O candidato representante da extrema-direita afirmou: “o Papa faz política. Ele tem uma forte influência política. Ele também mostrou grande afinidade com ditadores como Castro e Maduro. Em outras palavras, ele está do lado de ditaduras sangrentas”.
Milei também disse que o Papa Francisco considera a justiça social um elemento central, e “isso é muito complicado, porque justiça social é roubar o fruto do trabalho de uma pessoa e dar a outra”.
As críticas ao Papa Francisco, como a “afinidade com comunistas assassinos” receberam destaque na matéria publicada pelo portal gospel Pleno.News, em 15 de setembro passado. O material foi compartilhado centenas de vezes e circulou por diversos grupos de mensagens de igrejas e entre perfis religiosos.
Imagem: Matéria do Pleno.News checada pelo Bereia
Quem é Javier Milei e por que um site de notícias gospel do Brasil lhe dá destaque
De acordo com o jornal El Observador, que analisou as dez últimas pesquisas eleitorais, o economista ultraliberal e deputado do parlamento argentino Javier Milei lidera as pesquisas de intenção de voto em todos os cenários para a corrida presidencial no país.
Segundo os números mais recentes, ele tem entre 36% e 40,4% dos votos e está à frente do atual ministro da Economia, Sergio Massa, representante do presidente Alberto Fernandez. O candidato do governo tem de 27,4% a 33%. Já a ex-ministra de Segurança Patrícia Bullrich, apoiada pelo ex-presidente Maurício Macri, alcança entre 23,1% a 29,7%. Se os números forem confirmados nas urnas, o candidato da extrema-direita estará no segundo turno.
Milei se autointitula libertário e promete “acabar com a classe política do país”. O livro “La rebeldia se volvió de derecha”, do historiador argentino Pablo Stefanoni, expõe como a chamada “nova direita” surgiu no cenário político com a apresentação de uma suposta rebeldia contra “o sistema”. O capítulo “o que querem os libertários e por que deram um giro à direita?” apresenta a trajetória de Milei e mostra como os temas morais que caracterizam a retórica das chamadas “guerras culturais” se conectam e se entrelaçam com o ultraliberalismo econômico. Este mesmo processo ocorreu nos Estados Unidos e no Brasil, com as campanhas vencedoras de Donald Trump (2016) e de Jair Bolsonaro (2018)
O libertarianismo, movimento nascido nos EUA nos anos 1990, estabeleceu pontes entre a direita e à esquerda políticas, pelo viés dos extremos. O Estado é sempre um inimigo que une as correntes libertárias.
Por isso, o discurso gira em torno do fortalecimento das instituições tradicionais que estimulem a vida pública: a família, a igreja e as empresas, com o descarte do Estado. A autoridade social deve ser representada por essas instituições.
Nessa lógica, explica o livro de Stephanoni, o mercado livre é um imperativo moral e prático. Já o Estado de bem-estar social é um roubo organizado, a ética igualitária é moralmente condenável por ser destrutiva da propriedade e da autoridade social, qualquer “privilégio” racial e de grupo deve ser os valores judaico-cristãos são essenciais para uma ordem livre e civilizada.
Para chegar ao poder, explica o historiador argentino, estes libertários extremistas abraçaram o populismo de direita com teorias que envolvem satanismo, pedófilos, partidos de esquerda e o Papa, entre outros, todos conspirando, em um “sistema”, contra “o povo”. Nos Estados Unidos, o grupo apresentou um salvador para conter esta trama, Donald Trump, e na Argentina, agora, se apresenta Javier Milei.
No Brasil, Jair Bolsonaro também foi apresentado como um político antissistema que prometia governar sem acordos ou concessões à classe política. As mídias sociais colaboram para a propagação desse perfil, mesmo tendo o militar ocupado uma cadeira de deputado federal por décadas e passado por diversos partidos políticos.
O professor da Universidade de Buenos Aires, Ariel Goldstein, explica: “enquanto Bolsonaro se apresentava como um representante conservador da família tradicional e tentava o apoio dos mercados com Paulo Guedes, Milei se apresenta, de cara, como um representante dos mercados e que, agora, faz um movimento mais em direção a faixas conservadoras”.
O portal gospel Pleno News, alinhado a essas políticas econômicas e pautas conservadoras deu amplo espaço à campanha e às declaração de Jair Bolsonaro e agora dá a mesma visibilidade a Javier Milei.
O que Milei falou em entrevista de campanha contra o Papa
Imagem: Reprodução da entrevista de Carlson com Milei no X
Os temas destacados – ideologia de gênero, aborto, afinidade do Papa com ditadores, entre outros – representam o caminho trilhado por Milei e Tucker Carlson durante a entrevista: pânico moral e teorias da conspiração.
Estudos mostram que as posturas do Papa Francisco em sua maneira de conduzir a Igreja Católica tem incomodado políticos de direita, em especial extremistas ultraliberais, e personagens da própria igreja. O líder religioso e chefe do Estado do Vaticano denuncia constantemente as condições precárias dos trabalhadores, o racismo e a liberdade de movimento para os imigrantes. Além disso, “defendendo que a política não deve submeter-se à economia, e esta não deve submeter-se aos ditames e ao paradigma eficientista da tecnocracia’, o bispo de Roma ganhou fama de herege”. Francisco também tem relativizado o direito absoluto à propriedade privada e, por isso, tem sido chamado de comunista.
Com estas bases é possível compreender os ataques do candidato argentino ao Papa Francisco, divulgados na matéria do Pleno News. Na entrevista ao jornalista dos Estados Unidos, objeto do texto, ele expôs publicamente que o pontífice é um “representante maligno na terra”, atrelou-o à esquerda e manteve a comum acusação de que o Papa é comunista.
Bereia ouviu o pastor da Igreja Metodista na Argentina, jornalista e presidente da Associação Mundial para a Comunicação Cristã (WACC) Leonardo Felix sobre o ataque público do candidato ao Papa Francisco. Felix explica que “[Jorge Mario] Bergoglio [o Papa Francisco] sempre representou, quando era cardeal da cidade de Buenos Aires, uma abordagem clara na síntese do peronismo [o ex-presidente Juan Domingo Perón procurou avançar através três pilares: justiça social, independência econômica e soberania política. Para alcançar um consenso mais amplo, elaborou propostas relacionadas ao tema da justiça social, na busca da paz baseada no amor ao próximo], com as diversas tendências do peronismo, mais até à direita. Porém, para a ultradireita na Argentina, isto não é bem visto”.
O diretor da WACC informa que como reação ao discurso de ataque de Milei ao Papa, houve missas em desagravo, em “villas”, espaços equivalentes às favelas no Brasil. De acordo com Felix, “Milei acusa o Papa no campo político, já que o conectou imediatamente com o peronismo e com a esquerda e por fim com o comunismo, coisa que não pode ser assim vista de nenhum ponto de vista. No caso de Francisco, não há nenhuma ideia que permita entender isso além da retórica do Evangelho.”
Quem é o entrevistador de Milei, Tucker Carlson
O jornalista Tucker Carlson comandava um dos programas de maior audiência nos EUA, pela rede de TV Fox News, notoriamente identificada com a direita política. A rede de TV, inclusive, foi acusada de espalhar informações falsas de que as urnas foram manipuladas para impedir a vitória de Trump nas eleições. Carlson já esteve no Brasil para entrevistar o ex-presidente Jair Bolsonaro em junho de 2022.
A popularidade de Carlson e sua influência definiam a agenda dos conservadores estadunidenses e consequentemente do Partido Republicano. O programa exibido pela Fox News oferecia abordagens conservadoras populistas em questões como imigração, criminalidade, raça, gênero e sexualidade e a chamada ideologia “woke”.
O termo woke tornou-se sinônimo de políticas liberais ou de esquerda, que defendem temas como igualdade racial e social, feminismo, o movimento LGBTQIA+, o uso de pronomes de gênero neutro, o multiculturalismo, a vacinação, o ativismo ecológico e o direito ao aborto. São políticas associadas, nos Estados Unidos, ao Partido Democrata do presidente Joe Biden e à ala mais liberal.
O analista político Guga Chacra afirma que Carlson só perde em popularidade para Donald Trump, entre eleitores do Partido Republicano. Chacra acrescenta que o papel fo jornalista foi fundamental para moldar a nova ideologia do partido e “com um discurso isolacionista e focado na classe trabalhadora branca em temas sociais e econômicos, alterou em parte o discurso conservador americano, antes focado mais em questões fiscais na economia e bélico em questões internacionais”.
Carlson foi demitido da Fox News e passou a atuar nas mídias sociais digitais. Seu último programa na rede TV estadunidense foi transmitido em 21 de abril deste ano. Atualmente tem um programa de entrevistas independente na plataforma X (antigo Twitter), no qual conta com dez milhões de seguidores. A entrevista concedida por Milei e destacada pelo portal Pleno.News foi concedida no programa de Carlson no Twitter.
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Bereia avalia que os ataques de Javier Milei ao Papa Francisco se valem de falsidades, estão no campo da política e funcionam como estratégia eleitoral, na direção do que é praticado comumente por lideranças da extrema-direita.
Ao se apresentar como candidato antipolítico e relacionar o Papa com o peronismo e o comunismo, atrelando-os à esquerda, que busca confrontar, Milei alcança uma grande parcela da população que nega a política e os políticos.
O Papa Francisco, reconhecido por suas posições progressistas na Igreja Católica, está no espectro político oposto ao de Javier Milei, que busca colocar todos os outros políticos e personagens com atuação política como inimigos, na linha das práticas de extrema-direita.
Como não há registros de declarações do Papa sobre apoiar qualquer ditadura, as acusações de Milei podem ser consideradas mais uma teoria da conspiração, ferramenta tão difundida por políticos de extrema-direita em todo o mundo.
Bereia classifica, portanto, a matéria do site religioso, Pleno News como desinformativa, pois não oferece apuração do que o candidato argentino pronuncia na entrevista a Tucker Carlson, apenas reproduz. Desta forma, Pleno News atua como promotor da campanha política de Milei.
O deputado federal, identificado como cristão, Carlos Jordy (PL-RJ) compartilhou, em sua conta pessoal no X (antigo Twitter), no Instagram e no Telegram, um compilado de vídeos críticos ao atual governo federal. Ao todo, são oito recortes de vídeos de diferentes jornais brasileiros, que apresentam notícias sobre a atual gestão do Poder Executivo federal. Ao compartilhar o conteúdo, o parlamentar afirma que “até quem não votou em [Jair] Bolsonaro está com saudade dele”.
A publicação alcançou quase cem mil visualizações e obteve mais de dois mil compartilhamentos até o fechamento desta matéria. Bereia checou as afirmações de cada um dos vídeos expostos.
Imagem: reprodução X
Vídeo 1 – Rombo nas contas do governo
O primeiro corte de vídeo apresentado refere-se à notícia, veiculada pela CNN Brasil, de que o governo federal registrou déficit de R$ 45 bilhões nas contas públicas em junho, sendo o pior resultado desde 2021, quando o déficit foi de R$ 84 bilhões. A informação também foi divulgada pelo Ministério da Fazenda, por meio dos canais oficiais do governo. Trata-se de dado apresentado pelo relatório Resultado do Tesouro Nacional (RTN), publicado mensalmente.
A informação publicada pelo deputado Carlos Jordy omite esta explicação importante. O secretário do Tesouro Nacional Rogério Ceron destacou que os resultados do primeiro semestre de 2023 foram impactados por desonerações (redução do recolhimento de tributos) implementadas em 2022, durante o governo anterior, como estratégia de campanha pela reeleição. “Por mais que o Ministério da Fazenda tenha adotado medidas para recompor as receitas que foram desoneradas, é preciso respeitar ciclos de noventenas”, disse Ceron, em referência ao que a Constituição Federal determina (art. 150, inciso III): que sejam cobrados novos impostos somente depois de decorridos 90 dias da publicação da lei que o instituiu ou aumentou.
O Tesouro Nacional informa que, pela ótica das receitas, houve impacto na arrecadação graças à concessão da Eletrobras, ao pagamento de dividendos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e à queda na arrecadação de receitas administradas. Pela ótica das despesas, os motivos principais seriam o pagamento de benefícios previdenciários e o aumento do valor executado com o programa Bolsa Família.
Imagem: reprodução Tesouro Nacional
Vídeo 2 – Bloqueio do Bolsa Família
O segundo trecho de vídeo que compõe a publicação feita pelo deputado Carlos Jordy diz respeito ao bloqueio temporário do acesso ao Bolsa Família para 1,2 milhão de beneficiários. A notícia foi veiculada pelo telejornal SBT Brasil, em abril deste ano, mas o trecho veiculado omite que o bloqueio temporário foi aplicado a pessoas que dizem morar sozinhas e que começaram a receber o benefício durante o período eleitoral de 2022.
Segundo o Ministério do Desenvolvimento, Assistência Social, Família e Combate à Fome informou em março deste ano, os bloqueios destinavam-se a combater possíveis fraudes e inconsistências na composição familiar declarada ao Bolsa Família. A medida foi implementada na esteira da percepção, por parte do gabinete de transição do candidato eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de que houve abuso de poder econômico durante a gestão Bolsonaro.
A ex-ministra do Desenvolvimento, Assistência Social, Família e Combate à Fome Tereza Campello, que integrou o grupo técnico da transição na área de desenvolvimento social e combate à fome, apontou que houve crescimento anormal na quantidade de beneficiários unipessoais. Segundo Campello, de janeiro de 2019 a outubro de 2022, houve aumento de 200% nos cadastros unipessoais, com picos concentrados de crescimento.
Vídeo 3 – Taxação de compras internacionais online
No terceiro trecho que compõe a postagem crítica do deputado cristão, a notícia, retirada do Jornal da Band, trata da taxação de compras internacionais feitas pela internet. O vídeo de Jordy omite informações que permitam entender o novo modelo de tributação, que isenta remessas de até US$ 50 entre pessoas físicas ou entre pessoas físicas e empresas que se cadastrarem na Receita Federal.
Um dos objetivos do novo modelo de tributação é mitigar a sonegação de impostos por parte de empresas que tentam burlar a taxação. Recentemente, o secretário especial da Receita Federal Robinson Barreirinhas disse que a Receita identificou um cidadão que já realizou mais de 16 milhões de envios para o Brasil.
O quarto trecho veiculado na montagem de vídeos reproduz matéria do telejornal CNN 360º sobre o preço de combustíveis. A notícia dá conta de que o preço da gasolina atingiu o valor mais alto em um ano, após o preço médio do litro chegar a R$ 5,88.
O trecho omite a informação, apresentada logo em seguida no mesmo jornal CNN 360º, de que, em julho de 2022, o preço do litro do combustível estava em R$ 6,06, ou seja, valor ainda mais alto do que o preço alcançado em 2023.
Em 2023, o tema do preço dos combustíveis tem sido usado para desinformar, como demonstraram checagens do Bereia, da AFP Checamos e do Estadão Verifica. Nas checagens, assim como no trecho utilizado pelo deputado federal Carlos Jordy (PL-RJ), são feitas comparações entre os governos de Lula da Silva e Jair Bolsonaro.
Vídeo 5 – Redução do Fundo de Participação dos Municípios
Na sequência, o conteúdo compartilhado pelo deputado apresenta o trecho de uma reportagem veiculada pelo jornal televisivo piauiense Jornal de Picos, que cita um protesto de prefeituras da região Nordeste, devido à redução do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).
A reportagem em questão foi veiculada em 30 de agosto e informou que cerca de 150 prefeitos da região de Picos (PI) paralisaram suas atividades e participaram do ato, na Assembleia Legislativa do Piauí (Alepi), contra a redução do FPM, que chegou a 50% em agosto. Em entrevista ao jornal, o presidente da Associação Piauiense de Municípios (APPI) e prefeito de Caridade (PI) Toninho de Caridade afirmou que 16 unidades federativas aderiram à paralisação.
O deputado federal Carlos Jordy reproduz o tema esteira de outras publicações. Como demonstra checagem do Projeto Comprova, a mobilização de prefeitos em defesa do Fundo de Participação dos Municípios tem sido alvo de desinformação nas redes digitais.
A Confederação Nacional de Municípios (CNM) divulgou, em seu portal oficial, que em relação à 2022, o repasse de agosto teve redução de quase 8%. O cálculo do valor do FPM é feito sobre a arrecadação do Imposto de Renda (IR) e do Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI). Em 13 de setembro, um substitutivo ao Projeto de Lei Complementar (PLP) 136/2023incluiu texto que define um apoio financeiro para recomposição de quedas no FPM. O projeto ainda deve passar pelo Senado.
Vídeo 6 – Lula se torna o presidente que mais liberou emendas parlamentares em um mês
O sexto trecho na sequência de vídeos publicada por Jordy (PL-RJ) corresponde a chamada do programa Os Pingos nos Is, de 21 de agosto, do canal de notícias Jovem Pan News no YouTube, sobre o valor de emendas parlamentares liberadas em julho. O quadro noticia economia e política a partir da discussão e análise dos apresentadores.
De acordo com o noticiário, foram liberados quase R$ 12 bilhões aos estados e municípios no mês. A matéria omite informações como um levantamento do portal de notícias Metrópoles, que considerou o valor liberado pelo atual governo mês a mês até a data e apresentou as circunstâncias políticas no Congresso que possivelmente pautam as decisões de Lula da Silva.
O texto pontua que, nos quatro primeiros meses, não houve liberação e classifica o governo lento quanto a isso. Destaca ainda que, apesar dos R$ 11,8 bilhões liberados em julho, o acumulado até aquele momento era ligeiramente menor que o valor liberado no mesmo período de 2022.
Jordy, ao utilizar vídeo da Jovem Pan, despreza o fato de que este é um notório veículo de propagação de desinformação. A emissora, que tem concessões públicas de rádio e de TV, enfrenta, uma ação civil pública, ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF), em razão de campanhas de desinformação. O MPF pede o cancelamento de outorgas de concessão e permissão para radiodifusão da empresa por entender que a Jovem Pan propaga “desinformação em larga escala” com “potencial de incitação à violência e à ruptura democrática”.
Vídeo 7 – Mais de 400 mil empresas fechadas no primeiro semestre de 2023
Com mais uma chamada de reportagem televisiva, o deputado federal compõe a montagem de vídeos publicados com a informação de que mais de 400 mil empresas foram fechadas de janeiro a junho deste ano. O vídeo correspondente é a reportagem do Jornal da Tarde de 4 de setembro, da TV Cultura.
A notícia apresenta que o número exato de empresas fechadas no período foi de 427.935 empresas, de acordo com pesquisa da Contabilizei, baseada em dados da Receita Federal. O levantamento também aponta que, desde o quarto trimestre de 2021, o saldo entre abertura e fechamento de empresas é negativo, gerando um acumulado de 750 mil. Os números não incluem Microempreendedores Individuais (MEIs).
A montagem de Carlos Jordy omite que a reportagem traz ainda informações do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) de que as micro e pequenas empresas criaram quase 710 mil vagas de trabalho, o equivalente a 70% das vagas com carteira assinada geradas no mesmo período e os valores são equivalentes aos primeiros semestres de 2021 e 2022.
Segundo publicado pelo portal G1 no mesmo dia, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic) contestou os valores apresentados pela Contabilizei e apontou saldo positivo de 212.654 empresas, desconsiderados os MEIs. A pasta se baseou em números do Mapa de Empresas, que considera dados de juntas comerciais e cartórios, além da Receita Federal.
Vídeo 8 – Poder 360
O oitavo e último vídeo da publicação de Jordy (PL-RJ) apresenta uma fala de Lula da Silva sobre o Desenrola, programa de renegociação de créditos inadimplidos criado pelo governo federal. O programa tem três etapas com atendimento a públicos diferentes, em que a terceira etapa, iniciada em setembro, atende pessoas endividadas no varejo em até R$ 5 mil.
A esta última situação, em entrevista ao canal do portal Poder 360 no YouTube, Lula se refere ao “grosso” como uma injeção de valores importantes para o giro da economia. O trecho publicado pelo deputado atribui conotação distinta à fala do atual Presidente da República, ao insinuar que o atual mandatário estaria ironizando a situação da população enquanto alvo das políticas de seu governo.
*** Após checagem das informações apresentadas na publicação feita pelo deputado federal Carlos Jordy (PL-RJ), Bereia considera o conteúdo como enganoso. A postagem oferece conteúdos de substância verdadeira, mas não contextualiza as informações apresentadas e ainda omite explicações fundamentais para compreensão dos fatos. Tal prática, frequentemente tem a intenção de levar o público a julgamentos errôneos sobre os diversos temas ali presentes e, neste caso, sobre a condução do atual governo federal como um todo.
Ademais, a inclusão de um trecho de fala do atual Presidente da República Lula da Silva de modo sensacionalista contribui para uma percepção equivocada das informações anteriormente apresentadas. A postagem representa desinformação e carece de substância e contextualização. Bereia incentiva que o público exerça sempre uma leitura crítica dos discursos presentes nas redes digitais que se apresentam de forma recortada, longe do todo em que foram apresentados, procurando informações de qualidade, completas e contextualizadas.
Políticos religiosos voltaram a disseminar, nas redes digitais, que o atual presidente da República Lula da Silva irá taxar as transações financeiras por pix. Os deputados federais Carla Zambelli (PL) e Eduardo Bolsonaro (PL) foram alguns dos políticos que compartilharam a ideia, se valendo de uma suposta notificação enviada aos clientes de contas Pessoa Jurídica (PJ) da Caixa Econômica Federal sobre tarifas para esta modalidade, em seus perfis no Twitter.
O discurso sobre taxação da modalidade de pagamento foi bastante repercutido durante a disputa eleitoral presidencial. Apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro usavam, como uma das estratégias políticas de ataque à campanha adversária, a afirmativa de que o então presidente teria criado o Pix e que o atual presidente, e adversário político à época, iria taxar a medida caso assumisse o poder. Bereia checou estas informações.
Imagem: reprodução Twitter
Taxação do Pix para Pessoa Jurídica (PJ) foi definida em 2020 e já é feita por outros bancos
A Caixa Econômica Federal publicou, em 19 de junho, em seu site oficial, uma nota sobre a situação. O texto da instituição financeira esclarece que as cobranças de fato acontecerão, a partir de 19 de julho, e que, portanto, informou com antecedência os clientes PJ. O banco reforçou que não cobra tarifa Pix de seus clientes pessoa física.
No entanto, as afirmações e publicações compartilhadas pelos deputados e outros políticos religiosos suscitam a ideia de que a decisão foi tomada pelo atual presidente da República e que o próximo passo será taxar as operações financeiras da modalidade Pix também para pessoas físicas.
A decisão da instituição financeira, divulgada neste mês de junho, se baseia na Resolução BCB nº 1/2020 que permite aos bancos a aplicação de tarifas em transações Pix relacionadas a contas PJ. A Caixa não foi a primeira instituição a optar pela aplicação das tarifas.
O site do Banco Central do Brasil esclarece que a isenção da cobrança de tarifas para pessoas físicas apresenta exceções, como no caso de o Pix ser realizado utilizando canais presenciais da instituição, ao invés dos meios eletrônicos disponíveis, ou quando houver transferências em razão da venda de produtos ou serviços.
No caso das pessoas jurídicas, as possibilidades de cobrança são mais amplas, podendo ser aplicadas em caso de transações de transferência financeira ou compra, e pela contratação de serviços acessórios que permitam a oferta de atividades complementares pelas empresas. Os informes foram atualizados ainda em janeiro de 2023.
Grandes bancos, como Bradesco, Banco do Brasil, Santander e Itaú já aplicam tarifas a transações via Pix realizadas por pessoas jurídicas,a depender do valor da operação e do tipo de chave cadastrada. As taxas aplicadas por cada instituição foram compiladas pela CNN Brasil.
O que é o Pix
Pix é um meio eletrônico de pagamento instantâneo desenvolvido pelo Banco Central do Brasil. Trata-se de um recurso rápido para transações financeiras a partir de uma conta corrente, conta poupança ou conta de pagamento pré-paga, sendo possível realizar transações sem limite de data, horário ou instituição bancária.
Além de ter instituído o método de pagamento, o Banco Central também exerce o papel de regulador do Pix, definindo suas regras de funcionamento, e de gestor das plataformas operacionais, ou seja, disponibilizando a tecnologia para diversas instituições.
O Pix já foi alvo de desinformação eleitoral checada por Bereia, em que se considerou falsa a afirmação, veiculada nas redes digitais, de que Jair Bolsonaro foi o criador da transação bancária. Na ocasião, também se afirmava que o Pix causaria prejuízo a bancos e que Lula da Silva poderia acabar com a transação, ambas consideradas falsas.
Imagem: reprodução Twitter
Repercussão nas redes digitais
Após o anúncio de que a Caixa Econômica Federal iniciará cobrança por transações via Pix, exclusivamente para pessoas jurídicas privadas, políticos de oposição ao atual governo federal repercutiram a medida, associando-a ao atual presidente da República Lula da Silva.
A deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) compartilhou, em seu perfil no Twitter, uma imagem com os dizeres “Lula começou a taxar o Pix”, dizendo, ainda, que “Bolsonaro avisou”.
Já o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), também no Twitter, veiculou mensagem questionando: “dar tanto dinheiro do seu trabalho para o Lula por quê?”. Na imagem veiculada, é possível ler os dizeres “PT vai taxar o Pix”.
Reação do Governo Federal
Na tarde de 20 de junho, a Caixa anunciou a suspensão da medida. A decisão teria sido tomada depois de um pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de acordo com o ministro da Casa Civil, Rui Costa.
Costa afirmou que, em conversa com a presidente da Caixa Rita Serrano, pediu que aguardassem o retorno de Lula ao Brasil para uma reavaliação da medida. O presidente está em viagem oficial à Itália.
Segundo Costa,a presidente da Caixa mostrou-se surpresa com a repercussão do caso, já que trata de uma medida já praticada por outros bancos no país.
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Bereia considera enganoso o conteúdo checado. As publicações feitas pelos deputados citados na checagem, considerando-se não apenas as imagens, mas também os textos veiculados, são apresentadas para confundir. A informação de que a Caixa Econômica Federal começaria a taxar transações financeiras via Pix para pessoa jurídica são verdadeiras, mas os deputados omitem que se trata de prática comum dos bancos brasileiros.
A publicação feita por Eduardo Bolsonaro (PL-SP) sugere, ainda, que após a cobrança para pessoa jurídica, o público em geral também será taxado. Tal suposição não encontra respaldo nas informações disponibilizadas pela Caixa, pelo Banco Central ou por qualquer outra instituição que faz uso do Pix.
A ausência da informação de que a cobrança estava restrita apenas a pessoa jurídica, excetuados também os microempreendedores individuais (MEI), contribui para que o público em geral sinta-se atingido pela cobrança, o que não é verdade à luz dos fatos.
As mais recentes informações sobre a medida a ser adotada pela Caixa indicam que haverá uma suspensão de sua implementação, até que seja feita uma reavaliação conjunta sobre sua efetivação.
A deputada federal Carla Zambelli (PL) repercutiu em seu perfil no Twitter matéria do UOL sobre voos com aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) no governo Lula. No post, além de um card afirmando que “a mamata voltou”, Zambelli acrescenta que “Além de gastarem mais, segundo levantamento do UOL, a média de passageiros foi menor neste desgoverno”. Sua postagem teve 63,7 mil visualizações e compartilhada em espaços digitais religiosos.
O site evangélico Pleno News também publicou matéria que citou a informação publicada no site UOL e deu destaque para o fato de que os ministros da Infraestrutura e da Cidadania no governo Bolsonaro, Tarcísio de Freitas e Osmar Terra foram os que mais utilizaram aviões da FAB durante o início do governo. Nesta comparação, que durante o atual governo Lula, “Fernando Haddad, ministro da Fazenda e Nísia Trindade, ministra da Saúde, são os atuais ‘campeões’.”
O que diz a matéria do UOL
No texto, o UOL afirma que “a equipe do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) superou a de seu antecessor, Jair Bolsonaro (PL), em viagens com aeronaves da FAB (Força Aérea Brasileira)”. Segundo o levantamento feito pelo portal de notícias, nos primeiros 40 dias de governo do atual presidente do Brasil, foram realizados 89 voos com aviões da FAB , o que representa 46% a mais do que a gestão do ex-presidente, que, nos primeiros 40 dias de 2019, utilizou as aeronaves em 61 viagens.
A assessoria do ministro da Fazenda Fernando Haddad, respondeu ao site UOL e explicou “que as viagens a São Paulo se justificam pelo fato de haver escritório do Ministério da Fazenda na cidade, o maior centro financeiro da América Latina”. Também em resposta ao site, a ministra da Saúde Nísia Trindade disse “que as viagens ao Rio eram necessárias porque é o estado que mais possui unidades de saúde vinculadas ao ministério”. Os ministros Haddad e Nísia, e o atual governador do estado de São Paulo Tarcísio de Freitas, disseram ao UOL que respeitam o decreto que regula voos da FAB.
Legislação que regula voos da FAB
De acordo com matéria publicada pelo UOL “desde 1999, decretos regulam o uso de voos da FAB por autoridades, ministros, comandantes de Forças Armadas e presidentes de Casas do Congresso e do Supremo Tribunal Federal”. Em 2020 o ex-presidente Jair Bolsonaro sancionou novo decreto que manteve a permissão do uso de voos da FAB por motivos de emergência médica, de segurança e a serviço e o voo deve ser compartilhado “sempre que possível” quando o intervalo entre os voos para o mesmo destino for “inferior a duas horas”. Para alegar necessidade de segurança, é preciso uma “justificativa que fundamente a necessidade”, afirma a regra. Segundo o site UOL, o decreto 10.267 de 05/03/2020, editado por Jair Bolsonaro, “ainda diz que essa justificativa é presumida quando os viajantes são os presidentes das Casas do Congresso e do Supremo e se dirijam a ‘local de residência permanente’.”
Também a matéria do UOL diz que “a versão anterior do decreto, baixada por Dilma Rousseff em 2015, proibia o trajeto para residência dos ministros. O texto foi revogado por Bolsonaro. Agora, o decreto estabelece que o registro em agenda oficial é a comprovação de que a viagem é para serviço”, informa o site.
Motivos para a realização dos voos
Para uma informação corretamente oferecida ao público, pelo UOL e por quem repercute o conteúdo, é preciso levantar, na avaliação dos números de voos da FAB,os respectivos propósitos para as viagens.
Bereia oferece como exemplo, a tragédia humanitária sofrida pelo povo Yanomami, que demandou ações emergenciais durante o primeiro mês do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. As ações resultaram em mais de 1.200 horas de voos da FAB para o território indígena conforme relatório da instituição divulgado em 4 de março deste ano. Além de levar autoridades e agentes públicos para atuarem no local, “a Força Aérea Brasileira (FAB) já entregou mais de 400 toneladas de mantimentos e medicamentos à população da Terra Indigena Yanomami em um mês de operação da instituição no território […] O transporte de suprimentos faz parte de uma das frentes de atuação das Forças Armadas na crise sanitária no território. As entregas tem sido feitas pelo Comando Operacional Conjunto Amazônia (Cmdo Op Cj Amz).”
Bereia avalia como IMPRECISA a notícia que o governo Lula usou voos da FAB quase 50 por cento a mais do que o ex-governo Bolsonaro em seus primeiros 40 dias de trabalho. A notícia do site UOL repercutida por políticos religiosos, em crítica ao atual governo, checada oferece conteúdo verdadeiro, com base em números, mas não contextualiza as demandas em que geraram a quantidade de voos da FAB. Isto pode levar o público a julgamentos errôneos sobre o uso de recursos governamentais do Poder Executivo. É desinformação e necessita de complementações e contextualização.
O noticiário sobre política no Brasil repercutiu nos últimos dias notícia sobre a prisão de um indígena apresentado como cacique e pastor da etnia xavante.
José Acácio ganhou notoriedade nas mídias sociais após a divulgação de vídeos gravados em acampamentos em Brasília, sempre com vestimenta e pinturas tradicionais, se apresenta como representante e defensor dos povos indígenas e dos valores cristãos. Contesta as urnas eletrônicas e validade da eleição de Lula, faz ataques e ameaças ao ministro presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e discursos antidemocráticos.
Tsererê foi preso por encaminhamento da Procuradoria-Geral da República (PGR) ao Supremo Tribunal Federal (STF). Ele é acusado de cometer crimes de ameaça, perseguição e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. No início deste mês, um grupo liderado por Tsererê invadiu a área de embarque do Aeroporto Internacional de Brasília, onde discursou e entoou palavras de ordem contra ministros do STF e Lula. “Se precisar, a gente acampa, mas o ladrão não sobe a rampa”, afirmaram.
Bereia checou a dúvida que foi fortemente colocada em comentários de mídias sociais de veículos noticiosos e em algumas matérias jornalísticas quanto ao título “pastor” de Tsererê Xavante, seja por meio de questionamentos diretos ou pelo uso de aspas no termo.
Quem é José Acácio Tsererê Xavante?
Nas mídias sociais, José Acácio utiliza o nome de Tsererê Xavante e se apresenta como pastor evangélico da Igreja Re’ihoimanamono”u”otsinhorowa e na Aliança Missionária das Nações, integrante da ONG Associação Indígena Bruno Ômore Dumhiwê.
A adesão de Tsererê Xavante à direita política o levou a apoiar, já em 2018, a candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência, tendo ficado entre apoios e críticas de pessoas da igreja, como se observa em comentários de suas publicações em mídias sociais, como a reprodução abaixo.
Em 2022, o apoio à candidatura de Bolsonaro foi renovado, como se observa em postagens como a que está reproduzida a seguir. Após a derrota de Bolsonaro nas ruas, o apoio o levou ao extremismo das manifestações anti-democráticas
A presença de Tsererê Xavante nas manifestações em Brasília teria sido financiada por um fazendeiro de Araçatuba (SP), que tem propriedades em Campinápolis, região onde está demarcada da Terra Indígena. Esta constatação foi feita após a divulgação de um vídeo no qual o fazendeiro em questão, Dide Pimenta, que teria sido procurado pelo indígena em busca de apoio, explica o que fez para mantê-lo na capital e pede mais ajuda financeira.
No vídeo, Pimenta conta se juntou com amigos para enviar “oito ônibus de índios” e que teria enviado “outras etnias” para Brasília, em 11 de dezembro. O fazendeiro afirma que “estão com dificuldade de manter os índios” e pede colaborações de R$ 30 a R$ 500, que podem ser enviadas por “PIX para a conta direta do Tserere” ou para a dele próprio.
A ligação com a Associação Indígena Bruno Omore Dumhiwê
De acordo com as pesquisas da doutora em Sociologia Natália Araújo de Oliveira para a dissertação de Mestrado, defendida em 2010, a Associação Indígena Bruno Omore Dumhiwê foi criada no ano 2000, porém ficou ativa por pouco tempo. Em junho de 2009, a Associação foi reativada, tendo como presidente Tsererê Xavante e contando com 97 associados, entre 15 crianças, 30 adolescentes, seis não índios e os demais, indígenas adultos. Todos moradores da cidade de Nova Xavantina (MT).
A pesquisadora afirma que o presidente da instituição buscou uma visibilidade política não só da associação, mas principalmente a sua própria. Ela apoia essa hipótese no fato de não ter ocorrido nenhuma reunião da diretoria desde sua eleição, em 2009 até 2010, em que ela realizou a pesquisa, existindo somente ações isoladas que colocavam em evidência o presidente. Natália Oliveira avalia que o objetivo que Tsererê Xavante revelava era o de se tornar conhecido na sociedade nova-xavantinense para que pudesse ser eleito a algum cargo político da cidade. A socióloga ainda levantou na pesquisa que Tsererê Xavante se projetouna mídia nacional como candidato a participante de uma das edições do reality show Big Brother Brasil, da Rede Globo de TV
Pastor?
Tsererê Xavante se apresenta, em sua página no Facebook, como criador de conteúdo digital e registra que estudou nas instituições religiosas Instituto de Formação Cristã – Escola de Ministérios e na Escola do Clamor. Nesta mesma mídia o indígena declara que atualmente é pastor na Igreja Re’ihoimanamono’u’otsinhorowa. Várias publicações no perfil do Facebook de Tsererê Xavante mostram seu relacionamento com uma missão cristã entre indígenas xavantes e a sua ação como pastor.
Por meio de pesquisa nestes registros de mídia, pode-se concluir que a Aliança Missionária das Nações (AMN) tem atuação na Terra Indígena de Parabubure, onde está a aldeia a que Tsererê Xavante pertence. Neste território vivem cerca de 27 mil indígenas, distribuídos em nove terras demarcadas. Lá foi estabelecido um trabalho missionário, no qual Tsererê emergiu como liderança, sendo encaminhado para formação e pastoreio de uma igreja indígena. Ele se casou com uma das missionárias da AMN.
De acordo com lideranças da Associação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Tsererê Xavante não é um indígena tradicional e não é cacique. O líder da aldeia é o Cacique Celestino. Além de atuar como pastor evangélico e ter se casado com uma mulher não indígena, sua conversão ao cristianismo se deu após ter sido preso por tráfico de drogas, em 2008. A formação para o pastorado evangélico teria se dado quando estava na prisão, onde decidiu “seguir o chamado”. Ele teve pena reduzida em 2009, quando o Superior Tribunal de Justiça (STJ) atendeu a um recurso da defesa, que pediu a redução da pena pelo fato do réu ser indígena.
Imagem: reprodução do Facebook
Bereia checou as informações em contato com as instituições declaradas como parte da educação teológica e obteve a confirmação sobre a formação de Tsererê Xavante na no Instituto de Formação Cristã (IFC) – Escola de Ministérios, que pertence à Igreja Jesus Cristo é o Caminho, ambos localizados em Vinhedo (SP). Até o momento não houve retorno da Escola do Clamor, vinculada ao Ministério Clamor pelas Nações, ambos sediados em Belo Horizonte (MG).
Os dois cursos são livres, sem o credenciamento do Ministério da Educação, o que significa que a diplomação atende à formação de lideranças que podem atuar em determinadas igrejas que não demandam exigência de graduação em nível superior para o reconhecimento de seus pastores.
Missões indígenas e a extrema-direita
Ao se apresentar como representante e também defensor dos povos indígenas e dos valores cristãos, a participação de José Acácio Tsererê Xavante posiciona as missões indígenas na extrema direita política. Diante das contestações às urnas eletrônicas, à validade da eleição de Lula, bem como a ênfase aos ataques ao ministro Alexandre de Moraes e os discursos antidemocráticos expostos por esta liderança indígena, a APIB publicou uma nota sobre as manifestações golpistas em Brasília, na qual diz que:
“A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil repudia os recentes atos golpistas realizados na capital. Nossos povos não compactuam com qualquer atitude que ameace a democracia, ao contrário, sabemos que neste momento em que o fascismo ameaça o Estado de Direito no Brasil, precisamos lutar pela democracia como defendemos nossas próprias vidas.
Condenamos as manipulações promovidas pelo bolsonarismo, que se apropriou do uso das redes sociais e das piores práticas do jornalismo para criar uma realidade paralela, a qual aprisiona a consciência de pessoas inocentes e desinformadas, inclusive indígenas, que acabam sendo iludidas, cooptadas ou induzidas a cometer atos ilegais. Reconhecemos, porém, que não se trata apenas de pessoas iludidas, mas também de pessoas que atuam de má fé, propositalmente, dentre esses empresários que financiam tais atos e que precisam ser investigados e devidamente punidos”
A relação de indígenas com a extrema-direita é um fenômeno que tem sido observado por pesquisadores, como o cientista político Leonardo Barros Soares. Em artigo sobre o tema, ele avalia que se tratam “de indivíduos indígenas que orientam suas ações políticas pela cosmovisão que abrange ultraliberalismo econômico, militarismo e uma forte agenda moralista amparada pela gramática moral e institucional do cristianismo, sobretudo o de matriz neopentecostal”.
Para o pesquisador, a pauta defendida por estes indígenas se articula a “uma visão de mundo conservadora que adquire matizes específicas no que se refere ao seu caráter étnico” e se relaciona a::
apoio à liberação de atividades de exploração econômica no interior de terras indígenas (garimpo, mineração, pecuária extensiva, arrendamento para plantações de larga escala, extração de madeira, estabelecimento de cassinos, liberação de pesca esportiva, dentre outras)
a defesa da aquisição e porte de armas e munições atrelada à caça e a defesa da presença e expansão das missões evangélicas entre os povos indígenas, com destaque para aqueles em situação de isolamento voluntário;
tendem a argumentar que organizações não-governamentais “manipulam” os povos indígenas por meio de financiamentos internacionais que, na verdade, mascarariam os interesses escusos de governos estrangeiros sobre a Amazônia;
consideram que as políticas indigenistas do estado brasileiro levadas a cabo na redemocratização, em verdade, atrasam o “desenvolvimento” dos povos indígenas.
Soares alerta que “Goste-se ou não, o indígena em questão não é mais ou menos indígena que seus parentes e é responsável por suas escolhas políticas”.
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Tendo em vista a pesquisa realizada pelo Bereia sobre Tsererê Xavante é possível afirmar ser verdadeira a informação de que o indígena é um pastor evangélico. Ele lidera uma igreja entre xavantes denominada Re’ihoimanamono”u”otsinhorowa, criada pela missão da Aliança Missionária das Nações, na Terra Indígena Parabubure (MT). Já o título de cacique, Tsererê não possui. O Cacique Celestino é o líder da aldeia à qual ele está vinculado.
