Ao ser empossado bispo de Roma em 19 de março de 2013, há doze anos, o cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio adotou o nome de Francisco para carimbar seu pontificado como favorável aos excluídos e à saúde do Planeta, e declarou: “Como vocês sabem, o dever do Conclave era dar um bispo a Roma. Parece que os meus irmãos cardeais foram buscá-lo quase no fim do mundo.”
Como ressalta o professor Fernando Altemeyer Junior, a preocupação de Francisco é “o cuidado pastoral dos empobrecidos e o rompimento claro do clericalismo que fez da Igreja uma instituição autocentrada e distante do evangelho de Jesus.”
Francisco puniu com severidade bispos e padres pedófilos, acolheu as vítimas, enfrentou a ultradireita católica dos EUA e da África e, em 2019, excluiu do cardinalato e do sacerdócio o estadunidense Teodore McCarrick, ex-arcebispo de Washington, por prática de pedofilia e, em 2023, o Tribunal Penal do Vaticano condenou a cinco anos de prisão o cardeal italiano Giovanni Angelo Becciu, de 75 anos, por peculato e fraude financeira.
Francisco não esconde seu descontentamento com Trump e sua simpatia por Lula, apoia a causa palestina e, em janeiro deste ano, nomeou a religiosa Simona Brambilla prefeita do Vaticano. Democrata, já convocou seis sínodos no intuito de renovar a Igreja, inclusive pôr fim ao celibato obrigatório para o clero do Ocidente. No entanto, muitos bispos e cardeais são oriundos da safra conservadora dos pontificados de João Paulo II e Bento XVI, que levantam o freio de mão enquanto o papa acelera.
Francisco é o cabeça de uma comunidade que congrega 1 bilhão 390 milhões de fiéis (pouco mais de 17% da população mundial). Fez 47 viagens internacionais e visitou 60 países, mas não retornou à Argentina.
Quando o papa Francisco falecer, será convocado um novo Conclave (como mostra o filme de mesmo nome dirigido por Edward Berger). Os atuais cardeais eleitores são 138, de 71 países. Os cardeais não eleitores, por terem ultrapassado 80 anos, são 114. Os cardeais nomeados por Francisco somam 79,7% do atual colégio eleitoral. São 18 eleitores na África, 18 na América do Sul (entre os quais 7 brasileiros), 20 na América do Norte e América Central, 24 na Ásia, 54 na Europa, e 4 na Oceania.
Neste mês de fevereiro, a editora Fontanar/Companhia das Letras lançou a autobiografia de Francisco, “Esperança”, a primeira de um papa, redigida em parceria com Carlo Musso.
Tive dois encontros pessoais com Francisco, no Vaticano, em abril de 2014, e em agosto de 2023. No primeiro, falei-lhe da importância das Comunidades Eclesiais de Base (escanteadas pelos dois papas que o precederam), e pedi-lhe manter o diálogo com a Teologia da Libertação, sempre defender os povos indígenas e reabilitar meus confrades Mestre Eckhart, que teve vários de seus escritos condenados pela Cúria Romana, e Giordano Bruno, queimado vivo como herege em uma praça de Roma, em 1600.
Francisco reagiu às minhas solicitações: “Ore por isso.” Ao final, me dirigi a ele, primeiro, em latim, e logo traduzi para o espanhol: “Extra pauperes nulla salus – Fora dos pobres não há salvação.” O papa sorriu: “Estou de acordo”, disse ao se afastar.
No segundo encontro, Francisco me abraçou, beijou e permitiu que fosse filmado por Roberto Mader, que prepara documentários sobre minha trajetória. Dei-lhe de presente meu livro “Jesus militante – o Evangelho e o projeto político do Reino de Deus” (Vozes) e, em espanhol, a cartilha popular, redigida por mim, e traduzida para o espanhol, do Plano de Soberania e Educação Nutricional de Cuba, que assessoro desde 2019.
Expliquei-lhe que o “Jesus militante” defende a tese de que o Nazareno veio nos trazer um novo projeto político, civilizatório, que denominava Reino de Deus, em oposição ao reino de César, no qual viveu e pelo qual foi assassinado na cruz devido à ousadia de anunciar um outro reino possível que não era o de César…
Insisti para que participe da COP 30, a conferência mundial do clima, a ser realizada em Belém, em novembro próximo. Ele disse que pensava nessa possibilidade. Pedi que interviesse junto a Joe Biden, que se considera católico, para suspender ou, ao menos, flexibilizar o criminoso bloqueio dos EUA a Cuba. Obama, que não é católico, havia minorado as duras medidas do bloqueio imposto desde 1962 à ilha revolucionária do Caribe. E repeti o pedido feito em nosso primeiro encontro: a reabilitação de meu confrade Giordano Bruno, cujas “heresias” estão hoje integradas à teologia e às ciências ou foram descartadas como anacrônicas.
