, que o evento reuniu evangélicos progressistas, ligados a partidos de esquerda, para discutir como contribuir com o processo de transição em curso e com o futuro governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, com foco na questão social. Foram convidados para a reunião pastores, pastoras e deputados federais eleitos que são membros de alguma igreja evangélica.
Em entrevista, um dos participantes do evento, o pastor coordenador da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, Ariovaldo Ramos, explicou que o evento também teve caráter celebrativo da vitória nas urnas, e da participação de evangélicos na campanha. Os presentes tiveram tempo para discutir como apoiar o governo Lula e trabalhar com a base evangélica, além de também dialogar sobre como as lideranças progressistas poderão garantir um processo de interlocução com o governo Lula.
Ramos reconhece que houve uma “overdose” de evangélicos no governo Bolsonaro, de uma forma que o pastor considera “errada, pois comprometeu a laicidade do Estado”. Porém, o pastor alerta que não se pode desconsiderar que os evangélicos são uma parcela relevante da população e que há de se dialogar com ela e “trabalhar nas bases e construir uma consciência evangélica”.
A reunião foi pauta do programa Visão CNN, na edição de 11 de novembro. Na abordagem do canal de TV, o jornalista Leandro Resende afirma que, entre os encaminhamentos, estão o chamado a igrejas pequenas e independentes para atuarem com o governo Lula, sobretudo em projetos de assistência social.
***
Bereia classifica as publicações de Gospel Prime como enganosas. O veículo usa um vídeo postado pelo pastor Paulo Marcelo Schallemberger, em matéria sem apuração sobre o evento e o contexto da fala do pastor. A matéria no site e o tuíte do Gospel Prime atuam para alimentar desinformação fartamente utilizada no período eleitoral para impor medo de que um novo governo Lula representaria uma ameaça às igrejas e a cristãos.
Ao afirmar que o “pastor está ensinando petistas se infiltrarem em igrejas e enganarem pastores”, o Gospel Prime manipula a informação compartilhada pelo pastor Paulo Marcelo, retirando-a do contexto original.
A publicação se apresenta como matéria jornalística, porém se configura uma interpretação descontextualizada com a intenção de promover rejeição ao pastor Paulo Marcelo e ao governo do presidente eleito em 30 de outubro entre leitores e leitoras evangélicos.
Bereia afirma o valor de um amplo debate público, com o direito à crítica e à oposição a governos, a políticos e a apoiadores deles, marca do processo democrático. Porém alerta que este debate deve ser conduzido com conteúdo verdadeiro, marcado pela dignidade, garantindo a leitores e leitoras o direito à informação.
Levantamento do Bereia a partir de suas checagens no período eleitoral iniciado em 2021 até o primeiro turno realizado em 2 de outubro passado, mostra que cinco temas estiveram entre as postagens com mais conteúdo falso e enganoso circulante em espaços digitais religiosos. Os temas apresentados em matérias-coletânea pelo Bereia são: perseguição a cristãos, covid-19, “ideologia de gênero”/moralidade sexual, supostos feitos do presidente Jair Bolsonaro, tópicos específicos referentes às eleições (Tribunal Superior Eleitoral, urnas, pesquisas).
Na pesquisa sobre o que foi checado no período eleitoral, Bereia identificou que o velho temor do comunismo e do marxismo permeia todos os cinco principais temas citados acima. É utilizado como base para a ideia de perseguição a cristãos, como explicação para a China ter supostamente criado o coronavírus em laboratório para a China ter supostamente criado o coronavírus em laboratório. O seu enfrentamento é colocado como motivação para as ações do governo Bolsonaro e como justificativa para a suposta tentativa de alteração de resultados nas urnas eletrônicas. Comunismo e a noção inventada de “marxismo cultural” são apresentados como fundamento para a constituição da “ideologia de gênero” e da doutrinação de crianças e jovens por professores em escolas.
Jornalistas e especialistas mostram que esta justificativa usada até hoje esconde documentos do próprio Exército que mostram que a “ameaça comunista” no país não era real.
Pesquisa do UOL Confere diz:
“[Nos anos 1960] O mundo vivia em meio ao contexto da Guerra Fria, cenário de polarização internacional que teve, entre outros elementos, embates sobre capitalismo, socialismo e comunismo. A agenda reformista do então presidente João Goulart levou alas conservadoras a temerem uma proximidade com regimes comunistas implementados em outros países, como Cuba. Mas um informe do SNI (Serviço Nacional de Informações) já citava o desgaste do comunismo na Europa Ocidental. Os militares também analisaram que não havia clima para a instalação do comunismo por conta das contradições “por demais violentas” do Brasil e que o povo não aceitaria “pacificamente as influências externas”.
Historiador e professor da UFRJ, Carlos Fico disse à BBC, em 2019, que tentativas de implantar o comunismo no Brasil partiram de movimento tímidos e sem apoio da maioria da população. Ele também avaliou que mesmo as ações armadas de movimentos de esquerda não foram suficientes para ameaçar os militares.
Em 2018, o “ressurgimento” do tema emergiu como pauta de campanhado então candidato à presidência Jair Messias Bolsonaro. Associado frequentemente a adjetivos pejorativos, ser “comunista”, tornou-se um sinônimo do posicionamento políticode esquerda, da corrupção e de degradação moral.O comunismo tornou-se um assunto frequente em produções midiaticas, sobretudo fake news, que circulam em mídias sociais a partir daquele ano.
Quando associado à religião, nota-se que a “ameaça comunista” assume uma interpretação para além da economia e da política, ese torna um ponto de enfrentamento moral/espiritual. A partir detemas como direitos sexuais e reprodutivos, perseguição religiosa, supostos malfeitos presidenciais e outros temas, o combate à “ameaça comunista” é um mote frequentemente mencionado. Esta lógica acompanha a compreensão imaginária mais generalizada construída pela extrema-direita que associa “ser comunista” a qualquer defensor/a da justiça e dos direito.
Na maioria, as fake news produzidas pela junção dos temas comunismo +religião abordam o comunismo como uma ameaça à família, à Igreja, à economia e ao bem-estar individual. Criou-se, com isso, uma oposição do comunismo às religiões cristãs, instrumentalizado pela direita e pela extrema-direita no imaginário popular, especialmente em períodos eleitorais.
As checagens do Bereia realizadas a partir de desinformação sobre este tema em ambientes digitais religiosos centram-se em dois polos: o patriotismo nacional – sob a imagem de Bolsonaro (um defensor dos valores morais da família cristã); a ameaça comunista – sob a imagem do Partido dos Trabalhadores (PT) e Lula, muito especialmente, mas também toda a esquerda política. Termos como “máfia esquerdista”; “demônios vermelhos”; “esquerdopata”; “petralhas”; “esquerda bandida”, são usados ainda hoje como parte do vocabulário para se referir ao comunismo.
Seguem as principais matérias dos últimos quatro anos sobre o tema que ganharam relevância nas mídias:
Levantamento do Bereia a partir de suas checagens no período eleitoral iniciado em 2021 até o primeiro turno realizado em 2 de outubro passado, mostra que “cristofobia”, perseguição a cristãos e ameaças de fechamento de igrejas estiveram entre os temas com mais conteúdo falso e enganoso circulante em espaços digitais religiosos.
A perseguição a cristãos, casada com o tema da “cristofobia” e do “fechamento de igrejas” tem sido o tema mais abordado no período eleitoral, presente em 26 das matérias de checagem publicadas pelo Bereia entre fevereiro de 2021 e outubro de 2022. É registrada maior incidência deste tema a partir de agosto de 2021, quando pesquisas eleitorais passaram a mostrar a força da campanha do Partido dos Trabalhadores (PT) e maior rejeição a Jair Bolsonaro. Cresceu, então, o número de publicações verificadas pelo Bereia que enfatizam a ameaça de fechamento de igrejas com a possível vitória das esquerdas, mais supostas tentativas de silenciamento de lideranças religiosas e de diretores de escola e professores cristãos opostos a pautas referentes à diversidade sexual e à pluralidade religiosa.
A perseguição a cristãos no Brasil, sob o rótulo de “cristofobia”, tem apelo porque é um discurso que responde à ideia do cristão perseguido como prova de fidelidade ao Evangelho. Porém, o termo “cristofobia” não se aplica, por conta da predominância cristã no país, onde há plena liberdade de prática da fé para este grupo, conforme explica, em artigo para o Bereia, a pesquisadora das religiões Brenda Carranza. Manipula-se, neste caso, a noção de combate a inimigos para alimentar disputas no cenário religioso e político.
Isto se configura uma estratégia de políticos e religiosos extremistas que pedem mais liberdade e usam desta expressão para garantirem voz contra os direitos daqueles que consideram “inimigos da fé”, em especial sexuais e reprodutivos e os de comunidades quilombolas e indígenas. Histórias relacionadas a situações ocorridas no exterior são amplamente utilizadas para reforçar a ameaça de que o que se passa fora pode ocorrer no Brasil.
Bereia selecionou reportagens e checagem do último triênio sobre o tema perseguição religiosa que ganharam relevância nas mídias:
Desinformação sobre suposta perseguição a cristãos no Brasil
No contexto da cobertura noticiosa dos casos de reação negativa de membros de igrejas evangélicas a discursos de campanha pró-reeleição do presidente Jair Bolsonaro, o jornal O Globo produziu, em 6 de setembro passado, a matéria “Campanha eleitoral em cultos evangélicos provoca reação de fiéis e até troca de igreja”. O texto também enfatiza que algumas lideranças têm sido punidas internamente após as reações negativas a estas práticas.
Entre os casos mencionados na matéria está o do tiro disparado em uma igreja por um PM depois de um membro reagir a um pregação política contra esquerdas. É também apresentada a situação do pastor da Igreja Batista de Água Branca Ed René Kivitz. O jornal afirma que ele teria sido punido pela Ordem dos Pastores Batistas de São Paulo depois de fazer pregação política. O jornal desinformou ao inserir este caso na matéria pois ele não corresponde à ênfase dada.
Liderança evangélica com forte presença nas mídias, Ed René Kivitz há tempos é alvo de críticas de um público conservador das igrejas, tendo sofrido linchamentos virtuais e “cancelamentos”. Conhecido por sua crítica ao posicionamento político alinhado à extrema direita, de algumas igrejas e religiosos, Kivitz manifesta-se contrário a uma série de pautas defendidas por apoiadores do governo Bolsonaro, entre eles o porte de armas e o apoio institucional de igrejas ao governo. Ele sofreu graves críticas por um sermão pregado em sua igreja, em culto online do dia 25 de outubro de 2020, intitulado “Cartas vivas contra letras mortas”, pelo qual desafia os fiéis a uma leitura da Bíblia mais contextualizada e relacionada à vida. No apedrejamento virtual que sofreu, o pastor foi acusado de herege por querer “atualizar a Bíblia”.
A abordagem de O Globo menciona brevemente que Kivitz foi excluído da Ordem dos Pastores Batistas de São Paulo por ser crítico ao candidato Bolsonaro. Sem aprofundar o tema, a matéria coloca o pastor entre outros que estão relacionados a punições por realização de discurso político em cultos.
O pastor Kivitz comentou uma postagem de divulgação na matéria no Twitter e afirma que não foi expulso da Ordem dos Pastores Batistas de São Paulo:
Em vídeo publicado em suas mídias sociais em 2021, o pastor reconhecia o seu desligamento da Ordem Batista por conta da pregação online, de 2020, que gerou a acusação de heresia. Ele afirma: “foram oito minutos, em um sermão de 50 minutos, numa série de treze sermões, numa história de mais de 30 anos; e foram exatamente esses oito minutos que deram origem a um processo disciplinar que culminou, nessa última semana, com o meu desligamento da Ordem dos Pastores Batistas do Brasil”.
Durante o vídeo em questão não há menção à perseguição religiosa por motivações políticas. Bereia tentou conversar com o Pastor, mas não obteve resposta.
***
Bereia classifica a informação levantada pelo Jornal O Globo como imprecisa. O Pastor Kivitz não foi ouvido pelo jornal para a construção da matéria, houve falha de apuração do caso que levou à redação de conteúdo superficial e inverídico, levando o público a uma compreensão distorcida dos acontecimentos que foram indevidamente utilizados no texto.
Circula em portais de notícias religiosas um vídeo com uma fala descontextualizada da advogada Laura Astrolabio, sobre um suposto projeto político da “esquerda comunista” que visa infiltrar-se em igrejas evangélicas, para a cooptação de crianças em prol das políticas comunistas.
Em evento da Revista Fórum, intitulado “Mulheres no poder em um momento bolsonarista!, transmitido ao vivo no domingo, 11 de setembro de 2022, a advogada e estudante de Mestrado em Direitos Humanos (UFRJ) Laura Astrolabio dialogou com a candidata a deputada estadual, Benny Briolly (PSOL, RJ), que se destaca como primeira vereadora transsexual do Rio de Janeiro, e a ativista política e candidata a deputada estadual Chirley Pankará (PSOL, RJ), que é liderança indígena do povo Pankará, sob a mediação do jornalista Anderson Morais.
O grupo de debatedoras abordou temas ligados às pautas feministas, etnicidades, patrimônio sociocultural, intolerância religiosa, gênero e sexualidade. Tais temas tiveram como fio condutor o combate às pautas políticas conservadoras da extrema-direita. O trecho do debate que vem ganhando repercussão nos meios de comunicação religiosos, por meio de vídeo, é um fragmento da fala de Astrolábio, em que ela afirma.
“[…] Acho que a gente precisa conversar coletivamente, No mestrado eu cheguei a falar uma vez que a gente tinha que se infiltrar nas igrejas. Outro dia eu encontrei uma amiga minha da época em que eu era da igreja, porque eu fui cristã durante 30 anos, eu já fui até para Jerusalém, no dia em que contar o que foi essa viagem, eu acabo com o Cristianismo no Brasil”, disse, e continuou, “eu falei ‘amiga, vamos voltar pra igreja’, porque hoje eu sou candomblecista, não tenho um terreiro que eu vá frequentar, porque eu não sou religiosa, mas eu amo os orixás, agora, que nós temos que voltar para a igreja, ou ir para ela, a gente tem. Ela [e a amiga] disse que eles (fiéis) não iriam permitir, e eu disse ‘quem disse que a gente vai falar pra eles? a gente vai para a escolinha dominical’. O que mais a igreja quer é pegar uma irmãzinha pra tomar conta das crianças. Enquanto eles estão no culto, tem uma sala de aula cheia de crianças. Aí você pega a Bíblia e começa a falar que Jesus amava os pobres e que os ricos não entrarão no Reino dos céus…”, explicou a advogada.
A fala em questão ocorre após a participante ser questionada sobre a existência dos “pobres de direita”. Na resposta que abordou a integração entre política e religião, a advogada deu um exemplo para ilustrar como esquerdas podem enfrentar o conservadorismo da extrema-direita: “infelizmente essa pessoas [os pobres de direita] não têm acesso a esses debates, a essas discussões, os debates feitos dentro dos partidos políticos não chega a essas pessoas […], então eu acho que temos que pensar em estratégias para fazer esse debate chegar lá, a eles”, disse.
O trecho selecionado do discurso de Laura Astrolábio, usado para denunciar planos da “esquerda comunista para ocupar as igrejas”, segundo várias postagens em mídias sociais, refere-se a possíveis estratégias de enfrentamento da extrema-direita. Na concepção da advogada, as pessoas devem se “armar” (simbolicamente) de seus direitos constitucionais e lutar por suas demandas, “o Estado é laico e a gente tem que cobrar”. Para ela, a extrema-direita deve ser combatida por meio de ferramentas de reeducação cívica e militância organizadas.
