Nos primeiros dias de setembro, a imprensa divulgou informações sobre o pastor da Igreja Batista Atitude Josué Valandro Junior ter recebido e orado, no mesmo dia, por dois candidatos que disputam a Prefeitura da capital fluminense: o atual prefeito Eduardo Paes (PSB) e Alexandre Ramagem (PL).
As relações do pastor da Igreja Batista Atitude, que tem sede no bairro da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro (RJ), com a política não são recentes. Desde, ao menos, a eleição presidencial de 2018, Valandro Junior tem recebido políticos em sua igreja e participado de eventos oficiais, como a posse do ex-presidente da República Jair Bolsonaro. Bereia checou informações sobre o assunto.
Imagens: reprodução/Instagram
No domingo, 1 de setembro, as relações do pastor Josué Valandro Junior com a política mais uma vez vieram à tona. No mesmo dia, ele recebeu e orou por dois concorrentes na corrida à prefeitura do Rio de Janeiro. Horas após ter recebido e orado pelo atual prefeito e candidato Eduardo Paes (PSB), Valandro recebeu e orou por Alexandre Ramagem (PL), candidato apoiado pela família Bolsonaro.
A newsletter Ebulição, que é produzida pela Agência Lupa e tem destacado os temas mais frequentes em aplicativos de mensagens durante as eleições municipais no Rio de Janeiro e em São Paulo, destacou, na última edição, a ida de Paes e Ramagem à Igreja Batista Atitude.
De acordo com a Ebulição, “grupos que fazem oposição ao atual prefeito e ao deputado federal não tardaram em preparar montagens apontando o possível paradoxo do líder religioso e espalhá-las por grupos públicos de WhatsApp e Telegram. Para essas pessoas, Paes e Ramagem são ‘dois lados da mesma moeda’. Suas relações – até mesmo com a fé – precisam ser denunciadas e combatidas.”
Pastor Josué Valandro Junior e relações com a política
Filho de um pastor da Igreja Batista do Tauá, na Ilha do Governador, bairro do Rio, Josué Valandro Junior ganhou destaque na imprensa nos últimos anos, por suas relações com a família Bolsonaro.
Segundo informações do jornal O Globo, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, frequentadora e intérprete de libras na Igreja Batista Atitude antes da mudança para Brasília, em 2017, após se casar com o ex-presidente Jair Bolsonaro, apresentou o marido ao pastor Valandro Junior. Uma semana após a vitória nas eleições presidenciais de 2018, Bolsonaro participou de um culto na igreja. Na ocasião, ele se ajoelhou no púlpito, chorou e agradeceu a Deus pela vitória.
Imagem: reprodução/Facebook
Até hoje, no perfil de Josué Valandro Junior no Instagram, há publicações do pastor durante a posse de Jair Bolsonaro como Presidente da República. Nelas, ele aparece com o deputado federal Hélio Lopes (PL-RJ) e diz que está feliz com o resultado da eleição. Ao lado da esposa, o pastor diz: “Estamos caminhando aqui para a posse do nosso presidente Jair Bolsonaro. Tempo de esperança. Estamos muito felizes com as possibilidades de uma nação melhor, mais justa, mais abençoada”.
A relação com a família Bolsonaro rendeu visibilidade e um crescimento que a Igreja Batista Atitude ainda não havia experimentado. “Hoje, mais gente está sabendo da igreja em função de a Michelle ser membro, sem sombra de dúvidas” disse o pastor ao O Globo.
Nas eleições de 2022, a igreja liderada por Valandro Junior promoveu uma campanha de jejum, com incentivo aos fiéis a se privarem de refeições por até 18 horas enquanto oravam pelo futuro do país, o que denotava a reeleição de Jair Bolsonaro e a eleição de parlamentares alinhados ao então presidente. Naquele ano, oito candidatos a cargos políticos receberam orações na Batista Atitude. Um deles foi Otoni de Paula (MDB-RJ), reeleito deputado federal. As informações foram publicadas pela revista Piauí.
Igreja Batista Atitude no Rio de Janeiro
A Igreja Batista Atitude (IBA) foi fundada no Rio de Janeiro, nos anos 2000. A sede da denominação fica na Barra da Tijuca, zona oeste da cidade, povoada por moradores de classe média e alta. Ao todo, são 47 unidades da igreja, seis fora do Brasil. No país, a IBA está presente em 12 estados brasileiros, 14 cidades do estado do Rio de Janeiro e, em pelo menos, 15 bairros da capital fluminense.
A denominação se tornou conhecida, principalmente em 2017, por meio de Michele Bolsonaro, então membro da igreja-sede, e a aproximação com Jair Bolsonaro, então deputado federal pelo PSC, já delineando alianças para a candidatura à Presidência. Outros políticos, artistas, atletas e ex-atletas também já compuseram o quadro de membresia da IBA.
A igreja coordena a Supere, uma rede de igrejas com o intuito de ensinar sobre crescimento de igrejas, por meio da formação de líderes, denominado pela IBA de Modelo de Pastoreio Simplificado. A rede dirige ainda a Universidade Corporativa da Igreja Batista Atitude, voltada para o ensino da Bíblia.
A IBA também administra o Instituto Assistencial Atitude, que coordena ao menos três projetos: a creche Novos Sonhos, o Centro de Tratamento Integrado da Família (CETIF) – que oferece atendimento psicológico, fonoaudiológico, psiquiátrico, nutricional e jurídico gratuito ou por valores sociais – e o centro de recuperação Mais que Vencedores, voltado para homens dependentes químicos.
Emendas parlamentares e apoio político
Em agosto, o jornal O Globo revelou que o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), hoje candidato à Prefeitura do Rio, destinou uma verba de R$ 500 mil à Igreja Batista Atitude. Segundo informações apuradas pelo jornal, a quantia teria sido destinada a um projeto esportivo do centro de recuperação Mais que Vencedores, em maio.
Anteriormente, o Instituto Assistencial Atitude já havia sido beneficiado por emendas parlamentares do deputado federal Hélio Lopes (PL-RJ). Lopes direcionou R$ 1,3 milhão para projetos do instituto, inclusive o programa Mais que Vencedores, em Itaboraí.
Em 2018, com o apoio dos vereadores do Rio Inaldo Silva (então PRB, bispo da Igreja Universal do Reino de Deus), Felipe Michel (PSDB) e Marcelo Siliciano (PHS), a Igreja Batista Atitude conseguiu autorização para construir um novo prédio, com cinco andares. Para o andamento da obra foi necessária a aprovação de uma nova lei na Câmara Municipal, já que o número de pavimentos estava acima do permitido na legislação vigente anteriormente.
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Bereia classifica a informação propagada acerca do pastor da Igreja Batista Atitude (Barra da Tijuca, Rio) Josué Valandro Junior e candidatos opostos à Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro como verdadeira. Os conteúdos relacionados aos encontros do pastor Josué Valandro Junior com os candidatos à Prefeitura do Rio, Eduardo Paes (PSB) e Alexandre Ramagem (PL), correspondem aos fatos.
De acordo com os relatos, ambos os candidatos estiveram presentes na sede da denominação, no mesmo dia, foram recebidos pelo pastor da igreja e receberam orações.
“Só os conservadores sofrem atentados”, foi a afirmação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) publicada, em 14 de julho, após o ex-presidente estadunidense e candidato, mais uma vez, ao cargo, Donald Trump (Partido Republicano) ter sido alvo de um atirador. O caso ocorreu em comício realizado no estado da Pensilvânia, em 13 de julho passado.
A afirmação de Bolsonaro, após o caso, é um extrato de vídeo, publicado em mídias sociais dele. Nele, o político responde a perguntas de jornalistas e compara o ocorrido com o atentado a faca que ele próprio sofreu na campanha eleitoral de 2018, no Brasil. No trecho divulgado, o ex-presidente também diz: “Os atentados são contra as pessoas de bem e conservadoras.”
Imagem: Reprodução Instagram
A fala de Bolsonaro foi repercutida em várias mídias de notícias como O Globo, Poder 360, Pleno News, Folha de São Paulo, Uol, entre outros. Perfis de mídias sociais de políticos e de seguidores também colaboraram com a viralização da fala. Algumas matérias apenas divulgaram a declaração de Jair Bolsonaro, como as do Pleno News, Poder 360 e Uol. Outras fizeram a apuração do conteúdo, como O Globo e Folha de S. Paulo.
Imagens: Reprodução: O Globo, Poder 360,Pleno News, Uol e Folha de São Paulo
Bereia checou a afirmação e fez um levantamento de casos no Brasil e no exterior para identificar se a violência política atinge personagens de diferentes espectros ideológicos.
EUA: atentados a presidentes republicanos e democratas
O atentado contra Donald Trump não foi um caso isolado na história estadunidense. Desde a fundação dos Estados Unidos da América como estado independente, em 1776, o país foi liderado por 46 presidentes. O último, em exercício, é Joe Biden do Partido Democrata. Quatro deles foram assassinados enquanto exerciam o cargo: Abraham Lincoln (Partido de União Nacional, 1865): James A. Garfield (Partido Republicano, 1881): William McKinley (Partido Republicano, 1901): John F. Kennedy (Partido Democrata, 1963).
Para além dos que foram mortos durante o exercicio do mandato, mais outros 16 atentados foram registrados contra presidentes e candidatos à presidência ao longo da história daquele país: Andrew Jackson (Partido Democrata 1835): Franklin D. Roosevelt (Partido Democrata 1933): Harry S. Truman (Partido Democrata 1950): Gerald Ford (Partido Republicano 1975): Ronald Reagan (Partido Republicano 1981):
Analistas avaliam que o livre porte de armas nesse país é um fator que colabora com a alta incidência de atentados a bala. A Segunda Emenda da Constituição dos Estados Unidos da América, promulgada em 1791, garante o direito de manter e portar armas. Apesar do debate sobre a aplicação de uma lei do século 18 nos dias atuais, e as variações de interpretação sobre a emenda, o lobby em favor das armas de fogo, lideradas pela Associação Nacional de Rifles (NRA, na sigla em inglês), ainda prevalece.
No Brasil: do Império aos dias atuais, atentados são relacionados a diferentes ideologias
O imperador D. Pedro II, meses antes do golpe que inaugurou a República, em 1889, foi alvo de um atentado a tiros, por um português que protestava em prol da instauração do regime republicano. O monarca não foi atingido.
O terceiro presidente do Brasil, Prudente de Morais (Partido Republicano Paulista), foi o primeiro civil a ocupar o cargo da presidência. Em 1897, sobreviveu a uma tentativa de assassinato, quando um soldado apontou uma arma em seu peito.
Em 1988, José Sarney (MDB) era o presidente do Brasil quando um Boeing 737 da Viação Aérea São Paulo (VASP) foi sequestrado por Raimundo Nonato Alves da Conceição. O objetivo do sequestrador era atingir o Palácio do Planalto para matar Sarney. Depois de nove horas de sequestro, o piloto da VASP conseguiu pousar no aeroporto de Goiânia e impediu a ação.
Para além desses casos, é muito extensa a lista de políticos, governantes, parlamentares e candidatos a estes cargos, que sofreram atentados, fatais ou não. Uma simples pesquisa torna possível observar que o fenômeno abrange uma gama ampla de situações, que envolvem personagens de diferentes ideologias, o que descarta que conservadores ou progressistas sejam maior ou menor alvo. Alguns casos:
Juscelino Kubitschek (1976): o ex-presidente do Brasil (PSD, 1956-1961) morreu em um acidente automobilístico na Via Dutra. As causas dessa morte ainda geram controvérsias. A Comissão da Verdade de São Paulo afirmou que o ex-presidente foi assassinado por agentes da repressão, durante a ditadura militar. Porém essa versão não pode ser comprovada pela Comissão Nacional da Verdade (2012-2014), que acabou mantendo o registro de que a morte foi um acidente.
Em período mais recente são identificados dois casos que envolveram diretamente personalidades da esquerda e do campo progressista.
Marielle Franco era uma ativista feminista e defensora dos direitos humanos, conhecida pela luta contra a violência policial e por apoiar famílias de vítimas, incluindo os próprios agentes do Estado. Ela presidia a Comissão da Mulher na Câmara Municipal e havia sido nomeada para participar da comissão que fiscalizaria a intervenção federal por agentes militares que ocorria no estado.
Após seis anos e muitas controvérsias, este crime ainda não foi solucionado, e está, desde 2023, sob investigação da Polícia Federal.
Caravana de Lula
O segundo atentado de repercussão nacional recente ocorreu em 27 de março de 2018, quando dois ônibus da caravana do então pré-candidato à Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foram alvejados por três tiros. O atentado ocorreu enquanto os veículos seguiam de Quedas do Iguaçu para Laranjeiras do Sul, no estado do Paraná.
Os tiros não atingiram pessoas, porém o fato foi reportado para as autoridades. O Partido dos Trabalhadores (PT) solicitou policiamento às autoridades do Paraná, mas não recebeu resposta. A Polícia Civil abriu um inquérito para investigar o ocorrido e realizou uma perícia nos ônibus. O delegado responsável afirmou que os tiros foram um ataque planejado. “Se foi uma só pessoa que fez [os disparos], a pessoa planejou o ataque, direcionou o tiro”, afirmou o delegado Hélder Lauria, em 2018.
Imagem: Reprodução g1
Outros casos de violência ocorreram durante a caravana de Lula pelos estados do Sul naquele ano. Às vésperas do atentado, em 25 de março, em São Miguel do Oeste (SC), ovos e pedras foram lançados contra o palanque onde Lula estava. O ex-presidente não foi atingido, porém o ex-deputado Paulo Frateschi (PT), que estava ao lado dele, sofreu um ferimento grave na orelha.
América Latina: casos marcantes de atentados a líderes de esquerda
A América Latina também tem uma história de violência política contra líderes, o que inclui tentativas e conclusões de assassinatos. Muitos deles foram financiados ou apoiados pelos Estados Unidos. Bereia lista três casos notáveis que ilustram a complexidade desse fenômeno na região.
Fidel Castro (Partido Comunista, Cuba): O líder cubano sofreu inúmeras tentativas de assassinato durante sua vida. Em um delas, ocorrida entre 1960 e 1961, a Agência Central de Inteligência (CIA, na sigla em inglês) forneceu pílulas com veneno para que fossem misturadas aos alimentos e bebidas de Fidel. Esta tentativa ocorreu pouco antes da fracassada invasão da Baía dos Porcos e foi posteriormente revelado dossiê divulgado pela própria CIA em 2007. O atual presidente de Cuba Miguel Díaz-Canel Bermúdez se manifestou na rede X, no dia do atentado a Trump:
Cristina Kirchner (Partido Justicialista, Argentina): A então vice-presidente argentina foi alvo de uma tentativa de assassinato em setembro de 2022. O brasileiro naturalizado argentino Fernando Sabag Montiel, atirou várias vezes contra Kirchner, mas a arma falhou. Presidente da Argentina, entre 2007 e 2015, Cristina Kirchner se solidarizou com Donald Trump após o atentado e afirmou em seu perfil no X que o respeito à vida dos semelhantes está acima de quaisquer diferenças políticas ou ideológicas.
Imagem: Reprodução X (Twitter)
Bereia classifica, a afirmação do ex-presidente Jair Bolsonaro de que “só os conservadores sofrem atentados” como FALSA. O atirador de Trump era vinculado ao partido dele, o que desqualifica acusações de um complô progressista contra conservadores. Além disso, as motivações ainda estão sendo investigadas.
Como o levantamento feito pelo Bereia mostra, atentados contra presidentes, candidatos e outras personagens políticas têm ocorrido ao longo da história dos Estados Unidos, do Brasil e de outros países latinoamericanos, tendo afetado tanto conservadores quanto progressistas.
No Brasil, os recentes assassinatos da vereadora Marielle Franco (PSOL), uma figura proeminente de esquerda, ataques à caravana do então candidato à Presidëncia da República Lula (PT), e atentado a faca contra o também candidato Jair Bolsonaro (à época no PFL), todos no mesmo ano de 2018, evidenciam que a violência política não se restringe a um único grupo ideológico.
Bereia indica que leitores e leitoras não assimilem afirmações simplistas utilizadas em campanhas políticas e busquem informações em fontes confiáveis sobre a história política brasileira, latino-americana e estadunidense. É importante também que promovam o diálogo pacífico entre diferentes posicionamentos e denunciem ameaças ou incitação de violência política às autoridades competentes.
* Matéria atualizada em 08/05/2024 para ajuste de texto
O portal de notícias Pleno.News publicou, em 29 de abril, matéria apontando que o vereador Anderson Campos (Republicanos), da cidade de Nilópolis, no Rio de Janeiro, teria sofrido supostos ataques por ter criado uma lei “que restringe o ensino de assuntos relacionados a gênero em escolas públicas e privadas do município da Baixada Fluminense”.
Ao afirmar que o parlamentar foi alvo de ataques, o texto cita o trecho de uma nota emitida pelo Sindicato dos Profissionais da Educação do Estado do Rio de Janeiro (Sepe), avaliada como um ataque à lei e ao vereador.
Bereia verificou a íntegra da nota citada na matéria do Pleno.News e sua repercussão nas mídias sociais.
Imagem: Reprodução / Pleno News
O que diz a lei que quer restringir “ensino de gênero” nas escolas
Promulgada em 9 de abril de 2024, a Lei Ordinária nº 6.813, de autoria de Campos, tem como objetivo “assegurar a pais e responsáveis o direito de vedarem a participação de seus filhos em atividades pedagógicas no âmbito do município Nilópolis”.
A norma também obriga as instituições de ensino do município a informarem os pais sobre quaisquer “atividades pedagógicas de gênero” que possam ser realizadas no ambiente escolar, e define as práticas como “aquelas que abordam temas relacionados à identidade de gênero, orientação sexual, diversidade sexual, igualdade de gênero e outros assuntos similares”.
Dessa forma, a participação dos alunos ficaria condicionada à prévia autorização dos pais, que devem encaminhar à escola um documento assinado que informe se concordam ou não com a atividade promovida.
A proposta de Campos prevê, ainda, que as instituições de ensino recebam advertência, multa, suspensão de atividade e até mesmo cassação da autorização de funcionamento se houver descumprimento da lei. Em caso de reincidência, escolas podem ter que pagar de R$ 1 mil a R$ 10 mil por aluno que tenha participado de atividades não aprovadas pelo responsável.
Referência da imagem: Reprodução / Boletim Oficial da Câmara Municipal de Nilópolis
Para entender os impactos da lei na rotina do ambiente escolar, datas comemorativas, como o Dia Internacional da Mulher, podem exigir que as instituições de ensino precisem de autorização dos pais para atividades no dia a dia dos alunos. Isso porque o 8 de março, por exemplo, é marcado pela memória das conquistas femininas na história e pela luta pela igualdade de direitos entre homens e mulheres, o que pode ser entendido como a noção de igualdade de gênero, tal como citada na lei.
A norma foi promulgada pelo presidente da Câmara de Nilópolis, vereador Zé Ribeiro (PL), após o prefeito do município, Abraãnzinho, da mesma legenda que o parlamentar, não ter sancionado e nem vetado a proposta em 15 dias – tempo que o chefe do executivo da cidade tem para a decisão, de acordo com a Lei Orgânica do Município, antes de que ela se dê por sancionada automaticamente.
Quem é o vereador Anderson Campos
Campos, 26 anos, é vice-presidente da Câmara de Vereadores de Nilópolis e se apresenta como um líder de jovens apaixonados por Jesus. É vinculado à Igreja Assembleia de Deus Wallace Paes Leme, e foi eleito em 2020 com 1.486 votos. Em 2022, o parlamentar foi candidato a deputado estadual no Rio de Janeiro, pelo Republicanos, com um total de 9.249 votos, número que não foi suficiente para ser eleito.
O vereador ganhou as páginas dos jornais ao ser processado pela apresentadora Xuxa Meneghel, em 2021, após se referir a ela como “assediadora de menores”, em postagens no seu perfil do Instagram. Ao perder a ação por calúnia, injúria e difamação, o vereador teve que apagar o conteúdo ofensivo e publicar pedidos de desculpas.
Publicada na página da organização no Facebook, a única menção do texto ao vereador Anderson Campos diz que ele é “conhecido por seu alinhamento com a extrema direita bolsonarista, tenta impor a ideologia do seu campo política através da coação e da ameaça com multa e fechamento de escolas, caso estas se recusem a cumprir uma lei inconstitucional”.
O posicionamento da regional do sindicato ainda citou a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de abril de 2020, que declarou ser inconstitucional a Lei 1.516/2015, do Município de Novo Gama (GO), que tinha como objetivo proibir a utilização, em escolas públicas municipais, de material didático que contenha o que chama de “ideologia de gênero”. Bereia já produziu matéria sobre este e outros casos.
A nota da unidade regional do Sepe faz críticas ao conteúdo da lei e ao vereador, mas elas são restritas ao âmbito de sua atuação política:
“A lei 6.813 de 09 de abril de 2024, é um retrocesso na luta dos direitos civis contra o machismo e a Lgbtfobia (ódio contra lésbicas, gays, bissexuais e transsexuais). O Brasil, segundo a ONU, é um dos países mais violentos contra mulheres, lésbicas, gays e transexuais, sendo estes as principais vítimas de homicídio, junto com a população negra, no país. Em defesa da constituição e dos direitos de todos a vida, o Sepe – Nilópolis tomará ações contra a lei do machismo e da Lgbtfobia aprovada pela Câmara Municipal de Nilópolis”, concluiu o sindicato.
Os comentários na postagem do sindicato carregam o mesmo tom de crítica da nota e não citam o vereador, nem manifestam qualquer hostilidade ao autor da lei. Nas publicações de Campos no Instagram, Twitter e Facebook também não se encontram comentários em tom de ataque a ele, e prevalece a participação de seus apoiadores.
Vereador alinhado à extrema-direita
O alinhamento com pautas defendidas pela extrema direita e a proximidade com os membros da família Bolsonaro são ostentados com orgulho nos perfis de Campos nas mídias sociais, e o mesmo se declara com um “vereador bolsonarista”.
Em fevereiro deste ano, Campos deu a honraria de cidadão honorário de Nilópolis ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O vereador decidiu entregar pessoalmente o título na casa do capitão reformado do Exército.
Imagem: reprodução do Facebook
Imagens: Reprodução / Instagram
Após a publicação do portal Pleno News, perfis no Instagram repercutiram a informação de que o parlamentar estava sendo alvo de ataques pela criação da lei 6.813/2024, sem informar que tipo de ataques.
Imagens: Reprodução / Instagram
Bereia entrou em contato com a assessoria de imprensa do parlamentar, mas até o fechamento deste texto não recebeu resposta.
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Bereia classifica como enganosa a notícia publicada pelo site gospel Pleno News, de que o vereador Anderson Campos (Republicanos) tem sido atacado por seu trabalho na Câmara de Nilópolis. A aprovação da lei e a crítica emitida pelo núcleo regional do Sepe são verdadeiras, mas a apresentação dos fatos é feita para confundir e gerar a narrativa de perseguição contra o parlamentar. A matéria do Pleno News, em nenhum trecho, demonstra conteúdo que possa ser classificado como ataque. Apenas cita trechos da nota da unidade municipal do Sepe.
Como Bereia verificou, a nota da unidade municipal do Sindicato dos Profissionais da Educação do Estado do Rio de Janeiro, tem teor e argumentos que desaprovam a lei proposta por Anderson Campos, porém não apresenta palavras que possam ser classificadas como violentas ou de “ataque”. Bereia também não identificou textos ou imagens em forma de ataque nas mídias sociais do parlamentar nem nas do Sepe. Figuras públicas, como um vereador, estão sujeitas a manifestações, também públicas, de opiniões críticas à sua atuação.
Bereia alerta leitores e leitoras sobre a estratégia de publicação de conteúdo enganoso sobre “ataques”, especialmente em período eleitoral, como forma de campanha baseada no pânico da perseguição religiosa a cristãos, algo inexistente no Brasil, como já verificado em várias matérias.
Atribuir a queda dos percentuais de aprovação do governo Lula entre o segmento evangélico às suas recentes declarações sobre os ataques militares de Israel em território palestino, conforme indicada na última pesquisa da Quaest, é muito simplista. A opinião é da editora-geral do Bereia e pesquisadora Magali Cunha, que foi entrevistada pelo jornalista Luis Nassif, do canal GGN em 6 de março de 2024.
“O que nós observamos nestes dois meses, com base no trabalho de monitoramento das redes, é que há um verdadeiro bombardeio de conteúdos alimentado pela grande mídia que não passam apenas por essa questão”, analisou a editora.
Ela destacou que temas como a discussão sobre a legalização da maconha no STF e o caso Marajó estão entre os que mais circulam nas redes religiosas.
Segundo Magali Cunha, existe certa confusão entre a figura do Israel do contexto bíblico com o Estado de Israel, criado em 1948 por intermédio da Organização das Nações Unidas (ONU). “Há, entre alguns grupos de evangélicos, uma compreensão histórica de que o Israel, localizado no Oriente Médio, é o mesmo do Israel da Bíblia, o que não é fato, daí transportam esse imaginário”, comentou.
“Os evangélicos”. Magali Cunha também chamou a atenção para a diversidade que existe entre as pessoas que professam a fé evangélica e alertou sobre o equívoco de homogeneizar o segmento. “[O termo] ‘Os evangélicos’ não existe. Ninguém é só evangélico nesta vida. A pessoa é mulher, negra, trabalhadora, desempregada, homem branco de classe média… Ninguém é evangélico igual até mesmo dentro de uma mesma igreja”.
* Matéria atualizada em 01/07/2024 às 11:00 para acréscimo de informações
A parte 1 deste conteúdo, levantado pelo Bereia, abordou o caso Marajó, que inundou as redes digitais com desinformação e pânico moral após a viralização de uma música da cantora Aymeê Rocha, apresentada no reality show gospel Dom.
A menção ao tráfico de órgãos no Marajó, feita durante o Dom Reality, tem capítulos mais antigos também associados a grupos religiosos. Em vídeo disponível na plataforma Kwai, o pastor da Zion Church Lucas Hayashi diz que “recentemente, encontraram lá na Ilha do Marajó um cemitério clandestino com corpos sem os órgãos internos, de adultos e também de crianças. Possivelmente, tudo isso é para o comércio de órgãos, transplante”. Na última semana de fevereiro passado, o pastor foi confrontado pelo escritor Ale Santos, durante episódio do podcast Inteligência Ltda. Hayashi disse que não tem provas, e que apenas diz “o que as pessoas estão falando”.
A Zion Church, cujos líderes são os primos Lucas e Teófilo (Téo) Hayashi, descendentes de missionários evangélicos japoneses, tem como extensões da igreja o Instituto Akachi, que atua na Ilha de Marajó, e o Movimento Dunamis, que tem ligações com políticos conservadores e religiosos.
Nas redes digitais da família Hayashi, o frequente apelo à vida religiosa coaduna-se com a propagação de pânico moral em pautas políticas. Em 7 de julho de 2022, o casal Lucas e Jackeline Hayashi publicou, no Instagram, uma defesa do armamento da população. Além de vídeos em que efetuam disparos em um estande de tiros, o casal, que lidera um programa da igreja voltado à educação infantil, mostra-se à vontade ao empunhar fuzis e posa sorrindo para a foto. A legenda traz alguns apelos: “Cuidado com a ‘beleza’ do desarmamento! Uma das maneiras de implementar um governo dit4dor é através do desarmamento. A 4rm4 é neutra. O problema está em quem a usa”.
Imagem: reprodução Instagram (Lucas e Jackeline Hayashi)
Assim que a música de Aymeê Rocha ganhou relevância nas redes, Lucas Hayashi publicou foto com a cantora em seu perfil no Instagram. Diversos conteúdos sobre o Marajó foram veiculados nos perfis de Lucas, de Téo, do Instituto Akachi e do Movimento Dunamis, incluindo relato de suposta vítima da exploração sexual, também publicado no canal do movimento no YouTube. Chama atenção o tom alarmante das postagens, que utilizam termos como “trazer à tona a verdade sobre Marajó”, e a divulgação da chave Pix do Instituto Akachi, propagada também por outros perfis nas redes.
Luis Barbosa, do Observatório do Marajó, destaca: “é muito importante que o Ministério Público seja acionado quando ocorrem essas denúncias, os conselhos tutelares, nas suas devidas competências, e não fazer campanhas, né? Campanhas feitas por organizações de outros estados para arrecadar fundos, arrecadar Pix, sendo que a gente nem sabe a procedência, de fato, dessa ajuda”.
Imagem: reprodução do Instagram (Lucas Hayashi e Aymeê Rocha)
A utilização do pânico moral e o apelo a experiências sobrenaturais é comum nas atividades coordenadas pelos Hayashi. Durante o lançamento do filme “Som da Liberdade”, envolto em controvérsias religiosas checadas por Bereia, Lucas Hayashi, ao falar sobre o problema da exploração infantil, disse que “trata-se de uma luta que transcende o mundo material natural, é uma guerra cultural de dimensões espirituais”.
No artigo “O Reino de Deus na Terra: Dunamis Movement, religião e política no Brasil contemporâneo”, a mestre em ciências da religião pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) Helen Teixeira relata que o Movimento Dunamis é um movimento paraeclesiástico marcado por fluidez e dinamismo. A pesquisa explica que o Dunamis é “composto e cercado de pessoas que pensam da mesma forma, ou passam a pensar concordemente, impactadas pelo senso de pertencimento comunitário, triunfalismo e estilo de vida cool, marcado pelo consumo e pela estética jovem, e também pelos atos milagrosos e místicos”.
Em entrevista ao Bereia, Helen Teixeira detalhou como o Movimento Dunamis importou ideias e conceitos religiosos norte-americanos, como a “teologia das sete montanhas”, para estruturar sua atuação no Brasil. As sete montanhas, ou sete áreas de influência, são: negócios e economia, governo, mídia, artes e entretenimento, educação, família e religião. “A ideia é que a sociedade está dividida em sete áreas que formam uma cultura (…) Isso tem tudo a ver com o dominionismo, com essa ideia de que os cristãos precisam ocupar as áreas de influência, precisam estar em postos de liderança para que a cultura do país volte a parecer a cultura do Reino de Deus”.
A noção de domínio está fundamentada na percepção de que os cristãos, por muito tempo, isolaram-se na esfera religiosa e não atuaram nas demais áreas de influência, razão pela qual a cultura estaria “perdida e decaída”. Fora do campo conceitual, a participação da Zion na vida política no país tem como exemplo maior o festival The Send Brasil, organizado pelos Hayashi, em 2020. O evento ocorreu simultaneamente em três estádios de futebol – Morumbi (SP), Allianz Parque (SP) e Mané Garrincha (DF) – e contou com a participação da então ministra Damares Alves e do então Presidente da República Jair Bolsonaro, que foi ovacionado pela plateia presente no Mané Garrincha, em Brasília. Bereia checou material sobre o evento à época.
Imagem: reprodução Pleno News (Bolsonaro no festival The Send Brasil)
Imagem: reprodução do Guiame (Damares no festival The Send Brasil)
Outra figura importante do Dunamis Movement, Henrique Krigner foi candidato a vereador em São Paulo pelo Partido Progressista (PP). Estreante, não foi eleito, mas recebeu mais de 16 mil votos e doações de grandes empresários. A Big Wave Media, produtora de conteúdo ligada ao Movimento Dunamis, recebeu R$ 40.000 por serviços prestados à campanha.
Em seus perfis em mídias sociais, Krigner diz que está cursando mestrado em Políticas Públicas, na Liberty University, universidade localizada no estado da Virgínia (EUA), fundada pelo pastor batista Jerry Falwell, destacado líder do fundamentalismo naquele país, em 1971, e conhecida por reunir evangélicos articulados com as esferas de poder. Em reportagem, a revista New Yorker descreve a universidade como “um motor de poder e ambição” em que os alunos consideram “o mundo”, ou seja, a própria sociedade, como algo distante de suas experiências pessoais e um lugar que inspira desconfiança.
Imagem: reprodução do Instagram
Embora argumentem que não apoiam políticos específicos, apenas ideias, as lideranças do Movimento Dunamis apoiaram a reeleição de Jair Bolsonaro à presidência em 2022. Em uma publicação sobre como votar naquelas eleições, Téo afirma que é preciso verificar se o candidato “se alinha com a cosmovisão bíblica”. Durante a campanha presidencial, o Movimento Dunamis organizou um podcast com a presença do então candidato Bolsonaro. Em seus perfis no Instagram, ainda estão expostos conteúdos que chamam o atual Presidente da República de “ladrão”, “bêbado” e apresentam diversos argumentos críticos à esquerda, em geral.
Imagem: reprodução do Instagram (Teo Hayashi e Dunamis Movement)
Mobilização religiosa na política brasileira
Na semana em que, mais uma vez, a Ilha de Marajó foi alvo de desinformação política e religiosa, deu-se um outro acontecimento político e religioso de relevância nacional. O antropólogo e professor do departamento de estudos de mídia da Universidade da Virgínia (EUA) David Nemer publicou, no seu perfil no X, sobre a mobilização popular para a manifestação de 25 de fevereiro na Avenida Paulista, em São Paulo (SP), protagonizada pelo pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, e pelo casal Jair e Michelle Bolsonaro.
Nemer relata que, durante semanas, as convocações para a manifestação tinham pouco apelo emocional, indicativo de baixa adesão ao ato. “Bolsonaro não podia aumentar o tom pois nessa própria semana ele foi interrogado pela PF e o próprio está sob investigação – com um sério risco de ser preso muito em breve. Seus aliados políticos, como seus filhos e Nikolas Ferreira, fizeram convocações, mas também contidas”, comentou.
Segundo o professor, dois fatos foram cruciais para o engajamento do público na manifestação que contou com mais de 185 mil pessoas. O primeiro, teria sido a fala do presidente Lula sobre as agressões de Israel contra a Palestina, instrumentalizada pelas igrejas que propagam o sionismo cristão. O segundo, foi a mobilização da extrema direita no caso relativo à Ilha do Marajó, com “divulgação e compartilhamento de fake news sobre cancelamento de ações e projetos do governo federal”. Nos dois fatos, a presença de grupos religiosos exerce papel fundamental para a execução de um ato político.
Imagem: reprodução do YouTube (Michelle Bolsonaro durante ato na Av. Paulista)
O historiador e professor de literatura comparada na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) João Cezar de Castro Rocha, em participação no podcast Pauta Pública, falou sobre a fusão de religião e política observada no Brasil contemporâneo: “O que nós vimos no dia 25 de fevereiro de 2024 não foi uma manifestação bolsonarista. (…) A manifestação foi menos bolsonarista do que um chamamento público. Pela primeira vez, a explicitação de um projeto: a teologia do domínio”.
No principal discurso daquele 25 de fevereiro na Avenida Paulista, Michelle Bolsonaro foi categórica: “Por um bom tempo fomos negligentes ao ponto de dizer que não poderiam misturar política com religião. E o mal tomou e o mal ocupou o espaço. Chegou o momento, agora, da libertação”.
Para combater “o mal”, a extrema direita utiliza o discurso religioso de identidade cristã e propaga informações falsas e pânico moral. Em uma constante mobilização de suas pautas conservadoras, do armamentismo ao papel da religião na política, garante seu espaço nas redes e nas ruas, mesmo que, para isso, precise veicular informações enganosas sobre abuso sexual infantil, como no caso Marajó.
ATUALIZAÇÃO: Silvio Almeida anuncia campanha e estratégia nacional contra exploração e abuso de crianças e adolescentes no Marajó
O Ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, anunciou na manhã desta terça-feira (19) em Breves, no Pará, uma campanha nacional do governo federal para combate à exploração e ao abuso sexual contra crianças e adolescentes. A expectativa é de que a iniciativa pública seja lançada em maio deste ano, mês marcado pelo 18 de maio, data oficial de enfrentamento a essas violações de direitos humanos. De acordo com Almeida, a campanha será lançada junto a uma estratégia nacional ligada ao tema.
“Temos de fazer política pública e sermos absolutamente intolerantes com quem comete violência contra crianças e adolescentes. Isso é inadmissível. Precisamos ter políticas de educação, cultura, cuidar das famílias, ter saúde e olhar para as crianças e que não têm pai nem mãe”, elencou o gestor ao subir o tom contra quem viola direitos fundamentais e promove discurso de ódio nas redes sociais.
A declaração aconteceu durante lançamento da Escola de Conselhos do Pará, ação do MDHC em parceria com a Universidade Federal do Pará e o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente para formação de atores do Sistema de Garantias dos Direitos do público infantojuvenil, com investimento será de R$ 1 milhão.
ATUALIZAÇÃO: a revista Piauí produziu matéria neste 30 de junho, em que mantém vivo o assunto. O texto da revista destaca como essas informações falsas se espalharam rapidamente pelas redes sociais e foram amplificadas por políticos e influenciadores, prejudicando a imagem da Ilha do Marajó. A reportagem ressalta que esse tipo de desinformação pode ter consequências graves, como a estigmatização de comunidades inteiras. De acordo com o presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e Adolescente da cidade de Melgaço, no Pará, o arquipélago de Marajó “tem sido vitimado em carregar essa carga, mas nós sabemos que essa é um uma situação que ocorre muito em outras regiões. Se você for ver a questão dos caminhoneiros nas estradas, é alarmante. Você vê meninas que são exploradas, que estão ali expostas, mas o Marajó virou holofote da situação. Eu não estou dizendo que nós não temos problema. Nós temos. Mas nós estamos cuidando deles e fazendo o possível para que isso possa ser resolvido”, conclui.
O ano começou com polêmicas e informações desencontradas que causaram rebuliços nas redes digitais. Uma dessas celeumas foi a questão envolvendo a suspensão, pela Receita Federal, do Ato Declaratório Interpretativo (ADI) RFB nº 1, de 29 de julho de 2022. Editado pelo secretário da Receita Federal, do governo de Jair Bolsonaro, Julio César Vieira Gomes, o Ato dispôs sobre a não incidência de contribuição previdenciária sobre as “prebendas” – valores pagos por instituições religiosas a padres, pastores, líderes religiosos, em razão do seu ofício.
Deputados e líderes cristãos publicaram em suas contas no X, antigo Twitter, mensagens sobre o tema, manifestando indignação e revolta com a imprensa e com o atual governo federal pela ação, classificada como desrespeito a pastores, ataque e perseguição.
Imagem: Reprodução do perfil do Pr. Silas Malafaia no X
Imagem: Reprodução do perfil do deputado Pr. Sóstenes Cavalcante no X
A Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional (FPE) também se manifestou. Em seu perfil no Instagram, a entidade divulgou uma nota de esclarecimento, com a acusação sobre “isenção a ministros religiosos” ser “fake news”. A FPE declara que o ADI editado no governo Bolsonaro tinha como objetivo esclarecer dúvidas que a Receita Federal tinha sobre questões previdenciárias dos sacerdotes. Segundo o texto, ao não pagar o valor referente à previdência social das prebendas, deixa-se de descontar do “salário” bruto de seu líder, o que beneficia também a pessoa física. Além disso, a nota alega risco de líderes religiosos se tornarem alvo de auditores fiscais: “Revogar um ato interpretativo deixa os ministros de qualquer culto à mercê da interpretação particular e do humor dos auditores da Fazenda”. O texto acusa o governo de aplicar “velha tática para promover caos”.
No mesmo dia, as Frentes Parlamentares Evangélicas da Câmara Federal e do Senado Federal distribuíram à imprensa uma “Nota de Repúdio” conjunta na qual acusam a “revogação” do ADI de 2022 como um “ataque explícito” do governo federal ao “segmento religioso”.
Esta posição foi repercutida pelos senadores Magno Malta (PL-ES) e Damares Alves (PL-DF):
Imagem: Reprodução do perfil do Senador Magno Malta no X
Imagem: reprodução do perfil da Senadora Damares Alves no X
Veículos digitais e perfis religiosos também reproduziram a noção de a medida da Receita Federal representar uma perseguição do atual governo a igrejas evangélicas, e obtiveram muitos compartilhamentos de suas publicações.
Segundo o ministro da Fazenda Fernando Haddad, a Receita Federal precisava do parecer do Tribunal de Contas da União sobre a legalidade do Ato impetrado em 2022. “Só queríamos um entendimento do TCU sobre a validade do ato”, disse Haddad, em entrevista ao programa Roda Viva da TV Cultura, no dia 22 de janeiro. O caso está “sob investigação do Ministério Público junto ao TCU” em razão de vícios possíveis. A suspensão se deu porque, segundo a Receita, há dúvidas e a discussão recai sobre quais valores recebidos pelos líderes religiosos são qualificados ou não como “prebendas”.
O Ato Declaratório Executivo RFB Nº 1, de 2024, que suspendeu o ADI de 2022, se baseou em um processo do Tribunal de Contas da União sobre suspender a eficácia da regra. Entretanto, o TCU desmentiu a Receita e informou, por meio de nota oficial, que o processo que avalia a eficácia da isenção fiscal a líderes religiosos ainda está em análise e negou ter sido o responsável pela decisão do Fisco que determinou essa mudança. “O Tribunal de Contas da União esclarece que o assunto é objeto de análise no processo TC 018.933/2022-0, de relatoria do ministro Aroldo Cedraz, ainda sem decisão do TCU”.
Fernando Haddad também falou sobre o caso à revista Carta Capital, logo após uma reunião no Ministério da Fazenda, em Brasília (DF), no dia 19 de janeiro, com os deputados Silas Câmara (Republicanos-AM), presidente da Frente Parlamentar Evangélica, e Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus. Segundo o ministro, ainda há dúvidas em torno da extensão de benefícios que podem ser indevidos. “O papel da Receita é buscar o entendimento do Tribunal e da Advocacia-Geral para cumprir a lei. Não podemos conviver com uma lei tributária que não dá clareza para o auditor. Então, não foi uma revogação, nem uma convalidação. Foi uma suspensão. Vamos entender o que a lei diz e vamos cumprir a lei”, assegura.
Haddad explica ainda que a Receita busca entendimento sobre a extensão desse benefício. “Como houve ato não convalidado e há, por parte do TCU, questão que ainda não foi julgada, não podemos continuar convivendo com essa questão (de incerteza sobre interpretação). É para isso que a AGU [Advocacia-Geral da União] foi acionada. Estamos aqui para atender à lei. A AGU foi acionada para pôr fim à discussão. Houve muita politização indevida, estamos discutindo regra e vamos despolitizar isso”, frisa.
Após o encontro com o ministro, o presidente Frente Parlamentar Evangélica, deputado Silas Câmara recuou em suas críticas. De acordo com matéria publicada no Estadão, os dois anunciaram a criação de um grupo de trabalho para discutir a isenção tributária sobre a remuneração de pastores para evitar a “politização indevida” sobre o tema.
O histórico da isenção fiscal em questão
De acordo com o artigo publicado no site noticioso JOTA e escrito pelo advogado e doutor em Direito pela Universidade de São Paulo Eduardo Pannunzio, a não incidência de contribuição previdenciária sobre as prebendas está prevista na legislação brasileira há pelo menos 23 anos. “Foi em 2000, durante o governo FHC, que a Lei 10.170 incluiu um novo parágrafo, 13 ao art. 22 da Lei 8.212/1991 para deixar claro que os valores pagos a título de prebenda não caracterizam ‘remuneração’ e, portanto, não estão sujeitos à contribuição previdenciária”, explica Pannunzio .
“Do ponto de vista jurídico, portanto, o ADI não representou nenhuma grande novidade. Ainda assim, gerou um fato político que teve significativa repercussão à época”, ressalta Pannunzio, lembrando que 2022 era um ano eleitoral e que tal encaminhamento poderia aproximar ainda mais o ex-presidente Jair Bolsonaro do eleitor evangélico.
No mesmo artigo, o advogado afirma que o ADI foi suspenso, conforme proposto pelo Ministério Público ao Tribunal de Contas da União (TCU), porque estes desconhecem os motivos jurídicos que levaram à sua adoção (o ato não foi acompanhado da necessária Exposição de Motivos). Entretanto, a Lei 8.212, que garante o benefício, continua vigente. “Portanto, as prebendas, ainda que pagas de forma e montantes diferenciados, continuam não alcançadas pela contribuição previdenciária. A situação das organizações religiosas não foi agravada pela suspensão do ADI”.
Perdas financeiras
Outro dado importante levantado, pelo Blog do Otávio Guedes no G1, estima que o Brasil deixou de arrecadar R$300 milhões em tributos após o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ter editado o ato que ampliou a isenção de impostos pagos pelos líderes religiosos. O relatório, ao qual o blog do jornalista global teve acesso, mostra que existem, atualmente, 26 processos administrativos e um judicial questionando a tributação. O valor milionário consta em um relatório sigiloso feito por uma auditoria da Corte de Contas no mês de dezembro de acordo com o blog. A quantia considera valores com “exigibilidade suspensa” ou “parcelada” entre os anos de 2017 e 2023.
Ainda de acordo com o blog, a auditoria do TCU também recomendou a abertura de uma sindicância contra o ex-secretário da Receita Federa lJulio César Vieira Gomes, que editou o ADI. O relatório aponta que o ex-secretário concedeu benefícios fiscais “sem observar as formalidades legais e regulamentares” e que ele pode ter cometido uma “infração disciplinar e potencial ato de improbidade administrativa”.
Para quem não se lembra, Vieira Gomes é o mesmo personagem que pressionou seus colegas da Receita para liberar as joias enviadas pela Arábia Saudita ao ex-presidente Bolsonaro. A entrada dos itens no Brasil foi barrada por servidores do Fisco em outubro de 2021, como revelou o jornal Estadão. O secretário foi exonerado no fim de maio de 2023.