Deus conceda a ele longa vida, pois ainda há muito a reformar na Igreja e Francisco é, hoje, uma das raras lideranças a criticar a hegemonia capitalista (globocolonização), apontar as causas da degradação socioambiental e defender os refugiados vítimas da secular exploração da Europa aos países africanos, asiáticos e latino-americanos.
** Os artigos da seção Areópago são de responsabilidade de autores e autoras e não refletem, necessariamente, a opinião do Coletivo Bereia
Uma publicação que circula nas redes digitais questiona, sem fundamentação médica, as imagens que mostravam a recuperação do presidente Lula após procedimento cirúrgico realizado no Hospital Sírio-Libanês em 10 de dezembro. A alegação foi feita pela deputada federal evangélica Silvia Waiãpi (PL-AP), que teve sua candidatura cassada, em julho passado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Amapá (TRE-AP), mas permanece na Câmara Federal até que o Tribunal Superior Eleitoral decida.
Imagem: Reprodução/X
A publicação
A parlamentar compartilhou em seu perfil no X um vídeo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) caminhando pelo hospital. Na postagem, afirma ser fisioterapeuta com conhecimento sobre terapia intensiva e questiona: “Lula fez 3 cirurgias na cabeça (craniotomia) em menos de 4 dias e está caminhando desse jeito? Só eu que não acredito?”
Contexto da alegação
O questionamento refere-se à recuperação do presidente após a realização da cirurgia de emergência, realizada em 10 de dezembro passado, no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, após ele sentir fortes dores de cabeça. Uma ressonância magnética indicou hemorragia intracraniana causada por uma queda sofrida no banheiro, no Palácio do Alvorada, em outubro.
Em 11 de dezembro, o presidente passou por novo procedimento, de baixo risco, denominado “embolização de artéria meníngea média”, como complementação da cirurgia anterior. As intervenções foram bem sucedidas e Lula recebeu alta hospitalar em 16 de dezembro. De acordo com a equipe médica, o presidente poderá exercer suas atividades normalmente durante esse período, desde que evite exercícios físicos.
Ao questionar a rapidez da recuperação do presidente, a deputada evangélica contribui para as teorias conspiratórias e informações falsas que circulam sobre a suposta morte do presidente, que teria sido substituído. Um vídeo compartilhado nas redes digitais tem sido utilizado como suposta evidência de que Lula teria falecido e sido substituído por um sósia. No entanto, esta⁸ é uma teoria conspiratória que circula desde o resultado das eleições presidenciais de 2022.
Imagem: UOL Notícias, 29 nov 2022.
Quem é Silvia Waiãpi?
A autora da postagem, deputada federal Silvia Waiãpi (PL-AP), acumula um histórico de disseminação de desinformação, e já foi checada pelo Bereia.
Imagem: Reportagem sobre a PL do aborto. Reprodução: Coletivo Bereia
Eleita em 2022, com a bandeira de defesa dos indígena, apoiadora do ex-presidente da República Jair Bolsonaro, e integrante da Frente Parlamentar Evangélica, a deputada, que é militar, foi acusada de usar verbas do fundo eleitoral para custear um procedimento estético. A denúncia foi feita por uma ex-funcionária e confirmada pelo profissional responsável pelo procedimento.
Questionamentos da rápida recuperação do presidente Lula após o procedimento cirúrgico que circulam nas redes digitais são alimentadores de conteúdo falso. A equipe médica do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, confirmou que o presidente teve evolução dentro do esperado e seguiu todos os protocolos médicos recomendados.
De acordo com o cardiologista Roberto Kalil Filho, em coletiva de imprensa realizada em 15 de dezembro, o presidente tinha quadro “estável, caminhando, se alimentando, falando normalmente”. Ele teve um pós-operatório muito bom, dentro do que se esperava”.
Lula recebeu alta hospitalar naquele dia 15 e está em sua residência, no bairro Alto Pinheiros, em São Paulo, onde já trabalhou. Ele retornou Brasília em 19 de dezembro, depois da realização de uma tomografia.