* Matéria atualizada às 19:58. A etiqueta foi atualizada como resposta a questionamento do autor do texto verificado.
Recentemente, o portal oficial do Partido dos Trabalhadores (PT) publicou notícia em que afirma o crescimento de 129% na quantidade de brasileiros autointitulados evangélicos ao longo dos governos liderados pela legenda, enquanto o número seria de apenas 6,5% durante o mandato de Jair Bolsonaro (PL). A publicação aponta, ainda, que a administração atual teria sido responsável por instabilidades, perseguições e desinstituicionalizações dentro do meio evangélico. A notícia foi divulgada em vários espaços digitais de esquerda na forma de card.
Crescimento no número de evangélicos
De acordo com pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, o número total de brasileiros autointitulados evangélicos subiu de 26,2 milhões no ano de 1999, para 42,3 milhões em 2010. Proporcionalmente, os evangélicos passaram de 15,5% para 22,2% no número total de brasileiros, sendo pentecostais, protestantes, religiosos de missão, carismáticos e outras denominações consideradas como evangélicas.
É importante salientar que o censo do IBGE é realizado a cada 10 anos. Porém, o último data do ano de 2010, já que, por decisão do governo federal atrelada aos cortes orçamentários relacionados à pandemia da covid-19, o levantamento que deveria ter sido realizado em 2020, foi suspenso e está em curso atualmente, já em 2022. Este déficit de dados torna especulativa qualquer informação que venha a defender um crescimento, ou diminuição, no número de práticas e de praticantes religiosos no país.
No entanto, instituições privadas costumam produzir suas próprias aferições de dados. É o caso do Instituto de Pesquisa Datafolha, vinculado ao jornal Folha de S. Paulo. Mencionado na matéria produzida pelo PT, o Instituto Datafolha conduz pesquisas sob encomenda para veículos de informações e políticos. Sua base de dados tende a se concentrar em centros urbanos e metrópoles, limitando a qualidade da amostra colhida.
Em pesquisa realizada pelo Instituto em 2016, três em cada dez (29%) brasileiros com 16 anos ou mais atualmente se dizem evangélicos; em 2020, ainda segundo o Datafolha, esse número subiu para 31%, isto é, 65,4 milhões de pessoas. Isto representaria um aumento de apenas 2% no número de evangélicos no país, dos anos de 2016 a 2020.
Todavia, os dados provenientes do Datafolha não são um parâmetro oficial adotado para mensuração do crescimento, ou não, no número de evangélicos ou de qualquer grupo religioso. Os resultados alcançados pelo instituto da Folha de S. Paulo dizem respeito a um universo amostral menor do que a parcela colhida pelo IBGE, portanto, não podem ser utilizados para afirmação comparativa referente a governos. Estas pesquisas estimativas são úteis na produção de resultados parciais para uma abordagem geral sobre possível distribuição de fiéis por religiões e sondagem de opinião como intenção de votos, aprovação do presidente etc, mas não configuram uma fonte oficial para ser utilizada na discussão de políticas públicas, como é o IBGE.
Políticas dos governos petistas voltadas ao público evangélico
A matéria do PT menciona ainda uma série de leis, projetos e acordos firmados entre o governo Lula e instituições religiosas, dentre elas: lei que permitiu que as igrejas e associações religiosas passassem a ter personalidade jurídica, em 2003, proibindo intervenções do Estado nas ações das igrejas e possibilitando a criação de seus próprios estatutos; criação do Dia Nacional da Marcha para Jesus, em 2009; criação do Dia Nacional do Evangélico (30 de novembro), em 2010.
Tais projetos não se deram apenas por uma boa vontade do então presidente para com os evangélicos, mas, sim, graças ao cumprimento de acordos políticos firmados entre ele, a Bancada Evangélica e lideranças políticas/religiosas. Em igual medida, Bolsonaro se alinha a uma bancada formada majoritariamente por agentes religiosos e realizou a aprovoção de projetos como maior flexibilização da compra de armas de fogos, redução de investimento em ONGs que atuam por direitos relacionados à pauta de costumes, nomeação de evangélicos para primeiro e segundo escalões de ministérios no governo federal, perdão para dívidas de igrejas com a Receita Federal, além de movimentar os debates sobre aborto, família e Direitos Humanos sob uma perspectiva conservadora de sua base aliada.
O interesse dos presidenciáveis no eleitorado evangélico
O voto dos evangélicos está sendo disputado pelos dois candidatos que lideram as pesquisas eleitorais para Presidente. Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Messias Bolsonaro (PL) têm buscado o apoio do segmento, que representa aproximadamente 30% da população brasileira, segundo os institutos de pesquisa, e deve ter um peso nas eleições de outubro de 2022.
De acordo com pesquisa do PoderData realizada de 22 a 24 de maio deste ano, Jair Bolsonaro lidera com 46% das intenções de voto entre eleitores evangélicos para o 1º turno, enquanto Lula marca 33%. A distância entre os dois presidenciáveis nesse grupo específico é de 13 pontos percentuais. Na rodada realizada de 8 a 10 de maio, era de 27 pontos. Os números desmistificam o apoio massivo dos evangélicos a Bolsonaro.
Ainda, segundo dados obtidos por uma pesquisa do Datafolha, também é possível relativizar a suposta homogeneidade do voto desses fiéis, principalmente quando se fala sobre as mulheres evangélicas. Entre elas, 39% votariam no petista, enquanto 30% declararam voto no atual Presidente. Os números seguem a tendência dos votos pelo país, que indicam preferência do gênero feminino por Lula. A vantagem do ex-presidente se amplia quando são consideradas mulheres jovens, de 16 a 24 anos, das quais 50% optam pelo candidato do PT, contra 22% que votariam em Bolsonaro. Se comparadacom a intenção de voto dos homens da mesma religião, a situação se inverte, são 46% contra 28% que votariam em Lula.
Do outro, o candidato do PT visa se aproximar desse eleitorado. A legenda formou núcleos evangélicos em 21 estados da Federação, a fim de adaptar a comunicação das campanhas aos valores desse segmento religioso. No início deste mês, o Partido também criou o CEU (Comitê Evangélico Unificado) com o objetivo de enfrentar as fake news que circularam fortemente entre a população evangélica na última disputa eleitoral. De acordo com a pesquisa “Caminhos da desinformação: evangélicos, fake news e WhatsApp no Brasil”, que deu origem ao Bereia e foi realizada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 49%, ou quase metade, dos evangélicos que responderam aos questionários afirmaram ter tido acesso a conteúdo falso. Desses, 77,6% disseram ter recebido as fake news em grupos de WhatsApp relacionados às suas igrejas.
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Bereia classifica a notícia como IMPRECISA, uma vez que se vale de dados não oficiais, estimativas de pesquisas, para corroborar argumentos de campanha que envolvem políticas governamentais. Como mencionado, as pesquisas de censo IBGE ainda estão sendo realizadas e os resultados divulgados pelo Instituto Datafolha dizem respeito a um universo amostral menor do que a parcela colhida pelo IBGE, além de o primeiro não ser uma fonte oficial do Estado. A matéria em questão cumpre um papel político de reconciliação do PT com o público evangélico, mostrando como a legenda e o povo evangélico lograram conquistas e prosperam durante o governo petista, levando o público leitor a uma compreensão de que durante o governo bolsonarista o pequeno crescimento do número de fiéis seria resultado de um não interesse político nessa comunidade. O crescimento, a estagnação ou decréscimo no número de fiéis de um grupo religioso depende de uma série de fatores socioeconômicos e culturais que precisam ser devidamente avaliados para se produzir uma afirmação como a que foi feita no site do Partido dos Trabalhadores.
Em postagem em mídia social, o deputado federal pastor da Assembleia de Deus, Otoni de Paula (PSL/RJ), reproduziu imagem na qual afirma que apenas o presidente da República Jair Bolsonaro, comprou vacinas contra a covid-19. O objetivo da postagem foi levantar a discussão de uma suposta incompetência de gestores estaduais do Nordeste do país, por terem desistido da compra da vacina russa Sputnik-V e exaltar o presidente Bolsonaro.
Até a finalização desta matéria, a postagem já havia recebido 4.503 curtidas, 1283 retweets e 44 comentários. Dentre as interações, a que mais se destacou foi o posicionamento contra a obrigatoriedade de tomar qualquer vacina.
O Consórcio Nordeste, ao qual o deputado se refere, foi criado em 2019, com o objetivo de ser um instrumento jurídico, político e econômico de integração dos nove Estados do Nordeste do Brasil, antes mesmo da chegada da pandemia no país. Em 2020, por conta da inação do Governo Federal, o consórcio decidiu iniciar um processo para comprar doses da vacina russa, Sputnik V, e acelerar a vacinação dos estados e o combate contra a covid-19.
O presidente do Consórcio Nordeste, o governador do Piauí Wellington Dias (PT), de fato suspendeu a importação de 37 milhões de doses da Sputnik V, no último dia 05 de agosto, uma vez que o uso da vacina não foi completamente autorizado pela Anvisa.
A corrida pelo imunizante russo não foi feita somente o Consórcio Nordeste. Também havia o interesse de consórcios de municípios e do Consórcio Brasil Central (BRC), que conta com os estados do Maranhão, Rondônia, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e o Distrito Federal, mas que também desistiu da compra ainda no começo do mês de julho.
O caso das vacinas no Brasil
Desde meados de 2020 a gestão de Jair Bolsonaro vem se posicionando contra a compra e a aplicação das vacinas no Brasil. Entre as propostas de compra e gestão da pandemia, o presidente trocou e desautorizou ministros da saúde, fez piada com os imunizantes e declarou que ele mesmo não tomaria a vacina. Apenas em 10 de março de 2021 foi sancionada a Lei nº 14.124, que autoriza a administração pública a celebrar contratos de compras de vacina contra a covid-19, sem a dispensa de licitação, e antes mesmo do aval de uso emergencial do imunizante.
Outro fator que demonstra a falta de compromisso do governo federal com a população brasileira é a rejeição ou a falta de resposta para 90% dos 81 e-mails enviados pela farmacêutica Pfizer, oferecendo ao menos 70 milhões de doses de vacinas para o país. O imunizante já havia sido aprovado pela Anvisa e chegou a ser ofertado pela metade do preço oferecido à países como Israel.
Em fevereiro de 2021 o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou a compra de imunizantes contra a covid-19 por estados e municípios. Contudo, o Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sidusfarma) declarou que a negociação e distribuição das vacinas da Astrazeneca, do Instituto Butantan (Coronavac), da Janssen e da Pfizer – todos autorizados pela Anvisa -, seria feita exclusivamente para órgãos federais e organismos públicos internacionais da área da saúde. Ou seja, na prática a compra de vacinas por estados e municípios dos imunizantes já autorizados, estava impossibilitada pelo Plano Nacional de Imunização (PNI). Dessa forma, a gestão dos imunizantes pelo governo federal não foi uma iniciativa exclusiva do presidente Jair Bolsonaro, mas um cumprimento de sua obrigação como chefe de Estado.
No caso do município do Rio de Janeiro, que em dezembro de 2020 havia declarado o interesse na compra de vacinas, o prefeito da cidade, Eduardo Paes (PSD), voltou atrás no início de janeiro e decidiu esperar a distribuição dos imunizantes pelo Ministério da Saúde.
Não apenas, em junho deste ano, um documento interno, datado de 2020, apresentado na CPI da Covid, provou não haver interesse do governo federal em estabelecer um calendário de vacinação no país e desdenhar do governador de São Paulo, quando ele firmou uma data de início para a aplicação das vacinas.
No mesmo depoimento dado à CPI da Covid pelo presidente do Instituto Butantan Dimas Covas, a compra da Coronavac poderia ter sido firmada ainda em outubro de 2020, se não houvesse a interrupção das negociações ocorridas a partir das declarações do presidente.
Sputnik V
O imunizante que já estava sendo aplicado em diversos países pelo mundo, inclusive em pelos países vizinhos, como Paraguai, Argentina e Bolívia, foi embarreirado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) por não garantir a segurança e qualidade da vacina russa para a população brasileira. Na análise foram verificadas falhas de pesquisa em todas as etapas de teste da vacina, além de lotes em que o adenovírus, vetor que carrega o SarsCov-2 até o interior da célula, estava se replicando – fato não previamente exposto pelos fornecedores e que poderia causar efeitos colaterais, desenvolvimento de doenças e a ocorrência de óbitos.
Além disso, questões de falta de segurança em infraestrutura em algumas fábricas produtoras da vacina também contribuíram para o veto inicial da Anvisa.
Em julho deste ano, a agência reguladora brasileira autorizou o país a importar doses da Sputnik V, desde que esta atendesse aos requisitos de segurança estabelecidos. Dentre esses, consta a limitação do número de importações de imunizantes a apenas 1% da população dos seis estados autorizados, a compra de vacinas vindas única e exclusivamente de fábricas inspecionadas pela Anvisa na Rússia, a análise dos lotes para garantir que em nenhum deles exista vírus replicante, a notificação de efeitos adversos graves em até 24 horas e a responsabilização dos estados quanto a monitoração das condições de aplicação da vacina.
“É lamentável. O Brasil vive uma situação com alta mortalidade, mais de mil óbitos por dia. Temos vacinas disponíveis, mas impedidas de entrar no Brasil devido a uma decisão da Anvisa, que faz uma alteração no padrão de teste junto com a não inclusão do Ministério da Saúde no plano nacional de vacinação e a falta da licença de importação, tivemos a suspensão da entrega da vacina, até que se tenha uma autorização do uso do imunizante no Brasil”.
Já o secretário executivo do Consórcio Brasil Central Paco Britto, em declaração dada ao Correio Braziliense, afirmou que o motivo da desistência foi o aumento da confiança na compra e distribuição e vacinas pelo governo federal: “Seria agora um trâmite muito longo e complicado concluir a compra (da Sputnik). Manifestamos interesse, mas o cenário mudou e temos a real perspectiva de sermos abastecidos totalmente pelo governo federal, pelo Programa Nacional de Imunização. A previsão é que até outubro o DF esteja vacinado”.
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Com base nesta verificação, Bereia classifica o conteúdo da postagem feita pelo Deputado Federal Otoni de Paula como falso. Ao dizer que ninguém, além de Jair Bolsonaro, comprou vacinas, e afirmar que as outras narrativas de compra de vacinas são mentirosas, o deputado omite a sabotagem de medidas sanitárias e o retardo na compra de vacinas pelo governo Jair Bolsonaro e não contextualiza os processos de compra dos imunizantes que vêm sendo negociados desde novembro de 2020. A menção única do Consórcio Nordeste na desinformação do deputado, apesar de outros consórcios de estados e municípios também terem tentado fazer a compra da vacina Sputinik, reproduz a estratégia de parlamentares governistas de atingirem negativamente o grupo articulado por governadores do Nordeste, que têm se colocado como oposição ao governo Bolsonaro.
* Matéria atualizada em 02 de agosto de 2021 às 19:31 para acréscimo de informações.
Em postagem em mídias sociais em 22 de julho de 2021, a deputada federal Bia Kicis (PSL/DF), que integra a Bancada Católica no Congresso Nacional, divulgou reunião, em Brasília,com a deputada do Partido Alternativa para Alemanha Beatrix von Storch. Bia Kicis apresentou a alemã como integrante “do maior partido conservador daquele país” e completou em português e inglês: “Conservadores do mundo se unindo p/ defender valores cristãos e a família”.
Depois da reação crítica nas mídias sociais que denuncia ser Beatrix von Storch, liderança da extrema direita alemã, de um partido de tendência neonazista, Bia Kicis publicou: “A deputada Beatrix von Storch é uma parlamentar conservadora,que denuncia política de imigração na Alemanha e ataques às liberdades individuais,como a liberdade de expressão.Nada desabona sua conduta,por tudo que pesquisei.É a mesma narrativa contra conservadores aqui e no mundo”.
O Partido Alternativa para Alemanha
O Partido Alternativa para Alemanha, em alemão Alternative für Deutschland, sigla AfD, foi fundado em fevereiro de 2013. No site Deutschland.de, com informações oficiais sobre a República da Alemanha, o AfD é classificado como um partido populista de direita, que defende a saída da Alemanha da União Europeia e a abolição da moeda Euro. Grande parcela do AfD rejeita políticas de imigração, assim como as medidas de proteção climática. De acordo com o AfD, a mudança climática não é causada pelo ser humano, contrariamente aos resultados de pesquisas científicas.
O Deustschland.de informa também que o AfD está sendo investigado pelo Departamento Federal de Proteção da Constituição como suspeito de ser extremista de direita. Lideranças do partido estão sendo monitoradas para registros de opiniões anticonstitucionais e extremistas de direita. O Departamento estima que pelo menos 20% dos membros do partido podem ser classificados neste grupo. O partido está representado em todos os parlamentos estaduais e no Parlamento Federal.
O Museu do Holocausto, inaugurado em Curitiba, em 2011, para a conservação da memória do genocídio judeu pela Alemanha no período do Nazismo, no século 20, publicou, em suas mídias sociais, reação ao encontro divulgado por Bia Kicis. O Museu do Holocausto informa que o Alternativa para a Alemanha foi fundado em 2013, com tendências racistas, sexistas, islamofóbicas, antissemitas, xenófobas e forte discurso anti-imigração.
Entre várias informações, o Museu do Holocausto mostra que a deputada que se encontrou com Bia Kicis, Beatrix von Storch, é “vice-líder do partido, famosa por tweets xenofóbicos e neta de Lutz Graf Schwerin von Krosigk, ministro nazista das Finanças e um dos poucos membros do gabinete do Terceiro Reich a servir continuamente desde a nomeação de Hitler como chanceler”. A postagem esclarece que “após os suicídios de Hitler e de Goebbels, von Krosigk (…) serviu como Ministro Principal e das Relações Exteriores durante um curto período, na pequena porção da Alemanha que estava encolhendo progressivamente devido ao rápido avanço das forças aliadas”.
Ao final da postagem, a organização judaico-brasileira afirma: “É evidente a preocupação e a inquietude que esta aproximação entre tal figura parlamentar brasileira e Beatrix von Storch representam para os esforços de construção de uma memória coletiva do Holocausto no Brasil e para nossa própria democracia”.
O perfil Judeus pela Democracia também publicou nota assinada por diversos coletivos a respeito do encontro, lamentando o alinhamento do governo atual com “movimentos supremacistas e nazistas”.
Extremismo na agenda bolsonarista
A parlamentar alemã também se reuniu com o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL/SP), da Bancada Evangélica no Congresso Nacional, como ele mesmo registrou em seus perfis de mídias sociais.
Na postagem, a deputada agradeceu a recepção de Bolsonaro e declarou-se impressionada pelo presidente compreender os problemas da Europa e os desafios políticos atuais. Ela defendeu “a união dos conservadores para combater a ideologia dos grupos de esquerda”.
O reconhecido jornalista especializado em coberturas internacionais Jamil Chade publicou matéria sobre esta visita no jornal El País, em 23 de julho, na qual afirma que esta não foi a primeira demonstração de proximidade da base de Bolsonaro com grupos extremistas. Em 2019, o mesmo deputado Eduardo Bolsonaro esteve na Hungria em visita ao notório extremista de direita do partido Fidesz, primeiro-ministro Viktor Orbán. Chade explica que analistas identificam coincidências entre a agenda internacional de Bolsonaro e suas ações no Brasil (na luta contra perseguição sofrida por cristãos no mundo, a defesa da “família tradicional” e a necessidade de proteger a “soberania”). Há muitas semelhanças desta pauta em relação aos projetos que, ao longo de anos, foram implementados por Viktor Orbán, que controla, na Hungria, a Corte Constitucional (equivalente ao STF), o Ministério Público e dois terços do Parlamento, além da imprensa, clubes de futebol, as artes, os espaços públicos e universidades.
No ano passado, Eduardo Bolsonaro realizou uma live com o líder do partido de extrema-direita da Espanha, o Vox, Santiago Abascal. O AfD, o Vox e o Fidesz têm em comum, explica Chade: a busca por pautas conservadoras radicais, a xenofobia, a hostilização à esquerda e à imprensa.
Jamil Chade afirma ainda que “o Brasil virou terreno fértil para expandir suas ideias sob o governo Bolsonaro, que ainda traz um elemento extra: após o fim do Governo de Donald Trump nos Estados Unidos, a ofensiva ultraconservadora colocou no Brasil de Jair Bolsonaro todas as suas fichas, considerado o país com maior influência de consolidar a agenda ultraconservadora”.
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Bereia classifica a postagem da deputada Bia Kicis sobre o encontro com a parlamentar alemã do Partido Alternativa para Alemanha Beatrix von Storch como enganosa. A deputada brasileira apresenta a parlamentar como conservadora, atuando para unir “conservadores do mundo para defender valores cristãos e a família”. Como se pode verificar, o partido da parlamentar visitante está sendo investigado pelo Departamento de Proteção à Constituição da Alemanha sob a suspeita de atentar contra os valores constitucionais do país. Além disso é pública a sua plataforma nacionalista anti-imigrantes (xenófoba), contra a agenda ambiental, de hostilização de opositores.
Conservadorismo político, segundo o clássico Dicionário de Política, organizado por Norberto Bobbio, Nicola Matteucci, Gianfranco Pasquino, se refere a posições que visam à manutenção do sistema político existente e dos seus modos de funcionamento, apresentando-se como contraparte das forças inovadoras.
O que se identifica do partido alemão da visitante acolhida pelos deputados Bia Kicis e Eduardo Bolsonaro é outra postura política, o extremismo. O mesmo Dicionário a concebe como ultraconservadorismo ou extrema-direita, representada por movimentos independentes e partidos políticos com posicionamentos radicais, geralmente relacionados ao nacionalismo. A exaltação da nacionalidade acaba por levar à postura de superioridade em relação a outros grupos sociais, o que gera preconceito e xenofobia. Na história da Alemanha esta postura já foi base para o Nazismo.
Referências
Deutschland.de, https://www. /pt-br/topic/politica/a-afd-partidos-no-parlamento-federal-alemao. Acesso em 23 jul 2021
El País, https://brasil.elpais.com/internacional/2021-03-05/servico-secreto-alemao-coloca-partido-de-ultradireita-afd-sob-vigilancia-por-suspeita-de-extremismo.html Acesso em 23 jul 2021
Museu do Holocausto, https://www.museudoholocausto.org.br/o-museu/ Acesso em 23 jul 2021
Twitter, Museu do Holocausto, https://twitter.com/MuseuHolocausto/status/1418265064877043719 Acesso em 23 jul 2021
Twitter, Judeus Pela Democracia, https://twitter.com/jpdoficial1/status/1420166491434110978?s=20 Acesso em 28 jul 2021
G1, https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/07/26/fora-da-agenda-bolsonaro-se-reune-com-deputada-de-extrema-direita-da-alemanha.ghtml. Acesso em 26 jul 2021
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Secretaria Especial da Cultura, https://www.gov.br/turismo/pt-br/acesso-a-informacao/agenda-de-autoridades/agenda-Secretario-Especial-de-Cultura-do-Ministerio-do-Turismo/2021-07-22. Acesso em 02 ago 2021.
Flickr, https://www.flickr.com/photos/sintonizemcti/albums/72157719648427115. Acesso em 27 julho 2021.
jul El País, https://brasil.elpais.com/brasil/2021-07-22/extrema-direita-mundial-estreita-lacos-com-governo-bolsonaro-que-segue-passos-de-orban-e-trump.html?mid=DM72815&bid=655301307 Acesso em 23 jul 2021
Dicionário de Política, https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/2938561/mod_resource/content/1/BOBBIO. Dicion%C3%A1rio de pol%C3%ADtica..pdf Acesso em 23 jul 2021
Nas últimas semanas vem repercutindo nas mídias digitais, sobretudo evangélicas, sobre a campanha do presidente da República Jair Messias Bolsonaro (sem partido) pela realização das eleições de 2022 com voto impresso. Diversos pastores e líderes religiosos se pronunciaram acerca do assunto em seus perfis e canais ou em entrevistas.
Ministros do governo com identidade religiosa evangélica, como Fabio Faria, das Comunicações; e Onyx Lorenzoni, da Casa Civil, também já haviam se manifestado em ocasiões anteriores a favor do voto impresso ou repercutido as falas do presidente.
Diferentemente do que pensa hoje, em 1993 Jair Bolsonaro afirmou, no Clube Militar do Rio de Janeiro que, se as eleições não fossem informatizadas, haveria fraude.
– Um mês antes do pleito, os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) nomeiam em sessão pública uma Comissão de Auditoria de Funcionamento das Urnas Eletrônicas, composta por: um juiz de direito, que será o presidente; e, no mínimo, seis servidores da Justiça Eleitoral, sendo pelo menos um da Corregedoria Regional Eleitoral, um da Secretaria Judiciária e um da Secretaria de Tecnologia da Informação.
O procurador regional eleitoral deve indicar, então, um representante do Ministério Público para acompanhar os trabalhos da comissão. Os partidos políticos e coligações também podem indicar representantes para acompanhar os trabalhos do grupo, dentre outros setores da sociedade. O TSE detalha as fases seguintes:
– Vinte dias antes os TREs devem informar, em edital e com divulgação nos respectivos sites, o local onde será realizada a auditoria. Na véspera das eleições, a Justiça Eleitoral deve sortear, em cerimônia pública, algumas seções eleitorais de todo o país. O número de urnas a ser auditado varia de três a cinco, dependendo do número de seções eleitorais que a unidade da federação (UF) possuir. As urnas eletrônicas escolhidas devem ser retiradas das seções de origem e instaladas imediatamente nos TREs, em salas com câmeras de filmagem. As urnas retiradas das seções são, então, substituídas por novos equipamentos.
– A comissão deve providenciar o número de cédulas de votação, por seção eleitoral sorteada, que corresponda a, aleatoriamente, entre 75% e 82% do número de eleitores registrados na respectiva seção eleitoral. As cédulas deverão ser preenchidas por representantes dos partidos políticos e das coligações e guardadas em urnas de lona lacradas.
– Na ausência dos representantes dos partidos políticos e das coligações, a comissão providencia o preenchimento das cédulas por terceiros, excluídos os servidores da Justiça Eleitoral. As cédulas deverão ser preenchidas com os números correspondentes a candidatos registrados no pleito, a votos nulos, a votos de legenda, e deverão existir cédulas com votos em branco.
– No dia da eleição, a “votação paralela” começa no mesmo horário da votação oficial, às 8h. Este ano, em razão da pandemia de Covid-19, o horário foi antecipado para as 7h.
– A partir da impressão da zerésima pela urna (prova de que não há nenhum voto dentro do equipamento), todos os votos das cédulas preenchidas no dia anterior são digitados, um por um, na urna eletrônica e também num sistema paralelo, em um computador. As câmeras filmam os números digitados no teclado da urna.
– Ao final da votação, a urna imprime um Boletim de Urna (BU), e o sistema auxiliar também emite um boletim. Os dados dos dois são comparados pela comissão de auditoria, e é verificado se a urna funcionou normalmente, bem como se foram registrados exatamente os votos das cédulas digitados na urna.
A auditoria pode ser acompanhada por qualquer interessado, e alguns TREs transmitem todo o processo via YouTube.
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Bereia conclui que a abordagem do presidente e de seus apoiadores a respeito do tema do voto impresso é enganosa. Apesar de colocarem em dúvida a lisura do sistema eleitoral, todos foram eleitos ou apoiaram candidatos eleitos pelas urnas eletrônicas, sem terem questionado anteriormente a confiabilidade do processo e sem apresentarem provas de supostas fraudes. Além disso, ignoram as possibilidades atuais de auditoria das urnas, inclusive com possibilidade de acompanhamento dos próprios partidos. O alinhamento no discurso sugere que o levantamento do tema pode ser uma estratégia para aglutinar a base de apoio em um momento de queda de popularidade e baixa de intenções de voto do presidente Jair Bolsonaro nas eleições de 2022.
No último dia 13 de maio, o portal Gospel Prime repercutiu os resultados da primeira pesquisa DataFolha sobre as eleições presidenciais de 2022. A matéria destacou que, de acordo com a pesquisa, que classifica como “tendenciosa”, os evangélicos apoiam mais o ex-presidente Lula (PT, 35% das intenções de voto), a quem a matéria se refere como ex-presidiário”, do que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido, com 34% das intenções de voto). A diferença dentro da margem de erro de 2 pontos percentuais para mais ou para menos configura um empate técnico.
A divisão dos evangélicos entre Lula e Bolsonaro
A divisão dos evangélicos entre o atual presidente e o ex-presidente expõe uma disputa acirrada que pode ser melhor compreendida com outros dados da pesquisa. O empate técnico diz respeito à pergunta estimulada de intenção de voto no 1º turno. Nela, os entrevistados respondem a seguinte pergunta: “Alguns nomes já estão sendo cogitados como candidatos a presidente em 2022. Se a eleição para presidente fosse hoje e os candidatos fossem estes ____, em quem você votaria?”
Bolsonaro passa a ter vantagem na pergunta não-estimulada, com 25% das intenções de votos evangélicos contra 16% do ex-presidente. Esse resultado acontece diante da pergunta “Em outubro do ano que vem haverá eleição pra presidente. Em quem você pretende votar para presidente em 2022?”
Outro ponto de desvantagem para Lula está em sua rejeição entre os evangélicos: 42% deles dizem que não votariam no ex-presidente de jeito nenhum. Esse valor mostra que a rejeição de Lula é seis pontos percentuais a mais entre os evangélicos do que na população geral (36%). Bolsonaro tem uma rejeição ainda maior entre os evangélicos (45%). No entanto, esse valor representa uma rejeição menor dos evangélicos ao atual presidente do que quando comparado com a população geral (54%). Ainda assim, a pesquisa volta a indicar uma acirrada divisão entre Bolsonaro e Lula em um eventual segundo turno. Entre esse segmento do eleitorado, os dois empatam em 45%.
O apoio evangélico a Bolsonaro em 2018 e agora
Alguns analistas advogam que o voto dos evangélicos foi decisivo na eleição de 2018. Em “O voto evangélico garantiu a eleição de Jair Bolsonaro”, o demógrafo José Eustáquio Alves analisa o comportamento dos eleitores desse grupo religioso no segundo turno do último pleito presidencial do país a partir da última pesquisa DataFolha antes da decisão nas urnas. O artigo mostra que cerca de seteem cada dez evangélicos votaram no capitão em detrimento do candidato do PT, Fernando Haddad. A diferença de votos entre Bolsonaro e Haddad dentre os evangélicos (11,5 milhões) foi maior do que a vantagem no total de votos (10,7 milhões).
A pesquisa DataFolha sobre aprovação do Governo Bolsonaro feita em maio de 2021 mostra que o presidente segue mais popular entre os evangélicos do que na população geral. Enquanto 24% dos brasileiros acham o governo do capitão ótimo ou bom, 33% dos que seguem a religião evangélica pensam o mesmo. Por outro lado, 35% desse grupo religioso reprova o governo, porcentagem menor do que no total dos entrevistados (45%).
O eleitorado evangélico é o que mais acredita na capacidade de Bolsonaro liderar o país (49%) contra índices mais baixos entre católicos (34%) e kardecistas (28%). A média geral é de 38%. Esse segmento religioso é também o mais resistente à abertura de processo de impeachment. Apenas 39% deles apoiam essa atitude por parte do Congresso Nacional contra 54% entre católicos e 60% entre kardecistas. O impeachment é apoiado por 49% dos brasileiros diante de 46% que são contrários ao processo.
Vídeos da época da campanha eleitoral de 2018 voltaram a circular após a última pesquisa DataFolha na tentativa de descredibilizar o Instituto. Em um deles, um homem grava um pesquisador do Instituto e diz que não foi entrevistado porque era eleitor de Bolsonaro. Na verdade, entrevistar quem se oferece a pesquisa seria prática contrária aos métodos do DataFolha.
O Projeto Comprova (do qual o Coletivo Bereia já participou) verificou que outro vídeo enganoso de 2018 voltou a circular após a nova pesquisa. Nele, um entrevistado questiona a credibilidade do Instituto porque não pode ler as perguntas antes de responder. Isso acontece, de acordo com o DataFolha, para evitar vieses nas respostas dos entrevistados.
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Bereia conclui que a matéria do Gospel Prime é enganosa. Apesar de informar corretamente os dados da pesquisa, o site emite opinião sobre o DataFolha como suspeito e tendencioso, sem apresentar as razões que justificam essas percepções. Opina também de forma partidária contra o ex-presidente Lula, ao usar o termo popularizado entre antipetistas, “ex-presidiário”. Além disso, diferentemente do que fez o jornal Folha de S.Paulo, o texto do portal gospel desconsidera o contexto da pesquisa e os motivos pelos quais o apoio de evangélicos a Jair Bolsonaro neste momento é inferior em relação ao do segundo turno das eleições de 2018.
No último dia 8 de maio, o youtuber católico e editor de opinião do site Brasil Sem Medo (BSM) Bernardo P. Küster teve uma entrevista publicada no jornal Folha de São Paulo. Suas declarações, no entanto, disseminam desinformações a respeito de opositores e questões ligadas ao combate à pandemia de covid-19 no Brasil.
Decisão do STF e medidas restritivas por governadores e prefeitos
Ao ser questionado sobre a condução do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) nno enfrentamento da pandemia, Küster afirma: “Na condução geral da pandemia, qual é a síntese? STF amarra, na prática, as mãos do presidente, permitindo que ele somente pague a conta e que os governantes locais tomem todas as decisões”.
No entanto, a decisão do STF não “amarrou” as mãos do presidente no combate à pandemia. Em agosto de 2020, Bereia verificou que o Supremo Tribunal Federal decidiu em 15 de abril daquele ano que União, Estados e Municípios têm competência concorrente para determinar o funcionamento de atividades essenciais. A decisão da corte veio em resposta à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6341 protocolada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) para questionar a MP 926, que concentrava no Presidente da República a competência para dispor, por decretos, sobre atividades e serviços essenciais. Foi a partir dessa decisão que o Presidente e seus apoiadores passaram a propagar a tese falsa de que o Governo Federal ficou de mãos atadas pelo STF em relação à condução da pandemia.
Em outro momento, a respeito do governador de São Paulo João Dória (PSDB), ele diz:
“Se Bolsonaro faz A, ele decide B. Quase me esqueço: toque de recolher, restrição de ir e vir e impedir o direito de reunião da população são medidas absolutamente ilegais tomadas por prefeitos e governadores. Segundo nossa Constituição, somente o presidente, com aprovação do Congresso, pode determiná-las unicamente em estado de sítio ou de guerra. Portanto, Doria e outros tiranetes claramente desobedeceram nossas leis.”
O argumento de que só o Presidente poderia estabelecer medidas restritivas no Brasil e de que isso aconteceria apenas mediante do estado de sítio pelo Congresso Nacional também já foi verificado pelo Bereia. Apoiadores desse argumento, incluindo líderes religiosos, sustentam sua visão em alguns artigos da Constituição Federal que tratam de direitos fundamentais e dos estados de sítio e de defesa. Alguns apoiadores chegam a até pedir que o Presidente convoque as Forças Armadas contra as medidas restritivas.
No entanto, além da decisão do STF, a Lei 13.979 sancionada pelo Presidente Bolsonaro prevê aplicação de isolamento e quarentena para combater a pandemia. É também enganoso comparar estados de sítio e de defesa com lockdown. Em linhas gerais, enquanto o último coloca em prática punições administrativas (como multas), os anteriores geram restrições a uma série de direitos fundamentais e podem levar à prisão.
Isolamento vertical e protocolo precoce
O youtuber também sugere que o governador de São Paulo João Dória considere o “isolamento vertical ou a mera avaliação de protocolos precoces contra o vírus chinês”. Ambas as medidas são comprovadamente ineficazes e foram defendidas pelo presidente Jair Bolsonaro publicamente, como forma de supostamente conter a pandemia.
Isolamento vertical é a teoria de que isolando pessoas idosas e com comorbidades, o vírus circularia entre mais jovens e o país atingiria a imunidade de rebanho. A estratégia foi amplamente defendida pelo Governo Federal na campanha “O Brasil não pode parar”, e é desaconselhada pela OMS, uma vez que jovens são importantes vetores da doença e o número de contaminados poderia aumentar rapidamente, segundo a Fiocruz. Em live no dia 26 de março de 2020, o presidente Bolsonaro afirmou “O que nós estamos conversando para redirecionar é o isolamento vertical, é você pegar a pessoa idosa e isolar, bota num hotel”. Segundo a Fiocruz, a morte de jovens até 29 anos por covid aumentou 1.081% entre janeiro e abril, entretanto Bolsonaro voltou a defender a tática de isolamento de idosos e pessoas com comorbidades em 11 de março de 2021. O ministro da saúde Marcelo Queiroga afirmou em depoimento da CPI da Covid em 06 de maio de 2021 que o Governo Federal não defende mais o isolamento vertical. “Isolamento vertical é algo do início da pandemia, mas isso foi abandonado”, disse Queiroga à comissão.
Bereia conclui que são enganosas as afirmações de Bernardo Küster sobre a conduta do Governo Federal em relação à pandemia da Covid-19. O STF não impediu o Governo Federal de agir no combate à pandemia, mas reconheceu a competência concorrente de União, Estados e Municípios para essas ações. Também não é verdade que medidas restritivas só poderiam ser tomadas em estados de defesa e de sítio. Além disso, enquanto a ideia de isolamento vertical já foi desconsiderada pelo Ministro da Saúde, medicamentos usados no tratamento precoce são comprovadamente ineficazes (como a cloroquina) ou não têm eficácia comprovada (como a ivermectina) no combate à covid-19.
Durante seu discurso na Cúpula do Clima 2021, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) fez uma série de declarações a respeito de ações de preservação ambiental de seu governo. A cúpula antecedeu a 26ª Conferência sobre o Clima, a COP26, prevista para novembro em Glasgow, na Escócia, e foi organizada pelo governo dos Estados Unidos. Foram convidados 40 países, que participaram de forma virtual. Seguindo este formato, Bolsonaro discursou por meio de uma videoconferência realizada no Palácio do Planalto no dia 22 de abril.
No discurso, que durou cerca de sete minutos, Bolsonaro apresentou o país como “voz ativa na construção da agenda ambiental global”, iniciando ainda com a seguinte afirmação:
“Renovo, hoje, essa credencial, respaldada tanto por nossas conquistas até aqui, quanto pelos compromissos que estamos prontos para assumir perante as gerações futuras. Como detentor da maior biodiversidade do planeta e potência agroambiental, o Brasil está na vanguarda do enfrentamento ao aquecimento global. Ao discutirmos mudanças no clima, não podemos esquecer a causa maior do problema: a queima dos combustíveis fósseis ao longo de dois séculos. O Brasil participou com menos de 1% das emissões históricas de gases de efeito estufa, mesmo sendo uma das maiores economias do mundo”.
Trecho do discurso de Bolsonaro
Na sequência, o presidente disse que o país responde por menos 3% das emissões globais anuais, contando com uma das matrizes energéticas mais limpas, com renovados investimentos em energia solar, eólica, hidráulica e biomassa, sendo também o pioneiro na difusão de biocombustíveis renováveis, como o etanol, fundamentais para a despoluição dos nossos centros urbanos.
Ao apresentar o contexto no campo, Bolsonaro disse ter promovido “uma revolução verde a partir da ciência e da inovação”, afirmando também que: “produzimos mais utilizando menos recursos, o que faz da nossa agricultura uma das mais sustentáveis do planeta. Temos orgulho de conservar 84% do nosso bioma amazônico e 12% da água doce da Terra. Como resultado, somente nos últimos 15 anos, evitamos a emissão de mais de 7,8 bilhões de toneladas de carbono na atmosfera”, ratificou o presidente.
A fala mostra ainda a suposta responsabilidade em colaborar com os esforços mundiais contra a mudança climática. “Somos um dos poucos países em desenvolvimento a adotar e reafirmar uma NDC transversal e abrangente, com metas absolutas de redução de emissões, inclusive para 2025, de 37%, e de 40% até 2030. Coincidimos, senhor Presidente, com o seu chamado ao estabelecimento de compromissos ambiciosos. Neste sentido, determinei que, nossa neutralidade climática seja alcançada até 2050, antecipando em dez anos a sinalização anterior. Entre as medidas necessárias para tanto, destaco aqui o compromisso de eliminar o desmatamento ilegal até 2030, com a plena e pronta aplicação do nosso Código Florestal. Com isso, reduziremos em quase 50% nossas emissões até essa data”.
Segundo Bolsonaro, apesar das limitações orçamentárias do governo, houve o fortalecimento dos órgãos ambientais, duplicando os recursos destinados às ações de fiscalização. “Mas, é preciso fazer mais. Devemos enfrentar o desafio de melhorar a vida dos mais de 23 milhões que vivem na Amazônia, região mais rica do país, mas que apresenta os piores índices de desenvolvimento urbano”. Para ele, a solução desse paradoxo seria condição essencial para o desenvolvimento sustentável da região.
“A COP26 terá como uma de suas principais missões a plena adoção dos mecanismos previstos nos artigos quinto e sexto do Acordo de Paris. Os mercados de carbono são cruciais como fonte de recursos e investimentos para impulsionar a ação climática, tanto na área florestal, quanto em outros importantes setores da economia, como indústria, geração de energia e manejo de resíduos”. O presidente finaliza pedindo o apoio aos países presentes na missão de lutar pelas necessidades de desenvolvimento sustentável do Brasil.