Ouvida para avaliar o caso, a pesquisadora em Comunicação e Religiões e editora-geral do Bereia Magali Cunha pondera:
“Ao falar para um público de esquerda (seguidores da revista Fórum), a advogada Laura Astrolabio opta por usar as igrejas evangélicas em exemplo, por meio de um discurso crítico, com expressões exageradas como ‘eu fui cristã durante 30 anos, eu já fui até para Jerusalém, no dia em que contar o que foi essa viagem, eu acabo com o cristianismo no Brasil’, e de oposição, como ‘hoje eu sou candomblecista, não tenho um terreiro que eu vá frequentar, porque eu não sou religiosa, mas eu amo os orixás’. Ela introduz a fala sobre o processo educativo com ‘a gente tinha que se infiltrar nas igrejas’ e segue com o discurso crítico e o exemplo do espaço importante das escolas dominicais com as crianças”.
Magali Cunha considera que “não há qualquer problema em alguém enxergar que as igrejas, por meio das escolas dominicais e do trabalho com crianças, sejam vistas como espaço em que a educação para a realidade da desigualdade social (pobres x ricos) deveria ser praticada. Porém, o que vemos neste caso é que o uso do exagero, “eu acabo com o Cristianismo”, junto com “a gente tinha que se infiltrar”, mais o termo “criancinhas” como alvo de uma possível ação educativa para a crítica, formam um conjunto de expressões inadequadas em um discurso público pela internet, que certamente geram desconforto justificável em pessoas das igrejas evangélicas, e são um ‘prato cheio’ para produtores de desinformação e de pânico moral contra candidaturas de esquerda nestas eleições, tendo como alvo os o segmento evangélico”.
A professora acrescenta que “na era digital, produtores de conteúdo e participantes de espaços de debate precisam usar de sabedoria com o que expressam publicamente. A máxima hoje é ‘tudo o que você disser pode ser usado contra você e contra seus pares’, afinal, tudo pode ser manipulado e sempre há quem acredite no que se produz deliberadamente para enganar”.
****
Bereia classifica o conteúdo disseminado em vídeo em espaços digitais religiosos, com trecho da fala da advogada Laura Astrolábio, em evento da revista Fórum, como enganoso.
O discurso em questão, que contém termos críticos e exagerados sobre as igrejas, foi recortado, descontextualizado e relativizado para tornar possível a defesa de uma proposta de intervenção política organizada por uma suposta “esquerda comunista”. A fala completa da advogada diz respeito a políticas de militância e enfrentamento ao racismo e misoginia, atuação política baseada em um regime de Estado laico e democrático.
Circulam pelas mídias sociais e meios religiosos a informação de que a celebração de missas e cultos evangélicos foi vedada na Argentina. Segundo as postagens, a proibição teria partido da esquerda política no país.
Bereia recebeu pedidos de leitores para checar a veracidade da afirmação. Para isso, além de pesquisar em fontes jornalísticas da Argentina, foi contatado o pastor da Igreja Metodista Evangélica Argentina há quase 30 anos Leonardo Félix, que reside no país, e é também Diretor Executivo da Agência de Comunicações da América Latina e do Caribe (ALC notícias), e atual presidente da Associação Mundial para a Comunicação Cristã, região América Latina (WACC-Al).
Cultos evangélicos continuam ocorrendo normalmente na Argentina
Segundo Félix, não há e nunca houve qualquer restrição do tipo à população cristã na Argentina. Ele ainda complementa que, no país, a esquerda dificilmente poderia promover proibições no espaço público, pois não tem uma representação mínima na Câmara dos Deputados ou Senadores, e acrescenta: “aqui, a esquerda sequer possui este poder, já que em nenhum lugar, em nenhum estado, que aqui se chamam Províncias, há governos de esquerda”. O país é uma República regida pelos três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário.
Atualmente, o vizinho latino-americano é governado por Alberto Fernández e a vice Cristina Kirchner, ambos parte de uma coalizão governante – a Frente de Todos – que é uma conjunção de diversas dissidências do movimento peronista no país. Em linhas gerais, o Peronismo é um regime político de esquerda, construído pelo ex-presidente Juan Domingo Perón . Dentre os seus princípios fundamentais estão a soberania política, a independência econômica e a justiça social.
O pastor Felix ainda informou ao Bereia que conversou com contatos de partidos de esquerda, que não confirmaram qualquer movimento de desautorização dos cultos evangélicos. Tal conteúdo tampouco circula no país, onde o número de pessoas que se identificaram como cristãos evangélicos aumentou de 9% em 2008 para 15,3% em 2019, de acordo com a Segunda Pesquisa Nacional sobre Crenças e Atitudes Religiosas, apesar de o Catolicismo ser adotado como religião oficial. A Argentina é um Estado Confessional, no qual a liberdade de culto está garantida constitucionalmente.
***
Bereia classifica a informação como falsa. Durante o processo de produção desta checagem, além do líder religioso, foram consultados sites de notícias especializados em temas religiosos, assim como canais de mídias sociais, sem que fosse encontrado qualquer indício de intervenção do Estado ou partidos políticos nas instituições evangélicas argentinas. Bereia alerta para este tipo de conteúdo que faz uso político da religião com base em mentira para promover pânico moral entre fiéis contra determinados segmentos sociais. Também recomenda que, antes de compartilhar qualquer informação em mídias sociais, os leitores e leitoras façam uma pesquisa sobre o tema, a fim de verificar a procedência das afirmações.
Circularam em mídias sociais fotos e vídeos de arma gigante, atribuídas à Marcha para Jesus, no Espírito Santo. Bereia recebeu o pedido de leitores para verificação da veracidade de tais imagens que provocaram muita controvérsia.
O evento
Em visita a Vitória (ES) no dia 23 de julho, o presidente Jair Bolsonaro (PL) participou da Marcha para Jesus, organizada pelo Fórum Evangélico Nacional de Ação Social e Política. O evento envolveu também um café da manhã e um culto para lideranças políticas e foi encerrado com uma motociata saindo de Vitória em direção a Vila Velha, no Espírito Santo.
Durante a Marcha, foi proibido pela organização que políticos discursassem para o público, no entanto, Bolsonaro foi exceção. Uma escultura em formato de arma , confeccionada por um apoiador do governo, foi levada para o evento, no qual também ocorreu a soltura de 90 pombos pintados de verde e amarelo.
***
Bereia classifica que as imagens que mostram a réplica de uma arma gigante na Marcha para Jesus como verdadeiras. O evento contou com ampla cobertura da mídia e também dos apoiadores do governo, que divulgaram os acontecimentos por meio de vídeos e fotos em suas contas de mídias sociais. A equipe Bereia lembra aos leitores e leitoras que ações como essas serão comuns nos próximos meses e cumprem uma função de agenda política para os candidatos que pleiteiam cargos eleitorais. Como a campanha de Jair Bolsonaro defende o armamentismo desde 2018, é coerente que seus apoiadores, mesmo em ambientes religiosos, recorram a símbolos relacionados a armas.
Circula nas mídias sociais publicação em que o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e o presidente Jair Bolsonaro (PL) defendem que durante o governo atual houve um exponencial aumento no número de entrega de posse de terras públicas a famílias de agricultores. Ainda em publicação em suas mídias sociais, os políticos afirmam que durante todos os governos Lula e Dilma foram entregues anualmente 19 mil títulos de posse de terras, e que o governo Bolsonaro teria entregue 104 mil títulos anualmente até o momento.
O que é o direito à posse de terra
O direito à posse de terras pertencentes ao poder público é praticado no Brasil desde as repartições das Sesmarias, ainda em regime colonial, e segue sendo uma prática realizada ainda hoje. Passando pela Lei n.º 601, de 18 de setembro de 1850 (Lei de Terras), até o Decreto-lei n.º 9.760, de 1946, hoje vigora a Lei n.º 6.383 de 1976, em que se defende a posse de terras públicas por pessoas físicas como um direito constituinte. Juntas, a Lei nº 6.383 e Portaria n.º 812, de 26 de agosto de 1991, criada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), tornam possível o uso de terras estatais. A portaria estabelece como elegíveis à posse terras pertencentes ao Estado, que não tenham um uso público, não estejam sob posse particular, não seja fronteiriça (municipal, estadual ou federal), ou ainda que não sejam rotas para a defesa e segurança nacional. Fica ainda estabelecido que apenas pessoas físicas possam ocupar terras públicas, sob a promessa de fazerem elas produtivas economicamente.
Dos critérios para obtenção das licenças de ocupação de terras públicas estão: a) serem as terras devolutas; b) área de até cem hectares; c) comprovação de morada permanente e cultura efetiva, pelo lapso temporal não inferior a um ano; d) não ser proprietário de imóvel rural; e) exploração de atividade agrária com seu trabalho e o de sua família direta e pessoalmente.
Todavia, a licença à posse de terras não garante que o possuidor seja dono delas. Mesmo estando sob sua posse legal, as terras ainda são pertencentes ao Estado, e legalmente a posse não garante a propriedade. O possuidor deve, como parte do acordo firmado entre as partes, tornar a terra útil para o uso agrário, sendo o detentor dos insumos por ele produzidos, garantindo o direto da atividade agrária a ser exercida. Não é permitida a venda, repasse ou realocação de terras, tão pouco o uso para fins comerciais que se não o uso agrícola.
Ações como a entrega de títulos de posse de terras e assentamentos são parte de projetos desenvolvidos junto aos Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), em parceria com Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), e englobam pautas ligadas à reforma agrária, prevista na Constituição Federal. O INCRA é, também, o órgão público responsável pela desapropriação e reapropriação de propriedades rurais sem uso, propriedades essas que mais tarde poderão ser destinadas à reforma agrária, movimentos sociais, e ONGs.
Um levantamento do Movimento Sem Terra (MST) defende que, os títulos de posse de terras, aos quais o governo Bolsonaro se refere, foram dados às famílias que já viviam em assentamentos legalizados. Com isso, a posse de terras se dá em assentamentos já ocupados, desmobilizando o movimento social.
Em postagem recente, Bolsonaro aponta que os títulos de posse concedidos representam maior poder econômico para os pequenos produtores rurais. Amparados pelo Decreto 9.424/2018, os produtores rurais podem pedir financiamento junto ao INCRA através do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA) para o financiamento de insumos agrícolas.
Todavia, fundos financiadores e garantidores para os pequenos produtores rurais já existem desde o fim dos anos 1990 (dentre eles o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar -PRONAF; Política de Garantia de Preços Mínimos- PGPM; Programa de Aquisição de Alimentos- PAA), com o objetivo de oferecer carta de crédito ao produtor rural ou garantir seguridade em caso de perda de lavoura, dentre outros aspectos. Os pequenos produtores rurais assentados contam ainda com financiamento oriundos de ONGs e programas governamentais que subsidiaram famílias assentadas.
Distribuição de títulos
Fonte: Twitter @FlavioBolsonaro
As pautas ligadas à reforma agrária e à distribuição de terras são uma constante desde o governo Fernando Henrique Cardoso, resultado das conquistas da Constituição Federal de 1988, pós-ditadura militar. De acordo com levantamento da CONJUR, revista eletrônica especializada em temas jurídicos, o governo Lula, de 2005 a 2009, mais de 40 milhões de hectares de terra sob responsabilidade do Estado foram destinados à reforma agrária. Parte dessas terras foram desapropriadas ou compradas ainda durante o governo Fernando H. Cardoso, e outra parte durante o governo Lula.
“De acordo com dados informados pelo Incra, somadas as duas modalidades (desapropriação e compra), o Brasil já destinou mais de 80 milhões de hectares à reforma agrária. Desse total, apenas 16 milhões de hectares foram acumulados até 1994, antes do primeiro governo FHC. A população de assentados no programa de reforma agrária já beira o milhão.” mostra a CONJUR.
Durante os governos Dilma e Lula foram assentadas 727 mil famílias, e entregues cerca de 216 mil títulos de posse de terras individuais; já no governo Bolsonaro foram assentadas nove mil famílias e concedidos mais de 320 mil títulos de posse nos últimos três anos. Esse número só é possível pois o governo Bolsonaro tem como seu objeto a titulação de terras para famílias já assentadas, diferentemente dos governos Lula e Dilma, que tinham projetos de criação de novos assentamentos.
Chama atenção que durante o governo Bolsonaro, apenas 2,8 mil hectares de terras foram destinados à reforma agrária, com o assentamento de nove mil famílias. Essa terras foram compradas com R$ 2,4 milhões destinados, o que representa 0,25% do valor comparativo aos investimentos realizados há dez anos, quando o governo investiu R$ 930 milhões no setor. Há um acentuado contraste entre o número de títulos individuais concedidos e o número de famílias assentadas em novas propriedades estatais, uma vez que a maioria dos titulares já viviam em assentamentos legalizados, criados nos governos FHC, Lula e Dilma.
Parte do discurso de deslegitimação das ações das ONGs e MST pelo direito à terra, como Bereia já cobriu, vem da ideologia de que somente agora os famílias podem ser possuidoras de suas terras, outrora posse coletiva, o que as livraria daquilo que Flávio Bolsonaro chamou de “escravização”. É dito que a reforma agrária pleiteada por movimentos sociais não objetiva a posse individual de terras, o que é fato e corresponde ao previsto na legislação.
*****
Bereia classifica a postagem do senador Flávio Bolsonaro como enganosa, uma vez que algumas das informações apresentadas por ele e pelo presidente Jair Bolsonaro são verdadeiras, mas desconsideram o quadro político geral, levando o leitor a pensar que mais famílias saíram de uma situação de fome e/ou opressão. Essas informações desconsideram que durante os três primeiros anos de seu mandato Bolsonaro assentou apenas nove mil famílias, em 2,8 mil hectares, número inferior aos dos governos Lula e Dilma, com 727 mil famílias assentadas em pouco mais de 64 milhões de hectares. As postagens deixam ainda de mencionar que os títulos de posse de terra não são gratuitos, e que as famílias contempladas com eles precisam pagar por suas terras. Bereia indica a leitores/as que informações como o número de assentamentos criados, de pessoas assentadas, de processos em tramitação e o dinheiro destinado a eles podem ser consultados no portal do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).
Ganhou destaque em mídias sociais evangélicas notícia que afirma que uma professora da rede municipal de Cariacica, no Espírito Santo, havia sido demitida por combater ideologia de gênero na escola onde atuava. Em matérias, portais de notícias destacam que uma possível causa de demissão foi perseguição religiosa e política, uma vez que foi levantada suspeita de a professora ter denunciado a instituição de ensino ao Ministério Público estadual.
Sobre o caso
A situação controversa teria ocorrido na Escola Municipal de Educação Infantil Álvaro Armeloni, em Cariacica (ES), no fim de junho passado. A professora autodeclarada evangélica Deivilane da Costa Carvalho dava aulas de Língua Portuguesa para o nível básico. Ela afirmou em seu perfil em mídia social que passou a sofrer perseguição dentro da instituição de ensino após a diretoria tomar conhecimento de denúncia apresentada ao Ministério Público Estadual do Espirito Santo, de prática de ensino baseada no que ela classificou como “ideologia de gênero”.
Em publicação no Instagram, Deivilane Carvalho explicou que sua relação com os colegas na escola mudou quando eles souberam da denúncia: “após tomar conhecimento da apuração do MP, a direção da escola vinha me tratando de forma diferente dos demais profissionais”, disse ela. A professora afirmou ainda que apesar de a direção da escola ter apontado como causa de sua demissão insubordinação com colegas de trabalho, a causa real fora perseguição religiosa e ideológica.
