O Fluminense: de ícone do jornalismo local a instrumento de propaganda da extrema-direita

Ao longo de sua história, O Fluminense, fundado em 1878 pelos majores da Guarda Nacional Francisco Rodrigues de Miranda e Prudêncio Luís Ferreira Travassos, foi muito mais que um jornal para os moradores de Niterói (RJ). Ele representou a tradição, a informação confiável e o compromisso com a transparência na comunicação. Historicamente manteve uma linha editorial conservadora, mas sem abandonar os princípios jornalísticos. Em 2018, após 140 anos de circulação impressa, o jornal deixou de ser publicado em papel, tendo se adaptado à era digital e passado a atuar exclusivamente online. 

O Fluminense foi dirigido pela família Rodrigues de Miranda até 1955, quando passou ao advogado e deputado estadual Alberto Torres. Em 2019, os herdeiros de Torres venderam o jornal ao empresário Lindomar Alves Lima.

Durante as eleições municipais de 2024, observou-se uma mudança na postura editorial de O Fluminense. O jornal, que historicamente prezava pela imparcialidade, passou a publicar uma série de matérias que favoreciam o candidato a prefeito de Niterói Carlos Jordy, do PL, enquanto adotava um tom crítico em relação a Rodrigo Neves, do PDT. Essa mudança levantou questionamentos sobre o comprometimento do veículo com os princípios éticos do jornalismo e a atuação como ferramenta de comunicação da campanha de Jordy 

Às vésperas do segundo turno, O Fluminense distribuiu gratuitamente pela cidade uma edição impressa extraordinária. As matérias divulgadas já haviam sido publicadas anteriormente na versão digital do Jornal.

A capa da versão impressa traz a pesquisa mais favorável ao candidato Carlos Jordy. Logo abaixo, uma imagem do candidato Rodrigo Neves e o título: Rodrigo Neves irá depor dia 30/10 por corrupção. O processo divulgado tramita em segredo de justiça e não pode ser consultado por Bereia

Em 28 de outubro, apenas na versão digital, O Fluminense divulgou que teve acesso exclusivo a outros dois processos que também tramitam em segredo de justiça e que supostamente incriminavam Rodrigo Neves.

Em 30 de outubro Rodrigo Neves emitiu nota oficial desmentindo a informação publicada pelo jornal:

O prefeito eleito de Niterói, Rodrigo Neves, não foi notificado pessoalmente, como determina o Código de Processo Civil, para a audiência, marcada para essa quarta-feira (30-10). Estava com agenda em Brasília em audiências com o Ministro da Defesa, José Mucio, o Vice-Presidente e Ministro da Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin, o Ministro da Fazenda Fernando Haddad, e o Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva. Cabe esclarecer que a audiência de hoje diz respeito a uma ação popular completamente improcedente do então vereador da oposição Bruno Lessa, cujo advogado é também advogado do candidato derrotado Carlos Jordy. E que essa ação judicial da oposição diz respeito ao mesmo assunto de outra ação arquivada após esclarecimentos de Rodrigo Neves e pedidos de arquivamento pelo Ministério Público e decisão do Tribunal de Justiça. Rodrigo Neves esclarece que irá participar da audiência prevista para dezembro e que confia na imparcialidade da Justiça em relação a essa ação judicial movida pela oposição. E que solicitou a condenação do autor da ação vereador Bruno Lessa por litigância de má fé com o único objetivo de fazer política e atacar o Prefeito eleito.”

Imagem: reprodução/O Fluminense – edição impressa extraordinária dias 26, 27 e 28 de outubro de 2024

A escolha de temas – pesquisa eleitoral favorável a Carlos Jordy e  associar Rodrigo Neves a uma suposta acusação de corrupção – reforça a percepção de possível força do candidato Jordy, enquanto subtrai elementos que poderiam equilibrar e suavizar a imagem de Rodrigo Neves.

Esse recorte, especialmente em um jornal de distribuição gratuita no dia da eleição, tende a consolidar as preferências dos eleitores mais vulneráveis à última impressão. A ausência de diversidade de fontes de pesquisa eleitoral e o foco em uma pesquisa isolada contribuem para sugerir um favoritismo não inteiramente sustentado por um conjunto mais amplo de dados.

 O uso de uma capa com informações negativas sobre Neves, como “irá depor dia 30/10 por corrupção”, coloca em evidência um ponto prejudicial à sua campanha, mesmo sem a confirmação oficial de um processo acessível ao público.

Imagem: reprodução/O Fluminense – edição impressa extraordinária dias 26, 27 e 28 de outubro de 2024

A capa do jornal reforça a narrativa editorial através de uma escolha visual estratégica: Rodrigo Neves é retratado em uma postura cabisbaixa, evoca desânimo ou até mesmo culpa, enquanto Carlos Jordy aparece de maneira expansiva, de braços abertos, discursando para o público feminino

Essa construção imagética, combinada com os textos, atua como um discurso não verbal que intensifica a percepção dos candidatos em direções opostas — Neves como vulnerável e enfraquecido, Jordy como um líder confiante e próximo do povo. A combinação de imagem e texto evidencia o alinhamento editorial do jornal, utilizando a fotografia para reforçar uma narrativa.

No interior da versão impressa, o jornal apresentou ainda a seguinte acusação: na manhã de 24 de outubro, a Polícia Federal prendeu dois homens em flagrante por transportarem R$500 mil em espécie no bairro de Icaraí, em Niteroi, juntamente com material de campanha do candidato Carlos Jordy. A Polícia não divulgou os nomes dos detidos, e outros jornais e portais de notícias também não identificaram os envolvidos. O Fluminense, no entanto, numa narrativa que destoava de todos os outros meios de imprensa, foi o único a divulgar os nomes dos suspeitos e, sem apresentar evidências, afirmou que Jordy seria vítima de uma armação, sugerindo que as suspeitas recaíam sobre Rodrigo Neves, que teria uma suposta “ligação” com os envolvidos.

Imagem: reprodução/O Fluminense – edição impressa extraordinária dias 26, 27 e 28 de outubro de 2024

A maneira como os títulos e manchetes são estruturados na capa e no interior enfatiza uma dicotomia entre “honestidade” e “corrupção”, onde Jordy surge como o candidato honesto, enquanto Neves é associado a processos sigilosos e suspeitas de ilegalidade. Isso cria um ambiente polarizado, no qual o eleitor é levado a ver Jordy como uma escolha segura em contraste com Neves.

Bereia acompanhou uma série de outras publicações que visavam enaltecer Jordy e desqualificar o então candidato Rodrigo Neves. Nelas, foram usadas  técnicas de manipulação e desinformação, como a insinuação indireta, a omissão de fontes confiáveis e a repetição constante da narrativa em múltiplas matérias para reforçar a associação negativa. 

Tal postura marcou um distanciamento preocupante dos princípios éticos do jornalismo, uma vez que, em várias ocasiões, o jornal promoveu narrativas que não correspondiam aos fatos.

Nos levantamentos realizados pelo Bereia nas últimas publicações do jornal, nos meses de setembro e outubro, 23 matérias criticavam o candidato Rodrigo Neves e nenhuma delas tecia comentários positivos à campanha ou sua gestão na cidade por Rodrigo Neves. Já com relação ao candidato Carlos Jordy, 14 matérias positivas e nenhuma desfavorável. 

Alguns exemplos:

Matérias Favoráveis a Carlos Jordy

“Carlos Jordy promete modernizar Centro, Alameda e mais 12 áreas” (02 de outubro de 2024)

“Carlos Jordy: Polo tecnológico irá gerar 8 mil empregos de qualidade” (03 de outubro de 2024)

“Carlos Jordy inicia campanha do segundo turno com caminhada empolgante em Icaraí” (14 de outubro de 2024)

“Partido Novo apoia Carlos Jordy no segundo turno em Niterói, reforçando valores conservadores” (15 de outubro de 2024) 

“Carlos Jordy promete cancelar contrato do Niterói Rotativo” (20 de outubro de 2024)

“Carlos Jordy cresce e apoio popular aumenta” (23 de outubro de 2024)

Além disso, encontros com representantes católicos e evangélicos foram destacados como um apoio formal destes segmentos ao candidato Jordy. Rodrigo Neves também recebeu o apoio de lideranças evangélicas locais, mão isto foi não mencionado pelo jornal. 

Imagens: reprodução/O Fluminense 

Matérias críticas a Rodrigo Neves

Das mais de duas dezenas de matérias negativas, quatro matérias publicadas poucos dias antes do segundo turno se destacam:

Carlos Jordy e Rodrigo Neves empatados tecnicamente”

A matéria afirma que: “A disputa pela prefeitura de Niterói chega à reta final em clima de virada. O candidato Carlos Jordy (PL) alcançou um empate técnico com Rodrigo Neves (PDT) nas intenções de voto, segundo o cientista político Bruno Soller, do Instituto de Pesquisa Real Big Data. A diferença, que antes era favorável a Neves, diminuiu rapidamente, e, se a tendência de crescimento de Jordy se mantiver, ele pode se tornar o próximo prefeito de Niterói”.

“Soller destaca que a crescente insatisfação dos eleitores com a atual gestão, apoiada por Axel Grael, tem sido um ponto-chave para o avanço de Jordy na corrida eleitoral. “A eleição em Niterói agora é sobre continuidade ou mudança, e Rodrigo Neves representa uma continuidade que não tem agradado aos niteroienses. Essa percepção tem feito com que a distância entre os candidatos praticamente desapareça, levando Jordy ao empate técnico e ao protagonismo na disputa”, analisa Soller”.

Imagem: reprodução/O Fluminense 

A pesquisa foi registrada no TSE, em 19 de outubro, com o número RJ-09627/2024, e divulgada em 25 de outubro. Entretanto, O Fluminense publicou apenas esta pesquisa mais favorável ao candidato Carlos Jordy; outras duas pesquisas, do mesmo período, foram omitidas. Há a pesquisa GERP divulgada em 24 de outubro de 2024:

Imagem: reprodução/GERP

Também há a pesquisa Atlas Intel divulgada em 26 de outubro de 2024.

Imagem: reprodução/Atlas Intel

Rodrigo Neves foi eleito no 2° turno  com 156.067 votos, ou 57,20% dos votos válidos , e derrotou Carlos Jordy , que terminou com 42,80% dos votos válidos, ou 116.796 eleitores.

PT invade Niterói para tentar salvar Rodrigo Neves” (26 de outubro de 2024)

A matéria afirma que: “Na véspera do segundo turno das eleições mais disputadas da história recente de Niterói, os moradores da cidade foram surpreendidos, neste sábado, por uma verdadeira invasão de petistas de várias cidades do estado e, até mesmo, da região do ABC paulista. São milhares de militantes profissionais da Baixada Fluminense, Maricá, São Gonçalo, da Capital e, até mesmo, de São Bernardo do Campo, onde o PT ficou de fora do segundo turno”.

O jornal afirma que a deputada federal Benedita da Silva esteve em Niterói para apoiar Rodrigo Neves, o que de fato aconteceu. Entretanto, as informações sobre uma suposta “invasão de militantes profissionais” não é corroborada por fontes ou informações confiáveis, nem qualquer movimento neste sentido foi noticiado por outros veículos .

“Medo de perder boquinhas une velha política de Niterói com Rodrigo Neves”,  em 26 de outubro de 2024.

A matéria afirma que “Niterói está assistindo a campanha mais agressiva de sua história. O gabinete do ódio, montado por Rodrigo Neves, tem de tudo. Uma verdadeira fábrica de fake news está produzindo as narrativas mais absurdas, numa tentativa desesperada de Rodrigo Neves para manter o poder, custe o que custar”.

O Fluminense cita uma suposta fábrica de fake news, mas durante o processo eleitoral, o candidato Carlos Jordy foi punido pelo TRE por “discurso ofensivo” e “campanha ilegal nas redes socias”, como checado pelo Coletivo Bereia. Ainda durante a campanha, a Justiça Eleitoral derrubou mais de 20 páginas com notícias falsas e ataques ao candidato Rodrigo Neves.

“Rodrigo Neves despeja dinheiro e torna segundo turno em Niterói o mais sujo do país” (27 de outubro de 2024)

Imagem: reprodução/O Fluminense 

Esta matéria afirma que: “Segundo cobertura da mídia e informações oficiais da Justiça Eleitoral, Niterói foi a cidade com maior número de presos por compra de votos em todo Brasil. São mais de 100 presos por boca de urna para o candidato do PDT, Rodrigo Neves. Até o momento dezenas de outros presos por corrupção eleitoral aguardam para serem indiciados. O abuso de poder econômico por parte da campanha de Rodrigo Neves ignorou completamente a legislação eleitoral.

Entretanto, de acordo com informações do TRE, 53 pessoas foram conduzidas à Delegacia da Polícia Federal por suspeita de prática de boca de urna, sendo que 20 foram autuadas. Além disso, não há qualquer menção oficial sobre o candidato que supostamente seria beneficiado com a prática. Curiosamente, apenas O Fluminense publicou a alegação de que a boca de urna estaria sendo realizada em favor de Rodrigo Neves, uma informação que não foi corroborada por outros veículos de comunicação.

*** O Fluminense produziu uma seleção tendenciosa de informações. Especificamente, ao publicar apenas a pesquisa eleitoral que favorecia o candidato Carlos Jordy, tendo omitido outras pesquisas realizadas no mesmo período que mostravam resultados diferentes, como as do GERP e Atlas Intel. Esta prática pode criar uma percepção distorcida da realidade eleitoral, e influenciar a opinião pública de maneira parcial.

Além disso, há omissão de fontes confiáveis ao afirmar que houve uma “invasão de militantes profissionais” do PT em Niterói. Sem apresentar fontes ou dados concretos para sustentar essa alegação, e sem que outros veículos de comunicação tenham corroborado a informação, a credibilidade da notícia é questionável. Esta falta de evidências concretas pode induzir o leitor ao erro e compromete a responsabilidade jornalística.

Observa-se também uma repetição de narrativas negativas direcionadas ao candidato Rodrigo Neves. Foram publicadas 23 matérias críticas a seu respeito, sem nenhum contraponto positivo, enquanto Carlos Jordy recebeu 14 matérias favoráveis e nenhuma crítica. A repetição contínua de conteúdos negativos sobre um candidato pode reforçar associações negativas no público, influenciando a percepção de maneira desequilibrada.

O uso de insinuações e linguagem emocional é evidente em termos como “gabinete do ódio”, “fábrica de fake news” e “campanha mais suja do país”, utilizados sem evidências concretas. Essas expressões têm o potencial de instigar emoções negativas e desacreditar Rodrigo Neves, desviando o foco de uma discussão objetiva e baseada em fatos.

Há também um distanciamento dos fatos e dados oficiais. A matéria que afirma que “Niterói foi a cidade com maior número de presos por compra de votos em todo Brasil” contradiz os dados oficiais do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), que registrou 53 conduções por suspeita de boca de urna, sem especificar envolvimento direto de qualquer candidato. Essa discrepância levanta preocupações sobre a precisão e veracidade das informações divulgadas.

As falhas na verificação de informações são preocupantes. Ao citar supostos eventos como a “invasão” de militantes e a existência de um “Gabinete do Ódio” sem apresentar provas ou fontes confiáveis, o jornal não cumpre com o dever básico de checar os fatos antes da publicação, o que compromete a qualidade e a ética jornalística.

Por fim, há um claro desbalanceamento na cobertura jornalística. A ausência de matérias críticas sobre Carlos Jordy e a falta de reconhecimento das ações positivas ou apoios recebidos por Rodrigo Neves indicam uma cobertura desequilibrada e parcial. Uma imprensa responsável deve buscar a imparcialidade para oferecer ao público uma visão equilibrada dos fatos e permitir que os leitores formem suas próprias opiniões com base em informações precisas e verificadas.

O Fluminense, um jornal com profunda ligação histórica com Niterói, desviou-se de seu compromisso com o jornalismo responsável, ao utilizar técnicas de desinformação que comprometem a integridade informativa e a confiança dos leitores. Ao enfatizar apenas aspectos positivos de um candidato e negativos de outro, sem embasamento em fontes confiáveis, o jornal desempenhou um papel mais próximo ao de um panfleto político do que ao de um veículo de comunicação comprometido com a verdade.

Referências:

Governo Federal. https://www.gov.br/pf/pt-br/assuntos/noticias/2024/10/pf-prende-dois-homens-com-r-500-mil-durante-acao-contra-crimes-eleitorais-em-niteroi Acesso em: 29 Out 2024 

FGV https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/FLUMINENSE,%20O.pdf Acesso em: 29 Out 2024 

TJ-RJ https://www3.tjrj.jus.br/consultaprocessual/#/consultapublica?numProcessoCNJ=0061380-23.017.8.19.2017 Acesso em: 29 Out 2024 

O Fluminense https://www.ofluminense.com.br/cidades/niteroi Acesso em: 29 Out 2024 

https://www.tre-rj.jus.br/comunicacao/noticias/2024/Outubro/niteroi-e-petropolis-elegem-prefeitos-em-segundo-turno Acesso em: 29 Out 2024 

https://www.ofluminense.com.br/cidades/niteroi/2024/10/1274821-rodrigo-neves-despeja-dinheiro-e-torna-segundo-turno-em-niteroi-o-mais-sujo-do-pais.html  Acesso em: 29 Out 2024 

https://www.ofluminense.com.br/cidades/niteroi/2024/10/1274816-medo-de-perder-boquinhas-une-velha-politica-de-niteroi-com-rodrigo-neves.html Acesso em: 29 Out 2024 

https://www.ofluminense.com.br/cidades/niteroi/2024/10/1274805-pesquisa-carlos-jordy-e-rodrigo-neves-empatados-tecnicamente.html Acesso em: 29 Out 2024 

https://www.ofluminense.com.br/cidades/niteroi/2024/10/1274818-pt-invade-niteroi-para-tentar-salvar-rodrigo-neves.html Acesso em: 29 Out 2024 

https://www.ofluminense.com.br/cidades/niteroi/2024/10/1274805-pesquisa-carlos-jordy-e-rodrigo-neves-empatados-tecnicamente.html Acesso em: 29 Out 2024 

https://www.ofluminense.com.br/cidades/niteroi/2024/10/1274703-jordy-fortalece-lacos-com-igreja-catolica-em-defesa-dos-valores-cristaos-e-da-vida.html Acesso em: 29 Out 2024 

Enfoco https://enfoco.com.br/noticias/politica/rodrigo-neves-recebe-apoio-de-evangelicos-no-mercado-municipal-122893 Acesso em: 29 Out 2024 

TSE https://pesqele-divulgacao.tse.jus.br/app/pesquisa/detalhar.xhtml Acesso em: 29 Out 2024 

https://pesqele-divulgacao.tse.jus.br/app/pesquisa/detalhar.xhtml Acesso em: 29 Out 2024 

O Dia. https://odia.ig.com.br/niteroi/2024/09/6915486-justica-derruba-mais-de-vinte-paginas-de-fake-news-contra-rodrigo-neves.html Acesso em: 29 Out 2024 

Coletivo Bereia. https://coletivobereia.com.br/eleicoes-2024-justica-eleitoral-pune-candidato-a-prefeito-autointitulado-cristao-deputado-carlos-jordy-pl/ Acesso em: 29 Out 2024 G1. https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2024/10/24/pf-apreende-dinheiro-em-niteroi.ghtml Acesso em: 29 Out 2024

Postagens de políticos extremistas enganam com informações sobre processos contra nova ministra dos Direitos Humanos

*Matéria atualizada em 04 /10/24 para inclusão de informações.

Ganhou repercussão, nos últimos dias, a notícia de que a recém nomeada ministra dos Direitos Humanos e Cidadania Macaé Evaristo, deputada estadual pelo PT-MG, é alvo de ações de improbidade administrativa, relacionadas principalmente a acusações de superfaturamento de contratos,  quando secretária estadual e municipal de Educação anos atrás. 

Evaristo teve o nome anunciado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 9 de setembro passado, para assumir a pasta no lugar de Sílvio Almeida, demitido sob acusações de assédio e importunação sexual.

As acusações de superfaturamento de contratos, levantadas por veículos como O Globo e Folha de S. Paulo, foram amplificadas por figuras da oposição em redes sociais, incluindo os deputados federais extremistas de direita Mário Frias (PL-SP) e Carla Zambelli (PL-SP).

Imagem: reprodução/O Globo

Imagem: Reprodução/Instagram

Reprodução/Instagram

Quem é Macaé Evaristo

A recém nomeada ministra dos Direitos Humanos e Cidadania foi secretária de Educação de Belo Horizonte entre 2005 e 2012, durante as gestões de Fernando Pimentel (PT) e Márcio Lacerda (PSB). 

Macaé Evaristo atuou no governo federal, entre 2013 e 2014, durante o governo Dilma Roussef (PT),como titular da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão no Ministério da Educação..

De  2015 a 2018, ocupou a secretaria estadual de Educação de Minas Gerais, durante o governo de Fernando Pimentel (PT). 

Nas eleições de 2020, a educadora foi eleita à Câmara Municipal de Belo Horizonte, pelo Partido dos Trabalhadores, com 5.985 votos. Em 2022, foi eleita à Assembleia Legislativa de Minas Gerais, também pelo PT, com 50.416 votos.

Processos de Improbidade Administrativa 

Bereia pontua que em processos de improbidade administrativa, o foco é avaliar se houve atos de má gestão, desvio de recursos ou negligência no uso de dinheiro público. No caso de Macaé, as acusações giram em torno de contratos firmados durante sua gestão como secretária de Educação, particularmente, no tocante a licitações para uniformes e mobiliário escolar.

Macaé Evaristo esclareceu que, durante sua gestão na Secretaria de Educação de Minas Gerais, foram realizadas licitações para a compra de mobiliário e kits escolares, que posteriormente passaram a ser investigadas pelo Ministério Público Estadual.

Ela ressaltou que, no processo referente à aquisição de carteiras escolares ( n° 5142894-04.2020.8.13.0024, foi homologado um acordo entre as partes. O pagamento das parcelas acordadas teve início em 19 de novembro de 2021 e segue em andamento, com os demais envolvidos cumprindo suas obrigações financeiras.

Na sentença referente a Macaé Evaristo,  foi celebrado um acordo extrajudicial com o Ministério Público, que foi homologado por um juiz. A “extinção do processo com resolução de mérito”, que consta nos registros, significa que o caso foi concluído após uma análise completa, sem que tenha sido necessária uma condenação formal. Macaé Evaristo argumenta que esses processos foram conduzidos por comissões de licitação e que não houve má-fé de sua parte.

O advogado e analista judiciário da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro Abel Rangel, ouvido pelo Bereia, explica que, “conforme o artigo 487, inciso III, alínea ‘b’ do Código de Processo Civil, a extinção do processo contra Macaé Evaristo se deu por meio de um acordo extrajudicial. O uso desse tipo de acordo, em casos de improbidade administrativa, é comum, especialmente quando não há dolo ou enriquecimento ilícito, e quando os danos ao erário foram reparados. A Lei de Improbidade Administrativa (artigo 17, §1º) permite acordos nesses casos para evitar o prosseguimento do processo e garantir a celeridade da Justiça”.

Macaé Evaristo também informou à imprensa que celebrou termos de acordo para resolver rapidamente outras questões jurídicas a essas licitações nos seguintes processos: 5146628-60.2020.8.13.0024, 5146655-43.2020.8.13.0024, 5146677-04.2020.8.13.0024, 5146822-60.2020.8.13.0024, 5146833-89.2020.8.13.0024, 5146844-21.2020.8.13.0024, 5146485-71.2020.8.13.0024, 5146637-22.2020.8.13.0024, 5146665-87.2020.8.13.0024, 5146764-57.2020.8.13.0024, 5146829-52.2020.8.13.0024 e 5146838-14.2020.8.13.0024

Os processos mencionados, que envolvem questões de licitações, estão relacionados ao mesmo tema, mas foram desmembrados em várias ações judiciais. Cada um deles foi resolvido de forma individual, com acordos homologados judicialmente. 

O advogado Abel Rangel pontua que esse desmembramento é comum em casos administrativos que envolvem diferentes contratos ou fases de execução, mas todos os processos relacionados à Macaé Evaristo foram arquivados sem aplicação de penalidades contra ela.

O jornal Folha de São Paulo, inicialmente, informou que Macaé Evaristo havia feito um acordo judicial no valor de R$10 milhões para encerrar um dos processos de improbidade administrativa. Pouco depois, a publicação corrigiu o erro e esclareceu que o valor correto pago por Macaé foi de R$10 mil, não R$10 milhões. A retificação foi feita para ajustar a informação ao valor real do acordo extrajudicial firmado pela ex-secretária.

Imagem: Reprodução/Folha de São Paulo

Quanto ao Processo n° 5143372-51.2016.8.13.0024, relacionado à aquisição de kits de uniformes escolares para alunos da rede municipal de Belo Horizonte, a nova ministra nomeada esclarece que o processo ainda está em fase instrutória, e aguarda decisão judicial. Ela reiterou sua confiança na Justiça e garantiu que sua gestão sempre foi pautada pela correta administração dos recursos públicos e pela transparência.

Novas denúncias 

O portal UOL publicou, em 13 de setembro passado, que uma auditoria interna do Ministério da Educação apontou que Macaé Evaristo “deixou sem explicação um rombo de R$177 milhões em verba de merenda”. 

Imagem: Reprodução UOL Prime, 13 set 2024

A notícia se refere à Tomada de Contas Especial, instaurada pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), em razão da não comprovação da regular aplicação dos recursos repassados pela União, para atendimento ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), em 2016. À época, Macaé Evaristo ocupava o cargo de secretária de Educação do Estado de Minas Gerais. As informações foram enviadas ao Tribunal de Contas da União (TCU) que formalizou o  Processo nº 039.766/2023-3 para apurar supostas irregularidades.

Bereia pediu acesso ao processo no TCU, através da plataforma FalaBR. Foi verificado que, de fato, durante a gestão de Macaé Evaristo (2015-2018), a Secretaria de Educação de Minas Gerais não comprovou a utilização correta dos recursos destinados à alimentação escolar. A  auditoria levantou um prejuízo ao erário superior a R$116 milhões, valor que, com correções e juros, chega a mais de R$ 177 milhões. Consta no processo que diversos pagamentos a fornecedores foram realizados sem a documentação devida comprobatória, o que impediu a vinculação entre as despesas e os credores responsáveis.

Além disso, outras falhas graves foram identificadas, como o fornecimento parcial de alimentação nas escolas, ausência de nutricionistas, não cumprimento de cardápios específicos para comunidades indígenas e quilombolas, falta de controle de estoque e armazenamento inadequado de alimentos, entre outros.

O processo está em julgamento no TCU, com a concordância da Controladoria Geral da União. 

Em nota oficial, a ministra explicou que os recursos do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), transferidos pelo FNDE, em 2016, foram devidamente repassados ​​pela Secretaria de Educação de Minas Gerais para as unidades responsáveis ​​pela execução do programa, conhecidas como “caixas escolares” ou “unidades executoras”. Essas unidades são associações sem fins lucrativos que apoiam as escolas e realizam a compra da merenda diretamente.

Segundo a ministra, os auditores do FNDE levantaram questões sobre os procedimentos de controle dessas unidades, mas não apontaram qualquer problema nos recursos gerenciados diretamente pela Secretaria Estadual de Educação. 

Macaé Evaristo também afirmou que vai prestar todas as informações devidas ao TCU e destacou seu compromisso com a transparência e a correta gestão dos recursos públicos, tanto em sua atuação anterior quanto na sua gestão atual no Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania.

***

Bereia avalia que o uso político da informação sobre os processos de improbidade administrativa contra a nova ministra nomeada para a pasta de Direitos Humanos e Cidadania é enganoso. As acusações contra Macaé Evaristo envolvem a licitação de uniformes e mobiliário escolar durante suas gestões nas secretarias de Educação de Belo Horizonte e Minas Gerais. As investigações apontaram superfaturamento nesses contratos, mas a ministra firmou acordos extrajudiciais com o Ministério Público, solucionando os casos. Não houve comprovação, até agora, de dolo ou enriquecimento ilícito por parte da nova ministra nomeada, e os danos ao erário foram reparados dentro do processo.

 A divulgação das informações sobre os processos, de anos passados, pelas manchetes de jornais, usadas por políticos da extrema direita, notórios propagadores de desinformação, se torna enganosa porque as investigações e a resolução judicial mostram que não houve dolo ou má-fé, o que contraria a narrativa promovida em redes sociais. 

As acusações que circulam nas redes foram infladas e as informações apresentadas de maneira incompleta, sem refletir o contexto e o desfecho do que foi concluído na Justiça.  Até o momento, apenas um processo continua em andamento.

A informação sobre os antigos processos judiciais que envolvem a nova ministra é relevante e deve ser oferecida ao público para que esteja atento ao desempenho dela na função. Porém, as acusações construídas com base na informação não procedem diante do encerramento da quase totalidade dos processos. 

Bereia reafirma a importância da oposição política ao governo federal, relevante e saudável em qualquer democracia. No entanto, a oposição deve ser feita com ações dignas, sem recurso à desinformação para convencer e captar rejeições.

Referências de checagem:

TJ-MG.

https://pje-consulta-publica.tjmg.jus.br/pje/ConsultaPublica/DetalheProcessoConsultaPublica/listView.seam?ca=8f497e49f0b954460f59b37b25527699a01357001ced5f54 Acesso em: 10 Set 2024

https://pje-consulta-publica.tjmg.jus.br/pje/ConsultaPublica/DetalheProcessoConsultaPublica/listView.seam?ca=4ad8804e435ec9730f59b37b25527699a01357001ced5f54 Acesso em: 10 Set 2024

https://pje-consulta-publica.tjmg.jus.br/pje/ConsultaPublica/DetalheProcessoConsultaPublica/listView.seam?ca=81d29a3903e6b11f0f59b37b25527699a01357001ced5f54 Acesso em: 10 Set 2024

https://pje-consulta-publica.tjmg.jus.br/pje/ConsultaPublica/DetalheProcessoConsultaPublica/listView.seam?ca=84b0c48cdbbdb1fb0f59b37b25527699a01357001ced5f54 Acesso em: 10 Set 2024

https://pje-consulta-publica.tjmg.jus.br/pje/ConsultaPublica/DetalheProcessoConsultaPublica/listView.seam?ca=b48305c25eccdb960f59b37b25527699a01357001ced5f54 Acesso em: 10 Set 2024

https://pje-consulta-publica.tjmg.jus.br/pje/ConsultaPublica/DetalheProcessoConsultaPublica/listView.seam?ca=e1c59cfd23cd7f9d0f59b37b25527699a01357001ced5f54 Acesso em: 10 Set 2024

https://pje-consulta-publica.tjmg.jus.br/pje/ConsultaPublica/DetalheProcessoConsultaPublica/listView.seam?ca=dd86153dbace58870f59b37b25527699a01357001ced5f54 Acesso em: 10 Set 2024

https://pje-consulta-publica.tjmg.jus.br/pje/ConsultaPublica/DetalheProcessoConsultaPublica/listView.seam?ca=5da144b848d425a20f59b37b25527699a01357001ced5f54 Acesso em: 10 Set 2024

https://pje-consulta-publica.tjmg.jus.br/pje/ConsultaPublica/DetalheProcessoConsultaPublica/listView.seam?ca=150c202c7d82f37a0f59b37b25527699a01357001ced5f54 Acesso em: 10 Set 2024

https://pje-consulta-publica.tjmg.jus.br/pje/ConsultaPublica/DetalheProcessoConsultaPublica/documentoSemLoginHTML.seam?ca=d752243b3d0759ebc1c566091fa6b840b78067b0acc5d750e997ff17fc7b047f6809dce0d78af9e76313aecf589dc1212b692e9446cbc6a5&idProcessoDoc=9438333616 Acesso em: 10 Set 2024

Folha de São Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/poder/2024/09/nova-ministra-de-lula-pagou-r-10-mil-em-acordo-para-encerrar-13-acoes-de-improbidade-em-mg.shtml Acesso em: 10 Set 2024

O Globo. https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2024/09/10/gestao-de-macae-evaristo-como-secretaria-em-minas-gerais-deu-prejuizo-de-r-5-milhoes-aos-cofres-publicos-diz-mp.ghtml Acesso em: 10 Set 2024

Site oficial Macaé Evaristo.

https://www.macaeevaristo.com/meu-trabalho  Acesso em: 10 Set 2024

https://www.instagram.com/macaeevaristo?igshid=YmMyMTA2M2Y%3D  Acesso em: 10 Set 2024

Congresso em Foco. https://congressoemfoco.uol.com.br/area/governo/macae-evaristo-responde-a-processo-por-superfaturamento-de-uniformes-escolares/ Acesso em: 10 Set 2024

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Foto de capa: Flickr/Ministério dos Direitos Humanos

Notícias sobre inauguração de templo dedicado a Lúcifer viralizam mas não informam

Depois de ter viralizado nas mídias sociais, a divulgação do lançamento de uma imagem de cinco metros de altura em culto a Lúcifer virou pauta nos principais veículos de imprensa do Brasil. Em 9 de agosto passado, Bereia teve acesso a matérias de mídias religiosas e seculares que noticiam a inauguração do que seria considerado “o maior santuário dedicado a Lúcifer no Brasil, localizado em Gravataí”, no Rio Grande do Sul. 

Imagem: reprodução/Pleno News

Imagem: reprodução/G1

Imagem: reprodução/UOL

Diversas mídias de notícias, como G1, Folha de São Paulo, CNN e UOL,  também deram destaque ao assunto, além de outros sites religiosos como o Gospel Prime, o Pleno News e perfis em mídias digitais. Especialistas questionam o apelo e a relevância dessa prática no Brasil, enquanto grupos religiosos expressam preocupações sobre o impacto desse movimento no cenário religioso nacional.

O local, que abriga uma estátua, mantido sob sigilo por questões de segurança, segundo as notícias, se propõe a ser espaço de rituais de “demonolatria” que pretendiam desmistificar a figura de Lúcifer. 

Ouvidos pelo UOL, os fundadores da  Nova Ordem de Lúcifer na Terra, a instituição proprietária da imagem, afirmam que o grupo  conta com cerca de 100 membros. 

A Nova Ordem de Lúcifer 

A imagem que gerou a polêmica nas mídias seria inaugurada em 13 de agosto passado pela Nova Ordem de Lúcifer na Terra, um grupo que define ter práticas que envolvem a adoração a Lúcifer. No entanto, os fundadores afirmam não terem conseguido realizar o evento, que seria interno para os participantes dos cultos, por terem sofrido “intolerância religiosa da Prefeitura de Gravataí”.

“É curioso que hoje, essa mesma data, na nossa cidade, está tendo numa área pública um movimento, uma movimentação de cristãos, e lá é permitido um espaço público, agora aqui, um espaço particular, privado, que não tem dinheiro público para nada, nós estamos sendo proibidos pela prefeitura, que entrou com uma ação e olha, espantem-se, multa de 50 mil reais se a gente fizer nossa inauguração hoje. A realidade é que isso se trata de um episódio de intolerância religiosa”,  diz Lukas de Bará da Rua, um dos fundadores da organização, em vídeo no Instagram, publicado em 16 de agosto.

Imagem: reprodução/Instagram

No perfil do Instagram, criado em fevereiro de 2024, a organização se apresenta como uma alternativa às religiões tradicionais, com proposta de uma visão diferente sobre figuras demoníacas, que são vistas por seus seguidores como símbolos de conhecimento e autoconhecimento.

Para a tradição cristã, “Lúcifer” é conhecido por ser o anjo caído. Dado como orgulhoso, Lúcifer decidiu que queria construir seu trono acima de Deus e convenceu cerca de um terço dos anjos de apoiá-lo. O exército dos rebeldes  acabou perdendo e, assim como aqueles que abraçaram a ideia do “anjo orgulhoso”, todos foram enviados para o inferno, para arder pela eternidade.

Ao Uol, os fundadores da ordem afirmam que a imagem representa “a dualidade entre carne e espírito”. Para eles, Lúcifer foi injustamente demonizado pela Igreja Católica, e o santuário pretende divulgar a imagem da entidade como “portadora da luz e do autoconhecimento”. Em publicações feitas nas mídias digitais, eles também explicam que Lúcifer representa “a luz e o equilíbrio das energias universais”. 

Imagem: reprodução/Instagram

“Lúcifer, na nossa visão, representa a luz do autoconhecimento. Não existe a ‘queda de Lúcifer’. Na verdade, temos uma interpretação diferente sobre as energias que equilibram o Universo”, explica Lukas de Bará da Rua.

“Não vemos necessidade de um livro escrito. Valorizamos a tradição e o conhecimento transmitido. No entanto, estamos finalizando a ‘Bíblia do Diabo Segundo a Corrente 72’, que será publicada em breve”, afirma Tatá Hélio de Astaroth, cofundador da Ordem, que no seu site oficial, se apresenta como o “Tatá do Amor”.

Imagem: reprodução/Instagram Tatá Hélio de Astaroth

Lukas de Bará da Rua mantém um site onde se apresenta como “Rei da Amarração Amorosa” e “Táta (sacerdote) de Quimbanda Independente”. Ele afirma trabalhar com Exús, Pomba Giras e Demônios e realizar diversos tipos de trabalhos espirituais. Com mais de 18 anos de experiência religiosa, especializou-se em rituais voltados para questões amorosas, incluindo “Adoçamento Amoroso”, “Afastamento de Rival” e “Brochamento”.

A Quimbanda é  uma prática religiosa afro-brasileira que lida com entidades conhecidas como Exús e Pomba Giras, frequentemente associadas a rituais de magia e espiritualidade que não seguem as normas do Candomblé ou da Umbanda. Praticada no no Rio Grande do Sul, adquiriu uma posição singular em comparação com outras regiões do Brasil.

A Nova Ordem de Lúcifer se conecta à “Quimbanda Independente”, prática declarada por  Lukas de Bará da Rua, um dos fundadores da Ordem, que se autodenomina “Táta de Quimbanda Independente”. Ao se denominar desta forma, os fundadores da Nova Ordem de Lúcifer sugerem se apropriar das bases da Quimbanda mas se distanciar das tradições desta expressão religiosa, que têm raízes afro-brasileiras. 

De acordo com estudos acadêmicos, como os publicados na Revista de Antropologia da USP, a Quimbanda é uma prática religiosa com uma base histórica sólida, profundamente enraizada em tradições religiosas afro-brasileiras. A versão praticada pela Nova Ordem de Lúcifer, no entanto, parece ser uma interpretação ou ressignificação dessa tradição, o que levanta questionamentos sobre sua autenticidade e conexão com a Quimbanda original.

Santuário interditado pela Justiça

 O grupo anunciou a inauguração do Santuário a Lúcifer, no perfil do Instagram, para o dia 13 de agosto, em Gravataí (RS). Por conta da repercussão, a Prefeitura local publicou uma nota com desmentido sobre boatos quanto ao uso de recursos públicos na construção do templo. Em nota oficial, publicada em 8 de agosto, a Prefeitura afirmou desconhecer qualquer iniciativa de criação do santuário.

Porém, a Justiça do Rio Grande do Sul suspendeu a inauguração do espaço. A decisão da 4ª Vara Cível, em 13 de agosto,  atendeu a um pedido da Prefeitura local e determinou uma multa diária de R$50 mil caso a determinação seja descumprida. A suspensão foi motivada pela falta de regularização administrativa do templo, que não possui as licenças obrigatórias nem CNPJ. Embora a decisão reconheça o direito à liberdade religiosa, ressaltou a necessidade de cumprimento das exigências legais para o funcionamento de qualquer templo religioso.

Além disso, a Justiça acatou o argumento da Prefeitura sobre o risco à segurança pública, devido à grande repercussão do novo local e à localização isolada do templo, o que poderia dificultar a prestação de assistência pelo Poder Público em caso de incidentes.

Esse contexto jurídico expõe as tensões entre a liberdade de crença e o cumprimento das normas de segurança e regularização, elementos centrais para se entender a controvérsia em torno da inauguração desse santuário.

Apelo e relevância no Brasil

Apesar da ampla cobertura midiática, Bereia destaca o questionamento quanto à relevância de se noticiar a inauguração deste santuário. A Nova Ordem de Lúcifer se mostra uma organização de alcance limitado, com cerca de 100 participantes, cujas práticas e doutrinas foram desenvolvidas recentemente por seus próprios fundadores. Tais nuances não foram destacadas nas matérias checadas pelo Bereia. Além disso, o Satanismo tem pouca relevância no Brasil em termos de influência cultural e religiosa.

Estudos indicam que a maioria dos satanistas modernos são não teístas, e veem Satanás mais como um símbolo de rebelião e autoconhecimento do que como uma entidade sobrenatural. No Brasil, o Satanismo é, frequentemente, alvo de desinformação relacionada a destruição de reputações políticas, como  o Bereia já apontou, além da pouca expressão ou impacto significativo. 

O Satanismo tem pouca adesão e impacto social no país, conforme apontam estudos e especialistas. A maioria dos praticantes segue correntes que derivam de tradições internacionais, como o Satanismo Moderno e o Satanismo Tradicional, mas essas práticas são bastante marginalizadas e pouco expressivas.

Segundo a moderadora do Grupo de Estudos Satanismo Brasileiro Andreia Cardoso, a maioria dos grupos satanistas no Brasil adere a bases filosóficas importadas de outros países, e a prática é mais associada a uma forma de rebelião simbólica contra normas sociais dominantes do que a uma religião organizada com grande número de seguidores. 

A pesquisadora também destaca que o Satanismo é frequentemente mal compreendido, sendo muitas vezes associado erroneamente a práticas violentas ou depravadas, o que contribui para a sua marginalização.

Além disso,  os estudos ressaltam que o Satanismo no país é mitificado da mesma forma que as religiões de matriz africana são, “julgados como cultuadores de demônios, e acusados de realizarem trabalhos de magia negra, a ‘razão’ para a desgraça da vida de muitos”, diz Andreia Cardoso. 

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Bereia avalia que as matérias publicadas sobre a inauguração do templo satanista em Gravataí (RS), com temáticas ligadas ao grupo, suas crenças e práticas, são imprecisas. O conteúdo não apresenta dados suficientes para justificar relevância na cobertura deste tema, deixando para os leitores a busca de informações sobre tais práticas no País. Além disso, como Bereia levantou, o Satanismo é um movimento que não tem relevância no Brasil. 

Esta combinação de fatores sugere que a importância atribuída a essa notícia por tantas mídias é desproporcional ao impacto do grupo Nova Ordem de Lúcifer no cenário religioso nacional, o que aponta para um sensacionalismo em relação a um tema de apelo sensível.

Bereia já checou várias matérias que mostram o uso do tema e como ele afeta pessoas, o que se torna fonte para intolerância religiosa – principalmente relacionada a religiões de matriz africana –  e política.

Referências de checagem:

Instagram.

https://www.instagram.com/novaordemdelucifernaterra/ Acesso em: 13 Ago 2024

https://www.instagram.com/tatahelio.com_/ Acesso em: 13 Ago 2024

https://www.instagram.com/reel/C-tUVXaOQZm/ Acesso em: 13 Ago 2024

https://www.instagram.com/reel/C-tmEg6Myyh/ Acesso em: 13 Ago 2024

Mestre Lukas. https://oreidaamarracaoamorosa.com/ Acesso em: 13 Ago 2024

UOL.

https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2024/08/12/santuario-dedicado-a-lucifer-com-estatua-de-5-metros-gera-polemica-no-rs.htm Acesso em: 13 Ago 2024

https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2024/08/13/justica-suspende-inauguracao-de-santuario-no-rs-dedicado-a-lucifer.htm Acesso em: 13 Ago 2024

Artigo. O Enigma da quimbanda: formas de existência e de exposição de uma modalidade religiosa afro-brasileira no Rio Grande do Sul https://www.revistas.usp.br/ra/article/view/186652/174790 Acesso em: 13 Ago 2024

Artigo. https://revistas.est.edu.br/periodicos_novo/index.php/Identidade/article/view/1193 Acesso em: 13 Ago 2024

Editora Fontenele. https://www.editorafontenele.com.br/loja-comprar-livro/ELES-ESTAO-AQUI!—Baseado-na-corrente-72-Religiao-e-Espiritualidade/62713440/livraria Acesso em: 13 Ago 2024

Prefeitura de Gravataí.

https://gravatai.atende.net/cidadao/noticia/nota-de-esclarecimento-templo-religioso Acesso em: 13 Ago 2024

https://gravatai.atende.net/cidadao/noticia/nota-templo-religioso Acesso em: 13 Ago 2024

TJ-RS. https://www.tjrs.jus.br/novo/noticia/justica-suspende-inauguracao-de-templo-religioso-por-falta-de-alvara-de-funcionamento/ Acesso em: 13 Ago 2024

 Folha de São Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2024/05/padre-diz-em-missa-que-rio-grande-do-sul-abracou-a-bruxaria-e-o-satanismo.shtml Acesso em: 13 Ago 2024

BBC. https://www.bbc.com/portuguese/geral/2016/05/160508_diabo_vermelho_chifres_rb  Acesso em: 13 Ago 2024

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Foto de capa: reprodução/Instagram

Islamofobia na Europa: Desinformação propagada pela extrema-direita provoca violência contra imigrantes no Reino Unido

* Com a colaboração do Pastor da Igreja Metodista na Grã-Bretanha Rev. Paulo Bessa

O Reino Unido tem sido palco de intensas ações violentas organizadas pela direita radical desde a primeira semana de agosto com ênfase em xenofobia e intolerância religiosa contra islâmicos. Distúrbios ocorreram em diversas cidades, com relatos de saques a lojas, ataques a policiais e também imigrantes. Centenas de pessoas foram presas. 

Os protestos começaram após um ataque a faca em Southport, no noroeste da Inglaterra, que resultou na morte de três meninas entre seis e nove anos.  Informações falsas nas redes sociais alegaram que o suspeito, Axel Rudakubana, de 17 anos, era um imigrante radical islâmico. 

Uma análise da BBC revelou que influenciadores nas redes sociais incentivaram os protestos. Muitos manifestantes foram atraídos por publicações nas mídias sociais que continham desinformação sobre imigração ilegal e supostos crimes violentos praticados por imigrantes. A polícia esclareceu que Rudakubana, nascido no País de Gales, no Reino Unido, não tem ligações com terrorismo. 

Relatos da situação aparecem em várias mídias de notícias, o que foi objeto de checagem do Bereia.

Imagem: reprodução/UOL

Protestos organizados por um grupo ou ativismo descentralizado?

Forças policiais identificaram o grupo anti-imigração Liga de Defesa Inglesa (EDL) como uma influência significativa nos protestos e na desinformação divulgada. Entretanto, observadores de extrema direita disseram que os motins não estão sendo organizados por um grupo formal.

“O que estamos vendo é a ‘extrema direita pós-organizacional’”, disse o porta-voz do grupo de monitoramento da extrema direita Red Flare: “É uma mudança de organizações formais e hierárquicas de membros para uma situação mais informal, em rede e amorfa.”

“Você pode ser apenas um membro de um canal do Telegram ou Instagram. As pessoas conseguem se mover perfeitamente de uma formação para outra”, acrescentou.

Um canal do Telegram que surgiu após o ataque de Southport reuniu 13 mil membros. Ele compartilha conteúdo neonazista e se tornou um ponto de encontro central para os manifestantes.

Em 5 de agosto passado, o canal compartilhou uma lista de 39 instituições de caridade, centros de aconselhamento e advogados relacionados a imigração como alvos de ataques incendiários na noite de 31 de julho.. 

“Há guias em PDF sobre como cometer ataques incendiários sem ser pego. Há todo tipo de material terrorista sendo compartilhado neste chat. Essa mudança ‘pós-organizacional’ na organização da extrema direita não é nenhuma novidade”, disse Red Flare.

Quanto à Liga de Defesa Inglesa (EDL) que não exista mais formalmente, suas ideias continuam a ser promovidas por figuras como Stephen Yaxley-Lennon, conhecido como Tommy Robinson, e seus seguidores.

Em um vídeo de sete minutos postado, em 31 de julho, na sua conta do X, Robinson diz a seus 800 mil seguidores que “estão substituindo a nação britânica por migrantes hostis, violentos e agressivos. Seus filhos não importam [para o governo trabalhista]”. A legenda da publicação diz que: “há mais evidências que sugerem que o islamismo é um problema de saúde mental do que uma religião de paz”.

Em 2021, ele perdeu um processo por difamação causado por suas calúnias contra um estudante sírio que foi filmado sendo atacado na escola. Em um vídeo postado no Facebook, Robinson alegou que o garoto “ataca violentamente jovens garotas inglesas em sua escola”, comentários pelos quais ele foi processado.

A antropóloga e professora da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP Francirosy Campos Barbosa explica, em artigo publicado na seção Areópago do Bereia, que a islamofobia não é recente na Europa. De acordo com a professora, é um termo conhecido na França desde 1920, que reapareceu com força na década de 1970, “e que deixa claro o repúdio aos muçulmanos e ao Islam”

Alguns países europeus fazem “agora a expulsão destes por intermédio de discursos racistas e islamofóbicos. Muitos dos países africanos que foram colonizados por europeus são muçulmanos. Serviram para ser colônia, tiveram suas vidas expropriadas, violadas, mas não servem para gerarem homens e mulheres que escolham viver como cidadãos europeus, franceses e terem projeção social”, escreve a antropóloga. 

“A racialização dos muçulmanos é um fenômeno global muito por conta da supremacia branca, consubstanciado por religiões de brancos como o catolicismo e protestantismo, mas também, a xenofobia escancara a violência contra migrantes fruto de orientalismo que se impregnam nos discursos e valores da sociedade europeia. As diversas reações à não presença islâmica vêm sendo sentida por meio de várias proibições: de construções de minaretes ao uso do véu. Apagar a presença islâmica na Europa virou uma nova “cruzada””, diz Francirosy Barbosa.

A professora também escreve que compreender os aspectos que delimitam a islamofobia, como ódio e rechaço ao Islam e aos muçulmanos, deve fazer parte da descolonização necessária de um pensamento branco e ultraconservador que permeia o universo europeu atual. 

“Práticas racistas e islamofóbicas devem ser combatidas por uma Pedagogia antirracista e anti-islamofóbica que insira esses sujeitos na participação social, como qualquer cidadão com direitos e deveres”, defende a pesquisadora. 

Teorias da conspiração sobre “elites” que encobrem abusos de crianças britânicas também estão em circulação. Um influenciador no X, associado a Robinson, que usa o nome “Lord Simon”, foi um dos primeiros a convocar os protestos, com a promoção de falsas alegações de que Rudakubana seria um solicitante de asilo recente. Sua publicação alcançou mais de um milhão de visualizações, com o incentivo para que  os manifestantes  saíssem às ruas.

Outra figura conhecida por incentivar discursos de ódio, Matthew Hankinson, que deixou a prisão no ano passado após cumprir seis anos por sua participação na Ação Nacional, um grupo neonazista banido, afirmou no X que estava “documentando ao vivo” a manifestação em Southport.

Violência contra imigrantes e os grupos de extrema direita

Durante as últimas semanas, não tem sido incomum visualizar vídeos que mostram imigrantes surrados e xingados por extremistas no Reino Unido. 

Os ataques ocorreram em Londres, Liverpool, Manchester, Bristol, Hull, Stoke-on-Trent, Blackpool e Belfast. Em várias cidades, extremistas atacaram lojas, lançaram pedras e objetos contra a polícia, e ocorreram saques e incêndios. Em Liverpool, cerca de mil extremistas anti-imigração enfrentaram opositores e causaram distúrbios graves.

Um grupo de extrema direita atacou uma mesquita em Southport, com lançamento de objetos e destruição de  janelas. Outro grupo atacou um hotel que hospeda imigrantes que aguardam pedido de asilo. A disseminação de desinformação e a escalada de violência geraram um ambiente de medo e intolerância, especialmente entre as comunidades imigrantes e muçulmanas.

Como mostrou o jornal britânico Financial Times, são descentralizadas, mas, ainda assim, é possível identificar a presença de integrantes de grupos extremistas.

A onda de violência ocorre cerca de um mês após as eleições no Reino Unido, em que os Trabalhistas, do atual primeiro-ministro Keir Starmer, venceram e puseram fim a 14 anos de domínio do Partido Conservador.

No pleito, o partido de extrema direita Reform UK obteve apenas cinco das 650 cadeiras do Parlamento, mas com o melhor resultado eleitoral de sua história por larga margem – 14,3% dos votos.

Tema central na saída do Reino Unido da União Europeia em 2016, o destacado processo Brexit, a pauta anti-imigração foi uma das mais recorrentes durante os últimos debates presidenciais na região. O próprio Reform UK teve seu plano de governo com foco na política anti-imigratória.

Em conversa com a imprensa no País de Gales, o líder do partido Nigel Farage, reforçou seu compromisso em deportar imigrantes sem documentação e afirmou que estaria disposto a tirar o Reino Unido da Convenção Europeia de Direitos Humanos. 

A revista britânica The Economist mostrou que o Reform UK e os manifestantes xenófobos podem ambos ser enquadrados como extrema direita, mas pertencem a diferentes correntes dentro desse movimento mais amplo.

Em resposta aos recentes protestos violentos após o ataque em Southport, o primeiro-ministro Keir Starmer fez uma declaração em vídeo com destaque para as medidas que o governo está adotando para controlar a situação. 

Starmer enfatizou a necessidade de restaurar a ordem e proteger os cidadãos, e afirmou que a polícia terá mais poderes para lidar com manifestações violentas e disruptivas. Ele destacou a importância de combater a desinformação que tem alimentado esses protestos.

O primeiro-ministro também condenou a violência ocorrida nas manifestações e garantiu que os participantes dos distúrbios serão responsabilizados. O governo está implementando novas propostas para ampliar os poderes da polícia em situações de protestos, com vistas a garantir a segurança pública e prevenir futuros incidentes semelhantes.

Igreja e associações de combate a desinformação se unem contra a violência

Na última quarta-feira, a Igreja Metodista na Grã-Bretanha soltou uma nota em resposta aos transtornos violentos ocorridos no Reino Unido. A presidente da instituição, Rev. Helen Cameron, e a vice-presidente Carolyn Godfrey, afirmaram que a igreja celebra a diversidade como um presente e registraram uma oração de amor. 

“Assistir às notícias de vilas e cidades de nossas nações, onde pessoas motivadas pelo ódio causaram danos e medo, tem sido chocante e angustiante. A Igreja Metodista condena o uso de violência e intimidação contra pessoas deslocadas, marginalizadas e vulneráveis. Estamos horrorizados que o trágico assassinato de três crianças pequenas e os ferimentos de outras tenham sido usados como desculpa para tumultos e distúrbios. Honestidade e confiança estão no coração da vida cristã e o abuso das mídias sociais ao espalhar mentiras para despertar a raiva e o ódio é desprezível”, diz a nota.

Imagem: divulgação/Igreja Metodista da Grã-Bretanha

A Rede Nacional De Combate à Desinformação (RNCD), da qual o Bereia é membro, apoia um abaixo assinado, em formato de Carta aberta ao primeiro-ministro Keir Starmer,  junto de outras organizações da sociedade civil do mundo inteiro, que pede que as autoridades ajam rapidamente para prevenir que ocorra mais violência, proteger as comunidades em risco e responsabilizar as plataformas de mídias sociais, veiculadoras do conteúdo que promove ódio e violência, pelos danos que causaram. 

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Bereia avalia que a cobertura noticiosa da imprensa, que classifica as ações violentas que vem ocorrendo na Grã Bretanha, contra imigrantes e pessoas islâmicas, como intolerância extremista, que expressa xenofobia e perseguição religiosa. Bereia insta leitores e leitoras a dedicarem atenção e rechaçarem estratégias e campanhas políticas que promovem ataques a um determinado grupo religioso, com base em preconceito e discriminação, com negação ao direito e à liberdade de crença.

Referências de checagem:

BBC.

https://www.bbc.com/portuguese/articles/c25llg10082o Acesso em: 05 Ago 2024

https://www.bbc.com/news/articles/cjerxd00rlxo Acesso em: 05 Ago 2024

https://www.bbc.com/news/uk-england-leeds-57930901  Acesso em: 05 Ago 2024

https://twitter.com/Keir_Starmer  Acesso em: 05 Ago 2024

 https://www.bbc.co.uk/news/articles/cjerxd00rlxo Acesso em: 05 Ago 2024

Aljazeera.

https://www.aljazeera.com/program/newsfeed/2024/8/5/riots-spread-across-the-uk-in-anti-immigrant-protests Acesso em: 05 Ago 2024

https://www.aljazeera.com/news/2024/8/3/far-right-protesters-clash-with-police-in-uk-cities-as-unrest-spreads Acesso em: 05 Ago 2024

https://www.aljazeera.com/news/2024/7/31/far-right-protesters-target-southport-mosque-clash-with-uk-police Acesso em: 05 Ago 2024

https://www.aljazeera.com/news/2024/7/31/agitators-accused-of-islamophobia-for-linking-southport-attack-to-muslims Acesso em: 05 Ago 2024

The Guardian. https://www.theguardian.com/uk-news/2021/jul/22/tommy-robinson-loses-libel-case-brought-by-syrian-schoolboy Acesso em: 05 Ago 2024

The Times. https://www.thetimes.com/uk/crime/article/im-on-holiday-not-on-the-run-says-tommy-robinson-nlvnrck65 Acesso em: 05 Ago 2024

Middle East Eye. https://www.middleeasteye.net/explainers/uk-how-did-far-right-riots-unfold-and-what-triggered-them Acesso em: 05 Ago 2024

Red Flare.

https://redflare.info/ Acesso em: 05 Ago 2024

https://x.com/redflareinfo/status/1820430978810352101 Acesso em: 05 Ago 2024

https://x.com/redflareinfo/status/1820430972422144198 Acesso em: 05 Ago 2024

Coletivo Bereia https://coletivobereia.com.br/islamofobia-e-racismo-no-esporte-o-caso-do-tecnico-do-psg/ Acesso em: 05 Ago 2024

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Foto de capa: Alena Darmel/Pexels

Portal evangélico de notícias engana sobre repasses da Lei Rouanet

* Matéria atualizada em 23/07/24 para ajuste de informações

Matéria publicada pelo site Pleno News, em 13 de julho passado,  afirma que a cantora Fafá de Belém obteve R$8,3 milhões através da Lei Rouanet para um musical sobre a sua carreira. O texto sugere a leitores  que o montante saiu diretamente dos cofres públicos para a produção e ainda atribui à cantora o adjetivo “lulopetista”. 

Imagem: reprodução/Pleno News

Material desinformativo sobre a aplicação da Lei Rouanet é frequentemente propagado em espaços religiosos. Bereia já checou matérias sobre o tema com conteúdo falso e enganoso publicado por deputados federais.   

O que é a Lei Rouanet?

A Lei nº 8.313/91, denominada Lei Rouanet, aprovada  durante o governo de Fernando Collor de Mello, visa estimular a produção cultural no Brasil por meio de incentivos fiscais. O nome é homenagem a Sérgio Paulo Rouanet,  secretário de cultura da Presidência da República na época,  autor do projeto. 

Pela lei, empresas podem destinar até 4% do Imposto de Renda devido a projetos culturais aprovados pela Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC). Pessoas físicas que utilizam a declaração completa do Imposto de Renda podem destinar até 6%.

A Lei Rouanet estabelece o  Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), que é composto por três mecanismos: Incentivo a Projetos Culturais; Fundo Nacional da Cultura (FNC);Fundos de Investimento Cultural e Artístico (Ficart).

Diferentemente do que dizem as publicações desinformativas, os projetos  culturais não recebem verba diretamente do governo federal. Em vez disso, os patrocinadores (empresas ou indivíduos) destinam parte do imposto de renda, que devem pagar ao Estado,  para as iniciativas, e, com isto, usufruiren de isenção fiscal. 

Para que um projeto receba recursos, ele deve ser avaliado pela Comissão Nacional de Incentivo à Cultura,  ligada ao  Ministério da Cultura, e ter a aprovação publicada no Diário Oficial da União. Após a captação dos recursos, artistas proponentes devem prestar contas ao Ministério da Cultura, garantindo transparência e a correta utilização dos fundos.

Os projetos são analisados por meio de um fluxo que promove maior segurança processual, jurídica e técnica. 

Impactos econômicos da Lei Rouanet 

Um estudo produzido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV)  mostra que a aplicação da Lei Rouanet impulsiona a economia criativa e gera R$1,59 para cada R$1 investido, com impacto econômico total de R$49,8 bilhões em 32 anos. Desta maneira, o instrumento desempenha um papel crucial não só no desenvolvimento econômico, como também no fortalecimento da cultura brasileira.

 A aplicação da Lei Rouanet não retira dinheiro de outras áreas governamentais. O processo funciona por meio de renúncia fiscal de empresas, com a geração de um retorno significativo. 

Um dos principais benefícios é a criação de empregos no setor cultural, abrangendo desde artistas até técnicos e profissionais de produção. Além disso, a lei incentiva a criação e a manutenção de projetos culturais, promove a diversidade artística e amplia o acesso à cultura em regiões remotas do país, onde os investimentos são tradicionalmente escassos. 

A lei tem sido instrumental na descentralização da produção cultural, levando arte e cultura para regiões menos favorecidas e promovendo inclusão social. Projetos culturais financiados pela Lei Rouanet oferecem acesso à cultura para comunidades marginalizadas, ampliando horizontes e fomentando o desenvolvimento pessoal e social.

Outro impacto significativo é o estímulo ao desenvolvimento econômico local. Mais de 55 mil projetos culturais nas mais diversas regiões do país foram beneficiados pela Lei Rouanet ao longo de sua existência. A realização de eventos culturais gera movimentação econômica em diversos setores além da cultura, como turismo, hospedagem, alimentação e transporte. 

Toda a cadeia produtiva da cultura, que inclui desde fornecedores de materiais até os serviços logísticos, beneficia-se, o que resulta em aumento na arrecadação de impostos. 

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Bereia avalia que a matéria do site gospel Pleno News é enganosa. A cantora Fafá de Belém, de fato, teve projeto aprovado para recebimento de recursos por meio da Lei Rouanet. Porém, a forma como a notícia é apresentada faz uso de termos e referências que distorcem a realidade e politizam o conteúdo.  

A expressão “Governo libera” oferece informação equivocada de uma transferência direta de R$ 8,3 milhões pelo governo federal. Na verdade, a Lei Rouanet autoriza produtores culturais a captarem recursos de empresas ou indivíduos, por meio de incentivo fiscal, uma vez  que parte do Imposto de Renda devido por doadores  destinado para o projeto.

O uso do termo “verba milionária” sem esclarecerna matéria o processo de captação, induz  leitores a acreditarem que os recursos estão imediatamente disponíveis e foram repassados diretamente pelo governo, com verbas públicas, o que alimenta percepções equivocadas sobre o financiamento cultural. 

Além disso, a referência a Fafá de Belém como “lulopetista” e a menção de seu apoio ao presidente Lula e de relacionamento com a primeira-dama Janja, desviam o foco do aspecto cultural e financeiro do projeto, submetido à lei do País. Tal redação  se apresenta  mais como uma tentativa de politizar negativamente a notícia do que de informar sobre os critérios e o funcionamento da Lei Rouanet​.

A matéria falha em explicar como a Lei Rouanet realmente funciona, como a captação de recursos é realizada e quais são os critérios de aprovação dos projetos. Esta omissão resulta em informação enganosa sobre a lei, e contribui na alimentação de  mitos e equívocos sobre o uso dos recursos públicos na cultura​.

Referências de checagem:

Governo Federal

https://www.gov.br/cultura/pt-br/assuntos/lei-rouanet Acesso em: 15 Jul 2024

https://www.gov.br/saude/pt-br/acesso-a-informacao/banco-de-precos/legislacao/lei-no-8-666-de-21-de-junho-de-1993.pdf/view – Acesso em: 15 Jul 2024

https://www.gov.br/secom/pt-br/fatos/brasil-contra-fake/noticias/2023/10/o-que-voce-precisa-saber-sobre-a-lei-rouanet Acesso em: 15 Jul 2024

https://www.gov.br/pt-br/noticias/cultura-artes-historia-e-esportes/2023/04/cultura-divulga-criterios-para-projetos-candidatos-a-recursos-da-lei-rouanet Acesso em: 15 Jul 2024

https://www.gov.br/secom/pt-br/fatos/brasil-contra-fake/noticias/2023/10/o-que-voce-precisa-saber-sobre-a-lei-rouanet Acesso em: 15 Jul 2024

https://www.gov.br/cultura/pt-br/assuntos/lei-rouanet/textos/o-que-e-a-lei-rouanet/view Acesso em: 15 Jul 2024

Portal do Incentivo https://portaldoincentivo.com.br/visitors/how_encourage/1#:~:text=A%20Lei%20Rouanet%20permite%20ao,de%20R%24%20150.000%2C00. Acesso em: 15 Jul 2024

Exame https://exame.com/economia/lei-rouanet-traz-retorno-59-maior-que-valor-financiado-mostra-fgv/  Acesso em: 15 Jul 2024

FGV https://repositorio.fgv.br/items/752ee29d-6204-4043-a51d-8e43d0181a92  Acesso em: 15 Jul 2024

Evoe https://blog.evoe.cc/lei-rouanet-fake-news/ Acesso em: 15 Jul 2024

Coletivo Bereia

https://coletivobereia.com.br/lei-rouanet-continua-sendo-alvo-de-desinformacao-nas-midias-sociais/ Acesso em: 15 Jul 2024

https://coletivobereia.com.br/politicos-religiosos-desinformam-sobre-valores-destinados-a-lei-rouanet-e-seguranca-nas-escolas/ Acesso em: 15 Jul 2024

https://coletivobereia.com.br/governo-lula-nao-excluiu-projetos-religiosos-da-lei-rouanet/ Acesso em: 15 Jul 2024

https://coletivobereia.com.br/prefeita-de-canoinhas-sc-destroi-livros-e-mente-ao-dizer-que-foram-produzidos-pelo-governo-federal/ Acesso em: 15 Jul 2024

https://coletivobereia.com.br/deputado-evangelico-publica-montagem-enganosa-sobre-desfile-da-vai-vai/ Acesso em: 15 Jul 2024

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Foto de capa: Wellington Pedro/Imprensa MG

Casos de abuso infantil por líderes religiosos ganham destaque nas mídias

Durante o mês de maio, diversas iniciativas aderem à campanha do “Maio Laranja“, de conscientização e combate ao abuso e à exploração sexual infantil no Brasil. Neste maio de 2024, polêmicas em torno da temática do abuso infantil praticado por líderes religiosos ganharam destaque nas mídias digitais, e provocaram indignação e questionamentos sobre a verdadeira extensão desse problema. 