Entendendo o Acordo de Paris
O Acordo de Paris é um compromisso internacional para combater o aquecimento global, aprovado em dezembro de 2015 durante a COP21, a Conferência das Partes das Nações Unidas (ONU), e que entrou em vigor em novembro de 2016. Ao todo, 195 países, incluindo o Brasil, discutiram os termos para o documento que substituiu o Protocolo de Kyoto, primeiro tratado internacional para controle da emissão de gases de efeito estufa na atmosfera, assinado em 1997, no Japão.
O principal objetivo do Acordo de Paris é frear o aquecimento global e aumentar os esforços mundiais para limitar o aumento da temperatura a 1,5ºC e evitar que ultrapasse 2ºC até o final do século, com base no período pré-industrial. O aquecimento global é compreendido como o processo de aumento da temperatura média dos oceanos e da atmosfera da Terra causado por intensas emissões de gases que causam o chamado “efeito estufa”, originados de uma série de atividades empreendidas pelos habitantes do planeta.
O Acordo de Paris é voluntário e cada país define a sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês) com as metas domésticas que irá seguir para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e as estratégias para atingir isso.
O documento prevê compromissos diferentes para os países desenvolvidos, que enriqueceram com uma economia à base de combustíveis fósseis, e os em Desenvolvimento, que podem diversificar suas matrizes energéticas e evitar o desmatamento das florestas que estão em pé. Um dos pontos prevê estimular o suporte financeiro e tecnológico por parte dos países desenvolvidos para ampliar as ações dos países em desenvolvimento.
Em 8 de dezembro de 2020, o Brasil apresentou sua nova Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) para o Acordo de Paris, na qual reiterou a meta de reduzir as emissões em 37% para 2025 e 43% para 2030, em relação a 2005. Também nesse ponto o discurso de Bolsonaro é verdadeiro, mas ignora que a meta foi considerada insuficiente. Um estudo da UFMG demonstra que o Brasil pode desmatar mais 13 mil km2 em 2025 que ainda assim alcançaria a meta. O país também se comprometeu a uma meta de longo prazo de neutralidade climática até 2060.
Repercussão do discurso
Após o discurso proferido pelo presidente Jair Bolsonaro na Cúpula do Clima, o Portal G1 mobilizou especialistas que apontaram “promessas vagas” e avaliaram que “o governo sai da Cúpula do Clima do mesmo jeito que entrou: desacreditado”. Segundo eles, a fala foi embasada em metas climáticas já estabelecidas anteriormente pelo país. Além disso, destacaram alguns pontos inconsistentes, como:
Promessa de dobrar investimento em fiscalização, embora o Orçamento atualmente proposto para o Ministério do Meio Ambiente seja o menor dos últimos 21 anos;
Citação de dados errados sobre a preservação da Amazônia e as emissões de gases de efeito estufa;
Adoção de discurso que diverge das promessas feitas na Organização das Nações Unidas (ONU) no final de 2020;
Falta de ação concreta para alcançar o desmatamento ilegal zero e a neutralidade de carbono.
Outras agências e portais também realizaram checagem minuciosa sobre a fala do presidente na ocasião. Uma das inconsistências analisadas pelo Estadão diz respeito ao compromisso assumido por Bolsonaro de colocar o país na vanguarda da neutralidade das emissões de gás carbônico até 2050. Contudo, segundo a matéria, outros países já haviam apresentado metas mais ambiciosas anteriormente. De acordo com publicação do site Energy & Climate, 15 países declararam a intenção de alcançar emissões líquidas zero em ou antes de 2050. A essas nações juntam-se pelo menos 11 estados e regiões, como Califórnia, Catalunha e Escócia, e pelo menos 23 cidades, incluindo Barcelona, Los Angeles e Nova York.
A suposta participação do país com menos de 1% das emissões históricas de gases de efeito estufa, mesmo sendo uma das maiores economias do mundo, também foi categorizada como falsa pela Agência Lupa, que contextualizou a informação. Como apontado no texto, estudos mostram que, de fato, o Brasil contribuiu para 4,4% do aquecimento global ao longo da história, considerando todos os gases causadores do efeito estufa e também o uso da terra. O cálculo é de um estudo do físico Luiz Gylvan Meira Filho, publicado em 2005. Lupa apresenta também uma outra pesquisa publicada por canadenses em 2014. Nela, o Brasil aparece como o quarto país que mais colaborou com o aumento na temperatura média do planeta, atrás somente de Estados Unidos, China e Rússia. Isso se deveu sobretudo à aceleração do desmatamento na Amazônia desde o final dos anos 1970 e, mais agudamente, na década de 1980.
Ainda na década de 1990, um estudo apresentado pelo governo brasileiro na Conferência de Kyoto dizia que o país era um dos que menos contribuíram para o aquecimento global. O estudo, como checado pela Lupa, só levava em conta o gás carbônico emitido por combustíveis fósseis, excluindo do cálculo outros gases causadores do efeito estufa, o desmatamento e outros fatores. Ao dizer que a principal causa do efeito estufa são os combustíveis fósseis, Bolsonaro traz dados que conferem com o estudo, mas omite a participação brasileira de outras formas.
A afirmação sobre a preservação de 84% do bioma amazônico também é considerada enganosa. Isso porque, na verdade, dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que o desmatamento acumulado atualmente corresponde a cerca de 20% da floresta, permanecendo 80% de pé, e não 84%. Como checado pela Lupa, mesmo que o percentual citado por Bolsonaro estivesse correto, isso não significa que toda a floresta remanescente está “conservada”. Por meio do sistema do INEP não é possível identificar áreas degradadas, mas com árvores ainda de pé, de áreas, de fato, preservadas. Portanto, não se sabe ao certo a porcentagem de áreas degradadas, mas um estudo de 2014 indicou que, até 2013, 40% da Amazônia poderia estar sob alguma pressão humana.
Também há informação enganosa quando Jair Bolsonaro anuncia a “revolução verde” no campo. E as posições nos rankings mundiais comprovam isso. O Brasil é o 51° no ranking de agricultura sustentável do Índice de Sustentabilidade Alimentar, desenvolvido pela revista The Economist com o Centro Barilla para Comida e Nutrição. O levantamento considera indicadores nas categorias água, uso da terra (incluindo biodiversidade e capital humano) e emissões de gases do efeito estufa. O setor agrícola brasileiro apresenta indicadores ruins em agrotóxicos, manejo de fertilizantes, desigualdade e clima.
Outro ponto do discurso também não corresponde à realidade: o fortalecimento dos órgãos ambientais, duplicando os esforços de fiscalização. Segundo checagem do Estadão, o orçamento discricionário (gastos não obrigatórios) para fiscalização do Ibama e do ICMBio caiu de R$ 193 milhões em 2019 para R$ 174 milhões em 2020. Além disso, o projeto de Lei Orçamentária Anual prevê cortes de 27,4% em relação ao ano passado. Um recurso extra foi aprovado mas deve ser destinado à Força Nacional, segundo a Lupa. Checagem da BBC ainda aponta que o Ministério do Meio-Ambiente perdeu 10% de seu quadro de servidores desde o início do governo, sem a realização de novos concursos. E dois dias antes do discurso de Bolsonaro na Cúpula do Clima, 600 servidores do Ibama divulgaram carta afirmando que uma instrução normativa do ministro Ricardo Salles inviabilizou a fiscalização, uma vez que gerou novos procedimentos que retiram a autonomia dos fiscais e dificultam a aplicação das multas. O ministro ainda é acusado de favorecer madeireiros, segundo notícia-crime aberta pelo ex-superintendente da Polícia Federal.
Com base na verificação, Bereia classifica o discurso do presidente Jair Bolsonaro na Cúpula do Clima como enganoso. O pronunciamento apresenta dados descontextualizados e, no caso da fiscalização ambiental, errados, induzindo à desinformação.
No último dia 18 de março, o site gospel Pleno News repercutiu um vídeo em que o Pastor Silas Malafaia pede ao Presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que convoque as Forças Armadas porque “a lei e a ordem têm que ser estabelecidas.” O pastor inicia o vídeo esclarecendo que seu pedido não trata do fechamento do Congresso, do Supremo Tribunal Federal (STF), ditadura militar ou de um golpe militar. De acordo com o líder religioso, decretos que estabelecem estado de sítio, toque de recolher ou multas não podem ser editados por prefeitos e governadores porque seriam ações inconstitucionais.
Além disso, entre outros comentários, o líder religioso crítica desmontes de hospitais de campanha, questiona medidas de isolamento social, propõe que estados e municípios paguem salários de informais, tributos de empresas que fecharem e responsabiliza corrupção de governos petistas por falta de investimento em saúde.
O argumento contra ações de governadores e prefeitos
Art. 5º: II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
Art. 5º: XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;
Art. 5º: XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;
Art. 142 – As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem
Trechos da Constituição de 1988
O pastor diz que governadores e prefeitos não podem impedir o trabalho e também não podem, em tempo de paz, restringir a locomoção. Além disso, o inciso II do Artigo 5º da Constituição permitiria agir contra as restrições porque governadores e prefeitos realizam tais restrições por meio de decretos. Diante desse cenário, alega-se que as Forças Armadas poderiam ser convocadas para garantir a lei e a ordem. Malafaia explica ainda como o Artigo 5° é uma cláusula pétrea.
Comparação de lockdown com estado de defesa e de sítio por Bolsonaro
A argumentação de Silas Malafaia dá suporte das iniciativas de Jair Bolsonaro em comparar as medidas de combate à pandemia por estados e municípios com os estados de defesa e de sítio, medidas atribuídas à Presidência da República, previstas na Constituição.
Em 4 de março, durante discurso na cerimônia de assinatura para inauguração de um novo trecho da ferrovia Norte-Sul em São Simão (GO), Jair Bolsonaro voltou a atacar o isolamento social: “Temos que enfrentar nossos problemas. Chega de frescura, de mimimi, vamos ficar chorando até quando? Respeitar obviamente os mais idosos, aqueles que têm doenças. Mas onde vai parar o Brasil se nós pararmos?”.
As definições para aplicação do Estado de Defesa estão dispostas no Artigo 136 da Constituição: “O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza.”
A decretação desse estado, que passa por aprovação do Congresso Nacional, implica restrições de direitos como o de reunião, sigilo de correspondências e sigilo de comunicação telegráfica e telefônica.
Já o Estado de Sítio está previsto nos Artigos 137, 138 e 139 da Constituição. O requisitos para que essa situação seja decretada pelo chefe do Executivo Federal estão especificados nos incisos I e II do Artigo 137: “I – comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa; II – declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.” Assim como Estado de Defesa, o Estado de Sítio passa por aprovação do parlamento, mas contém algumas restrições a mais, por exemplo: obrigação de permanência de localidade determinada (Artigo 139, Inciso I) e até restrições à liberdade de imprensa (Artigo 139, Inciso III).
As leis do Brasil para enfrentamento da pandemia e atividades essenciais
Além disso, as medidas de combate à pandemia estão reguladas pela Lei 13.979/2020, sancionada pelo Presidente Bolsonaro. A lei prevê a possibilidade da aplicação de isolamento e de quarentena (Artigo 3º, Incisos I e II), e ainda afirma no parágrafo 9º do Artigo 2º: “A adoção das medidas previstas neste artigo deverá resguardar o abastecimento de produtos e o exercício e o funcionamento de serviços públicos e de atividades essenciais, assim definidos em decreto da respectiva autoridade federativa”.
Conforme Bereia já verificou, o Governo Federal propôs concentrar no Presidente a definição de quais atividades seriam consideradas essenciais. Enquanto o Partido Democrático Trabalhista (PDT) movia uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ao STF, o Palácio do Planalto chegou a editar um Decreto-Lei que tornava essenciais as atividades religiosas de qualquer culto, obedecidas as regras do Ministério da Saúde. Foi apenas em 15 de abril de 2020 que o STF julgou a ADI apresentada pelo PDT e reconheceu a competência concorrente de União, estados, Distrito Federal e municípios nas ações de combate ao novo coronavírus, sem eximir o papel do governo federal, por ser o Brasil uma federação de estados
Em 19 de março de 2021, Bolsonaro seguiu seu novo argumento sobre estado de defesa e de sítio e protocolou uma ADI contra decretos dos Governos do Distrito Federal, Rio Grande do Sul e Bahia que estabeleciam toque de recolher e fechamento de atividades não essenciais. O Presidente argumentou que só a legislação formal poderia impor restrições de locomoção ou exercício de atividades econômicas. Segundo ele, restrições de locomoção estão previstas na Constituição apenas no estado de defesa e estado de sítio, sob a prerrogativa da Presidência mediante aprovação no Congresso. Além disso, Bolsonaro avaliou as medidas que contesta como desproporcionais diante de sua finalidade.
Diferenças entre combate à pandemia e estados de defesa e de sítio
Em entrevista à BBC Brasil, o professor de direito da FGV-Rio Wallace Corbo detalhou as diferenças entre os estados de defesa e de sítio e as ações de combate à pandemia. Corbo explica que as medidas de combate à pandemia como lockdowns têm punições administrativas, como multas. Já o estado de sítio prevê uma série de limitações aos direitos fundamentais, podem ter o uso das forças de segurança para imposição de restrições estabelecidas e suas punições chegam à detenção.
“Mas ninguém vai ser preso por desrespeitar o horário de fechamento do comércio. Isso [uso de forças para impor restrições] não vai acontecer nas medidas de isolamento social. Para o lockdown não existe essa previsão”, afirma o professor.
O Artigo 268º do Código Penal chega a prever detenção e multas em casos nos quais alguém “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”. “Mas é algo válido para situações pontuais, em que houve um crime, e que não têm nada a ver com a necessidade de proteger o Estado em si, como no caso do estado de sítio”, explica Corbo.
Ações de outros líderes religiosos
O ex-senador evangélico Magno Malta e o deputado federal Pastor Marco Feliciano (Republicanos-SP) também postaram em suas mídias sociais declarações em apoio ao Presidente Bolsonaro. Ambos se colocam contra aos confinamentos sociais decretados pelos governadores e prefeitos do Brasil, assim como o presidente e o pastor Malafaia fizeram.
Feliciano compara o lockdown com as ações contra cristãos da parte do imperador Nero: “Escutem perseguidores tiranos: em 2000 anos de existência como igreja nós enfrentamos gente muito pior do que vocês, que dirá Nero. Nós fomos crucificados, fomos serrados, esquartejados, queimados vivos, jogados às feras e nas arenas servimos de espetáculo para pessoas tão impiedosas como vocês. Nos mataram no passado e se preciso morremos no tempo presente”.
Sem qualquer referência concreta que justificasse a acusação, Malta afirma que o anseio da implementação das medidas preventivas seria tirar o presidente do poder. “Estão decididos a derrubá-lo, a tirá-lo do Brasil, a quebrá-lo, não importa”. E vai além, dizendo que o STF tirou deles o direito de falar.
Desgaste de Bolsonaro contra as Forças Armadas
Durante o mandato do Presidente Jair Bolsonaro, em diversos momentos houve algum tipo de embate entre o Governo e as Forças Armadas. Na semana em que o golpe militar de 1964 completou 57 anos, o acúmulo de atritos do chefe do executivo com líderes do Exército levou à demissão do então ministro da Defesa, general Fernando Azevedo.
Outro evento que ajudou no recente desgaste, veio após o então responsável pela área de saúde do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira relatar ao Correio Braziliense que medidas de distanciamento social ajudaram o Exército a combater a covid-19. Bolsonaro se queixou das falas porque poderiam afetar a imagem do governo e pediu a demissão do militar. O Ministro da Defesa se negou a fazê-lo e se demitiu. No anúncio de sua demissão, o ministro afirmou que preservou as Forças Armadas como instituições de Estado – ideia pela qual órgãos não mudam suas finalidades de acordo com o governo corrente.
Depois da demissão de Azevedo, os comandantes das três Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica) colocaram seus cargos à disposição. O general Walter Braga Netto que atuava na Casa Civil, assumiu o Ministério da Defesa, confirmou a saída dos três e nomeou os novos comandantes.
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Bereia classifica como verdadeiro que líderes evangélicos tenham pedido que o Presidente Jair Bolsonaro acione as Forças Armadas para impedir medidas de combate à covid-19, como lockdowns. Tal discurso está alinhado e servem de apoio às diversas declarações em que o Presidente compara – erroneamente – medidas restritivas de estados e municípios com os estados de defesa e de sítio. Essas afirmações estão também no contexto do desgaste entre Bolsonaro e comandantes militares, que levou à demissão do general Fernando Azevedo do Ministério da Defesa e à troca dos comandantes das Forças Armadas. As postagens dos pastores Silas Malafaia e deputado Marco Feliciano e do ex-senador Magno Malta atuam também na disseminação de pânico moral contra supostos inimigos, elemento que tem atuado na manutenção do apoio de vários segmentos religiosos ao governo federal, como já demonstrado em matérias do Coletivo Bereia.
No dia que o Brasil atingiu um novo recorde de mortes diárias pela covid-19, com 3.158 óbitos, o Presidente Jair Bolsonaro (sem partido) fez um pronunciamento em cadeia nacional a respeito da pandemia no país. Apesar de mudar o discurso em relação às declarações anteriores e passar a defender a vacinação, o chefe do executivo fez declarações imprecisas, enganosas e também falsas em suas declarações.
Mentiras sobre as ações do Governo Federal contra a covid-19
Após reconhecer que o país sofre com a circulação de uma nova variante do coronavírus, o Presidente Jair Bolsonaro afirmou o seguinte: “Desde o começo, eu disse que tínhamos dois grandes desafios: o vírus e o desemprego. E, em nenhum momento, o governo deixou de tomar medidas importantes tanto para combater o coronavírus como para combater o caos na economia, que poderia gerar desemprego e fome.”
Presidente engana a respeito do ritmo de vacinação no país
Em seguida, o Presidente afirmou que o Brasil é o quinto país que mais vacinou no mundo e completou: “Temos mais de 14 milhões de vacinados e mais de 32 milhões de doses de vacina distribuídas para todos os estados da Federação, graças às ações que tomamos logo no início da pandemia.” Mencionar que o Brasil é o quinto país que mais vacinou no mundo sem ponderar este dado com a proporção da população vacinada é uma forma enganosa de transmitir a informação. O site Our World in Data informa que o Brasil chegou ao quinto lugar absoluto, mas ocupa a 71ª posição de vacinação proporcional à população (6,64%), em 22 de março. O melhor exemplo de vacinação na America Latina até agora é do Chile.
Bolsonaro também é impreciso ao falar do número de vacinados e doses distribuídas para os estados. De acordo com o próprio Ministério da Saúde, já foram distribuídas 29,9 milhões de doses da vacina contra a covid-19 e o número de pessoas imunizadas com a primeira dose chegam a 11,7 milhões, além de 3,6 milhões já receberam a segunda dose até 22 de março.
Verdades e omissões sobre a aquisição das vacinas
Em seguida, o presidente elencou os investimentos de seu governo para aquisição das vacinas: “Em julho de 2020, assinamos um acordo com a Universidade Oxford para a produção, na Fiocruz, de 100 milhões de doses da vacina AstraZeneca e liberamos, em agosto, 1 bilhão e 900 milhões de reais. Em setembro de 2020, assinamos outro acordo com o consórcio Covax Facility para a produção de 42 milhões de doses. O primeiro lote chegou no domingo passado e já foi distribuído para os estados. Em dezembro, liberamos mais 20 bilhões de reais, o que possibilitou a aquisição da CoronaVac, através do acordo com o Instituto Butantan. Sempre afirmei que adotaríamos qualquer vacina, desde que aprovada pela Anvisa. E assim foi feito.”
É verdadeiro que o Governo Federal assinou termos para produção de doses da vacina AstraZeneca/Oxford em julho de 2020. Também é verdade que em agosto o Governo editou Medida Provisória para liberação de R$ 1,9 bi a respeito da vacina. Em dezembro essa MP foi aprovada e virou lei.
A respeito da compra da CoronaVac (Sinovac/Instituto Butantan), a liberação de R$ 20 bilhões de fato veio em 17 dezembro de 2020. No entanto, a declaração a respeito da aprovação da Anvisa é falsa porque desconsidera a campanha contra a CoronaVac promovida pelo próprio Presidente.
Em 21 de outubro, em entrevista à Rádio Jovem Pan, no programa Os Pingos nos Is, Jair Bolsonaro negou que compraria o imunizante após pergunta do jornalista sobre o que seria feito caso a vacina fosse aprovada pela Anvisa. “A da China nós não compraremos, é decisão minha. Eu não acredito que ela transmita segurança suficiente para a população”, afirmou o Presidente.
Por fim, ao afirmar que pediu antecipação das doses da vacina fabricada pela Pfizer, o Presidente também omitiu a recusa do Governo às propostas anteriores da farmacêutica feitas em setembro de 2020. Assim como no caso da CoronaVac, foram três recusas. Em uma das ofertas da Pfizer três milhões de doses poderiam ter sido entregues até fevereiro de 2021. O Governo Federal chegou a justificar a recusa pela “frustração” que um acordo causaria aos brasileiros. Em fevereiro de 2021, o imunizante teve aprovação definitiva pela Anvisa.
Exageros sobre cronograma de vacinação
Ao final do discurso, Bolsonaro afirmou: “Quero tranquilizar o povo brasileiro e afirmar que as vacinas estão garantidas. Ao final do ano, teremos alcançado mais de 500 milhões de doses para vacinar toda a população. Muito em breve, retomaremos nossa vida normal.”
Além da necessária aprovação pela Anvisa sem a qual os imunizantes não são aplicados, o cronograma de entregas de doses tem sido constantemente redimensionado. O Ministério da Saúde confirma que garantiu 562 milhões de imunizantes para 2021. No entanto, no último dia 23 de março a previsão de vacinas entregues em abril caiu de 57,1 milhões para 47,3 milhões. A pasta justifica que as mudanças são feitas de acordo com a produção dos fabricantes.
Declaração de solidariedade às famílias enlutadas
Alterando a postura zombeteira com a doença, com pessoas doentes e com mortos, o pronunciamento de Bolsonaro teve manifestação de condolências àqueles que perderam familiares por conta da pandemia. Logo no início, reconheceu que a nova variante da covid-19 tem tirado a vida de muitos brasileiros. Na parte do final do discurso, o Presidente afirmou em tom religioso: “Solidarizo-me com todos aqueles que tiveram perdas em suas famílias. Que Deus conforte seus corações!”
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Bereia conclui que o discurso do Presidente Jair Bolsonaro no dia 23 de março foi enganoso. Ele enganou sobre dados referentes à vacinação e omitiu pontos importantes do processo de compra de vacina a fim de transmitir a mensagem de que a situação brasileira quanto às vacinas é melhor do que de fato está. Por fim, ele mente quanto à sua postura na condução da pandemia e exagera a respeito do cronograma de vacinação, que tem sofrido reduções.
A Campanha da Fraternidade que, em 2021, é ecumênica tem sido alvo de desinformação e ataques de grupos católicos fundamentalistas nos últimos dias. Os ataques têm como vítima principal a pastora luterana, secretária-geral do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC) Romi Márcia Bencke, que está à frente da realização da campanha 2021. A pastora admitiu ter sofrido agressões pelas mídias sociais, o que tem gerado, inclusive denúncias judiciais.
Romi Bencke acredita que a campanha de difamação contra ela também tenha motivação para além da religião. “Avalio que esses ataques têm muita relação com o pedido de impeachment que a gente protocolou na Câmara algumas semanas atrás”, diz a secretária-geral do CONIC. Ela foi uma das lideranças religiosas que esteve em Brasília para protocolar o documento que pede o impeachment do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), assinado por um grupo de 380 líderes católicos e evangélicos.
O que é a Campanha da Fraternidade Ecumênica?
A Campanha da Fraternidade ocorre no cerne da Igreja Católica do Brasil há mais de 50 anos, sob responsabilidade da Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB). Desde os anos 2000 a campanha é realizada de forma ecumênica, a cada cinco anos, e conduzida pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC), reunindo diversas denominações cristãs e movimentos.
A campanha de 2021 tem como tema “Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor”, com o objetivo principal: “Através do diálogo amoroso e do testemunho da unidade na diversidade, inspirados e inspiradas no amor de Cristo, convidar comunidades de fé e pessoas de boa vontade para pensar, avaliar e identificar caminhos para a superação das polarizações e das violências que marcam o mundo atual”.
Em 2021, participam da campanha, organizada pelo CONIC, a Igreja Católica Apostólica Romana, por meio da CNBB; Aliança de Batistas no Brasil; Igreja Episcopal Anglicana; Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil; Presbiteriana Unida; Sirian Ortodoxa de Antioquia; Igreja Betesda (igreja convidada); e CESEEP, organismo ecumênico. O Papa Francisco enviou uma mensagem em apoio à CFE 2021 bem o secretário geral do Conselho Mundial de Igrejas.
Desinformação sobre a CFE e ataques à coordenação
Entre os vários conteúdos de ataque à CFE 2021 e à coordenação da Pastora Romi Bencke e da CNBB, está um vídeos de grande repercussão, publicado pelo pregador e influenciador católico Anderson Reis. As declarações de Anderson Reis em seu canal do Youtube disseminam desinformação sobre o tema.
Os ataques à pastora Romi Márcia Bencke e à CNBB se baseiam em afirmações falsas. No vídeo, o autor afirma:
“Essa pastora é a favor do aborto, feminista e a favor da ideologia de gênero. Isso é uma agenda que vem sendo imposta para nós e depois dessa pandemia avançou com uma velocidade supersônica. E o dever da igreja que deveria ser uma resistência profunda contra essas trevas do quinto dos infernos está permitindo no Brasil um documento cuja alma desse documento é a favor de tudo isso”
Anderson Reis
“Essa pastora é a favor do aborto” diz o influenciador aos 0:43 segundos do vídeo. Anderson Reis realiza aqui prática comum na desinformação, que é mudar o contexto de declarações e favorecer interpretações rasas do conteúdo.
A pastora Romi Márcia Bencke, registra sua posição sobre o tema no artigo para a Open Society Foundation: é a favor da legalização do aborto, o que diz respeito a uma posição distinta de ser a favor do aborto.
A legalização do aborto é a existência de uma legislação que ampare a mulher que opte por abortar. Envolve acompanhamento psicológico das gestantes, condições específicas para seu cumprimento, e tem um papel relevante no combate às clínicas clandestinas.
Um estudo publicado em 2013, por Karla Ferraz dos Anjos, Vanessa Cruz Santos, Raquel Souzas e Benedito Gonçalves Eugênio, expõe a realidade das mulheres que realizam abortos clandestinos: tem maiores taxas de mortalidade, se encontram desamparadas e geram custos sociais e econômicos para os sistemas de saúde do país. Outro estudo, de Wendell Ferrari e Simone Peres, mostra como a falta de amparo leva a tomadas de decisão trágicas entre jovens que recorrem ao aborto clandestino.
Desta forma, ser a favor da legalização do aborto é se colocar contra o aborto clandestino, e não a favor de que se aborte. A questão é recorrente em debates feministas e busca esclarecer essa diferença primordial entre o direito a se tomar uma atitude e o apoio à atitude.
“O aborto não é um tema bíblico. Como apontou a Pra. Lusmarina Campos Garcia em audiência ao STF existem apenas dois textos no Primeiro Testamento que fazem referência à prática do aborto. O primeiro, em Êxodo 21:22- 23, determina que se uma mulher, por estar envolvida na briga entre o seu marido e outro homem, for ferida e abortar, o agressor deve pagar uma indenização para o marido. Isto significa que, à época, a perda do feto em decorrência de uma agressão sofrida não era considerada grave e passível de penalidade maior, uma vez que o feto não era considerado um “ser vivo”, diz a pastora Romi Bencke no seu artigo.
A segunda situação é ainda mais marcante: “Números 5:11-34, que relata um aborto ritual praticado pelo sacerdote. Se a mulher abortasse estava comprovado que ela tinha sido infiel e o marido podia puni-la, inclusive com a morte por apedrejamento. Ressalte-se que a punição era por causa da infidelidade e não por causa do aborto realizado”, conclui a pastora, destacando que o debate em torno do aborto comumente se pauta pelo mandamento “não matarás”. “Como pode-se ver, não era considerado vida”, conclui.
Anderson Reis usou de um conteúdo descontextualizado em relação à pastora Romi Bencke para agredi-la, atacando também a CFE.
O fantasma da ideologia de gênero
Anderson Reis também acusa a CFE 2021 de ser a favor da falaciosa “ideologia de gênero”. Ao acessar o texto base da campanha, Bereia verificou que a palavra “gênero” aparece três vezes no documento, nos itens 67 e 125, destacando a questão da violência contra a mulher:
“Os dados nos mostram quem são as pessoas atingidas pelo sistema de violência. As mulheres, em especial as negras e indígenas, são impactadas em todas as dimensões da sua existência. Observar esta realidade evidencia a necessidade de se discutir as questões de gênero, não se limitando à igualdade entre os sexos, mas, compreendendo que a libertação das mulheres da situação histórica de opressão passa pela discussão da propriedade privada, da divisão sexual do trabalho, da laicidade do Estado e da Teologia quando impõe um patriarcado como modelo divino de hierarquia social. Além disso, é importante salientar que as relações sociais de classe, de gênero, de raça, de etnia estão historicamente interligadas.”
“(…) Efésios (2,1-10) alerta para a necessidade premente de se aceitar plenamente as pessoas, que são diferentes, e ver nas diferenças a riqueza do corpo de Cristo. Não é possível estar com Deus e, ao mesmo tempo, discriminar e desrespeitar as outras pessoas por causa das suas diferenças étnicas, religiosas ou de gênero.”
Texto-base da CFE
O texto também se manifesta contra a violência contra pessoas LGBTQI+ no item 68:
“Outro grupo social que sofre as consequências da política estruturada na violência e na criação de inimigos, é a população LGBTQI+. O já citado Atlas da Violência de 2020, mostra que o número de denúncias de violências sofridas pela população LGBTQI+ registradas no Dique 100 no ano de 2018 foi de 1685 casos. Segundo dados do Grupo Gay da Bahia apresentados no Atlas da Violência 2020, no ano de 2018, 420 pessoas LGBTQI+ foram assassinadas, destas 164 eram pessoas trans. Percebe-se que em 2011 foram registrados 5 homicídios de pessoas LGBTQI+. Seis anos depois, em 2017, este número aumentou para 193 casos. O aumento no número de homicídio de pessoas LGBTQI+, entre 2016 e 2017, foi de 127%. Estes homicídios são efeitos do discurso de ódio, do fundamentalismo religioso, de vozes contra o reconhecimento dos direitos das populações LGBTQI+ e de outros grupos perseguidos e vulneráveis.”
Texto-base da CFE
A defesa da vida de mulheres e da população LGBTQI+ é relacionada, pelo influenciador católico, como uma “ideologia” em sentido negativo, sendo, portanto, desqualificada.
Bereia já publicou em verificação anterior sobre o fantasma da “ideologia de gênero”, termo falacioso que é objeto de muita desinformação, especialmente entre grupos religiosos. Como demonstra a matéria, líderes políticos e outros grupos de tendência conservadora têm se apropriado dessa pauta para ganhar adesão política, por meio de pânico moral
Consultada por Bereia, a coordenadora nacional do movimento Evangélicas pela Igualdade de Gênero (EIG) professora Valéria Vilhena explica que não existe e nunca existiu uma “ideologia de gênero”. “Essa narrativa foi construída para se opor aos direitos da mulher e da população LGBT. Eles constroem esse discurso para mais uma vez se posicionarem e reforçarem a negação da dignidade humana. Essa é a questão. Porque não existe uma “ideologia de gênero” – algo que se referem como uma “crença”, uma crença que se impõe para destruir a família (…) O que há é a construção de uma narrativa se utilizando do conceito “gênero” que vem dos estudos de gênero, mas que não tem nada a ver com o que dizem”, declara.
Texto-base não foi redigido por uma só pessoa
Outra acusação de Anderson Reis, no vídeo que circula nas mídias sociais, é que o texto-base da CFE 2021 é de autoria de uma só pessoa, não tendo a participação da CNBB.
“A redação do Texto-Base foi resultado de um processo coletivo de construção, que iniciou no final de 2019. Teve participação direta de pessoas de diferentes áreas do conhecimento, em especial, sociologia, ciência política e teologia. A parte bíblica do Texto contou com a colaboração de biblistas de diferentes igrejas cristãs. Todas pessoas com profundo conhecimento bíblico. Depois de escrito, o Texto-Base foi amplamente discutido por uma Comissão Ecumênica formada por 8 pessoas, sendo 6 indicadas oficialmente pelas igrejas-membro do CONIC, uma igreja convidada e um organismo ecumênico.”
Nota do CONIC
A CNBB publicou nota em que ressalta que a CFE é marca e riqueza da Igreja Católica no Brasil e diz que lhe cabe “cuidar dela, melhorá-la sempre mais por meio do diálogo, assim como nos cabe cuidar da causa ecumênica, um ideal que se nos impõe”.
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Bereia conclui que as informações do vídeo sobre a CFE são enganosas e buscam gerar pânico moral em torno dos temas do aborto e do fantasma da “ideologia de gênero”. O texto-base da campanha, na verdade, defende o fim da violência contra mulheres e pessoas LGBTQI+.
A Campanha da Fraternidade ocorre desde 1964 e tem como objetivo promover a união entre pessoas de diversas manifestações de fé, tendo apoio do próprio Papa Francisco e de outros líderes religiosos mundiais.
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Matéria atualizada em 11 de março de 2021 às 9h14 para correção de dado sobre ano de início da CFE.
Ao inaugurar trecho da Ferrovia Norte-Sul, em São Simão (GO), na quinta-feira, 4 de março, um dia após o Brasil bater novo recorde de mortos pela Covid-19, com 1.910 mortos em 24 horas, o Presidente Jair Bolsonaro (sem partido) proferiu discurso em que, mais uma vez, desdenhou da covid-19 e do sofrimento da população atingida pela pandemia.
Ele classificou como “frescura” e “mimimi” as medidas de isolamento para conter a propagação do coronavírus e disse que é hora de parar de chorar. Dirigindo-se a produtores rurais, Bolsonaro elogiou que eles não tenham praticado o isolamento social e disse: “Vocês não ficaram em casa. Não se acovardaram. Nós temos que enfrentar os nossos problemas. Chega de frescura, de mimimi. Vão ficar chorando até quando?”.
Na sequência, Bolsonaro usou a Bíblia para embasar sua fala. “A própria Bíblia diz, em 365 citações, ‘não temas’. Eu sou católico, acredito em Deus, respeito as outras religiões. Mas, se ficarmos em casa o tempo todo e dizer que a economia a gente vai ver depois… Uma parte a gente está vendo agora o que foi essa política. Qual o futuro do Brasil?” (TV Brasil, minuto 1:25’).
É estratégia comum nos discursos de Jair Bolsonaro usar imagens e textos da Bíblia para manter a popularidade entre evangélicos e católicos alinhados com sua política de extrema direita. O estudo divulgado no mesmo 4 de março pelo Inteligência, Pesquisa e Consultoria (Ipec), indica que apesar de 28% considerarem sua gestão ótima ou boa, 39% a avaliam como péssima ou ruim, enquanto 58% dos entrevistados desaprovam o governo. Bolsonaro mantém aprovação forte apenas entre os evangélicos, dos quais 38% consideram o seu governo positivo.
Descontados os apoios fragmentados em diferentes segmentos da população, é nos grupos religiosos cristãos que o Presidente do Brasil ainda encontra suporte mais sólido, por isso, os periódicos intentos de agrados com discursos e ações (nomeações para cargos públicos – ministérios e outras funções – e concessões, como publicidade governamental em mídias religiosas).
No discurso, em Goiás, em 4 de março, para estimular que pessoas não respeitem as orientações de isolamento social como prevenção da covid-19, o presidente expressou que quem tem fé em Deus não precisa temer a doença. Por isso ele disse que a Bíblia tem 365 citações da expressão “não temas”.
A afirmação é fonte para duas controvérsias: primeiro, é uma informação falsa. Não há 365 citações “não temas” na Bíblia. O Doutor em Sagradas Escrituras Odalberto Domingos Casonatto pesquisou o termo em três versões diferentes – católica e evangélicas – e encontrou três diferentes números: 47, 84 e 92. Mesmo a maior quantidade é bem distante dos 365 (uma para cada dia ano, provavelmente) indicadas pela assessoria de Jair Bolsonaro para o seu discurso. Já o pastor da Assembleia de Deus, ex-diretor da Sociedade Bíblica do Brasil (SBB) Altair Germano, em seu blog, chama a afirmação de que a Bíblia tem 365 menções a “não temas” de “Síndrome de Papagaio. Ele diz que, dependendo da versão bíblica, encontra-se 75 registros de “não temas” e 18 de “não temais”, em um total de 93 menções.
A outra controvérsia é ética e diz respeito ao uso da Bíblia para justificar posições que não têm relação com os escritos nela contidos. O pastor da Igreja da Garagem no Rio de Janeiro Jhon Souza explicou ao Coletivo Bereia que, com esforço, pode-se encontrar 127 menções no máximo (não temas: 58; não temais: 35; não temereis: 6; não temerás: 6; não temerei: 5; não temerá: 5; não os temais: 4; não os temas: 3; não tenhais medo: 2; não tenhas temor: 2; nada temas: 1) e há sentidos diferentes em cada texto. Há, por exemplo, explica o pastor, textos que se refere ao temor a Deus, quando Deus se revela para pessoas, em algumas narrativas.
O Pastor Jhon Souza destaca que uma das palavras mais fortes na Bíblia relacionadas ao “não ter medo” diz respeito a proteção. É o caso da narrativa da saída do povo escravo do Egito para a Terra Prometida, quando os hebreus escravizados são convocados a se recolherem dentro de suas casas e marcarem os umbrais de suas portas para não serem acometidas pela morte que atingiria os egípcios. “Naquele momento”, diz o pastor, “não ter medo era se proteger dentro de casa”.
Já o Pastor da Igreja Cristã Redenção Baixada Vladimir de Oliveira avalia que “usar um versículo/trecho das Escrituras Sagradas pra relativizar a dor de famílias que estão perdendo os seus entes pela covid-19 é um ato impiedoso/irresponsável”.
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O Coletivo Bereia classifica a afirmação do Presidente da República de que há 365 menções a “não temas” na Bíblia como falsa. Ele usa mais esta desinformação para estimular pessoas, em especial as religiosas, à irresponsabilidade com as medidas sanitárias de prevenção à pandemia de covid-19 que já matou mais de 260 mil pessoas no Brasil.
Em janeiro, tivemos uma boa notícia. Bruno Carazza, colunista do Valor Econômico, divulgou dados da pesquisa XP/Ipespe mostrando que a avaliação positiva do presidente Jair Bolsonaro entre os evangélicos caiu de 53% para 40% entre dezembro e janeiro. Vale pensarmos os motivos. Segundo pesquisa divulgada no começo de 2020 pelo Datafolha, 48% dos evangélicos recebem até dois salários mínimos por mês. Essa queda seria por conta do fim do Auxílio Emergencial? Quais outras fissuras que podemos evidenciar para aumentar o índice de rejeição dos evangélicos contra Bolsonaro? Até onde o negacionismo e as fake news se sustentarão frente à realidade concreta do povo?
Desde que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou o uso emergencial da Vacina contra a Covid-19, temos acompanhado mais um show de horror protagonizado pelo governo federal. A desinformação propagada por Bolsonaro tem fortalecido o discurso antivacina, algo até então pontual e sem grandes ecos em nosso país.
As vacinas, como a maioria de nós já sabe, são um pacto coletivo contra doenças e evitam milhares de mortes todos os anos. Com a erradicação dessas doenças, alguns seletos grupos passaram a questionar os efeitos colaterais dos imunizantes, temendo-os mais do que a própria doença. De fato, nem todos podem ser vacinadas, como algumas pessoas com comprometimento sérios na imunidade e alérgicos graves à componentes da vacina. Porém, essas pessoas contam com esse pacto coletivo, dado que quando você se vacina, você protege aqueles que não podem se vacinar. O contrário também é verdadeiro: se você não se vacina, você coloca em risco os que não tem como se imunizar.
Até a pandemia chegar, o movimento antivacina no Brasil era extremamente pontual e estava muito circunscrito a um grupo seleto de famílias de classe média que contavam com medidas alternativas para garantir a saúde de seus filhos, acreditando que essa era uma opção de cada indivíduo. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, primeiro parágrafo do Artigo 14, “é obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”. As escolas exigem a carteira de vacinação para a matrícula e podem acionar o Conselho Tutelar, caso esse direito seja negligenciado. “Em geral, as nossas carteiras de vacinação estão em dia, mas a gente tem famílias negacionistas de classe média, são as que dão mais trabalho, é mais complicado do que as famílias mais vulneráveis”, comentou conosco um funcionário de uma escola pública municipal. Em alguns locais de nosso país há fiscalizações realizadas pelas Unidades Básicas de Saúde (UBS) nas escolas públicas. Famílias podem ter que responder por maus tratos se não imunizarem suas crianças. Vacinação obrigatória é um direito da criança e um dever do Estado e dos seus cuidadores.