Quando participou de live realizada em seu perfil no Instagram com o pré-candidato a Deputado Federal pelo Espírito Santo Dárcio Bracarense (sem partido), a professora afirmou que diante do posicionamento que assumiu, ela sofreu perseguição de colegas de trabalho. Na transmissão, Deisiane Carvalho não assume responsabilidade sobre a denúncia investigada pelo Ministério Público, reiterando que a perseguição se deu por ela ser a única da escola a se posicionar contra a “ideologia de gênero” e se sentir insatisfeita com a qualidade do ensino oferecido pela instituição.
“Eu não vou lembrar na integra, mas ela [a denúncia] afirmava que tinha professores na escola que faziam doutrinação ideologica em sala de aula, e que também traziam consigo em anexo um cartaz de diversos gêneros, por exemplo, gênero neutro, gênero panssexual, gênero transsexual, e que estaria colado no muro de entrada da escola.”, disse Deisiane Carvalho. A professora acrescentou que sempre foi contra o ensino de pautas ligadas a gênero e sexualidade na escola, pois, segundo ela, esse seria um assunto que diz respeito aos pais das crianças.
A equipe do Bereia não conseguiu contato com a Secretaria de Educação Municipal para ter acesso a esclarecimentos sobre o caso.
A mobilização das pautas de costumes nas eleições de 2022
A ênfase deste caso no espaços digitais gospel tem relação com o momento político. Bereia já mencionou em algumas checagens o papel que a população evangélica irá desempenhar nas eleições presidenciais deste ano como alvo eleitoral. Portanto, a instrumentalização das chamadas pautas de costumes – que envolvem não só a chamada “ideologia de gênero”, uma reação direta às questões de aos direitos reprodutivos e da população LGBTQIA+ – são uma constante na busca pelo apoio de evangélicos e da população religiosa e conservadora como um todo, principalmente por parte do atual Presidente da República em campanha por reeleição.
As pautas de costumes são tão importantes para esse cenário que as lideranças da bancada evangélica no Congresso, inclusive, já têm uma lista das que são prioridade para 2023, caso Bolsonaro seja reeleito. Os itens propostos incluem desde a regulamentação do ensino domiciliar até a aplicação do projeto “escola sem partido”, que pretende impedir discussões nas aulas sobre educação sexual.
***
Bereia classifica as notícias sobre a demissão da professora em. Cariacica (ES) como imprecisas, uma vez que não há posicionamento da Secretaria de Educação Municipal ou acesso à denúncia feita ao Ministério Público Estadual, somente o depoimento da professora. Deisiane Carvalho. Ela, por sua vez, não explicita a acusação dirigida à escola, e faz uso de expressões genéricas, como ideologia de gênero, e menções superficiais a “cartazes sobre diversos gêneros” no muro da escola, que pouco ou nada informam concretamente e servem para alimentar o pânico moral relacionado à sexualidade, que vem sendo apelo em tempos de eleições. Bereia lembra leitores/as que a mobilização das “pautas de costumes” tem sido usada como estratégia de campanha eleitoral identificada com o atual governo e para o reforço do discurso de um “inimigo em comum” tão forte nas eleições de 2018 e 2020 Por isso, é preciso verificar a veracidade de certas publicações antes de compartilhá-las..
Voltaram a circular em mídias sociais do meio religioso notícias, vídeos e fotos sobre a morte de Maya Murmu, 68, que foi pisoteada e morta por um elefante no último dia 9 de junho. O caso ocorreu na Índia e, segundo jornais locais, o animal teria ainda invadido o velório da idosa, pisoteando-a pela segunda vez. Logo após a invasão, uma manada de elefantes atacou a vila na qual a vítima morava, destruindo a casa de Murmu e matando sua criação de cabras.
A vingança dos elefantes?
De acordo com o jornal Times of India, tudo se passou na vila de Raipal, localizada no estado indiano de Odisha. Supostamente, o elefante teria fugido do santuário de vida selvagem de Dalma, a 200 quilômetros do ocorrido.
Moradores da vila relataram que o elefante selvagem atacou Maya Murmu enquanto ela pegava água. O animal teria invadido uma área povoada e pisoteado a idosa, que faleceu a caminho do hospital. Depois, ele retornou à comunidade com sua manada e destruiu três casas, dentre elas a residência de Murmu, que também teve o velório interrompido pelo animal. Ele retirou o corpo de Murmu da pira funerária — uma estrutura de madeira onde os mortos são queimados em cerimônias, geralmente hinduístas — e o pisoteou novamente.
O caso não é isolado na região. Odisha é uma área abundante em minerais usados para construção civil e a exploração é feita utilizando força animal, dentre eles, os elefantes. Nos últimos 20 anos, 1.356 elefantes foram explorados e mortos na região, segundo autoridades locais. Para a jornalista e presidente fundadora da Agência de Notícias de Direitos Animais (ANDA) Silvana Andrade, consultada pelo Bereia, é comum na Índia que elefantes sejam explorados como força de trabalho em setores como a construção civil, turismo, indústria e mineração: “eles são submetidos a trabalhos terríveis e pesados, inclusive, como você faz um elefante puxar toneladas? Eles pegam um bebê elefante e o colocam na frente, e a mãe dele vai andando e puxando a carga para tentar alcançar seu bebê, levando com ela cargas pesadíssimas”.
O elefante responsável pelo ataque não foi identificado como pertencente à reserva animal, ou mesmo a qualquer habitante da região. A trajetória percorrida por ele até chegar ao vilarejo é desconhecida e ainda não há investigação sobre quando e como uma manada de elefantes atravessou mais de 200 km sem ser vista.
A jornalista e defensora dos direitos dos animais destaca, ainda, que o vídeo divulgado não mostra nenhum indício de que a destruição das casas, mencionada por diversos portais de notícias, tenha realmente sido causada por uma manada de elefantes. No vídeo, é possível ver apenas um senhor pegando pedaços de escombros, sem nenhuma contextualização ou cena que leve a crer que tal destruição fora provocada por um elefante ou mesmo uma manada.
O apreço ao exótico no jornalismo
As circunstâncias da morte da idosa ganharam destaque e a notícia repercutiu não só na mídia local, como também, e principalmente, no noticiário de diversos países, incluindo o Brasil. Aquilo que nos é estranho, exótico, não só atrai a atenção, como atende a certos critérios criados pelo jornalismo ocidental do que pode ou não ser notícia.
Para compreender se algum acontecimento é noticiável é preciso que o acontecido siga critérios de noticiabilidade. Para a pesquisadora e professora universitária Gislene Silva, os “valores notícia” são criações culturais, que variam de acordo com a cultura local, mas tendem a seguir um modelo universal pré estabelecido como: acontecimentos inusitados, acontecimentos locais, celebridades, mortes, curiosidades, dentre outros. Assim, o acontecimento “estranho”, chama a atenção e se torna notícia, e, ao tornar-se notícia o fator estranho é acentuado, e os demais atenuados.
O acontecimento se torna notícia se ele possuir potencialidade de chamar a atenção e atrair o público. Outra problemática presente em notícias como essa é a exotização de culturas. Para o antropólogo e professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Jocélio Teles dos Santos, é comum que países do sul globals, como Brasil e Índia, sejam abordados não por suas culturas em seus termos, mas por aquilo que se convencionou chamar de “exótico”, por uma visão externa e objetificante de histórias, feitos e acontecimentos que levem a questionar a racionalidade, os valores e as culturas dos povos nativos, tidos como folclóricos e próximo a uma linha de selvageria.
De todo modo, o que convém ressaltar é o privilégio que a cultura assume nessas interpretações e o desenvolvimento de argumentações marcantes que atravessam o século XX. Se as culturas deixaram de ser primitivas, bárbaras, exacerbadamente exóticas, adentramos, passo a passo, em discursos sobre a ótica das culturas. Se no exotismo da cultura do “outro”, as narrativas de filósofos, viajantes, literatos, da imprensa no século XIX, continham um desejo nem sempre manifesto, no final da primeira metade do século XX, e até as últimas décadas desse mesmo século, o desejo é mais que manifesto, pois ele vira um fetiche, posto que a cultura assim o torna. Uma reificação cada vez mais se apresenta no conceito de cultura. [p. 259]
O exótico é sempre algo fora de nossa realidade, algo que não veríamos e que nos chama a atenção por seu ineditismo ou por ser estranho ao nosso meio. O valor atribuído ao que acontece na vida cotidiana das pessoas se torna sujeito aos valores externos. A morte de uma idosa se torna parte de uma narrativa onde o exótico e o entretenimento se exaltam sob uma narrativa sensacionalista, sem levar em consideração feitos e acontecimentos internos que levaram ao caso.
*****
Bereia classifica a notícia como imprecisa, uma vez que não é possível aferir a veracidade dos relatos. Há uma tendência à exotização somada à descontextualização e ao sensacionalismo das informações, transformando-as em narrativas superficiais de forte poder de entretenimento, capazes de repercutir e chamar a atenção, sem que haja um sério levantamento ou compromisso com a checagem dos fatos.
Na última semana voltaram a circular na internet teorias sobre a criação do vírus da Covid-19, o SARS-CoV-2. Em postagens compartilhadas nas mídias sociais e sites gospel, influenciadores evangélicos e lideranças políticas, como a deputada federal Bia Kicis (PL), repercutiram o recente relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) que trata da investigação do surgimento do vírus, sem descartar a possibilidade um acidente de laboratório.
O que diz o relatório
O relatório preliminar divulgado pela OMS, em 9 de junho, contou com a participação de 27 membros, entre pesquisadores de áreas multidisciplinares de todo o mundo. O documento sugere que ainda existem dúvidas quanto à trajetória de transmissão do vírus da covid para os humanos, bem como sua circulação e evolução. Não foram identificada até o momento a origem do vírus, assim como os hospedeiros naturais/ intermediários e o evento de transbordamento para os seres humanos.
As primeiras investigações apontaram que o mercado de frutos do mar de Huanan, localizado na cidade chinesa de Wuhan, desempenhou um papel importante na amplificação da pandemia, já que vários dos infectados pelo coronavírus, em dezembro de 2019,tinham uma conexão com o local.
Porém, existem lacunas quanto a esse apontamento. A origem do SARS-CoV-2 e sua introdução no referido mercado, por exemplo, ainda não são claras e o(s) evento(s) inicial(is) de transbordamento também não foram determinados. Por isso a necessidade de examinar amostras ambientais coletadas das barracas e drenos do mercado, que em janeiro de 2020 deram positivo para SARS-CoV-2 em áreas conhecidas pela venda de animais vivos. [p. 05 e 06, tradução nossa]
No relatório, redigido em 12 de abril deste ano, os pesquisadores procuraram compreender as causas primárias que desencadearam a pandemia, não descartando intervenção humana e má manipulação de material contaminado. Ainda segundo o documento, já houve casos em que vírus foram espalhados por má manipulação de material contaminado e se tornaram possíveis armas biológicas, mesmo essa não sendo a intenção do projeto de pesquisa.
Uma possível violação das medidas de biossegurança pode ser causada por um evento acidental ou falha processual ou de engenharia que resulte na infecção de equipes que trabalham em laboratório lidando com a manipulação de animais ou coleta de espécimes em um ambiente de campo. Tais violações de biossegurança podem também resultar na liberação inadvertida ou intencional de patógenos de um laboratório para o ser humano, população ou meio ambiente, por meios diretos ou indiretos. Há várias precauções e regulamentos para trabalhos laboratoriais e de campo em alguns países, mas existe uma lacuna naqueles de baixa e média renda. [p.14, tradução nossa]
No entanto, em nenhuma passagem a China – ou seus laboratórios – são apontados como responsáveis pelo surgimento ou disseminação da covid-19, tratando-se apenas de uma das hipóteses a ser analisada pelo conselho de pesquisadores dentre algumas outras, como a proximidade e a convivência com animais portadores do vírus, insalubridade urbana e mutações e evoluções naturais de hospedeiros e do vírus em si.
A comissão responsável pelo relatório assinado para a OMS tem como propósito realizar investigações sobre o surgimento do covid-19, para assim estabelecer possíveis formas de prevenção para novas doenças e vírus potencialmente letais para a vida humana e animal, sem o intuito de procurar culpados.
O jornal O Estado de Minas lembra que estratégias como essa, da busca por um culpado em comum, não é novidade quando se lida com um quadro de pandemia e crises de saúde global. Em casos como as gripes espanhola, mexicana, francesa, alemã, russa e africana já foram levantadas suspeitas quanto às intenções e intervenções nacionalistas desses Estados-Nação na criação de possíveis armas biológicas contra seus inimigos.
Com ânimos ainda mais exaltados diante da guerra, jornalistas e escritores da época faziam questão de levantar a hipótese de o vírus ter sido criado pela Alemanha, que, em 1918, já estava mais pra lá do que pra cá no conflito. Em 24 de setembro do mesmo ano, o jornal de Juiz de Fora O Pharol noticiava: “A mysteriosa influenza espanhola – que afinal bem pode ser mais um infame produto da infinita barbárie allemã – já matou em Dakar cincoenta e tantos marinheiros e officiaes da esquadra brazileira enviada a combater os submarinos allemães (sic)”. [O Estado de Minas]
Constantemente, busca-se um culpado para se responsabilizar pelo ocorrido. Se para boa parte das pessoas esse culpado é a China, há ainda quem culpe a OMS, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e os demais órgãos mundiais de saúde e desenvolvimento, alegando que suas ações são causadoras da morte de milhares de pessoas. Muito desse investimento na investigação de um culpado em comum está associado à negligência com o cuidado dos doentes, falta de ações governamentais e governos negacionistas.
Seria um enorme exagero, contudo, colocar a culpa do que nós e outros países estamos sofrendo nessa negligência inicial chinesa. Em 10 de março, Bolsonaro dizia que a epidemia era uma fantasia propagada pela mídia. Em 20 de março, chamava a Covid-19 de “gripezinha”. Paulo Guedes, por sua vez, previa em 13 de março que os gastos para combater a epidemia seriam da ordem de “3, 4 ou 5 bilhões de Reais”. No dia 15, estimou que, mesmo com a crise global, a economia global ainda poderia crescer 2,5%. [Exame]
***
Bereia classifica como enganosas as teorias sobre o surgimento do vírus da covid-19 que circulam em sites gospel e mídias sociais de apoiadores do governo federal e influenciadores evangélicos. As postagens e notícias fazem referência ao relatório preliminar divulgado recentemente pela OMS e distorcem seu conteúdo, já que as investigações ainda estão em andamento, sendo prematura e equivocada a afirmação de que o SARS-CoV-2 tenha sido criado em laboratório.
O documento elaborado pelo órgão defende maior amplitude de investigação e a linha de pesquisa sugere má manipulação de materiais contaminados, e não uma criação intencional do vírus como uma arma química. A circulação de desinformações como essa visa confundir o leitor ao utilizar de informações de substância verdadeira, mas de cunho distorcido, além de buscar culpabilizar um inimigo em comum, colocando em segundo plano a importância de ações governamentais de combate ao covid-19.
Circula por sites de notícias gospel a recente decisão da Justiça Federal do Rio de Janeiro sobre o tempo destinado à comercialização nas grades de programação das emissoras de rádio e televisão pertencentes aos grupos Band Rio e Record.
A sentença trata ainda do tempo televisivo dedicado pelas emissoras e retransmissoras às igrejas. O caso tem sido classificado como censura e perseguição religiosa por algumas personalidades do meio em seus perfis nas mídias sociais.