No início do mês, viralizou nas redes o caso do pastor da Igreja Batista da Lagoinha, Lucinho Barreto. Um vídeo gravado durante um culto, com a presença exclusiva de homens, mostra uma fala do pastor, com a afirmação de que ele já  deu um beijo na boca da filha criança, quando ela “estava distraída”. Além disso, Barreto disse que a tratou por “mulherão” e “ai se eu te pego” e afirmou: “Quando eu encontrar seu namorado, eu vou falar assim: você é o segundo, eu já beijei”. 

Imagem: reprodução/G1

Após a repercussão deste primeiro vídeo com o pastor Lucinho Barreto, um outro, gravado há 11 anos, voltou a circular nas mídias sociais. Nas imagens, o pastor da Igreja Batista da Lagoinha diz que beija a boca do próprio filho para “prevenir que ele queira beijar outros homens”: “Você é gay? Então vai ser gay, sabe com quem? Comigo. Nós dois somos homens, vou beijar sua boca”. Lucinho Barreto afirma, no mesmo vídeo, que o filho não foi posto no mundo “para ser cobaia do capeta”, em referência à possibilidade de o filho ser gay. “Eu e meu filhinho David, de 8 anos, a gente beija na boca até hoje. Esse menino vai querer beijar na boca de quem, se ele já beijou?”

Imagem: reprodução/IstoÉ

Embora esses vídeos tenham gerado grande polêmica e comentários de revolta nas mídias digitais, chamam a atenção as risadas do público no local da gravação, que parece reagir normal e positivamente a essas falas do pastor. Tais posturas  apontam para dois problemas graves: a falta de segurança das crianças dentro das próprias famílias, e a normalização de uma cultura de abuso dentro de ambientes religiosos.

Casos de abusos infantis por líderes religiosos não são incomuns. A visibilidade crescente desses casos pode ser atribuída, em parte, ao aumento da conscientização pública e das denúncias, e ao poder das redes sociais em disseminar informações rapidamente. Apenas nos últimos meses, foram noticiados casos da prisão e/ou condenação de pastores que abusaram sexualmente de crianças e adolescentes em Minas Gerais, Amazonas, Mato Grosso, Santa Catarina e Tocantins. Os casos se assemelham em alguns aspectos: esses líderes religiosos se aproveitaram de situações de vulnerabilidade das vítimas e de sua posição de poder religioso. 

A partir destas constatações, os questionamentos que orientaram esta checagem do Bereia foram: por que em alguns casos, como esses noticiados, os abusos são entendidos como crimes, e repudiados, e em outros, como do pastor Lucinho Barreto, são normalizados e recebidos pelo público das igrejas até com um tom de humor? Quais mentalidades e práticas os contextos religiosos, neste caso especificamente evangélicos, devem abandonar ou abraçar para que as igrejas sejam e promovam ambientes seguros para as crianças e adolescentes?

Abuso infantil no Brasil:  76,5% dos casos acontecem em casa

O anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022 produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) apresenta dados alarmantes sobre o abuso infantil no país: ao contrário do que expõem algumas obras de ficção, a maioria dos estupros e casos de abuso sexual é cometida por pessoas próximas à família, geralmente no momento em que a mãe não está presente.

De 2020 para 2021, observa-se um aumento no número de registros de estupro, que passou de 14.744 para 14.921. Já no que tange ao estupro de vulnerável, este número sobe de 43.427 para 45.994, sendo que, destes, 35.735, ou seja, 61,3%, foram cometidos contra meninas menores de 13 anos (um total de 35.735 vítimas).

As meninas são maioria nesta estatística, mas os meninos também são vítimas. No primeiro caso, o número de registros aumenta conforme a menina cresce, já no caso dos meninos, o número de registros aumenta até os seis anos (com pico entre quatro e seis) e depois começa um processo de queda.

Quanto à característica de quem comete este tipo de crime, continua a mesma: homem (95,4%) e conhecido da vítima (82,5%), sendo que 40,8% eram pais ou padrastos; 37,2% irmãos, primos ou outro parente; 8,7% avós. e 76,5% dos estupros acontecem dentro de casa.

Esses dados revelam que pais e padrastos constituem uma parte significativa dos abusadores e indicam que a própria família é, sim, um ambiente em que essas violências ocorrem. 

Além disso, embora não haja dados específicos de pesquisa sobre os abusos ocorridos dentro de igrejas, em contextos eclesiásticos ou por pessoas de autoridade religiosa, é importante destacar a informação de que, na maior parte dos casos, o abusador é um conhecido da vítima e que frequenta sua casa. Quando se trata de pastores ou líderes religiosos, muitas famílias tendem a baixar a guarda devido ao lastro de confiança depositado nas figuras que se apresentam como mensageiros de Deus e do sagrado. Entretanto, muitos abusadores se aproveitam justamente dessa confiança para realizar os crimes. 

O sentimento de posse e o poder religioso 

O abuso infantil é um tema de extrema gravidade, e quando os envolvidos são líderes religiosos, ganha uma dimensão ainda mais desafiadora. A confiança depositada em figuras religiosas torna esses casos particularmente chocantes e prejudiciais, pois afetam não apenas as vítimas diretas, mas também a comunidade religiosa como um todo. 

A teóloga e pedagoga Valéria Vilhena, fundadora da iniciativa Evangélicas pela Igualdade de Gênero (EIG), ouvida por Bereia, destaca que os espaços religiosos são alguns dos principais perpetuadores de lógicas que facilitam esse tipo de abuso. Para a pesquisadora, a representação masculina, poderosa, hierárquica de Deus, presente no Cristianismo, contribui para a percepção de autoridade irrestrita e inquestionável dos homens e para o silenciamento das vítimas. 

De acordo com Valéria Vilhena, “o maior problema das meninas e das mulheres são as violências, e essas violências são perpetradas também pelos homens religiosos, que se dizem de Deus, e perpetuadas por uma interpretação teológica em que se mantém uma hierarquização e desigualdade baseada no sexismo, tendo esse tipo de Deus [autoritário] no topo”.

Ainda segundo a teóloga, “no patriarcado misógino que se sustenta também nas igrejas, os homens se sentem com poder de dono perante as mulheres. Esse poder adquire novas camadas quando o homem em questão, além de líder religioso, também é o pai das vítimas”.

Bereia ouviu também a professora e pesquisadora em Ciências da Religião Sandra Duarte, sobre o caso do pastor Lucinho Barreto. Ela questiona: “Não seria importante perguntar sobre a relação direta entre paternidade e sentimento de posse? Isso é uma questão de gênero”, isto é,  independe de ele ser um pastor. 

Porém, para a pesquisadora, que atua principalmente com os temas relacionados à Sociologia, Religião, Gênero e Política, também é importante perguntar sobre a relação de dominação que se institui a partir da percepção do líder religioso como porta-voz do sagrado. Também questiona como ele se utiliza disso para abusar de suas vítimas, inclusive utilizando-se de argumentos religiosos para legitimar essa prática. Quando é líder religioso e pai, as condições legitimadoras são ainda mais fortes, o que muitas vezes impede que a criança perceba que está sendo vítima de abuso.

Um dos efeitos decorrentes dessas práticas é o silêncio sobre o abuso sofrido. De acordo com Sandra Duarte, muitas pessoas se dão conta de que foram abusadas na infância somente quando já adultas. Parecia “normal” o pai/pastor fazer o que fazia, afinal, ele é pai e pastor, duas condições que, culturalmente, aprendemos a respeitar como propiciadoras de cuidado e proteção. 

Mesmo em situações em que a vítima reconhece a violência sofrida e faz alguma denúncia, ela pode enfrentar silenciamento e até culpabilização.

Culpabilização da vítima 

Outro caso que viralizou e gerou polêmica neste mês de maio foi o do pastor da igreja Tabernáculo da Fé, de Goiânia (GO), Jonas Felício Pimentel. Em um vídeo que circulou nas mídias digitais, o líder religioso afirmou que, em algumas situações, a criança também é culpada e tem participação nos abusos cometidos contra ela, porque “deu lugar”. 

Imagem: reprodução/G1

No contexto religioso, seguindo o senso comum que circula socialmente, é comum a ideia de que as vítimas têm uma parcela de culpa nos crimes de abuso, que provocaram de alguma forma os abusadores, ou ainda que têm a responsabilidade de “consertar” ou “ajudar” aqueles que cometeram esse crime contra elas. Essa lógica é percebida não apenas nos casos de abuso sexual infantil, mas também em casos de violência doméstica, como destaca Valéria Vilhena, em sua pesquisa “Pela voz das mulheres”

A pesquisadora demonstra que, o contexto religioso, em muitos casos, propaga doutrinas que valorizam as mulheres especificamente por sua capacidade de cuidar e se sacrificar pelos outros. Ela observou, tanto em práticas pastorais quanto em discursos das próprias mulheres, uma tendência de a mulher se perceber com uma parcela de culpa, ou enfatizar apenas o seu próprio sacrifício como algo virtuoso.

Essa responsabilização das vítimas também aparece quando, após uma denúncia de um abuso dentro do contexto da igreja, a liderança da comunidade religiosa prefere acobertar o caso e considera a denúncia pública como um ataque à reputação ou à imagem do abusador. Quando o abusador em questão é algum líder religioso, que de alguma forma representa a instituição, é ainda mais comum que sua liderança tente “resolver internamente”, sem expor o abusador ou envolver o poder público para as devidas consequências.

Essa é uma realidade principalmente em casos de abusos mais “sutis”, que não são caracterizados como estupro, propriamente e, são entendidos na igreja como, no máximo, apenas um deslize ou “pecado” do abusador e não vistos como crime.

A influenciadora e escritora evangélica Fernanda Witwytzky abordou esses casos em uma publicação recente em sua conta no Instagram. O texto alerta: 

“Se acontecer com você, alguém próximo, ou com seu filho um caso de abuso sexual, e você for parte de uma IGREJA, o primeiro lugar que você deve ir é a uma DELEGACIA, não ao conselho da igreja. Isto é um CRIME e precisa ser respondido perante os homens. O conselho de uma igreja pode de alguma forma apoiar a família que sofreu o abuso? Pode. Mas você deve ir à DELEGACIA primeiro. Existem igrejas que disciplinam o abusador, afastam ele do ministério e NÃO LEVAM ISSO PARA A POLÍCIA. É como dar aval ao abusador para fazer novamente. Afinal, a igreja está acobertando. Além de MUITO triste, isso é CRIME!” (ênfases da autora). 

Essa publicação contou com comentários de diversas seguidoras da influenciadora evangélica que relataram casos pessoais de abusos em igrejas.

Dessa forma, os casos relatados pelo Bereia apontam para a importância do debate acerca do tema abuso infantil. Dentre as múltiplas violências sofridas por crianças e mulheres na sociedade em geral, os espaços religiosos têm sido vistos como um lugar onde a violência, seja de natureza física ou simbólica, está presente.

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Bereia confirma, portanto, ser verdadeira a percepção do aumento no número de casos de abuso de crianças em ambientes religiosos.  

Além disso, reforça a importância de denúncias, acolhimento das vítimas e de se criar um ambiente seguro, com estruturas de prevenção para que casos de abuso sexual infantil não aconteçam dentro das igrejas, de suas programações e das famílias que a frequentam.

Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes é crime! Denuncie. Disque 100.

Referências de checagem:

https://maiolaranja.org.br/ Acesso em: 4 JUN 2024

https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2024/05/08/pastor-e-preso-suspeito-de-estuprar-adolescentes-durante-acolhimento-psicologico-tocava-no-corpo-e-sussurrava-no-ouvido-diz-policia.ghtml Acesso em: 4 JUN 2024

https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2024/05/16/homens-sao-presos-por-abuso-sexual-de-criancas-em-manaus.ghtml Acesso em: 4 JUN 2024

https://www.pjc.mt.gov.br/-/pastor-%C3%A9-preso-pela-pol%C3%ADcia-civil-em-juara-por-estupro-de-vulner%C3%A1vel%C2%A0 Acesso em: 4 JUN 2024

https://globoplay.globo.com/v/12252393/ Acesso em: 4 JUN 2024

https://www.tjto.jus.br/comunicacao/noticias/pastor-e-condenado-a-9-anos-de-prisao-acusado-de-estuprar-menino-de-12-anos-dentro-da-casa-pastoral Acesso em: 4 JUN 2024

https://www.instagram.com/p/C7XZaOnB2we/?img_index=1 Acesso em: 4 JUN 2024

https://www.fg2010.wwc2017.eventos.dype.com.br/resources/anais/1280156603_ARQUIVO_ValeriaCristinaVilhena.pdf Acesso em: 4 JUN 2024

https://www.terra.com.br/noticias/brasil/pastor-diz-que-criancas-tem-culpa-de-serem-abusadas-e-gera-revolta-na-web-veja-video,f50aa319f147a7f3a14ad31c91e6c8826nao2nc6.html Acesso em: 4 JUN 2024

https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2024/05/02/veja-quem-e-o-pastor-que-diz-que-criancas-abusadas-tambem-sao-culpadas-pelo-crime.ghtml  Acesso em: 27 MAI 2024

 https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2022/07/14-anuario-2022-violencia-sexual-infantil-os-dados-estao-aqui-para-quem-quiser-ver.pdf Acesso em: 27 MAI 2024

https://www.childhood.org.br/pesquisa-mapear/ Acesso em: 27 MAI 2024

https://www.unodc.org/documents/lpo-brazil//Topics_TIP/Publicacoes/TiP_PT.pdf  Acesso em: 27 MAI 2024 

https://www.mulhersegura.org/preciso-de-ajuda/ligue-180-central-de-atendimento-a-mulher Acesso em: 27 MAI 2024

https://www.gov.br/pt-br/servicos/denunciar-violacao-de-direitos-humanos  Acesso em: 27 MAI 2024

https://www.gov.br/mdh/pt-br/ondh Acesso em: 27 MAI 2024 

https://www.facabonito.org/ Acesso em: 27 MAI 2024

 https://atendelibras.mdh.gov.br/acesso Acesso em: 27 MAI 2024

https://www.gov.br/mdh/pt-br/campanha/direitoshumanosparatodos/telegram Acesso em: 27 MAI 2024

https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2024/05/06/pastor-que-disse-beijar-filha-ja-afirmou-ter-beijado-a-boca-do-filho.htm  Acesso em: 27 MAI 2024https://www.metropoles.com/colunas/fabia-oliveira/video-pastor-lucinho-assume-tambem-ter-beijado-a-boca-do-filho Acesso em: 27 MAI 2024

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Foto de capa: Pixabay

Site evangélico desinforma sobre caso dos convites de casamento para casal gay

O site evangélico Gospel Prime publicou, em 25 de abril, que o casal Thiago e Beatriz Jungerfeld Martins, proprietários da loja Jurgenfeld Ateliê e Fotografia, enfrentam ameaças online após recusarem, com base em seus princípios cristãos, um pedido de serviços para uma cerimônia de “união gay”.

Imagem: reprodução do site Gospel Mais

As ameaças, de acordo com Gospel Prime, incluem mensagens de “violência física e desejos macabros”, têm origem em “usuários que se identificam com a comunidade LGBT” e estariam sendo investigadas pela polícia para garantir a segurança do casal. 

Segundo a matéria do Gospel Prime, Thiago e Beatriz Jungerfeld Martins defendem sua postura como uma expressão de fé e não de discriminação. O site destaca a liberdade religiosa como um direito fundamental, o direito de cada cidadão ou empresa agir conforme suas crenças e ressalta a “perseguição enfrentada por cristãos em diversas partes do mundo”.

Bereia checou as informações publicadas por Gospel Prime. 

O caso dos convites de casamento

O caso descrito pelo site Gospel Prime veio à tona nas mídias sociais, quando o casal Henrique Nascimento e Wagner Cardoso, teve um pedido de convite de casamento negado pelo estabelecimento comercial Jurgenfeld Ateliê e Fotografia, com alegação de motivos religiosos que não aceitam união homoafetiva, registrou boletim de ocorrência, com a alegação de preconceito. . Henrique Nascimento publicou na plataforma X um trecho da troca de mensagens entre ele e o Ateliê no momento da recusa de atendimento. 

Imagem: perfil Henrique Nascimento do Facebook 

Imagem: Perfil Henrique Nascimento no X (antigo Twitter)

A repercussão desse caso trouxe grande visibilidade à empresa. Antes dele, o Ateliê Jurgenfeld contava com pouco mais de dois mil seguidores no Instagram, seguia 44 perfis, exibia 134 publicações e se apresentava como uma loja de artesanato com os dizeres: “Seu sonho merece um atendimento! do interior de SP à qualquer lugar.” [sic]

Imagem: reprodução do Instagram

Após a polêmica, o perfil passou a ter mais de 90 mil seguidores e a seguir apenas quatro perfis, as publicações antigas foram arquivadas e novas publicações de cunho religioso e a respeito dos convites negados foram feitas, com bloqueio de comentários. Além disso, o Ateliê passou a destacar sua confessionalidade religiosa no perfil, como “uma papelaria cristã de convites de casamento produzidos à mão”. 

Imagem: reprodução do Instagram

Um dos vídeos publicados na conta do Ateliê no Instagram, apagado depois da repercussão do caso, foi reproduzido na página do canal do YouTube do site Metrópoles. Nele, o casal afirma que recorrentemente nega serviço a casais homossexuais e equipara as críticas à sua escolha de “trabalhar dessa forma” com a própria homofobia:

“Enfim, não quero entrar no mérito da questão, mas nós não fazemos casamentos homossexuais e nem eventos homossexuais. Há algum tempo, basicamente uns dois anos, nós temos negado muito serviço em relação a isso. E hoje, esses dias na verdade, mas hoje em específico foi a gota d’água. Nós dissemos que não iríamos realizar nenhum tipo de casamento homossexual, nós não fazemos esse serviço, e fomos, de certa forma, retaliados por um casal que não aceitou a nossa oposição, não aceitou a nossa opinião, e tem de fato feito alguns comentários aqui no nosso Instagram, tanto da fotografia quanto do ateliê. Enfim, tem feito alguns comentários aqui no nosso Instagram falando sobre isso, dizendo que homofobia é crime, dizendo do nosso posicionamento. Enfim, eu gostaria de compartilhar isso com vocês, as pessoas que nos acompanham. Eu sei que talvez esse vídeo aqui possa talvez ter pessoas que deixem de nos seguir. De verdade, nós não nos importamos com isso, nós não estamos preocupados com a nossa fama, com as pessoas que não são nossos fãs. Não é isso. Nossa intenção com a fotografia não é essa, nunca foi essa, e nem com os convites de casamento. Então nós nos posicionamos assim e nós agora estamos sendo tachados de homofóbicos. E uma reflexão minha, acho engraçado porque quem tacha as pessoas homofóbicas, dizem que as pessoas que são homofóbicas, entre aspas, têm que aceitar o seu posicionamento, mas ao mesmo tempo não percebem que o argumento que elas usam para validar aquilo que elas acreditam é o mesmo argumento que as acusa também, porque nós temos que aceitar aquilo que elas são, mas é, as pessoas não podem aceitar que nós escolhemos fazer dessa maneira e trabalhar dessa forma” (Fala de Thiago Martins em trecho do vídeo publicado pelo Metrópoles).

Em seguida, os donos da loja publicaram uma nota de repúdio, que também já foi retirada do Instagram, indicando que estão sofrendo “heterofobia”. Afirmam também que defendem a “família como ela é” baseada no texto bíblico de Gênesis, condenam a busca por “privilégios” pelo homossexuais e fazem críticas pontuais à Rede Globo e à cantora Anitta, associadas à “galera” politicamente  correta.:

Imagem: reprodução da Carta Capital

A única publicação sobre o caso dos convites que continua na página do Instagram do Ateliê é bem mais branda do que as duas publicadas anteriormente. Nela, o casal afirmou que apesar de não ter buscado essa “fama”, veem um propósito divino em tudo e se alegram em honrar a Cristo. 

Os donos da loja agradecem as mensagens de apoio recebidas, a solidariedade de vários advogados que se ofereceram para ajudar legalmente, e a Polícia Civil de Pederneiras, pela atenção ao caso. Eles também mencionam o apoio de deputados e senadores, destacando que o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) e outros parlamentares defenderam sua causa. Agradecem aos amigos que os apoiaram durante esse período turbulento e pedem desculpas por qualquer ódio dirigido a eles. 

Finalmente, afirmam perdoar aqueles que os ofenderam ou ameaçaram, e pedem a Jesus que lhes dê graça para manter um diálogo respeitoso e sabedoria para seguir em frente. Concluem citando Tiago 1:2-4, que fala sobre considerar as provações como motivo de alegria por produzirem perseverança.

Não foram encontradas, nas publicações, evidências das ameaças sofridas pelo casal, referentes a “violência física” e “desejos macabros”, como mencionado pela matéria do Gospel Prime. O Ateliê foi contactado pelo Instagram, mas até o fechamento desta matéria ainda não forneceu resposta. 

A matéria checada pelo Bereia menciona dois pontos dignos de esclarecimento: a questão jurídica da liberdade religiosa envolvida no caso e o assunto da suposta perseguição a cristãos no Brasil e no mundo. 

Liberdade religiosa X discriminação 

O Brasil é um dos países recordistas de casos de discriminação e violência contra pessoas homoafetivas. Segundo dados do Dossiê do Observatório de Mortes e Violências contra LGBTI+ no Brasil, publicado em 2023, foram 273 vítimas de crimes de identidade de gênero ou sexual no Brasil. Este número equivale a dois assassinatos de pessoas LGBTQIA+ a cada três dias em 2022. Os assassinatos atingem mais mulheres trans e travestis: foram 159 casos (58%), segundo o relatório. Homens gays aparecem com 97 óbitos (35% das ocorrências). A maioria das mortes resultam de circunstâncias violentas, com armas de fogo, esfaqueamento, espancamento e apedrejamento. 

Por conta deste quadro dramático, do desprezo do Poder Legislativo e de ações protocoladas por segmentos da sociedade civil no Supremo Tribunal Federal (STF), a Corte decidiu, em 2019, equiparar a homofobia e a transfobia, por analogia, ao crime de racismo. A partir daí, a Lei 7.716/1989, que trata sobre crimes de discriminação ou preconceito de cor, passou a se aplicar também para questões envolvendo orientação sexual e expressão de gênero.

O artigo 5° da lei afirma que qualquer estabelecimento comercial aberto ao público não pode negar atendimento que se caracterize como discriminação. Portanto, o sistema jurídico brasileiro reconhece que qualquer conduta discriminatória em razão da orientação sexual e/ou identidade de gênero, incluindo a negação de atendimento e prestação de serviço por parte de uma empresa, é passível de punição.   

Nesse sentido, a Justiça entende que não há justificativa que não seja discriminatória para que um casal homossexual seja impedido de encomendar convites de casamento, principalmente com a afirmação expressa, por parte da própria empresa, de que a negação de atendimento se deu por causa da orientação sexual dos possíveis clientes. Segundo o advogado e jornalista André Eler ouvido pelo Bereia, “no contexto do Brasil não faz sentido dizer que uma alegação de consciência ou liberdade religiosa seja suficiente para que uma empresa negue um serviço com base em discriminação de orientação sexual”. 

Portanto, de acordo com esta orientação, por se tratar de uma relação jurídica em que uma empresa se nega a prestar serviços por causa da orientação sexual de uma pessoa,  a justificativa da liberdade de consciência religiosa não é válida nesse contexto. 

Perseguição dos cristãos pelo mundo

Quanto à afirmação de que este é um caso de perseguição religiosa, atribuída a aliados do casal homoafetivo, que reagiram à postura do casal dono da empresa, ela também é imprecisa e injustificada. Como já abordado  por Bereia, o termo “cristofobia”, entendido como uma perseguição a cristãos em países em que esse grupo religioso é majoritário, se trata de uma falácia que é instrumentalizada politicamente, com frequência. 

Nesse contexto, a ideia de que os cristãos estejam sofrendo perseguição ideológica, fomenta disputas no cenário religioso e político e é associada principalmente aos que se alinham a um conservadorismo no que se refere a pautas morais. Mesmo que os cristãos sejam a maioria no país e tenham plena liberdade de prática da fé, lutas antidiscriminação e iniciativas de inclusão de grupos historicamente marginalizados, que oferecem orientação distinta a de certas doutrinas e teologias, são interpretadas como noções e práticas contra o certos grupos religiosos, em especial, determinados cristãos. Com isso, são  utilizadas para criar uma noção de inimigo em comum.

Essa noção toma outros contornos quando associada, nos contextos religiosos, com a ideia de “batalha espiritual”, que entende a vida pública e a arena política como um espaço de disputa entre forças espirituais do bem e do mal. A ideia de batalha convoca os cristãos a se posicionarem a favor dos “princípios e valores cristãos”, entendidos geralmente como relacionados ao conservadorismo moral, e faz com que esse grupo se veja como atacado quando é confrontado em suas posturas discriminatórias.

Bereia já checou vários conteúdos  sobre o tema e mostrou  como o assunto da “perseguição aos cristãos” tem sido instrumentalizado por lideranças extremistas de direita, por meio de notícias de cunho duvidoso para criar pânico no público cristão. Este tema tem um histórico de ser utilizado em época de eleições para direcionar a preocupação das pessoas religiosas contra políticas progressistas, com disseminação de pânico moral sobre grupos de esquerda terem intenções de acabar com as igrejas do Brasil. Isto é falso pois carece de elementos factuais.

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Bereia classifica a matéria de Gospel Prime sobre os donos do Ateliê como imprecisa.

Os dados relativos ao caso em si são verdadeiros: houve a recusa por parte do Jurgenfeld Ateliê de prestar o serviço de confecção de convites de casamento ao casal Henrique Nascimento e Wagner Cardoso, expressamente por se tratarem de homossexuais, como comprovado nas próprias mídias digitais dos dois lados envolvidos.

Porém, não foi verificada a ocorrência de ameaças de violência física ao casal. Estas não foram tornadas públicas pelo casal, dono da empresa, que também não respondeu ao contato do Bereia.

Além disso, as afirmações da matéria sobre a dimensão jurídica desse caso, assim como sobre o contexto mais amplo de afirmação de perseguição  religiosa a cristãos, são falsas e se inserem em uma narrativa de desinformação ideológica, pauta extremista de direita.. 

A recusa do Jurgenfeld Ateliê de prestar serviços a um casal homossexual, com base em sua orientação sexual, coloca em evidência um conflito cada vez mais perceptível entre o direito à liberdade religiosa e o combate à discriminação no Brasil. A posição adotada pela empresa, embora respaldada por suas crenças religiosas, entra em confronto direto com a legislação brasileira, que equipara o preconceito sexual e de gênero  ao crime de racismo, com a proibição expressa a discriminação por orientação sexual em serviços públicos e privados. Isto significa que quem se vê impedido a prestar serviços a qualquer cidadão, no seu direito de consumidor, não deve atuar no ramo.

O caso também ressalta a utilização de narrativas de perseguição religiosa em contextos políticos e sociais, frequentemente empregadas para fortalecer posições conservadoras, de cunho extremista, especialmente em períodos eleitorais. A alegação de perseguição, muitas vezes desprovida de evidências concretas,  como demonstrado pela ausência de provas nesta direção, referentes às ameaças de violência alegadas, pode desviar a atenção do cerne da questão: a necessidade coexistir com  respeito e igualdade de direitos para todos, independentemente das diferenças, de vários tipos, entre cidadãos. 

Referências de checagem: 

Jurgenfeld Ateliê 

https://www.jurgenfeldatelie.com/

https://www.instagram.com/jurgenfeld.atelie/  Acesso em 30 ABR 24

Metrópoles (Declaração do casal) 

https://www.youtube.com/watch?v=pUD1afrfiPo Acesso em 30 ABR 24

Facebook

https://www.facebook.com/photo/?fbid=7612515832145892&set=a.443885815675632  Acesso em 30 ABR 24

Carta Capital: 

https://www.cartacapital.com.br/sociedade/loja-de-sao-paulo-se-nega-a-atender-casal-homossexual-e-alega-principios-cristaos/ Acesso em 30 ABR 24

Procuradoria Geral do Estado de São Paulo

https://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/revista2/artigo5.htm#:~:text=A%20Constitui%C3%A7%C3%A3o%20Federal%2C%20no%20artigo,culto%20e%20as%20suas%20liturgias. Acesso em 01 MAI 24

Coletivo Bereia

https://coletivobereia.com.br/cristofobia-uma-estrategia-preocupante/Acesso em 01 MAI 24

https://coletivobereia.com.br/apos-perda-de-mandato-de-dallagnol-politicos-religiosos-propagam-narrativa-enganosa-de-perseguicao/ Acesso em 01 MAI 24

https://coletivobereia.com.br/site-gospel-usa-video-de-participante-de-reuniao-do-pt-para-alimentar-desinformacao-sobre-perseguicao-a-igrejas-pelo-novo-governo/  Acesso em 01 MAI 24

https://coletivobereia.com.br/site-gospel-usa-video-de-participante-de-reuniao-do-pt-para-alimentar-desinformacao-sobre-perseguicao-a-igrejas-pelo-novo-governo/

https://coletivobereia.com.br/site-gospel-usa-nota-de-jornalista-para-explorar-tema-de-perseguicao-a-evangelicos/ Acesso em 01 MAI 24

Brasil de Fato

https://www.brasildefato.com.br/2020/11/13/cristofobia-projeto-de-poder-e-as-resistencias-da-luta-crista Acesso em 02 MAI 24

Senado Federal

https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=7916960&ts=1647262211806&disposition=inline Acesso em 03 MAI 24

Supremo Tribunal Federal

https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=414010 Acesso em 03 MAI 24

Observatório de Mortes e Violências LGBTI+ no Brasil

https://observatoriomorteseviolenciaslgbtibrasil.org/dossie/mortes-lgbt-2022/ Acesso em 05 MAI 24

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Foto de capa: Karolina Grabowska/Pexels

Site e políticos religiosos desinformam sobre projeto de saídas temporárias da prisão

O site Gospel Mais destacou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou, com vetos, o Projeto de Lei 2253/2022, apresentado na Câmara de Deputados e aprovado no Congresso Nacional, em 20 de março abril deste ano, que alterou as regras de saídas temporárias de presos em regime semiaberto, conhecidas como ‘saidinhas’. 

Imagem: reprodução do site Gospel Mais

A manutenção dessas saídas temporárias em casos específicos, como a visita à família, gerou críticas de políticos evangélicos, como a vereadora evangélica Sonaira Fernandes (PL-SP) e os deputados federais Marco Feliciano (PL-SP) e Nikolas Ferreira (PL-MG), que acusam o governo de ser condescendente com criminosos. 

Imagem: reprodução do Instagram

A postagem da vereadora Sonaira Fernandes contém a seguinte legenda: 

“Agora cabe ao Congresso Nacional ter a decência e a coragem de derrubar o veto desse governo vergonhoso! Cobre o seu deputado!”. Sonaira Fernandes tem outras publicações desinformativas que questionam direitos prisionais, como Bereia já checou.

  Imagem: reprodução do X

Imagem: reprodução do X

A manchete utilizada por Gospel Mais, “Lula mantém saidinhas”, sugere a manutenção ampla das saídas temporárias e a ideia de que o Projeto de Lei  foi totalmente vetado pelo presidente. Bereia checou esta notícia.

Origem da “saidinha”

Popularizada nas mídias como “saidinha”, a saída temporária faz parte da Lei de Execução PenalLei nº 7.210, que entrou em vigor em 1984, após ter sido sancionada pelo general João Batista Figueiredo, último presidente da ditadura militar (1964-1985).

Na justificativa apresentada à época – ainda disponível no portal da Câmara dos Deputados -, o então ministro da Justiça Ibrahim Abi-Ackel argumentou que as saídas temporárias “constituem notáveis fatores para atenuar o rigor da execução contínua da pena de prisão” e que os trabalhos de especialistas para dar forma ao projeto de lei “sintetizam a esperança e os esforços voltados para a causa universal do aprimoramento da pessoa humana e do progresso espiritual da comunidade”. Ou seja, a lei não perdia o fator de possibilitar a ressocialização dos presos.

O Projeto de Lei  nº 2.253, de 2022

O Projeto de Lei  nº 2.253, de 2022, de autoria do deputado federal Pedro Paulo (MDB/RJ), altera a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 – Lei de Execução Penal – , e dispõe sobre a monitoração eletrônica do preso, além de prever a realização de exame criminológico para progressão de regime e restringir o benefício da saída temporária. 

 Uma das principais mudanças propostas pelo projeto foi a restrição mais rigorosa das saídas temporárias de presos, especialmente para aqueles em regime semiaberto. Antes, os presos podiam ser autorizados a sair temporariamente, sem a necessidade de monitoramento eletrônico e com menos critérios de elegibilidade. 

O projeto propôs critérios mais estritos para estas saídas, incluindo a necessidade de exame criminológico para determinar a adequação do preso para tais benefícios e tornou obrigatório o uso de tornozeleiras eletrônicas para todos os presos que fossem beneficiados com saídas temporárias, o que visa proporcionar um controle mais efetivo durante o período em que o detento está fora do estabelecimento penal.

Na forma como aprovada pela Câmara e o Senado, o projeto incluía a proibição completa das saídas temporárias para visitas familiares, agrupando-as com as saídas para atividades de convívio social. No entanto, essa parte específica do projeto foi vetada pelo presidente Lula.

Presidente sanciona com veto a “Lei das Saidinhas”

 O presidente Luiz Inácio Lula da Silva acatou a sugestão do ministro da Justiça e Segurança Pública Ricardo Lewandowski, e sancionou o PL 2.253,e praticou o seu direito de veto apenas ao trecho que proíbe a saída temporária para visita à família, avaliado como inconstitucional. 

O ministro Lewandowski defendeu o veto parcial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao projeto que restringe as saídas temporárias de presos, com a proibição de visitas familiares para detentos em regime semiaberto. De acordo com o jurista, tal restrição violaria princípios constitucionais como a dignidade da pessoa humana e a individualização da pena, além do dever estatal de proteger a família. 

O ministro enfatizou que, apesar do veto a esse aspecto específico, todas as outras restrições propostas pelo Congresso, como a exigência de exame criminológico para progressão de regime e o uso obrigatório de tornozeleiras eletrônicas, foram mantidas. 

Além disso, o ministro da Justiça ressaltou que a preservação do convívio familiar para os detentos está alinhada com obrigações internacionais assumidas pelo Brasil, como as estipuladas pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, pelo Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e pela Convenção Americana de Direitos Humanos.

A recomendação do ministério da Justiça à Câmara e ao Senado era de se manter apenas a saída para visitas à família, no entanto, durante a formulação do projeto de lei, a maioria dos parlamentares optou por incluir a proibição das saídas para visitas familiares no mesmo artigo que restringe as saídas para atividades sociais.  Esta dupla restrição em um único artigo impediu que o presidente realizasse um veto exclusivamente à proibição de visitas familiares, uma vez que a Constituição Federal não permite vetos parciais em dispositivos únicos.

A desinformação na matéria de Gospel Mais

A matéria de Gospel Mais destaca publicações dos políticos evangélicos Sonaira Fernandes, Marco Feliciano e Nikolas Ferreira. Bereia checou este conteúdo.

Sonaira Fernandes publicou trecho do pronunciamento do ministro Lewandowski, que explica a sugestão do veto pontual ao projeto de lei, mas omitiu os objetivos da sugestão e ofereceu engano ao afirmar “Lula veta a saidinha”.  A vereadora do Republicanos utiliza o pronunciamento que explica a inconstitucionalidade dos pontos vetados, mas cria uma publicação não verdadeira sobre a decisão do presidente Lula.

Marco Feliciano publicou conteúdo que insinua que o “diálogo cabuloso” entre o crime organizado e o PT surtiu efeito e afirma que o presidente Lula vetou “o trecho principal” do projeto de lei. O deputado do PL-SP mente ao afirmar que o texto principal foi vetado. Como verificado pelo Bereia, o projeto aprovado no Congresso Nacional foi mantido, tendo sido vetado apenas o trecho que proibia a saída para visita aos familiares. 

Ao vincular a decisão do presidente da República, baseada na Constituição Federal, ouvido o ministro da Justiça, defendida pela OAB , por especialistas e por organizações que atuam por direitos prisionais, a um suposto diálogo com o crime organizado, Marco Feliciano mente para promover pânico e desinformação e mobilizar seguidores contra esta ação.

Nikolas Ferreira utiliza a mesma retórica dos outros dois citados pelo Gospel Mais. Afirma que “Lula veta projeto e mantém saidinhas”,  o que representa desinformação sobre a verdadeira natureza do veto presidencial. No mesmo conteúdo, o parlamentar do PL afirma que “Lula defende bandido”, seguindo a linha dos políticos extremistas de direita de usar o imaginário que permeia a população e qualificar direitos prisionais como “defesa de bandidos”.

População carcerária no Brasil e saídas temporárias

Imagem feita com inteligência artificial por Daniel Reis

O Relatório de Informações Penais (RELIPEN), do Ministério da Justiça e Segurança Pública, referente ao primeiro semestre de 2023, compila dados das Secretarias de Administração Prisional de todos os Estados e do Distrito Federal, além do Sistema Penitenciário Federal. 

Segundo o relatório, atualmente a população prisional totaliza 644.305 pessoas, distribuídas em diferentes regimes penais e enfrentando variadas condições de detenção.

 O regime fechado (336.340 presos), como esperado, contém a maioria dos detentos, refletindo a natureza das penas aplicadas para crimes mais graves ou para indivíduos com histórico criminal mais complexo. O regime semiaberto (118.328 presos) e o aberto (6.872 pessoas), que permitem mais liberdades aos detentos, representam uma menor parcela da população prisional, sendo opções para aqueles em fase de transição para reintegração à sociedade ou para penas mais leves.

No decorrer do primeiro semestre de 2023, o sistema penitenciário brasileiro permitiu que 120.244 detentos em regime semiaberto tivessem a oportunidade de saídas temporárias, destes, 7.630 não retornaram, o que equivale a 6,34% do total.  

Desmascarando mitos sobre a “saidinha”

Bereia consultou dados fornecidos pela organização não-governamental Conectas Direitos Humanos, que trabalha pela proteção e promoção dos direitos humanos tanto no Brasil quanto internacionalmente. A organização atua em diversas frentes, incluindo a luta contra a violência institucional, a defesa do espaço democrático, e a proteção dos direitos socioambientais​.

Conectas explica que a libertação temporária de presos, regulamentada pela Execução Penal do Brasil Direito (LEP), está frequentemente envolta em “mitos” (neste caso, entendidos como mentiras, enganos ou incompreensões) que alimentam inseguranças sociais. Além disso, equívocos e relatórios incompletos podem distorcer a percepção do público, particularmente no que diz respeito ao número de reclusos que não conseguem regressar à prisão e aos critérios de elegibilidade. Material Conectas esclarece mal-entendidos que são comuns neste tema das “saidinhas”: 

Mito 1: Todos os presos são elegíveis para libertação temporária 

Apenas os reclusos em instalações semi abertas são elegíveis para libertação temporária. Este benefício é reservado para aqueles que podem sair das instalações durante o dia para trabalhar e retornar à noite. Em São Paulo, por exemplo, 22% dos presos estão em regime semiaberto, normalmente com o cumprimento de pena por tráfico de drogas, roubos e furtos.

Mito 2: Libertação temporária é igual a perdão 

A libertação temporária não é um perdão ou uma anistia; não reduz a pena. Em vez disso, é um período pré-especificado, durante o qual os reclusos podem visitar as suas famílias, após o qual devem regressar à prisão. O não retorno é considerado fuga, e o preso fica sujeito à recaptura e às penalidades legais.

Mito 3: Elegibilidade imediata para indivíduos recentemente encarcerados 

A elegibilidade para libertação temporária exige que o preso tenha cumprido pelo menos um sexto da pena, se for um réu primário, ou um quarto, se for um réu reincidente, juntamente com um registro de bom comportamento.

Mito 4: Elegibilidade independentemente do crime cometido 

Os reclusos condenados por crimes violentos ou que representam uma ameaça grave enfrentam normalmente penas mais longas, o que afecta a sua elegibilidade para libertação temporária. Especificamente, desde 2019, a Lei de Execuções Penais já proíbe explicitamente a libertação temporária de reclusos condenados por crimes hediondos que resultem em morte.

Mito 5: A maioria dos presos não retornam após a libertação 

Dados de São Paulo, em setembro de 2023, mostram que dos 33.700 presos que receberam liberdade temporária, cerca de 4% não conseguiram retornar a tempo. Esses indivíduos são considerados fugitivos e perdem a elegibilidade para regimes semiabertos, após serem recapturados.

Mito 6: Aumento da criminalidade durante as libertações temporárias 

Não existem provas conclusivas que sugiram que as libertações temporárias conduzem a um aumento nas taxas de criminalidade. Esta afirmação resulta frequentemente de opiniões preconceituosas em relação aos indivíduos encarcerados, em vez de ser baseada em dados estatísticos.

Segundo a Conectas, à medida que a sociedade trabalha no sentido de sistemas de justiça criminal mais eficazes, por isso, avalia-se ser vital compreender e aperfeiçoar políticas como a libertação temporária. Para a organização, importa, ainda, garantir que estes programas sejam implementados de forma eficaz, o que pode levar a melhores resultados para os reclusos e para a sociedade, reduzindo a criminalidade e ajudando a uma reintegração bem sucedida.

O defensor público Diego Polachini, do Núcleo de Situação Carcerária (Nesc) da Defensoria Pública de São Paulo, concorda que casos pontuais de crimes durante uma saída temporária são usados como experiência geral em relação ao benefício. No entanto, segundo ele, isso não se comprova, e há “uma generalização incabível”.

“Muitos se baseiam nesse populismo penal, normalmente em ano de eleição, e nesse suposto medo que é incutido na população de essas pessoas poderem passar um fim de semana em casa. Tem o terror no WhatsApp de que vai ter a saída temporária, para todo mundo ficar em casa, e isso não é demonstrado em um aumento de criminalidade”, acrescenta.

Populismo penal: medo e desinformação

O que é sustentado por especialistas em direitos prisionais é que, para além destes mitos, é essencial considerar o propósito e os resultados do sistema de libertação temporária para que os vetos ao projeto de lei sejam compreendidos e como a reação de políticos como Sonaira Fernandes, Marco Feliciano e Nikolas Ferreira fomentam o medo e a desinformação. 

A política de liberdade temporária visa facilitar a reintegração dos reclusos na sociedade, mantendo os laços familiares e a estabilidade social, que são cruciais para reduzir as taxas de reincidência criminal.

Como Bereia verificou, a libertação temporária serve como uma componente crítica da reabilitação social dos reclusos. Ao permitir-lhes manter ligações com as suas famílias e comunidades, a política visa facilitar a transição de regresso à sociedade após a libertação total. 

A pesquisa também indicou que, apesar de oferecerem benefícios, o sistema de libertação temporária enfrenta desafios, o que inclui a percepção do público e a necessidade de mecanismos robustos de monitorização. Equilibrar estas preocupações com os objetivos de reabilitação da política requer avaliação e ajustamento contínuos.

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Bereia classifica a publicação do site Gospel Mais como enganosa. O presidente Lula não manteve as “saidinhas”, na forma como eram praticadas anteriormente ao projeto de lei aprovado no Congresso Nacional, para restrições. O presidente vetou apenas um dispositivo, que, segundo orientação do Ministério da Justiça, era inconstitucional, pois vedava visitas familiares, que foram incluídas no mesmo conjunto de “saídas para atividades sociais”. 

Além da chamada enganosa e do texto, que não oferece contexto e dados, ao replicar as publicações críticas de três políticos evangélicos , o Gospel Mais propaga desinformação, pois não informa sobre os objetivos do veto, voltados para a necessidade ressocialização.

Bereia entende que, ao confrontar desinformação (“mitos”, segundo o material citado) e fornecer informações precisas, podemos ajudar a mudar o discurso público para opiniões mais baseadas em evidências sobre estratégias correcionais. Esta mudança é crucial para o desenvolvimento de políticas de justiça criminal que não só garantam a segurança pública, mas também apoiem a reabilitação dos indivíduos e a saúde de suas famílias e das comunidades.

Referências de checagem:

Câmara dos Deputados.

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=493361 Acesso em 15 ABR 24

https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1980-1987/lei-7210-11-julho-1984-356938-exposicaodemotivos-149285-pl.html Acesso em 15 ABR 24

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2398266&filename=Tramitacao-PL%202253/2022%20(N%C2%BA%20Anterior:%20PL%20583/2011) Acesso em 15 ABR 24

Ministério da Justiça e Segurança Pública. https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/presidente-sanciona-com-veto-a-lei-das-saidinhas Acesso em 15 ABR 24

Secretária Nacional de Políticas Penais.

https://www.gov.br/senappen/pt-br/assuntos/noticias/senappen-lanca-levantamento-de-informacoes-penitenciarias-referentes-ao-primeiro-semestre-de-2023#:~:text=O%20n%C3%BAmero%20total%20de%20custodiados,estudar%2C%20dormem%20no%20estabelecimento%20prisional. Acesso em 15 ABR 24

https://www.gov.br/senappen/pt-br/servicos/sisdepen Acesso em 15 ABR 24

https://www.gov.br/senappen/pt-br Acesso em 15 ABR 24

https://www.gov.br/senappen/pt-br/pt-br/assuntos/noticias/depen-divulga-relatorio-previo-de-estudo-inedito-sobre-reincidencia-criminal-no-brasil/reincidencia-criminal-no-brasil-2022.pdf/view Acesso em 15 ABR 24 

https://www.gov.br/senappen/pt-br/assuntos/noticias/senappen-lanca-levantamento-de-informacoes-penitenciarias-referentes-ao-primeiro-semestre-de-2023/relipen Acesso em 15 ABR 24

Agência Brasil.

https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2024-04/lula-vai-vetar-proibicao-presos-de-visitarem-familiares Acesso em 15 ABR 24

https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2024-01/extincao-da-saidinha-nao-e-solucao-para-queda-na-criminalidade# Acesso em 15 ABR 24

Conectas. https://www.conectas.org/sobre-a-conectas/ Acesso em 15 ABR 24

G1.

https://g1.globo.com/politica/noticia/2024/04/11/ministerio-da-justica-recomenda-veto-parcial-a-projeto-que-restringe-saidinha-de-presos-em-feriados.ghtml Acesso em 15 ABR 24

https://g1.globo.com/politica/noticia/2024/04/16/defensoria-publica-da-uniao-critica-lei-que-restringe-saidinhas-e-diz-que-medida-pode-causar-instabilidade-em-presidios.ghtml Acesso em 15 ABR 24

https://g1.globo.com/politica/noticia/2024/02/20/para-especialistas-acabar-com-saidinha-de-presos-em-feriados-atrapalha-a-ressocializacao.ghtml Acesso em 15 ABR 24

Unicef 

https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos Acesso em 15 ABR 24

Governo Federal 

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.htm Acesso em 15 ABR 24

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0678.htm Acesso em 15 ABR 24

Pastoral Carcerária https://carceraria.org.br/combate-e-prevencao-a-tortura/entidades-divulgam-nota-conjunta-referente-a-extincao-do-direito-as-saidas-temporarias Acesso em 15 ABR 24

OAB https://congressoemfoco.uol.com.br/area/governo/conselho-federal-da-oab-defende-veto-ao-pl-das-saidinhas/ Acesso em 15 ABR 24

Brasil de Fato https://cdn.brasildefato.com.br/documents/3ebc9bd6060d32914ca9c3f48bd36233.pdf Acesso em 15 ABR 24

Coletivo Bereia

https://coletivobereia.com.br/vereadora-faz-video-contra-evento-por-direitos-dos-presos-descontextualizando-fatos/ Acesso em 17 ABR 24

Jusbrasil

https://www.jusbrasil.com.br/artigos/os-direitos-humanos-sao-para-defender-bandidos/795222445 Acesso em 17 ABR 24

Foto de capa: Donald Tong/Pexels

Site gospel engana sobre denúncia de ministra da França a respeito da fala de padre contra homossexualidade

* Matéria atualizada em 18/04/2024 às 17:50 para correção de título

Segundo uma publicação do site evangélico Gospel Mais, o padre Matthieu Raffray enfrenta ameaças de processo por parte da ministra de Igualdade de Gênero e Diversidade do governo francês Aurore Bergé. A ministra teria ameçado o padre de processo depois de ele ter afirmado em vídeo, direcionado a seus mais de 60 mil seguidores no Instagram, que a homossexualidade é ‘uma fraqueza pecaminosa’, juntamente com outras transgressões. Gospel Mais afirma que o padre Raffray “despertou a ira” da ministra francesa.

Imagem: reprodução site Gospel Mais

 De acordo com o Gospel Mais, a ministra Bergé denunciou o padre Raffray à Delegação Interministerial para a luta contra o racismo, o anti-semitismo e o ódio LGBT (DILCRAH). A DILCRAH informou ter encaminhado a denúncia ao procurador da República e mencionou que a chamada “terapia de conversão”, incentivada por grupos religiosos,  é ilegal na França desde 2022.

 Gospel Mais ainda afirma, que apesar da “controvérsia e da perseguição governamental”, Raffray defende sua posição, e insiste que sua intenção “era encorajar a luta contra as tentações em geral, e não atacar especificamente a homossexualidade, enfatizando sua abordagem cuidadosa ao tema e sua não homofobia”.

 Na manhã do dia 4 de abril, o site O Antagonista noticiou que o padre Raffray estava sendo processado por homofobia. Horas após essa publicação inicial, o site evangélico Pleno.News também cobriu o caso, mas com uma abordagem diferente, com o relato de que o sacerdote havia sido denunciado por descrever a homossexualidade como “fraqueza”.

 No dia seguinte, 5 de abril, o site evangélico Gospel Mais entrou na discussão, destacando que as declarações do padre provocaram a ira de uma ministra, ao caracterizar a homossexualidade como uma “fraqueza pecaminosa”. Esta sequência de reportagens mostra a evolução da cobertura do evento e as diversas interpretações dadas ao incidente.

Imagem: reprodução do site O Antagonista

Imagem: reprodução Pleno News

Quem é o Padre Matthieu Raffray?

  Imagem: reprodução do X (antigo Twitter)

O padre da Igreja Católica Matthieu Raffray é doutor em história da filosofia e professor de filosofia na Universidade Pontifícia de Santo Tomás de Aquino, em Roma. É autor do livro “Le plus grand des combats” (“O Maior dos Combates”), anunciado com destaque em sua página na rede social digital X (antigo Twitter). 

O site oficial da publicação, da Editora Hétairie, apresenta o livro como um chamado à reflexão sobre a fé católica e um convite para jovens a redescobrir suas raízes e identidade na fé. Segundo essa apresentação, a obra é um “grito de guerra em torno de cristo” e Raffray aborda temas polêmicos como aborto,  divórcio e  eutanásia e demais desafios que a sociedade enfrenta atualmente. 

A Associação Renascimento Católico afirma que “sem ignorar o estado da nossa sociedade e os perigos que enfrentamos, o livro é um grito de guerra em torno de Cristo, um apelo à Esperança. Não foi em vão que milhares de jovens decidiram acordar, redescobrir as suas raízes, a sua identidade, a sua fé. Siga Cristo, levante-se: você nunca mais estará sozinho!

Matthieu Raffray faz parte do Instituto Bom Pastor, que foi criado ainda sob o pontificado do Papa Bento XVI. O IBP tem cerca de 45 sacerdotes, que atuam em cerca de vinte dioceses, na França (Bordéus, Chartres, Paris, Meaux, Le Mans, Marselha, etc.), na Polônia (Varsóvia, Częstochowa, Białystok), Colômbia (Bogotá), Brasil (Brasília, São Paulo, Belém, Curitiba), Itália (Roma, Nápoles) e Uganda (Kampala). Os seus sacerdotes exercem o apostolado em pequenas comunidades, no âmbito de paróquias pessoais ou territoriais. 

O Instituto do Bom Pastor, tem como objetivo a defesa e difusão da Tradição Católica em todas as suas formas: doutrinal, apostólica e litúrgica. Na linha conservadora defendida pelo grupo, os padres do IBP celebram a missa exclusivamente segundo o rito tradicional, ou seja, segundo a liturgia conhecida como “São Pio V”, de 1570, também conhecida como “Missal Tridentino”, celebrada em latim, formato anterior ao estabelecido pelo Concílio Vaticano II (1962-1965).

O vídeo de Raffray

Matthieu Raffray publicou o vídeo criticado pela ministra francesa para a Igualdade de Gênero, Diversidade e Igualdade de Oportunidade, Aurore Bergé, para os seus mais de 60 mil seguidores no Instagram, em 15 de março.

Imagem: reprodução do Instagram

Em trecho da gravação,  Matthieu Raffray afirma: 

 “Todos nós temos fraquezas. Cada um tem suas fraquezas, aquele que é guloso, aquele que é colérico, aquele que é homossexual. Enfim, existem tendências à homossexualidade. Todos os pecados, todos os vícios que podem existir na humanidade e contra os quais podemos muito bem lutar. Mas o demônio vai por dentro, você sabe, você conhece esse discurso interior que diz, por exemplo, eu nunca vou conseguir, vou parar de lutar porque de qualquer forma, é muito difícil. Isso é a voz do demônio que nos faz criar ilusões, filmes interiores para nos fazer abandonar a luta e duvidar de Deus. Existem as fraquezas interiores e as tentações do demônio que jogam com nossas fraquezas”.

A ministra publicou na rede social digital X, em 20 de março,  que os comentários de Raffray sobre a homossexualidade eram “inaceitáveis” e que ela estava denunciando o sacerdote à Delegação Interministerial para a Luta contra o Racismo, o Antissemitismo e o Ódio Anti-LGBT (DILCRAH), para ser processado nos termos do Artigo 40 do Código Penal francês. “Não tolerarei qualquer forma de ódio, seja qual for”, declarou a ministra.

Imagem: reprodução do X

A DILCRAH, responsável pela concepção, coordenação e gestão da política do governo francês, no combate ao racismo, ao antissemitismo e aos crimes de ódio contra as pessoas LGBTs, respondeu à ministra Aurore Bergé poucos minutos depois: “A pedido de @auroraberge, o @dilcrah denunciou ao Ministério Público as declarações #homofóbicas feitas pelo Sr. Raffray em suas redes sociais. As chamadas terapias de conversão são ilegais desde 2022. Falar da homossexualidade como uma fraqueza é vergonhoso.”

Imagem: reprodução do X 

No mesmo dia, Raffray publicou que sua conta X ultrapassou 20 mil seguidores e “agradeceu”: 

“Acabei de perceber que esta conta ultrapassa os 20.000 seguidores! Obrigado a todos pelo apoio. Agradeço também aos histéricos de todos os tipos que tentam me desestabilizar com polêmicas absurdas: publicidade garantida 👍🏻Amigos ou inimigos: eu rezo por vocês”.

  Imagem: reprodução do X

À versão francesa da revista Família Cristã, Matthieu Raffray negou qualquer intenção discriminatória em suas palavras, e defendeu que não apelou à discriminação. Ele afirmou se considerar cuidadoso ao abordar temas delicados como a homossexualidade. Além disso, o padre definiu sua posição: “Os atos homossexuais são pecado, mas acho que as pessoas não sabem mais o que é pecado. Denunciar um pecado não significa denunciar quem o comete”. 

Raffray menciona um vídeo anterior, “Podemos ser católicos e homossexuais?”, onde recebe Gaëtan Poisson, um autor que aborda a interseção da homossexualidade com a fé, para enfatizar seu compromisso com o respeito às lutas individuais e à dignidade de todas as pessoas, independentemente de sua orientação sexual.

*** 

É verdade que a ministra de Igualdade da França Aurore Bergé denunciou o padre Raffray à Delegação Interministerial para a Luta contra o Racismo, o Antissemitismo e o Ódio Anti-LGBT (DILCRAH),, sob acusação de discurso de ódio contra pessoas homoafetivas, porém, Bereia classifica a notícia sobre o caso publicada no site evangélico Gospel Mais como enganosa

A chamada “Padre desperta ira de ministra ao afirmar que homossexualidade é ‘fraqueza pecaminosa’” reduz e desqualifica a atuação da ministra no seu papel público de defesa dos direitos de gênero e da diversidade como uma explosão de “ira”. É notório que a escolha de palavras em reportagens pode influenciar significativamente a percepção do público sobre os fatos. 

A reportagem do Gospel Mais utiliza estrategicamente o termo ‘ira’ para caracterizar a resposta da ministra às declarações do padre, uma escolha de palavras que não apenas amplifica a percepção de uma reação emocional, mas também parece buscar desqualificar a sua atuação legítima como representante governamental. Tal abordagem desvia a atenção da obrigação legal da ministra de proteger os direitos de grupos sociais vulneráveis, como a comunidade LGBTQIAP+, que são prioritários em sua agenda de políticas públicas. 

Ao enquadrar a resposta da ministra como ‘ira’, o site sugere um desvio na conduta esperada de um agente do governo, desconsiderando a natureza de sua responsabilidade em responder a discursos que podem ser classificados como desqualificantes para um grupo social sob sua proteção. Essa escolha editorial reflete não apenas um posicionamento sobre a situação específica, mas também levanta questões importantes sobre a representação midiática de figuras públicas e suas responsabilidades legais e éticas no exercício de suas funções.

No contexto religioso, a palavra ‘ira’ carrega um peso considerável, frequentemente associada a uma reprovação divina intensa e justa contra o pecado. Ao optar por esse termo, o Gospel Mais  enfatiza a gravidade da posição da ministra em relação às declarações do padre, ainda que a própria ministra estivesse agindo sob o mandato de sua função.. 

  Por fim, a reportagem do Gospel Mais, ao utilizar o termo ‘pecaminoso’ em adição à palavra ‘fraqueza’ para descrever a homossexualidade, conforme citado pelo padre, não só amplia a carga negativa da declaração original, mas também insere um peso teológico significativo, profundamente enraizado nas crenças religiosas. Essa escolha editorial não apenas distorce a mensagem inicial do sacerdote, que se limitou a utilizar o termo ‘fraqueza’, causadora de ‘pecados’, mas também serve para intensificar a desaprovação moral dentro de um contexto religioso, o que pode  agravar a estigmatização da comunidade LGBTQIAP+. Nesse sentido, Bereia alerta leitores e leitoras para atentarem para estes casos em que o que é apresentado como notícia e deveria se ater ao relato de ocorrências, oferece, de fato,  uma interpretação opinativa.

Referências de checagem:

Instituto Bom Pastor

https://decouvrirlamessetraditionnelle.com/es/instituto-del-buen-pastor Acesso em 08 ABR 24

Christian Post

https://www.christianpost.com/news/france-may-prosecute-priest-who-called-homosexuality-a-weakness.html Acesso em 08 ABR 24

Le Journal Du Dimanche

https://www.lejdd.fr/societe/le-pretre-catholique-matthieu-raffray-dans-le-viseur-du-gouvernement-143347 Acesso em 08 ABR 24

Catalogue BNF – Internet Archive

https://web.archive.org/web/20220529154252/https://catalogue.bnf.fr/ark:/12148/cb1782896 Acesso em 08 ABR 24

Instagram. 

https://www.instagram.com/fraiches/p/C4pp9I2Mor0/?img_index=1 Acesso em 08 ABR 24

Coletivo Bereia

https://coletivobereia.com.br/deputada-catolica-repercute-afirmacao-do-papa-sobre-ideologia-de-genero-ameacar-a-humanidade/  Acesso em 09 ABR 24

Hetairie

https://www.hetairie.com/plusgrandcombat/ Acesso em 08 ABR 24

Renaissance Catholique

https://renaissancecatholique.fr/lassociation/ Acesso em 09 ABR 24

DILCRAH 

https://www.cheminsdememoire.gouv.fr/en/report-dilcrah Acesso em 09 ABR 24

Twitter. 

https://twitter.com/auroreberge/status/1770464915959976022 Acesso em 09 ABR 24

https://twitter.com/DILCRAH/status/1770470302272589857 Acesso em 09 ABR 24

Família Cristã https://www.famillechretienne.fr/42504/article/cest-la-morale-chretienne-qui-est-attaquee-labbe-raffray-poursuivi-par-le# Acesso em 09 ABR 24 

Youtube

https://www.youtube.com/watch?v=J_G1uYD9l4M Acesso em 09 ABR 24 

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Foto de capa: YouTube

Sites religiosos disseminam desinformação sobre o enfrentamento da dengue

Os sites religiosos de notícias Pleno News e Gospel Prime publicaram recentemente matérias que acusam o Ministério da Saúde do governo federal de distorcer dados para minimizar o impacto da dengue no Brasil. Em 18 de março, ‘Gospel Prime’ divulgou  texto com o título “Ministério da Saúde distorce dados para minimizar impacto da dengue”. Também no dia 18,  Pleno News publicou críticas à pasta da saúde. Ambos os veículos se basearam em informações extraídas de matéria do jornal Folha de S. Paulo. 

Imagem: reprodução Gospel Prime

Imagem: reprodução Pleno.News 

Gospel Prime aborda críticas direcionadas ao Ministério da Saúde pela divulgação de dados inconsistentes sobre a letalidade da dengue em 2024, e pelo suposto inflacionamento de anúncios de repasses financeiros a estados e municípios para combater emergências sanitárias. Segundo o texto, o ministério utiliza informações preliminares para afirmar que a letalidade da dengue em 2024 é menor que a do ano anterior, mesmo com mais da metade dos óbitos ainda sob investigação. Especialistas citados na matéria questionam a validade dessa comparação, devido à grande quantidade de casos pendentes de conclusão.

O Ministério da Saúde mantém informes periódicos sobre os casos de dengue no Brasil e os números são baseados nas informações registradas por Estados e Municípios, onde o cálculo de índices de letalidade é apresentado.

Imagem: reprodução do Informe Diário COE Dengue nº 18 | 21 de março de 2024

A matéria do Gospel Prime menciona 513 mortes confirmadas e 903 em investigação, sugerindo que a letalidade poderia ser maior que a reportada. Críticas também são levantadas quanto à demora na atualização e liberação de dados e recursos, colocando em xeque a eficiência das ações do governo federal na crise.Porém o texto do site gospel não oferece as fontes para as declarações e dados apresentados. 

O Ministério da Saúde apresentou no Informe Diário todas as informações sobre o monitoramento dos casos de dengue. Bereia verificou que a Folha de S. Paulo publicou parcialmente as informações, sem detalhar os coeficientes de incidência e como as taxas estão sendo calculadas. 

O site Pleno News extraiu informações de matéria do jornal Folha de São Paulo. para discutir o uso de dados preliminares para comparar a letalidade da dengue entre os anos, sem citar as fontes. A matéria da Folha oferece um contexto mais detalhado, citando opiniões de especialistas que discordam da metodologia usada pelo Ministério da Saúde.

A matéria original fornece um panorama mais amplo das críticas, enquanto o resumo de Pleno News enfatiza aspectos negativos da gestão da crise, sem mencionar as complexidades envolvidas no processo de investigação dos óbitos e na liberação dos recursos.

Ambas as matérias mencionam a questão dos recursos financeiros, de que a pasta teria inflado repasses para dengue e estaria distorcendo dados com o objetivo de minimizar o impacto da doença. No entanto, a Portaria GM/MS Nº 3.160, de 9 de fevereiro de 2024 detalha como o repasse será administrado e quais condições vai obedecer para suprir as necessidades. 

Ainda que o recorte apresentado da matéria apresente dados que foram publicados pelo Ministério da Saúde, eles não foram publicados de modo completo pela Folha de S. Paulo e pelo Pleno News.

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Gospel Prime trata as informações sobre a dengue no Brasil de forma seletiva para justificar uma pauta negativa, ignorando dados oficiais que mostram uma redução na taxa de letalidade da dengue em comparação com o ano anterior.

O site sugere que a única maneira de interpretar os dados é admitir falhas do Ministério da Saúde, ignorando outras explicações válidas, como a melhoria nos métodos de diagnóstico e tratamento. 

O Gospel Prime por sua vez, introduz que, por alguns dados ainda estarem sendo investigados, toda a comunicação do Ministério da Saúde é questionável, o que pode semear dúvidas sobre a credibilidade de todas as informações fornecidas.

O resumo do Pleno News, sobre matéria da Folha de S. Paulo, utiliza o mesmo formato de publicação, com a seleção de  informações aleatórias , com ênfase nos aspectos negativos dos trabalhos realizados pela pasta. 

A matéria da Folha de S.Paulo, que serviu como fonte para ambos os sites, apresenta uma análise crítica das ações do Ministério da Saúde, embasada em declarações de especialistas e dados disponíveis, mas não em sua totalidade. 

Dessa maneira, a alegação de que o Ministério está inflando os repasses financeiros é enganosa, uma vez que o argumento utilizado traz dados verdadeiros, mas descontextualizados do panorama de combate à dengue. A análise do Bereia aponta que os valores anunciados são parte de um plano estruturado de assistência, cuja distribuição segue critérios transparentes e necessidades específicas de cada região, conforme documentado oficialmente pelo Ministério da Saúde.

Além destas questões, as matérias publicadas pelos sites religiosos mostram apenas parte dos dados e não citam a fonte de onde eles foram retirados, o que desinforma pois limita a compreensão a respeito do que tem sido feito pela pasta. 

Referências de checagem:

Folha de São Paulo.

https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2024/02/casos-de-dengue-em-sao-paulo-em-2024-ja-ultrapassam-todo-o-ano-de-2023.shtml Acesso em 19 MAR 24

https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2024/03/saude-infla-repasses-para-dengue-e-distorce-dados-para-minimizar-impacto-da-doenca.shtml Acesso em 22 MAR 24

Ministério da Saúde.

https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2024/fevereiro/ministerio-da-saude-anuncia-dia-d-nacional-para-combater-a-dengue Acesso em 19 MAR 24

https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2024/fevereiro/ministerio-da-saude-amplia-para-r-1-5-bilhao-os-recursos-para-emergencias-como-enfrentamento-da-dengue Acesso em 20 MAR 24

https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2024/marco/entenda-o-indicador-de-taxa-de-letalidade-utilizado-para-monitorar-obitos-por-dengue#:~:text=De%20acordo%20com%20o%20informativo,est%C3%A1%20em%203%2C4%25. Acesso em 22 MAR 24

https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2024/marco/ministerio-da-saude-elabora-estrategia-para-redistribuicao-das-vacinas-da-dengue Acesso em 22 MAR 24

https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/a/arboviroses/informe-diario/informe-diario-coe-dengue-no-18/view Acesso em 22 MAR 24

Diário Oficial da União. https://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-gm/ms-n-3.160-de-9-de-fevereiro-de-2024-542590475 Acesso em 24 MAR 24

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Foto de capa: Walterson Rosa/Ministério da Saúde

Deputada católica repercute afirmação do Papa sobre “ideologia de gênero” ameaçar a humanidade

Circula em espaços religiosos digitais publicação da deputada católica Bia Kicis, em seus perfis de mídias sociais, em que divulga uma fala do Papa Francisco. O conteúdo reforça a campanha de grupos católicos e evangélicos ultraconservadores e de políticos e apoiadores da extrema direita contra a chamada “ideologia de gênero”.

