Governo federal não realiza confisco de dinheiro esquecido em bancos, como divulgado por políticos de oposição

Circula nas mídias sociais a informação de que o governo federal teria planejado um confisco de R$ 8 bilhões em dinheiro esquecido pela população em bancos. A alegação, divulgada em 12 de setembro pelos deputados federais com identidade religiosa  a católica Carla Zambelli (PL-SP) e o luterano Marcel Van Hattem (Novo-RS), sugere que a ação teria sido aprovada pelo governo Lula (PT) durante a noite. 

Imagem: Reprodução/Instagram

Origem da desinformação

Carla Zambelli afirmou, em seu perfil do Instagram, que o Banco Central teria informado sobre uma proposta de lei prevendo a transferência dos saldos de contas bancárias não reclamados para a União. Na legenda, a parlamentar complementa que essa medida seria chamada de “confisco”, com o objetivo de utilizar esses valores como receita no orçamento do Tesouro Nacional.

Por sua vez, Marcel Van Hattem publicou: “Quem achava que o confisco nunca mais iria acontecer no Brasil se enganou. Vamos de mal a pior com o PT e seus aliados no poder”. Além disso, perfis comuns também comentaram sobre a situação, sugerindo também que a pauta é um plano para um confisco.

Imagem: Reprodução/Bluesky 

Imagem: Reprodução/Instagram

Sobre o “confisco”

Confisco é a apreensão direta de bens de propriedade privada pelo Estado, sem oferecer compensação ao proprietário afetado. Em resumo, é a ação de tomar algo que pertence a outra pessoa ou entidade, geralmente pelo governo, sem a permissão do proprietário. Isso pode ocorrer por diversas razões, como o não cumprimento de obrigações legais ou a necessidade de recursos em situações emergenciais. No contexto de finanças e economia, confisco muitas vezes se refere à apreensão de bens ou recursos financeiros, como contas bancárias ou propriedades, por parte das autoridades.

Sobre a proposta do governo federal

A medida do governo federal de recolher recursos não reclamados para equilibrar o orçamento não se caracteriza como confisco. O Projeto de Lei 1.847/24, discutido e aprovado no Senado e na Câmara dos Deputados, trata de valores pagos pela União que cidadãos ou empresas esqueceram em algum banco, consórcio ou outra instituição, e não foram reclamados ou movimentados por mais de 25 anos. O texto será enviado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que poderá vetar trechos ou a totalidade da proposta. Caso haja vetos, a decisão final caberá ao Congresso.

Dados do Sistema de Valores a Receber (SVR)

De acordo com informações do Banco Central, R$ 8,56 bilhões estão disponíveis para resgate no SVR. Os valores a receber de até R$ 10 concentram 63,6% dos beneficiários. Os valores entre R$ 10,01 e R$ 100 correspondem a 24,86% dos correntistas. Há casos como o de uma pessoa física que tem R$ 11,2 milhões para sacar, e de uma pessoa jurídica que tem R$ 30,4 milhões disponíveis. O maior saque já realizado nesta modalidade foi de R$ 2,8 milhões em julho de 2022. A maioria dos beneficiários (32,9 milhões de pessoas) tem até R$ 10 para resgatar.

A previsão de incorporação dos recursos esquecidos pelo Tesouro Nacional está prevista em legislação há mais de 70 anos, na Lei 2.313, de 1954. Ela dá um prazo de cinco anos para saque dos recursos antes que sejam incorporados ao patrimônio nacional – o mesmo procedimento em relação  ao abono do PIS/Pasep

Processo de resgate e direitos dos cidadãos

Se a proposta se tornar lei, após a sanção do presidente da República,  os titulares de “dinheiro esquecido” terão um prazo de 30 dias após a publicação da norma para resgatar os valores. Após esse período, os recursos serão destinados ao Tesouro Nacional. No entanto, isso não significa que os cidadãos perderão o direito a esses fundos. O Ministério da Fazenda publicará um edital no Diário Oficial da União com informações sobre os valores, e o recolhimento poderá ser contestado por quem tiver direito aos recursos. 