Há perseguição a igrejas e suas lideranças com esta medida do atual governo?
Bereia tem realizado várias checagens de publicações, em espaços digitais religiosos, que alegam supostas ações de perseguição sistemática de lideranças políticas, partidos e movimentos da esquerda política a cristãos, particularmente evangélicos, muitas sob a classificação de “cristofobia”. A equipe do Bereia levantou que este tema, casado com o da ameaça de “fechamento de igrejas”, apareceu com mais intensidade nas mídias sociais a partir de agosto de 2021, quando pesquisas eleitorais passaram a mostrar a força da campanha do Partido dos Trabalhadores (PT) e maior rejeição a Jair Bolsonaro. Cresceu, então, o número de publicações verificadas pelo Bereia que enfatizam a ameaça de fechamento de igrejas com a possível vitória das esquerdas, mais supostas tentativas de silenciamento de lideranças religiosas e de diretores de escola e professores cristãos opostos a pautas referentes à diversidade sexual e à pluralidade religiosa.
A perseguição a cristãos no Brasil, sob o rótulo de “cristofobia”, tem apelo porque é um discurso que responde à ideia do cristão perseguido como prova de fidelidade ao Evangelho. Porém, o termo “cristofobia” não se aplica, por conta da predominância cristã no país, onde há plena liberdade de prática da fé para este grupo, conforme explica, em artigo para o Bereia, a pesquisadora das religiões Brenda Carranza. Manipula-se, neste caso, a noção de combate a inimigos para alimentar disputas no cenário religioso e político.
Isto se configura uma estratégia de políticos e religiosos extremistas que pedem mais liberdade e usam desta expressão para garantirem voz contra os direitos daqueles que consideram “inimigos da fé”, em especial sexuais e reprodutivos e os de comunidades quilombolas e indígenas. Histórias relacionadas a situações ocorridas no exterior são amplamente utilizadas para reforçar a ameaça de que o que se passa fora pode ocorrer no Brasil.
Quando estabelecimentos religiosos precisam se submeter a legislação ou a políticas públicas aos quais certos segmentos resistem cumprir ou se opõem, a noção de perseguição tem se tornado um recurso retórico em contraposição. A equipe do Bereia avalia que parece ser este o caso em relação a encaminhamentos sobre pagamento de impostos, uma vez que a medida alcança todas as agremiações religiosas e a observação das publicações sobre tema indica que apenas uma parcela das lideranças evangélicas explicitou indignação com ela.
Os auditores afirmaram em nota publicada no site da entidade representativa, que atuam de forma isenta e não têm sua atuação pautada por humores ou interpretações particulares. Além disso, alegam que o Ato Declaratório do governo Bolsonaro, que originou toda essa discussão, invadiu competência do Congresso Nacional, que é quem detém o poder de conferir e limitar isenções tributárias no âmbito da União Federal.
“A Receita Federal e os Auditores-Fiscais não podem decidir pela ampliação ou redução de isenções tributárias. Esta definição cabe aos deputados federais e aos senadores no exercício do poder a eles conferido pela Constituição Brasileira e pela legislação complementar. As razões pelas quais, à época da publicação do ADI 1 de 2022, o Sindifisco Nacional se manifestou contrário ao Ato Interpretativo, pois tramitou de forma ilegal e usurpou a função do Congresso Nacional de regulamentar o tema”, alega a entidade.
Outro ponto verificado pelo Bereia é que o senador evangélico Magno Malta, ao verbalizar a sua indignação com o tema na publicação em seu perfil no X, citada nesta matéria, mostrou desconhecer o assunto tratado no Ato Declaratório suspenso pela Receita Federal. No texto divulgado ele confunde o ministro religioso, pessoa física, com a igreja, pessoa jurídica, o que faz propagar mais desentendimento sobre o tema.
De fato, como diz o senador em seu perfil no X, a isenção fiscal de igrejas e entidades religiosas está prevista na Constituição na Lei Nº 3.193, de 4 de julho de 1957, promulgada pelo ex-presidente Juscelino Kubitschek. No entanto, o ADI suspenso em janeiro passado trata do imposto previdenciário, relacionado a proventos pagos a líderes religiosos como indivíduos, pessoa física, com CPF, e não da Igreja como instituição, com CNPJ.
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Bereia considera enganosas as publicações de líderes religiosos sobre a suspensão da ADI nº 1/2022, pelo atual governo federal, checadas nesta matéria
No que diz respeito afirmações do Pastor Silas Malafaia e da Nota de Esclarecimento da Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional, apesar de usarem fatos para construírem suas teses, levam o leitor a acreditar que não houve mudanças com a aplicação do Ato Normativo impetrado durante o governo Bolsonaro.
De acordo com auditoria que está sendo realizada pelo Tribunal de Contas da União, o ato gerou benefícios fiscais a uma classe específica e portanto deve ser analisado. Não é uma mera orientação, como querem levar a crer os líderes religiosos. Além disso, há uma estimativa de perda de R$300 milhões em tributos, que deixaram de ser arrecadados pelo país durante a vigência do ADI. Portanto, enquanto o TCU analisa o caso, não é possível afirmar que não houve perda ou ganho por qualquer das partes.
No que diz respeito às acusações de perseguição e ataques a líderes cristãos e a igrejas por conta da medida da Receita Federal em janeiro passado, Bereia alerta leitores e leitoras sobre a desinformação sobre perseguição a igrejas e cristãos no Brasil. Tal prática não existe e não é projeto de qualquer partido político ou líder religioso. A Constituição do Brasil assegura a liberdade de crença e de culto para todas as religiões. Atos de intolerância contra qualquer grupo religioso devem ser repudiados e denunciados. Afirmações em postagens em mídias sociais sobre a existência de ameaças a igrejas e “cristofobia” (perseguição sistemática) no país não são verdadeiras e são desenvolvidas para campanhas de convencimento e busca de apoio por meio do pânico.
O deputado federal evangélico Fausto Santos Jr. (UNIÃO – AM) publicou em suas mídias sociais vídeo que dissemina desinformação sobre a questão do desmatamento na Amazônia. O deputado usou manchetes de jornais sobre o aumento das queimadas na região para refutar dados divulgados pela Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima Marina Silva, no discurso que ela fez, em 2 de dezembro, na 28ª Conferência de Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (COP28), que acontece entre os dias 30 de novembro e 12 de dezembro, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.
Imagem: Reprodução do Instagram
O vídeo também foi publicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro que reforçou a ideia de que a ministra estaria mentindo. Além deste vídeo, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL MG) e o vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (Republicanos) também fizeram postagens questionando a aparente contrariedade entre o aumento das queimadas e a diminuição do desmatamento na floresta amazônica, levando seus seguidores a acreditarem que Marina Silva havia mentido em seu discurso na COP28.
Imagem: Reprodução do Instagram
Queimadas X Desmatamento
Entretanto, conforme Bereia já explicou em checagem anterior, publicada em 25 de setembro de 2023, existe uma diferença entre o sistema de medição das queimadas e de desmatamento realizada pelos institutos de pesquisas que monitoram esses dados.
De acordo com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), as queimadas têm diferentes causas na Amazônia: fogo de manejo agropecuário – empregado por produtores rurais para limpar o terreno de pragas e renovar o solo, principalmente em áreas de pastagem; fogo de desmatamento recente – esse intrinsecamente ligado à derrubada da floresta, pois é a forma mais barata de eliminar a vegetação recém retirada, além das cinzas ajudar a nutrir o solo para o plantio de pasto; e os Incêndios florestais – onde o fogo pega a floresta viva, espalhando-se rapidamente pelas folhas secas depositadas no solo.
Já o desmatamento é a remoção de florestas do solo, ou conversão de floresta, ou seja, mudança do ambiente florestal para outro uso da terra, como pastagens e agricultura. Portanto, nem todo foco de incêndio na Amazônia está ligado ao desmatamento. Ressalta-se que há áreas onde agricultores têm autorização para utilizar as queimadas como técnica de plantio.
Nem todo foco de incêndio na Amazônia está ligado ao desmatamento. Ressalta-se que há áreas onde agricultores têm autorização para utilizar as queimadas como técnica de plantio, como dissemos no texto publicado em setembro.
Imagem: reprodução do site do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPMAM)
Pesquisa realizada por um grupo de cientistas de diversas instituições nacionais e internacionais, publicada na revista Nature Ecology & Evolution, também apontou dados contrastantes entre queimadas e desmatamento na Amazônia. Os pesquisadores analisaram informações da plataforma TerraBrasilis do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
De acordo com o estudo, apenas 19% dos incêndios de 2023 estão ligados ao desmatamento recente, mostrando que há uma dissociação entre as queimadas na floresta e o desmatamento. Também foi indicado que há uma relação entre as condições climáticas mais quentes e secas resultantes do El Niño (fenômeno climático que provoca alterações significativas na distribuição da temperatura da superfície da água do Oceano Pacífico, com grandes alterações no clima)..
O trabalho aponta, ainda, um efeito retardado ocasionado pelo aumento do desmatamento de anos anteriores. Algumas áreas da floresta que foram derrubadas mecanicamente nos últimos anos só agora estão se tornando secas o suficiente para serem queimadas. Além disso, há queimadas em pastagens no início da estação seca, realizada por produtores locais em áreas de pasto nativo ou cultivado.
Imagem: Reprodução do site da Universidade Federal da Paraíba (UFPB)
O que disse a ministra?
No vídeo, a ministra Marina Silva discursa durante participação no evento da COP 28: “Florestas: Protegendo a Natureza para o Clima, Vidas e Subsistência”. Ela exalta os primeiros meses de governo do presidente Lula e destaca o sucesso da política ambiental adotada pelo país neste período, que, segundo ela, foi responsável pela grande redução do desmatamento da Amazônia. “Já conseguimos, nos 10 primeiros meses, reduzir o desmatamento que estava numa tendência de alta assustadora. Reduzimos o desmatamento em 49,5%, evitando lançar na atmosfera 250 milhões de toneladas de CO2. Se não fossem essas medidas tomadas, teríamos um aumento do desmatamento de 54% e não uma queda de 49% nesses 10 meses”, disse a ministra.
Imagem: reprodução do site da EBC
Em novembro passado, o Governo Federal anunciou os dados anuais coletados pelo Sistemas de Monitoramento PRODES do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) que apresenta relatórios mais precisos sobre o desmatamento no país. De acordo com os dados divulgados, houve uma redução de 22,3% da área desmatada na Amazônia Legal de agosto de 2022 a julho de 2023 em comparação com o período anterior.
Já segundo números do sistema de monitoramento DETER também do INPE, que faz alertas diários para apoio à fiscalização, considerando apenas os meses de janeiro a setembro de 2023, a projeção de queda no desmatamento foi de 49,5% em comparação com o mesmo período de 2022, confirmando informação divulgada pela Ministra em seu discurso.
Quanto à informação sobre o volume de 250 milhões de toneladas de carbono/CO2 que o Brasil evitou lançar na atmosfera, também abordado por Marina Silva no discurso, Bereia contatou a assessoria da ministra. Em resposta, a pasta alegou ter usado dados do portal TerraBrasilis (plataforma desenvolvida pelo INPE para disseminação de dados geográficos gerados pelo instituto nos diversos sistemas de monitoramento) e cálculos realizados pela área técnica do próprio ministério para chegar a esse montante.
Imagem: apresentação de slide no site da EBC
Dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), no entanto, atestam uma queda ainda mais significativa no período. Para a instituição não-governamental, a destruição acumulada de janeiro a outubro fechou em 3.806 km², o que representa uma queda de 61% em relação ao mesmo período do ano passado, a menor área desmatada desde 2018.
A ONG usa o Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), ferramenta de monitoramento da Amazônia Legal baseada em imagens de satélites, desenvolvida pelo Imazon em 2008, para reportar mensalmente o ritmo da degradação florestal e do desmatamento na região.
Imagem: reprodução site Imazon
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Bereia classifica o conteúdo divulgado pelo deputado Fausto Santos Jr e repercutido pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, e outros políticos da extrema-direita, como ENGANOSO. A publicação usa dados verdadeiros para manipular seguidores em mídias sociais e levá-los a acreditar que as autoridades brasileiras estão erradas e mentem.
Bereia alerta para os danos deu ma publicação como esta: em apenas três dias, até o fechamento desta matéria, o vídeo teve 16,5 mil visualizações no perfil do deputado Fausto Santos Jr., que tem um alcance menor, e 2,7 milhões de visualizações no perfil do ex-presidente Jair Bolsonaro, com apenas um dia no ar.
Conforme foi explicado pelo Bereia e por muitos outros portais de notícias e especialistas no assunto, o aumento das queimadas na Amazônia neste ano pouco tem relação com o desmatamento praticado em 2023 (19%, segundo pesquisadores). Por isso, há a diferença entre o número do desmatamento que diminui e o número de queimadas que aumenta.
Bereia insta leitores e leitoras a desconfiar, pesquisar e conferir materiais de oposição política postados em perfis já conhecidos como propagadores de falsidades.
No contexto das amplas discussões em torno do conflito bélico entre a ala armada do partido palestino Hamas e o governo de Israel, iniciado em 7 de outubro, postagens que atrelam o partido extremista ao governo federal do Brasil seguem circulando amplamente nas mídias digitais da extrema direita. O conteúdo, divulgado já no 7 de outubro, pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e seus seguidores, relaciona o Hamas , que é classificado, por alguns países, como “terrorista”, ao presidente da República Luis Inácio Lula da Silva (PT).
Imagem: reprodução do X
Além de Bolsonaro, outros políticos e veículos de comunicação de extrema-direita têm gerado engajamento nas redes sociais digitais associando o presidente Lula, seu governo e o Partido dos Trabalhadores ao Hamas. De acordo com pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, realizada entre os dias 7 e 10 de outubro, que analisou cerca de 800 mil posts do debate sobre o conflito bélico no X/Twitter, no Facebook e no Instagram, houve uma intensificação, naquela primeira semana do conflito, do protagonismo da extrema direita.
Na avaliação dos pesquisadores, isto ocorreu com a tentativa de transformar o debate a respeito do complexo conflito Israel x Hamas em polarização Lula x Bolsonaro, gerando grande engajamento nas redes digitais extremistas no Brasil, sobretudo entre grupos evangélicos ultraconservadores alinhados à ala política extremista.
Foi neste contexto, de guerra de discursos que o ex-presidente publicou em sua página do X/Twitter sobre uma suposta aproximação ideológica ou preferência política do presidente brasileiro pelo Hamas, e vice-versa, em detrimento de Israel.
Na postagem, Bolsonaro cita o ataque do Hamas a Israel e afirma: “[…] grupo terrorista que parabenizou Luiz Inácio Lula da Silva quando o TSE o anunciou vencedor das eleições de 2022”. Esta publicação teve dezenas de milhares de curtidas e milhares de republicações. Os deputados do PL, de identidade religiosa cristã, Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Nikolas Ferreia (PL-MG) e Carlos Jordy (PL-RJ) foram uns dos primeiros a compartilhar a publicação, o que foi amplamente praticado por outras pessoas e veículos de comunicação da extrema-direita, como a deputada católica Bia Kics e a mídia Jornal da Cidade Online.
Imagem: reprodução do X
Imagem: Reprodução da página do Jornal da Cidade
O portal evangélico, o Pleno News, repercutiu a publicação, em matéria sob título “Bolsonaro expressa apoio a Israel e cita: Hamas parabenizou Lula”.
Imagem: Reprodução da página do Pleno News
Outros veículos alinhados à extrema-direita seguiram a mesma linha, como Gazeta do Povo, Diário do Poder, o R7 Notícias, O Antagonista e no YouTube, a Jovem Pan e a Revista Oeste, entre outros.
Imagem: Reprodução da página da Jovem Pan
A grande imprensa também fez matérias dando destaque à fala de Bolsonaro. O jornal O GLOBO publicou matéria com título: Bolsonaro ataca Lula ao repudiar ofensiva do Hamas contra Israel
“Ex-presidente afirmou que grupo palestino parabenizou Lula pela vitória nas eleições do ano passado”. E o Estadão também publicou matéria com título: “Bolsonaro repudia conflitos em Israel e destaca que Hamas parabenizou Lula logo após as eleições”.
Imagem: Reprodução do site do jornal O Globo
A jornalista da Folha de S. Paulo Mônica Bergamo publicou matéria sob o título, “Grupos embarcam em conspiração que associa Lula ao Hamas”. Ela descreve o que parece ser um movimento organizado, de diversos grupos de oposição ao governo federal, de associar o presidente Lula ao Hamas de forma negativa.
Matéria publicada pelo site Último Segundo.IG apurou ser verdadeira afirmação feita por Bolsonaro de que o Hamas parabenizou Lula pela vitória das eleições no Brasil em 2022. De acordo com o site, “Apesar do longo histórico de mentiras e distorções de fatos do ex-mandatário, a afirmação é verdadeira. Em 31 de outubro de 2022, o site oficial do Hamas, que neste momento está fora do ar, publicou uma nota congratulando Lula pela vitória contra Bolsonaro nas urnas”.
Conforme a matéria do Último Segundo.IG, o líder político do Hamas Basem Naim foi o autor do texto que parabenizou o presidente vencedor das eleições no Brasil em 2022. Na ocasião, Naim disse que a eleição de Lula “foi uma vitória para todos os povos oprimidos em todo o mundo, particularmente para o povo palestino”, e concluiu: “Lula é conhecido pelo seu apoio forte e contínuo aos palestinos em todos os fóruns internacionais”.
Imagem: Reprodução do Último segundo
O que a matéria do IG deixa de explicar aos leitores e leitoras é que a manifestação do Hamas sobre a eleição de Lula, em 2022, se deu dentro de um contexto de congratulações de várias autoridades políticas internacionais, entre chefes de Estado e líderes partidários.
Desta forma, o Hamas segue atuando como partido em suas relações na Palestina e com outros países.
Criado em 1987, o Hamas (uma sigla para Ḥarakah al-Muqawamah al-‘Islamiyyah, que significa Movimento de Resistência Islâmica) tinha, inicialmente, o duplo propósito de implementar uma luta armada contra Israel – Estado que o grupo não reconhece – liderada por sua ala militar, as Brigadas Izzedine al-Qassam, e de oferecer programas de bem-estar social aos palestinos.
O Fatah é o outro partido, o mais antigo, fundado em 1959. Diferentemente do Hamas, o Fatah reconhece o Estado de Israel e atua pelo estabelecimento dos dois Estados.
Já a Autoridade Nacional Palestina (ANP), que dirige a outra região palestina, a Cisjordânia, foi formada em 1994, nos termos dos Acordos de Oslo entre a Organização de Libertação da Palestina (OLP) e o governo de Israel. Esta tem um caráter diplomático mais oficial por conta deste status.
Há outros grupos políticos palestinos com a Organização para Libertação da Palestina (OLP), criada em 1964, presidida pelo líder do Fatah. Todos estes grupos têm conflitos entre si diante dos propósitos e estratégias de ação mas têm em comum a luta pelo estabelecimento do Estado Palestino, não concretizado desde 1948, quando da determinação da criação do Estado de Israel.
“Doação de R$ 25 milhões ao Hamas” também é usada para acusação ao governo
Bereia verificou outro conteúdo que circula, durante o atual conflito bélico Hamas-Israel, que também associa o Hamas ao governo federal. Refere-se ao presidente Lula ter doado R$ 25 milhões ao partido palestino, em 2010, quando no segundo mandato da Presidência.
Nota publicada pelo site do Governo Federal em 9 de outubro passado, desmentiu a desinformação e pontuou que o governo brasileiro fez uma doação à Autoridade Nacional Palestina (ANP), com aprovação do Congresso Nacional no ano de 2009. O repasse foi realizado em 2010, durante o segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A doação fez parte de um esforço global movido pela ONU para a reconstrução da Faixa de Gaza. O Hamas não integrou a iniciativa e nem recebeu recursos do fundo formado. A doação foi destinada à ANP, controlada pela Fatah, partido que faz oposição ao Hamas na Palestina”, informa a nota do Governo.
A posição do governo brasileiro sobre o conflito
Logo após o ataque do Hamas a Israel, em 7 de outubro passado, o governo brasileiro divulgou nota condenando os bombardeios e ataques terrestres a partir da Faixa de Gaza, e lamenta a morte dos primeiros 20 cidadãos israelenses e os mais de 500 feridos. Na nota o governo expressou condolências aos familiares das vítimas e manifestou sua solidariedade ao povo de Israel.
“Ao reiterar que não há justificativa para o recurso à violência, sobretudo contra civis, o governo brasileiro exorta todas as partes a exercerem máxima contenção a fim de evitar a escalada da situação. Não há, até o momento, notícia de vítimas entre a comunidade brasileira em Israel e na Palestina”, disse a nota do governo brasileiro, na qual também o governo lamentou que “em 2023, ano do 30º aniversário dos Acordos de Paz de Oslo, se observe deterioração grave e crescente da situação securitária entre Israel e Palestina”.
O governo federal afirmou ainda, que, como Presidente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, o Brasil convocaria uma reunião de emergência do órgão. “O governo brasileiro reitera seu compromisso com a solução de dois Estados, com Palestina e Israel convivendo em paz e segurança, dentro de fronteiras mutuamente acordadas e internacionalmente reconhecidas. Reafirma, ainda, que a mera gestão do conflito não constitui alternativa viável para o encaminhamento da questão israel-palestina, sendo urgente a retomada das negociações de paz”, finalizou a nota.
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Bereia classifica que o conteúdo inicialmente divulgado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, seguidores e outras lideranças políticas e religiosas, com repercussão em veículos de notícias, que ainda circula em espaços digitais religiosos, como enganoso.
Embora ofereça um elemento de substância verdadeira – de fato, o Hamas, que é um partido político, fez um pronunciamento parabenizando Lula pela vitória eleitoral em 2022 – a afirmação que associa o atual presidente ao grupo palestino é desenvolvida para confundir. Com isso, induzo o público a assimilar que o presidente Lula apoia a violência praticada pela ala do partido palestino no contexto do atual conflito bélico. Isto é desinformação e necessita de correções, substância e contextualização.
Na mesma direção, é falso que o governo Lula tenha doado R$ 25 milhões ao Hamas, pois o repasse foi feito 13 anos atrás, à Autoridade Nacional Palestina em caráter humanitário, reconhecida pelo acordo de Oslo, em 1984, portanto, pela ONU, seguindo os trâmites legais, incluindo a aprovação do Congresso Nacional..
O ministro das Relações Exteriores Mauro Vieira anunciou, em 18 de outubro, o encerramento da primeira fase da operação de repatriação “Voltando em Paz”, que havia resgatado, até 21 de outubro passado, 1.201 brasileiros da zona de conflito bélico no Oriente Médio. Ao todo, oito voos haviam integrado a a operação. A Força Aérea Brasileira (FAB) ainda aguarda, até o momento do fechamento desta matéria, autorização para resgatar 30 brasileiros da Faixa de Gaza.
O Brasil foi pioneiro ao anunciar, no dia seguinte ao ataque que iniciou o conflito entre israelenses e palestinos, um plano para repatriação de seus cidadãos sem cobrança de tarifas pelos voos. Em nota, o Itamaraty orientou aos brasileiros que tivessem condições de retornar em voos comerciais que o fizessem, e informou que os voos de repatriação atenderiam aos brasileiros residentes no Brasil e sem confirmação de voo das companhias aéreas.
Comentários sobre os turistas resgatados serem, supostamente, em sua maioria, religiosos e apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, tomaram as redes digitais. Dentre as manifestações pós-resgate, destacou-se a do pastor da Igreja da Lagoinha em Niterói Felippe Valadão, que após críticas, afirmou que o presidente Lula da Silva “nada tem a ver” com sua repatriação e dos integrantes de sua caravana. O pastor atribuiu a realização ao deputado federal Áureo Ribeiro (Solidariedade-RJ).
O grupo de 103 turistas brasileiros, integrantes de uma caravana organizada pelo pastor Felippe Valadão, chegou ao Rio de Janeiro em 11 de outubro. Os religiosos foram resgatados em dois voos, um avião da FAB transportou três brasileiros e os demais foram repatriados em um voo comercial com escala em Dubai.
Alto fluxo de turistas brasileiros em Israel
O Brasil é o país da América Latina que mais envia turistas para Israel. Dados do Ministério do Turismo de Israel apontam que, em setembro de 2023, 50% dos turistas sul-americanos que foram para o país eram brasileiros. Dos 14,2 mil visitantes da América do Sul, 7,2 mil eram do Brasil, 2,2 mil da Argentina, 2,1 mil da Colômbia, 900 do Chile e 300 do Uruguai.
Em 2019, a BBC News Brasil publicou uma reportagem sobre a relação dos brasileiros com o turismo religioso em Israel e apontou o aumento de 14% no número de turistas do Brasil no país em 2018, com relação ao ano anterior. Além disso, também sinalizou o crescimento na quantidade de caravanas de líderes evangélicos com destino a Israel.
A Hebrom Turismo também foi responsável pela caravana liderada pela atriz e influenciadora digital Karina Bacchi, que foi acusada por uma das integrantes do grupo de ter abandonado os fiéis na Jordânia, após o início dos conflitos bélicos no Oriente Médio. Bacci publicou, em 20 de outubro, em seu canal no YouTube, um vídeo em Israel. Na legenda, a influencer anunciou a caravana de 2024.
Imagem: reprodução YouTube
Com a eclosão da guerra entre israelenses e palestinos, expressivo número de líderes religiosos, influenciadores digitais e políticos se posicionaram a favor de Israel. O conflito reacendeu os debates sobre ocupação ilegal de territórios por Israel, a criação de um Estado palestino e sionismo.
Sionismo cristão
O sionismo cristão, termo utilizado em referência a grupos cristãos evangélicos que apoiam discursos em defesa do fortalecimento do Estado de Israel, vem ganhando força no Brasil. Embora esteja presente no país desde a década de 1920, antes mesmo da criação do Estado de Israel, o fenômeno se fazia mais presente nos Estados Unidos e na Europa.
Desde o final da década de 1990, tem crescido, no Brasil, um interesse por Israel associado ao imaginário bíblico, à ideia de prosperidade divina e à própria “estética judaica”. É o que apontam Maria das Dores Campo Machado, Cecília Loreto Mariz e Brenda Carranza, no verbete “Sionismo cristão” do Dicionário para Entender o Campo Religioso.
O aumento no número de viagens de brasileiros a Israel associa-se a esse fenômeno. Muitas delas são realizadas no formato de “caravanas” religiosas, organizadas por igrejas de diversas denominações ou agências de viagens especializadas no público religioso. Nestes projetos turísticos, privilegia-se o discurso pró-território israelense e despreza-se locais na Palestina ou mesmo não se menciona que visitas são feitas a territórios palestinos, como é o caso de Belém, onde está a Igreja da Natividade, denunciam cristãos palestinos. Há estudos sobre a discriminação da Palestina em projetos turísticos como os promovidos pelas Nações Unidas.
Acionamento do sionismo cristão por políticos religiosos
Foi numa dessas viagens religiosas que o então deputado federal Jair Bolsonaro, à época filiado ao Partido Social Cristão (PSC), do Rio de Janeiro, foi a Israel e obteve um batismo no Rio Jordão, uma das atividades mais simbólicas do turismo religioso à Terra Santa. A viagem foi organizada pelo Pastor Everaldo, da Igreja Assembleia de Deus, então presidente do PSC.
Imagem: reprodução de mídias sociais
Católico, Jair Bolsonaro deixou-se batizar por um pastor evangélico no Rio Jordão, construindo a imagem de uma conversão à vertente evangélica pelas mãos do pastor Everaldo e em terras israelenses. As cenas do batismo foram amplamente divulgadas e o elo com o eleitorado evangélico e conservador foi firmado. Dois anos depois, Bolsonaro foi eleito Presidente da República com amplo apoio dessa parcela da população.
A simbologia associada ao Estado de Israel ganhou a política brasileira e passou a ser amplamente utilizada por setores conservadores. Bandeiras de Israel tornaram-se objetos frequentes em manifestações de apoio a Jair Bolsonaro. Em 2019, o então Presidente da República segurou uma bandeira israelense durante a Marcha para Jesus em São Paulo e sua esposa, Michelle, foi às urnas em 2022 ostentando a bandeira israelense em sua roupa.
Imagens: reprodução Terra e O Globo
Em artigo recente, a pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião (ISER), e editora-geral de Bereia Magali Cunha, ressalta que a relação construída com o imaginário judaico se explica por uma leitura literalista da Bíblia, segundo a qual o povo israelense é o povo escolhido por Deus. A partir desta perspectiva, surgem, porém, sérias implicações, como considerar que o atual Estado de Israel, hoje comandado por líderes políticos ultranacionalistas de extrema-direita, é o mesmo Israel das referências bíblicas.
Como destaca o professor Michel Gherman, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, surge, então, um “judeu imaginário”, que é percebido como sendo de direita e conservador, embora isso não reflita necessariamente o que é a sociedade israelense ou a comunidade judaica.
Cunha ressalta que esta visão da direita exclui a existência de judeus seculares, de esquerda ou liberais. “Um judeu secular ou um judeu ateu não é considerado um verdadeiro judeu. A direita cristã, portanto, cria o seu verdadeiro judeu, construindo uma identidade judaica a partir de uma agenda conservadora específica baseada em leituras evangélicas, especialmente pentecostais”, afirma.
O entrelaçamento de simbolismos israelenses e judaicos com a política brasileira produz diversas consequências. Após os ataques do grupo terrorista palestino Hamas a Israel, em 7 de outubro, uma série de postagens desinformativas inundou as redes digitais, muitas delas atribuindo ao atual presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e ao seu partido, relações com o Hamas.
Seguindo a mesma lógica, a repatriação de brasileiros que estavam em Israel foi destacada como uma ação militar independente do Ministério das Relações Exteriores, e buscou dissociar qualquer negociação e decisão política articulada pelo presidente da República, Lula da Silva e/ou seus representantes.
No contexto da tensão social produzida pelo conjunto de acontecimentos políticos ligados à direita extremista, descritos no primeiro artigo deste estudo, surge, no Brasil, um novo ator político ligado ao neoconservadorismo religioso: o evangélico pentecostal. O aprofundamento do conservadorismo moral defendido por figuras religiosas e, particularmente, disseminadas pelo presidente da República Jair Bolsonaro (2019-2022), desde que se colocou no centro do debate, faz com que busquemos compreender a relação entre o ex-presidente e tais preceitos.
Um ponto importante, defendido pelo pesquisador Geoffrey Pleyers, é que não haveria uma batalha ideológica opondo evangélicos e católicos, como costumeiramente se imagina, mas sim, uma disputa em torno do fundamentalismo religioso. A polarização se daria entre progressistas e conservadores, independentemente da identificação religiosa. Ele esclarece como a categoria “evangélicos” agrega diferentes denominações e subdivisões, por isso seria uma análise superficial dizer “os evangélicos”, pois foram os ‘cristãos conservadores’ que ajudaram a eleger Bolsonaro.
As igrejas evangélicas históricas enfrentaram embates ideológicos/teológicos, com influência de correntes norte-americanas, quando o pentecostalismo sofreu cisões tendo sua fé “renovada”. Após a abertura democrática e elaboração da constituição de 1988, a atuação política sofreu uma guinada. Com uma miscelânea de partidos políticos à disposição, mas preferencialmente pelos de direita e centro-direita, representantes de igrejas pentecostais passaram a ocupar espaços dentro do executivo e legislativo, almejando cargos mais altos.
Em sua maioria, a membresia das três maiores igrejas do segmento pentecostal: Assembleia de Deus (AD), a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e a Igreja do Evangelho Quadrangular (IEQ) é composta por pessoas pretas e pardas . Nesse contexto de crescimento numérico e de ocupação do espaço público, é criado, nestes espaços, um imaginário de povo, “povo de Deus”, “povo brasileiro”, como se tratasse de uma religião que o representasse. Mesmo compondo uma minoria, em 1986 pentecostais somam um terço do parlamento e a partir de então passam a ser um dos protagonistas da política brasileira, almejando cargos cada vez mais altos, confrontando os limites do establishment.
Em pouco menos de meio século, esses grupos passaram se articular politicamente e a fazer parte do cenário atual. Na primeira metade do século 20 um evangelismo fundamentalista missionário é popular entre classes médias e baixas, simpatizante do capitalismo, mas que rechaça o envolvimento com a política. Por outro lado, o chamado neopentecostalismo, que se estabelece com força a partir dos anos 1980, se opõe a essa visão, se alinhando à política e à Maioria Moral estadunidense.
Um sintoma do neoconservadorismo moral e religioso na política foi a consolidação da Bancada Evangélica por meio da criação da Frente Parlamentar Evangélica, em setembro de 2003, com deputados e senadores de diferentes siglas e partidos, mas que se propunham a defender pautas relacionadas ao Cristianismo. Para ter governabilidade e aprovar medidas de cunho social, o governo do Partido dos Trabalhadores (PT) à época, com o presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, se viu obrigado a fazer alianças com o grupo, permitindo-lhe mais espaço em cargos do Poder Executivo e participação em projetos sociais.
A força política adquirida permitiu que os políticos evangélicos avançassem na demanda por pautas nevrálgicas ao neoconservadorismo. Uma das ações foi a campanha, em 2011, no início do terceiro mandato do PT no governo federal, contra um material didático-pedagógico que seria destinado às escolas públicas, cujo conteúdo visava conscientizar estudantes contra a homofobia. Parlamentares católicos e evangélicos ameaçaram embargar políticas sociais e econômicas caso o governo não cancelasse o projeto. O então deputado Jair Bolsonaro (Partido Progressista), junto com representantes da Bancada Evangélica, passaram a chamar o material enviado para as escolas públicas nessa campanha de “kit gay” para fazer acusações ao projeto de que serviria para perversão sexual dos estudantes.
Nesse sentido, embora as lideranças do PT nos três mandatos de governo (2002-2016), sob a Presidência de Lula e Dilma Rousseff, não tivessem uma afinidade religiosa com esses grupos religiosos, colaboraram com seu fortalecimento ao realizar alianças para concessão de cargos e ceder a pressões.
Como afirmou a cientista política Wendy Brown: “O ressentimento é energia vital do populismo de direita”. Ou seja, para os cristãos neoconservadores, o avanço de pautas progressistas constituem uma ameaça, por isso se sentem ameaçados com o avanço da agenda LGBTQI+ (criminalização da homofobia, casamento e adoção por casais homoafetivos), incorporação da temática igualdade de gênero em processos educacionais (caso da rejeição ao Plano Nacional de Educação, em 2014), e atuam de maneira a cercear direitos já conquistados.
O embate entre homossexuais e cristãos conservadores reforçou a retórica denominada “cristofobia”, uma forma de apropriação do termo e contra-argumento, pois o acusado de homofobia se colocada no papel de vítima de intolerância religiosa sobre o qual teria sua liberdade religiosa ameaçada. Outra reação dessa bancada religiosa foi PL 234/2011 que regulamentava a atuação de psicólogos no tratamento da homossexualidade, conhecido popularmente como ‘cura gay’.
Já a ideia de esforço individual é uma cruzada contra políticas distributivas e identitárias que beneficiariam determinados grupos sociais em detrimento de grupos que precisariam sobreviver com seu próprio esforço. O antropólogo Ronaldo Almeida relaciona a valorização da ideia de meritocracia à Teologia da Prosperidade, popular entre neopentecostais, mas que se expande entre outras ramificações evangélicas. Refere-se ao princípio de que o desenvolvimento financeiro e a prosperidade material são benesses pelos esforços nos empreendimentos individuais e participação religiosa. Bolsonaro chegou a dar o título da sua proposta de plano de governo 2018, de “O caminho da prosperidade”, uma clara referência a esta teologia. Almeida observa ainda como Bolsonaro se autodenomina “pessoa de bem”, buscando criar uma conexão com trabalhadores honestos, vítimas de violências do crime e da corrupção do Estado.
É nesse sentido que o neoconservadorismo está presente na esfera pública nacional e em diferentes setores sociais, mas é o segmento religioso que tem liderado campanhas de cunho cristão e pautado temas moralistas com perspectiva excludente.
BAHIA, Joana; KITAGAWA, Sergio Tuguio Ladeira (2022). Religious conservatism in Brazilian politics: The discreet presence of Calvinist political theology in the public sphere. In: Revista del CESLA International Latin American Studies Review. Disponível em: https://www.revistadelcesla.com/index.php/revistadelcesla/article/view/775
BROWN, Wendy. O Frankenstein do neoliberalismo: liberdade autoritária nas “democracias” do século XXI. In: ALBINO, Chiara; OLIVEIRA, Jainara; MELO, Mariana (Orgs.). Neoliberalismo, neoconservadorismo e crise em tempos sombrios. Recife: Editora Seriguela, 2021.
BURITY, Joanildo. A onda conservadora na política brasileira traz o fundamentalismo ao poder?. Conferência Conservadorismos, Fascismo, Fundamentalismos: 12 dez 2016. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/311582235
**Os artigos da seção Areópago são de responsabilidade de autores e autoras e não refletem, necessariamente, a opinião do Coletivo Bereia.***Foto de capa: Marcelo Camargo/Agência Brasil
O deputado federal Helio Lopes (PL-RJ) publicou, em seu perfil no Twitter, em 5 de agosto, a informação de que pedras preciosas recebidas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, quando em exercício do cargo, foram avaliadas em R$ 400,00. Além disso, o deputado fez uso de uma frase bíblica e um vídeo do ex-presidente gargalhando para ilustrar a informação compartilhada. A publicação alcançou mais de 80 mil visualizações.
Para divulgar a informação, Lopes compartilhou uma captura de tela de uma suposta matéria jornalística, sem identificação do veículo de imprensa, utilizou o vídeo do ex-presidente como pano de fundo e a seguinte citação: “João 8:32 – E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. Bereia checou o conteúdo.
Imagem: reprodução doTwitter
CPMI revela caso das pedras preciosas de Teófilo Otoni (MG)
Em 1º de agosto, durante sessão da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre os atos golpistas de 8 de janeiro, a deputada federalJandira Feghali (PCdoB-RJ) revelou que, em e-mails analisados pela CPMI, auxiliares do ex-presidente Jair Bolsonaro afirmaram que pedras preciosas presenteadas ao casal Bolsonaro, em Teófilo Otoni (MG), não foram cadastradas na lista de presentes recebidos durante o mandato e sim entregues em mãos ao tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro preso desde maio por fraudes no cartão de vacinação do ex-presidente e investigado no caso das joias sauditas.
Bolsonaro recebendo as pedras preciosas em Teofilo Otoni. Imagem: reprodução do Facebook
Segundo a deputada, dados da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) apontam que o ex-presidente Bolsonaro e a ex-primeira dama Michelle Bolsonaro receberam, respectivamente, em 26 de outubro de 2022, um envelope e uma caixa, ambos contendo pedras preciosas e os presentes não constam na lista de 46 páginas e 1.055 itens recebidos durante o mandato.
Integrantes da CPMI do 8 de janeiro pediram, em 3 de agosto, a investigação do recebimento das pedras preciosas pelo casal Bolsonaro, em representação enviada à Procuradoria Geral da República (PGR). No documento, os parlamentares indagaram qual a motivação do presente, quem presenteou e qual a razão em recusar o cadastro do presente recebido.
Imagem: reprodução do Twitter
A representação enviada à PGR baseia-se no Código de Conduta da Alta Administração Federal em que, no artigo 9º, impede a aceitação de presentes por autoridade pública em situações similares à ocorrida em Teófilo Otoni. O regulamento também versa sobre o recebimento de itens que não são configurados presentes, desde que não ultrapassem o valor de R$ 100.
O jornal Folha de São Paulo afirmou, em matéria do dia 6 de agosto, que as pedras preciosas mencionadas na CPMI do 8 de janeiro foram dadas ao ex-presidente por um advogado da cidade mineira e apresentou uma avaliação feita por especialistas do mercado de pedras preciosas. Segundo o jornal, o homem afirmou ter pagado R$ 400, além de ter comprado um estojo onde mandou gravar o nome de Bolsonaro e que o filho dele teria presenteado o então presidente com cristais e ametistas.
Jair Bolsonaro se manifestou sobre o caso, em 5 de agosto, quando compartilhou, em seu perfil no Twitter, a reportagem do jornal Folha de São Paulo contendo entrevista do advogado que o presenteou. O ex-presidente ressaltou que os itens presenteados se tratavam de pedras semipreciosas.
Imagem: reprodução do Twitter
Jandira Feghali informou, em seu perfil no Twitter, em 7 de agosto, que uma representação solicitando a investigação do caso foi enviada também ao Tribunal de Contas da União. Não há informações oficiais de que as investigações tenham iniciado.
Imagem: reprodução do Twitter
Caso das joias sauditas
Não se trata do primeiro caso envolvendo Jair Bolsonaro e pedras preciosas sem destinação oficial. Em outubro de 2021, agentes da Receita Federal apreenderam, no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, joias avaliadas em R$ 16,5 milhões. O conjunto, composto por colar, anel e par de brincos de diamantes, estava em posse da comitiva de representantes do governo Jair Bolsonaro que retornava de viagem ao Oriente Médio.
Na ocasião, o então assessor do ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque, tentou ingressar no Brasil com as joias em sua mochila, tendo alegado às autoridades que não tinha bens a declarar. Após aparelhos de raio-x apontarem “provável existência de joias”, a mochila foi revistada e o material apreendido
Em março de 2023, a imprensa noticiou que o governo Bolsonaro fez diversas tentativas de reaver as joias, mobilizando funcionários de, ao menos, três ministérios (Economia, Relações Exteriores e Minas e Energia). Em 28 de dezembro de 2022, a poucos dias do fim do mandato presidencial, o próprio Jair Bolsonaro teria tentado a liberação dos bens, novamente sem sucesso.
No último dia 2, a Comissão de Ética Pública da Presidência da República abriu processo para apurar a conduta dos envolvidos no caso das joias sauditas. Serão investigados o ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque, o ex-chefe do Gabinete Adjunto de Documentação Histórica da Presidência Marcelo da Silva Vieira e o ex-secretário especial da Receita Federal Júlio Cesar Vieira Gomes.
Nesta sexta-feira, 11, a imprensa revelou o envolvimento do general do Exército Mauro Lourena Cid, pai do ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro Mauro Barbosa Cid, em mais um episódio envolvendo joias e o governo Bolsonaro. Segundo a Polícia Federal (PF), o avião que transportou Jair Bolsonaro aos Estados Unidos ao final do mandato levou, também, esculturas banhadas a ouro, recebidas pelo ex-presidente em visita ao Bahrein, no Oriente Médio.
Estratégias de desinformação
Em maio deste ano, a agência Aos Fatos publicou checagem em que expôs desinformação associada ao caso das joias sauditas. Checagem de Bereia, de maio de 2023, conta quem é Júlio Cesar Vieira Gomes, seu envolvimento no caso das joias sauditas e na assinatura de Ato Declaratório Interpretativo (ADI) que tentou isentar líderes religiosos de contribuição previdenciária.
No mais recente caso, envolvendo pedras de Teófilo Otoni (MG), novas estratégias de desinformação podem ser constatadas. A captura de tela compartilhada pelo deputado federal Helio Lopes corresponde a matéria publicada pelo site Terra Brasil Notícias, intitulada “Bomba: Pedras preciosas que Bolsonaro recebeu foram avaliadas em R$ 400 reais”. Apesar da diferença no título, o texto se trata de uma reprodução do conteúdo do jornal Folha de São Paulo com o título “Emails apontam que Bolsonaro recebeu pedras preciosas e CPI aciona PGR”.
Imagem: reprodução do site Terra Brasil Notícias
O título do portal Terra Brasil Notícias dá destaque ao suposto valor de parte dos presentes dados a Jair Bolsonaro em outubro de 2022 e evidencia o uso de informações a serem investigadas e comprovadas oficialmente. A publicação do deputado federal Helio Lopes vai além, associando a veracidade dos supostos valores a trechos da Bíblia, com utilização da expressão do ex-presidente Jair Bolsonaro em vídeo para complementar a postagem.
O site Terra Brasil Notícias, que ostenta o lema “Deus acima de tudo e todos”, semelhante ao slogan bolsonarista, já propagou conteúdos enganosos alvos de checagens por Bereia. Em junho de 2021, o site propagou desinformação sobre a pobreza no Brasil e, em março de 2023, disseminou pânico relacionado à situação econômica brasileira. Em ambas as ocasiões, o conteúdo foi considerado enganoso.
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Bereia considera o conteúdo enganoso. A postagem do deputado federal Helio Lopes (PL-RJ), baseada em notícia publicada pelo portal Terra Brasil Notícias, não se propõe a divulgar informações sobre os fatos divulgados na CPMI do 8 de janeiro. Títulos e imagens não correspondem ao que se sabe sobre o caso, evocando sensacionalismo para conquista de audiência, tanto mais ao compartilhar excerto bíblico, com forte apelo religioso.
O valor divulgado baseia-se na declaração de quem teria supostamente presenteado o ex-presidente, junto a uma avaliação informal do valor das pedras de Teófilo Otoni (MG), é utilizada erroneamente como informação e, mais grave, a falta de contexto observada na publicação do deputado pode levar a possível confusão com o caso das joias sauditas, de valor financeiro muito maior.
A minimização do caso, alegando baixo valor financeiro das pedras de Teófilo Otoni (MG), é usada indiretamente como justificativa para a não prestação de contas e estratégia de desvio de atenção do foco das investigações em torno de joias e pedras preciosas recebidas pelo governo Jair Bolsonaro sem a correta destinação oficial.