Na pandemia, porém, tudo se converteu, inclusive a percepção sobre esse pacto coletivo. O discurso antivacina foi mudando de interlocutor. Aquele grupo seleto de classe média que não vacinou suas crianças por ter certa garantia que seu filho poderia ser protegido por outros métodos, deu espaço a um outro tipo de narrativa. Temos acompanhado diversas reportagens de pastores, notavelmente defensores do atual governo, que divulgam notícias falsas, contando com a imunização por meio da fé, negando o avanço científico com o qual esses mesmos pastores se beneficiaram por anos.
Dentre tantos, Josué Valandro, o pastor da Igreja que a primeira dama Michelle Bolsonaro frequenta, reagiu em seu Instagram ironizando a eficácia da vacina: “Vende-se paraquedas com 50,3% de eficácia”. Já foi esclarecido em diversos meios de comunicação o significado do percentual de eficácia no combate à doença: a vacina não é para garantir que seguramente as pessoas não vão contrair a doença, mas, principalmente, que não desenvolvam suas formas graves. A ironia do pastor com a (des)informação foi questionada inclusive pelos seus seguidores, felizmente.
Outro exemplo extremamente preocupante se refere a um grupo de indígenas de uma tribo amazônica que tem recusado a se vacinar. Pastores evangélicos que têm atuado nas tribos são os disseminadores de falsas informações, colocando dúvidas e medo na população. O medo da vacina tem gerado conflito entre os indígenas evangélicos e os não-evangélicos, dado que os pastores têm, inclusive, tentado impedir que as vacinas cheguem ao território indígena.
Nesse contexto, pastores ainda ligados à Bolsonaro compõe esse assustador caldo de negacionismo impensável em mundos minimamente civilizados. A frase “a que ponto chegamos” não consegue acompanhar a catastrófica conjuntura atual, dado que esse ponto final do absurdo não chega nunca. Mas essa narrativa não acontece por acaso ou espontaneamente. Os pastores fundamentalistas, muito mais sensíveis aos interesses do presidente do que à dor das famílias dos mais de 240 mil mortos, têm construído uma linha bastante coerente até chegarem na desconfiança e na disseminação de falsas notícias sobre a vacina.
No portal Uol, o teólogo Ronilson Pacheco lembrou desse coerente caminho: primeiro com a ação de cristãos para jejuarem contra o vírus em um momento que a fome passou a ser uma real ameaça para o povo – inclusive maior que o vírus -; depois, não houve nenhuma manifestação pública desses pastores sobre as primeiras 100 mil mortes causadas pelo vírus em nosso país, enquanto seguiam pressionando para a abertura das Igrejas. Em paralelo, as curas milagrosas foram muito mais divulgadas e defendidas por esses pastores do que a vacina, chegando ao absurdo da venda de feijões milagrosos que poderiam custar até mil reais.
Conversamos com pastores e fiéis na cidade de São Paulo. O Pastor metodista Jair Alves, membro da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, tem visto o negacionismo em sua comunidade cristã localizada no Alto da Mooca, na zona leste, um bairro mais conservador, segundo ele. Como cristão e servidor público, atuando como assistente social há mais de 20 anos (atualmente na saúde), Alves vê a propagação de fake news e a resistência à vacina com muita preocupação: “todo dia e toda hora estamos falando e conversando sobre isso”. Já Cleonice Victor, empregada doméstica e moradora do bairro do Peri Alto, periferia norte da cidade, nos disse que em diversas igrejas que ela conhece as pessoas estão esperando pela vacina: “todo mundo vai tomar, não ouvi falar, não (sobre pessoas que não vão tomar a vacina).”
Walderes Costas, da Assembleia de Deus Apostólica e moradora do Bairro Jardim Paraná, distrito da Brasilândia, teve covid-19 e chegou a ficar internada. “Primeiramente, antes de tudo, devemos ter confiança em Deus sobre a vacina, a vacina pode impedir muitos de irem a óbito. No meu ministério, meus pastores falam que como está em Apocalipse, as sete pragas estão para chegar e por isso, o Covid-19 levou muitas pessoas. Temos que manter os cuidados com a higiene, aguardar os resultados da vacina. Muitos querem confundir a mente daquelas pessoas que não têm acesso à informação. A mídia tem confundido muito as pessoas. Uns falam ‘ai eu não vou tomar, ai eu vou morrer se tomar”. Não, não é nada disso. (…) Meu pastor e minha pastora falam para as pessoas tomarem a vacina, para se prevenirem. (…). No meu bairro, no meu ministério, muitos falam que vão tomar, outros não sabem se vai chegar… muitos não veem a hora de tomar para ficarem livres da doença”.
Para o povo, imerso nas igrejas evangélicas que se proliferam há anos no nosso país, a palavra do Pastor é fundamental; é ele que está no cotidiano dos territórios, a igreja é espaço de solidariedade popular entre os fiéis, de acolhimento e cuidado nesse momento em que todos estão mais precisando. A figura do Pastor é de autoridade moral e espiritual, mas também de alguém que está presente e pronto para auxiliar; é ele, muitas vezes, quem diz o que é certo e o que é errado a partir de sua leitura da Bíblia. Construir bandeiras pró-vacina nos territórios é tarefa urgente do campo progressista. Produzir pontes de diálogos com pastores das pequenas igrejas dos bairros periféricos, que muitas vezes estão no meio de campo entre os discursos fundamentalistas dos pastores midiáticos e a realidade concreta do povo, nos parece fundamental nesse momento em que a vacina é a resposta para angústias físicas, psíquicas e econômicas.
Motoboy e Pastor da Assembleia de Deus na Casa Verde, Fábio Elias tem atuado contra a disseminação de falsas informações sobre a vacina. “A gente tem um entendimento de que a fé sem obras é morta, não adianta só acreditar e não executar a nossa parte, a gente tem um entendimento de que o impossível a gente deixa nas mãos de Deus e o possível a gente deixa nas mãos dos homens. (…) Nós somos templos e morada do Espírito Santo de Deus e a gente tem a obrigação de cuidar (…) assim como a gente cuida do templo físico, a gente também tem que cuidar do templo espiritual, que seria nosso corpo. Se foi criada uma vacina que pode nos auxiliar, eu acho fantástico, agradecemos a Deus por ter surgido a vacina e a nossa orientação é para tomarmos. Não estamos nos posicionando de nenhuma forma contrária, pelo contrário, estamos instruindo que todos possam tomar a vacina. O que é parte espiritual, a gente tem como orientar, mas o que é parte científica, parte médica, somos obrigados a aceitar, até por que toda palavra do Senhor fala que toda autoridade é instituída por Deus, e se a ciência afirma que conseguiu uma vacina, a gente acredita que todos possam tomar. Eu não partilho de forma contrária, eu instruo e aceito”, nos relatou.
A imunização em massa a curto prazo da população pode garantir a abertura segura das escolas e, consequentemente, a diminuição de evasão escolar que aumentou consideravelmente durante a pandemia. Além disso, também serviria como um respiro para as mães que estão com seus filhos em casa e, mais do que nunca, precisam sair para trabalhar com o fim do Auxílio Emergencial. É também uma esperança para tantos trabalhadores em meio ao medo, à morte, ao fim.
Olhando para essa realidade e para a gravidade dos discursos e ações do Bolsonaro frente à pandemia, inclusive promovendo obstáculos na aquisição de vacinas, um grupo de religiosos cristãos, composto de 380 pessoas de diversas denominações, protocolou um pedido de impeachment contra o presidente.
A pastora luterana Romi Bencke, que protocolou o pedido representando esse grupo, nos disse que “a importância da vacina, desde a perspectiva cristã, é o amor à pessoa próxima. A fé em Jesus Cristo nos compromete com a outra pessoa, por isso, a vacina é um gesto de generosidade, amorosidade. Ao me vacinar não estou cuidando unicamente de mim, mas também do outro. Claro que não há nenhum texto bíblico para falar da vacina. Mas, se for para argumentar biblicamente o amor à pessoa próxima, recupero o texto de João 10.10: ‘Eu vim para que todas as pessoas tenham vida e vida em abundância’. Quem pode e se nega a tomar a vacina nega o direito ao cuidado da outra pessoa”.
O Pastor Jair Alves segue com a mesma narrativa: “os evangélicos falam tanto em Jesus, amam tanto a Jesus e não se lembram que Jesus veio para nos dar vida e vida em abundância, Jesus veio para nos libertar e a verdade é que nos liberta. Eu não entendo como evangélicos podem atrapalhar a vacinação favorecendo as famosas fake news contra o combate a covid-19. Deixo aqui o meu apelo: vamos tomar a vacina, eu tomei a vacina, sou profissional da área da saúde, tenho mais de 60 anos, sou Pastor, minha esposa é enfermeira, nós dois já fomos tomar a vacina e eu queria dizer: Deus é que nos deu a bênção de termos cientistas dedicados a descobrirem esta vacina, devemos apoiar e estimular a nossa comunidade a se vacinar”.
Nesse sentido, acreditamos que a vacina é uma bandeira importante na disputa de narrativas contra o fundamentalismo religioso e, consequentemente, contra Bolsonaro. Não podemos ficar reféns dos discursos e ações do presidente e dos pastores fundamentalistas que o apoiam. Temos o papel de criar formas de diálogo com as igrejas a partir da realidade do povo, em defesa da vacina pública, universal, gratuita e, quem sabe, como tem ensinado os países socialistas, soberana!
*Investigado por Luciana Petersen e Juliana Dias, do Coletivo Bereia, em parceria com Estadão. Verificação por Jornal do Commercio, Correio, Rádio Noroeste, NSC Comunicação e A Gazeta. Publicado originalmente no Comprova.
É enganosa uma montagem de vídeos que circula nas redes sociais com uma suposta comparação de um mesmo trecho da rodovia Transamazônica, a BR-230, durante o período dos governos do PT com os primeiros meses do governo Bolsonaro.
A montagem usa duas gravações, feitas em locais diferentes.
Na primeira parte do vídeo, que seria dos governos do PT, motoristas e motociclistas tentam ultrapassar um lamaçal em uma rodovia. A gravação mostra a região de Ladeira da Onça, em Brasil Novo, no Pará, que ainda não foi asfaltada.
Na segunda parte, um motorista trafega por uma estrada asfaltada e em boas condições. Ao contrário do que diz o vídeo, esse trecho da BR-230/PA que aparece em boas condições não foi asfaltado durante o governo Bolsonaro, mas antes de 2019.
Como verificamos?
Em uma busca reversa de imagens com prints do vídeo, encontramos o vídeo original, gravado em 2018. O vídeo viralizou como peça de humor em diversas páginas (veja abaixo), algumas alegando ter sido gravado em locais diferentes.
Em uma das buscas, encontramos a reportagem do Bom Dia Pará, jornal da Rede Liberal (afiliada à Globo), que veiculava o nome do local do primeiro vídeo como “Ladeira da Onça”, no município de Brasil Novo (PA). Buscamos o local nas ferramentas de geolocalização Google Maps e Google Street View. Nas imagens, é possível ver a mesma cerca azul e branca, confirmando que o vídeo realmente foi gravado na Rodovia Transamazônica, na altura do km 48. Entramos em contato com Valdemídio Silva, morador de Brasil Novo, que confirmou o local do primeiro vídeo como a Ladeira da Onça.
A imagem do Google Street View é de 2019 e é possível ver que a estrada não havia sido asfaltada naquele ano. Já a foto de satélite do Google Maps é de 2021, e indica que o trecho da Ladeira da Onça ainda é de estrada de terra.
Entramos em contato com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) para obter informações sobre o km 110 da rodovia Transamazônica, mas não tivemos resposta até a publicação. Consultamos notícias no portal do Governo Federal sobre o asfaltamento da BR-230 confirmadas por verificações da Agência Lupa, Estadão e Aos Fatos sobre o mesmo vídeo, verificando que o trecho km 110 foi asfaltado anos atrás, antes do governo Bolsonaro.
Contatamos o deputado Anderson Moraes (PSL- RJ) para obter informações sobre a fonte do vídeo, mas não tivemos resposta.
Verificação
O vídeo que viralizou é formado por duas partes. No primeiro trecho, motociclistas e caminhoneiros tentam subir uma ladeira de lama. No segundo, um motorista dirige por uma estrada asfaltada, alegando ser o km 110 da Transamazônica. A união dos vídeos dá a entender que o motorista está andando pelo mesmo trecho que antes era cheio de lama, o que não é verdade.
Ladeira da onça
Em uma reportagem do Bom Dia Pará, de dezembro de 2018, há a informação de que a primeira parte do vídeo foi gravada na altura do km 48 da Transamazônica (BR-230) no Pará, local conhecido como Ladeira da Onça, no município de Brasil Novo (PA). A localização é incompatível com o km 110 da Transamazônica, como afirma o autor do segundo vídeo, na estrada asfaltada.
O Comprova entrou em contato com o repórter e locutor Valdemídio Silva, morador da cidade de Brasil Novo (PA) há 36 anos, que confirmou que o primeiro vídeo foi gravado na Ladeira da Onça, e circula há cerca de 2 anos. Outros vídeos da mesma época mostram o sofrimento dos usuários da via.
Vídeo bloqueado em perfil de deputado
O vídeo que viralizou foi publicado originalmente pelo deputado Anderson Moraes (PSL-RJ) no Facebook em 17 de janeiro de 2020, e contém a marca d’água com nome e foto do deputado na parte inferior. O Facebook classificou o vídeo como “Informação Falsa” e bloqueou sua exibição na plataforma. Recentemente, o vídeo foi compartilhado por uma usuária no Twitter e voltou a circular. O Comprova entrou em contato com o deputado, que não retornou.
O governo atual fez obras na Transamazônica?
A rodovia Transamazônica é a terceira maior do Brasil, com 4260 km de extensão implantada, cortando os estados da Paraíba, Ceará, Piauí, Maranhão, Tocantins, Pará e Amazonas.
Em nota à agência Lupa, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) informou que o km 110 da BR-230/PA não foi asfaltado em 2019, como sugere o vídeo, mas “anos antes”. O DNIT também informou que em 2019, durante o governo Bolsonaro, foi concluída e inaugurada a pavimentação entre os km 0 e 12,1 da Transamazônica no Pará.
Em maio de 2020, o Governo Federal informou que concluiu a pavimentação de 32 quilômetros, entre o km 235 e o km 267 da rodovia. A nota promete a pavimentação de 101,9 quilômetros da rodovia federal, com investimento de R$ 219 milhões. Segundo o balanço anual do Ministério de Infraestrutura do Governo Federal, a pavimentação de 32 km entre Itupiranga e Novo Repartimento, no Pará, e 3 pontes de concreto foram as únicas obras na Transamazônica em 2020.
Em apresentação sobre as obras da BR-230/PA no ano de 2015, o então secretário de Gestão dos Programas de Transportes do Governo Dilma Rousseff, Miguel de Souza, informou que o segmento entre os km 12 e 134,9 da Transamazônica no Pará foi pavimentado durante a gestão petista.
Por que investigamos?
Atualmente em sua terceira fase, o Projeto Comprova verifica conteúdos que dizem respeito a políticas públicas do governo federal e à pandemia de covid-19. As verificações são feitas em conteúdos que viralizam de forma significativa, caso do vídeo investigado aqui.
A postagem falsa referenciada teve quase 3 mil interações no Twitter no mês de fevereiro e o conteúdo já viralizou por publicações de outros autores uma dezena de vezes desde 2019, incluindo pelo deputado citado na verificação. Supostas realizações do governo Bolsonaro na área de infraestrutura têm sido objeto de desinformação.
Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.
Esta verificação contou com o apoio de estudantes de jornalismo do programa de estágio firmado com a FAAP.
Mais uma vez, a deputada católica Bia Kicis (PSL/DF) desponta nas mídias sociais digitais com discursos que ratificam sua militância antagônica à obrigatoriedade da vacinação contra a Covid-19.
No último dia 16 de outubro, ela retuitou o post do perfil Médicos pela Liberdade, autointitulado como “grupo em prol das liberdades individuais e contra o totalitarismo disfarçado de ciência”.
A publicação, que parabeniza a ação do grupo, gerou 3,4 mil curtidas, 769 retuítes e 61 comentários. Já o conteúdo original, publicado no perfil Médicos pela Liberdade, angariou 6,9 mil curtidas, 2,3 mil retuítes e 190 comentários.
O post foi motivado após o governador de São Paulo, João Doria, no mesmo dia, se pronunciar sobre a obrigatoriedade da vacina contra a Covid-19 em todo o estado paulista, caso ela seja aprovada nos testes e tenha o aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Segundo Doria, em entrevista à Agência Brasil, apenas pessoas com atestado médico serão liberadas de receber o imunizante.
“Em São Paulo a vacinação será obrigatória, exceto para quem tenha orientação médica e atestado médico de que não pode tomar a vacina. E adotaremos medidas legais se houver contrariedade nesse sentido”, disse Doria, em entrevista coletiva em São Paulo.
O governador revelou ainda que os testes com a vacina chinesa CoronaVac deveriam ser finalizados no final da semana e os resultados desses testes deveriam ser anunciados em coletiva à imprensa na segunda-feira, 19. Contudo, matéria do UOL, publicada no dia 19 de outubro, noticiou que Doria recuou e adotou um tom mais cauteloso, dizendo que ainda não seria possível precisar quando as doses estarão disponíveis. Anteriormente, o governador Doria havia dito que a Coronavac, vacina contra o coronavírus que será produzida pelo Instituto Butantan em parceria com o laboratório chinês Sinovac, poderia começar a ser aplicada em profissionais de saúde a partir de 15 de dezembro, caso fosse aprovada em todos os testes. Contudo, durante a entrevista coletiva no Palácio dos Bandeirantes na tarde do dia 19, ocasião do recuo de Doria, o diretor do Instituto Butantan Dimas Covas explicou que “as perspectivas são otimistas, mas não podemos dar data precisa de quando isso vai acontecer. Esperamos que até o final desse ano”.
Na ocasião da coletiva, Doria também disse que a vacina do Butantan é a que está em estágio mais avançado entre todas as que estão em produção no mundo. “Os primeiros resultados do estudo clínico comprovam que, entre todas as vacinas, a Coronavac é a mais segura e a que apresenta melhores índices e mais promissores. É, de fato, a vacina mais avançada neste momento”, declarou. O governo do estado divulgou hoje os resultados dos testes da Coronavac com nove mil voluntários no país. De acordo com Covas, a vacina teve poucos efeitos colaterais e os resultados no Brasil comprovam que a vacina é segura.
Segundo a matéria do UOL, os resultados apresentados mostraram que 35% dos voluntários apresentaram algum tipo de efeito colateral após a aplicação da vacina, sendo dor no local de aplicação a mais comum, relatada por 18% dos que receberam a dose. Não foram apresentadas reações de grau 3, que são mais graves. Apenas 0,1% dos voluntários tiveram febre. “As outras reações foram insignificantes do ponto de vista estatístico. O mais frequente foi dor de cabeça, que pode ter relação com vacina ou não. Os outros sintomas foram muito baixo”, afirmou Covas. “Portanto é a vacina mais segura não só no Brasil, mas no mundo”.
Nas mídias sociais, grupos antivacina seguem usando o espaço para dar eco a conteúdo enganoso e gerar desconfiança sobre futura campanha de vacinação. No caso do perfil Médicos pela Liberdade, a postagem mostra a resistência dos profissionais frente à suposta obrigatoriedade de vacina contra o vírus, classificado como “vírus chinês’, e ainda aponta que esta foi produzida “a toque de caixa, sem nenhum estudo a médio e longo prazo”, fato que dividiu a opinião entre os usuários e seguidores.
Entenda o movimento antivacina
Em 2019 o movimento antivacina passou a figurar na lista das dez maiores ameaças à saúde global, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) A informação consta no Repositório Institucional da Fiocruz. Segundo a organização, o movimento seria um dos fatores responsáveis pelo aumento de 300% no número de casos de sarampo no mundo todo, sendo que, a doença havia sido oficialmente erradicada no Brasil em 2016.
Desconfiança em relação às formas de imunização oferecidas pelo governo e teorias da conspiração sobre os efeitos das vacinas são elementos que sustentam o movimento antivacina pelo mundo. O fenômeno não é recente, tanto é que, a mais de um século, em 1904 ocorreu a revolta da vacina no Rio de Janeiro, movimento de motim popular que rejeitava a obrigatoriedade da vacina contra a varíola. No entanto, a comunidade médica acredita que os movimentos mais recentes e organizados foram desencadeados por um estudo publicado pelo médico britânico Andrew Wakefield na renomada revista de ciência Lancet, em 1998.
Nesse estudo, Wakefield relacionava a vacina tríplice viral, que previne contra caxumba, sarampo e rubéola, à manifestação de quadros de autismo. O médico teria examinado 12 crianças para seu artigo, das quais oito supostamente manifestaram autismo duas semanas após receberem a vacina. Segundo ele, o sistema imunológico das crianças havia sofrido uma sobrecarga com a imunização.
O estudo foi descartado após descobertas de que Wakefield, estava envolvido com advogados que queriam lucrar a partir de processos contra fabricantes de vacinas. Além disso, ele utilizou dados falsos e alterou informações sobre os pacientes.
Portanto, observa-se que dados falsos, mesmo hoje, são um dos principais argumentos utilizados pelo movimento antivacina, que relaciona não só a tríplice viral, como várias outras vacinas à manifestação do autismo.
Outro sistema de imunização que também foi e ainda é alvo de boatos e fake news é a vacina que previne contra o papilomavírus humano (HPV). Ela começou a ser distribuída em 2014 tendo como público-alvo garotas adolescentes entre nove e 14 anos e visa combater o vírus, sexualmente transmissível e causador de doenças como câncer no colo do útero. Na época em que surgiu a vacina contra o HPV, o boato circundante era o que o produto causaria paralisia, segundo matéria publicada no UOL. Contudo, tais alegações foram checadas e comprovadamente declaradas falsas por pesquisadores da área.
No que tange o combate à pandemia de Covid-19, a elaboração e distribuição de uma vacina eficaz no combate ao vírus é a principal esperança das autoridades e da população, mas, mesmo diante desse cenário de expectativa, movimentos antivacinas se fortalecem a partir das incertezas e inseguranças fomentadas pela pandemia e ganham visibilidade, fazendo circular diversos conteúdos falsos ou desinformativos, que atribuem mortes em decorrência de vacinações e substâncias tóxicas que comporiam as vacinas.
O caminho da desinformação sobre a vacina contra o vírus
A cada novo fato sobre os testes de vacinação contra a Covid-19, um turbilhão de desinformação avança por todo o país, invadindo as redes sociais digitais e dividindo as opiniões na sociedade. Percebe-se que, para além da pandemia de uma grave e mortal doença, outra ainda mais sutil e tanto quanto perigosa vem se desenvolvendo: a onda de notícias falsas, desinformativas e enganosas.
A constatação pode ser justificada pelos números levantados pela União Pró-Vacina – UPVacina, um grupo de instituições ligadas à Universidade de São Paulo – Ribeirão Preto, cujo objetivo é esclarecer informações falsas sobre vacinas. Segundo o levantamento, houve um aumento de 383% em postagens contendo postagens com conteúdos falsos ou distorcidos envolvendo o tema, o que aponta que a desinformação quase quintuplicou em apenas dois meses.
De acordo com informações apresentadas pela UPVacina, a análise foi feita com base em postagens dos dois principais grupos antivacina brasileiros no Facebook, os quais já haviam sido objeto de outro estudo da entidade em março. Entre os dias 1º de maio e 31 de julho, foram identificadas no total 155 postagens ligadas à vacina em desenvolvimento contra a covid-19. O volume de interações chama a atenção: foram 3.282 reações, 1.141 comentários e 1.505 compartilhamentos.
A rapidez com que o número de postagens cresce no decorrer do tempo impressiona. Durante todo o mês de maio, apenas 18 postagens abordavam assuntos ligados à vacina contra a covid-19. Em junho, elas chegaram a 50 e, em julho, a 87.
A análise, apresentada no mês de agosto, também levou em conta os números por períodos. Assim, percebeu-se que em dois há uma frequência maior na disseminação de conteúdo falso: entre 11 e 20 de junho e entre 21 e 31 de julho. Os picos coincidem com informações bastante difundidas pela imprensa e ligadas à temática. Entre elas estão o anúncio da parceria entre o Instituto Butantan e o laboratório chinês Sinovac Life Science para a produção de uma vacina contra a covid-19; o início dos testes dessa vacina no País; e os primeiros testes, no Brasil, de outra vacina para combater a doença, desenvolvida pela Universidade de Oxford.
Assim como na análise anterior da UPVacina nos mesmos grupos, há um pequeno número de pessoas produzindo a maior quantidade das postagens. De acordo com a pesquisa, 56 autores foram responsáveis por todas as 155 postagens. Cinquenta deles publicaram 52% (81) do total e os outros seis, 48% (74).
Os resultados apontaram também que a grande maioria das postagens gira em torno de possíveis perigos e ineficácia das vacinas (24,52%), além de uma variada gama de teorias da conspiração (27,10%). Contudo, outras temáticas também se destacam pelo grau de desinformação que trazem. Uma delas já era bastante citada pelos grupos antivacina: a de que vacinas podem alterar o DNA dos seres humanos, que aparece em 14,84% das postagens.
Até mesmo o empresário americano Bill Gates, um dos fundadores da Microsoft, está sendo alvo de grupos antivacina, segundo dados da pesquisa da UPVacina. No rol das notícias enganosas, que aparece em 14,19% das postagens, está a informação enganosa de que ele também fomenta pesquisas e o desenvolvimento de vacinas, patrocinando estudos por meio da Fundação Bill and Melinda Gates. As postagens geralmente associam essa atividade a um possível controle populacional realizado a partir das vacinas ou até mesmo a teorias da conspiração envolvendo o controle da mente humana usando chips implantados com a aplicação dos imunizantes.
De acordo com a análise de UPVacina, um dos vídeos com informações falsas e alarmistas sobre as vacinas, que apresentou maior engajamento entre os usuários, foi produzido pelo jornalista e servidor público da Câmara dos Deputados, Cláudio Lessa, que ganhou destaque pela publicação no site Jornal da Cidade Online, citado na CPMI das Fake News, e pelo compartilhamento na página da deputada Bia Kicis (PSL-SP), investigada em inquérito do Supremo Tribunal Federal (STF) pelo financiamento de notícias falsas.
No vídeo, Lessa afirma que vacinas modificam o DNA do ser humano e contêm “nanopartículas de controle social” – argumentos recorrentes entre grupos antivacina e que têm tido maior alcance devido ao alto volume de buscas pelas vacinas em fase de testes. O servidor ainda se refere à vacina como “lixo que está sendo produzido” contra a “peste chinesa” e, sem citar quaisquer referências e atribuindo as afirmações a “opiniões” de “várias pessoas”, apresenta informações falsas sobre a imunização. Na ocasião, agências de checagem de informações, como Projeto Comprova, Agência Lupa e Aos Fatos classificaram as alegações do vídeo como falsas.
De acordo com matéria publicada na Carta Capital em 08 de outubro, Lessa consta como Analista Legislativo da Câmara dos Deputados e, segundo o Portal de Transparência da Câmara, ganha mais de 34 mil reais mensalmente como salário bruto. Ele chegou à Casa por indicação política do ex-deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ), que atualmente cumpre pena domiciliar por corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Já a deputada católica Bia Kicis Kicis recebe mais de 33 mil reais como deputada federal.
Carta Capital traz ainda outros números importantes para se entender a dimensão da questão. As publicações no site e na página de Kicis, juntas, tiveram 232,3 mil interações, entre curtidas, comentários e compartilhamentos no Facebook, sendo feitas respectivamente em 24 e 25 de setembro, segundo a análise da UPVacina. Os estudos mostraram também que o post e a matéria foram compartilhados por 79,7 mil usuários, enquanto as outras sete notícias provenientes de sites jornalísticos com maior engajamento no mesmo mês, como Carta Capital, G1 e Folha de S. Paulo, tiveram 79,6 mil compartilhamentos em conjunto.
Seguindo a mesma proposição de checagem, em setembro, o Coletivo Bereiaverificou dois vídeos que viralizaram em mídias sociais no referido mês, especialmente no WhatsApp . O primeiro apresenta um suposto médico que fala contra a testagem e vacinação em massa, pois segundo ele são um projeto de redução da população mundial. O segundo vídeo trata da aferição de temperatura na testa, que supostamente atinge a chamada glândula pineal e pode prejudicar o funcionamento do corpo. Ambos foram categorizados como falsos, baseados em teorias da conspiração com fundo religioso, mas que não se comprovam com dados científicos. Este tipo de conteúdo tem sido disseminado em mídias sociais para causar pânico, alimentar a relativização da gravidade da pandemia de coronavírus e diminuir o engajamento nas medidas preventivas, podendo causar prejuízos graves à população.
No caso da nova postagem checada, que trata sobre a total resistência do grupo Médicos pela Liberdade à vacinação contra a Covid-19, chancelada pela deputada Bia Kicis, o Coletivo Bereia a categoriza como enganosa. O conteúdo traz o rótulo de“vírus chinês” para o coronavírus, tipificação descartada por organismos internacionais e descabida para qualquer organização reconhecida. Apresenta também, a afirmação de que a vacina teria sido produzida “a toque de caixa”, argumento falso, uma vez que as instituições de pesquisa seguem os protocolos internacionais no tocante a processos e prazos. Da mesma forma, dizem que não foi oferecido estudo a médio e longo prazo, argumento que, por si só, não aponta qualquer informação precisa e devidamente apurada.
É importante ressaltar que no dia 21 de outubro, o presidente em exercício, Jair Bolsonaro, causou polêmica no Twitter ao afirmar que o governo só irá disponibilizar a vacina se comprovada cientificamente pelo Ministério da Saúde e certificada pela ANVISA, ratificando que não é possível justificar um aporte financeiro bilionário em um medicamento que “sequer ultrapassou sua fase de testagem”. Tal proposição adiciona mais um fator desinformativo que circula nas mídias envolvendo o desenvolvimento da vacina contra a Covid-19 no Brasil.
Marcando os 75 anos de existência da Organização das Nações Unidas, a Assembleia Geral deste ano foi atípica: por conta da pandemia da Covid-19, pela primeira vez na história, os líderes globais e suas delegações diplomáticas não se reuniram presencialmente em Nova York. As discussões foram virtuais e congregaram os chefes de Estados por meio de discursos gravados previamente.
Mesmo assim, a realização remota foi apenas um entre os fatos que despertaram a atenção do público e da mídia ao redor do mundo. Isso porque, entre os desdobramentos do encontro anual estiveram em evidência, sobretudo, os discursos dos presidentes Donald Trump, dos Estados Unidos, e do chefe do Estado brasileiro, Jair Bolsonaro, conectados pelas críticas e pressões à China e ainda por jogarem luz a temas de cunho religioso.
Neste cenário, o Coletivo Bereia volta sua atenção para uma matéria publicada no portal Gospel Mais no dia 27 de setembro, intitulada: “Trump condena a perseguição religiosa e critica relação da OMS com a China”. De acordo com o conteúdo, o presidente americano teria sido alvo de polêmica durante discurso na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, a ONU, ao criticar a relação da Organização Mundial de Saúde (OMS) com o governo comunista da China. Segundo Gospel Mais, que já contabiliza diversos conteúdos categorizados como imprecisos, enganosos ou mesmo falsos, Trump ainda teria criticado a perseguição religiosa no mundo, tema abordado pelo chefe do Executivo brasileiro ao fazer apelo contra a cristofobia.
Gospel Mais traz uma citação do presidente na ocasião do discurso: “Se a ONU quiser ser uma organização eficiente, precisa focar nos problemas reais do mundo. Isso inclui terrorismo, a opressão de mulheres, trabalho forçado, tráfico de drogas e de pessoas, perseguição religiosa e limpeza étnica de minorias”, disse o americano. Essa foi a única menção à temática religiosa presente na fala do presidente. Mesmo assim, ganhou destaque no título da matéria de Gospel Mais.
O conteúdo afirma também que Trump teria voltado a reiterar suas críticas à OMS, sugerindo que a organização teria omitido dados importantes ao lado da China, durante o início da pandemia do novo coronavírus, o que poderia ter salvado a vida de milhares de pessoas no mundo.
Na página de Gospel Mais no Facebook, que contabilizou 218 curtidas, 10 comentários e 36 compartilhamentos até a data de checagem, a publicação dividiu a opinião dos usuários.
Por dentro do discurso de Trump na Assembleia
No segundo dia do evento, o presidente dos Estados Unidos Donald Trump, disse que, 75 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial e a fundação das Nações Unidas, o mundo está uma vez mais “envolvido numa grande luta global.” Enquanto líder do país anfitrião, ele foi o segundo a tomar a tribuna na abertura dos debates de líderes internacionais na ONU.
A íntegra do discurso virtual do presidente norte americano foi acessada no portal da CNN Brasil, da qual destacamos alguns trechos que reforçam as pressões que os EUA vêm fazendo à China. “Estamos em uma luta mundial, batalhamos contra um inimigo invisível, o vírus chinês que levou muitas vidas em 188 países. Nos Estados Unidos nós fizemos uma grande mobilização, a maior desde a Segunda Guerra Mundial. Entregamos respiradores, equipamentos e pudemos compartilhar com parceiros no mundo. Criamos tratamentos, reduzindo nossa taxa de mortalidade em 85% desde abril. Três vacinas estão na fase clínica para que possam ser entregues. Vamos distribuir a vacina, vamos combater e derrotar o vírus. Acabar com a pandemia e entrar em uma nova era de prosperidade, cooperação e paz”, disse.
Trump também fez duras críticas à China e ao combate à pandemia do novo coronavírus. De acordo com ele, a Organização Mundial da Saúde (OMS) colaborou para o impasse, em parceria com o governo chinês. “Nesse futuro precisamos responsabilizar a nação que libertou esta praga no mundo: a China. Ela proibiu os voos nacionais, mas permitiu que pessoas voassem para o restante do mundo e infectasse as populações. O governo chinês e a Organização Mundial da Saúde, que é virtualmente controlada pela China, disse que não havia possibilidade de transmissão de pessoa para pessoa, depois disseram que pessoas assintomáticas não espalhariam o vírus. Precisamos responsabilizar a China por suas ações”, criticou.
O presidente norte americano ainda avaliou a saída dos EUA do Acordo de Paris como uma solução para a redução da emissão de poluentes. “A China descarta lixo e plástico nos oceanos, destrói corais e lança mais mercúrio tóxico da atmosfera do que qualquer país no mundo. As emissões de carbono na China são quase o dobro dos Estados Unidos e estão crescendo. Depois que retirei os Estados Unidos do Acordo de Paris, nós reduzimos as emissões mais do que qualquer outro país do acordo. A China não está interessada no meio ambiente, ela está interessada em punir os Estados Unidos e eu não vou aceitar isso. Se os Estados Unidos vão ficar em uma Organização, ela precisa tocar nos problemas reais do mundo: o terrorismo, problema das mulheres, trabalho escravo, tráfico de pessoas, perseguição religiosa. Os EUA sempre serão líder para os direitos humanos”, acrescentou.
“Meu governo está criando oportunidade para mulheres, descriminalização da homossexualidade e protegendo pessoas não nascidas nos EUA. A prosperidade americana é a base da liberdade e segurança no mundo. Em três anos criamos a maior economia da história e estamos fazendo isso novamente”, reforçou.
Apesar do esforço de Donald Trump em culpabilizar a China por destruição do meio ambiente, por irresponsabilidade com a pandemia de coronavírus e ligar o país ao suposto controle da OMS, s as controvérsias em torno deste discurso são observadas. Além de desinformar com exagero nas acusações à China, Trump omite que os Estados Unidos praticam o mesmo tanto quanto ao coronavírus quanto ao meio ambiente. Os ataques discursivos à China são estratégia de disputa geopolítica. Antes mesmo da pandemia, as duas maiores economias do mundo já travavam uma disputa global de interesses econômicos, que chegou a ser caracterizada como nova Guerra Fria ou um período de “grande ruptura sem nenhuma liderança”, como afirmou o economista e professor da Universidade de Columbia (EUA) Jeffrey Sachs, em entrevista à BBC.
Pontos controversos também no discurso de Bolsonaro
O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, foi o primeiro líder de Estado a discursar na 75ª Assembleia Geral da ONU. Entre falas que defendem a atuação do governo no combate à pandemia e aos crimes ambientais, Bolsonaro ressaltou as medidas econômicas implementadas em caráter de urgência, acusou a imprensa de espalhar desinformação sobre as queimadas e o desmatamento na Amazônia e Pantanal.
Os argumentos repercutiram até mesmo na mídia internacional. A agência francesa AFP, por exemplo, líder mundial em verificação digital, checou vários pontos da fala do presidente, apontando, sobretudo, para uma “campanha de desinformação” sobre as queimadas na Amazônia e no Pantanal.
Segundo a matéria da AFP, para explicar os incêndios que afetam a floresta amazônica, onde foram registrados 71.673 focos ativos desde o início do ano, Bolsonaro sugeriu que as chamas são causadas por caboclos e indígenas que ateariam fogo na terra para prepará-la para a agricultura. A checagem considera que, embora essa seja uma técnica efetivamente empregada por povos indígenas brasileiros, um levantamento do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) de setembro do ano passado concluiu que uma grande proporção dos incêndios que afetam a região está atrelada ao desmatamento.
A respeito da fala do presidente brasileiro sobre a Covid-19, a AFP também categoriza como “falsa”. Isso porque, apesar de realmente ter demonstrado preocupação com as consequências da pandemia para a economia brasileira desde o início do surto de covid-19, “não é verdade que o presidente Jair Bolsonaro alertou ‘desde o princípio’ para a necessidade de combater o novo coronavírus”, explicita a matéria.
A checagem acrescenta que no dia em que o Brasil registrou a primeira morte pela doença, em 17 de março, Bolsonaro indicou ver “histeria” em algumas medidas implementadas para reduzir a propagação da doença. Em pronunciamento à população em 24 de março, quando o Brasil registrava 46 óbitos e mais de 2.200 casos confirmados de covid-19, o presidente se referiu à doença como uma “gripezinha”. “No meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar, nada sentiria ou seria, quando muito, acometido de uma gripezinha ou resfriadinho”, afirmou.
Alguns dias depois, em 27 de março, colocou em dúvida os dados de mortes pela doença no estado de São Paulo, que registrava 58 óbitos no momento. “Não pode ser um jogo de números para favorecer interesses políticos. Não estou acreditando nesses números de São Paulo, até pelas medidas que ele [o governador João Doria] tomou”, disse Bolsonaro em entrevista à Band TV. No mesmo mês, segundo a checagem, saiu para passear em Brasília, provocando pequenas aglomerações – já desencorajadas na época, inclusive por seu ministro da Saúde – e disse que o vírus precisaria ser enfrentado mas “não como um moleque”. “Vamos enfrentar o vírus com a realidade. É a vida. Todos nós iremos morrer um dia”, acrescentou.
Outro ponto citado por Bolsonaro que gerou debate e polêmica foi a questão religiosa, assunto inclusive já abordado pelo Coletivo Bereia em matéria publicada recentemente. Na ocasião, ele fez um apelo à comunidade internacional pelo combate ao que ele chamou de “cristofobia”. Também pregou a defesa à liberdade religiosa. Bolsonaro não mencionou nenhuma outra religião, além do cristianismo. “Faço um apelo a toda a comunidade internacional pela liberdade religiosa e pelo combate à ‘cristofobia’”, disse. A declaração se deu em um momento em que falava de liberdade e ordem democrática. Bolsonaro afirmou que o Brasil é um “país cristão e conservador e tem na família sua base”.
É possível perceber a conexão do discurso do chefe de Estado brasileiro à fala do presidente dos EUA, Donald Trump, o segundo a se pronunciar na assembleia, que também afirmou: “se a ONU quiser ser uma organização eficiente, precisa focar nos problemas reais do mundo”, afirmou. “Isso inclui terrorismo, a opressão de mulheres, trabalho forçado, tráfico de drogas e de pessoas, perseguição religiosa e limpeza étnica de minorias”.
O que os discursos têm em comum?
Essa não é a primeira vez que os líderes se referem, em discursos, a perseguição religiosa, com enfoque nos cristãos. Em fevereiro de 2020, Brasil, EUA e mais 25 Nações entraram em acordo para fundar uma aliança global de combate à intolerância religiosa após praticamente dois anos de discussão sobre o tema.
Em setembro de 2019, Donald Trump teve uma reunião com a cúpula das Nações Unidas para pedir proteção para a liberdade de religião, lembrando episódios de ataques à judeus em sinagogas e a cristãos e muçulmanos ao redor do mundo.