Fonte: X (antigo Twitter) deputada federal Bia Kicis

O que o Papa falou sobre o tema?

O discurso do Papa Francisco foi dirigido em audiência especial com os participantes da  conferência, realizada no Vaticano, nos dias 1º e 2 de março, intitulada “Homem-Mulher: imagem de Deus, para uma antropologia das vocações”, promovida pelo Centro de Pesquisa e Antropologia das Vocações. Já no início do discurso proferido, que foi lido pelo seu colaborador monsenhor Ciampanelli, dado o pontífice estar resfriado, os participantes foram chamados a atenção para os riscos associados à “ideologia de gênero”, argumentando que ela pode apagar as diferenças fundamentais entre homens e mulheres, que são essenciais para a humanidade.  

… gostaria de realçar algo: é muito importante que se realize este encontro, um encontro entre homens e mulheres, porque hoje o perigo mais horrível é a ideologia do género , que anula as diferenças. Pedi que se façam estudos sobre esta ideologia horrível do nosso tempo, que anula as diferenças nivelando tudo; anular a diferença significa anular a humanidade. O homem e a mulher, ao contrário, vivem em fecunda “tensão”. 

Em plateia formada por religiosos e religiosas católicos, Francisco afirmou:

O objetivo desta Conferência é, em primeiro lugar, considerar e valorizar a dimensão antropológica  de cada vocação. Isto remete-nos para uma verdade elementar e fundamental, que hoje precisamos redescobrir em toda a sua beleza: a vida do ser humano é vocação . Não esqueçamos: a dimensão antropológica, que está na base de cada chamada no âmbito da comunidade, tem a ver com uma caraterística essencial do ser humano como tal: ou seja, que o próprio homem é vocação.

No Brasil, políticos conservadores têm divulgado essa fala do Papa como reforço às críticas à chamada “ideologia de gênero”. O termo surgiu surgiu no ambiente da Igreja Católica como reação aos avanços, inicialmente dos movimentos feministas, depois, da pauta LGBTQ+, explicitados no reconhecimento dos direitos sexuais e reprodutivos e no casamento igualitário.

Ideologia de gênero: o Vaticano reage aos avanços de pautas feministas

De acordo com com o teólogo, professor da Universidade Estadual de Ponta Grossa Marcio Ornat, a expressão “ideologia de gênero” começou a ser mencionada nos anos 90, especialmente em textos da Igreja Católica que questionavam a ênfase do conceito de“gênero”pela Organização das Nações Unidas (ONU). 

A introdução do conceito de gênero nas Conferências Internacionais da ONU  sobre Mulheres, em Pequim, e sobre População e Desenvolvimento, no Cairo, ambas ocorridas na década de 1990, representou um marco significativo na luta contra a desigualdade  entre homens e mulheres, por meio da adoção do conceito de “gênero”. 

O conceito de gênero emergiu no interior das políticas feministas, nos anos 1970. Pesquisadoras da temática articularam diferentes vertentes teóricas e ativismos, que questionaram a vinculação do caráter biológico ao destino social das mulheres, questionando os essencialismos persistentes na vida social. Gênero, nesse contexto, surge como um termo que se contrapõe ao sexo biológico e considera que as desigualdades na distribuição do poder corroboram para a manutenção de preconceitos, opressões e discriminações. 

Contudo, a adoção do conceito nas conferências da ONU não foi recebida de maneira consensual, provocando divergências evidenciadas pelas objeções formalizadas por delegações de diversos países. Em particular, a Santa Sé destacou-se nesse cenário, posicionando-se contrariamente aos direitos sexuais e reprodutivos femininos, e expressando uma oposição enfática ao conceito de gênero proposto nas conferências da ONU, marcando um episódio notável de tensão em debates globais sobre direitos e igualdade de gênero.Com a expansão das discussões sobre a temática de gênero, estas pautas passaram a ser classificadas como ideológicas e contrárias às famílias, uma vez que questionavam a formação familiar nuclear tradicional.

A discussão sobre o termo ganhou destaque na Europa, sobretudo após a publicação do “Lexicon” – Léxico dos termos ambíguos e controversos sobre a vida, a família e as questões éticas, pelo Pontifício Conselho da Família, em 2003, uma obra encomendada pelo Vaticano que aborda gênero, sexualidade e bioética, e ajudou a disseminar o termo na política de vários países, incluindo o Brasil.

“Inicialmente conduzido por representantes do Vaticano, tais críticas ao conceito de gênero entraram na esfera pública por meio de textos escritos pelo então Arcebispo Joseph Ratzinger, futuro Papa Bento XVI, a partir de 1997. Nos textos, o cardeal acusa a ‘cultura moderna’ de promover ideologias que se distanciavam dos preceitos cristãos da família nuclear e seus pressupostos, sustentados na reprodução dos ideais de boa esposa e mãe virtuosa.”

Como Bereia já checou em várias matérias, desde seu surgimento, a expressão “ideologia de gênero” carrega um sentido pejorativo. Por meio dela, setores mais conservadores da sociedade protestam contra atividades que buscam falar sobre a questão de gênero e assuntos relacionados, como sexualidade nas escolas. As pessoas que concordam com o sentido negativo empregado no termo “ideologia de gênero” geralmente temem que, ao falar sobre as questões mencionadas, a escola vá contra os valores da família.

A expressão “ideologia de gênero” não é admitida no mundo acadêmico. Nas universidades, apenas o termo teoria de gênero é reconhecido, e estabelece que gênero e orientação sexual são construções sociais e não apenas determinações biológicas. 

Já para segmentos da extrema-direita, a “ideologia de gênero” é um ataque ao conceito tradicional de família.

Como afirmou a pesquisadora Valéria Vilhena, ouvida pelo Bereia, em 2020:
Essa narrativa foi construída para se opor aos direitos da mulher e da população LGBT. Eles constroem esse discurso para mais uma vez se posicionarem e reforçarem a negação da dignidade humana. Essa é a questão. Porque não existe uma “ideologia de gênero” – algo que se referem como uma “crença”, uma crença que se impõe para destruir a família. 

Na verdade, não existe e nunca existiu uma ideologia de gênero. O que há é a construção de uma narrativa se utilizando do conceito “gênero” que vem dos estudos de gênero, mas que não tem nada a ver com o que dizem. É muito interessante como eles constroem algo em cima do inexistente. 

“Ideologia de gênero” no Brasil 

No Brasil, o termo ganhou notoriedade em  2014, durante os debates no Congresso Nacional para aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE). O   texto   do   relator,   deputado   Angelo Vanhoni (PT-SC) propunha estimular “a superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da  igualdade  racial,  regional,  de  gênero  e  de  orientação  sexual”. Contudo, encontrou forte resistência de grupos conservadores e religiosos, resultando na retirada desses termos do plano após intensos protestos. 

Fonte: Boitempo

Desde então, a expressão “ideologia de gênero” tem sido usada frequentemente em discursos políticos, principalmente por representantes da direita ultraconservadora, como uma crítica a políticas de igualdade de gênero e direitos LGBTQIAP+. 

A discussão em torno do termo tem sido marcada por controvérsias, acusações de tentativa de imposição de uma visão específica sobre gênero e sexualidade, enquanto defensores argumentam que a educação e discussões sobre gênero são cruciais para combater desigualdades e promover o respeito à diversidade.

Esta trajetória complexa do termo “ideologia de gênero” ilustra a polarização em torno de questões de gênero e sexualidade na sociedade contemporânea, mostrando como conceitos acadêmicos e políticas públicas podem ser interpretados e utilizados de maneira diversa, dependendo dos contextos políticos e sociais.

Papa Francisco e a “ideologia de gênero”

Visto como progressista por muitas de suas posturas em diversos assuntos de interesse público, incluindo a acolhida à comunidade LGBTQIAP+, no entanto, as posições do Papa Francisco em relação às pautas que envolvem a temática de gênero de forma mais ampla não fogem do que o Vaticano estabeleceu com Bento XVI. 

Em diferentes ocasiões, o Papa Francisco denominou a “ideologia de gênero” de “colonização ideológica”, uma “expressão de frustração e resignação”, uma “guerra ao casamento”. Dessa forma, Francisco reafirma o tom pejorativo relacionando gênero a uma “ideologia”, associando-o ao pânico moral: “um perigo para as famílias”.

Meses antes da conferência de março com religiosos e religiosas, em janeiro de 2024, no dia da audiência do Papa com o Corpo Diplomático credenciado junto ao Vaticano, Francisco declarou: “a teoria de gênero é perigosíssima, apaga as diferenças”. Em reportagem do jornal La Stampa, Domenico Agasso, reproduzida pelo IHU-On Line, é avaliado: “Depois de um outono de aberturas ‘progressistas’, em particular para o mundo LGBTQIAPN+, o Pontífice intervém em temas éticos com a firmeza pregada pelos conservadores”. 

Conclusão

Bereia avalia a  publicação da deputada federal Bia Kicis como verdadeira. O conteúdo veiculado pela deputada corresponde à fala do Papa Francisco em conferência realizada no Vaticano, com religiosos e religiosas, neste mês de março. Apesar de o Pontífice manifestar posições progressistas em muitos temas de interesse público, e apregoar o acolhimento da igreja à comunidade LGBTQIA+ e a mulheres, o tratamento que oferece às pautas de gênero seguem o padrão dos conservadorismos político-religiosos, checados por Bereia em outras matérias: negação da abordagem científica da temática de gênero, atribuindo-a a qualificação pejorativa de “ideologia” e uso do pânico moral para convencer.

Referências de checagem:

Vatican News https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2024-03/papa-francisco-ideologia-genero-homem-mulher-antropologia-perigo.html Acesso em 04 MAR 2024 

https://www.vatican.va/content/francesco/pt/apost_exhortations/documents/papa-francesco_esortazione-ap_20160319_amoris-laetitia.html Acesso em 04 MAR 2024

Vaticano
https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2024/march/documents/20240301-convegno-uomo-donna.html 

Coletivo Bereia

https://coletivobereia.com.br/e-falso-que-papa-francisco-segura-bandeira-gay-em-foto/ Acesso em 04 MAR 2024

https://coletivobereia.com.br/igreja-catolica-permite-que-transexuais-sejam-batizados-e-apadrinhem/ Acesso em 04 MAR 2024

https://coletivobereia.com.br/ideologia-de-genero-estrategia-discursiva-e-arma-politica/ Acesso em 04 MAR 2024

https://coletivobereia.com.br/candidato-extremista-nas-eleicoes-argentinas-javier-milei-usa-falsidades-contra-o-papa-francisco-em-campanha/ Acesso em 04 MAR 2024

Instituto de Estudos da Religião

https://iser.org.br/wp-content/uploads/2023/10/Dicionario-para-entender-o-campo-religioso-Volume-1.pdf Acesso em 04 MAR 2024

BBC News Brasil

https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/07/130729_papa_gays_entrevista_jp Acesso em 04 MAR 2024

IHU-On line https://ihu.unisinos.br/633393-papa-francisco-se-reune-com-grupo-lgbt-dos-eua-anteriormente-denunciado-pelo-vaticano Acesso em 04 MAR 2024

https://www.ihu.unisinos.br/categorias/637023-francisco-pedi-para-realizar-estudos-sobre-a-ideologia-de-genero-o-perigo-mais-feio-hoje Acesso em 07 MAR 2024

https://www.ihu.unisinos.br/categorias/635842-a-teoria-do-genero-e-perigosa-nao-a-substituicao-afirma-papa-francisco#:~:text=%E2%80%9CA%20teoria%20do%20g%C3%AAnero%20%C3%A9,Francisco%20%2D%20Instituto%20Humanitas%20Unisinos%20%2D%20IHU, Acesso em 11 mar 2024

Artigo. Lilian Sales (lilian.sales@unifesp.br). professora Adjunta de Antropologia na Universidade Federal de São Paulo. Mestre e Doutora em Antropologia Social pela USP. https://www.scielo.br/j/ref/a/TvyfD5SHWcmwjHWk5VGYpgH/ Acesso em 04 MAR 2024

DUARTE DE SOUZA, S. O gênero da discórdia. A Igreja Católica e a campanha contra os direitos das mulheres na política internacional: uma abordagem a partir das conferências do Cairo e de Pequim. Religare: Revista do Programa de Pós-Graduação em Ciências das Religiões da UFPB, [S. l.], v. 15, n. 2, p. 483–504, 2019. DOI: 10.22478/ufpb.1982-6605.2018v15n2.42234. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/index.php/religare/article/view/42234. Acesso em: 5 mar. 2024.

ROSADO-NUNES, M. J. F. A “ideologia de gênero” na discussão do PNE. A intervenção da hierarquia católica. HORIZONTE – Revista de Estudos de Teologia e Ciências da Religião, v. 13, n. 39, p. 1237-1260, 30 set. 2015.Disponível em: https://periodicos.pucminas.br/index.php/horizonte/article/view/9499  Acesso em: 5 mar. 2024.

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Foto de capa: Prensa Total/Flickr

Mídia de extrema-direita engana sobre o envio de alimentos a Cuba pelo Brasil

* Matéria atualizada em 20/03/2024 às 20:47 para acréscimo de informações

Recente ação do governo brasileiro gerou polêmica nas mídias sociais digitais. O envio de 125 toneladas de leite em pó para Cuba foi amplamente divulgado e criticado em espaços digitais de extrema-direita e compartilhado por perfis de identidade religiosa. 

Matéria da Revista Oeste, em canal no Youtube, apresentou críticas ao atual governo brasileiro, pela decisão de enviar leite em pó para Cuba, além de futuros envios de arroz, milho e soja. Também compara esta situação com a dos Estados Unidos, onde argumenta que o dinheiro dos contribuintes é gasto com imigrantes enquanto as comunidades pobres locais são negligenciadas. A crítica se estende à gestão econômica do país, e menciona a suposta dificuldade dos brasileiros com a economia, os preços dos alimentos, e questiona o que o veículo classifica como priorização de assistência internacional em detrimento das necessidades internas do Brasil.

         Imagem: reprodução de vídeo da Revista Oeste (YouTube)

A oposição no Congresso Nacional também criticou fortemente a ação, alegando que ela “ignora as necessidades internas do Brasil, onde milhões passam fome e falta infraestrutura básica como água potável e saneamento”. 

Imagem: reprodução da Gazeta do Povo

Por que o Brasil está doando alimentos para Cuba?

Durante a Conferência da ONU sobre o Clima – COP28, uma grande reunião sobre o clima realizada em Dubai no final de 2023, três países – os Emirados Árabes Unidos, o Brasil e Cuba – decidiram trabalhar juntos para ajudar uns aos outros na superação de problemas relacionados à alimentação e ao clima. 

Os países concordaram em formar uma parceria pela qual o Brasil enviará alimentos no valor de US$50 milhões, sob financiamento total dos Emirados Árabes Unidos.

Esta iniciativa é um desdobramento da Declaração sobre Agricultura Sustentável, Sistemas Alimentares Resilientes e Ação Climática”. Assinado por mais de 130 países, na COP 28, o documento destaca uma preocupação global com os impactos das mudanças climáticas na agricultura e na segurança alimentar e reconhece que eventos climáticos extremos estão ameaçando a capacidade de produzir e acessar alimentos, aumentando a fome e a subnutrição. 

A declaração aponta para a agricultura e os sistemas alimentares como áreas chave para combater as mudanças climáticas e melhorar a vida das pessoas, especialmente os mais vulneráveis. 

Um dos principais objetivos da Declaração é promover a segurança alimentar e nutricional, focando em ajudar os mais vulneráveis através de sistemas de proteção social, programas de alimentação escolar, pesquisa e inovação.

A proposta é fazer com que todos tenham comida suficiente, que seja boa para a saúde e produzida de maneira que não prejudique o planeta. Os Emirados Árabes Unidos estão investindo no projeto para ajudar a tornar a produção e a distribuição de comida mais forte e capaz de lidar com mudanças no clima.

De acordo com Agência Brasileira de Cooperação, “por meio da iniciativa, os Emirados Árabes Unidos fornecerão apoio financeiro para aumentar a resiliência e a adaptabilidade dos sistemas alimentares e aumentarão os investimentos em projetos especializados na produção, distribuição e suporte de sistemas alimentares, que sejam nutritivos, saudáveis e sustentáveis, além de fortalecer a segurança alimentar em colaboração com o Brasil e Cuba”.

De acordo com autoridades dos três países envolvidos, os benefícios desta parceria serão de grande importância. Para o Diretor da Agência Brasileira de Cooperação, Embaixador Ruy Pereira, Cuba, significa receber comida e apoio para melhorar a produção e distribuição de alimentos e garantir que as pessoas tenham o que comer.

Para o Brasil, como anfitrião do G20 em 2024, é uma chance de mostrar liderança e solidariedade internacional, ajudando um país latino-americano, com quem o Brasil tem relações diplomáticas históricas, enquanto também promove práticas de agricultura que respeitam o ambiente.

Para os Emirados Árabes Unidos, representa uma oportunidade de contribuir para a solução de um problema global importante, o da fome e das mudanças climáticas, enquanto demonstram compromisso com a sustentabilidade e a cooperação internacional.  A Ministra de Estado dos Emirados Árabes para Cooperação Internacional, Reem Bint Ebrahim Al Hashimy, Ministra de Estado para Cooperação Internacional, disse:  “essa iniciativa contribuirá para proteger o meio ambiente e limitar as repercussões da mudança do clima que afetam os produtores de alimentos. Ela também afirma o compromisso mútuo de abordar os desafios globais críticos e apoiar soluções sustentáveis no âmbito da segurança alimentar”.

Mais de 130 países – representando mais de 5,7 mil milhões de pessoas, 70 por cento dos alimentos que consumimos, quase 500 milhões de agricultores e 76 por cento das emissões totais do sistema alimentar global – assinaram a Declaração sobre Agricultura Sustentável da COP28 Todos os países envolvidos querem mostrar que estão fazendo sua parte para lidar com questões globais como a mudança do clima e a fome. 

A Declaração sobre Agricultura Sustentável da COP28 destaca a intenção de trabalhar de forma colaborativa para “intensificar as atividades e respostas de adaptação e resiliência, a fim de reduzir a vulnerabilidade dos todos os agricultores, pescadores e outros produtores de alimentos aos impactos das alterações climáticas, nomeadamente através de apoio financeiro e técnico para soluções, capacitação, infraestrutura e inovações, incluindo sistemas de alerta precoce, que promovam a segurança alimentar, a produção e a nutrição sustentáveis,ao mesmo tempo que conserva, protege e restaura a natureza”.

Desta maneira, a iniciativa entre Brasil, Emirados Árabes Unidos e Cuba se alinha aos  objetivos traçados na COP28 ao criar uma cooperação que visa desenvolver sistemas alimentares resilientes e sustentáveis, adaptados às mudanças climáticas. 

Por que Cuba precisa receber alimentos?

Cuba enfrenta um dos maiores desafios de sua história recente no que tange à segurança alimentar, uma situação agravada pelo prolongado embargo econômico imposto pela comunidade internacional, liderado pelos Estados Unidos. Este embargo, iniciado em 1962, restringe severamente o acesso da ilha a bens essenciais, incluindo alimentos e produtos agrícolas, impactando diretamente a vida diária dos cubanos.

O embargo econômico não apenas limita as importações de produtos alimentares mas também afeta a aquisição de tecnologias e insumos agrícolas necessários para aumentar a produção local. Sem acesso a mercados diversificados e a tecnologias avançadas, o governo cubano precisa atuar para  atender as necessidades alimentares de sua população. Neste ponto, os problemas estão na escassez periódica de alimentos básicos e no aumento dos preços, tornando a alimentação diária um desafio para muitas famílias cubanas.

A dependência de importações para garantir a segurança alimentar torna Cuba particularmente vulnerável a flutuações no mercado global e a políticas externas. O leite, por exemplo, é mais um produto dentro da grande escassez de alimentos, em meio ao embargo dos Estados Unidos, que já dura 60 anos e é um dos mais longos impostos a uma nação.

O embargo  também impacta o setor agrícola cubano, essencial para a autossuficiência alimentar do país. A dificuldade em obter peças de reposição para maquinário, fertilizantes, e outros insumos essenciais atrasa o progresso em direção a uma agricultura mais produtiva e sustentável, perpetuando um ciclo de insegurança alimentar.

Para superar estas questões, o governo de Cuba tem buscado fortalecer laços com parceiros internacionais dispostos a cooperar apesar do embargo. A iniciativa de cooperação com os Emirados Árabes Unidos e o Brasil é um exemplo. 

No fim do ano de 2023, por uma ampla maioria de 187 votos a favor, a Assembleia Geral da ONU aprovou uma resolução pelo fim do embargo econômico norte-americano sobre Cuba. Os dois votos contrários foram dos Estados Unidos e de Israel, e a única abstenção, da Ucrânia. Todos os anos, desde 1992, é aprovada uma resolução contra a imposição americana.

O ministro das relações exteriores de Cuba, Bruno Rodríguez Parrilla, ressaltou que “Cuba está impedida de comprar de empresas norte-americanas e suas subsidiárias em outros países, equipamentos, tecnologias, dispositivos médicos e produtos farmacêuticos de uso final e, portanto, é forçada a adquiri-los a preços exorbitantes por meio de intermediários ou a substituí-los”. a solução definitiva para a crise alimentar em Cuba passa necessariamente pela revisão das políticas de embargo. 

O Impacto do Acordo Tripartite no Agronegócio Brasileiro

Ainda em 2023, antes da COP 28, o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, já destacava a importância das relações comerciais com os Emirados Árabes. Na ocasião o ministro afirmou: afirmou: “a parceria com os Emirados Árabes será oportunidade de ampliarmos as exportações para o país que se tornou um hub (ponto) de distribuição de produtos brasileiros para todo o Oriente Médio e Ásia”, 

Como 13º maior comprador de produtos do agronegócio brasileiro, os Emirados Árabes são um parceiro estratégico importante. Desta maneira, a recente iniciativa de cooperação entre Brasil, Emirados Árabes Unidos e Cuba representa mais um passo na relação comercial entre os países e possivelmente deve ter repercussões diretas para o setor agrícola nacional.

Possíveis oportunidades para o agronegócio brasileiro

A cooperação abre portas para o agronegócio brasileiro em novos mercados. Cuba, com o apoio dos Emirados Árabes Unidos, pode se tornar um destino importante para as exportações agrícolas brasileiras, diversificando os mercados e reduzindo a dependência do Brasil em relação a seus tradicionais parceiros comerciais.

O apoio financeiro dos Emirados Árabes Unidos também pode fomentar investimentos em tecnologia e inovação no setor agrícola brasileiro. Isso inclui o desenvolvimento de práticas agrícolas mais sustentáveis e resilientes às mudanças climáticas, beneficiando não apenas a produção destinada à exportação, mas também fortalecendo a agricultura nacional.

Além disso, a participação em iniciativas de cooperação internacional, especialmente aquelas que visam combater a insegurança alimentar e promover a sustentabilidade, reforça a imagem do Brasil como um líder responsável e solidário no agronegócio global.

Desta maneira, o acordo de cooperação entre Brasil, Emirados Árabes Unidos e Cuba é um passo promissor para o agronegócio brasileiro, oferecendo novas oportunidades de mercado e incentivando a adoção de práticas agrícolas sustentáveis. 

Canais desinformam e escondem significado do acordo 

Bereia classifica as informações da Revista Oeste como enganosas. Como a pesquisa para esta matéria demonstra, o envio de alimentos para Cuba é parte de uma parceria que envolve também os Emirados Árabes, país responsável pelos custos da operação. A iniciativa é, ainda, resultado da participação do Brasil na Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente – COP 28. Este tipo de atividade faz parte do protocolo de relações internacionais de qualquer país. 

O veículo de mídia que alimenta a extrema-direita com desinformação, a Revista Oeste, joga com  o imaginário conservador em relação a Cuba, como um país perigoso, comunista, para acusar o governo do Brasil de se alinhar com aquele país em detrimento das necessidades nacionais por meio de conteúdo enganoso. A Revista Oeste, e quem compartilha o conteúdo que ela veiculam, desta forma, distorcem o fato de o envio de alimentos ocorrer para negar ao público informações sobre as razões pelas quais o Brasil está enviando alimentos a Cuba, sobre a parceria resultante da COP 28, que envolve os Emirados Árabes e a responsabilidade pelos custos que este país assumiu. Silenciam ainda sobre os benefícios que a parceria oferece para o agronegócio brasileiro. 

Sobre as acusações falsas e enganosas que a matéria faz sobre a situação econômica do Brasil, Bereia já desenvolveu checagens. 

Referências de checagem:

Governo Federal.

https://www.gov.br/abc/pt-br/assuntos/noticias/foi-anunciada-uma-iniciativa-conjunta-entre-emirados-arabes-unidos-brasil-e-cuba-para-melhorar-a-seguranca-alimentar Acesso em 19 FEV 2024 

https://www.gov.br/mre/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/iniciativa-tripartite-de-cooperacao-entre-brasil-emirados-arabes-unidos-e-cuba Acesso em 19 FEV 2024 

https://www.gov.br/fazenda/pt-br/assuntos/noticias/2023/outubro/brasil-comandara-o-g20-com-o-compromisso-de-construir-um-mundo-justo-e-um-planeta-sustentavel-diz-ministro-da-fazenda Acesso em 19 FEV 2024

https://agenciagov.ebc.com.br/noticias/202402/mapa-marca-presenca-na-gulfood-em-dubai-e-reforca-papel-do-brasil-em-exportacoes-do-agro Acesso em 19 FEV 2024 

Agência Brasil https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2024-02/brasil-envia-125-toneladas-de-alimentos-para-cuba Acesso em 19 FEV 2024 

Nações Unidas.

https://brasil.un.org/pt-br/255990-quais-foram-os-resultados-da-cop28%E2%9D%93 Acesso Acesso em 19 FEV 2024 

https://www.cop28.com/en/news/2023/12/COP28-UAE-Presidency-puts-food-systems-transformation  19 FEV 2024

https://news.un.org/pt/story/2023/11/1822847 19 FEV 2024

BBC. https://www.bbc.com/portuguese/internacional-57862474 Acesso em 19 FEV 2024 

Fiesp. https://www.fiesp.com.br/mobile/noticias/?id=293710#:~:text=Entre%20os%20principais%20t%C3%B3picos%20que,Agroneg%C3%B3cio%20(Cosag)%20da%20Fiesp. Acesso em 19 FEV 2024 

Coletivo Bereia https://coletivobereia.com.br/balanco-janeiro-2024-politicos-religiosos-desinformam-sobre-situacao-economica-do-brasil/ Acesso em 19 FEV 2024 

Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). https://cnabrasil.org.br/noticias/cna-debate-sustentabilidade-e-cop28-em-evento-da-cni Acesso em 19 FEV 2024 

Gov.br https://www.gov.br/mda/pt-br/noticias/2024/03/parceria-com-governo-cubano-levara-experiencia-de-agricultura-urbana-e-periurbana-para-o-semiarido-brasileiro-e-empodera-mulheres-rurais Acesso em 20 MAR 2024

Dissertação Maria Antônia Oliveira Duran Marins  http://www.realp.unb.br/jspui/handle/10482/47623 Acesso em 19 FEV 2024 

AGROECOLOGIA E DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO EM CUBA. Anne Geraldi Pimentel e Beatriz Díaz. https://direitosocioambiental.org/wp-content/uploads/2024/01/Agroecologia-sociobiodiversidade-e-soberania-alimentar.pdf#page=24 Acesso em 19 FEV 2024 

Jornal O Estado de Minas https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2022/02/04/interna_internacional,1342552/a-intrincada-viagem-do-leite-por-cuba-sob-o-embargo-dos-eua.shtml Acesso em 19 FEV 2024 

Diplomacia Business. https://www.diplomaciabusiness.com/favaro-recebe-ministro-de-comercio-exterior-dos-emirados-arabes-para-tratar-de-novas-parcerias-com-o-brasil/ Acesso em 19 FEV 2024 

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Foto de capa: YouTube Revista Oeste

Balanço Janeiro 2024: desinformação sobre investigação de participação de deputado católico no 8 de janeiro

A Polícia Federal deflagrou, em 18 de janeiro de 2024, a 24ª fase da Operação  Lesa Pátria, que investiga promotores e participantes dos ataques antidemocráticos às sedes dos Três Poderes, em Brasília, em 8 de janeiro do ano passado. Nesta etapa, parlamentares estão incluídos nas investigações, entre eles, o deputado federal católico e líder da oposição Carlos Jordy (PL-RJ) e o que gerou reações dele próprio nas mídias sociais, de parceiros e apoiadores, marcadas por desinformação. As reproduções de publicações a seguir foram coletadas para esta matéria e se concentram na noção de “perseguição”, bastante explorada em grupos religiosos, como Bereia já mostrou em outras checagens.

Fonte: Instagram. Perfil do deputado federal Marcel Van Hattem (NOVO-RS)

Fonte: GospelPrime

Fonte: Instagram. Perfil do deputado federal Carlos Jordy (PL-RJ)

Quem é Carlos Jordy

Carlos Jordy iniciou sua jornada política em 2016, como vereador de Niterói (RJ), eleito pelo Partido Social Cristão (PSC) com 2.388 votos. Foi lançado no cenário nacional em 2018, desta vez filiado ao Partido Social Liberal (PSL), na trilha do protagonismo de Jair Bolsonaro, então candidato do seu estado à Presidência da República, pelo mesmo partido. Jordy chegou à Câmara dos Deputados ao receber 204.048 votos, o quarto candidato que mais recebeu votos no Rio de Janeiro.  Ele se tornou reconhecido por passar a integrar a “tropa de choque” do então presidente Jair Bolsonaro e uma das principais vozes em temas da extrema-direita. Em 2022, no Partido Liberal (PL), foi reeleito deputado federal com 114.000 votos. 

Com uma habilidosa utilização das mídias sociais, o deputado Carlos Jordy alcançou uma expressiva base de seguidores, contando com 903 mil no Instagram, 220 mil no TikTok, 893 mil no Facebook e mais de 1 milhão no X (antigo Twitter) até o fechamento desta matéria. Essa presença digital robusta evidencia o alcance e a influência que Jordy exerce no espaço online, engajando seu público com conteúdos que refletem suas posições e visões políticas de extrema-direita.

Bereia verificou anteriormente diversos conteúdos desinformativos produzidos pelo deputado federal Carlos Jordy. O parlamentar é um dos que faz farto uso de falsidades como estratégia de convencimento. 

Para além do trabalho do Bereia, o projeto Digitalização e Democracia no Brasil, parceria entre a FGV DAPP e a Embaixada da Alemanha,  analisou postagens com acusações de fraude na urna eletrônica e defesa de voto impresso auditável publicadas no Facebook, entre novembro de 2020 e janeiro de 2022, com vistas a desestabilizar o processo eleitoral de 2022. O projeto levantou  um recorde de publicações falsas sobre fraude eleitoral, a maior parte das quais provenientes de perfis de parlamentares, e entre eles consta o nome de Carlos Jordy.

Imagem: Lista de contas que atraíram mais interações em postagens sobre fraude nas urnas. Período de análise: 2 de novembro de 2020 a 18 de janeiro de 2022. Reprodução de site da FGV

Jordy já era investigado pela Polícia Federal desde 2021, no âmbito do inquérito instaurado pelo Supremo Tribunal Federal para levantar uma trama golpista de agitação e propaganda contra o regime democrático. Em relatório de 83 páginas, produzido pelo STF, a PF foi instada a investigar, em ação inédita no país, 13 parlamentares integrantes de uma conspiração com o objetivo de “derrubar a estrutura democrática”, entre eles Carlos Jordy, na época ligado ao PSL-RJ. O texto citou  indícios de uma “estrutura organizada”, financiada com recursos públicos e privados, dedicada à incitação à incitação de um golpe para “o retorno do estado de exceção”, a partir do fechamento do Congresso e da “extinção total ou parcial” do Supremo Tribunal Federal. 

Jordy também foi citado no relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a Pandemia de Covid-19, apresentado em outubro de 2021. Ele apareceu como integrante do núcleo político apoiador do denominado “Gabinete do Ódio”, que atuava de dentro do Palácio do Planalto, na disseminação de material de incentivo ao descumprimento das normas sanitárias para conter a pandemia e adotou conduta de incitação ao crime. O relatório pediu o indiciamento dos integrantes deste núcleo.
 

Operação Lesa Pátria, 2023-2024 

A operação da Polícia Federal para investigar responsáveis e participantes pelos ataques às sedes dos Três Poderes, em janeiro de 2023, inclui buscas e apreensões e quebras de sigilo. Quando tais atividades envolvem parlamentares, a PF solicita autorização ao Supremo Tribunal Federal, o que foi obtido, no que diz respeito a Carlos Jordy. O ministro Alexandre de Moraes atendeu à representação apresentada pela Polícia Federal, que teve parecer favorável da Procuradoria-Geral da República (PGR), segundo os protocolos referentes a investigações que envolvem parlamentares.

O material coletado pela PF já apontava para a participação ativa de Jordy e outros investigados em núcleos de financiamento e incitação dos atos questionados. As evidências obtidas indicam uma rede de apoio para desestabilizar as instituições. Os fatos teriam se iniciado em novembro de 2022, logo após o segundo turno das eleições presidenciais, com bloqueios de rodovias e a instalação de acampamentos na frente de quartéis pedindo golpe militar.

O inquérito da PF visa  apurar condutas que se amoldam, em tese, “a crimes contra o Estado Democrático de Direito, consubstanciado nos atos de tentar com emprego de grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais, bem como os crimes de incitação pública de animosidade entre as Forças Armadas contra os poderes constitucionais e de associação criminosa, delitos previstos nos artigos 359-L da Lei 14.197 /2021, art. 286, parágrafo único e art. 288 do Código Penal”.

Investigações apontam Carlos Victor de Carvalho, figura da extrema-direita da cidade de Campos dos Goytacazes (RJ), com conexões estreitas com o deputado Carlos Jordy. Evidências incluem a administração de grupos de WhatsApp e interações suspeitas, que sugerem a orientação de Jordy em movimentações antidemocráticas. Diálogos durante bloqueios rodoviários intensificam as suspeitas. Tal linha investigativa foi levantada, quando Carlos Victor de Carvalho (CVC)remete  mensagem ao parlamentar, em  01 de novembro de 2022, transcrita a seguir:

CVC: Bom dia meu líder. Qual direcionamento você pode me dar? Tem poder de parar tudo. 

JORDY: “Fala irmão, beleza? Está podendo falar aí? CVC: Posso irmão. Quando quiser pode me ligar” 

Nessa data ocorriam bloqueios de rodovias em todo Brasil, inclusive em Campos, como protestos de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, contra o resultado das eleições. Além disso, o deputado teria tido contato telefônico com Carlos Victor Carvalho, em 17 de janeiro de 2023,  quando o líder extremista estava foragido. A PF avalia que Jordy, como agente público, deveria ter comunicado imediatamente à autoridade policial o destino do investigado.

Na decisão do ministro do STF Alexandre de Moraes, que autoriza a PF a realizar buscas e apreensões relacionadas ao parlamentar Carlos Jordy, consta que os fatos narrados na investigação da PF, demonstram a existência de uma possível organização criminosa que visa desestabilizar as instituições republicanas. O ministro vê a utilização de  uma rede virtual de apoiadores “que atuam, de forma sistemática, para criar ou compartilhar mensagens que tenham por mote final a derrubada da estrutura democrática e do Estado de Direito no Brasil”.

Na decisão, o ministro decretou a busca e apreensão domiciliar e pessoal de armas, munições, computadores, tablets, celulares e outros dispositivos eletrônicos, bem como de quaisquer outros materiais relacionados aos fatos. Além disso, autorizou o acesso e a análise do conteúdo de dados, arquivos e mensagens eletrônicas disponíveis em computadores, celulares e demais equipamentos apreendidos ou em serviços de armazenamento “em nuvem”.

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Bereia avalia que as publicações que afirmam que as investigações que envolvem o deputado federal católico Carlos Jordy (PL-RJ) são ilegais e representam perseguição carecem de fundamento e são falsas. A ação foi baseada em uma representação da Polícia Federal, aprovada pela Procuradoria-Geral da República e validada pelo Supremo Tribunal Federal, segundo protocolo diz respeito à investigação de parlamentares, de acordo com as evidências colhidas pela PF. O caso está em investigação, sob os trâmites do Estado Democrático de Direito, e o parlamentar segue em atuação, com ampla liberdade de expor sua avaliação do processo nos veículos de mídia dos quais dispõe, o que torna falsas afirmações da existência de uma ação em  forma de ditadura.

Referências de checagem:

TSE.

https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2016/2/58653/190000013079 Acesso em 29 JAN 2024 

https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2018/2022802018/RJ/190000614646 Acesso em 29 JAN 2024 

https://sig.tse.jus.br/ords/dwapr/r/seai/sig-eleicao-resultados/resultado-da-elei%C3%A7%C3%A3o?session=200806150682479 Acesso em 29 JAN 2024 

https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2022/2040602022/RJ/190001596781 Acesso em 29 JAN 2024 

https://sig.tse.jus.br/ords/dwapr/r/seai/sig-eleicao-resultados/resultado-da-elei%C3%A7%C3%A3o?p0_abrangencia=Munic%C3%ADpio&clear=RP&session=304689231096337 Acesso em 29 JAN 2024 

Supremo Tribunal Federal

https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=525022&ori=1 Acesso em 29 JAN 2024

https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=501376&ori=1 Acesso em 29 JAN 2024

https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=524163&ori=1 Acesso em 29 JAN 2024

https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/DecisoPET11986.pdf Acesso em 29 JAN 2024

https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ParecerPGRPET11986.pdf Acesso em 29 JAN 2024 

Senado Federal. https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9484688&ts=1697682413143&disposition=inline Acesso em 29 JAN 2024

FGV. https://democraciadigital.dapp.fgv.br/estudos/desinformacao-on-line-e-contestacao-das-eleicoes/ Acesso em 29 JAN 2024

Coletivo Bereia.https://coletivobereia.com.br/deputado-federal-cristao-usa-montagem-de-oito-videos-para-desinformar-sobre-atual-gestao-do-poder-executivo/ Acesso em 02 JAN 2024

Gospel Prime https://www.gospelprime.com.br/seguindo-receita-de-ditaduras-judiciario-vira-arma-contra-oposicao/#google_vignette  Acesso em 02 JAN 2024

El País. https://brasil.elpais.com/brasil/2021-10-20/bolsonaro-e-lider-e-porta-voz-das-fake-news-no-pais-diz-relatorio-final-da-cpi-da-pandemia.html Acesso em 06 FEV 2024

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Foto de capa: Câmara dos Deputados

Mensagem de WhatsApp em grupos de igrejas engana sobre imunização, Anvisa e decisão de Corte nos EUA sobre vacinas

*Atualizado às 16:50 de 20/05/2024 para correção de título.

Bereia recebeu de leitores,  mensagem que tem circulado em grupos de WhatsApp, ligados a comunidades cristãs, nos últimos dias. A mensagem dissemina desinformação que afirma que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), após liberar a vacina contra a covid-19, alerta para os “riscos de ataque cardíaco”. A mensagem ainda destaca uma suposta decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos, que confirmaria que os danos causados pelas “terapias genéticas de RNA da covid são irreparáveis” e que o caso teria sido uma vitória de Robert F. Kennedy Jr “contra todos os lobistas farmacêuticos”.

Desvendando a origem da desinformação: um alerta deturpado do governo anterior

A mensagem circulante faz uso do logo do governo federal para simular seu credenciamento e  indica  notícia do site da Anvisa sobre o caso, levando a entender que a publicação é recente. No entanto, a notícia indicada é de  junho de 2021,  e as informações nela apresentadas são distorcidas pela narrativa da mensagem de WhatsApp.

A Anvisa, de fato, emitiu uma nota, em junho de 2021, com um alerta sobre alguns casos de inflamação cardíaca (miocardite e pericardite), ocorridos nos Estados Unidos, após a vacinação contra a covid-19, com os imunizantes dos laboratórios Pfizer e Moderna, que usam a tecnologia de RNA mensageiro. Porém, embora a Food and Drug Administration (FDA [Administração de Alimentos e Medicamentos]), agência federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos daquele país,tenha identificado riscos aumentados naquele momento inicial de vacinação,  a Anvisa também ressaltou, na mesma nota, que não havia relatos dessas complicações no Brasil. A agência brasileira esclareceu que o risco de ocorrência doseventos adversos seria baixo- informações que a mensagem compartilhada omite. Naquela ocasião, a nota recomendou aos profissionais de saúde no Brasil que ficassem atentos  e perguntassem às pessoas que apresentassem sintomas se elas foram vacinadas, especialmente com a vacina da Pfizer.  Em 2023, dois anos depois, aquelassuspeitas foram superadas e a segurança das vacinas foi comprovada. 

Do que tratam as decisões da Suprema Corte dos EUA contra as empresas farmacêuticas

A mensagem que circula nestes dias, em grupos de pessoas cristãs no WhatsApp, também afirma que o político Robert Kennedy Jr. teria ganho uma ação na Suprema Corte dos EUA contra as empresas farmacêuticas. A postagem oferece também um  link da  Fox News com uma notícia sobre o Tribunal de Justiça do Estado de Nova York (EUA) ter reconduzido ao trabalho funcionários demitidos por não estarem vacinados e ordenando pagamento retroativo. 

Robert F. Kennedy Jr., advogado e ativista ambiental, sobrinho do famoso ex-presidente dos EUA John Kennedy, tem sido uma figura polêmica em relação a ceticismo em relação às vacinas e à disseminação de informações que levantam dúvidas sobre a segurança dos imunizantes. Kennedy Jr. tem expressado pontos de vista que questionam a segurança das vacinas e tem sido associado a teorias da conspiração anti-vacinação. Ele alega também que há uma conexão entre o autismo e vacinas, uma ideia que foi amplamente desacreditada pela comunidade científica. 

Kennedy Jr. porém negou qualquer existência de uma ação proposta por ele na Suprema Corte sobre o tema. 

Sobre o link da Fox News, trata de um tema também antigo. Em 20 de outubro de 2021, o Departamento de Saúde e Higiene Mental da cidade  de Nova York emitiu uma ordem com a exigência de que todos os funcionários públicos da cidade  apresentassem prova de, pelo menos, uma dose da vacina contra o coronavírus até aquela data . Em 13 de dezembro de 2021, o mesmo departamento emitiu outra ordem ampliando o mandato da vacina para trabalhadores do setor privado. 

Meses depois, em 24 de março de 2022, o prefeito de Nova York Eric Adams, promulgou a Ordem Executiva 62, que liberava alguns setores do setor privado dessa obrigatoriedade.  Por conta disto, funcionários da área da saúde pública,demitidos por não terem cumprido a obrigatoriedade da vacinação, entraram com uma ação judicial pleiteando o retorno às suas atividades. Em outubro de 2022, um juiz do Estado de Nova York decidiu que funcionários do departamento de saneamento que foram demitidos por não se terem se vacinado contra a covid-19, fossem readmitidos. 

Imagem: Matéria da Fox News indicada na mensagem checada pelo Bereia. O título diz: “Tribunal de Justiça de Nova York reintegra todos os funcionários demitidos por não terem se vacinado, ordena retroativos”

O caso serviu para alimentar, à época, 2021, o posicionamento de pessoas e grupos antivacinação e anti-obrigatoriedade das vacinas, em especial aqueles identificados com a extrema-direita política. A notícia foi dada por várias mídias jornalísticas dos Estados Unidos.

O compartilhamento do link da Fox News, e não de outros veículos, indica que quem produziu o conteúdo da mensagem para os grupos cristãos no WhatsApp promove esta empresa de mídia que, de acordo com várias pesquisas, atua ideologicamente pela extrema-direita política. No conteúdo da Fox News é constantemente identificada propagação de desinformação e viés político como a disseminação supostas fraudes eleitorais, falsas afirmações sobre imigrantes nos EUA, negacionismo climático e todo o tipo de teorias da conspiração. 

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Bereia classifica a mensagem divulgada como enganosa. 

1 – A nota da Anvisa não condenou a vacinação contra a covid-19, tendo, de fato,chamado a atenção para um comunicado da Agência Reguladora dos EUA. 

2 – Robert Kennedy Jr em 2021, negou ter entrado com qualquer ação na Suprema Corte dos EUA contra as empresas farmacêuticas. Esta falsidade já circulava naquele país, na ocasião.

3 – Apesar de verdadeira a matéria da TV Fox News, indicada na mensagem checada pelo Bereia, sobre o Tribunal de Justiça do Estado de Nova York ter reintegrado funcionários públicos demitidos por não terem apresentado comprovante de vacinação contra covid-19, a publicação impõe outro sentido. O caso também ocorreu em 2021 e serviu para alimentar posicionamentos antivacinação e anti-obrigatoriedade da vacina, e é usado nesta direção nesta mensagem que agora circula, fazendo conexão com os demais conteúdos enganosos sobre as vacinas.

Bereia alerta leitores e leitoras para as campanhas antivacinação que têm sido reforçadas no Brasil por meio de desinformação e terror verbal. Bereia já fez várias checagens

As autoridades de saúde pública no país já reafirmaram o compromisso com a vacinação como uma ferramenta crucial para o controle de doenças e a promoção da saúde pública. As vacinas contra a covid-19, desde que começaram a ser aplicadas, em 2021, têm comprovadas a  comprovada a segurança na sua utilização bem como a eficácia

As agências reguladoras continuam a monitorar atentamente intercorrências relacionadas a imunizantes, e avaliam os benefícios e riscos das vacinas. 

É importante buscar informações atualizadas com fontes confiáveis, como autoridades de saúde pública e agências reguladoras, para garantir a compreensão mais precisa e atualizada sobre a segurança das vacinas contra a covid-19 e outras doenças.

Referências de checagem:

Media Matters.

https://www.mediamatters.org/ Acesso em 04 DEZ 23

https://www.mediamatters.org/immigration/right-wing-media-outlets-resurface-long-debunked-myth-all-migrants-get-5000-debit-cards Acesso em 04 DEZ 23

https://www.mediamatters.org/donald-trump/trump-used-right-wing-media-push-election-fraud-lies-long-2020 Acesso em 04 DEZ 23

Anvisa.

https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2021/anvisa-alerta-sobre-risco-de-miocardite-e-pericardite-pos-vacinacao Acesso em 04 DEZ 23

https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/paf/coronavirus/vacinas Acesso em 04 DEZ 23

Google Books. https://books.google.com.br/books?hl=pt-BR&lr=&id=5Ia2DwAAQBAJ&oi=fnd&pg=PT5&dq=Fox+News+donald+trump&ots=fEn6NzB92q&sig=Xf-M5PsKDd4A4GnDA6NsII3FDRc#v=onepage&q=Fox%20News%20donald%20trump&f=false Acesso em 04 DEZ 23

AP. https://apnews.com/article/ap-verifica-971423429491  Acesso em 04 DEZ 23

Medicina do Esporte. https://www.medicinadoesporte.org.br/informe-da-sbmee-sobre-eventos-de-morte-subita-em-atletas-vacinados-contra-a-covid-19/ Acesso em 04 DEZ 23

Reuters. https://www.reuters.com/article/idUSL1N3331YA/  Acesso em 04 DEZ 23

CNN Brasil. https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/saiba-quem-e-robert-f-kennedy-jr-que-tenta-ser-candidato-a-presidencia-dos-eua/ Acesso em 04 DEZ 23 

UOL. https://www.uol.com.br/vivabem/colunas/gustavo-cabral/2022/04/11/vacinas-causam-autismo-e-a-maior-fakenews-da-historia-sobre-imunizacao.htm Acesso em 04 DEZ 23

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Foto de capa: Pexels/RF._.studio

Igreja Batista do Pinheiro, em Maceió, foi interditada pela Justiça Federal apesar de laudo técnico atestar segurança

No último final de semana, famílias moradoras da capital do Estado de Alagoas,  cidade de Maceió,  nos bairros Mutange, Bebedouro, Bom Parto, Pinheiro e Farol, foram surpreendidas com uma evacuação emergencial. O transtorno foi causado pelo risco iminente de colapso de, pelo menos, 35 minas de extração de sal-gema, de propriedade da empresa Braskem. Casas, comércios, prédios e condomínios foram esvaziados com a saída dos moradores, o que transformou os bairros em “região fantasma”.

Nesse contexto, a Igreja Batista do Pinheiro, tombada como Patrimônio Material e Imaterial de Alagoas, desde 2021, foi diretamente afetada com a interdição do seu templo, às 13h55 do domingo 3 de dezembro passado.

Imagem: reprodução Estado de São Paulo

Em julho deste ano, Bereia checou que a Igreja Batista do Pinheiro foi vítima de uma falsa noção de punição divina, por conta de ter sido atingida com o surgimento de uma cratera, resultante das exploração da região pela Brakem. A falsidade surgiu quando a liderança da igreja sofreu ataques por ter realizado um  casamento homoafetivo. Porém, a igreja do ramo Batista passou a ser reconhecida como lugar de resistência e importante articuladora comunitária no bairro em que está localizada e para as adjacências, em especial na defesa dos direitos da população. 

Bereia ouviu a pastora da Igreja Batista do Pinheiro Odja Barros, sobre a interdição da igreja. Ela relatou que líderes e membros foram surpreendidos com a interdição do templo:  “Fomos tomados de surpresa com a ordem judicial de interdição do nosso templo. Estamos agora na luta para reverter a medida. Isso porque entendemos que a situação de emergência declarada pelo poder público, favoreceu os interesses da Braskem, que conseguiu retirar as resistências remanescentes no território”. De acordo com a pastora Odja Barros, a igreja tem laudo técnico que assegura que o templo não está em área crítica e afirmou: “Por isso vamos lutar para reverter e voltar para nosso espaço.”

O templo é considerado simbólico pelos moradores por ter sediado diversos encontros e debates sobre as desocupações promovidas pela empresa Braskem, a partir de 2018. 

A Igreja Batista do Pinheiro não apenas sobreviveu à destruição promovida pela empresa na cidade, como obteve recomendação do Ministério Público para ter seu o patrimônio cuidado. 

A interdição da igreja atende agora a uma determinação da Justiça Federal. Mesmo sendo temporário, ele teve por base a situação de emergência decretada pelo risco de colapso de uma mina localizada no bairro Mutange, a centenas de metros do local. Um possível desabamento da mina pode afetar a segurança de imóveis de todo o bairro. Entretanto, no domingo, 3 de dezembro, o governo federal pontuou que os efeitos podem ser “localizados”.

Apesar do êxodo forçado, enfrentado por cerca de 55 mil residentes, a empresa ainda não reconhece oficialmente o problema. Segundo o Observatório da Mineração, o caso é considerado “um dos piores crimes socioambientais da história do Brasil”.

A destruição em Maceió e a Braskem 

A Defesa Civil de Maceió alertou os moradores da capital alagoana, por mensagem (SMS e WhatsApp), que uma das minas de sal-gema explorada pela Braskem sofre “risco iminente de colapso”, pedindo que os moradores se distanciem das proximidades da área.

A extração de sal-gema do subsolo de Maceió provocou problemas de instabilidade de solo e cinco bairros tiveram afundamento, por isso estão sendo desocupados.

Em março de 2018, um tremor foi sentido e rachou prédios e casas, e 60 mil moradores deixaram a área. A Braskem, empresa responsável pelo problema, passou a indenizar os moradores.

O processo de deterioração do solo é resultante da implementação de minas de extração de poços gigantes, que após a extração do minério, foram obstruídas com um líquido. No entanto, ao longo do tempo, esse líquido escoou e passou a formar cavernas subterrâneas, provocando vários desabamentos. Os tremores sentidos seriam a acomodação do solo diante desses desabamentos subterrâneos.

Referências de checagem:

Estadão

https://leiaisso.net/doual/ Acesso em 04 DEZ 23

https://www.estadao.com.br/tudo-sobre/braskem/ Acesso em 04 DEZ 23

https://www.estadao.com.br/brasil/mina-da-braskem-ministerio-ve-area-estavel-em-maceio-e-desabamento-localizado-em-caso-de-colapso/ Acesso em 04 DEZ 23

Coletivo Bereia

https://coletivobereia.com.br/site-gospel-usa-calamidade-para-divulgar-mentiras-sobre-igreja-batista/ Acesso em 04 DEZ 23

UOL Notícias

https://noticias.uol.com.br/colunas/carlos-madeiro/2023/11/30/tensao-protestos-e-rixa-politica-maceio-vive-colapso-por-risco-em-mina.htm Acesso em 04 DEZ 23

Ministério Público Federal

https://www.mpf.mp.br/al/arquivos/2021/recomendacao-no-2-de-17-de-dezembro-de-2021/ Acesso em 04 DEZ 23

Brasil de Fato

https://www.brasildefato.com.br/2022/03/22/braskem-moradores-de-bairro-que-afundou-em-maceio-cobram-ha-4-anos-reparacao-de-mineradora Acesso em 04 DEZ 23

Observatório da Mineração

https://coletivobereia.com.br/site-gospel-usa-calamidade-para-divulgar-mentiras-sobre-igreja-batista/ Acesso em 04 DEZ 23

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Foto de capa: Observatório da Mineração

Deputado evangélico Nikolas Ferreira não fez discurso nas Nações Unidas

* Matéria atualizada às 17:00 para correção de informações

Em seu perfil na rede social X, o deputado federal evangélico Nikolas Ferreira (PL-MG), divulgou um suposto discurso que teria realizado na Organização das Nações Unidas (ONU). 

O discurso do deputado, entretanto, não foi proferido em evento da Organização das Nações Unidas (ONU), mas na V Cúpula Transatlântica, que ocorreu no prédio sede das Nações Unidas em Nova Iorque, Estados Unidos, e não teve qualquer vínculo com a ONU ou seus organismos.  

A cúpula foi organizada pela Political Network for Values  (Rede Política para os Valores)  e contou com o apoio oficial do Governo da Guatemala, país presidido pelo ultraconservador  Alejandro Giammattei. O atual mandatário terminará seu mandato em poucos dias e dará lugar ao vencedor das últimas eleições, o político de esquerda, Bernardo Arévalo. Entretanto, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) acusa o atual governo guatemalteco de promover “persistente abuso de poder com fins políticos e eleitorais”. Na prática, o atual presidente busca impedir a posse do presidente eleito e promover uma ruptura democrática. 

Sob o tema “Afirmando os Direitos Humanos Universais – Unindo Culturas em prol da Vida, da Família e das Liberdades” , o encontro ocorreu nos dias 16 e 17 de novembro e ocupou a sala 4 da sede da ONU. 

De acordo com as informações divulgadas no site da V Cúpula Transatlântica, o encontro ocorreu por ocasião do 75º Aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Reuniu políticos e representantes da sociedade civil de diferentes países para celebrar os direitos humanos e lembrar ao mundo a urgência de se comprometer na sua defesa.

Do Brasil, além do deputado federal Nikolas Ferreira, participaram , a ex-secretária nacional da Família e presidente do Instituto Ives Gandra, Angela Gandra, e os deputados estaduais Chiara Biondini (PP-MG) e Cristiano Caporezzo (PL-MG); assim como  o secretário do Partido Liberal-MG Pablo Almeida.

Resultou deste encontro o Compromisso de Nova York 75 pelos Direitos Humanos Universais, documento que ressalta os valores e objetivos da Political Network for Values  (Rede Política para os Valores) .

O que é a Political Network for Values e quem é seu presidente

A Rede Política para os Valores se apresenta como uma “Plataforma global para representantes políticos se conectarem entre si, compartilhando, defendendo e promovendo os valores da vida, do casamento, da família e da liberdade”. 

A organização adota dez pontos como valores fundamentais, dentre eles a defesa do casamento como uma instituição entre um homem e uma mulher, o direito dos pais decidirem a educação dos filhos sem a intervenção do Estado, oposição ao aborto e a eutanásia  e “a defesa do direito à objeção de consciência em todos os âmbitos, especialmente no domínio da saúde, contra a tirania do relativismo”. 

A objeção de consciência seria um direito que garante que os indivíduos não sejam forçados a realizar ações que se oponham a suas convicções éticas ou religiosas, como por exemplo, tomar vacina, cumprir protocolos sanitários, etc. O senador de extrema-direita Eduardo Girão, citou a objeção de consciência e criticou a obrigatoriedade da vacinação contra a covid-19.

Na prática, funciona como uma organização para conectar políticos de extrema-direita em todo o mundo e divulgar valores ultraconservadores sob uma suposta defesa dos direitos humanos fundamentais.

Political Network for Values é presidida pelo líder do Partido Republicano, sigla de extrema-direita chilena José Antonio Kast. Kast, católico fervoroso e com laços familiares com a ditadura de Augusto Pinochet – seu irmão Miguel foi presidente do Banco Central durante o regime -, foi derrotado nas duas últimas corridas presidenciais no Chile. 

Durante a campanha presidencial de 2018, quando obteve 8% dos votos, Kast não ocultou sua proximidade ideológica com o ditador. “Se (Pinochet) estivesse vivo, votaria em mim. Agora, se eu tivesse me juntado a ele, teríamos tomado um chazinho no La Moneda [sede da presidência]”, afirmou. Em 1988, no plebiscito que tirou Pinochet do poder, Kast votou pela continuidade do militar.

Já na corrida eleitoral de 2022, uma afirmação de José Antonio Kast de que seu pai havia sido apenas um recruta alemão durante a Segunda Guerra, foi rebatida de acordo após apuração da Associated Press. Conforme documentos oficias obitidos na Alemanha, Michael Kast, pai de José Antonio, filiou-se ao partido nazista alemão meses antes de completar 18 anos. O documento é datado de 1º de setembro de 1942, no apogeu da guerra. 

Além da Political Network for Values  (Rede Política para os Valores)  que organizou a cúpula com apoio oficial do Governo da Guatemala, o encontro contou também com o suporte e  patrocínio de diversas instituições de extrema-direita como a The Heritage Foundation, a Fundação para uma Hungria Cívica, mantida pelo partido ultraconservador Fidesz (União Cívica Húngara) e liderado pelo primeiro ministro Viktor Orbán.

Orbán está no poder desde 2010 e é conhecido por suas políticas xenófobas contra os imigrantes e contra a população LGBTQIA+. Ele também já cassou a licença de empresas de mídia e aumentou o número de juízes no Supremo Tribunal do país para nomear novos ocupantes, em meio a uma guinada autoritária que ampliou sua influência sobre o judiciário.

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Bereia conclui que a publicação do deputado federal Nikolas Ferreira é enganosa. Não existiu qualquer discurso do parlamentar na ONU. A fala de Ferreira aconteceu em um evento promovido por entidades não vinculadas ou apoiadas pela ONU, que apenas ocupou uma sala na sede da Organização. 

A pluralidade de debate e de representantes das Organização das Nações Unidas contrasta com o posicionamento de extrema-direita do evento.

Referências de checagem:

Political Network for Values

https://politicalnetworkforvalues.org/en/what-we-do/transatlantic-summit/transatlantic-summit-v-new-york-2023/ Acesso em 21 NOV 23

https://politicalnetworkforvalues.org/en/ Acesso em 21 NOV 23

El País https://brasil.elpais.com/internacional/2021-12-09/investigacao-prova-que-o-pai-do-presidenciavel-chileno-jose-antonio-kast-foi-membro-do-partido-nazista.html Acesso em 21 NOV 23

https://brasil.elpais.com/internacional/2021-11-17/a-nova-direita-da-america-latina-se-fosse-vivo-pinochet-votaria-em-mim.html Acesso em 21 NOV 23

https://brasil.elpais.com/brasil/2019/08/12/internacional/1565582757_094968.html Acesso em 28 NOV 2023

Associated Press https://apnews.com/article/europe-media-caribbean-social-media-chile-44564195379055c3ca0bcb04e7589216 Acesso em 21 NOV 23

https://twitter.com/diegodeabreu/status/1726310847641977054 Acesso em 21 NOV 23

https://www.oas.org/pt/CIDH/jsForm/?File=/pt/cidh/prensa/notas/2023/268.asp Acesso em 21 NOV 23

The Heritage Foundation

https://www.heritage.org/ Acesso em 21 NOV 23

Foundation for a Civic Hungary

https://szpma.hu/en Acesso em 21 NOV 23

https://g1.globo.com/mundo/noticia/2022/11/23/quem-e-viktor-orban-premie-hungaro-que-irritou-paises-vizinhos-e-causou-incidente-diplomatico-devido-a-cachecol.ghtml Acesso em 21 NOV 23

CNN Brasil

https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/conheca-bernardo-arevalo-novo-presidente-eleito-da-guatemala/ Acesso em 28 NOV 2023

Deputado católico mente sobre projeto de lei de taxação de offshores

Em duas publicações na plataforma X/Twitter, com milhares de acessos e compartilhamentos, o deputado federal Carlos Jordy (PL-RJ) afirmou que o Projeto de Lei 4173/2023, conhecido como “Lei de taxação de offshores” ou “Taxação de super-ricos”, seria mais um instrumento para “assaltar o povo” e que uma suposta emenda ao projeto teria sido rejeitada pela base do governo.

Bereia verificou as informações apresentadas pelo deputado Jordy e o conteúdo do Projeto de Lei enviado pelo Governo Federal à Câmara dos Deputados. 

O que diz o Projeto de Lei

Ao se acessar dados do Banco Central do Brasil sobre investimentos no exterior, verifica-se que as pessoas físicas possuem ativos no exterior em valor total superior a USD 200 bilhões. Parte expressiva se refere a participações em empresas e fundos de investimento, especialmente nos chamados “paraísos fiscais”. Estes rendimentos auferidos pelas pessoas físicas por meio de tais estruturas de investimentos raramente são levados à tributação do imposto de renda brasileiro.

O Projeto de Lei 4173/2023 apresentado à Câmara de Deputados pelo governo federal, em 28 de agosto de 2023, dispõe sobre a tributação da renda auferida por pessoas físicas residentes no País em aplicações financeiras, entidades controladas e trusts no exterior. 

O Projeto de Lei prevê a taxação das “offshores” (investimentos no exterior) e dos fundos exclusivos (fundos de investimento personalizados para pessoas de alta renda). “Offshores” são rendimentos obtidos fora do Brasil, por meio de aplicações financeiras ou empresas no exterior.

Os fundos exclusivos são feitos de forma personalizada para o cotista e, pelas regras atuais , têm pagamento de imposto somente no momento do resgate da aplicação. No caso das offshores, esse momento pode ser postergado com a intenção de adiar o pagamento do imposto.

O Projeto de Lei das Offshores e Trusts prevê a tributação anual de rendimentos de capital aplicado no exterior (Offshores), com alíquotas progressivas de 0% a 22,5%. Atualmente, o capital investido no exterior é tributado apenas quando resgatado e remetido ao Brasil.

Ao contrário do que diz Carlos Jordy, o projeto não faz qualquer referência ao teto para isenção de imposto de renda. Na postagem, o deputado vincula dois assuntos distintos – teto de imposto de renda  e taxação dos mais ricos – e promove confusão de entendimento.

Enquanto o PL 4173/2023 se refere à tributação de Offshores e Trusts, que exige o investimento mínimo de R$ 10 milhões, com custo de manutenção de até R$ 150 mil por ano, a Medida Provisória 1171/2023, diz respeito à alteração dos valores da tabela mensal do IRPF, com vistas a aumentar o valor do limite de aplicação da alíquota zero em 10,9% (dez inteiros e nove décimos por cento).

O PL foi aprovado na Câmara dos Deputados, em 25 de outubro passado, por 323 votos a favor e 119 contra, o texto seguiu para análise do Senado. O Partido Liberal, ao qual Carlos Jordy está vinculado, votou em grande maioria contra o projeto.

Fonte: Poder 360

Renda do cidadão brasileiro e desigualdade

O sociólogo e pesquisador no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Marcelo Medeiros, autor  do livro “Os ricos e os pobres: O Brasil e a desigualdade”, explica que o Brasil é formado por uma grande massa de pessoas de baixa renda, que compõem cerca de 80% da população. Metade dos adultos brasileiros ganha R$1.200,00 por mês. 

Por outro lado, cerca de 90% da riqueza brasileira está entre o 0,5% e 1% da população. Segundo  Medeiros, a taxação daqueles que estão no topo da pirâmide não deve ser tratada com receio. Uma suposta fuga de capitais e investimentos, de acordo com o sociólogo, é um medo ingênuo e sem fundamento, pois três quartos da riqueza não podem ser deslocados. São empresas, máquinas e fazendas. 

Os dados levantados pelo autor apontam que o 1% mais rico do Brasil tem boa parte de seus rendimentos oriundos de heranças, divisão patrimonial em divórcios, rendimentos financeiros, ganhos de capital e, os que representam a maior parcela, 24%, da distribuição de lucros e dividendos.

Tributação da riqueza

De acordo com Pedro Carvalho Junior e Marc Morgan, autores de “Tributação da riqueza: princípios gerais, experiência internacional e lições para o Brasil”,  existem muitos argumentos válidos para a implementação do Imposto Sobre Grandes Fortunas (IGF) no Brasil, o principal são os altos níveis de desigualdade de renda e riqueza que ainda persistem no país. Além disso, a implementação de um imposto sobre a riqueza seria uma maneira democrática e transparente de rastrear e avaliar diretamente a distribuição da riqueza entre a população. 

A Constituição de 1988 estabeleceu que o IGF deveria ser implementado por uma Lei Complementar Federal,  no entanto, apesar de duas votações no parlamento, o IGF nunca foi implementado. Em 2017, havia 23 projetos de lei complementar que regulamentavam o IGF no Brasil, 18 na Câmara dos Deputados e cinco no Senado Federal. Um Projeto de Lei foi aprovado no Senado em 1989 e encaminhado à Câmara dos Deputados, mas após 11 anos de tramitação, foi rejeitado pela Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados em 2000. 

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Bereia classifica a declaração do deputado federal Carlos Jordy (PL-RJ) como falsa.

O Projeto de Lei 4173/2023 tem como objetivo tributar aqueles com maior poder aquisitivo e regular modalidades de investimento ainda sem regras claras no Brasil. Desta maneira, uma pequena parte dos cidadãos, mas que concentram uma enorme fatia da riqueza nacional, serão tributados.   

A declaração do deputado mente sobre a  taxação ser dirigida ao “povo”, oculta informações relevantes em relação ao projeto, fragmenta dados, embaralha informações e utiliza o púlpito da Câmara dos Deputados para desinformar e manipular a percepção da população. 

A fala do deputado busca confundir e desorientar para criar um fato negativo contra o Projeto de Lei apresentado pelo governo à Câmara Federal. Jordy se refere ao PL como mais um imposto a ser cobrado no país, mas esconde o real objetivo da nova legislação: tributar os mais ricos e diminuir a desigualdade, o que está determinado na Constituição Federal. 