O deputado federal, autodenominado cristão, Hélio Lopes (PL-RJ) publicou, em sua conta no Twitter, conteúdo sobre suposto bloqueio de 1,5 bilhões do orçamento federal, citando as pastas da Saúde e Educação como as mais afetadas. Ele se referiu ao contingenciamento de despesas, termo técnico que significa “retardamento ou, ainda, a inexecução de parte da programação de despesa prevista na Lei Orçamentária em função da insuficiência de receitas previstas”.A imagem publicada contém um texto sobre o suposto contingenciamento, com o título “Silêncio da Mídia!” e uma foto do presidente Lula entre a ministra da Saúde Nísia Trindade e o ministro da Educação Camilo Santana, além da chamada “E o choro da militância, cadê?”
Imagem: reprodução do Twitter
Hélio Lopes foi eleito deputado federal, em 2018, pelo PSL-RJ, com 345.234 votos. Na última disputa, em 2022, foi reeleito com 132.986 votos. Antes da eleição de 2018 e do apoio direto do então candidato a presidente Jair Bolsonaro, com quem trabalhava, Lopes havia concorrido em 2004, pelo extinto PRP, ao cargo de vereador do município de Queimados (RJ), tendo recebido apenas 277 votos. Em 2016, o político havia se lançado candidato pelo PSC ao mesmo cargo municipal, porém, em Nova Iguaçu (RJ), e mais uma vez não foi eleito – naquele pleito recebeu 480 votos.
Contingenciamento e teto de gastos
Bereia checou as informações sobre as quais o deputado federal denuncia “silêncio da mídia”. O político se referia a um decreto presidencial com a indicação dos cortes orçamentários, que foi publicado em 28 de julho passado, em edição extraordinária do Diário Oficial da União. Os ministérios da Saúde e da Educação, de fato, respondem por metade do novo contingenciamento de R$1,5 bilhão no Orçamento de 2023. Eis a lista de cortes (reduções) orçamentárias:
• Saúde: R$ 452 milhões;
• Educação: R$ 333 milhões;
• Transportes: R$ 217 milhões;
• Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome: R$ 144 milhões;
• Cidades: R$ 144 milhões;
• Meio Ambiente: R$ 97,5 milhões;
• Integração e Desenvolvimento Regional: R$ 60 milhões;
• Defesa: R$ 35 milhões;
• Cultura: R$ 27 milhões;
• Desenvolvimento Agrário: R$ 24 milhões.
Em comparação com outros anos, mesmo com as novas condições, o total de recursos bloqueados em 2023 é significativamente menor do que no ano anterior, sob o governo de Jair Bolsonaro. Em 2022 foram contingenciados R$15,38 bilhões para cumprir o limite de gastos, quando o Ministério da Educação sofreu um congelamento de R$ 1,4 bilhão.
Os bloqueios e cortes ocorrem quando a estimativa de despesas supera o limite estabelecido pelo teto federal de gastos , fruto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55/2016. Esta medida, que promoveu um mecanismo de controle de gastos públicos, foi encaminhada pelo governo do presidente Michel Temer ao Legislativo e foi aprovada em 2016.
O conteúdo da PEC é relativamente simples. Ela determinou que o total dos gastos primários do governo federal, isto é, todos os gastos menos o pagamento de juros sobre a dívida pública, deveria ficar, a cada ano, limitado a um teto definido pelo montante gasto neste ano de 2016, reajustado pela inflação acumulada. A aprovação da PEC Teto de Gastos foi, então, apresentada com uma referência positiva de controle para que governos não gastem demais e, caso os gastos fossem reajustados de acordo com a inflação, eles não seriam congelados e não iriam diminuir. Porém, a decisão do Congresso Nacional foi muito criticada por diversos segmentos sociais que viram graves problemas decorrentes.
O professor indicou também que “o governo teve que propor uma PEC, ao invés de um simples projeto de lei, justamente porque um dos seus pontos centrais é a desvinculação dos gastos com educação e com saúde, previstos hoje na Constituição como percentuais da receita – crescendo a economia e a arrecadação, crescem obrigatoriamente tais gastos. Talvez fosse mais transparente chamá-la de PEC da Desvinculação, dessa forma”.
O fato de saúde e educação terem sido alvos explícitos de redução, com geração de consequências graves de tal encaminhamento para as políticas sociais, popularizou o apelido da proposta aprovada de “PEC do Fim do Mundo”. Rugitsky explicou: “[A PEC do Teto de Gastos] longe de representar uma solução, só vai aprofundar a crise política, econômica e social pela qual estamos passando. Sábios foram aqueles que a denominaram de PEC do Fim do Mundo e foram ocupar ruas e escolas para se posicionar contra ela”.
O governo de Jair Bolsonaro (2019-2022) seguiu à risca o teto de gastos, sem desenvolver alternativas para a crise que se estabeleceu nas políticas públicas, o que resultou em situações dramáticas nas áreas de saúde (especialmente diante da pandemia da covid-19), de educação e de infra-estrutura.
O relatório do Gabinete de Transição para o novo governo (2023-2026), eleito em 2022, apresentou dados sobre a crise. Ainda nesse ano, o Gabinete propôs e conseguiu aprovação no Congresso da PEC de Transição, que permitiu ao novo governo deixar o valor de R$ 145 bilhões do Orçamento de 2023 fora do teto de gastos, para serem utilizados para bancar despesas com o Bolsa Família, o Auxílio Gás e a Farmácia Popular, entre outras.
Em 2023, o novo governo terá que lidar com a realidade de crise econômica estabelecida e com o orçamento aprovado no governo anterior, com base no teto de gastos – justificativa do contingenciamento apresentado, por decreto presidencial, em 28 de julho. Para corrigir as distorções da PEC do Teto de Gastos e preservar investimentos, principalmente de programas sociais, foi enviado ao Congresso o projeto de um novo arcabouço fiscal, já aprovado na Câmara e aguardando votação no Senado.
Hoje, a regra do teto de gastos introduzida na Constituição Federal, em vigor desde 2017, impede que os gastos federais cresçam mais do que a inflação ano a ano. Com a proposta do novo arcabouço fiscal, apresentada pelo atual governo, em discussão no Congresso, em vez do teto de gastos, a despesa poderá crescer o equivalente a 70% da alta nas receitas (por exemplo, se a arrecadação subir 2%, a despesa poderá subir até 1,4%).
Haverá, porém, limites mínimos e máximos para essa variação nas despesas. O percentual mínimo evita que uma queda brusca ou temporária na arrecadação obrigue o governo a comprimir despesas. Já o limite máximo afasta o risco de o Executivo expandir gastos de forma exagerada quando há um pico nas receitas.
O percentual não será aplicado de forma linear a todas as despesas. Com o fim do teto de gastos, serão retomados os mínimos constitucionais de saúde e educação como eram até 2016: 15% da RCL (Receita Corrente Líquida) para a saúde e 18% da receita líquida de impostos, no caso da educação.
Na prática, o avanço dessas despesas acompanhará mais de perto a arrecadação, enquanto outros gastos precisarão ter crescimento mais moderado para respeitar o limite como um todo.
O limite será abrangente, mas algumas despesas ficarão de fora, entre elas os repasses do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) e a ajuda financeira para estados e municípios bancarem o piso da enfermagem, conforme proposta introduzida na Câmara de Deputados. São gastos aprovados por emenda constitucional e deverão ser realizados.
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Bereia classifica a publicação do deputado federal Hélio Lopes (PL-RJ) como enganosa. Lopes desinforma ao selecionar apenas parte das informações a respeito do contingenciamento dos gastos. Os números dos valores bloqueados são verdadeiros, mas o parlamentar não diz que correspondem ao mecanismo da aplicação constitucional teto de gastos, proposta pelo governo de Michel Temer e aprovada pelo Congresso, em 2016. Lopes não informou aos seus leitores que o governo anterior promoveu cortes mais dramáticos no orçamento e que o atual governo já apresentou uma nova proposta ao Parlamento para alterar distorções das regras do teto de gastos, a fim de garantir investimentos públicos, em especial nas áreas fundamentais da vida da população.
Na tarde de 29 de junho, dia em que a Igreja Católica celebrava São Pedro, o esvaziado auditório Nereu Ramos, da Câmara Federal, foi palco para o político Padre Kelmon (PTB) lançar o Foro do Brasil, junto de outros religiosos e políticos autodenominados conservadores, em tentativa de contrapor o 26º Encontro do Foro de São Paulo, marcado para o mesmo dia, em Brasília.
A defesa de pautas de políticas da extrema-direita se associou ao forte tom religioso do evento, dado pelas declarações recheadas de passagens bíblicas, apresentação de músicas cristãs, orações e depoimentos. O evento trouxe, para testemunhar, inclusive, um jovem político venezuelano que, de acordo com a organização, sofre perseguição política.
Um fato que marcou o lançamento do Foro foi a ausência de seus principais divulgadores. Aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro, Bia Kicis (PL/DF), Carla Zambelli (PL/SP) e Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) convidaram o público por meio de suas mídias sociais, mas faltaram ao lançamento. Kicis e Zambelli enviaram vídeos com declarações de apoio ao evento, a primeira foi a um funeral e a segunda não justificou. Já o parlamentar carioca, segundo o deputado General Girão (PL/RN), não compareceu pois, no dia anterior ao evento, teve o celular roubado no Rio de Janeiro.
Se por um lado o público presente não conseguiu encher o pequeno auditório, a desinformação marcou presença no discurso do senador evangélico Magno Malta (PL-ES), um dos personagens frequentemente checados na seção Torre de Vigia do Bereia. Com duração de cerca de 40 minutos, a preleção mais longa do evento, notoriamente religiosa, foi repleta de afirmações falsas e dados incorretos.
Ataque à esquerda
O senador, logo no começo, utiliza, em seu discurso, estratégias de desinformação checadas pelo Bereia, como a “ameaça comunista” e a “cristofobia”. Na tentativa de incriminar a reunião do Foro de São Paulo no Brasil, ele afirma que o evento receberia “ditadores inescrupulosos, negadores da fé, negadores de direitos, assassinos da moral alheia, esses que matam, homossexuais que perseguem cristãos, que fecham igrejas, eles verbalizam”. Em seguida, finaliza o trecho afirmando que os participantes do Foro de São Paulo desfrutam da estrutura de governo. Esta é uma informação fasa, pois, ao contrário do Foro do Brasil, que ocorre em um dos auditórios da Câmara Federal, sob o rótulo de “Reunião Técnica“, o Foro de São Paulo ocorre em local privado, no Hotel San Marco, às custas dos participantes.
Imagem: reprodução do site da Câmara dos Deputados
Economia
Magno Malta proferiu também uma série de afirmações falsas e enganosas sobre a economia do País. Ele citou o fechamento de diversas empresas, aumento do desemprego e de falências para criticar o atual governo. A afirmação falsa fica por conta do desemprego: de acordo com dados do IBGE, o desemprego diminuiu 8,3% e chega à menor taxa do período desde 2015. Já as enganosas são as declarações sobre o fechamento e falência de empresas. O Brasil atingiu a marca de 1,3 milhão de empresas abertas nos primeiros quatro meses de 2023, contra 736,9 mil fechadas, o que deixa um saldo positivo de 594.963 CNPJs abertos em todo o país, segundo dados divulgados pelo Ministério do Desenvolvimento.
Já, quando Malta cita o aumento de pedidos de falência, o senador acerta, mas omite um fator fundamental para a saúde financeira das empresas: a alta taxa de juros definida pelo Banco Central. De acordo com diversos economistas, os juros altos aliados à restrição de crédito são um dos fatores que têm contribuído para o cenário atual. A taxa de 13,75% é defendida pelo presidente do Banco Central, Campos Neto, que, por sua vez, é alvo de elogios no discurso do senador.
Sobre a pandemia, o senador nega, inclusive, a fome sofrida por cerca de 33 milhões de brasileiros durante o período, em semelhança a declaração dada pelo ex-presidente Bolsonaro, durante debate das eleições presidenciais em 2022, quando afirmou não ver pessoas passando fome no país.
Por fim, afirma que o deputado Lindbergh Faria (PT/RJ) teria dito que o “calabouço(sic) fiscal tem parte com capeta”. Bereia entrou em contato com a assessoria do deputado para confirmar a conversa, mas até o fechamento da matéria não obteve resposta.
Aula de Geoteologia?
Um fato curioso do evento veio no discurso do deputado federal General Girão. Logo no início, ele pediu que os presentes fechassem os olhos e “imaginem na parede”. Em seguida, pegou o microfone, caminhou até a parede ao fundo e, gesticulando, narrou a posição geográfica dos países sul-americanos e perguntou: “Quem está mais à direita no continente sul-americano?” e depois, “Quem criou o mundo?”. Por fim, conclui com a frase: “Quem quer tirar o Brasil da direita e colocar na esquerda, está querendo contrariar uma criação de Deus. O padre Kelmon falou, é o destino manifesto do Brasil”.
Imagem: reprodução de site da Câmara dos Deputados
Padre Kelmon, o presidente
O candidato à Presidência da República pelo PTB nas últimas eleições foi apresentado como presidente do Foro do Brasil. Padre Kelmon afirma que a criação do Foro deve-se ao Espírito Santo, que inspirou padres e pastores. Mais tarde, foi apresentado um trailer de um documentário batizado de “Operação Verdade”. Após a exibição, quebrando o protocolo, Kelmon retorna a tribuna e revela os financiadores do trabalho: “Eu preciso dizer isso. Quero agradecer especialmente ao agronegócio […], que nos permitiu passar uma semana em Boavista, em Pacaraima, que nos acolheu, pagou nossas passagens, fez o melhor por nós para que esse documentário pudesse ficar pronto.”
Apesar de serem caracterizados, histórica e culturalmente, pelo apego à Bíblia, evangélicos brasileiros têm desobedecido intensamente nos últimos anos uma das principais orientações do livro sagrado cristão: não mentir.
Nos muitos textos sobre o tema, é enfatizado que Deus abomina a mentira, como no trecho de Provérbios 6.16-19, que se torna uma síntese dos outros vários.
“Há seis coisas que o Senhor odeia, sete coisas que ele detesta: olhos altivos, língua mentirosa, mãos que derramam sangue inocente, coração que traça planos perversos, pés que se apressam para fazer o mal, a testemunha falsa que espalha mentiras e aquele que provoca discórdia entre irmãos.”
Apesar da nítida orientação contida no livro tão amado e ressaltado por evangélicos, o que temos acompanhado no Brasil, pelo menos desde 2018, é um conjunto de posturas que favorece a circulação e a propagação de mentiras entre este grupo.
Estas posturas se configuram em um ponto inicial que é a formulação do conteúdo mentiroso dentro do próprio ambiente evangélico. Segundo o acompanhamento realizado desde a pesquisa Caminhos da Desinformação: Evangélicos, Fake News e WhatsApp no Brasil até o que é empreendido pelo Coletivo Bereia – Informação e Checagem de Notícias, pastores, pastoras, presidentes de igrejas, bispos e outra autoridades, influenciadores digitais, entre artistas gospel, políticos evangélicos e outras personagens que ocupam o espaço público e emergem como celebridades midiáticas, criam conteúdo falso e enganoso e o propagam em seus espaços nas mídias sociais dos aplicativos populares das big techs.
Nesta postura, parece haver uma intenção, ou seja, elaboração deliberada da mentira, para captar apoios de natureza demagógica nas comunidades evangélicas a temas e pautas de cunho ideológico. Entre elas esteve, por exemplo, a oposição a procedimentos científicos, como as medidas sanitárias aplicadas para a prevenção da covid-19 nos anos de 2020 e 2021. Está também a negação do valor da vacinação na proteção contra doenças e a aversão aos direitos de pessoas que não aplicam em suas vidas a orientação dos costumes evangélicos no tocante à sexualidade.
É possível contabilizar neste grupo material falso contra o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral e sobre fraudes em urnas eletrônicas, por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro durante o processo eleitoral 2022, entre outros temas, como foi o caso da campanha contra o Projeto de Lei 2630/2020, denominado popularmente de Lei das Fake News. A noção de que a chamada Lei das Fake News é uma lei de censura criada pelo atual governo e pelas esquerdas e o STF para silenciar as igrejas e para impedir críticas públicas a políticos, foi fartamente disseminada por estas personagens citadas acima.
Outra postura é o alinhamento à mentira da parte deste grupo e de lideranças que estão em nível intermediário (pastores e pastoras e pessoas que têm funções de destaque nas diversas comunidades evangélicas do Brasil afora) com a replicação (o compartilhamento) de conteúdo produzido por terceiros. Boa parte destas mensagens não tem conteúdo religioso exclusivo, mas traz temas como o do suposto cerceamento de liberdade de expressão, o negacionismo em relação à ciência (em especial na área da saúde), a ameaça comunista e de ativistas feministas e LGTBI+, e são repercutidos por afinidade/alinhamento ideológico.
Produtores da indústria da desinformação, que não são religiosos, mas querem captação de apoio para interferir em temas de interesse público e obter vantagens (políticas ou financeiras), conseguem assessoria de lideranças e influenciadores evangélicos para produzirem material específico destinado ao grupo. Oferecem memes, cards, áudios, vídeos, com linguagem que cria vínculos emocionais, com textos bíblicos, por exemplo. No caso da desinformação em torno do PL 2630, tornou-se conhecido que a Câmara Brasileira de Economia Digital, associação brasileira que reúne empresas como Meta (Facebook, Instagram e WhatsApp), Google e TikTok produziu um documento entregue a deputados afirmando que o projeto de lei proibiria a livre expressão de cristãos nas mídias sociais, especialmente a publicação de certos versículos bíblicos. O conteúdo falso foi disseminado por personagens como o deputado federal da Igreja Batista Deltan Dallagnol.
A postura da assimilação, por evangélicos comuns, as pessoas que participam cotidianamente das igrejas, é a que torna este grupo um forte propagador, ou “traficante” de desinformação. Fiéis evangélicos são os destinatários de todo este conteúdo. Tanto as lideranças e influenciadores religiosos, como os produtores da indústria da desinformação, buscam afetar estas pessoas, como mencionado acima, lançando mão do imaginário evangélico sedimentado em quase dois séculos de pregação e atuação predominantes entre grupo religioso no Brasil.
Este imaginário é moldado por elementos-chave como a superação perseguição religiosa, algo que absolutamente não existe no país contra cristãos, mas que é acionado pela imagem bíblica da perseguição de Roma aos primeiros cristãos; o enfrentamento de inimigos, as hostes do mal (Satanás e seu séquito) que atuam contra a propagação do Evangelho e o crescimento das igrejas; a pureza do corpo, em especial no cultivo de uma sexualidade padronizada no ocidente como heteronormativa, guardada para o casamento monogâmico para a geração de filhos e prosseguimento no povoamento da Terra.
Além de assistirmos a esta instrumentalização da religião para campanhas públicas em bases falsas e enganosas, vemos também o uso da palavra, por parte de líderes, para perseguir e atacar quem se coloca em oposição a estas posturas dentro das igrejas. Não são poucas as pessoas classificadas como não cristãs, traidoras da igreja, simplesmente por denunciarem o uso da mentira para capturar apoios.
Fica o desafio de pessoas e grupos evangélicos retomarem a Bíblia tão amada e um dos destacados ensinamentos de Jesus sobre conhecer a verdade, tal como registrado no Evangelho de João, fartamente instrumentalizado em discursos políticos do ex-presidente que deixou o cargo em 31 de dezembro passado, a mentira é exposta como filha do inimigo de Deus, o Diabo. Jesus diz, aos que se colocavam em oposição às suas ações, e que apregoavam mentiras neste debate público: “Vocês pertencem ao pai de vocês, o Diabo, e querem realizar o desejo dele. Ele foi homicida desde o princípio e não se apegou à verdade, pois não há verdade nele. Quando mente, fala a sua própria língua, pois é mentiroso e pai da mentira” (João 8.44).
**Os artigos da seção Areópago são de responsabilidade de autores e autoras e não refletem, necessariamente, a opinião do Coletivo Bereia
* Matéria atualizada às 16:49 para correção de título
Ao repercutir o relatório World Economic Outlook (Panorama Econômico Mundial) divulgado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), em 11 de abril deste ano, a Revista Oeste publicou matéria dando destaque ao governo de Jair Bolsonaro (PL), ao citar o relatório do FMI: “No último ano de mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro, a inflação do Brasil fechou menor que a de países como Alemanha, Estados Unidos, Reino Unido e Áustria, nações consideradas campeãs de austeridade no mundo”. O site também disse que de acordo com levantamento feito pelo jornal Valor Econômico, a posição do Brasil conforme dados do FMI, “é a melhor para a economia brasileira desde 1995”. o conteúdo foi repercutido por políticos religiosos, como a deputada Carla Zambelli (PL-SP):
A matéria do site do Valor Econômico/Globo noticiou a informação do relatório do FMI sobre a inflação no Brasil: “A inflação brasileira terminou o ano passado acima da meta do Banco Central para 2022, mas o indicador nunca ficou tão abaixo na comparação internacional desde pelo menos 1995. Entre 191 países, a inflação do Brasil foi a 144ª mais alta. A melhor posição anterior do país havia sido em 2007, quando a alta de 4,5% foi a 123ª maior entre 192 países, segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI)”.
No entanto, o jornal contextualizou e explicou esse resultado: “É preciso lembrar, porém, que essa desaceleração se deu em grande parte, graças aos artifícios do governo Jair Bolsonaro na busca da reeleição, ao reduzir tributos sobre as tarifas de energia, combustíveis e telecomunicações”.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou, em janeiro deste ano, que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) terminou 2022, portanto, após o período eleitoral, com 5,79%, acima da meta do Banco Central para 2022, que foi de 3,5%. Já em 2021, os preços no Brasil atingiram a 28ª maior alta do mundo, quando subiram 10,1%. Segundo a matéria do Valor Econômico, o núcleo da inflação no Brasil ficou acima do apresentado pelos Estados Unidos da América (USA), pelo da zona do euro e de uma mediana de países praticamente todo o tempo desde 2019. “Os núcleos são considerados medidas mais ‘limpas’ para a inflação, porque excluem itens mais voláteis e sobre os quais bancos centrais têm menor poder de manobra, como alimentos e energia”, informou o Valor.
Ainda a matéria divulgada pelo Valor Econômico em 23 de abril passado, diz que “Um exercício feito pelo ICMS mostrou que, se fossem desconsiderados os itens gasolina e energia elétrica no cálculo da inflação, o IPCA teria encerrado 2022 com alta de 9,56%, e não de 5,79%. Esse cálculo mostra o impacto da redução do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre esses itens, embora ele não seja o único fator que influenciou a variação de preços desses produtos. Em 2022, os preços no mundo subiram em média 8,9%, a maior alta desde 1995 (12,6%)”.
O relatório divulgado pelo FMI em abril deste ano alertou que a inflação no mundo está “muito mais pegajosa, do que o previsto, mesmo alguns meses atrás”.
Conforme matéria publicada pelo site G1/Economia sobre a inflação oficial do Brasil entre 2019 e 2022, no governo de Jair Bolsonaro, o resultado “ficou em 26,93%, no maior patamar para um mandato desde o primeiro governo de Dilma Rousseff, que aconteceu entre 2011 e 2014 (27,03%)”.
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Com base na checagem, Bereia considera a matéria publicada pelo site Revista Oeste enganosa, pois apesar de referenciar a matéria do Valor Econômico com os índices econômicos, não apresentou as demais informações que os contextualizam. A inflação menor em 2022 é apresentada como um feito positivo do governo Bolsonaro, mas não são listadas as decisões do Executivo questionáveis para se chegar ao índice. O texto oferece conteúdos verdadeiros, mas não traz informações sobre o contexto do fato em pauta. É desinformação e necessita de complementações e contextualização.
Recentemente jornais de grande circulação noticiaram que o presidente do Sindicato dos Auditores Fiscais (Sindifisco Nacional) Isac Falcão, afirmou que a assinatura do Ato Declaratório nº 1 de 29 de julho de 2022, que isenta líderes religiosos de contribuição previdenciária, foi implementado de forma ilegal pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), e os demais contribuintes estariam pagando a aposentadoria dos líderes religiosos.
Acusações do presidente do Sindifisco Nacional
Segundo Isac Falcão, a medida adotada pelo governo Jair Bolsonaro extrapolou a competência da Receita Federal e fez com que o ônus do benefício concedido a pastores recaísse sobre a sociedade.
Ainda, a adoção da medida não estaria de acordo com os procedimentos legais para este tipo de ato. Normalmente, segundo o presidente do Sindifisco Nacional, o ato teria que passar por conselhos técnicos da Receita Federal, o que não teria se observado.
À época, o portal Poder 360 chamou atenção para o fato de que a publicação do ato oficial ocorria a apenas duas semanas do início do período eleitoral, em tentativa de “conquistar voto do eleitorado evangélico”.
A delegacia sindical dos auditores federais de Curitiba também emitiu nota por ocasião da publicação do ADI, apontando-o como medida “ilegal e eleitoreira” e afirmando que “a classe trabalhadora brasileira, tão fortemente taxada”, continuaria “pagando a conta”.
Além de Isac Falcão, o presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) à época da assinatura do ADI, Mauro Silva, também discordou da decisão. Ao Metrópoles, o auditor afirmou que a publicação veio em tempo inoportuno.
Segundo Silva, a medida poderia aguardar o término do período de eleição sem prejuízo para nenhum dos envolvidos, visto que a justificativa de dúvidas quanto à legislação é na verdade uma situação antiga e a pressa não se fazia necessária.
Implementação do ADI
O Ato Declaratório Interpretativo nº 1 foi publicado no Diário Oficial da União, em 1 de agosto de 2022, e assinado pelo então Secretário Especial da Receita Federal Júlio Cesar Vieira Gomes.
Segundo o ADI nº 1, os valores pagos por entidades religiosas a ministros de confissão religiosa, a membros de institutos de vida consagrada, congregação ou ordem religiosa “não são considerados como remuneração direta ou indireta” e a “existência de diferenciação quanto ao montante e à forma nos valores despendidos (…) não caracteriza esses valores como remuneração sujeita à contribuição”.
Alguns dias após a assinatura do ADI, em seu primeiro ato de campanha do período eleitoral de 2022, o então presidente Jair Bolsonaro se reuniu com lideranças religiosas em Juiz de Fora (MG).
Segundo reportagem da Folha de São Paulo, durante a reunião, Bolsonaro teria discursado sobre a medida em resposta à indagação de um pastor. “A reivindicação já foi aceita, [o ato] está publicado no Diário Oficial da União”.
E mais adiante o ex-presidente teria incitado a ideia de intolerância ao afirmar que “O que ele [pastor] reivindicou está claríssimo na nossa Constituição, mas por questões de, no meu entender, perseguição, isso não era cumprido. E a Receita agora entendeu”, declarou o ex-presidente na ocasião.
Em matéria publicada em 21 de abril, sobre apuração do Tribunal de Contas da União (TCU), a CNN noticiou ter ouvido técnicos do Ministério da Fazenda que afirmam que todas as mudanças foram tratadas por Bolsonaro com Júlio César Vieira Gomes.
A CNN diz, ainda, que, em declarações ao TCU, o ex-secretário afirmou ter seguido o processo regular de tramitação da Receita. Na época, o órgão divulgou uma nota sobre a medida, dizendo se tratar da consolidação de um entendimento já vigente sobre o assunto em um único documento.
Quem é Júlio Cesar Vieira Gomes
Júlio Cesar Vieira Gomes, que assinou o ADI nº 1, é um dos envolvidos no recente caso das joias sauditas não declaradas à Receita pelo governo Bolsonaro. Após a repercussão do caso, Gomes pediu demissão do cargo, conforme relata o portal UOL. Segundo o portal Poder360, o atual governo tornou sem efeito a exoneração, em virtude da investigação sobre o caso das joias.
Segundo o portal G1, durante as tentativas frustradas de recuperação das joias junto à Receita, Jair Bolsonaro teria nomeado Vieira Gomes ao cargo recém-criado de adido tributário em Paris, na França.
Após a extinção do cargo pelo atual Ministro da Fazenda Fernando Haddad, políticos ligados a Bolsonaro, dentre os quais alguns integrantes da bancada evangélica, tentaram, sem sucesso, um novo cargo para Gomes junto ao governo estadual paulista de Tarcísio de Freitas.
Igrejas são acusadas de sonegação fiscal
Matéria veiculada pelo portal Band News revela que Receita Federal descobriu repasses financeiros das igrejas aos pastores que angariavam mais dízimos e ofertas, ação interpretada como participação nos lucros. Desta forma, as instituições geraram um vínculo empregatício com remuneração por tarefa, e a Receita Federal entende que passaram a sonegar uma contribuição previdenciária.
O ADI estendeu a isenção previdenciária a pastores. Antes de agosto de 2022, quando o ato foi assinado pelo então Secretário Especial da Receita Federal Júlio Cesar Vieira Gomes, os líderes religiosos eram obrigados a recolher a contribuição previdenciária.
Logo, a atenção dos auditores voltou-se para o fato desses ganhos estarem sendo propositalmente considerados como prebenda, a remuneração fixa para a subsistência do eclesiástico.
Análise da Receita Federal e TCU
A CNN divulgou que “tudo o que foi constatado até agora foge da normalidade”. E que pelo que já foi apurado até o momento, o Tribunal deve orientar a Receita a revogar a norma ou, até mesmo, editar um novo texto que exclua as possibilidades de isenção de ganhos em casos como “participação de lucros”, “cumprimento de metas” e auxílios atualmente permitidos sem a necessidade de comprovantes, como por exemplo gastos com saúde e educação.
Ainda segundo o canal de notícias, o relator do caso na Corte de Contas é o ministro Aroldo Cedraz. O documento de análise da medida que favoreceu líderes religiosos deve ser entregue em breve e seguir para a Câmara dos Deputados.
Em 27 de abril, o Jornal da Band noticiou, que a Receita Federal cogita revogar o ADI nº 1, por conta de um esquema de sonegação praticado por igrejas evangélicas. As instituições religiosas foram multadas e também devem ao Fisco 20% sobre o valor sonegado.
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Bereia considera verdadeiro o conteúdo checado. O ato interpretativo oficializado durante o governo do ex-Presidente Jair Bolsonaro promove benefícios tributários a líderes religiosos, em consonância com o que relata o presidente do Sindifisco Nacional.
Há farto material noticioso que relata os trâmites de processos envolvendo a relação de igrejas e pastores com a Receita Federal e as críticas promovidas por membros de órgãos do fisco, como Sindifisco Nacional e Anfip, convergem no sentido de apontar irregularidades.
Na tentativa de comparar dados sobre o desemprego no Brasil para criticar o atual governo, a senadora evangélica Damares Alves (Republicanos/DF) publicou uma montagem que utiliza reportagens da Rede CNN e do portal de notícias G1, da Rede Globo, junto com as fotos de Lula e Bolsonaro. As matérias anunciam dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – PNAD Contínua realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Bereia consultou os dados da pesquisa do IBGE, mencionados por Damares Alves em sua comparação. É correto, de acordo com o instituto, que no período de julho-agosto-setembro do ano passado, a taxa de desemprego no Brasil foi de 8,7%. Já no período de dezembro-janeiro-fevereiro deste ano a taxa foi, de fato, de 8,6%.
Porém, a variação percentual nesses trimestres não é informada na publicação da senadora, o que pode levar seguidores ao erro. No trimestre outubro-novembro-dezembro, ainda no governo Bolsonaro, por exemplo, a taxa chegou no menor valor, 7,9%. O número aumentou logo no trimestre seguinte, novembro-dezembro-janeiro para 8,4%.
Quando considerados apenas os dois períodos citados nas manchetes dos jornais (8,7% – 8,6%) por Damares Alves, a taxa se mantém estável.
Como comparar as taxas de desemprego
Uma comparação correta entre as taxas de desemprego é a que leva em conta o trimestre anterior (no caso, novembro-dezembro-janeiro, no final do mandato do governo Bolsonaro, que teve 8.4%), o que demonstra uma alta em dezembro-janeiro-fevereiro de 2023, nos primeiros meses do governo Lula de 0,2%.
Outra comparação corrente e correta deve se dar entre o trimestre atual e o mesmo trimestre do ano anterior, 2022. Nesse caso, verifica-se dezembro-janeiro-fevereiro de 2023 com 8,6% frente a dezembro-janeiro-fevereiro de 2022 com 11,2%, durante o governo Bolsonaro, o que representa uma baixa nestes primeiros meses do governo Lula, equivalente a 2,6%.
Bereia considera que a montagem publicada pela senadora é enganosa, pois utiliza dados verdadeiros do IBGE, mas produz comparação descabida entre trimestres avulsos, além de omitir informações relevantes ao leitor: (1) não faz as comparações corretas, com dados do trimestre anterior e do mesmo trimestre do ano anterior; (2) não considera fatores sazonais, como o aquecimento do comércio durante as festas de final de ano, por exemplo, com trabalho temporário, que decresce nos meses seguintes.
Políticos religiosos compartilharam em seus perfis nas mídias sociais a notícia de que o atual presidente teria excluído a categoria arte sacra de entre os grupos contemplados pela Lei Rouanet. Alguns destes perfis no Twitter publicaram a notícia acompanhada de frases que acusam o atual presidente de perseguição cristã.
As informações foram publicadas pela Revista Oeste e disseminadas por políticos como Marco Feliciano (PL-SP) e Bia Kicis (PL-DF). Sites religiosos como Gospel Mais e Pleno News repercutiram a informação. O discurso concentra-se em alterações na lei promovidas pelos governos de Jair Bolsonaro e de Lula.
O que é e como funciona a lei Rouanet
Conhecida popularmente como lei Rouanet, a Lei nº 8313/91 instituiu o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), com a finalidade de captar e canalizar recursos para o setor cultural, fomentando diversas iniciativas ligadas à cultura. A forma mais comum de financiar projetos via Lei Rouanet é o incentivo fiscal, prática que articula setor cultural, governo e setor privado.
Para beneficiarem-se de um incentivo fiscal, os projetos culturais devem, primeiramente, ser submetidos à avaliação de um corpo técnico, que verifica se o projeto se enquadra nos requisitos da lei.
Uma vez aprovados pela Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (Cnic), órgão que analisa se os projetos que buscam incentivos fiscais estão em conformidade com a lei, os projetos são autorizados a captar recursos junto ao setor privado. As empresas que investem em projetos culturais recebem descontos em impostos devidos ao governo. Quem decide quais projetos apoiar são as próprias empresas.
Conforme relato da Época Negócios, em 2018, um estudo encomendado pelo Ministério da Educação à Fundação Getúlio Vargas revelou que, a cada R$1,00 em incentivos ligados à Lei Rouanet, gera-se um retorno financeiro de R$1,59.
Lei Rouanet durante o governo de Jair Bolsonaro
Uma vez eleito, Jair Bolsonaro promoveu diversas mudanças na legislação dedicada à cultura, a começar pela alteração do status ministerial da pasta – o antigo Ministério da Cultura passou a ser uma Secretaria Especial ligada, primeiro, ao Ministério da Cidadania (2019) e, depois, ao Ministério do Turismo (2021), conforme explica matéria do Jornal da USP.
Segundo matéria do portal G1, a alteração mais impactante aconteceu ainda em 2019, com a redução do montante máximo de captação por cada projeto, que era de R$60 milhões e passou a ser de R$1 milhão, com limite de R$10 milhões anuais por empresa do setor cultural. O setor audiovisual passou a seguir limites ainda mais rígidos, a depender da categoria contemplada.
Em outubro de 2021, o governo dispensou 174 profissionais responsáveis pelos pareceres de projetos que se submetiam aos critérios da Lei Rouanet. No ano seguinte, o governo federal promoveu novas mudanças: cortes em cachês artísticos chegaram a 93,4% e o valor máximo de captação encolheu ainda mais, passando de R$1 milhão para R$500 mil, segundo informações do Estado de Minas.
Bolsonaro alterou também a composição da Cnic. A partir de um novo decreto, os membros da comissão deveriam pertencer a cinco áreas: arte sacra, belas artes, arte contemporânea, audiovisual, patrimônio cultural e museus.
Trata-se de uma especificação para a composição do órgão, não havendo, anteriormente, impedimento de que membros dessas áreas integrassem a comissão, fato ignorado pelas recentes narrativas enganosas.
De que trata o decreto assinado por Lula
O atual presidente assinou, em 23 de março de 2023, um decreto que trata especificamente de meios de fomento do sistema de financiamento à cultura e procedimentos padronizados para prestação de contas de recursos ainda não previstos em legislação específica, o Decreto nº 11.453.
De acordo com o decreto, a utilização desses meios de fomento objetiva a implementação do Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), de que trata a Lei nº 8.313, de 1991, conhecida popularmente como Lei Rouanet, e da Política Nacional de Cultura Viva, de que trata a Lei nº 13.018, de 2014.
Imagem: reprodução Twitter
Em relação ao fomento cultural através de incentivo fiscal, o decreto trata, no artigo 49, da análise técnica a que os projetos culturais devem ser submetidos. O Ministério da Cultura verificará a adequação ao Pronac. Após o parecer técnico, os projetos serão submetidos à Cnic.
Governo Lula não retirou projetos religiosos da lei
A única citação à arte sacra que existia no Decreto (revogado) nº 10.755, de 26 de julho de 2021, assinado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, referia-se à representatividade desta arte através de membros da Cnic. Esta citação explícita não está presente no Decreto nº 11.453, de 23 de março de 2023, assinado pelo atual presidente.
No entanto, não existe exclusão da arte sacra como uma categoria a ser contemplada pelas leis de fomento à cultura, visto que ela sempre foi considerada dentro de outras categorias artísticas. Na prática, as alterações feitas pelo atual governo na composição da Cnic foram, assim como pelo governo anterior, na forma de categorizar as artes contempladas com possíveis vagas na comissão.
O decreto em vigência dividiu os segmentos em artes cênicas, artes visuais, audiovisual, humanidades, música e patrimônio cultural. Outra mudança foi a exigência de, no mínimo, um representante dos povos originários e tradicionais, um da cultura popular, um de instituição que atue com acessibilidades artísticas, um de instituição cultural que atue no combate a discriminações e preconceitos e dois representantes e residentes de cada uma das cinco regiões do Brasil como membros titulares ou suplentes da Cnic.
Lei Rouanet e desinformação política
Nos últimos anos, muita desinformação circunda a Lei Rouanet e supostos artistas ou projetos contemplados pelas políticas de incentivo. Trata-se de uma estratégia política para descredibilizar tanto artistas quanto a própria política cultural brasileira.
Os ex-secretários de cultura Mário Frias e Regina Duarte, críticos da lei, já captaram recursos via Lei Rouanet. Há, ainda, artistas críticos da lei que participam de contratações de grande orçamento diretamente com prefeituras, um processo menos transparente.
Em recente reportagem da Agência Lupa, a jornalista Carol Macário mostra que o tema ficou em maior evidência nas plataformas digitais justamente nos momentos de corrida eleitoral, no segundo semestre de 2018 e ao longo de 2022, evidenciando o caráter político das polêmicas fabricadas.
As narrativas fabricadas associam os incentivos fiscais à gastança excessiva e famosos estão sempre entre os alvos. Neste mês de março, a artista Ludmilla foi vítima de uma notícia falsa, desmentida pela Secretaria de Comunicação Social.
Após realizar pesquisa em leis, documentos e notícias veiculadas em diversos veículos da imprensa nos últimos anos, Bereia apurou ser enganosa alegação de que o presidente Lula excluiu projetos religiosos da Lei Rouanet. A notícia da Revista Oeste distorce os fatos, ao que se segue uma narrativa enganosa de perseguição aos cristãos, encampada por políticos que utilizam a fé como plataforma política.
As alterações na Lei Rouanet efetivadas durante o governo Bolsonaro não inovaram ao contemplar projetos religiosos, visto que esses projetos já poderiam ser beneficiados anteriormente. Da mesma forma, as alterações promovidas pelo governo Lula não diminuem o escopo de projetos contemplados, apenas alteram as denominações de áreas artísticas. A arte sacra continua apta a submeter-se aos critérios da Lei Rouanet.
Leitores e leitoras do Bereia enviaram solicitações de checagem sobre uma série de publicações que circulam em mídias sociais religiosas e afirmam que o governo Lula estaria promovendo impedimento às ações missionárias em solo Yanomami. Os textos apresentam o o argumento de que durante o governo anterior houve maior possibilidade de atuação religiosa com povos originários, enquanto o atual governo estaria promovendo um boicote religioso movido por questões políticas.
O que o atual governo federal encaminhou
Ao tomar conhecimento da atual situação dos povos Yanomami, o atual governo, junto a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) e a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), do Ministério da Saúde, expediram conjuntamente a Portaria GM/MS Nº 28, de 20 de janeiro de 2023, que estabelece uma série de procedimentos para acesso à Terra Indígena Yanomami. Diz a parte principal do documento:
Art. 1º Definir procedimentos para acesso à Terra Indígena Yanomami visando o resguardo a respeito aos povos indígenas durante o enfrentamento da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional.
Art. 2º O ingresso à Terra Indígena Yanomami será coordenado a partir das ações prioritárias definidas no Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública ( CO E – Yanomami ) .
Art. 3º As autorizações em vigor já existentes e emitidas pela Funai para ingresso na Terra Indígena Yanomami deverão ser reavaliadas pelo órgão indigenista, visando resguardar a integridade dos indígenas.
Art. 4º A Funai suspenderá novas autorizações de ingresso à Terra Indígena Yanomami no período de vigência da Portaria GM/MS Nº 28, de 20 de janeiro de 2023.
Art. 5º As autorizações de que trata esta Portaria não se aplicam aos profissionais de saúde e saneamento vinculados à Sesai e às instituições parceiras, aos servidores da Funai e aos demais servidores e agentes públicos em missão na respectiva Terra Indígena para os quais devem ser seguidas as orientações e as regulamentações específicas de seus órgãos, sempre em respeito aos direitos dos povos indígenas.
Com as medidas de controle territorais, apenas servidores em missão da FUNAI e SESAI poderão entrar em solo Yanomami. Ou seja, não apenas garimpeiros e grileiros estão sendo retirados das reservas nacionais, como também quaisquer outros grupos de pessoas não ameríndios que vinham tendo livre acesso à Terra Indígena Yanomami. Esta medida visa garantir a recuperação física dos povos originários, uma vez que boa parte das doenças, infecções e problemas de saúde que porventura venham a acometer essa população, são levadas até eles por meio do contato com pessoas de outras origens. Contudo, o procedimento também garante a não disseminação de enfermidades tropicais que podem circular entre os yanomamis em outras áreas do país, já que, ao transitar entre áreas urbanas e reservas, os missionários podem levar contaminações de uma área para outras.
A Portaria Conjunta, de janeiro passado, contém um anexo com as várias orientações aos servidores de órgãos como a FUNAI, o Ministério da Saúde, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), entre outros, únicas pessoas não-ameríndias que podem ter acesso à Terra Yanomami para prestar serviços. O anexo contém um termo de compromisso individual, que deve ser assinado por quem ingressa na Terra com o registro do objetivo da solicitação de entrada e da ciência de oito obrigações legais, entre elas a carteira de vacinação atualizada, mais as “Normas de conduta em Terras Indígenas”, compostas por 14 pontos: ida às aldeias, postura, saúde, uso de armas, drogas e bebidas alcóolicas, linguagem, alimentação, gestão do lixo, biodiversidade, artesanato, respeito à diversidade, uso de cartão de banco e senhas, outros.
O ponto nº 11 das “Normas de conduta em Terras Indígenas” diz: “Proselitismo religioso: é terminantemente proibido o exercício de quaisquer atividades religiosas junto aos povos indígenas, bem como o uso de roupas com imagens ou expressões religiosas”. Foi este registro o conteúdo explorado nas publicações de mídias religiosas, enviadas por leitores e leitoras ao Bereia para checagem, com a denúncia de impedimento da liberdade religiosa.
Abusos do proselitismo religioso
A presença de missões religiosas (católicas e evangélicas, especialmente) em terras indígenas no Brasil tem histórico que remonta à colonização. Direitos culturais são os mais afetados por ações de homogeneização e ocidentalização de usos e costumes, na busca do apagamento de diferenças. A conversão à fé cristã significou, também, ao longo dos séculos, a assimilação da cultura dos missionários na imposição da língua, da forma de vestir, de comer, de organizar a família e se relacionar com ela, de viver em comunidade, de se integrar ao meio ambiente, de fazer política.
“A Igreja Católica Romana mudou de atitude depois do Concílio Vaticano II, com a instituição das pastorais sociais e da discussão sobre inculturação do Evangelho, na América Latina, em especial, nas Conferências Episcopais Latino-Americanas de Medellín (1968) e Puebla (1979). Ainda assim, os grupos fundamentalistas, que se destacam no Catolicismo Romano na região, desde os anos do pontificado de João Paulo II, exercem incidência sobre as atividades missionárias, gerando tensão entre agentes comprometidos com as causas indígenas e negras e líderes que cobram ‘conversões‘”.
A pesquisa FESUR explica que “grupos evangélicos começam a atuar mais intensamente em meados do século 20, entre indígenas, especialmente por meio de agências missionárias estadunidenses, e entre populações negras, por meio de projetos evangelísticos de igrejas em territórios ocupados por elas. Nos anos 2000 identifica-se a ampliação das atividades destes grupos fundamentalistas, algumas delas atreladas a empresas do agronegócio, mineradoras, madeireiras, de garimpo e de especulação imobiliária, que buscam intervir em territórios dessas populações para alcançar seus interesses econômicos”.