O Coletivo Bereia ouviu Alexandre Brasil, doutor em Sociologia e diretor do Instituto Nutes de Educação em Ciências e Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sobre os esforços brasileiros em se juntar ao governo americano na Aliança Internacional para Liberdade Religiosa. Para ele, a ação é uma estratégia política:
A necessária questão da liberdade religiosa sempre foi uma preocupação da diplomacia brasileira, tendo atuado em diversos momentos e, dentro da tradição brasileira, privilegiando os fóruns internacionais multilaterais. O Brasil sempre ocupou uma importante posição no palco internacional devido a orientação assumida de buscar a conciliação e o diálogo. Em anos recentes o governo brasileiro atuou em processos em vários países em que a liberdade religiosa de cristãos tem sido ameaçada. Isso se deu tanto por meio do diálogo e participação em eventos da alta administração com governos nacionais que ocorreram em fóruns multilaterais, como também em ações concretas visando intermediar e receber refugiados que estão com a vida ameaçada. Nunca houve desconsideração com esse tema, sendo que o que há de novo agora é a proeminência e uso político e estratégico dele. Um ponto central nessa pauta é que a mesma não pode e não deve assumir uma conotação ideológica e política, mas ser enfrentada com a seriedade e complexidade que possui visando, principalmente, a defesa e promoção da vida e dos direitos humanos.
Alexandre Brasil, doutor em Sociologia
Ainda de acordo com Alexandre Brasil, a aliança pode causar efeito inverso, definindo o que chama de “inimigos globais”:
Essa ativa atuação global americana pode ser lida como uma união entre religião e política que pode acabar por definir inimigos globais a partir da questão da liberdade religiosa. Inimigos que também serão da Aliança criada. Assim podemos estar diante de uma conformação similar daquela experimentada por ocasião da Guerra Fria, só que agora a religião acaba por servir como alimento para uma retórica persecutória que elege e estabelece inimigos a serem combatidos. O que vem sendo adotado no governo brasileiro, que reúne tanto católicos como evangélicos, são elaborações que perpassam a questão da liberdade religiosa e que afirmam que essa tem precedência sobre os outros temas dos direitos humanos. Isso tanto no Itamaraty como no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Alexandre Brasil, doutor em Sociologia
Apesar de fazer o esforço de defesa da tolerância religiosa que vem promovendo nos anos mais recentes de seu governo, uma das promessas de campanha de Trump, que foi autorizada no início de seu mandato, foi a de barrar a entrada de viajantes muçulmanos nos EUA, sob o argumento de se defender do terrorismo e defender as fronteiras do país.
Além da política imigratória restrita que marca o discurso de Trump, em outros episódios, o presidente foi conivente com falas xenofóbicas e intolerantes, como aconteceu durante sua campanha em 2016, quando, durante um comício, um eleitor levantou a questão dos muçulmanos como um problema a ser enfrentado pelo país e chamou o então presidente Barak Obama de muçulmano. Diante da fala, Trump concordou e deu uma resposta evasiva.
Já o presidente brasileiro participou, somente em 2019, de 40 encontros religiosos com líderes evangélicos, desconsiderando ainda outras profissões de fé cristãs, como os católicos. O próprio Bolsonaro já afirmou em suas falas que foi eleito graças aos votos da base eleitoral evangélica.
Em 01 de abril de 2019 Bolsonaro visitou o Muro das Lamentações em Jerusalém, ao lado do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu. A visita gerou debate na comunidade internacional, pois historicamente o Brasil sempre defendeu a causa palestina, no entanto, o ato, realizado na presença do ministro de Israel foi contra a política brasileira de apoio aos palestinos. Em nota, o grupo palestino, Hamas, condenou a atitude do presidente, o que foi prontamente rebatido em rede social pelo filho de Bolsonaro, o senador, Flávio Bolsonaro, com uma frase intolerante que causou reação aos leitores. “Quero que vocês se explodam”, escreveu Flávio sobre a nota emitida pelo Hamas.
A aliança de países é uma solução para a intolerância religiosa?
Para o doutor em sociologia, Alexandre Brasil, ouvido por Bereia, já existiam fóruns de discussão no sistema internacional de direitos humanos que poderiam articular ações para essa problemática. “Por que não os utilizar?”, questiona Brasil.
Ainda de acordo com Alexandre Brasil, “a questão que se põe faz parte de uma estratégia da política internacional americana em dar precedência sobre os chamados direitos humanos de primeira geração, com foco na liberdade, e desconsiderar todo o avanço acumulado posteriormente que envolve tanto as questões sociais, como também ambientais, culturais e de participação social”.
Questionado se acredita no efetivo combate à intolerância religiosa no Brasil a partir da aliança internacional, Alexandre Brasil é enfático:
Já não estou mais na idade de acreditar em ações visivelmente marcadas por uma determinada agenda ideológica na linha da “cristofobia” anunciada por Bolsonaro em seu discurso na ONU. Essa é a agenda que está na mesa, à qual considero extremamente perigosa e prejudicial para as relações internacionais brasileiras.
Alexandre Brasil, doutor em Sociologia
De acordo com o especialista, há gargalos no sistema de proteção dos direitos humanos no Brasil e, ao invés de melhorias, houve desidratação de áreas de ministérios que estavam envolvidas com a temática no governo de Jair Bolsonaro.
O desafio brasileiro é enorme em relação à temática da liberdade religiosa. O foco e desafio do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos envolve considerar seriamente as ações previstas no último Plano Nacional de Direitos Humanos que possuem três pilares: o incentivo a criação de mecanismos públicos como secretarias, coordenadorias, conselhos e comitês para a promoção de discussões, reflexões e ações relacionadas a promoção do respeito à diversidade religiosa e para o suporte as vítimas. Há também questões que envolvem a necessidade de formação, iniciativas na educação básica, desenvolvimento de pesquisas populacionais e a formação dos servidores públicos que atuam no atendimento à população nas áreas de saúde, educação, assistência pública e segurança pública. Uma terceira frente seria a realização de campanhas e ações públicas visando sensibilizar e ampliar essa discussão. Infelizmente vemos o inverso a isso, com o desmonte de áreas nos Ministérios envolvidos com esta pauta como o da Educação. Uma total incapacidade e desinteresse por parte dos setores da área da cultura e, no caso dos Direitos Humanos, houve a extinção do Comitê que existia, sendo proposta a criação de um novo fórum com menor representação da sociedade civil e que ainda não saiu do papel. O novo comitê proposto tem como foco o tema da liberdade religiosa, sendo que o Brasil é reconhecido internacionalmente como o país campeão de liberdade religiosa no mundo em decorrência da inexistência de leis restritivas à criação e reunião em torno da religião. O nosso desafio, enquanto país, passa por identificar as questões que nos afligem em relação a existente intolerância religiosa e um marcado racismo religioso que tem se dado de forma violenta e segregacionista em relação às religiões afro-brasileiras. Isso precisa ter prioridade na agenda de qualquer esfera pública dedicada à promoção e defesa dos Direitos Humanos.
Alexandre Brasil, doutor em Sociologia
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O Coletivo Bereia categoriza a matéria publicada no portal Gospel Mais no dia 27 de setembro, intitulada: “Trump condena a perseguição religiosa e critica relação da OMS com a China” como enganosa. O veículo reproduz conteúdos, de fato, pronunciados pelo presidente dos Estados Unidos, mas não oferece aos leitores/as a informação de que são falsos.
Recentemente, o Bereia checou diversos conteúdos relacionados à disseminação de desinformações e notícias falsas no Brasil e no mundo envolvendo cristãos e o governo chinês, o que parece ser apenas uma das frentes de algo que vem sendo denominado como a Nova Guerra Fria, tendo a China e outras potências mundiais como protagonistas.
Ademais, o site gospel engana os leitores com um título que destaca o tema da perseguição religiosa, mas este foi apenas uma breve menção do presidente Donald Trump em seu discurso, que, na verdade, enfatizou as críticas à China, não tendo abordado questões referentes a religião.
O presidente Jair Bolsonaro, no dia 22 de setembro de 2020, lançou no seu discurso de abertura do encontro anual da Organização das Nações Unidas (ONU), um termo que teve repercussão na imprensa nacional e internacional. Após fazer digressões sobre a situação econômica do país, a crise ambiental, as consequências da pandemia, relações internacionais, com foco na Venezuela, o Sr. Presidente pronuncia a seguinte frase: “faço um apelo a toda a comunidade internacional pela liberdade religiosa e pelo combate à cristofobia”. O discurso continua em direção ao Oriente Médio, prestando solidariedade ao Líbano, atingido recentemente por uma explosão portuária e acenando para parcerias com o Estado de Israel. O discurso é encerrado com uma frase que declara o Brasil, um Estado laico, como sendo: “um país cristão e conservador e [que] tem na família sua base. Deus abençoe todos”.
Essa frase aparentemente solta, pronunciada por um chefe de Estado numa congregação mundial das nações, não é leviana e não pode passar despercebida. Como não passou pela reverberação de seus efeitos que se encontra na imprensa, em geral, e nas redes sociais, em particular. Cabe uma ponderação reflexiva sobre o que é e pode vir a ser uma cristofobia no Brasil. Será feita de forma catequética, que via perguntas e respostas, ajuda a focar na argumentação.
Mas, o que é cristofobia?
É uma narrativa cristã construída a partir de um sentimento de perseguição, ameaça e/ou ataque. Usado sem essas situações reais de perseguição que pode ser seguida de morte, ameaça a direitos de expressão religiosa e de ataque físico e simbólico a templos, igrejas, pessoas. O termo pode ser utilizado como uma estratégia retórica que afirma supremacia de uma maioria cristã e justifica perseguição para aqueles que não são maiorias demográficas, simbólicas e políticas. Enquanto estratégia retórica e sem base real e fundamento o termo “cristofobia” se torna um preconceito com suas consequências discriminatórias.
O termo pode ser aplicado ao Brasil?
NÃO.
O Brasil é um país com maioria histórica, demográfica e simbolicamente cristã. É o Cristianismo sua matriz cultural, a orientação de seu código de costumes e o horizonte jurídico que impregna direitos fundamentais garantidos por lei na Constituição de 1988. Ainda que por diversos motivos, entre eles de cunho político, tanto no passado remoto quanto no recente, tenham-se registrado perseguições a pessoas que se confessam cristãs, atualmente isso não é um fato. Mesmo assim, no passado essa perseguição não era explicitada como sendo uma perseguição religiosa em massa, nem se colocava o sistema jurídico, policial e/ou militar para a perpetrar. Atualmente o Brasil não pode ser enquadrado entre os países como a Índia e no Oriente Médio, nos quais existe, em diferentes graus, essa perseguição por motivos religiosos. Contudo, dentro do Cistianismo e fora não tem sido referido como cristofobia e sim como perseguição aos cristãos, como o próprio Papa Francisco se referiu no seu discurso à ONU em ocasião do seu 75º aniversário, na mesma data do pronunciamento do Sr. Presidente Bolsonaro.
Por que, então, utilizar o termo no Brasil?
A resposta é muito interessante e deve ser colocada no contexto do uso retórico. Assim, cristofobia pode ser aproximadamente datado às intervenções públicas do deputado federal Marco Feliciano, na Câmara dos Deputados desde 2011, conhecidamente por suas atitudes homofóbicas, quem perante as passeatas gay em São Paulo, desde 2015, vem reagindo de forma acusatória, indicando que essas manifestações são expressões de aberrações morais e desvios de comportamentos. Utilizar pública e aleatoriamente o termo cristofobia é pavimentar a ideia de que existe um ódio contra o cristianismo. Tal ódio, segundo os disseminadores do termo, é nutrido por minorias sociais, étnicas e demográficas (entre elas comunidades LGBTQ+, movimentos sociais, indígenas, negros, pobres e feministas) que ameaçam o moral e costumes cristãos e acalentam desejos de atacar os cristãos.
Cristofobia pode ser um termo perigoso?
SIM.
Porque, de um lado, coloca na pauta religiosa, social e da mídia um fenômeno que não existe no Brasil nem na América Latina. De outro lado, porque como todo preconceito esconde as diferenças internas que há nos grupos que ele estigmatiza, justifica sua exclusão e reforça uma visão de serem ameaçadores para a ordem moral estabelecida por um tipo de interpretação cristã. Que dito seja, não é consenso no Cristianismo, nem católico nem evangélico, pois ambos segmentos são profundamente plurais. Mais ainda, e aqui entra o elemento perigoso: ele justifica ameaçar, atacar e criminalizar aqueles que são alvo de sua perseguição em nome de uma inversão criada por esses grupos que reverberam o termo. Dito de outra forma: cristofobia é um álibi para perseguir a quem se disse perseguido. Álibi que historicamente sempre foi nefasto para a sociedade e a religião, basta lembrar a Inquisição e ler a História.
O portal Gospel Mais publicou, em 18 de setembro, notícia intitulada “TRF-2 pune juiz evangélico Marcelo Bretas por ir a culto ao lado de Bolsonaro”. O texto informa que o juiz Marcelo Bretas foi punido com censura pelo Tribunal Regional Federal da Segunda Região (TRF-2) por ter participado de um culto e da inauguração de uma obra ao lado do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e do prefeito do Rio de Janeiro Marcelo Crivella (Republicanos).
A notícia segue com a explicação de que Bretas, que julga os processos da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro, é evangélico e teria participado dos eventos como convidado. Gospel Mais explica que a punição é resultado de representação contra Bretas pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A OAB pediu que ele fosse punido por atuação político-partidária por comportamento incompatível com a função de juiz, por estas participações públicas, proibidas pela lei orgânica da magistratura.
Gospel Mais contextualiza negativamente a figura do presidente da OAB Felipe Santa Cruz, afirmando que ele fez carreira política como filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT), tendo sido candidato a vereador no Rio de Janeiro, sem ser eleito. O texto informa ainda que a representação contra Bretas foi assinada pelo próprio presidente da entidade, que alegou ter havido uma “afronta à vedação constitucional, como acompanhou a comitiva presidencial desde a chegada na cidade do Rio de Janeiro, publicando, ainda, postagens com manifestação e apreço nas redes sociais”.
O portal evangélico publicou uma nota de esclarecimento de Bretas, o que classificou como negação das acusações feitas por Felipe Santa Cruz:
“Recebi do Sr Presidente da República o honroso convite para acompanhá-lo em sua agenda oficial no Rio de Janeiro. Convite aceito, por orientação do Cerimonial, dirigi-me à Base Aérea do Santos Dumond (sic) para recepcionar o representante do Estado Brasileiro, e integrar a comitiva presidencial a partir de então. Esclareço que não fui informado de quantas e quais pessoas participariam das referidas solenidades (políticos, empresários etc), bem como que realizei todos os deslocamentos apenas na companhia do Sr. Presidente da República”.
nota de esclarecimento de Marcelo Bretas publicada por Gospel Mais
Gospel Mais não registrou a posição da OAB ou detalhou a decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região.
Antecedentes
Marcelo Bretas é juiz federal, responsável pela 7ª Vara Criminal de Justiça Federal na do Rio de Janeiro, alocado na Operação Lava Jato. O juiz ganhou projeção quando encaminhou prisões de personagens de destaque como o ex-governador do Rio Sérgio Cabral (MDB) e o empresário Eike Batista.
Nos trilhos da Operação Lava Jato, ganhou o apelido de “Sérgio Moro carioca”, imagem reforçada quando, em 18 março de 2019, assinou o pedido de prisão do ex-presidente Michel Temer. Ativo nas mídias sociais, no mesmo dia, Bretas postou em sua conta no Twitter a foto de uma construção arruinada com um versículo da Bíblia, do livro dos Provérbios: “A soberba precede a ruína, e a altivez do espírito precede a queda”.
O juiz é evangélico, da Comunidade Evangélica Internacional da Zona Sul, no bairro do Flamengo, onde mora, e tem um irmão pastor. Foi destacado no noticiário, em 2016, o fato de ele ter citado um versículo da Bíblia, do livro de Eclesiastes, na decisão que autorizou a operação Calicute, quando Cabral foi preso, em novembro. “Por que será que as pessoas cometem crimes com tanta facilidade? É porque os criminosos não são castigados logo”, diz o texto citado na decisão, retirado de Eclesiastes 9.11.
Marcelo Bretas declara separar trabalho e religião, mas nem todos o avaliam desta forma. Em depoimento à reportagem da BBC Brasil, um advogado que preferiu não se identificar, a religiosidade e um “senso de justiceiro” interferem na atuação de Bretas como juiz, que considera “desequilibrada”. “Ele tem a Bíblia sobre a mesa, e não a Constituição Federal”, afirma. “Ele julga as pessoas como se fosse emissário de uma divindade, decidindo se perdoa ou não perdoa”, critica.
Em 2019, Marcelo Bretas fez postagem no Twitter, questionando a independência entre os Poderes da República. Ele fez oposição entre um filósofo do Iluminismo, Montesquieu, e suas orientações históricas no campo do poder público, e Isaías, um profeta da Bíblia.
O juiz, mais recentemente, passou a expor alinhamentos políticos e foi marcado por envolvimento em diversas polêmicas. Em 2018, esteve em controvérsia no Twitter sobre a questão do auxílio-moradia. Uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 2014, proíbe o pagamento do benefício para os dois membros de um casal, mas a Folha de S. Paulo, em matéria, em 2018, revelou que Bretas e sua esposa, também juíza, que têm imóveis próprios, recebiam o auxílio de R$ 4.377,00 cada um, alcançado depois de entrarem com ação na Justiça contra a resolução do CNJ.
No mesmo ano de 2018, a revista Piauí publicou reportagem com o levantamento do patrimônio imobiliário construído pelo casal no valor de 6,4 milhões de reais, que inclui imóveis comerciais e três apartamentos residenciais na Zona Sul carioca, sendo que o que serve de residência para o casal foi adquirido no valor de R$ 5 milhões.
Ao longo da campanha para as eleições presidenciais de 2018, Bretas curtiu algumas postagens do então presidenciável Jair Bolsonaro (PSL), e compartilhou notícias que promoviam o candidato. Uma delas apresentava pesquisa eleitoral em que Jair Bolsonaro aparecia na frente, sobre a qual Bretas acrescentou os dizeres: “É chegada a hora da decisão. Participemos todos do processo eleitoral. Informe-se e escolha seus candidatos”. Em outro momento, o juiz curtiu uma publicação do próprio candidato em que exaltava o sistema educacional na Coreia do Sul.
“Sou livre para ‘curtir’ postagens, inclusive de candidatos a cargos políticos. Já ‘curti’, inclusive, postagens de outra candidata ao mesmo cargo”, disse o juiz, em referência a Marina Silva (Rede)”. De acordo com a lei da magistratura, juízes são proibidos de se manifestar sobre política. Diante das críticas, que avaliam o apoio a Bolsonaro por questões ideológicas mas também por interesses do juiz em nomeação futura para o Supremo Tribunal Federal, Marcelo Bretas apagou as postagens.
Em janeiro de 2019, depois das eleições, Bretas revelou apoio tanto ao presidente Jair Bolsonaro quanto ao governador eleito do Rio de Janeiro Wilson Witzel. Registrou aplausos à convocação feita por Bolsonaro a seus seguidores para a posse, e postou uma foto apertando a mão de Witzel e desejando-lhe sucesso. “Que Deus o oriente e abençoe”, escreveu.
O caso do juiz Marcelo Bretas noticiado pelo Gospel Mais
O caso julgado pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (RJ e ES), noticiado pelo site Gospel Mais, diz respeito ao comportamento do juiz Marcelo Bretas, por meio da participação dele, em 15 de fevereiro de 2020, ao lado do presidente Jair Bolsonaro e do prefeito do Rio de Janeiro Marcelo Crivella, da inauguração da ligação da Ponte Rio-Niterói com a Linha Vermelha e de um evento da Igreja Internacional da Graça de Deus, na Praia de Botafogo.
A representação ao TRF2 (ao qual o juiz está submetido), contra a postura que compromete o papel de juiz, foi feita pelo Conselho Federal da OAB ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no mesmo fevereiro de 2020. O então Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Humberto Martins, determinou que a Corregedoria Regional da 2ª Região apurasse as acusações.
Após apuração, o julgamento do caso ocorreu em 17 de setembro de 2020, pelo Órgão Especial do TRF2. Por 12 votos a 1, os ministros concluíram que Bretas praticou os atos de superexposição e autopromoção e o condenou à pena de censura. As condutas são proibidas pelos artigos 3º, II, “a” e “b”, e 4º, IV, da Resolução 305/2019 do Conselho Nacional de Justiça, e 13 do Código de Ética da Magistratura.
O relator do caso, desembargador Ivan Athié, afirmou que os eventos não tinham relação com o Poder Judiciário, para justificar a presença de um juiz. Portanto, a participação de Bretas ao lado de Bolsonaro e Crivella representou sua proximidade com os políticos, o que coloca em xeque sua imparcialidade. O desembargador acrescentou que o juiz fez questão de divulgar os eventos em suas mídias sociais.
O Ministro Athié também apontou que Bretas entrou em contradição ao alegar que não sabia que haveria a inauguração da ligação da ponte Rio-Niterói com a Linha Vermelha, mas só o culto evangélico. Isso porque o próprio juiz anexou, em sua defesa, documento do gabinete pessoal da Presidência da República que informava a ocorrência do evento. Dessa maneira, o relator entendeu que Marcelo Bretas praticou os atos de superexposição e autopromoção.
No entanto, o magistrado não acatou parte da representação da OAB que afirmava que o juiz exerceu atividade político-partidária. Athié entendeu que acompanhar presidente ou prefeito em inauguração de obra pública fora do período eleitoral não configura essa infração, conforme precedente do Conselho Nacional de Justiça.
O vice-presidente do Órgão Especial, desembargador Messod Azulay Neto, ressaltou que Marcelo Bretas não poderia ir aos eventos, pois ele transmitiu a imagem de representar o Judiciário, o que só poderia ser feito pelo presidente do TRF-2 Reis Friede, ou quem fosse indicado por ele. Discordando de Athié, Azulay Neto entendeu que a presença de Bretas em eventos ao lado de Bolsonaro e Crivella representa, sim, apoio a esses políticos. O desembargador também criticou a exposição excessiva do juiz federal.
“Eu não sei dizer o nome, por exemplo, do juiz da “Lava Jato” de São Paulo ou de Brasília. Nunca vi os desembargadores Abel Gomes, relator, Paulo Espírito Santo, revisor, ou Ivan Athié, que integram a 1ª Turma Especializada do TRF-2 [que julga processos da Operação], se manifestarem sobre qualquer processo da ‘Lava Jato’. Isso é um comportamento adequado.”
Desembargador Messod Azulay Neto
O desembargador federal Guilherme Couto de Castro afirmou que o procedimento administrativo disciplinar contra Bretas não enfraquece a Operação Lava Jato, e sim, reforça a imagem republicana do Judiciário.
A desembargadora Simone Schreiber disse que diversos corregedores do TRF-2 alertaram Bretas anteriormente sobre o risco de seu comportamento para a imagem da Justiça.
“Por cuidar da ‘Lava Jato’, que tem vários políticos envolvidos, a sua [de Bretas] responsabilidade é aumentada. Ele deve se conduzir de maneira reservada, se preservar, não permitir que políticos capitalizem para si resultados da ‘Lava Jato’. Não pode parecer que está dando apoio a segmentos políticos. Isso gera descrédito sobre a atuação do tribunal”
Desembargadora Simone Schereiber
Ela também opinou que magistrados não deveriam ter poder para decidir a destinação de recursos recuperados em processos. Segundo a desembargadora, isso permite uma aproximação indevida de juízes com políticos, como ocorreu com Bretas e militares, como o ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República Augusto Heleno, e políticos, como o prefeito Crivella. Simone Schreiber alerta que o presidente está sempre em atividade político-eleitoral, e que Crivella irá disputar a reeleição neste ano.
O TRF2 decidiu, por fim, que o juiz Marcelo Bretas praticou os atos de supexposição e auto-promoção e prejudicou a imagem da Justiça. De acordo com a Lei Orgânica da Magistratura (Loman), a pena de censura será aplicada reservadamente, por escrito. “O juiz punido com a pena de censura não poderá figurar em lista de promoção por merecimento pelo prazo de um ano, contado da imposição da pena.” Por fim, não foi aplicada pena para imputação de prática de atividade político-partidária que resultaria em punição mais severa.
Avaliação
O Coletivo Bereia ouviu o jurista, professor de Direito Internacional da Universidade de Brasília e ex-Ministro da Justiça Eugênio Aragão sobre o caso. Ele declara que:
“A punição do juiz federal Marcelo Bretas pelo TRF 2, uma iniciativa correcional, que foi provocada pela OAB Federal, se deu em virtude do juiz se comportar de forma absolutamente incompatível com o decoro do cargo. O juiz não poderia, como personagem isento e imparcial, que deva ser, se reunir com o Presidente da República, publicamente, em ato ostensivo de apoio político”.
Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça
Sobre a possibilidade de perseguição religiosa, Eugênio Aragão afirma:
“Dizer que ele teria sido alvo desta medida sancionatória, em virtude da sua religião, porque teria participado de um culto religioso com Jair Bolsonaro, seria uma tremenda de uma distorção. Poderia ser um culto religioso, poderia ser a inauguração de uma placa, poderia ser a passagem de vista numa tropa, poderia ser qualquer coisa. Este tipo de apoio político é que é incompatível com a atitude que se espera de um magistrado. Absolutamente incompatível”.
Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça
Bereia ouviu também a Dra. Tânia Maria de Oliveira, assessora jurídica no Senado, pesquisadora do Grupo Candango de Criminologia, da Universidade de Brasília e integrante da Coordenação Executiva Nacional da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia. A jurista orienta:
“Não há o que falar de qualquer conteúdo de perseguição religiosa e nem tão pouco de atentado à liberdade de expressão. O juiz Marcelo Bretas participou de eventos de inauguração de obra, que é inerente à atuação do Poder Executivo, e não tem nenhuma relação com a atuação do Poder Judiciário. Logo, assume o caráter de participação política e não de atuação de um magistrado que esteja no campo da licitude e até de sua liberdade de manifestação. Houve até a manifestação de alguns desembargadores, dizendo que diversos corregedores do TRF alertaram Marcelo Bretas sobre o risco do seu comportamento para a imagem da Justiça”.
Dra. Tânia Maria de Oliveira, assessora jurídica no Senado Federal
Sobre o que significa esta decisão do TRF2 para o momento em que vive o Brasil, o ex-Ministro da Justiça Eugênio Aragão avalia:
“Está corretíssimo, neste momento no Brasil, em que as coisas estão fora do lugar, punir um juiz por causa disto. Temos que dar um basta a este tipo de ativismo judicial político. O Judiciário não é lugar de se fazer política partidária. Se quiser fazê-lo, saia de seu cargo e vá concorrer a um cargo eletivo, assim como o ex-juiz Wilson Witzel fez, e que talvez o ex-juiz Sérgio Moro venha a fazer, mas não faça política enquanto investido no cargo. Este é o recado dado com toda propriedade pelo Tribunal Federal Regional da 2ª Região”.
Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça
Já a assessora jurídica do Senado e pesquisadora do Direito Tânia Maria de Oliveira indica:
“Esta ação importa, na verdade, porque existem hoje práticas realmente nefastas para a administração da Justiça e até para a aplicação da boa justiça por determinados juízes, que adotam comportamentos iminentemente políticos e em busca de notoriedade. O Brasil, infelizmente, tem vivenciado muito isto nos últimos tempos. É muito importante que o TRF 2, ao qual o juiz Bretas é ligado, esteja prestando atenção à atuação dele, desviante, em busca de notoriedade, e tenha, neste caso, aplicado uma pena que é branda, de censura, mas que importa para se saber que a atuação dele tem sido verificada e acompanhada pelos desembargadores ao qual ele é vinculado”.
Dra. Tânia Maria de Oliveira, assessora jurídica no Senado Federal
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Com base nesta verificação, o Coletivo Bereia classifica a matéria do Gospel Mais sobre a punição recebida pelo juiz Marcelo Bretas como enganosa. O site de notícias evangélicas reporta um caso de fato ocorrido, a punição do juiz, mas distorce a informação para levar leitores/as à noção de que ele foi punido simplesmente por ter participado de um culto evangélico, o que se caracterizaria como perseguição religiosa. Além disso, Gospel Mais emite opinião embutida em material que se apresenta como noticioso, ao atribuir ao presidente da OAB, autora da representação contra o comportamento do juiz, motivação político-partidária no ato. A matéria também não explica aos leitores/as em que bases se deu a decisão do TRF2, nem reportou os antecedentes na postura de Marcelo Bretas que levaram a tal representação, julgada com punição, que em nada têm relação com religião.
O Coletivo Bereia segue indicando a leitores e leitoras que uma forma de enfrentar a disseminação de desinformação, como a que está indicada nesta notícia do Gospel Mais, é não se conformar com o que veicula apenas uma fonte, mas verificar o que outros veículos noticiosos credenciados informam, como foi feito nesta matéria desenvolvida pelo Coletivo Bereia.
De acordo com a notícia, Jackson Augusto teria dito que o The Send pretende catequizar o Brasil e não tem motivação religiosa, mas meramente política.
O que é The Send
“The Send” é um projeto do “The Call Ministries” Ministério O Chamado, criado em 2001, pelo evangelista Lou Eagle, fundador da International House of Prayer [Casa Internacional de Oração]. O The Call foi uma série de eventos religiosos evangélicos, realizados para jovens em estádios, com shows musicais, orações e pregações religiosas com foco em questões morais. Os eventos de Eagle reuniam centenas de milhares de pessoas com participantes de vários países. Permeado por discursos políticos classificados como conservadores, o The Call alcançou simpatia da Direita Cristã. Matéria do jornal Daily Kos, de 2010, identificou o pregador como “líder de oração não oficial do Partido Republicano. Lou Eagle tornou-se até personagem de três produções religiosas em filme.
Algumas das casas de oração que Lou Eagle espalhou pelos Estados Unidos estão alocadas em locais estratégicos para a pregação contra o direito ao aborto, de onde organiza protestos públicos. Um dos eventos do The Call foi realizado na África, em Uganda, em 2010, onde o pregador exaltou a lei local anti-homossexualidade, em estudo à época, que previa prisão perpétua ou pena de morte para gays e lésbicas com AIDS que têm relações sexuais, pelo qual recebeu muitas críticas.
O The Call agregou grupos evangélicos de diversos países, em 2019, com o objetivo expandir sua atuação para “reevangelizar a América”, cumprindo a missão dada por Jesus Cristo, com a exportação da experiência estadunidense. O projeto foi, então, extinto para a criação do “Lou Engle Ministries”, que criou nova iniciativa, The Send, cujo público-alvo continuam sendo jovens, com foco em alunos de universidades e escolas, considerados dois campos missionários, somados a outros dois: famílias e nações.
O projeto conta com o apoio das organizações dos Estados Unidos Youth With a Mission (YWAM) Jovens com Uma Missão – JOCUM, fundada em 1960, presente no Brasil há vários anos; da Lifestyle Christianity, organização criada em 2014 pelo evangelista Todd White; e Christ for All Nations, organização evangelística criada em 1974 para atuar inicialmente na África e depois passou a realizar o que denomina “cruzadas” (eventos de massa) pelo mundo.
Em 2020, foi realizado o The Send Brasil, em 8 de fevereiro, em três estádios de futebol lotados (dois em São Paulo e um em Brasília), com venda de ingressos com baixo custo e inscrições on line. Os eventos, com 12 horas de duração, foram organizados com o apoio do Dunamis Movement, um movimento brasileiro paraeclesiástico originado da JOCUM, cujo alvo é a juventude.
Caracterizado por rica infraestrutura, o The Send Brasil teve mescla de apresentações musicais dos Estados Unidos e das mais destacadas do gospel do Brasil, com pregações religiosas de personagens estadunidenses e de evangélicos conservadores brasileiros. O evento de Brasília contou com as presenças do Presidente Jair Bolsonaro e da Ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, a Pastora Damares Alves, o que afirmou o caráter e a linha política do projeto.
Havia um The Send programado para a Argentina, em 25 de abril de 2020, no Estádio José Amalfitani, em Buenos Aires. Com as medidas preventivas contra a Covid-19, o evento foi adiado para 2021, mas o The Send Brasil realizou um evento online na data, com 12 horas de duração, com o mesmo tipo de programação realizada nos estádios com cantores e pregadores dos Estados Unidos e do Brasil. Até a data de conclusão deste trabalho, o vídeo havia sido assistido por três milhões de pessoas.
Todas as organizações que apoiam o The Send têm escolas de formação cristã e para missionários jovens e oferecem conteúdo online. O The Send também está organizando suas próprias escolas para os jovens sul-americanos. Por meio das inscrições para os eventos, foi criada uma mala-direta de milhares de contatos.
A Questão política no The Send
O autor do vídeo crítico ao The Send é Jackson Augusto, jovem produtor de conteúdo do Afrocrente, podcaster no afrocrentescast e ativista da teologia negra no Brasil. Integra a coordenação nacional do Movimento Negro Evangélico e é membro do colegiado nacional do Miqueias, rede global de evangélicos comprometidos com a justiça social.
Jackson afirmou, no vídeo que faz parte de uma série sobre os evangélicos, para o The Intercept, que a intenção do The Send seria meramente política. A crítica feita pelo ativista se refere ao que ele denomina uma “espiritualidade individualista e meritocrática”, que ignora questões como opressão, racismo e perseguição aos direitos humanos.
Em depoimento ao Portal Roma News, a cantora gospel Gabi Sampaio, que esteve presente no evento, afirmou que as palestras realizadas trataram assuntos como evangelização em escolas, universidades e comunidades carentes e conscientização sobre adoção e seus impactos.
No vídeo que produziu em resposta à publicação do Intercept, o representante do The Send Henrique Krigner, argumentou que o evento tratou de assuntos como adoção de crianças e adolescentes, tráfico humano e violência doméstica.
A respeito da adoção falaram Todd White (Lifestyle Christianity), Mike Gallagher (Chosen and Dearly Loved), Damares Alves (Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos) e Heidi Baker (Iris Global). White falou de sua experiência.
Já Christine Caine, da The A21 Campaign, tratou de tráfico humano. Ela falou das ações tomadas por sua organização e relatou as situações por quais passam as mulheres vítimas desse crime (o exemplo dado foi de um caso na Grécia). Além disso, ela orou para que pessoas no estádio se comprometessem a lutar por causas como pobreza, tráfico humano e escravidão.
Todas essas participações aconteceram entre o fim da quinta e começo da sexta hora de evento no Morumbi.
A juventude e a política
No entanto, Jackson afirmou que as igrejas miram os jovens “porque a lógica neoliberal dessas igrejas precisa de uma juventude que seja massa de manobra política mesmo, porque ainda não tem muita formação crítica”. Em entrevista cedida ao Portal PB Agora, o professor doutor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e cientista político Lúcio Flávio, afirma que “é um erro achar que os jovens não gostam de política. Na verdade, o que eles não querem é participar das formas tradicionais da política”.
O especialista destaca que não basta ficar esperando que a sociedade se preocupe da noite para o dia, com os anseios e demandas da juventude. Os próprios jovens precisam desde a escola, interessar-se por política e atuar diretamente, cobrando responsabilidades de governantes, propondo ações e participando de fóruns, conselhos e processos eleitorais.
Em 2018, ano em que foram realizadas as últimas eleições no Brasil, houve aumento na porcentagem de jovens de 16 e 17 anos que tiraram título de eleitor. Segundo dados analisados pelo jornal Folha de S. Paulo a partir de números divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), 29,5% desta faixa etária se encontrava apta para votar. O que corresponde a 250 mil novos eleitores. Houve um aumento em comparação a 2014, eleição que elegeu Dilma Rousseff, quando foi registrada a porcentagem de 23,9%.
O interesse de jovens, de acordo com especialistas ouvidos pela Folha, tem relação com a forte presença deste público em redes sociais, ambiente em que políticos divulgam suas propostas, repercutem notícias e fazem pronunciamentos em tempo real (as chamadas lives).
Outra questão é a identificação dos jovens com temas de cunho social. Entrevistado pela Folha, o professor e pesquisador do Departamento de Gestão Pública da FGV Marco Teixeira, afirma que, “para o senso comum vivemos um período de descrença política, mas vemos engajamento dos jovens em coletivos, não em partidos, identificados com temas como feminismo, questões LGBT e ambiental, por exemplo”. Também entrevistado pela Folha, o consultor político e advogado da Hold Assessoria Legislativa, Álvaro Maimoni, defende que a intensificação do debate político, principalmente após o impeachment de Dilma em 2016, também influencia os jovens.
Segundo Maimoni, os jovens que se encontram na faixa etária de 16 anos cresceram acompanhando notícias sobre corrupção em órgãos públicos. “Sempre escutaram coisas como ‘nós temos que acabar com a corrupção’ e compraram essa ideia”, conclui.
Participação da ministra Damares Alves
Jackson exemplifica a dimensão política do evento com as presenças do Presidente Jair Bolsonaro e da ministra da Mulher, Família e Direitos Humano Damares Alves, como, de fato, ocorreu. Foram os únicos políticos que falaram no evento.
Em resposta, Henrique Krigner afirmou que a ministra foi convidada não só por ser ministra, mas também pelo fato de o evento ter tratado de temas ligados à sua pasta, como adoção e tráfico humano. Antes da fala da ministra, Todd White deu um relato pessoal de sua experiência como pai adotivo e Mike Gallagher discorreu sobre adoção, convivência familiar e projetos que estimulam a prática. Em sequência a Damares, Heidi Baker relatou uma experiência pessoal vivida na infância para demonstrar a ligação entre amor familiar e amor divino.
Durante o evento no estádio do Morumbi, a ministra fez um apelo para a igreja evangélica a respeito da adoção e convocou os jovens a exercerem o papel de agentes de mudança na sociedade e na Igreja.
Como era um evento voltado para jovens, Bereia verificou quais são os temas que mais preocupam em relação à realidade deste grupo social. Pesquisas indicam que adoção e tráfico humano não são questões-chave, mas educação, emprego e violência.
Segundo o relatório “Competências e Empregos: Uma Agenda para a Juventude”, divulgado pelo Banco Mundial em março de 2018, um em cada dois jovens brasileiros corre o risco de ser vulnerável à pobreza. Nesse dado entram 25 milhões de pessoas desengajadas da produtividade, seja elas “nem-nem” (não trabalham, nem estudam), estudantes (mas com atraso em sua formação) ou trabalhadoras (mas na informalidade).
Já o Atlas Brasileiro da Violência 2019 mostra que mais da metade das vítimas de homicídio no Brasil são jovens entre 15 e 29 anos (35,7 mil de 65,6 mil). O estudo é feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) com base em dados do Ministério da Saúde com base nos dados do Ministério da Saúde.
Esta verificação dos temas-chave para a juventude no Brasil corrobora a crítica de Jackson Antunes sobre o The Send destacar temas e dar voz a políticos com ênfases que não correspondem ao que são as necessidades mais prementes de jovens brasileiros e acabam denotando campanha política.
Bolsonaro no The Send
Já o presidente Jair Bolsonaro, de acordo o vídeo-defesa de Krigner, não foi convidado pelo evento, mas participou espontaneamente. Questionado nos comentários do vídeo publicado no IGTV a respeito do porquê o presidente discursou, Krigner respondeu:
“Bolsonaro desceu as escadas com lágrimas nos olhos dizendo “estou sendo muito tocado. Posso dar uma palavra?”. Foram essas as palavras que ele usou e, diante disso, cedemos o espaço. Escrevo isso com frio na barriga, pq são detalhes de backstage que ninguém conhece. E te garanto com toda sinceridade: se fosse Dilma, Lula, FHC ou qualquer outro que com olho marejado nos fizesse esse pedido nós daríamos o mesmo espaço. É o momento que sai a “figura pública” e entra o ser humano por detrás do título. Foi lindo e agradeço a Deus por ter sido parte desse episódio que pra mim marca uma nova forma de impacto e influência na relação de crentes com líderes públicos.”
Em Brasília, Bolsonaro discursou para o público do The Send por cerca de quatro minutos. O Presidente afirmou que o público do evento [se referindo aos evangélicos] foi o ponto de inflexão em 2018 para mudar o Brasil. Além disso, ele afirmou que “o Estado até pode ser laico, mas Jair Bolsonaro é cristão” e que seu governo é temente a Deus. Por volta da oitava hora do evento no Morumbi, o preletor Todd White anunciou que Bolsonaro tinha confessado a Cristo, fez uma oração para que o presidente fosse batizado no Espírito Santo e ainda disse que essa decisão muda todo o país.
É verdade que o voto evangélico foi fundamental para a vitória de Bolsonaro em 2018. No entanto, o The Send não foi a primeira ocasião em que o Presidente teria “confessado a Cristo” ou “aceitado a Jesus”. O Bereia já realizou verificação a respeito da imprecisão dessa afirmação, uma vez que o presidente mantém uma postura ambígua em relação a sua religiosidade.
Posicionamentos de lideranças
Em entrevista concedida à cantora e compositora gospel Zoe Lilly, em 08 de outubro de 2019, Henrique Krigner afirma que política é um assunto que sempre o interessou e traz seu posicionamento em relação à política e religião, trazendo por base as eleições presidenciais de 2018.
Para Krigner, as eleições de 2018 exigiram um posicionamento mais enfático por conta da Igreja. “Pela primeira vez a Igreja se reuniu em torno de um candidato em termo de presidência para votar”. Esse posicionamento, “é uma reação à máquina que foi implantada no país. A sociedade está atenta a este processo”, afirma.
No seu canal do Youtube, Krigner pauta temas ligados à política e religião, como a oposição ao Movimento Lula Livre, a pautas do STF, apoio à campanha eleitoral de Bolsonaro em 2018 e como o cristão deve escolher seus representantes. Em vídeo postado em 08 de novembro de 2019, Krigner deixa clara sua posição crítica ao Supremo Tribunal Federal (STF), ao refletir sobre prisão e votação em segunda instância, utilizando por exemplo o caso do ex-presidente Lula.