Referências de checagem:

“Tributação da riqueza: princípios gerais, experiência internacional e lições para o Brasil”. Pedro Carvalho Junior e Marc Morgan. Capítulo integrante do livro “Brasil: Estado Social contra a Barbárie“. Disponível gratuitamente: https://bit.ly/3fCj421 Acesso em 31 OUT 23

Câmara dos Deputados PL 4173/2023 

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2383287 Acesso em 31 OUT 23

PL Redação Final enviada ao Senado https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2353734&filename=Tramitacao-PL%204173/2023 Acesso em 31 OUT 23

https://www.camara.leg.br/noticias/1010815-camara-aprova-projeto-que-tributa-investimentos-de-brasileiros-em-offshores-e-fundos-de-alta-renda/ Acesso em 31 OUT 23

Governo Federal https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/noticias/2023/08/presidente-assina-mp-que-tarifa-super-ricos-e-envia-projeto-para-tributar-capital-de-brasileiros-em-paraisos-fiscais Acesso em 31 OUT 23

Auditoria Cidadã

https://auditoriacidada.org.br/ Acesso em 01 NOV 23

O Globo https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2023/10/18/sem-os-10percent-mais-ricos-brasil-seria-um-pais-igualitario-diz-autor-de-novo-livro-sobre-desigualdade.ghtml Acesso em 01 NOV 23

BBC 

https://www.bbc.com/portuguese/articles/c99q4ewklvgo Acesso em 01 NOV 23

Unisinos https://www.ihu.unisinos.br/categorias/633539-livro-reflete-sobre-a-abissal-diferenca-entre-ricos-e-pobres-no-brasil  Acesso em 01 NOV 23

Poder 360 https://www.poder360.com.br/congresso/leia-como-votou-cada-deputado-na-taxacao-de-offshores-e-super-ricos/#:~:text=A%20C%C3%A2mara%20dos%20Deputados%20aprovou,chamados%20%E2%80%9Csuper%2Dricos%E2%80%9D. Acesso em 01 NOV 23

Congresso Nacional

https://www.congressonacional.leg.br/materias/medidas-provisorias/-/mpv/157178/pdf Acesso em 07 NOV 2023

Foto de capa: Câmara dos Deputados

Católicos ofereceram missa por Israel em Nova York

Um vídeo que registra uma procissão pelas ruas da cidade de Nova York (EUA) foi compartilhado pela deputada federal católica Bia Kicis (PL-DF) em seu perfil no Instagram. Na legenda, ela fez a seguinte afirmação: “5.000 católicos acabaram de oferecer missa por Israel e depois lideraram uma enorme procissão eucarística que se estendeu por blocos no coração da cidade de Nova York. Deixando os espectadores em prantos no meio da Times Square. Deus está agindo”.

A deputada federal Bia Kicis é conhecida pela defesa das pautas da extrema-direita no Congresso Nacional e é muito ativa nas redes sociais digitais. Seu perfil no Instagram tem 1,7 milhões de seguidores.

Bereia checou o vídeo da procissão e as informações publicadas pela deputada.

Missa e procissão em Nova York

No último 10 de outubro, o Instituto Napa, uma organização que prepara líderes católicos para promover e defender a fé católica na sociedade, sediada nos Estados Unidos, promoveu a “Conferência de Empreendedorismo de Princípios”, que reuniu padres, freiras e leigos na cidade de Nova York.

O evento foi aberto com uma missa e uma procissão eucarísticas, que reuniram cerca de cinco mil católicos. A missa foi celebrada pelo diretor dos Ministérios de Jovens e Jovens Adultos do Instituto Napa, padre Mike Schmitz, lotado na Diocese de Duluth, (Minnesota), um orador renomado.

Mídias católicas nos EUA reportaram a conferência, e relataram que o padre Schmitz declarou oferecer a missa “pela paz em Israel após o ataque do Hamas, que custou a vida a pelo menos 1.200 pessoas”. “Ore por Israel agora mesmo”, disse ele durante o evento. “Esta missa está sendo oferecida pela paz em Israel”.

A partir da verificação dos fatos em torno do vídeo compartilhado pela deputada federal Bia Kicis, Bereia avalia que a publicação da parlamentar é verdadeira.

 Conteúdos publicados e compartilhados por líderes e políticos evangélicos em defesa do Estado de Israel têm circulando por diversos grupos de mensagens desde o início do conflito bélico após ataque do braço armado do partido palestino Hamas ao território  israelense, com vítimas fatais, em 7 de outubro passado.  Os registros da missa e da procissão realizadas durante evento do Instituto (Católico) Napa, nos EUA, em 10 de outubro passado, tornaram-se fontes de suporte.

Referências de checagem:

Napa Institute. https://napa-institute.org/eucharistic-revival-resources/ Acesso em 16 OUT 23

X. https://twitter.com/NapaInstitute/status/1712458477518356874 Acesso em 16 OUT 23

Plataforma de notícias digitais da Arquidiocese de Nova York. https://thegoodnewsroom.org/four-thousand-take-part-in-nyc-eucharistic-procession/ Acesso em 16 OUT 23

Mashable. https://mashable.com/article/instagram-shadowbanning-censor-israel-palestine?utm_source=email&utm_campaign=breakingnews&cmp=1&utm_medium=newsletter Acesso em 16 OUT 23

Boatos.org. https://www.boatos.org/religiao/procissao-catolicos-times-square-nova-york-apoio-israel-guerra.html Acesso em 16 OUT 23

UOL. https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2023/10/10/manifestacao-em-nova-york-reune-milhares-de-pessoas-em-apoio-a-israel.htm Acesso em 16 OUT 23

Agência Brasil. https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2023-10/milhares-de-pessoas-se-manifestam-pela-causa-palestina-em-nova-york Acesso em 16 OUT 23

Brasil de Fato. https://www.brasildefato.com.br/2023/10/13/em-nova-york-times-square-e-tomada-por-milhares-de-manifestantes-pro-palestina Acesso em 16 OUT 23

Comunidade Católica Shalom. https://comshalom.org/procissao-eucaristica-passara-pelas-ruas-de-nova-york-no-proximo-mes/ Acesso em 16 OUT 23

Church Pop.

https://www.churchpop.com/father-mike-schmitz-offers-mass-for-israel-in-nyc-before-eucharistic-procession/ Acesso em 17 OUT 2023

https://pt.churchpop.com/jesus-eucaristico-atrai-milhares-de-fieis-na-times-square-nova-iorque/ Acesso em 17 OUT 2023

BBC. https://www.bbc.com/portuguese/articles/clkjxpvjxjgo.amp Acesso em 17 OUT 2023

Crianças em gaiolas não foram presas por palestinos do Hamas no atual conflito com Israel

Horas depois de o Hamas, o grupo armado palestino ter atacado Israel em 7 de outubro passado, as mídias sociais em todo o mundo já estavam inundadas de vídeos, fotos e informações enganosas e falsas sobre o conflito.

Desde o início, o conflito tem gerado uma onda de desinformação também no Brasil e está sendo usado como arma no debate político da oposição ao atual governo federal. 

Um vídeo que começou a circular no domingo, 8 de outubro, em diferentes mídias sociais, como Instagram, Facebook, Twitter e TikTok, mostra cinco crianças com cerca de dois anos de idade em uma gaiola, comumente usada para aprisionar animais. Segundo a mensagem, elas teriam sido sequestradas pelo movimento Hamas. 

O áudio tem vozes infantis com música instrumental e risadas de um homem que, aparentemente, estaria fazendo a gravação das imagens. 

Não é possível determinar, no entanto, a origem do som do vídeo. As imagens foram compartilhadas com legendas que indicam que as crianças são israelenses, feitas reféns pelos palestinos. 

Imagem: reprodução do Instagram

A postagem circulou amplamente em perfis de mídias sociais de pessoas religiosas, promovendo comoção e revolta contra palestinos.

No entanto, agência de checagem israelense Fake Reporter informou que o vídeo circulava na plataforma Tik Tok antes mesmo dos ataques do Hamas a Israel.

O site espanhol de combate à desinformação “Maldita” também afirmou que o vídeo começou a circular antes do conflito. O veículo também desmentiu diversas falsidades relacionadas a Israel e ao Hamas.

Bereia não conseguiu descobrir onde o vídeo foi publicado pela primeira vez, e não é possível afirmar que as imagens mostrem crianças sequestradas pelo Hamas, pois já circulavam antes do conflito.

De acordo com as informações das agências de notícias internacionais, crianças, idosos e famílias inteiras foram sequestradas no contexto dos ataques iniciados em 7 de outubro passado. Porém, as verificações do vídeo em questão indicam que não há imagens destes sequestros ou de crianças presas pelo movimento palestino Hamas no atual conflito. 

Uma captura de tela realizada em 8 de outubro, pela agência Fake Reporter, mostra que o conteúdo havia sido postado em 4 de outubro, por um usuário do TikTok. Após verificação do conteúdo, a conta desapareceu.

Bereia alerta leitores e leitoras para toda e qualquer informação circulante que explore violência contra crianças, causadora de comoção, no contexto de guerras ou mesmo de debates de pautas políticas.  Antes de repassar imagens e textos, é preciso buscar o contexto (data e situação) no qual foram produzidos para que pessoas sensíveis à causa da justiça para crianças não sejam usadas na propagação de desinformação.

Referências de checagem:

AP News. https://apnews.com/ Acesso em 09 OUT 2023

CNN. https://cnnportugal.iol.pt/guerra/israel/nuno-mateus-coelho-pro-palestina-e-pro-israel-a-guerra-nas-redes-sociais/20231009/65244d74d34e371fc0b88511 Acesso em 10 OUT 2023

Estadão. https://www.estadao.com.br/estadao-verifica/video-criancas-gaiolas-israel-hamas/ Acesso em 10 OUT 2023

Tjekdet. https://www.tjekdet.dk/faktatjek/video-af-boern-i-bur-haevdes-baade-vaere-fra-israel-og-palaestina-men-dokumentationen Acesso em 11 OUT 2023

Fake Reporter. https://fakereporter.net/ Acesso em 11 OUT 2023

Maldita. https://maldita.es/malditobulo/20231009/ninos-jaulas-hamas-israel-palestina/ Acesso em 11 OUT 2023

Controvérsias sobre filme “Som da Liberdade” são transformadas em pânico moral para propagação de desinformação

Além de ocupar muitas salas de cinema, o filme “Som da Liberdade”, cercado de polêmicas , tornou-se objeto de uma intensa discussão nas redes sociais digitais. 

Portais de notícias gospel e perfis de políticos e líderes religiosos nas mídias digitais elogiaram o filme e convocaram o público para comparecer aos cinemas de todo o país. 

Imagens: reprodução do X (antigo Twitter)

Aqueles que criticam “Som da Liberdade” – seja pela qualidade técnica da obra ou supostas ligações com teorias da conspiração – são acusados de apoiarem o abuso infantil e serem contra a família.

Seria o tráfico internacional de crianças uma guerra travada entre esquerda e direita, como afirmam alguns?

A maioria dos abusos infantis acontecem da maneira como o filme aborda?

Quem critica o filme é condescendente com o abuso infantil?

Bereia checou as informações e as informações oficiais sobre o tema abordado na obra.

Do que trata o filme “Som da Liberdade”?

Baseado em relatos de um ex-agente do governo estadunidense, Tim Ballard, o filme conta a história de um homem que decide combater uma rede internacional de tráfico e abuso infantil

O protagonista atua para resgatar um menino hondurenho separado da irmã por  traficantes de crianças. Na trama, o agente federal descobre que a irmã do menino ainda está em cativeiro e decide embarcar em uma missão perigosa para salvá-la. Com o tempo acabando, ele abandona o emprego e viaja para a selva colombiana, colocando sua vida em risco para libertar a menina.

O filme foi escrito e dirigido por Alejandro Monteverde e conta a história real de ex-agente federal norte-americano. A produção foi filmada em 2018, mas só saiu da gaveta cinco anos depois, sendo distribuída, em um primeiro momento, pela subsidiária latino-americana da 20th Century Fox. 

Após  ter sido vendido para a Disney, o projeto parou, mas foi recuperado por Eduardo Verástegui, um dos produtores do filme. Ele readquiriu os direitos do longa e o ofereceu à Angel Studios, distribuidora de produções cristãs, como The Chosen, que acolheu o projeto. 

O lançamento foi acompanhado de críticas ao filme, que, supostamente, seria promotor de  algumas teorias da Conspiração QAnon, que embasam grupos de extrema-direita.

Som da Liberdade e Teoria da Conspiração Qanon

Ao pesquisar sobre a suposta relação dos produtores do filme com teorias da conspiração extremistas, Bereia verificou que o  ator principal Jim Caviezel, que interpreta o papel do ex-agente, Timothy Ballard, tem histórico de afinidade com tais discursos. Caviezel,  que também atuou no filme “A paixão de Cristo”, de Mel Gibson, já participou de uma convenção da extrema direita política nos Estados Unidos, onde promoveu teoria da conspiração sobre suposta drenagem de sangue de crianças para rituais satânicos, tema recorrente nos fóruns de discussão dos adeptos da teoria QAnon.

O grande sucesso do filme entre o público conservador estadunidense, a campanha de compra de ingressos e posterior distribuição gratuita e os elogios recebidos pela obra da parte de personagens da direita americana, gerou análises em torno de “Som da Liberdade”  ser uma propaganda da QAnon.

No Brasil, o filme está lotando as salas de cinemas tendo como público policiais e fiéis cristãos. Os ingressos também estão sendo distribuídos gratuitamente por meio de publicidade em mídidas sociais, associações de policiais estão oferecendo ingressos aos seus filiados, líderes religiosos convocam fiéis para assistirem aos filmes e políticos, como a senadora Damares Alves (Republicanos-DF), fazem publicidade da obra.

O movimento ou teoria da conspiração QAnon surgiu no final de 2017, nos EUA, quando um usuário do fórum da internet que mantém os usuários anônimos , autointitulado “Q”, alegava ter acesso a documentos e informações sigilosas do Governo dos Estados Unidos. “Q” denunciava uma suposta rede mundial de pedófilos formada por políticos do partido democrata, como o ex-presidente Bill Clinton, celebridades de Hollywood, o magnata George Soros, a chanceler alemã Angela Merkel, apontada como neta de Adolf Hitler e até o Papa Francisco. Para os adeptos dessa teoria, a chamada operação STORM, liderada por Donald Trump, estaria em ação por todo o mundo, no combate à exploração sexual infantil. 

Tais teorias que aparentemente parecem piadas restritas a um pequeno número de seguidores sem crédito, atualmente, são difundidas em massa por apoiadores do ex-presidente Trump. Temas como a negação da pandemia de covid-19 ou a derrota de Trump ter sido uma fraude perpetrada pelas elites globalistas para beneficiar Joe Biden, também fazem parte do repertório QAnon. Em maio de 2019, o FBI declarou que o QAnon representa uma ameaça de terrorismo doméstico.

Como se dá a questão do abuso infantil no Brasil?

O anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022 produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) apresenta dados assustadores sobre o abuso infantil no país: ao contrário do que expõem algumas obras de ficção, a maioria dos estupros é cometida por pessoas próximas à família, geralmente no momento em que a mãe sai para trabalhar.

De 2020 para 2021 observa-se um  aumento no número de registros de estupro, que passou de 14.744 para 14.921. Já no que tange ao estupro de vulnerável, este número sobe de 43.427 para 45.994, sendo que, destes, 35.735, ou seja, 61,3%, foram cometidos contra meninas menores de 13 anos (um total de 35.735 vítimas).

As meninas são maioria nesta trágica estatística, mas os meninos também são vítimas. No primeiro caso, o número de registros aumenta conforme a menina cresce, já no caso dos meninos, o número de registros aumenta até os seis anos (com pico entre quatro e seis) e depois começa um processo de queda.

Quanto à característica do criminoso, esta continua a mesma: homem (95,4%) e conhecido da vítima (82,5%), sendo que 40,8% eram pais ou padrastos; 37,2% irmãos, primos ou outro parente e 8,7% avós e 76,5% dos estupros acontecem dentro de casa.

O anuário de Segurança Pública defende a escola como elemento estratégico fundamental para o enfrentamento do estupro de vulnerável. Como a violência acontece dentro de caso e muitas vezes é praticada por um parente,  a escola pode ajudar (e já ajuda) no processo de identificação e denúncia, mas, sobretudo, no processo de prevenção.

Muitas vezes o abusador se aproveita da ignorância da criança e, se ela tiver consciência, dependendo da situação, pode mesmo evitar que o abuso ocorra e denunciar o criminoso. Para aqueles que acham que o ambiente escolar é um risco para os filhos, vale lembrar que apenas 1% dos casos registrados ocorreu em estabelecimento de ensino.

Além dos dados sobre o abuso infantil, o relatóriochama atenção para os casos de exploração sexual e pornografia infantil na internet. Um mapeamento feito em 2020 pela Polícia Rodoviária Federal com a Childhood Brasil aponta que, só nas rodovias federais, há 3.651 pontos de exploração sexual infantil. Mesmo com o problema da subnotificação, este dado aponta que essa é uma questão a ser debatida no Brasil. 

O que se sabe sobre o tráfico internacional de pessoas?

O Relatório Global sobre o Tráfico de Pessoas produzido pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNDOC) explica que os alvos preferenciais dos traficantes são os mais vulneráveis, como migrantes que fogem de países em guerra, em grave crise econômica ou climática. Países em guerra, democracia precária e sem recursos para enfrentar o crime proporcionam aos traficantes um terreno propício para suas operações.

Isso é exacerbado por um maior número de pessoas em uma situação desesperadora, sem acesso às necessidades básicas. Em todos os conflitos analisados, populações deslocadas à força têm sido alvo de traficantes: habitantes de assentamentos de refugiados sírios e iraquianos a afegãos e rohingyas que fogem de conflitos e perseguições. 

A publicação alerta para milhões de mulheres, crianças e homens em todo o mundo que estão sem trabalho, fora da escola e sem apoio social. A previsão é que o risco de tráfico venha a piorar. 

O número de crianças vítimas deste crime triplicou nos últimos 15 anos. A proporção de meninos aumentou cinco vezes. Este grupo é o mais usado para trabalhos forçados. As meninas são mais traficadas para exploração sexual. 

As vítimas do sexo feminino continuam sendo os alvos principais. Quase metade delas identificadas em nível global eram mulheres adultas e 20% meninas. Outros cerca de 20% eram homens adultos e 15% meninos. Em geral, metade das vítimas detectadas foi traficada para a exploração sexual, 38% para trabalhos forçados e 6% envolvidas em atividades criminosas forçadas.

Os dados recolhidos em 148 países identificam 534 tipos de tráfico diferentes e cerca de 50 mil vítimas, embora as vítimas sejam normalmente traficadas dentro de áreas geograficamente próximas.

Num desses exemplos, meninas recrutadas em uma área urbana podem ser exploradas em motéis e bares próximos. Globalmente, a maioria das vítimas é resgatada no próprio país de origem. 

O Relatório aponta que o tráfico de crianças ‒ em especial de meninas ‒ continua sendo uma preocupação fundamental. Desta maneira, o texto indica que as escolas e os professores precisam fazer parte de uma abordagem holística para prevenir o tráfico e reduzir a vulnerabilidade das crianças a ficarem presas em padrões de exploração. 

Segundo o estudo, as intervenções contra o tráfico de crianças podem ser mais eficazes se forem incluídas em programas destinados a proporcionar educação de qualidade a todos, especialmente em contextos com risco acrescido de tráfico, como os campos de refugiados.

A apropriação da pauta da proteção a crianças por extremistas

No Brasil, o filme “Som da Liberdade” tem rendido polêmicas, uma vez lideranças políticas e grupos extremistas têm se apropriado do tema do tráfico infantil para criar pânico moral. Com a abordagem de que “algo está acontecendo sob os olhos das pessoas e nada está sendo feito”, a mensagem do filme é utilizada para alimentar práticas comuns da extrema direita, como a desinformação e o discurso de ódio. 

Para a pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião (ISER ) Magali Cunha, “há bastante repercussão sobre o filme nas redes sociais por causa das ações de líderes políticos e religiosos com identidade cristã afinada com a ideologia da extrema-direita”. Os portais de notícias gospel que se identificam com a linha ideológica tem repercutido os assuntos relacionados ao filme. “Todos enfatizam não só a importância de assistir ao filme mas também a conspiração em torno dela”, produzindo a ideia de que as esquerdas políticas se dedicam contra o filme, o que incita a indignação do público alinhado à lideranças que difundem conteúdos desinformativos. 

Para a pesquisadora, “Esse grupo político é notório por lançar mão de pautas relacionadas à defesa da família, das crianças e de jovens para promover pânico moral e teorias da conspiração sobre interesses de ‘um sistema’ que envolveria esquerdas políticas, o comunismo, alguns nomes de empresários, políticos e religiosos interessados na destruição das famílias, na depravação sexual e na exploração de crianças e jovens, inclusive com interesses políticos e financeiros.”

No Brasil, aponta Cunha, a distribuição do filme teve características semelhantes ao que ocorreu nos Estados Unidos. “Toda a publicidade do filme nos Estados Unidos foi construída com essas bases e a defesa dos heróis relacionados à extrema-direita. Nessa propaganda, esses seriam os únicos que estariam, de fato, empenhados em colocar um fim nesse mal.” Com isto, a propaganda omite as ações realizadas no Brasil em diversas frentes, governamentais e não-governamentais.

Bereia classifica como falsas as postagens que atribuem a críticos do filme “Som da Liberdade” uma atuação para que pessoas sejam impedidas de assistir à obra, não gostar de crianças ou comprometimento com pedofilia e tráfico de crianças. As críticas que vêm sendo publicadas ao filme dizem respeito à propaganda conspiracionista em torno dos temas trabalhados pelo filme e às suspeitas em torno dos objetivos da ampla distribuição gratuita de ingressos e da característica dos financiadores.

Bereia alerta leitores e leitoras para o conhecimento dos dados referentes à violência contra crianças e adolescentes no Brasil, na forma de abuso sexual e tráfico humano, e à necessidade de reconhecer as ameaças que existem no âmbito das próprias famílias. É um tema que deve ser tratado com responsabilidade.

Referências de checagem:

UOL.

https://www.google.com/amp/s/www.uol.com.br/splash/noticias/2023/09/22/angel-studios-a-plataforma-crista-por-tras-do-polemico-som-da-liberdade.amp.htm Acesso em 03 OUT 2023

https://cinebuzz.uol.com.br/noticias/cinema/som-da-liberdade-saiba-como-conseguir-ingressos-gratuitos-para-o-filme-mais-polemico-do-ano.phtml Acesso em 05 OUT 2023

Relatório  Global do UNODC de 2022 sobre o Tráfico de Pessoas. https://www.unodc.org/documents/data-and-analysis/tip/2021/GLOTiP_2020_15jan_web.pdf  Acesso em 02 OUT 2023

Relatório Nacional sobre Tráfico de Pessoas. https://www.unodc.org/documents/lpo-brazil/Topics_TIP/Publicacoes/relatorio-de-dados-2017-2020.pdf  Acesso em 02 OUT 2023

Fórum Brasileiro de Segurança Pública. https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2022/07/14-anuario-2022-violencia-sexual-infantil-os-dados-estao-aqui-para-quem-quiser-ver.pdf  Acesso em 02 OUT 2023

Childhood Brasil. https://www.childhood.org.br/pesquisa-mapear/ Acesso em 02 OUT 2023

Movimento QAnon e a religiosidade hackeada: big data, algoritmos e a captura da razão. https://pt.scribd.com/document/576925278/Apresentacao-Anais-Do-VIII-Seminario-Internacional-de-Pesquisas-Em-Midia-e-Cotidiano Acesso em 02 OUT 2023

Folha de São Paulo.

https://f5.folha.uol.com.br/colunistas/tonygoes/2023/09/a-quem-interessa-que-voce-veja-som-da-liberdade-de-graca.shtml  Acesso em 02 OUT 2023

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2023/09/som-da-liberdade-e-comercial-meloso-contra-a-sordidez-humana.shtml?pwgt=l4b44773r72po3ukeby0xu4q1l20v6cgcnvm79ngs2mx0b9e&utm_source=whatsapp&utm_medium=social&utm_campaign=compwagift Acesso em 03 OUT 2023

https://f5.folha.uol.com.br/colunistas/tonygoes/2023/09/a-quem-interessa-que-voce-veja-som-da-liberdade-de-graca.shtml?utm_source=whatsapp&utm_medium=social&utm_campaign=compwa Acesso em 03 OUT 2023

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2023/09/som-da-liberdade-e-comercial-meloso-contra-a-sordidez-humana.shtml  Acesso em 02 OUT 2023

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2023/09/filhos-de-bolsonaro-damares-e-aliados-exaltam-filme-queridinho-do-qanon.shtml Acesso em 04 OUT 23

https://cinebuzz.uol.com.br/noticias/cinebuzzjaviu/som-da-liberdade-cinebuzz-ja-viu-critica.phtml  Acesso em 02 OUT 2023

Angel Studios. https://www.angel.com/pt-BR Acesso em 02 OUT 2023

Brasil Paralelo. https://www.brasilparalelo.com.br/ Acesso em 02 OUT 2023

Plano Crítico. https://www.planocritico.com/critica-som-da-liberdade/ Acesso em 03 OUT 2023 

Rotten Tomatoes. https://www.rottentomatoes.com/m/sound_of_freedom  Acesso em 03 OUT 2023

Brasil de Fato. https://www.brasildefato.com.br/2021/03/03/qanon-a-teoria-conspiratoria-que-mirou-a-politica-e-acertou-as-relacoes-pessoais Acesso em 03 OUT 2023

El País. https://brasil.elpais.com/internacional/2021-01-12/teorias-conspiratorias-do-qanon-varrem-o-mundo-e-sao-mais-perigosa-do-que-parecem.html Acesso em 03 OUT 2023

Observatório Evangélico. https://www.observatorioevangelico.org/som-da-liberdade-a-estreia-tao-aguardada/ Acesso em 04 OUT 2023

BBC. https://www.bbc.com/portuguese/articles/cxx6kl13w7po?ref=observatorioevangelico.org Acesso em 04 OUT 2023

Escreva Lola Escreva. https://escrevalolaescreva.blogspot.com/2023/09/o-som-das-teorias-da-conspiracao.html Acesso em 04 OUT 2023

Portal Making Of. https://portalmakingof.com.br/brasil-paralelo-fecha-parceria-para-o-lancamento-de-som-da-liberdade-no-brasil/ Acesso em 04 OUT 2023

Omelete. https://www.omelete.com.br/filmes/sound-of-freedom-entenda-a-polemica-do-filme#13 Acesso em 05 OUT 2023

Portal G1. https://g1.globo.com/mundo/noticia/2023/09/28/som-da-liberdade-a-mobilizacao-de-evangelicos-e-bolsonaristas-para-filme-ser-lider-de-bilheteria-no-brasil.ghtml Acesso em 05 OUT 2023

Twitter. https://twitter.com/DamaresAlves/status/1708266584437850222 Acesso em 05 OUT 2023

Coletivo Bereia. https://coletivobereia.com.br/q-anon-ou-o-novo-discurso-desinformativo/ Acesso em 05 OUT 2023

***

Foto de capa: divulgação

Vídeo divulga informações falsas sobre educação sexual em escola pública de  Maricá (RJ)

Vídeo divulgado na página do Facebook do “Movimento de Mulheres juntas por Maricá”  em 12 de agosto, afirmou que crianças de sete e oito anos estariam recebendo, sem autorização dos pais, aulas de “ideologia de gênero” e “orientação sexual”, nas quais aprenderiam como se masturbar e fazer sexo oral. O vídeo tem a imagem de uma mulher que expõe as supostas denúncias e se apresenta como líder do Movimento de Mulheres Juntas por Maricá (MJM).

O material foi compartilhado centenas de vezes e circulou por diversos grupos de mensagens de igrejas e entre perfis religiosos. Bereia recebeu o pedido de checagem de pessoas que tiveram acesso em um desses espaços. 

Imagem: Reprodução do Facebook

O que diz o vídeo

A mulher se apresenta como “doutora” com um assunto “bombástico” e “absurdo” e convoca todas mães para se “inteirarem”. Segundo ela, denúncias de alguns pais alertam que, a escola João Pedro Machado, do município de Maricá (RJ)  estaria oferecendo aulas de “ideologia de gênero” e “orientação sexual” e ensinaria crianças de sete e oito anos como se masturbar e fazer sexo oral.

A locutora  continua e acusa: “agora tudo bem pro PT se elas souberem fazer sexo oral ou se masturbar. O que importa pra eles é que as crianças tenham uma orientação sexual precoce”.

Ela afirma que o “objetivo principal das escolas de Maricá é ensinar isso” – masturbação e sexo oral – e que “o caso já foi registrado na oitenta e duas DP” e oferece auxílio para qualquer mãe que queira comparecer à delegacia. 

Ao final, a denunciante diz que está horrorizada e pede que compartilhem o vídeo ao máximo. 

Bereia teve acesso a outro vídeo produzido pela mesma pessoa. Ela argumenta que os professores são vítimas do governo municipal liderado pelo Partido dos Trabalhadores. Divulga também imagens de outro vídeo, publicado originalmente pelo vereador Netuno (Republicanos) que envolve outra escola do município. 

Nas imagens, sem data ou identificação de local, crianças, segundo ele, de 11 e 12 anos, são, supostamente, abordadas nas escolas e questionadas a respeito de sua sexualidade. Não é possível verificar quem faz as perguntas e nem mesmo verificar autenticidade do áudio.

O vereador não apresenta o nome de pessoas ou instituições responsáveis pelas perguntas, nem o motivo das abordagens. Netuno também não relata  qualquer denúncia formal ou ação de órgãos públicos contra o que pudesse ser uma irregularidade.

Imagem: reprodução do Instagram

Bereia entrou em contato com a advogada que fala no vídeo. De acordo com ela, as reclamações dos pais sobre o ensino na escola citada é recorrente. No entanto, não apresentou documentos que corroboram sua afirmação.

O conteúdo denunciado na publicação do vereador – aulas de masturbação e sexo oral – é o mesmo apresentado pela mulher do primeiro vídeo e replicado por diversos outros sites, sempre da mesma maneira: sem referências, fontes ou denúncias formais.

Educação pública em Maricá 

A locutora dos vídeos checados por Bereia afirma que há diversos relatos de professores da rede pública que afirmam a má qualidade do ensino na cidade de Maricá e que crianças de 9 e 10 anos de idade matriculadas nas escolas da cidade não sabem ler e escrever. 

Ela não apresenta fontes com dados, referências formais  ou depoimentos de professores, educadores ou especialistas na área. 

Bereia apurou que tais afirmações não correspondem aos dados oficiais, estes sim com medição específica, dados comprobatórios, abertos e amplamente divulgados.

Maricá passou a ocupar a 10ª posição entre os 92 municípios do Estado do Rio de Janeiro, no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) nos anos finais (para alunos do 9º ano do ensino fundamental). 

Imagem: reprodução do site QEdu, que registra dados educacionais como o Ideb

O resultado, que mostra a qualidade da educação básica na cidade, foi divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

Nos anos finais, a cidade avançou de 4,8, em 2019, para 5,4, em 2021; números que fizeram o município subir três posições no ranking entre as cidades do Rio, do 13º para o 10º.

Em 2015, Maricá ocupava a 50ª colocação, o que representa um salto de 40 posições no período.

Já nos anos iniciais – Ensino Fundamental, o município avançou no índice de 5,4, em 2019, para 5,6, em 2021; subindo 17 posições entre as cidades do Estado do Rio, de 47º para 30º. Considerando os dados desde 2015, a cidade subiu da 59ª posição para a 30ª, um avanço de 29 posições.

Movimento de Mulheres Juntas por Maricá (MJM): comércio e polêmica 

O MJM tem páginas no Facebook e no Instagram, e, pelos registros, foi criado com a intenção de divulgar pequenos negócios de mulheres da cidade. 

A página do Facebook está repleta de anúncios de pequenos comércios e serviços da região. O principal do projeto do movimento aparenta ser o casamento comunitário, trabalho muito divulgado com diversas fotos. 

De acordo com matéria do portal G1, em maio de 2022, 45 casais de Maricá, disseram ter sido vítimas de um golpe aplicado pela advogada que se apresenta como líder do MJM.

Imagem: reprodução do G1

De acordo com as denúncias, a advogada organizou um casamento comunitário e convenceu o grupo que todos sairiam casados da cerimônia. Contudo a união dos casais nunca foi oficializada e a cerimônia não teve valor legal. A advogada ainda foi acusada de usar o nome da Associação de Mulheres de Maricá (outra organização) de forma ilegal para dar credibilidade ã cerimônia coletiva. Segundo as fundadoras da associação, a advogada nunca fez parte do grupo.

A página do Instagram do MJM não conta com muitas denúncias, apenas fotos dos casamentos comunitários e a divulgação de alguns serviços e produtos. Porém, no Facebook, alguns casos controversos são apresentados, como um senhor acusado de zoofilia contra um pitbull e alguns casos de violência contra mulheres. 

O caso de maior notoriedade entre as postagens foi a recente denúncia, gravada em vídeo pela advogada.  contra a escola  de Maricá que, supostamente, teria aulas de ensino de “masturbação” e “sexo oral”.

Repercussão do vídeo 

Um comentário na publicação pede que a advogada divulgue o número da ocorrência contra a escola na delegacia. Ela não divulga, mas diz que três pais já foram à delegacia e outros estariam sofrendo represália. A mulher não afirma da parte de quem seria a suposta represália. Afirma que em breve divulgará um vídeo com o “flagrante”. 

Imagem: reprodução do Facebook

Até o fechamento desta matéria o vídeo do suposto flagrante não foi divulgado e nenhuma prova ou denúncia de alguma família foi apresentada. 

O vídeo divulgado pela advogada líder do MJM , sem provas, referências ou informações precisas, além do engajamento buscado – amplo número de curtidas e compartilhamentos da página – gerou comentários de ódio e incitação à violência.

Imagem: reprodução do Facebook

O secretário municipal de Educação de Maricá publicou uma nota negando as afirmações do vídeo:

“Sobre vídeo que circula em grupos de Zap de uma suposta “Dra Ingrid” com supostas denúncias sobre o ensino nas escolas de Maricá/RJ, afirmo: não existe nenhuma queixa na delegacia da cidade. Por um motivo simples: nas escolas NUNCA se praticou o que ela diz.

Nas escolas de Maricá, ensinamos às nossas crianças os valores do respeito, tolerância, da ciência, do amor e da verdade. Basta de discurso de ódio e tentativa de criminalizar a educação pública. Entendam que os professores também são pais e mães e merecem respeito” 

Imagem: reprodução do X (antigo Twitter)

A agência de checagem de conteúdo Aos Fatos, já havia detectado um incremento da disseminação de postagens de material desinformativo em mídias sociais nas últimas quatro semanas. Isto após o Ministério da Saúde ter anunciado,  no último 25 de julho, a retomada do ensino da educação sexual e reprodutiva e da prevenção de ISTs (infecções sexualmente transmissíveis) como parte do programa Saúde na Escola. 

Aos Fatos verificou que peças desinformativas começaram a circular, como um vídeo de uma demonstração sobre uso de preservativo em uma universidade, compartilhado como se mostrasse estudantes menores de idade, o que é mentira. Também,  em uma ofensiva liderada por políticos de oposição e pessoas contrárias ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), as alegações são de que o programa vai sexualizar crianças, o que também não é verdade. O vídeo da líder do movimento MJM, checado por Bereia, é propagado neste contexto.

A matéria de Aos Fatos relata ainda o lugar da educação sexual nas políticas públicas de educação e saúde, com a indicação dos documentos que fundamentam as práticas. 

***

Bereia classifica o conteúdo no vídeo divulgado pela líder do Movimento de Mulheres Juntas por Maricá como falso. A locutora expõe acusações sobre sexualização de crianças em escolas do município de Maricá, sem apresentar provas ou quaisquer elementos que corroborem suas afirmações. 

Também não  apresentou qualquer  medida legal como advogada, ou pelo menos não informa quais medidas tomou, como registro de ocorrência policial ou denúncia a órgãos públicos.

O mesmo conteúdo sem provas ou elementos concretos foi publicado pelo vereador Netuno, o que foi replicado por pequenos sites tendenciosos e espalhados por grupos de mensagens, principalmente religiosos.

Estas características são comuns a publicações de conteúdo desinformativo, de cunho falso e enganoso.

Bereia vem desmentindo informações falsas e enganosas sobre o tema da “ideologia de gênero”, como pode ser visto em outras matérias. O tema é comumente explorado politicamente, com relatos alarmantes, para captar apoios a certos personagens e partidos ou para promover rejeição e ódio a outros. A educação sexual, tema relevante para contribuir com a superação de abusos e violências sofridas por crianças e adolescentes, tem sido alvo frequente de mentiras, como as que foram encontradas neste vídeo sobre Maricá.  

É possível também afirmar que, de acordo com as checagens do Bereia e de outras agências, como a que foi produzida pelo Aos Fatos, referenciada acima, realizadas nas últimas quatro semanas, a exposição deste vídeo não é ação isolada de um movimento em Maricá. Configura-se uma estratégia articulada de ataque a políticas públicas pró-avanços em torno da temática da sexualidade.

Referências de checagem:

G1. https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2022/05/27/casamento-coletivo-sem-valor-legal-frustra-45-casais-em-marica-me-senti-enganada-diz-vitima.ghtml Acesso em 29 AGO 23

MJM. https://www.facebook.com/mmjmarica?mibextid=ZbWKwL Acesso em 29 AGO 23

Bereia.

https://coletivobereia.com.br/panico-moral-sobre-ideologia-de-genero-aborto-erotizacao-de-criancas-e-defesa-da-familia-e-usado-para-disputa-eleitoral-com-base-em-desinformacao/ Acesso em 29 AGO 23

https://coletivobereia.com.br/bancada-evangelica-ataca-governo-federal-com-enfase-em-falsidades-que-bereia-ja-checou/ Acesso em 29 AGO 23

Aos Fatos.

https://www.aosfatos.org/noticias/retomada-educacao-sexual-desinformacao/ Acesso em 29 AGO 23

https://www.aosfatos.org/noticias/retomada-educacao-sexual-desinformacao/, acesso em 29 ago 2023

Governo Federal. https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2023/julho/com-recorde-de-adesao-ministerio-da-saude-retoma-programa-saude-na-escola-com-investimento-de-r-90-milhoes-para-municipios Acesso em 29 AGO 23 

Instagram. https://www.instagram.com/reel/Cv3Se5_ARYS/?utm_source=ig_web_copy_link&igshid=MzRlODBiNWFlZA== Acesso em 29 AGO 23

Facebook.

https://www.facebook.com/mmjmarica?mibextid=ZbWKwL Acesso em 29 AGO 23

QEdu. https://qedu.org.br/municipio/3302700-marica/ideb Acesso em 29 AGO 23

X.

https://twitter.com/marciobjardim/status/1693649640246161772. Acesso em 29 AGO 23

https://twitter.com/marciobjardim/status/1693650167029772770 Acesso em 29 AGO 23

Decisão judicial determina que Igreja Universal devolva doação feita por fiel

Diferentes portais de notícias divulgaram a decisão judicial que determinou a devolução de doações feitas por uma fiel à Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). Com o auxílio da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, as fiéis contestaram na justiça as doações feitas pela primeira à Igreja. A IURD recorreu da decisão em primeira instância, mas o pedido foi negado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

Imagem: reprodução do site Mais Goiás

Imagem: reprodução do Metrópoles

Segundo as matérias, no pedido à Justiça, foi afirmado que a fiel frequentou cultos na IURD entre os anos de 1999 e 2018, e que as doações ocorreram nos dias 15 de dezembro de 2017 (R$ 7.500,00) e 14 de junho de 2018 (R$ 193.764,25 e R$ 3.035,75) totalizando R$ 204.500,00, o que corresponderia  a todo o patrimônio amealhado por ela durante a sua vida. Alega-se, ainda, que as doações comprometeram parte indisponível da herança da filha e,  por fim, a fiel afirmou que foi coagida a realizar as doações. 

Bereia checou que o processo existe e, segundo as informações disponíveis, A Igreja Universal do Reino de Deus, depois de citada pelo Poder Judiciário, alegou ausência de coação e reafirmou a liberdade da organização religiosa. Alegou ainda que a coautora Flaurinda Valeriano frequentava suas dependências para exercício da fé e as doações foram realizadas de forma livre e espontânea. 

O processo 

Desta forma, como a realização das doações tem, como um de seus elementos essenciais, a declaração livre e espontânea de vontade das partes, discutiu-se no processo se houve coação moral.  Também foi considerado que para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa,à sua família, ou aos seus bens.

“Coação é toda ameaça ou pressão injusta exercida sobre um indivíduo para forçá-lo, contra a sua vontade, a praticar um ato ou realizar um negócio. O que a caracteriza é o emprego da violência psicológica para viciar a vontade. Não é coação, em si, um vício da vontade, mas sim o temor que ela inspira, tornando defeituosa a manifestação de querer do agente”.

Após analisar todos os documentos anexados ao processo e ouvidas as testemunhas, o Poder Judiciário afirma que é incontroverso que a fiel realizou três doações em favor da IURD, nos valores de R$ 7.500,00, R$ 3.035,75 e R$ 193.964,25, em 14/6/2018.

Verificou-se também, segundo consta no processo, que a fiel foi vítima de coação na realização das doações à IURD, considerando as pressões psicológicas empreendidas pelos membros da organização religiosa para realização de tais ofertas na campanha denominada Fogueira Santa.

Alegações da Igreja Universal 

A IURD admitiu em contestação que:

“A crença divulgada pela Igreja Universal, decodificada por Jesus, no sentido de que o fluxo de ofertar completa-se no refluxo de receber as bênçãos divinas, esclarecendo que o ato de entregar tudo a Deus não está adstrito a bens e valores, compreendendo também a entrega de sua vida a Deus”.

Desta maneira, o Poder Judiciário entendeu que, segundo as doutrinas da ré, não basta o fiel pautar suas condutas de acordo com os ensinamentos bíblicos, pois também se reforça a necessidade de entrega de bens e valores, inclusive na sua totalidade. 

Segundo consta no processo, tais alegações corroboram as palavras das autoras de que os pastores divulgam a necessidade de entrega de dinheiro para o recebimento de recompensa divina e que uma das campanhas de doações promovidas pela IURD, denominada Fogueira Santa, é espécie de sacrifício material em que o fiel espera ser honrado por divindade. 

O sacrifício máximo seria incentivado pelos pastores, fazendo alusão à passagem bíblica em que Abraão oferece a vida de seu filho a Deus como prova de fé. A doação então seria vista como prova de fé no ambiente da IURD e que se algum fiel estivesse em posição semelhante à da fiel, com recebimento de montante expressivo decorrente de indenização trabalhista e esperando uma suposta recompensa espiritual prometida pelos pastores, faria doação total à IURD.

Testemunhas confirmam coação de fiéis 

Ainda segundo partes do processo, as testemunhas arroladas pelas autoras foram uníssonas ao afirmar a existência de coação moral dos pastores para doação de bens e valores pelos fiéis nas campanhas denominadas Fogueiras Santas, sempre com promessas de recebimento de bênçãos divinas.

A decisão judicial

No entendimento da Justiça, a fiel fez a doação total de seus bens, sem que fizesse reserva para sua subsistência ou de valor destinado à sua herdeira, e determinou a nulidade das doações, com base nos artigos 548, 549 e 1.846, do Código Civil. Nesses artigos, consta que: 

É nula a doação de todos os bens sem que tenha sido feita reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador. A doação também pode ser invalidada se o doador dispor da parte que exceder, no momento da liberalidade, o que poderia dispor em testamento. Por fim, os herdeiros necessários têm direito a metade dos bens da herança, constituindo-a legítima.” 

Portanto, a Igreja Universal do Reino de Deus foi obrigada a restituir a fiel no valor total de R$ 204.500,00 (duzentos e quatro mil e quinhentos reais), incidindo correção monetária pela tabela de correção dos débitos judiciais do Tribunal de Justiça e juros de um por cento ao mês ambos a partir de cada desembolso.

Ainda no processo que condenou a IURD, outra decisão semelhante é apontada como prova das mesmas práticas de coação praticadas contra a fiel. Neste caso, outra fiel da igreja, sob coação, teria feito doação de veículo Honda Fit, num momento de instabilidade psicológica devida a graves problemas financeiros, tendo sido levada a celebrar o negócio, após 21 dias de afastamento do mundo no chamado “jejum de Daniel”. A doação foi feita em virtude do que foi classificado em processo judicial de “ameaças feitas pelo pastor”, que a visitou em sua casa e lhe telefonou repetidas vezes exortando-a a doar o veículo para que fosse queimado na “Fogueira Santa”, de modo a evitar um mal que recairia sobre ela. 

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Bereia considera o conteúdo checado como verdadeiro, pois de fato houve um processo judicial contra a Igreja Universal do Reino de Deus e após todos os trâmites legais, a igreja foi condenada ao ressarcimento a uma fiel de doação que lhe foi feita, classificada, segundo os autos, sob “coação moral”. 

Referências de checagem:

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. https://esaj.tjsp.jus.br/cjpg/pesquisar.do?conversationId=&dadosConsulta.pesquisaLivre=igreja+universal+do+reino+de+deus&tipoNumero=UNIFICADO&numeroDigitoAnoUnificado=&foroNumeroUnificado=&dadosConsulta.nuProcesso=&dadosConsulta.nuProcessoAntigo=&classeTreeSelection.values=&classeTreeSelection.text=&assuntoTreeSelection.values=&assuntoTreeSelection.text=&agenteSelectedEntitiesList=DivID%3Ddivagente7928%3B%5EdadosConsulta.agentes%5B0%5D.cdAgente%3D7928%5EdadosConsulta.agentes%5B0%5D.nmAgente%3DCarlos+Alexandre+B%C3%B6ttcher%24&contadoragente=1&contadorMaioragente=1&cdAgente=7928&nmAgente=Carlos+Alexandre+B%C3%B6ttcher&dadosConsulta.agentes%5B0%5D.cdAgente=7928&dadosConsulta.agentes%5B0%5D.nmAgente=Carlos+Alexandre+B%C3%B6ttcher&dadosConsulta.dtInicio=&dadosConsulta.dtFim=14%2F08%2F2023&varasTreeSelection.values=&varasTreeSelection.text=&dadosConsulta.ordenacao=DESC. Acesso em 14  AGO 2023   

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.  http://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/resultadoCompleta.do Acesso em 14  AGO 2023

Mais Goiás. https://www.maisgoias.com.br/brasil/universal-e-condenada-a-devolver-r-200-mil-a-fiel-que-buscava-lugar-no-ceu/ Acesso em 14 AGO 2023

Metrópoles. https://www.metropoles.com/sao-paulo/sp-justica-manda-igreja-universal-devolver-r-204-mil-para-fiel-que-doou-todo-patrimonio Acesso em 14 AGO 2023

Revista Fórum. https://revistaforum.com.br/brasil/2023/8/11/igreja-universal-condenada-devolver-r-200-mil-para-professora-coagida-142144.html Acesso em 14 AGO 2023

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Foto de capa: reprodução do site Universal.org

Conteúdo enganoso sobre proibição de frase cristã na Câmara Municipal de Araçatuba repercute nas mídias

* Matéria atualizada em 21/07/2023 para ajuste de texto e em 21/08/2023 para inserção de informações (ao final do texto)

Matéria publicada pelo site religioso Gospel Mais, replicada por outros diversos espaços  digitais, afirma que o Tribunal de Justiça de São Paulo, por decisão unânime dos desembargadores, proibiu o uso da frase “sob a proteção de Deus” na abertura das sessões legislativas da Câmara de Vereadores da cidade de Araçatuba (SP). 

Imagem: reprodução do site Gospel Mais

A publicação do site Gospel Mais é baseada em matéria do portal de notícias G1. O texto explica corretamente que “o Regimento Interno da Câmara Municipal de Araçatuba previa que, na abertura de cada sessão, o presidente da Casa ou o presidente da sessão declarasse que ‘sob a proteção de Deus, iniciamos nossos trabalhos’, seguido da leitura de um versículo bíblico por um dos vereadores presentes”.

Depois, relata que o “Ministério Público moveu uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), e em maio deste ano o Tribunal de Justiça decidiu que a prática violava o conceito do Estado laico, onde uma religião não pode ser privilegiada em detrimento de outras, repetindo uma decisão semelhante tomada contra a Câmara Municipal de Engenheiro Coelho”.

Ao final, porém, sem apuração sobre as bases da decisão e sem ouvir especialistas, Gospel Mais insere sua interpretação conclusiva: “A frase ‘sob a proteção de Deus’, apesar de ser parte do preâmbulo da Constituição Federal, agora é considerada inconstitucional em Araçatuba”.

De acordo com a assessoria de imprensa da Câmara Municipal de Araçatuba, o desembargador Tarcisio Ferreira Vianna Cotrim afirmou que o dispositivo viola o princípio da laicidade do Estado brasileiro, uma vez que a Câmara de Araçatuba, sendo uma instituição pública e que está inserida em um Estado laico, não pode privilegiar uma religião em detrimento das demais.

Nesse sentido, conforme a decisão do TJ-SP, a Câmara de Araçatuba não usará a frase “sob a proteção de Deus” e também não fará  leitura da Bíblia no rito de abertura das sessões legislativas, pois, de acordo com o TJ-SP,  esta prática “configura uma interferência do Estado no direito à liberdade religiosa, ofendendo também os princípios da isonomia, da finalidade e do interesse público, uma vez que não traz benefícios para a coletividade”.

Outras decisões do TJ-SP

O Tribunal de Justiça de São Paulo já decidiu de maneira semelhante anteriormente. O Órgão Especial do Tribunal anulou artigo de uma lei da cidade da cidade de  Engenheiro Coelho que previa a leitura de versículos da Bíblia antes do início das sessões na Câmara Municipal. 

Fez o mesmo com artigos de  leis das cidades de Piracicaba  e de Itapecerica da Serra, que também garantiam a leitura de versículos da Bíblia ainda do início das sessões legislativas nas Câmaras Municipais. 

Em 2022, o Órgão Especial do TJ-SP validou lei da cidade de  Porto Ferreira que previa a colocação de uma Bíblia no plenário da Câmara de Vereadores. A ação contra a prática proposta pela Procuradoria-Geral de Justiça foi negada e o desembargador Damião Cogan relatou que:

 “O conceito do Estado laico relaciona-se a neutralidade estatal, mas não preconiza o ateísmo, sendo perfeitamente possível e constitucional que se conviva com símbolos religiosos, principalmente porque dizem sobre sua história e sua cultura, muitas vezes de parcela considerável de seu povo, não se mostrando como intuito do legislador constitucional proibir exibição de objetos, imagens, escrituras religiosas de qualquer religião, porque tais medidas não cerceiam os direitos e liberdades concedidos aos cidadãos”. 

Estado Laico

Na decisão que anulou dispositivo legal da Câmara Municipal de Piracicaba, o desembargador Ferreira Rodrigues citou entendimento do STF de que nenhum ente da federação está autorizado a incorporar, a seu ordenamento jurídico, preceitos e concepções, seja da Bíblia ou de qualquer outro livro sagrado. O jurista acrescentou que, ao optar por uma orientação religiosa, a lei quebrou não apenas o dever de neutralidade estatal, como também a liberdade religiosa e de crença: 

“Não compete ao Poder Legislativo municipal criar preferência por determinada religião, voltado exclusivamente aos seguidores dos princípios cristãos, alijando outras crenças presentes tradicionalmente no tecido social brasileiro como a judaica, a muçulmana etc., bem como de outras que não ostentem essa percolação, justamente à vista da laicidade do Estado brasileiro”

Sobre o que isto significa em relação à liberdade religiosa como direito, a professora e pesquisadora Magali Cunha explica que:

“Estado laico não é sinônimo de Estado ateu ou de Estado neutro. Tem que valorizar o lugar das religiões na sociedade, com toda a diversidade interna que elas possuem, e ao mesmo tempo, atuar na garantia de liberdade e igualdade para todos os indivíduos e grupos religiosos e não religiosos no campo dos direitos”.

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Bereia checou o conteúdo e concluiu que a notícia divulgada pelo site Gospel Mais é enganosa. O TJ-SP, de fato,  determinou anulação de dispositivo legal da  Câmara dos Vereadores de Araçatuba que previa leitura da Bíblia no início das sessões legislativas. Entretanto, tal entendimento, quanto a incompatibilidade com o princípio da à laicidade do Estado, é corroborado por decisões do Supremo Tribunal Federal, encontra ampla discussão na doutrina jurídica e nas teorias acadêmicas. 

Nada disso foi mencionado na matéria de Gospel Mais, desenvolvida para confundir e distorcer as informações apresentadas e fazer crer que a decisão é  fruto de perseguição religiosa . Este tema já foi alvo de várias checagens do Coletivo Bereia, como o suposto fechamento de igrejas e a perda de mandato político de um deputado federal. 

A matéria de Gospel Mais adota as mesmas estratégias de desinformação observadas em outras checagens, ao silenciar sobre fatos relevantes a respeito da decisão proferida, contextualizar de maneira insuficiente e inverter a relevância dos fatos para induzir leitores a crerem que cristãos sofrem perseguição de instituições públicas no Brasil. 

ATUALIZAÇÃO: O Tribunal de Justiça de São Paulo, a partir de ação movida pelo Procurador Geral de Justiça do Estado de São Paulo declarou como inconstitucional o artigo do regimento interno da Câmara de Araçatuba, que obrigava que toda sessão deveria ser iniciada com uma leitura bíblica. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) citada sentença determinou que tal prática violaria a Constituição Federal, que determina que o Estado é laico. Nesse sentido, o Judiciário proibiu que vereadores sejam obrigados a ler a Bíblia no início dos trabalhos; estes parlamentares não estão impedidos de citar trechos do livro em nenhum momento como algumas reações em mídias sociais, em torno da decisão do TJ-SP, querem fazer crer. Aos Fatos checou algumas delas: https://www.aosfatos.org/noticias/justica-de-sp-nao-proibiu-biblia/.

Referências de checagem:

ConJur.

https://www.conjur.com.br/2023-mai-12/leitura-biblia-camara-municipal-viola-laicidade-estatal-tj-sp Acesso em: 18 JUL. 2023

https://www.conjur.com.br/2022-out-01/lei-obriga-leitura-biblia-camara-inconstitucional Acesso em: 18 JUL. 2023

https://www.conjur.com.br/2022-jul-12/biblia-camara-vereadores-nao-viola-principio-laicidade Acesso em: 18 JUL. 2023

Câmara Municipal de Araçatuba.https://www.aracatuba.sp.leg.br/noticia/Justica-julga-inconstitucional-leitura-biblica-no-inicio-das-sessoes Acesso em 17 JUL. 2023

Coletivo Bereia.

https://coletivobereia.com.br/apos-perda-de-mandato-de-dallagnol-politicos-religiosos-propagam-narrativa-enganosa-de-perseguicao/ Acesso em 17 JUL 2023

https://coletivobereia.com.br/cristofobia-perseguicao-a-cristaos-e-fechamento-de-igrejas-estao-entre-os-temas-com-mais-desinformacao-em-espacos-religiosos-nestas-eleicoes/ Acesso em 17 JUL 2023

Unisinos. https://ihu.unisinos.br/categorias/581841-religioes-politica-e-estado-laico-como-superar-equivocos Acesso em: 18 JUL. 2023

Fundação Perseu Abramo. Significado político da manipulação na grande imprensa. https://fpabramo.org.br/csbh/significado-politico-da-manipulacao-na-grande-imprensa/ Acesso em: 18 JUL. 2023 

A era da desinformação: pós verdade, fake news e outras armadilhas. Marco Schneider Rio de Janeiro, Garamond, 2022. 

Aos Fatos. https://www.aosfatos.org/noticias/justica-de-sp-nao-proibiu-biblia/ Acesso em: 21 AGO. 2023

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. https://esaj.tjsp.jus.br/cposg/search.do;jsessionid=AA5ED9AF2407BA2D6FEB2FD8D440A6E1.cposg2?conversationId=&paginaConsulta=0&cbPesquisa=NUMPROC&numeroDigitoAnoUnificado=2294532-79.2022&foroNumeroUnificado=0000&dePesquisaNuUnificado=2294532-79.2022.8.26.0000&dePesquisaNuUnificado=UNIFICADO&dePesquisa=&tipoNuProcesso=UNIFICADO. Acesso em: 21 AGO. 2023

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Foto de capa: Câmara Municipal de Araçatuba/Facebook

Site desinforma contra relatório apresentado à ONU sobre abusos da liberdade de religião contra direitos LGBT+

Matéria publicada pelo site Gospel Mais repercutiu nas mídias sociais digitais religiosas nos últimos dias. O texto, intitulado “Liberdade religiosa deve ceder às reivindicações do povo LGBT+, diz analista da ONU”, afirma que “o especialista independente em orientação sexual e identidade de gênero” Victor Madrigal-Borloz fez a seguinte declaração: 

“Crenças religiosas que confrontam o estilo de vida LGBT+ não devem ser amparadas pelo direito à liberdade religiosa” o que significa que se “um pastor, padre ou rabino ensinar que a relação com pessoas do mesmo sexo é pecado, sendo a homossexualidade condenada por Deus, e isto for considerado ofensivo pelo público LGBT+, tal ensino não deve mais ser protegido pela liberdade religiosa, mas sim eliminado!”

Além disso, o especialista teria alegado que crenças que confrontam o estilo de vida LGBT+ “podem ter consequências graves e negativas para a personalidade, dignidade e espiritualidade das pessoas LGBT”, motivo pelo qual não devem ter a garantia da liberdade religiosa. Posições de preconceito violentas e discriminatórias estão além das proteções legais internacionais de crenças religiosas ou outras”. 

Gospel Mais alerta que, de acordo com entidades internacionais, a organização poderá restringir a liberdade religiosa em nome dos direitos LGBT+. O site apresenta como fonte para a matéria o próprio site da ONU.

O que disse o especialista

O site da ONU divulgou o relatório do especialista independente em proteção contra a violência e a discriminação com base na orientação sexual e na identidade de gênero, apresentado na 53ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da Organização, em 21 de junho passado. O especialista Victor Madrigal-Borloz é Membro do Subcomitê das Nações Unidas para a Prevenção da Tortura, onde atuou como relator sobre represálias e supervisionou um projeto de política sobre tortura e maus-tratos de pessoas LGBT+.

O Perito Independente é parte dos “Procedimentos Especiais” do Conselho de Direitos Humanos da ONU, o maior corpo de especialistas independentes no sistema de Direitos Humanos da organização. O título  é o nome geral dos mecanismos independentes de investigação e monitoramento do Conselho que abordam situações específicas de países ou questões temáticas em todas as partes do mundo. Os especialistas em Procedimentos Especiais trabalham de forma voluntária; eles não são funcionários da ONU e não recebem salário por seu trabalho. Eles são independentes de qualquer governo ou organização e atuam em sua capacidade individual.

Bereia apurou que Victor Madrigal-Borloz é um jurista costarricense, pesquisador visitante sênior do Programa de Direitos Humanos da Escola de Direito de Harvard. Ele reside na Harvard Law School desde julho de 2019 e ficará até dezembro de 2023. Em 2019 ele atuou como secretário-geral do Conselho Internacional de Reabilitação para Vítimas de Tortura (IRCT), uma rede global de mais de 150 centros de reabilitação com a visão de pleno gozo do direito à reabilitação para todas as vítimas de tortura e maus tratos.

No relatório apresentado à ONU,  Madrigal-Borloz inicia reconhecendo que “liberdade de pensamento, consciência e de religião ou crença é uma parte fundamental da estrutura da Declaração Universal dos Direitos Humanos”. Mais ainda, declara que “o  Especialista Independente está comprometido com o respeito pela liberdade de religião e crença. Notavelmente, a resolução que criou o mandato reconhece a importância de respeitar os sistemas de valores religiosos”.

Depois de registrar visitas a diferentes países e entrevistas com líderes de diferentes confissões religiosas, reuniões com especialistas e acadêmicos e a realização de uma consulta pública, o jurista afirma no relatório: “Dentro de uma estrutura de direitos humanos, o termo “religião” não descreve uma entidade homogênea e estática. A norma religiosa, a tradição e a comunidade não fazem parte de uma única instituição, e a religião descreve uma multiplicidade de crenças e valores dinâmicos, contestados e em evolução que inspiram esperança, orientam a ação, imbuem identidade e ajudam as pessoas a dar sentido às suas experiências de vida”.

Nestas bases, o relatório registra: “Como um paradigma não fixo, a religião não tem posições inerentes essenciais, e não faria sentido posicioná-la como inerente ou predominantemente pró ou anti-LGBT. E, no entanto, a religião e os direitos humanos das pessoas LGBT são frequentemente colocados em posições antagônicas no discurso social e político, alimentando a alegação de que existe um conflito inerente entre a liberdade de religião ou crença e os direitos humanos dos indivíduos LGBT, uma narrativa fabricada que mina o ideal de paz pacífica convivência humana”.

O especialista, então, passa a levantar preocupações sobre líderes religiosos ou religiosos que alimentam desinformação, discurso de ódio e/ou intolerância contra pessoas LGBT, como bodes expiatórios para controvérsias, colocando-os como uma ameaça à família tradicional e interpretando doutrinas religiosas para excluir e promover a violência e a discriminação contra a homossexualidade e a inconformidade de gênero. 

“As pessoas LGBT podem ser especialmente vulneráveis ​​ao discurso de ódio, porque a exposição constante a ele pode levar ao exílio, sofrimento emocional e tendências suicidas”, escreveu o jurista de Costa Rica. O especialista destacou ainda que “abraçar a espiritualidade e a fé é um caminho que deve estar disponível para todos, incluindo todas as pessoas com diversas orientações sexuais e identidades de gênero.

As tradições religiosas inclusivas

Madrigal-Borloz apontou que muitas tradições religiosas ou de crença são inclusivas e afirmativas para pessoas lésbicas, gays, bissexuais, trans e com diversidade de gênero (LGBT). Para ele, prestar atenção às vozes e práticas de comunidades inclusivas pode ajudar a mudar as narrativas que afirmam que o exercício da liberdade de religião ou crença é incompatível com o gozo igualitário dos direitos humanos por pessoas LGBT+.

O relatório aponta ainda que a violência, a discriminação e a exclusão podem ter consequências graves e negativas para a personalidade, dignidade e espiritualidade das pessoas LGBT+. Há o reconhecimento de que estes cidadãos e cidadãs muitas vezes são marginalizados, estigmatizados e excluídos das comunidades religiosas simplesmente por serem quem são.

Madrigal-Borloz ainda destacou que a religião ou os sistemas de crença são frequentemente colocados deliberadamente em posições antagônicas contra os direitos humanos das pessoas LGBT+ no discurso social e político, alimentando a alegação de que existe um conflito inerente entre eles. “Em alguns casos, as narrativas religiosas foram usadas deliberadamente para justificar a violência e a discriminação – muitas vezes em desafio à doutrina dessas religiões e também além do escopo da liberdade de religião ou crença”, registrou o jurista no relatório à ONU.

Por fim, o texto explica que o direito à liberdade de religião ou crença não deve ser usado como desculpa para violência ou negação discriminatória dos direitos humanos das pessoas LGBT+: “Posições violentas e discriminatórias de preconceito estão além das proteções legais internacionais de crenças religiosas ou outras”.

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Bereia conclui que as informações apresentadas por Gospel Mais são enganosas e buscam alimentar a desinformação, propagar o discurso de ódio e a  intolerância contra pessoas LGBT+. O site religioso distorce palavras do documento apresentado à 53ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da Organização, em 21 de junho passado, para fazer crer que existe uma proposta de enquadramento de grupos religiosos às demandas das pessoas LGBT. Com esta distorção a matéria engana, ignora a afirmação do direito à liberdade religiosa contida no relatório mas também a existência de abuso deste direito com abordagens nocivas sobre pessoas LGBT+. 

Seguindo os princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos e resoluções da ONU, o recente Relatório de Recomendações para o Enfrentamento do Discurso de Ódio e o Extremismo no Brasil, do Ministério de Direitos Humanos e Cidadania, alerta para as tecnologias do ódio que operam com força pelas mídias digitais. Elas ”ligam o ódio à desinformação, a intencionalidade da criação de notícias fraudulentas e enganosas (popularmente denominadas de fake news) para obtenção de vantagens econômicas e políticas, podendo ser constatada uma instrumentalização específica do ódio como modelo de negócio e monetização. 

Operadas a nível transnacional, essas tecnologias do ódio configuram, nos dias atuais, a existência de uma midiosfera extremista que atua sob a forma de guerra ativa. A criação de mensagens de ódio segmentadas para a população, de forma sistemática e constante, intenciona mobilizar certos medos e ressentimentos, assentando-se na própria ação orgânica dos seguidores para fomentar as comunidades de ódio”.

Referências de checagem:

A/HRC/53/37: Relatório do Especialista Independente sobre proteção contra violência e discriminação com base na orientação sexual e identidade de gênero. https://www.ohchr.org/en/documents/thematic-reports/ahrc5337-report-independent-expert-protection-against-violence-and Acesso em 04 JUL 2023

Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2023/julho/mdhc-entrega-relatorio-com-propostas-para-enfrentar-o-discurso-de-odio-e-o-extremismo-no-brasil Acesso em 04 JUL 2023

United Nations.

https://www.ohchr.org/en/special-procedures/ie-sexual-orientation-and-gender-identity/victor-madrigal-borloz Acesso em 04 JUL 2023

https://www.ohchr.org/en/hr-bodies/hrc/regular-sessions/session53/regular-session Acesso em 04 JUL 2023 

https://www.ohchr.org/en/press-releases/2023/06/freedom-religion-or-belief-not-incompatible-equality-lgbt-persons-un-expert Acesso em 04 JUL 2023

https://www.ohchr.org/en/press-releases/2021/05/right-freedom-religion-or-belief-and-right-live-free-violence-and Acesso em 04 JUL 2023

Foto de capa: Pixabay

Conteúdo falso sobre Fórum Econômico Mundial proibir a Bíblia repercute em meios religiosos

Matéria publicada pelo site Tribuna Nacional repercutiu nas mídias sociais digitais religiosas nos últimos dias. Intitulado “WEF ordena que o governo proíba a Bíblia e publique a versão ‘verificada’ sem Deus”, o texto afirma que o professor israelense Yuval Noah Harari declarou que “a Bíblia é uma notícia falsa e cheia de discurso de ódio, e as elites podem usar IA para substituir a Bíblia e criar uma ‘religião unificada que é realmente correto’.”

A matéria foi publicada na área do site destinada aos conteúdos relacionados  à Nova Ordem Mundial – suposta conspiração das elites globais para dominar o mundo. 