Algumas agências missionárias evangélicas já foram alvo de processos judiciais por conta de violação de direitos indígenas no Brasil. Entre elas estão a Jovens com Uma Missão (Jocum) e a Missão Novas Tribos, que teve a identidade alterada, em 2017, para Ethnos 360º. A pesquisa FESUR mostra que a Jocum sofreu processo e teve missionários expulsos da aldeia Suruwahá, no Amazonas, em 2003, por “praticar proselitismo, desestruturar a comunidade (tendo gerado suicídios em massa), escravização de indígenas, extração ilegal de sangue, biopirataria de sementes da floresta, construção de pista de pouso ilegal, venda ilegal de madeira, remoção de indígenas de forma ilegal, sequestro de crianças e racismo”.
A pesquisa FESUR também mostra que a Missão Novas Tribos (Ethnos 360º) foi alvo de vários processos judiciais. Em 1991, o Supremo Tribunal Federal (STF) baniu a agência do território Zo’é, especialmente por conta da transmissão de doenças (gripe e malária), que ocasionaram 45 mortes de indígenas e, também, ações incompatíveis com a política para povos isolados em curso no país.
Durante o governo de Jair Bolsonaro, tanto a Jocum quanto a Missão Novas Tribos tiveram portas abertas para a ampliação de suas ações entre indígenas, em especial, os habitantes de aldeias isoladas (sem contato com pessoas não-indígenas). No final de janeiro de 2020, o presidente da MNT do Brasil Edward Luz, anunciou publicamente a aquisição do “helicóptero Ethnos360 Aviation R66” e disse a um pequeno grupo de evangélicos em reunião no Rio de Janeiro, que: “Deus fará qualquer coisa para que a humanidade ouça a Sua Palavra. Se um helicóptero se torna necessário, Ele o fornece”.
No início de 2020, um dos ex-missionários da MNT, o antropólogo Ricardo Lopes Dias foi nomeado para comandar a Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Funai. A nomeação foi contestada por associações indígenas, por organizações não-governamentais que atuam pelos direitos dos povos originários, pela Associação Brasileira de Antropologia, pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs, e pelo Ministério Público Federal, que ajuizou uma ação civil pública, em fevereiro de 2020, para suspender a nomeação do missionário Ricardo Lopes Dias. O processo pediu a suspensão da nomeação por evidente conflito de interesses, incompatibilidade técnica, risco de retrocesso na política de não contato adotada pelo Brasil, desde a década de 1980, e aponta ameaça de genocídio e etnocídio contra os povos indígenas.
Depois de nove meses de disputas judiciais com afastamentos e reconduções, Ricardo Lopes Dias foi exonerado (27 de novembro de 2020). Durante o período em que esteve na Funai, o missionário foi acusado, por lideranças indígenas, de omissão diante da ameaça da covid-19 nas aldeias, e de ter permitido a entrada de missionários da Ethnos 360° na área de índios isolados. Este caso foi denunciado ao Ministério Público Federal e à Diretoria de Proteção Territorial da Funai, classificado como ameaça à política pública do não contato aos índios isolados, e acusa o então coordenador da Funai de “proselitismo religioso junto aos indígenas recém-contatados”.
Religião e contaminação
No livro, “A queda do céu”, a liderança yanomami Davi Kopenawa e o antropólogo Bruce Albert lembram que os povos originários não têm o mesmo sistema imunológico que as pessoas de outras origens, logo, boa parte dos problemas de saúde que vitimam os yanomamis são frutos desse contato. “Fumaças de doença” ou “fumaça do metal” é como os povos yanomamis chamam as enfermidades provenientes do garimpo. Outras como gripes, sarampo, malária e varíola são chamadas de “doenças de contato”.
Neste contexto,as práticas de proselitismo religioso com povos ameríndios são, ainda hoje, uma questão recorrente nos debates públicos (políticos e acadêmicos). Estão incluídas dentre essas questões as práticas missionárias, a concepção de pessoa e infanticídio amerindio, crises humanitárias e questões socioculturais. Os defensores do isolamento, ou do mínimo contato, com os yanomamis argumentam que os mesmos possuem uma diferente compreensão e composição da realidade, o que difere substancialmente da visão ocidental. Nas discussões se argumenta que os yanomamis possuem uma compreensão e uma composição da realidade que diferem substancialmente da visão dos não-indígenas. É uma estrutura cultural que o pesquisador brasileiro Eduardo V. de Castro chama de “ontologia ameríndia”. Nesse contexto se destacam os povos ameríndios que ainda não possuem contato com pessoas de outras origens. Este processo cria uma série de impasses e questões humanitárias, uma vez que, com a cultura diferente, o contato entre esses dois grupos humanos gera não apenas um mal-estar físico (com as doenças trazidas pelos não-ameríndios), como um choque cultural, o que acaba por promover uma série de violências simbólicas e físicas, levando à morte em ambos os grupos.
Com a crise de saúde pública e humanitária que assola os povos yanomamis, passou a ser definido, oficialmente, que somente pessoas autorizadas pelo governo federal têm a permissão para entrar na Terra Indígena. As autorizações de permanência na região, segundo a Portaria, se aplicam aos profissionais da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) e a Funai, responsáveis pela contratação de servidores e agentes públicos na respectiva terra indígena, os quais devem seguir as orientações e as regulamentações específicas de seus órgãos, sempre em respeito aos direitos dos povos indígenas
No caso que envolve os povos Yanomami, as restrições e medidas protetivas estabelecidas na Portaria GM/MS Nº 28 são emergenciais e representam a garantia e manutenção da vida daquela população. Representam também a suspensão de ações abusivas de instrumentalização da religião cristã nos órgãos públicos que devem atuar na defesa da vida dos povos indígenas.
A abordagem sobre a proibição do proselitismo religioso em solo yanomami como impedimento da liberdade religiosa apaga a crise humanitária enfrentada na região provocada pela omissão governamental do mandato anterior. Os textos manipulam o teor da Portaria do atual governo, uma vez que o ponto referente ao proselitismo religioso não é medida inédita e está alocado em um conjunto de normas de conduta a serem observadas pelos profissionais que terão acesso às terras.
No art. 7º do documento está previsto que “os demais casos de solicitações de entrada em Terra Indígena não detalhados nesta Portaria serão avaliados pela Funai, sempre em diálogo com as comunidades indígenas, Sesai e COE, devendo a solicitação ter antecedência mínima de 5 dias úteis da data de ingresso pretendida”.
Tratar as medidas de salvamento da população yanomami sob grave risco de morte como impedimento à livre prática da religião é abordagem que não apenas ignora a seriedade da situação como também reduz uma crise humanitária e de saúde pública a uma disputa ideológico-partidária.
Bereia registra que atuação de igrejas e instituições religiosas em terras indígenas é uma questão complexa, que demanda reflexão e estudo, uma vez que não se trata de como agentes religiosos são recebidos ou tratados pelo governo federal, mas de como se dá a relação entre os agentes e os povos tradicionais e as consequências deste processo.
Para maior aprofundamento, Bereia recomenda a leitura do livro “A queda do Céu” e os estudos do antropólogo americanista Eduardo Viveiros de Castro, obras elucidativas sobre a vida, a cultura e o contato entre povos ameríndios e de outras origens.
A notícia de que o atual Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, comprou, sem licitação, mobiliário no valor de R$379 mil ocupou as mídias digitais de políticos evangélicos nos últimos dias. Entre os que fizeram alusão ao fato estão o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) e o deputado federal pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), que também veiculou a notícia em seu blog pessoal em 6 de fevereiro.
A compra dos móveis foi realizada sem processo licitatório, mas a omissão de informações a respeito do respaldo legal para tal ação da Presidência da República sustenta uma falsa ideia de desrespeito às leis e desperdício de dinheiro público.
Compras sem licitação
O Diário Oficial da União (DOU) em 3 de fevereiro passado apresenta o Extrato de Dispensa de Licitação relativo à compra de bens móveis para recomposição do mobiliário da Presidência da República. O valor total da compra foi de R$ 379.428,00 em três empresas contratadas, Bioma Comércio de Móveis Ltda, que recebeu o valor de R$ 182.658,00, Conquista Comércio de Móveis Ltda, detentora de R$ 8.990,00, e Móveis German Ind. e Com Hotéis Turismo Ltda que alcançou o valor de R$ 187.780,00.
A dispensa de licitação, conforme aponta o Extrato publicado no DOU, foi fundamentada na Lei 8.666/1993, que, entre outras providências, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública.
O expediente existe para evitar que algumas atividades consideradas importantes, urgentes ou de menor impacto no orçamento tenham de enfrentar, sem necessidade, os longos trâmites burocráticos de um processo licitatório. Ainda de acordo com a Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Lei 14.133/2021, um dos motivos que autorizam a dispensa da licitação, por exemplo, é superar o risco à continuidade dos serviços públicos.
Como a compra circulou nas redes
Nas mídias sociais de figuras ligadas ao governo anterior, a notícia da dispensa de licitação por parte do atual é apresentada sem a informação de que se trata de um expediente legal. O deputado Sóstenes Cavalcante, ao compartilhar a notícia em sua conta no Instagram, utiliza a hashtag “lulaladrao” e outras que nada dizem respeito à notícia, numa tentativa de ampliar o alcance da publicação.
O filho do ex-presidente, derrotado nas eleições de 2022, Jair Bolsonaro, senador Flávio Bolsonaro, na mesma mídia social, fala em “farra” com “dinheiro do povo”, utilizando na postagem a canção de Bezerra da Silva “Malandro é Malandro e Mané é Mané”. Seu irmão, Carlos Bolsonaro ironiza em sua conta no Telegram com os dizeres “se é pela democracia, de boas” (sic). Já o deputado federal Coronel Meira (PL-PE), fala em acionar a Justiça, e utiliza, em postagem no Instagram, um dos slogans de campanha do ex-presidente.
Nas publicações reproduzidas em perfis e grupos religiosos, os políticos da extrema-direita adotam o mesmo tom, sempre omitindo parte da informação e induzindo os leitores a acreditar que a mera dispensa de licitação configura mau uso do dinheiro público.
Mobiliário deteriorado
De acordo com o Metrópoles e outros veículos de imprensa, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República teria justificado a compra dos móveis em registro por e-mail. “Inédito extravio” e “deterioração de mobiliário” teriam sido usados para descrever a situação do patrimônio em imóveis da Presidência da República.
Em 5 de janeiro, a esposa do atual presidente, Janja Lula da Silva, convidou a reportagem da Globonews a visitar a residência oficial da Presidência, o Palácio Alvorada, e mostrou vários pontos que precisavam de reparos, itens danificados e outros faltando. Os veículos O Estado de Minas e Exame também informaram que os objetos desaparecidos seriam rastreados, o que, até então, permanece sem informações.
Três dias após Janja mostrar o estado de conservação do Palácio da Alvorada, manifestantes invadiram e depredaram os prédios do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF), deixando um prejuízo estimado de R$4 milhões, de acordo com a diretora-geral do Senado Ilana Trombka.
O casal presidencial ficou hospedado em um hotel em Brasília até a finalização da reforma do Palácio da Alvorada, com a reposição do mobiliário. A mudança, que, historicamente, ocorria logo após a posse, ocorreu mais de mês depois, no último 6 de fevereiro.
Ao disseminarem a notícia sobre a compra dos móveis, opositores do governo Lula omitiram, entre outras informações, tais acontecimentos subsequentes que corroboram a justificativa apresentada pela assessoria de imprensa da Presidência da República de extravio e deterioração.
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Embora as informações divulgadas sobre os valores de compra de móveis sejam verdadeiras, a partir da pesquisa realizada pelo Bereia, é possível identificar que a forma em que foram dispostas torna o conteúdo enganoso, ou seja, oferece uma substância verdadeira, mas sua apresentação é desenvolvida para confundir e levar pessoas a acreditarem no que se deseja estabelecer como informação.
A compra dos móveis foi realizada sem processo licitatório, mas a omissão de informações a respeito do respaldo legal para tal ação da Presidência da República sustenta uma falsa ideia de desrespeito às leis e desperdício de dinheiro público. Os títulos e as imagens atrelados às postagens não correspondem ao que é exposto e há sensacionalismo para conquista de audiência. A ausência intencional de informações e as escolhas de imagens, trechos de músicas, hashtags e ironias tendem a causar confusão, configurando a desinformação.
O retorno à normalidade é o tema comum que tem aparecido entre os jornalistas, após a eleição de Lula e a posterior saída de Jair Bolsonaro da presidência. Obviamente, não há normalidade alguma retornando ou deveríamos repensar o que seria esse verdadeiro normal. Bem, se pensarmos em Collor, e temos todos os motivos de sobra para contestar sua idoneidade, seu mandato foi interrompido com um impedimento e, 22 anos depois, o Supremo Tribunal Federal inocentou o ex-presidente. Agora, no possível retorno à normalidade, Dilma foi “absolvida” e repete a mesma história que Collor – a despeito da diferença óbvia entre os dois políticos. Contudo, o que nossa história demonstra é que o normal é presidentes não terminarem seus mandatos: o primeiro, Deodoro da Fonseca renunciou; Washington Luís foi deposto; Vargas se matou; Café filho sofreu impeachment por pressão dos militares; Jânio renunciou. em uma atitude golpista que não deu certo, João Goulart foi deposto pelos militares. E aí entramos na nossa nova democracia onde os julgamentos de Collor e Dilma estão ainda vivos na nossa mente.
O que se quer dizer com isso? Ao que parece, o normal é haver presidentes que caem por pressão militar ou por golpismo qualquer – com alguma exceção que toda regra permite. Porém, é preciso compreender que força “normal” é essa que derruba presidentes. Dilma e Collor caíram pelo que foram inocentados. O que demonstra que o impeachment nada mais é do que uma vontade política, a despeito da participação da justiça e da acusação de crime de responsabilidade. Todo o rito ganha a aparência de legalidade, mesmo não o sendo. Diferente da frase de Júlio César, que dizia que “À mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”, o rito do impeachment não precisa ser honesto, mas tem que parecer honesto. Mesmo em sua aparência, não se quer dizer que ele realmente seja visivelmente honesto, mas sim que não se possa questionar sua honestidade, ainda que sua desonestidade “salte aos olhos”. Há a pessoa honesta que aparenta honestidade e há o desonesto que alega honestidade para si, mas que ninguém consegue acusar de desonestidade, mesmo que todos saibam que assim o é. Desta forma o rito do impeachment deve parecer. Com que segurança se pode afirmar isso?
Bom, agora temos um ex-presidente que completou seu mandato e isso o coloca em uma condição que apenas alguns conseguiram, nessa República. Mas em que situação? Temos um pedido de impedimento contra Bolsonaro que o acusa de 23 crimes de responsabilidade; A CPI da COVID o acusa de 10 crimes de responsabilidade. Na reunião que o presidente teve com embaixadores, juristas apontam outros crimes de responsabilidade. E o que aconteceu com tanta possibilidade de crimes? Nada. Bolsonaro seguiu cumprindo seu mandato e, inclusive, com toda a liberdade para deslegitimar a democracia e não entregar a faixa de presidente para Lula, tendo, inclusive, deixado seu vice-presidente terminar o mandato, sem sequer ter renunciado.
O que essa situação diz sobre o processo de impeachment? Que sem vontade política, sem interesse de alguém, ou alguns, um presidente pode destruir a nação. E, também, que se houvesse vontade política, destruiriam a nação para derrubar um presidente. Bolsonaro rebaixou não apenas o cargo da presidência, mas também a própria nação. Por outro lado, Lula nem havia assumido e o mercado ressuscitou, após quatro anos de silêncio. Esse é o jogo normal que mercado e oposição estavam acostumados a jogar e, para eles, tudo voltou à normalidade, com a volta de Lula. Não. Não gostam de Lula e não torcem por um governo bom. Não se trata disso. Trata-se de conseguirem jogar um jogo. É imperativo que o governo Lula seja o melhor governo que ele já exerceu. É importante que ele não falhe e é seguro que há muitos desejando essa falha. Há muitos de olho em um crime de responsabilidade, um gasto excessivo e a qualquer “pedalada” que justifique o que Collor e Dilma viveram.
**Os artigos da seção Areópago são de responsabilidade de autores e autoras e não refletem, necessariamente, a opinião do Coletivo Bereia.
* Matéria atualizada em 24/01/2023 às 12:54 para ajustes de texto e inserção de informações
Bereia recebeu pedido/s de checagem quanto à crise humanitária do povo Yanomami. Após a /divulgação de denúncias da grave situação de inanição e desnutrição de homens, mulheres e crianças indígenas, uma comitiva liderada pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e os ministros dos Direitos Humanos, da Saúde, dos Povos Originários e da Defesa visitou, em 21 de janeiro, a região dos yanomamis em Roraima.
Apesar dos documentos anteriores (que somaram várias páginas), ações de socorro aos povos da tribo Yanomami abortadas e dos relatos do drama daquelas pessoas, que vieram à tona nos últimos dias, influenciadores evangélicos e simpatizantes do ex-presidente Jair Bolsonaro disseminaram desinformação. Publicações em mídias digitais passaram a questionar a veracidade das imagens, os dados apresentados, a nacionalidade dos indígenas (com a falsa alegação de que são venezuelanos) e, também, o grau de responsabilidade do governo anterior diante das denúncias de etnocídio e pelas mortes por inanição, que entre elas mais de 500 crianças.
O Ministério da Saúde instalou o Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública (COE – Yanomami) como mecanismo nacional da gestão coordenada da resposta neste campo. A gestão do COE estará sob responsabilidade da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai/MS), considerando a tipologia da emergência.
Uma equipe da Força Nacional do Sistema Único de Saúde (SUS) com 13 profissionais instalou um Hospital de Campanha. Outra equipe multidisciplinar com oito profissionais da área de saúde da Aeronáutica (FAB) foi deslocada de Manaus (AM) para a região de Surucucu (a cerca de 270 km a oeste da capital roraimense). Outra medida é o início do transporte de retorno para as aldeias dos yanomamis sem problemas de saúde e que se encontram na Casa de Saúde Indígena de Boa Vista.
A ação interministerial irá acompanhar de perto a crise sanitária do povo Yanomami, vítima de desnutrição e de outras violações dos direitos humanos – com atenção especial para as ameaças de morte a autoridades, agentes de saúde e indigenistas, já anteriormente denunciadas ao Governo Federal (leia aqui o inteiro teor das denúncias anteriores)
Damares se defende, mas cai em contradição
No campo das denúncias que circulam nas mídias sociais, além de Jair Bolsonaro, o nome mais citado de autoridades a serem responsabilizadas é o da ex-ministra e senadora eleita Damares Alves (PL/DF).
Com a publicação de matérias jornalísticas que expuseram documentos e ofícios que mostram omissão do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos diante de denúncias da grave situação dos yanomamis, desde 2019, Damares Alves publicou tuítes nos quais alega ter realizado ações a favor dos indígenas, afirmando que os governos anteriores é que provocaram o caos. Tais justificativas, que serão checadas posteriormente pelo Bereia, acabaram contrapondo seus próprios apoiadores e os do governo Bolsonaro que insistiam nas publicações de negação da crise humanitária e da identidade dos yanomamis.
Na noite de 23 de janeiro, o Ministério da Saúde publicou nota com a afirmação de que é falsa a informação de indígenas encontrados em estado grave não são brasileiros.
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Bereia verificou serem falsas as publicações que circulam em mídias digitais de lideranças e influenciadores religiosos negadoras da crise humanitária e da própria identidade dos yanomamis brasileiros, habitantes da terra indígena em Roraima. Qualquer publicação neste sentido, além de falsa, é manifestação de desumanidade diante da situação dramática vivida por aquela população.
Referências de checagem:
Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI). https://www.gov.br/funai/pt-br/assuntos/noticias/2023/conheca-as-medidas-de-socorro-aos-yanomami-ja-anunciadas-pelo-governo-federal Acesso em: 23 jan 2023.
Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2197283 Acesso em: 23 jan 2023.
O Globo. https://oglobo.globo.com/epoca/guilherme-amado/damares-alegou-falta-de-consulta-indigenas-ao-pedir-veto-para-oferta-de-uti-agua-potavel-24632056?versao=amp Acesso em: 23 jan 2023.
Yahoo!Notícias. https://br.noticias.yahoo.com/veto-de-bolsonaro-a-lei-de-protecao-a-indigenas-foi-pedido-de-damares-141323609.html Acesso em: 23 jan 2023.
Twitter. https://twitter.com/Mario_Bonsaglia/status/1617315163626946560?t=4gdNGTxGwgxuBFU1LO-AYg&s=19 Acesso em: 23 jan 2023.
https://twitter.com/DamaresAlves/status/1617219040535089154?cxt=HHwWhMC8scSJwvEsAAAA Acesso em: 23 jan 2023.
https://twitter.com/minsaude/status/1617648714566471693 Acesso em: 23 jan 2023.
Ministério da Saúde. https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2023/janeiro/ministerio-da-saude-esclarece-que-indigenas-resgatados-no-territorio-yanomami-sao-brasileiros-1 Acesso em: 23 jan 2023.
FERNANDES, Rhuan Muniz Sartore. A epidemia do garimpo ilegal e o avanço da covid-19 na terra indígena Yanomami. Revista Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 7, nº 14, pp. 214-226, maio-agosto de 2021.
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Foto de capa: Ricardo Stuckert/Presidência da República
* Matéria atualizada às 15:08 de 19/01/2023 para acréscimo ao final do texto de organizações que se manifestaram contra os atos em Brasília
Os ataques às instituições da República Federativa do Brasil – em especial ao Supremo Tribunal Federal (STF) – saíram da retórica para a ação, após a derrota eleitoral do candidato da extrema-direita, Jair Messias Bolsonaro, em 30 de outubro de 2022.
O objetivo do grupo, que marchou escoltado pela Polícia Militar de Brasília até chegar aos prédios públicos, cantando hinos, cânticos espirituais e utilizando símbolos religiosos, era, como publicizado pelo próprio nas mídias sociais, uma tomada hostil do poder e a instauração de um golpe de Estado.
Desde o fim das eleições, quando bloquearam estradas e iniciaram os acampamentos em frente aos quartéis do Exército Brasileiro, os revoltosos clamavam pela mobilização das tropas e “virada de mesa” na derrota eleitoral – nesses quatro meses, além de agredirem verbalmente os eleitores de Lula, os derrotados perseguiram e saquearam jornalistas, espancaram agentes de segurança, destruíram viaturas e saquearam as sedes dos Três Poderes (exibindo nas fotografias e vídeos os resultados das ações como troféus de uma guerra santa).
Frustrados na ação que visava impedir a posse do presidente eleito, o movimento rearticulou-se para “retomar o poder” em 8 de janeiro de 2023. Religiosos atuaram nas convocações.
O cantor gospel Salomão Vieira, apontado como um dos articuladores dos atos em Brasília, teve sua conta banida do Instagram nesta semana após transmitir em tempo real as invasões às sedes dos Três Poderes. Segundo reportagem da rádio CBN, ele teria financiado com ao menos 10 mil reais em suprimentos para manifestantes golpistas.
Já o pastor José Acácio Tserere Xavante não participou da invasão em Brasília. Preso desde dezembro por determinação do STF, o indígena publicou uma carta na quinta-feira 5 de janeiro, pedindo desculpas pelos seus atos e reconhecendo que errou ao dizer que havia fraude nas urnas eletrônicas. Bereia já confirmou a biografia de José Acácio Tserere Xavante em matéria anterior.
Reações das igrejas, organizações e influenciadores religiosos
Desde o domingo, dia 8 de janeiro, igrejas e organizações religiosas têm se manifestado contra as tentativas de incentivo à sedição, golpe de Estado ou guerra civil. Os clamores pela paz e pela manutenção da lei e da ordem vão desde a Universidade Presbiteriana Mackenzie e ANAJURE (anteriormente alinhados ao governo Bolsonaro) até instituições que sempre se posicionaram contra atos da extrema-direita brasileira (como a CNBB e CONIC). Estão listados ao final da matéria os links e os pronunciamentos na íntegra daqueles a que Bereia teve acesso até o fechamento desta matéria.
O pastor da Igreja Batista e músico cristão Nelson Bomilcar, definiu os líderes evangélicos que incentivaram a rebelião como “influencers do caos”. Bomilcar também escreveu : “Precisamos de (uma) campanha nacional para diminuir violência de toda espécie. Desarmamento é fundamental. Violência é injustificável em qualquer situação (…) Violência por qualquer motivo: Religiosa, política, policial”.
O teólogo Ronilson Pacheco, Mestre em Religião e professor assistente da Universidade de Filosofia de Oklahoma (EUA) avalia: “Sem um monitoramento inteligente de como a extrema-direita se movimenta, seu núcleo organizado e desorganizado, de onde vem estratégias e narrativas, sem conhecer a capilaridade de suas ideologias e atravessamentos, principalmente religiosos, vai ser um ataque atrás do outro”.
Além das prisões em flagrante dos que praticaram as ações criminosas de 8 de janeiro, ao solicitar a prisão do ex-ministro da Justiça de Jair Bolsonaro e do ex-secretário de segurança pública do Distrito Federal, o Supremo Tribunal Federal (STF) registra “uma possível organização criminosa que tem por um de seus fins desestabilizar as instituições republicanas, principalmente aquelas que possam contrapor-se de forma constitucionalmente prevista a atos ilegais ou inconstitucionais… utilizando-se de uma rede virtual de apoiadores que atuam, de forma sistemática, para criar ou compartilhar mensagens que tenham por mote final a derrubada da estrutura democrática e o Estado de Direito no Brasil”.
Após o decreto de intervenção federal na segurança pública de Brasília e os mandados de busca e prisão dos sediciosos, monitoramento de mídias sociais demonstram que os mesmos nomes que incentivaram a ocupação dos acampamentos em frente aos quartéis e clamavam pela “intervenção”, começaram a clamar por direitos humanos e apelaram às organizações internacionais na denúncia de uma “ditadura comunista” instaurada no Brasil.
Mensagens enganosas, relatando maus tratos aos detidos, falecimentos e suicídios passaram a circular intensamente. A deputada federal Bia Kicis, inclusive, espalhou a mentira em um de seus pronunciamentos, mas retratou-se posteriormente, por meio da sua conta no Twitter.
A Polícia Federal divulgou uma nota combatendo a desinformaçãodisseminada e notificou que após a detenção em flagrante de 1.500 pessoas, entre vândalos e acampados em Brasília, idosos e mulheres com crianças já foram liberados.
Até o fechamento desta matéria, as autoridades já receberam mais de 60 mil denúncias de promoção e patrocínio de atos anti-democráticos. Ao todo, foram detidas em Brasília, 1.843 pessoas. Todas foram identificadas pela Polícia Federal e irão responder por crimes de terrorismo, associação criminosa, atentado contra o Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, perseguição, incitação ao crime, sedição, dentre outros. Há 684 detidos, entre os quais há idosos, pessoas com problemas de saúde, pessoas em situação de rua e pais/mães acompanhados de crianças responderão em liberdade.
A Polícia Federal qualificou, interrogou e prendeu 1.159 pessoas. Há, ainda, novos mandados de prisão, busca e bloqueio de bens – especialmente de empresários e financiadores do movimento, com um total de 50 investigações relatadas até o momento. Não há ações contra igrejas.
Envie vídeos e publicações nas mídias sociais para o Bereia
Bereia continuará coletando e analisando as publicações, vídeos e mensagens enviadas por pastores, igrejas e organizações religiosas sobre os atos de sedição e terrorismo doméstico ocorridos entre 30 de outubro de 2022 e 8 de janeiro de/2023.
Nestes primeiros dias de janeiro de 2023, circula, de forma intensa, desinformação em ambientes digitais religiosos sobre o Decreto 11342/23, assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 1 de janeiro de 2023, que estabelece nova estrutura para o Ministério da Educação (MEC).
As publicações afirmam que, com a nova estrutura, a Diretoria de Políticas de Educação Bilíngue de Surdos (Dipebs), criada pelo governo de Jair Bolsonaro, em 2019, deixa de existir, o que representaria o fim das políticas de educação bilíngue para pessoas surdas, da parte do MEC.
A deputada federal eleita pelo Mato Grosso, Amália Barros (MT) foi responsável pela disseminação do conteúdo em seu perfil no Instagram. Nele, a parlamentar eleita afirma:
Dia triste para a comunidade surda brasileira!
Depois de importantes vitórias alcançadas no governo Bolsonaro, como a criação da Diretoria de Políticas de Educação Bilíngue de Surdos – DIPEBS (onde o cargo de diretor, sempre foi ocupado por pessoas surdas) e a inclusão da educação bilíngue de surdos como modalidade na LDB, ambas respeitando as especificidades linguísticas e culturais dessa importante parcela da sociedade, fomos surpreendidos com a publicação do decreto Nº 11.342, apresentando a nova estrutura regimental do Ministério da Educação. Agora a DIPEBS simplesmente não existirá mais!
Que retrocesso!!! Não estão levando em consideração anos de lutas da comunidade surda por uma educação bilíngue e de qualidade! Lamentável!
O conteúdo foi compartilhado pela esposa do ex-presidente da República, Michelle Bolsonaro, que está em férias com o marido nos Estados Unidos, fonte que gerou uma série de compartilhamentos em contas de evangélicos em mídias sociais e repercussão em veículos de notícias de extrema-direita.
O site gospel Pleno News, em extensão ao que circula nas mídias sociais de Amália Barros e Michelle Bolsonaro, chega a afirmar que “Ainda não foi apresentada nenhuma opção de substituição para o órgão que foi implantado com o protagonismo da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro”.
O reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais (Libras) como língua oficial das pessoas foi legalizado no Brasil recentemente, mas muito antes do governo Bolsonaro. Foi no último ano do governo de Fernando Henrique Cardoso, em 2002, que foi aprovada a Lei 10.436, que reconhecia Libras como primeira língua de surdos no Brasil. Esta lei foi regulamentada no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por meio do Decreto 5.626/2005. Ele reconheceu oficialmente Libras como a língua de comunicação e aprendizado das pessoas surdas no país.
No segundo mandato de Lula, em 2008, foi estabelecida a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEE). Esta política previu o Atendimento Educacional Especializado:“Para a inclusão dos alunos surdos, nas escolas comuns, a educação bilíngue- Língua Portuguesa/LIBRAS, desenvolve o ensino escolar na Língua Portuguesa e na língua de sinais, o ensino da Língua Portuguesa como segunda língua na modalidade escrita para alunos surdos, os serviços de tradutor/intérprete de Libras e Língua Portuguesa e o ensino da Libras para os demais alunos da escola. O atendimento educacional especializado é ofertado, tanto na modalidade oral e escrita, quanto na língua de sinais”.
Em 2003, foi aprovado no Senado Federal, de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS) o Estatuto da Pessoa Portadora de Deficiência (PLS 429). Depois de passar por várias alterações, em 2015, durante o governo de Dilma Rousseff, o Estatuto da Pessoa com Deficiência foi instituído, na forma da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146, de 2015.
No governo de Jair Bolsonaro foi criada Diretoria de Políticas de Educação Bilíngue de Surdos (Dipebs) do MEC, por meio do Decreto Nº 10.195, de 30 de dezembro de 2019. Ela foi alocada na Secretaria de Modalidades Especializadas de Educação, como consta no artigo 2º do Decreto.
A secretária Ilda Peliz assim avaliou: “A principal novidade dessa política são as escolas bilíngues e classes bilíngues, que vão proporcionar que os alunos surdos e surdos-cegos tenham a educação na sua primeira língua, que é Libras [Língua Brasileira de Sinais], mas que aprendam também português. Se há muitos alunos surdos falantes de Libras no estado ou no município, deverá ser definido se há necessidade de uma escola bilíngue ou uma classe bilíngue dentro de uma escola convencional. A decisão do local de estudo de cada criança e jovem, seja em salas comuns ou especiais, precisa ser tomada em conjunto com as famílias”.
Decreto de 2020 foi considerado discriminatório e inconstitucional
Ainda assim, a LDB foi alterada em 2021, com a inclusão do Capítulo V-A que prevê a educação bilíngue de surdos, com o oferecimento de Libras “como primeira língua, e oferecimento de português escrito, como segunda língua, em escolas bilíngues de surdos, classes bilíngues de surdos, escolas comuns ou em polos de educação bilíngue de surdos, para educandos surdos, surdo-cegos, com deficiência auditiva sinalizantes, surdos com altas habilidades ou superdotação ou com outras deficiências associadas, optantes pela modalidade de educação bilíngue de surdos” (Artigo 60-A).
As publicações críticas à extinção da Dipebs, em especial as dos veículos, que se apresentam como jornalísticos, desinformam em duas perspectivas: 1) não apuram o que significa o decreto assinado pelo atual governo, que acaba de assumir, para as ações de educação de pessoas surdas no país, previstas na Constituição do País e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB); 2) levam pessoas a interpretarem que o governo Lula retrocederá em relação a políticas de educação inclusiva para pessoas surdas, por isso extinguiu a diretoria do MEC criada no governo Bolsonaro; 3) fazem crer que a extinção se dá por oposição ao governo Bolsonaro, em especial à esposa do ex-presidente, que atuava como tradutora de libras e divulgava a importância de tal ação em suas atividades durante o mandato do marido.
Bereia buscou informações para superação da desinformação em torno do caso.
O que foi extinto pelo governo Lula
O Decreto 11.342/23, assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 1 de janeiro de 2023, estabelece nova estrutura para o Ministério da Educação (MEC). Esta organização é resultado das recomendações encaminhadas pelo Grupo de Trabalho de Educação da Gabinete de Transição Governamental para superação da “movimento de ideologização, precarização e constrangimento da educação pública”.
No documento da equipe de transição, no que diz respeito às políticas de educação especial, voltada para pessoas com deficiência, a única recomendação que consta no capítulo “Sugestões de medidas para revogação e revisão” é:
p. 61: “Acabar com a política pública de educação especial que promove o isolamento social das crianças com deficiência | Proposta de revogação do Decreto nº 10.502/2020 – “Decreto da Exclusão”, uma política preconceituosa que exclui as crianças com deficiência do convívio com as demais crianças nos ambientes escolares, promovendo isolamento social inaceitável. O ato normativo é inclusive questionado no STF na ADPF 751 e na ADI 6590”.
O que foi estabelecido pelo governo Lula
Em 1 de janeiro de 2023, o presidente Lula assinou o Decreto 11.342, que “aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções de Confiança do Ministério da Educação e remaneja cargos em comissão e funções de confiança”.
Na nova estrutura do MEC, de fato, não está prevista a Dipebs, que pode ser considerada extinta. No entanto, foi estabelecida nova diretoria parra trabalhar a educação especial, voltada para pessoas com deficiência, em perspectiva inclusiva. No art. 2º o Decreto prevê a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão, onde está alocada a Diretoria de Políticas de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva (Dipeepi).
As competências da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão quanto à educação de pessoas surdas que fazem uso de Libras, estão explicitadas no art. 33, III, do Decreto 11.342/2023: “planejar e coordenar a formulação e a implementação de políticas públicas, em parceria com os sistemas de ensino, destinadas à educação bilíngue de surdos, surdo-cegos e deficientes auditivos que considerem a Língua Brasileira de Sinais – Libras como primeira língua e língua de instrução e a Língua Portuguesa na modalidade escrita como segunda língua”. Este encaminhamento contradiz as afirmações em mídias sociais quanto a um retrocesso nas políticas para educação de pessoas surdas no Brasil.
No art. 38, estão especificadas as competências do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). Tanto o artigo 33 quanto o 38 do decreto assinado pelo presidente Lula contradizem a afirmação do veículo evangélico Pleno News de que “Ainda não foi apresentada nenhuma opção de substituição para o órgão que foi implantado com o protagonismo da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro”.
Avaliação de especialistas
Bereia recolheu avaliações de associações de pessoas com deficiência e especialistas que acompanham há alguns anos os desdobramentos do decreto revogado pelo novo governo e verificou que há muita celebração.
A Associação Nacional dos Surdos Oralizados (Anaso) divulgou nota pública, juntamente com suas associações parceiras Adeipa (PA), Amada (Manaus/AM) e Apasod (ES). Os organismos declaram considerar o Decreto 10.502/2020 “inconstitucional e segregador e a extinção da Diretoria de Políticas Públicas Bilíngues de Surdos (Dipebs) que, sob nossa perspectiva, defendia somente interesses de um grupo minoritário, os surdos sinalizantes, desconsiderando a maioria dos mais de 10 milhões de pessoas no Brasil, que possuem algum grau de surdez e a imensa diversidade deste grupo”.
A Anaso e parceiras afirmam ainda: “Prezamos pela educação inclusiva no âmbito da escola regular e repudiamos toda forma de retirada de direitos, omissões e privilégios à determinados grupos específicos de pessoas com deficiência. Nossa luta é por equidade de direitos para todos!”.
Para o educador surdo Agnaldo Quintino a Política Nacional de Educação Especial do governo Bolsonaro deveria ser extinta porque é inconstitucional, mas também “porque não engloba a todos, gerando discriminação frente a outros tipos de surdos existentes”. Para Quintino, a Dipebs “foi criada com o único fim de adotar o uso de libras de maneira obrigatória para todos nós, os surdos”. Ele explica que “os surdos oralizados dispensam o uso de libras, embora a maioria das pessoas acredite que só existam surdos sinalizantes (usuários de libras), o que não é verdade. É dizer, o uso de libras não é suficiente para todos os casos”.
O educador surdo pondera que “a surdez é diversa e plural, e existe uma variedade enorme dentro da própria surdez, como por exemplo pessoas que ficaram surdas na velhice, pessoas que perderam a audição por causa de doença, acidente, COVID (chaga que infelizmente aumentou ainda mais o número de surdos). Há vários tipos de surdos e todos são surdos da mesma forma e devem possuir os mesmos direitos”.
Agnaldo Quintino acrescenta: “as reações das pessoas por conta da revogação dessa lei escancara o quanto o ser humano, principalmente em nosso país, ainda precisa evoluir. Vejo tanto ódio, tanta desinformação e tanta violência gratuita simplesmente porque o presidente e sua equipe pensaram em todos e não somente em um pequeno grupo de pessoas com deficiência. Em suma, fundamentava uma política pública que afastava mais e mais a Pessoa com Deficiência da Inclusão que tanto buscamos”.
Para o professor Araújo, o governo anterior negou o direito das crianças e dos jovens de fazer parte da escola e conviver com outros estudantes, e retirou-lhes o direito de um processo de ensinamento mútuo. “Bolsonaro com este decreto colocou as crianças separadas da sociedade e do convívio escolar. Lula acerta em revogar este decreto e retomar uma política de inclusão escolar na qual crianças e jovens com deficiência possam estar presentes na escola, convivendo com os demais, para a importante troca de ensinamentos e experiências, e de formação social”, afirma o professor.
Ouvida pelo Bereia, a doutora em Educação em Ciências e Saúde Maria Inês Batista Barbosa, educadora do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), afirma que “a Política de Educação Especial do governo Bolsonaro foi bastante criticada, pois considerou-se um retrocesso com relação à inclusão”. No que é específico da área da surdez, a professora acredita que o trabalho será redimensionado. “Claro que o protagonismo surdo é importante, mas não vi efetividade no trabalho da Dipebs. Vi sim, a TV INES, que foi um ganho enorme para a comunidade, ser finalizada. Acredito que na nomeação das secretarias do MEC, possamos saber exatamente como ficará o processo de inclusão não apenas para a comunidade surda, mas para todas as crianças com deficiência”, concluiu.
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Bereia classifica como ENGANOSA a desinformação promovida pela deputada federal Amália barros (PL-MT), compartilhada pela esposa do ex-presidente da República Michelle Bolsonaro, por diversas pessoas que têm perfis em mídias sociais e repercutida por veículos de notícias evangélicos e não religiosos. Bereia verificou que não há extinção de políticas de educação para pessoas surdas no atual governo.
Houve, sim, a extinção de uma política declarada inconstitucional, por ser excludente e discriminatória, que previa a segregação de pessoas surdas em idade escolar do convívio com outros estudantes, e desconsiderava a educação de pessoas surdas que não fazem uso de Libras.
O Decreto que estabelece a estrutura do novo MEC, que declara desenvolver política de educação especial em perspectiva inclusiva, estabelece a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão, onde está alocada a Diretoria de Políticas de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva (Dipeepi).
Bereia insta leitores e leitoras a não aceitarem e não replicarem postagens que digam respeito a decisões de qualquer governo sem tomarem conhecimento do teor dos documentos que as instituem. É comum a produção de material falso e enganoso da parte da oposição a governos justamente pelos produtores destes conteúdos considerarem que seguidores de perfis em mídias sociais leem apenas textos superficialmente, sem aprofundamento e pesquisa.
Um padre foi destaque nas mídias de notícias em 12 de dezembro passado. Nesse dia, o religioso conduziu um momento de oração na frente do Palácio Alvorada, onde estava o atual presidente da República Jair Bolsonaro e apoiadores que não aceitam a derrota da reeleição nas urnas e demandam um golpe militar. O evento ocorreu no dia da diplomação, pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de Luiz Inácio Lula da Silva e Geraldo Alckmin, respectivamente presidente e do vice-presidente da República eleitos em outubro passado
Vídeos e postagens de mídias sociais, inclusive as do próprio presidente Bolsonaro, mostram o padre ajoelhado diante do presidente, pedindo coragem aos militares dos quadros do governo federal para impedirem “um bandido safado” de comandar o país.
No discurso entremeado de orações, além de comparar Bolsonaro ao evangelista João Batista por “pregar no deserto”, o padre clamou: “Abençoai, Senhor, por estes dias de angústia e sobretudo o futuro da nossa Nação… O povo brasileiro, por 14 anos, foi roubado e estuprado por uma organização criminosa…. Abençoai, Senhor, o nosso capitão. Abençoai cada soldado da pátria, que aprendeu nas escolas que o filho não foge à luta… Aprendeu nas escolas que é independência ou morte. Nós confiamos no Bolsonaro”.
Dirigindo-se ao presidente, o religioso proferiu: “Deus disse, vai lutar, eu estou com você… Pelo amor que o Senhor tem em Deus, não decepcione estas crianças”.
Vestido de forma tradicional, com batina e capelo, o religioso convocou quem está ao lado do presidente para “lutar com todas as forças e alma para que o nosso Brasil seja livre, independente”.
Cada frase dita pelo padre era repetida pelas pessoas presentes. “Bolsonaro, eu estou aqui, o senhor me representa! Abençoai, Senhor, as nossas Forças Armadas, abençoai nossos soldados, oficiais, praças, suas famílias, dai coragem a eles e inteligência para que nunca prestem continência para um bandido safado”, gritava o sacerdote.
O padre, que também rezou uma Ave Maria e um Pai Nosso, abençoou o Bolsonaro por não ter obrigado as pessoas a tomarem vacinas contra a covid-19. Nos agradecimentos, ele incluiu a eleição de bolsonaristas para diversos cargos em outubro e disse que “o povo brasileiro quer dizer, democraticamente, que não quer ser roubado”.
Os registros em vídeo mostram que Bolsonaro acompanhou em silêncio o religioso, que, ao final de sua intervenção, convocou apoiadores a prestarem continência ao presidente, e se declarou um “soldado da pátria”.
Padre ou um falso religioso?
Matérias na imprensa divulgaram o evento. Algumas delas mantiveram o padre anônimo, outras o identificaram como Genésio Lamounier Ramos, da Diocese de Anápolis (GO), da Igreja Católica.
Ao acompanhar o caso, Bereia observou que comentários de leitores nas matérias jornalísticas e algumas publicações em mídias sociais questionavam a identidade do religioso ou afirmavam que ele seria um falso padre.
Bereia fez contato com a Diocese de Anápolis para checar se Genésio Ramos é padre e se está vinculado à diocese e obteve a seguinte resposta por texto: “Sim. Ele é incardinado na Diocese de Anápolis”.
A incardinação está prevista no Código de Direito Canônico da Igreja Católica, Cânones 265-272, e se refere à situação de um membro do clero (sacerdote ou diácono) colocado sob a jurisdição de um determinado bispo ou superiores eclesiásticos.
Em consulta ao website da Diocese de Anápolis, sob a jurisdição do bispo Dom João Wilk, é possível ver o nome do Padre Genésio Lamunier Ramos, 48 anos, entre os clérigos, com o registro de sua ordenação como sacerdote, em 13 de maio de 2005, de ser residente na diocese e, atualmente, Administrador Paroquial da paróquia Santa Terezinha do Menino Jesus, Terezópolis (GO).
Antigo apoiador de Jair Bolsonaro
Matérias jornalísticas posteriores ao evento de 12 de dezembro, no Palácio Alvorada, ofereceram mais detalhes sobre a atuação política do padre Genésio Ramos. Apurações mostram que ele já era conhecido entre bolsonaristas e em mídias que publicam materiais em favor do presidente da República, atuando como militante desde 2018, tendo sido “curado do PT”, como afirma nestes espaços.
Naquelas eleições, circulou um áudio atribuído a Genésio Ramos, no qual ele ataca outro padre, Marcelo Rossi, depois que o religioso desmentiu que seria eleitor de Bolsonaro. Ramos teria chamado Rossi de funcionário da Rede Globo. Na época, uma gravação falsa divulgava uma fala de Marcelo Rossi em defesa do atual presidente, com críticas à esquerda. Esta gravação ainda circula periodicamente em espaços religiosos e já foi checada pelo Bereia.