Henrique fez críticas ao Supremo em outros momentos em suas mídias sociais. Em sua página no Facebook, ele publicou em 24 de julho de 2020 o seguinte texto acompanhado por foto:
“Faz sentido uma instituição em que o mesmo juiz acusa e investiga um processo do qual ele se entende como vítima? Por quê uma decisão como essa não é tomada por um colegiado? #stf #alexandredemoraes”.
Em vídeo postado em 15 de novembro de 2019, Krigner responde os comentários referentes a um vídeo anterior sobre o Movimento Lula Livre. Neste último vídeo postado em novembro de 2019, em aplicativo vinculado ao Instagram, Henrique argumenta que é contraditório um jovem cristão defender o Movimento, pois choca com princípios básicos da ética cristã, como honestidade e respeito ao próximo.
O líder alerta para o retrocesso que o Movimento simboliza, no sentido de representar o desrespeito a Constituição e perda de confiança no trabalho desenvolvido por órgãos do Poder Judiciário brasileiro. No contexto das últimas eleições foram produzidos vídeos com o objetivo de esclarecer o público acerca de temas desde funcionamento da urna eletrônica, candidatos que concorreram ao pleito daquele ano e até direitos como cidadão brasileiro, desenvolvendo a conscientização de indivíduos participantes da construção do próprio país, cientes dessa missão.
O último vídeo publicado no canal foi uma resposta ao vídeo divulgado pelo The Intercept Brasil sobre o The Send.
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Bereia conclui que a notícia do Portal do Trono é verdadeira, pois o The Send é, de fato, criticado na análise crítica publicada em vídeo por Jackson Antunes no Intercept. O Portal do Trono deu voz à defesa do promotor do evento Henrique Krigner, em sua notícia, mas não ouviu Jackson Antunes ou levantou dados referentes às críticas que o site noticioso classifica como “acusações”.
Circula em grupos católicos e evangélicos nas mídias sociais um vídeo sobre a suposta Operação Storm, que investigaria uma rede de pedofilia internacional. Uma das versões do vídeo foi publicada originalmente no canal de Cristina Daflon no YouTube. O vídeo gera alerta e começa com a seguinte introdução:
“A Operação Storm entrou com João de Deus. Foi descoberta a rede de pedofilia internacional americana que vem de Hollywood, esse pessoal todinho lá. A ministra Damares tem feito muitas investigações e agora parece que as coisas estão fluindo, tem havido muito mais debate sobre isso. Cuidem de seus filhos, não confiem em ninguém.”
A suposta Operação Storm é uma fake news que tem se propagado em diversas versões nos últimos dias, principalmente em correntes no WhatsApp. Segundo o site Boatos.org, alguns conteúdos dizem que a Operação Storm está prendendo opositores de Jair Bolsonaro e do presidente americano Donald Trump.Já outra corrente afirma que foram presos 24 ministros, senadores, deputados e governadores, incluindo o presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia (DEM/RJ) e o presidente do Senado Federal Davi Alcolumbre (DEM/AP). Há ainda outra versão que, como a do vídeo, afirma que a Operação Storm está investigando uma rede de pedofilia internacional. Entretanto, todas as versões são falsas.
Bereianão encontrou menção sobre a Operação Storm em nenhum veículo oficial ou agência de notícias nacional ou internacional, somente notícias enganosas, produzidas com objetivo de desinformar. Também não é verdade que Rodrigo Maia, Davi Alcolumbre ou os opositores a Bolsonaro e Trump foram presos.
O vídeo da ministra Damares Alves
No vídeo analisado, depois da introdução sobre a falsa Operação Storm, a YouTuber retoma um vídeo da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos Damares Alves sobre pedofilia. No entanto a fala da ministra não se refere à Operação Storm.
Damares Alves estava, na ocasião, em um evento do BNDES, onde foi chamada a comentar sobre projetos de saneamento básico. Em meio a sua fala pediu que os governadores envolvidos ajudassem o projeto Abrace o Marajó. O projeto, que teve início em 12 de julho de 2019, visa à promoção de direitos humanos entre as populações marajoaras, uma etnia ribeirinha amazônica. Em nenhum momento da apresentação da ministra é citado o projeto, cita a Operação Storm ou o apoio de forças dos EUA.
Damares ainda afirma, no vídeo, estar sendo perseguida por uma rede de crime organizado, e que os ataques a sua pasta se dariam por estar indo contra o comércio de imagens de estupro infantil. Sobre o projeto, no entanto, não apresentou nos resultados qualquer investigação contra rede de pedofilia. No âmbito jurídico, à época, foram realizados 277 processos (um procedente, 52 improcedentes, 212 acordos e 12 extintivas). Em resumo, o vídeo utilizado pela youtuber Cristina Daflon é retirado de contexto para dar credibilidade ao conteúdo que ela divulga, estratégia comum em fake news.
Operação Storm: um esquema de desinformação
A mentira da “Operação Storm” faz parte de um conhecido esquema de desinformação: se definir como oposto de um inimigo imaginário. O pesquisador João Cezar de Castro Rocha aponta como teorias da conspiração e inimigos invisíveis têm sido usados como retórica política para inflamar discursos de extrema direita, no caso do Brasil, os bolsonaristas. Em entrevista para o canal O Meio (11 de agosto) o professor explica que, para a narrativa bolsonarista, é necessário haver um inimigo a ser combatido, e a imagem de pedófilos têm um apelo forte nesse sentido.
Ainda há muitas semelhanças entre as notícias sobre a suposta Operação e o raciocínio dos Q-Anon americanos. O grupo de conspiracionistas já teve suas contas excluídas do Twitter e foram noticiados amplamente na mídia. Em resumo, os “Q’s” – gíria para usuários anônimos das redes – acreditam que o presidente Donald Trump estaria atuando contra o deep state (“Estado Profundo”), uma seita satânica que consome fetos humanos abortados. O movimento tem preocupado o serviço de inteligência dos EUA, o FBI como um movimento radical e, no Brasil, foi satirizado em uma edição do programa Greg News, lançado no dia 14 de agosto,
Segundo o pesquisador Richard Miskolci no artigo “Pânicos morais e controle social – reflexões sobre o casamento gay”, a construção de bases políticas conservadoras e de extrema direita, e a adesão a elas, têm sido conquistadas por meio do pânico moral, da retórica do medo, para gerar insegurança e promover afetos.
Pânicos morais são fenômenos que emergem em situações nas quais sociedades reagem a determinadas circunstâncias e a identidades sociais que presumem representarem alguma forma de perigo. São a forma como a mídia, a opinião pública e os agentes de controle social reagem a determinados rompimentos de padrões normativos e, ao se sentirem ameaçados, tendem a concordar que “algo deveria ser feito” a respeito dessas circunstâncias e dessas identidades sociais ameaçadoras. O pânico moral fica plenamente caracterizado quando a preocupação aumenta em desproporção ao perigo real e geral (Miskolci, 2007).
Pesquisas científicas, como a de Richard Miskolci, indicam a circulação de intensa quantidade de material desinformativo, baseado em pânico moral e medo para disseminação de conteúdos que se revertem em apoio a grupos políticos de extrema direita, o que se pode identificar no vídeo verificado nesta matéria.
Bereia conclui que a Operação Storm não existe, trata-se de uma notícia falsa produzida com objetivo de enganar e causar desinformação. Além disso, a narrativa sobre pedofilia que circula pelas mídias sociais, produzida por grupos de extrema-direita, evoca uma abordagem de pânico moral, tratando um problema sério de forma irresponsável e baseado em mentiras.
A posse do pastor presbiteriano Milton Ribeiro, no dia 16 de julho, como ministro da Educação coloca em evidência a força e o encaixe elitista dos protestantes tradicionais no governo Bolsonaro. Se a ação dos pentecostais ligados à prosperidade-empresarial, tal como Macedo e Malafaia, é ruidosa e sempre foi notória, os protestantes tradicionais, tais como os batistas e presbiterianos, tiveram sua força amplificada com o advento da pandemia.
Os movimentos do governo indicam que aos protestantes tradicionais cabe a parte “mais intelectualizada” da gestão, tendendo a assumir o setorial “jurídico-educacional”, áreas mais teóricas e técnicas. Assusta a percepção do perfil comum dos protestantes ao aderirem ao governo carimbem o projeto autoritário e genocida como de Bolsonaro, colorindo sua gestão com uma face banal, como a do religioso vizinho do lado. Destaca-se que esse encaixe de protestantes tradicionais na gestão de Bolsonaro serve, sobretudo, para amplificar suas pautas elitistas.
Sim, os protestantes tradicionais estão assumindo as áreas mais técnicas porque, entre os evangélicos, são os que têm um largo histórico de formação educacional dos mais ricos. Basta lembrar a trajetória já centenária de seus colégios e seminários teológicos no país. Estrategicamente, esses colégios confessionais ajudaram na formação das classes médias urbanas das grandes metrópoles brasileiras. Cito o exemplo do Colégio Batista Shepard, anexo do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, na área nobre da Tijuca, na zona norte do Rio de Janeiro.
Portanto, se é evidente que se os evangélicos são parte fundamental do governo Bolsonaro, sua fração mais ligada ao ethos das camadas médias tomou a frente da operacionalização “ideológica” do estado cerceador cristofascista. Na pandemia, esse arranjo de forças pernósticas ficou mais evidente chamando a atenção o perfil técnico e discreto dos protestantes bolsonaristas.
Presbiterianos e batistas no jurídico-educacional cristofascista pandêmico
A tomada de posição do governo em direção aos presbiterianos e batistas não pode ser compreendida como ocasional. Está relacionada com a força da Frente Parlamentar Evangélica, junto ao núcleo duro do governo. Diferentes dos líderes pentecostais ligados à teologia da prosperidade, esses protestantes têm um perfis mais discretos. Representantes exemplares da concepção tradicional de família, facilmente passam despercebidos da grande maioria da população brasileira.
Também não pode ser desprezado que presbiterianos e batistas já ocupam liderança do governo Bolsonaro como, por exemplo, a própria ministra da Mulher, Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, que é pastora da Igreja Batista da Lagoinha. Contudo, a novidade é a tomada de poder dos elitistas protestantes tradicionais na área mais “ideológica” da gestão Bolsonaro.
O primeiro nome do protestantismo tradicional a exercer função técnica destacada foi o atual presidente da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Benedito Guimaraes Aguiar Neto. Na presidência da fundação, Aguiar Neto se tornou responsável pelas bolsas de estudos do governo de graduação e pós-graduação e pela avaliação dos Programas de Pós-Graduação do país. Engenheiro, ligado à Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) e ex-reitor da Universidade Mackenzie (de confissão presbiteriana), Benedito Guimaraes marcou sua trajetória como reitor pela assinatura de convênio entre a Mackenzie e o Discovery Institute, instituto responsável pela promoção do Design Inteligente nos EUA e no mundo. Apensar do pomposo e moderno nome em inglês, Design Inteligente (DI) nada mais é que uma variação pretensamente científica do criacionismo.
Além disso, no dia 18 de junho, Aguiar Neto reafirmou a tônica classista de sua gestão à frente da Capes. Nesse dia passou a tramitar internamente na Capes um processo para revogação das cotas na pós-graduação, pois, como indica “elas ferem o pacto federativo” do país. O ato de Aguiar Neto busca desarticular as cotas na pós-graduação que são uma importante politica de acesso aos estudos de parte significativa da população brasileira. O diretor, com isso, busca diminuir o acesso de diferentes setores sociais às pós-graduações, ratificando o incômodo de que as políticas de cotas incidem sobre as elites brasileiras.
Após Benedito, o segundo protestante tradicional a obter um cargo de destaque no governo Bolsanaro foi outro pastor presbiteriano André Luís Mendonça, que assumiu o lugar do ex-juiz Sergio Moro, no Ministério da Justiça e da Segurança Pública. Como terrivelmente evangélico, André Luís é pastor assistente voluntário da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), com doutorado na Universidade de Salamanca em Direito. Em sua solenidade de posse do cargo no dia 29 de abril, já no contexto pandêmico, o pastor chegou a dizer publicamente que as “gerações de brasileiras não sabem o que é viver um estado de segurança pública”. Vai mais além ao indicar que “a segurança pública, deve defender a boa família brasileira”, logo garantiria a “vida plena” da classe média brasileira que afirma a falta de segurança nos grandes centros brasileiros.
Sem qualquer crítica mais sistêmica, afirmou literalmente que “será um fiel missionário” do governo. Interessante que o pastor André é descrito pelos colegas como pai zeloso, uma pessoa afável e educada, além de ser muito competente nos elementos da Ciência Jurídica, os mesmos qualitativos atribuídos ao diretor da Capes. Contudo, assume voltar-se contra a corrupção, mas, sobretudo, a questão da segurança pública das classes médias, dita “tão falha no país nos últimos anos”. Logo, será um “missionário” de Bolsonaro na direção da reafirmação do atual estado policial em prol das já higienizadas famílias ricas que habitam nossas cidades.
Além das posses de Benedito de Aguiar e de André Luís Mendonça, o fortalecimento dos evangélicos tradicionais teve como marco a ascensão do pastor Milton Ribeiro como ministro da Educação, que tomou posse na última quinta-feira, 16 de julho. Antes de ser empossado como ministro, Ribeiro havia atuado por 28 anos à frente da Igreja Presbiteriana Jardim da Oração em Santos. Na igreja, Ribeiro é descrito como pessoa “acolhedora, tranquila e conversadora”. A comunidade religiosa chegou a se posicionar no apoio ao novo projeto do antigo pastor, destacando seu trabalho prol família.
O pastor Milton também atuou em varias instâncias da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Em sua tese de doutorado na USP, que não está aberta ao público, intitulada “Calvinismo no Brasil e organização: o poder estruturador da educação” defende o pioneirismo das instituições protestantes no Brasil na constituição da liberdade e da democracia. Destaca que as instituições protestantes “deveriam ser parâmetros para a formação do país”. Seu trabalho é uma exaltação à educação presbiteriana no país, “esquecendo”, porém, de avaliar o caráter elitista projeto de educação protestante no Brasil, como nos lembram os pesquisadores Antônio Gouveia e Mendonça e Procoro Velasques Filho, no clássico “Introdução ao protestantismo brasileiro”.
Batista no CNE
Além de Milton Ribeiro, a Educação brasileira ganhou a adesão de outro religioso, o batista Valsenir Braga, que assumiu, no último dia 10 de julho, o Conselho Nacional de Educação (CNE). No currículo de Braga, uma longa trajetória como gestor da Rede Batista de Educação em Minas Gerais, uma rede de colégios com 13 unidades. O novo conselheiro tem formação em Engenharia e Administração de Empresas e é diretor da Associação Comercial de Minas – ACMinas e do Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais SINEP-MG. Além de ter um filho pastor batista em Minas Gerais.
Na direção do Colégio Batista Mineiro, Valsenir Braga se destacou na implementação do ensino de inglês para crianças a partir de três anos de idade pelo programa Batista Bilíngue. Também se empenhou no ensino de robótica, numa clara demonstração da preocupação quanto a “educação tecnológica”. O que garante ao Colégio Batista Mineiro uma das mensalidades mais caras de sua região em Minas Gerais. Além do conhecido empenho na gestão, Valsenir Braga é descrito em suas redes sociais como pessoa simples, de bom trato e de fortes laços familiares. Agora, sua característica de defesa da educação a partir da tecnologia interessa de sobremaneira às pautas do governo Bolsonaro.
Os protestantes tradicionais e a banalidade do mal no governo Bolsonaro
As trajetórias dos discretos protestantes tradicionais que vem assumindo os cargos mais “ideológicos” do governo assinalam um caminho já acenado pelo próprio presidente, após tantos problemas políticos nos ministérios. Contudo, o perfil mais pragmático desses protestantes nos projetos das camadas superiores, parecem indicar um movimento mais assustador. A ação desses religiosos mais discretos, “mais educados” remete à expressão da “banalidade do mal”.
A expressão remete à filósofa Hannah Arendt, que ao analisar o julgamento do líder nazista Adolf Eichmann, entendeu que, na maioria dos casos, a gestão do genocídio do nazista foi exercida por burocratas comuns. Para espanto de Arendt, os responsáveis pelo racional mecanismo que promoveu milhares de morte sob o nazismo não eram perversos inteligentes, mas pessoas banais empenhadas em exercer seu ofício de forma eficiente.
O que parece evidente é que as ações desses discretos religiosos, bem formados remontam ao mal que as pessoas comuns podem praticar nos contextos autoritários, quando deixam de refletir criticamente. Retomando as reflexões de Arendt, a banalização do mal ocorre, principalmente na classe média, quando um governo se baseia em concepções que levam à tentativa de tirar a humanidade do “outro indesejável” e acabam por fomentar nas pessoas mais comuns e mais qualificadas a incapacidade de compaixão pelo próximo.
Nesse sentido, mesmo sendo pessoas discretas e “técnicas”, os religiosos batistas e presbiterianos ao aderirem ao projeto bolsonarista, ajudam na construção de um estado mais elitista; e, da mesma forma, agem tal como os burocratas que serviram à máquina fascista. Demonstram que crentes comuns, aqueles que frequentam as igrejas de classes médias, preocupados com a rotina religiosa de orar, jejuar, cuidar dos filhos e filhas, de zelar pela segurança da família podem ser partes do maquinário estatal eugênico de Bolsonaro.
Por seus perfis pragmáticos e discretos, tais religiosos foram escolhidos a dedo pelo bolsonarismo, com aval da Bancada Evangélica, justamente para operar tecnicamente a área “ideológica” da política autoritária e de morte da atual gestão do país. Além do perfil pragmático, competente, cada um deles, de formar específicas, executar as lacunas do bolsonarismo, em especial o projeto elitista de governo: permeado por traços anticientíficos, que se levantam contra as cotas raciais, que apoia a construção de um estado policial de guerra aos pobres, no qual destaca ênfase educacional às camadas superiores a partir da educação tecnológica.
Portanto, o grande escândalo não está a postura irascível ou histriônica desses religiosos, mas, no contrário, é escandaloso que cristãos comuns, educados, voz mansa, participantes de comunidades piedosas, em nome da posição e do cargo, optem em abrir mão da reflexão crítica associando-se ao genocídio que hoje assistimos.
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Foto de Capa: Pixabay/Reprodução
Bibliografia
ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
MENDONÇA, Antônio Gouveia & VELASQUES, Procoro. Introdução ao protestantismo no Brasil. São Paulo: Loyola, 1990.
Voltou a circular nas mídias sociais de grupos católicos e evangélicos, um áudio atribuído ao Padre Marcelo Rossi, no qual ele declara apoio ao governo Jair Bolsonaro. O áudio é antigo, circulou durante a campanha eleitoral de 2018, e foi desmentido pelo próprio Padre Marcelo e verificado como falso por várias agências de checagem de notícias.
Comprova: Padre Marcelo Rossi não divulgou áudio com apoio a Bolsonaro
É falsa a informação de que o padre Marcelo Rossi apoia o candidato à Presidência pelo PSL, Jair Bolsonaro. Um áudio atribuído ao religioso que circula no WhatsApp e no YouTube diz que o candidato do PSL é “pró-família, pró-Deus e pró-valores”. “E quando vejo quem são os inimigos do Bolsonaro, eu falo ‘eu to escolhendo o cara certo para votar’”, diz o homem em trecho final do áudio. O padre Marcelo Rossi negou que a voz na gravação seja dele.
No WhatsApp, uma corrente com o áudio é compartilhada seguida de um texto que chama Marcelo Rossi de porta-voz da igreja.
O Comprova localizou versões do áudio que variam de 9 a 18 minutos —é possível ouvir aplausos em determinados momentos. A informação falsa da peça está no texto que acompanha o áudio, atribuindo o discurso a Marcelo Rossi. Em nenhum momento do áudio viral o dono da voz, também vítima da informação falsa, diz seu nome.
“Além do que não é a minha voz. Infelizmente foi viralizado. Eu não me meto em política. A minha função é orar pelo Brasil”
Padre Marcelo Rossi
Em comentários nas mídias sociais, internautas afirmaram que o autor da voz é Rinaldo Seixas Pereira, o Apóstolo Rina, da igreja Bola de Neve, que não faz imitações de Marcelo Rossi e que seria tão vítima do boato falso quanto Marcelo Rossi. O Comprova tentou contato com Rina pelo telefone da igreja, sem sucesso. Até a publicação deste texto, Rina também não tinha respondido às solicitações feitas por e-mail pelo Comprova.
O Projeto Comprova é uma coalizão de 24 veículos de imprensa que visa combater a desinformação durante as eleições presidenciais.
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Bereia alerta leitoras/es: não compartilhem conteúdo que chegue por Whatsapp e peça a quem recebe: “Repasse para seus contatos”, “Compartilhe, o país está nas nossas mãos”. Este tipo de mensagem é, frequentemente, falsa e o apelo é feito justamente para usar as pessoas como propagadoras de material falso.
Sempre desconfie; antes de compartilhar, verifique a veracidade do conteúdo. As agências e projetos de checagem de conteúdos como o Comprova, Aos Fatos, Lupa, Fato ou Fake?, Boatos.org, E-Farsas e o Coletivo Bereia, com sua especialidade em verificar conteúdo de cunho religioso ou que circula em mídias religiosas, fazem verificações de boatos que circulam na internet. Nosso WhatsApp está disponível para receber indicações de checagem: (38) 98418-6691.
Uma publicação no Twitter, em 22 de julho, motivou mais uma checagem do Coletivo Bereia: “Aqui em Mato Grosso morreram toda a alta cúpula da Igreja Assembleia de Deus. Morreram 5 pastores que comandavam a igreja em todo estado. Todos morreram por coronavírus”.
Com 5,2 mil curtidas, 414 comentários e 1,1 mil retuítes, até 27 de julho, quando esta matéria foi redigida, a mensagem gerou embates e divergiu as opiniões dos usuários engajados na postagem. Alguns solicitaram ao autor que inserisse o link dos sites e notas oficiais que confirmassem as mortes (o que foi feito), outros questionaram o número de óbitos, enquanto alguns atribuíram os falecimentos ao fato de que muitas igrejas evangélicas boicotaram as medidas de prevenção e decretos de restrições impostas ao estado desde o início da pandemia no país.
Segundo matéria publicada no portal UOL, a Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB) não informou o número exato de mortes, mas teria dito que entre dezenas de líderes mortos estariam pessoas de idades variadas. A instituição é a maior organização de igrejas evangélicas, com mais de 100 mil pastores associados e cerca de 25 milhões de fiéis.
Ao site Hipernotícias, do Mato Grosso, o secretário-geral da Convenção dos Ministros das Assembleias de Deus naquele estado, Pastor Juvanir de Oliveira, informou, em 21 de julho, que seis líderes da igreja faleceram no estado com a Covid-19, confirmando, com um registro a mais, a postagem do Twitter que motivou esta matéria do Coletivo Bereia. O Pastor Juvanir de Oliveira citou que os mortos foram: o presidente da Convenção Local, Pastor Sebastião Rodrigues de Souza, 89 anos, o filho dele, vice-presidente da Convenção, Pastor Rubens Siro de Souza, 68 anos, os Pastores José Geraldo dos Anjos, 76 anos, Jânio Corrêa Leite, 66 anos, Pedro Ezídio (idade não identificada), e Reginaldo Pereira de Jesus, 53 anos.
O Pastor Sebastião Rodrigues de Souza faleceu cinco dias depois do filho, Rubens Siro de Souza, morto pela Covid-19, em 3 de julho. O Pastor Sebastião Souza era também vice-presidente da CGADB desde 1995. Souza ficou reconhecido por ter construído em Cuiabá um dos maiores templos evangélicos do país, com capacidade para 20 mil fiéis.
No Salmo 116:15 lemos que “Preciosa é à vista do SENHOR a morte dos seus santos”. Hoje, mais uma vez, isto ocorreu com a partida para o Senhor do saudoso pastor Sebastião Rodrigues, da Igreja Assembleia de Deus. A terra perde valoroso obreiro, mas o Senhor abraça um filho que venceu! Meus sinceros sentimentos a toda a comunidade cristã e à família do querido pastor Sebastião! Oremos pelo conforto do Senhor na vida dos familiares! Em Cristo, Jair Messias Bolsonaro Presidente da República Federativa do Brasil.
Nota de pesar pela morte de pastor com Covid-19 em Mato Grosso
Caso destacado foi também o do pastor José Geraldo dos Anjos, 76 anos, que faleceu no dia 21 de julho, após uma semana internado no hospital Santa Rita, no município de Várzea Grande, no Mato Grosso. Ele liderava a Assembleia de Deus, no Parque do Lago, no município varzea-grandense, onde estava há 36 anos. Segundo matéria do G1 publicada no dia da morte, ele era casado e deixou filhos, netos e bisnetos.
A Secretaria de Estado de Saúde (SES) do Mato Grosso registrou, até a tarde de 27 de julho, 45.155 casos confirmados da Covid-19 no estado, sendo registrados 1.664 óbitos em razão da pandemia. Havia ocorrido 48 mortes e 1.518 novas confirmações nas 24 horas anteriores ao relatório. Dentre os dez municípios com maior número de casos de Covid-19, estão Cuiabá (9.940), Várzea Grande (3.466), Rondonópolis (2.949), Lucas do Rio Verde (2.560), Tangará da Serra (1.899), Sorriso (1.775), Primavera do Leste (1.652), Sinop (1.627), Nova Mutum (1.257) e Pontes e Lacerda (875). Os pastores das Assembleias de Deus que perderam a vida pela doença eram da capital Cuiabá, de Várzea Grande, Tangará da Serra, Barão de Melgaço e Nobres.
O Coletivo Bereia contatou a sede da Convenção dos Ministros da Assembleia de Deus no Mato Grosso. A Convenção preferiu destacar o falecimento do Pastor Presidente, Sebastião Souza, pois era liderança da igreja no estado e na Convenção Geral e foi a perda mais repercutida de líderes das Assembleia de Deus por Covid-19.
A rejeição à gravidade da pandemia por parte de evangélicos
Desde o início daquilo que se transformaria em uma pandemia mundial, em consequência do novo coronavírus, grupos evangélicos têm colaborado a diminuir, deturpar e enganar a população através de inúmeras fake news sobre a pandemia. O Coletivo Bereia tem trabalhado intensamente com verificações dos sites de notícias religiosos e com perfis de lideranças vinculadas às igrejas, além de atender a diversos pedidos de checagem de notícias encaminhados por leitores/as.
A cantora gospel Fabiana Anastácio publicou: “o coronavírus não atingirá a sua casa, porque quem guarda a sua casa é Jesus”. Infelizmente, Anastácio acabou falecendo por complicações devidas ao novo vírus. Houve desinformação atrelada à cantora, sobre ela ter revisto sua posição enquanto estava internada. O Coletivo Bereia apurou e explicou a verdadeira situação.
Toda esta desinformação foi produzida e compartilhada por grupos evangélicos, inclusive lideranças. O Coletivo Bereia produziu matéria para explicitar de onde partem as notícias falsas que circulam em grupos religiosos. Neste levantamento tornou-se nítida uma certa resistência por parte destes grupos religiosos, não apenas em admitir a gravidade da pandemia, mas, também, em seguir os protocolos internacionais de prevenção. Além do dogmatismo religioso, há o aspecto político que motiva essa postura. Muitos desses grupos e líderes apoiam irrestritamente o governo federal na liderança do Presidente Jair Bolsonaro e terminam por seguir sua postura relativizadora da doença e negadora das orientações da Organização Mundial de Saúde e de outras autoridades da área no país.
A situação entre católicos romanos
O novo coronavírus também fez vítimas no cenário católico. Segundo informações da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) cresceu também o número de padres do Brasil acometidos pela Covid-19. O último levantamento realizado pela Comissão Nacional de Presbíteros (CNP), divulgado em 29 de maio no portal da CNBB, apresenta a confirmação de 117 infectados e 14 mortes. Um novo relatório está sendo produzido pela Comissão e deverá ser divulgado em breve.
Com base nesta verificação, o Coletivo Bereia afirma ser verdadeira a informação divulgada por postagem no Twitter sobre alto número de mortos por Covid-19 entre lideranças das Assembleias de Deus em Mato Grosso. No levantamento, Bereia atualizou o número divulgado na postagem, de cinco para sete mortes até 27 de julho. O Coletivo reafirma a importância de as igrejas assumirem sua responsabilidade cristã com as medidas de prevenção e orientação de sua membresia quanto aos riscos impostos pela pandemia, que permanece grave no país dados os altos índices de infectados e mortes que vigoram.
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Foto de Capa: Reprodução/Convenção das Assembleias de Deus Mato Grosso
Do combate à varíola no início do século XIX até as confusões atuais sobre o COVID19, as epidemias são períodos privilegiados para a análise das estratégias de comunicação entre autoridades e a população, especialmente na sua parcela mais fragilizada. Neste artigo, as mensagens de lideranças políticas e religiosas atuais são examinadas à luz de outros momentos históricos marcados pela ameaça de caos social trazida por doenças.
O termo “cristofascismo” foi cunhado pela teóloga alemã Dorothee Sölle em 1970 para descrever as relações entre as igrejas cristãs e o partido nazista, beneficiado pelo apoio de lideranças religiosas. Utilizado no Brasil por Fábio Py (entre outros), o conceito tem se consolidado como uma proveitosa chave de leitura para entender a relação do governo Bolsonaro com sua base de apoio, a qual o enxerga como o Messias que se sacrifica pelo seu povo, em defesa de uma suposta “família tradicional brasileira” cuja saúde física, moral e econômica estaria sob ameaça. A imagem abaixo, postado no Instagram da deputada estadual fluminense Alana Passos no dia 26 de abril de 2020, sintetiza a mensagem:
O post coleciona mais de 14 mil curtidas até o final de maio (e alguns comentários críticos também). Dada a sua popularidade, torna-se urgente avaliar como o discurso cristofascista é recebido dentro de seu público-alvo em tempos de pandemia e levantar hipóteses que conectem esse ideário político a uma história do controle do Estado sobre a população em termos da pauta dos costumes e de sua relação com a saúde pública.
No Brasil atual, a mensagem de que o Covid-19 é uma maldição impetrada pelo pecado pode ser compreendida à luz do discurso moral que dá sustentação política ao grupo no poder. Se o cristofascismo tenta aproxima Jair Messias de Jesus Cristo, seu corolário é que contrariar o primeiro é também chamar para si e para o país a fúria do último, e, portanto, a morte. E que, ao invés das ações recomendadas pelas autoridades sanitárias, o que pode salvar o país da doença é a obediência às lideranças religiosas, especialmente aquelas alinhadas com o discurso do Executivo federal.
Dentro desse quadro, há aspectos de continuidade e de ruptura com outros momentos da história brasileira nos quais as epidemias foram interpretadas como oportunidade de aumentar o controle sobre a população e combater as culturas de resistência ao poder instituído. Em seu livro “Cidade Febril”, Sidney Chalhoub mostra que os cem anos de políticas públicas anteriores à Revolta da Vacina, ocorrida em 1904, são elucidativos. A introdução da vacina antivariólica no Rio de Janeiro em 1804 marca, à primeira vista, uma saudável preocupação em acompanhar a vanguarda mundial da política pública de saúde na época. Entretanto, ela é também o primeiro passo de uma sequência de ações que incluem o combate à epidemia de febre amarela em 1850, do cólera em 1855 e deságuam na Reforma Pereira Passos em 1906.
Estes momentos possuem em comum a retirada do direito de moradia no centro da cidade das parcelas mais pobres da população, conjugada a intervenções violentas sobre os corpos negros agravada pela falta de diálogo com as culturas estabelecidas nestas populações sobre o uso do corpo e os sentidos de doença. Os órgãos de saúde pública não demonstraram nenhuma preocupação em comunicar-se com escravos, alforriados e pobres livres a partir de suas próprias culturas. Se assim tivessem feito, descobririam outras visões para doenças como varíola, cólera ou tuberculose. Teriam de explicar, por exemplo, porque sua preocupação se circunscrevia aos bairros onde a população branca era maioria, se estas enfermidades eram mais mortíferas entre os negros. Descobririam que, por isso mesmo, tais doenças eram vistas como feitiçaria de brancos para matar os negros.
Mas nem tudo era vitória dos “feiticeiros brancos”; o fato de a febre amarela atingir, em 1850, mais brancos do que negros, foi lida como uma vingança de São Benedito ao fato de ele não ter sido levado na tradicional procissão de 4ª feira de Cinzas, no ano anterior, por não ter branco que aceitasse carregar santo preto. A aproximação do santo a Omolu, orixá do candomblé capaz de infligir a doença, conferiu mais plausibilidade a essa interpretação.
Há, porém, novidades significativas para o caso atual. Nos casos antigos, a exclusão social se justificou como uma medida científica, higiênica. As autoridades políticas e científicas atuaram de forma uníssona para comunicar uma mensagem: não era necessário ouvir os pobres para saber que eram eles os responsáveis pela doença e que não deveriam obstruir o Brasil que se civilizava.
No cenário atual, as autoridades científicas, políticas e religiosas assumem papéis radicalmente distintos. Entre os primeiros, um século de estudos em saúde pública dotaram os profissionais da saúde de maior sensibilidade com os problemas sociais. As autoridades políticas e religiosas também inovam na emissão de uma mensagem que dialoga de modo ambíguo com certos preconceitos estabelecidos na população. Ao convocar um jejum no dia 04 de abril em meio à pandemia, o presidente admite que a crise do país é de fundo sobrenatural; ao mesmo tempo, minimiza em seus discursos o efeito do morticínio e oferece saídas milagrosas, como a hidroxicloroquina. Desse modo, dialoga com visões sobre epidemias estabelecidas pela cultura popular na longa duração, mas confere novo sentido a elas dentro de sua lógica totalitária. Posiciona-se em papel messiânico, no sentido de quem traz a cura/salvação através da fé e reserva aos supostos desviantes o justo castigo da morte. A consequência é uma nova forma de eugenia: não se trata de decidir quem deve morrer na câmara de gás, mas quem deve ter acesso ao respirador para sobreviver.
Uma resposta a este procedimento pressupõe uma disputa em diversos âmbitos, inclusive teológicos, sobre como deve ser interpretada a figura de Cristo, entendido como encarnação divina, e da Providência. Exige, portanto, a retomada de uma linhagem de pensamento que enxerga no Jesus de Nazaré uma mensagem pacifista e de propagação dos direitos humanos, que a impeça de ser retomada como fiador da legitimidade de atos de violência. De modo semelhante, exige compreender que afirmar que a vontade divina pode ser a responsável pela morte de alguém implica em uma contradição com os valores historicamente assumidos pelos Evangelhos, no Cristianismo Primitivo.
O novo ministro da educação do governo Bolsonaro (o quarto, já), que tomou posse no dia 16 de julho, é evangélico, presbiteriano, mais especificamente.
A repercussão que seu nome provocou nos últimos dias é muito ruim, por conta de posicionamentos ultrapassados e deploráveis. Milton Ribeiro teve vídeos de suas palestras e pregações veiculados nas redes sociais; fala de castigos físicos e tem postura abertamente machista. Sim, tudo isso, obviamente, deve ser reprovado. Não se pode, em pleno século XXI, admitir que uma autoridade pública em educação pense com a cabeça de séculos atrás. Pior, que seu discurso seja uma contradição com um Estado democrático, pluralista, garantidor de direitos e igualitário. Em que pese o Estado brasileiro não conseguir fazer cumprir os direitos fundamentais de sua Constituição, não se pode, sob qualquer pretexto, aceitar um ministro de Estado que, em seu discurso e testemunho, reme contra tudo que está estampado como valor de uma Nação.
Mas há uma ponderação necessária a ser feita: se ele fosse católico, budista ou ateu, seu posicionamento retrógrado seria atribuído a sua religião? Ou seria simplesmente tratado como um equívoco de sua formação reacionária e fundamentalista (traços presentes em setores de todas as religiões e culturas)? Convenhamos, o que nunca nos faltou foi ministro reacionário. Mas por que somente os evangélicos são tratados pela designação de sua religião?
Concordo que, em muitos casos, sua conduta é expressão de seus valores e esses são fundamentados na sua fé religiosa. Mas não é diferente o que ocorre com outras visões de mundo. Explico melhor: há, sim, entre setores evangélicos um discurso de superioridade. Mas isso também ocorre em outros campos.
O que se deve ter em mente é que o problema não é ser evangélico. O problema é ser atrasado e desconectado de seu tempo. Coisa totalmente antagônica ao Evangelho. O ministro Milton Ribeiro pode confessar a fé que for, mas um país não pode não pode se quedar a um discurso tão nocivo como os que foram exibidos na internet de sua carreira de pastor.
Mas mantém-se a ponderação de base desse ensaio: se o ministro tivesse outra religião, seu posicionamento retrógrado seria atribuído a sua fé? É preciso se perguntar sempre sobre preconceito. O dos outros é facilmente observável e condenado. O nosso, em geral, tem alguma desculpa, salvo-conduto ou mesmo legitimação. Criticar evangélicos virou esporte nacional. E isso é ruim. Muito ruim. Porque a imensa maioria dos evangélicos é gente simples, honesta, bem intencionada e, acima de tudo, Evangélica (na acepção mais profunda e ampla desse termo).
No seu discurso de posse, Ribeiro afirmou: “jamais falei de violência física na educação escolar, nunca defenderei tal prática, que faz parte de um passado que não queremos de volta. Entretanto, vale lembrar que devido à implementação de políticas e filosofias educacionais equivocadas no meu entendimento, que desconstruíram a autoridade do professor em sala de aula, o que agora existe são episódios de violência física de alguns maus alunos contra o professor. As mesmas vozes críticas da sociedade devem se posicionar contra esses episódios com a mesma intensidade”.
O ministro contradisse sua tese de que a educação precisa de “dor”. Que bom. Mas precisa esclarecer sobre que “políticas e filosofias educacionais” ele considera equivocadas. Quem são os “maus alunos”. E, sim, que se esforce para valorizar e proteger professores (oportunidade não faltará na necessária e urgente aprovação do Fundeb). Oxalá saiba separar a sua visão particular de mundo do que deve ser uma política pública de educação.
Quanto a nós, tomara aprendamos a dar a César o que é dele e a Deus o que é de Deus. E não tomemos o todo pela parte. Tampouco tomemos as tradições libertadoras do protestantismo em todos os seus matizes por meia dúzia de vendilhões no templo.
Quanto a ele, tomara que desça do púlpito, deixe de lado a vara e consiga dar conta dos seus deveres de casa reais: Fundeb, Enem, aulas na pandemia, valorização dos professores, analfabetismo, evasão escolar etc.
Que o ministro passe a usar mais o lápis em detrimento da vara. Lápis cuja marca fica registrada no aprendizado, nas experiências de crescimento, na possibilidade de errar e corrigir, na qualidade de se permitir sempre e de novo se aprontar para melhor escrever e, sobretudo, na redação de uma história de dignidade para as novas gerações desse país tão profundamente injusto e desigual. Que abandone em definitivo a vara, cujas marcas nos fizeram o que temos assistido hoje (ódio e perseguição) e nos trouxeram até esse capítulo tão nefasto de nossa história.
*Publicado originalmente pela Agência Pública. 09 de Julho de 2020
“E essas pessoas cheias de saúde que se aposentam com 50 anos?”, pergunta o ator de um vídeo encomendado pelo governo Bolsonaro sobre a reforma da Previdência. A série publicitária, parte da campanha oficial mais cara realizada na atual gestão da Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom), foi veiculada em rádios, TVs, jornais impressos e na internet, onde encontrou um nicho peculiar: canais de YouTube para crianças.
Segundo levantamento da Agência Pública, canais infantis no YouTube foram um dos principais meios de veiculação da propaganda governamental sobre a reforma da Previdência, que circulou também em canais religiosos, perfis acusados de produzir notícias falsas e contas banidas da plataforma por violarem regras.
A reportagem apurou os 500 canais do YouTube que mais receberam verbas da Secom através do sistema de anúncios do Google entre 6 de junho e 13 de julho de 2019. Nesse período, anúncios da Previdência foram veiculados em 168 canais infantis, 76 canais de música, 52 videoblogs ou vlogs e 33 canais religiosos. A Pública constatou que a campanha foi impulsionada em pelo menos 11 canais que publicaram notícias falsas e sete que foram excluídos ou banidos do YouTube por violação das regras. Juntos, eles receberam R$ 119 mil de dinheiro público.
Por meio dessa campanha, a Secom atingiu 9,8 milhões de visualizações em pouco mais de um mês. Mais de meio milhão se converteu em cliques nos anúncios da Nova Previdência – uma taxa de interação de 5,8%. Os canais infantis, maior público-alvo da campanha do governo federal, lideraram as visualizações.
Os dados foram obtidos por consultores legislativos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), em um processo que durou quase seis meses. Relatório apresentado à CPMI das Fake News revela que grande parte dos anúncios foi destinada a portais considerados “inadequados” – como sites de jogos de azar, disseminadores de notícias falsas ou banidos do YouTube por descumprimento de regras – e que há indícios de o dinheiro foi mal investido.