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Bereia classifica a postagem da deputada Silvia Waiãpi como enganosa. As evidências médicas e os boletins oficiais divulgados pela equipe do Hospital Sírio-Libanês confirmam que a recuperação do presidente seguiu o curso esperado após o procedimento realizado. A deputada, ao alimentar teorias conspiratórias sobre a morte de Lula e sua rápida recuperação, dissemina desinformação com o objetivo de criar suspeitas infundadas sobre o estado de saúde do presidente. Esta postura desconsidera, ainda, as informações oficiais fornecidas pelos profissionais responsáveis pelo seu tratamento.
*Matéria atualizada em 20/09 para acréscimo de informações.
Circula em mídias sociais, chamada para matéria publicada pelo site de notícias Brasil 247 intitulada “Lula sugere envolvimento de bolsonaristas como Malafaia em incêndios criminosos”, com o subtítulo: “O presidente recordou uma declaração do pastor, que usou as redes sociais para convocar bolsonaristas para um ato em São Paulo”.
Imagem: reprodução/Brasil 247
A matéria se baseou em discurso do presidente da República Luís Inácio Lula da Silva, proferido durante reunião realizada no Palácio do Planalto, em 17 de setembro passado, para tratar, de forma emergencial, sobre a escalada da crise com os incêndios e queimadas florestais em várias regiões do país.
A reunião, convocada por Lula, contou com os representantes dos Três Poderes da República: o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, o presidente do Congresso Nacional Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o procurador-geral da República Paulo Gonet, e ministros do governo.
Ao noticiar sobre o discurso de Lula, que abordou as investigações sobre o caráter criminoso dos incêndios, a matéria do Brasil 247 afirma:
“o presidente Lula sinalizou que o pastor bolsonarista Silas Malafaia pode ter envolvimento com os incêndios no Brasil. ‘Uma pessoa muito importante na convocação do ato de 7 de setembro na Paulista disse que ‘O Brasil vai pegar fogo’, afirmou o chefe de Estado. A declaração do religioso ocorreu em agosto, quando ele usou as redes sociais, para convocando apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) a um protesto marcado para o dia 7 de setembro. A Polícia Federal abriu 52 inquéritos, com o objetivo de apurar os motivos dos incêndios no país”.
O site ilustrou a matéria com uma reprodução de postagem do pastor líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia no X/Twitter, de agosto passado, que convocava para um protesto de rua, em 7 de setembro, na Avenida Paulista (cidade de São Paulo), em apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro e em protesto contra ações do Supremo Tribunal Federal em torno dos ataques ao Estado Democrático de Direito iniciados no governo do capitão do Exército. Com o bordão “Vai pegar fogo!” o líder religioso incentivou a participação dos seus seguidores na manifestação bolsonarista.
Imagem: reprodução/Brasil 247
Outras mídias jornalísticas também noticiaram a reunião e o discurso de Lula, porém, mantiveram a expressão usada pelo presidente, “Uma pessoa muito importante na convocação do ato de 7 de setembro na Paulista disse que ‘O Brasil vai pegar fogo’”, sem menção ao nome do pastor assembleiano.
Imagem: reprodução/Metrópoles
A suspeita infundada sobre a fala de Silas Malafaia
Os incêndios e queimadas florestais que atingem o Brasil de forma dramática neste 2024, começaram a ser observados de forma emergencial pelo poder público a partir do final de agosto passado. Propagadores de desinformação logo se aproveitaram da calamidade para espalhar conteúdo alarmante. Bereia checou, no início deste mês que líderes políticos e religiosos postaram várias publicações enganosas com questionamentos, sem evidências, da atuação do governo federal no controle dos incêndios e com atribuição de responsabilidade pelos focos de fogo a grupos como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Nesta semana o assunto volta às redes com a fala do presidente Lula, que não mencionou o pastor mas, de fato, aludiu à fala do líder assembleiano divulgada em agosto passado, como Bereia verificou ao acessar a gravação do discurso, disponível no canal do Youtube Gov, da Empresa Brasil de Comunicação. No minuto 8:38, o presidente comenta sobre as suspeitas de crime na promoção dos incêndios e afirma:
[Pode ser] pela realização da COP 30 aqui no Brasil, ou pela performance que o Brasil tem na discussão ambiental no mundo inteiro, talvez uma parte disto seja por interesses políticos. A gente não sabe, não pode acusar, mas que há suspeita há. É importante eu não deixar de dizer para vocês que uma pessoa muito importante na convocação do ato da avenida Paulista utilizou a palavra “Vamos botar fogo no Brasil” ou “O Brasil vai pegar fogo” uma coisa mais ou menos assim. Isto tem na internet, algumas coisas, vocês podem ver. O dado concreto é que a mim parecem muita anormalidade…
A pesquisa do Bereia confirma que não há qualquer base factual para se afirmar que o uso da frase “O Brasil vai pegar fogo”, pelo pastor Silas Malafaia, na convocação para a manifestação de rua em 7 de setembro, tenha relação com os incêndios e queimadas florestais. Portanto, a fala do presidente Lula é baseada em imprecisões, o que caracteriza desinformação.