Em outubro de 2022, foi divulgado um áudio do padre Genésio Ramos no qual ele afirmava que Deus desaprovava eleitores de Lula e pedia a excomunhão deles, com base em conteúdo desinformativo que atribui crimes ao PT: “Aquela pessoa que colaborou (com o pecado) é responsável por cada um deles. E quando chegar no tribunal de Deus vai falar ‘nunca matei e nem roubei’. Matou e roubou sim, matou crianças muito pequenas. Roubou sim, ajudou o seu país a ser assaltado. Você é responsável”.
Em 13 de dezembro, um dia depois da oração no Palácio Alvorada, ele gravou um vídeo que circulou amplamente na rede digital bolsonarista em que diz: “Todos aqueles, não só caminhoneiros, empresários, todo mundo que puder parar o Brasil e vir para as manifestações, agora é a hora”.
O vídeo foi gravado em uma das bases de articulações antidemocráticas, na frente do Quartel General em Brasília, na denominada “Tenda Católica”. A gravação ocorreu horas depois dos atos de vandalismo ocorridos na capital, em protesto contra a diplomação de Lula e Alckmin no TSE.
“Nos grupos, peçam que venham para Brasília, que venham para o QG. Padre, e se for muita gente? Se for tanta gente, que o QG derrame. Ocupemos todas as ruas de Brasília, o recado está dado. Fomos lá, motivamos o presidente, demos a ele alegria e ele nos deu também”, prosseguiu o padre Ramos na gravação.
Para o padre da Diocese de Anápolis (GO), as Forças Armadas são “última linha de defesa entre o comunismo e a sociedade de bem” para “colocar bandidos na cadeia”. “Se eu, padre, tiver que pedir bênção para bandido para viver no meu país, eu prefiro a morte”, afirmou na publicação em vídeo que ainda circula na internet.
Um abaixo-assinado, intitulado “Carta Aberta ao bispo de Anápolis Dom Frei João Wilk”, de “cristãos de todos os cantos do Brasil”, com denúncias sobre a postura do padre Genésio Ramos, tem circulado na internet desde 15 de dezembro. A carta alega que o sacerdote faz uso de “aleivosias e mentiras explícitas, enganando, ludibriando e, pior, se utilizando da alto figura sacerdotal, para estimular pessoas ao ódio, papel diverso e absolutamente contrário aos ditames fundantes e basilares do cristianismo” e pede que ele seja disciplinado. Veja a íntegra do documento.
*** Com base na pesquisa, Bereia classifica como verdadeiras as postagens e matérias jornalísticas que reconhecem Genésio Laurentino Ramos como padre católico romano, vinculado à Diocese de Anápolis (GO). O sacerdote é apoiador do presidente Jair Bolsonaro desde a campanha de 2018 e milita nas articulações antidemocráticas que demandam um golpe militar, depois da derrota do atual presidente nas eleições de outubro de 2022.
Na primeira semana de dezembro, circularam em perfis de oposição ao presidente Jair Bolsonaro em mídias sociais religiosas, publicações que afirmavam que o filho do político, o vereador do Rio de Janeiro, Carlos Bolsonaro (Republicanos), teria utilizado a imagem de uma campanha antitabagismo aplicada em embalagens de cigarros para sensibilizar seguidores em apoio ao pai, doente por erisipela.
O atual presidente da República perdeu as eleições de 30 outubro de 2022, não conseguiu a reeleição, e deverá deixar o Palácio do Planalto em 31 de dezembro. Ele ficou mais de 40 dias recluso, sem comparecer a atividades previstas em agenda de trabalho, e sem se manifestar quanto ao resultado e aos apoiadores. Uma das justificativas, dada pelo vice-presidente General Hamilton Mourão à imprensa, em 16 de novembro, foi a de um agravamento em ferida na perna causada por erisipela.
Tendo permanecido a ausência de Jair Bolsonaro nos compromissos de trabalho e no contato com o público, pela imprensa ou pelas mídias sociais, no domingo 4 de dezembro, Carlos Bolsonaro publicou em seu canal do Telegram, foto demonstrando os efeitos da infecção acometida pelo pai.
Logo a seguir, surgiram em espaços digitais de opositores de Bolsonaro e de pessoas e grupos de esquerda, entre eles, ambientes religiosos, publicações que afirmavam ser falsa a foto da perna de Bolsonaro publicada pelo filho.
As agências de checagem de informação Lupa, Fato ou Fake , E-Farsas, entre outras publicaram matérias comprovando que estas publicações são falsas. Todas pesquisaram entre as imagens de advertência publicadas na página da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e não encontraram qualquer foto como a publicada por Carlos Bolsonaro.
A Anvisa também foi consultada pelas agências e afirmou não ter encontrado correspondência das imagens das campanhas dos maços atuais ou anteriores com a foto publicada por Carlos Bolsonaro.
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Bereia repercute as publicações das agências de checagem de informações para classificar como falso o conteúdo que circulou em mídias digitais religiosas que afirmam ser manipulada a foto publicada por Carlos Bolsonaro, sobre doença do pai.
Bereia alerta leitores e leitoras para não compartilharem conteúdo acessado que não tenha comprovação. O fato de um indivíduo ou grupo ser frequente propagador de desinformação não descarta a necessidade de checagem e comprovação para se afirmar que qualquer conteúdo que tenha publicado seja falso.
Sites como PlenoNews, Gospel Mais e Gospel Prime divulgaram em 4 de novembro um relatório que seria uma prova contumaz de fraudes nas eleições brasileiras para a Presidência da República, cujo segundo turno foi realizado em de outubro e elegeu o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para mais um mandato como presidente do Brasil.
A “auditoria” teria sido realizada por iniciativa privada de brasileiros e teria gerado um dossiê apócrifo de 70 páginas, enviado por uma pessoa não identificada ao dono do canal “La Derecha Diario”, o argentino Fernando Cerimedo. A apresentação foi feita em uma live transmitida por Cerimedo no YouTube e no Twitch no mesmo dia da publicação dos sites. A transmissão foi derrubada pelo YouTube, e o canal não está mais disponível no Brasil, por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O principal argumento apresentado na live afirma que cinco modelos antigos de urnas eletrônicas (UE2015, UE2013, UE2011, UE2010 e UE2009) usadas na eleição deste ano registraram mais votos para Lula (PT) do que para Bolsonaro (PL). Esses modelos, diz o dossiê, não teriam sido submetidos a testes de segurança. Ainda de acordo com o documento, apenas a urna UE2020 teria passado pelo crivo de peritos de universidades federais e das Forças Armadas. Essa informação, entretanto, é falsa porque todos os modelos de urna eletrônica já foram submetidos a testes, de acordo com o Superior Tribunal Eleitoral. Além disso, Cerimedo alega que há divergências entre os arquivos de log (registro de eventos) entre urnas do mesmo modelo. Em mensagem que circula no WhatsApp, apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) usam as alegações do marqueteiro argentino para espalhar mais informações falsas sobre o resultado do pleito 2022.
O argentino alega que recebeu dados de uma auditoria privada do Brasil, no entanto, não revela o nome do grupo ou empresa que levantou as informações. “Essa informação chegou em nossas mãos a menos de 72 horas e foi realizada por parte de pessoas privadas no Brasil que registraram anomalias em diferentes estados do Brasil”, afirma Cerimedo na live em que apresentou sua teoria. O vídeo com dados distorcidos foi assistido por mais de 400 mil pessoas, e foi amplamente divulgado entre aliados do presidente Bolsonaro, derrotado no pleito.
Tiago Batalhão rebate cada uma das alegações dispostas no relatório. “Ele (Cerimedo) comenta que ‘Modelos não-2020 têm ângulo fixo ‘máximo’, do qual os votos do Bolsonaro ou do Lula ‘não podem passar’. Obviamente, a soma dos votos de Bolsonaro e de Lula não podem passar do número de eleitores aptos a votar naquela urna”, explica Tiago em uma série de tuítes para esclarecer cada “denúncia” apontada na live. “Na minha opinião, isso já enfraquece bem o relatório, coloca uma dúvida sobre a capacidade técnica de quem fez. Porque ele trata como grande escândalo algo que na verdade é bem trivial”, argumenta.
Outro ponto rebatido por Batalhão é a homogeneidade da população apurada. O argentino alega que em uma mesma região homogênea, que deveria ter votos semelhantes, Bolsonaro fica 11% mais abaixo se comparar máquinas antigas com os votos nas máquinas novas. De acordo com o cientista de dados, o relatório exclui as capitais, mas não as cidades próximas às capitais. “No interior dos estados do Nordeste, há poucas urnas novas (modelo 2020), com exceção de algumas regiões de Bahia e Piauí (ao redor da capital, a única que não fica no litoral), já era sabido desde antes que o Lula tinha um desempenho muito bom no interior do Nordeste e nem tanto assim no litoral. A votação maior do Lula nas urnas antigas parece fácil de entender ao olhar o mapa e ver que o litoral tinha urnas novas e o interior ficou com as antigas”.
As urnas com zero voto para Bolsonaro… e para Lula
Cerimedo levantou mais uma questão: o fato de haver urnas com zero voto para Bolsonaro. É fato que existem urnas com zero voto para o candidato do PL, mas há também para Lula. De acordo com o TSE, a predominância de votos para um dos candidatos não é indício de fraude eleitoral. A situação é comum e já ocorreu em eleições anteriores. “Foram apenas 144 urnas (com votos apenas em Lula), o que corresponde a 0,02% de todas as urnas utilizadas nessas eleições”, afirma o TSE em sua conta oficial no Twitter. O candidato do PL, Jair Bolsonaro, por sua vez, foi unanimidade em quatro seções eleitorais.
Os docentes do Laboratório de Arquitetura e Redes de Computadores (Larc) do Departamento de Engenharia de Computação e Sistemas Digitais da Escola Politécnica (Poli) da USP Wilson Ruggiero e Marcos Simplicio, também rebateram as desinformações veiculadas por Cerimedo.
Quem é Fernando Cerimedo?
Fernando Cerimedo é estrategista, consultor especializado em marketing digital e político, dono de diversos canais ligados à direita argentina e responsável pelo canal “La Derecha Diário” no YouTube, onde a live com as supostas fraudes foi transmitida. Cerimedo é apoiador declarado da família Bolsonaro e alega ter ajudado na campanha do presidente em 2018. O argentino teria se encontrado com o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) pouco antes do segundo turno deste ano.
Na live de 4 de novembro, Cerimedo diz que recebeu os documentos que comprovariam a fraude do Brasil, mas que não tinha qualquer relação com a família Bolsonaro. No entanto, nas mídias sociais, ele se mostra um apoiador convicto do clã, engajado durante todo o processo eleitoral em prol do presidente.
Diferentemente do que foi dito, não é verdade que os modelos anteriores das urnas eletrônicas não passaram por procedimentos de auditoria e fiscalização. Os equipamentos antigos já estão em uso desde 2010 (para as urnas modelo 2009 e 2010) e todos foram utilizadas nas Eleições 2018. Nesse período, esses modelos de urna já foram submetidos a diversas análises e auditorias, tais como a Auditoria Especial do PSDB em 2015 e cinco edições do Teste Público de Segurança (2012, 2016, 2017, 2019 e 2021).
As urnas eletrônicas modelo 2020, que ainda não estavam prontas no período de realização do TPS 2021, foram testadas pelo Laboratório de Arquitetura e Redes de Computadores (Larc) da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (EP-USP), além de ter o conjunto de softwares avaliado também pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Nas três avaliações, não foi encontrada nenhuma fragilidade ou mesmo indício de vulnerabilidade.
É importante ressaltar que o software em uso nos equipamentos antigos é o mesmo empregado nos equipamentos mais novos (UE2020), cujo sistema foi amplamente aberto para auditoria dentro e fora do TSE desde 2021. A urna eletrônica é um hardware, ou seja, um aparelho. O que realmente importa é o que funciona dentro dela: o programa que ficou disponível para inspeção durante um ano, foi assinado digitalmente e lacrado em cerimônia pública com participação das entidades fiscalizadoras, como Ministério Público, Polícia Federal, Controladoria-Geral da União e Ordem dos Advogados do Brasil, por exemplo.
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Bereia classifica que as informações divulgadas pelos sites evangélicos Gospel Mais, Pleno News e Gospel Prime são falsas. Os veículos desinformam ao sugerir que houve fraude nas urnas eletrônicas usando como base apenas informações falsas divulgadas por um suposto dossiê do qual não se conhece nem mesmo a autoria. O site Pleno News, no entanto, sem retirar o conteúdo falso publicado em 4 de novembro, atualizou em 7 de novembro a matéria, acrescentando a nota do TSE que desmente e contradiz as informações divulgadas pelo influencer argentino em seu canal “La Derecha Diario”.
Levantamento do Bereia a partir de suas checagens no período eleitoral iniciado em 2021 até o primeiro turno realizado em 2 de outubro passado, mostra que supostos feitos do governo Jair Bolsonaro estiveram entre os temas com mais conteúdo falso e enganoso circulante em espaços digitais religiosos.
Desde 2019 circulam diversos conteúdos desinformativos em mídias e meios religiosos a respeito de realizações do governo de Jair Bolsonaro. Desde execução de obras públicas à gestão da pandemia, passando pela criação de mecanismos financeiros como o Pix, foram várias falsidades publicadas a respeito de ações do Poder Executivo.
Pronunciamentos do presidente da República em eventos ou à imprensa contendo desinformação também foram reproduzidos nos meios religiosos.
Bereia oferece aqui uma seleção de checagens sobre supostos feitos de Jair Bolsonaro no comando da nação:
Um dos conteúdos falsos e enganosos mais explorados em espaços digitais religiosos em períodos eleitorais no período recente é o da “ideologia de gênero”. Surgido no ambiente católico e abraçado por distintos grupos evangélicos, que reagem negativamente aos avanços políticos no campo dos direitos sexuais e reprodutivos, o termo trata de forma pejorativa a categoria científica “gênero” e as ações diversas por justiça de gênero, atrelando-as ao termo “ideologia”, no sentido banalizado de “ideia que manipula, que cria ilusão”.
Nessa lógica, a “ideologia de gênero” é falsamente apresentada como uma técnica “marxista”, utilizada por grupos de esquerda, com vistas à destruição da “família tradicional” com educação sexual para “depravação sexual” e conversão à “homossexualidade”, “defesa do aborto e da pedofilia”, com geração de pânico moral e terrorismo verbal entre grupos religiosos.
De acordo com o pesquisador do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e do Centro de Estudos Multidisciplinares Avançados da Universidade de Brasília (UnB) Rogério Diniz Junqueira, “a maioria dos estudiosos do tema concorda que o sintagma [a expressão] ‘ideologia de gênero’ é uma invenção católica que emergiu sob os desígnios do Pontifício Conselho para a Família e da Congregação para a Doutrina da Fé, entre meados da década de 1990 e no início dos 2000”.
Instrumentalizado pela extrema direita nas eleições de 2018, o tema da “ideologia de gênero” abriu espaço para a escalada ultraconservadora cristã (diga-se católicos e evangélicos de direita), articulado a outras pautas nas eleições de 2022.
O Bereia selecionou as checagens com o tema da ideologia de gênero, que desde as eleições de 2018 ganharam força nas mídias:
Desinformação sobre “ideologia de gênero” nas escolas e universidades e como ameaça a crianças
* Matéria atualizada em 07/10/2022 às 11:00 para complemento de informações
Logo após a divulgação do resultado das eleições nacionais no Brasil, no domingo 2 de outubro, com a confirmação de que haverá um segundo turno na disputa para a Presidência da República, as mídias sociais de fiéis cristãos viralizaram postagens que relacionavam o candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao satanismo. A campanha do ex-presidente teve que agir com um desmentido, em 3 de outubro, o que foi checado por diversas agências jornalísticas. Bereia publicou checagem sobre o caso.
A partir da terça, 4 de outubro, uma nova onda de publicações virais ocupou ambientes digitais religiosos. Desta vez o alvo foi o candidato à reeleição presidente Jair Bolsonaro (PL). Denotando uma ação de contra-ataque de apoiadores de Lula, foram publicados vários trechos de vídeos e imagens demonstrativas da presença de Bolsonaro em eventos da maçonaria e documentos indicando apoio de lojas maçônicas ao presidente.
Em um dos vídeos, postado originalmente em 2017, quando Bolsonaro era deputado federal pelo Partido Social Cristão (PSC), a caminho da campanha para a presidência, ele discursa e pede a bênção da maçonaria:
Em um segundo vídeo, de 2014, quando era deputado federal pelo Partido Progressista (PP), Bolsonaro participa da comemoração de 50 anos do golpe militar de 1964, em uma loja maçônica, acompanhado do atual ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República General Augusto Heleno Ribeiro Pereira:
Em uma das imagens a esposa do presidente Michelle Bolsonaro também aparece em uma das lojas maçônicas:
As imagens divulgadas mostram também a vinculação de ministros e apoiadores de Bolsonaro com a maçonaria:
Nesta quinta, 6 de outubro, constava na agenda do Vice-Presidente Hamilton Mourão constava uma visita a uma loja maçônica em Manaus. Mourão, aliás, surgiu para o cenário político após viralizar um discurso no qual o então Secretário de economia e finanças do Exército defendia uma intervenção militar no país.
Um dos documentos publicados na rede digital, assinado pelo Grão-Mestre Edimo Muniz Pinho, de uma das principais instituições maçônicas do país – o Grande Oriente do Brasil no Rio de Janeiro – é um decreto que dá a ano de 2019 o lema da campanha eleitoral de Jair Bolsonaro nas eleições de 2018. Mas com a devida adaptação à cultura maçônica: “Brasil acima de tudo, G.A.D.U. acima de todos”. A sigla se refere ao “Grande Arquiteto do Universo”, o que representa Deus na maçonaria.
O decreto do Grande Oriente do Brasil no Rio de Janeiro foi assinado 21 dias depois da posse do presidente. Nele está registrado que “a história da Maçonaria em nosso país se entrelaça com os principais acontecimentos históricos que marcaram o Brasil”. O documento também afirma que a adoção do lema leva em conta “a nova estrutura governamental brasileira”. A adaptação traz “G.A.D.U.” e não “Deus”.
A partir da viralização destas imagens, expressões como ‘maçonaria’, ‘decepção’, ‘traidor’, ‘Bolsonaro não é cristão” passaram a ser as mais comentadas em mídias sociais. A equipe do Bereia verificou a tendência de menções na tarde de 5 de outubro e a combinação Bolsonaro-maçonaria foi amplamente superior à Lula-satanista, que havia predominado até o dia 3.
Postagens verdadeiras, desdobramentos falsos
Os vídeos e as fotos são verdadeiros, não são montagens. O próprio presidente Jair Bolsonaro foi forçado a declarar publicamente que, de fato, já esteve em cerimônia na maçonaria. Em transmissão ao vivo, em 5 de outubro, o presidente afirmou:
“Está aí na mídia agora, pessoal me criticando porque fui em loja maçom em 2017. Fui sim, fui em loja maçom, acho que foi a única vez que eu fui numa loja maçom. Eu era candidato a presidente, pouca gente sabia, e um colega falou ‘vamos lá’ e eu fui. Acho que foi aqui em Brasília. Fui muito bem recebido. Me trataram bem”.
Bolsonaro disse não ver problema em ter ido no estabelecimento e afirmou que é “presidente de todos”. Além disso, o candidato à reeleição afirmou não ter nada contra a maçonaria e destacou que nunca mais foi em um estabelecimento do tipo:
“Fui de novo? Não fui. Agora, sou presidente de todos. Isso agora a esquerda faz estardalhaço. O que tenho contra maçom? Tenho nada. Se tiver alguma coisa a gente vê como proceder. Quero apoio de todos aqui do Brasil”.
Ele não se pronunciou sobre o documento de 2019 em que o Grande Oriente do Brasil no Rio de Janeiro reforça e assume seu lema de campanha e governo.
Alguns desdobramentos dos vídeos, fotos e documentos foram postados amplamente nas redes e têm conteúdo falso:
Por que atrelar Bolsonaro à maçonaria afetaria a sua campanha?
A maçonaria não é uma religião. A sociedade existe por muitos séculos e se apresenta como uma instituição fraterna, filosófica que reúne homens em torno da filantropia, da caridade. De acordo com o historiador Davi Gueiros Vieira, na obra “O Protestantismo, a Maçonaria e a Questão Religiosa no Brasil”, o estabelecimento da maçonaria no Brasil pode ser datado em 1801, com a fundação de uma loja no Rio de Janeiro, seguida da fundação de uma outra na Bahia em 1802.
Originada na Idade Média, na Europa, a maçonaria teve início como uma associação de construtores. Ao longo dos séculos, os objetivos filantrópicos agregaram pessoas das mais diversas ocupações e vertentes sociais.
O documento denominado “Constituições dos Maçons”, um dos primeiros que formalizam a associação denominada maçonaria, foi, por exemplo, redigido por um pastor presbiteriano, o escocês James Anderson (1691-1739). Nele, porém, é estabelecido que os membros não precisavam ter vinculação com qualquer religião, mas declararem fé num “Ser Supremo”, uma noção genérica do divino, denominado o “Grande Arquiteto do Universo”. Cada novo membro faz o juramento de se comprometer com o G.A.D.U. de acordo com o livro sagrado que decida seguir. Por isso, entre os símbolos maçônicos há um misto de imagem míticas, as lojas (nome dado aos locais de reunião) reúnem fiéis de diferentes religiões ou sem religião.
Davi Gueiros Vieira explica que a maçonaria no Brasil parece ter tido um programa, que se não foi “tramado” ou claramente elaborado, aparece nitidamente no desenrolar dos acontecimentos históricos: a) conservar a nação unida a qualquer preço, usando o trono como seu ponto de apoio; b) controlar a Igreja, conservando-a liberal, dominada pela Coroa, com um clero não educado e sobretudo, não tradicionalista; c) lutar pelo “progresso “ do Brasil por meio do desenvolvimento da educação leiga, da expansão do conhecimento científico e técnico (não estorvado pela teologia) e da importação de imigrantes “progressistas” e tecnicamente educados, dos Estados Germânicos, da Inglaterra e de outras nações protestantes.
Fama de “seita”
Vista como uma seita, inimiga do Cristianismo, a maçonaria é condenada tanto pela Igreja Católica, da qual o presidente Jair Bolsonaro é adepto, quanto pelas igrejas evangélicas. A Encíclica Humanun Genus, do Papa Leão XIII, de 1884, afirma que seguidores da maçonaria, “ajuntados por perversos acordos e por conselhos secretos, ajudam-se uns aos outros, e excitam-se uns aos outros a uma audácia nas coisas malignas”. Não há mais entre católicos a pena de excomunhão para quem se associar à maçonaria mas a “Declaração sobre a Maçonaria”, da Congregação para a Doutrina da Fé, publicada em 1983, assinada pelo prefeito, então Cardeal Joseph Ratzinger, mais tarde Papa Bento 16, decreta:
” Permanece portanto imutável o parecer negativo da Igreja a respeito das associações maçónicas, pois os seus princípios foram sempre considerados inconciliáveis com a doutrina da Igreja e por isso permanece proibida a inscrição nelas. Os fiéis que pertencem às associações maçônicas estão em estado de pecado grave e não podem aproximar-se da Sagrada Comunhão”
Ainda que tenham muitas vertentes e não contem com um órgão centralizador como o Vaticano, as igrejas evangélicas têm compreensão similar no Brasil desde a chegada do grupo ao Brasil no século 19. A rejeição à idolatria é um dos principais motivos à rejeição. Elas não reconhecem a noção de G.A.D.U. como o Deus cristão, da Bíblia, mas um outro deus que não pode ser cultuado”. O fato de haver indiferença e aceitação de que fiéis evangélicos sejam maçons chegou a ser uma das causas da primeira grande divisão da Igreja Presbiteriana do Brasil, em 1903, tendo sido formada a Igreja Presbiteriana Independente, com relata Davi Gueiros Vieira.
Entre os vídeos que viralizaram nos últimos dias, há registros da condenação à vinculação à maçonaria da parte de apoiadores de Jair Bolsonaro, como o pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia, o missionário da Igreja Internacional da Graça R. R. Soares e o pastor da Igreja Batista da Lagoinha André Valadão.
ATUALIZAÇÃO: A Confederação Maçônica do Brasil (COMAB) divulgou nota na qual afirma: “Somos uma Instituição do BEM para o BEM e jamais compactuaremos com pessoas do mal, inescrupulosas e desprovidas de caráter que tentam deturpar nossos princípios em nome de objetivos abjetos, escusos e nefastos que desejam arrastar nosso País ao caos”.
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Bereia classifica os vídeos e imagens que mostram Jair Bolsonaro e seus seguidores participando de cerimônias da maçonaria como verdadeiros. Alguns materiais decorrentes destes vídeos e imagens passaram a conter registros falsos, como exposto nesta matéria. Bereia alerta seus leitores e leitoras para a guerra de conteúdo permeada por ataques e contra-ataques à imagem de candidatos no período do segundo turno eleitoral e conclama à verificação da veracidade antes de qualquer compartilhamento.
Bereia recebeu de leitores indicação de checagem de um vídeo de um influencer digital que se identifica como “satanista”, que faz a previsão de uma vitória de Lula no primeiro turno das eleições brasileiras de 2022. O vídeo viralizou, especialmente entre cristãos, com acusações a Lula de ser vinculado e ter o apoio de satanistas e causou muitas reações nas mídias digitais.
O homem que fala no vídeo é Vicky Vanilla, influenciador digital, com quase 1 milhão de seguidores no TikTok e que se apresenta como “mestre e líder da Igreja de Lúcifer do Novo Aeon”.
No vídeo que viralizou, Vanilla aparece em local com bandeira de Lula ao fundo, fala sobre suposta união de diferentes religiões, de segmentos satanistas e do ocultismo em nome da vitória do ex-presidente no primeiro turno de 2 de outubro.
O conteúdo foi publicado na sexta-feira, 30 de setembro, dois dias antes do pleito, e passou a ser compartilhado nas redes bolsonaristas no domingo, quando o resultado se encaminhava para definição por um segundo turno.
O Portal de Notícias da Record R7 e sites gospel como o Pleno News deram destaque ao vídeo.
Vídeo falso, conteúdo manipulado
Antes mesmo que Bereia concluísse a pesquisa deste conteúdo, vários projetos de checagem de conteúdo, como Aos Fatos, e veículos jornalísticos, como o Correio Braziliense, já haviam publicado uma verificação indicando a falsidade de tal material.
Na tarde do dia 3 de outubro, a campanha de Lula publicou nota intitulada “Lula é cristão. Não existe qualquer relação com satanismo”. No texto, a campanha afirma: “A verdade, como já repetimos antes, é que Lula é cristão, católico, crismado, casado e frequentador da igreja. Não existe relação entre Lula e o satanismo” (…) Quem espalha isso é desonesto e abusa da boa-fé das pessoas. O vídeo circulou em muitos canais do Telegram e grupos de WhatsApp e comprova como os apoiadores de Bolsonaro abusam da boa-fé das pessoas”.
O próprio envolvido no conteúdo, Vicky Vanilla, publicou um vídeo para desmentir o caso e declarar que foi feita uma montagem a partir de imagens tiradas de contexto e chama a publicação que viralizou de “fake news”. “Está sendo espalhado como uma fake news tanto a meu respeito, quanto a respeito do candidato Lula, que não tem qualquer ligação com a nossa casa espiritual”, completou Vanilla. O influenciador disse ainda que recebeu diversas ameaças depois que o material foi espalhado: “o bastante para fazer um boletim de ocorrência e entrar com representação judicial contra meus agressores”, destacou.
No perfil de Vicky Vanilla no TikTok, são encontrados conteúdo pró-Lula e anti-Bolsonaro. Porém há postagens em que ele ataca o candidato do PT de forma intensa e chega a associá-lo ao nazismo.
Viralização
Além de ter sido divulgado pelo Portal da Rede Record R7, por sites gospel e mídias sociais de lideranças e fiéis religiosos, o vídeo falso foi publicado pela deputada federal reeleita Carla Zambelli (PL-SP), que o utilizou para chamar seguidores para uma “guerra espiritual” no segundo turno das eleições, “do bem contra o mal”. Ainda na terça-feira, 4 de outubro, mesmo depois do desmentido da campanha de Lula e do próprio Vicky Vanilla, o senador eleito Cleitinho (PSC-MG) divulgou o material falso para convocar o voto “dos mais de 40 milhões de brasileiros que se abstiveram no primeiro turno por Jair Bolsonaro” (na verdade, foram cerca de 32 milhões de abstenções).
Até o momento em que esta matéria foi concluída o conteúdo falso ainda estava visível em todos estes espaços digitais.
ATUALIZAÇÃO: O Tribunal Superior Eleitoral determinou que o vídeo fosse tirado do ar nesta quinta, 6 de outubro.
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Bereia reafirma o que já foi publicado por agências de checagem e veículos de mídias: o vídeo que ainda circula vinculando o ex-presidente Lula a uma seita satânica é FALSO. Além de tal vinculação ter sido negada pela campanha do candidato, o próprio envolvido no conteúdo desmentiu sua participação e denunciou a montagem.
Bereia alerta seus leitores e leitoras para materiais divulgados durante o processo eleitoral para destruir a imagem de candidatos. Quem receber este tipo de conteúdo não deve compartilhar sem antes verificar a veracidade.
O site evangélico Pleno News publicou, em 29 de setembro de 2022, pesquisa de intenção de votos realizada pelo Instituto Equilíbrio Brasil. Nos dados oferecidos na matéria “Bolsonaro lidera em pesquisa mais ampla que Ipec e Datafolha”, Jair Bolsonaro teria 44% da preferência do eleitorado, contra 39% de Lula.
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Equilíbrio Brasil: metodologia contestada
Pleno News destaca que o levantamento realizado é mais amplo do que aquelas que têm sido apresentadas por institutos credenciados como o Ipec (formado por ex-executivos do Ibope) e o Datafolha. A matéria diz que o instituto Equilíbrio Brasil, ouviu 11.500 pessoas em 1.286 cidades, entre os dias 20 e 22 de setembro, com margem de erro de três pontos percentuais.
O desconhecido Equilíbrio Brasil se coloca ao lado de outro, o controverso Brasmarket, até então o único instituto de pesquisa do país a apresentar Jair Bolsonaro na liderança da corrida presidencial. Brasmarket e seus métodos foram alvo de checagem do Bereia.
De acordo com o Art. 33 da Lei nº 9.504/1997as entidades e empresas que realizarem pesquisas de opinião pública relativas às eleições ou aos candidatos, para conhecimento público, são obrigadas, a registrar na Justiça Eleitoral, para cada pesquisa, até cinco dias antes da divulgação, as seguintes informações:
I – quem contratou a pesquisa;
II – valor e origem dos recursos despendidos no trabalho;
III – metodologia e período de realização da pesquisa;
IV – plano amostral e ponderação quanto a sexo, idade, grau de instrução, nível econômico e área física de realização do trabalho a ser executado, intervalo de confiança e margem de erro;
V – sistema interno de controle e verificação, conferência e fiscalização da coleta de dados e do trabalho de campo;
VI – questionário completo aplicado ou a ser aplicado;
VII – nome de quem pagou pela realização do trabalho e cópia da respectiva nota fiscal.
Equilíbrio Brasil ou Multi Mercado LTDA: financiamento criticado
Numa pesquisa mais detalhada no site do Tribunal Superior Eleitoral, verificamos que o próprio instituto foi o “contratante” da pesquisa. e mesmo com elevado número de entrevistas feitas por telefone, 11.500 contatos, o levantamento custou R$ 28.000,00.
Esta modalidade de financiamento, o “autofinanciamento” de pesquisas eleitorais, mesmo permitida por lei, levanta suspeitas, pois permite que institutos não divulguem a origem dinheiro que pagou as sondagens e a divulgação da nota fiscal não é obrigatória. Todas as pesquisas realizadas por Equilíbrio Brasil foram “autofinanciadas”.
Equilíbrio Brasil X Datafolha
Tomando-se um dos institutos citados pelo Pleno News em comparação, o levantamento do Instituto Datafolha realizou 6.800 entrevistas presenciais e o valor da foi de R$ 473.780,00. Quase dez vezes o custo da pesquisa do Instituto Equilíbrio Brasil (Multi Mercado LTDA)
Seguindo a tendência dos principais institutos do país, o Datafolha mostra o ex-presidente na liderança. Lula oscilou de 45% para 47% das intenções de voto na disputa pela Presidência da República e ampliou a liderança sobre o segundo colocado, Jair Bolsonaro, que se manteve com a preferência por 33% dos eleitores brasileiros.
Este resultado se aproxima dos números do agregador de pesquisas do jornal Estado de São Paulo que leva em conta pesquisas sobre a corrida presidencial divulgadas nos últimos seis meses e tem atualização diária. O cálculo considera as linhas de tendência de cada candidato (se estão estáveis, subindo ou caindo) e atribui pesos diferentes às pesquisas segundo sua “idade” (a data de realização) e metodologia (na média, os resultados são mais precisos quando os eleitores são entrevistados de forma presencial, em vez de por telefone).
Bereia conclui que a pesquisa divulgada pelo portal Pleno News não pode ter seus dados corroborados, por isso a matéria desinforma por ser imprecisa. A metodologia utilizada no levantamento é contestada e o financiamento, mesmo não sendo ilegal, levanta dúvidas quanto à isenção dos dados.
Um trabalho que envolve mais de 11 mil contatos com eleitores, mesmo por telefone, apresentaria um custo muito elevado. Já os institutos desqualificados pela matéria Pleno News, Ipec e Datafolha oferecem todas as informações exigidas para o credenciamento de uma pesquisa e têm os levantamentos registrados no TSE, como exigido por lei, além de executivos respeitados e histórico confiável de pesquisas eleitorais.
Dezenas de sites e mídias digitais evangélicas divulgaram uma controversa pesquisa eleitoral realizada pelo Instituto Brasmarket sobre intenção de votos para a Presidência da República. A pesquisa é polêmica pois vai de encontro a todos os demais levantados dos principais institutos de pesquisa do país.
De acordo com os dados apresentados pelo Brasmarket, o presidente Jair Bolsonaro (PL) estaria liderando a corrida eleitoral com 44,9% (37% no levantamento anterior), enquanto Lula teria 31% (27%, no levantamento anterior). Além disso, quando o corte é por religião, os cristãos católicos e evangélicos rejeitaram em sua maioria o ex-presidente Lula (PT). A pesquisa foi registrada no TSE com o número BR-00580/2022.
Além das pesquisas eleitorais para presidente, três delas contratadas pela Associação de Supermercados do Rio de Janeiro, as demais foram custeadas pelo próprio Brasmarket. O Instituto realizou outras pesquisas este ano: para o governo de Goiás, contratado pela ASSOCIAÇÃO GOIANA DO NELORE, governo de Tocantins, custeada pela própria empresa, para o governo do Rio Grande do Norte, contratada pela CPF/CNPJ: 25450212000100 – BG MÍDIAS E ASSESSORIA DIGITAIS EIRELI, para o governo de Mato Grosso do Sul, contratada pela CPF/CNPJ: 03976495000187 – RADIO CAPITAL DO SOM LTDA / Origem do Recurso: (Recursos próprios). As pesquisas para os governos estaduais foram acompanhadas de pesquisa levantamento de intenção de voto para Presidente da República apenas naquele estado.
Matéria da Revista Veja de janeiro de 2022 apresenta uma suposta pesquisa realizada ainda em 2021 pelo Brasmarket que chegou ao conhecimento público sem o devido registro no TSE e rapidamente inundou as mídias digitais de direita. De acordo com a matéria, o Instituto está envolvido em diversas controvérsias e mistérios.
A metodologia de pesquisa utilizada foi a quantitativa, por meio de entrevistas telefônicas, com aplicação de questionários estruturados e padronizados junto a amostra representativa da população pesquisada. Foram 2.400 entrevistados de 116 municípios.
A pesquisa realizada pelo Instituto Brasmarket chama atenção por ser o único levantamento que aponta o presidente Jair Bolsonaro como favorito e pelo resultado bem diferente dos apresentados pelos Institutos mais conhecidos e renomados do país: Datafolha e Ipec (formado por ex-executivos do Ibope).
O agregador de pesquisas eleitorais do Estadão usa dados dos levantamentos de 14 empresas, considerando suas peculiaridades metodológicas, para calcular a Média Estadão Dados e o cenário mais provável da disputa eleitoral. Lula aparece com 47% e Jair Bolsonaro fica com 33% na média de todos os levantamentos nos últimos seis meses.
O Datafolha não faz pesquisas sob encomenda para políticos ou partidos. Todos os levantamentos são realizados para divulgação e uso público de grandes veículos de comunicação. Quando um meio de comunicação contrata uma pesquisa eleitoral do instituto, uma de suas obrigações é tornar público o resultado desse levantamento.
De acordo com a seção de perguntas e respostas disponibilizada no site, a validade de uma pesquisa eleitoral feita por telefone, como a realizada pelo Instituto Brasmarket, fica comprometida pois “é inviável realizar pesquisas eleitorais telefônicas no Brasil que sejam representativas do total do eleitorado, já que apenas 40% dos brasileiros possuem linha telefônica fixa em casa. Por isso os institutos abordam os eleitores pessoalmente”.
A última pesquisa Datafolha para presidente foi divulgada em 22/09, dia anterior à divulgação da pesquisa do Instituto Brasmarket, com o número de identificação no TSE BR-04180/2022. O custo total da pesquisa foi de R$ 473.780,00. (o levantamento de Brasmarket custou R$ 32.000,00)
Contratantes: EMPRESA FOLHA DA MANHÃ e GLOBO COMUNICAÇÃO E PARTICIPAÇÕES S/A/TV/REDE/CANAIS/G2C+GLOBO GLOBO.COM GLOBOPLAY.
A metodologia de pesquisa utilizada foi a pesquisa do tipo quantitativo, por amostragem, com aplicação de questionário estruturado e abordagem pessoal em pontos de fluxo populacional. O conjunto do eleitorado brasileiro foi tomado como universo da pesquisa. 6.734 entrevistados em 285 municípios. (Brasmarket entrevistou 2.400 pessoas de 116 municípios).
Resultado pesquisa Datafolha.
Fonte: Datafolha
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De acordo com todas as informações levantadas, o Bereia considera que a pesquisa realizada por Brasmarket, que está sendo amplamente divulgada nas mídias digitais da extrema-direita, é enganosa.
O instituto começou efetivamente suas atividades há quatro meses, e suas pesquisas são as únicas em todo o país a apresentarem resultados divergentes, e mesmo com o registro no TSE, apresenta disparidades em relação às demais pesquisas, como o custo muito baixo dos levantamentos, metodologia e pouco detalhamento de seus resultados.
Desta maneira, esta pesquisa parece funcionar mais como uma ferramenta para batalhas discursivas na campanha política neste pleito 2022, a fim de confundir eleitores.
* Com colaboração de Heloísa Carvalho e Luis Henrique Vieira
Perfis de mídias sociais em campanha pela reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL) atuam para garantir apoio do segmento cristão evangélico por meio de desinformação baseada em terrorismo verbal (busca de convencimento com imposição do pânico). Um dos temas mais fortes neste sentido nas eleições de 2022 é a ideia de que o Partido dos Trabalhadores (PT), que está à frente nas pesquisas com a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e as esquerdas em geral, ameaçam a existência das igrejas no Brasil. Em várias postagens se propaga que, caso vençam, Lula, o PT, as esquerdas, vão silenciar os cristãos e fechar as igrejas.
A mais recente postagem mostra o vídeo de uma marcha na qual manifestantes gritam “Igreja fascista tu tá na nossa lista”. Ao vídeo foi adicionado o título “Passeata do PT ameaça igrejas”. Legendas usam do pânico para convencer: “Olha o absurdo que nos espera se, acontecer o inesperado” e “‘Nicaraguar’ o Brasil não é uma opção” (esta última, em referência à perseguição que o atual governo da Nicarágua tem imposto a lideranças da Igreja Católica no país que lhe tem feito críticas).
Origem do vídeo
Bereia checou que este vídeo já havia sido utilizado por apoiadores de Jair Bolsonaro na campanha eleitoral de 2018. Ele foi publicado no Facebook, em 15 outubro de 2018, pelo pastor da Igreja da Trindade Franklin Ferreira, em postagem contra esquerdas e pastores progressistas. No conteúdo, o pastor critica a disseminação de ódio contida na frase gritada por manifestantes em marcha, diante da Catedral da Fé da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), em Porto Alegre (RS).
A pesquisa que Bereia fez das origens do vídeo indica que ele foi produzido por fiéis da Catedral da Fé, em outubro de 2018, com o registro de um momento em que manifestantes passam em frente ao templo e gritam a frase que classifica a igreja como ” fascista”.
Em 9 de outubro de 2018, há a publicação de um pastor da IURD em seu perfil pessoal no Facebook, que reproduz o vídeo com a legenda:
“Estamos sendo CHAMADOS DE FACISTAS!!
Bispo, por três vezes lá em Porto Alegre, tivemos que fechar a catedral durante passagem de manifestantes da esquerda. Nas três vezes tivemos que pintar de novo a fachada, porque deixaram frases como essa. Podemos usar agora, mostrando o que eles pretendem em relação a nós. Repare que a frase cantada é “igreja fascista, tu tá na nossa lista”.
A manifestação em Porto Alegre ocorreu no contexto das marchas antifascistas, em oposição à candidatura de Jair Bolsonaro (PSL), durante o segundo turno daquele pleito, disputado também por Fernando Haddad (PT). O jornal Sul 21 cobriu uma das marchas, organizada pela Frente Povo Sem Medo para protestar contra os casos de violência verbal e física de apoiadores do candidato dirigida a militantes de esquerda.
Os gritos contra a IURD, apoiadora de Jair Bolsonaro, registrados em vídeo, ocorreram em uma dessas manifestações. Como o pastor indica na publicação do Facebook, eles passaram a ser usados para contrapor a afirmação de que os discursos de ódio partiam da candidatura de Bolsonaro.
A falsa perseguição a igrejas
O uso do tema da perseguição a cristãos pelas esquerdas e pelo PT em campanha eleitoral não é novo, remonta às eleições de 1989, quando o PT lançou Lula candidato pela primeira vez, usado por apoiadores de Fernando Collor de Mello. Usava-se o imaginário da ameaça comunista relacionada ao PT e o discurso de que fecharia as igrejas para apoiar Collor, que as protegeria.
Este tema como campanha não foi tão usado em eleições posteriores e foi retomado com mais força somente mais recentemente, nas eleições municipais de 2020, sob o rótulo do termo “cristofobia”. Bereia publicou material sobre a circulação desta desinformação naquele ano. Como não havia casos a serem explorados no Brasil, onde cristãos livremente professam sua fé, os discursos lançaram mão de casos como o da queima de um templo católico no Chile, em 2020. O fato foi manipulado por candidaturas de direita, como exemplo do que poderia acontecer no Brasil governado por partidos de esquerda.
Bereia aprofundou a abordagem e publicou artigo que explica que “cristofobia” é tema inventado para explorar o imaginário cristão de perseguição e ganhar com isto adesão a certas causas e extrapolar a liberdade de expressão, uma vez que não existe este tipo de ação sistemática no Brasil.
O caminho aberto para a abordagem do tema da perseguição a igrejas como estratégia de convencimento de campanhas de direita está sendo trilhado em 2022 com os discursos em torno da reeleição de Jair Bolsonaro. São muitas as postagens de conteúdo em mídias sociais que afirmam que Lula e as esquerdas vão fechar igrejas e perseguir cristãos.
Mesmo contrapondo tal conteúdo com afirmações de que durante os mandatos do PT não houve qualquer sinal de animosidade contra grupos religiosos, especialmente cristãos, a Coligação Brasil da Esperança, que tem o ex-presidente Lula como candidato, protocolou representação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra materiais publicados pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) com a temática.
A ministra Carmem Lúcia tratou o caso e determinou, em 5 de setembro de 2022, a remoção dos vídeos nas mídias sociais do deputado nos quais afirmava que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o PT (Partido dos Trabalhadores) “apoiam invasões de igrejas e perseguição de cristãos”.
Tais abordagens também foram disseminadas por personagens públicas como o deputado federal Marco Feliciano (PL-SP), o pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia, entre outras, como pode ser encontrado em várias matérias do Bereia.
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Bereia classifica as postagens com o vídeo intitulado “Passeata do PT ameaça igrejas” como enganosas. O vídeo é de 2018 e registra um ocorrido no contexto das disputas do segundo turno das eleições daquele ano. Representa um ato de intolerância religiosa que é pontual, contextual, referente a uma personagem específica, a IURD, e não a todas as igrejas.
Quem faz uso deste vídeo em 2022 quer fazer crer que tal manifestação ocorreu neste momento, por isso não indica data e local do ocorrido, muito menos as circunstâncias. Isto é característico da propagação de desinformação. Não há registro de qualquer manifestação organizada contrária a igrejas na campanha eleitoral de 2022.
Bereia alerta leitores e leitoras sobre a desinformação sobre perseguição a igrejas e cristãos no Brasil. Tal prática não existe e não é projeto de qualquer partido político. A Constituição do Brasil assegura a liberdade de crença e de culto para todas as religiões. Atos de intolerância contra qualquer grupo religioso devem ser repudiados e denunciados. Afirmações em postagens em mídias sociais sobre a existência de ameaças a igrejas e “cristofobia” (perseguição sistemática) no país não são verdadeiras e são desenvolvidas para campanhas de convencimento por meio do pânico.