Canais bolsonaristas que disseminam fake news foram beneficiados
O Google Ads (AdWords) foi a plataforma utilizada pela Secom para divulgar a campanha da Nova Previdência no YouTube, em aplicativos e sites. Nela, os gestores de uma campanha podem estabelecer o orçamento, além de uma série de parâmetros para delimitar os canais em que os anúncios serão exibidos. O Google faz a intermediação entre o anunciante e os donos dos canais no YouTube que ofereceram seus espaços publicitários.
Ainda que o sistema seja automático, o anunciante consegue ter controle dos canais e até dos vídeos em que seu conteúdo será exibido, de acordo com o publicitário Paulo Motta, que trabalha com Google Ads há sete anos. “O Google permite segmentação por temas dos canais e por público-alvo. É possível escolher a faixa etária, a localização, o perfil de renda baseado em hábitos de consumo, a idade, e uma série de opções porque o Google colhe informações dos usuários para oferecer aos anunciantes”, garante. Motta diz que os gestores de uma campanha podem bloquear segmentos, canais e vídeos para assegurar que os anúncios não serão exibidos em sites de fake news e/ou de conteúdos sensíveis, como eróticos, por exemplo.
Apesar dessa possibilidade de bloqueio, anúncios da Secom foram veiculados em canais que espalharam fake news. Entre 6 de junho e 13 de julho de 2019, foram mais de 175 mil acessos aos vídeos da Nova Previdência em 11 canais desse tipo – com um faturamento de R$ 1,9 mil.
Oito deles são bolsonaristas, como, por exemplo, Bolsonaro TV, Jacaré de Tanga e Seu Mizuka, que postam vídeos alinhados ao discurso do presidente.
“A verdade pode ser assustadora!” é o título de um dos vídeos do Seu Mizuka, postado em 27 de junho do ano passado. Nele, o youtuber fala da reunião do G20, que estava prestes a ocorrer, chama os líderes mundiais de “globalistas” e acusa as Nações Unidas de querer criar movimentos separatistas dentro do Brasil.
Vídeos como esse foram precedidos por propagandas da Previdência, que atingiram mais de 18 mil visualizações através do Seu Mizuka. A cada cem visualizações, 41 pessoas clicaram no vídeo, uma taxa de interação considerada alta.
De maneira geral, considerando a taxa de interação – que pode ser um clique, um like ou um comentário – , as pessoas que assistiram aos canais de fake news se mostraram mais interessadas nos anúncios da Previdência do que as que viram vídeos de música, por exemplo. Em média, a cada cem acessos aos vídeos de desinformação, 13 se converteram em interações com os anúncios.
Um dos canais mais influentes na campanha da Nova Previdência foi o Foco do Brasil – antes chamado de “Folha do Brasil” –, que atingiu 57 mil visualizações e teve um ganho de R$ 13,70 por clique nos anúncios – totalizando um faturamento de R$ 726,25 no período. Além de publicar notícias falsas, o canal é alvo do inquérito da Procuradoria-Geral da República (PGR) que investiga a organização de atos antidemocráticos.
Com 2,18 milhões de inscritos, o canal posta vídeos de Jair Bolsonaro e de um jornal denominado JB News, que comenta as principais notícias do dia sob a ótica bolsonarista.
No seu último vídeo, denominado “Fim do Canal?”, publicado na quarta-feira (24/6), o apresentador agradece o apoio dos seguidores e ressalta de onde vem o dinheiro do canal: “Contamos com o apoio de membros e com as publicidades que o próprio YouTube veicula e que você assiste, exatamente igual ao que acontece com todo o universo de youtubers”.
Outro beneficiado com a campanha – que veiculou as propagandas 6,4 mil vezes –, o Vlog do Fernando Lisboa Replay é do mesmo autor do canal Vlog do Lisboa, que também está na mira das investigações da PGR. Em seus dois canais, Lisboa exibe fotos com o presidente Jair Bolsonaro.
O ministro Alexandre de Moraes autorizou que a PGR requisitasse ao YouTube as contas da ferramenta de anúncios do Google associadas ao Foco do Brasil e ao Vlog do Lisboa, no âmbito do inquérito dos atos antidemocráticos. Outros 11 canais também estão na mira.
O advogado de Fernando Lisboa, Marcos Conceição, afirmou que seu cliente respeita as instituições democráticas. “Não tem nada dele falando das instituições. Ele formula opinião em cima de matérias publicadas pelo Uol, pelo Terra, pelo Globo”, observou. Sobre os recursos recebidos com anúncios do Google para a campanha da Previdência, Conceição disse que Lisboa recebe o dinheiro dos anúncios diretamente do YouTube. “Aí ele não sabe de onde veio”, ressaltou, acrescentando que Lisboa não tem nenhum vínculo com a Secom e nunca recebeu dinheiro da secretaria. A Pública entrou em contato por e-mail com os canais DR News e Foco do Brasil, mas não obteve resposta.
Segundo o movimento Sleeping Giants, os anúncios do Google AdWords tornaram a produção de fake news “um negócio extremamente lucrativo”. O movimento tenta combater o financiamento de sites de desinformação e discurso de ódio informando as empresas de que seus anúncios estão sendo exibidos nessas plataformas e pedindo bloqueio.
O Sleeping Giants já flagrou anúncios do Tribunal de Contas do Mato Grosso do Sul (TCE-MS) e do Banco do Brasil em sites de fake news, que foram bloqueados por ordem do Tribunal de Contas da União (TCU). “O dinheiro público está basicamente financiando ataques à democracia”, defende o Sleeping Giants.
Anúncios da Previdência foram veiculados em canais investigados
Além de canais de fake news, outros dois canais, entre os 500 que veicularam anúncios da Nova Previdência, são alvos de investigações na Justiça.
O canal de Renato Garcia trouxe 137 mil acessos à propaganda governamental sobre a reforma da Previdência e, com isso, recebeu R$ 1,6 mil de dinheiro público. O youtuber paranaense, que faz vídeos sobre sua rotina e suas “máquinas” (motocicletas, carros e até armas), foi preso por posse ilegal de armas, munição e drogas encontradas em sua casa em maio de 2019 – um mês antes de receber financiamento da Secom através dos anúncios. Ele pagou fiança e responde em liberdade, mas continuou produzindo três vídeos por dia para seus mais de 18 milhões de inscritos.
Ainda em 2019, Garcia publicou um vídeo em suas redes sociais para esclarecer que as drogas e armas apreendidas não pertenciam a ele. A reportagem tentou entrar em contato com o canal para esclarecimentos sobre o caso e sobre a veiculação de anúncios da Previdência, mas não teve sucesso.
Outro exemplo de canal investigado pela Justiça que recebeu dinheiro público é o Fran para Meninas, que recebeu R$ 1.084,34 por 91 mil acessos ao anúncio da Nova Previdência. O canal está sendo investigado pelo Ministério Público (MP) pelo que o Conselho Tutelar chamou de “exposição vexatória e degradante”, como revelou a revista Veja em maio deste ano.
A denúncia começou na internet, quando usuários do Twitter subiram a hashtag #SalvemBelParaMeninas, com evidências de que a menina protagonista dos vídeos, Bel, estaria sendo exposta a situações desconfortáveis por sua mãe, Francinete Peres, no processo de gravação.
Em 2016, o canal Bel para Meninas também foi alvo de investigação do MP para apurar “práticas de direcionamento de publicidade e comunicação mercadológica ao público infantojuvenil”. Como resultado, o MP recomendou que o Google retirasse do YouTube todos os vídeos com publicidade de produtos infantis e protagonizados por crianças de até 12 anos.
Depois das denúncias mais recentes, os pais da criança gravaram um vídeo em que negaram a veracidade das acusações, que chamaram de “fake news” e “campanha caluniosa e difamatória”. A Pública buscou contato com os proprietários do canal, mas não obteve resposta até a publicação da reportagem.
Pedro Hartung, coordenador do programa Criança e Consumo, do Instituto Alana, enfatiza a necessidade de responsabilização das empresas, plataformas e anunciantes em casos como o de Bel, que chama de trabalho artístico não autorizado. “É importante que qualquer anunciante, seja privado ou governamental, assuma a responsabilidade que tem por lei de não financiar atividades que estejam fora da legalidade, como o trabalho infantil artístico sem autorização judicial.”
Anúncios da Previdência para crianças
A maior parte dos canais que receberam os anúncios entre 6 de junho e 13 de julho de 2019 foi direcionada ao público infantil – 168 dos 500 analisados –, recebendo um total de R$ 57,1 mil de repasse, um terço do montante analisado.
Esses canais foram os que mais divulgaram as propagandas da Previdência: os vídeos da campanha se repetiram 4,5 milhões de vezes. Destas, 240 mil se converteram em cliques nos anúncios. O número corresponde a 41% de todas as interações no período.
Para Hartung, a informação de que essa campanha foi veiculada principalmente em canais infantis do YouTube causa “estranhamento”. Ele avalia que o alto número de interações em canais infantis é consequência da vulnerabilidade desse público, não uma medida da qualidade do anúncio.
“A criança ainda está entendendo como funciona o mundo digital e o próprio mundo real, em desenvolvimento inconcluso de suas capacidades de leitura crítica.”
O publicitário Paulo Motta, que diz excluir essa categoria quando veicula anúncios no Google, acredita que a Secom pode ter direcionado a campanha para esses canais em decorrência da “enorme audiência do público infantil no YouTube”. Outra explicação seria o fato de que as crianças costumam usar o celular ou dispositivo de um adulto para acessar os vídeos. “O Google entende o comportamento de consumo como sendo o do proprietário do aparelho, não o da criança. Por isso, mesmo se o usuário está vendo um desenho, o YouTube pode mostrar um anúncio da Previdência”, diz.
Os consultores legislativos da CPMI das Fake News consideram que a grande veiculação de anúncios da Previdência em canais infantis é evidência de uma “falha intensa de target”, ou seja, determinação de público-alvo.
Outra evidência dessa falha seria a presença de canais estrangeiros entre os endereços que mais receberam repasses da Secom no período analisado. Dos 168 canais infantis, 32 exibiam seu conteúdo em línguas como inglês, espanhol, coreano, árabe, russo, japonês, turco, alemão e francês. Juntos, eles receberam R$ 7,9 mil do governo. O relatório exibido à CPMI dá destaque ao canal russo Get Movies, que sozinho recebeu R$ 1,4 mil.
Quase R$ 4 mil foram destinados a canais religiosos
Canais religiosos estão em quinto lugar entre as categorias que mais veicularam anúncios da Nova Previdência no período de 6 de junho a 13 de julho. Eles trouxeram mais de 285 mil acessos para a campanha em prol da reforma da Previdência.
Dos 500 canais que mais receberam repasses, 33 eram ligados à temática religiosa (6,6%). Juntos, eles receberam R$ 3.976,50.
Só o canal do cantor gospel Leandro Borges apresentou as propagandas do governo mais de 32 mil vezes. Considerado um fenômeno da música no meio evangélico, Leandro tem mais de 2,5 milhões de inscritos na plataforma e recebeu R$ 489,20 de dinheiro público pela campanha.
De cima para baixo: cantor Leandro Borges, no centro, senador Arolde de Oliveira e abaixo, Casal Hernades (Fotos/Reprodução)
Em 2018, o cantor gravou um vídeo em que declara apoio ao senador bolsonarista Arolde de Oliveira (PSD). Arolde é dono do MK, um dos maiores grupos empresariais evangélicos do país, que inclui uma gravadora (MK Music), a MK News e outras empresas de mídia. Leandro não tem contrato com a MK Music, mas a MK News gerencia o YouTube do senador Flávio Bolsonaro, que também veiculou anúncios da Secom no período, mas poucas vezes (48). O canal é apontado entre os gastos irregulares da secretaria no relatório da CPMI das Fake News.
Entre os 500 canais mais influentes na campanha da Nova Previdência no YouTube está o da Renascer Praise. A banda gospel, ligada à igreja evangélica Renascer em Cristo, gerou mais de 5 mil visualizações para o governo por um valor de R$ 82,55. Comandada pelo apóstolo Estevam Hernandes e pela bispa Sônia Hernandes, a Renascer mantém a Rede Gospel, uma emissora de TV que recebeu R$ 402,7 mil em anúncios da Secom durante o governo Bolsonaro. A igreja acumula uma dívida de mais de R$ 30 milhões com a Receita Federal.
Pelo WhatsApp, um integrante da equipe de divulgação do cantor Leandro Borges informou que a publicidade do canal dele no YouTube “é administrada por uma empresa da Suíça chamada BELIEVE” e que “ele não tem relações com anunciantes, uma vez que esse gerenciamento é feito pela empresa”. A reportagem da Pública não conseguiu contato com a igreja Renascer em Cristo.
Agência gastou quase R$ 6 milhões em divulgação da Previdência no Google
A campanha da reforma da Previdência, que custou mais de R$ 71 milhões em diversas ações, envolveu sete agências de publicidade contratadas pelo governo. Os gastos, contudo, ficaram concentrados em uma agência, a Artplan – empresa que se tornou a maior beneficiada por contratos com a Secom na gestão atual.
Segundo a Pública apurou, o governo fechou mais de R$ 69 milhões em contratos com a Artplan para a campanha da Previdência. A agência foi a única que registrou gastos no sistema de anúncios do Google a respeito da Previdência, além de gastos no Facebook e em outras redes sociais.
Além da propaganda sobre as mudanças na Previdência, a Artplan fechou contratos para ações nas redes sociais nas campanhas de combate à violência contra a mulher e “Pátria Voluntária”, ambas ligadas ao Ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos; e de divulgação das medidas anticrime, do Ministério da Justiça.
A proximidade da Artplan com o secretário Fabio Wajngarten já foi motivo de críticas ao governo. A Folha de S.Paulorevelou que a agência presta serviços para uma empresa da qual Wajngarten é sócio, a FW Comunicação, que tem como clientes emissoras de TV como Record e Band. Segundo a reportagem, a empresa de Wajngarten atua junto à Artplan averiguando se anúncios comprados pela agência foram efetivamente veiculados.
A Artplan já foi denunciada pelo MP por envolvimento em esquema de desvio de dinheiro, além de ter levantado suspeitas de favorecimento em licitações. A Pública questionou a agência sobre os valores gastos no sistema de anúncio do Google. A Artplan respondeu que “fez a intermediação da compra entre Secom e Google, referente ao pacote ‘Formas Inovadoras de Comunicação’”, comercializado pela plataforma, mas que “o suporte e distribuição da campanha foram executados pelo próprio Google, respaldados pelas políticas da sua plataforma”.
Além da Artplan, a Secom fechou contratos para anúncios em redes sociais com a Calia Y2, agência que, antes da gestão de Wajngarten, era a que mais recebia verbas públicas da secretaria. A Calia Y2 fechou contratos para ações em redes sociais em duas campanhas que passam imagem “positiva” do governo Bolsonaro, como revelou a Pública em reportagem, e atuou na divulgação no Google para as campanhas “Dia da Amazônia”, para “mostrar como o Brasil defende e conserva o bioma”; e “Brasil no Exterior”, para melhorar a imagem do governo Bolsonaro no exterior. Foi a empresa responsável pela “Proteger Vidas e Empregos”, em substituição à campanha “O Brasil não Pode Parar”, vetada pela Justiça. Custou R$ 5,3 milhões aos cofres públicos, por intermédio da Secom.
A reportagem questionou a Secom sobre a segmentação utilizada nos anúncios da Previdência e sobre outras campanhas veiculadas no Google, mas não obteve resposta até a data de publicação.
Entre tantas figuras polêmicas e controversas que integram o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o jornalista Sérgio Nascimento de Camargo, atual presidente da Fundação Palmares, chama a atenção por ter um histórico e atuação que destoam do cargo ocupado.
A equipe Bereia fez um levantamento dos principais fatos que envolvem Sérgio Camargo e sua atuação polêmica frente à Fundação Palmares.
Sérgio Nascimento de Camargo foi nomeado presidente da Fundação Palmares, em 27 de novembro de 2019, pelo então secretário Especial da Cultura, Roberto Alvim. Segundo o Portal da Transparência, sua remuneração líquida é de R$19.503,94.
A fundação Palmares foi criada em 1988 para promover e preservar a cultura negra no país, com ações de inclusão e sustentabilidade das comunidades remanescentes de quilombos, por exemplo. Entre os objetivos, está o de “apoiar e desenvolver políticas de inclusão dos afro-descendentes no processo de desenvolvimento político, social e econômico por intermédio da valorização da dimensão cultural”.
Muito antes da nomeação, Camargo já era conhecido por suas declarações controversas em redes sociais. Um dia após sua nomeação foi criado um abaixo-assinado na internet contra a sua permanência no cargo. Mais de 80 mil pessoas já endossaram o abaixo-assinado. O Coletivo por um Ministério Público Transformador – TRANSFORMA MP, associação formada por membras e membros do Ministério Público dos Estados e da União, publicou uma nota de repúdio à nomeação de Camargo.
Camargo é contra o sistema de cotas, defende a extinção do “Dia da Consciência Negra”, diz que a escravidão foi benéfica para os descendentes e que o racismo não existe no Brasil.
Em seu perfil na mídia social Twitter, Sérgio Camargo se define como “negro de direita, contrário ao vitimismo e ao politicamente correto”. Entre suas publicações mais polêmicas, Sérgio afirmou que a escravidão foi terrível, mas “benéfica para seus descendentes” uma vez que, segundo ele, os negros no Brasil vivem em melhor situação que os negros da África.
Camargo também defende abertamente o fim do Dia da Consciência Negra, que, em suas palavras, “é uma data que a esquerda se apropriou para propagar vitimismo e ressentimento racial”.
(Reprodução/ Twitter)
Camargo causou reações por menções a ex-vereadora assassinada Marielle Franco, ao escrever “Marielle jamais será heroína legítima dos negros brasileiros, exceto para os esquerdopatas, os que estão nas biqueiras e nos presídios”.
(Reprodução/ Facebook)
Embora se diga um negro conservador de direita, Sérgio Camargo é filho de escritor ativista Oswaldo Camargo, especialista em literaturanegra e militante do movimento negro. O autor é um dos mais importantes representantes do gênero literário no Brasil.
O irmão de Camargo também é contra seus posicionamentos. Waldico Camargo, que é músico e produtor divulgou um abaixo-assinado contra a nomeação do irmão, para presidir a Fundação Palmares no mesmo dia do anúncio da nomeação.
O anúncio gerou diversas reações populares contrárias, tanto que em 04 de dezembro o juiz Emanuel José Matias Guerra, da 18ª Vara Federal do Ceará determinou a suspensão de sua nomeação em ação movida por advogado. Guerra afirmou que havia diversas publicações do jornalista que tinham o “condão de ofender justamente o público que deve ser protegido pela Fundação Palmares”.
Em 12 de fevereiro de 2020 o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) derrubou a liminar da Justiça Federal e autorizou a nomeação de Sérgio Camargo para a presidência da Fundação Palmares. Em uma de suas primeiras ações à frente da Fundação, Camargo excluiu sete órgãos colegiados: o Comitê Gestor do Parque Memorial Quilombo dos Palmares; a Comissão Permanente de Tomada de Contas Especial; o Comitê de Governança; o Comitê de Dados Abertos; a Comissão Gestora do Plano de Gestão de Logística Sustentável; a Comissão Especial de Inventário e de Desfazimento de Bens e o Comitê de Segurança da Informação.
Em 13 de maio, data que relembra a promulgação da Lei Áurea no Brasil, os perfis institucionais da Fundação Palmares nas mídias sociais divulgaram textos que propunham o revisionismo da figura de Zumbi dos Palmares, que coloca em xeque informações sobre a figura de Zumbi. A justiça federal determinou em ambos os artigos – “Zumbi foi um herói?”, da professora Mayalu Felix, e “Zumbi e a Consciência Negra – Existem de verdade?”, do professor Luiz Gustavo dos Santos Chrispino,- fossem retirados do ar, sujeito `multa de 1000 (mil) reais por dia em que o conteúdo ficasse visível na página.
No dia 18 de maio, deputados do PT e Psol apresentaram à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão uma representação contra o jornalista Sérgio Camargo. Os parlamentares pediam denúncia criminal do jornalista por declarações incompatíveis com o cargo que ocupa.
No dia 19 de maio, o advogado Hélio Silva Júnior, atuante na defesa do patrimônio afro-brasileiro, protocolou uma ação popular na 22ª Vara Cível Federal de São Paulo, que pedia a suspensão de peças publicitárias veiculadas nas mídias sociais e no site oficial da Fundação Cultural Palmares.
As publicações dos perfis institucionais da Fundação Palmares causaram reações em coletivos em diversos estados do Brasil que em 20 de maio organizaram um abaixo-assinado em repúdio às postagens.
No dia 02 de junho, surgiu outra polêmica relacionada a Camargo. Em áudio vazado de uma reunião a portas fechadas, Sérgio Camargo declarava, novamente, seu posicionamento contra o movimento negro, que chamou de “escória maldita que abriga vagabundos”, além de atacar mais uma vez a memória do herói negro Zumbi dos Palmares, a quem se referiu como: “filho da puta que escravizava pretos”.
No áudio, obtido pelo jornal O estado de S. Paulo, o presidente da Fundação se refere à mãe de santo Adna dos Santos como “macumbeira”. “Tem gente vazando informação aqui para a mídia, vazando para uma mãe de santo, uma filha da puta de uma macumbeira, uma tal de Mãe Baiana, que ficava aqui infernizando a vida de todo mundo”, afirmou ele.
No dia 03 de junho a religiosa citada na gravação procurou a Polícia Civil do Distrito Federal para prestar queixa por discriminação religiosa cometida por Sérgio Camargo. O caso foi registrado como injúria racial e discriminação racial.
No dia 04 de junho, a cantora Teresa Cristina fez um show ao vivo com músicas de umbanda via Instagram do qual a cantora Alcione participou. No show, Alcione fez um comentário sobre Sérgio Camargo: “Hoje eu vi aquela matéria do Zé Ninguém lá da Fundação Palmares. Ainda dou na cara dele para parar de ser um sem noção”, disse ela.
Camargo usou seu perfil no Twitter para rebater o comentário da cantora: “Alcione, vê se enxerga! Admiro Jessye Norman, umas das maiores cantoras de ópera da história da música, não uma barraqueira que incita ao crime e à violência contra um negro que tem opiniões próprias. Desprezo suas declarações, assim como sua insuportável ‘música’!”
Desde a semana do dia 8 de junho algumas páginas do site da Fundação Palmares que tratavam da história de vários ativistas do movimento de igualdade e justiça racial brasileiro foram retiradas do ar. Artigos sobre Zumbi dos Palmares, que dá nome à Fundação, dos abolicionistas Luís Gama e André Rebouças são algumas das biografias que não podem mais ser encontradas no site.
Sérgio disse em seu Twitter que mandou excluir do site da Fundação artigos sobre o que chamou de ícones da esquerda vitimista. “Determinei, quando tomei posse, a retirada de lista de personalidades que homenageia, entre outros, Benedita da Silva e Marielle, ícones da esquerda vitimista. A lista retornará após revisão. “Personalidades negras” destituídas de mérito e nobreza não serão homenageadas na minha gestão”.
Devido à sua ação de remover os artigos, a Rede Sustentabilidade entrou com um pedido de liminar para afastar Sérgio Camargo do cargo. No pedido houve a alegação de que Camargo não poderia permanecer na presidência do órgão por “ostentar publicamente opinião contrária às finalidades da instituição”. Na segunda-feira, 15 de junho, a ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Regina Helena Costa, negou o pedido.
Sobre o apagamento de artigos, Sérgio Camargo voltou a se pronunciar em seu Twitter na segunda-feira (15): “A Fundação Cultural Palmares não pertence ao movimento negro, conjunto de escravos ideológicos da esquerda, ínfima minoria dos negros brasileiros“. “A Fundação pertence ao povo brasileiro, de todos tons de pele, sem qualquer distinção”.
Esta afirmação é desinformativa uma vez que, oficialmente, a Fundação Palmares é uma “instituição pública voltada para promoção e preservação dos valores culturais, históricos, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira”.
Ministra do STJ rejeita liminar para afastar Sérgio Camargo da presidência da fundação Palmares. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2019/11/nomeado-para-palmares-que-ataca-movimento-negro-e-filho-de-escritor-ativista.shtml
Sérgio Camargo ataca movimento negro. Disponível em: https://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2020-06-16/ministra-do-stj-rejeita-liminar-para-afastar-presidente-da-fundacao-palmares.html
Waldico Camargo repúdia nomeação do irmão para presidência da fundação. Disponível em: https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/politica/presidente-da-fundacao-palmares-exclui-orgaos-e-passa-a-concentrar-decisoes-1.2220573
Sérgio Camargo exclui biografias do site oficial da fundação. Disponível em; https://oglobo.globo.com/cultura/biografias-de-icones-do-movimento-negro-desaparecem-de-site-da-fundacao-palmares-1-24481027
Jornal O estado de São Paulo divulga áudio no qual Sérgio Camargo ataca novamente o movimento negro. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,presidente-da-fundacao-palmares-chama-movimento-negro-de-escoria-maldita-ouca-audio,70003322554
As influências do líder religioso mais poderoso do país durante a pandemia do novo Coronavírus
Na sexta-feira, 12 de junho, jornais de todo o país surpreenderam fiéis e seguidores do Bispo Edir Macedo, após a divulgação de uma nota oficial anunciando a cura do líder e fundador da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) do novo Coronavírus (Covid-19).
Segundo a nota, após o diagnóstico positivo, ele teria sido internado na segunda-feira, 08 de junho, no Hospital Moriah, em São Paulo.
Portador de doenças crônicas como diabetes e hipertensão, o bispo de 75 anos faz parte do grupo de risco, tornando-se mais suscetível a complicações.
Durante a hospitalização, o líder religioso teria sido tratado com um coquetel de medicamentos que incluía a cloroquina.
“Tomei todos os medicamentos indicados pelos médicos, entre eles a hidroxicloroquina, e estou bem“, afirmou Macedo.
De acordo com a equipe médica coordenada pelo cardiologista dr. Leandro Echenique e o urologista Dr. Ricardo Teixeira, Edir Macedo respondeu muito bem ao tratamento.
“Ele evoluiu sem intercorrências, apresentou uma ótima evolução clínica e se recuperou totalmente“, disse o cardiologista Leandro Echenique.
Edir Macedo Bezerra recebeu alta médica na sexta-feira, 12 de junho, após passar cinco dias internado.
Repercussão
A notícia de que Macedo foi contaminado pela Covid-19 começou a circular na noite de quinta- feira (11). De acordo com o portal da Revista Fórum, ao serem questionados, superiores da Record negavam a informação.
Todavia, o jornalista Erlan Bastos, do Portal Meio Norte, deu a notícia com exclusividade e adendos. Segundo o jornalista, o religioso estaria tentando manter sua internação totalmente em sigilo, usando o pseudônimo Josué, para não ser reconhecido nem exposto pela imprensa.
Com a ampla divulgação da internação e cura de Edir Macedo, vídeos e questionamentos rondam as redes sociais sobre a veracidade do caso.
Em resposta, o Bereia entrou em contato com a assessoria de comunicação do hospital solicitando uma nota sobre a internação do paciente. Segundo a assessoria, “o Hospital segue o pedido de privacidade dos pacientes. E como o Sr. Edir já teve alta, não temos como dar nenhuma informação, apenas que passou pelo Hospital e teve alta.”
Devocional é mantido durante internação
Observamos que, ao longo da semana de internação, as mensagens diárias de exposição bíblica feitas pelo bispo e transmitida através de suas redes sociais foram gravadas em um ambiente distinto do habitual. Aparentemente, o cenário atual mostrava a imagem de um biombo como plano de fundo. O que difere dos espaços anteriores com paisagens e um requintado escritório com fotos da família Macedo.
No primeiro vídeo, datado no dia 8 de Junho, supostamente o primeiro dia de sua internação, o bispo aparece em uma imagem desfocada e visivelmente desconfortável, se inclinando sobre a câmera para enviar a mensagem bíblica com o tema “aflição”, citando o Salmos 119:71:
“Foi-me bom ter sido afligido, para que aprendesse os teus estatutos “
Nos dias subsequentes, o cenário continuou o mesmo até sábado, 13 de junho. No domingo (14), em um cenário com quadros, Bispo Macedo agradeceu o carinho e revelou não ter sofrido muitas alterações durante a semana de internação, exceto “cansaço e falta de apetite”.
“Olá, meus amigos. Muito bom dia. Deus abençoe a todos vocês, como tem abençoado a mim. Eu gostaria de agradecer o carinho imenso, o amor e a atenção de todos aqueles que nos têm querido bem. Então, nós só esperamos que Deus possa recompensar a cada um de vocês, de acordo com o que Ele tem nos recompensado. Eu gostaria que você soubesse, minha amiga, meu amigo, que durante esses dias, essa semana toda, praticamente em convalescença. Quer dizer, recuperando, mas tomando os devidos cuidados, as devidas precauções, por orientações médicas. Você sabe, a gente já não é mais criança, nós temos já 75 anos, então essa idade já é um pouco delicada. Mas Deus tem nos guardado. Guardou a Ester, guardou as meninas, guardou os nossos colegas, Graças a Deus.
“O que tenho aprendido com essa situação que nós vivenciamos é que tudo coopera para o bem daqueles que amam a Deus”, disse sorrindo.
E continuou: “A gente fica irritado, a gente come menos, não quer comer nada. Eu não senti grandes ‘transformações’, só falta de apetite e um pouco de cansaço, por conta da situação do Coronavírus. Mas o que eu tenho pra dizer pra vocês é isso: Deus é grande, Graças a Deus. E uma das coisas que mais tem acentuado pra mim são os detalhes que Deus nos dá. Você não tem ideia de como, eu sempre valorizei muito, muito mesmo, o sol. Mas nunca valorizei tanto quanto nos últimos dias. O sol à pino. É como se Deus estivesse sorrindo pra mim, muito legal, mas muito legal mesmo”, disse o Bispo sorrindo e continuou “Ele me abraçando, me protegendo, Ele me dando o seu calor e me dizendo: Eu estou aí com você, Graças a Deus.”
“Então, minha amiga, meu amigo, fique firme porque o sol da justiça nunca, jamais, em tempo algum, vai enfraquecer. Ele sempre estará presente. Observe o sol. Hoje não tá um sol legal, hoje tá um tempo ruinzinho aqui em São Paulo, um ventinho frio, mas o sol vai sair, se não sair hoje, logo mais sai amanhã ou logo mais, mas ele vai se fazer presente, como se fosse Deus na nossa vida, brilhando pra gente, muito legal. Que Deus te abençoe, minha amiga, meu amigo, fique firme, você que tá passando nesse momento um tempo difícil, fique firme, porque Ele é com você, tanto quanto é comigo. A palavra dele não falha. Deus abençoe e tenha um excelente dia, no nome de Jesus”, concluiu.
Posicionamento de Edir Macedo sobre a Covid-19
Antes mesmo das autoridades e órgãos de saúde se posicionarem sobre a pandemia do novo Coronavírus, a IURD publicava em seus canais midiáticos, textos e vídeos com chamadas apocalípticas sobre o “fim dos tempos” em relação ao Coronavírus na China.
No início da pandemia,o bispo Edir Macedo publicou um vídeo em 15 de março, no qual minimizava a gravidade do novo Coronavírus e afirmava que a pandemia era uma “tática de Satanás”, uma estratégia da mídia “para apavorar as populações e nações”. Para reforçar seus argumentos, o bispo compartilhou a gravação de um vídeo do médico patologista Beny Schmidt, que diz que o vírus não é patogênico nem letal. Essas informações, no entanto, vão contra evidências científicas e dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) que, até aquele momento, apontava que 3,9% dos casos já registrados da doença resultavam em morte.
“Meu amigo e minha amiga, não se preocupe com o Coronavírus. Porque essa é a tática, ou mais uma tática, de Satanás. Satanás trabalha com o medo, o pavor. Trabalha com a dúvida. E quando as pessoas ficam apavoradas, com medo, em dúvida, as pessoas ficam fracas, débeis e suscetíveis. Qualquer ventinho que tiver é uma pneumonia para elas”, afirmava Macedo.
Após a polêmica em torno do vídeo e a exclusão feita pelo médico que o apoiou, a gravação foi retirada da plataforma,
Posicionamento da IURD sobre a Covid-19
Em 17 de março, após o polêmico vídeo envolvendo o bispo Edir Macedo, Renato Cardoso, responsável pela igreja em todo o mundo, desde 2017, genro de Edir Macedo e apresentador do programa The Love School, gravou um vídeo declarando o posicionamento da Igreja Universal sobre o novo Coronavírus.
Em um dos trechos (18’10”), Renato disse que “o pior vírus é o medo que gera o pânico e problemas maiores”.
O porta-voz da Igreja declarou a aliança entre a Igreja Universal e o governo Bolsonaro (11’20”). Posicionando-se de tal forma que, suas palavras eram similares ao discurso de ministros que estavam na linha de frente:
“Primeiramente, quero falar da Igreja como aliada do governo. A igreja como aliada das autoridades (…) vocês devem ver a Igreja como aliada da sociedade às causas do governo. Eu sei que o governo está preocupado. O Brasil e o mundo estão à beira de um colapso comercial, parcialmente por causa deste pânico que está se alastrando e o governo quer prevenir esse colapso comercial ao mesmo tempo que, quer prevenir esse colapso do vírus. Então, é um equilíbrio difícil a ser alcançado. É como uma balança. Como deter a contaminação do virus e não permitir que o país vá à falência?Não é um equilíbrio fácil. Aí que a Igreja pode ajudar. Sabe porquê? Porque o povo da Igreja ouve a voz do pastor. O povo da igreja ouve a voz do seu líder religioso. Seja o padre, seja o pastor, seja o monge, seja quem for, eles ouvem a voz dos seus líderes. Então, vocês precisam pensar se é inteligente cortar o contato dos líderes religiosos com os seus membros”.
Na época, fazendo coro com o governo e líderes neopentecostais, os principais pastores midiáticos, próximos da bancada evangélica, se opuseram ao fechamento das igrejas e negavam os riscos do Coronavírus.
Testemunho de cura na IMPD (Reprodução/ Instagram)
Em 24 de março, o membro da família Macedo, Bispo Renato Cardoso, voltou a declarar o posicionamento da Igreja, mas agora com um tom apocalíptico.
Em nota, a Igreja Universal disse que serviços religiosos foram considerados essenciais por decreto presidencial e que está tomando medidas de “cautela sanitária”, como oferecer álcool em gel e pedir para que os fiéis sentem longe uns dos outros nos locais onde os cultos estão sendo realizados — suspensos nos Estados que os proibiram.
“Nas localidades onde está proibida a realização de cultos em templos religiosos, a Universal está aberta apenas para orações individuais e auxílio espiritual, e observando todas as cautelas sanitárias”, diz a igreja.
Quem “inventou” o Coronavírus?
Logo no início de abril, em uma de suas palestras para casais, Cardoso brincou com a esposa no púlpito do Templo de Salomão dizendo ter “descoberto quem inventou o Coronavírus“, para a surpresa e constrangimento da esposa:
“Só pode ter sido uma mulher que inventou o Coronavírus”, disse o bispo rindo.
“Só pode ter sido uma mulher, porque conseguiram cancelar o futebol, fechar os bares e manter os maridos em casa, só pode ter sido uma mulher que inventou”, disse rindo, enquanto a esposa e herdeira de Macedo, Cristiane Cardoso, ria em silêncio.
Segundo o líder, “o bom humor é a válvula de escape para os estresses que inevitavelmente vem com o relacionamento. Então, decida não se deixar levar pelas más notícias e mantenha o bom humor”.
Hospital Moriah
Braço comercial da operadora de saúde da IURD
Segundo a biografia “O reino: A história de Edir Macedo e uma radiografia da Igreja Universal”, escrita por Gilberto Nascimento, o bispo transcendeu “o cuidado com as almas, passando a se preocupar com a salvação dos corpos”. Isso porque, o empresário passou a oferecer serviços médicos hospitalares, “fazendo disso uma nova fonte de renda e economia”.
“A Universal controla a operadora de plano de saúde “Life Empresarial Saúde”. Funcionários da Record, bispos e pastores usam o convênio médico”. Segundo o livro, “o desejo de Macedo é transformar a Life numa gigante do setor”.
“No mercado desde 2002, a empresa, dirigida pela médica e fiel da Universal Eunice Harue Higuchi, possuía 31,6 mil beneficiários. A operadora pretende contar com uma rede nacional de hospitais, sendo o primeiro deles inaugurado em São Paulo, em 2015, na antiga sede da Record, em Moema, próximo do aeroporto de Congonhas”.
Antes e depois do atual Hospital Moriah
Seguindo a estratégia de aproximar o Hospital de elementos da Universal e símbolos do judaísmo, Macedo deu o nome do hospital de “Moriah”, em alusão a colina rochosa onde o Rei Salomão construiu o templo para Deus e Abraão ofereceu o seu filho, Isaque, como sacrifício. Além de pontuar como seus valores o atendimento humanizado com enfoque no “amor ao próximo”, utilizando do versículo bíblico como orientação de atendimento.
Um ano antes, em 2014, foi inaugurado “O Templo de Salomão, considerado o segundo maior templo da América Latina.
Os investimentos na construção do Moriah totalizaram R$105 milhões de reais. A meta é faturar R$500 milhões ao ano. Inicialmente com 52 leitos, 31 deles são eletivos, 5 salas cirúrgicas, sendo uma delas híbrida; 11 de UTI e 10 leitos no pronto atendimento, além de 6 salas para consultas eletivas. Com equipamentos de última geração, o principal foco de atuação são as cirurgias de alta complexidade nas áreas de neurologia, cardiologia e ortopedia. Além do tratamento especializado em urologia e próstata.
Com capacidade para 5.000 atendimentos e 450 cirurgias por mês, o Hospital segue os padrões internacionais de tecnologia e segurança, sendo considerado um dos mais modernos do país.
Destaca-se o projeto arquitetônico do local, revestido por uma abóbada em vidro, que lembra arranha-céus do Emirados Árabes.
O Hospital-Hotel é um dos primeiros no Brasil a oferecer serviços “conceito 5 estrelas”, exclusivo para pacientes do exterior em busca de tratamento no Brasil. Oferecido a empresários, políticos, médicos e líderes influentes de países africanos.
Em denúncia feita por um ex-pastor da Universal, o Hospital Moriah junto a outros hospitais de alta complexidade, como Albert Einstein e Sírio Libanês, teria isenção tributária caso realizasse atendimento filantrópico para pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). Todavia, o Hospital teria se recusado a atender pessoas “pobres”. O pastor relembra que era cobrado o pagamento de R$ 100 reais por pastor, porém, funcionários da igreja, como obreiros e pastores não podiam utilizar os serviços prestados pelo Hospital.
De acordo com o manual de contratação, a fé e a espiritualidade é um dos principais requisitos para a admissão. Logo, a maioria dos funcionários são fiéis da Igreja Universal. Além de frequentemente realizarem no complexo hospitalar congressos internacionais, palestras e estudos sobre medicina que envolvem a fé, como o evento “Jornada de Fé e Ciência” (AMEC) que reuniu profissionais de saúde cristãos.
Professores e cientistas renomados, das mais importantes universidades brasileiras realizam procedimentos cirúrgicos, aulas e palestras no Hospital Moriah.
Ao todo, o grupo Life Empresarial Saúde também conta com uma unidade de atendimento ambulatorial com diversas especialidades e uma clínica especializada no tratamento de dores em São Paulo.
Em fevereiro deste ano, a empresa Teixeira Duarte Engenharia e Construções foi responsável pela obra de expansão do Hospital Moriah, em São Paulo, e entregou recentemente o centro cirúrgico totalmente reformado e modernizado.
Desde o início da pandemia, o hospital é considerado referência na prevenção do Coronavírus, com alas exclusivas para pacientes infectados.
Ala específica para atender pacientes com Coronavírus (Reprodução/ YouTube)
Em agosto de 2009, com a suspeita de ser uma “empresa laranja” por ser associada ao Grupo Universal, o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) – do Ministério Público de São Paulo – pediu à Justiça a quebra dos sigilos fiscal e bancário de todas as empresas e pessoas ligadas ao grupo Universal citadas em uma investigação da Receita estadual paulista, investigando assim, as empresas do religioso mais rico do país, incluindo a Life Empresarial Saúde.
Até o momento, a Life Empresarial Saúde soma quase 200 processos judiciais, muitos deles, oriundos de funcionários da Record TV que alegam práticas abusivas da emissora sobre a obrigatoriedade do pagamento do convênio de saúde suplementar.
“Durante o ato de homologação das demissões na sede do Sindicato dos Trabalhadores em Rádio, TV, e Publicidade da Bahia (Sinterp/BA), a coordenação tomou conhecimento de mecanismos de desprestigio e constrangimento aos funcionários, entre as quais: inabilidade do setor de Recursos Humanos; e preços abusivos do plano de saúde “Life Empresarial”que pertence ao próprio grupo da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD).”
Em contato com a assessoria de comunicação do hospital, o Bereia confirmou os dados citados acima, incluindo a internação do líder espiritual:
Sim, ele esteve internado no Moriah. O nome Moriah é apenas uma menção ao Monte Moriah, em Israel. O Hospital Moriah faz parte do Grupo Life Empresarial, que faz parte da Igreja Universal, assim como a Rede Record.
