Deputada governista compartilha informações enviesadas sobre PIB, emprego e recessão

*Matéria atualizada em 16/03/2022 às 20:15

Na última semana, notícias sobre o aumento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro foram divulgadas por apoiadores do governo de Jair Bolsonaro (PL-RJ) em mídias sociais religiosas. Muitos  perfis publicaram conteúdo de comemoração da retomada do crescimento da economia e parabenizaram o atual presidente, a exemplo da deputada federal Carla Zambelli, (União Brasil-SP), presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Liberdade Religiosa e da Cultura de Paz.

Imagem: reprodução do Twitter

O contexto

O Produto Interno Bruto (PIB) é a soma de todos os bens e serviços finais produzidos por um país, estado ou cidade, geralmente em um ano. Tradicionalmente é utilizado para representar, assim, o desempenho da economia. Seu cálculo é um indicador de fluxo de novos bens e serviços finais produzidos durante o período. 

Em 4 de  março deste ano, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou os dados do chamado Sistema de Contas Nacionais Trimestrais, no qual foi apontado um crescimento de 4,6% do PIB em 2021, totalizando R$8,7 trilhões. O valor se refere à taxa acumulada ao longo do ano em relação ao mesmo período do ano anterior, 2020.

Este avanço recuperou a queda de 3,9% em 2020 – quando a economia brasileira encolheu em meio à pandemia da covid-19 – posicionando o Brasil entre os países que conseguiram crescer em 2021 mais do que decresceram no ano anterior. Porém, de acordo com o IBGE, o indicador está “0,5% acima do quarto trimestre de 2019, período pré-pandemia, mas continua 2,8% abaixo do ponto mais alto da atividade econômica na série histórica, alcançado no primeiro trimestre de 2014”.

Imagem: reprodução de gráfico do IBGE

Ainda segundo dados do IBGE, o crescimento da economia foi alavancado pela alta nos serviços (4,7%) e na indústria (4,5%). Além disso, todos os componentes da demanda subiram, ao contrário do que ocorreu em 2020, quando o consumo das famílias e o do governo recuaram 5,4% e 4,5%, respectivamente.

Favorecidos pela construção e pela produção interna de bens de capital, os investimentos (Formação Bruta de Capital Fixo) avançaram 17,2%. A taxa de investimento subiu de 16,6% para 19,2% em um ano.

No quarto trimestre de 2021, o PIB cresceu 0,5% se comparado ao terceiro trimestre do mesmo ano, tirando o Brasil da chamada recessão técnica, quando há recuo do indicador durante dois trimestres consecutivos, o que ocorreu no segundo e terceiro trimestres de 2021.

O que dizem os especialistas

A alta de 4,6% do PIB em 2021 é a maior desde 2010, quando a economia cresceu 7,5%. Apesar de visto com bons olhos, analistas indicam que o bom desempenho em 2021 se deve ao fato de que a comparação foi feita em relação ao ano de 2020, em que houve grandes prejuízos na economia decorrentes da pandemia, isto é, um ano atípico nas condições de comparação com os demais. 

O mesmo ocorreu em outros países, como a França – que viu sua economia crescer 7% em 2021, a maior alta em 52 anos, depois de decrescer 8% no ano anterior – e a Espanha, que registrou 5% de aumento do PIB, o maior em duas décadas, após a queda de 10,8% em 2020. 

Segundo o economista da XP Investimentos Rodolfo Margato em conversa com a BBC Brasil, a alta no setor de serviços, por exemplo, um dos mais afetados pelas restrições da pandemia, pode ser atribuída em grande parte aos efeitos da vacinação em massa, que começou a alavancar ao final do terceiro trimestre. Assim, permitiu-se a retomada de muitos negócios, como turismo, hospedagem, bares e restaurantes.

A recomendação para 2022 é cautela. A FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), projetou um crescimento de 0% para o PIB do próximo ano, enquanto no Boletim Focus, do Banco Central, a previsão para expansão do PIB em 2022 é de 0,3%.

Com o recente conflito entre Rússia e Ucrânia, as incertezas quanto aos rumos da economia são ainda maiores. A expectativa é de que haja uma alta na inflação devido ao aumento do preço das commodities; a elevação dos juros para conter a guinada inflacionária e a inibição de investimentos por conta do cenário instável causado pela guerra. Soma-se a isso a baixa previsibilidade econômica do ano eleitoral.

Mesmo com o crescimento da economia, especialistas alertam para o fato de que o Brasil caiu no ranking de maiores economias do mundo, ocupando agora a 13º posição. De acordo com os dados da agência de classificação de risco Austin Rating, o país figurava em 7º lugar entre os anos de 2010 e 2014.