O que dizem as sentenças
A decisão da Justiça Federal foi proferida em duas ações civis públicas movidas pelo Ministério Público Federal (MPF), e está respaldada na Lei Geral de Radiodifusão, Decreto nº 88.067.
Segundo o Decreto, concessionárias e permissionárias de serviços de radiodifusão devem limitar a 25% o tempo destinado à publicidade comercial no horário da programação diária. Esta restrição inclui o espaço comercializado para entidades religiosas ou sem fins lucrativos.
Conforme apurado pelo MPF em inquérito, em 2019 a Band destinava até 25,98% de sua programação diária à veiculação remunerada de conteúdos produzidos por terceiros, enquanto a Record comercializa em média 28,19% de seu tempo televisivo semanalmente.
No que diz respeito aos conteúdos religiosos, a retransmissora da Rede Bandeirantes no Rio tem 20,38% da grade ocupada por programas desta natureza, enquanto a Record, emissora da Igreja Universal do Reino de Deus, cede 20,83% de sua programação para programas idealizados por essa mesma Igreja.
Sendo assim, ambas as emissoras foram condenadas a reduzir o período total comercializado em suas grades para os 25% previstos em lei, o equivalente a seis horas diárias, cabendo à União fiscalizar o cumprimento da decisão.
O descumprimento da Lei Geral de Radiodifusão pela Band Rio e pela Record foi apontado, em 2019, pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Rio de Janeiro e o resultado do julgamento – datado de abril de 2021 – foi divulgado pelo MPF-RJ em 23 de maio passado.
Para a Juíza Federal Frana Mendes, responsável pelo caso da Band Rio, “ainda que os programas religiosos comercializados pela emissora de TV não se refiram a publicidade de marca, produto, ou ideia, há verdadeira comercialização de grade mediante contratos de caráter sinalagmático e de inegável intuito lucrativo, já que recebe a mesma contraprestação financeira pela cessão do tempo de sua programação” [p.06].
Já o Juiz Federal Alberto Nogueira Júnior, que decidiu sobre o caso da Record, afirmou que “todas as prestadoras de serviços de radiodifusão estão sujeitas ao mesmo limite de tempo máximo de 25% de comercialização, independentemente de qualquer ligação com entidades ou ideologias religiosas” [p.06].
***
Bereia classifica o conteúdo que circula em sites gospel com este assunto como enganoso. Apesar de substancialmente verdadeiro, haja vista que realmente houve deliberação sobre o tempo comercializado na grade das emissoras Band e Record, tal decisão não diz respeito somente a programas religiosos, mas sim ao tempo total destinado a conteúdos pagos por terceiros, que está sendo desrespeitado. Portanto, não se trata de um caso de perseguição religiosa ou censura, como alegam algumas personalidades religiosas repercutidas nos sites gospel, mas, sim, do cumprimento da regulamentação dos meios de comunicação, prevista em lei.
Circula em sites religiosos a notícia de que o governo estadunidense teria desaprovado um projeto de construção de uma escola privada cristã, ligada à Igreja hispânica Vida Real. O fato teria ocorrido na cidade de Somerville, em Massachusetts (EUA), e de acordo com as publicações, o impedimento para a abertura do colégio teve como base perseguição religiosa e étnico-racial. Ainda segundo a informação em circulação, o motivo do veto se deu por conta das crenças da igreja em relação a assuntos como ciência, sexualidade e saúde mental.
Os Estados Unidos proíbem escolas religiosas?
Nos Estados Unidos, escolas privadas podem, sim, ter ligações com instituições religiosas. A regulação e secularização do ensino se detêm apenas ao ensino público. O programa educacional público prevê autonomia para que cada estado possa construir sua base comum curricular, desde que siga os princípios legais estabelecidos pela Constituição estadunidense. Dentre eles, encontra-se a Primeira Emenda, que trata da separação entre Estado e religião:
O Congresso não legislará no sentido de estabelecer uma religião, ou proibindo o livre exercício dos cultos; ou cerceando a liberdade de palavra, ou de imprensa, ou o direito do povo de se reunir pacificamente, e de dirigir ao Governo petições para a reparação de seus agravos. [p.07]
Seguindo essa Emenda, o Estado não deve intervir diretamente sobre o estabelecimento, ou mesmo proibição, do exercício religioso. Assim, o governo fica impedido de determinar uma religião oficial ou realizar interferências nas religiões, desde que sejam “privadas”. Em 1940 a Suprema Corte norte-americana decretou que não apenas o Governo Federal, como os estaduais e municipais devem acatar a decisão de um ensino público secularizado. De acordo com a decisão, o texto bíblico poderia continuar sendo lido nas escolas, se feito dentro de motivações seculares, sem o propósito de evangelizar: Defende-se que o objetivo primário de uma instituição deve ser aquele que não promova nem inibe a religião, e não devendo promover “envolvimento excessivo do governo com a religião”.
Contudo, escolas privadas se encontram fora das regularidades da primeira emenda, por se tratarem de instituições privadas. Elas podem, mesmo hoje, ter relações com instituições religiosas. Exige-se, no entanto, que o plano educacional da escola seja submetido e aprovado por órgãos educacionais regionais, a fim de manter a qualidade do ensino. Como resultado de pesquisa associada ao Pew Research Center, o pesquisador Gregory A. Smith, em seu livro “Fé + Liberdade: religião nos EUA”, aponta que:
As escolas públicas formavam um número cada vez maior de jovens americanos, mas os cidadãos continuavam livres para enviar seus filhos — normalmente os meninos — para escolas dirigidas por denominações religiosas. Os católicos frequentemente construíam escolas paroquiais. Outras religiões seguiram o exemplo, fundando escolas que refletiam seus valores. Hoje, muitas congregações oferecem instrução religiosa suplementar para os alunos que frequentam a escola pública. As igrejas oferecem “escola dominical” ou aulas de catecismo. As mesquitas e as sinagogas oferecem oportunidades semelhantes para os americanos muçulmanos e judeus. Várias universidades americanas respeitadas começaram como faculdades religiosas. Entre as mais antigas está a Universidade de Princeton, fundada em 1746. [p.38]
A decisão do Supremo Tribunal, 1940, se dirige majoritariamente para as escolas públicas. Ainda de acordo com o livro “Fé + Liberdade: religião nos EUA”, instituições de educação particulares podem exercer sua liberdade religiosa desde que respeitem os princípios constitucionais, como a defesa da liberdade de expressão individual e o direito ao culto e ao credo. Isto é, “Os alunos, no entanto, podem orar voluntariamente, sozinhos ou em grupos, desde que não obriguem outros a participar da oração e que não perturbem a escola” [p.39].
Escola cristã teve autorização negada
No último 30 de março, o Conselho Escolar de Somerville, Massachusetts, recusou que a Igreja Real Life International (Vida Real), formada majoritariamente por imigrantes e descendentes hispânicos, abrisse uma escola particular na cidade, com o nome de Real Life Learning Center (RLLC). Em carta aberta, publicada pela RLLC, a Igreja aponta que:
Apesar do desejo expresso da Vida Real de abrir o RLLC o mais rápido possível, o Comitê repetidamente impediu os esforços da Vida Real de fornecer educação religiosa privada para sua comunidade há mais de cinco meses. Ainda mais preocupante, o Comitê expressou hostilidade em relação às crenças religiosas de Vida Real, e vários membros do Comitê afirmaram que o desejo do RLLC de criar um currículo consistente com suas crenças religiosas é motivo para negar sua inscrição em escolas particulares.[p.02]
De acordo com o documento, os motivos para a não concessão do direito ao exercício educacional se deu graças à visão religiosa da escola, sua relação com as ciências e a psiquê humana.
No entanto, segundo o pronunciamento municipal, a recusa se deu devido aos seguintes fatores:
Não há acomodações para alunos matriculados em educação especial, ou alunos não apresentem progresso acadêmico/cognitivo. Não há detalhes sobre avaliações ou como a escola usará avaliações para melhorar os resultados dos alunos. Não há detalhes sobre as formas como os funcionários serão apoiados. Não está claro como o processo de inscrição será resultar em um conjunto diversificado de candidatos. Não está claro se as instalações são adequadas para alunos mais jovens, e não está claro como são as instalações quando os alunos estão lá. A posição da escola sobre a homossexualidade e o criacionismo torna difícil ver como um currículo completo de ciências e saúde é possível. A abordagem da escola para serviços e aconselhamento estudantil parece desvalorizar a psicologia baseada em evidências e sua ênfase em abordagens enraizadas na crença de que a doença mental é causada pelo pecado e pelos demônios é não científico e nocivo. A escola não apresentou provas relacionadas com a segurança da planta física e solvência financeira. No geral, a escola foi totalmente contrária aos valores da SPS e à ideia de educar toda a criança como sendo inclusiva. [tradução livre, p. 03 e 04]
A decisão do Conselho de negar a criação da instituição de ensino se deu, portanto, com base na problemática relação que a instituição religiosa tem com questões ligadas aos direitos humanos, como destaca a carta, em questões como saúde mental, sexualidade e acessibilidade. Pode-se compreender que tal recusa alinha-se aos Direitos Humanos universais, sobre a preservação da qualidade de vida dos possíveis alunos matriculados.
1. Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. 2. Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania.
Bereia classifica a informação como enganosa. A notícia insinua que a decisão do Conselho Educacional se deve a perseguição religiosa, quando, na verdade, como exposto na própria carta publicada pela RLLC, a escola a ser construída teria seus processos pedagógico e metodológico norteados por uma visão religiosa, sob a negação princípios seculares previstos na Constituição dos Estados Unidos. Cai-se aqui em uma questão pertinente, isto porque o Estado não deve, de acordo com a Constituição, interferir na questão do ethos religioso de uma comunidade. Porém, em igual medida, não pode autorizar uma instituição educacional que se oponha aos direitos universais da vida e integridade humana.
Bereia alerta leitores e leitoras para o uso de material enganoso, no Brasil, com o tema de “perseguição a cristãos”, com o objetivo de criar pânico moral com o público religioso. Este recurso que vem sendo utilizado em campanhas eleitorais no país, como já demonstrado em outras matérias aqui publicadas.
****
Referências de checagem:
U.S. Senate: Constitution of the United States. https://www.senate.gov/civics/constitution_item/constitution.htm. Acesso em: 08 abr 2022.
Universidade Estadual de Londrina – tradução da Constituição dos EUA. http://www.uel.br/pessoal/jneto/gradua/historia/recdida/ConstituicaoEUARecDidaPESSOALJNETO.pdf. Acesso em: 08 abr 2022.
Segundo conteúdo em circulação, o suposto dossiê contém capturas de telas, documentos oficiais e fotos que denunciam a ligação de Arilton Moura com o PT.
Junto com Gilmar Santos, pastor presidente do Ministério Cristo para Todos e da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil (CONIMADB), além de diretor do ITCT (Instituto Teológico Cristo para Todos), Moura foi levantado por jornalistas investigativos participou de 22 agendas das pastas ministeriais, como facilitador do diálogo entre ministro e prefeituras municipais. Suas reuniões eram acompanhadas por prefeitos de municípios que após os encontros eram agraciados pela liberação de verbas do MEC.
A investigação teve início após uma gravação divulgada pela Folha de São Paulo, em que o então Ministro da Educação disse que priorizava “amigos” dos pastores a pedido do próprio Presidente Jair Bolsonaro (PL).“Foi um pedido especial que o Presidente da República fez pra mim sobre a questão do pastor”, afirma Milton Ribeiro, “porque minha prioridade é atender primeiro os municípios que mais precisam e, em seguida, atender a todos que são amigos do pastor Gilmar”. Arilton Moura e Gilmar Santos haviam assumido seus postos como facilitadores do diálogo entre MEC e prefeituras graças a seu desempenho junto à assessoria política prestada às Assembleias de Deus.
Diante da série de escândalos que envolvem o Ministro da Educação e os pastores, têm circulado nas mídias sociais de apoiadores do presidente da República e em notícia pela imprensa, tentativas de vincular o pastor Arilton Moura ao Partido dos Trabalhadores (PT), em provável tentativa de colocar o foco no pastor assembleiano e tirar o governo de Jair Bolsonaro do centro do caso de corrupção no MEC.
Além do suposto dossiê, uma das informações que estão sendo alarmadas é a de que o pastor Arilton Moura estaria ligado ao PT, pois já havia prestado serviços como assessor indireto da ex-governadora pelo PT no Pará Ana Júlia Carepa nos anos de 2007 a 2011, o que de fato ocorreu.
No Diário Oficial do Estado do Pará, Moura é citado em duas ocasiões. A primeira delas é de 13 anos atrás, em 2009, quando o pastor foi nomeado “Para representar o Governo do Estado do Pará, em reunião institucional com líderes das comunidades cristãs do Brasil”. Já a segunda ocasião foi em 2010, quando o pastor foi destinado “para coordenar a equipe de preparação e da infra-estrutura de atendimento às comunidades dos referidos municípios [Mojú, Tailândia e Goanésia].”
No período em questão, final da primeira década dos anos 2000 e início da segunda, lideranças evangélicas, incluindo as das Assembleia de Deus, e partidos políticos relacionados a elas, participavam da base do governo federal sob a liderança do PT, o que se refletia em governos estaduais e municipais em várias regiões do Brasil. Esta constatação aparece em pesquisas acadêmicas, como a do Prof. Ricardo Mariano.
No segundo mandato da presidente Dilma Rousseff (PT), de 2014 a 2016, este quadro foi alterado não só com a retirada do apoio como com a participação dessas lideranças religiosas e os partidos de sua vinculação na campanha pelo impeachment da governante. Seguiu-se a isto a significativa mudança de rumo na articulação destas forças políticas que não só passaram a fazer oposição e demonizar o PT, como compuseram a aliança pela eleição do candidato de extrema direita à Presidência da República, em 2018, Jair Bolsonaro. Esta constatação está também presente em pesquisas acadêmicas sobre o tema, mas resulta, especialmente, da observação da conjuntura com a composição do governo Bolsonaro, a partir de 2019, marcada pela ocupação de cargos por evangélicos, pela presença de lideranças das diferentes vertentes (ministérios e convenções) das Assembleias de Deus na base do governo no Congresso Nacional e em periódicas reuniões com o Presidente da República e pela concessão de benefícios fiscais e de outros apoios a atividades destas igrejas, o que se encontra em fartos registros na Câmara Federal e no Senado e no Diário Oficial da República.
Quanto à participação política de Arilton Moura junto ao PT, Bereia obteve informações com uma fonte vinculada ao segmento evangélico e ao PT do Pará. Ela informou que “[o pastor] nunca foi filiado no PT, e sempre foi um crente lobista da Assembleia de Deus que transitava em todos os gabinetes desde os governos anteriores ao [da ex- governadora] Ana Júlia Carepa.”
Quanto aos trabalhos prestados pelo pastor Arilton Moura à ex-governadora petista, esta fonte informou ao Bereia que, possivelmente, a nomeação para atuações especificas se deu para apaziguar as tensões entre a mandatária e evangélicos paraenses, e não por alguma indicação do Partido dos Trabalhadores.
Pr. Arilton sempre foi recebido com respeito, atenção e muita paciência por nós, mas nunca obteve nossa confiança. Muitas vezes reclamava para que ajudasse a resolver o problema da nomeação que ele queria no gabinete de Ana Júlia, então respondíamos que não era de nossa autoridade essa missão.