Yuval Noah Harari é historiador, filósofo e autor de best-sellers como “Sapiens: Uma breve história da humanidade” e “Homo Deus: Uma breve história do amanhã”. De acordo com as informações publicadas por Tribuna Nacional,  Harari “atuaria como braço direito” de Klaus Schwab, fundador do Fórum Econômico Mundial (WEF na sigla em inglês). 

Imagem: reprodução do site Tribuna Nacional

Além disso, Harari teria declarado que o poder da Inteligência Artificial ​​poderia ser aproveitado e usado para remodelar a espiritualidade na visão globalista do Fórum Econômico Mundial. Ela seria“uma nova religião mundial chegou e une toda a humanidade em adoração no altar da ciência climática, tecnocomunismo oculto e eugenia”.

A publicação afirma que o Fórum Econômico Mundial está se “tornando cada vez mais hostil ao cristianismo e às principais religiões e está claro que Klaus Schwab está tentando suplantar Jesus”. Diz ainda “a pandemia de Covid foi um ensaio geral para as elites transformarem o globo em uma prisão digital”.

Vídeo de Yuval Harari é descontextualizado 

Bereia checou as informações e o conteúdo da matéria publicada pela Tribuna Nacional é a transcrição de um vídeo publicado pelo canal THE PEOPLE ‘S VOICE. O vídeo apresenta alguns trechos de entrevistas do  professor Yuval Harari. Praticamente todo o conteúdo publicado pelo site Tribuna Nacional vem desta página. 

Imagem: reprodução do canal The People’s Voice, na plataforma Rumble

O primeiro fragmento com falas do professor foi retirado de uma entrevista na Fundação Francisco Manuel dos Santos, em Portugal. Nessa entrevista, Harari reflete sobre os avanços da humanidade, as suas grandes ameaças e a forma como a inteligência artificial tem de ser regulada para evitar que se torne um monstro  que destruirá a humanidade como a conhecemos.

Harari explica que ao longo dos anos as religiões sonharam com um  livro escrito por uma inteligência sobre humana ou não-humana e dentro de alguns anos poderão existir religiões com livros sagrados escritos por inteligências artificiais Ele alerta que mesmo uma nova Bíblia, por exemplo, poderia ser escrita por Inteligências Artificiais. 

Yuval Harari utilizou este exemplo para ilustrar o poder e os perigos desta nova tecnologia, que ainda estaria no estágio de “ameba”, mas em “desenvolvimento extremamente veloz”. O escritor não fez qualquer referência a mudanças na Bíblia ou mesmo críticas a qualquer passagem do livro sagrado. 

Nos trechos seguintes divulgados por Tribuna Nacional, diversos fragmentos de entrevistas são editados e retirados de seu contexto. O apresentador do vídeo, replicando um âncora de jornais televisivos convencionais, conduz a narrativa, desorienta e apresenta falsas informações “corroborando” as falas retiradas de contexto e editadas. 

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Desta maneira, Bereia classifica os vídeos como enganosos, pois de fato existiram e foram manipulados, e a matéria publicada pelo site Tribuna Nacional como falsa. O professor Yuval Harari não disse que a Bíblia é uma notícia falsa e cheia de discurso de ódio, nem que as elites podem usar IA para substituir a Bíblia e criar uma “religião unificada que é realmente correto.”

As entrevistas e palestras do escritor foram editadas e retiradas do contexto para servirem como pano de fundo para teorias da conspiração envolvendo o Fórum Econômico Mundial. A perseguição religiosa mais uma vez é utilizada como ferramenta para criar pânico e espalhar notícias falsas, como Bereia já tem reportado em diversas checagens.

Referências de checagem:

Yuval Harari. https://www.ynharari.com/pt-br/ Acesso em 26 JUN 2023

Fórum Econômico Mundial.

https://www.weforum.org/about/klaus-schwab Acesso em 26 JUN 2023

https://www.weforum.org/about/world-economic-forum Acesso em 26 JUN 2023

YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=oQMxYU6EYZQ Acesso em 26 JUN 2023 

Coletivo Bereia. https://coletivobereia.com.br/?s=cristofobia Acesso em 27 JUN 2023 

Mídias viralizam notícia de que capela em cidade de São Paulo foi depredada por terraplanistas

Mídias noticiosas informaram no final deste abril de 2023, que uma igreja foi depredada por intolerantes religiosos e adeptos da teoria “terraplanista”. A notícia rapidamente ocupou grupos de mensagens e mídias sociais religiosas. 

Imagem: reprodução do site Metrópoles

Bereia checou as informações e, de fato, a Capela de Nossa Senhora da Piedade, conhecida como ‘Igrejinha’, localizada na zona rural de Araras (SP), foi alvo de um ato de vandalismo no sábado, 29 de abril. 

Segundo os relatos, um maçarico foi utilizado para destruir  a porta e invadir o local, que fica à Avenida Fábio da Silva Prado, no bairro Elihu Root. Na capela, que pertence ao território da Paróquia São Benedito, da Igreja Católica Romana, imagens de santos foram destruídas e jogadas ao chão, paredes pichadas com dizeres que expressam intolerância religiosa e teoria da conspiração. conhecida como “terraplanismo”.

Imagem: reprodução do G1

“Estas estátuas não tiveram poder algum para me impedir de entrar aqui, de movê-las de lugar e de escrever nestas paredes”. 

“Teriam elas algum poder para ouvir orações ou livrar do mal aqueles que clamam a elas?”

Imagem: reprodução do G1

“Detalhe importante, a Bíblia também diz que a Terra é plana Marcos 13:25”

“A Terra é um círculo plano com uma cúpula acima”. 

Nota da Diocese

A Diocese Católica de Limeira publicou nota em repúdio ao que classifica como ato de intolerância religiosa sofrido: 

A  Diocese de Limeira repudia veementemente a manifestação de intolerância religiosa cometida, no último fim de semana, contra a capela dedicada a Nossa Senhora da Piedade, localizada na zona rural de Araras e que pertence ao território da paróquia São Benedito.

A capela foi invadida e teve imagens retiradas de seus nichos  e pichações nas paredes com dizeres que demonstram o desrespeito religioso.

Em tempos de um comportamento social agressivo, onde destaca-se a violência, o preconceito e a intolerância ao próximo, devemos ressaltar a Carta Magna de 1988, principalmente no tocante da prática da tolerância religiosa e da cultura de paz, respeitando a dignidade e a liberdade de consciência da religião.

Que a bandeira da paz, do respeito às manifestações religiosas e do amor ao próximo seja a bandeira a ser empunhada por todos nós.

Intolerância religiosa no Brasil

Mesmo com as mensagens de ódio religioso e referentes a teorias da conspiração, não é possível afirmar que os praticantes do ato de vandalismo são mesmo seguidores destas teorias ou que este tenha sido um ato pensado para justificar uma prática de cristofobia. 

De acordo com a cientista social Brenda Carranza, o termo cristofobia “se intensificou e consolidou uma narrativa de perseguição e ameaça, centrada no ataque aos cristãos (católicos e evangélicos), vilipendiados por sua fé, moralidade e crenças religiosas, (…) entretanto, uma perseguição religiosa pressupõe ameaça a direitos de expressão e culto religioso (liberdade religiosa) e de ataque físico e simbólico a templos, igrejas, pessoas e até morte. Porém, no Brasil é inexistente a ameaça e/ou ataque à maioria  histórica, demográfica e simbolicamente cristã, portanto, a narrativa parlamentar cristã é construída a partir de um sentimento de perseguição fictício” 

Para a pesquisadora do Instituto Superior de Estudos da Religião (ISER), antropóloga Lívia Reis, Bolsonaro deu legitimidade estatal à falsa trama de que cristãos brasileiros são acossados pelo que creem. “Para comprovar esse ponto, fez-se necessário que o governo estimulasse o uso de canais de denúncia entre pessoas cristãs, de modo que as estatísticas corroborassem essa narrativa”, diz a pesquisadora.

A alta de cristãos que acionam o Disque 100 também está, segundo Reis, “intimamente ligada à forma negacionista como o governo federal [no poder de 2019 a 2022] encarou a pandemia de covid-19, desencorajando medidas sanitárias de prevenção à doença, entre elas o fechamento das igrejas”. Determinações para a suspensão de cultos e missas foram interpretadas por algumas lideranças como um ataque à liberdade religiosa. 

A pesquisa resultante da parceria ISER / Data_Labe  aponta que após anos de protagonismo dos adeptos de religiões de matriz africana entre as vítimas de intolerância religiosa no Brasil, dados do Disque 100 indicam que cristãos passaram a ser maioria entre os denunciantes no canal, a partir do segundo semestre de 2020, quando o instrumento esteve sob o comando da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos Damares Alves. Diante desse quadro, ISER e Data_Labe apresentaram dados e opiniões sobre como a ascensão de fundamentalistas religiosos na política nacional durante o governo de Jair Bolsonaro pode ter contribuído para a mudança nos dados existentes até então.

A média de registros de denúncia de intolerância religiosa entre o segundo semestre de 2020 e o primeiro semestre de 2022 indica 46% de fiéis do segmento cristão católico, 30% de cristãos evangélicos, 12% que apontaram não ter religião, 6% que indicaram a opção “outras”, 3% de espíritas, e 2% de afrorreligiosos. 

O cenário é bem diferente do período compreendido entre 2011 e o primeiro semestre de 2018, como consta na reportagem Terreiros na Mira, lançada, em 2019, pela associação jornalística Gênero e Número e pelo Data_Labe. Naquela análise, cerca de 60% das denúncias sobre intolerância religiosa recebidas pelo Disque 100 eram referentes a seguidores de religiões de matriz africana. 

Cristãos também eram minoria no último levantamento nacional e oficial produzido pelo governo federal. O Relatório sobre Intolerância e Violência Religiosa no Brasil (2011-2015), realizado pela Assessoria de Direitos Humanos e Diversidade Religiosa – ligada à Secretaria Especial de Direitos Humanos do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos – foi lançado em 2017 e apontava que 33% das vítimas não tinham sua religião identificada. Em segundo lugar, com 27%, estavam cidadãos que professam as religiões de matriz africana, seguidos por evangélicos com 16% e católicos com 8%. 

Terraplanismo 

Terraplanismo, segundo o Dicionário dos Negacionismos (2022), é um termo anticientífico e negacionista utilizado para defender a noção de que a Terra é plana. É uma teoria conspiratória baseada em algumas passagens da Bíblia, em dados sem comprovação científica e na imaginação de promotores da noção, cultivada por adeptos.

Imagem: reprodução do Twitter

O jornalista científico Javier Salas explica que negar o formato esférico da Terra é o caso mais extremo de um fenômeno que define a nossa época: desconfiar dos dados, enaltecer a subjetividade, rejeitar o que nos contradiz e acreditar em falsidades: 

Apenas 66% dos jovens de 18 a 24 anos nos Estados Unidos têm plena certeza de que vivemos em um planeta esférico (76% na faixa de 25 a 34 anos). Trata-se de um fenômeno global, também presente no Brasil, que costuma ser motivo de piada. No entanto, quando observamos os mecanismos psicológicos, sociais e culturais que levam as pessoas a se convencerem dessa gigantesca conspiração, descobrimos uma metáfora perfeita que resume os problemas mais representativos de nossa época. Embora pareça medieval, é muito atual.

Uma pesquisa do Instituto Datafolha, de 2019, mostrou que uma parcela de 7% dos brasileiros acredita que o formato da Terra é plano – cerca de 11 milhões de pessoas.. O levantamento foi realizado com 2.086 entrevistados maiores de 16 anos, em 103 cidades do país. Entre os entrevistados,  90% declararam crer que a Terra seja redonda e o restante disse não saber sua forma. 

Segundo a pesquisa, a crença de que a Terra é plana corresponde à baixa escolaridade: 10% das pessoas que deixaram a escola após o ensino fundamental defendem o chamado terraplanismo. O número diminui entre os que estudaram até concluir o ensino médio (6%) ou superior (3%).

Na pesquisa Datafolha, de forma similar ao que ocorre nos Estados Unidos, o recorte por idade também revelou uma propensão ligeiramente maior à crença entre os jovens no Brasil. Abaixo de 25 anos, 7% creem na Terra plana, e o número cai para 4% na faixa entre 35 e 44 anos. O terraplanismo é mais popular, porém, entre aqueles brasileiros acima dos 60 anos —11% adotam a crença.

No Brasil ainda não há dados sobre quando o terraplanismo surgiu. O desenvolvedor web Danilo Wiener, 43 anos, é um dos coordenadores do movimento Terra Plana Brasil. Matéria da Folha de S. Paulo informou que, como hobby, ele costuma fazer experimentos de observação do oceano buscando mostrar que ele não possui curvatura. 

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Bereia classifica as notícias sobre o vandalismo contra a capela católica em Araras(SP), como imprecisas. A igreja foi, de fato, invadida, depredada e pichada com frases que expressam intolerância religiosa e teorias da conspiração que defendem o formato plano da Terra. Porém, não é possível afirmar que “terraplanistas” foram os responsáveis, tomando por base apenas os textos pichados nas paredes da capela. Apenas a investigação da Polícia Civil de São Paulo poderá apontar o perfil dos autores/as do ataque. 

Além disso, atos de intolerância religiosa contra igrejas,  praticado por “terraplanistas”, ou seja, adeptos de uma teoria da conspiração que tem vínculos com outras noções relacionadas à grupos extremistas são incomuns. Portanto, as ações que envolvem este caso podem ter outros objetivos. 

Bereia também chama a atenção para o transbordamento de teorias da conspiração expostas em mídias sociais digitais e de discursos de ódio para o “mundo real”, transformando retórica, teorias conspiratórias e ideias extremistas em combustível para atos violentos.

Referências de checagem:

Metrópoles. https://www.metropoles.com/sao-paulo/capela-e-invadida-e-pichada-com-frases-terraplanistas-em-sp Acesso em 04 MAI 2023 

El País. 

https://brasil.elpais.com/brasil/2019/02/27/ciencia/1551266455_220666.html Acesso em 04 MAI 2023 

https://brasil.elpais.com/brasil/2018/08/06/opinion/1533562312_266402.html Acesso em 04 MAI 2023 

Diocese de Limeira. https://diocesedelimeira.org.br/publicacoes.php?id=4700 Acesso em 04 MAI 2023 

Outras Palavras. https://outraspalavras.net/crise-civilizatoria/qanon-delirio-como-arma-ideologica-do-capital/ Acesso em 04 MAI 2023 

G1.https://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/noticia/2023/05/02/capela-de-araras-e-vandalizada-e-diocese-repudia-intolerancia-religiosa.ghtml Acesso em 04 MAI 2023  

Religião e Poder. https://religiaoepoder.org.br/artigo/cristofobia/ Acesso em 04 MAI 2023  

Estado de Minas. https://www.em.com.br/app/noticia/diversidade/2023/01/20/noticia-diversidade,1447311/religioes-afro-sao-maior-alvo-de-intolerancia-apesar-de-suposta-cristofobia.shtml Acesso em 04 MAI 2023  

 Data Labe. https://datalabe.org/ Acesso em 04 MAI 2023  

 ISER. https://iser.org.br/ Acesso em 04 MAI 2023   

Genêro e Número https://www.generonumero.media/ Acesso em 04 MAI 2023  

Dicionário dos negacionismos no Brasil. Organização: José Szwako e José Luiz Ratton. Recife, Editora Cepe, 2022. https://www.cepe.com.br/lojacepe/dicionario-dos-negacionismos-no-brasil Acesso em 04 MAI 2023  

Ações da extrema-direita no poder em Israel promovem perseguição a cristãos e outras minorias religiosas

A FEPAL (Federação Árabe Palestina do Brasil) reproduziu em sua página do Instagram notícia publicada originalmente pelo Vatican News que chama a atenção para o  “potencial agravamento das já severas restrições ao Cristianismo em Israel, que poderá levar, por nova lei, à prisão de quem pregar a fé cristã”, no que seria  mais uma “ofensiva anticristã do regime racista israelense”. 

Nesse mesmo portal, diz que os “proponentes da norma são dois membros do Knesset, Moshe Gafni e Yaakov Asher, próximos à ala judaica ultra-ortodoxa e membros do Judaísmo da Torá Unida.” O texto, cujo título “Proibição de solicitação de conversão religiosa”, modificaria a lei penal israelense de 1977, onde a pena chegaria a até “um ano de prisão”, se tratando de tentativa de “conversão”, cuja pena se elevaria a dois anos, em caso de menoridade.

De fato, a lei impede qualquer forma de evangelização na Terra Santa, das práticas de evangelismo já conhecidas, até publicações e compartilhamentos de conteúdos midiáticos.

Imagem: reprodução do Instagram

A situação dos cristãos em Israel

Bereia checou as informações e verificou que a situação política em Israel piorou a vida dos cristãos no berço do Cristianismo. Para compreender como Israel chegou a esta posição extremista e de perseguição, Bereia apresenta um retrato do parlamento do país, a coalizão que sustenta o primeiro ministro no poder, as conexões com o Brasil e o histórico de aliança com os EUA, país de maioria protestante.

Netanyahu e sua coalizão de extrema-direita

O Likud, partido de direita liderado por Netanyahu, foi o grande vencedor das eleições de 1º de novembro de 2022. O resultado da eleição geral de novembro, a quinta realizada no país em menos de quatro anos, levou à formação do governo mais à direita da História de Israel. No pleito, o bloco de forças próximas a Netanyahu ficou com o total de 64 das 120 cadeiras da Knesset, o Parlamento israelense, com 32 para o seu partido, o Likud; 18 para os partidos ultraortodoxos Shas e Judaísmo Unido da Torá; e o recorde de 14 assentos para os representantes do Sionismo Religioso.

Imagem: o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu,
no Fórum Econômico Mundial / Flickr WEC

A partir de então, o governo preparou uma grande reforma judicial – que ainda deve passar por votação no Parlamento, e enfrenta protestos pelo país, – e de acordo com diversos especialistas, coloca em risco a democracia no país. Dentre as medidas propostas, encarrega o partido que está no poder da nomeação de juízes e permite ao Parlamento anular decisões da Suprema Corte por uma maioria simples de 61 votos. Assim, deixará para o Legislativo controlado por radicais religiosos e de direita a decisão final sobre leis que prejudicam direitos da minorias religiosas, da imprensa e da comunidade LGBTQIA+.

Yuval Noah Harari: “Israel pode se tornar uma teocracia messiânica”

O professor Yuval Noah Harari, um dos pensadores mais importantes da atualidade, explica que a fundação de Israel, mesmo influenciada pela religião judaica e pela Bíblia, foi um movimento nacional secular e não um movimento religioso, que prometeu liberdade e igualdade para todos os seus cidadãos: cristãos, muçulmanos, ateus. 

“Durante décadas, Israel esteve dividido entre duas visões conflitantes de si mesma — seria uma democracia secular ou uma teocracia messiânica? Agora esse conflito está chegando ao auge. O governo de Netanyahu — que se baseia em uma coalizão de extrema direita de forças messiânicas — está tentando destruir a democracia israelense. Se vencer, se conseguir, transformará a natureza de Israel, do povo judeu e até da religião judaica. O judaísmo israelense se tornará uma seita messiânica intolerante que usa a violência para defender a supremacia judaica. Isso criará uma divisão com comunidades judaicas mais liberais em outras partes do mundo, destruirá a unidade do povo judeu, trará infâmia à religião judaica e incendiará todo o Oriente Médio. As forças seculares e democráticas em Israel estão fazendo tudo o que podem para impedir esta catástrofe histórica e salvar a democracia israelense”.

Michel Gherman: a tentativa de colonização do judaísmo pelo bolsonarismo

Pesquisador do Centro de Estudos do Antissemitismo da Universidade Hebraica de Jerusalém e assessor acadêmico do Instituto Brasil-Israel, Gherman explica que, para além do uso de Israel como inspiração para a extrema-direita, há ligações concretas também entre o bolsonarismo e a comunidade judaica brasileira, na formação de uma espécie de comunidade conservadora.

Uma Israel branca e fortemente armada. Uma muralha contra o Islã, os movimentos LGBTQIA+ e o avanço de culturas que contrariem o fundamentalismo religioso. Ultra capitalista, cristã e militarizada. Essa é a “Israel imaginária”, não necessariamente uma leitura ampla sobre a realidade do país, é definida pelo historiador Michel Gherman, autor do livro “O não judeu judeu: A tentativa de colonização do judaísmo pelo bolsonarismo”, como um modelo cultural que foi importado pela extrema-direita no mundo, inclusive a brasileira, e apropriado pelo bolsonarismo.

Israel e EUA – aliança histórica

A ocupação do território e posterior criação de Israel foi perpetrada por colonos e não por cidadãos de uma potência europeia que os enviou na sua missão colonizadora e os protegeu. Por esse motivo, ficou claro desde o início para os fundadores do sionismo político que era vital para o seu projeto obter o patrocínio de uma Grande Potência – qualquer que fosse a Grande Potência dominante no Oriente Médio – que lhes proporcionaria um ‘muro de aço”, atrás do qual a colonização sionista poderia prosseguir. Sem esse apoio – a que o discurso sionista inicial se referia como uma “carta” – a colonização da Palestina seria uma colonização ainda não iniciada.

Na década de 1930, as relações entre o movimento sionista e o seu antigo defensor britânico arrefeceram e  um processo de início de um novo vínculo: em vez da Inglaterra-sionismo, EUA-Sionismo – um processo que dependia do fato dos EUA estarem entrando no Oriente Médio como uma potência mundial decisiva.

Minoria Cristã em Israel 

Residentes milenares dessa região, os cristãos palestinos representam 1% da população. Para a maioria, a única saída é emigrar, deixar sua nação. Os que ficam, sofrem com os conflitos que atravessam o território.

No total, 48% dos palestinos cristãos pertencem à Igreja Ortodoxa Grega, 38% à Igreja Católica e os demais pertencem a Igrejas Protestantes, como as presbiterianas e ortodoxas de outros ritos (Síria e Armênia).

Nessas regiões estão alguns dos centros mais importantes de peregrinação de suas crenças religiosas: os lugares onde Jesus nasceu, pregou e morreu, de acordo com o relato bíblico e a tradição cristã.

De acordo com a matéria da BBC, os líderes cristãos da região criticam as ações do governo israelense, como parte de “uma tentativa, inspirada em uma ideologia extremista, que nega o direito de existir a quem mora em suas próprias casas”, como disse o bispo católico Pierbattista Pizzaballa de Jerusalém em uma declaração recente.

Assim, como os cristãos são minoria, essa ameaça velada os coloca em maior risco de desaparecer se o conflito perdurar.

Nesse contexto, a comunidade cristã, especificamente, é afetada por duas razões principais: a primeira, pelo crescente assédio por parte dos colonos israelenses às comunidades cristãs ortodoxas e seus representantes religiosos. Em segundo lugar, porque dos aproximadamente 16 mil cristãos que vivem em Jerusalém, cerca de 13 mil são palestinos.

Visto que a comunidade cristã em Jerusalém é muito pequena, tem um peso simbólico e uma forte presença religiosa, no entanto, sua capacidade de influenciar politicamente o conflito, é limitada.

Outro problema que afeta diretamente os cristãos que residem nos territórios palestinos, é o impacto sobre o turismo, atividade que envolve a maioria dos cristãos.

O governo de Israel é quem regula o turismo, assim é também ele, que determina quem entra, quem sai, os itens de consumo, chegando até a segmentar a vacinação contra o coronavírus, que nos territórios palestinos está em fase inicial.

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Bereia conclui que é verdadeiro o conteúdo divulgado pelo site católico  Vatican News que aponta o recrudescimento da perseguição a minorias religiosas por Israel, o que inclui cristãos palestinos. Tal ação resulta tanto de projetos de lei do Parlamento como de ações do governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. A reforma proposta pelo governo israelense, caso aprovada, coloca em risco não só a permanência de minorias religiosas no país como suas próprias instituições democráticas. 

Referências de checagem:

Federação Árabe-Palestina do Brasil. https://fepal.com.br/ Acesso em: 17 abr 2023 

Vatican News.

https://www.vaticannews.va/pt/mundo/news/2023-03/israel-shomali-lei-anti-evangelizacao-viola-liberdade-conscienci.html Acesso em: 17 abr 2023  

https://www.vaticannews.va/pt/mundo/news/2023-03/israel-shomali-lei-anti-evangelizacao-viola-liberdade-conscienci.html Acesso em: 17 abr 2023  

Yuval Noah Harari. https://www.ynharari.com/pt-br/ Acesso em: 17 abr 2023 

Folha de S. Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2022/12/netanyahu-forma-coalizao-para-voltar-ao-poder-em-israel.shtml Acesso em: 17 abr 2023  

Instituto Humanitas Unisinos.

https://www.ihu.unisinos.br/categorias/626764-israel-para-os-cristaos-a-situacao-esta-piorando-a-direita-religiosa-nao-fala-conosco Acesso em: 17 abr 2023  

https://www.ihu.unisinos.br/categorias/627298-conferencia-internacional-debate-o-uso-de-israel-como-modelo-cultural-pela-extrema-direita Acesso em: 17 abr 2023

https://www.ihu.unisinos.br/categorias/626764-israel-para-os-cristaos-a-situacao-esta-piorando-a-direita-religiosa-nao-fala-conosco Acesso em: 17 abr 2023 

UOL. https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2022/09/08/por-que-eventos-bolsonaristas-tem-bandeiras-de-israel.htm Acesso em: 17 abr 2023  

O Globo.

https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2022/12/netanyahu-consegue-maioria-e-liderara-governo-mais-de-extrema-direita-da-historia-de-israel.ghtml Acesso em: 17 abr 2023  

https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2023/04/movimentos-de-extrema-direita-pelo-mundo-estao-conectados-diz-professor-israelense.ghtml Acesso em: 17 abr 2023  

https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2023/04/em-israel-tentam-evitar-a-catastrofe-e-salvar-a-democracia-diz-autor-de-best-sellers.ghtml Acesso em: 17 abr 2023  

G1. https://g1.globo.com/mundo/noticia/2014/07/g1-explica-o-que-e-sionismo-judaismo-e-antissemitismo.html Acesso em: 17 abr 2023   

Agência Pública. https://apublica.org/2023/03/como-a-extrema-direita-brasileira-se-apropriou-de-simbolos-judaicos/  Acesso em: 17 abr 2023 

VEJA. https://veja.abril.com.br/mundo/perseguicao-onde-os-cristaos-sao-vitimas-de-opressao-e-violencia/ Acesso em: 17 abr 2023  

Brasil de Fato. https://www.brasildefato.com.br/2021/05/19/pesquisador-explica-conflito-entre-israel-e-palestina-nao-e-um-conflito-religioso Acesso em: 17 abr 2023  

BBC.

https://www.bbc.com/portuguese/articles/c03k6wr202eo Acesso em: 17 abr 2023  

https://www.bbc.com/portuguese/internacional-57143976  Acesso em: 17 abr 2023  

https://www.google.com/amp/s/www.bbc.com/portuguese/internacional-57143976.amp Acesso em: 17 abr 2023   

Outras Palavras. https://outraspalavras.net/geopoliticaeguerra/israel-e-eua-parceiros-na-geopolitica-da-barbarie/Acesso em: 17 abr 2023  

Youtube.

https://www.youtube.com/watch?v=SY2eNW6n0po Acesso em: 17 abr 2023  

https://www.youtube.com/watch?v=Olx3rZtUbug Acesso em: 17 abr 2023  

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Foto de capa: Flickr World Economic Forum

Indígena preso por atos antidemocráticos é pastor evangélico

O noticiário sobre política no Brasil repercutiu nos últimos dias notícia sobre a prisão de um indígena apresentado como cacique e pastor da etnia xavante.  

Imagem: reprodução do site do jornal O Globo

Imagem: reprodução do site do Estado de Minas

José Acácio ganhou notoriedade nas mídias sociais após a divulgação de vídeos gravados em acampamentos em Brasília, sempre com vestimenta e pinturas tradicionais, se apresenta como representante e defensor dos povos indígenas e dos valores cristãos.  Contesta as urnas eletrônicas e validade da eleição de Lula, faz ataques e ameaças ao ministro presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e discursos antidemocráticos. 

Tsererê foi preso por encaminhamento da Procuradoria-Geral da República (PGR) ao Supremo Tribunal Federal (STF). Ele é acusado de cometer crimes de ameaça, perseguição e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. No início deste mês, um grupo liderado por Tsererê invadiu a área de embarque do Aeroporto Internacional de Brasília, onde discursou e entoou palavras de ordem contra ministros do STF e Lula. “Se precisar, a gente acampa, mas o ladrão não sobe a rampa”, afirmaram.

Após a prisão, um vídeo em que José Acácio pede o fim dos protestos foi divulgado e curiosamente, o forte sotaque apresentado pelo cacique em vídeos anteriores, desapareceu. 

Bereia checou a dúvida que foi fortemente colocada em comentários de mídias sociais de veículos noticiosos e em algumas matérias jornalísticas quanto ao título “pastor” de Tsererê Xavante, seja por meio de questionamentos diretos ou pelo uso de aspas no termo.

Quem é José Acácio Tsererê Xavante?

Nas mídias sociais, José Acácio utiliza o nome de Tsererê Xavante e se apresenta como pastor evangélico da Igreja Re’ihoimanamono”u”otsinhorowa e na Aliança Missionária das Nações, integrante da ONG Associação Indígena Bruno Ômore Dumhiwê. 

Natural de Poxoréu, em Mato Grosso, José Acácio, iniciou uma trajetória  política, então filiado ao Partido Popular Socialista (PPS), quando disputou uma vaga na Câmara de Vereadores de Nova Xavantina / MT, em 2004 e obteve 63 votos.  

Nas eleições municipais de 2020, agora filiado ao Patriotas, foi candidato a prefeito de Campinápolis, município situado a 658 km de Cuiabá (MT), obteve apenas 689 votos e não foi eleito, com forte rejeição da população xavante. Em 2004, José Acácio se apresentava como Tsererê Xavante, já na eleição de  2020 fez campanha como como Pastor Tsererê Xavante. 

Imagem: reprodução do G1 Mato Grosso

Imagem: reprodução de postagem do perfil de Tsererê Xavante no Facebook

A adesão de Tsererê Xavante à direita política o levou a apoiar, já em 2018, a candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência, tendo ficado entre apoios e críticas de pessoas da igreja, como se observa em comentários de suas publicações em mídias sociais, como a reprodução abaixo. 

Imagem: reprodução do Facebook

 

Em 2022, o apoio à candidatura de Bolsonaro foi renovado, como se observa em postagens como a que está reproduzida a seguir. Após a derrota de Bolsonaro nas ruas, o apoio o levou ao extremismo das manifestações anti-democráticas 

Imagem: reprodução do Facebook

A presença de Tsererê Xavante nas manifestações em Brasília teria sido financiada por um fazendeiro de Araçatuba (SP), que tem propriedades em Campinápolis, região onde está demarcada da Terra Indígena. Esta constatação foi feita após a divulgação de um vídeo no qual o fazendeiro em questão, Dide Pimenta, que teria sido procurado pelo indígena em busca de apoio, explica o que fez para mantê-lo na capital e pede mais ajuda financeira.  

No vídeo, Pimenta conta se juntou com amigos para enviar “oito ônibus de índios” e que teria enviado “outras etnias” para Brasília, em 11 de dezembro. O fazendeiro afirma que “estão com dificuldade de manter os índios” e pede colaborações de R$ 30 a R$ 500, que podem ser enviadas por “PIX para a conta direta do Tserere” ou para a dele próprio.

A ligação com a Associação Indígena Bruno Omore Dumhiwê

De acordo com as pesquisas da doutora em Sociologia Natália Araújo de Oliveira para a dissertação de Mestrado, defendida em 2010,  a Associação Indígena Bruno Omore Dumhiwê foi criada no ano 2000, porém ficou ativa por pouco tempo. Em junho de 2009, a Associação foi reativada, tendo como presidente Tsererê Xavante e contando com 97 associados, entre 15 crianças, 30 adolescentes, seis não índios e os demais, indígenas adultos. Todos moradores da cidade de Nova Xavantina (MT). 

A pesquisadora afirma que o presidente da instituição buscou uma visibilidade política não só da associação, mas principalmente a sua própria. Ela apoia essa hipótese no fato de não ter ocorrido nenhuma reunião da diretoria desde sua eleição, em 2009 até 2010, em que ela realizou a pesquisa, existindo somente ações isoladas que colocavam em evidência o presidente. Natália Oliveira avalia que o objetivo que Tsererê Xavante revelava era o de se tornar conhecido na sociedade nova-xavantinense para que pudesse ser eleito a algum cargo político da cidade. A socióloga ainda levantou na pesquisa que Tsererê Xavante se projetouna mídia nacional como candidato a participante de uma das edições do reality show Big Brother  Brasil, da Rede Globo de TV

Pastor?

Tsererê Xavante se apresenta, em sua página no Facebook, como criador de conteúdo digital e registra que estudou nas instituições religiosas Instituto de Formação Cristã – Escola de Ministérios e na Escola do Clamor. Nesta mesma mídia o indígena declara  que atualmente é pastor na Igreja Re’ihoimanamono’u’otsinhorowa. Várias publicações no perfil do Facebook de Tsererê Xavante mostram seu relacionamento com uma missão cristã entre indígenas xavantes e a sua ação como pastor.

Imagem: foto de construção relacionada à Igreja Re’ihoimanamono’u’otsinhorowa publicada por Tsererê Xavante, em 2020, no Facebook

 

Imagem: reprodução do Facebook

Imagem: foto de Pastor Tsererê Xavante batizando um adolescente, que é apresentado como membro recebido na Igreja Indígena Xavante na publicação, de 2016, no Facebook

Imagem: publicação de 2015 no Facebook, em que Tsererê Xavante fala de uma missão cristã entre indígenas com a atuação de pastores e sua própria participação

Imagem: foto de Tsererê Xavante registra reunião dele com adolescentes em igreja “100% indígena xavante”, no Facebook 

Por meio de pesquisa nestes registros de mídia, pode-se concluir que a Aliança Missionária das Nações (AMN) tem atuação na Terra Indígena de Parabubure, onde está a aldeia a que Tsererê Xavante pertence. Neste território vivem cerca de 27 mil indígenas, distribuídos em nove terras demarcadas. Lá foi estabelecido um trabalho missionário, no qual Tsererê emergiu como liderança, sendo encaminhado para formação e pastoreio de uma igreja indígena. Ele se casou com uma das missionárias da AMN.

De acordo com lideranças da Associação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Tsererê Xavante não é um indígena tradicional e não é cacique. O líder da aldeia é o Cacique Celestino. Além de atuar como pastor evangélico e ter se casado com uma mulher não indígena, sua conversão ao cristianismo se deu após ter sido preso por tráfico de drogas, em 2008. A formação para o pastorado evangélico teria se dado quando estava na prisão, onde decidiu “seguir o chamado”. Ele teve pena reduzida em 2009, quando o Superior Tribunal de Justiça (STJ) atendeu a um recurso da defesa, que pediu a redução da pena pelo fato do réu ser indígena.

Imagem: reprodução do Facebook

Bereia checou as informações em contato com as instituições declaradas como parte da educação teológica e obteve a confirmação sobre a formação de Tsererê Xavante na no Instituto de Formação Cristã (IFC) – Escola de Ministérios, que pertence à Igreja Jesus Cristo é o Caminho, ambos localizados em Vinhedo (SP). Até o momento não houve retorno da Escola do Clamor, vinculada ao Ministério Clamor pelas Nações, ambos sediados em Belo Horizonte (MG). 

Os dois cursos são livres, sem o credenciamento do Ministério da Educação, o que significa que a diplomação atende à formação de lideranças que podem atuar em determinadas igrejas que não demandam exigência de graduação em nível superior para o reconhecimento de seus pastores.

Imagem: reprodução do Facebook

Missões indígenas e a extrema-direita

Ao se apresentar como representante e também defensor dos povos indígenas e dos valores cristãos, a participação de José Acácio Tsererê Xavante posiciona as missões indígenas na extrema direita política.  Diante das contestações às urnas eletrônicas, à validade da eleição de Lula, bem como a ênfase aos ataques ao ministro Alexandre de Moraes e os discursos antidemocráticos expostos por esta liderança indígena, a  APIB publicou uma nota sobre as manifestações golpistas em Brasília, na qual diz que:

“A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil repudia os recentes atos golpistas realizados na capital. Nossos povos não compactuam com qualquer atitude que ameace a democracia, ao contrário, sabemos que neste momento em que o fascismo ameaça o Estado de Direito no Brasil, precisamos lutar pela democracia como defendemos nossas próprias vidas. 

Condenamos as manipulações promovidas pelo bolsonarismo, que se apropriou do uso das redes sociais e das piores práticas do jornalismo para criar uma realidade paralela, a qual aprisiona a consciência de pessoas inocentes e desinformadas, inclusive indígenas, que acabam sendo iludidas, cooptadas ou induzidas a cometer atos ilegais. Reconhecemos, porém, que não se trata apenas de pessoas iludidas, mas também de pessoas que atuam de má fé, propositalmente, dentre esses empresários que financiam tais atos e que precisam ser investigados e devidamente punidos”

A relação de indígenas com a extrema-direita é um fenômeno que tem sido observado por pesquisadores, como o cientista político Leonardo Barros Soares. Em artigo sobre o tema, ele avalia que se tratam “de indivíduos indígenas que orientam suas ações políticas pela cosmovisão que abrange ultraliberalismo econômico, militarismo e uma forte agenda moralista amparada pela gramática moral e institucional do cristianismo, sobretudo o de matriz neopentecostal”.

Para o pesquisador, a pauta defendida por estes indígenas se articula a “uma visão de mundo conservadora que adquire matizes específicas no que se refere ao seu caráter étnico” e se relaciona a::

  • apoio à liberação de atividades de exploração econômica no interior de terras indígenas (garimpo, mineração, pecuária extensiva, arrendamento para plantações de larga escala, extração de madeira, estabelecimento de cassinos, liberação de pesca esportiva, dentre outras)
  • a defesa da aquisição e porte de armas e munições atrelada à caça e a defesa da presença e expansão das missões evangélicas entre os povos indígenas, com destaque para aqueles em situação de isolamento voluntário; 
  • tendem a argumentar que organizações não-governamentais “manipulam” os povos indígenas por meio de financiamentos internacionais que, na verdade, mascarariam os interesses escusos de governos estrangeiros sobre a Amazônia; 
  • consideram que as políticas indigenistas do estado brasileiro levadas a cabo na redemocratização, em verdade, atrasam o “desenvolvimento” dos povos indígenas. 

Soares alerta que “Goste-se ou não, o indígena em questão não é mais ou menos indígena que seus parentes e é responsável por suas escolhas políticas”.

***


Tendo em vista a pesquisa realizada pelo Bereia sobre Tsererê Xavante é possível afirmar ser verdadeira a informação de que o indígena é um pastor evangélico. Ele lidera uma igreja entre xavantes denominada Re’ihoimanamono”u”otsinhorowa, criada pela missão da Aliança Missionária das Nações, na Terra Indígena Parabubure (MT). Já o título de cacique, Tsererê não possui. O Cacique Celestino é o líder da aldeia à qual ele está vinculado.

Referências de checagem: 

Polícia Federal. https://twitter.com/policiafederal/status/1602488853620826112?t=ZgYvY5kEvu0wwZEEDvPRXw&s=19 Acesso em 13 DEZ 2022

Twitter. https://twitter.com/andretrig/status/1602500812864987136?s=19 Acesso em 13 DEZ 2022 

Poder 360. https://eleicoes.poder360.com.br/candidato/714145#2004 Acesso em 13 DEZ 2022 

G1. https://g1.globo.com/mt/mato-grosso/eleicoes/2020/resultado-das-apuracoes/campinapolis.ghtml Acesso em 13 DEZ 2022    

Dissertação de Mestrado. Natália Araújo de Oliveira: Xavante, Pioneiros e Gaúchos: Identidade e Sociabilidade em Nova Xavantina/MT. https://www.studocu.com/pt-br/document/universidade-cruzeiro-do-sul/sociologia/xavante-pioneiros-e-gauchos/13195091 Acesso em 13 DEZ 2022    

UFPA. http://repositorio.ufpa.br/bitstream/2011/4982/1/Dissertacao_MovimentoSocialIndigena.pdf Acesso em 13 DEZ 2022     

Youtube. https://www.youtube.com/watch?v=X1Q3-GmTYu8 Acesso em 13 DEZ 2022   

IFC. https://ifcescola.com.br/ Acesso em 13 DEZ 2022    

Escola do Clamor. https://escoladoclamor.com.br/ Acesso em 13 DEZ 2022 

O Globo. 

https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2022/12/pastor-bolsonarista-e-candidato-saiba-quem-e-o-indigena-preso-protesto-golpista-em-brasilia.ghtml Acesso em 13 DEZ 2022  

Estado de Minas. 

https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2022/12/13/interna_politica,1432750/saiba-quem-e-cacique-tserere-bolsonarista-preso-pela-pf-em-brasilia.shtml Acesso em 13 DEZ 2022  

Facebook.

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=3186920868029207&set=pb.100001339760955.-2207520000.&type=3 Acesso em 13 DEZ 2022  

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1920828357971804&set=pb.100001339760955.-2207520000.&type=3 Acesso em 13 DEZ 2022  

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=5609425089112094&set=pb.100001339760955.-2207520000.&type=3 Acesso em 13 DEZ 2022   

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=2827670913954206&set=pb.100001339760955.-2207520000.&type=3 Acesso em 13 DEZ 2022   

https://www.facebook.com/serere.xavante/posts/pfbid02LEsC5K2ehYnQystZeR4SWJJ8hg7k88BzULhdmYSVubtkv2WuxWHb54tCpTphMuo2l Acesso em 13 DEZ 2022   

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1075035579217757&set=pb.100001339760955.-2207520000.&type=3 Acesso em 13 DEZ 2022  

https://www.facebook.com/serere.xavante/posts/pfbid021gbnY27hcmtSJL3CtQREzkDDKC6KNkVwuoJyzNVund1fkuQBcFDWBiv6QCRENMrJl Acesso em 13 DEZ 2022   

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=912573095464007&set=pb.100001339760955.-2207520000.&type=3 Acesso em 13 DEZ 2022   

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=967701019951214&set=pb.100001339760955.-2207520000.&type=3 Acesso em 13 DEZ 2022  

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=967700219951294&set=pb.100001339760955.-2207520000.&type=3 Acesso em 13 DEZ 2022  

https://www.facebook.com/serere.xavante/about_work_and_education Acesso em 13 DEZ 2022  

O Estado de São Paulo.

https://www.estadao.com.br/politica/gestao-politica-e-sociedade/sobre-os-indigenas-de-extrema-direita/ Acesso em 13 DEZ 2022 

Correio Braziliense. 

https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/12/5058658-cacique-preso-pela-pf-recebe-apoio-financeiro-de-fazendeiro-da-regiao.html Acesso em 13 DEZ 2022   

CNN. https://www.cnnbrasil.com.br/politica/indigena-detido-pela-pf-ja-foi-preso-por-trafico-de-drogas-em-2008/  Acesso em 13 DEZ 2022   

Ministério da Educação.

http://portal.mec.gov.br/escola-de-gestores-da-educacao-basica/323-secretarias-112877938/orgaos-vinculados-82187207/12877-cursos-de-teologia Acesso em 13 DEZ 2022   

APIB. https://apiboficial.org/?lang=en Acesso em 13 DEZ 2022   

Ministro das Comunicações e deputado federal divulgam desinformação sobre pobreza no Brasil

* Com colaboração de Rafaely Camilo

O Ministro das Comunicações, Fábio Faria, e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL/SP), ambos políticos evangélicos, publicaram em suas mídias sociais, nos dias que se seguiram às eleições no Brasil, conteúdo que contesta a situação de extrema  pobreza e fome no país. 

Imagem: reprodução do Twitter

Imagem: reprodução do Twitter

Fábio Faria contestou o número  de 33 milhões de brasileiros em situação de fome, divulgado pela oposição ao governo em campanha. O ministro de Estado afirmou que a quantidade é  de 1,9 milhões de pessoas em  situação de extrema pobreza no Brasil. 

Já Eduardo Bolsonaro publicou que 4,14 milhões estariam na linha de pobreza. De acordo com o deputado do PL “é tudo sobre narrativas”, e a fome não seria tão grande assim no Brasil, como afirmam os grupos de oposição ao governo Bolsonaro. 

Fábio Faria e Eduardo Bolsonaro correlacionam as faixas de pobreza e extrema pobreza ao número de pessoas que passam fome no país, mas as duas questões devem ser apresentadas a partir de um contexto mais amplo e diversas variáveis como metodologia para categorizar as faixas de pobreza, características de cada país e região, inflação, mercado de trabalho, entre outros. 

A publicação do ministro Fábio Faria traz duas imagens, uma com o título da matéria do jornal O Globo e a outra do site Poder 360. Fábio Faria relaciona a matéria de O Globo a informações falsas sobre a fome durante o período eleitoral e faz um contraponto com as informações do Poder 360,  buscando fazer entender que o número de pessoas na extrema pobreza é equivalente ao número de pessoas que passam fome no Brasil.

A publicação de Eduardo Bolsonaro segue na mesma linha, apresentando os dados do Banco Mundial que indicam os brasileiros na faixa da pobreza extrema como uma resposta às críticas da  oposição ao atual governo durante a campanha eleitoral e os dados da fome. Bereia checou os dados e identificou que informações sobre  os anos de 2021 e 2022 ainda não estão disponíveis em qualquer órgão oficial ou entidade privada reconhecida. Os dados mais recentes dizem respeito a 2020.

Últimos dados apresentados pelo Banco Mundial: pobreza e extrema-pobreza no Brasil

Os dados apresentados nas publicações de Fábio Faria e Eduardo Bolsonaro apresentam como fonte o Banco Mundial. De acordo com as métricas definidas pelo Banco Mundial, a pobreza extrema é caracterizada quando um indivíduo vive abaixo da linha internacional de pobreza, com renda de US$1,90 por dia, a preços de 2011, e US$2,15 por dia, a preços de 2017. Esses dados são ajustados pela inflação e pelas diferenças no custo de vida entre os países.

Entre os anos de 2003 e 2014 o número daqueles que viviam na extrema pobreza foi reduzido de forma constante ano após ano, por conta das políticas de distribuição de renda assumidas no país. A partir de 2015 este número voltou a subir de forma constante até 2019. De acordo com os últimos dados apresentados pelo Banco Mundial, eram 4,86%, em 2019. Em 2020 houve redução para 1,75% da população na faixa de extrema pobreza.

Os dados apresentados nas publicações dos políticos em relação aos números da extrema pobreza estão corretos, entretanto, esta questão não está diretamente ligada à fome do país. Mesmo que a faixa dos que estão na extrema pobreza tenha diminuído, existem outras faixas de pobreza e outras questões que levam à população a sofrer com a fome.

Banco Mundial estabelece outras duas faixas de medição de pobreza

A linha de pobreza de US$3,20 por dia per capita a preços de 2011 e US$3,65  por dia a preços de 2017, com 5,32% da população do Brasil nesta faixa.

A linha de pobreza de US$5,50 por dia per capita  nos preços de 2011 e US$6,85 por dia nos preços de 2017, com 18,73% dos brasileiros nesta faixa

De acordo com os dados apresentados pelo Banco Mundial, o Brasil teria em torno de 25% da população incluída em uma das três faixas de pobreza. Desta forma, há um  número muito alto de pessoas com renda muito baixa, entre estas, as que sustentam famílias inteiras, enfrentam as condições de trabalho precário e informal.

Não se pode comparar fome com extrema pobreza

As publicações de Fábio Faria e Eduardo Bolsonaro fazem referência à matéria do Jornal O Globo que afirma que 33 milhões de brasileiros passam fome. O número foi obtido por pesquisadores da Rede Penssan, formada por entidades como Ação da Cidadania, Actionaid, Ford Foundation, Vox Populi e Oxfam.

Na última divulgação dos dados do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, a fome avançou no Brasil em 2022 e atingiu 33,1 milhões de pessoas. 

Em setembro de 2021, os pesquisadores da Rede Penssan destacam que o recente reajuste no valor do Auxílio Brasil para R$ 600, a partir de agosto de 2022, não mudou o quadro da fome, porque a alta inflação dos alimentos, a piora no mercado de trabalho e a fila de pessoas que não conseguem entrar no Cadastro Único — e que, por isso, não recebem o auxílio — agravaram a crise.

No Brasil de 2022, apenas quatro em cada dez domicílios conseguem manter acesso pleno à alimentação – ou seja, estão em condição de segurança alimentar. Os outros seis lares se dividem numa escala, que vai dos que permanecem preocupados com a possibilidade de não ter alimentos no futuro até os que já passam fome. De acordo com a pesquisa,em números absolutos, são 125,2 milhões de brasileiros que passaram por algum grau de insegurança alimentar. É um aumento de 7,2% desde 2020, e de 60%, em comparação com 2018.

De acordo com o coordenador da Rede Penssan, Renato Maluf, “já não fazem mais parte da realidade brasileira aquelas políticas públicas de combate à pobreza e à miséria que, entre 2004 e 2013 [como se pode  constatar nos gráficos apresentados pelo Banco Mundial], reduziram a fome a apenas 4,2% dos lares brasileiros. As medidas tomadas pelo governo para contenção da fome hoje são isoladas e insuficientes, diante de um cenário de alta da inflação, sobretudo dos alimentos, do desemprego e da queda de renda da população, com maior intensidade nos segmentos mais vulnerabilizados”. 

***

Bereia classifica que as publicações do ministro Fábio Faria e do deputado Eduardo Bolsonaro desinformam, pois são imprecisas. Mesmo que apresentem dados reais quanto à acentuada queda do número de brasileiros na extrema pobreza, baseados na última faixa de renda do Banco Mundial, o conteúdo não trata a questão específica da fome, alvo da campanha da oposição nas eleições.

Qualquer abordagem sobre a temática deve ser relacionada ao Auxílio Brasil de R$600,00, que com a alta da inflação e do custo dos alimentos não é suficiente para a manutenção básica das famílias. Além disso, as publicações, em defesa do governo federal, omitem  dados como o alto preço dos combustíveis (controlados atualmente de maneira artificial), mercado de trabalho precário e uma série de informações que permitem uma discussão ampla em torno da fome no país. Portanto, as publicações não oferecem dados substanciais ou comprováveis, não consideram diferentes perspectivas, não contextualizam a situação em questão, fazendo uso frio e isolado de números. 

Deve ser feita ainda a distinção entre os números da fome e os números da pobreza, uma vez que são dados diferentes e nas publicações verificadas, tanto Fábio Faria quanto Eduardo Bolsonaro usam como dados iguais ou correlacionados, o que não é correto. 

Referências de checagem:

IBGE.

https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/25882-extrema-pobreza-atinge-13-5-milhoes-de-pessoas-e-chega-ao-maior-nivel-em-7-anos Acesso em 7 nov 2022

https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/32418-sintese-de-indicadores-sociais-em-2020-sem-programas-sociais-32-1-da-populacao-do-pais-estariam-em-situacao-de-pobreza#:~:text=De%202019%20para%202020%2C%20as,24%2C1%25%20da%20popula%C3%A7%C3%A3o. Acesso em 7 nov 2022 

Banco Mundial.  https://ourworldindata.org/from-1-90-to-2-15-a-day-the-updated-international-poverty-line Acesso em 07 nov 2022  

Rede PENSSAN.  https://pesquisassan.net.br/ Acesso em 7 nov 2022  

O Globo. https://oglobo.globo.com/politica/eleicoes-2022/noticia/2022/09/entenda-os-numeros-que-mostram-que-33-milhoes-de-pessoas-passam-fome-no-brasil.ghtml Acesso em 07 nov 2022

Poder 360. https://www.poder360.com.br/economia/extrema-pobreza-do-brasil-cai-para-a-minima-historica-em-2020/ Acesso em 7 nov 2022

Pânico moral sobre “ideologia de gênero”, aborto, erotização de crianças e defesa da família é usado para disputa eleitoral com base em desinformação

Na disputa político-eleitoral de 2022, o principal embate é travado no território da da linguagem. Uma das estratégias mais utilizadas neste conflito informacional é o pânico moral e o ataque à cognição (a forma de raciocínio e assimilação de conteúdo) dos eleitores via mídias sociais. Nas diversas declarações e notícias checadas pelo Bereia em processos eleitorais, temas como “ideologia de gênero”, aborto, erotização de crianças e defesa da “família tradicional” são temas recorrentes. 

O pânico moral pode ser compreendido “numa acepção mais abrangente, como o consenso, partilhado por um número substancial de membros de uma sociedade, de que determinada categoria de indivíduos estaria ameaçando a estrutura social e a ordem moral”. Esta ideia é explicada pelo professor associado de Direito Civil da UFMG César Fiúza e da doutora em Direito Privado pela PUC-MG, Luciana Poli.

Na guerra de discursos pela internet, este estado de pânico é desencadeado com terror verbal com falsas acusações a líderes políticos, partidos e formadores de opinião que não partilham das mesmas opiniões ou são uma ameaça à hegemonia dos grupos que estão atualmente no poder. 

A recente declaração em vídeo da ex-ministra de Estado e senadora eleita  Damares Alves sobre as criancinhas que teriam seus dentes arrancados por pedófilos, sob investigação do Ministério Público, segue uma cartilha já conhecida e bastante utilizada pela senadora eleita: falta de fontes ou provas; combinação e reconfiguração de temas anteriormente explorados; forte apelo à emoção e a fé; discurso exaltado; inimigo a ser combatido.

Segue uma seleção as checagens do Bereia sobre  declarações, publicações e mensagens que exploraram o pânico moral e  “viralizaram” nas mídias sociais religiosas:

Fake news sobre livro de educação sexual infantil nas escolas volta a circular – https://coletivobereia.com.br/fake-news-sobre-livro-de-educacao-sexual-infantil-nas-escolas-volta-a-circular/ 

Em vídeo que volta a circular, ministra propaga pânico sobre erotização em desenhos animados e universidades  – https://coletivobereia.com.br/em-video-que-volta-a-circular-ministra-propaga-panico-sobre-erotizacao-em-desenhos-animados-e-universidades/ 

Ministra Cármen Lucia é acusada em mídias digitais de assinar carta pró-aborto  – https://coletivobereia.com.br/ministra-carmen-lucia-teria-assinado-carta-pro-aborto/

Site religioso afirma que LEGO vai lançar brinquedos com “ideologia de gênero” – https://coletivobereia.com.br/site-religioso-afirma-que-lego-vai-lancar-brinquedos-com-ideologia-de-genero/ 

Site gospel repercute afirmação falsa de Bolsonaro contra STF e ministro Barroso – https://coletivobereia.com.br/site-gospel-repercute-afirmacao-falsa-de-bolsonaro-contra-stf-e-ministro-barroso/ 

Site evangélico diz que pediatra defende masturbação infantil – https://coletivobereia.com.br/site-evangelico-diz-que-pediatra-defende-masturbacao-infantil/ 

Deputado afirma que cartilha de escola em Palmas promove “ideologia de gênero” – https://coletivobereia.com.br/deputado-afirma-que-cartilha-de-escola-em-palmas-promove-ideologia-de-genero/ 

Unicef é contra pornografia para crianças: portais desinformam com interpretação distorcida de estudo do organismo – https://coletivobereia.com.br/unicef-e-contra-pornografia-para-criancas-portais-desinformam-com-interpretacao-distorcida-de-estudo-do-organismo/ 

Portais de notícias religiosas desinformam quanto a suposto projeto comunista para crianças.
https://coletivobereia.com.br/portais-de-noticias-religiosas-desinformam-quanto-a-suposto-projeto-comunista-para-criancas/

Mensagem anônima que circula em mídias sociais usa pânico moral contra partidos de esquerda
https://coletivobereia.com.br/mensagem-anonima-panicomoral/

As mentiras que circulam em ambientes religiosos no Brasil
https://coletivobereia.com.br/as-mentiras-que-circulam-em-ambientes-religiosos-no-brasil/

Referências de checagem:

CUNHA, Magali do Nascimento. Do púlpito às mídias sociais: Evangélicos na política e ativismo digital. Curitiba: Prismas, 2017.

Carta Capital. Artigo: Evangélicos foram alvo privilegiado de mentiras na campanha do 1º turno; veja as principais. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/blogs/dialogos-da-fe/evangelicos-foram-alvo-privilegiado-de-mentiras-na-campanha-do-1o-turno-veja-as-principais/ Acesso em 17 OUT 2022

Artigo. Direitos políticos, liberdade de expressão e discurso de ódio. Volume V – organização de Rodolfo Viana Pereira – Brasília: IBRADEP, 2022. Disponível em: https://abradep.org/wp-content/uploads/2022/06/Direitos-Politicos-Liberdade-de-Expressao-e-Discurso-de-Odio-volume-V.pdf#page=171 Acesso em 17 OUT 2022

Artigo. FIÚZA, Cesar e POLI, Luciana Costa. Famílias Plurais o Direito Fundamental à Família. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, n. 67, 2015, p. 151-180. Disponível em: https://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/1730-3302-1-sm.pdf Acesso em 17 OUT 2022

G1. https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2022/10/17/termina-nesta-segunda-feira-prazo-para-ministerio-dar-explicacoes-a-procuradoria-do-mpf-apos-relatos-de-damares-sobre-supostas-torturas-contra-criancas-no-marajo.ghtml Acesso em 17 OUT 2022

Revista Questão de Ciência. 

https://revistaquestaodeciencia.com.br/index.php/apocalipse-now/2018/12/05/ameaca-nossos-filhos-cuidado-com-o-panico-moral Acesso em 17 OUT 2022

JN.

https://www.jn.pt/opiniao/david-pontes/panico-moral-6234400.html Acesso em 17 OUT 2022

Uol.

https://noticias.uol.com.br/colunas/carlos-madeiro/2022/08/29/panico-moral-como-ala-evangelica-pro-bolsonaro-cresce-e-domina-as-redes.htm Acesso em 17 OUT 2022

Poder 360.

https://www.poder360.com.br/poderdata/poderdatacast-29-bolsonaro-deve-acionar-panico-moral-em-eleicoes/ Acesso em 17 OUT 2022

Ponte.

https://ponte.org/artigo-bolsonaro-e-o-panico-moral/ Acesso em 17 OUT 2022

Revista Eletrônica Internacional de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura.

https://brapci.inf.br/index.php/res/v/158606 Acesso em 17 OUT 2022

Fundação Maurício Grabois.https://grabois.org.br/2022/08/26/o-retorno-do-panico-moral-na-disputa-pelo-voto-evangelico/ Acesso em 17 OUT 2022

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Foto de capa: Pexels/Samer Daboul

Site gospel publica pesquisa eleitoral com metodologia contestada e financiamento criticado

O site evangélico  Pleno News publicou, em 29 de setembro de 2022, pesquisa de intenção de votos realizada pelo Instituto Equilíbrio Brasil.  Nos dados oferecidos na matéria “Bolsonaro lidera em pesquisa mais ampla que Ipec e Datafolha”, Jair Bolsonaro teria 44% da preferência do eleitorado, contra 39% de Lula.

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Imagem: reprodução do site Pleno News

Equilíbrio Brasil: metodologia contestada 

Pleno News destaca que o levantamento realizado é mais amplo do que aquelas que têm sido apresentadas por institutos credenciados como o Ipec (formado por ex-executivos do Ibope) e o Datafolha. A matéria diz que o instituto Equilíbrio Brasil, ouviu 11.500 pessoas em 1.286 cidades, entre os dias 20 e 22 de setembro, com margem de erro de três pontos percentuais. 

Entretanto, a publicação não destaca a metodologia utilizada: a aplicação de questionário estruturado por meio de ligações automatizadas para telefones fixos e celulares. Esta metodologia é criticada pelo Conselho Federal de Estatística e por diversos institutos de pesquisa do país. Datafolha e Ipec abordam presencialmente seus entrevistados. 

O desconhecido Equilíbrio Brasil se coloca ao lado de outro, o controverso Brasmarket, até então o único instituto de pesquisa do país a apresentar Jair Bolsonaro na liderança da corrida presidencial. Brasmarket e seus métodos foram alvo de checagem do Bereia. 

Assim como Brasmarket, Equilíbrio Brasil não é filiada à Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa e não apresenta histórico de pesquisas eleitorais: apenas seis levantamentos estão disponíveis no site da instituição, todos no ano de 2022.

Pesquisa eleitoral: o que diz a legislação?

De acordo com o Art. 33 da Lei nº 9.504/1997 as entidades e empresas que realizarem pesquisas de opinião pública relativas às eleições ou aos candidatos, para conhecimento público, são obrigadas, a registrar na Justiça Eleitoral, para cada pesquisa, até cinco dias antes da divulgação, as seguintes informações:

I –  quem contratou a pesquisa;

II –  valor e origem dos recursos despendidos no trabalho;

III – metodologia e período de realização da pesquisa;

IV – plano amostral e ponderação quanto a sexo, idade, grau de instrução, nível econômico e área física de realização do trabalho a ser executado, intervalo de confiança e margem de erro; 

V – sistema interno de controle e verificação, conferência e fiscalização da coleta de dados e do trabalho de campo;

VI – questionário completo aplicado ou a ser aplicado;

VII – nome de quem pagou pela realização do trabalho e cópia da respectiva nota fiscal. 

Equilíbrio Brasil ou Multi Mercado LTDA: financiamento criticado

A pesquisa do Instituto Equilibrio Brasil está disponível no site do TSE, registrada sob o número BR-02018/2022, mas o nome da empresa no registro é Multi Mercado LTDA. Os dados da pesquisa foram divulgados também no próprio site do instituto, mas algumas informações foram omitidas. 

Numa pesquisa mais detalhada no site do Tribunal Superior Eleitoral, verificamos que o próprio instituto foi o “contratante” da pesquisa. e mesmo com elevado número de entrevistas feitas por telefone, 11.500 contatos, o levantamento custou R$ 28.000,00. 

Esta modalidade de financiamento, o “autofinanciamento” de pesquisas eleitorais, mesmo permitida por lei, levanta suspeitas, pois permite que institutos não divulguem a origem dinheiro que pagou as sondagens e a divulgação da nota fiscal não é obrigatória. Todas as pesquisas realizadas por Equilíbrio Brasil foram “autofinanciadas”.

Equilíbrio Brasil X Datafolha

Tomando-se um dos institutos citados pelo Pleno News em comparação, o levantamento do Instituto Datafolha realizou 6.800 entrevistas presenciais e o valor da foi de R$ 473.780,00. Quase dez vezes o custo da pesquisa do Instituto Equilíbrio Brasil (Multi Mercado LTDA)

A pesquisa Datafolha divulgada em 29 de setembro, está disponível para consulta no site do próprio instituto e no site do TSE, registrada  sob número BR-09479/2022. 

Seguindo a tendência dos principais institutos do país, o Datafolha mostra o ex-presidente na liderança. Lula oscilou de 45% para 47% das intenções de voto na disputa pela Presidência da República e ampliou a liderança sobre o segundo colocado, Jair Bolsonaro, que se manteve com a preferência por 33% dos eleitores brasileiros.

Este resultado se aproxima dos números do agregador de pesquisas do jornal Estado de São Paulo que leva em conta pesquisas sobre a corrida presidencial divulgadas nos últimos seis meses e tem atualização diária. O cálculo considera as linhas de tendência de cada candidato (se estão estáveis, subindo ou caindo) e atribui pesos diferentes às pesquisas segundo sua “idade” (a data de realização) e metodologia (na média, os resultados são mais precisos quando os eleitores são entrevistados de forma presencial, em vez de por telefone).

Imagem: reprodução site TSE

Bereia conclui que a pesquisa divulgada pelo portal Pleno News não pode ter seus dados corroborados, por isso a matéria desinforma por ser imprecisa. A metodologia utilizada no levantamento é contestada e o financiamento, mesmo não sendo ilegal, levanta dúvidas quanto à isenção dos dados.  

Um trabalho que envolve mais de 11 mil contatos com eleitores, mesmo por telefone, apresentaria um custo muito elevado. Já os institutos desqualificados pela matéria Pleno News, Ipec e Datafolha oferecem todas as informações exigidas para o credenciamento de uma pesquisa e têm os levantamentos registrados no TSE, como exigido por lei, além de executivos respeitados e histórico confiável de pesquisas eleitorais.

Referências de checagem: 

Equilíbrio Brasil.

https://www.equilibriobrasil.com/l/presidente-20-a-22-de-setembro-de-2022/ Acesso em 29 set 2022

https://www.equilibriobrasil.com/l/presidente-20-a-22-de-setembro-de-2022/ Acesso: em 29 set 2022

https://www.equilibriobrasil.com/pesquisas/ Acesso em: 29 set 2022

TSE.

https://www.tse.jus.br/eleicoes/pesquisa-eleitorais/consulta-as-pesquisas-registradas Acesso em: 29 set 2022

https://www.tse.jus.br/legislacao/codigo-eleitoral/lei-das-eleicoes/lei-das-eleicoes-lei-nb0-9.504-de-30-de-setembro-de-1997#art33-35 Acesso em: 29 set 2022

Coletivo Bereia. https://coletivobereia.com.br/pesquisa-compartilhada-em-midias-e-sites-evangelicos-tem-metodologia-questionavel/ Acesso em: 29 set 2022

O Estado de São Paulo. https://www.estadao.com.br/politica/com-novas-pesquisas-media-estadao-dados-mostra-lula-com-52-dos-votos-validos-bolsonaro-tem-35/ Acesso em: 29 set 2022

Ipec. https://www.ipec-inteligencia.com.br/ Acesso em: 29 set 2022   

Datafolha. https://datafolha.folha.uol.com.br/ Acesso em: 29 set 2022   

Conselho Federal de Estatística. https://www.confe.org.br/pesquisa_eleitoral_por_telefone.pdf Acesso em: 29 set 2022   

Valor Econômico. https://valor.globo.com/politica/noticia/2018/06/04/pesquisas-por-telefone-despertam-polemica.ghtml Acesso em: 29 set 2022  

Terra. https://www.terra.com.br/noticias/eleicoes/mpf-investiga-fraudes-em-pesquisas-autofinanciadas-quase-23-das-registradas-no-tse,bda3ba07bb0878fd43a8582f16a5434ce95odsiy.html Acesso em: 29 set 2022    

ABEP. https://www.abep.org/diretorio-dos-filiados-abep Acesso em: 29 set 2022  

Imagem de capa: reprodução Pleno News

Pesquisa compartilhada em mídias e sites evangélicos tem metodologia questionável

Dezenas de sites e mídias digitais evangélicas divulgaram uma controversa pesquisa eleitoral realizada pelo Instituto Brasmarket sobre intenção de votos para a Presidência da República. A pesquisa é polêmica pois vai de encontro a todos os demais levantados dos principais institutos de pesquisa do país.