Referências de checagem:
Sul 21. https://sul21.com.br/ultimas-noticias-politica-areazero-2/2018/10/marcha-antifascista-reune-milhares-contra-bolsonaro-no-centro-de-porto-alegre/ Acesso em: 7 set 2022.
Tribunal Superior Eleitoral. https://bibliotecadigital.tse.jus.br/xmlui/handle/bdtse/5134 Acesso em: 7 set 2022.
Em 1998 Sergio Arau dirigiu o brilhante curta-metragem “Um dia sem mexicanos”. Alguns anos depois, em 2004, o curta se tornou um filme não tão bom, mas que popularizou a ideia que o roteiro da atriz Yareli Arizmendi desenvolveu e que é inusitada: na Califórnia, em uma manhã aparentemente normal não havia mais mexicanos nos EUA. Eles haviam sumido. O que seria da Califórnia, Estado em que 30% da população é mexicana, sem a presença desses responsáveis principalmente pelos serviços e outros trabalhos fundamentais para que as coisas funcionem?
Pensar numa situação inusitada como essas pode dar a oportunidade para importantes reflexões e a impressão que tenho é de que suprimir um segmento similar da população, no caso brasileiro os 30% de evangélicos que aqui residem, seria o desejo de alguns, especialmente no dia 2 de outubro. Ter esse dia sem evangélicos parece ser o necessário para aqueles que não querem a reeleição e que esperam ver a alternância de poder na Presidência.
Se sem mexicanos a Califórnia pararia, as pesquisas parecem indicar que sem evangélicos seria certa a eleição de Lula no primeiro turno. São 150 milhões de eleitores habilitados a votar, se tirarmos os 30% de evangélicos, pelos dados do agregador do Estadão, teríamos Lula com cerca de 60% dos votos válidos. Uma vitória no primeiro turno estaria garantida.
Alguns, erradamente, teimam em atribuir uma pretensa culpa pela vitória de Bolsonaro em 2018 a este segmento. Naquela época escrevi um artigo em que busquei demonstrar que obviamente houve um importante papel do grupo na vitória, porém foi mais um dos vários componentes mobilizados pela campanha que redundou na vitória do candidato nas urnas (eletrônicas). Também cabe lembrar que ninguém é só evangélico, as pessoas são múltiplas e vários elementos contribuem para a nossa identidade e tomada de decisão.
Os evangélicos são o grupo religioso que mais considera a opinião de seus líderes na hora de decidir o seu voto, pesquisas indicam que cerca de 1/3 leva a opinião do líder em consideração. Os evangélicos também possuem impressionantes capilaridade social e organicidade, promovendo regularmente reuniões, sendo mais rápida e efetiva a comunicação voltada para esse grande contingente da população.
No mundo digital também se destacam, 92% destes afirmaram possuir grupos de WhatsApp ligados à sua igreja ou religião. E possuem vários grupos, como demonstrou a pesquisa “Caminhos da Desinformação”. Entre católicos esse percentual foi de 70% e em outras religiões abaixo dos 50%. Essa profusão de grupos são um caminho aberto para a circulação de informação, propaganda eleitoral e, não podemos esquecer, desinformação.
Um outro elemento importante é uma significativa presença de confiança interpessoal entre evangélicos, dessa forma a tomada de decisão relacionada a “em quem votar”, se reveste de uma grande oportunidade para diálogos e trocas que consideram o compartilhamento de uma percepção de projeto que tem na igreja e nos irmãos e irmãs um importante elemento.
Ter o voto desses fiéis exige investimento de recursos e de tempo dos candidatos, salientando que por haver uma maior importância das lideranças se estabelece um outro patamar de complexidade. Em um artigo publicado em 1996 explorei isso a partir da antropologia política evocando a importância da brokerage e de como a Igreja Universal inovava em um modelo de clientelismo em que a própria igreja desempenhava um papel de intermediária na relação entre eleitor e candidato.
Porém é importante frisar de que penso estarmos longe disso ter um sentido determinístico ou de alimentar teses sobre alienação e dominação. Podemos estar diante, em alguns casos, de situações que têm sido chamadas de “voto de cajado”, em uma atualização do “voto de cabresto” tão bem retratado na literatura sociológica por Victor Nunes Leal. Se isso é fato, por outro lado, também estamos diante do reconhecimento da presença e relevância social de um setor da população que há pouco tempo recebia em muitos casos olhares de desprezo por sua menor escolaridade, origem humilde e posição subalterna. As formas de alcançar esse público estão por ser descobertas e exigem atenção.
Parece que alguma coisa mudou por aqui e, talvez, da mesma forma que ao final do filme os moradores da Califórnia chegaram à conclusão de que não podiam viver sem os mexicanos, pode ser que nessas eleições de 2022 finalmente os partidos estejam devidamente conscientes de que precisam fazer campanha e dialogar com os/as evangélicos/as e suas lideranças de uma forma atenta e estruturada.
Já que não é possível uma eleição sem evangélicos, a disputa passa por garantir o aumento de votos neste segmento, isso parece ser um foco por parte das duas candidaturas à frente nas pesquisas. Isso se torna especialmente central para Bolsonaro, pois todas as suas tentativas de obter mais votos fracassaram em meio aos auxílios e à PEC Kamikaze. Parece que nessa reta final só lhe resta aumentar seus votos junto a este público que lhe deu ampla vantagem em 2018 e que tem dado sinais de uma certa manutenção da fidelidade. A candidatura do atual presidente sabe que precisa ampliar sua presença no segmento e que somente com ela será possível enfrentar Lula em um segundo turno.
Já para Lula a questão é a mesma, só que com o polo invertido. Isso se torna particularmente necessário diante da situação em que algumas das lideranças midiáticas e denominacionais atuam de forma dedicada na defesa da candidatura de Bolsonaro e, por meio de ações variadas como o acionamento de suas redes e instituições em uns casos e em outros até mesmo pela utilização de meios coercitivos, tomam lado e fazem campanha contra Lula. Um desempenho melhor entre evangélicos pode representar a chancela necessária para uma vitória no primeiro turno. O desafio envolve, então, a definição de um “modo petista” de se fazer campanha para/com evangélicos. Esta é uma condição que se coloca não só para essa, como também para as próximas eleições.
Em um culto em Belo Horizonte para homenagear um pastor, no começo de agosto, a primeira-dama Michelle Bolsonaro, ao lado do marido, disse que há no Brasil uma “guerra do bem contra o mal” e que o Palácio do Planalto já foi um lugar “consagrado aos demônios”.
Também em agosto, o pastor bolsonarista Marco Feliciano disse que o PT é expressão do mal e que, se Lula ganhar, vai fechar templos e igrejas e calar os pastores.
O jornal Folha Universal, no ano passado, fez vários editoriais comparando o ex-presidente Lula ao demônio e ao mal.
Em janeiro deste ano, circulou pelas redes sociais um vídeo editado para simular que o ex-presidente Lula conversava com o demônio.
A ideia do demônio, como vemos, volta com força à cena nacional e ao processo eleitoral, por vários atores. Uma ideia forte que se alinha muito bem ao potente sistema de desinformação que sacode o Brasil com intensidade desde as últimas eleições, em 2018. Nesse contexto, eu quero convidar vocês a percorrerem o caminho da construção discursiva do demônio no escopo do ecossistema das fake news para entendermos por que, de fato, ele é um “personagem” importante.
Um poderoso ecossistema
O Brasil vivencia, com as eleições de 2018, a intensificação de um processo de desinformação que se torna pouco controlável a partir de 2020, com a pandemia de Covid-19. É um processo bem estruturado, que não se restringe ao Brasil, um fenômeno mundial que solapa democracias de Norte a Sul. Nesse contexto, a desinformação precisa ser entendida como um fenômeno estruturado, intencional, que se consolida nas sociedades contemporâneas e que tem fortes impactos em vários contextos – social, político, econômico, de saúde –, o que compromete seriamente o funcionamento da esfera pública, como ressalta Carlsson (2019).
Partindo desse sistema macro, eu situo o ecossistema brasileiro de fake news, que tem características bem marcantes: aporte e sustentação do poder público e de setores do empresariado, grande financiamento, produção intencional e profissional de conteúdo falso envolvendo diversos atores (por exemplo, sites com estrutura de produção de conteúdo, influenciadores que recebem benesses, representantes do poder público, entre outros) e enorme capilaridade para disseminar o conteúdo. Esse ecossistema, que nada tem de aleatório ou casual – pois é muito bem estruturado –, encontrou no país um campo bastante fértil para se desenvolver (lembrando que a capilaridade envolve a interface com outros sistemas – portanto, não se trata somente de “espalhar conteúdo” pela internet).
É um ecossistema que, com essas características, tem conseguido causar enormes estragos ao Brasil, em vários setores. Recentemente, está contribuindo para tumultuar bastante o processo eleitoral, colocando em xeque instituições já consolidadas em sua atuação e processos exitosos, como é o caso do sistema eleitoral brasileiro, além de propagar ataques a atores institucionais, como ministros do STF e do TSE.
O fenômeno das fake news, em seu ecossistema brasileiro, não se esgota, portanto, apenas na disseminação das notícias falsas ou falseadas – há um processo de produção profissional de conteúdo que envolve muitos atores e financiamento. Além disso, esse ecossistema se retroalimenta e está em interface com outros sistemas, como o de informação (tradicional – mídia corporativa) e o religioso, numa capilaridade gigantesca.
E então voltamos ao demônio da primeira-dama e seu papel nas eleições.
O demônio é o inimigo a combater
O demônio, como construção discursiva, liga-se à ideia de um inimigo poderoso e que precisa ser combatido. Nós, ao nos comunicarmos, não pronunciamos palavras somente – pronunciamos verdades ou mentiras, coisas boas ou más, certezas inquestionáveis, pois a palavra comporta valores e crenças e visões de mundo. Portanto, o demônio trazido à tona recentemente pela primeira-dama e por outros atores funciona muito bem nesse ecossistema de fake news, já que o termo cristaliza a ideia de um inimigo a combater a partir de um apelo a valores cristãos e num cenário de disputas polarizadas.
Essa ideia se consolida e se espalha por várias instâncias, numa retroalimentação que envolve vários sistemas – o demônio como ideia não se restringe à fala de Michelle naquele momento no culto, mas se espalha pelas redes sociais, pelos sites bolsonaristas, pela pregação do pastor na igreja, pelos artigos no jornal de maior circulação no país (que é da igreja). Portanto, não é uma expressão aleatória e nem um demônio qualquer – é uma entidade capaz de provocar os eleitores religiosos ainda indecisos, ou que estavam migrando para outros candidatos que não Bolsonaro, e interpelar fortemente esse eleitor naquilo que é sua crença ou seu medo.
As categorias religiosas não são levadas aleatoriamente para o discurso num país bastante religioso como o Brasil. Elas dialogam de perto com as crenças, os valores, os medos, as incertezas das pessoas, e por isso são tão presentes no escopo das fake news – vale lembrar que a visão de mundo dos indivíduos não é racional todo o tempo. E em tempos de incertezas, medo do futuro, precarização da vida, a ideia de um demônio a combater pode ser efetiva sim.
E no bem estruturado ecossistema brasileiro de fake news, essas construções discursivas encontram um caminho para se consolidarem, para se dissiparem, para se reproduzirem, para alcançarem mais e mais pessoas, fortalecendo-se contra os desmentidos e provocando a manifestação apenas reativa e tardia dos atingidos.
Portanto, é imperioso entendermos o demônio de Michelle no contexto desse ecossistema brasileiro de fake news no cenário de um acachapante sistema de desinformação – estruturado e estruturante. Uma ideia de bem contra o mal, de combate ao inimigo que destrói famílias; ideia que é trazida por uma mulher jovem, que defende a família, que se posta ao lado do marido presidente, aquele que perdeu uma parte expressiva do eleitorado feminino exatamente por ser abertamente machista e misógino.
Sobretudo, o discurso que traz o demônio à cena nacional serve muito bem para consolidar a agenda ultra-conservadora da extrema-direita e para tirar o foco de temas e pautas que realmente interessam ao país e que deveriam estar sendo muito discutidas: fome, desemprego, economia estagnada, aumento acentuado da depressão na população, corte de verbas públicas para a educação e a saúde, entrega da Petrobras, privatização da Eletrobrás, entre tantos outros.
Mas, por ora, metaforicamente ou não, o capeta está roubando a cena no Brasil de Bolsonaro.
A campanha eleitoral começou oficialmente em 16 de agosto. Os programas de televisão e rádio, além das publicações nas mídias sociais, devem respeitar as regras estabelecidas pela legislação eleitoral. Porém, no ciberespaço, aparentemente sem regulação e controle, a campanha eleitoral começou há algum tempo, ou melhor, não parou e esta edição está ativa desde 2018.
No campo virtual não existem regras. Quanto mais alarmante e absurdo, melhor. O objetivo é gerar pânico e com isso, compartilhamentos. No que diz respeito às religiões, nestas eleições nacionais de 2022, os temas da cristofobia (perseguição aos cristãos no Brasil), além de temas como intolerância religiosa e racismo religioso, parecem estar no centro da disputa por votos e para criticar adversários.
Para além de indivíduos religiosos, o discurso cristão é uma linguagem familiar a quase todos os brasileiros, compreendido pela ampla maioria. Isto porque, existe uma referência histórica e cultural desde a colonização portuguesa, que trouxe com ela o Cristianismo católico, e cria um senso de identidade, ainda que grande parte da população não frequente uma igreja. Desta maneira, o discurso religioso com ênfase cristã é utilizado como arma política para além dos muros das igrejas.
A controvérsia do Estado laico
Num Estado laico como o Brasil, lideranças políticas não devem se comportar como fiéis de uma crença particular, e muito menos atacar qualquer religião. No entanto, não é isto que se observa neste conturbado processo eleitoral. Em tempos de mídias sociais, a desinformação com a circulação de conteúdo falso e enganoso, especialmente, as chamadas fake news, se tornaram armas mais poderosas do que as antigas artilharias militares.
De acordo com a antropóloga, pesquisadora e coordenadora de Religião e Política do ISER Lívia Reis,“de forma abrangente, podemos dizer que um Estado é laico quando há uma separação oficial entre Estado e religião. Isso significa que não existe uma religião oficial de Estado, que nenhuma religião pode ser beneficiada em detrimento de outras e que a interferência religiosa não é permitida em decisões estatais. Assim, ao invés de divulgar, perseguir ou hostilizar religiões, um Estado laico deve garantir que todas as religiões sejam valorizadas e tenham o direito de existir igualmente.
Entretanto, Bereia tem monitorado discursos e publicações em mídias sociais de personagens políticos importantes como a primeira dama Michelle Bolsonaro e o deputado pastor Marco Feliciano, além de um grande número de políticos e “influenciadores” digitais cristãos e observa o quanto pregam a intolerância religiosa, reverberando discursos de ódio e disseminando pânico com falsas notícias.
O caso da intolerância contra religiões de matriz africana
O vídeo foi publicado originalmente pela vereadora autodenominada cristã, de igreja não identificada, Sonaira Fernandes (Republicanos-SP). Na legenda da publicação, a vereadora escreveu: “Lula entregou sua alma para vencer essa eleição. Não lutamos contra a carne nem o sangue, mas contra os principados e potestades das trevas. O cristão tem que ter a coragem de falar de política hoje para não ser proibido de falar de Jesus amanhã.”
Na mesma direção da referência negativa de Sonaira Fernandes, dias antes da postagem no Instagram, no domingo, 7 de agosto, a primeira-dama e o presidente participaram de culto na Igreja Batista da Lagoinha, em Belo Horizonte, ao lado do pastor André Valadão e outras lideranças religiosas. Michelle Bolsonaro, ao se referir sobre os palácios de governo em Brasília, afirmou, ao lado do presidente em lágrimas, que:
“Por muitos anos, por muito tempo, aquele lugar foi um lugar consagrado a demônios. Cozinha consagrada a demônios, Planalto consagrado a demônios e hoje consagrado ao Senhor Jesus.” (a partir do 00:06:00 min do vídeo).
Bereia avalia que o caso da postagem de Sonaira Fernandes, compartilhada por Michelle Bolsonaro, ao lado da afirmação feita pela primeira dama na Igreja Batista em Belo Horizonte, não é um simples caso de desinformação sobre uma determinada expressão religiosa. Como pesquisadores cujos estudos Bereia tem acesso afirmam, é um caso de desinformação baseada em intolerância religiosa utilizada como campanha política.
O antropólogo e Conselheiro do ISER Marcelo Camurça, observa que “diante da aproximação das eleições presidenciais de 2022, com a perda crescente de popularidade de Bolsonaro, e o avanço de sua ação tóxica de afrontar as instituições democráticas da república, a estratégia (que começa a se esboçar nos “gabinetes do ódio” e redes de expansão de fake news) de intolerância religiosa como forma de atingir adversários políticos pode recrudescer. Projetos políticos que articulam o pluralismo cultural, religioso, étnico começam a ser rotulados como provindos de religiões do “mal” e por isso ditos “anti-evangélicos”. Não é por outra que Bolsonaro e seus partidários vêm levantando o argumento de uma inexistente “cristofobia” para justificar, como nos exemplos acima, uma confrontação política na forma de “guerra espiritual”.
A desinformação produzida pela vereadora Sonaira Fernandes, compartilhada por Michele Bolsonaro, foi reproduzida por outras personagens do mundo político, como o deputado federal Pastor Marco Feliciano (PL-SP) e continua circulando amplamente mesmo depois de denúncias às plataformas de mídias sociais.
Perseguição às igrejas no Brasil: a mentira que tem mais de 30 anos
Supostas notícias relacionando o Partido dos Trabalhadores, o ex-presidente Lula e a “esquerda” com o a perseguição e o fechamento de igrejas têm sido compartilhadas diariamente com diversas mídias digitais religiosas.
Esta desinformação é antiga e foi disseminada já nas primeiras eleições diretas para a Presidência da República depois da ditadura militar, em 1989. Naquela ocasião, circulava entre fiéis a orientação de não votar em candidatos da esquerda, especialmente no candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, porque, no poder, fecharia as igrejas e perseguiria cristãos. Esta campanha foi amplificada quando boa parte do segmento pentecostal decidiu apoiar o candidato Fernando Collor de Mello (PRN). Esta afirmação foi repetida em todos os pleitos em que Lula se candidatou depois de 1989.
Tais “notícias” nunca apresentam as fontes para as informações apresentadas, têm autoria desconhecida e com teor alarmante, pedem o compartilhamento urgente da mensagem. Há ainda casos da criação de postagens com autoria falsa, como é o caso desta postagem atribuída falsamente ao ex-presidente Lula, com a afirmação de que em um futuro governo a igreja teria seus benefícios cortados entre outras “punições”.
Além do compartilhamento nos grupos de mensagens e nas redes sociais digitais, estes conteúdos são legitimados por autoridades públicas, como o já citado pastor deputado Marco Feliciano (PL-SP), destacado propagador de desinformação.
“Conversamos sobre o risco de perseguição, que pode culminar no fechamento de igrejas. Tenho que alertar meu rebanho de que há um lobo nos rondando, que quer tragar nossas ovelhas através da enganação e da sutileza. A esmagadora maioria das igrejas está anunciando a seus fiéis: ‘tomemos cuidado’”disse Feliciano, que é pastor da Assembleia de Deus Ministério Catedral do Avivamento.
Lei da liberdade religiosa sancionada em 2003 pelo então presidente Lula
Na primeira fila da cerimônia de sanção da lei da liberdade religiosa em 2003, dentre várias autoridades, destacamos o pastor e então senador, Magno Malta.
Em 2022, agora em campanha para voltar ao Senado, Magno Malta publica ataques ao Partido dos Trabalhadores, relacionando seus líderes a uma suposta cristofobia. Na imagem publicada pelo agora candidato Magno Malta, ele utiliza a foto do ex-chefe de gabinete de Lula e ex-ministro de Dilma Rousseff, Gilberto Carvalho. Entre aspas, coloca uma frase jamais dita por Gilberto Carvalho.
“Olá meus companheiros pastores. Durante muito tempo eu disse que Deus escreve certo por linhas tortas. Eu não sei se é coincidência ou não, mas essa é a última lei que eu sanciono este ano. Ah e eu não sei se coincidência ou não é exatamente uma lei que
torna livre a liberdade religiosa no país. Por quê que eu digo coincidência porque durante muitos e muitos anos eu encontrava com pastores pelo Brasil a fora que perguntavam para mim: Lula é verdade que se você ganhar as eleições, você vai fechar as igrejas evangélicas? E no primeiro ano do meu governo e a última lei do ano de 2003 é exatamente para dizer que aqueles que me difamaram, agora vão ter que pedir desculpas não a mim, mas a Deus e a sua própria consciência. Eu dizia sempre que tem três coisas que demonstram que um país vive em democracia: uma é liberdade política, outra é liberdade religiosa e a liberdade sindical. Eu penso que nós estamos vivendo esses momentos de liberdade no Brasil.”
Porém,em tempos de pós-verdade, os fatos não importam. Como disse o então presidente Lula na cerimônia da lei de liberdade religiosa, na campanha de 2002 ele já era questionado a respeito do fechamento de igrejas, caso eleito. Vinte anos depois, as mesmas acusações são repaginadas em tempos de mídias digitais. Magno Malta estava na cerimônia que sancionou a lei de liberdade religiosa, um marco para as igrejas evangélicas do Brasil, e hoje, promove ataques e acusações aos mesmos que sancionar a lei. Um dos maiores porta-vozes das acusações infundadas contra o agora candidato Lula, é pastor deputado Marco Feliciano:
Como enfrentar estas mentiras
A intolerância contra as expressões religiosas e culturais de indígenas e negros remonta à escravização e à exploração destes povos desde o período colonial. Séculos depois, e ainda sem a devida superação desta questão dramática, o artigo do antropólogo Marcelo Camurça, “Intolerância religiosa e a instrumentalização da religião pelo autoritarismo” chama atenção para uma “nova modalidade de intolerância que se coloca ao dispor da estratégia política de correntes de extrema direita para seus projetos de poder”. O artigo apresenta dois casos recentes de intolerância religiosa praticada por políticos.
O presbiteriano e vereador do PTB de Belo Horizonte Ciro Pereira, que fez uma postagem em sua rede social onde dizia: “engana-se quem pensa que não existe uma guerra espiritual acontecendo. Lula busca as forças ocultas africanas, foi ungido e benzido por várias entidades”. E concluía dizendo: “ a guerra começou e eu luto pela minha família e pelo futuro de minha pátria”.
Em seguida, a deputada estadual pelo Partido Social Cristão de Pernambuco Clarissa Tercio, da Assembleia de Deus, postou uma foto de Lula ladeado por suas ialorixás paramentadas com suas roupas religiosas, todos de máscara anti-covid, com a seguinte legenda: “Lula recebe benção de Zé Pelintra para vencer a eleição de 2022”, seguido de um comentário da vereadora: “Já o meu presidente Jair Messias Bolsonaro vai ao culto receber a benção do Deus todo poderoso”.
Marcelo Camurça encerra e afirma que: “uma ignominiosa e inaceitável “demonização” das religiões afro-brasileiras é estendida a Lula pela ameaça que sua candidatura significa para os planos continuístas de Bolsonaro; como se a agenda do ex-presidente com lideranças do Candomblé e Umbanda fosse prova já dada de que ambos estariam urdindo “feitiços” maléficos contra a nação”.
As publicações e declarações de figuras políticas e religiosas que atacam as religiões de matriz africana, são o retrato de um país que está longe de respeitar os princípios da Constituição de 1988.
Um Estado laico é um Estado onde todos estão livres para praticar sua religião. Um credo não se sobrepõe a outra e nenhuma religião deve ser perseguida ou atacada. Entretanto, o que se vê hoje é a utilização do discurso religioso com fins políticos e como arma eleitoral.
O deputado Marco Feliciano projeta suas próprias convicções políticas nos adversários, numa tática de inversão de posições. Ao pregar intolerância contra religiões de matriz africana e criticar posições de personagens e grupos progressistas, por exemplo, ele faz crer que os alvos do ataque são os intolerantes e perseguidores. Os fatos não importam. O objetivo é gerar pânico entre fiéis e disseminar o maior número de notícias falsas e alarmantes.
Voltou a circular entre mídias sociais de grupos religiosos que teria sido distribuído em escolas públicas em governos do PT o livro “Aparelho Sexual e Cia – Um guia inusitado para crianças descoladas”. Segundo um dos vídeos, o livro foi entregue para turmas de crianças pequenas, como uma que segura um exemplar enquanto é filmada.
Fake news “requentada”
“Aparelho Sexual e Cia – Um guia inusitado para crianças descoladas”, publicado no Brasil pela Companhia das Letras, de autoria dos educadores da Suíça e França, Phillipe Chappuis, com o codinome ZEP e Hélène Bruller, surgiu na cena pública há quatro anos. Foi quando o então candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro afirmou, em entrevista ao Jornal Nacional, que o livro foi comprado pelo Ministério da Educação, durante a gestão de Fernando Haddad, e distribuído nas escolas.
Conforme Bereia já checou, o livro nunca foi comprado pelo Ministério da Educação, nem foi distribuído em escolas. A obra publicada pela Companhia das Letras é destinada a crianças e jovens de 11 a 15 anos, e não para crianças a partir de 6 anos, como circulou nas mídias sociais e foi reforçado por Jair Bolsonaro na entrevista.
Bereia pontua que, novamente, as campanhas de desinformação buscam mobilizar grupos de eleitores alinhados a pautas conservadoras contra líderes de esquerda. A estratégia de voltar às pautas morais exploradas na campanha eleitoral de 2018 (e retomadas também no pleito municipal de 2020) é uma tentativa de repetir êxitos e surpresas daquele ano.
* Matéria atualizada às 19:40 para correção de referência de checagem
Bereia recebeu pedido de checagem da notícia dada pelo site de notícias Diário do Centro do Mundo em 9 de julho, que informou sobre a realização da Marcha Para Jesus/2022, em São Paulo, e disse que o criador do evento no Brasil, bispo da Igreja Renascer em Cristo, Estevam Hernandes, foi preso em 2007 por tentar entrar em Miami com dólares não declarados, escondidos na Bíblia.
O site publicou: “no dia 14 de janeiro de 2007, a caminho de Miami, Sônia, Estevam, dois filhos e três netos embarcaram na primeira classe de um voo levando US$ 56.467 em dinheiro. Ao pousar, tentaram passar pela alfândega americana sem declarar o valor. Acabaram presos, admitiram a culpa e cumpriram pena de reclusão em regime fechado e semi-aberto”.
A Revista Fórum também publicou sobre o tema e informou que Estevam Hernandes e a esposa Sônia foram condenados e ficaram presos nos EUA por tentarem entrar com dinheiro não declarado. “Estevam e sua esposa, a bispa Sônia, foram presos e condenados nos Estados Unidos quando tentaram, em 2007, ir para Miami com mais de 56 mil dólares não declarados. Parte, por ironia, escondida numa Bíblia”.
Também a revista Carta Capital declarou que “na época do crime internacional, em 2007, Estevam e Sônia Hernandes foram condenados a 140 dias de cadeia, outros cinco meses em prisão domiciliar e dois anos de liberdade vigiada […]. No Brasil, já foram acusados de lavagem de dinheiro, falsidade ideológica e estelionato, mas acabaram absolvidos pelo Supremo Tribunal Federal em 2012”.
O boletim jurídico ConJur também noticiou o fato em agosto de 2007, quando o casal Hernandes recebeu sentença pelo crime: “O casal de bispos da Igreja Renascer em Cristo, Estevam e Sônia Hernandes, deve cumprir cinco meses de prisão em regime fechado e mais cinco meses de prisão domiciliar nos Estados Unidos. A sentença foi proferida, nesta sexta-feira (17), pelo juiz Federico Moreno do Tribunal Federal do Sul da Flórida”.
O caso foi notícia de destaque na grande imprensa da época. O casal chegou a aparecer por vídeo na Marcha pra Jesus de 2007 e 2008, porque cumpria prisão domiciliar nos EUA, e por isso não pode viajar para estar no evento no Brasil. Sonia Hernandes foi enviada no dia 21 de janeiro de 2008 para prisão em Talhahasee, na Flórida, EUA, onde cumpriu pena intercalada à do marido, Estevam Hernandes que ficou preso “do início de agosto até o dia 29 de dezembro de 2007. Eles foram condenados a cumprir cerca de cinco meses de prisão em regime fechado e mais cinco meses de prisão domiciliar nos Estados Unidos”, conforme noticiou o site G1, à época.
Outros problemas com a Justiça
Este não foi o único problema da Igreja Renascer em Cristo e de seus líderes com a justiça. Também em 2007, Estevam e Sônia Hernandes foram denunciados pelo Ministério Público Federal à Justiça Federal de São Paulo, acusados de “sonegação de Imposto de Renda, PIS e contribuições sociais da empresa RGC Produções. A denúncia foi recebida pelo juiz Hélio Egydio Nogueira, da 9ª Vara Federal Criminal de São Paulo. O casal consta como administrador da empresa RGC Produções Ltda. O argumento do MPF é o de que, em 1998, Sônia e Estevam Hernandes omitiram de sua declaração fiscal depósitos bancários de origem não comprovada, reduziram o valor de tributos a serem pagos no IR de pessoa jurídica, do PIS e das contribuições sociais da companhia.
A Marcha em 2022
No início de julho os organizadores da Marcha para Jesus – 2022, em São Paulo, reuniram milhares de seguidores para mais um evento que apresenta artistas famosos da música gospel no Brasil, além da caminhada com orações e discursos políticos. No palco estavam líderes evangélicos e o criador e presidente do evento no Brasil, o apóstolo Estevam Hernandes, da Igreja Renascer em Cristo. O presidente Jair Bolsonaro esteve mais uma vez presente e fez discurso na abertura.
Os participantes da Marcha percorreram cerca de 3,5 km em caminhada até a Praça Heróis da Força Expedicionária Brasileira, na Zona Norte da capital. A Marcha Para Jesus completou 30 anos e voltou a ser presencial depois da interrupção em 2020 por causa da pandemia da Covid-19.
A Marcha para Jesus também tem sido tema de vários trabalhos acadêmicos que objetivam estudos sociológicos e antropológicos sobre as igrejas evangélicas no Brasil e sua atuação política, a partir do evento que ganhou visibilidade nos últimos 30 anos.
Um artigo publicado em 2014 pela antropóloga Raquel Sant’Ana apresenta dados sobre a origem da Marcha para Jesus em Londres, no Reino Unido: “A Marcha para Jesus é herdeira direta da City March, realizada em Londres em 1987, em resposta às diferentes formas de manifestação a que os grupos descontentes com o governo Thatcher, especialmente os de juventude, herdeiros da “contracultura” estavam vinculados”.
Conforme a doutoranda, “A March for Jesus, como passou a ser chamada, se tornou um evento internacional, realizado em mais de uma centena de cidades de todo o mundo”. Segundo Sant’Ana, a versão brasileira da Marcha para Jesus, diferente da marcha em outros países, que procura unir protestantes e católicos, aqui “passa a ser realizada em 1993 através de esforços da Igreja Renascer em Cristo, que busca uma maior visibilidade aos ‘evangélicos’ no país”.
O artigo mostra que “o centro do evento, desde seu surgimento, era a utilização da música como forma privilegiada para o evangelismo, extrapolando ‘as paredes dos templos’[…]”, e que no Brasil, a Marcha para Jesus foi articulada com importantes setores da indústria fonográfica A Igreja Renascer em Cristo teve importante papel na “formulação do que veio a ser chamado de música gospel no Brasil, termo que foi inclusive patenteado pela bispa Sônia Hernandes, líder dessa denominação”.
Sant’Ana faz uma análise da questão do exorcismo presente nos cultos de igrejas pentecostais e neopentecostais que participam da Marcha para Jesus no Brasil e afirma que “em lugar de exorcismos que combatem a ‘possessão’ individual com técnicas que incluem um repertório imagético da violência urbana transformada em espetáculo da mídia, a Marcha produz uma espécie de exorcismo da cidade” utilizando-se do modelo de megashow.
O artigo cita o crescimento quantitativo e qualitativo da Igreja Evangélica no Brasil, nas últimas décadas, que foi acompanhado de “grandes transformações também nos modos de atuação evangélica no espaço público”. Em sua análise a antropóloga afirma que “o crescimento pentecostal e neopentecostal teria influenciado de maneira marcante as demais denominações, tanto no modo de ocupar a política institucional quanto na produção midiática”. Sant’Ana traz então a questão levantada por outros pesquisadores sobre a possibilidade de existir um modo evangélico de fazer política apontando uma disposição para que “a prática de estimular votos em candidatos apoiados pela denominação, por exemplo, uma marca da entrada da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) na política institucional, influenciasse a maneira de lidar com a política parlamentar das demais denominações”.
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Bereia conclui que é verdadeiro que o criador da Marcha Pra Jesus e bispo da Igreja Renascer em Cristo, Estevam Hernandes, foi preso em 2007 por tentar entrar em Miami com dólares não declarados, escondidos na Bíblia.
Circularam em mídias sociais fotos e vídeos de arma gigante, atribuídas à Marcha para Jesus, no Espírito Santo. Bereia recebeu o pedido de leitores para verificação da veracidade de tais imagens que provocaram muita controvérsia.
O evento
Em visita a Vitória (ES) no dia 23 de julho, o presidente Jair Bolsonaro (PL) participou da Marcha para Jesus, organizada pelo Fórum Evangélico Nacional de Ação Social e Política. O evento envolveu também um café da manhã e um culto para lideranças políticas e foi encerrado com uma motociata saindo de Vitória em direção a Vila Velha, no Espírito Santo.
Durante a Marcha, foi proibido pela organização que políticos discursassem para o público, no entanto, Bolsonaro foi exceção. Uma escultura em formato de arma , confeccionada por um apoiador do governo, foi levada para o evento, no qual também ocorreu a soltura de 90 pombos pintados de verde e amarelo.
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Bereia classifica que as imagens que mostram a réplica de uma arma gigante na Marcha para Jesus como verdadeiras. O evento contou com ampla cobertura da mídia e também dos apoiadores do governo, que divulgaram os acontecimentos por meio de vídeos e fotos em suas contas de mídias sociais. A equipe Bereia lembra aos leitores e leitoras que ações como essas serão comuns nos próximos meses e cumprem uma função de agenda política para os candidatos que pleiteiam cargos eleitorais. Como a campanha de Jair Bolsonaro defende o armamentismo desde 2018, é coerente que seus apoiadores, mesmo em ambientes religiosos, recorram a símbolos relacionados a armas.
Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro divulgaram várias mensagens em suas mídias sociais com críticas à Federação Brasileira de Bancos (Febraban), após a divulgação de que a instituição assinou um manifesto em defesa das urnas eletrônicas e da democracia. A deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) chegou a postar no Twitter: “Banqueiros assinam carta em defesa das urnas e da democracia. Bolsonaro manda um abraço por Pix pra eles. Lembrando que o custo do Pix é R$ 0,00 — causando prejuízo bilionário para banqueiros”.
As mensagens afirmam que a oposição da Febraban ao presidente Bolsonaro explica-se porque os bancos teriam diminuído expressivamente seus lucros nos últimos dois anos, com a implantação do Pix pelo atual governo federal.
Há também disseminação de pânico de que se a oposição vencer as eleições com o ex-presidente Lula, o Pix vai ser extinto.
Prejuízo dos bancos?
O Bereia checou notícias sobre o lucro dos maiores bancos privados no país no primeiro trimestre deste ano: “O lucro líquido recorrente dos três maiores bancos privados do país – Bradesco, Itaú e Santander Brasil – somou R$ 18,2 bilhões no 1º trimestre de 2022. O valor representa um crescimento de 7,8% em comparação com o mesmo período do ano passado”.
Já o Banco do Brasil apresentou lucro recorde no mesmo período, conforme a Agência Brasil: “O Banco do Brasil (BB) teve lucro líquido ajustado recorde de R$6,6 bilhões no primeiro trimestre de 2022, um crescimento anual de 34,4% e 11,5% maior que o do quarto trimestre de 2021”. E ainda segundo a notícia, o BB explica que “o resultado do período é explicado pelo crescimento do crédito, com performance positiva em todos os segmentos […] e pelo bom desempenho das receitas de prestação de serviços”.
A identificação do alto lucro dos bancos no Brasil neste último período já é suficiente para afirmar a falsidade das postagens como a deputada federal Carla Zambelli. No entanto, Bereia atenta para o discurso incluído nas mensagens que afirma ser o Pix um benefício criado pelo governo de Jair Bolsonaro, daí a afirmação “Bolsonaro manda um abraço por Pix pra eles [os banqueiros]”. Este é um discurso que está permeando a campanha eleitoral de 2022 para justificar feitos do atual governo em busca da reeleição e circula fartamente em ambientes digitais religiosos.
O que é o Pix
O Pix é um meio eletrônico de fazer pagamentos e transferências bancárias. Foi criado pelo Banco Central do Brasil em outubro de 2020 e implantado em 16 de novembro do mesmo ano. Transações bancárias podem ser feitas pelo celular a qualquer hora e dia, a partir de conta-corrente, poupança ou de pagamento.
O sistema rapidamente se popularizou. A aprovação do Pix entre os brasileiros já chega a 85 por cento dos usuários, de acordo com pesquisa divulgada no final de 2021 pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban). “Levantamento mostra que a ferramenta já é usada por 7 a cada 10 pessoas no Brasil”, informa o site Noomi-Febrabantech.
Quem criou o Pix?
O Pix não foi criado pelo governo de Jair Bolsonaro. Apesar de ter sido lançado durante o mandato deste governo, em 2020, o projeto já existia no Banco Central desde 2016, quatro anos antes, ainda no governo de Michel Temer, quando o Banco Central (BC) era presidido pelo economista Ilan Goldfajn. O BC sempre se ajustou aos movimentos tecnológicos de aperfeiçoamento de transações bancárias (caso da TED) e criou o PIX inspirado na Zelle, plataforma similar ao Pix que a empresa Early Warning Services havia anunciado pouco tempo antes nos Estados Unidos, conforme apurou o UOL Notícias.
Em maio de 2018, portanto, antes das eleições que levaram Bolsonaro ao poder, o BC criou o grupo de trabalho “Pagamentos Instantâneos” para levar adiante o projeto do que viria a se tornar o Pix, conforme consta no Diário Oficial da União da época.
À reportagem do UOL sobre o tema, o BC emitiu a seguinte declaração oficial: “Como outros projetos de grande porte, o Pix foi desenvolvido pelo BC ao longo de um processo evolutivo que envolveu várias áreas técnicas e diversos servidores. As especificações, o desenvolvimento do sistema e a construção da marca se deram entre 2019 e 2020, culminando com seu lançamento em novembro de 2020. A agenda evolutiva do Pix é permanente e prevê o lançamento de diversas novas funcionalidades, a serem entregues nos vários anos à frente”.
Há um registro em vídeo em que o presidente Jair Bolsonaro foi cumprimentado por um apoiador, em frente ao Palácio da Alvorada, pelo lançamento do Pix em novembro de 2020. Bolsonaro revelou, então, não saber do que se tratava e tratou o Pix como algo relacionado à aviação civil. O vídeo mostra o presidente afirmando: “Tem um documento aí [do Ministério da Infraestrutura] esta semana que vai praticamente desregulamentar, desburocratizar tudo sobre aviação civil… Carteira de habilitação para piloto”. O apoiador então esclareceu que Pix era uma nova forma de transferência de dinheiro: “Esse é do Banco Central, usado para pagamentos 24 horas, sete dias por semana, a qualquer hora, não precisa de DOC nem de TED”. Bolsonaro então afirmou que não sabia do que se tratava.
Lula pode acabar com o Pix?
O jornal O Estado de São Paulo e outros veículos de notícias já verificaram esta falsidade criada para disseminar pânico como campanha eleitoral e que, com a assinatura do manifesto pró-democracia pela Febraban retornou relacionada aos bancos.
As matérias explicam que a autonomia do Banco Central não permite a interferência de um presidente da República no órgão. Justamente por isso foi determinado mandato fixo de quatro anos ao presidente e a diretores do BC. Além disso, as apurações também indicam que todas as discussões sobre o sistema financeiro passam pelo Comitê de Política Monetária (Copom). Por isso, o fim do Pix não seria algo simples de se estabelecer com a “canetada” de um presidente. E ainda há a questão de que o fim do Pix, um recurso positivo e popular, não geraria qualquer vantagem para um governo.
Bereia declara serem falsas as afirmações de que o sistema de transferências bancárias Pix foi criado pelo governo Bolsonaro, de que os bancos têm prejuízo com este sistema de transferências gratuito e de que, se eleito, o ex-presidente Lula vai dar fim ao Pix para ter apoio dos banqueiros. Bereia alerta leitores e leitoras sobre estratégias de campanha eleitoral em 2022 que fazem uso de mentiras para convencer apoiadores e captar votos.
Circula nas mídias sociais publicação em que o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e o presidente Jair Bolsonaro (PL) defendem que durante o governo atual houve um exponencial aumento no número de entrega de posse de terras públicas a famílias de agricultores. Ainda em publicação em suas mídias sociais, os políticos afirmam que durante todos os governos Lula e Dilma foram entregues anualmente 19 mil títulos de posse de terras, e que o governo Bolsonaro teria entregue 104 mil títulos anualmente até o momento.
O que é o direito à posse de terra
O direito à posse de terras pertencentes ao poder público é praticado no Brasil desde as repartições das Sesmarias, ainda em regime colonial, e segue sendo uma prática realizada ainda hoje. Passando pela Lei n.º 601, de 18 de setembro de 1850 (Lei de Terras), até o Decreto-lei n.º 9.760, de 1946, hoje vigora a Lei n.º 6.383 de 1976, em que se defende a posse de terras públicas por pessoas físicas como um direito constituinte. Juntas, a Lei nº 6.383 e Portaria n.º 812, de 26 de agosto de 1991, criada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), tornam possível o uso de terras estatais. A portaria estabelece como elegíveis à posse terras pertencentes ao Estado, que não tenham um uso público, não estejam sob posse particular, não seja fronteiriça (municipal, estadual ou federal), ou ainda que não sejam rotas para a defesa e segurança nacional. Fica ainda estabelecido que apenas pessoas físicas possam ocupar terras públicas, sob a promessa de fazerem elas produtivas economicamente.
Dos critérios para obtenção das licenças de ocupação de terras públicas estão: a) serem as terras devolutas; b) área de até cem hectares; c) comprovação de morada permanente e cultura efetiva, pelo lapso temporal não inferior a um ano; d) não ser proprietário de imóvel rural; e) exploração de atividade agrária com seu trabalho e o de sua família direta e pessoalmente.
Todavia, a licença à posse de terras não garante que o possuidor seja dono delas. Mesmo estando sob sua posse legal, as terras ainda são pertencentes ao Estado, e legalmente a posse não garante a propriedade. O possuidor deve, como parte do acordo firmado entre as partes, tornar a terra útil para o uso agrário, sendo o detentor dos insumos por ele produzidos, garantindo o direto da atividade agrária a ser exercida. Não é permitida a venda, repasse ou realocação de terras, tão pouco o uso para fins comerciais que se não o uso agrícola.
Ações como a entrega de títulos de posse de terras e assentamentos são parte de projetos desenvolvidos junto aos Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), em parceria com Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), e englobam pautas ligadas à reforma agrária, prevista na Constituição Federal. O INCRA é, também, o órgão público responsável pela desapropriação e reapropriação de propriedades rurais sem uso, propriedades essas que mais tarde poderão ser destinadas à reforma agrária, movimentos sociais, e ONGs.
Um levantamento do Movimento Sem Terra (MST) defende que, os títulos de posse de terras, aos quais o governo Bolsonaro se refere, foram dados às famílias que já viviam em assentamentos legalizados. Com isso, a posse de terras se dá em assentamentos já ocupados, desmobilizando o movimento social.
Em postagem recente, Bolsonaro aponta que os títulos de posse concedidos representam maior poder econômico para os pequenos produtores rurais. Amparados pelo Decreto 9.424/2018, os produtores rurais podem pedir financiamento junto ao INCRA através do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA) para o financiamento de insumos agrícolas.
Todavia, fundos financiadores e garantidores para os pequenos produtores rurais já existem desde o fim dos anos 1990 (dentre eles o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar -PRONAF; Política de Garantia de Preços Mínimos- PGPM; Programa de Aquisição de Alimentos- PAA), com o objetivo de oferecer carta de crédito ao produtor rural ou garantir seguridade em caso de perda de lavoura, dentre outros aspectos. Os pequenos produtores rurais assentados contam ainda com financiamento oriundos de ONGs e programas governamentais que subsidiaram famílias assentadas.
Distribuição de títulos
Fonte: Twitter @FlavioBolsonaro
As pautas ligadas à reforma agrária e à distribuição de terras são uma constante desde o governo Fernando Henrique Cardoso, resultado das conquistas da Constituição Federal de 1988, pós-ditadura militar. De acordo com levantamento da CONJUR, revista eletrônica especializada em temas jurídicos, o governo Lula, de 2005 a 2009, mais de 40 milhões de hectares de terra sob responsabilidade do Estado foram destinados à reforma agrária. Parte dessas terras foram desapropriadas ou compradas ainda durante o governo Fernando H. Cardoso, e outra parte durante o governo Lula.
“De acordo com dados informados pelo Incra, somadas as duas modalidades (desapropriação e compra), o Brasil já destinou mais de 80 milhões de hectares à reforma agrária. Desse total, apenas 16 milhões de hectares foram acumulados até 1994, antes do primeiro governo FHC. A população de assentados no programa de reforma agrária já beira o milhão.” mostra a CONJUR.