Sobre a presença do pastor na comunidade evangélica a liderança afirmou:
Pastor Arilton, pelo seu sonho de enriquecimento “abençoado”, acabou conseguindo chegar na mídia com a corrupção, por conta do que aprendeu a praticar a partir da orientação de seus líderes evangélicos. É um negociador de recursos públicos. Um lobista. Sua história é de um trânsito em todos os gabinetes conforme a ocasião favorece, mas sob orientação dos “chefes”. Ele não é um pastor de ensinamento religioso, ou pregador, a missão dele é captar recursos para a Igreja.
Até a publicação desta matéria, Bereia não conseguiu ter acesso ao dossiê em questão.
**** Bereia classifica como IMPRECISOS os boatos de que o pastor Arilton Moura, investigado por sua participação nos escândalos recentes do MEC, possua relações recorrentes com o Partido dos Trabalhadores (PT). Não há, de acordo com a liderança religiosa filiada ao partido, vínculos entre o pastor e o PT, para além do fato de ter prestado serviços ao governo estadual do Pará durante o mandato de Ana Júlia Carepas, há 13 anos. Ainda, as acusações feitas por apoiadores do governo de Jair Bolsonaro contra este pastor carecem de comprovação , configurando-se como especulação, provavelmente com vistas a retirar o foco da responsabilidade sobre as irregularidades na gestão do ministro da Educação, pastor Milton Ribeiro, sob a orientação do presidente Jair Bolsonaro.
Diante do recente reajuste no custo dos combustíveis, novamente circulam pela internet materiais especulando sobre as razões para tal aumento, que ocorreu mesmo após o Presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ) prometer projeto para reduzir os preços. Em vídeo postado em 7 de novembro de 2021, e que voltou a circular neste março de 2022, a odontóloga aposentada e influenciadora cristã Luciana Monteiro atribui culpa exclusivamente ao Partido dos Trabalhadores (PT) e à oposição ao governo Bolsonaro pelo aumento da gasolina, utilizando-se de argumentos que envolvem notícias falsas já investigadas e amplamente desmentidas por uma série de veículos midiáticos.
Sobre a influenciadora
A odontóloga aposentada Luciana Monteiro foi candidata a vereadora em Natal (RN) pelo Partido Progressista (PP) nas últimas eleições municipais. Cristã declarada, a influenciadora religiosa possui posts com cerca de 60 mil interações e contabiliza mais de 45 mil seguidores em suas mídias sociais.
As publicações de Monteiro se alinham aos temas e pautas governistas. Dentre os posts investigados e marcados como fake news, estão o que se refere à distribuição de kits com material escolar gratuito comprados por Bolsonaro e um vídeo em que ela defende que o Brasil é o único país que ainda mantém o uso de máscara como medida preventiva contra a covid-19, enquanto proíbe o uso de Ivermectina como remédio auxiliar no combate à doença. No Facebook, alguns de seus vídeos foram filtrados e são classificados como informação falsa, tendo a sua circulação reduzida.
Gás e gasolina: o problema está nas refinarias?
De acordo com o vídeo publicado pela influenciadora, seriam dois os principais fatores ligados ao recente aumento no preço final do gás de cozinha e da gasolina: o primeiro deles seria as refinarias da Petrobras “entregues” pelo governo petista ao governo boliviano à época comandado por Evo Morales. Já o segundo seria o abandono do projeto de construção da refinaria de Abreu e Lima, localizada em Pernambuco, bem como da Premium II, no Ceará.
Ao contrário do que é dito pela influenciadora, as refinarias que compõem parte do gasoduto Bolívia-Brasil foram vendidas por 112 milhões de dólares pela Petrobras para o Governo boliviano em 2006, e não doadas. O processo ocorreu após a nacionalização da exploração de gás na Bolívia.
Ainda, é importante destacar que o preço final ao consumidor do gás de cozinha, o chamado gás liquefeito de petróleo (GLP), pouco se relaciona com a importação de gás natural. De acordo com dados do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Gás Liquefeito de Petróleo (Sindigás), a margem bruta da Petrobras é o fator preponderante na composição do preço médio do botijão, atingindo 48% do arranjo em 2021.
Hoje, cerca de 30% do gás natural consumido em solo nacional vem das refinarias bolivianas. Em 2021, o Brasil importou da Bolívia 5,8 bilhões de quilogramas líquidos de gás natural na forma gasosa, representando um aumento de aproximadamente 10% em relação a 2019 e um aumento de 7% se comparado a 2020. Em meia década (2016-2021), as importações decresceram 30%. Os dados são da Comex Stat, portal para acesso gratuito às estatísticas de comércio exterior do Brasil.
Refinarias de Abreu e Lima estão operando desde 2014
Com construções embargadas por conta de polêmicas ligadas à Operação Lava Jato, o complexo de Refinarias de Abreu e Lima (RNEST) tem sua história ligada a uma série de escândalos políticos e econômicos. O projeto da RNEST foi aprovado em 2005 pelo ex-presidente Lula em parceria com a estatal venezuelana PDVSA com um orçamento primário de 2,3 bilhões de dólares. Em seu projeto inicial, previa-se a conclusão do complexo em 2011, resultando na primeira refinaria 100% brasileira com capacidade de 200 mil barris de petróleo por dia, sendo 50% destes barris vindo de substratos Venezuelanos (Carabobo) e outros 50% brasileiro (Marlim).
De acordo com artigo publicado pela Fundação Getulio Vargas (FGV), em julho de 2014, a Petrobras previa um orçamento de US$ 18,5 bilhões, entretanto, contas internas estimavam que o valor poderia alcançar os US$ 20,1 bilhões. A previsão final para a conclusão das obras passou para novembro de 2014, um atraso de 3 anos quando comparado à projeção inicial.
Segundo a Petrobras, o complexo de refinarias foi construído com a capacidade de trabalhar com dois principais produtos: gás e diesel:
Capacidade de processamento: 230 mil barris de petróleo por dia
Produção: focada em diesel (70%). A refinaria foi projetada para produzir diesel com baixo teor de enxofre de acordo com os rígidos padrões internacionais, o Diesel S-10 (concentração de 10 partes por milhão de enxofre). Dentre as principais vantagens ambientais do Diesel S-10 está a redução em até 80% das emissões de material particulado e em até 98% das emissões de óxidos de nitrogênio.
Ainda segundo site da Petrobras, as operações da RNEST tiveram início em 2014, com o funcionamento limitado ao primeiro conjunto de unidades de refinaria (Trem I), com capacidade nominal de refino limitada a 115 mil barris por dia (50% do planejamento inicial). Somente em 2016 foi concedida a licença ambiental necessária para aumentar de sua produtividade, pois a mesma vinha funcionando desde então com a produção diária de 73 mil barris por dia, equivalente a 64% da capacidade disponível.
“Em 2020, a RNEST processou 101.516 b/d de petróleo, um aumento de 22% em relação à produção do ano anterior, resultando em uma produção de 54.132 b/d de derivados. Já o fator de utilização foi de 88%, o maior fator anual já observado desde o início das operações, representando uma variação positiva de 16 pontos percentuais (p.p.) quando comparado a 2019. Entre janeiro e abril de 2021, os dados apontam um volume de processamento de 94.523 b/d de petróleo e fator de utilização de 82%, representando, respectivamente, uma redução de 6% na produção diária de barris, e uma retração de 6 p.p. no fator de utilização, quando comparados com o mesmo período do ano anterior”, afirma artigo
Somente no fim de 2021, após liberação de embargos, foi possível que o governo e a Petrobras investissem mais de um bilhão de dólares na finalização das obras da Refinaria. Em entrevista à Folha de São Paulo, o então diretor de Refino e Gás da Petrobras, Rodrigo Costa, disse acreditar que com o término da obra o valor ativo da refinaria irá subir, possibilitando seu desinvestimento.
Em documento, a companhia apresentou os resultados consolidados do terceiro trimestre de 2015, quando houve a baixa contábil da Refinaria Premium II, bem como da Premium I, esta última no estado do Maranhão. No relatório, é possível averiguar que houve um prejuízo de R$2,7 bilhões em ambas, sendo R$2,1 bilhões referentes à Premium I e R$596 milhões à Premium II, segundo apuração do G1 na época.
Ainda de acordo com esta mesma reportagem, “a companhia atribuiu a desistência dos projetos das refinarias à falta de parceiros e à revisão das expectativas de crescimento do mercado de combustíveis”. A decisão de descontinuar os projetos foi tomada no dia 22 de janeiro de 2015 pela empresa.
***
Bereiaclassifica as informações contidas no vídeo da odontóloga e influenciadora cristã Luciana Monteiro como ENGANOSAS. Apesar de oferecer conteúdo de substância verdadeira, como é o caso da refinaria Premium II, que de fato não foi construída, tendo gerado um prejuízo de milhões, ainda assim, sem ter considerado os motivos, a maior parte das afirmações feitas por Monteiro são falsas, e, portanto, consideradas desinformação. A refinaria de Abreu e Lima opera desde 2014, mesmo que parcialmente, e sua produção é destinada ao refino de petróleo para óleo diesel e gás líquido. Ainda, a Petrobrás não doou refinarias para o governo boliviano, como indicou a influenciadora, mas sim, as vendeu. Bereia avalia que o retorno desta circulação de desinformação entre grupos religiosos trata-se de uma investida da base aliada ao atual governo contra o candidato à presidência em 2022, o ex-presidente Lula, e ao seu partido, que lidera a corrida eleitoral segundo as últimas pesquisas.
Circula em mídias sociais e sites religiosos pronunciamento feito pelo Presidente da República Jair Messias Bolsonaro (PL), no qual defende que durante os três anos de seu mandato houve uma redução de investimentos destinados às Organizações Não Governamentais (ONGs), que, consequentemente, levou à extinção do Movimento Sem Terra (MST). No mesmo pronunciamento o presidente defende que mais de mil licenças CACs (Colecionadores, Atiradores e Caçadores) foram emitidas por dia.
O site Pleno News destaca o pronunciamento do presidente, realizado em 10 de fevereiro de 2022, em frente ao Palácio do Planalto, diante de público apoiador. A matéria expõe os seguintes temas presente no discurso do presidente: não houve aumento no número de demarcações de terras destinadas aos povos tradicionais indígenas brasileiros; a redução de verbas para ONGS e possível extinção do MST; as CACs podem garantir a fazendeiros, a quem se refere como “produtor rural”, a defesa de seu patrimônio territorial contra quem desejar tomar posse de suas terras.
Bereia checou os elementos destacados pelo presidente no pronunciamento e repercutidos pelo Pleno News, bem como por outros espaços digitais religiosos.
Corte de verbas para ONGs e mudanças políticas
As ONGs são organizações sem fins lucrativos, caracterizadas por suas ações de prestação de serviços e solidariedade, frente às políticas públicas em áreas em que o Estado está ausente ou apresenta carências. Os recursos para a manutenção das ONGs brasileiras são, em sua maioria, provenientes de captação que elas fazem com empresas privadas, doadores individuais, realização de eventos, campanhas de financiamento coletivo ou venda de produtos que são parte de suas ações.
Nascidas no regime de exceção da ditadura militar, a cultura das ONGs surgiu da necessidade de se estabelecer um diálogo entre a população e as formas de governança, como defende a professora universitária, Olivia Perez. Suas atividades financeiras dependem do financiamento vindo de entidades, fundações, empresas, incentivos internacionais, ações governamentais e criação de investimentos próprios.
No caso do MST, a maior parte dos recursos que financiam o MST não vêem de verbas governamentais, mas sim do financiamento de insumos realizado pelo Financiamento Popular da Agricultura Familiar (FINAPOP). Este é um fundo de investimento ligado às cooperativas da Reforma Agrária Popular, que, através da venda de títulos, arrecada verbas destinadas à produção agrícola; doação interna dos membros do Movimento e da venda de insumos por eles produzidos. Outra fonte de financiamento para o MST vem de doadores nacionais e internacionais e de parcerias com ONGs europeias, Programas governamentais como Procera (Programa de Crédito Especial para Reforma Agrária), não apoiam diretamente o movimento, por terem relação direta com pequenos produtores, portanto e, consequentemente, o movimento.
Das muitas possibilidades de captação de recursos estão as leis de incentivo fiscal, nelas o governo abre mão de parte dos impostos pagos por empresas privadas e destina parte dessas verbas para entidades ou projetos sociais, tudo mediado pelo cumprimento e implementação de editais auditáveis (são exemplos Lei Rouanet na área da cultura – Lei nº 8.313/9; Lei do Audiovisual – Lei nº 8.685/93).
Há ainda as leis de incentivo parlamentar, em que os governantes podem destinar até 0,6% da corrente líquida prevista para um projeto encaminhado pelo Poder Executivo para ações humanitárias, tal qual as ONGs, conforme determinado pelo § 9º artigo, 166 (Emenda Constitucional 86). Na prática isto significa que cada parlamentar pode apresentar até 25 emendas ao orçamento, com o valor total de R$ 15,9 milhões, desse valor 50% precisa obrigatoriamente ser destinado a ações e serviços públicos de saúde e educação.
“De fato, a partir da década de 1990 houve uma expansão de diversas organizações civis, inclusive daquelas que executam serviços governamentais junto ao poder público. Esse crescimento pode ser explicado pelas novas diretrizes dos governos pós- democratização – que se abriram às parcerias com organizações civis – e também pela multiplicação de iniciativas da sociedade civil”, opina a professora Olívia Perez.
Por sua vez, o MST, assim como outras ONGS comprometidas com direitos humanos, sociais, culturais e ambientais, não têm recebido verbas governamentais. A política é parte da postura assumida pelo governo de Jair Bolsonaro de negar o papel das ONGs e atribuí-las caráter criminoso. Já no primeiro ano de governo, Nabhan Garcia, nomeado secretário especial de Regulação Fundiária do Ministério da Agricultura, afirmou ao tomar posse no cargo, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo: “Não haverá mais dinheiro para ONGs escusas”, o. Presidente da UDR (União Democrática Ruralista), Nabhan foi conselheiro de Bolsonaro para o agronegócio durante a campanha.
Na entrevista, o secretário se recusou a citar nomes de entidades que considera suspeitas. “Tem muita ONG que, se quiser sobreviver, vai ter que sobreviver como manda a lei, às custas próprias”, continuou. “Existe uma preocupação de algumas ONGs que estão reclamando… Não vejo um motivo. Talvez seja isso. Ora, já se diz: organização não governamental. Que sobreviva às custas próprias, não tirando dinheiro dos cofres públicos.”, declarou.
De fato, já na campanha para a Presidência da República, em 2018, Jair Bolsonaro, então candidato do PSL, ameaçou: “A faxina agora será muito mais ampla. Essa turma, se quiser ficar aqui, vai ter que se colocar sob a lei de todos nós. Ou vão pra fora ou vão para a cadeia. Esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria”, ameaçou Bolsonaro, que mais uma vez combinou um suposto discurso patriótico com exaltação violenta contra adversários políticos. “Essa pátria é nossa. Não é dessa gangue que tem uma bandeira vermelha.” Depois desta declaração pública, a Associação Brasileira de ONGs (ABONG) divulgou nota pública condenando a criminalização das organizações pelo então candidato e as ameaças de perseguição.
Em 2019, a A MESA de Articulação de Associações Nacionais e Redes Regionais de ONGs da América Latina e Caribe publicou nota solidarizando-se com a sociedade civil e o povo brasileiro em razão da Medida Provisória que deu à Secretaria de Governo, liderada pelo general Santos Cruz, o poder de supervisionar, coordenar e monitorar as atividades de ONGs e organizações internacionais.
Ao longo do governo Bolsonaro foram diversas as declarações de negação do papel das ONGs e de criminalização de suas ações, várias delas baseadas em desinformação, como verificou o projeto Aos Fatos.