Posicionamento oficial do governo

Em nota oficial, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) afirma:
“A lei, aprovada por deputados e senadores, visa garantir a manutenção da desoneração da folha de pagamentos para 17 setores da economia e municípios com até 156 mil habitantes. Esses recursos também serão considerados para o cumprimento da meta primária, o que pode beneficiar a economia brasileira”.

A Secom ainda ressaltou que, ao contrário de um confisco, de acordo com o que foi aprovado no Congresso Nacional, os cidadãos ainda terão a possibilidade de reivindicar os valores esquecidos.

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Bereia classifica a notícia divulgada pelos deputados federais com identidade religiosa Carla Zambelli (PL) e  Marcel Van Hattem (Novo) como enganosa. É fato que há valores por receber, pagos pelo governo federal a cidadãos, que estão esquecidos e não  foram resgatados, por anos. Porém,  a alegação de que o governo atual estaria projetando um confisco é inventada e foi desmentida pela Secretaria de Comunicação do Governo (Secom). A proposta em questão, de o governo se reapropriar dos recursos esquecidos, é prevista em lei há 70 anos, e não se caracteriza como confisco, pois mantém o direito dos cidadãos de reivindicar seus recursos, mesmo após o prazo inicial de 30 dias.

Bereia alerta leitores e leitoras que uma das formas de se avaliar se um conteúdo é falso ou enganoso é identificar matérias de cunho bizarro ou ausentes de sentido. No caso das publicações dos deputados da extrema direita, pode-se avaliar como improvável que o governo realizasse um confisco de recursos dos cidadãos sem ampla discussão pública e cobertura da imprensa. Afirmações sensacionalistas como estas devem gerar desconfiança no primeiro acesso, e a veracidade deve ser imediatamente buscada em fontes oficiais.

É importante que os cidadãos busquem informações em fontes oficiais e verifiquem seus direitos em relação aos valores disponíveis no Sistema de Valores a Receber (SVR). 

É importante que as pessoas estejam atentas sobre o risco de fraudes relacionadas a esses valores que podem ser resgatados. Links falsos que levem cidadãos a liberem informações pessoais ou mesmo fazerem pagamentos para conseguirem o recurso circulam pelas redes. Por isso, é essencial que as pessoas procurem informações em fontes oficiais, como o site do Banco Central, para não caírem em golpes. Conferir as informações com cuidado é fundamental para proteger direitos.

O Banco Central alerta que o único site para a consulta de valores a receber é o https://valoresareceber.bcb.gov.br. É preciso acessar o site e clicar em “Consulte se tem valores a receber”. Inserir os dados e clicar em “Consultar”. Se a consulta mostrar que há valores a receber, clique em “Acessar o SVR” e a pessoa será direcionada para a página de login gov.br (pode haver fila de espera).

Referências de checagem: 

JusBrasil. https://www.jusbrasil.com.br/artigos/diferenca-entre-confisco-e-desapropriacao-confisco/2033169700.  Acesso em: 16 set 2024.

G1. https://g1.globo.com/economia/noticia/2024/09/12/dinheiro-esquecido-congresso-autoriza-governo-a-recolher-ate-r-85-bi-para-fechar-orcamento-de-2024.ghtml.  Acesso em: 16 set 2024.

Governo Federal.
https://www.gov.br/secom/pt-br/assuntos/notas/nao-existe-confisco-de-dinheiro-depositado-em-contas-bancarias. Acesso em: 16 set 2024.

Agência Brasil.
https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2024-09/governo-nega-confisco-de-valores-esquecidos-em-bancos. Acesso em: 16 set 2024.

https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2024-09/brasileiros-ainda-nao-sacaram-r-856-bi-de-valores-receber. Acesso: 17 set 2024.

Banco Central.
https://www.bcb.gov.br/meubc/estatisticas-do-valores-a-receber.  Acesso: 17 set 2024.

Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2454704. Acesso em: 18 de setembro de 2024.

Planalto. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/l2313.htm#:~:text=LEI%20No%202.313%2C%20DE%203%20DE%20SETEMBRO%20DE%201954.&text=Disp%C3%B5e%20s%C3%B4bre%20os%20prazos%20dos,esp%C3%A9cie%2C%20e%20d%C3%A1%20outras%20provid%C3%AAncias. Acesso em 18 set 2024.

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Foto de capa: Joel santana Joelfotos / Pixabay

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