De acordo com os dados apresentados pelo Brasmarket, o presidente Jair Bolsonaro (PL) estaria liderando a corrida eleitoral com 44,9% (37% no levantamento anterior), enquanto Lula teria 31%  (27%, no levantamento anterior). Além disso, quando o corte é por religião, os cristãos católicos e evangélicos rejeitaram em sua maioria o ex-presidente Lula (PT). A pesquisa foi registrada no TSE com o número BR-00580/2022. 

Instituto Brasmarket

O site do Instituto Brasmarket afirma que a empresa tem 40 anos de experiência com pesquisas, mas apenas nove pesquisas eleitorais estão disponíveis para consulta. De acordo com o site da Receita Federal, os proprietários da empresa são José Carlos Nogueira Cademartori e Felipe Fontes de Castro Cademartori. Ambos tornaram-se proprietários da empresa apenas em março de 2002. O Instituto Brasmarket não consta como afiliado à Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa. 

Além das pesquisas eleitorais para presidente, três delas contratadas pela Associação de Supermercados do Rio de Janeiro, as demais foram custeadas pelo próprio Brasmarket. O Instituto realizou outras pesquisas este ano: para o governo de Goiás, contratado pela ASSOCIAÇÃO GOIANA DO NELORE, governo de Tocantins, custeada pela própria empresa, para o governo do Rio Grande do Norte, contratada pela CPF/CNPJ: 25450212000100 – BG MÍDIAS E ASSESSORIA DIGITAIS EIRELI, para o governo de Mato Grosso do Sul, contratada pela CPF/CNPJ: 03976495000187 – RADIO CAPITAL DO SOM LTDA / Origem do Recurso: (Recursos próprios). As pesquisas para os governos estaduais foram acompanhadas de pesquisa levantamento de intenção de voto para Presidente da República apenas naquele estado. 

Matéria da Revista Veja de janeiro de 2022 apresenta uma suposta pesquisa realizada ainda em 2021 pelo Brasmarket que chegou ao conhecimento público sem o devido registro no TSE e rapidamente inundou as mídias digitais de direita. De acordo com a matéria, o Instituto está envolvido em diversas controvérsias e mistérios.

Pesquisa Brasmarket

A pesquisa mais recente é que passou a circular em mídias digitais religiosas  foi realizada pelo Instituto Brasmarket e registrada no dia 17/09/2022 no TSE com o número de identificação: BR-00580/2022. Os resultados foram divulgados em 23/09/2022. A pesquisa foi realizada entre os dias 18 e 20 de setembro e foi custeada com recursos da própria empresa com o valor de R$ 32.000,00.

A metodologia de pesquisa utilizada foi a quantitativa, por meio de entrevistas telefônicas, com aplicação de questionários estruturados e padronizados junto a amostra representativa da população pesquisada. Foram 2.400 entrevistados de 116 municípios.

A pesquisa realizada pelo Instituto Brasmarket chama atenção por ser o único levantamento que aponta o presidente Jair Bolsonaro como favorito e pelo resultado bem diferente dos apresentados pelos Institutos mais conhecidos e renomados do país: Datafolha e Ipec (formado por ex-executivos do Ibope).  

O agregador de pesquisas eleitorais do Estadão usa dados dos levantamentos de 14 empresas, considerando suas peculiaridades metodológicas, para calcular a Média Estadão Dados e o cenário mais provável da disputa eleitoral. Lula aparece com 47% e Jair Bolsonaro fica com 33% na média de todos os levantamentos nos últimos seis meses. 

Resultados da pesquisa do Instituto Brasmarket

Imagem: reprodução site Instituto Brasmarket

Imagem: reprodução site Instituto Brasmarket

Datafolha: história e metodologia 

O Instituto Datafolha realizou 47 pesquisas neste ano, de acordo com a consulta realizada no site do TSE: tanto para corrida presidencial, quanto para governos estaduais. O Datafolha foi criado em 1983 e disponibiliza uma seção de perguntas e respostas para que os visitantes conheçam seus métodos e técnicas de pesquisa. Ele permite que os leitores/visitantes consultem centenas de pesquisas realizadas desde 1989. 

O Datafolha não faz pesquisas sob encomenda para políticos ou partidos. Todos os levantamentos são realizados para divulgação e uso público de grandes veículos de comunicação. Quando um meio de comunicação contrata uma pesquisa eleitoral do instituto, uma de suas obrigações é tornar público o resultado desse levantamento.

De acordo com a seção de perguntas e respostas disponibilizada no site, a validade de uma pesquisa eleitoral feita por telefone, como a realizada pelo Instituto Brasmarket, fica comprometida pois  “é inviável realizar pesquisas eleitorais telefônicas no Brasil que sejam representativas do total do eleitorado, já que apenas 40% dos brasileiros possuem linha telefônica fixa em casa. Por isso os institutos abordam os eleitores pessoalmente”.

A última pesquisa Datafolha para presidente foi divulgada em 22/09, dia anterior  à divulgação da pesquisa do Instituto Brasmarket, com o número de identificação no TSE  BR-04180/2022. O custo total da pesquisa foi de R$ 473.780,00. (o levantamento de Brasmarket custou R$ 32.000,00)

Contratantes: EMPRESA FOLHA DA MANHÃ e GLOBO COMUNICAÇÃO E PARTICIPAÇÕES S/A/TV/REDE/CANAIS/G2C+GLOBO GLOBO.COM GLOBOPLAY.  

A metodologia de pesquisa utilizada foi a pesquisa do tipo quantitativo, por amostragem, com aplicação de questionário estruturado e abordagem pessoal em pontos de fluxo populacional. O conjunto do eleitorado brasileiro foi tomado como universo da pesquisa. 6.734 entrevistados em 285 municípios. (Brasmarket entrevistou 2.400 pessoas de 116 municípios).

Resultado pesquisa Datafolha.

Imagem: divulgação Datafolha

Fonte: Datafolha

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De acordo com todas as informações levantadas, o Bereia considera que a pesquisa realizada por Brasmarket, que está sendo amplamente divulgada nas mídias digitais da extrema-direita, é enganosa. 

O instituto começou efetivamente suas atividades há quatro meses, e suas pesquisas são as únicas em todo o país a apresentarem resultados divergentes, e mesmo com o registro no TSE, apresenta disparidades em relação às demais pesquisas, como o custo muito baixo dos levantamentos, metodologia e pouco detalhamento de seus resultados. 

Desta maneira, esta pesquisa parece funcionar mais como uma ferramenta para batalhas discursivas na campanha política  neste pleito 2022, a fim de confundir eleitores.

Referências de checagem: 

Instituto Brasmarket.

https://www.institutobrasmarket.com.br/ Acesso em: 26 set 2022.

https://www.institutobrasmarket.com.br/_files/ugd/d5bd9b_e4dbf5bfbfc146849776fbdf54ee405e.pdf?index=true Acesso em: 26 set 2022.

://www.institutobrasmarket.com.br/_files/ugd/d5bd9b_1fcf826c094a47ae8fcdcdfae46163aa.pdf?index=true Acesso em: 26 set 2022. 

https://www.institutobrasmarket.com.br/_files/ugd/d5bd9b_e23650a6caba4e378556aa209b080da3.pdf?index=true Acesso em: 26 set 2022. 

https://www.institutobrasmarket.com.br/_files/ugd/d5bd9b_ee37cf4ef6a545bc959e873134ed602c.pdf?index=true Acesso em: 26 set 2022. 

https://www.institutobrasmarket.com.br/_files/ugd/d5bd9b_59c1f4aad2854cf5abbcfacbe11929d7.pdf Acesso em: 26 set 2022. 

TSE. https://www.tse.jus.br/eleicoes/pesquisa-eleitorais/consulta-as-pesquisas-registradas Acesso em: 26 set 2022.

Datafolha.

https://datafolha.folha.uol.com.br/ Acesso em: 26 set 2022.

https://datafolha.folha.uol.com.br/sobre/2022/07/historia-do-datafolha.shtml Acesso em: 26 set 2022.

https://datafolha.folha.uol.com.br/sobre/perguntas-e-respostas/pesquisas-eleitorais/ Acesso em: 26 set 2022.

https://datafolha.folha.uol.com.br/eleicoes/ Acesso em: 26 set 2022.

Ipec.

https://www.ipec-inteligencia.com.br/ Acesso em: 26 set 2022.

https://asserj.com.br/ Acesso em: 26 set 2022.

Veja. https://veja.abril.com.br/politica/a-unica-pesquisa-em-que-a-familia-bolsonaro-acredita/ Acesso em: 26 set 2022. 

Estado de São Paulo. https://www.estadao.com.br/politica/eleicoes/agregador-pesquisa-eleitoral-2022/?turno=&cargo=presidencial&modalidade=todas&regiao=todas Acesso em: 26 set 2022.  

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Foto de capa: Instituto Brasmarket

Cristofobia e intolerância religiosa: as fake news como estratégia política para enganar cristãos na campanha eleitoral 2022

A campanha eleitoral começou oficialmente em 16 de agosto. Os programas de televisão e rádio, além das publicações nas mídias sociais, devem respeitar as regras estabelecidas pela legislação eleitoral. Porém, no ciberespaço, aparentemente sem regulação e controle, a campanha eleitoral começou há algum tempo, ou melhor, não parou e esta edição está ativa desde 2018. 

No campo virtual não existem regras. Quanto mais alarmante e absurdo, melhor. O objetivo é gerar pânico e com isso, compartilhamentos. No que diz respeito às religiões, nestas eleições nacionais de 2022, os temas da cristofobia (perseguição aos cristãos no Brasil), além de temas como intolerância religiosa e racismo religioso, parecem estar no centro da disputa por votos e para criticar adversários. 

Para além de indivíduos religiosos,  o discurso cristão é uma linguagem familiar a quase todos os brasileiros, compreendido pela ampla maioria. Isto porque, existe uma referência histórica e cultural desde a colonização portuguesa, que trouxe com ela o Cristianismo católico, e cria um senso de identidade, ainda que grande parte  da população não frequente uma igreja. Desta maneira, o discurso religioso com ênfase cristã é utilizado como arma política para além dos muros das igrejas. 

A controvérsia do Estado laico

Num Estado laico como o Brasil, lideranças políticas não devem se comportar como fiéis de uma crença particular, e muito menos atacar qualquer religião. No entanto, não é isto que se observa neste conturbado processo eleitoral. Em tempos de mídias sociais, a desinformação com a circulação de conteúdo falso e enganoso, especialmente, as chamadas fake news, se tornaram armas mais poderosas do que as antigas artilharias militares. 

De acordo com a antropóloga, pesquisadora e coordenadora de Religião e Política do ISER Lívia Reis, de forma abrangente, podemos dizer que um Estado é laico quando há uma separação oficial entre Estado e religião. Isso significa que não existe uma religião oficial de Estado, que nenhuma religião pode ser beneficiada em detrimento de outras e que a interferência religiosa não é permitida em decisões estatais. Assim, ao invés de divulgar, perseguir ou hostilizar religiões, um Estado laico deve garantir que todas as religiões sejam valorizadas e tenham o direito de existir igualmente.

Entretanto, Bereia tem monitorado discursos e publicações em mídias sociais de personagens políticos importantes como a primeira dama Michelle Bolsonaro e o deputado pastor Marco Feliciano, além de um grande número de políticos e “influenciadores” digitais cristãos e observa o quanto pregam a intolerância religiosa, reverberando discursos de ódio e disseminando pânico com falsas notícias. 

O caso da intolerância contra religiões de matriz africana 

A primeira-dama Michelle Bolsonaro compartilhou nos stories de seu Instagram, em 9 de agosto, um vídeo que tem imagens editadas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em encontro com lideranças de religiões de matriz africana. A publicação tem mensagens que associam a prática deste grupo religioso às trevas. Ao compartilhar o vídeo, a primeira-dama escreveu: “Isso pode, né? Eu, falar de Deus, não”, numa referência às críticas que recebera por promover uma reunião de oração de vigília durante a madrugada no Palácio do Planalto, sede do Poder Executivo Federal. 

O vídeo foi publicado originalmente pela vereadora autodenominada cristã, de igreja não identificada, Sonaira Fernandes (Republicanos-SP). Na legenda da publicação, a vereadora escreveu: “Lula entregou sua alma para vencer essa eleição. Não lutamos contra a carne nem o sangue, mas contra os principados e potestades das trevas. O cristão tem que ter a coragem de falar de política hoje para não ser proibido de falar de Jesus amanhã.”

Imagem: reprodução do Instagram

Na mesma direção da referência negativa de Sonaira Fernandes, dias antes da postagem no Instagram, no domingo, 7 de agosto, a primeira-dama e o presidente participaram de culto na Igreja Batista da Lagoinha, em Belo Horizonte, ao lado do pastor André Valadão e outras lideranças religiosas. Michelle Bolsonaro, ao se referir sobre os palácios de governo em Brasília, afirmou, ao lado do presidente em lágrimas, que: 

“Por muitos anos, por muito tempo, aquele lugar foi um lugar consagrado a demônios. Cozinha consagrada a demônios, Planalto consagrado a demônios e hoje consagrado ao Senhor Jesus.” (a partir do 00:06:00 min do vídeo).

Bereia avalia que o caso da postagem de Sonaira Fernandes, compartilhada por Michelle Bolsonaro, ao lado da afirmação feita pela primeira dama na Igreja Batista em Belo Horizonte, não é um simples caso de desinformação sobre uma determinada expressão religiosa. Como pesquisadores cujos estudos Bereia tem acesso afirmam, é um caso de desinformação baseada em intolerância religiosa utilizada como campanha política.

O antropólogo e Conselheiro do ISER Marcelo Camurça, observa que “diante da aproximação das eleições presidenciais de 2022, com a perda crescente de popularidade de Bolsonaro, e o avanço de sua ação tóxica de afrontar as instituições democráticas da república, a estratégia (que começa a se esboçar nos “gabinetes do ódio” e redes de expansão de fake news) de intolerância religiosa como forma de atingir adversários políticos pode recrudescer. Projetos políticos que articulam o pluralismo cultural, religioso, étnico começam a ser rotulados como provindos de religiões do “mal” e por isso ditos “anti-evangélicos”. Não é por outra que Bolsonaro e seus partidários vêm levantando o argumento de uma inexistente “cristofobia” para justificar, como nos exemplos acima, uma confrontação política na forma de “guerra espiritual”.

A desinformação produzida pela vereadora Sonaira Fernandes, compartilhada por Michele Bolsonaro, foi reproduzida por outras personagens do mundo político, como o deputado federal Pastor Marco Feliciano (PL-SP) e continua circulando amplamente mesmo depois de denúncias às plataformas de mídias sociais.

Perseguição às igrejas no Brasil: a mentira que tem mais de 30 anos 

Supostas notícias relacionando o Partido dos Trabalhadores, o ex-presidente Lula e a “esquerda” com o a perseguição e o fechamento de igrejas têm sido compartilhadas diariamente com diversas mídias digitais religiosas. 

Esta desinformação é antiga e foi disseminada já nas primeiras eleições diretas para a Presidência da República depois da ditadura militar, em 1989. Naquela ocasião, circulava entre fiéis a orientação de não votar em candidatos da esquerda, especialmente no candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, porque, no poder, fecharia as igrejas e perseguiria cristãos. Esta campanha foi amplificada quando boa parte do segmento pentecostal decidiu apoiar o candidato Fernando Collor de Mello (PRN). Esta afirmação foi repetida em todos os pleitos em que Lula se candidatou depois de 1989.

Tais “notícias” nunca apresentam as fontes para as informações apresentadas, têm autoria desconhecida e com teor alarmante, pedem o compartilhamento urgente da mensagem. Há ainda casos da criação de postagens com autoria falsa, como é o caso desta postagem atribuída falsamente ao ex-presidente Lula, com a afirmação de que em um futuro governo a igreja teria seus benefícios cortados entre outras “punições”.   

Imagem: reprodução do UOL

Além do compartilhamento nos grupos de mensagens e nas redes sociais digitais, estes conteúdos são legitimados por autoridades públicas, como o já citado pastor deputado Marco Feliciano (PL-SP), destacado propagador de desinformação. 

A menos de dois meses das eleições de 2022,  uma notícia falsa voltou a se espalhar entre fiéis igrejas evangélicas por todo o país: a possibilidade de seus templos serem fechados caso Lula volte a governar o país. Feliciano admitiu que tem feito essa pregação para “alertar” os evangélicos.

“Conversamos sobre o risco de perseguição, que pode culminar no fechamento de igrejas. Tenho que alertar meu rebanho de que há um lobo nos rondando, que quer tragar nossas ovelhas através da enganação e da sutileza. A esmagadora maioria das igrejas está anunciando a seus fiéis: ‘tomemos cuidado’”disse Feliciano, que é pastor da Assembleia de Deus Ministério Catedral do Avivamento.

Imagem: reprodução do Twitter

Diante desse cenário, o PT acelerou o movimento para rebater as acusações. O partido produziu um material no qual afirma que Lula “é cristão, nunca fechou e nem vai fechar igrejas”. A peça lembra que Lula sancionou a lei que garante personalidade jurídica às organizações religiosas em 2003, conhecida como lei da liberdade religiosa e instituiu o Dia Nacional da Marcha para Jesus em 2009.  Em 2016, Dilma Rousseff sancionou a lei que criou o Dia Nacional do Evangélico. 

Imagem: divulgação PT

Lei da liberdade religiosa sancionada em 2003 pelo então presidente Lula

Imagem: reprodução do YouTube

Na primeira fila da cerimônia de sanção da lei da liberdade religiosa em 2003, dentre várias autoridades, destacamos o pastor e então senador, Magno Malta.

Imagem: reprodução do YouTube

Em 2022, agora em campanha para voltar ao Senado, Magno Malta publica ataques ao Partido dos Trabalhadores, relacionando seus líderes a uma suposta cristofobia. Na imagem publicada pelo agora candidato Magno Malta, ele utiliza a foto do ex-chefe de gabinete de Lula e ex-ministro de Dilma Rousseff, Gilberto Carvalho. Entre aspas, coloca uma frase jamais dita por Gilberto Carvalho.

Imagem: reprodução do Twitter

Na cerimônia que sancionou a lei de liberdade religiosa em 2003, o então presidente Lula declarou:

“Olá meus companheiros pastores. Durante muito tempo eu disse que Deus escreve certo por linhas tortas. Eu não sei se é coincidência ou não, mas essa é a última lei que eu sanciono este ano. Ah e eu não sei se coincidência ou não é exatamente uma lei que

torna livre a liberdade religiosa no país. Por quê que eu digo coincidência porque durante muitos e muitos anos eu encontrava com pastores pelo Brasil a fora que perguntavam para mim: Lula é verdade que se você ganhar as eleições, você vai fechar as igrejas evangélicas? E no primeiro ano do meu governo e a última lei do ano de 2003 é exatamente para dizer que aqueles que me difamaram,  agora vão ter que pedir desculpas não a mim, mas a Deus e a sua própria consciência. Eu dizia sempre que tem três coisas que demonstram que um país vive em democracia: uma é liberdade política, outra é liberdade religiosa e a liberdade sindical. Eu penso que nós estamos vivendo esses momentos de liberdade no Brasil.”

Porém,em tempos de pós-verdade, os fatos não importam. Como disse o então presidente Lula na cerimônia da lei de liberdade religiosa, na campanha de 2002 ele já era questionado a respeito do fechamento de igrejas, caso eleito. Vinte anos depois, as mesmas acusações são repaginadas em tempos de mídias digitais. Magno Malta estava na cerimônia que sancionou a lei de liberdade religiosa, um marco para as igrejas evangélicas do Brasil, e hoje, promove ataques e acusações aos mesmos que sancionar a lei. Um dos maiores porta-vozes das acusações infundadas contra o agora candidato Lula, é pastor deputado Marco Feliciano:

Imagens: reprodução do Twitter

 

Como enfrentar estas mentiras

A intolerância contra as expressões religiosas e culturais de indígenas e negros remonta à escravização e à exploração destes povos desde o período colonial. Séculos depois, e ainda sem a devida superação desta questão dramática, o artigo do antropólogo Marcelo Camurça, “Intolerância religiosa e a instrumentalização da religião pelo autoritarismo” chama atenção para uma “nova modalidade de intolerância que se coloca ao dispor da estratégia política de correntes de extrema direita para seus projetos de poder”. O artigo apresenta dois casos recentes de intolerância religiosa praticada por políticos. 

O presbiteriano e vereador do PTB de Belo Horizonte Ciro Pereira, que fez uma postagem em sua rede social onde dizia: “engana-se quem pensa que não existe uma guerra espiritual acontecendo. Lula busca as forças ocultas africanas, foi ungido e benzido por várias entidades”. E concluía dizendo: “ a guerra começou e eu luto pela minha família e pelo futuro de minha pátria”. 

Em seguida, a deputada estadual pelo Partido Social Cristão de Pernambuco Clarissa Tercio, da Assembleia de Deus, postou uma foto de Lula ladeado por suas ialorixás paramentadas com suas roupas religiosas, todos de máscara anti-covid, com a seguinte legenda: “Lula recebe benção de Zé Pelintra para vencer a eleição de 2022”, seguido de um comentário da vereadora: “Já o meu presidente Jair Messias Bolsonaro vai ao culto receber a benção do Deus todo poderoso”.

Marcelo Camurça encerra e afirma que: “uma ignominiosa e inaceitável “demonização” das religiões afro-brasileiras é estendida a Lula pela ameaça que sua candidatura significa para os planos continuístas de Bolsonaro; como se a agenda do ex-presidente com lideranças do Candomblé e Umbanda fosse prova já dada de que ambos estariam urdindo “feitiços” maléficos contra a nação”. 

As publicações e declarações de figuras políticas e religiosas que atacam as religiões de matriz africana, são o retrato de um país que está longe de respeitar os princípios da Constituição de 1988.

Um Estado laico é um Estado onde todos estão livres para praticar sua religião. Um credo não se sobrepõe a outra e nenhuma religião deve ser perseguida ou atacada.  Entretanto, o que se vê hoje é a utilização do discurso religioso com fins políticos e como arma eleitoral. 

Além disso, a suposta cristofobia alardeada por Feliciano e outros líderes, ou seja, a perseguição que cristãos, principalmente os evangélicos, poderiam sofrer num novo mandato do presidente Lula, não é verdade. Se fosse, os 14 anos de governo do PT (2003 a 2014) revelariam casos. Ao contrário, como Bereia verificou, já mostramos que declarações e atos de Lula enquanto presidente da República indicam o oposto. Bereia já publicou artigo explicando o falacioso termo “cristofobia” e várias matérias de verificação de conteúdo sobre este tema, todas falsas e enganosas. 

O deputado Marco Feliciano projeta suas próprias convicções políticas nos adversários, numa tática de inversão de posições. Ao pregar intolerância contra religiões de matriz africana e criticar posições de personagens e grupos progressistas, por exemplo, ele faz crer que os alvos do ataque são os intolerantes e perseguidores. Os fatos não importam. O objetivo é gerar pânico entre fiéis e disseminar o maior número de notícias falsas e alarmantes. 

Referências de checagem:

Valor Econômico. https://valor.globo.com/politica/noticia/2022/08/09/michelle-bolsonaro-compartilha-vdeo-com-lula-que-associa-religio-de-matriz-africana-s-trevas.ghtml Acesso em 17 AGO 22

Portal UOL. https://noticias.uol.com.br/confere/ultimas-noticias/2022/02/09/e-falso-tweet-de-lula-sobre-cortar-beneficios-de-igrejas.htm Acesso em 17 AGO 22

O Globo.

https://oglobo.globo.com/politica/eleicoes-2022/noticia/2022/08/fake-news-sobre-fechamento-de-igrejas-em-caso-de-vitoria-da-esquerda-tem-respaldo-de-deputado.ghtml Acesso em 17 AGO 22

https://oglobo.globo.com/blogs/sonar-a-escuta-das-redes/post/2022/08/michelle-bolsonaro-leva-evangelicos-para-orar-de-madrugada-dentro-do-palacio-do-planalto.ghtml Acesso em 17 AGO 22

Folha de São Paulo.

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2022/01/montagem-que-associa-lula-e-candomble-ao-demonio-leva-vereador-bolsonarista-a-ser-denunciado.shtml?utm_source=twitter&utm_medium=social&utm_campaign=twfolha Acesso em 17 AGO 22

Coletivo Bereia.

https://coletivobereia.com.br/pastor-felippe-valadao-promove-intolerancia-religiosa-em-evento-publico/ Acesso em 17 AGO 22

https://coletivobereia.com.br/volta-a-circular-mensagem-falsa-sobre-lei-do-senado-que-proibiria-pregacoes/ Acesso em 17 AGO 22 

https://coletivobereia.com.br/cristofobia-uma-estrategia-preocupante/ Acesso em 17 AGO 22

Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. https://www.al.sp.gov.br/noticia/?id=275831 Acesso em 17 AGO 22

O Estado de São Paulo. https://politica.estadao.com.br/blogs/estadao-verifica/dia-nacional-do-evangelho-foi-sancionado-por-dilma-nao-por-bolsonaro/ Acesso em 17 AGO 22

Youtube.

https://www.youtube.com/watch?v=DYAJ_kasEyA Acesso em 17 AGO 22

https://www.youtube.com/watch?v=8r1q3huGzio Acesso em 17 AGO 22

EBC. http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2003-12-22/lula-sanciona-lei-que-garante-personalidade-juridica-organizacoes-religiosas Acesso em 17 AGO 22

Religião e Poder.

https://religiaoepoder.org.br/artigo/racismo-religioso/  Acesso em 17 AGO 22

https://religiaoepoder.org.br/artigo/projeto-de-lei-coloca-a-biblia-no-centro-do-debate-sobre-estado-laico/ Acesso em 17 AGO 22

https://religiaoepoder.org.br/artigo/estado-laico/ Acesso em 17 AGO 22

https://religiaoepoder.org.br/artigo/avancos-no-combate-a-intolerancia-religiosa-no-rio-de-janeiro/ Acesso em 17 AGO 22 

https://religiaoepoder.org.br/artigo/a-intolerancia-religiosa-como-forma-de-instr Acesso em 17 AGO 22

https://religiaoepoder.org.br/artigo/liberdade-religiosa/ Acesso em 17 AGO 22

https://religiaoepoder.org.br/artigo/para-alem-de-uma-estrategia-eleitoral-as-fake-news-na-pauta-dos-poderes-da-republica/ Acesso em 17 AGO 22

https://religiaoepoder.org.br/artigo/serie-fake-news-parte-2-acoes-do-poder-legislativo-frente-o-fenomeno-das-fake-news/ Acesso em 17 AGO 22

https://religiaoepoder.org.br/artigo/serie-fake-news-parte-3-acoes-dos-poderes-judiciario-e-executivo-frente-o-fenomeno-das-fake-news/ Acesso em 17 AGO 22

Tribunal Superior Eleitoral. https://bibliotecadigital.tse.jus.br/xmlui/handle/bdtse/5134 Acesso em 17 AGO 22

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Foto de capa: Pete Linforth por Pixabay

Site de extrema direita dissemina desinformação e pânico sobre intervenção militar nas eleições 2022 – PARTE 2

O site de extrema direita Gente Decente, publicou uma série de informações falsas a respeito de uma suposta intervenção militar nas eleições deste ano. Bereia checou as informações em duas partes. (Leia aqui a parte 1)

A matéria de Gente Decente desinforma e propaga pânico neste já conturbado período pré-eleitoral.  O site afirma que todas as preocupações com o que pode acontecer com o Brasil em caso da derrota eleitoral do atual presidente estão sendo intensamente discutidas pelas FFAAs, como visto no Projeto de Nação – 2035. 

O encerramento da matéria “tranquiliza” os leitores, pois, segundo Gente Decente, “nossas FFAAs estão muito atentas e sabem, exatamente, o que deve ser feito para livrar o Brasil de uma desgraça chamada Lula”.

Governo Bolsonaro e Forças Armadas – Militarização da Burocracia

O conteúdo da publicação do site Gente Decente fomenta a ideia de um projeto de nação, no qual as Forças Armadas atuariam aparelhando o governo atual, militarizando a burocracia..

A suposta preocupação das Forças Armadas com o andamento do processo eleitoral é constantemente propagada por apoiadores do atual governo. A presença de militares no Executivo Federal aumentou desde o início do atual governo, como mostra a nota técnica divulgada em maio de 2022 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Com o objetivo de apresentar dados sobre a presença de militares na ocupação de cargos em comissão no Poder Executivo Federal Brasileiro, o Ipea apresenta estatísticas descritivas que permitem, de forma inédita, até onde foi possível ter conhecimento, observar longitudinalmente a trajetória da presença desse grupo especial de servidores na ocupação de cargos no Executivo Federal, entre os anos de 2013 e 2021. 

Constatou-se que a presença agregada de militares em cargos e funções comissionadas teve trajetória de aumento de 59% no período analisado, tanto pelo aumento do número de cargos e funções militares em si como pelo aumento da presença de militares em cargos e funções civis. Consideradas apenas funções de natureza civil, o número de militares nesses postos aumentou 193% no período analisado. 

No caso dos cargos de Natureza Especial os percentuais de militares no total de cargos são mais proeminentes, saindo de 6,3% em 2013 para quase 16% em 2021. A composição dos cargos ocupados se alterou no período, cabendo destaque para os níveis 5 e 6, de mais alto poder decisório, que passaram a ter percentuais mais significativos no conjunto de cargos ocupados a partir de 2019. 

A autora do estudo, a Técnica de Planejamento e Pesquisa em exercício na Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia do Ipea (Diest) Flávia de Holanda Schmidt, foi exonerada da Direção em março de 2022, pouco antes da publicação da nota técnica. Nessa oportunidade, além de Flávia de Holanda, o presidente do Instituto e outros seis diretores também perderam seus cargos. 

Militares e seu Projeto de Poder – Brasil 2035

O documento Projeto de Nação – O Brasil em 2035, citado na matéria de Gente Decente, foi apresentado em fevereiro de 2022 e produzido pelo Instituto SAGRES – Política e Gestão Estratégica Aplicadas com a participação do Instituto Federalista e do Instituto General Villas Boas, think tanks conservadores e com diversos militares da reserva em seus quadros. 

O documento apresenta uma situação hipotética e desafios a serem vencidos no Brasil de 2035. De acordo com o Projeto de Nação, o Brasil de 2035 é ocupado por novas lideranças políticas surgidas dos movimentos de pressão popular das décadas anteriores. Estas lideranças ocuparam espaços onde antes “prevaleciam as antigas lideranças patrimonialistas e fisiológicas, em grande medida envolvidas em corrupção”. E mesmo que existam nichos onde estas nefastas antigas lideranças ainda tenham influência, o sistema democrático de 2035 está fortalecido. Muito deste avanço democrático se deve aos currículos da educação “desideologizados” durante os últimos anos. 

Dentre os cenários previstos, a influência do Movimento Globalista Mundial  nas decisões do Estado brasileiro aparece com um grande desafio ainda a ser vencido em 2035. O documento caracteriza o  globalismo como “um movimento internacionalista, cujo objetivo é massificar a humanidade, progressivamente, para dominá-la; determinar, dirigir e controlar, tanto as relações internacionais, quanto as dos cidadãos entre si, por meio de intervenções e decretos autoritários. No centro do movimento estaria a Elite Financeira Mundial, ator não estatal constituído por mega investidores, bancos transnacionais e outros entes mega capitalistas, com extraordinários recursos financeiros e econômicos.

Além disso, seria visível a união de esforços entre determinadas entidades brasileiras e o movimento globalista, inclusive com o apoio de relevantes atores internacionais, visando interferir nas decisões de governantes e legisladores, especialmente em pautas destinadas a conceder benesses a determinadas minorias, em detrimento da maioria da população, a exercer ingerência em nosso desenvolvimento econômico, usando pautas ambientalistas a reboque de seus interesses e não pela necessária preservação da natureza, e a provocar crises que enfraquecem a Nação em sua busca pelo desenvolvimento.

E ainda, o globalismo teria uma outra face, mais sofisticada, que, segundo o Projeto de Nação, pode ser caracterizada como “o ativismo judicial político-partidário”, pelo qual parcela do Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública atuam sob um prisma exclusivamente ideológico reinterpretando e agredindo o arcabouço legal vigente, a começar pela Constituição brasileira. 

Alguns conflitos que no “Entorno Estratégico” abalariam o Brasil, como a “predatória” exploração de minerais na Guiana, que causará um conflito com os EUA após “forte reação de entidades ambientalistas internacionais e de direitos humanos, tendo em vista as condições degradantes dos empregados” . Uma nova pandemia, desta vez do “Xvírus” também seria, segundo o site,  um desafio logo superado entre 2027 e 2028. 

Globalismo

A teoria da conspiração conhecida como Globalismo e apresentada no Projeto de Nação é uma das bandeiras do atual governo e seus apoiadores. O documento segue a mesma linha dos pensamentos do guru conservador Olavo de Carvalho e do ex-chanceler Ernesto Araújo, “olavista” convicto. 

Olavo de Carvalho sempre teve um bom trânsito nos meios militares e suas teorias foram transmitidas de geração para geração. Piero Leirner conta em sua obra “ O Brasil no Espectro de uma Guerra Híbrida” como Carvalho, em grande medida, subsidiou as teses sustentadas pelos militares nos dias atuais, dentre estas, o Globalismo. 

O documento cita ainda “o ativismo judicial”, como uma outra face do Globalismo. Esta passagem serve de munição para os ataques ao judiciário brasileiro e alimenta falsas informações com as apresentadas pelo site Gente Decente. 

A referência à China como um fator de desestabilização da região com a “exploração predatório” na Guiana e maus tratos aos empregados durante este processo chama atenção pois, segundo Plano de Nação, a forte reação das “entidades ambientalistas internacionais e de direitos humanos” provocaram a intervenção dos EUA e aliados na região. De acordo com o Globalismo, estas entidades são ligadas aos metacapitalistas e elites mundiais na cruzada para estabelecer um governo mundial.  

Segundo as informações apresentadas , é possível caracterizar estes “acontecimentos” que fazem parte do “Projeto de Nação”, como uma “Grande Inversão”. O antropólogo Piero Leirner explica que se trata de um método dialético: uma constante projeção que certos agentes realizam nos seus inimigos invertendo suas posições. A ideologia, neste caso, que assume um tom de conspiração e pertence aos outros, revela mais sobre o documento produzido do que os processos e projeções que descreve. “Ela revela um uso consciente dessas inversões de realidade visando provocar reações inconscientes que afetam o real de forma programada. Militares chamam isso de “operações de bandeira falsa”. (O Brasil no Espectro de uma Guerra Híbrida. p.19) 

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Bereia concluiu na primeira parte da checagem que as informações apresentadas por Gente Decente não eram verdadeiras. Porém, reconhece que ao citar o Plano de Nação – Brasil 2035, o site buscou subsídios em um documento real, mas que faz exatamente o que afirma criticar: uma “ideologização” da visão de país, a construção de inimigos (China, Rússia e antigas lideranças políticas nacionais), teorias da conspiração (Globalismo) e uma retórica que captura termos como “democracia”e “liberdade de expressão” e as utiliza num contexto que quer dizer exatamente o contrário. No momento de publicação desta checagem, o site Gente Decente, bem como o canal de YouTube, encontram-se fora do ar.

Referências de checagem:

Coletivo Bereia.

https://coletivobereia.com.br/site-de-extrema-direita-dissemina-desinformacao-e-panico-sobre-intervencao-militar-nas-eleicoes/  Acesso em: 02 ago 2022

https://coletivobereia.com.br/e-alta-a-confianca-da-amostra-de-urnas-que-compoem-o-teste-de-integridade-do-tse/ Acesso em: 19 jul 2022

Folha de São Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/07/bolsonaro-repete-teorias-da-conspiracao-e-ataca-urnas-stf-e-tse-a-embaixadores.shtml Acesso em: 19 jul 2022

Ipea. Nota Técnica. https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/pubpreliminar/220530_publicacao_preliminar_presenca_de_militares_em_cargos_novo.pdf Acesso em: 19 jul 2022

Projeto de Nação. https://sagres.org.br/artigos/ebooks/PROJETO%20DE%20NA%C3%87%C3%83O%20-%20Vers%C3%A3o%20Digital%2019Mai2022.pdf  Acesso em: 02 ago 2022

Youtube. https://www.youtube.com/watch?v=ERvuSep8Ric  Acesso em: 02 ago 2022 

Instituto Sagres. https://sagres.org.br/ Acesso em: 02 ago 2022 

Instituto Federalista. https://if.org.br/home-1/ Acesso em: 02 ago 2022

Instituto General Villas Boas. https://igvb.org/ Acesso em: 02 ago 2022

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Foto de capa: Flickr Palácio do Planalto

Direita e esquerda no Brasil: o imaginário, o digital, o caos

Novas formas de ativismo passaram a compor o cenário político brasileiro, traduzindo as mudanças significativas na organização e mobilização política  na era das novas tecnologias, mídias sociais, influenciadores digitais, disparos de mensagens em massa etc, conferindo à esfera pública digital e à opinião pública um papel fundamental sobre as mediações que realiza entre os cidadãos e o Estado. 

A pesquisa “Cara da Democracia no Brasil” realizada pelo Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação fornece algumas pistas para tentar compreender estas e outras  importantes mudanças no comportamento, nas atitudes, nas crenças e valores dos cidadãos brasileiros com relação à democracia, temas que dominam o debate público desde a eleição de Jair Bolsonaro, como legalização do aborto, descriminalização das drogas e direitos das chamadas minorias. 

De acordo com a pesquisa, o dobro dos brasileiros se diz mais à direita do que  à esquerda no espectro político. Entretanto, devemos levar em conta que a compreensão do significado do que é pertencer à direita ou esquerda não alcança a maioria da população, e muitas percepções mudam ao longo do tempo. 

Direita e esquerda

Os termos direita e esquerda no campo político surgiram no turbulento período da Revolução Francesa de 1789. Durante os acalorados debates na Assembleia Constituinte a respeito do poder que o rei Luís 16 deveria ter a partir daquele momento, o grupo conservador, favorável à manutenção dos poderes da monarquia, ficaram à direita; enquanto os progressistas ou revolucionários, que defendiam diminuir os poderes do rei, sentaram-se à esquerda. 

Com o passar dos anos, as diferenças entre os grupos evoluíram para outros temas, além dos poderes da monarquia, que pouco tempo depois chegou ao fim. Com a direita em busca de uma república vinculada à Igreja e um Estado com mercado liberal e a esquerda lutando por um Estado laico e regulador na economia. Em alguns países os termos progressistas e reacionários, conservadores e liberais ou democratas e republicanos nomeiam esses espectros políticos opostos. No Brasil, mais de 200 anos depois das discussões na França,  os campos da esquerda e direita, com diversos tons entre os extremos de cada lado, continuam polarizando o debate político. 

A pesquisa “A Cara da Democracia”, para tentar compreender onde cada brasileira está posicionado neste debate, apresentou um questionário no qual os entrevistados deveriam marcar de 1 a 10, sendo 1 o máximo à esquerda e 10 o máximo à direita. 

Imagem: reprodução de O Globo

Entretanto, chama atenção na pesquisa – para além de uma direita sedimentada que convive com algumas opiniões progressistas pontuais – o grande número de brasileiros que acreditam em teorias da conspiração. Apresenta-se como um desafio compreender de que maneira essas bizarras teorias ocuparam o imaginário social, o conjunto de crenças, de parte da população.

É espantoso que 20% dos entrevistados acreditam que a Terra é plana, 21% que a cloroquina cura a covid-19, e 27%  não acreditam que o ser humano pisou na lua. No aspecto “ideológico” das conspirações, os números são ainda maiores,  49% acreditam que a China criou a covid-19 e uma das teorias mais difundidas pelo bolsonarismo, o globalismo (ideia de que  a globalização econômica passou a ser controlada pelo “marxismo cultural”), é acolhida por 44% dos entrevistados, que acreditam em uma conspiração global da esquerda para tomar o poder no mundo. O falecido guru do bolsonarismo, Olavo de Carvalho e o ex chanceler Ernesto Araújo difundiram o globalismo incansavelmente. 

Imagem: reprodução de O Globo

Como explica a jornalista e doutora em Ciências da Comunicação Magali Cunha, em seu artigo O lugar das mídias no processo de construção imaginária do “inimigo” no caso Marco Feliciano, “os seres humanos vivem de imagens, vivem de imaginação socialmente construída, o que forma e reforma suas crenças, sua linguagem e suas atitudes frente às demandas da vida e do outro”. 

Desta maneira, “o imaginário é, portanto, um componente da existência humana como experiência marcadamente social, que dá sentido à vida coletiva e é ressignificado por ela. Imaginário é a elaboração coletiva da coleção de imagens formada pelo ser humano, de tudo o que ele apreende visualmente e experencialmente do mundo.” 

O cientista político da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Leonardo Avritzer, afirma que Bolsonaro adota uma tática para (des)governar que está relacionada à ampla base constituída nas redes sociais e degrada as instituições a partir de uma rede impressionante de geração de fake news.   Especificamente a respeito da pesquisa “A Cara da Democracia” e número de brasileiros que acreditam em teorias da conspiração, Leonardo Avritzer destaca que há os dois caminhos para entender a adesão de brasileiros aos apelos conspiratórios: “Há, primeiramente, o nível baixo de escolaridade, especialmente em questões como se a terra é plana. Em outros temas, há um amplo processo de desinformação nas redes sociais, especialmente quando recebem informações das estruturas de confiança delas, como instituições religiosas, família, ou local de trabalho. 

Na campanha eleitoral de 2018, Jair Messias Bolsonaro reuniu os discursos conservador tradicional, neoliberal, populista e religioso em uma nova combinação e elaborou uma retórica sem precedentes no Brasil. Tal rearticulação discursiva materializa um projeto hegemônico para a constituição de uma nova base e agenda política, liberal na economia e conservadora nos costumes, que é uma das facetas de um projeto político mais amplo de reestruturação da hegemonia do bloco centrado na elite econômica e financeira do país em novas condições. 

De acordo com o sociólogo Jessé Souza, “distorcer o mundo social é parte do projeto das classes dominantes para subjugar os demais segmentos da sociedade e se apropriar da riqueza nacional e só a percepção adequada da dimensão cultural e simbólica da vida social nos permite uma compreensão mais profunda e verdadeira da vida que levamos como indivíduos”.  No Brasil de Bolsonaro, as pautas morais e o inimigo comunista alimentam o imaginário de grande parte da população. As mídias sociais são o caminho.

“Engenheiros do Caos”

Na obra “Os Engenheiros do Caos: Como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições, Giuliano da Empoli (2019) refaz os caminhos percorridos por figuras como Gianroberto Casaleggio _ cofundador do partido italiano Movimento Cinco Estrelas e um dos primeiros a utilizar a internet e as redes sociais para fazer política, Steve Bannon – guru de Donald Trump e um dos principais nomes da ultradireita no mundo, Milo Yiannopoulos – comunicador e “blogueiro” inglês, apoiador convicto da “liberdade de expressão” e crítico feroz do “politicamente correto” e Arthur Finkelstein – conselheiro de Viktor Orban, presidente ultraconservador da Hungria, que juntos “estão em vias de reinventar uma propaganda adaptada à era das selfies e das redes sociais, e, como consequência, transformar a própria natureza do jogo democrático”. Esses são os Engenheiros do Caos. 

O engajamento técnico: curtidas, comentários e compartilhamentos, tão buscados pelos executivos de marketing e publicidade das grandes empresas, é também o objetivo desses “profissionais” da esfera pública digital. Assim, colocam os algoritmos das redes sociais digitais ao seu favor, pois se os programadores do Facebook ou Instagram, por exemplo, trabalham para atrair e prender a atenção dos usuários pelo maior tempo possível, os algoritmos e ferramentas dos Engenheiros do Caos têm a mesma finalidade, capturar a razão dos indivíduos, neste caso, através da emoção, com iniciativas como o projeto Brasil Paralelo, produtora de conteúdo de extrema-direita, inspirado nas ideias de figuras como Olavo de Carvalho. Buscam “recontar” a História do Brasil,  e as teorias da conspiração são a matéria prima de suas produções e documentários. Um projeto que à primeira vista pode parecer independente e feito por alguns jovens conservadores com “uma ideia na cabeça”, é parte de um movimento bem orquestrado, organizado e muito bem financiado.                          

Não importa se as posições apresentadas são absurdas, mentirosas ou fantasiosas, pois estão pautadas em uma questão numérica de engajamento e não são baseadas em valores éticos. A meta é identificar e hackear as aspirações e os temores dos usuários das mídias sociais digitais e fazer com que interajam com outros que defendem as mesmas posições e com as páginas ou perfis que apresentam estes conteúdos.

Magali Cunha explica que exércitos precisam de inimigos e a Teologia de um Deus guerreiro e belicoso sempre esteve presente na formação fundamentalista dos evangélicos brasileiros, compondo o seu imaginário e criando a necessidade de identificação de inimigos a serem combatidos, através dos tempos estes inimigos foram, em maior ou menor grau, a Igreja Católica, as religiões afro-brasileiras, os comunistas e mais recentemente, a população LGBTQIA+. Parte das estratégias no quadro das disputas político-ideológicas baseadas no enfrentamento de inimigos estabelecidos simbolicamente é criar uma “guerra” pela visibilidade, que comumente envolve números e exposição nas mídias. 

As consequências na política nacional

 Jair Bolsonaro e os seus próprios Engenheiros do Caos deram ainda uma nova roupagem a esse discurso, unindo a ameaça aos valores tradicionais da família e da ameaça comunista. Esses temas não são novos, mas a utilização das redes sociais digitais é a novidade.

Jessé Souza afirma que “colonizar o espírito e as ideias de alguém é o primeiro passo para controlar seu corpo e seu bolso”.  De nada adianta os Engenheiros do Caos proclamarem as virtudes do governo atual e demonizar os governos de esquerda se ninguém acreditar nisso. E essa lavagem cerebral, ou melhor, privação sensorial, é turbinada pelas notícias falsas, teorias da conspiração, manipulação de dados e desinformação, turbinados pelas mídias sociais digitais e legitimadas por políticos, religiosos e influenciadores digitais. Algumas vezes, um indivíduo representa tudo isso, como o pastor presidente da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia. 

Nessa bolha sinistra que comporta as mais inusitadas ideias e conspirações, os indivíduos em busca de acolhimento, reconhecimento e alguma explicação para seus anseios, parecem cada vez mais presos e hipnotizados. As teorias da conspiração, preconceitos e ódio sempre estiveram entre nós, no entanto, as redes sociais digitais conectaram pessoas com interesses em comum, inclusive os mais negativos. Os Engenheiros do Caos perceberam este poder das mídias sociais digitais e a utilizaram para manipulação da informação com fins políticos. 

Derrotar Jair Bolsonaro é, para muitos analistas, fundamental para estancar esse processo do que podemos chamar de privação sensorial. Temos o componente religioso e conservador, um grande número de evangélicos e católicos representados por líderes políticos e influenciadores digitais nada cristãos, além de um grande contingente, independentemente de classe social ou nível de escolaridade, que lê cada vez menos, escreve cada vez menos, interpreta cada vez menos e tem nas mídias sociais digitais sua única fonte de informação. 

Contudo, mesmo derrotando o atual presidente nas urnas, esse grupo extremista e seus métodos continuarão em atuação na esfera pública, buscando provocar uma ruptura no sistema democrático. Estes seres não estão mais nas sombras, são métodos e táticas são debatidos em artigos, livros e documentários, mas como um espectro sinistro, são difíceis de abalar ou capturar.

Imagem de capa: Gerd Altmann por Pixabay

Influencer católico desinforma a respeito do caso da menina de 11 anos

Entre os dias 22 e 24 de junho, o influenciador digital católico e editor de opinião do site Brasil Sem Medo (BSM) Bernardo P. Küster fez diversas publicações em sua página no Twitter com críticas à abordagem do caso da criança violentada e impedida de realizar o procedimento de interrupção da gestação. 

Imagem: reprodução do Twitter

Bernardo Kuster foi citado na CPI da Pandemia como um dos influenciadores digitais de perfil religioso que atuaram na propagação de notícias falsas e desinformação a respeito do tema

O influenciador católico é um conhecido propagador de fake news e suas declarações foram checadas pelo Coletivo Bereia em diversas oportunidades. Kuster desinforma e distorce informações em diversos temas, como: a conduta do Governo Federal em relação à pandemia da Covid-19,  vacinação, teorias da conspiração relacionando “esquerda” e pedofilia e até um suposto atentado contra Donald Trump. 

Bereia checou as informações e mais uma vez, Bernardo Kuster desinforma e manipula informações. 

Imagem: reprodução do Twitter

Kuster afirma que “norma técnica do Ministério da Saúde diz que não se pode abortar com 22 semanas de gestação”. O influenciador não apresenta a norma técnica mencionada, mas aparentemente menciona a cartilha “Atenção Técnica para Prevenção, Avaliação e Conduta nos casos de Abortamento”, produzida pelo Ministério da Saúde

A cartilha preconiza que “sob o ponto de vista médico, não há sentido clínico na realização de aborto com excludente de ilicitude em gestações que ultrapassem 21 semanas e 6 dias”. 

No entanto, Kuster omite que norma não tem força de lei e que a legislação brasileira permite o aborto em casos de estupro e não determina limite de tempo ou necessidade de autorização. Além disso, não menciona que a cartilha foi repudiada pela Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia – Febrasgo, por meio de nota oficial. 

De acordo com o Código Penal:

Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico:  

        Aborto necessário

        I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

        Aborto no caso de gravidez resultante de estupro

        II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Kuster afirma, ainda, que a gestação estaria com 29 semanas, entretanto, mais uma vez omite a informação de que a criança foi impedida anteriormente de realizar a interrupção da gestação pelo hospital e por uma juíza que emperrou o processo que estava em curso, seguindo os trâmites legais. 

Por fim, ao afirmar que não houve estupro, o influencer católico desinforma mais uma vez. Em entrevista a reportagem televisiva sobre o tema, o delegado responsável pelo caso, Alison Rocha, da delegacia de Tijucas (SC), já investigava um suspeito de 13 anos que teria estuprado a menina, na época com 10 anos de idade. De acordo com o delegado,  “uma relação sexual com menor de 14 anos é estupro de vulnerável mesmo que o ato seja consensual e sem emprego de violência é considerado crime”.  

Durante a reportagem sobre o caso, a Defensora Pública do Estado de São Paulo e professora de Direito Constitucional da PUC-SP Mônica Melo, explicou que o “caso de Santa Catarina, a menina que engravidou é a única vítima, uma vez que como o menino apontado como autor tem mais de 12 anos, ele deve responder por ato infracional análogo à estupro de vulnerável. Nesse caso, o adolescente está sujeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente, não sendo enquadrado ao Código Penal, pois são medidas que variam conforme as circunstâncias, a gravidade e o histórico desse adolescente. Essas medidas podem variar desde uma medida mais grave que seria uma medida de internação até uma punição mais branda, que pode ser uma advertência, uma medida de comprimento em meio aberto como prestação de serviços, entre outras. É assim, uma responsabilização dentro de um outro sistema que opera para proteger a criança”.

Como grupos religiosos por direitos de mulheres tratam o tema

Bereia conversou com a Mestra em Ciência da Religião pela PUC/SP Tabata Tesser, integrante de Católicas pelo Direito de Decidir, uma organização de cunho internacional que se articula em 12 países pelo mundo. Formada por mulheres católicas, a organização propõe um questionamento sobre determinadas leis eclesiásticas da instituição, em especial aquelas relacionadas ao aborto, direitos reprodutivos e à autonomia das mulheres sobre o próprio corpo.

Segundo Tabata Tesser:

“A publicação do influencer católico Bernardo Kuster é considerada enganosa. É considerado estupro de vulnerável, ainda que o ato sexual tenha sido cometido por uma criança 13 com outra criança de 11 anos. Pelo fato do menino que cometeu a violência ter menos de 18 anos, ele se torna inimputável; porém, continua caracterizado enquanto estupro de vulnerável. Outra informação enganosa da publicação é a de que ‘não existe base legal para a realização de aborto no Brasil’. Trata-se de uma afirmação farsante, já que o Código Penal Brasileiro prevê o aborto em três casos: 1) quando há risco de vida para a pessoa gestante causado pela gravidez, 2) quando a gestação é fruto de um estupro e 3) se o feto for anencefálico (má formação cerebral do feto). A menina de 11 anos, vítima de estupro de vulnerável, se enquadra no permissivo, pois toda gravidez de criança é decorrente de estupro. A menina violada pode (e teve) acesso ao aborto legal, já que o seu corpo biológico não estava preparado para uma gestação segura. Levar adiante a gestação colocaria em risco a vida da criança estuprada e teríamos mais um índice de mortalidade infantil. Crianças não são mães”.

Bereia também entrevistou a ativista e pesquisadora do tema da “justiça reprodutiva”  na Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca/Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz) Mônica Louza, integrante da Frente Evangélica pela Legalização do Aborto. A pesquisadora diz que “o caso da menina de 11 anos vítima de estupro é mais um que desvela a triste realidade de muitas meninas brasileiras. Trago dois documentos para nos ajudar a pensar sobre o caso. De acordo com o ECA, artigo 2, considera-se criança aquelas com até 12 anos incompletos e adolescentes de 12 a 18 anos.  Além disso, de acordo com o Código Penal, artigo 217a, o estupro de vulnerável é configurado como prática libidinosa com menor de 14 anos. Em ambos os casos, a menina de 11 anos se enquadra, ou seja, ela é criança e vítima de estupro. Crianças não possuem formação corporal para serem mães nem são capazes de consentir com uma relação sexual”. 

De acordo com Mônica,

“soma-se às informações do caso a suspeita de que o autor do estupro é um adolescente de 13 anos, o que, segundo o ECA, se a suspeita for confirmada ele pode ser considerado autor de ato infracional não sendo inimputável. Entretanto, nesse caso, uma entre tantas outras coisas que mais me saltaram aos olhos é a voracidade que aqueles contrários ao abortamento em qualquer circunstância se utilizam da suspeita de que o autor seja adolescente em detrimento da criança que não tem condições de consentir com a relação sexual, isto é, ela continua sendo vítima de estupro e tendo direito ao aborto.  Isto me faz pensar o quanto é importante que crianças e adolescentes tenham acesso à educação sexual! Como diz um importante lema feminista: “Educação sexual para prevenir, contraceptivo para não engravidar e aborto legal e seguro para não morrer!”. Assim, a partir da investigação, caso o adolescente seja o autor, deveria ser pensado cuidadosamente os próximos passos já que também precisa estar sob uma rede de proteção social tendo a garantia de acompanhamentos médicos, psicológicos, das suas condições de vida, entre outros”.

A Frente Evangélica pela Legalização do Aborto compreende a criminalização do aborto como um atentado aos direitos humanos, que, além de não dar conta de impedir que os abortos sejam realizados, impõe ainda, sobre as mulheres, dor, violência e morte.

Como mulheres cristãs, o grupo que compõe a frente acredita na sacralidade da vida, e, por isso, luta por uma política pública de redução de danos, que repense o modelo punitivo de sociedade, garantindo às mulheres direitos, e não encarceramento. Em 2019, o SUS registrou, por dia, uma média de 5 internações de crianças de 10 a 14 anos por aborto (tantos os abortos previstos em lei quanto os espontâneos). Em um mês, são 150 crianças internadas por aborto – número suficiente para encher cinco ônibus escolares pequenos. Estima-se que, no Brasil, uma gravidez é interrompida voluntariamente por minuto, e que o aborto clandestino é a quinta maior causa de mortalidade materna no país.

***

Bereia conclui que as publicações do influencer católico Bernardo Kuster são enganosas. O influencer conservador, além de expor mais uma vez o caso da criança violentada, desinforma, omite e deturpa informações. Não apresenta fontes e ignora as estatísticas de morte por abortos clandestinos e o número de crianças internadas oficialmente a cada ano para realizar este procedimento.

Procura, desta maneira, com sua retórica político-religiosa, mobilizar a audiência que se coloca contra a temática do aborto como direito, presente especialmente em espaços religiosos,   para criar uma onda de desinformação num caso de relevância nacional.  

Bereia reafirma o direito de expressão de grupos religiosos que, em sua doutrina, orientam contra a prática do aborto, porém, defende que este processo deve se dar por meio de informação coerente e digna e não com recurso ao enganoso que desinforma, cria pânico e reforça o ódio contra mulheres que querem fazer seus direitos e contra seus apoiadores.. 

Referências de checagem:

The Intercept Brasil. https://theintercept.com/2022/06/20/video-juiza-sc-menina-11-anos-estupro-aborto/ Acesso em: 21 jun 2022. 

Coletivo Bereia.

https://coletivobereia.com.br/relatorio-da-cpi-da-pandemia-aponta-autoridades-e-influenciadores-de-perfil-religioso-na-rede-de-desinformacao/ Acesso em: 21 jun 2022.

https://coletivobereia.com.br/influenciador-catolico-desinforma-em-entrevista-para-jornal/ Acesso em: 21 jun 2022.

https://coletivobereia.com.br/youtuber-catolico-omite-informacoes-sobre-vacina-contra-a-covid-19-para-propagar-medo-de-efeitos/ Acesso em: 21 jun 2022. 

https://coletivobereia.com.br/grupos-evangelicos-e-olavistas-ajudaram-a-espalhar-fake-news-de-bolsonaro-sobre-esquerda-e-pedofilia/ Acesso em: 21 jun 2022.  

https://coletivobereia.com.br/donald-trump-nao-foi-vitima-de-envenenamento/  Acesso em: 21 jun 2022.  

Código Penal. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm Acesso em: 21 jun 2022.

Ministério da Saúde: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_prevencao_avaliacao_conduta_abortamento_1edrev.pdf Acesso em: 21 jun 2022.

Febrasgo. http://www.febrasgo.org.br/pt/noticias/item/1466-nota-sobre-o-documento-atencao-tecnica-para-prevencao-avaliacao-e-conduta-nos-casos-de-abortamento-ministerio-da-saude-2022 Acesso em: 21 jun 2022. 

Fantástico. https://globoplay.globo.com/v/10704503/?s=0s Acesso em: 27 jun 2022. 

Católicas pelo Direito de Decidir. https://catolicas.org.br/ Acesso em: 27 jun 2022.  

Frente Evangélica pela Legalização do Aborto. https://www.facebook.com/frenteevangelicapelalegalizacaodoaborto/ Acesso em: 27 jun 2022.  

Piauí. https://piaui.folha.uol.com.br/os-abortos-diarios-do-brasil/ Acesso em: 27 jun 2022. 

EBC. https://memoria.ebc.com.br/noticias/saude/2015/05/aborto-clandestino-e-quinta-maior-causa-da-mortalidade-das-maes Acesso em 2Acesso em: 27 jun 2022.  

Foto de capa: frame do YouTube

Sites religiosos e políticos exploram caso de suposto afastamento de diretor de escola de Sorocaba por transfobia

Circula em mídias sociais e sites religiosos a informação que o diretor da Escola Estadual Antônio Padilha, em Sorocaba (SP), foi afastado temporariamente de suas funções após barrar a entrada de uma aluna transexual no banheiro feminino.

De acordo com a publicação, duas alunas teriam reclamado da presença da estudante no banheiro. Após a intervenção, um grupo de alunos acusou o diretor de transfobia e a decisão de afastar o diretor partiu da Secretaria Estadual de Educação (Seduc-SP), que vai apurar a conduta do docente. 

Imagem: reprodução do site Pleno News

A notícia divulgada se repete da mesma forma em todos os sites, seguida de uma suposta nota oficial da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, dizendo que o desfecho do caso acontecerá após uma decisão do Conselho Escolar. Segundo o texto reproduzido, o órgão teria ressaltado que “repudia todo e qualquer tipo de discriminação, racismo ou LGBTQIAP+fobia dentro ou fora da escola”. Em todos os sites e portais não é indicada a fonte para a nota oficial , o nome de algum profissional da Secretaria de Educação ou mesmo da escola estadual. 

A nota também não se encontra no site da Secretaria de Educação. Por telefone, fomos orientados a entrar em contato com a Assessoria de Imprensa da Seduc-SP, que por sua vez respondeu ao e-mail pedindo um telefone para contato. Até o fechamento da matéria, não obtivemos resposta. 

Manifestações de apoio ao diretor

Nas mídias sociais, parlamentares se manifestaram contra o afastamento do docente. O vereador de Sorocaba Dylan Dantas (PSC) defendeu que o diretor não pode ser penalizado. O deputado estadual Douglas Garcia (Republicanos) também se pronunciou.

Douglas Garcia, representante do Movimento Conservador na Assembleia Legislativa de São Paulo (ALESP), publicou no Twitter trecho de seu discurso em plenário sobre a notícia do afastamento do diretor da escola: 

Imagem: reprodução do Twitter

Em seguida, o vereador Dylan Dantas (PSC), Representante do Movimento Conservador em Sorocaba fez duas publicações em seu perfil no Twitter

Imagem: reprodução do Twitter

Os parlamentares reproduzem apenas as notícias divulgadas pelos sites religiosos e não apresentam qualquer fonte ou informação nova que possa ser verificada. 

Homo/Transfobia nas escolas  escolas de Sorocaba e região e resistências 

O artigo “Ensinando a diversidade ou a transfobia. Um panorama da educação sobre diversidade sexual e de gênero nas escolas e sua intersecção com saúde mental”, publicado por Sara Laham Sonetti e Marcos Roberto Vieira Garcia, discute esse tema  no  panorama  nacional de forma mais ampla e na região de Sorocaba, em particular.

Segundo os autores, “a cidade de Sorocaba, embora seja sede de uma região metropolitana e esteja localizada próxima a São Paulo, se configura como um local de intensa propagação de discursos e práticas homo/transfóbicas”. 

Sara Laham e Marcos Roberto Vieira afirmam que: “As  escolas  de  Sorocaba,  infelizmente,  reproduzem  a  falta  de  aceitação  do  respeito  à  diversidade.  Como  veremos  mais  adiante  esse  processo  é  relacionado  à  presença  de  leis  municipais  que  implementam  normas  que  vão  no  sentido  contrário  das  medidas  protetivas,  sendo  em  si, medidas de dano e injúria às pessoas homossexuais e trans, além de reproduzirem erros conceituais, deixando claro o desconhecimento quanto a assuntos relacionados à identidade de gênero e sexualidade dos envolvidos na elaboração e aprovação das mesmas”.

Um exemplo disso, segundo os autores,“é a lei municipal nº 11.185 (SOROCABA, 2015), de 28 de setembro de 2015, que proíbe que o uso do banheiro ou vestiários nas escolas seja de acordo com o gênero com o qual a pessoa se identifica. Essa lei se aplica às escolas que atendem ao ensino fundamental, sejam elas públicas ou privadas. A aprovação desta lei municipal se deu no mesmo ano em que o Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoções dos Direitos de Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, aprovou uma Resolução versando o contrário, ou seja, garantindo o direito da pessoa frequentar o banheiro referente à sua identidade de gênero. Aprovada  por  15  votos  a  favor  e  03  contrários,  a  referida  lei  é  de  autoria  do  vereador  Irineu  Toleto  (PRB). Pastor da Igreja Universal do Reino de Deus, o vereador disse que o objetivo da Lei era o de proteger “o psicológico das crianças, já que o ensino fundamental abrange alunos com idade entre 7 a 14 anos”.

O artigo esclarece que, “no mesmo discurso de que não considerar a identidade da pessoa para o uso do banheiro é considerado uma  “proteção”, o “não-falar” sobre  gênero  nas  escolas  também  é  colocado  como  uma  proteção, ao contrário do que apontam os estudos que afirmam a necessidade de se falar sobre gênero justamente para  possibilitar  a  proteção  para  as  crianças  e  adolescentes  que  sejam  ou  virão  a  ser  LGBTs  e  sofrem preconceitos diversos em função disso. Instituir uma lei que negue acesso ao banheiro segundo o gênero com que a pessoa se identifica acaba funcionando como uma educação subliminar contrária ao ensino do respeito, uma vez que é passada a mensagem de que ser trans é algo errado e que deve ser ignorado, corrigido ou punido.”

A respeito de identidade de gênero e a reação popular contra a lei, os autores explicam que, “cabe ressaltar que a expressão “identidade de gênero” foi definida de forma equivocada na referida lei, que afirma que “considera-se identidade de gênero o conceito pessoal, individual, psíquico e subjetivo, divergente  do  sexo  biológico,  adotado  pela  pessoa”.  Ou  seja,  presume-se  que  só  “teria”  identidade  de gênero quem fosse trans e não as pessoas cis. Essa falta de entendimento conceitual chegou aos olhos da Defensoria  Pública  de  São  Paulo,  que  enviou  ao  prefeito  de  Sorocaba  um  ofício solicitando  o  veto à lei  sancionada.  A polêmica acerca da referida lei se iniciou ainda durante a tramitação do projeto, que foi acusado de ser transfóbico e excludente. Houve manifestações populares na Câmara dos Vereadores em Sorocaba, com os movimentos LGBT se posicionando contra tal lei”.

“O prefeito da cidade vetou a lei recém-aprovada em  29/08/2015,  alegando  que  os  órgãos  da  Prefeitura  envolvidos  com  a  análise  do  projeto  foram procurados por segmentos sociais que pediram o veto do texto e que  a Secretaria da Educação local se manifestou sobre o assunto, lembrando que a Constituição prevê que o ensino deve ter como fundamento a igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola. No entanto, esses esforços não foram suficientes e o veto foi derrubado em nova votação na Câmara dos vereadores em 22/09/2015, por 16 x 0. Os 3 vereadores que seriam a favor de manter o veto (do PT e PV) não votaram e não se manifestaram a respeito”

“Há  ainda  a  associação  feita  entre  o  acesso  ao  banheiro  a  pessoas  trans  e  possíveis  “abusos” decorrentes disso, no sentido de homens se “aproveitarem” da situação para assediar mulheres, como podemos ver no discurso do autor da referida lei, vereador Irineu Toledo: “O ensino fundamental, que está a cargo do município, vai do 1º ao 9º ano, com crianças de 6 anos a adolescentes de 14 anos. Isso significa que uma menina de 6, 7 ou 8 anos, de  acordo  com  a  portaria  do  governo  federal,  será  obrigada  a  conviver  no  banheiro feminino com um adolescente de 14 anos, bastando que ele, mesmo tendo um aparelho reprodutor masculino, se considere mulher. Como cerca de um em cada cinco estudantes brasileiros,  segundo  dados  oficiais,  estão  atrasados  na  escola  e  muitos  só  concluem o  ensino  fundamental  aos  16  anos,  a  situação  se  torna  ainda  mais  grave:  vamos  ter verdadeiros rapagões usando o banheiro das meninas”.  

“Observa-se que esse discurso inverte radicalmente o que tem sido denunciado por pesquisas e pela militância LGBT, acerca do frequente abuso direcionado às pessoas trans (em especial mulheres) quando são obrigadas a usarem o banheiro de acordo com o gênero que lhes foi designado ao nascerem”.