No entanto, no atual governo recursos destinados às ONGs continuam sendo aplicados em instituições sem fins lucrativos, aponta o colunista do portal UOL, Demétrio Vecchioli, porém, há motivações que fogem da lógica do atendimento a políticas públicas e passam por questões ideológicas e relações pessoais entre líderes do governo, deputados federais e beneficiários. Em 2020 o Instituto Léo Moura (jogador de futebol veterano), por exemplo, sediado no Rio de Janeiro, recebeu cerca de R$ 5,2 milhões destinados pelo governo federal, para a manutenção de 15 escolinhas de futebol. O Rio é o estado do deputado federal Luiz Lima (PSL), apoiador do governo federal. Como comparação, o valor é maior do que recebem, por ano, 29 das 35 confederações olímpicas, incluindo as de atletismo e esportes aquáticos.
“A grande maioria dessas emendas visa beneficiar prefeituras municipais. No ano passado, por exemplo, o Ministério da Cidadania firmou 160 convênios originários de emendas que beneficiaram o estado de São Paulo. Dessas, só 11 eram com ONG’s e nenhuma emenda foi de valor superior a R$ 300 mil. É mais comum que projetos sociais sejam financiados via Lei de Incentivo ao Esporte”, afirma Demétrio Vecchioli, colunista esportivo do portal UOL
Matéria do UOL em 2019 já mostrava que as condições precárias nos postos de saúde das aldeias indígenas de Dourados, a 230 km de Campo Grande (MS) contrastam com o enorme volume de recursos públicos destinados ao atendimento médico dos cerca de 17 mil índios das etnias terena, kaiowá e guarani que vivem naquela região. A ONG Missão Evangélica Caiuá já era, à época, a recordista em repasses federais por meio de convênios nos seis primeiros meses do governo Jair Bolsonaro (PSL), superando Estados e municípios nas chamadas transferências voluntárias de dinheiro.
Já matéria da Agência Pública levantou que entidades cristãs receberam quase 70% da verba federal para comunidades terapêuticas (CTs) no primeiro ano de governo Bolsonaro. Dinheiro público financiou CTs denunciadas por violações de direitos humanos, incluindo LGBTfobia e desrespeito à liberdade religiosa.
O MST
O Movimento Sem Terra (MST), surgiu da união de movimentos populares de luta pela terra promovidas nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul, na primeira metade dos anos 1980. Fundado em 1984 no Primeiro Encontro Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terras, o MST forma uma frente de luta em prol da reforma agrária brasileira. Hoje o movimento encontra assentamentos em todos os estados do país, mantendo vínculos diretos com cerca de 400.000 famílias assentadas e mais 120.000 acampadas. Dentre as principais ações desenvolvidas pelo movimento estão o de produção de insumos agrícolas, educação para jovens e adultos e distribuição de alimentos à famílias carentes.
“As famílias acampadas e assentadas estão hoje entre os principais produtores de orgânicos do país —no caso do arroz, já são os maiores da América Latina— e seus produtos chegam tanto em escolas públicas como a mercados europeus. Esta é a história desses homens e mulheres do campo”, segundo matéria do jornal EL País.
“Tirei dinheiro de ONG do MST. Não tem mais MST. O número de invasão é menos de dez por ano. Resolvido rapidamente”, disse o presidente Bolsonaro no pronunciamento checado pelo Bereia. Parte do plano de ações do governo federal para a posse de terras e o relacionamento com o MST está sob o programa Titular Brasil, articulado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Invasão e ocupação não são sinônimos. A ocupação de terras ou patrimônios diz respeito a um movimento legalizado e previsto por lei, sua ação consiste na ocupação de uma área, seja rural ou urbana, que seja ociosa, isto é, que não esteja sendo utilizada ou possua um fim destinado pelo proprietário. Tal movimento é respaldado pela Lei de Ocupação de Solo, prevista na Constituição de 1988, e defende que o proprietário não pode deixar o seu imóvel ou terras sem uso, visando uma possível especulação imobiliária para sua venda, sendo possível a ocupação do imóvel ou território que não cumpra sua função social.
Artigo 186 da Constituição de 1988: “A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores”.
Para exercer direito legal sobre o território ocupado, os ocupantes precisam realizar atividades econômicas sob o solo tornando-o economicamente produtivo. Para a professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Deuze Laureano, “juridicamente, o direito à propriedade é um direito real oponível erga omnes. Trocando em miúdos, é um direito que ocorre entre um sujeito, aquele que é o titular do domínio, em face de todos os outros integrantes daquela sociedade, que devem respeitar esse direito. Entretanto, para este sujeito dono é exigido o cumprimento da função social. Essa é a condição sine qua non para que todos os demais, não proprietários, respeitem o seu direito de propriedade. Descumprindo a função social, perde o proprietário o critério objetivo inerente à propriedade que é o direito de posse. Portanto, um imóvel que não cumpre a função social está vazio. Ninguém tem a sua posse, como consequência lógica não pode o Poder Judiciário, baseado somente no registro, dar as garantias da ação possessória.”, afirma.
Em contrapartida, a invasão diz respeito à apropriação ilegítima de terras e imóveis que comprovadamente têm uso e função social. É configurado como invasão de terra e propriedade a apropriação indevida de imóveis e territórios em uso ou produção agrícola, sendo a pena para esse crime detenção de seis meses a três anos, de acordo com o artigo 5º da lei 4.947 de 1966.
De acordo com a Câmara de Conciliação Agrária do INCRA no triênio 2019 a 2021 foram registradas 24 ocupações em fazendas e terras ociosas, uma redução expressiva se comparada as quase 150 ocupações em 2018. Em entrevista à Rede Brasil Atual, a dirigente nacional do MST Marina dos Santos, aponta que a queda no número de ocupações se deu graças ao cenário pandêmico. A líder do movimento destaca ainda, “Na verdade, não é nem uma necessidade que o MST tem de organizar. Mas é uma necessidade que surge a partir das necessidades do próprio povo trabalhador. Precisamos retomar as ocupações, porque elas também podem ser um instrumento importante no combate à fome que estamos vivendo hoje”, explica.
Em comparação com o histórico relatório anual da Comissão Pastoral da Terra da Comissão Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) Igreja Católica “Conflitos no Campo Brasil 2020, os dados do governo são bem menores mas indicam a realidade de queda no número de ocupações. No entanto, o documento da CPT relaciona esta situação não a cortes de verbas para ONGs, mas ao crescimento da violência no campo, relacionada ao aumento do número de licença de armas para fazendeiros, e às barreiras sanitárias, com a pandemia de covid-19.
O relatório Conflitos no Campo Brasil 2020, que é referência nacional e internacional para pesquisas sobre este tema, desde 1985 (todos os relatórios podem ser encontrados aqui), aponta que 2020 foi o “ano de terror no campo”, com um aumento de 8% de conflitos de terra e das águas em relação a 2019, média 6.62 conflitos por dia. Os dois primeiros anos do governo Bolsonaro registraram o maior número de aumentos de conflitos no campo. Os povos indígenas (42%) foi o grupo que mais sofreu ações de conflitos por terra, seguido por quilombolas com 17% e posseiros com 15%. Foram registradas 2.054 ocorrências em 2020, um aumento de 8% em relação a 2019. Esse é o maior número de ocorrências de conflitos no campo já registrado pela organização desde 1985. Foram 914.144 pessoas envolvidas em conflitos ano passado, um aumento de 2% em relação ao ano anterior.
“Injustiça fundiária”
Segundo o relatório, o Brasil viveu em 2020 um quadro de “injustiça fundiária, prevalência dos interesses do capital, violência, omissão/conivência do Estado e resistência dos povos e comunidades. 2020, porém, foi um ano em que alguns atores tiveram que se adaptar frente a uma condicionante inesperada: a COVID-19. Nesse sentido, as ações de resistência, como ocupações/retomadas e acampamentos – que já haviam declinado em 2019, diante da postura belicosa do governo federal –, experimentaram novo enfraquecimento, e somaram apenas 29 ocupações e três acampamentos” (página 9).
O documento da CPT oferece um comparativo do número de ações de ocupação e retoma de terras nos últimos dez anos:
Imagem: reprodução de tabela do documento
Extraído de Conflitos no Campo 2020, CPT, p. 22
Uma audiência na Câmara dos Deputados debateu o tema da violência no campo, em 2021, com a participação do INCRA. De janeiro a maio, a Procuradoria-Geral Federal, órgão vinculado à Advocacia-Geral da União (AGU), atuou em 505 processos judiciais relativos a ações de posse e de reivindicação de propriedade efetiva de terras. Também há preocupação com a invasão de terras indígenas, sobretudo no caso dos conflitos dos Munduruku com garimpeiros ilegais, no Pará. As discussões corroboraram o que consta no relatório da CPT.
O direito às “terras indígenas” é garantido pela constituição cidadã de 1988, Título VIII, Da Ordem Social, Capítulo VIII, Dos Índios. A constituição partiu em defesa dos índios como os primeiros, e naturais, senhores da terra, sendo eles seus proprietários de seus direitos. Assim, o direito dos nativos à terra independe do reconhecimento formal. No artigo 20 está estabelecido que essas terras são bens da União, sendo reconhecidos aos povos indígenas a posse, usufruto e permanência em seu território.
Artigo 231: São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens § 1º – São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
As terras demarcadas como pertencentes aos povos indígenas somam hoje 15% do território amazônico. 63 milhões de hectares. E apesar de serem popularmente chamadas de “terras indígenas” o território demarcado para os povos originários é de posse do Estado, cabendo a ele sua manutenção e preservação, sendo sua venda ou arrendamento a terceiros punível por lei. De acordo com relatório “Conflito no Campo Brasil 2020”, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2021 modalidades de violência como a invasão de território indígenas cresceram em relação a anos anteriores. Das 81 mil famílias vítimas de invasão territorial, 58. 327 são indígenas (71,8%). Em 2019, essa porcentagem havia sido de 66,5% (26.621) e em 2018, 50,1% (14.757)
“Os registros da CPT confirmam a análise da prof. Patrícia [Chaves, da Universidade Federal do Amapá] ao identifcar, na esteira dos ataques promovidos pelos referidos agentes, os principais tipos de violência por eles cometidos em 2020: “invasão”, “grilagem” e “desmatamento ilegal”. Foram vitimadas por invasão 81.225 famílias, das quais 58.327 9 são indígenas (72%); 19.489 sofreram grilagem (37% indígenas); e 25.559, desmatamento ilegal (60% indígenas)”, afirma CPT em relatório.
O relatório da CPT reconhece que o governo federal “apresentou o Projeto de Lei (PL) 191/2020, para regulamentar a exploração em terras indígenas, e apoiou o PL 5.518/2020, apresentado pelo deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), cujo objetivo é de aprovar concessões de exploração das florestas à iniciativa privada” (p. 29).
O governo deu porte de arma às pessoas?
“Demos o porte de arma ao fazendeiro. Estamos criando mais de mil CACs (Colecionadores, Atiradores e Caçadores) por dia”, disse Jair Bolsonaro, no encontro com apoiadores em 10 de fevereiro . De fato, isto é resultado de uma política do governo federal que prevê um processo de armamento de parcela da população.
Desde 2019, houve um aumento nos registros de compras de novas armas por cidadãos brasileiros, contabilizando um acréscimo de 225% se comparado ao triênio anterior, foram 153 mil novas armas adquiridas de 2019 a 2021, estando 143 mil desse total, 76%, sob posse de cidadãos sem especificação de uso ou territorialidade (se para centros urbanos, como autodefesa, ou para o campo, como arma de caça). Em contrapartida, o número de alvarás para a posse de armas foi de 10.627, entre 2019 e 2021, menos de 10% do número de novas armas. No mesmo período, o número de pedidos para registro de atuação como CACs aumentou 43%, chegando a 286,9 mil pedidos em 2020.
Posse e porte não são sinônimos. A posse permite a pessoa adquirir e tutelar uma arma de fogo, já o porte permite que a mesma faça o seu uso e locomoção. De acordo com o artigo 6º, IX da Lei 10.826/03 – Estatuto do Desarmamento, a licença CAC-atirador não é o mesmo que posse de armas. Ela permite ao sujeito o manuseio da arma em ambiente controlado, dentro de um Clube de Tiro, além da participação em treinos e competições de tiro. Para isto é necessário estar apto para tal ação, sendo o uso da arma em ambiente externo ao clube permitido apenas para competições e não para autodefesa ou defesa patrimonial.
O relatório Conflitos no Campo 2020 da CPT confirma a fala do presidente, ao relacionar o aumento na violência no campo a partir de 2019 com estas políticas de armamentismo. O texto registra que o governo Bolsonaro
“não somente faz vistas grossas para as ilegalidades e impunidades cometidas pelas classes ruralista e burguesa do país, ele abertamente propõe leis ou cria decretos que estimulam os massacres contra as populações, como é o caso dos decretos 10.627/21, 10.628/21, 10.629/21 e 10.630/21, que flexibilizam os procedimentos para porte de armas; ampliam a lista de profissões autorizadas ao uso de armas; retiram o imposto de importação de armas; e permitem a posse de arma para toda propriedade rural” (p. 28)
*****
Bereia classifica a afirmação do presidente Jair Bolsonaro, repercutida pelo site gospel Pleno News, de que “tirou verba de ONG e acabou com o MST” como enganosa. O conteúdo do pronunciamento é impreciso e não corresponde a tal afirmação, que foi utilizada como chamariz. A apesar de ter elementos verdadeiros, como a redução de verbas governamentais para as ONGs, a declaração do presidente omite dados referentes à autonomia financeira do MST em relação ao governo, às causas da redução das ocupações de terra, como a pandemia de covid-19, e aos interesses em torno da não-demarcação de terras indígenas. Além disso, a fala de Jair Bolsonaro denota como positiva a insegurança no campo, com as ações armadas da parte de fazendeiros para reduzir ocupações de terras, e o não cumprimento do direito constitucional dos indígenas à demarcação. Bereia verificou que o MST não só segue em atuação como foi destaque no noticiário recente por conta de sua premiação pela Organização Internacional do Trabalho e sua entrada no mercado financeiro para captação de recursos.
Em vídeo que circula em grupos de igrejas no WhatsApp, o bispo católico romano do Cazaquistão Athanasius Schneider faz diversas afirmações sobre questões morais relacionadas a vacinas contra a covid-19. De acordo com ele, as vacinas são “contaminadas de aborto”, pois têm por base “tecido de fetos que foram assassinados”, e que aceitá-las significa “normalizar o horror do genocídio do aborto”.
Dom Schneider recorre à noção de pecado por omissão para incentivar que os fiéis não se vacinem, pois estariam dando suporte ao que ele chama de “Indústria fetal”. As falas foram retiradas de entrevista concedida pelo líder religioso, em 6 de janeiro deste ano, a Michael J. Matt, editor do The Remnant, jornal católico que circula nos Estados Unidos desde 1967.
Células de fetos não são componentes da vacina
Bereia já publicou matéria com checagem sobre o conteúdo exposto pelo bispo, que periodicamente retorna em ambientes digitais religiosos. Nela, é explicado que algumas vacinas atualmente produzidas se utilizam de uma linhagem de células derivada de fetos que foram legalmente abortados há mais de três décadas. Essas mesmas linhagens celulares também são usadas para testar e aumentar a compreensão sobre diversos medicamentos de uso comum, como Tylenol, Ibuprofeno e Aspirina.
A técnica é aplicada mundialmente desde o século passado e consiste em reproduzir em laboratório uma cultura de células fetais que podem ser utilizadas na produção de vacinas. No caso da vacina contra a covid-19, as células fetais não fazem parte da composição, mas são empregadas em testes para criar o vírus que é replicado nos imunizantes. O vírus sai da célula, fica no meio da cultura e é então coletado e purificado para a fórmula da vacina.