A cloroquina, Edir Macedo e Jair Bolsonaro
Imagem em inglês que diz “Deus salve a Cloroquina” (Reprodução/ Instagram)
Macedo foi tratado com um coquetel de medicamentos que incluía a cloroquina — como defende o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o novo protocolo do Ministério da Saúde — e está “completamente recuperado da doença”.
Neste contexto, a figura de um líder religioso de destaque no Brasil faria toda a diferença na divulgação do medicamento. Dono da segunda maior emissora do país, a IURD tem mais de oito milhões de fiéis em mais de 180 países.
Logo, é perceptível que os posicionamentos do bispo Edir Macedo e da IURD sobre a Covid-19 e o uso da cloroquina estão alinhados com as opiniões de Jair Bolsonaro. No início da quarentena, no dia 21 de março, Bolsonaro anunciou em uma de suas lives: “Decidimos que os laboratórios químicos e farmacêuticos do Exército devem ampliar imediatamente a produção desse medicamento [cloroquina]”.
Em 23 de março, o Laboratório Químico Farmacêutico do Exército (LQFEx) começou a produzir a cloroquina em larga escala. Segundo a Revista Veja, a média da produção do laboratório do Exército era em torno de 200 e 250 mil comprimidos a cada dois anos, já que ela era voltada ao consumo interno e para combater a malária. A nova meta de produção, em meio à pandemia, é o de 1 milhão de comprimidos por semana.
Em 25 de Março, o governo federal zerou o imposto de importação da cloroquina através da resolução nº 22/2020. Em sua conta no Twitter, o presidente explicou que a medida visa facilitar o combate ao novo coronavirus (Covid-19) e que os medicamentos são para uso exclusivo em hospitais e para pacientes em estado crítico”
No dia 31 de março, ele repetiu a promessa em rede nacional, dizendo ter ordenado “a fabricação de 1 milhão de comprimidos em 12 dias, de cloroquina, pelo Exército”,
No mesmo dia, em sua conta no Facebook, o presidente anunciou que o reajuste do valor dos medicamentos seria adiado por dois meses, em razão da pandemia do novo coronavírus, após acordo com a indústria farmacêutica.
De acordo com a Revista Carta Capital “antes de demitir Luiz Henrique Mandetta, o presidente Bolsonaro conseguiu dele um protocolo de prescrição da droga para pacientes do SUS em estado grave. Em 7 de abril, a autorização se estendeu a todos os pacientes internados. Mandetta caiu dez dias depois.”
Em uma matéria realizada no dia 17 de Abril, o Hospital Moriah, usado como fonte frequente nas pautas do jornalismo da Record TV, revelou a cura do Coronavírus em pacientes que usaram a hidroxocloroquina. Mesmo sem estudos comprobatórios sobre sua eficácia, o medicamento é administrado no hospital de Edir Macedo, em pacientes com Covid-19 em “casos leves”. No dia, o Jornal da Record teve uma média de 9,9 pontos na audiência.
No mesmo dia, a agência Lupa desmentiu várias informações falsas sobre o medicamento.
No Brasil, há 53 estudos registrados na Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) que analisam os efeitos da cloroquina a retrovirais, além de outras tecnologias como plasma sanguíneo e células tronco, em pacientes com Coronavírus.
Duas empresas privadas fabricam a cloroquina no Brasil: a EMS produz a versão genérica — a patente da cloroquina venceu há décadas. O grande desafio da EMS, que foi pioneira no setor de remédios genéricos no Brasil, é alcançar isoladamente a liderança no segmento que ajudou a desenvolver no País. Em uma briga de gigantes, a também brasileira Medley, comprada pelo grupo francês Sanofi-Aventis por R$ 1,5 bilhão, em abril de 2009, lidera nessa área com 32,67% de participação.
Após várias declarações do uso da cloroquina pelo presidente norte-americano, apurou-se que Trump tem uma pequena participação financeira na Sanofi, empresa francesa que é uma das maiores fabricantes do medicamento. Além disso, uma das principais acionistas da Sanofi é uma empresa administrada por Ken Fisher, grande doador do Partido Republicano.
A outra empresa brasileira é a Apsen farmacêutica, com Renato Spallicci no comando, um ferrenho aliado de Jair Bolsonaro. Segundo a revista Exame, um plano emergencial foi feito para triplicar a produção do Reuquinol, com turnos extras nos fins de semana, mesmo sem comprovação de eficácia contra o Covid-19.
Ou seja, o estímulo ao consumo da cloroquina decorre da produção em massa do produto, feita por empresas aliadas ao governo e dos militares, através dos laboratórios das Forças Armadas.
“à medida que a evidência científica de que o uso de hidroxicloroquina (HCQ), com ou sem o antibiótico azitromicina (AZ), no combate à COVID-19 em pacientes hospitalizados é, na melhor das hipóteses, inútil – quando não perigoso –, os apóstolos fervorosos da cura mágica abraçam, com gosto, uma manobra clássica do repertório das pseudociências: mudam de alegação, adotando uma que confunde com mais facilidade. No caso, a de que a combinação HCQ+AZ funciona sim, mas requer uso precoce, “bem no início dos sintomas”, antes que se faça qualquer exame diagnóstico.”
No dia 1º de junho, Jair Bolsonaro autorizou o reajuste nos preços dos medicamentos em até 5,2%. O aval foi publicado em edição extra do “Diário Oficial da União”
Segundo o jornalista Jamil Chade,”nas últimas semanas, o governo brasileiro chegou a comemorar a decisão da Casa Branca de destinar ao Brasil duas milhões de doses do remédio, enquanto o assessor de Jair Bolsonaro, Arthur Weintraub, sugeriu que “um tribunal de Nuremberg fosse estabelecido contra as pessoas que se recusarem a receitar o remédio”.
Curiosamente, no início do ano, Nelson Mussolini, presidente executivo do Sindicato da Indústria Farmacêutica do Estado de São Paulo (Sindusfarma) disse:
Nosso setor é o último a entrar na crise e o primeiro a sair dela”
Com o avanço da descoberta dos corticoides, na última semana, os Estados Unidos colocou fim aos estudos com hidroxicloroquina. De acordo com o Instituto Nacional de Saúde do país, o medicamento, elogiado por Donald Trump, não traz benefícios ao tratamento.
No Brasil, o cenário é outro, com a desistência internacional da cloroquina, a corrida agora é contra o prazo de validade, já que se acumulam caixas e mais caixas de produção do remédio. Sob a ajuda de Macedo e o pico da pandemia no país, médicos relatam que estão sendo ameaçados por não receitarem cloroquina.
A cura espiritual versus a cura pela cloroquina
A notícia da cura de Edir Macedo repercutiu na mídia nacional e internacional de modo que, em resposta ao COVID-19, o milagre seria a cloroquina.
A IURD está presente em 23 países africanos e a postura de Macedo foi questionada no artigo “E a água” escrito no jornal africano “O Pais“, ao ironizarem onde está o poder da “fogueira santa, a água que cura”.
Segundo uma pesquisa recente do instituto Datafolha, os evangélicos continuam sendo um dos grupos em que Bolsonaro tem aprovação. E, embora a maioria dos evangélicos no Brasil seja a favor das medidas preventivas, o índice dos que são contra o isolamento e acham que a população deve sair para trabalhar (de 44%) é maior entre esses religiosos do que na população em geral (37%).
Em entrevista a BBC, o sociólogo Clemir Fernandes, do Instituto de Estudos da Religião (Iser), diz que os fiéis usam notícias cientificas para acreditar na eficácia do remédio:
“Muitas das pessoas que defendem o uso da cloroquina (remédio que está sendo testado e ainda não tem eficácia comprovada) compartilham pesquisas que foram feitas com a substância, por exemplo”, diz ele. “Se fosse uma descrença total por causa da religião, isso não aconteceria. Ou seja, é problema muito mais de posicionamento político e ideológico do que a dificuldade em encaixar a ciência com a espiritualidade.”
Portanto, Bereia conclui que, em meio à uma tríade de apoiador contumaz do governo, o empresário e líder espiritual, Bispo Macedo encabeça o papel daqueles que apoiam as políticas públicas com interesses, como citado no texto “Quando líderes religiosos barganham no mercado político”, de Magali Cunha:
“Em nome do negócio político, os olhos dos religiosos se fecham às injustiças do governo e às necessidades da população enquanto os valores da tradição cristã são relativizados.“
Ainda segundo a reportagem feita pela Pública, a aliança de Edir Macedo com Bolsonaro envolve a presidência da Câmara, cargos no governo e perdão de dívidas às igrejas.
Mas o que vemos é que vai além. O poder da cura não está mais em Cristo, mas na cloroquina. Como empresário que improvisa soluções “paliativas”, o poder está na reabertura das igrejas e no consumo da fé e, por último, o Coronavírus já não é mais uma “tática satânica”, ela é apenas uma gripe que dura uma semana e já tem medicamento para curá-la.
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Referências de checagem:
Nota – IURD – Edir Macedo vence a Covid-19 e rece alta médica em São Paulo. Disponível em: https://www.universal.org/noticias/post/bispo-edir-macedo-vence-a-covid-19-e-recebe-alta-medica-em-sao-paulo
UOL – Edir Macedo e Covid-19 https://www.tvefamosos.uol.com.br/noticias/redacao/2020/06/12/edir-macedo-covid-19.amp.htm
Instagram – Imagem do dr. responsável por Edir Macedo, Leandro Echenique
O site Pleno News publicou em 09 de junho a notícia “Transmissão de Covid-19 por paciente sem sintomas é rara” que destaca a declaração de Maria Van Kerkhove, infectologista e chefe do departamento de doenças emergentes da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre a propagação da Covid-19 a partir de pacientes assintomáticos ser “muito rara”. De acordo com a porta-voz da OMS, os dados levantados mostraram que pessoas que não apresentam sintomas do vírus têm pouco potencial infectológico para contaminar indivíduos saudáveis. Esse pronunciamento foi feito em 08 de junho. Devido à polêmica causada pela declaração, logo em seguida, a infectologista Maria Van Kerkhove, justificou que ainda não há definição de quantas pessoas são assintomáticas.
Matéria publicada pelo Pleno.News (Foto: Reprodução/Internet)
No dia seguinte (09/06), a OMS corrigiu a declaração informando que há transmissão e é preciso que iniciativas de isolamento social continuem a vigorar para evitar a proliferação do Coronavírus. A matéria no Pleno News foi publicada à meia-noite do dia 09/06 e atualizada às 8h40 na mesma data. Mesmo depois da correção da declaração pela OMS, o Pleno News não atualizou a notícia, que permanece no site desatualizada.
No Twitter, também em 09 de junho, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, cobrou transparência da Organização Mundial da Saúde com relação a pandemia e chamou a atuação da OMS de “papel problemático”.
Fonte: Reprodução/Twitter
A distorção das declarações da OMS
Não é incomum a distorção ou retirada de contexto das declarações da Organização Mundial da Saúde para permitir diversas interpretações. Em 06 de maio, por exemplo, o site UOL publicou matéria com o título “Fala da OMS é tirada de contexto para dizer que órgão é contra isolamento”. Segundo o site, a informação foi divulgada através do blog Estibordo que tem um viés de política de direita, sendo posteriormente compartilhado uma fala da OMS baseado na entrevista de Margaret Harris, porta-voz da organização para o jornal The Sydney Morning Herald, sobre o afrouxamento da quarentena na Austrália.
O canal da UOL no Youtube publicou em 09 de junho o vídeo “Bolsonaro distorce dado da OMS sobre transmissão de Covid-19 por assintomáticos” no qual o presidente afirma que deve haver uma “reabertura mais rápida” a partir do momento que a OMS realizou divulgação que a disseminação do Coronavírus por pessoas assintomáticas é considerada rara. Durante a Reunião dos Conselhos, Bolsonaro apresentou críticas à OMS no qual reforça o “pânico” causado pelos meios de comunicação.
Assintomático, sintomático ou pré-sintomático?
O canal do portal de notícias O Antagonista, no Youtube, publicou o vídeo “O Erro Sintomático da OMS” em 09 de junho, que esclarece os conceitos de assintomático, sintomático e pré-assintomático. De acordo com dados divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) o pré-assintomático, por exemplo, seria o indivíduo que ainda não apresentou sintomas do Covid-19 e que inclusive pode haver uma contaminação antes do aparecimento dos sintomas. O assintomático é aquele que ainda não desenvolveu os sintomas, ainda. Os sintomáticos são os indivíduos com os sintomas já desenvolvidos.
Em 10 de junho, o Correio Braziliense publicou notícia com o título “Ignorar pacientes assintomáticos é ”mal-entendido’, diz OMS”, na qual há a afirmação de que milhares de pessoas podem ser infectadas e o vírus pode estar presente em qualquer um, inclusive naqueles que não apresentam os sintomas da covid-19, os chamados assintomáticos.
De acordo com Michael Ryan, diretor executivo do Programa de Emergências da OMS:
“Estamos absolutamente convencidos de que a transmissão por casos assintomáticos está ocorrendo, a questão é saber quanto, saber qual é a contribuição relativa de cada grupo para o número total de casos”.
Michael Ryan, diretor executivo do Programa de Emergências da OMS
Na tentativa de elucidar a declaração do dia 08/06, Maria van Kerkhove afirmou que há um subgrupo de pessoas que não desenvolvem sintomas, e não há uma resposta concreta para entender esse grupo, que gira entre 6% e 41% da população mundial. “Mas sabemos que as pessoas que não têm sintomas podem transmitir o vírus”, ressaltou.
Ainda sobre o mesmo assunto, o portal de notícias G1 publicou em 09 de junho notícia com o título “OMS esclarece que assintomáticos transmitem coronavírus: ‘a questão é saber quanto’”. A matéria esclarece que uma pessoa com o Sars CoV-2 assintomática nunca deverá desenvolver os sintomas da Covid-19, sendo que os mais comuns são febre, tosse e dificuldade para respirar. Um paciente pré-sintomático também está com o vírus em circulação no corpo, mas no período de incubação, prestes a desenvolver os sintomas dentro de alguns dias.
Bereia conclui que é enganosa a notícia publicada no site Pleno News sobre as possibilidades de transmissão de Covid-19 por paciente sem sintomas, após verificar notícias e vídeos publicados em 09/06, mesma data da notícia do Pleno News, contendo a correção da fala de Maria Van Kerkhove e da OMS sobre a da declaração proferida em 08 de junho.
Youtube. BOLSONARO DISTORCE DADO DA OMS SOBRE TRANSMISSÃO DE COVID-19 POR ASSINTOMÁTICOS. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=WLY7rEEmBk8>. Acesso em: 16 jun. 2020.
A cantora gospel Fabiana Anastácio publicou “o coronavírus não atingirá a sua casa, porque quem guarda a sua casa é Jesus”
Na última quinta-feira, 04, o novo Coronavírus vitimou de forma fatal a cantora gospel Fabiana Anastácio. Ela era hipertensa e diabética, tendo falecido em São Paulo, após ficar uma semana internada em decorrência da Covid-19, segundo a página da artista no Facebook.
Último clipe lançado durante a internação da cantora
Natural de Santo André (SP), ela era filha de um pastor e de uma maestrina. Fabiana tinha 45 anos e era pastora da igreja evangélica Assembleia de Deus, no bairro Demarchi, em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. De acordo com matéria publicada em 08 de junho, no portal G1 , em 2008, uma apresentação de Fabiana na igreja Assembleia de Deus de Santo André viralizou e ela passou a ser conhecida em todo o Brasil pelos evangélicos. Em 2012, gravou seu primeiro CD intitulado: “Adorador 1″. Outros dois CD’s foram lançados posteriormente: “Adorador 2 – Além da Canção”, em 2015, e “Adorador 3 – Além das Circunstâncias”, em 2017.
Segundo matéria publicada no portal Hoje em Dia no dia 04 de junho, a cantora teria esperado por sete dias uma vaga na UTI em uma unidade pública.
Conforme anunciado na mídia social da cantora no dia 01 de junho, amigos, familiares e fãs se mobilizaram para custear as despesas por meio de uma campanha de arrecadação.
De acordo com o site Correio Braziliense, em matéria publicada no dia 04 de junho, a campanha conseguiu angariar mais R$ 24 mil para ajudar no tratamento de Fabiana.
“Como igreja sabemos que quando uma parte do corpo perece, todo corpo sente a dor ou, pelo menos, deveria sentir. A dor não escolhe cor, nem raça, nem status ou condição… ela simplesmente surge e traz suas consequências. Nesse momento nossa amiga/pastora/cantora Fabiana Anastácio precisa da nossa ajuda para combater o COVID-19, ela está internada no hospital com todos os cuidados necessários, mas com um custo alto para a família, ainda mais nesse momento de recesso de agendas e claro, com algo que ninguém esperava. Estamos todos juntos nessa causa, #SomosTodosFabiana!”, dizia a campanha.
Na já citada reportagem do Hoje em Dia, o esposo e pastor, Ruben Nascimento também foi testado positivo para Covid-19, mas se recuperou. Fabiana e Ruben estavam juntos há 21 anos e casados há 20, tendo gerado três filhos: Ruben Junior, 17 anos, Guilherme, 16 e Lucas, de 13.
De acordo com o marido, a doença evoluiu rápido para Fabiana. Segundo ele, no início, ela tinha sintomas de gripe e foi isolada em casa. Quando piorou, foi para um hospital, testou positivo e ficou internada. Ruben chegou a convocar uma campanha de oração e jejum na segunda-feira, 01.
“Ela continua na UTI do hospital aqui em São Paulo. Seu quadro geral ainda é estável, mas com um pouco de dificuldade pra respirar. Lembrando que essa dificuldade tem a ver com seu peso, ou seja, a recuperação toda tem a tendência de ser mais lenta por causa disso”, dizia o texto.
Contudo, a cantora gospel Fabiana Anastácio morreu na manhã desta quinta-feira, 04. A notícia foi confirmada na página oficial da artista, nas mídias sociais.
Na nota dizia: “Deus decidiu levar, nossa (Fabiana Anastacio Nascimento) para os seus braços. Obrigado a todos pelas orações, ao longo do dia será postado mais informações.
Te Adorarei, te adorarei, quando chegar aí no Céu te adorarei”.
A publicação contou com 191 mil interações, 41 mil comentários e 24 mil compartilhamentos. “Deus decidiu levar, nossa (Fabiana Anastácio Nascimento) para os seus braços. Obrigado a todos pelas orações, ao longo do dia será postado mais informações. Te Adorarei, te adorarei, quando chegar aí no Céu te adorarei”, dizia a legenda.
Ao G1, o Pastor Ruben Souza Nascimento, marido da cantora, afirmou que Fabiana deixa como lembrança para familiares e fãs o sorriso largo e contagiante que carregava e afirma que a cantora “cumpriu sua missão de levar fé e alegria para pessoas de todo o Brasil“.
“Ela era muito bonita, muito alegre. Todo ambiente em que ela estava, era contaminado por alegria e simpatia. Ela cantava e palestrava em igrejas no Brasil inteiro e quem a conheceu sabia que era uma pessoa extraordinária”, disse o p Pastor Ruben em entrevista ao G1 nesta segunda-feira, 08 de junho.
Na entrevista, Ruben ainda afirmou que a missão dele e da família agora é caminhar e, apesar da dor do luto, encontrar forças na fé para superar a perda. O pastor diz que a esposa cumpriu em vida uma importante missão.
Cantora publicou frase sobre o Coronavírus?
Circula nas redes sociais uma frase que teria sido publicada pela cantora Fabiana Anastácio. A postagem, realizada em um perfil do Facebook no dia 05 de junho, salienta na legenda: “O negacionismo é que está matando a população”.
Reprodução/ Facebook
O Coletivo Bereia checou as mídias sociais da cantora, de onde a publicação teria surgido e constatou que a existência da frase é verdadeira e foi postada no Instagram de Fabiana Anastácio no dia 21 de março, período em que os governos se mobilizavam para implantar o sistema de isolamento social como forma de conter o avanço da doença no país.
Cantora gravou áudio alertando sobre Covid-19 enquanto esteve internada?
Circula na internet um áudio atribuído à Fabiana Anastácio, no qual essa afirmaria que a doença não vê religião. Além disso, o áudio alerta os cristãos a ficarem em casa para não se exporem ao vírus.
Segundo a matéria do Boatos.org, diversas histórias falsas de pessoas gravando áudio antes de morrerem já circularam na internet. Outrossim, é perceptível o caráter vago e alarmista da mensagem, sem contar os erros de português e a falta de fontes confiáveis. Todos esses pontos são indicativos de uma fake news.
Confira o áudio :
Mesmo que a mensagem tenha algo de verdadeiro, quando afirma que “a doença não vê religião”, além da sugestão positiva para “que fiquem casa”, o áudio não é da cantora Fabiana Anastácio. De acordo com a assessoria da cantora, Fabiana não teve acesso a nenhum tipo de dispositivo móvel enquanto permaneceu no hospital.
ÁUDIO QUE VAZOU DIZENDO SER A CANTORA FABIANA ANASTÁCIO ANTES DE MORRER!!
Obs: Não foi da cantora!! Entrem nesse canal e vejam!”
Pandemia e o racha entre os evangélicos no Brasil
Em entrevista para a BBC Brasil, o teólogo Kenner Terra afirma que “só de você estar considerando as recomendações da OMS já é quase como um ‘ato de resistência”.
Terra é pastor de uma igreja Batista, coordenador do Fórum Evangelho e Justiça no Espírito Santo e está entre os que defendem as medidas recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para evitar a disseminação da covid-19. Por isso, foi alvo de muitas críticas e comentários agressivos de outros evangélicos contrários ao isolamento.
“As igrejas estão divididas. De um lado líderes que defendem o fim do isolamento, a manutenção dos templos abertos e os cultos presenciais — destes, alguns até entraram em disputa com o Ministério Público do Rio de Janeiro pelo direito de manter as igrejas abertas. Do outro lado, líderes que fecharam os templos, fazem cultos online e pedem que os fiéis orem em casa”, diz a matéria da BBC Brasil.
Para Terra, essa divergência expõe uma divisão nesse grupo religioso que se acentuou durante os últimos anos, à medida que o presidente Jair Bolsonaro assumia uma “aura de autoridade religiosa”. Esses que minimizam a pandemia, continua Terra, “em geral, são grupos que se alinham com o projeto bolsonarista e o acompanham na forma de lidar com a pandemia”.
“Nos últimos dias, pastores como Edir Macedo e Silas Malafaia têm feito um grande desserviço ao combate da epidemia, colocando-se contra o isolamento social e temendo o esvaziamento das igrejas, que é fonte de arrecadação de dízimo e também de formação de coesão social. Mais do que isso, multiplicam-se memes e vídeos no WhatsApp de pastores charlatões, dizendo que quem tem fé está imune, que a epidemia é coisa de satã, uma vingança divina. Também há aqueles que oferecem receitas de cura”.
A relação entre parte do público evangélico e Bolsonaro é de mão dupla. Como exemplo, há a fala de Bolsonaro, no Programa do Ratinho, onde esse se conecta com esses religiosos quando diz que a igreja às vezes é a única coisa que as pessoas têm. Além disso, ele também pediu jejum nacional para combater o vírus com a fé.
Em uma entrevista dada para a jornalista Patrícia Fachin, do Instituto Humanitas Unisinos, a socióloga Rosana Pinheiro-Machado afirma que “o que está em jogo é uma disputa por novos discursos, regimes de verdade e fontes de autoridade”. “São sistemas de pensamentos distintos. Um é baseado em evidência; outro, na autoridade da fé” [].
Conclusão
Bereia conclui ser verdadeira a informação de que a cantora gospel Fabiana Anastácio disse que o Coronavirus não atingirá a sua casa, porque quem guarda a sua casa é Jesus. A publicação está em sua própria página no Instagram. Por outro lado, o áudio atribuído à cantora é falso.
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Referências de Checagem
Metropoles– Frase sobre Coronavirus – Disponível em: https://www.metropoles.com/colunas-blogs/pipocando/o-coronavirus-nao-atingira-sua-casa-disse-cantora-gospel-antes-de-morrer
Circulam pelas mídias sociais de grupos religiosos que fazem oposição ao governo de Jair Bolsonaro, memes e registros, em diferentes versões, de uma suposta fala do Presidente da República na reunião com ministros em 22 de abril, cuja gravação em vídeo foi divulgada em 22 de maio passado. O vídeo foi solicitado pela defesa do ex-ministro da justiça, Sérgio Moro, para ser apresentado como prova no inquérito da Polícia Federal que investiga a denúncia do ex-ministro sobre possível intervenção indevida de Jair Bolsonaro neste mesmo órgão, para atender objetivos pessoais.
O acesso livre ao vídeo da reunião foi liberado pelo Supremo Tribunal Federal, em 23 de maio, inclusive a degravação das falas (com exceção de trechos que mencionam a China e o Paraguai, por questões de segurança nacional), por se tratar de assunto de interesse público.
O conteúdo da reunião chamou a atenção, além dos trechos que podem ser ou não interpretados como prova na investigação em curso, pelo baixo nível do que foi dito pelos líderes nacionais. Houve excesso de expressões de baixo calão, pedidos de prisão de ministros do STF, classificados como “vagabundos”, também de governadores e prefeitos que atuam em medidas de isolamento social contra a COVID-19, além de outras intervenções de ética questionável. Um dos trechos que viralizou nas mídias sociais diz que o Presidente Bolsonaro teria dito: “Se eu precisar de apoio eu peço a um desses bostas aí para pegar uma bandeira e balançar aqui na frente do Palácio”. Seguem algumas das milhares de postagens com diferentes versões do trecho:
O Coletivo Bereia checou a veracidade de tal expressão do Presidente, pois, sua equipe acompanhou com atenção a divulgação do vídeo. Bereia não necessitou de muita pesquisa. Bastou buscar a “degravação do conteúdo do vídeo” da reunião, exposta no site do STF e fazer uma busca por palavras-chave contidas no trecho: “bostas”, “bandeira”, “Palácio”, “idiota”. Apesar de as palavras terem sido encontradas nas falas do presidente e de alguns ministros, nenhuma delas diz respeito à declaração do Presidente Bolsonaro em relação a seus apoiadores tal como divulgado em mídias sociais de oposição.
A frase atribuída a Jair Bolsonaro, portanto, é falsa.
Os impactos e desdobramentos da crise de saúde pública com a pandemia do Covid-19 no Brasil tornam-se ainda mais críticos com as sucessivas crises políticas geradas pelo próprio governo brasileiro e representam uma ameaça à democracia e à dignidade humana. Diante desta situação que resulta em graves consequências, principalmente à população mais pobre, 34 organizações evangélicas assinam a carta “O governante sem discernimento aumenta as opressões – Um clamor de fé pelo Brasil”.
O documento reconhece e apoia as universidades e os centros de pesquisa, bem como seus pesquisadores e cientistas, e repudia a conduta do presidente por seus pronunciamentos contrários às recomendações de especialistas da saúde. O editorial da revista britânica especializada em medicina The Lancet, publicado em 9 de maio de 2020, afirma que há uma condução caótica por parte do governo federal, grande dificuldade de gestão dos dados e de condução de respostas, sejam na área da saúde, sejam na área social.
Nilza Valéria Nascimento, integrante da coordenação nacional da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, uma das signatárias da carta, destaca:
“Não há conflito entre fé e ciência. De modo algum um se opõe ao outro. É triste que tenhamos que nos manifestar sobre isso, em plena pandemia, quando temos que achar, na ciência, caminhos para combater o vírus letal. A fé, deixe, com a fé, o consolo e a esperança”.
Caio Marçal, membro da coordenação nacional da Rede Fale, que também assina a carta, avalia que as igrejas devem jogar um papel fundamental no enfrentamento ao novo Coronavírus por ter forte inserção nas periferias.
“As igrejas poderiam facilitar a inserção de famílias pobres no acesso às possibilidades de receber auxílio em meio a pandemia. Contudo, a desinformação e a disseminação de fake news, inclusive promovidas por Jair Bolsonaro, tem colocado a vida de nossos irmãos e irmãs em risco”.
Uma das proposições da carta é que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) assuma seu papel constitucional e proceda o imediato julgamento das Ações de Investigação Judicial (AIJs) no (TSE) e que pedem a cassação da chapa de Jair Bolsonaro e de Antônio Mourão em razão da disseminação de mentiras durante a campanha eleitoral e pela prática que tem se mantido durante o governo com dinheiro público. “A preservação de vidas e da democracia exigem ação imediata”, finaliza o documento.
Luciano Caparroz, advogado especialista em Direito Eleitoral, diretor do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral e integrante da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político, em artigo para o Congresso em Foco, explica o caso das AIJs no TSE:
“No TSE pendem seis AIJEs que tratam dos temas de possíveis ilegalidades perpetradas pelo então candidato Jair Bolsonaro e sua chapa, que ganharam as eleições presidenciais e precisam ser julgadas com a celeridade necessária para que não se repita o prolongamento de exercício no poder por parte de quem não deveria lá estar – se for esta a decisão ao fim do processo – ou que seja considerada regular e se ponha fim as dúvidas.
Vale lembrar que o candidato vencedor e que ocupa a Presidência da República declarou, recentemente, que as eleições haviam sido fraudadas e que ele teria ganho no primeiro turno, afirmando ainda que apresentaria provas.
Faz-se necessário, portanto, que a Justiça Eleitoral exija a apresentação destas provas para que sejam analisadas e, deste modo, seja respondido à população se tais eleições foram ou não fraudadas. Que sejam julgados os processos pendentes, para que o eleitor, soberano, possa ter a certeza de que a representação que ele transferiu a um político seja verdadeira e devidamente constituída.
Na hipótese de fraude nas eleições ou de cassação da chapa eleita, deve-se realizar novas eleições.
As AIJs já vinham sendo potencializadas com a atuação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre Fake News nas Eleições 2018. Elas ganharam mais força com as revelações do empresário Paulo Marinho, em entrevista publicada pela Folha de S. Paulo, em 17 de maio de 2020, que apontam fraude eleitoral na disputa presidencial de 2018. O empresário revelou que a Polícia Federal alertou a família Bolsonaro sobre a investigação do esquema das rachadinhas no gabinete do então deputado estadual do Rio de Janeiro Flátvio Bolsonaro, que envolvia o miliciano Fabrício Queiroz, até hoje foragido.
Segue a íntegra do documento das organizações e movimentos evangélicos:
Para saber mais acesse o link: http://bit.ly/ClamorBrasil.
Aliança de Batistas do Brasil – Associação Projeto Videiras – AMSK Brasil – Coletivo Abrigo – Coletivo Cristãos Pela Justiça – Coletivo Memória e Utopia- Comunidade Cristã da Lapa – Comunidade Cristã na Zona Leste – Congrega – Comunidade Presbiteriana Videiras – Cristãos Contra o Fascismo – Direitos Humanos nos Passos de Jesus – Evangélicas pela Igualdade de Gênero – Evangélicos Trabalhistas – Evangélicos pela Justiça – Evangélicxs pela Diversidade – Fé e Afeto Cristão – Fórum Evangelho e Justiça – Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito – Grupo Fé & Política: Reflexões – Igreja Batista de Direitos Humanos – Igreja Batista Nazareth – Instituto Guarani de Responsabilidade Socioambiental – Igrejas Libertárias! – Miquéias Brasil – Missão Aliança – Movimento Evangélico Progressista – Movimento Negro Evangélico do Brasil – Nossa Igreja Brasileira – Núcleo de Evangélicas e Evangélicos do PT – Núcleo Evangélico 23 – Paz e Esperança Brasil – Primavera Ecumênica – PSOL/PR – Plataforma Intersecções – Rede Fale – Redenção Baixada – Vozes Maria
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Fonte/imagem de destaque: https://knowyourmeme.com/photos/564485-2013-brazil-bus-taxes-protests
O youtuber paranaense e “jornalista católico” (como se define), Bernardo P. Kuster, publicou no Twitter uma postagem onde sugere que a Organização Mundial da Saúde (OMS) ratifica que pessoas já infectadas pelo novo Coronavírus (COVID-19) seriam imunes a novos contágios pois, segundo ele, a entidade teria interesse financeiro na criação de uma vacina.
De acordo com o paranaense, a prova seria um aporte recebido pela OMS de empresas da indústria farmacêutica e também do bilionário e filantropo americano Bill Gates, por meio de Fundação Bill & Melinda Gates. Kuster garante que Gates teria interesse no mercado.
1 – Em resposta aos governos que propuseram a emissão de um ‘passaporte imunológico’, atestando a imunidade por pessoas que já contraíram o vírus, a OMS afirmou por meio de um comunicado, no sábado (25/4), que não há evidências de que as pessoas que se recuperaram do COVID-19 e que têm anticorpos sejam imunes a uma segunda infecção.
2 – A China só confirmou o primeiro caso de transmissão do Covid-19 em 20 de janeiro de 2020. Até então, a OMS seguiu as informações das autoridades sanitárias chinesas. Não havia comprovação da transmissão e, em declaração do representante da organização Gauden Galea, foi afirmado que apesar de causar sérios problemas em alguns pacientes, o vírus “não se espalha rapidamente”. Até então também não havia nenhuma morte confirmada em Wuhan, na China. O quadro atual de compreensão da pandemia é fortemente diferente daquele de janeiro passado.
3 – A OMS surgiu em 1948 e, inicialmente, era inteiramente financiada por contribuições anuais de seus países membros. Hoje, no entanto, parte de seu orçamento bianual de 4,8 bilhões de dólares é complementada com doações empresariais e de organizações, como a Fundação Bill & Melinda Gates. Segundo o relatório da OMS, a Fundação é a segunda principal doadora da entidade, estando atrás apenas dos Estados Unidos, no período de 2018 a 2019.
4 – O valor de US$ 250 milhões de dólares citado na postagem de Bernardo Kuster se refere ao recurso doado pela Fundação Bill & Melinda Gates neste período de combate ao Covid-19. Em nota publicada no site da fundação, não há menção de que esse recurso tenha sido repassado integralmente à OMS, nem há informações sobre valores e repasses regulares à organização. A nota afirma que o investimento atende aos países da África e do Sul da Ásia; no desenvolvimento e fornecimento de tratamentos e vacinas; na aceleração da detecção e contenção do vírus; e na proteção de comunidades vulneráveis nos Estados Unidos e apoio a atividades pedagógicas à distância. A Fundação diz defender a cooperação e a coordenação globais e atuar por meio de consórcios internacionais com empresas (incluindo corporações na área de Medicamentos e Alimentos), governos, centros de pesquisa e organizações não governamentais. Nessa mesma nota sobre suas ações no enfrentamento do vírus é mencionada a organização de um encontro com lideranças de 15 empresas farmacêuticas globais. De acordo com o comunicado, essas empresas abriram o acesso às suas bibliotecas de composto antivirais.
Em relação à atuação da fundação, é importante atentar para os conflitos de interesses políticos e econômicos, que podem gerar esse tipo de cooperação, principalmente se nessas rodadas não há menção explícita da participação de outros segmentos da sociedade civil e atores sociais, os quais devem fazer parte da busca de decisões e soluções coletivas. A unilateralidade dessas soluções é um ponto crítico que precisa ser acompanhado de perto pela população. No caso da indústria farmacêutica, há inúmeros relatos e estudos que comprovam situações de conflitos de interesses, concentração de poder. Para quem desejar saber mais sobre esse assunto: “A verdade sobre os laboratórios farmacêuticos, de Márcia Angel (Ed. Record).
O que se pode concluircom esta checagem é que o youtuber e jornalista católico, Bernardo Kuster, utiliza informações corretas, como quando afirma que a OMS não reconheceu a transmissão entre seres humanos do novo coronavírus, no entanto, são informações defasadas, de janeiro de 2020, quando a doença ainda estava sendo identificada. Os elementos sobre o financiamento privado à agência também são corretos, porém, Kuster distorce a informação ao criar uma teoria conspiratória, da qual não consegue provar. Por conta disso, o Coletivo Bereia considera a postagem inconclusiva.
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Referências de checagem:
Gaúcha ZH – “Nova Cepa de coronavírus pode ser origem de surto de pneumonia na China. (9.01.2020) Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/mundo/noticia/2020/01/nova-cepa-de-coronavirus-pode-ser-origem-de-surto-de-pneumonia-na-chinack56st3ju02mk01odknlouu8q.html ;
Site do People’s Health Movement – “PHM Condemns US Halt on Funding toWHO” (20.04.2020). Disponível em: https://phmovement.org/articles-and-statements-on-pandemic-of-coronavirus-disease-2019-covid-19/
Site da Fundação Bill & Melinda Gates – “Twenty years in the making: Thefoundation`s response to Covid-19”. Disponível em: https://www.gatesfoundation.org/TheOptimist/Articles/coronavirus-mark-suzman-funding-announcement-2
Revista Exame – “Clima esquenta na OMS com acusação de negligência feita por Taiwan”( 14.04.2020). Disponível em: https://exame.abril.com.br/mundo/clima-esquenta-na-oms-com-acusacao-de-negligencia-feita-por-taiwan/
Jornal O Estado de Minas – “OMS alerta que não há provas de que pessoas já infectadas ficam imunes” (25.04.2020). Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2020/04/25/interna_internacional,1141806/oms-alerta-que-nao-ha-provas-de-que-pessoas-ja-infectadas-ficam-imunes.shtml
Na madrugada de hoje, 24 de abril, foi publicado no Diário Oficial da União (DOU), a exoneração do diretor geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo.
O Diário Oficial é um dos veículos de comunicação pelo qual a Imprensa Nacional tem de tornar público todo e qualquer assunto acerca do âmbito federal. Espera-se, que toda divulgação feita neste veículo seja verdadeira, pois orienta todas as áreas da vida da nação. Mas, hoje, descobriu-se publicamente, por meio de pronunciamento do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, que as fake news rodeiam o veículo.
O documento publicado no Diário Oficial afirma que a exoneração foi feita “a pedido”, o que foi desmentido pelo agora ex-ministro em pronunciamento na manhã desta sexta-feira, 24 de abril.
“Não é verdadeiro que o Maurício queria sair. O ápice da carreira na PF é o cargo de diretor geral. Claro que depois de tantas pressões, ele até manifestou a mim que talvez fosse melhor sair se conseguisse uma substituição adequada. Mas sempre devido à pressão, que ao meu ver não seria apropriada.”
O documento também apresenta a assinatura eletrônica de Moro, indicando que ele sabia da exoneração antes da publicação no Diário Oficial. Durante pronunciamento ele também desmentiu sobre assinatura, depois de ter dito que tomou conhecimento da exoneração somente pelo periódico:
“Fiquei sabendo pelo Diário Oficial, não assinei esse decreto.”
Em pronunciamento, realizado na tarde do mesmo 24 de abril, Bolsonaro contestou a fala do ex-ministro e afirmou que a exoneração foi “a pedido”.
“Sobre a exoneração do doutor Valeixo, diretor geral da Polícia Federal, pela lei 13047 de 2014, é prerrogativa do Presidente da República a nomeação e a exoneração do Diretor Geral, bem como de vários outros cargos da administração direta. A exoneração ocorreu após uma conversa minha com o Ministro da Justiça na manhã de ontem. À noite, eu e o doutor Valeixo conversamos por telefone e ele concordou com a exoneração a pedido. Desculpe senhor Ministro, o senhor não vai me chamar de mentiroso. Não existe uma acusação mais grave para um homem como eu, militar, cristão e Presidente da República ser acusado disso. Essa foi a minha conversa com o doutor Valeixo. E mais ainda, não só a imprensa publicou, no dia de ontem e de hoje, bem como, entre aspas, o doutor Valeixo em contato com a superintendência do Brasil, comunicando que estava cansado, e que desde janeiro queria sair. Então não foi uma demissão que causasse surpresa a quem quer que fosse.”
Após o pronunciamento do presidente, o ex-ministro Moro se pronunciou no Twitter:
Na noite desta sexta, alterações foram feitas no Diário Oficial. A assinatura do ex-ministro Moro foi retirada, e no lugar, acrescentaram o nome do ministro da Casa Civil, Walter Souza Braga Netto, e do ministro da Secretaria Geral da Presidência, Jorge Antonio de Oliveira Francisco.
A relação do Governo Federal com as Fake News não é de agora, segundo o site de checagem de notícias Aos Fatos, desde a posse de Bolsonaro até hoje, já foram 926 declarações falsas ou distorcidas.
Vamos acompanhar os desdobrabramentos dessas declarações no cenário político nos próximos dias. Infelizmente o Brasil tornou-se terra fértil para a proliferação de fake news. De onde se espera mais verdade, vem dúvida, passível de mentira e engano.
O Coletivo Bereia, no compromisso de atuar com informação e checagem de notícias, no enfrentamento de toda desinformação, lamenta ter que noticiar este fato aos seus leitores e leitoras, a quem só resta acreditar que a injustiça governa.
Mas o povo
brasileiro continua acreditando em um país onde haja política justa para todos
e todas.
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Referências de Checagem:
Diário Oficial da União – acessado em 24 de abril às 14H03. Disponível em: http://www.in.gov.br/web/dou/-/decreto-de-23-de-abril-de-2020-253769429
Youtube – Sergio Moro anuncia sua saída do Ministério da Justiça – acessado em 24 de abril às 12h15. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Yol5UvdlP2Y
Youtube – Pronunciamento do presidente da República, Jair Bolsonaro – acessado em 24 de abril às 18h02. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=r50zxW-D7M0