O que diz o Ministério da Educação

Existem projetos de lei no Congresso que buscam tratar destes temas, como o de nro. 5008/20 que proíbe expressamente a discriminação baseada na orientação sexual ou identidade de gênero em banheiros, vestiários e assemelhados, nos espaços públicos, estabelecimentos comerciais e demais ambientes de trabalho. 

O projeto tramita conjuntamente com outros que tratam de temas semelhantes e aguardam apreciação do Congresso Nacional, portanto, não existe obrigatoriedade do MEC se manifestar sobre o tema.

O processo que está sendo julgado no STF , recurso contra decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que negou indenização por danos morais a uma transexual que foi impedida de usar o banheiro feminino de um shopping center em 2008, teve o voto dos ministros Luís Roberto Barroso e Luiz Edson Fachin a favor do direito de transexuais usarem banheiros conforme sua “identidade de gênero”, ou seja, como se percebem, (homem ou mulher), independentemente do sexo a que pertencem.

Desta forma, como não existe lei específica do Congresso Nacional ou decisão do Supremo Tribunal Federal, portanto o Ministério da Educação ou a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, não estão obrigados legalmente a manifestar-se sobre a questão. 

O que é transfobia? 

Cotidianamente as pessoas transgênero são alvos de preconceito, desatendimento de direitos fundamentais (como a utilização de nomes sociais e também não conseguem adequar seus registros civis na Justiça), exclusão estrutural (dificuldade ou impedimento à educação, ao mercado de trabalho qualificado e até mesmo ao uso de banheiros) e de violências variadas, de ameaças a agressões e homicídios, o que configura a extensa série de percepções estereotipadas negativas e de atos discriminatórios contra homens e mulheres transexuais e travestis denominada transfobia, diz a Doutora em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações, pela Universidade de Brasília, Jaqueline Gomes de Jesus, em seu artigo “Transfobia e crimes de ódio: Assassinatos de pessoas transgênero como genocídio”.

A transfobia é caracterizada pelo ódio orientado aos transexuais, às pessoas que não se identificam com o seu gênero de nascimento. Tal comportamento pode ser manifestado pela violência física ou verbal contra essas pessoas. 

Em 2019, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara aprovou o projeto que criminaliza a homofobia e a transfobia (PL 7582/14). O texto pontua crime hediondo o homicídio cometido contra lésbica, gay, bissexual, travesti, transexual, intersexo e demais pessoas trans. 

A proposta inclui no Código Penal o aumento da pena de um a dois terços no caso de o crime ser cometido em razão de homofobia ou transfobia. No entanto, esse aumento de pena só é empregado se a lesão for praticada contra autoridade ou agente público, integrantes do sistema prisional e seus respectivos cônjuges e parentes até terceiro grau.

De acordo com o texto, a ofensa à dignidade e ao decoro em razão de homofobia e transfobia também é considerada crime de injúria. A pena prevista nesse caso é a mesma de ofensa por questões de raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência, com reclusão de um a três anos e multa.

Deve-se considerar que a proposta não prevê injúria punível no caso de homofobia e transfobia quando houver manifestação de crença em locais de culto religioso, salvo quando houver incitação à violência. Portanto, não se sustenta a tese comum alegada por religiosos de que seria cerceamento do direito de crença ou perseguição religiosa, como aparece em postagens em mídias sociais:

Imagem: reprodução do Twitter

Transexuais no Brasil: violência e baixa expectativa de vida

De acordo com levantamento realizado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (Antra) e pelo Instituto Brasileiro Trans de Educação (IBTE), somente em 2020 foram assassinadas 175 pessoas trans, o que representa o segundo maior número de toda a série histórica, pouco abaixo dos 179 registrados em 2017. Os dados constam no Dossiê: Assassinatos e Violência Contra Travestis e Transexuais Brasileiras, 

Os números do levantamento nacional são corroborados pelo relatório do Trans Murder Monitoring de 2019 que apontam o Brasil como o país que mais mata transexuais no mundo. No ano de 2020 o número de assassinatos apontou crescimento e em 2021, como mostra o mesmo relatório, pode-se perceber uma leve diminuição. No entanto, é possível observar diferentes percalços que a população trans atravessa nos diversos espaços da sociedade.

Com o recrudescimento do conservadorismo no espaço público nos últimos anos, uma das esferas que mais se colocou resistente em favor das pautas conservadoras, foi a religiosa. A negação de direitos básicos como saúde e educação continuam sendo tônicas em favor de uma única política de governo que não contempla a todos.

No entanto, também é possível perceber que movimentos de afirmação religiosa e sexual têm procurado se estabelecer na sociedade, com o objetivo de além de servir de lugar de acolhimento, busca também ser um lugar de atuação política, mesmo sob ataques e ameaças, como os sofridos pela pastora e teóloga feminista Odja Barros, da Igreja Batista do Pinheiro, Maceió-AL. A religiosa faz uma leitura popular e feminista da Bíblia e é autora de diversos artigos sobre estes temas. As ameaças de morte vieram após a Odja Barros celebrar, em sua Igreja, a união de duas mulheres.  As ameaças foram prontamente repudiadas pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil – CONIC. 

Igrejas inclusivas e um novo olhar sobre as minorias

Imagens: divulgação

As chamadas igrejas inclusivas, que hoje no Brasil não se configuram mais como uma novidade, vêm abrindo as portas com uma nova proposta de igreja. Revisitando as Escrituras, a teologia inclusiva busca lançar luz sobre as minorias descritas nos textos bíblicos, ao passo que enfatiza o amor como ordenamento divino principal. De acordo com o pastor Marcos Gladstone, advogado, teólogo e também fundador da Igreja Cristã Contemporânea, “Jesus acolheu o leproso, acolheu o pecador, amou incondicionalmente pessoas que a religião descartava e hoje a gente vive isso dentro da Igreja Cristã Contemporânea. A gente vem para o nosso templo viver aquilo que Jesus também viveu ao pregar e acolher aquele que era excluído pela sociedade e, principalmente, pela Igreja. Na ICC não repetimos discursos de ódio e intolerância.” 

Igrejas inclusivas no Brasil como a Igreja Cristã Contemporânea – pioneira no Brasil – , a Cidade de Refúgio, Igreja da Comunidade Metropolitana, Congregação Cristã Nova Esperança, Arena Church Apostólica, Congregação Diante do Senhor, Igreja Apostólica Avivamento Incluso, Igreja Apostólica Novo Templo Internacional, Igreja Deus Vivo InclusivoIgreja Todos Iguais, em sua maioria localizadas no Estado de São Paulo e Rio de Janeiro evocam a diversidade e a liberdade de culto como premissas de suas denominações. 

A Igreja Cristã Contemporânea, ao listar os valores que regem a instituição, afirma que o Evangelho não mudou. A diferença desta igreja em relação às demais evangélicas é o acolhimento à comunidade LGBTQIA+. Quanto às demais doutrinas que regem a fé cristã, existem muitas semelhanças.

A Igreja da Comunidade Metropolitana  afirma ser de tradição protestante, ecumênica e inclusiva. o caráter inclusivo da igreja significa compreender a mensagem de Jesus Cristo de maneira não-fundamentalista, abrindo-se aos estudos e aos conhecimentos sobre a diversidade sexual e de gênero. 

A Arena Church Apostólica se define como uma igreja cristã afirmativa, que acolhe todas as pessoas. Defende que Deus não faz acepção de pessoas, e por isso crê que o amor de Cristo é incondicional e independe de sexualidade ou identidade de gênero.

***

De acordo com as informações apresentadas, Bereia conclui que é imprecisa a informação que o diretor da escola estadual foi afastado preventivamente. Não foi obtida, até o fechamento desta matéria, resposta da Secretaria de Educação de São Paulo ao contato feito pelo Bereia, uma vez que a nota oficial não foi encontrada nos espaços digitais disponíveis. Todos os sites religiosos que publicaram sobre o caso divulgam exatamente as mesmas informações, sem fontes ou menções a funcionários públicos e profissionais da Seduc-SP ouvidos ou contatados. 

Embora não exista nenhuma lei ou decisão judicial, ou mesmo portaria do Ministério da Educação ou da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo com referência ao uso de banheiros por alunos e alunas transexuais, o respeito aos direitos das minorias é fundamental para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa, igualitária e democrática e tem sido buscado em várias políticas públicas.

Referências de checagem: 

Ministério da Educação. https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/1932471/do1-2018-01-18-portaria-no-33-de-17-de-janeiro-de-2018-1932467 Acesso em: 11 abr 2022.

Jusbrasil. https://nicolarj.jusbrasil.com.br/artigos/662330526/aluno-transgenero-podera-escolher-o-banheiro  Acesso em: 11 abr 2022.

Transrespect. https://transrespect.org/en/ Acesso em: 11 abr 2022.

Câmara dos Deputados.

https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2264620 Acesso em: 11 abr 2022.  

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=616270 Acesso em: 11 abr 2022.

https://www.camara.leg.br/noticias/703034-projeto-proibe-discriminacao-ao-uso-de-banheiros-publicos-de-acordo-com-a-identidade-de-genero/   Acesso em: 11 abr 2022.

https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2255157 Acesso em: 11 abr 2022.

Politize. https://www.politize.com.br/equidade/blogpost/o-que-e-transfobia/ Acesso em: 12 abr 2022.

Igreja Contemporânea. https://www.igrejacontemporanea.com.br/sobre Acesso em: 18 abr 2022.

Igreja da Comunidade Metropolitana. https://www.icmrio.com/a-igreja/quem-somos/ Acesso em: 18 abr 2022.

Arena Church Apostólica http://arenachurch.com.br/ Acesso em: 18 abr 2022.

Catraca Livre. https://catracalivre.com.br/cidadania/marcos-gladstone/ Acesso em: 18 abr 2022.

Artigo. Escola e infância: a transfobia rememorada. https://www.scielo.br/j/cpa/a/xCs6X8XvktzLTCzDFsVygqR/?lang=pt&format=pdf Acesso em: 18 abr 2022.

Artigo. Os cães do inferno se alimentam de blasfêmcia https://econtents.bc.unicamp.br/inpec/index.php/csr/article/view/12598/7974  Acesso em: 18 abr 2022. 

Artigo Ensinando a diversidade ou a transfobia. Um panorama da educação sobre diversidade sexual e de gênero nas escolas e sua intersecção com saúde mental. https://periodicos.feevale.br/seer/index.php/revistapraksis/article/view/1913/2505 Acesso em: 18 abr 2022. 

Glossário de Gênero. https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2018/03/19/glossario-de-genero-entenda-o-que-significam-os-termos-cis-trans-binario.htm Acesso em: 18 abr 2022.

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Imagem de capa: reprodução do site Pleno News

Conteúdo em circulação afirma que deputados querem liberar jogos de azar para igrejas

Em 24 de fevereiro de 2022 a Câmara dos Deputados aprovou, por 246 votos a favor e 202 contrários, o projeto que legaliza os jogos de apostas no Brasil,  proibidos desde 30 de abril de 1946. A iniciativa libera atividades como cassinos, bingos, jogo do bicho e plataformas digitais de apostas. A proposta seguiu para o Senado, para uma nova votação. Se for aprovado, o projeto segue para sanção do presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ), que já afirmou a intenção de vetar a proposta. Neste caso, o projeto de lei volta à Câmara dos Deputados, que tem a prerrogativa de manter ou derrubar o veto presidencial. 

Imagem: reprodução do Correio Braziliense

Em dezembro de 2021, o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), fechou um acordo com integrantes da Bancada Evangélica para que a urgência do projeto dos jogos fosse votada, ou seja, Lira conseguiu levar ao plenário a possibilidade de o assunto ser votado numa data próxima , o que acabou ocorrendo no final de fevereiro. Como contrapartida às críticas de grupos religiosos ao incentivo aos votos de azar, foi encaminhada a aprovação de uma Emenda à Constituição, já promulgada, que isenta templos religiosos alugados do pagamento de impostos. 

Antes da votação, algumas mídias de notícias publicaram que parte da Bancada Evangélica tentava apresentar mudanças à proposta original  para favorecer hospitais, entidades filantrópicas e igrejas, com base em emenda apresentada pelo deputado Fausto Pinato (PP-SP) e assinada por 14 deputados. 

O Projeto de Lei que legaliza jogos de azar no país

O PL 442/91, de autoria do deputado Renato Viana, do antigo PMDB/SC, versava exclusivamente sobre a legalização do “jogo do bicho”. Desde então, há 30 anos tramitando na Câmara, o PL recebeu várias emendas até que passou a dispor “sobre a exploração de jogos e apostas em todo o território nacional; altera a Lei nº 7.291, de 19 de dezembro de 1984; e revoga o Decreto-Lei nº 9.215, de 30 de abril de 1946, e dispositivos do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 (Lei das Contravenções Penais), e da Lei nº 10.406, de 19 de janeiro de 2002 (Código Civil)”. 

Em 2021, quando a tramitação do texto foi acelerada após o acordo fechado por Arthur Lira, o presidente Jair Bolsonaro, questionado por lideranças evangélicas, disse que vetaria o projeto. Contudo, integrantes do Palácio do Planalto, como o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI) e o próprio líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR), trabalharam pela aprovação.  

Na reta final, um dia antes da sessão de fevereiro passado, pressionado pela Bancada Evangélica,  o presidente Bolsonaro enviou por Whatsapp pedidos para que aliados barrassem o texto. Em plenário, porém, o governo decidiu liberar a base  para votação. 

Após a votação, o deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), que preside a Frente Parlamentar Evangélica e fez dura oposição ao projeto de lei, apontou Arthur Lira, Ciro Nogueira e Ricardo Barros como os principais responsáveis pela aprovação do projeto. Além das críticas aos homens fortes do Progressistas, Sóstenes Cavalcante fez seguidas publicações em seu Twitter:  criticou a aprovação do projeto, no que considerou um retrocesso no combate a corrupção, ao uso de drogas e à prostituição, fez um apelo para que o Senado não aprove a medida e agradeceu o apoio da Bancada Evangélica contra o projeto.

Imagem: reprodução do Twitter

A maioria dos integrantes da Bancada Evangélica, que é formada por 114 parlamentares, fez forte oposição à proposta, mas 15 dos deputados do grupo votaram a favor do projeto: Altineu Côrtes (PL-RJ), Andre Abdon (PP-AP), Carlos Gaguim (União Brasil-TO), Fausto Pinato (PP-SP), Jhonatan de Jesus (Republicanos-RR), Julian Lemos (União Brasil -PB), Laércio Oliveira (PP-SE), Lucas Redecker (PSDB-RS), Nereu Crispim (União Brasil -RS), Clarissa Garotinho (PROS-RJ), Tito (Avante-BA), Toninho Wandscheer (PROS-PR),  Valdevan Noventa (PL-SE), Dra. Vanda Milani (Solidariede-AC) e Joice Hasselmann (União Brasil -SP).

Imagem: reprodução do Twitter

A votação dividiu a maioria dos partidos. Apenas as bancadas de PT, PSOL, PCdoB e REDE (esse com apenas um deputado) votaram contra a proposta. Na base do governo, o carro chefe foi o PP com 34 votos a favor e apenas um contra. O PL, partido do presidente da República, votou dividido, 24 a favor e 15 contra. O Republicanos, ligado à Igreja Universal do Reino de Deus e parte da base do governo, com PP e PL, votou majoritariamente contra, apenas nove a favor e 20 contra.

Imagem: reprodução do jornal O Globo

Liberação de jogos de azar nas igrejas?

Durante a votação da proposta, diversas emendas foram apresentadas, como a proposta pelo deputado Fausto Pinato (PP-SP), membro da igreja evangélica Congregação Cristã do Brasil.

Imagem: reprodução de site da Câmara dos Deputados 

A emenda foi subscrita por 14 deputados federais: 

Imagem: reprodução da Câmara dos Deputados 

O deputado Fausto Pinato publicou uma nota oficial sobre a emenda apresentada para explicar o teor de sua proposta, sem fazer menção à legalização de jogos de azar em igrejas ou entidades filantrópicas. 

Líderes evangélicos e deputados da Frente Parlamentar Evangélica, assim como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB),  por diversas vezes marcaram posição firme contra a proposta de legalização dos jogos de apostas. De acordo com as informações apresentadas, como a íntegra da proposta de emenda do deputado Pinato, as nota oficial e informações publicadas no site do deputado, e assim como as demais propostas de emendas ao projeto original, não há menção a legalização dos jogos de azar em igrejas. O que consta na emenda de Fausto Pinato é uma proposta que buscava resguardar eventuais bingos recreativos ou beneficentes de serem enquadrados como infração penal. O deputado explicou em seu site pessoal:

“Somos contrário (sic) à votação desta proposta neste momento. Mas como o presidente da Casa, Arthur Lira, pautou para que ela seja deliberada essa semana, nós temos que aprovar um projeto que pelo menos beneficie os municípios, as Santas Casas e entidades beneficentes de saúde, assim como protege os empresários brasileiros da concorrência desleal com empresas estrangeiras”, falou o deputado.

“O PL 442/91, que revoga os dispositivos legais referentes à prática do ‘jogo do bicho’, precisa de aprimoramentos, esse é o papel do parlamento e do debate em plenário. Nosso objetivo é igualar as modalidades de jogos com base no princípio da isonomia”, pontuou Pinato na justificativa da emenda protocolizada (sic).

Com base nestas informações coletadas, Bereia classifica conteúdos referentes a uma possível manobra para a legalização de jogos de azar em igrejas como enganosa, pois as notícias e postagens distorcem o conteúdo da emenda proposta pelo deputado Fausto Pinato.

***

Referências de checagem:

Câmara dos Deputados. Íntegra do Projeto de Lei 442/1991.  https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=15460 Acesso em: 22 mar 2022. 

O Globo.

https://oglobo.globo.com/politica/bolsonaro-avisou-que-vetara-legalizacao-dos-jogos-de-azar-caso-seja-aprovada-na-camara-diz-malafaia-1-25317634 Acesso em: 22 mar 2022. 

https://blogs.oglobo.globo.com/lauro-jardim/post/bolsonaro-pede-votos-deputados-contra-projeto-de-jogos-de-azar.html Acesso em: 22 mar 2022.  

Câmara dos Deputados. Emendas apresentadas ao PL 442/91. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2139506&filename=Tramitacao-PL+442/1991  Acesso em: 22 mar 2022.   

Diário de Pernambuco. https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/politica/2022/02/deputados-querem-liberar-jogos-de-azar-para-igrejas-e-entidades-filant.html Acesso em: 22 mar 2022.   

Congresso em Foco. https://congressoemfoco.uol.com.br/area/congresso-nacional/bancada-evangelica-pressiona-governo-para-barrar-legalizacao-de-jogos/ Acesso em: 22 mar 2022.

Site oficial Fausto Pinato.

https://faustopinato.com.br/emenda-ao-pl-dos-jogos-para-beneficiar-prefeituras-e-santas-casas-e-protocolizada-por-pinato/ Acesso em: 22 mar 2022.

https://faustopinato.com.br/nota-oficial-sobre-o-pl-442-91/ Acesso em: 22 mar 2022.

IstoÉDinheiro. https://www.istoedinheiro.com.br/aprovacao-de-projeto-que-legaliza-jogos-expoe-racha-na-base-do-planalto/ Acesso em: 22 mar 2022. 

Portal R7. https://noticias.r7.com/brasilia/lider-de-bancada-evangelica-cobra-governo-contra-jogos-de-azar-23022022 Acesso em: 22 mar 2022.  

O Globo https://oglobo.globo.com/politica/legalizacao-dos-jogos-teve-votos-favoraveis-de-deputados-da-frente-parlamentar-evangelica-1-25408278 Acesso em: 22 mar 2022.  

CNBB. https://www.cnbb.org.br/nota-contra-legalizacao-jogos-de-azar-no-brasil/ Acesso em: 22 mar 2022.    

Em vídeo que volta a circular, ministra propaga pânico sobre erotização em desenhos animados e universidades

Um vídeo publicado no YouTube e amplamente disseminado nas redes sociais digitais e em sites e blogs evangélicos em 2018, voltou a circular em espaços digitais religiosos no início deste ano, conforme indicação que Bereia recebeu de leitores. 

O vídeo é parte de uma palestra da atual ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, promovida pelo Centro de Formação da Comunidade Católica Missão Maria de Nazaré (MMN), em Divinópolis (MG), em abril de 2018.  A publicação no YouTube, intitulada “Dra. Damares Alves – A ideologia de gênero faz mal para a criança”, tem mais de 54 minutos, por meio da qual a ministra cita diversos exemplos do que seria, segundo ela, a ideologia de gênero ensinada para as crianças. 

Antes de assumir o ministério no governo do presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ), em janeiro de 2019, Damares Alves,  pastora da Igreja Batista da Lagoinha, e advogada ligada à Associação Nacional de Juristas Evangélicos (ANAJURE), foi assessora do ex-senador Magno Malta e assessora jurídica da Frente Parlamentar Evangélica e da Frente Parlamentar da Família e Apoio a Vida, tendo atuado também como secretária nacional do Movimento Brasil Sem Aborto. Ficou conhecida nacionalmente, nos últimos anos, por palestras que ofereceu em diferentes comunidades cristãs, relacionadas à pauta da moralidade sexual defendida por grupos conservadores.

Depois de assumir o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do governo Jair Bolsonaro, Damares Alves se afirmou “terrivelmente cristã” apesar do Estado ser laico. Ela já esteve envolvida em uma série de polêmicas por pronunciamentos públicos que enfatizam a compreensão restritiva de gênero, simbolicamente traduzida em cores azul para meninos e rosa para meninas, e a pauta de controle da sexualidade de mulheres, de adolescentes, recentemente relacionada ao “combate à ideologia de gênero”. 

O vídeo de 2018, que voltou a circular, aborda o que a líder religiosa chama de  “subversão” dos desenhos animados clássicos e mostra supostos eventos em universidades federais pelo país, que segundo ela, seriam “antros de depravação da juventude”. 

Desenhos para corromper crianças?

No início da transmissão, a pastora mostra algumas imagens de desenhos animados clássicos da Disney e faz um alerta em tom de pânico: “olha o que eles fizeram com os desenhos animados!”. Em seguida apresenta imagens baseadas em obras da empresa de entretenimento Disney, que são “FanArts”, produções gráficas independentes baseadas em personagens, fantasias ou obras clássicas,  produzidas por um fã ou um grupo de fãs. 

“FanArts” geralmente são produzidas por artistas amadores e são facilmente encontradas na internet. Essas imagens não são de responsabilidade dos criadores originais dos desenhos e não têm qualquer relação com os estúdios, produtoras e editoras responsáveis pelas obras originais. A pastora usou exemplos de FanArts em forma de paródia (recriação de uma obra já existente, a partir de um ponto de vista predominantemente cômico) que reconstroém histórias de animações Disney dando-lhes caráter erótico e homossexual. 

Uma das imagens utilizadas por Damares Alves na palestra registrada em vídeo, cria uma cena da animação “A Bela Adormecida”, em que o príncipe que deveria salvar a princesa em sono induzido, aparece segurando no colo um homem que diz: “Bem, não se preocupe, ela dorme”. Esta FanArt pode ser encontrada em espaços na internet como aminoapps ou behance

Imagem: reprodução do YouTube

Damares Alves refere-se de forma genérica a pessoas ou grupos que estariam agindo para perverter “nossas crianças” por meio destas produções: “Acreditem: eles estão armados, articulados. O cão está muito bem articulado e nós estamos alienados”, diz a pastora na gravação. A projeção das imagens é rápida e as referências genéricas. A religiosa também não apresenta nomes (quem seriam “eles”) para que a audiência tome providências concretas, o que é característico de discursos que buscam propagar um clima de pânico permanente.

A pastora também fez críticas às produções das próprias animações que são base das FanArts. Em trecho que popularizou na cobertura noticiosa da época em que o vídeo foi primeiramente divulgado, no início de 2019, quando Damares Alves já era ministra, ela afirma que assistiu à animação Frozen, a qual avaliou como “muito bonito”, e entoou a música “Livre estou, livre estou…”. Depois declarou que a personagem Elsa ‘vai acordar a Bela Adormecida com um beijo gay’ e perguntou: “Por que que ela termina sozinha no castelo de areia, de gelo?” E  engatou a resposta: “Porque ela é lésbica. Nada é por um acaso”. 

De fato, houve uma campanha em mídias sociais nos Estados Unidos para que a personagem Elsa fosse identificada como LGBTI+, para fortalecer o movimento por direitos desta população, uma vez que nunca houve uma “princesa Disney” com esta identidade. A roteirista da animação Jennifer Lee deu entrevista ao jornal The Huffpost, em 2018, ano da palestra de Damares Alves, e admitiu a possibilidade de atender aos fãs na sequência da história, Frozen 2. A pastora, então, usou a informação da campanha e da possibilidade futura assentida pela roteirista como verdade em relação ao primeiro filme e denotou sua avaliação sobre o destino de uma mulher lésbica: o castigo de viver sozinha.


Foram muitas as críticas a Damares Alves em mídias sociais, da parte de políticos, celebridades da TV e da internet e pessoas comuns. O tuíte do deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS), de maio de 2019, foi um dos mais acessados e utilizados na cobertura noticiosa:

Imagem: reprodução do Twitter

A ministra se pronunciou pelo Facebook, à época (maio de 2019), em relação às críticas: “Fui surpreendida com mais esta polêmica que tem como base, novamente, uma pequena parte recortada de um vídeo que foi gravado durante uma de minhas palestras na igreja. Minha crítica é conhecida de todos. Eu critico é a tentativa de interferência dos ideólogos de gênero na identidade de nossas crianças. Vai um recado: Criança não namora! Criança brinca e estuda. Minha posição é contrária principalmente contra a erotização e “adultização” de crianças. Deixem nossas crianças serem crianças! Que estudem e brinquem sem que ninguém as incentivem a pular fases”, declarou.

Imagem: reprodução do Facebook

Lançada em 2020, a animação Frozen 2 frustrou as expectativas, tanto da campanha por afirmação LGBTI+ por meio da marca Disney quanto de quem usou as intrigas da internet para espalhar pânico em quem quer proteger famílias dos perigos das pautas de direitos sexuais e reprodutivos. Na segunda edição da produção, Elsa não tem uma namorada ou sequer busca um relacionamento sexual de qualquer natureza. Segundo matéria do Observatório do Cinema, fãs avaliaram que a intriga em torno de Elza ser lésbica acabou servindo mesmo como “caça cliques” em mídias sociais, isca para promoção do filme e chamariz para as pautas conservadoras por meio de pânico, caso da palestra de Damares Alves em 2018. 

Eventos corruptores em universidades federais

Ainda no vídeo da palestra em Divinópolis, em 2018, Damares Alves abordou sobre eventos e festas ocorridas em universidades federais pelo Brasil, que estariam corrompendo os jovens e promovendo badernas. A Universidade Federal da Bahia (UFBA) é a primeira mencionada na palestra. A pastora refere-se, inicialmente, à filósofa e estudiosa em teoria de gênero, dos Estados Unidos, Judith Butler, a quem chama de “maluca” e aponta como principal responsável pela ideia de “subversão da identidade”.  

Entretanto, a imagem apresentada ao fundo destas referências é a do I Seminário Queer, realizado  no Sesc Vila Mariana, em São Paulo, no ano de 2015. A data e o local do evento está no material apresentado por Damares Alves para embasar a palestra, mas mesmo assim, ela afirma que aconteceu na UFBA.

Imagem: reprodução do YouTube

O vídeo com a palestra da pastora menciona o II Seminário Internacional Desfazendo o Gênero, realizado na UFBA, em 2015, com a presença de Judith Butler. Em seguida, Damares Alves mostra uma foto que traz estudantes de costas e nus, sentados em círculo, associando a imagem ao seminário de Judith Butler. A atual ministra afirma ainda que para participar do evento os alunos tiveram que ficar “pelados no campus, para vencer as barreiras do sexo”, o que a levou a seguinte conclusão: “Não existe mais homem, não existem mais mulheres”.

A estadunidense Judith Butler é uma das principais referências mundiais de estudos de gênero, especificamente da teoria queer. Ela, de fato, esteve na UFBA, quando visitou o Brasil pela primeira vez, para a abertura do II Seminário Internacional Desfazendo o Gênero, de 5 a 7 de setembro de 2015. “Queer: cultura e subversão da identidade” foi o tema da Conferência Magna apresentada pela filósofa. 

De acordo com o material informativo do seminário, a “teoria Queer articula uma crítica à hegemonia heterossexual. A heterossexualidade, portanto, é vista e analisada como uma imposição cultural com graves consequências políticas para aqueles que não a incorporam. Originada a partir da confluência de vertentes radicais do feminismo e dos estudos gays e lésbicos, os estudos queer passaram a desenvolver análises críticas sobre como a hegemonia heterossexual tem passado a moldar até mesmo as homossexualidades contemporâneas por meio da heteronormatividade.” 

Contrariamente ao que diz Damares Alves na palestra gravada em vídeo, Judith Butler não é idealizadora da teoria Queer. Este ramo de estudos de gênero surgiu na década de 80, com diferentes de pesquisadores e ativistas. Butler ganhou alto reconhecimento por sua produção na temática.

Bereia verificou que a foto dos estudantes sem roupa foi tirada durante uma das oficinas que constavam na programação do evento, e não durante a palestra de Butler, como afirma Damares Alves no vídeo. A oficina, que ocorreu num dos pavilhões de aula (PAVIII), de acordo com veículos de notícias regionais, era parte do bloco temático do seminário no contexto “Cultura e Sociedade”. A foto foi publicada por um aluno participante, em grupo da UFBA no Facebook. 

Já a palestra de Judith Butler ocorreu no primeiro dia dos trabalhos, no Teatro Castro Alves, em ambiente fechado. Não é verdade ainda que para participar do evento os estudantes tinham que ficar nus. Foram mais de 1.500 participantes inscritos, sem qualquer exigência desta natureza. A experiência com nudez ocorreu na oficina, restrita a participantes, e em performance independente realizada por estudantes em frente ao PAVIII.

O Seminário Desfazendo o Gênero contou com 25 minicursos e 25 oficinas, entre elas performance, música e teatro.  O evento é organizado pelo Grupo de Pesquisa Cultura e Sexualidade, para reunir pesquisadores da área e ativistas do Brasil e do mundo. De acordo com organizadores, participam os que possuem interesse na área. 

Meme usado como exemplo de atividade universitária

Damares Alves também mostrou, durante a palestra gravada em vídeo, uma imagem referente  à Universidade Federal de Brasília (UNB):

Reprodução do YouTube

A imagem é a reprodução de uma publicação em perfil pessoal em mídia social, que convida pessoas a comerem alimentos preparados com plantas regadas com sangue menstrual e a conhecerem mais sobre o assunto. A pessoa que publicou, cujo nome na postagem está escondido, oferece a localização da exposição dos alimentos, o “ceubinho”, nome pelo qual é conhecido o Instituto Central de Ciências (ICC) da UNB.

Ao mostrar a imagem, a pastora afirma: “na Universidade Federal de Brasília, convidaram os alunos para comer no diretório, comidinha feita de plantas regadas a sangue menstrual! Isso mesmo. Não tem mais homens, não tem mais mulheres. A menstruação é para homens e para mulher, então vamos comer comidinha regada a sangue menstrual”.

Bereia não conseguiu localizar a publicação original e identificar a autoria, uma vez que, como nas demais imagens expostas na palestra, Damares Alves não indicou fonte ou referência. Porém, foi possível verificar que a postagem foi reproduzida em vários sites de “memes” e exposta como algo “bizarro”, tais como leninja.com.br, br.ifunny.co, me.me, entre outros, e é facilmente localizada no espaço digital, e são possíveis fontes da palestrante. 

A pastora ofereceu o conteúdo como uma prática da universidade. No entanto, é evidente que o material foi postado por um indivíduo que organizou a exposição dos alimentos fazendo uso de um espaço da universidade. 

Bereia verificou ainda que existem, sim, práticas de cultivo de alimentos que utilizam sangue menstrual como adubo. Um trabalho de conclusão do curso de Terapia Ocupacional da própria UNB refere-se a isso, com base em teoria e pesquisa de campo, bem como matéria jornalística da BBC Brasil. No entanto, não foi identificado qualquer processo de educação para estas práticas no currículo universitário. Damares Alves expôs aos presentes na palestra suas conclusões relacionadas a “ideologia de gênero” sem oferecer explicações sobre a origem da situação e os levou a compreender que tal prática foi um evento organizado pela universidade.

Foto colhida na internet atribuída a atividade curricular

O vídeo da palestra da pastora também expôs o que foi apresentado como  um “ritual” na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde “as pessoas riam da Bíblia e fumam muita maconha. E que era uma demonstração artística pra ganhar nota”, segundo Damares Alves. 

Ao apresentar uma imagem, com pessoas nuas ao redor de um crânio, a ministra insinuou se tratar de um ritual macabro, que ocorreu durante um evento intitulado “Xereca satânica”. Segundo ela, essa programação teria sido organizada por feministas da UFRJ, com o propósito de ir “contra os homens e a favor da ideologia de gênero”.  E passou a descrever sua interpretação de como ocorreu o suposto ritual que teria envolvido uma “vagina costurada” e seria uma aula de arte, para “ganhar nota no final”,  que envolveu uso de maconha.

O evento de fato ocorreu, no ano de 2014, mas na Universidade Federal Fluminense (UFF), no Campus de Rio das Ostras, e não na UFRJ, como informou Damares Alves. O caso chegou a ser alvo de inquérito da Polícia Federal, com indiciamento das pessoas envolvidas por atos obscenos em local público e investigação da UFF. Após quatro anos de investigações, o Ministério Público Federal reconheceu que não houve crime por parte de nenhum dos acusados, e arquivou o processo.

Damares Alves não falou a verdade quando afirmou que o evento era  uma aula de artes que valia nota para os estudantes. O caso ocorreu no contexto de uma confraternização de estudantes que encerrou o seminário Corpo e Resistência, organizado em 2014, pelo Curso de Produção Cultural da UFF. Esse evento também é parte das atividades do Grupo de Pesquisas “Cultura e Cidade Contemporânea: arte, política cultural e resistência.”  É fato que durante a festa houve performances pelo Coletivo Coiote, convidado pela organização do evento, mas eram manifestações autônomas e não um conteúdo curricular condicionado à atribuição de notas a estudantes, como afirma a atual ministra.

O chefe do Departamento de Produção Cultural da UFF, Daniel Caetano, na ocasião, declarou que “esse tipo de apresentação tem o propósito de chocar a sensibilidade das pessoas e fazê-las pensar sobre seus próprios limites, sendo uma realidade a costura da parte genital na arte contemporânea”.  As investigações não comprovaram, portanto, a realização de ritual satânico. Não há referências ao Cristianismo ou a qualquer outra religião e seus símbolos, e não há registro de que os envolvidos fizessem uso de drogas, que aparecem na interpretação da ministra.

Outro exemplo exposto por Damares Alves na palestra foi a “Oficina de Siririca”, apresentada pela pastora ao público presente como um evento de recepção aos calouros na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Foi projetada a seguinte imagem:

Reprodução do YouTube

O evento de fato ocorreu em 2014 e teve repercussão em mídias sociais. No entanto, foi publicada em espaços noticiosos, na época, a afirmação da Assessoria de Imprensa da UFOP de que a oficina não era um evento de recepção aos calouros como repetiu a ministra, mas uma ação específica do Centro Acadêmico (CA) de estudantes do Curso de Serviço Social para os novos integrantes da universidade, aberto para quem desejasse participar, sem obrigatoriedade. À época, a universidade informou, em nota, que “respeita a diversidade do pensamento e o debate democrático sobre quaisquer assuntos relacionados à sexualidade, gênero e comportamento no âmbito de seus institutos”. 

Logo depois da “Oficina de Sirica, surgiu nas redes sociais digitais dos alunos da UFOP um novo evento.  Dessa vez,  uma “Oficina de Punheta”, apenas uma paródia feita por alunos e não uma programação oficial Universidade ou Centro Acadêmico, como indicado na imagem veiculada no vídeo da palestra da pastora. 

Reprodução do Youtube

Damares Alves expôs ainda imagem sobre a “Oficina de Empoderamento de Buceta”, sobre a qual disse: “eu que pago”, numa referência ao que havia dito no início da sua apresentação: “nós é que pagamos por isso (os eventos nas universidades), é ou não uma palhaçada?”.

Reprodução do Youtube

O evento foi  organizado pelo Diretório Central de Estudantes (DCE) da Universidade Federal do Piauí (UFPI) e não era parte da agenda oficial e do currículo da universidade, como Damares Alves faz parecer em seu discurso. A divulgação causou grande repercussão nas redes sociais digitais. Andréa Rufino, médica, sexóloga e pesquisadora em saúde, gênero, sexualidade e direitos humanos, convidada para participar do evento, foi vítima de ofensas e ameaças de perfis anônimos.

O DCE publicou uma “Nota de Esclarecimento” no Facebook com a justificativa da atividade, além de se defender e condenar os ataques. 

***

Com base na pesquisa desenvolvida a partir do vídeo enviado por leitores, Bereia classifica o conteúdo da palestra proferido pela pastora Damares Alves, atual ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos do governo federal do Brasil, como enganoso. A religiosa tem por objetivo criar pânico moral em torno do tema “ideologia de gênero”, conteúdo inventado para desenvolver oposição a temas referentes a direitos das mulheres e da população LGBTI+, como Bereia já publicou em várias matérias.

Seguindo uma prática que já vinha de outros eventos em que participou, Damares Alves faz um discurso exaltado, emotivo,  com o uso de imagens de eventos e situações  retiradas do seu contexto para oferecer sua interpretação de fatos e chamar a atenção dos participantes para a sua pauta. 

Neste vídeo que voltou a circular, há um esforço de fazer crer que há uma ação conspiratória para erotizar crianças e jovens (exemplos das animações Disney), que tomou também as  universidades públicas reduzindo-as em espaços de baderna e de perversão, e não instituições educacionais, formadoras de profissionais em várias áreas e produtora de ciência É fato que episódios controversos e ilegítimos ocorrem e, por vezes, acabam sendo alvo de investigação administrativa e judicial, como foi verificado, mas são promovidos por pessoas ou grupos de forma autônoma, não sendo parte da programação oficial da instituição ou do currículo acadêmico, como a atual ministra quer levar seu público a acreditar.

Bereia registra preocupação com o papel que a empresa Google, proprietária do Youtube, tem desempenhado na propagação de desinformação, como é o caso deste vídeo com conteúdo enganoso, que permanece na plataforma há quatro anos e segue sendo usado para desinformar. A campanha Fake News Mata (pessoas e democracias) tem denunciado esta situação e pressionado a Google para agir contra esta negação do direito à informação e não  lucrar com veiculação de conteúdo que desinforma.

Referências de checagem: 

Pavablog. https://www.pavablog.com/2013/05/11/magali-cunha-analisa-discurso-de-damares-alves-apresenta-elementos-criticos-genericos-e-imprecisos-inverdades-e-manipulacao-explicita-de-dados/ Acesso em: [20 fev 2022]

I Seminário Queer. https://www.pagu.unicamp.br/pt-br/i-seminario-queer Acesso em: [20 fev 2022]

UOL.https://educacao.uol.com.br/noticias/2014/09/16/recepcao-de-calouros-tem-oficina-de-siririca-na-ufop.htm Acesso em: [20 fev 2022]

Portal Justificando https://portal-justificando.jusbrasil.com.br/noticias/591267689/saude-sexual-empoderamento-feminino-e-o-panico-moral Acesso em: [20 fev 2022] 

Ministério da Educação. https://www.gov.br/pt-br/noticias/educacao-e-pesquisa/2020/10/censo-da-educacao-superior-mostra-aumento-de-matriculas-no-ensino-a-distancia#:~:text=A%20pesquisa%20tamb%C3%A9m%20aponta%20que,Centros%20Federais%20de%20Educa%C3%A7%C3%A3o%20Tecnol%C3%B3gica

Jornal Folha de São Paulo https://ruf.folha.uol.com.br/2019/ranking-de-universidades/principal/ Acesso em: [20 fev 2022]

BBC Brasil. https://www.bbc.com/portuguese/brasil-57812736 Acesso em: [20 fev 2022]

Poder 360. https://www.poder360.com.br/governo/estado-e-laico-mas-sou-profundamente-crista-diz-damares-ao-assumir-ministerio/ Acesso em: [20 fev 2022]

EXAME. https://exame.com/brasil/menino-veste-azul-e-menina-veste-rosa-diz-damares-em-video/   Acesso em: [20 fev 2022]

Aos Fatos. https://www.aosfatos.org/noticias/desvendamos-noticias-falsas-de-damares-alves-contra-ideologia-de-genero/ Acesso em: [20 fev 2022]

Aminoapps. https://aminoapps.com/c/gay-pt-br/page/blog/e-se-as-princesas-da-disney-fossem-principes/kjP4_dLFGu7jlZeBpBqbl3NxlVJVYK0Wr7 Acesso em: [20 fev 2022]

Behance. https://www.behance.net/search/projects?search=DISNEY+FANART&tracking_source=typeahead_search_direct Acesso em: [20 fev 2022]

Estado de Minas. https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2019/05/13/interna_politica,1053417/damares-diz-que-princesa-elsa-do-filme-frozen-e-lesbica.shtml Acesso em: [20 fev 2022]

Huffpost. https://www.huffpost.com/entry/frozen-director-elsa-girlfriend_n_5a9388c5e4b01e9e56bd1ead Acesso em: [20 fev 2022]

Observatório de Cinema https://observatoriodocinema.uol.com.br/artigos/2020/01/e-lesbica-frozen-2-enfim-responde-duvida-sobre-sexualidade-de-elsa#:~:text=Isso%2C%20no%20entanto%2C%20n%C3%A3o%20aconteceu,seja%20l%C3%A9sbica%2C%20mas%20sim%20assexual. Acesso em: [20 fev 2022]

Justificando http://www.justificando.com/2018/07/17/caso-xereca-satanica-juiz-decide-que-manifestacao-artistica-nao-e-crime/ Acesso em: [20 fev 2022]

O Globo. https://oglobo.globo.com/brasil/performance-ou-crime-12698298 Acesso em: [20 fev 2022]

Bereia. https://coletivobereia.com.br/?s=ideologia+de+g%C3%AAnero Acesso em: [20 fev 2022]

Campanha Fake News Mata. https://www.fakenewsmata.org/ Acesso em: [20 fev 2022]

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Imagem de capa: reprodução YouTube

Médico que afirmou existência de grafeno nas vacinas foi assassinado, segundo vídeo que circula nas redes

* Matéria atualizada em 14/02/2022 às 08:48

Circulou em grupos de igrejas no WhatsApp uma notícia do site espanhol “Un Católico Perplejo”, com a afirmação de que o médico Andreas Noack foi assassinado após divulgar um vídeo em que declara que algumas vacinas contra a covid-19 têm grafeno em sua composição. O texto que acompanha o link da matéria é o seguinte:

ANDREAS NOACK, PhD EM QUÍMICA, É ASSASSINADO POR DIVULGAR INFORMAÇÕES EM VÍDEO SOBRE O HIDRÓXIDO DE GRAFENO NAS “VACINAS EXPERIMENTAIS”

28 novembro 2021

Este homem era Andreas Noack, médico em química e especialista em carbono, foi recentemente assassinado, dias depois de publicar um vídeo sobre o grafeno nas “vacinas experimentais”. Cinco dias após a publicação do vídeo, sua mulher publicou um vídeo contando que o Doctror foi agredido e assassinado. O médico já havia sido preso pela polícia no ano passado durante uma transmissão ao vivo.

É um tipo de “veneno” (se se pode chamar assim) que difilmente seria detectado numa necrópsia. Ouçam o video inteiro e com atenção, antes de emitir uma opinão. E pesquisem artigos e estudos estrangeiros, pois no Brasil a censura a informações confiáveis é muito grande. Querem manter  as pessoas presas a uma narrativa falsa.

Assistam o vídeo vídeo pelo qual o médico foi assassinado, e onde relata o motivo da morte de atletas, e se coloca contra a vacinação em crianças:

Façam download destes vídeos, que logo serão apagados da internet.

A notícia foi divulgada originalmente no grupo do Telegram do portal Quinta Columna,  fundado pelo espanhol Ricardo Delgado Marín. O portal e seu grupo do Telegram, que conta com mais de 42 mil membros, são  conhecidos canais de desinformação, principalmente com informações falsas sobre a covid-19.

Imagem: reprodução da internet

O site Un Católico Perplejo afirma que vídeo divulgado pelo médico assassinado é baseado em estudo de uma universidade espanhola confirmando a presença do grafeno nas vacinas. Este suposto estudo foi alvo de checagem da agência Lupa  e da AFP Checamos e já foi desmentido. O estudo nunca existiu. Católico Perplejo faz referências a outros portais de desinformação e jamais apresenta dados concretos ou pesquisas reais. 

Bereia checou as informações e o médico Andreas Noack não foi assassinado como  afirma a publicação, mas morreu de causas naturais, como verificado por diversas agências de checagem pelo mundo, como a estadunidense Lead Stories,  a italiana Bufale e pelas brasileiras Boatos.orgLupa. Esta teoria da conspiração viajou em diversos idiomas e de diferentes maneiras, e foi desmentida pelas agências com base em informações da própria esposa de Andreas Noack e relatos da autoridade policial local no Twitter :

“Podemos informar que, durante a última semana, na área de responsabilidade do Quartel-General da Polícia da Francônia Central, nenhum fato foi conhecido da polícia segundo o qual um homem morreu após um assalto no distrito de Fürth”. 

A informação publicada na página da polícia local foi uma resposta ao questionamento sobre o suposto assassinado de Andreas Noack naquela região. 

Bereia acompanha as demais agências de checagem e classifica o conteúdo que circula em grupos de WhatsApp religiosos como falso. Estas postagens servem a grupos antivacina e a grupos contrários a medidas preventivas contra a covid-19, partidários da extrema-direita política, para espalhar medo e rejeição ao processo de vacinação.

Esta‌ ‌checagem ‌foi sugerida por leitores através do WhatsApp do Coletivo Bereia. Caso tenha alguma dúvida ou  sugestão de verificação, entre em contato conosco pelo número (38) 98418-6691.

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Referências de checagem:

UOL. https://www.uol.com.br/tilt/noticias/afp/2021/10/01/o-grafeno-um-promissor-nanomaterial-que-alimenta-a-desinformacao.htm Acesso em: 14 dez 2021.

Agência Lupa. https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2021/07/15/verificamos-vacinas-oxido-grafeno/ Acesso em: 14 dez 2021.

https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2021/12/08/verificamos-vacina-grafeno-quimico/ Acesso em: 14 dez 2021.

Boatos.org. https://www.boatos.org/mundo/andreas-noack-assassinado-descobrir-grafeno-vacinas-contra-covid-19.html Acesso em: 14 dez 2021.

Lead Stories. https://leadstories.com/hoax-alert/2021/11/fact-check-there-is-no-evidence-german-chemist-dr-andreas-noack-died-from-unnatural-causes.html Acesso em: 14 dez 2021.

Bufale. https://www.bufale.net/che-fine-ha-fatto-il-dottor-andreas-noack-tra-ossido-di-grafene-nei-vaccini-e-voci-sullomicidio/ Acesso em: 14 dez 2021.

G1. https://g1.globo.com/ciencia/noticia/2021/10/01/grafeno-material-que-pode-revolucionar-a-medicina-e-alvo-de-fake-news-em-campanhas-que-desestimulam-a-vacinacao-contra-a-covid-19.ghtml Acesso em: 14 dez 2021.

AFP. https://checamos.afp.com/http%253A%252F%252Fdoc.afp.com%252F9MF8KX-1 Acesso em: 14 dez 2021.

Vídeo da esposa de Andreas Noack. https://drive.google.com/file/d/1timbdhTO2KDtwnyLw8K04SsW2iiPFRki/view Acesso em: 14 dez 2021.

Twitter. https://twitter.com/PolizeiMFR/status/1465626339197784066 Acesso em: 14 dez 2021.

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Imagem de capa: reprodução da internet

Líder evangélico afirma que cristãos começaram a ser perseguidos no Brasil

*Matéria atualizada em 26 nov 2021 às 20:20

O pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia publicou em seu perfil no Twitter um vídeo sobre a notícia de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre o Ministério Público da Bahia e um pastor de Ipiaú, cidade do sul do estado. Durante um culto, transmitido também pelo YouTube, esse pastor havia utilizado o termo pejorativo “homossexualismo”. O religioso ainda orientou que os fiéis não consumissem produtos de duas grandes empresas que haviam feito campanhas publicitárias no Dia do Orgulho Gay. O ato foi denunciado como homofobia e o TAC foi proposto. Nele, o pastor comprometeu-se a se retratar durante o culto e não utilizar mais o termo “homossexualismo”.

A partir do fato, o pastor Malafaia pontuou no vídeo que teria começado uma perseguição religiosa contra evangélicos e sustenta que a decisão do MP da Bahia fere o artigo 5o. da Constituição Federal, sendo uma afronta aos direitos individuais. Ele afirma que dessa forma pastores poderão ser presos pelo que falam dentro de suas igrejas. Malafaia também afirmou que a interpretação de que o termo “homossexualismo” é relacionado a doença seria  “o absurdo dos absurdos”.

Imagem: reprodução do Twitter

“Homossexualidade”, e não “homossexualismo”: quando e por que houve essa mudança

Em 1886, o psiquiatra alemão  Richard von Krafft-Ebing publicou a obra Psychopathia Sexualis. O Tratado de Krafft-Ebing constitui, naquele período, um texto unificador dos conhecimentos até então elaborados de maneira esparsa e assistemática no campo médico-psiquiátrico a respeito da sexualidade humana.

Para definir a normalidade em relação à qual determinados comportamentos sexuais seriam considerados desviantes, Krafft-Ebing  recorreu à noção biológica, portanto natural, de “preservação da espécie”. O prazer obtido da relação sexual seria natural na medida em que contribui para a reprodução. Portanto, todo erotismo praticado fora desse contexto deveria ser considerado como desviante.

O termo “homossexual” não foi utilizado até meados do século 19. As práticas homoeróticas sempre existiram, mas os sujeitos não eram rotulados como tais. O termo só foi utilizado em 1869, por Karl Maria Kertbeny, argumentando contra o código que criminalizava a homossexualidade. Já em 1886, Richard von Kraft-Ebing utilizou o termo “homossexual” para descrever o que ele considerava ser um desvio, uma doença.

A Organização Mundial de Saúde incluiu o “homossexualismo” na classificação internacional de doenças de 1977 (CID) como uma doença mental, mas, na revisão da lista de doenças, em 1990, a orientação sexual foi retirada. Desde então, o termo “homossexualismo” – com ISMO no final – passou a ser considerado pejorativo, já que o sufixo, que também tem outros significados, ficou marcado por remeter à classificação como doença. Já o termo “homossexualidade” refere-se à atração física e emocional por uma pessoa do mesmo sexo, uma orientação sexual. Estudos mais avançados fazem uso do termo “homoafetividade”, levando em conta a relação humana que está para além do ato sexual.

Entretanto, apesar desta resolução internacional, cada país e cultura trata a questão da homossexualidade de maneira diferente. O Brasil, por exemplo, por meio do Conselho Federal de Psicologia, deixou de considerar a opção sexual como doença ainda em 1985, antes mesmo da resolução da OMS. Por outro lado, a China tomou a atitude apenas em 2001.

De acordo com dados publicados no ano passado pela organização Associação Internacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Trans e Intersexuais (ILGA), em 70 países a homossexualidade ainda é criminalizada.

O artigo 5o. da Constituição e a prisão de pastores

Silas Malafaia cita que a postura do Ministério Público seria uma afronta ao artigo 5o. da Constituição. No vídeo, ele se refere a dois incisos (parágrafos) específicos:

“O artigo 5o. é cláusula pétrea, ninguém pode mudar. Vamos ao inciso VI: inviolável, vou repetir, inviolável a liberdade de consciência e de crença, [sendo assegurado] o livre exercício dos cultos religiosos [e garantida, na forma da lei], a proteção aos locais de culto e a suas liturgias. Lugar do culto é inviolável”. E em seguida: “Inciso VIII: ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa [ou de] convicção filosófica ou política”.

O pesquisador em Religião e Política João Luiz Moura, que é coordenador de projetos no Instituto Vladimir Herzog e pesquisador visitante no Instituto de Estudos da Religião (ISER), explicou ao Bereia que Malafaia cita os incisos corretamente, mas ignora o caput do artigo 5o., ou seja, o enunciado principal, que orienta os incisos:

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”

“Claro que todos são livres para fazer o que querem, conquanto que isso não atinja exatamente a liberdade de todos e todas. Nesse caso concreto que a estamos discutindo aqui não é que o pastor está deixando de exercer a sua liberdade ao proferir um discurso religioso em torno de qualquer tema que seja.  É que o pastor está violando a liberdade de alguém ser o que é, nesse caso de alguém exercer a sua sexualidade”, explica João. “Então aqui nesse caso, e no Direito, o que prevalece é justamente o direito do indivíduo de exercer sua liberdade,  nesse caso sexual. O pastor não está deixando de exercer sua liberdade de crença religiosa”.

João Luiz Moura também sublinha que Malafaia faz um “jogo de linguagem” sobre pastores que poderiam ser presos. “Na verdade, qualquer pessoa pode ser presa se cometer discriminação sexual e racial, se violentar, agredir ou incitar ódio em questões de raça ou sexo”. O pesquisador ainda ressalta que o conteúdo do TAC entre o pastor e o Ministério Público não foi colocado a público. E que se o pastor não concordasse, ele poderia recorrer na Justiça, e o caso seria levado para instâncias superiores. 

Perseguição de evangélicos não ocorre no Brasil

Sobre a perseguição alegada pelo pastor Malafaia, é mais um eco da suposta “cristofobia” existente no país, mencionada inclusive pelo presidente Jair Bolsonaro em discurso na Organização das Nações Unidas. A “cristofobia” tem sido usada para se referir a episódios de preconceito e discriminação contra evangélicos, embora não exista no país um sistema estruturado de perseguição violenta contra esse setor religioso.

O Brasil não aparece nas pesquisas sobre países que perseguem cristãos, e não podemos afirmar que exista perseguição aos cristãos aqui, pois cristãos não são presos, condenados, expulsos de suas casas ou perseguidos por sua fé. Eles têm plena liberdade de culto e de expressão.

Podemos considerar que dentro contexto político e religioso do Brasil, onde grande parte dos evangélicos ainda apoia o Presidente da República e setores conservadores da sociedade, religiosos ou não, são constantemente mobilizados pelos discursos do presidente e de seus apoiadores, em temas como “Ideologia de Gênero”, defesa da família ou perigo comunista, o termo cristofobia é mais um utilizado dentro da retórica conservadora para mobilizar seus apoiadores

Desta maneira, o uso do termo cristofobia por alguns setores evangélicos e políticos do Brasil seja uma maneira de “tentar equiparar” a perseguição e a discriminação violenta sofrida por LGBTs, negros e outras minorias. 

O professor de Direito da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Renan Quinalha, professor de Direito da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) afirma que é “é evidente que cristãos são perseguidos em outros países, mas isso não acontece no Brasil, onde eles são a esmagadora maioria. Sem negar que existam casos concretos e isolados de preconceito, mas me parece que essa operação de falar em cristofobia é falaciosa. Ainda mais guardando analogia com outras fobias, que são estruturais, institucionais e culturais no Brasil, como racismo e LGBTfobia”. 

João Luiz Moura complementa: “Nós não vemos um monte de pastores sendo presos em todo o Brasil porque falam contra questões sexuais. Pelo contrário, dominicalmente pode-se ir à grande maioria das igrejas brasileiras e ver um pastor falando ‘teologicamente’, ‘biblicamente’ sobre questões sexuais e inclusive contra a comunidade LGBTQIA+ e não sendo denunciado nem condenado. Isso aconteceu de maneira isolada nessa cidade da Bahia e o pastor Malafaia toma isso como seu exemplo absoluto a fim de construir uma linguagem, uma narrativa, uma performance, de um fantasma que é a perseguição e a cristofobia no Brasil”.

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Bereia conclui que as informações divulgadas por Silas Malafaia no vídeo em sua conta do Twitter são falsas. Não há evidências de perseguição religiosa aos evangélicos no Brasil e ao citar os incisos do artigo 5o., o pastor ignora o caput do artigo. Além disso, o termo “homossexualismo” é associado a doença, ao contrário do que diz o pastor, conforme a mudança de abordagemda Organização Mundial de Saúde, a fim de evitar discriminação contra as pessoas e suas orientações sexuais diversas.  Pode-se concluir que a alegação de perseguição faz parte de estratégia para produzir pânico moral e mobilizar os evangélicos no alinhamento político com pautas da extrema-direita, incluindo o  governo federal.

Referências:

Tribuna da Bahia. https://www.trbn.com.br/materia/I49621/ap-s-acordo-com-mp-pastor-de-ipia-se-retrata-por-conte-do-homof-bico Acesso em: 26 nov 2021.

Scielo Brasil. https://www.scielo.br/j/rlpf/a/cnRtXwjGCBk9DHqbS6Lqf8g/?lang=pt Acesso em: 26 nov 2021.

BBC Brasil. https://www.bbc.com/portuguese/internacional-48801567 Acesso em: 26 nov 2021.

Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/constfed.nsf/fc6218b1b94b8701032568f50066f926/54a5143aa246be25032565610056c224?OpenDocument Acesso em: 26 nov 2021.

Pew Research Center. https://www.pewresearch.org/fact-tank/2021/09/30/key-findings-about-restrictions-on-religion-around-the-world-in-2019/ Acesso em: 26 nov 2021.

Bereia. https://coletivobereia.com.br/cristofobia-uma-estrategia-preocupante/ Acesso em: 26 nov 2021.

BBC Brasil. https://www.bbc.com/portuguese/brasil-54254309 Acesso em: 26 nov 2021.

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Imagem de capa: reprodução do Twitter

Site religioso afirma que LEGO vai lançar brinquedos com “ideologia de gênero”

O site de conteúdo religioso Gospel Prime afirmou, em matéria publicada em 23 de outubro de 2021, que a  fabricante de brinquedos para crianças Lego anunciou novos projetos com “ideologia de gênero” e que a decisão foi tomada após pesquisa realizada por um “grupo ativista”.  

A matéria, baseada em conteúdo publicado pelo jornal britânico The Guardian, relata que a empresa irá atuar contra o “preconceito de gênero e estereótipos nocivos”, e que os brinquedos da Lego não terão mais personagens masculinos ou femininos. 

Imagem: reprodução do site Gospel Prime

Além disso,  trata do estudo realizado pelo Instituto Geena Davis de Gênero na Mídia, uma organização sem fins lucrativos, fundada em 2004 pela premiada atriz estadunidense, dedicada a pesquisar a representação de gênero na mídia e defensora da igualdade de representação das mulheres. Classificado na matéria como“grupo ativista subsidiou o novo projeto de LEGO”, o a organização teria mostrado na pesquisa, segundo o site de notícias, “que as brincadeiras e as carreiras futuras continuam desiguais, pois pais e meninos são fanáticos para rotular brinquedos de meninas”.

Por fim, Gospel Prime expõe dados da matéria do  The Guardian, que mostram que 71% dos meninos entrevistados relataram ter medo de serem ridicularizados caso brincassem com “brinquedos de meninas”, o mesmo foi compartilhado pelos pais.

Instituto Geena Davis e LEGO

O Instituto Geena Davis de Gênero na Mídia é colaborador de gigantes do entretenimento ao redor do mundo. Em 2019, os estúdios Walt Disney firmaram parceria com o instituto para utilização de um software de mapeamento dos roteiros e identificar se a participação de homens e de mulheres é equivalente.

Além disso, divulga uma série de pesquisas em parceria com outros institutos e organismos internacionais, como o estudo desenvolvido em conjunto com ONU Mulheres e a Fundação Rockefeller. Considerado o primeiro estudo global sobre personagens femininos em filmes populares, revelou uma profunda discriminação e uma estereotipagem generalizada de mulheres e meninas na indústria cinematográfica internacional. 

Bereia checou as informações que indicam que o que a Lego pretende, e consta na matéria do The Guardian, é combater estereótipos prejudiciais para meninos e meninas.  A companhia dinamarquesa de brinquedos solicitou o relatório ao Instituto Geena Davis para o Dia Internacional das Meninas, estabelecido pela ONU em 11 de outubro. A Lego afirmou ao The Guardian que trabalha para remover o preconceito de gênero em sua linha de produtos e  promover a nutrição e o cuidado, bem como a consciência espacial, o raciocínio criativo e a solução de problemas.

Desta maneira, a maior companhia de brinquedos do mundo pretende acabar com o estereótipo de profissões destinadas aos homens e às mulheres e mostrar que qualquer atividade pode ser exercida por ambos os sexos. 

A pesquisa do Instituto Geena Davis, realizada com 7 mil pais, mães e crianças de sete a 14 anos de sete países, descobriu que pais e mães de ambos os sexos classificavam os homens como “mais criativos”, tinham seis vezes mais probabilidade de pensar em cientistas e atletas como homens em vez de mulheres, e mais de oito vezes mais probabilidade de pensar em engenheiros como homens. Desta maneira, a Lego concluiu que seu trabalho é encorajar meninos e meninas a  brincarem com as peças oferecidas pela empresa que possam ter sido tradicionalmente vistas como feitas “não para eles e elas”. 

A Lego afirma que está de acordo com a visão de que os comportamentos associados aos homens são mais valorizados, até que as sociedades reconheçam que os comportamentos e atividades tipicamente associados às mulheres são tão valiosos ou importantes, que pais e filhos passem aadotá-los”.

Bereia checou a pesquisa publicada pelo Instituto Geena Davis e os resultados não revelam que os “ pais e meninos são fanáticos para rotular brinquedos de meninas”, como afirma Gospel Prime. Esta frase não corresponde aos conteúdos. A questão é, como indicado aqui, a valorização maior das famílias aos trabalhos supostamente dedicados aos homens, como engenharia ou atividades acadêmicas, além de alguns esportes, que, segundo a companhia de brinquedos precisa ser revista pois é uma visão que desvaloriza a capacidade das mulheres.

Manipulação de dados e desinformação

Portais de notícias religiosas estão entre os maiores propagadores de desinformação no país. A ideia elaborada em torno de uma“ideologia de Gênero”, uma estratégia discursiva e arma política,  tem espaço garantido nas mídias religiosas e nas declarações de políticos e líderes religiosos. Gospel Prime publica diversas matérias com a abordagem deste tema e algumas já foram checadas pelo Coletivo Bereia. 

Um levantamento da editora-geral do Bereia Magali Cunha, sobre os dois anos de atuação do coletivo, aponta que “ideologia de gênero”, pode ser classificada como a mais bem-sucedida concepção falsa criada no âmbito religioso. Ela indica que, surgido no ambiente católico e abraçado por distintos grupos evangélicos, que reagem negativamente aos avanços políticos no campo dos direitos sexuais e reprodutivos, o termo trata de forma pejorativa a categoria científica “gênero” e as ações diversas por justiça de gênero, atrelando-as ao termo “ideologia”, no sentido banalizado de “ideia que manipula, que cria ilusão”. A “ideologia de gênero”, nesta lógica, é falsamente apresentada como uma técnica “marxista”, utilizada por grupos de esquerda, com vistas à destruição da “família tradicional”, gerando pânico moral e terrorismo verbal entre grupos religiosos. A matéria de Gospel Prime sobre os brinquedos Lego segue esta orientação. 

Bereia conclui, portanto, que a matéria publicada por Gospel Prime é enganosa, pois trata de um projeto de fato divulgado pela companhia dinamarquesa Lego e de um estudo publicado pelo Instituto Geena Davis. Entretanto, se baseia em matéria do jornal The Guardian, distorce dados, manipula informações e utiliza termos inexistentes.

Lego afirma buscar acabar com estereótipos prejudiciais para meninas e meninos. Diz que projeta incentivar meninas e pais a buscarem qualquer atividade e principalmente, mostrar aos meninos que não existem atividades destinadas unicamente às meninas e assim levar essas crianças a buscar atividades prazerosas que muitas vezes são abandonadas por vergonha ou medo da reprovação de pais e amigos. 

Referências:

The Guardian. https://www.theguardian.com/lifeandstyle/2021/oct/11/lego-to-remove-gender-bias-after-survey-shows-impact-on-children-stereotypes Acesso em 25/10/2021.

Geena Davis Institute.

https://seejane.org/ Acesso em 25/11/2021.

https://seejane.org/research-informs-empowers/lego-creativity-study/  Acesso em 25/11/2021.

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/ideologia-de-genero-estrategia-discursiva-e-arma-politica/ Acesso em 02 nov 2021.

Agência Pública. https://apublica.org/2020/08/grupo-de-midia-evangelica-que-pertence-a-senador-bolsonarista-e-um-dos-que-mais-dissemina-desinformacao-afirmam-pesquisadores/ Acesso em 02 nov 2021. 

Tecmundo. https://www.tecmundo.com.br/cultura-geek/146589-disney-contrata-instituto-geena-davis-checar-vies-roteiros.htm Acesso em 02 nov 2021.

 ONU Mulheres. https://www.onumulheres.org.br/noticias/industria-cinematografica-global-perpetua-a-discriminacao-das-mulheres-aponta-estudo-da-onu-mulheres-geena-davis-institute-e-fundacao-rockefeller/ Acesso em 02 nov 2021.  

Coletivo Bereia.
https://coletivobereia.com.br/site-evangelico-diz-que-pediatra-defende-masturbacao-infantil/ Acesso em 11 nov 2021.ONU. https://www.un.org/en/observances/girl-child-day Acesso en 11 nov 2021.

Site religioso repercute carta sobre suposta morte decorrente da vacina AstraZeneca

O site Pleno.News divulgou a seguinte matéria, em 19 de setembro: “Mãe que perdeu o filho após vacina escreve carta a Queiroga”. A mãe em questão é Arlene Ferrari Graf, e a carta que foi destinada ao Ministro da Saúde Marcelo Queiroga, chama atenção para os supostos perigos da vacinação contra a covid-19. Bruno Oscar Graf, 28 anos, faleceu no dia 24 de agosto deste ano, vítima de um Acidente Vascular Cerebral (AVC) decorrente de uma trombose. 

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Na carta, Arlene Graf acredita que a vacina da AstraZeneca, que combate a covid-19, é que pode ter causado o óbito do filho. Ele foi vacinado em 14 de agosto – dez dias antes da morte – no Centro de Vacinação do Parque Vila Germânica, Blumenau-SC. 

Arlene Ferrari publicou em sua conta no Twitter, em 14 de setembro, uma carta aberta endereçada ao Ministro da Saúde Marcelo Queiroga.  Arlene afirma que exames enviados à Espanha foram conclusivos ao afirmar que seu filho faleceu em decorrência da vacina AstraZeneca. O site Pleno News reproduziu o conteúdo publicado por Ferrari sem apuração do conteúdo. 