Ou seja, ao contrário do exposto por Dom Schneider, a vacina contra a covid-19 não contém células de fetos abortados, e muito menos estimula novos abortos. As linhagens utilizadas são reproduzidas em laboratório e derivam de procedimento legal ocorrido há anos, sem que os abortos tivessem sido realizados para fins científicos.
Linhagens utilizadas
Na produção da vacina Janssen, a Johnson & Johnson utilizou a linhagem PER.C6, cultura desenvolvida a partir de células da retina de um feto legalmente abortado em 1985. A empresa usou essas células para cultivar adenovírus — modificados para que não se replicassem ou causassem doenças — que foram posteriormente purificados e empregados para distribuir o código genético para a proteína de espícula do Sars-CoV-2. Sendo assim, a vacina da J&J não contém as células fetais que anteriormente abrigaram os adenovírus, já que esses foram extraídos e filtrados.
As vacinas Pfizer e Moderna utilizaram outra linhagem, a HEK-293, derivada dos rins de um feto legalmente abortado na década de 1970. As células foram utilizadas durante o desenvolvimento para confirmar que as instruções genéticas para produzir a proteína de espícula do Sars-CoV-2 funcionavam em células humanas.
Na vacina Astrazeneca (Oxford), a HEK-293 serve de meio de replicação do adenovírus empregado na vacina. Já na Coronavac, vacina produzida pelo Instituto Butantan, uma linhagem de células epiteliais renais do macaco-verde africano, desenvolvida em 1962, foi empregada para cultivar o vírus utilizado na produção, sem que células humanas fossem necessárias.
Em 2005, a Pontifícia Academia para a Vida publicou um parecer sobre vacinas que utilizam linhagens celulares provenientes de fetos abortados. Segundo a Academia, criada pelo Papa João Paulo II, em 1994, “Quanto às vacinas sem alternativa [eticamente produzida], deve-se reafirmar a necessidade de contestação para que possam surgir outras [vacinas], bem como a licitude da sua utilização neste intervalo, em caso de necessidade, para evitar um risco grave não só para as crianças, mas também, e talvez mais especificamente, para a saúde da população como um todo”.
Doze anos depois, a Academia voltou a publicar sobre o tema, afirmando que “as linhas celulares usadas atualmente estão muito distantes do aborto original e já não implicam a cooperação moral indispensável para uma avaliação ética negativa sobre seu uso”.
Recentemente, com a pandemia da covid-19, o Vaticano declarou que é moralmente aceitável que católicos tomem o imunizante contra a doença. A orientação foi publicada por meiode nota da Congregação para a Doutrinada Fé, que defende que a vacinação contra a covid deve ser voluntária, mas evidencia o dever de buscar o bem comum. A hierarquia católica afirma ainda que “deve ser enfatizado, porém, que o uso moralmente lícito destas vacinas, em condições particulares, não constitui por si só uma legitimação, mesmo indireta, da prática do aborto, e necessariamente pressupõe a oposição a esta prática por quem faz uso dessas vacinas”.
—
Bereia classifica a afirmação do bispo católico romano Athanasius Schneider de que as vacinas contra a covid-19 têm células de fetos abortados como ENGANOSA. As linhagens de células fetais de abortos legais existem mas são utilizadas somente para teste, não fazendo parte da composição do imunizante. Ainda, é falso que o processo de utilização das vacinas implique em incentivo ou novos procedimentos abortivos. Além disso, as orientações de Dom Schneider confrontam as instruções do líder mundial da Igreja Católica, o Papa Francisco.
Circulou nas mídias sociais e portais de notícias gospel a notícia de que ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármem Lúcia Rocha, participou de uma reunião fechada com ativistas feministas e assinou carta pró-aborto. Nas matérias vinculadas ao tema é apontado ainda que a reunião realizada pela ministra em seu gabinete contou com cerca de 30 mulheres ligadas a partidos de esquerda progressistas, como a ex-senadora Marta Suplicy, resultando em uma carta pública em defesa do aborto.
De acordo com os sites de notícias, a reunião aconteceu em ambiente fechado e houve, por parte da ministra e de Marta Suplicy, a tentativa de “disfarçar” a defesa do aborto usando o termo “direitos sexuais e reprodutivos das mulheres”, criando assim uma “carta pró-aborto”, que legalizaria e incentivaria o procedimento.
Bereia checou as informações. A carta assinada pela ministra se refere à Carta Aberta Brasil Mulheres, texto publicado pelo portal Brasil mulheres, fruto da reunião realizada em 28 de janeiro de 2022, organizada pela ex-senadora Marta Suplicy em sua casa. O encontro contou com a participação de 28 mulheres convidadas, dentre elas a ministra Cármen Lúcia, a escritora e filósofa Djamila Ribeiro, a líder do movimento Sem-Teto do Centro Carmem Silva e a secretária municipal de Cultura de São Paulo Aline Torres, além de outras. O debate durou pouco mais de dez horas, e aprovou 19 tópicos com demandas dirigidas aos futuros presidenciáveis.
O texto final intitulado “Carta Aberta Brasil Mulheres” tem temas variados que se estendem, desde o pedido por políticas públicas para mulheres negras, afirmação de direitos à população LGBTQ+, direito à saúde reprodutiva feminina até propostas em prol dos direitos de mulheres sob custódia do sistema prisional. Em entrevista à Folha de São Paulo, Suplicy afirma que “são propostas para que a sociedade reflita sobre essas demandas que essas mulheres têm. Aqui são mulheres de várias áreas, de várias condições, com muito sofrimento, muita dor, muita alegria, muita superação, muito sucesso. Tem de tudo. É uma somatória de bagagens mil”, afirmou. A ministra Carmém Lúcia estava presente durante o processo de debate e escrita da carta, chegando a discursar durante a reunião.
Pautas sobre a legalização e regulamentação do aborto foram apresentadas e dabatidas na reunião, e, por opção das mulheres presentes, o termo “aborto” foi tratado como tema geral referente à saúde reprodutiva feminina, não havendo nenhuma inferência direta na criação de um projeto pró-abortivo.
Fonte: Captura de tela canal Brasil Mulheres no Youtube
A carta
A carta aberta dirige-se ao público geral e também aos futuros presidenciáveis, contando com 19 pontos. Leia na íntegra:
Não aceitar qualquer retrocesso nas leis que garantam os direitos das mulheres. Não vetar avanços oriundos do Congresso Nacional aos direitos das mulheres;
Paridade transversal de gênero e equidade de raça nas instituições públicas, políticas e privadas;
Estímulo e facilitação de candidaturas femininas competitivas. Garantia de cumprimento da legislação eleitoral em relação às mulheres;
Garantia da alocação de recursos para políticas públicas destinadas a meninas e mulheres nas leis orçamentárias (plano plurianual, lei de diretrizes orçamentárias e lei do orçamento anual) e ferramentas efetivas para acompanhamento da execução desses gastos;
Desenvolvimento de macropolíticas econômicas e sociais com vistas à geração e manutenção de empregos e renda para mulheres. Acesso a crédito para mulheres empreendedoras; conexão com inovação, programas de educação empreendedora para geração de renda; acesso ao mercado por meio de cotas de compras de empresas públicas e privadas. Qualificação profissional, para autonomia financeira, de mulheres negras, indígenas, quilombolas e em situação de vulnerabilidade social;
Implementação de uma política de renda básica universal capaz de mitigar a pobreza, a fome, as desigualdades socioeconômicas e violências decorrentes;
Universalização da educação infantil, garantindo o atendimento aos indicadores nacionais de qualidade para esta etapa de ensino. Promoção da oferta educacional laica e gratuita e a ampliação da escolaridade. Cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação. Incentivo à educação em ciência, tecnologia e empreendedorismo para meninas e mulheres, com atenção à juventude negra. Priorização na educação em geral e na educação de jovens e adultos (EJA), possibilitando que as mães estudem no mesmo período que os filhos e/ou criando espaços de cuidado para crianças no local de estudo da mãe;
Construção de um programa nacional de incentivo a formação de novas gerações de atletas femininas (cis e trans) em diversas modalidades, incentivando o investimento na manutenção das potências esportivas que atuam e representam o Brasil.
Ampliação de políticas de ações afirmativas étnico-raciais reparatórias – educacionais, de paridade econômica e memória – visando a erradicação das desigualdades socioeconômicas existentes na sociedade;
Promoção da saúde integral da mulher ao longo de todo o ciclo de vida, com especial atenção à mulher idosa. Manutenção e expansão dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Investimento em pesquisas científicas, campanhas preventivas e de estímulo à vacinação. Valorização e defesa do Sistema Único de Saúde (SUS);
Reconhecimento do trabalho doméstico e de cuidados, como centrais à vida; reengenharia do tempo e fortalecimento da economia dos cuidados para melhoria das condições de vida e bem-estar das mulheres. Atenção ao tema da economia do cuidado (ou do trabalho reprodutivo) por meio de políticas públicas e arcabouço normativo que valorizem o trabalho, remunerado ou não, das mulheres que cuidam;
Respeito e preservação dos direitos de todas as famílias em suas múltiplas manifestações. Ampliação da licença parental com equidade de gênero. Educação masculina para os cuidados. Políticas públicas que se guiem pela proteção das mulheres nas violências intrafamiliares. Garantia de vagas em creches de forma contínua, em período integral, para todas as crianças na condição de serviço público essencial. Iniciativas de amparo às crianças e adolescentes com mães presas, órfãos do feminicídio ou mães em situação de extrema vulnerabilidade;
Enfrentamento ao discurso de ódio, violência política e institucional e cerceamento da liberdade de expressão de todas as mulheres, em especial proteção contra os ataques às mulheres jornalistas, políticas, artistas e defensoras de direitos humanos;
Defesa da vida de meninas e mulheres, cis, trans e travestis. Enfrentamento ao feminicídio, às violências doméstica, política, física, psicológica, obstétrica, simbólica, moral e patrimonial. Estabelecimento de uma política integral de acolhimento e cuidado de mulheres e crianças em situação de violência. Desenvolvimento de um programa nacional de prevenção à violência sexual e de acolhimento às vítimas e às famílias de vítimas. Formulação de um marco civil de gênero;
Adoção de uma abordagem pacífica para a reforma da política de drogas, com atenção às mulheres que respondem por delitos relacionados a drogas, cuidado pautado na redução de danos. Garantia de direitos e incentivo a produção de dados sobre o tema;
Reforma no modelo de segurança pública – enfrentamento ao encarceramento em massa, aos índices de homicídio da população negra, efetiva implementação da lei de execuções penais (acesso aos autos do processo, remissão pela leitura e cultura, garantia de direitos sexuais, reprodutivos e saúde menstrual, trabalho decente, educação nas áreas tecnológicas e de cultura, estrutura adequada das cadeias e prisões, acesso ao direito de defesa), garantia de saúde mental para pessoas presas e seus familiares. Consulta a pessoas trans, travestis, não-binárias ou intersexo sobre a preferência pela custódia em unidade masculina, feminina ou específica, se houver, com a devida garantia de proteção em qualquer das unidades. Envolvimento dos três entes federados na inclusão e garantia de direitos de adolescentes em conflito com a lei, pessoas encarceradas e seus familiares e egressas;
Recriação do Ministério da Cultura. Desenho e implementação de políticas de memória que valorizem as mulheres. Fomento à cadeia produtiva cultural nacional (leis de incentivo). Políticas de incentivo ao livro e à leitura, com formação de público leitor. Valorização de artistas e sua produção. Criação e manutenção de aparelhos de cultura. Retomada do vale cultura. Respeito à liberdade de expressão artística e cultural;
Valorização dos saberes de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, na garantia da justiça climática e enfrentamento ao racismo ambiental, com implementação e cumprimento das normas ambientais de espectro local e global;
Garantia da implementação de políticas intersetoriais para a proteção integral de mulheres refugiadas, migrantes legais e ilegais.
—
Bereia classifica a notícia como imprecisa, com título enganoso. A carta em questão existe e foi assinada pela ministra, porém o documento trata de um esforço coletivo de mulheres em prol de melhores condições de vida para este segmento da população, não havendo incentivo ou sinalização de legalizar o aborto, mas sim a defesa da manutenção e expansão dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. A ministra Cármen Lúcia é uma das mulheres que participaram do projeto, mas não sua principal argumentadora ou organizadora. A abordagem dada pelos veículos busca atribuir a ela um expressivo poder sobre a redação final do manifesto, não levando em consideração outras mulheres e pautas envolvidas no processo.
Bereia avalia que este tipo de desinformação faz parte de um repertório que busca: 1) alimentar pânico moral em torno da afirmação de que grupos de esquerda e progressistas são defensores do aborto com vistas ao processo eleitoral 2022, repetindo o que ocorreu em pleitos anteriores para conquista de público religioso para propostas de cunho conservador, negadoras da manutenção e da ampliação de direitos para mulheres; 2) sustentar discursos anti-STF, que têm sido pauta de grupos bolsonaristas em mídias sociais, desde o primeiro ano do mandato do atual governo. Estes dois repertórios desinformativos vêm sendo verificados pelo Bereia e por outros projetos de checagem de conteúdo.
Circula em mídias sociais religiosas um vídeo de aproximadamente sete minutos em que o atual Presidente da República Jair Bolsonaro (PL-RJ) afirma que o Supremo Tribunal Federal (STF) estaria decidindo sobre a proibição da da Bíblia Sagrada em residências. Ainda segundo ele, “uma lei estadual de Santa Catarina está na mão de uma ministra do Supremo Tribunal Federal e ela já adiantou o seu voto (…) Tá decidindo anular, revogar uma lei estadual, onde diz que nas bibliotecas devem conter também bíblias”.
Além da proibição da Bíblia, o Chefe do Executivo também chegou a dizer que o Brasil estava à beira do socialismo antes das últimas eleições e que a corrupção deixou de existir em seu governo. O discurso presidencial pronunciado, em 27 de outubro de 2021, na Primeira Consagração Pública de Pastores do Estado do Amazonas pode ser conferido na íntegra aqui.
O que o STF deliberou sobre a Bíblia?
Na verdade, o julgamento ao qual Bolsonaro se refere diz respeito à uma lei estadual do estado do Mato Grosso do Sul (Lei nº 2.902/2004) que torna obrigatória a presença de ao menos um exemplar da Bíblia em escolas e bibliotecas públicas ( não em Santa Catarina, como mencionado por ele).
O caso foi julgado em plenário virtual e, de acordo com a ministra Rosa Weber, relatora da ação, a lei estadual desprestigiou as demais denominações religiosas e os que não professam nenhuma crença. Segundo o processo, a Procuradoria-Geral da República (PGR) alegou que a medida seria inconstitucional porque violaria o princípio de laicidade do Estado.
Em abril deste ano houve um caso semelhante, desta vez no estado do Amazonas. Em sentença do STF, anulou-se trecho de uma lei que determinava a obrigatoriedade de manutenção da Bíblia em instituições estatais. À época, a ministra e relatora Cármen Lúcia escreveu: “Na determinação da obrigatoriedade de manutenção de exemplar somente da Bíblia, a lei amazonense desprestigia outros livros sagrados quanto a estudantes que professam outras crenças religiosas e também aos que não têm crença religiosa alguma”.
Ambas as decisões do STF não deliberam sobre a presença da Bíblia em residências, tampouco proíbem a presença de tal livro sagrado em escolas e bibliotecas, mas sim consideram inconstitucional a exigência de aquisição da Bíblia ou de qualquer outro livro religioso por parte de órgãos públicos.