Durante os governos Dilma e Lula foram assentadas 727 mil famílias, e entregues cerca de 216 mil títulos de posse de terras individuais; já no governo Bolsonaro foram assentadas nove mil famílias e concedidos mais de 320 mil títulos de posse nos últimos três anos. Esse número só é possível pois o governo Bolsonaro tem como seu objeto a titulação de terras para famílias já assentadas, diferentemente dos governos Lula e Dilma, que tinham projetos de criação de novos assentamentos.
Chama atenção que durante o governo Bolsonaro, apenas 2,8 mil hectares de terras foram destinados à reforma agrária, com o assentamento de nove mil famílias. Essa terras foram compradas com R$ 2,4 milhões destinados, o que representa 0,25% do valor comparativo aos investimentos realizados há dez anos, quando o governo investiu R$ 930 milhões no setor. Há um acentuado contraste entre o número de títulos individuais concedidos e o número de famílias assentadas em novas propriedades estatais, uma vez que a maioria dos titulares já viviam em assentamentos legalizados, criados nos governos FHC, Lula e Dilma.
Parte do discurso de deslegitimação das ações das ONGs e MST pelo direito à terra, como Bereia já cobriu, vem da ideologia de que somente agora os famílias podem ser possuidoras de suas terras, outrora posse coletiva, o que as livraria daquilo que Flávio Bolsonaro chamou de “escravização”. É dito que a reforma agrária pleiteada por movimentos sociais não objetiva a posse individual de terras, o que é fato e corresponde ao previsto na legislação.
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Bereia classifica a postagem do senador Flávio Bolsonaro como enganosa, uma vez que algumas das informações apresentadas por ele e pelo presidente Jair Bolsonaro são verdadeiras, mas desconsideram o quadro político geral, levando o leitor a pensar que mais famílias saíram de uma situação de fome e/ou opressão. Essas informações desconsideram que durante os três primeiros anos de seu mandato Bolsonaro assentou apenas nove mil famílias, em 2,8 mil hectares, número inferior aos dos governos Lula e Dilma, com 727 mil famílias assentadas em pouco mais de 64 milhões de hectares. As postagens deixam ainda de mencionar que os títulos de posse de terra não são gratuitos, e que as famílias contempladas com eles precisam pagar por suas terras. Bereia indica a leitores/as que informações como o número de assentamentos criados, de pessoas assentadas, de processos em tramitação e o dinheiro destinado a eles podem ser consultados no portal do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).
Novas formas de ativismo passaram a compor o cenário político brasileiro, traduzindo as mudanças significativas na organização e mobilização política na era das novas tecnologias, mídias sociais, influenciadores digitais, disparos de mensagens em massa etc, conferindo à esfera pública digital e à opinião pública um papel fundamental sobre as mediações que realiza entre os cidadãos e o Estado.
A pesquisa “Cara da Democracia no Brasil” realizada pelo Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação fornece algumas pistas para tentar compreender estas e outras importantes mudanças no comportamento, nas atitudes, nas crenças e valores dos cidadãos brasileiros com relação à democracia, temas que dominam o debate público desde a eleição de Jair Bolsonaro, como legalização do aborto, descriminalização das drogas e direitos das chamadas minorias.
De acordo com a pesquisa, o dobro dos brasileiros se diz mais à direita do que à esquerda no espectro político. Entretanto, devemos levar em conta que a compreensão do significado do que é pertencer à direita ou esquerda não alcança a maioria da população, e muitas percepções mudam ao longo do tempo.
Direita e esquerda
Os termos direita e esquerda no campo político surgiram no turbulento período da Revolução Francesa de 1789. Durante os acalorados debates na Assembleia Constituinte a respeito do poder que o rei Luís 16 deveria ter a partir daquele momento, o grupo conservador, favorável à manutenção dos poderes da monarquia, ficaram à direita; enquanto os progressistas ou revolucionários, que defendiam diminuir os poderes do rei, sentaram-se à esquerda.
Com o passar dos anos, as diferenças entre os grupos evoluíram para outros temas, além dos poderes da monarquia, que pouco tempo depois chegou ao fim. Com a direita em busca de uma república vinculada à Igreja e um Estado com mercado liberal e a esquerda lutando por um Estado laico e regulador na economia. Em alguns países os termos progressistas e reacionários, conservadores e liberais ou democratas e republicanos nomeiam esses espectros políticos opostos. No Brasil, mais de 200 anos depois das discussões na França, os campos da esquerda e direita, com diversos tons entre os extremos de cada lado, continuam polarizando o debate político.
A pesquisa “A Cara da Democracia”, para tentar compreender onde cada brasileira está posicionado neste debate, apresentou um questionário no qual os entrevistados deveriam marcar de 1 a 10, sendo 1 o máximo à esquerda e 10 o máximo à direita.
Entretanto, chama atenção na pesquisa – para além de uma direita sedimentada que convive com algumas opiniões progressistas pontuais – o grande número de brasileiros que acreditam em teorias da conspiração. Apresenta-se como um desafio compreender de que maneira essas bizarras teorias ocuparam o imaginário social, o conjunto de crenças, de parte da população.
É espantoso que 20% dos entrevistados acreditam que a Terra é plana, 21% que a cloroquina cura a covid-19, e 27% não acreditam que o ser humano pisou na lua. No aspecto “ideológico” das conspirações, os números são ainda maiores, 49% acreditam que a China criou a covid-19 e uma das teorias mais difundidas pelo bolsonarismo, o globalismo (ideia de que a globalização econômica passou a ser controlada pelo “marxismo cultural”), é acolhida por 44% dos entrevistados, que acreditam em uma conspiração global da esquerda para tomar o poder no mundo. O falecido guru do bolsonarismo, Olavo de Carvalho e o ex chanceler Ernesto Araújo difundiram o globalismo incansavelmente.
Como explica a jornalista e doutora em Ciências da Comunicação Magali Cunha, em seu artigo O lugar das mídias no processo de construção imaginária do “inimigo” no caso Marco Feliciano, “os seres humanos vivem de imagens, vivem de imaginação socialmente construída, o que forma e reforma suas crenças, sua linguagem e suas atitudes frente às demandas da vida e do outro”.
Desta maneira, “o imaginário é, portanto, um componente da existência humana como experiência marcadamente social, que dá sentido à vida coletiva e é ressignificado por ela. Imaginário é a elaboração coletiva da coleção de imagens formada pelo ser humano, de tudo o que ele apreende visualmente e experencialmente do mundo.”
Na campanha eleitoral de 2018, Jair Messias Bolsonaro reuniu os discursos conservador tradicional, neoliberal, populista e religioso em uma nova combinação e elaborou uma retórica sem precedentes no Brasil. Tal rearticulação discursiva materializa um projeto hegemônico para a constituição de uma nova base e agenda política, liberal na economia e conservadora nos costumes, que é uma das facetas de um projeto político mais amplo de reestruturação da hegemonia do bloco centrado na elite econômica e financeira do país em novas condições.
De acordo com o sociólogo Jessé Souza, “distorcer o mundo social é parte do projeto das classes dominantes para subjugar os demais segmentos da sociedade e se apropriar da riqueza nacional e só a percepção adequada da dimensão cultural e simbólica da vida social nos permite uma compreensão mais profunda e verdadeira da vida que levamos como indivíduos”. No Brasil de Bolsonaro, as pautas morais e o inimigo comunista alimentam o imaginário de grande parte da população. As mídias sociais são o caminho.
“Engenheiros do Caos”
Na obra “Os Engenheiros do Caos: Como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições, Giuliano da Empoli (2019) refaz os caminhos percorridos por figuras como Gianroberto Casaleggio_ cofundador do partido italiano Movimento Cinco Estrelas e um dos primeiros a utilizar a internet e as redes sociais para fazer política, Steve Bannon – guru de Donald Trump e um dos principais nomes da ultradireita no mundo, Milo Yiannopoulos – comunicador e “blogueiro” inglês, apoiador convicto da “liberdade de expressão” e crítico feroz do “politicamente correto” e Arthur Finkelstein – conselheiro de Viktor Orban, presidente ultraconservador da Hungria, que juntos “estão em vias de reinventar uma propaganda adaptada à era das selfies e das redes sociais, e, como consequência, transformar a própria natureza do jogo democrático”. Esses são os Engenheiros do Caos.
O engajamento técnico: curtidas, comentários e compartilhamentos, tão buscados pelos executivos de marketing e publicidade das grandes empresas, é também o objetivo desses “profissionais” da esfera pública digital. Assim, colocam os algoritmos das redes sociais digitais ao seu favor, pois se os programadores do Facebook ou Instagram, por exemplo, trabalham para atrair e prender a atenção dos usuários pelo maior tempo possível, os algoritmos e ferramentas dos Engenheiros do Caos têm a mesma finalidade, capturar a razão dos indivíduos, neste caso, através da emoção, com iniciativas como o projeto Brasil Paralelo, produtora de conteúdo de extrema-direita, inspirado nas ideias de figuras como Olavo de Carvalho. Buscam “recontar” a História do Brasil, e as teorias da conspiração são a matéria prima de suas produções e documentários. Um projeto que à primeira vista pode parecer independente e feito por alguns jovens conservadores com “uma ideia na cabeça”, é parte de um movimento bem orquestrado, organizado e muito bem financiado.
Não importa se as posições apresentadas são absurdas, mentirosas ou fantasiosas, pois estão pautadas em uma questão numérica de engajamento e não são baseadas em valores éticos. A meta é identificar e hackear as aspirações e os temores dos usuários das mídias sociais digitais e fazer com que interajam com outros que defendem as mesmas posições e com as páginas ou perfis que apresentam estes conteúdos.
Magali Cunha explica que exércitos precisam de inimigos e a Teologia de um Deus guerreiro e belicoso sempre esteve presente na formação fundamentalista dos evangélicos brasileiros, compondo o seu imaginário e criando a necessidade de identificação de inimigos a serem combatidos, através dos tempos estes inimigos foram, em maior ou menor grau, a Igreja Católica, as religiões afro-brasileiras, os comunistas e mais recentemente, a população LGBTQIA+. Parte das estratégias no quadro das disputas político-ideológicas baseadas no enfrentamento de inimigos estabelecidos simbolicamente é criar uma “guerra” pela visibilidade, que comumente envolve números e exposição nas mídias.
As consequências na política nacional
Jair Bolsonaro e os seus próprios Engenheiros do Caos deram ainda uma nova roupagem a esse discurso, unindo a ameaça aos valores tradicionais da família e da ameaça comunista. Esses temas não são novos, mas a utilização das redes sociais digitais é a novidade.
Jessé Souza afirma que “colonizar o espírito e as ideias de alguém é o primeiro passo para controlar seu corpo e seu bolso”. De nada adianta os Engenheiros do Caos proclamarem as virtudes do governo atual e demonizar os governos de esquerda se ninguém acreditar nisso. E essa lavagem cerebral, ou melhor, privação sensorial, é turbinada pelas notícias falsas, teorias da conspiração, manipulação de dados e desinformação, turbinados pelas mídias sociais digitais e legitimadas por políticos, religiosos e influenciadores digitais. Algumas vezes, um indivíduo representa tudo isso, como o pastor presidente da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia.
Nessa bolha sinistra que comporta as mais inusitadas ideias e conspirações, os indivíduos em busca de acolhimento, reconhecimento e alguma explicação para seus anseios, parecem cada vez mais presos e hipnotizados. As teorias da conspiração, preconceitos e ódio sempre estiveram entre nós, no entanto, as redes sociais digitais conectaram pessoas com interesses em comum, inclusive os mais negativos. Os Engenheiros do Caos perceberam este poder das mídias sociais digitais e a utilizaram para manipulação da informação com fins políticos.
Derrotar Jair Bolsonaro é, para muitos analistas, fundamental para estancar esse processo do que podemos chamar de privação sensorial. Temos o componente religioso e conservador, um grande número de evangélicos e católicos representados por líderes políticos e influenciadores digitais nada cristãos, além de um grande contingente, independentemente de classe social ou nível de escolaridade, que lê cada vez menos, escreve cada vez menos, interpreta cada vez menos e tem nas mídias sociais digitais sua única fonte de informação.
Contudo, mesmo derrotando o atual presidente nas urnas, esse grupo extremista e seus métodos continuarão em atuação na esfera pública, buscando provocar uma ruptura no sistema democrático. Estes seres não estão mais nas sombras, são métodos e táticas são debatidos em artigos, livros e documentários, mas como um espectro sinistro, são difíceis de abalar ou capturar.
* Matéria atualizada às 19:58. A etiqueta foi atualizada como resposta a questionamento do autor do texto verificado.
Recentemente, o portal oficial do Partido dos Trabalhadores (PT) publicou notícia em que afirma o crescimento de 129% na quantidade de brasileiros autointitulados evangélicos ao longo dos governos liderados pela legenda, enquanto o número seria de apenas 6,5% durante o mandato de Jair Bolsonaro (PL). A publicação aponta, ainda, que a administração atual teria sido responsável por instabilidades, perseguições e desinstituicionalizações dentro do meio evangélico. A notícia foi divulgada em vários espaços digitais de esquerda na forma de card.
Crescimento no número de evangélicos
De acordo com pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, o número total de brasileiros autointitulados evangélicos subiu de 26,2 milhões no ano de 1999, para 42,3 milhões em 2010. Proporcionalmente, os evangélicos passaram de 15,5% para 22,2% no número total de brasileiros, sendo pentecostais, protestantes, religiosos de missão, carismáticos e outras denominações consideradas como evangélicas.
É importante salientar que o censo do IBGE é realizado a cada 10 anos. Porém, o último data do ano de 2010, já que, por decisão do governo federal atrelada aos cortes orçamentários relacionados à pandemia da covid-19, o levantamento que deveria ter sido realizado em 2020, foi suspenso e está em curso atualmente, já em 2022. Este déficit de dados torna especulativa qualquer informação que venha a defender um crescimento, ou diminuição, no número de práticas e de praticantes religiosos no país.
No entanto, instituições privadas costumam produzir suas próprias aferições de dados. É o caso do Instituto de Pesquisa Datafolha, vinculado ao jornal Folha de S. Paulo. Mencionado na matéria produzida pelo PT, o Instituto Datafolha conduz pesquisas sob encomenda para veículos de informações e políticos. Sua base de dados tende a se concentrar em centros urbanos e metrópoles, limitando a qualidade da amostra colhida.
Em pesquisa realizada pelo Instituto em 2016, três em cada dez (29%) brasileiros com 16 anos ou mais atualmente se dizem evangélicos; em 2020, ainda segundo o Datafolha, esse número subiu para 31%, isto é, 65,4 milhões de pessoas. Isto representaria um aumento de apenas 2% no número de evangélicos no país, dos anos de 2016 a 2020.
Todavia, os dados provenientes do Datafolha não são um parâmetro oficial adotado para mensuração do crescimento, ou não, no número de evangélicos ou de qualquer grupo religioso. Os resultados alcançados pelo instituto da Folha de S. Paulo dizem respeito a um universo amostral menor do que a parcela colhida pelo IBGE, portanto, não podem ser utilizados para afirmação comparativa referente a governos. Estas pesquisas estimativas são úteis na produção de resultados parciais para uma abordagem geral sobre possível distribuição de fiéis por religiões e sondagem de opinião como intenção de votos, aprovação do presidente etc, mas não configuram uma fonte oficial para ser utilizada na discussão de políticas públicas, como é o IBGE.
Políticas dos governos petistas voltadas ao público evangélico
A matéria do PT menciona ainda uma série de leis, projetos e acordos firmados entre o governo Lula e instituições religiosas, dentre elas: lei que permitiu que as igrejas e associações religiosas passassem a ter personalidade jurídica, em 2003, proibindo intervenções do Estado nas ações das igrejas e possibilitando a criação de seus próprios estatutos; criação do Dia Nacional da Marcha para Jesus, em 2009; criação do Dia Nacional do Evangélico (30 de novembro), em 2010.
Tais projetos não se deram apenas por uma boa vontade do então presidente para com os evangélicos, mas, sim, graças ao cumprimento de acordos políticos firmados entre ele, a Bancada Evangélica e lideranças políticas/religiosas. Em igual medida, Bolsonaro se alinha a uma bancada formada majoritariamente por agentes religiosos e realizou a aprovoção de projetos como maior flexibilização da compra de armas de fogos, redução de investimento em ONGs que atuam por direitos relacionados à pauta de costumes, nomeação de evangélicos para primeiro e segundo escalões de ministérios no governo federal, perdão para dívidas de igrejas com a Receita Federal, além de movimentar os debates sobre aborto, família e Direitos Humanos sob uma perspectiva conservadora de sua base aliada.
O interesse dos presidenciáveis no eleitorado evangélico
O voto dos evangélicos está sendo disputado pelos dois candidatos que lideram as pesquisas eleitorais para Presidente. Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Messias Bolsonaro (PL) têm buscado o apoio do segmento, que representa aproximadamente 30% da população brasileira, segundo os institutos de pesquisa, e deve ter um peso nas eleições de outubro de 2022.
De acordo com pesquisa do PoderData realizada de 22 a 24 de maio deste ano, Jair Bolsonaro lidera com 46% das intenções de voto entre eleitores evangélicos para o 1º turno, enquanto Lula marca 33%. A distância entre os dois presidenciáveis nesse grupo específico é de 13 pontos percentuais. Na rodada realizada de 8 a 10 de maio, era de 27 pontos. Os números desmistificam o apoio massivo dos evangélicos a Bolsonaro.
Ainda, segundo dados obtidos por uma pesquisa do Datafolha, também é possível relativizar a suposta homogeneidade do voto desses fiéis, principalmente quando se fala sobre as mulheres evangélicas. Entre elas, 39% votariam no petista, enquanto 30% declararam voto no atual Presidente. Os números seguem a tendência dos votos pelo país, que indicam preferência do gênero feminino por Lula. A vantagem do ex-presidente se amplia quando são consideradas mulheres jovens, de 16 a 24 anos, das quais 50% optam pelo candidato do PT, contra 22% que votariam em Bolsonaro. Se comparadacom a intenção de voto dos homens da mesma religião, a situação se inverte, são 46% contra 28% que votariam em Lula.
Do outro, o candidato do PT visa se aproximar desse eleitorado. A legenda formou núcleos evangélicos em 21 estados da Federação, a fim de adaptar a comunicação das campanhas aos valores desse segmento religioso. No início deste mês, o Partido também criou o CEU (Comitê Evangélico Unificado) com o objetivo de enfrentar as fake news que circularam fortemente entre a população evangélica na última disputa eleitoral. De acordo com a pesquisa “Caminhos da desinformação: evangélicos, fake news e WhatsApp no Brasil”, que deu origem ao Bereia e foi realizada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 49%, ou quase metade, dos evangélicos que responderam aos questionários afirmaram ter tido acesso a conteúdo falso. Desses, 77,6% disseram ter recebido as fake news em grupos de WhatsApp relacionados às suas igrejas.
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Bereia classifica a notícia como IMPRECISA, uma vez que se vale de dados não oficiais, estimativas de pesquisas, para corroborar argumentos de campanha que envolvem políticas governamentais. Como mencionado, as pesquisas de censo IBGE ainda estão sendo realizadas e os resultados divulgados pelo Instituto Datafolha dizem respeito a um universo amostral menor do que a parcela colhida pelo IBGE, além de o primeiro não ser uma fonte oficial do Estado. A matéria em questão cumpre um papel político de reconciliação do PT com o público evangélico, mostrando como a legenda e o povo evangélico lograram conquistas e prosperam durante o governo petista, levando o público leitor a uma compreensão de que durante o governo bolsonarista o pequeno crescimento do número de fiéis seria resultado de um não interesse político nessa comunidade. O crescimento, a estagnação ou decréscimo no número de fiéis de um grupo religioso depende de uma série de fatores socioeconômicos e culturais que precisam ser devidamente avaliados para se produzir uma afirmação como a que foi feita no site do Partido dos Trabalhadores.
Deputados apoiadores do presidente Jair Bolsonaro como Carla Zambelli, Major Vitor Hugo e Eduardo Bolsonaro usaram a manchete produzida pelo Fantástico para desinformar seguidores acerca deste spray. Os políticos afirmam que a vacina desenvolvida pela USP é o mesmo spray israelense que, em fase de pesquisa, atraiu o interesse do governo brasileiro no ano passado – o chamado EXO-CD24, cuja viabilidade era estudada no centro hospitalar Ichilov, em Israel e não foi colocado em uso.
O deputado Major Vitor Hugo chegou a cobrar que a matéria do Fantástico não tivesse mencionado o esforço do presidente Jair Bolsonaro para trazer o spray para o Brasil e que ele tivesse sofrido deboche por isto. Já o deputado Eduardo Bolsonaro acusou a imprensa de boicotar os feitos do presidente da República.
As postagens desses políticos circulam amplamente em mídias sociais religiosas com acusações a jornalistas de boicotarem as ações do presidente e à Rede Globo como cínica e debochada.
O spray do presidente
Em meio à crise sanitária da covid-19, o governo brasileiro enviou, em março de 2021, uma comitiva a Israel, com dez pessoas, chefiada pelo ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo, para viabilizar um acordo que permita testes, com a população brasileira, do spray EXO-CD24. O medicamento (não uma vacina) de aplicação nasal, em fase de testes, havia sido aplicado, na época, a apenas 30 pacientes israelenses. Ele foi originalmente criado para o tratamento de câncer de ovário, e estava sendo testado para combater as infecções causadas pela covid-19. O presidente Bolsonaro que reconheceu, na ocasião, ignorar a composição do fármaco sem comprovação contra a covid-19, declarou que um paciente hospitalizado ou mesmo entubado “não teria o que perder” ao aderir ao spray “milagroso”.
O episódio, em meio às altas taxas de contaminação e mortes, e o baixo investimento do governo com vacinas, rendeu muitas críticas públicas ao governo. Várias diziam respeito à busca por um medicamento em testes, sem previsão de aprovação pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Outras se referiam aos custos da viagem da ampla comitiva que, além do ministro Ernesto Araújo, era composta por dois técnicos relacionados à questão, o Secretário de Pesquisa e Formação Científica do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) Marcelo Morales e o Secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos (SCTIE) do Ministério da Saúde Hélio Angotti Neto, mas por outras personagens como o Secretário Especial de Comunicação Social Fábio Wajngarten, o assessor especial para assuntos internacionais do Planalto Filipe Martins, os deputados federais Eduardo Bolsonaro e Hélio Negão e dois assistentes. A viagem custou, pelo menos R$ 400 mil aos cofres públicos e foi objeto de inquirição na CPI da Covid do Senado.
O spray que é vacina
Diferentemente do medicamento em spray de Israel, o que foi matéria no domingo 5 de julho foram vacinas para covid-19 administradas de formas alternativas à injeção intramuscular. É o que cientistas denominam “segunda geração de vacinas”. A que tem forma de spray já foi desenvolvida em Cuba, com testes positivos.
No Brasil, ela é resultado de pesquisa do Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina (FM) da USP iniciada em 2021, em parceria com cientistas de outras partes do mundo. A reportagem do Fantástico ouviu a vice-presidente do Instituto Sabin, Denise Garret, que informou: “Para parar a infecção é importante vacinas que vão atuar na mucosa nasal, porta de entrada do vírus”.
O diretor do laboratório do Incor Jorge Kalil explicou ao Fantástico o que a medicação fará: “Você elimina o vírus na entrada, porque as pessoas, mesmo vacinadas atualmente podem ainda infectar o nariz e distribuir o vírus para várias outras pessoas”. Para finalizar a reportagem, a dica do Fantástico: “Enquanto não chega a nova geração de vacinas, que pode levar muito tempo, resta seguir a Ciência. Mesmo que não sejam perfeitas, as vacinas atuais são a nossa melhor defesa contra a Covid”. Respondendo à reportagem, a epidemiologista Garret insistiu: “É um momento de cautela e nesse sentido, uso de máscara. Máscara em ambiente fechado, máscara em transporte coletivo. Não é hora de abandonar todas essas medidas de uma só vez. Queremos sim, voltar com a nossa vida, mas temos que usar de cautela”.
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Bereia conclui que são enganosas as publicações de políticos e seus apoiadores que buscam equiparar a nova vacina contra a covid na forma de spray nasal com o medicamento que o presidente Bolsonaro tentou comprar de Israel, em março de 2021. . Não há relação entre o medicamento em spray desenvolvido por Israel e a vacina desenvolvida pela USP. Apesar de ambos serem aplicados em spray (a forma), são produtos completamente distintos (o conteúdo). O que foi divulgado pelo presidente e foi alvo de investimento do governo federal é um medicamento experimental não efetivado, e outro, “uma “segunda geração de vacinas” contra a covid-19, desenvolvida pela USP. Os políticos construíram estas publicações com o objetivo de confundir seus seguidores para favorecer a imagem do presidente da República, em ano eleitoral, diante do destacado caso do spray de Israel marcado por críticas em várias frentes e investigação da CPI da Covid. Até o fechamento desta matéria as postagens ainda estavam na rede com milhares de curtidas e compartilhamentos.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) respondeu em 11 de maio o documento enviado pelo representante das Forças Armadas na Comissão de Transparência das Eleições (CTE) . As Respostas Técnicas do Tribunal Superior Eleitoral ao Ofício MD nº. 007/2022, estão disponíveis no site da corte.
Com o objetivo de ampliar a transparência e a segurança de todas as etapas de preparação e realização das eleições foi criada a Comissão de Transparência das Eleições (CTE), instituída pelo presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, por meio da Portaria TSE nº 578/2021, publicada e anunciada durante a abertura da sessão de julgamentos em 9 de setembro de 2021.
O intuito da Comissão é aumentar a participação de especialistas, representantes da sociedade civil e instituições públicas na fiscalização e auditoria do processo eleitoral, contribuindo, assim, para resguardar a integridade das eleições.
De acordo com matéria publicada no site do TSE, “a CTE atua em duas etapas: na primeira, analisando o plano de ação do TSE para a ampliação da transparência do processo eleitoral. Na segunda, acompanhará e fiscalizará as fases de desenvolvimento dos sistemas eleitorais e de auditoria do processo eleitoral, podendo opinar e recomendar ações adicionais para garantir a máxima transparência”.
Composta por representantes das instituições e órgãos públicos, especialistas em tecnologia da informação e representantes da sociedade civil integram a CTE o General Heber Garcia Portella, comandante de Defesa Cibernética, pelas Forças Armadas; a conselheira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Luciana Diniz Nepomuceno; o senador Antonio Anastasia (PSD-MG); o ministro Benjamin Zymler, do Tribunal de Contas da União (TCU); o perito criminal Paulo Cesar Hermann Wanner, do Serviço de Perícias em Informática da Polícia Federal, e o vice procurador-geral eleitoral Paulo Gustavo Gonet Branco, pelo Ministério Público Eleitoral (MPE).
Os especialistas em Tecnologia da Informação e representantes da sociedade civil que também fazem parte da CTE são: o professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) André Luís de Medeiros Santos, ; o professor da Universidade de São Paulo (USP) Bruno de Carvalho Albertini, ; o doutor pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)Roberto Alves Gallo Filho, ; a pesquisadora do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-DireitoRio) Ana Carolina da Hora, ; a coordenadora-geral da Transparência Eleitoral BrasilAna Claudia Santano, ; e a diretora-executiva da Open Knowledge Brasil Fernanda Campagnucci, .
Dois dias antes de a resposta do TSE ser publicada, a Secretaria de Comunicação e Multimídia do Tribunal informou, por meio de uma Nota de Esclarecimento: “Todas as questões remetidas pelos diversos integrantes da Comissão de Transparência das Eleições (CTE) no prazo fixado em 2021 já foram respondidas por relatório remetido aos membros da CTE em 22 de fevereiro de 2022. As questões posteriormente apresentadas, embora fora do prazo inicial, receberão manifestação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no máximo até 11 de maio”.
A nota afirma ainda que “para o TSE não há, nem nunca houve, qualquer objeção a que documentos com sugestões sobre o processo eleitoral sejam colocados ao pleno conhecimento público”, e informou que “as audiências podem ser consultadas na agenda do presidente do TSE, disponível no Portal do Tribunal na internet, assim como matérias e fotos dos compromissos oficiais também foram publicadas na área de notícias do site e no Flickr, respectivamente”.
Bereia está fazendo o acompanhamento dos pontos apresentados ao TSE e reproduz aqui para leitores e leitoras o que deve ser tomado como verdade, a fim de contribuir com a defesa do processo eleitoral e, por extensão, do Estado democrático de direito.
Nunca existiu uma sala secreta
Uma das questões levantadas no documento recebido pelo TSE do representante das Forças Armadas na CTE traz a seguinte recomendação: “Recomenda-se que a totalização dos votos seja feita de maneira centralizada no TSE em redundância com os TRE, visando a diminuir a percepção da sociedade de que somente o TSE controla todo o processo eleitoral e aumentar a resiliência cibernética do sistema de totalização dos votos”.
Esta recomendação dos militares foi feita com base em conteúdo alarmista que circula desde 2021 em mídias sociais, depois de uma fala do presidente Jair Bolsonaro.
Imagens: reprodução de site, Instagram e YouTube
A resposta técnica do TSE a essa recomendação explicou que a centralização dos equipamentos que fazem a totalização de votos no TSE foi realizada atendendo a uma sugestão da Polícia Federal, e “é parte de um processo histórico de evolução que não guarda correlação com as competências dos diversos níveis jurisdicionais no processo de totalização”.
Ainda conforme o documento, em uma eleição geral há competências específicas da junta eleitoral dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) e do TSE. Assim, cabe somente à junta eleitoral resolver demais incidentes verificados nas seções eleitorais. “Tais competências continuam sendo do juízo eleitoral, independentemente da localização física dos equipamentos que efetivamente processam a totalização. De maneira similar, o ente jurisdicional que totaliza os votos da unidade da federação é o respectivo tribunal regional. É também o TRE que pode deliberar pela suspensão do recebimento de arquivos ou das divulgações de totalizações parciais. Este nível da justiça eleitoral comanda, por meio de sistema informatizado, a condução de totalizações dos votos coletados em sua circunscrição, mesmo dos votos para Presidente da República.
O TSE, por sua vez, no caso de cargos federais, soma os totais obtidos nas totalizações comandadas por cada TRE. Isso independe da localização física dos equipamentos, porque diz respeito à competência de cada ente jurisdicional”.
As Respostas Técnicas do Tribunal Superior Eleitoral ao Ofício MD nº. 007/2022 informam que, além dos benefícios de maior economia e segurança, a implantação deste sistema de centralização dos equipamentos ocorreu a partir das Eleições de 2020 no Brasil e, não interferem nas responsabilidades legais dos TREs e juízes eleitorais.
”Note-se, o resultado da votação está nas urnas e pode ser verificado, apurado e totalizado por qualquer localidade, instituição ou partido político. A transparência é total sobre a repetibilidade da totalização por qualquer entidade que assim queira. Além do exposto, a arquitetura do sistema eleitoral informatizado brasileiro tem uma característica ímpar e inconteste: a apuração é feita de forma separada e automática em todas as urnas eletrônicas que, por força do hardware e de segurança, necessariamente executam o software assinado pelas entidades fiscalizadoras que acompanharam o seu desenvolvimento. Assim, às 17h do dia da eleição, a urna eletrônica emite o resultado da seção eleitoral, impresso em cinco vias, para fins de publicação, distribuição e arquivamento. A prática possibilita a realização de totalizações paralelas, para fins de comparação com os resultados oficialmente divulgados pela Justiça Eleitoral. Dentro desse quadro, a totalização é um processo repetível e estimulado pela instituição. Não existem salas secretas, tampouco a menor possibilidade de alteração de votos no percurso, dado que qualquer desvio numérico seria facilmente identificado, visto que não é possível alterar o resultado de uma somatória sem alterar as parcelas da soma”, esclarece o TSE.
Apesar deste documento, o presidente Jair Bolsonaro repetiu o tema da sala secreta em sua live semanal pelo YouTube em 19 de maio, o que estimulou a propagação de novas fake news em espaços midiáticos:
Bereia conclama leitores e leitoras a tomar o parecer técnico do TSE, a instituição historicamente responsável pelo processo eleitoral, que atua pela Justiça Brasileira, como referência para o enfrentamento de qualquer conteúdo que insista em divulgar falsidades que ameacem o direito ao voto e, consequentemente, o Estado Democrático de Direito.
O pastor presidente da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia publicou vídeo, em seu canal do Youtube, no qual afirma que o Partido dos Trabalhadores (PT) estaria processando dois pastores evangélicos. A publicação virou notícia e foi divulgada em diversos sites religiosos e circulou nas mídias sociais.
E aí povo abençoado do Brasil, se o povo evangélico dessa nação possui discernimento espiritual como está escrito na palavra de Deus, em Coríntios Capítulo 2, a partir do Versículo 14, vai entender os sinais e alertas de Deus. É para os evangélicos jamais votarem no PT.
O absurdo dos absurdos, o PT processa dois pastores por propaganda eleitoral fora de época e contrata um dos advogados mais caros do país, Cristiano Zanin,advogado da família Lula, para processar o Pastor José Wellington Costa Júnior, que preside a maior organização evangélica do país, a Convenção Geral das Assembleias de Deus do Brasil que congrega mais de 100 mil pastores e representa quase cinquenta por cento das igrejas evangélicas e processaro deputado Sóstenes Cavalcantepresidente da Frente Parlamentar Evangélica que é membro da nossa igreja. Agora escute:
Vocês já viram alguém processar Lula, um prefeito ou governador do PT porque foi em um culto evangélico e recebeu oração e falou se foram processados? Claro que não! Para saber eu estava acompanhando o presidente nesse culto em Cuiabá tinha aproximadamente 15 mil pessoas e o presidente não chega no culto só para falar ele fica no culto o tempo todo, eu ouvi (….)
Isso é uma vergonha a gente discutir isso. Os governos Lula e Dilma foram os governos mais corruptos da história. Verdadeiros cristãos que creem que a bíblia é a palavra de Deus e no que está escrito em êxodo Capítulo 20, Versículo 15, primeira Coríntios, Capítulo 6, Versículo 9 e uma infinidade de textos da Bíblia, jamais vota PT
Agora preste atenção, povo evangélico, imagine se o PT ganhar essas eleições. A perseguição que vem em cima de pastores e da igreja evangélica. Em nome de Jesus Deus nos livre desses governos que foram os mais corruptos da nossa história Deus abençoe você, Deus abençoe o Brasil e nos livre dessa gente
Representação feita pelo PT
É fato que o PT protocolou duas representações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra o presidente da República, pré-candidato declarado à reeleição Jair Bolsonaro (PL-RJ) por propaganda eleitoral extemporânea (realizada fora do período permitido por lei). Os documentos apresentados pelos advogados do partido mostram que Bolsonaro promoveu e participou de “motociatas”, carreatas e comícios eleitorais em 19 e 20 de abril passados, respectivamente, em Cuiabá (MT) e em Rio Verde (GO).
A representação requer a responsabilização do deputado federal presidente da Frente Parlamentar Evangélica e pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Sóstenes Cavalcante (PL-RJ)por discursar em favor da reeleição do presidente durante a 45ª Assembleia-Geral Ordinária da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil.
Sóstenes Cavalcante assumiu a presidência da Frente Parlamentar após algumas polêmicas: a mudança na liderança de uma das bancadas mais relevantes do Congresso Nacional provocou um racha nas lideranças evangélicas do Congresso , após desavença interna entre o bispo Samuel Ferreira, do Ministério Madureira, e o pastor Silas Malafaia, do Ministério Vitória em Cristo, mentor de Sóstenes.
O PT já protocolou outras representações contra Bolsonaro por “motociatas” realizadas no Paraná e em São Paulo, por abuso de poder econômico e político. As representações apresentam notícias veiculadas pela imprensa, vídeos, publicação em mídias sociais e declarações públicas dos envolvidos e utiliza apenas a legislação eleitoral como base para a representação de propaganda eleitoral fora de época. Uma das representações demanda a responsabilização do deputado federal da Frente Parlamentar Católica Major Vitor Hugo (PL-BA). O PT denuncia no processo que o parlamentar transmitiu a motociata em suas mídias sociais.
Os advogados que protocolaram as ações, Cristiano Zanin e Eugênio Aragão, não têm dúvida sobre o caráter eleitoral dos eventos. “A realização de carreata e ‘motociata’, com a participação do pré-candidato e difundida nas redes sociais, configura, por si só, ato de propaganda antecipada eleitoral, não permitida pela legislação eleitoral brasileira, não exigindo pedido explícito de votos para tanto. Tal foi a ostensividade do ato de campanha praticado pelo representado que a própria imprensa destacou expressamente o caráter eleitoral do evento”, registram na petição.
Os eventos religiosos em Cuiabá
Após a chegada de Jair Bolsonaro a Cuiabá/MT, no Aeroporto Marechal Rondon, houve “motociata” e carreata, organizadas pelo movimento “Acelera Cuiabá”. O idealizador e organizador do movimento, Adevilso Azevedo, incluído no polo passivo da representação do PT ao TSE, confirmou à imprensa o local o evento, com presença estimada de 2,5 mil motocicletas.
“(…) Todos aqui, que têm mais de 30 anos de idade, sabem o que era o Brasil de poucas décadas, e o que é o Brasil de poucos anos”. (…) Temos um compromisso com o futuro da nossa geração. (…) Nós sofremos ou nos alegramos com as escolhas que cada um faz. E essas escolhas podem nos marcar. Não por pouco tempo, podem nos marcar por décadas. E todo mundo deve pensar nessa grande escolha que faz periodicamente. Mais uma vez eu agradeço a Deus pela minha vida e pela missão de estar à frente do Executivo Federal. E se essa for a vontade dele, nós continuaremos nesse objetivo. Agradeço mais uma vez a Deus por essa oportunidade, por esse momento, e por ter pessoas maravilhosas como vocês ao nosso lado.”
Este trecho não é mencionado pela representação feita pelo PT. No entanto, Bereia faz esse registro por se tratar de desinformação e pânico moral, temas abordados diversas vezes pelo Coletivo. O presidente afirma que um dos artigos do Programa citava a “desconstrução da heteronormatividade” e que no PL 122 “pastores e padres poderiam ser presos” caso não cumprissem alguns requisitos na celebração de cultos e missas, afirmações que não são verdadeiras.
Bolsonaro proferiu outro discurso, na mesma tarde, durante a Assembleia da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil, presidida pelo pastor José Wellington Costa Junior. O evento contou com a participação de aproximadamente sete mil fiéis, e ocorreu no Grande Templo, sede mundial da Assembleia de Deus em Cuiabá.
Como registrado em vídeo (minutos 55:07 a 1:02:03), foram pronunciadas manifestações em favor da reeleição de Bolsonaro na fala do pastor e deputado federal Sóstenes Cavalcante. Expressamente, o parlamentar diz esperar que aquele evento resulte em apoio eleitoral a Jair Messias Bolsonaro.
“(…) Querida Igreja, não me delongarei muito, mas esse ano, nós, como igreja, temos uma responsabilidade muito grande. (…) Agora, quero fazer um apelo à Assembleia de Deus no Brasil, e deixar aqui ao Presidente Pr. José Wellington [também representado] um grande desafio. Quem sabe, nesta Convenção, nós possamos sair daqui com um desafio, de ter, no mínimo, um deputado federal da CGADB por Estado, e aumentar para dobrar a bancada de senadores naquele Senado Federal. Se houver conscientização do povo de Deus para votar nos nossos irmãos, Bolsonaro para que se Deus, a ele, der mais mandato (…)”.
Para encerrar a fala, após convidar os fiéis a repetirem o jargão “Deus, Pátria e Família”, o deputado pastor, representado na ação do PT, Sóstenes Cavalcante convoca os fiéis a votarem em Bolsonaro: “Um homem que tem esses valores não precisa nos pedir nada, nós já sabemos o que devemos fazer por ele”.
“(…) Jesus cuidará da nossa nação através do nosso Presidente [Bolsonaro] (…) Representamos a maior convenção do Brasil, representamos mais de 30 milhões de brasileiros crentes evangélicos da Assembleia de Deus que mostrarão, no mesmo de outubro, que Deus é conosco”.
Com base nesses episódios, os advogados do PT afirmam na representação ao TSE: “Não há dúvida de que o único objetivo de todos os representados era a promoção da campanha eleitoral extemporânea. Os cultos religiosos, inclusive, apenas fomentaram o apoio à reeleição do atual presidente. Durante a fala do representado, nenhum outro tema foi tratado – quer de cunho religioso, quer em relação a atos próprios de governo – a não ser a conclamação de apoio dos fiéis para o pleito eleitoral de 2022.”
Na ação que cita os eventos de Cuiabá, Zanin e Aragão pedem a responsabilização dos diretamente envolvidos na prática de campanha extemporânea (fora do período previsto em lei): Jair Bolsonaro, Adavilso Azevedo, pastor José Wellington da Costa Jr. e deputado federal pastor Sóstenes Cavalcante. Requer-se a condenação dos representados ao pagamento de multa, no valor máximo previsto em lei, por atuarem em campanha eleitoral antecipada.
O que diz a legislação eleitoral
O art. 36 da Lei nº 9.504/97 determina que a realização de propaganda eleitoral será realizada a partir de 16 de agosto do ano em que o pleito for realizado, devendo ser considerada extemporânea as práticas de campanha anteriores a esta data. A representação feita pelo PT cita trecho da obra do doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, José Jairo Gomes, cujo trecho elucidador segue transcrito:
“A propaganda eleitoral só é permitida a partir do dia 16 de agosto do ano da eleição até o dia do pleito, durante, pois, o período eleitoral (LE, art. 36, caput). Nessa oportunidade, o candidato já terá escolhido na convenção e seu pedido de registro já deverá ter sido requerido à Justiça Eleitoral, pois o prazo para a prática desse ato encerra-se às 19 horas do dia 15 de agosto. Se feita fora desse período, qualifica-se como extemporânea ou antecipada, sujeitando o agente a responsabilização e sanção. A publicidade em apreço caracteriza-se pela atração ou captação antecipada de votos, o que pode ferir a igualdade de oportunidade ou a paridade de armas entre os candidatos, o que desequilibra as campanhas”.
Assim, os advogados do PT sustentam que: “a propaganda antecipada vai completamente de encontro aos ideais da liberdade de expressão e livre circulação de ideias. Com sua proibição, o intuito é evitar a captação antecipada de votos, conferindo aos candidatos um equilíbrio na disputa, igualdade de chances e proteção ao saudável debate político no momento e no modo previstos pelas leis eleitorais. No presente caso, a “motociata”, a carreata e o comício eleitoral desequilibram a disputa eleitoral ao colocar em destaque um dos mais notórios pré-candidatos à disputa da Presidência da República, sem haver a mesma oportunidade aos demais”.
Além da Lei nº 9.504, conhecida como Lei das Eleições, os arts. 3º e 3º-A da Resolução-TSE n. 23.610/2019 regulamentam o tema da propaganda eleitoral. O art. 3º dispõe sobre quais atos realizados pelos pré candidatos não configuram propaganda antecipada e o art. 3º-A prevê as situações em que estarão configuradas a propaganda antecipada:
Art. 3º Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais das pré candidatas e dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet (Lei nº 9.504/1997, art. 36-A, caput, I a VII e §§):
I – a participação de pessoas filiadas a partidos políticos ou de pré-candidatas e pré-candidatos em entrevistas, programas, encontros ou debates na rádio, na televisão e na internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, observado pelas emissoras de rádio e de televisão o dever de conferir tratamento isonômico;
II – a realização de encontros, seminários ou congressos, em ambiente fechado e a expensas dos partidos políticos, para tratar da organização dos processos eleitorais, da discussão de políticas públicas, dos planos de governo ou das alianças partidárias visando às eleições, podendo tais atividades serem divulgadas pelos instrumentos de comunicação intrapartidária;
III – a realização de prévias partidárias e a respectiva distribuição de material informativo, a divulgação dos nomes das filiadas e dos filiados que participarão da disputa e a realização de debates entre as pessoas pré-candidatas;
IV – a divulgação de atos de parlamentares e de debates legislativos, desde que não se faça pedido de votos;
V – a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive em redes sociais, blogs, sítios eletrônicos pessoais e aplicativos (apps);
VI – a realização, a expensas de partido político, de reuniões de iniciativa da sociedade civil, de veículo ou meio de comunicação ou do próprio partido político, em qualquer localidade, para divulgar ideias, objetivos e propostas partidárias;
VII – campanha de arrecadação prévia de recursos na modalidade prevista no inciso IV do § 4º do art. 23 da Lei nº 9.504/1997.
Art. 3º-A. Considera-se propaganda antecipada passível de multa aquela divulgada extemporaneamente cuja mensagem contenha pedido explícito de voto, ou que veicule conteúdo eleitoral em local vedado ou por meio, forma ou instrumento proscrito no período de campanha.
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O líder evangélico levou seus seguidores a acreditarem que os pastores foram processados por realizarem um culto religioso, e um político (Jair Bolsonaro), por receber oração. O pastor Malafaia ainda sugere que o processo é o início de uma perseguição aos evangélicos por parte do PT.
Bereia classifica como imprecisa a mensagem do pastor Silas Malafaia ao afirmar que o Partido dos Trabalhadores processou os pastores. Como descrito nesta matéria, o partido apresentou ao TSE uma representação por propaganda eleitoral extemporânea (antes do período previsto em lei), com base na legislação eleitoral.