Reprodução da internet

Produção no Brasil e estudos científicos 

A vacina Oxford/AstraZeneca contra a covid-19  foi lançada no Brasil em 17 de janeiro de 2021, após aprovação de uso emergencial autorizado pela  da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A Agência concedeu o registro definitivo em 12 de março e é a vacina produzida no país pela Fundação Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro (Fiocruz). Entre os efeitos colaterais previstos e disponíveis para consulta no site da Fundação, estão dores de cabeça, enjoos (náuseas), dores nas articulações ou dores musculares. 

O imunizante não aumenta o risco de um distúrbio raro de coagulação sanguínea após a segunda dose, conforme mostra estudo publicado na revista científica Lancet

O estudo afirma que o distúrbio é raro e ocorreu em 2,3 por milhão em pessoas que receberam uma segunda dose da vacina, segundo a pesquisa, liderada e financiada pela própria AstraZeneca. O número é comparável ao que é encontrado em uma população não vacinada. O resultado do estudo foi amplamente divulgado nas mídias noticiosas como BBC, CNN Brasil, O Globo e Agência Brasil.e até pelo próprio Pleno.News, em matéria de 28 de julho de 2021. 

De acordo com a Fundação Oswaldo Cruz,  um estudo de pesquisadores da Universidade de Oxford indica que o risco de ocorrer trombose venosa cerebral (CVT, no acrônimo em inglês) em pessoas contaminadas com Covid-19 é consideravelmente maior do que nas que receberam vacinas baseadas na tecnologia de RNA mensageiro (mRNA), como os imunizantes da Pfizer, Moderna e Oxford/AstraZeneca, produzida no Brasil pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). 

A Fiocruz – produziu um série de vídeos tirando dúvidas sobre a vacina contra covid-19 São perguntas e respostas a partir das principais questões recebidas nas redes. As dúvidas são respondidas pela pesquisadora da instituição Margareth Dalcolmo. 

Movimentos antivacina e teorias da conspiração

Movimentos organizados antivacina e grupos adeptos a teorias das conspiração têm se aproveitado de casos semelhantes para propagar a desinformação e gerar pânico. Sites sensacionalistas e “blogueiros” em busca de cliques e alcance embarcam em temas que possam gerar o maior engajamento possível. Desde o início da pandemia de covid-19, uma profusão de notícias falsas tomou conta das redes sociais digitais. 

Arlene Ferrari compartilhou diversas informações sem fontes ou sem qualquer embasamento científico, e suas publicações também foram reproduzidas milhares de vezes. Arlene participou de audiência pública na Câmara de vereadores de Goiânia  e lives em redes sociais digitais e o caso de Bruno Graf foi tema do  programas de debate 4 por 4, pró-governo federal brasileiro, comandado por Luís Ernesto Lacombe e participação de Guilherme Fiuza, Rodrigo Constantino e Ana Paula Henkel.

Reprodução do Twitter
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Uma das pautas da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 no Senado Federal é a investigação da negação da eficácia de vacinas presente entre autoridades federais, como o Presidente da República, que levou a políticas como o retardo na aquisição de imunizantes e compras em número insuficiente.  

Pleno.News, mídia digital religiosa que atua no apoio ao governo federal,  produziu a matéria sem recorrer a qualquer estudo científico, declaração de especialista da área ou nota oficial de órgãos de saúde que sustentem as afirmações de Arlene Graf. O site gospel apenas reproduziu a carta aberta e utilizou de título para induzir leitores/as a concluírem que a vacina Oxford/AstraZeneca foi a responsável pela morte do jovem Bruno Graf. O fato do mesmo veículo já ter publicado matéria sobre o estudo que desconstrói a versão  de mortes decorrentes da vacina reforça a intencionalidade em desinformar no tocante a este caso. 

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Bereia classifica a matéria do site Pleno. News como imprecisa. O site toma como verdade o conteúdo divulgado pela mãe do jovem falecido sem realizar a básica demanda de apurar dados para dar forma à notícia. Além disso, faz uso de título que leva leitores/as a crerem que mãe perdeu filho após ele ter tomado a vacina contra covid-19 e cria pânico em torno da vacinação, sem oferecer dados comprovados, o que pode gerar rejeição à imunização da população. A pesquisa empreendida pelo Bereia leva em conta a dor da mãe que perdeu o filho e busca explicações, mas não encontrou elementos científicos que comprovem que um indivíduo tenha morrido em decorrência da vacina. Bilhões de pessoas já receberam vacinas pelo mundo e os casos de covid-19 têm caído drasticamente, demonstrando a eficácia esperada.

Referências:

Fiocruz. https://agencia.fiocruz.br/anvisa-autoriza-uso-emergencial-da-vacina-da-fiocruz Acesso em: 26 set 2021.

Agência Brasil. https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/saude/audio/2021-03/anvisa-aprova-registro-definitivo-da-vacina-de-oxford Acesso em: 26 set 2021.

Fiocruz. https://portal.fiocruz.br/sites/portal.fiocruz.br/files/documentos/bula-vacina-covid19_bio.pdf Acesso em: 26 set 2021.

YouTube. https://www.youtube.com/playlist?list=PLQ_83_lsoGE6c2nkBKSCJhGpha6FDaYTs Acesso em: 26 set 2021.

The Lancet. https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(21)01693-7/fulltext Acesso em: 23 set 2021. 

Fiocruz. https://portal.fiocruz.br/noticia/risco-de-trombose-por-covid-19-e-maior-do-que-por-vacinas Acesso em: 23 set 2021.  

BBC. https://www.bbc.com/portuguese/internacional-56671034 Acesso em: 22 set 2021.

CNN. https://www.cnnbrasil.com.br/saude/segunda-dose-da-astrazeneca-nao-aumenta-risco-de-coagulos-sanguineos-diz-estudo/ Acesso em: 22 set 2021.

O Globo. https://oglobo.globo.com/saude/segunda-dose-de-vacina-da-astrazeneca-nao-aumenta-risco-de-trombose-mostra-estudo-25129939  Acesso em: 22 set 2021.

Agência Brasil. https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/saude/audio/2021-07/estudo-aponta-que-2a-dose-da-astrazeneca-nao-aumenta-risco-de-trombose Acesso em: 22 set 2021.

El Pais. https://brasil.elpais.com/brasil/2021-05-13/diretor-da-pfizer-escancara-atraso-letal-do-governo-bolsonaro-na-compra-de-vacinas.html Acesso em: 27 set 2021.

Pleno.News. https://pleno.news/saude/coronavirus/estudo-2a-dose-da-astrazeneca-nao-aumenta-risco-de-trombose.html Acesso em: 22 set 2021.

Programa 4 por 4. https://twitter.com/vejaocentro/status/1437404416752111623 Acesso em: 22 set 2021. 

Ex-senador da Bancada Evangélica e site gospel divulgam revogação de prisão de blogueiro de extrema-direita

O ex-senador da Bancada Evangélica no Congresso Nacional Magno Malta (ES) publicou dia 10 de setembro em seu perfil no Instagram a seguinte mensagem: “A prisão de Oswaldo Eustáquio é revogada!”.  Magno Malta tem 1,2 milhões de seguidores no Instagram. A publicação apresentava quase 50 mil curtidas e 4,5 mil comentários até o fechamento desta matéria

A prisão do blogueiro bolsonarista Oswaldo Eustáquio foi determinada  pelo ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal (STF). Eustáquio é investigado no inquérito que apura práticas antidemocráticas no último dia 7 de setembro. 

Reprodução do Instagram

Na mesma data, a esposa de Oswaldo Eustáquio, Sandra Terena, que é evangélica e ex-secretária de Igualdade Racial do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, fez a seguinte publicação em seu perfil no Twitter:

Reprodução do Instagram

Apoiadores atribuíram a suposta revogação do pedido de prisão como resultado das manifestações de rua em 7 de setembro passado, em apoio ao governo do presidente Jair Bolsonaro e contra ações do STFl. A publicação contava com 2.768 compartilhamentos, 305 comentários e 12,9 mil curtidas até o fechamento desta matéria.

Reprodução do Instagram

Inquérito e prisão anterior por atos antidemocráticos 

O blogueiro já havia sido preso pela Polícia Federal, em 26 de junho de 2020, a pedido do ministro Alexandre de Moraes com base nas investigações no âmbito do Inquérito n. 4828 que apura manifestações antidemocráticas contra poderes da República. O trecho da decisão que prorrogou a prisão do blogueiro afirma que “há indícios do envolvimento do ora custodiado em fatos que estão sob apuração e que guardam relação com ações de potencial lesivo considerável, considerando que as manifestações promovidas por OSWALDO EUSTÁQUIO, tanto em mídias sociais, quanto fisicamente, em movimentos de rua, têm instigado uma parcela da população que, com afinidade ideológica, tem sido utilizada para impulsionar o extremismo do discurso de polarização e antagonismo, por meios ilegais, a Poderes da República”. 

Além disso, o ministro afirma em sua decisão que “o cidadão preso se inclui tanto no núcleo produtor de conteúdo, como se relaciona com os operadores de pautas ofensivas ao Estado Democrático de Direito, sendo imprescindível diminuir o risco de atos de interferência ou prejudiciais à investigação que Oswaldo Eustáquio Filho, uma vez solto, possa realizar”. 

No mês seguinte, nova decisão do ministro Alexandre de Moraes substituiu a prisão do blogueiro por medidas cautelares, como “não manter contato com outros investigados, frequentar as redes sociais apontadas como meios da prática dos crimes sob apuração e não se aproximar menos de um quilômetro da Praça dos Três Poderes ou das residências dos ministros do STF”. 

Sites religiosos como Pleno.News repercutiram a postagem de Magno Malta:

Reprodução do Instagram

Apenas sites e perfis nas redes sociais digitais de ativistas ligados ao governo federal divulgaram a suposta revogação da prisão do blogueiro, sempre com base na publicação de Magno Malta, ou seja, sem apresentar nenhuma fonte segura, como o site do STF, declaração do ministro Alexandre de Moraes ou nota oficial da assessoria do ministro. 

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Bereia avalia a postagem do ex-senador Magno Malta e dos espaços religiosos que a repercutiram como  notícia falsa. O pedido de prisão feito em 7 de setembro pelo Ministro Alexandre de Moraes não havia sido revogado. 

Os perfis e páginas de Eustáquio nas redes sociais digitais foram bloqueados a pedido de Alexandre de Moraes desde 6 de setembro. Neste momento, Eustáquio é considerado foragido da justiça. 

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Referências de checagem:

O Globo. https://oglobo.globo.com/politica/moraes-determina-nova-prisao-de-blogueiro-bolsonarista-que-encontrou-ze-trovao-no-mexico-25191295 Acesso em: [13 set 2021]

STF. http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/DecisoRenovatemporriadeOES.pdf Acesso em: [13 set 2021]

STF https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5895367 Acesso em: [13 set 2021]

STF https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=446954&ori=1 Acesso em: [13 set 2021]

Pleno.News. https://pleno.news/brasil/politica-nacional/prisao-de-oswaldo-eustaquio-foi-revogada-afirma-magno-malta.html Acesso em: [13 set 2021]

Mensagem anônima que circula em mídias sociais usa pânico moral contra partidos de esquerda

A seguinte mensagem circula por diversos grupos de evangélicos no WhatsApp:

A mensagem não tem autoria, não apresenta fontes, e não esclarece os motivos pelos quais defende que os candidatos dos partidos supostamente coligados com o “PT e a Esquerda” não devam receber votos. Apenas lista 16 partidos com a indicação de que “não podemos deixá-los vencer e tomar os municípios”. O texto chama para a divulgação e para o esclarecimento dos “cidadãos de bem” que ainda estariam “desinformados”.

O Coletivo Bereia recebeu de leitores/as a indicação para verificação desta mensagem de contracampanha política e encontrou alguns pontos que a classificam como desinformação.

1. “Partidos coligados com o PT e a Esquerda”

Nestas eleições municipais de 2020 no Brasil, pela primeira vez, candidatos ao cargo de vereador não poderão concorrer por meio de coligações. O Congresso Nacional, por meio da reforma eleitoral de 2017, aprovou diversas modificações na legislação eleitoral, dentre elas, o fim das coligações na eleição proporcional. Com isso, o candidato a uma cadeira na câmara municipal somente poderá participar do pleito em chapa única dentro do partido ao qual é filiado. Para o cargo de prefeito, continua sendo possível a união de diferentes partidos em apoio a um candidato.

As coligações formadas em todos os municípios do país podem ser consultadas no site do Tribunal Superior Eleitoral. A postagem que circula em mídias sociais verificada pelo Coletivo Bereia não informa quais coligações para Prefeituras envolveriam estes partidos com “o PT e a esquerda” e ainda inseriu o Partido dos Trabalhadores (PT) na própria lista.

Curiosamente, o PT e o Partido Social Liberal (PSL), expoentes da atual polarização política no país em nível nacional, fazem parte da mesma coligação em 136 municípios. O PSL não consta nesta lista alarmista divulgada contra o “PT e a esquerda”.

2. Partidos de direita e de centro classificados como esquerda

Entre os 16 partidos listados na postagem que circula entre grupos religiosos, estão um que não existe mais, o PPL (Partido Pátria Livre) e o PPS (Partido Popular Socialista, vertente do antigo PCB – Partido Comunista do Brasil), que também não existe mais como tal, pois alterou o nome para Cidadania. Só este tipo de erro já descredencia a lista.

Há ainda, na postagem, um partido que não têm qualquer identidade com a esquerda, o DEM (Democráticos), que tem raízes na direita brasileira sustentadora da ditadura militar (originalmente ARENA – Aliança Renovadora Nacional, depois PFL – Partido da Frente Liberal) Também constam na lista apócrifa, dois que são identificados com o centro: PSDB (Partido Social Democrático Brasileiro) e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro).

O jornal O Estado de São Paulo publicou matéria, em 2019, sobre a classificação dos partidos no Brasil, depois de ouvir como cada um se autoidentifica, tendo publicado o seguinte gráfico-síntese:

Para o cientista político da FGV Cláudio Couto, a autodenominação de centro é uma tentativa retórica dos partidos se mostrarem mais moderados. “Alguns que se definem como centro são claramente partidos de direita, o que não quer dizer que seja uma direita radical. Já o PSL a gente não sabe o que é, ainda mais depois dessas confusões que ele se meteu, mas se a gente for tomar pelo bolsonarismo ele seria uma extrema-direita, não uma direita moderada”, afirmou Couto.

Ainda que se tome por base nesta autoidentificação, a mensagem que circula nas mídias sociais desinforma e confunde ao listar como “coligados”, no sentido de alinhados, partidos que de forma alguma se enquadrariam na esfera ideológica da esquerda.

3. Pânico moral

Bereia já tratou em matéria anterior sobre o uso do pânico moral em conteúdos desinformativos que circulam em espaços digitais. Ao usar o termo “não podemos deixá-los vencer e tomar os municípios”, a mensagem induz à noção de um perigo, com base em ideia construída no Brasil por campanhas de direita, de que governos de esquerda representam uma ameaça, atrelando-a a temas como “corrupção”, “destruição das famílias”, “comunismo”.

Segundo o pesquisador Richard Miskolci no artigo “Pânicos morais e controle social – reflexões sobre o casamento gay”, a construção de bases políticas conservadoras e de extrema direita, e a adesão a elas, têm sido conquistadas por meio do pânico moral, da retórica do medo, para gerar insegurança e promover afetos.

Pânicos morais são fenômenos que emergem em situações nas quais sociedades reagem a determinadas circunstâncias e a identidades sociais que presumem representarem alguma forma de perigo. São a forma como as mídias, a opinião pública e os agentes de controle social reagem a determinados rompimentos de padrões normativos e, ao se sentirem ameaçados, tendem a concordar que “algo deveria ser feito” a respeito dessas circunstâncias e dessas identidades sociais ameaçadoras. O pânico moral fica plenamente caracterizado quando a preocupação aumenta em desproporção ao perigo real e geral. O que foi construído no Brasil em relação à esquerda política, a partir de 2014, como base para o processo de impeachment de Dilma Rousseff, e que alimentou a campanha eleitoral de 2018, reverbera ainda em 2020 nesta contracampanha que circula nas redes.

Pesquisas científicas, como a de Richard Miskolci, indicam a circulação de intensa quantidade de material desinformativo, baseado em pânico moral e medo para disseminação de conteúdos que se revertem em apoio a grupos políticos de extrema direita.

4. O clima anti-campanha entre cristãos

Lideranças religiosas alinhadas com o pensamento progressista se uniram e lançaram o Movimento pela Bancada Evangélica Popular nas eleições de 2020. O mesmo ocorreu com o grupo Cristãos contra o Fascismo. Este movimentos lançaram dezenas de candidatos por partidos identificados com a esquerda para o pleito de 2020.

A Bancada Evangélica Popular define a iniciativa como um movimento que deseja participar de forma direta na política e à luz da Palavra de Deus, promover políticas públicas concretas que cessem com a desigualdade social e promover justiça, paz e dignidade para todas e todos.

Seu propósito é ocupar as câmaras e assembleias com uma Bancada Evangélica Popular, indicando e apoiando irmãos e irmãs que se dispõem a esta luta nas candidaturas, de forma pluripartidária. Não há intenção de promover um pensamento único, mas parte do princípio que o papel dos cristãos evangélicos, como agentes do Reino de Deus, é promover a transformação social.

A campanha do Movimento pela Bancada Evangélica Popular e de Cristãos contra o Fascismo tem alcançado grande repercussão nas mídias noticiosas. UOL, Folha de São Paulo e Yahoo Notícias, por exemplo, deram espaço ao grupo evangélico progressista.

A visibilidade desta iniciativa vem provocando reações negativas de atores importantes do cenário político-religioso, como a Igreja Universal do Reino de Deus, que em seu site e no jornal Folha Universal, fez a seguinte publicação: “O que está por trás da Bancada Evangélica Popular. Grupo de esquerda deseja criar uma bancada socialista voltada para cristãos”.

De acordo com a matéria, partidos de esquerda apresentam um discurso de justiça social e apoio aos direitos do povo, no entanto, quando chegam ao poder, restringem a liberdade individual e perseguem o cristianismo. Além disso, defendem os ideais do comunismo e do socialismo, como o Partido dos Trabalhadores, que governou o país por treze anos. Por fim, a publicação afirma que “a ideia não é defender a direita política, apesar de esta ser mais coerente com a necessidade das pessoas”.

Já o Deputado Pastor Marco Feliciano (Republicanos -SP) publicou em seu Twitter um vídeo pedindo aos “cristãos católicos e evangélicos e ateus que são de bem” para não votarem em candidatos do PT, PC do B e PSOL , pois estes partidos defendem a “chamada ideologia de gênero” e “atacam políticos conservadores”, além de não concordarem com o pensamento cristão. Fazendo uso do pânico moral no ataque aos candidatos de esquerda, o deputado diz que cristãos devem votar nos políticos que defendem a “família tradicional” e a “família civilizatória”.

O Coletivo Bereia publicou diversas matérias sobre divulgação de pânico moral em relação a “ideologia de gênero” e “proteção à família”: São falsos vídeos sobre suposta Operação Storm no Brasil, É verdadeiro que Disney tem protagonista bissexual em série, mas portal evangélico faz apelo enganoso, É impreciso que Xuxa lançará livro sobre homoafetividade para público infantil, Presidente Bolsonaro mente ao dizer que “esquerda” quer descriminalizar pedofilia e O Presidente do Brasil e a falaciosa ideologia de gênero. A mais recente verificação do Bereia sobre a temática identifica o uso eleitoral do pânico moral em torno da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5668, de 2017, ajuizada pelo partido de esquerda Socialismo e Liberdade (PSOL), que visa garantir que escolas previnam e coíbam práticas de homofobia em seus espaços. Bereia mostrou como são enganosos conteúdos que afirmam que a ação foi movida pelo PSOL, “para tornar obrigatória a ideologia de gênero nas escolas públicas e privadas”.O Movimento pela Bancada Popular fez uma transmissão ao vivo em sua página no Facebook, em 6 de outubro, para acusações feitas pela Igreja Universal do Reino Deus .

A partir desta verificação, o Coletivo Bereia classifica a mensagem que circula em mídias sociais de grupos evangélicos como falsa. Além de apresentar características recorrentes de material desinformativo (não contém autoria, registra informações equivocadas, faz uso de pânico moral e de tom alarmista e convoca ao compartilhamento imediato), o conteúdo se soma à contracampanha empreendida por algumas lideranças religiosas que se autoidentificam como “conservadoras” ou “de direita”, como reação à ampliação da visibilidade da atuação política de esquerda neste período eleitoral, em especial de grupos cristãos.

A desinformação, sobretudo para desqualificar a articulação política de movimentos progressistas evangélicos, está sendo utilizada como ferramenta político-eleitoral e como contracampanha, desinformando, confundido e impondo medo sobre eleitores.

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Referências

Twitter Marco Feliciano, https://twitter.com/marcofeliciano/status/1314255134503960577 Acesso em 13/10/2020.

Site Bancada Evangélica Popular, https://www.bancadaevangelicapopular.com/ Acesso em 09/10/2020.

Página no Facebook Bancada Evangélica Popular, https://www.facebook.com/BancadaEvangelicaPopular/?ref=page_internal Acesso em 09/10/2020.

Live Resposta às Fake news da Igreja Universal Contra a Bancada Evangélica Popular https://www.facebook.com/BancadaEvangelicaPopular/videos/636527180343176 Acesso em 15/10/2020.

Yahoo – Igreja Universal lança ofensiva contra Bancada Evangélica Popular por ser considerada de “esquerda”, https://bit.ly/3lNqFhY Acesso em 13/10/2020.

UOL, https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2020/09/09/contra-neopentecostais-1-bancada-evangelica-de-esquerda-se-lanca-em-2020.htm Acesso em 14/10/2020.

Igreja Universal, https://www.universal.org/noticias/post/bancada-evangelica-popular/ Acesso em 15/10/2020.

Coletivo Bereia https://coletivobereia.com.br/sao-falsos-videos-sobre-suposta-operacao-storm-no-brasil/ Acesso em 30/10/2020.

Coletivo Bereia https://coletivobereia.com.br/e-verdadeiro-que-disney-tem-protagonista-bissexual-em-serie-mas-portal-evangelico-faz-apelo-enganoso/ Acesso em 30/03/2020.

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/e-impreciso-que-xuxa-lancara-livro-sobre-homoafetividade-para-publico-infantil/ Acesso em 29/10/2020

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/presidente-bolsonaro-mente-ao-dizer-que-esquerda-quer-descriminalizar-pedofilia/ Acesso em 30/10/2020

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/o-presidente-do-brasil-e-a-falaciosa-ideologia-de-genero/ Acesso em 30/10/2020

Portal UOL, https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2020/09/09/contra-neopentecostais-1-bancada-evangelica-de-esquerda-se-lanca-em-2020.htm Acesso em 03/11/2020

Folha de São Paulo, https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2020/07/liderancas-religiosas-lancam-bancada-evangelica-popular-para-lancar-candidaturas.shtml Acesso em 03/11/2020

Yahoo Notícias, https://br.noticias.yahoo.com/igreja-universal-lanca-ofensiva-contra-bancada-evangelica-popular-por-ser-considerada-de-esquerda-150741391.html Acesso em 02/11/2020

Jornal O Estado de São Paulo, https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,maioria-dos-partidos-se-identifica-como-de-centro,70003135964 Acesso em 02/11/2020

Presidência da República, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13488.htm Acesso em 05/11/2020

Congresso em Foco, https://congressoemfoco.uol.com.br/eleicoes/coligacoes-pt-e-psl-eleicoes-2020/ Acesso em 01/11/2020

TSE, https://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/repositorio-de-dados-eleitorais-1/repositorio-de-dados-eleitorais Acesso em 01/11/2020

Médica nomeada para alto cargo na ONU não é defensora da prostituição adolescente

O serviço de notícias em língua portuguesa da Agência Católica de Informação (ACI) Digital, publicou matéria intitulada “Defensora de aborto e prostituição de adolescentes assume alto cargo na ONU, denuncia C-Fam”. O conteúdo foi originalmente publicado em espanhol pela ACI Prensa. Gazeta do Povo, Terça Livre e Aleteia replicaram a notícia.

De acordo com informações publicadas no site das Nações Unidas, “Tlaleng Mofokeng, médica sul-africana e ativista dos direitos das mulheres e dos direitos de saúde sexual e reprodutiva, foi nomeada pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas como nova relatora especial sobre o direito de todas as pessoas de usufruto do mais alto padrão possível de saúde física e mental”.

A médica tem a função de monitorar o direito à saúde em todo o mundo. Ela deve estudar práticas e experiências nacionais relacionadas ao direito à saúde, identifica tendências e desafios no processo e faz recomendações sobre como garantir a proteção do direito à saúde. A relatora especial também recebe denúncias individuais de supostas violações do direito à saúde.

Entretanto, na matéria publicada pela ACI Prensa, e reproduzida no Brasil por ACI Digital, Mofokeng é apresentada como “ativista pró-aborto e defensora da prostituição adolescente”. A fonte citada para corroborar as informações é um artigo publicado pelo Centro para a Família e os Direitos Humanos (C-Fam) e que toma como base um artigo da própria doutora Tlaleng Mofokeng de 2009.

Bereia checou as informações e verificou que, no artigo publicado por Tlaleng Mofokeng, ela critica a criminalização das profissionais do sexo e defende que a opinião dessas mulheres deve ser levada em conta. Em nenhuma passagem do texto, existe a defesa da prostituição adolescente. A médica Mofokeng relata a importância desse tipo de atividade e comenta que seu reconhecimento jurídico como relação de trabalho é importante para proteger e dar mais dignidade a essas pessoas.

O trecho citado por ACI Prensa, como “algumas pessoas podem satisfazer certas fantasias e preferências sexuais escabrosas graças aos serviços das profissionais do sexo” não existe consta no artigo publicado por Tlaleng Mofokeng. Da mesma forma, não há no referido trabalho da médica conteúdo que confirme a afirmação da ACI Prensa: “Tlaleng encorajava as jovens adolescentes a considerarem o trabalho sexual como mais uma opção de trabalho”, . Comprova-se que são deturpações da publicação católica em relação ao conteúdo original de autoria da Dra. Mofokeng.

Outro artigo de Tlaleng Mofokeng, datado de 2018, também é citado na matéria da ACI Prensa para caracterizar um suposto ativismo em defesa do aborto. Entretanto, quando se tem acesso ao texto, é possível verificar que Tlaleng trata da questão do aborto na África do Sul como um tema de saúde pública, pois em sua visão muitas mulheres realizam abortos caseiros ou clandestinos naquele país, colocando em risco suas vidas. Este tema tem sido abordado desta forma por diferentes profissionais e pesquisadores de área da saúde em todo o mundo. Além disso, Mofokeng relata a situação de mulheres soropositivas e vítimas de abuso sexual e destaca a importância da educação sexual. Portanto, uma simples leitura do artigo a que a ACI Prensa se refere confirma que a reflexão proposta pela médica diz respeito ao tema da saúde pública e ao bem-estar das mulheres na África do Sul, e não de uma defesa aberta do aborto.

Rede global conservadora

De acordo com o site do Centro para a Família e os Direitos Humanos (C-Fam), citado na matéria da ACI Prensa como autor da denúncia, sua função é “monitorar o debate sobre política social nas Nações Unidas e de outras instituições internacionais”. Tem como missão “defender a vida e a família nas instituições internacionais e divulgar o debate”, e como visão “a preservação do direito internacional ao desacreditar as políticas socialmente radicais nas Nações Unidas e outras instituições internacionais”. Os valores fundamentais do C-Fam incluem a fidelidade aos ensinamentos da Igreja [Católica].

A Agência Católica de Informação (ACI Prensa), segundo informações do seu próprio site,faz parte das agências de notícias do Grupo ACI, um dos maiores geradores de notícias católicas em cinco línguas, e que, desde junho de 2014 pertence à família EWTN Global Catholic Network.

Segundo levantamento da Agência Pública, a “Eternal Word Television Network é a maior emissora católica do mundo e principal representante do conservadorismo cristão. Sua programação é transmitida para mais de 6 mil afiliadas em 145 países e inclui jornais, rádios e sites”. Fundada no Alabama em 1981, a EWTN é considerada nos EUA a “Fox News” do mundo católico. Defensora de bandeiras “pró-vida”, a rede apoia Trump desde a campanha presidencial de 2016 e tem produzido conteúdos com ataques ao Papa Francisco.

Além de receber doações do clero estadunidense, a EWTN é a principal fonte de informação para mais de 60% de seus bispos, segundo pesquisa feita pelo episcopado local. A maior parte das doações recebidas pelo grupo vem de milionários e de grupos que apoiam pautas conservadoras, conforme mostrou neste ano uma série de reportagens do site National Catholic Reporter, publicação americana de viés progressista.

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Bereia classifica a notícia publicada por ACI Prensa como enganosa, pois, com a intenção de criticar e se opor à nomeação da ONU, cita trechos inexistentes em um dos artigos de autoria de Tlaleng Mofokeng para destruir a reputação da médica , apresentando-a como defensora da prostituição adolescente. Além disso, a publicação católica faz uso de um trecho deoutro artigo de Mofokeng, eliminando o sentido do que foi publicado originalmente.

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Foto de capa: Tlaleng Mofokeng / Crédito: Flickr de International Women’s Health Coalition (CC BY-NC-ND 2.0)

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Referências de checagem

Nações Unidas Brasil, https://brasil.un.org/pt-br/node/87523 Acesso em: 04 out 2020.

ACI Digital, https://www.acidigital.com/noticias/defensora-de-aborto-e-prostituicao-de-adolescentes-assume-alto-cargo-na-onu-denuncia-c-fam-35316 Acesso em: 04 out 2020.

ACI Prensa, https://www.aciprensa.com/noticias/defensora-del-aborto-y-prostitucion-adolescente-asume-alto-cargo-en-onu-denuncia-c-fam-78251 Acesso em: 04 out 2020.

ACI Prensa, https://www.aciprensa.com/quienes.htm Acesso em: 04 out 2020.

EWTN Global Catholic Network, https://c-fam.org/about-us/ Acesso em: 04 out 2020.

Centro para a Família e os Direitos Humanos (C-Fam), https://c-fam.org/about-us/ Acesso em: 04 out 2020.

Aleteia, https://pt.aleteia.org/2020/09/11/onu-nomeia-medica-defensora-da-prostituicao-adolescente-para-alto-cargo/ Acesso em: 04 out 2020.

Gazeta do Povo, https://www.gazetadopovo.com.br/ideias/onu-indica-defensora-do-aborto-para-cargo-relacionado-a-direitos-da-saude/ Acesso em: 05 out 2020.

Terça Livre, https://www.tercalivre.com.br/onu-nomeia-medica-defensora-da-prostituicao-adolescente-e-do-aborto-para-alto-cargo/ Acesso em: 05 out 2020.

Agência Pública, https://apublica.org/2020/01/fake-news-e-escandalos-a-midia-catolica-de-direita-ataca-francisco/?mc_cid=2b6be209cc&mc_eid=97864c06e1 Acesso em: 05 out 2020.

Artigo Tlaleng Mofokeng, https://www.teenvogue.com/story/why-sex-work-is-real-work Acesso em: 07 out 2020.

Artigo C-Fam, https://c-fam.org/friday_fax/una-defensora-de-la-prostitucion-de-adolescentes-es-nombrada-para-ejercer-un-alto-cargo-en-la-onu/ Acesso em: 07 out 2020.

Project-syndicate.org, https://www.project-syndicate.org/commentary/trump-global-gag-rule-damage-south-africa-by-tlaleng-mofokeng-2018-07 Acesso em: 08 out 2020.

Deputado Pastor Marco Feliciano reproduz informações imprecisas sobre liberdade religiosa na China

O deputado federal Pastor Marco Feliciano (Republicanos-SP) postou no Twitter um questionamento quanto ao posicionamento da Organização das Nações Unidas a respeito de uma denúncia publicada pelo site Conexão Política.

De acordo com a matéria de Conexão Política, replicada pelo Deputado Pastor Marco Feliciano, a organização estadunidense Jubilee Campaign que promove os direitos humanos e a liberdade religiosa, organizou um evento paralelo à 45ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, intitulado “China Proíbe a Fé para Todas as Crianças”.

Sites como Gospel Mais , Gazeta Brasil e o portal de notícias R7, do grupo Record, publicaram o mesmo conteúdo.

O evento na prática consiste em um vídeo publicado, em 06 de outubro, no canal da organização Jubilee Campaign no Youtube. O canal conta com apenas 16 inscritos e o vídeo tinha 324 visualizações e cinco curtidas até o fechamento desta matéria em 09/10/2020 às 11:43. O canal está inscrito no Youtube desde 10 de novembro de 2011 e tem apenas 22 vídeos publicados num total de 2.166 visualizações em quase nove anos de existência.

A página da organização no Facebook conta com 825 seguidores e escassas interações em suas publicações.

O perfil no Twitter tem pouco mais de 480 seguidores e assim como no Facebook e Youtube, não tem grande interação em suas publicações.

O evento virtual foi a exposição de sete depoimentos, que, segundo a descrição no vídeo, seriam de “especialistas e testemunhas, consistindo de sobreviventes e representantes de quatro grupos religiosos diferentes na China: Cristãos, Muçulmanos Uigur, Falun Gong e tibetanos”.

Segundo relatos de alguns dos participantes, reproduzidos por Conexão Política:

“O Partido Comunista Chinês (PCC) tem violado consistentemente os direitos das crianças à liberdade de religião ou crença, e as crianças cristãs, budistas tibetanas, uigures e Falun Gong continuam a enfrentar perseguição e assédio em praticamente todos os aspectos de suas vidas” e “O presidente Xi Jinping e seu Partido Comunista Chinês realmente começaram uma guerra contra a fé das crianças. Desde que assumiu o poder, ele abriu pelo menos três frentes nesta guerra contra a fé das crianças e o acesso das crianças à educação religiosa e materiais religiosos”, observou Bob Fu, da organização não governamental de defesa de direitos humanos, ChinaAid”.

Assim como em outras matérias do Coletivo Bereia a respeito da perseguição religiosa na China, a matéria de Conexão Política, replicada pelo Deputado Pastor Marco Feliciano (Republicanos-SP), não apresenta fontes credenciadas e consistentes para verificação das informações que são registradas no texto veiculado. A matéria transmite a ideia de um grande evento paralelo à 45ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, no entanto, o que está disponível é um vídeo no Youtube de uma hora e 30 minutos com sete depoimentos, em um canal com apenas 16 inscritos e pouco mais de 300 visualizações.

Conexão Política, os demais veículos que circularam a notícia e o deputado Pastor Marco Feliciano, divulgam uma fonte que não oferece dados que corroborem o que se afirma em ternos acusatórios à China.

Além disso, o evento “China Proíbe a Fé para Todas as Crianças” não foi mencionado por qualquer agência de notícias internacional ou pela mídia noticiosa no Brasil (com exceção do Portal R7).

Portanto, Bereia avalia que a matéria de Conexão Política, também publicada em outros veículos ligados a grupos religiosos, e divulgada pelo deputado federal Pastor Marco Feliciano é imprecisa. Ela pode ser colocada no conjunto de matérias veiculadas intensamente, em 2020, para alimentar rejeição da opinião pública à China, país com qual os Estados Unidos encontram-se em guerra comercial. A submissão da política externa do atual governo do Brasil aos Estados Unidos, o coloca como aliado em ataques à China, centrados em desinformação disseminada em.diversos níveis. Influenciadores digitais e sites de notícias com identidade religiosa têm se alinhado a esta prática. Isto pode ser identificador em outras matérias do Coletivo Bereia sobre a China:

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Foto de Capa: Youtube/Reprodução

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Referências

Twitter Marco Feliciano, https://twitter.com/marcofeliciano/status/1314293004174340102 Acesso em 09/10/2020.

Conexão Política, https://conexaopolitica.com.br/ultimas/evento-china-proibe-a-fe-para-todas-as-criancas-leva-a-onu-denuncia-de-violacao-dos-direitos-da-crianca-a-liberdade-religiosa/ Acesso em 09/10/2020

Jubilee Campaign, https://jubileecampaign.org/ Acesso em 09/10/2020.

Gospel Mais, https://noticias.gospelmais.com.br/cristas-criancas-perseguicao-escolas-china-140636.html Acesso em 09/10/2020.

Gazeta Brasil, https://gazetabrasil.com.br/mundo/china-coordena-perseguicao-contra-criancas-cristas-diz-testemunha/ Acesso em 09/10/2020

Portal de notícias R7, https://noticias.r7.com/internacional/criancas-cristas-na-china-sofrem-bullying-e-proibicao-de-praticar-a-fe-06102020 Acesso em 09/10/2020.

Facebook Jubille Campaign, https://www.facebook.com/JubileeCampaignUSA/ Acesso em 09/10/2020.

É verdade que Unimed Brusque distribui “Kits Covid” como forma de prevenção

O site de notícias Pleno News publicou, em 17 de junho, matéria intitulada: Unimed distribui “Kit Covid” com cloroquina e ivermectina.

Segundo a publicação, a Unimed Brusque, em Santa Catarina, está distribuindo kits destinados a profissionais de saúde contendo hidroxicloroquina, ivermectina, vitamina D e zinco quelado, além de orientações de como se medicar de forma preventiva.

A matéria cita a seguinte nota oficial da operadora de saúde:

“A Unimed Brusque, preocupada com a crescente perda de trabalho profissional no combate ao Covid-19, vem a público esclarecer que oportunizou a profilaxia aos profissionais que atuam na linha de frente e também aos médicos cooperados, baseada no protocolo utilizado já há algumas semanas e amplamente divulgado em nível nacional pela Prefeitura de Porto Feliz-SP”.

A matéria publicada por Pleno News relata também que quando a operadora foi questionada a respeito da distribuição dos kits, respondeu que:

“A Unimed Brusque informa que a utilização não era compulsória e após compra conjunta dos insumos tão escassos no mercado na atualidade, foi optado pela distribuição aos que desejaram realizar a profilaxia sugerida. Desta forma, foi entregue o kit, assim como as orientações e assinado o termo de consentimento. Também foram realizados exames para excluir doenças que possam ser agravadas pelo uso da profilaxia”.

Bereia checou as informações e encontrou nota publicada no site da Unimed Brusque, no dia 3 de julho, em que a cooperativa afirma ser a “pioneira no tratamento precoce do Covid-19” e que, entre as medidas adotadas, “a cooperativa realiza, desde março, tratamento com Hidroxicloroquina em pacientes positivados”.

Trecho do comunicado afirma que “há cerca de 40 dias há um movimento médico no Brasil em prol do tratamento precoce, que envolve o uso de medicações como hidroxicloroquina, azitromicina, ivermectina, e zinco quelado”.

Em seguida, o vice-presidente e diretor-técnico da Unimed Brusque, Dr. Eduardo Ballester, relata que “como tudo era muito novo e diariamente estamos escrevendo um capítulo da medicina, nosso protocolo de tratamento já sofreu ao menos três atualizações, não abandonando, no entanto, a essência do tratamento precoce”.

Esse protocolo contraria as recomendações da OMS e também não encontra respaldo nas orientações do Conselho Regional de Medicina.

Em informe publicado dia 17 de julho, a Sociedade Brasileira de Infectologia, defende ser necessário e urgente que, dentre outras medidas, “a hidroxicloroquina seja abandonada no tratamento de qualquer fase da COVID-19”.

A publicação feita no site da cooperativa Unimed Brusque apresenta claramente posição favorável ao uso de hidroxicloroquina em pacientes diagnosticados com a Covid-19. Entretanto, nenhuma informação quanto à distribuição do Kit Covid aos profissionais de saúde e médicos cooperados, como forma de prevenção, consta no site da cooperativa ou em suas mídias digitais oficiais.

As imagens do kit começaram a circular em grupos de WhatsApp e em outras mídias digitais:

Logo em seguida, questionamentos surgiram no Twitter da Unimed Brasil.

Portanto, Bereia classifica a notícia publicada por Pleno News como verdadeira. A resposta da Unimed Brasil confirma que a Unimed Brusque distribuiu kits contendo hidroxicloroquina como forma de prevenção ao Covid-19.

Além disso, mesmo contra as orientações das principais autoridades da área da saúde nacionais e internacionais, consta no site da cooperativa que a hidroxicloroquina é utilizada no tratamento de pessoas infectadas, ainda que em estágio inicial.

***

Referências de checagem:

Pleno News. Unimed distribui ‘Kit Covid’ com cloroquina e ivermectina. Disponível em: https://pleno.news/brasil/cidades/unimed-distribui-kit-covid-com-cloroquina-e-ivermectina.html Consulta em 21/07/2020.

Unimed Brusque. Pioneira no tratamento precoce do Covid-19. Disponível em: https://www.unimed.coop.br/web/brusque/noticias/unimed-brusque-e-pioneira-na-regiao-no-tratamento-precoce-do-covid-19 Consulta em 21/07/2020.

Agência Brasil. OMS anuncia nova suspensão de testes com hidroxicloroquina. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-06/oms-anuncia-nova-suspensao-de-testes-com-hidroxicloroquina Consulta em 21/07/2020.

Conselho Federal de Medicina. CFM se manifesta sobre supostos métodos de prevenção e tratamento da Covid-19. Disponível em: http://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=28723:2020-06-24-19-16-48&catid=3 Consulta em 27/07/2020.

Sociedade Brasileira de Infectologia. Informe n° 16 da Sociedade Brasileira de Infectologia sobre: atualização sobre a hidroxicloroquina no tratamento precoce da covid-19. Disponível em: https://www.infectologia.org.br/admin/zcloud/principal/2020/07/SBI_Informe_16_HCQ_precoce.pdf Consulta em 21/07/2020.

Twitter. Questionamento feito por usuário da plataforma. Disponível em: https://twitter.com/raikasevero/status/1283900340581076994 Consulta em 21/07/2020.

Twitter. Resposta Unimed Brasil. Disponível em: https://twitter.com/unimedbr/status/1284250545440595980 Consulta em 21/07/2020.

Ministro do Supremo Tribunal Eleitoral não promove perseguição religiosa

O site Pleno News publicou dia 28 de junho a seguinte notícia Pr. Silas Malafaia acusa Fachin de perseguição religiosa: ministro do Supremo propôs cassação do mandato por abuso de poder religioso”.

Reprodução/ Pleno News

Pleno News destacou a proposta de cassação de mandato de candidatos, já nas eleições de 2020, por abuso de poder religioso, feita pelo ministro do Tribunal Superior Eleitoral e também membro do Tribunal Superior Federal, Edson Fachin. Como contraposição ao pronunciamento do ministro, a matéria destaca a opinião de Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, que fez um pronunciamento em seu canal do Youtube acusando o ministro Edson Fachin de preconceito e perseguição religiosa. 

O pastor afirmou que “o Estado é laico, mas não é laicista, ou seja, ele não é contra a religião”. Segundo o pastor, a proposta do Ministro Edson Fachin é “uma tentativa de cerceamento do pensamento conservador” e “é um jogo nojento e inescrupuloso”.

Por fim, fez um apelo aos ministros do Tribunal Superior Eleitoral para que “rejeitem essa aberração que não passa de um preconceito e perseguição religiosa. que Deus nos livre desses conceitos esquerdopatas que estão na nossa nação e que venham tempos de liberdade, bênção, paz e prosperidade para o Brasil”.

Pleno News não apresenta a fonte da declaração do ministro Fachin e muito menos o contexto em que tal declaração foi feita.

Bereia checou as informações. O pastor Silas Malafaia faz referência à declaração feita pelo ministro Edson Fachin, durante sessão virtual do Tribunal Superior Eleitoral no dia 25 de junho.

O TSE discutia o processo de cassação do mandato da vereadora Valdirene Tavares dos Santos, eleita em 2016 no município de Luziânia (GO). Valdirene é acusada de praticar abuso de poder religioso durante a campanha. Foi condenada nas instâncias inferiores e agora há o Recurso Especial nº 000008285, da parte da vereadora, em julgamento no TSE.

Durante a campanha eleitoral de 2016, a então candidata teria se reunido na catedral da Assembleia de Deus em Luziânia e pedido votos aos membros da igreja. Pastores de outros bairros teriam sido chamados para a reunião, pelo pai da candidata, pastor Sebastião Tavares. Para o Ministério Público Eleitoral, Valdirene Tavares utilizou de sua condição de autoridade religiosa, uma vez que também atuava como pastora, para influenciar a escolha dos eleitores e intervir no direito constitucional da liberdade de voto.

Valdirene morou em Santo Antonio quando seu pai pastoreou a igreja Assembleia de Deus. Sebastião Tavares, pai da vereadora (à direita) é presidente do campo da Assembleia de Deus, ministério Madureira, em Luziânia. (Reprodução/ Folha da Copaiba)

Após perder nas instâncias inferiores, que julgaram pela cassação do mandato, o recurso pela não cassação chegou ao TSE. O julgamento foi suspenso por um pedido de vista ministro Tarcísio Vieira de Carvalho Neto.

Até o pedido de vista, apenas o relator do caso, ministro Edson Fachin havia proferido seu voto, seguido pelo ministro Alexandre de Moraes. Ambos optaram pela não cassação do mandato. Segundo Fachin, a única prova apresentada, um vídeo de três minutos em que a então candidata pede votos dentro da igreja, não seria suficiente para a cassação do mandato.

No entanto, Edson Fachin ressaltou a necessidade da separação entre Estado e religião para garantir ao cidadão autonomia para escolher seus representantes políticos. O ministro propôs ao Plenário do TSE que, a partir das Eleições de 2020, seja possível incluir a investigação do abuso de poder de autoridade religiosa no âmbito das Ações de Investigação Judicial Eleitoral (Aijes).

O ministro afirmou durante seu voto que “a imposição de limites às atividades eclesiásticas representa uma medida necessária à proteção da liberdade de voto e da própria legitimidade do processo eleitoral, dada a ascendência incorporada pelos expoentes das igrejas em setores específicos da comunidade”.

O ministro Alexandre de Moraes seguiu o voto do relator e optou pela não cassação do mandato, no entanto, divergiu na questão do abuso de poder religioso. Moraes afirmou que, considerando a inviolabilidade de crença, não parece ser possível, em virtude do princípio da legalidade, adotar uma espécie não prevista em lei, que é o abuso de poder religioso, sem que a questão religiosa seja instrumento para se chegar ao abuso de poder econômico.

“Não se pode transformar religiões em movimentos absolutamente neutros sem participação política e sem legítimos interesses políticos na defesa de seus interesses assim como os demais grupos que atuam nas eleições”, disse ele, ao destacar que, se assim o entendesse, a legislação abordaria também o abuso do poder sindical, o abuso do poder empresarial e o abuso do poder corporativo.

Moraes conclui que “Qualquer atitude abusiva que acabe comprometendo ou gerando abuso de poder político e econômico deve ser sancionado pela legislação eleitoral, nem mais nem menos”, A corte eleitoral aguarda a decisão do ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto.

Diante da crítica exposta na matéria do site Pleno News, é importante recuperar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos garante que:

Todo ser humano tem direito a liberdade de pensamento, consciência e religião; esse direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto em público ou em particular” (art. 18).

E a Constituição Brasileira afirma:

“É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias” (art. 5, VI).

No entanto, a mesma Constituição, no artigo 19, I, estabelece a cláusula geral da separação Estado-igreja (Estado laico, a que se refere o pastor Silas Malafaia na matéria do Pleno News), dispondo que vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”.

O advogado especialista em Direito Criminal e Direito Público e professor na Escola Paulista de Direito Marcelo Adith afirma sobre isto: .“A liberdade religiosa não constitui direito absoluto. Não há direito absoluto. O ministro Henrique Neves destacou, com acerto, que a liberdade de pregar a religião, essencialmente relacionada com a manifestação da fé e da crença, não pode ser invocada como escudo para a prática de atos vedados pela legislação (TSE, RO 265308, j. 7/3/2017, DJe 5/4/2017, p. 2).

Já o advogado, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político – ABRADEP e professor de cursos jurídicos Amilton Augusto Kufa afirma que 

“O abuso do poder religioso, pode ser considerado como o desvirtuamento das práticas e crenças religiosas, visando influenciar ilicitamente a vontade dos fiéis para a obtenção do voto, para a própria autoridade religiosa ou terceiro, seja através da pregação direta, da distribuição de propaganda eleitoral, ou, ainda, outro meio qualquer de intimidação carismática ou ideológica, casos que extrapolam os atos considerados como de condutas vedadas, previstos no art. 37, § 4º, da Lei nº 9.504/97. E os abusos vão desde o registro de candidatura até o dia das eleições, configurados por inúmeros atos, entre eles: registro de números de candidaturas que possuam identificação com números bíblicos; criação de células dentro do seio da entidade religiosa com o intuito de arregimentar os discípulos como cabos eleitorais; pedidos de votos na porta das igrejas e até mesmo apelos mais enfáticos e impositivos vindos do altar, durante os cultos de celebração, tudo amparado na crença e, por vezes, na ignorância e inocência dos fiéis seguidores.7 Divergências e polêmicas a parte, o que a Constituição Federal de 1988 busca, em especial pelo que descreve no § 9º, do artigo 14, é que as eleições sejam um campo de oportunidades iguais aos postulantes, a possibilitar que o vencedor seja o mais preparado na preferência do eleitorado, em face de suas propostas e realizações, tudo isso exercido de forma livre, sem qualquer tipo de influência, fraude ou desvirtuamento, garantindo-se, assim, “a normalidade e a legitimidade das eleições, em respeito à própria soberania popular.”

Com base nesta verificação, Bereia conclui que a notícia do site Pleno News, baseada na palavra do pastor evangélico, Silas Malafaia é enganosa. O ministro Edson Fachin propôs  propôs ao plenário do TSE a possibilidade de incluir a investigação do abuso de poder de autoridade religiosa no âmbito das Ações de Investigação Judicial Eleitoral (Aijes).

Fachin fez apenas uma proposta ao plenário da corte eleitoral e dentro do debate, sua proposta foi refutada pelo ministro Alexandre de Moraes. Além disso, durante a sessão, o ministro Fachin votou pela não cassação do mandato da vereadora Valdirene Tavares, pois no caso concreto em análise, observou que não houve abuso de poder. 

Sua proposta foi feita em sessão do Tribunal Superior Eleitoral, portanto órgão mais do que apropriado para este tipo de debate. A sessão era pública e todas as opiniões e votos são passíveis de análise pelos veículos de comunicação e analistas políticos. Muito longe de uma perseguição religiosa,  a proposta do ministro parece uma tentativa de aprimorar a democracia e corrigir possíveis distorções do processo eleitoral.

Além disso, o veículo noticioso não contextualizou o caso e transformou a opinião de um único líder religioso em notícia, com palavra definitiva, sem ouvir o pensamento de outras lideranças sobre a situação.

Dica para o leitor:

As eleições se aproximam e o Tribunal Superior Eleitoral têm uma seção exclusiva para esclarecer fatos e boatos eleitorais: Fato ou Boato?

***

Referências de Checagem:
Pleno News. Pr. Silas Malafaia acusa Fachin de perseguição religiosa. Disponível em: https://pleno.news/brasil/politica-nacional/pr-silas-malafaia-acusa-fachin-de-perseguicao-religiosa.html Consulta em 30/06/2020https://youtu.be/H7SFtuTwQJY
Youtube. Silas Malafaia Oficial. O Preconceito e a perseguição Religiosa do Ministro Fachin. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=H7SFtuTwQJY#action=share Consulta em 30/06/2020
Tribunal Superior Eleitoral. TSE inicia debate sobre a possibilidade de reconhecer abuso de poder religioso. Disponível em: http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2020/Junho/tse-inicia-debate-sobre-a-possibilidade-de-reconhecer-abuso-de-poder-religioso Consulta em 30/06/2020
TSE. Íntegra do voto do ministro Edson Fachin. Disponível em: http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/arquivos/tse-respe-8285-luziania-go-voto-ministro-edson-fachin-em-25-06-2020/rybena_pdf?file=http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/arquivos/tse-respe-8285-luziania-go-voto-ministro-edson-fachin-em-25-06-2020/at_download/file Consulta em 30/06/2020. 

6 meses: Sites religiosos e ativistas digitais que propagam desinformação

Segundo o Manual para Educação e Treinamento em Jornalismo produzido pela UNESCO, a desinformação é uma história antiga, fomentada por tecnologias novas.

Um dos primeiros registros vem da época da Roma Antiga, quando Antônio encontrou-se com Cleópatra e seu inimigo político, Otaviano, lançou uma campanha de difamação contra ele com slogans curtos e afiados, escritos em moedas no estilo dos tuítes arcaicos. 

O transgressor tornou-se o primeiro imperador romano que utilizou fake news como arma política, permitindo que Otaviano invadisse o sistema republicano de uma vez por todas. 

Em uma escala sem precedentes, o século 21 transformou a informação em armamento. Novas e poderosas tecnologias simplificam a manipulação e a fabricação de conteúdo, e as mídias sociais ampliam dramaticamente falsidades propagadas por Estados, políticos populistas e entidades corporativas desonestas. 

A propagação de desinformação com temática religiosa é assunto ainda mais sensível. O Coletivo Bereia checa fatos publicados periodicamente em mídias religiosas e em mídias sociais que abordem conteúdos religiosos, além de pronunciamentos de autoridades e personalidades ligadas à religião. 

O Coletivo fez um levantamento das temáticas de todas as checagens publicadas na seção “Checamos” do site, entre os dias 12 de dezembro de 2019 e 09 de junho de 2020, e oferece aos leitores e leitoras um quadro do universo da desinformação religiosa. 

Desinformação religiosa: levantamento das checagens do Bereia 

Esta avaliação levou em consideração as checagens realizadas num período exato de 180 dias. Foram analisados todos os artigos presentes na página de checagens no sítio do Coletivo Bereia, dentre estas, sete foram desconsiderados, por se tratarem de textos reflexivos relacionados a fatos ocasionados por notícias falsas ou duvidosas e não sobre uma checagem de fatos, propriamente dita. Sendo assim, um total de 53 checagens compuseram a análise.

A primeira observação foi quanto à classificação das notícias. São utilizadas 5 categorias para as checagens. São elas: Verdadeiro, Falso, Enganoso, Inconclusivo e Impreciso. O seguinte panorama foi encontrado na observação desse aspecto:

Como é possível observar no gráfico acima, a maior parte das notícias (30%) foi classificada como Enganosa seguida das Falsas com 28%. No total, 77% são informações cuja veracidade não pode ser confirmada. Isto já aponta que, em grande parte das vezes que o Coletivo Bereia recebe uma notícia suspeita, há grandes possibilidades de ela não ser verdadeira ou não haver possibilidade de realizarmos essa comprovação. 

Quanto aos assuntos mencionados nas notícias checadas, foi realizada uma segmentação do conteúdo com base em uma avaliação geral das checagens publicadas no site. As 7 principais categorias de temas mais recorrentes de assuntos: Sexualidade, Saúde (com ênfase em Ccoronavírus), Perseguição Religiosa, Marxismo e Comunismo, Política Brasileira, Política internacional e, também foi incluída a categoria “Outras”.

Identificamos que a maior parte das notícias avaliadas pelo Bereia no período pesquisado foi sobre saúde em assuntos relacionados ao Coronavírus. Por ser uma das discussões mais importantes do cenário mundial neste período, é coerente o que as estatísticas apontam. A pandemia é causada por um vírus ainda pouco conhecido no âmbito científico, por isso, gera incertezas para toda população e abre margem para que notícias de diversas fontes e, muitas vezes, sem embasamento, causem impacto na população. Em segundo lugar, a categoria Política Brasileira, uma justificativa possível para que ocupe tamanho espaço entre as checagens do Bereia é que, por vezes, o cenário político e o religioso caminham em proximidade. O Bereia monitora constantemente os líderes políticos ligados a bancadas religiosas, e é comum haver posicionamentos de líderes religiosos a respeito de questões políticas. O terceiro tema mais recorrente é a Perseguição Religiosa. Infelizmente, com frequência, veículos de comunicação se utilizam de cenários onde esse tipo de perseguição de fato acontecem, disseminando assim, notícias, em sua maioria, impossibilitadas de serem verificadas.

Em relação às fontes das notícias que são alvo das verificações do Coletivo Bereia, identifica-se as dez mais recorrentes:

Como observado, a maior parte das notícias é originada no Twitter, em segundo lugar no Facebook e em terceiro no WhatsApp. Juntas, as notícias originadas de mídias digitais representam 50% das análises realizadas pelo Bereia. Isso atenta para que leitores e leitoras estejam alertas para informações identificadas nestes meios cuja veracidade precisa ser confirmada antes de serem compartilhadas pelos usuários destas plataformas. 

Quanto aos sites, a maioria é ligada a organizações ou indivíduos religiosos, por isso, muitas vezes publicam com um viés de reforçar e corroborar com o posicionamento de determinada denominação ou político, pois, há veículos de comunicação evangélicos ligados à parlamentares. Há uma grande quantidade de notícias enganosas checadas pelo Bereia relacionadas a estes sites, que, por vezes, apresentam fatos reais de forma distorcida, e confundem o leitor em relação àqueles conteúdos.

Observando o gráfico das checagens realizadas pelo Bereia, destacam-se os sites voltados para o público religioso que se apresentam como os mais frequentes entre as checagens. São eles: Gospel Prime e CPAD News.

Baseando-se nos dados citados, realizamos uma análise sobre os principais sites que promovem fake news.

Gospel Prime

Fundado em 2008, Gospel Prime se declara um portal de conteúdo cristão voltado para notícias, estudos bíblicos e colunas de opinião, com missão de “Defender os princípios e valores do Reino através de notícias, estudos bíblicos e colunas de opinião, contribuindo assim para uma igreja madura e contextualizada com os tempos”. 

Com slogan “O cristão bem informado”, o site atrai 385 mil visitantes orgânicos por mês e declara já ter recebido 190 milhões de usuários desde sua fundação.

Gospel Prime aparece como fonte de 11% das checagens do Bereia, sendo três notícias enganosas e duas imprecisas: 

Como já exposto em checagem anterior, Gospel Prime foi citado no ranking da revista Época, em matéria publicada em 23 de abril de 2018, como o número um de uma lista com os 10 maiores veiculadores de notícias falsas no país. A matéria intitulada “O Exército de Pinóquios” se baseou em levantamento nos bancos de dados do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação da Universidade de São Paulo (USP) e do Laboratório de Imagem e Cibercultura da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Durante dois meses, foram listados mais de 200 sites na pesquisa, dos quais 69 continham conteúdo suspeito. 

CPAD News

CPAD News é o portal de notícias oficial da Igreja Assembleia de Deus. Fundado em 2010, o portal é ligado à Editora CPAD e concentra 12 mil visitantes orgânicos por mês. Sobre o site, a CPAD escreve: 

Utilizando os mesmos recursos dos maiores portais de notícias do Brasil, o CPAD News atende ao principal quesito da informação na internet: tempo real. Notícias do universo cristão no Brasil e no mundo, ampla cobertura de notícias de interesse geral atualizadas a todo o momento, conteúdos exclusivos e interatividade através de inúmeros recursos tecnológicos estão à disposição dos usuários em

Bereia checou duas notícias do CPAD News, ambas classificadas como inconclusivas:

Duas frentes contra a desinformação e o discurso de ódio: Comissão Parlamentar Mista de Inquérito no Congresso Nacional e Inquérito aberto no Superior Tribunal Federal. 

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, determinou, em março de 2019,  abertura de inquérito criminal para apurar “notícias fraudulentas”, ofensas e ameaças, que “atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e familiares”. A investigação foi objeto de análise do Bereia, 

Dias Toffoli nomeou o ministro Alexandre de Moraes como relator do processo. A portaria não delimita um objeto específico ou grupo a ser investigado, apenas as possíveis infrações. Mais informações sobre este inquérito podem ser verificadas em uma análise já realizada pelo Bereia, disponível aqui.

Investigações e ações da Polícia Federal aconteceram desde o início, no entanto, a operação de maior repercussão aconteceu mais de um ano depois da abertura do inquérito.

No dia 27 de maio de 2020, a Polícia Federal fez uma grande operação para cumprir mandados de busca e apreensão relacionados ao inquérito aberto pelo STF. Foram 29 mandados cumpridos em cinco estados e no distrito federal. Os alvos foram supostos envolvidos no financiamento e divulgação de ofensas, ataques e ameaças aos Ministros do STF.

Entre eles estão Allan dos Santos, Sara Winter e Bernardo Kuster, ativistas religiosos digitais, propagadores de notícias falsas e figuras cativas em sites e agências de checagem de notícias. 

Em seu site, Sara Winter informa ser ex-feminista e relata que após passar por um aborto, converteu-se ao catolicismo. Ainda conta que é escritora e seu primeiro livro se intitula “Sete vezes que o Feminismo me traiu”.  Está prestes a lançar sua nova obra com o título “Como tirar sua filha do Feminismo: um guia para pais desesperados”, que será prefaciada pela Ministra de Estado Damares Alves. 

Além do inquérito do STF, o Congresso Nacional instalou, em 4 de setembro de 2019, uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das fake news. A deputada federal Lídice da Mata (PSB-BA) é a relatora das investigações. O senador Ângelo Coronel (PSD-BA) foi eleito presidente da comissão. O requerimento para a criação da CPI foi feito pelo deputado Alexandre Leite (DEM-SP) e recebeu o apoio de 276 deputados e 48 senadores.

Depoimentos feitos à comissão apontaram a participação de dois filhos do presidente, Eduardo e Carlos Bolsonaro, e de assessores próximos em campanhas na internet para atacar adversários, por meio de um possível “Gabinete do Ódio”, instalado no Palácio do Planalto.

Aliada do presidente Jair Bolsonaro desde a campanha presidencial e agora sua adversária política, a deputada federal evangélica, Joice Hasselmann (PSL-SP), que até pouco tempo ocupava o cargo de líder do governo na Câmara,  apresentou um dossiê à comissão em que aponta “milícias digitais” que praticam ataques orquestrados aos adversário do presidente da república e de seus filhos. Os ataques, segundo a deputada, seriam impulsionados por perfis falsos e robôs e teriam como operadores assessores dos gabinetes da família Bolsonaro e funcionários do executivo federal. 

Em conversa com a BBC Brasil, a relatora da CPMI informou que existem três núcleos sob investigação: “o operacional, que conta com assessores de deputados estaduais e federais; o distribuidor, que envolve sites e blogs; e o núcleo econômico, que todos queremos identificar”. Um dos objetivos próximos passos da CPMI é “seguir o caminho do dinheiro”.

Em 2 de abril de 2020, deputados e senadores decidiram prorrogar por mais 180 dias a Comissão Parlamentar de Inquérito das fake news.

Coletivo Bereia e checagens em mídias religiosas

Daniel Patrick Moynihan, senador do estado de Nova York e embaixador na Índia e nas Nações Unidas (1927-2003), disse: “você têm direito a suas próprias opiniões, não a seus próprios fatos”.

A relação entre mídias digitais, política e fake news foi tema do documentário Privacidade Hackeada, que mostrou como a privacidade de dados dos usuários na internet é frágil e pode ser utilizada indevidamente. A empresa de dados Cambridge Analytica se tornou o símbolo do lado sombrio das redes sociais após a eleição presidencial de 2016 nos EUA. O documentário está disponível para acesso na plataforma Netflix.

Diante disso, e em meio ao turbilhão de informações, o Coletivo Bereia surgiu com o propósito específico de combater a desinformação de cunho religioso difundida em mídias sociais digitais e sites, além de verificar os pronunciamentos feitos por lideranças religiosas ou políticas ligadas a alguma denominação religiosa. 

A intenção do projeto é contribuir para um debate mais transparente dos assuntos religiosos, muitas vezes usados como pano de fundo para desinformar, manipular e confundir com vistas a algum ganho escuso. 

Bereia oferece a oportunidade a leitores e leitoras de fazerem uma leitura crítica das informações e tirarem suas conclusões baseadas em fontes oficiais e verificáveis. Há reflexões, levantamentos e também a “Torre de Vigia“, seção dedicada a checagens de notícias e pronunciamentos de pessoas ligadas à gestão pública e com filiação religiosa. Além das checagens, Bereia publica artigos de opinião de especialistas na área de religião e comunicação na seção “Areópago“.

Para saber mais sobre fake news e eleições manipuladas:

Documentário: Privacidade Hackeada. Entenda como a empresa de análise de dados Cambridge Analytica se tornou o símbolo do lado sombrio das redes sociais após a eleição presidencial de 2016 nos EUA. 

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Referências de checagem:

Congresso Nacional instala CPI das Fake News com relatora da oposição: https://www.cartacapital.com.br/politica/congresso-nacional-instala-cpi-das-fake-news-com-relatora-da-oposicao/ 

CPMI das Fake News é instalada no Congresso: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/09/04/cpmi-das-fake-news-e-instalada-no-congresso 

CPI é prorrogada por 180 dias e investigará fake news sobre coronavírus: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/04/03/cpi-e-prorrogada-por-180-dias-e-investigara-fake-news-sobre-coronavirus 

Inquérito do STF sobre fake news: entenda as polêmicas da investigação que provoca atrito entre Bolsonaro e a Corte: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52824346 

Toffoli abre inquérito para apurar ‘notícias fraudulentas’, ofensas e ameaças a ministros do STF: https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/03/14/toffoli-anuncia-inquerito-para-apurar-noticias-fraudulentas-que-ofendam-a-honra-do-stf.ghtml

Ex-aliados de Bolsonaro mostram como funciona o Gabinete do Ódio: https://congressoemfoco.uol.com.br/governo/ex-aliados-de-bolsonaro-detalham-modus-operandi-do-gabinete-do-odio/

Jornalistas evangélicos contra as fake news: https://outraspalavras.net/crise-civilizatoria/bereia-jornalistas-evangelicos-contra-as-fake-news/

Jornalismo, fake news & desinformação: manual para educação e treinamento em jornalismo: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000368647?fbclid=IwAR1ltj8iF00MPv69hOx4WViYAHzMUlp8VoYlT0Mepi_TYL_utbV5xIgnnEk

Comissão Parlamentar Mista de Inquérito – Fake News: https://legis.senado.leg.br/comissoes/audiencias?1&codcol=2292

Folha de São Paulo “Você tem direito a suas próprias opiniões, não a seus próprios fatos”: https://m.folha.uol.com.br/colunas/patriciacamposmello/2014/06/1477698-voce-tem-direito-a-suas-proprias-opinioes-nao-a-seus-proprios-fatos.shtml

Comissão Parlamentar Mista de Inquérito – Fake News. Documentos de Audiências Públicas e Oitivas: https://legis.senado.leg.br/comissoes/audiencias?1&codcol=2292

Época- O Exército de Pinóquios – https://epoca.globo.com/brasil/noticia/2018/04/o-exercito-de-pinoquios.html