Aumento do PIB não garante melhora na qualidade de vida dos brasileiros

Apesar de ser um relevante indicador dos rumos da economia, o PIB não leva em consideração outros importantes fatores que impactam diariamente a vida das famílias brasileiras, como é o caso do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), Índice Multidimensional para a Perda de Qualidade de Vida (IPQV) e o Índice de Desempenho Socioeconômico (IDS). O cenário atual de sucateamento do mercado de trabalho, de inflação e de perda de direitos básicos como a alimentação fazem com que o país tenha um longo caminho pela frente em busca da recuperação econômica.

De acordo com relatório divulgado pelo Ministério do Trabalho e Previdência sobre o número de admissões e desligamentos, no segundo semestre de 2021 o Brasil perdeu 265 mil vagas de emprego formais, fechando o ano com 1.437 admissões e 1.703 demissões. Já no setor informal da economia houve um crescimento no número de trabalhadores, somando, no segundo semestre de 2021, 48,7% da população, ou 42,7 milhões de pessoas trabalhando informalmente

Imagem: reprodução de gráfico do Ministério do Trabalho e Previdência

Estes números implicam diretamente na redução da média salarial do brasileiro, que vem caindo desde o primeiro semestre de 2020 (dados Pnad). Em maio de 2020 o rendimento médio salarial do brasileiro era de R$ 2.857,00, já no segundo semestre de 2021 o rendimento médio era de de R$ 2.447,00, uma redução de  R$ 410,00, ou 14% da média salarial.   

Imagem: reprodução de gráfico do Pnad

 Quanto à alta no número de investimentos na bolsa de valores brasileira , se explica graças à desvalorização da moeda brasileira, à elevação dos preços dos commodities e à queda da Bolsa de Valores. Estes fatores indicam que ficou mais barato para empresas estrangeiras investirem em ações de empresas nacionais, pois com a desvalorização do Real e queda da bolsa, torna-se mais vantajoso investir, passando a enxergar o B3 como uma “bolsa de Commodities” baratos. O reflexo dessa ação pode ser percebido com queda de quase 12% do Índice da Bolsa de Valores de São Paulo (Ibovespa), e o recorde de investimentos estrangeiros na bolsa de valores do país, batendo mais de R$ 100 bilhões em 2021. 

A desvalorização do Real tem impulsionado a alta nos preços de combustíveis. Foi anunciado pela Petrobras no início deste mês um aumento de 25% no valor do diesel, 19% da gasolina e 16% no gás de botijão, a nova alta vem depois de um aumento paulatino de 47% nos valores da gasolina em 2021 (IBGE). Especialistas, em entrevista para a BBC Brasil, estimam que a alta de 19% nas refinarias deva resultar em um aumento de 6,2% no valor pago pelos consumidores na bomba. Esta é a décima terceira e maior alta no preço do combustível desde janeiro de 2021, quando, na época, a gasolina teve um reajuste de 10,2% e o diesel 15,2%. 

Outro fator componente do atual quadro político e econômico brasileiro está na volta do país ao Mapa da Fome. Desde 2014 o país havia reconhecidamente saído do Mapa da Fome desenvolvido pela FAO (Food And Agriculture Organization, em inglês, Organização para a Alimentação e Agricultura, em português), pasta da Organização das Nações Unidas (ONU) ligada à segurança alimentar. Mas, em 2018, o país voltou a apresentar índices de Insegurança Alimentar (IA), chegando a, em 2020, o dado estimativo que mais de 55% da população brasileira estivesse convivendo com a algum nível de Insegurança Alimentar (não podendo consumir a quantidade calórica suficiente para um dia). 

Em estudo realizado pelo Instituto Fome Zero (IFZ) e intitulado “Rede PENSSAN – Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no contexto da pandemia da COVID-19 no Brasil” revelou-se que:

Os resultados do inquérito mostram que nos três meses anteriores à coleta de dados [a pesquisa foi feita em dezembro de 2020], menos da metade dos domicílios brasileiros (44,8%) tinha seus(suas) moradores(as) em Segurança Alimentar. Dos demais, 55,2% que se encontravam em Insegurança Alimentar; 9% conviviam com a fome, ou seja, estavam em situação de IA grave, sendo pior essa condição nos domicílios de área rural (12%). [p.09]

Considerando-se um total de 211,7 milhões de habitantes, a pesquisa revelou que 116,8 milhões de brasileiros vivem com algum grau de insegurança alimentar, desses 43,4 milhões não tinham alimento em quantidade suficiente, e 19 milhões enfrentavam a fome. O estudo aponta ainda que crises políticas e econômicas somadas às consequências da pandemia contribuíram para a acentuação do quadro de insegurança alimentar no país. “Essa reversão de tendência indica que a superposição da emergência da pandemia da covid-19 com as crises econômica e política dos últimos anos impactou de forma negativa e relevante o direito humano à alimentação adequada e saudável do povo brasileiro” [p.11].