Como checagem de Bereia mostra, a representação do PT ao TSE não se refere a líderes religiosos e ao culto como propagação de fé, liberdade de crença ou cerimônia religiosa, mas o evento e os pastores, junto com outras pessoas, são citados por negligenciar a lei eleitoral e promoverem campanha fora do período legalmente permitido. O material apresentado como prova não tem qualquer relação com a fé religiosa, mas se detém na propaganda política expressa nos eventos.
Bereia alerta leitores e leitoras para o uso de material desinformativo, com o tema de “perseguição a cristãos”, com o objetivo de criar pânico moral com o público religioso. Este recursos vêm sendo utilizado em campanhas eleitorais no país, como já demonstrado em outras matérias aqui publicadas.
Bereia recebeu o pedido de verificação do conteúdo que tem sido divulgado em mídias do Nordeste sobre o filho de Margarida Alves, José de Arimatéia Alves, e tem circulado em ambientes digitais católicos.
Durante um evento realizado em um shopping em João Pessoa, pelo Dia Internacional da Mulher, o filho de Margarida Alves declarou: “Após 20 anos de espera para que o Estado brasileiro pudesse reconhecer a negligência da elucidação do assassinato de minha mãe, foi preciso que um paraibano, um servo de Deus, chegasse à Secretaria de Estado dos Direitos Humanos do governo federal, o Dr. Sérgio Queiroz, então Secretário Nacional de Proteção Global para resolver o caso e a indenização a mim e a minha família. Sérgio Queiroz teve sensibilidade para tomar para si esse processo e só descansou quando foi encerrado em 2019”, afirmou o candidato.
Uma fonte ligada às Comunidades Eclesiais de Base da Igreja Católica avalia a situação: “De fato, o filho de Margarida Alves foi para um partido de direita, sob influência da igreja que ele participa e todos nós ficamos bem assustados. Eu participei muito tempo com o Arimatéia na Pastoral de Juventude [Católica] aqui em João Pessoa, por isso é meio assustadora esta decisão dele.”. A fonte conta que Margarida participou de muitos encontros de base, com Nequinho, que é o atual presidente do Sindicato em Alagoa Nova e outros ligados à luta da CPT pela terra. “Por isso é assustador. A gente fica com pena do que ele está fazendo, usando a história da mãe para legitimar este governo, não é nada libertador. Saber o que Margarida sofreu do latifúndio e ver o filho dela neste rumo aí. Ele nunca mais me mandou notícias, mas acho que é porque ele sabe a minha posição”, lamenta a fonte.
A marcante história de Margarida Alves
Margarida Maria Alves nasceu e cresceu em Alagoa Grande, no Brejo Paraibano, em 5 de agosto de 1933. De acordo com sua biografia, registrada no site da Fundação de Defesa dos Direitos Humanos Margarida Alves (FDDHMA), “foi a primeira mulher presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais em sua cidade, por 12 anos. Lá, fundou o Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural, uma iniciativa que, até hoje, contribui para o desenvolvimento rural e urbano sustentável, fortalecendo a agricultura familiar”.
A líder agricultora lutou pela defesa dos direitos dos trabalhadores sem terra, buscando e incentivando todos a buscarem o registro em carteira de trabalho, a jornada diária de trabalho de oito horas, 13° salário, férias e demais direitos, para que as condições de trabalho no campo pudessem ser equiparadas ao modelo urbano. “Durante sua gestão, o Sindicato moveu mais de 600 ações trabalhistas e fez diversas denúncias, como a endereçada diretamente ao Presidente do Brasil, em 1982, João Batista Figueiredo”.
Margarida Alves não viveu para ver o resultado de sua luta. “Por causa do surgimento do Plano Nacional de Reforma Agrária, a violência no campo foi intensificada por parte dos latifundiários, que não queriam perder suas terras, mesmo as improdutivas”. E desde então, “o trabalho de Margarida na defesa dos direitos dos trabalhadores entrou em conflito com os interesses dos latifundiários, tornando-a uma ameaça para eles”.
Durante a comemoração do 1° de maio de 1983, na cidade de Sapé, na Paraíba, Margarida Alves fez um discurso no qual afirmou: “Eles não querem que vocês venham à sede porque eles estão com medo, estão com medo da nossa organização, estão com medo da nossa união, porque eles sabem que podem cair oito ou dez pessoas, mas jamais cairão todos diante da luta por aquilo que é de direito devido ao trabalhador rural, que vive marginalizado debaixo dos pés deles”.
A trabalhadora rural e presidente do Sindicato foi assassinada três meses depois dessa declaração. “O principal acusado é Agnaldo Veloso Borges, então proprietário da usina de açúcar local, a Usina Tanques, e seu genro, José Buarque de Gusmão Neto, mais conhecido como Zito Buarque. Seu sogro era o líder do Chamado Grupo da Várzea, composto por 60 fazendeiros, três deputados e 50 prefeitos. O crime ocorreu no dia 12 de agosto de 1983, quando um pistoleiro de aluguel, (…) disparou um tiro (…) em seu rosto, quando ela estava na frente de sua casa”. O marido de Margarida, Severino Alves e seu filho, na ocasião da tragédia com oito anos de idade, José de Arimatéia Alves viram tudo.
O soldado da Polícia Militar Betâneo Carneiro dos Santos, os irmãos pistoleiros Amauri José do Rego e Amaro José do Rego e Biu Genésio foram acusados do crime.
O assassinato de Margarida Alves teve repercussão internacional, com denúncia encaminhada à Corte Internacional de Direitos Humanos (CIDH) e várias outras entidades. “Criada, pela Arquidiocese da Paraíba, a Fundação de Defesa dos Direitos Humanos Margarida Maria Alves, em 2002, recebeu a Medalha Chico Mendes de Resistência, oferecida pelo Grupo Tortura Nunca Mais/RJ. O dia de seu assassinato, 12 de agosto, é conhecido como o Dia Nacional de Luta contra a Violência no Campo e pela Reforma Agrária”.
Quem fez a reparação histórica?
De fato a reparação histórica do assassinato da mãe do atual candidato a deputado estadual pelo PRTB ocorreu, mas ao contrário do que ele e o governista Sérgio Queiroz afirmam, essa reparação não foi uma iniciativa do governo Bolsonaro, mas um esforço sistemático durante décadas da parte de pessoas, movimentos e instituições, que foi concluído durante o atual governo.
No entanto, apesar da ação em favor desse reconhecimento, “o direito à devida reparação pecuniária pelos danos causados em decorrência da perseguição política” foi negado pela União em 24 de janeiro de 2017. Posteriormente, quando da decisão pelo TRF5 pelo pagamento da indenização ao filho de Margarida Alves, o relator do processo, desembargador federal Cid Marconi Gurgel de Souza registrou nos autos que “a União é a responsável direta nas ações em que se postula o pagamento da aposentadoria ou pensão excepcional de anistiados”. O desembargador decretou ainda que “cabe ao Tesouro Nacional arcar com o pagamento de indenizações decorrentes de anistia política Estas decisões explicitam que, no Brasil, a luta por indenização a anistiados perseguidos pela ditadura, obteve resultado na forma de lei a ser cumprida pela União. Portanto, a reparação e a indenização à família de Margarida Alves foi uma decisão judicial , não uma ação do governo Bolsonaro. Ela foi um desdobramento do caso desde a decisão de anistia em 2016 e das recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que também recebeu petição sobre o caso de Margarida Alves, em 2000.
A cerimônia simbólica de reparação realizada pelo governo brasileiro e a participação de lideranças governistas em reunião sobre o caso na CIDH, em 2019, não foram iniciativas do governo, mas o cumprimento de um protocolo resultante de um processo que se desenrolou desde o final da ditadura militar e que o atual governo teve que cumprir, por recomendação da CIDH registrada em 31 de março de 2008.
Os encaminhamentos históricos pela justiça a Margarida Alves
O “Relatório do Mérito Margarida Maria Alves e Familiares”, n. 31/20, foi publicado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em 26 de abril de 2020, especifica que a CIDH “recebeu petição do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares, da Fundação de Defesa dos Direitos Humanos Margarida Maria Alves, de outras instituições ligadas à defesa dos direitos humanos e a pastoral da terra, por violações de direitos humanos cometidas em prejuízo de Margarida Maria Alves e seus familiares”.
O relatório registra que a petição foi recebida em 17 de outubro de 2000, com aprovação do relatório de admissibilidade (n. 9/08) em 5 de março de 2002. Em 31 de março de 2008, a Comissão notificou esse relatório às partes e se colocou à sua disposição para mediar o alcance de uma solução amistosa. Todas as informações foram devidamente transmitidas entre as partes, que tiveram prazo para apresentarem considerações sobre o mérito.
O documento oferece provas suficientes de que a luta pelos direitos de reparação e de indenização de Margarida Alves e seus familiares faz parte de um processo longo de luta de organizações de defesa de direitos humanos, instituições católicas e assessorias jurídicas às organizações populares no Brasil, que no ano de 2000 buscaram a ajuda da CIDH para que justiça fosse feita nesse caso. Ou seja, a luta das instituições com o apoio da CIDH, foi que levou o governo brasileiro, presidido por Fernando Henrique Cardoso, em 2002, a criar a Lei n. 10.559 que rege a “indenização a anistiados políticos”.
O processo também levou a Comissão de Anistia, ligada ao Ministério da Justiça do governo Dilma Rousseff, a aprovar em sua 12a Sessão de Julgamento realizada em 6 de julho de 2016, a condição de anistiada política post-mortem a Margarida Maria Alves. Finalmente, em 25 de outubro de 2019, foi concluído o longo processo, no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro, quando houve a cerimônia de Reparação Simbólica à Memória de Margarida Maria Alves pelo Estado brasileiro, no auditório da Justiça Federal, em João Pessoa. O evento marcou, publicamente, o encerramento do Caso 12.332, como ficou conhecido internacionalmente o assassinato da sindicalista paraibana na CIDH. A reparação ocorreu 36 anos após a sua morte, depois de 20 anos de tramitação na corte internacional. Estiveram presentes na cerimônia, além do filho de Margarida Alves, José Arimateia Alves, a ministra da Mulher, Família e dos Direitos Humanos Damares Alves e seu secretário nacional de Proteção Global Sérgio Queiroz.
Antropóloga que conheceu a agricultora relata a sua luta
Bereia ouviu a antropóloga e pesquisadora das religiões Dra. Regina Novaes, que foi professora durante dez anos da Universidade Federal da Paraíba. Ela relatou sua experiência e conhecimento da história de Margarida Alves: “Fiz minha tese de doutorado sobre movimentos sociais rurais e fiz parte de um Grupo de Assessoria Sindical através do qual conheci e tive bastante contato com Margarida Maria Alves. Ela integrava um grupo de sindicalistas apoiado pelas pastorais católicas, sobretudo pelo Centro de Educação Popular, que era coordenado pela irmã Valéria Rezende em Guarabira. O bispo na cidade era D. Marcelo Carvalheira, que junto com D. José Maria Pires, fundou a ‘igreja da libertação’ na Paraíba. Com esses apoios, Margarida Alves se destacou na luta pelos direitos dos trabalhadores rurais de Alagoa Grande, sindicato da qual era Presidente (concorreu depois que seu marido Casemiro adoeceu e não pode participar da disputa)”, relata a antropóloga.
Novaes conta que a atuação de Margarida Alves “incomodou usineiros e senhores de engenho e seu assassinato ocorreu no dia 12 de agosto de 1983. Seu filho único tinha oito anos de idade. O assassinato teve grande repercussão na sociedade civil e nos movimentos sociais”. No Brasil surgiram movimentos importantes como a “Marcha das Margaridas”, que se tornou um símbolo nacional.
A apropriação do caso para campanha
A profa. Regina Novaes esclarece ainda: “Depois de muito trabalho pelo reconhecimento do assassinato como crime político, no âmbito da Comissão da Anistia, em 6 de julho de 2016 o resultado foi alcançado. Ou seja, o que foi ‘conseguido’ por Sergio Queiroz, no governo Bolsonaro, foi finalizar (e se apropriar de) um processo que por décadas contou com o empenho de organizações da sociedade civil e – em decorrência disso – com o reconhecimento do poder público”.
Em relação a José de Arimatéia Alves, ela afirma que “pelas informações que circulam publicamente, não foi uma vida fácil. Assistiu ao assassinato da mãe, perdeu o pai, saiu da Paraíba, foi viver no Rio de Janeiro, teve problemas com alcoolismo. Como acontece com parte significativa dos filhos das classes trabalhadoras no Brasil de hoje, o filho de Margarida Alves parece ter encontrado em igrejas evangélicas uma rede de apoio espiritual e material para se reerguer. Tornou-se pastor. Até aí, vemos repetida uma história conhecida”. A antropóloga ainda explica: “A novidade vem em 2019, quando a imprensa anuncia o recebimento da indenização com o empenho governista de Sérgio Queiroz. Começava-se assim a construção de uma narrativa de apropriação da história de Margarida Alves. Em 2021, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos Damares Alves e a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos da Paraíba também se fazem presentes quando o pastor Arimatéia diz trocar ‘desejo de vingança e alcoolismo’ pela defesa do legado da mãe’”.
Regina Novaes relata que “finalmente, em 2022, já pastor e candidato, Arimatéia Alves insiste em lembrar o ‘feito’ de Sérgio Queiroz (agora pré-candidato ao Senado) e agradece ao presidente Jair Bolsonaro pela indenização recebida”. Sobre a questão que surge – se há mentiras nessa narrativa – a antropóloga responde: “Certamente há manipulação da verdade por meio de esquecimento de tudo que foi feito antes pelos movimentos sociais e pelas instâncias governamentais do governo Dilma Rousseff para que o Sérgio Queiroz pudesse fazer algo que concluísse na indenização da família de Margarida Alves; e exagero no peso das ‘cortes internacionais’ na resolução do caso com o objetivo de valorizar a trajetória pessoal de Sérgio Queiroz, que tinha uma ligação com alguma agência internacional; e a introdução do protagonismo de Damares Alves e Bolsonaro de maneira a justificar as candidaturas políticas”, explica Novaes.
A pesquisadora ouvida pelo Bereia acrescenta: “Ao meu ver, não se trata de pegar esse caso como exemplar das consequências nefastas do crescimento das ‘igrejas neo-pentecostais’ em uma região onde as pastorais progressistas católicas tiveram um papel importante na época de Margarida. Isso é pouco e faz economizar reflexão. Acho que se trata de um caso exemplar de: a) conjugação de fatores do pertencimento religioso e de reprodução da cultura política local e, b) de como são construídas fake news: produzindo parciais esquecimentos de fatos e de pessoas e maximizando eventos e personagens que se tornam centrais na narrativa”.
A antropóloga conclui: “Por isso vale voltar ao caso e se contrapor ao agradecimento de Arimatéia para Bolsonaro (interessante esse agradecimento a alguém que tantas vezes se colocou contra medidas de Justiça e Reparação). A aposta é que o eleitor nem vá observar essa contradição pois: a) já estaria predisposto a apoiar quem apoia Bolsonaro ou b) já tem relações prévias com Arimatéia e sua redenção”. A profa. Regina Novaes avalia que essa estratégia dos candidatos pelo PRTB até pode gerar vantagem, mas tem dúvidas.
Leis da Anistia e de Indenização
A Lei da Anistia é como ficou conhecida a Lei n° 6.683 sancionada pelo presidente João Batista Figueiredo em 28 de agosto de 1979, após grande mobilização social, ainda durante a ditadura militar.
O lema da campanha pela anistia no final da década de 70 era: “Anistia Ampla, Geral e Irrestrita” e mobilizou o Congresso e a nação, levando o último presidente da Ditadura Militar, general João Batista Figueiredo a escrever texto da lei que foi avaliada pelo Congresso e recebeu alterações feitas pelos parlamentares naquela ocasião para a aprovação do presidente. A anistia, da forma como foi acordada no Brasil, deu perdão a perseguidos, a exilados e a presos políticos, mas impediu a punição aos agentes perpetradores das violações de direitos, entre elas a tortura e os assassinatos.
O técnico em eletrônica Edson Benigno, hoje com 72 anos, ouvido pelo jornal O Globo, “foi detido {e torturado} aos 26 anos pela ação política do pai, antigo militante do Partido Comunista Brasileiro. Mas mesmo com o histórico de perseguição, prisão e tortura, não conseguiu ser anistiado. Seu processo chegou a ser aprovado na Comissão de Anistia, no governo de Michel Temer, mas não teve a portaria publicada até hoje. Ao longo do governo de Jair Bolsonaro, o caso segue parado na comissão, sem previsão de aprovação da anistia e reparação econômica”. Edson Benigno diz não ter “qualquer expectativa de que esse governo, que elogia a ditadura, irá reconhecer que fui vítima daquele período”.
De acordo com a reportagem, “o governo revisa e reconta a história para negar a ditadura militar. Nas duas comissões instituídas durante o governo Bolsonaro, em curso há mais de vinte anos para tratar e julgar as violações cometidas naquele período — de Anistia e de Mortos e Desaparecidos Políticos — os conselheiros, escolhidos a dedo (incluindo militares), ignoram os fatos, negam a perseguição política, ‘desanistiam’ militantes já anistiados e abandonam a busca por desaparecidos”.
Em abril de 2020, a Organização das Nações Unidas (ONU) pediu para realizar uma missão no Brasil e investigar como estava a gestão do governo federal em relação aos mecanismos de reparação de vítimas da ditadura militar. Segundo a matéria do jornalista que cobre a pauta internacional de direitos humanos, Jamil Chade, a ONU estaria preocupada com o desmonte promovido pelo governo e, por isso, pediu para investigar a situação no Brasil. A requisição foi feita pelo Grupo de Trabalho de Desaparecimentos Forçados da organização”. Já naquele momento, eram objeto de preocupação do GT da ONU as muitas falas públicas de membros do governo federal que estavam “negando a existência de uma ditadura militar no Brasil entre 1964 e 1985, ou avaliando positivamente os eventos ocorridos durante este período. Além disso, há um alerta sobre interferências no trabalho dos mecanismos de já existem para recompensar as vítimas do período”.
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Bereia classifica o conteúdo disseminado pelo filho de Margarida Alves, pastor Arimatéia Alves, que atribui ao governo de Jair Bolsonaro a responsabilidade pela reparação da memória de sua mãe como anistiada política e a indenização alcançada por ele como vítima do processo, como enganoso. A reparação simbólica e a indenização foram alcançadas no primeiro ano do governo Bolsonaro, de fato, mas foram a culminância de ações de organizações de direitos humanos, juntamente com a Pastoral da Terra da Igreja Católica, que duraram mais de 20 anos. As comissões de anistia e de indenizações em ação durante os governos de Fernando Henrique Cardoso, de Luiz Inácio Lula da Silva, de Dilma Rousseff e de Michel Temer e a mediação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) tornaram possível este ato de justiça, cumprido em protocolo pelo governo Bolsonaro.
Ao contrário do que o filho da agricultora morta durante a ditadura militar propaga, o governo Bolsonaro tem agido para impedir novos processos de reparação e atua para negar os efeitos nefastos produzidos pelos governos militares na vida de centenas de pessoas, diretamente atingidas, e de todo o país.
Segundo conteúdo em circulação, o suposto dossiê contém capturas de telas, documentos oficiais e fotos que denunciam a ligação de Arilton Moura com o PT.
Junto com Gilmar Santos, pastor presidente do Ministério Cristo para Todos e da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil (CONIMADB), além de diretor do ITCT (Instituto Teológico Cristo para Todos), Moura foi levantado por jornalistas investigativos participou de 22 agendas das pastas ministeriais, como facilitador do diálogo entre ministro e prefeituras municipais. Suas reuniões eram acompanhadas por prefeitos de municípios que após os encontros eram agraciados pela liberação de verbas do MEC.
A investigação teve início após uma gravação divulgada pela Folha de São Paulo, em que o então Ministro da Educação disse que priorizava “amigos” dos pastores a pedido do próprio Presidente Jair Bolsonaro (PL).“Foi um pedido especial que o Presidente da República fez pra mim sobre a questão do pastor”, afirma Milton Ribeiro, “porque minha prioridade é atender primeiro os municípios que mais precisam e, em seguida, atender a todos que são amigos do pastor Gilmar”. Arilton Moura e Gilmar Santos haviam assumido seus postos como facilitadores do diálogo entre MEC e prefeituras graças a seu desempenho junto à assessoria política prestada às Assembleias de Deus.
Diante da série de escândalos que envolvem o Ministro da Educação e os pastores, têm circulado nas mídias sociais de apoiadores do presidente da República e em notícia pela imprensa, tentativas de vincular o pastor Arilton Moura ao Partido dos Trabalhadores (PT), em provável tentativa de colocar o foco no pastor assembleiano e tirar o governo de Jair Bolsonaro do centro do caso de corrupção no MEC.
Além do suposto dossiê, uma das informações que estão sendo alarmadas é a de que o pastor Arilton Moura estaria ligado ao PT, pois já havia prestado serviços como assessor indireto da ex-governadora pelo PT no Pará Ana Júlia Carepa nos anos de 2007 a 2011, o que de fato ocorreu.
No Diário Oficial do Estado do Pará, Moura é citado em duas ocasiões. A primeira delas é de 13 anos atrás, em 2009, quando o pastor foi nomeado “Para representar o Governo do Estado do Pará, em reunião institucional com líderes das comunidades cristãs do Brasil”. Já a segunda ocasião foi em 2010, quando o pastor foi destinado “para coordenar a equipe de preparação e da infra-estrutura de atendimento às comunidades dos referidos municípios [Mojú, Tailândia e Goanésia].”
No período em questão, final da primeira década dos anos 2000 e início da segunda, lideranças evangélicas, incluindo as das Assembleia de Deus, e partidos políticos relacionados a elas, participavam da base do governo federal sob a liderança do PT, o que se refletia em governos estaduais e municipais em várias regiões do Brasil. Esta constatação aparece em pesquisas acadêmicas, como a do Prof. Ricardo Mariano.
No segundo mandato da presidente Dilma Rousseff (PT), de 2014 a 2016, este quadro foi alterado não só com a retirada do apoio como com a participação dessas lideranças religiosas e os partidos de sua vinculação na campanha pelo impeachment da governante. Seguiu-se a isto a significativa mudança de rumo na articulação destas forças políticas que não só passaram a fazer oposição e demonizar o PT, como compuseram a aliança pela eleição do candidato de extrema direita à Presidência da República, em 2018, Jair Bolsonaro. Esta constatação está também presente em pesquisas acadêmicas sobre o tema, mas resulta, especialmente, da observação da conjuntura com a composição do governo Bolsonaro, a partir de 2019, marcada pela ocupação de cargos por evangélicos, pela presença de lideranças das diferentes vertentes (ministérios e convenções) das Assembleias de Deus na base do governo no Congresso Nacional e em periódicas reuniões com o Presidente da República e pela concessão de benefícios fiscais e de outros apoios a atividades destas igrejas, o que se encontra em fartos registros na Câmara Federal e no Senado e no Diário Oficial da República.
Quanto à participação política de Arilton Moura junto ao PT, Bereia obteve informações com uma fonte vinculada ao segmento evangélico e ao PT do Pará. Ela informou que “[o pastor] nunca foi filiado no PT, e sempre foi um crente lobista da Assembleia de Deus que transitava em todos os gabinetes desde os governos anteriores ao [da ex- governadora] Ana Júlia Carepa.”
Quanto aos trabalhos prestados pelo pastor Arilton Moura à ex-governadora petista, esta fonte informou ao Bereia que, possivelmente, a nomeação para atuações especificas se deu para apaziguar as tensões entre a mandatária e evangélicos paraenses, e não por alguma indicação do Partido dos Trabalhadores.
Pr. Arilton sempre foi recebido com respeito, atenção e muita paciência por nós, mas nunca obteve nossa confiança. Muitas vezes reclamava para que ajudasse a resolver o problema da nomeação que ele queria no gabinete de Ana Júlia, então respondíamos que não era de nossa autoridade essa missão.
Sobre a presença do pastor na comunidade evangélica a liderança afirmou:
Pastor Arilton, pelo seu sonho de enriquecimento “abençoado”, acabou conseguindo chegar na mídia com a corrupção, por conta do que aprendeu a praticar a partir da orientação de seus líderes evangélicos. É um negociador de recursos públicos. Um lobista. Sua história é de um trânsito em todos os gabinetes conforme a ocasião favorece, mas sob orientação dos “chefes”. Ele não é um pastor de ensinamento religioso, ou pregador, a missão dele é captar recursos para a Igreja.
Até a publicação desta matéria, Bereia não conseguiu ter acesso ao dossiê em questão.
**** Bereia classifica como IMPRECISOS os boatos de que o pastor Arilton Moura, investigado por sua participação nos escândalos recentes do MEC, possua relações recorrentes com o Partido dos Trabalhadores (PT). Não há, de acordo com a liderança religiosa filiada ao partido, vínculos entre o pastor e o PT, para além do fato de ter prestado serviços ao governo estadual do Pará durante o mandato de Ana Júlia Carepas, há 13 anos. Ainda, as acusações feitas por apoiadores do governo de Jair Bolsonaro contra este pastor carecem de comprovação , configurando-se como especulação, provavelmente com vistas a retirar o foco da responsabilidade sobre as irregularidades na gestão do ministro da Educação, pastor Milton Ribeiro, sob a orientação do presidente Jair Bolsonaro.
Circula em mídias sociais e sites religiosos pronunciamento feito pelo Presidente da República Jair Messias Bolsonaro (PL), no qual defende que durante os três anos de seu mandato houve uma redução de investimentos destinados às Organizações Não Governamentais (ONGs), que, consequentemente, levou à extinção do Movimento Sem Terra (MST). No mesmo pronunciamento o presidente defende que mais de mil licenças CACs (Colecionadores, Atiradores e Caçadores) foram emitidas por dia.
O site Pleno News destaca o pronunciamento do presidente, realizado em 10 de fevereiro de 2022, em frente ao Palácio do Planalto, diante de público apoiador. A matéria expõe os seguintes temas presente no discurso do presidente: não houve aumento no número de demarcações de terras destinadas aos povos tradicionais indígenas brasileiros; a redução de verbas para ONGS e possível extinção do MST; as CACs podem garantir a fazendeiros, a quem se refere como “produtor rural”, a defesa de seu patrimônio territorial contra quem desejar tomar posse de suas terras.
Bereia checou os elementos destacados pelo presidente no pronunciamento e repercutidos pelo Pleno News, bem como por outros espaços digitais religiosos.
Corte de verbas para ONGs e mudanças políticas
As ONGs são organizações sem fins lucrativos, caracterizadas por suas ações de prestação de serviços e solidariedade, frente às políticas públicas em áreas em que o Estado está ausente ou apresenta carências. Os recursos para a manutenção das ONGs brasileiras são, em sua maioria, provenientes de captação que elas fazem com empresas privadas, doadores individuais, realização de eventos, campanhas de financiamento coletivo ou venda de produtos que são parte de suas ações.
Nascidas no regime de exceção da ditadura militar, a cultura das ONGs surgiu da necessidade de se estabelecer um diálogo entre a população e as formas de governança, como defende a professora universitária, Olivia Perez. Suas atividades financeiras dependem do financiamento vindo de entidades, fundações, empresas, incentivos internacionais, ações governamentais e criação de investimentos próprios.
No caso do MST, a maior parte dos recursos que financiam o MST não vêem de verbas governamentais, mas sim do financiamento de insumos realizado pelo Financiamento Popular da Agricultura Familiar (FINAPOP). Este é um fundo de investimento ligado às cooperativas da Reforma Agrária Popular, que, através da venda de títulos, arrecada verbas destinadas à produção agrícola; doação interna dos membros do Movimento e da venda de insumos por eles produzidos. Outra fonte de financiamento para o MST vem de doadores nacionais e internacionais e de parcerias com ONGs europeias, Programas governamentais como Procera (Programa de Crédito Especial para Reforma Agrária), não apoiam diretamente o movimento, por terem relação direta com pequenos produtores, portanto e, consequentemente, o movimento.
Das muitas possibilidades de captação de recursos estão as leis de incentivo fiscal, nelas o governo abre mão de parte dos impostos pagos por empresas privadas e destina parte dessas verbas para entidades ou projetos sociais, tudo mediado pelo cumprimento e implementação de editais auditáveis (são exemplos Lei Rouanet na área da cultura – Lei nº 8.313/9; Lei do Audiovisual – Lei nº 8.685/93).
Há ainda as leis de incentivo parlamentar, em que os governantes podem destinar até 0,6% da corrente líquida prevista para um projeto encaminhado pelo Poder Executivo para ações humanitárias, tal qual as ONGs, conforme determinado pelo § 9º artigo, 166 (Emenda Constitucional 86). Na prática isto significa que cada parlamentar pode apresentar até 25 emendas ao orçamento, com o valor total de R$ 15,9 milhões, desse valor 50% precisa obrigatoriamente ser destinado a ações e serviços públicos de saúde e educação.
“De fato, a partir da década de 1990 houve uma expansão de diversas organizações civis, inclusive daquelas que executam serviços governamentais junto ao poder público. Esse crescimento pode ser explicado pelas novas diretrizes dos governos pós- democratização – que se abriram às parcerias com organizações civis – e também pela multiplicação de iniciativas da sociedade civil”, opina a professora Olívia Perez.
Por sua vez, o MST, assim como outras ONGS comprometidas com direitos humanos, sociais, culturais e ambientais, não têm recebido verbas governamentais. A política é parte da postura assumida pelo governo de Jair Bolsonaro de negar o papel das ONGs e atribuí-las caráter criminoso. Já no primeiro ano de governo, Nabhan Garcia, nomeado secretário especial de Regulação Fundiária do Ministério da Agricultura, afirmou ao tomar posse no cargo, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo: “Não haverá mais dinheiro para ONGs escusas”, o. Presidente da UDR (União Democrática Ruralista), Nabhan foi conselheiro de Bolsonaro para o agronegócio durante a campanha.
Na entrevista, o secretário se recusou a citar nomes de entidades que considera suspeitas. “Tem muita ONG que, se quiser sobreviver, vai ter que sobreviver como manda a lei, às custas próprias”, continuou. “Existe uma preocupação de algumas ONGs que estão reclamando… Não vejo um motivo. Talvez seja isso. Ora, já se diz: organização não governamental. Que sobreviva às custas próprias, não tirando dinheiro dos cofres públicos.”, declarou.
De fato, já na campanha para a Presidência da República, em 2018, Jair Bolsonaro, então candidato do PSL, ameaçou: “A faxina agora será muito mais ampla. Essa turma, se quiser ficar aqui, vai ter que se colocar sob a lei de todos nós. Ou vão pra fora ou vão para a cadeia. Esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria”, ameaçou Bolsonaro, que mais uma vez combinou um suposto discurso patriótico com exaltação violenta contra adversários políticos. “Essa pátria é nossa. Não é dessa gangue que tem uma bandeira vermelha.” Depois desta declaração pública, a Associação Brasileira de ONGs (ABONG) divulgou nota pública condenando a criminalização das organizações pelo então candidato e as ameaças de perseguição.
Em 2019, a A MESA de Articulação de Associações Nacionais e Redes Regionais de ONGs da América Latina e Caribe publicou nota solidarizando-se com a sociedade civil e o povo brasileiro em razão da Medida Provisória que deu à Secretaria de Governo, liderada pelo general Santos Cruz, o poder de supervisionar, coordenar e monitorar as atividades de ONGs e organizações internacionais.
Ao longo do governo Bolsonaro foram diversas as declarações de negação do papel das ONGs e de criminalização de suas ações, várias delas baseadas em desinformação, como verificou o projeto Aos Fatos.
No entanto, no atual governo recursos destinados às ONGs continuam sendo aplicados em instituições sem fins lucrativos, aponta o colunista do portal UOL, Demétrio Vecchioli, porém, há motivações que fogem da lógica do atendimento a políticas públicas e passam por questões ideológicas e relações pessoais entre líderes do governo, deputados federais e beneficiários. Em 2020 o Instituto Léo Moura (jogador de futebol veterano), por exemplo, sediado no Rio de Janeiro, recebeu cerca de R$ 5,2 milhões destinados pelo governo federal, para a manutenção de 15 escolinhas de futebol. O Rio é o estado do deputado federal Luiz Lima (PSL), apoiador do governo federal. Como comparação, o valor é maior do que recebem, por ano, 29 das 35 confederações olímpicas, incluindo as de atletismo e esportes aquáticos.
“A grande maioria dessas emendas visa beneficiar prefeituras municipais. No ano passado, por exemplo, o Ministério da Cidadania firmou 160 convênios originários de emendas que beneficiaram o estado de São Paulo. Dessas, só 11 eram com ONG’s e nenhuma emenda foi de valor superior a R$ 300 mil. É mais comum que projetos sociais sejam financiados via Lei de Incentivo ao Esporte”, afirma Demétrio Vecchioli, colunista esportivo do portal UOL
Matéria do UOL em 2019 já mostrava que as condições precárias nos postos de saúde das aldeias indígenas de Dourados, a 230 km de Campo Grande (MS) contrastam com o enorme volume de recursos públicos destinados ao atendimento médico dos cerca de 17 mil índios das etnias terena, kaiowá e guarani que vivem naquela região. A ONG Missão Evangélica Caiuá já era, à época, a recordista em repasses federais por meio de convênios nos seis primeiros meses do governo Jair Bolsonaro (PSL), superando Estados e municípios nas chamadas transferências voluntárias de dinheiro.
Já matéria da Agência Pública levantou que entidades cristãs receberam quase 70% da verba federal para comunidades terapêuticas (CTs) no primeiro ano de governo Bolsonaro. Dinheiro público financiou CTs denunciadas por violações de direitos humanos, incluindo LGBTfobia e desrespeito à liberdade religiosa.
O MST
O Movimento Sem Terra (MST), surgiu da união de movimentos populares de luta pela terra promovidas nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul, na primeira metade dos anos 1980. Fundado em 1984 no Primeiro Encontro Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terras, o MST forma uma frente de luta em prol da reforma agrária brasileira. Hoje o movimento encontra assentamentos em todos os estados do país, mantendo vínculos diretos com cerca de 400.000 famílias assentadas e mais 120.000 acampadas. Dentre as principais ações desenvolvidas pelo movimento estão o de produção de insumos agrícolas, educação para jovens e adultos e distribuição de alimentos à famílias carentes.
“As famílias acampadas e assentadas estão hoje entre os principais produtores de orgânicos do país —no caso do arroz, já são os maiores da América Latina— e seus produtos chegam tanto em escolas públicas como a mercados europeus. Esta é a história desses homens e mulheres do campo”, segundo matéria do jornal EL País.
“Tirei dinheiro de ONG do MST. Não tem mais MST. O número de invasão é menos de dez por ano. Resolvido rapidamente”, disse o presidente Bolsonaro no pronunciamento checado pelo Bereia. Parte do plano de ações do governo federal para a posse de terras e o relacionamento com o MST está sob o programa Titular Brasil, articulado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Invasão e ocupação não são sinônimos. A ocupação de terras ou patrimônios diz respeito a um movimento legalizado e previsto por lei, sua ação consiste na ocupação de uma área, seja rural ou urbana, que seja ociosa, isto é, que não esteja sendo utilizada ou possua um fim destinado pelo proprietário. Tal movimento é respaldado pela Lei de Ocupação de Solo, prevista na Constituição de 1988, e defende que o proprietário não pode deixar o seu imóvel ou terras sem uso, visando uma possível especulação imobiliária para sua venda, sendo possível a ocupação do imóvel ou território que não cumpra sua função social.
Artigo 186 da Constituição de 1988: “A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores”.
Para exercer direito legal sobre o território ocupado, os ocupantes precisam realizar atividades econômicas sob o solo tornando-o economicamente produtivo. Para a professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Deuze Laureano, “juridicamente, o direito à propriedade é um direito real oponível erga omnes. Trocando em miúdos, é um direito que ocorre entre um sujeito, aquele que é o titular do domínio, em face de todos os outros integrantes daquela sociedade, que devem respeitar esse direito. Entretanto, para este sujeito dono é exigido o cumprimento da função social. Essa é a condição sine qua non para que todos os demais, não proprietários, respeitem o seu direito de propriedade. Descumprindo a função social, perde o proprietário o critério objetivo inerente à propriedade que é o direito de posse. Portanto, um imóvel que não cumpre a função social está vazio. Ninguém tem a sua posse, como consequência lógica não pode o Poder Judiciário, baseado somente no registro, dar as garantias da ação possessória.”, afirma.
Em contrapartida, a invasão diz respeito à apropriação ilegítima de terras e imóveis que comprovadamente têm uso e função social. É configurado como invasão de terra e propriedade a apropriação indevida de imóveis e territórios em uso ou produção agrícola, sendo a pena para esse crime detenção de seis meses a três anos, de acordo com o artigo 5º da lei 4.947 de 1966.
De acordo com a Câmara de Conciliação Agrária do INCRA no triênio 2019 a 2021 foram registradas 24 ocupações em fazendas e terras ociosas, uma redução expressiva se comparada as quase 150 ocupações em 2018. Em entrevista à Rede Brasil Atual, a dirigente nacional do MST Marina dos Santos, aponta que a queda no número de ocupações se deu graças ao cenário pandêmico. A líder do movimento destaca ainda, “Na verdade, não é nem uma necessidade que o MST tem de organizar. Mas é uma necessidade que surge a partir das necessidades do próprio povo trabalhador. Precisamos retomar as ocupações, porque elas também podem ser um instrumento importante no combate à fome que estamos vivendo hoje”, explica.
Em comparação com o histórico relatório anual da Comissão Pastoral da Terra da Comissão Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) Igreja Católica “Conflitos no Campo Brasil 2020, os dados do governo são bem menores mas indicam a realidade de queda no número de ocupações. No entanto, o documento da CPT relaciona esta situação não a cortes de verbas para ONGs, mas ao crescimento da violência no campo, relacionada ao aumento do número de licença de armas para fazendeiros, e às barreiras sanitárias, com a pandemia de covid-19.
O relatório Conflitos no Campo Brasil 2020, que é referência nacional e internacional para pesquisas sobre este tema, desde 1985 (todos os relatórios podem ser encontrados aqui), aponta que 2020 foi o “ano de terror no campo”, com um aumento de 8% de conflitos de terra e das águas em relação a 2019, média 6.62 conflitos por dia. Os dois primeiros anos do governo Bolsonaro registraram o maior número de aumentos de conflitos no campo. Os povos indígenas (42%) foi o grupo que mais sofreu ações de conflitos por terra, seguido por quilombolas com 17% e posseiros com 15%. Foram registradas 2.054 ocorrências em 2020, um aumento de 8% em relação a 2019. Esse é o maior número de ocorrências de conflitos no campo já registrado pela organização desde 1985. Foram 914.144 pessoas envolvidas em conflitos ano passado, um aumento de 2% em relação ao ano anterior.
“Injustiça fundiária”
Segundo o relatório, o Brasil viveu em 2020 um quadro de “injustiça fundiária, prevalência dos interesses do capital, violência, omissão/conivência do Estado e resistência dos povos e comunidades. 2020, porém, foi um ano em que alguns atores tiveram que se adaptar frente a uma condicionante inesperada: a COVID-19. Nesse sentido, as ações de resistência, como ocupações/retomadas e acampamentos – que já haviam declinado em 2019, diante da postura belicosa do governo federal –, experimentaram novo enfraquecimento, e somaram apenas 29 ocupações e três acampamentos” (página 9).
O documento da CPT oferece um comparativo do número de ações de ocupação e retoma de terras nos últimos dez anos:
Imagem: reprodução de tabela do documento
Extraído de Conflitos no Campo 2020, CPT, p. 22
Uma audiência na Câmara dos Deputados debateu o tema da violência no campo, em 2021, com a participação do INCRA. De janeiro a maio, a Procuradoria-Geral Federal, órgão vinculado à Advocacia-Geral da União (AGU), atuou em 505 processos judiciais relativos a ações de posse e de reivindicação de propriedade efetiva de terras. Também há preocupação com a invasão de terras indígenas, sobretudo no caso dos conflitos dos Munduruku com garimpeiros ilegais, no Pará. As discussões corroboraram o que consta no relatório da CPT.
O direito às “terras indígenas” é garantido pela constituição cidadã de 1988, Título VIII, Da Ordem Social, Capítulo VIII, Dos Índios. A constituição partiu em defesa dos índios como os primeiros, e naturais, senhores da terra, sendo eles seus proprietários de seus direitos. Assim, o direito dos nativos à terra independe do reconhecimento formal. No artigo 20 está estabelecido que essas terras são bens da União, sendo reconhecidos aos povos indígenas a posse, usufruto e permanência em seu território.
Artigo 231: São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens § 1º – São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
As terras demarcadas como pertencentes aos povos indígenas somam hoje 15% do território amazônico. 63 milhões de hectares. E apesar de serem popularmente chamadas de “terras indígenas” o território demarcado para os povos originários é de posse do Estado, cabendo a ele sua manutenção e preservação, sendo sua venda ou arrendamento a terceiros punível por lei. De acordo com relatório “Conflito no Campo Brasil 2020”, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2021 modalidades de violência como a invasão de território indígenas cresceram em relação a anos anteriores. Das 81 mil famílias vítimas de invasão territorial, 58. 327 são indígenas (71,8%). Em 2019, essa porcentagem havia sido de 66,5% (26.621) e em 2018, 50,1% (14.757)
“Os registros da CPT confirmam a análise da prof. Patrícia [Chaves, da Universidade Federal do Amapá] ao identifcar, na esteira dos ataques promovidos pelos referidos agentes, os principais tipos de violência por eles cometidos em 2020: “invasão”, “grilagem” e “desmatamento ilegal”. Foram vitimadas por invasão 81.225 famílias, das quais 58.327 9 são indígenas (72%); 19.489 sofreram grilagem (37% indígenas); e 25.559, desmatamento ilegal (60% indígenas)”, afirma CPT em relatório.
O relatório da CPT reconhece que o governo federal “apresentou o Projeto de Lei (PL) 191/2020, para regulamentar a exploração em terras indígenas, e apoiou o PL 5.518/2020, apresentado pelo deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), cujo objetivo é de aprovar concessões de exploração das florestas à iniciativa privada” (p. 29).
O governo deu porte de arma às pessoas?
“Demos o porte de arma ao fazendeiro. Estamos criando mais de mil CACs (Colecionadores, Atiradores e Caçadores) por dia”, disse Jair Bolsonaro, no encontro com apoiadores em 10 de fevereiro . De fato, isto é resultado de uma política do governo federal que prevê um processo de armamento de parcela da população.
Desde 2019, houve um aumento nos registros de compras de novas armas por cidadãos brasileiros, contabilizando um acréscimo de 225% se comparado ao triênio anterior, foram 153 mil novas armas adquiridas de 2019 a 2021, estando 143 mil desse total, 76%, sob posse de cidadãos sem especificação de uso ou territorialidade (se para centros urbanos, como autodefesa, ou para o campo, como arma de caça). Em contrapartida, o número de alvarás para a posse de armas foi de 10.627, entre 2019 e 2021, menos de 10% do número de novas armas. No mesmo período, o número de pedidos para registro de atuação como CACs aumentou 43%, chegando a 286,9 mil pedidos em 2020.
Posse e porte não são sinônimos. A posse permite a pessoa adquirir e tutelar uma arma de fogo, já o porte permite que a mesma faça o seu uso e locomoção. De acordo com o artigo 6º, IX da Lei 10.826/03 – Estatuto do Desarmamento, a licença CAC-atirador não é o mesmo que posse de armas. Ela permite ao sujeito o manuseio da arma em ambiente controlado, dentro de um Clube de Tiro, além da participação em treinos e competições de tiro. Para isto é necessário estar apto para tal ação, sendo o uso da arma em ambiente externo ao clube permitido apenas para competições e não para autodefesa ou defesa patrimonial.
O relatório Conflitos no Campo 2020 da CPT confirma a fala do presidente, ao relacionar o aumento na violência no campo a partir de 2019 com estas políticas de armamentismo. O texto registra que o governo Bolsonaro
“não somente faz vistas grossas para as ilegalidades e impunidades cometidas pelas classes ruralista e burguesa do país, ele abertamente propõe leis ou cria decretos que estimulam os massacres contra as populações, como é o caso dos decretos 10.627/21, 10.628/21, 10.629/21 e 10.630/21, que flexibilizam os procedimentos para porte de armas; ampliam a lista de profissões autorizadas ao uso de armas; retiram o imposto de importação de armas; e permitem a posse de arma para toda propriedade rural” (p. 28)
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Bereia classifica a afirmação do presidente Jair Bolsonaro, repercutida pelo site gospel Pleno News, de que “tirou verba de ONG e acabou com o MST” como enganosa. O conteúdo do pronunciamento é impreciso e não corresponde a tal afirmação, que foi utilizada como chamariz. A apesar de ter elementos verdadeiros, como a redução de verbas governamentais para as ONGs, a declaração do presidente omite dados referentes à autonomia financeira do MST em relação ao governo, às causas da redução das ocupações de terra, como a pandemia de covid-19, e aos interesses em torno da não-demarcação de terras indígenas. Além disso, a fala de Jair Bolsonaro denota como positiva a insegurança no campo, com as ações armadas da parte de fazendeiros para reduzir ocupações de terras, e o não cumprimento do direito constitucional dos indígenas à demarcação. Bereia verificou que o MST não só segue em atuação como foi destaque no noticiário recente por conta de sua premiação pela Organização Internacional do Trabalho e sua entrada no mercado financeiro para captação de recursos.