Bolsonaro e sua intervenção contra o comunismo
Em seu discurso, Bolsonaro dá a entender que foi graças à sua intervenção política que o patriotismo ressurgiu na cultura brasileira.Segundo ele, antes das eleições de 2018 parecia haver uma ameaça comunista à política, cultura e sociedade brasileira, como podemos ver no fragmento a seguir:
“Nós devemos sempre mover nossos olhos para o passado, para vermos para onde o Brasil estava indo e o que aconteceu depois das últimas eleições. Estávamos à beira do socialismo, a palavra Deus, pátria e família estava esquecida, ou muito pelo contrário, vivia sob ataques constantes, parecia que iríamos entrar em uma situação de guerra arrasada. Para onde o Brasil estava indo? Quais as notícias que tínhamos todas as semanas sobre a corrupção do Brasil?”
Todavia, como já se é sabido, não há, nem nunca houve uma “ameaça” comunistaconcreta com forças políticas o suficiente para ameaçar o Estado brasileiro. Apesar de, de fato, existirem empreitadas de pequeno porte como a Intentona comunista de 1936, não há, na história recente do país, nenhuma ação comunista que venha a se opor às noções de pátria, religião ou mesmo a instituição familiar. O discurso contemporâneo sobre as empreitadas “comunistas” para a reconfiguração política e cultural do país se sustentam sob a alegação de que existem projetos políticos associados à esquerda progressista que advogam junto a causas como a “ideologia de gênero” e o “marxismo cultural”. Essas visões, lembra o cientista social Rafael Toitio, são visões distorcidas da realidade, tanto o “marxismo cultural” quanto a “ideologia de gênero” são interpretações rasas dos debates sobre raça, classe e gênero:
“Essas teses incorretas, primeiro proferidas em um jornal de grande circulação [o autor faz alusão ao jornal O Globo onde Olavo de Carvalho contribuía], constituíram-se em ação concreta diante da organização da extrema direita durante a década de 2010, que tinha nesse inimigo fantasioso o seu alvo primordial: a destruição do comunismo e da hegemonia marxista, feminista, gayzista, antirracista (ambientalista, indigenista etc.) na cultura. Apesar dos muitos delírios dessa perspectiva política, suas teses forneceram um arsenal discursivo que “provava” como o socialismo teria, enfim, tornado-se governo no capitalismo ocidental e que ele deveria ser barrado a qualquer custo”
Contudo, é inegável que foi junto a Bolsonaro que se viu o ressurgimento do debate sobre o patriotismo e o apego a discursos nacionalistas. Para as cientistas sociais Deysi Cioccari e Simonetta Persichetti, o presidente Jair Bolsonaro, durante o processo eleitoral de 2018, direcionou sua campanha ao uso amplo de símbolos pátrios. “Com o slogan de campanha ‘Brasil acima de tudo. Deus acima de todos’, Bolsonaro deu o tom conservador ao pleito eleitoral. O então candidato visava a uma aproximação com o eleitorado a partir de um discurso nacionalista e patriótico”, afirmam. “Nas suas mídias sociais, ele trabalha uma imagem de quem defende os valores da família e da sociedade.”, complementam.
Nota-se com isso que o que aconteceu após as eleições de 2018 não foi a supressão e extinção de uma “ameaça” comunista, mas uma ascensão de pautas conservadoras e nacionalistas propostas pelo presidente eleito como parte de seu projeto eleitoral. Em sua fala, Bolsonaro assume que foi graças a sua intervenção e ao patriotismo que o tema político voltou a circular e crescer em importância.
Corrupção e governo Bolsonaro
Parte da campanha eleitoral do atual presidente do Brasil, o combate à corrupção assume no seu governo o viés não apenas político, como também uma identificação com as causas conservadoras. Em discursos e mesmo em seu projeto eleitoral, Bolsonaro assume que em seu governo a corrupção será expurgada.
Em desdobramentos recentes da investida contra a corrupção no país, Bolsonaro afirmou ter acabado com a corrupção no país. Em seu pronunciamento, o presidente disse: “é um orgulho, é uma satisfação que eu tenho, dizer a essa imprensa maravilhosa que eu não quero acabar com a Lava Jato. Eu acabei com a Lava Jato, porque não tem mais corrupção no governo. Eu sei que isso não é virtude, é obrigação”.
Todavia em conversa com apoiadores de seu governo, realizada no dia 06 de dezembro de 2021, no “cercadinho” no Palácio da Alvorada, o presidente deu a entender que há corrupção em seu governo, contrariando o que havia dito em setembro de 2020, “eu não vou dizer que no meu governo não tem corrupção, porque a gente não sabe o que acontece […], mas se tiver qualquer problema, eu vou ver, a gente vai ver isso aí, eu não posso dar conta de mais de 20 mil servidores comissionados, mais ministério com 300 mil funcionários, a grande maioria de pessoas honestas”,ponderou.
A mudança de posicionamento do presidente se deu após uma série de denúncias internas sobre a compra superfaturada de vacinas contra a covid 19 e licitações fraudulentas. Dentre as acusações levantadas contra Bolsonaro naquilo que ficou conhecido como a CPI da Covid pode-se apontar: atentado contra o direito à vida e a saúde; estímulo à invasões hospitalares; incentivo à automedicação e uso medicamentos sem eficácia comprovada; recusa em adotar o isolamento social; demora e negligência na compra de vacinas; afronta ao decoro do cargo presidencial, dentre outros.
Contudo, esse não foi o primeiro episódio em que o governo é alvo de acusações de envolvimento com a corrupção. Em novembro do ano passado, o deputado evangélico Marcelo Álvaro Antônio, a pedido de Bolsonaro, assumiu o cargo de ministro do Turismo, mesmo estando sob a suspeita de envolvimento com esquema de desvio de recursos do fundo eleitoral.
Há ainda uma série de escândalos envolvendo a família de Jair Bolsonaro. Um deles é protagonizado pela esposa do presidente, Michelle Bolsonaro e o ex-assessor dele Fabrício Queiroz. Na ocasião, a primeira dama recebeu em sua conta bancária 27 depósitos em cheque que somavam a quantia de R$ 89 mil, sob a justificativa de que Queiroz estaria pagando uma dívida contraída por ele. As movimentações bancárias de Queiroz levantaram suspeitas da Polícia Federal, que, em suas investigações, descobriram que junto à família Bolsonaro Queiroz havia movimentado quase três milhões de reais em sua conta, entre abril de 2017 e dezembro de 2018.
Outro escândalo é o de peculato, popularmente chamado “rachadinha’, praticado por um dos filhos de Bolsonaro, o senador Flávio Bolsonaro. A rachadinha consiste em um esquema de repasses ilegais de salário que acontecia em seu gabinete quando Flávio ainda era Deputado.
***
Bereia classifica como falsas as afirmações do Presidente da República Jair Bolsonaro (PL) no evento de Primeira Consagração Pública de Pastores do Estado do Amazonas. O STF não decidiu sobre a proibição da Bíblia em residências ou bibliotecas, mas sim deliberou pela não obrigatoriedade do livro em escolas e bibliotecas públicas, em respeito a outras religiões e a quem não tem religião. Além disso, não é possível afirmar que o Brasil beirava o socialismo nas pré-eleições de 2018, tendo em vista que era governado por partido de centro-esquerda, alinhado às causas progressistas, com a proposta de mudanças sociais dentro do sistema capitalista. Tampouco se pode confirmar a inexistência de corrupção no Governo Bolsonaro, tendo em vista as acusações feitas na CPI da COVID este ano e outros casos sob investigação.
O portal de notícias evangélico Gospel Prime noticiou que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em “excursão” pela Europa (termo colocado na matéria entre aspas, denotando questionamento), defendeu a regulamentação as mídias sociais, bem como a cobrança de impostos para as empresas proprietárias de plataformas. Segundo o Gospel Prime, Lula justificou a questão com o fato de o Brasil tem um presidente que “conta cinco mentiras por dia em suas redes sociais”.
A entrevista
Gospel Prime não indica a fonte da matéria que publicou. Bereia verificou que o site religioso se baseou na entrevista dada pelo ex-presidente, em 18 de novembro, ao grupo S&D (Socialista e Democrata) do Parlamento Europeu, durante o evento “Global progressive forum 2021” (Fórum Global Progressista 2021), disponível em vídeo. Lula foi convidado a debater nesse evento sobre o futuro da democracia e seus riscos. Pautas como desigualdade social, questões climáticas, ecossustentabilidades e democratização das mídias foram debatidas na ocasião.
Na entrevista, Lula defendeu que o futuro da democracia está na luta contra as desigualdades, “todos têm que ser tratados em igualdade e tenham as mesmas oportunidades”, defende. Quando questionado sobre o futuro da democracia na América Latina, o ex-presidente alegou a importância de defender um modelo político democrático em que os sujeitos tenham “igualdade” em setores como economia, educação, mercado de trabalho e meios de comunicação. A partir desse ponto da entrevista, foi iniciado o questionamento sobre comunicação e mídias sociais. Lula afirmou “os meios de comunicação têm que ser democráticos, todas as pessoas têm que ter direito a serem ouvidas pelos meios de comunicação; não é o dono do jornal, ou o dono da televisão, que é o sensor. É preciso que a sociedade tenha uma participação, nessa democratização dos meios de comunicação”.
A fala sobre “regulamentação das redes sociais”, como foi abordado pelo portal de notícias, se deu quando o ex-presidente mencionou as eleições de Donald Trump à Presidência dos EUA, bem como o uso das mídias sociais pelo presidente Jair Bolsonaro: “no Brasil, nós temos um presidente que conta cinco mentiras por dia, através das redes sociais, mas isso não nega a democracia”.
Para Lula, a “regulamentação” se justifica como “empecilhos à maldade” circulante nas mídias sociais (crimes de ódio, manipulação de informações, fake news ou informações que possam vir a tentar contra a integridade humana), “uma coisa é você usar as redes de comunicação para informar, outra coisa é pra fazer maldade, outra coisa é pra contar mentira, outra coisa é pra causar prejuízo a sociedade”, disse. Um dos benefícios da regulamentação, apontado pelo ex-presidente, é a taxação de impostos para que os proprietários de plataformas possam operar no país.
Lula e a regulamentação da mídia
Esta não é a primeira vez que o ex-presidente Lula menciona a regulamentação das mídias. Apesar da pauta estar presente desde o seu primeiro mandato e retomado com a ex-presidente Dilma Rousseff, o debate permaneceu “dormente” até o lançamento do livro “Fascismo: ontem e hoje” (escrito por membros da Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT), quando Lula retomou a discussão publicamente. Voltando a tocar no assunto em sua viagem realizada pelo Nordeste, no final de outubro, em entrevista concedida à Rádio Metrópole da Bahia, desta vez como uma promessa de campanha, caso venha a se candidatar para as eleições de 2022. Em entrevista Lula afirmou “a regulamentação dos meios de comunicação é do tempo que a gente conversava por carta, é de 1962, olha a evolução que houve nas comunicações, você não acha que a internet tem que ter uma regulamentação? Uma regulamentação que não seja censura, uma regulamentação que permita que a gente conduza a internet mais pro bem que para o mal”. Na mesma entrevista, Lula prometeu enviar para o jornalista José Eduardo, o projeto de regulamentação, para que assim ele possa debater publicamente sobre o projeto.
Em sua conta pessoal no Twitter, o Lula defendeu seu desejo pela regulamentação da mídia em moldes britânicos
O modelo britânico conta com dois órgãos reguladores da atividade de imprensa: o Press recognition panel (painel de reconhecimento da imprensa), um órgão de autorregulamentação voltado para jornais, revistas e sites; e o Ofcom, órgão voltado para a televisão, telefonia e internet. Dentre as responsabilidades dos veículos de comunicação está a garantia de resposta para aqueles que forem prejudicados pelos veículos, direito à correção de material vinculado, garantia de não exposição de material ofensivo, proteção à integridade pessoal e tratamento justo à pessoa, além da inviolabilidade da privacidade individual.
Apesar de abordar o tema, o ex-presidente ainda não apresentou projeto público ou proposição quanto à regulamentação da mídia.
Regulamentação e censura
É preciso destacar que regulamentação da mídia não é o mesmo que censura. A Constituição de 1988, em seu artigo 5º, garante a liberdade de expressão e de imprensa, bem como o direito de manifestação individual (desde que não venha a ferir a vida e a dignidade do outro). A regulamentação da mídia é uma demanda que ultrapassa partidos e é defendida há muitos anos na sociedade civil por vários grupos que trabalham com direito à comunicação, incluindo a academia. Regulamentar não quer dizer o controle ou a proibição de pautas e assuntos, quer dizer criar regras para que as empresas que dominam os meios de comunicação sejam mais inclusivas. A alegação crítica é que os veículos de comunicação brasileiros, há décadas, são dominados por poucas empresas midiáticas, o que enfraquece o debate democrático, privilegia políticos que se tornam donos de mídias, além de não conceder direito à liberdade de expressão para aqueles que estão fora das prioridades ou são avessos aos ideais dos proprietários e dos produtores de conteúdo
Como o índio, o negro, as mulheres, @s homossexuais, o povo do campo, as crianças e a população das periferias aparecem na televisão brasileira? Como os cidadãos das diversas regiões, com suas diferentes culturas, etnias e características são representados? A liberdade de expressão não deveria ser para todos e não apenas para os grupos que representam os interesses econômicos e sociais de uma elite dominante? Existem espaços para a produção e veiculação de conteúdos dos diversos segmentos da sociedade na mídia brasileira?
Em sua tese, o doutor em comunicação Camilo Vannuchi defende:
Conceber o direito humano à comunicação implica entender os cidadãos que participam do sistema de comunicação como sujeitos de direitos. Neste sentido, é oportuno aprimorar o aparato de proteção, sobretudo em relação aos abusos cometidos pelas empresas de mídia: a violação do direito à privacidade, o crime de injúria ou difamação, a exploração da imagem de crianças e vulneráveis, entre outros. Ao mesmo tempo, é fundamental que instâncias jurídicas e organizações da sociedade civil estejam preparadas para lidar com o tema do direito à comunicação. Novas legislações virão se somar às ferramentas ora disponíveis e ajudarão a avançar no sentido de um modelo de comunicação que tenha como princípio a ampliação da esfera pública (ou esferas públicas, no plural) para um sistema que estimule a participação popular, a representatividade regional, econômica, racial e de gênero, e que possa influenciar mais fortemente as ações do Estado no sentido da democracia.
Dentre as propostas contidas no Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Mídia Democrática, criado pelo FNDC em 2013, com vistas à regulamentação da mídia estavam o pedido de veto à propriedade de emissoras de rádio e TV a políticos; criação do Conselho Nacional de Comunicação e do Fundo Nacional de Comunicação Pública; responsabilidade por possíveis danos pessoais e cíveis oriundos da vinculação de uma notícia falsa, dentre outros. O PL não alcançou o número mínimo de assinaturas (1,3 milhões) para garantir sua tramitação. O texto completo da PL pode ser encontrado na tese de doutoramento de Vannuchi.****
Bereia classifica a informação de Gospel Prime como enganosa por tratar-se de informações verdadeiras, cujo desenvolvimento fora distorcido a fim de levar o leitor à uma interpretação negativa da fala do ex-presidente (ideia de censura), suprimindo a natureza do evento em que ele concedeu a entrevista. Não há elementos suficientes na trajetória de governo Lula e na gravação em vídeo em questão que sustentem que a afirmação significa censura ou uma ameaça à democracia.