Bereia classifica as publicações que exaltam o crescimento do PIB em apoio ao governo federal como imprecisas. As afirmações sobre o crescimento do PIB são verdadeiras, mas desconsideram que tal crescimento se dá em comparação com o ano anterior, quando houve um déficit de -3,9% do PIB. Apesar do expressivo crescimento, de acordo com o IBGE, o ano de maior desempenho do PIB foi em 2014, e não 2021, como faz parecer a postagem da deputada Carla Zambelli, tomada na matéria para checagem, devido ao alto número de compartilhamentos. Da mesma forma, a exaltação do crescimento de empregos e de investimentos não correspondem ao quadro de debilidade no qual se encontra o país nestas áreas, como mostram os dados levantados pelo Bereia.

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Referências de checagem:

IBGE. 

https://www.ibge.gov.br/explica/pib.php Acesso em: 08 de mar. 2022

https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/contas-nacionais/9300-contas-nacionais-trimestrais.html?=&t=destaques Acesso em: 08 de mar. 2022

https://www.ibge.gov.br/explica/desemprego.php Acesso em: 12 de mar. 2022

https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/9173-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios-continua-trimestral.html?=&t=series-historicas&utm_source=landing&utm_medium=explica&utm_campaign=desemprego  Acesso em: 12 de mar. 2022

Agência de Notícias IBGE.

https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/33066-pib-cresce-4-6-em-2021-e-supera-perdas-da-pandemia#:~:text=O%20Produto%20Interno%20Bruto%20 Acesso em: 08 de mar. 2022 

Banco Central do Brasil. https://www.bcb.gov.br/publicacoes/focus Acesso em: 08 de mar. 2022 

FIESP. https://www.fiesp.com.br/noticias/pib-cenario-e-de-muita-incerteza/ Acesso em: 08 de mar. 2022 

O Globo.

https://oglobo.globo.com/economia/pib-da-franca-tem-maior-alta-em-52-anos-o-da-espanha-tem-maior-avanco-em-duas-decadas-25371109 Acesso em: 09 de mar. 2022 

https://valor.globo.com/brasil/noticia/2021/11/10/trabalho-informal-bate-recorde-e-deve-continuar-a-crescer.ghtml Acesso em: 12 de mar. 2022 

G1.https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/10/25/gasolina-nas-alturas.ghtml Acesso em: 12 de mar. 2022 

El País.

https://elpais.com/economia/2022-01-28/la-economia-espanola-crecio-un-5-el-ano-pasado.html#:~:text=La%20econom%C3%ADa%20espa%C3%B1ola%20creci%C3%B3%20un%205%25%20en%202021%2C%20seg%C3%BAn%20el,que%20todav%C3%ADa%20acarrea%20el%20coronavirus. Acesso em: 09 de mar. 2022 

BBC. 

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-60617541 Acesso em: 09 de mar. 2022 

https://www.bbc.com/portuguese/geral-60715988 Acesso em: 12 de mar. 2022 

IG. https://economia.ig.com.br/2022-03-04/brasil-ranking-economias-do-mundo.html 

Acesso em: 09 de mar. 2022 

CNN.

https://www.cnnbrasil.com.br/business/investimentos-de-estrangeiros-na-bolsa-brasileira-batem-recorde-em-2021/#:~:text=Apesar%20da%20queda%20de%20quase,marca%20de%20R%24%20100%20bilh%C3%B5es. Acesso em: 12 de mar. 2022 

https://www.cnnbrasil.com.br/business/emprego-formal-avanca-enquanto-o-desemprego-bate-recorde-entenda/ Acesso em: 12 de mar. 2022 

https://www.cnnbrasil.com.br/business/gasolina-e-diesel-da-petrobras-tem-maior-alta-desde-janeiro-de-2021/ Acesso em: 12 de mar. 2022 

Ministério do trabalho e previdência. https://www.gov.br/trabalho-e-previdencia/pt-br  

Acesso em: 12 de mar. 2022 

Organização das Nações Unidas

https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/relatorio-da-onu-ano-pandemico-marcado-por-aumento-da-fome-no-mundo  Acesso em: 12 de mar. 2022

https://www.fao.org/portugal/acerca-de/pt/ Acesso em: 12 de mar. 2022 

Governo do Brasil 

https://www.gov.br/pt-br/noticias/trabalho-e-previdencia/2022/01/brasil-registra-mais-de-2-7-milhoes-de-empregos-formais-em-2021 Acesso em: 12 de mar. 2022

https://www.gov.br/economia/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/notas-informativas/2022/janeiro/ni-mercado-de-trabalho-2021.pdf Acesso em: 12 de mar. 2022 

Folha de São Paulo.  

https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/01/volta-do-brasil-ao-mapa-da-fome-e-retrocesso-inedito-no-mundo-diz-economista.shtml

Acesso em: 12 de mar. 2022 

Instituto Fome Zero. https://ifz.org.br/ Acesso em: 12 de mar. 2022 
https://ifz.org.br/wp-content/uploads/2021/11/VIGISAN-Inseguranca-Alimentar-e-Covid-19-no-Brasil.pdf  Acesso em: 12 de mar. 2022

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Foto de capa: Paulo Sergio/Câmara dos Deputados

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