Da mesma forma o site Brasil 247, ao noticiar a reunião e o discurso no Palácio do Planalto, não só reproduz a imprecisão, sem apuração que apresente elementos que corroborem a afirmação do presidente. O site de notícias expõe o nome do pastor Silas Malafaia no título e no corpo da matéria, e coloca na boca do presidente da República a pronúncia que ele optou por não fazer, o que amplifica a desinformação.
O uso da imagem do fogo entre cristãos
Silas Malafaia é amplamente destacado em sua presença pública pelo alinhamento recente com políticos e políticas do extremismo de direita, por ter se tornado uma espécie de conselheiro e defensor do ex-presidente Jair Bolsonaro, pela verbalização violenta e autoritária, que angaria seguidores e opositores por conta do discurso ancorado em polêmicas, conforme mostram estudos acadêmicos. Nesse sentido, o pastor líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo ganha visibilidade frequente nas mídias de notícias e chega a ser alçado em alguns espaços como porta-voz dos evangélicos, o que é falso, pois evangélicos, na diversidade que marca o segmento, não têm representantes.
Bereia avalia ser relevante, neste contexto, a informação de que o pastor Malafaia não é o único líder religioso que usa a imagem do “fogo” para captar a atenção de seguidores. Por isso, é importante garantir que para se relacionar o uso desta imagem com o incentivo a um crime incendiário, é preciso reunir evidências para não se cometer injustiças em nome de uma oposição política.
Para os cristãos de uma forma geral, o fogo é um símbolo importante. De acordo com o arcebispo católico de Passo Fundo (RS) Dom Rodolfo Luis Weber, em artigo pastoral, “o fogo representa o poder da fé, a transformação, o desejo e a purificação”. A imagem do fogo está relacionada a muitos episódios na tradição da Bíblia, entre eles, o mais destacado, a “descida do Espírito Santo sobre os apóstolos de Jesus”, após a assunção dele aos céus, durante a festa judaica de Pentecostes.
Conforme narrado no livro de Atos dos Apóstolos, capítulo 2, vieram sobre aquelas pessoas presentes à festa, em Jerusalém, “línguas como de fogo”. Nesse sentido, o fogo passou a ser atribuído entre cristãos como símbolo de força, coragem, poder da fé, e os fez saírem de si mesmos, das fronteiras culturais e étnicas para anunciarem o Evangelho ao mundo.
É comum o uso da palavra fogo nos hinos e nas canções evangélicos, mas para os crentes pentecostais, cuja doutrina é ancorada na leitura da experiência relatada na Bíblia, em Atos 2, é ainda muito mais presente. É comum o jargão pentecostal “sapato de fogo”, ou “reteté”, para as participações espontâneas “inflamadas”, emotivas, nos cultos e rituais com expressões em “línguas estranhas”, chamadas profecias (práticas de proferir publicamente palavras em nome de Deus nas comunidades religiosas pentecostais).
Repetidas vezes nos cultos evangélicos os momentos musicais têm cânticos como: “Deus de fogo, Deus de fogo que abriu o mar vermelho. Deus de fogo, Deus de fogo que não deixa ninguém tocar no fio do teu cabelo…” (grupo Águas Purificadas/Gospel Music Brasil); “Acende o Fogo em Mim” (David Quinlan); “Acende o fogo em meu coração eu não resistirei, eu quero mais de ti, Deus” (Nívea Soares), entre outras centenas de canções repetidas nos cultos pentecostais brasileiros.
“Fogo Divino” é um hino da tradicional “Harpa Cristã”, o hinário oficial da igreja Assembleia de Deus. Um dos seus versos diz: “Fogo divino, clamamos por ti; Vem lá do alto, vem, desce aqui; Ó vem despertar-nos com teu fulgor; Vem inflamar-nos com teu calor. Desce do alto, bendito fogo, Desce poder celestial! Desce do alto, bendito fogo, Vem, chama pentecostal!”.
Outro exemplo do uso da imagem simbólica do fogo está no tradicional hinário utilizado pela Igreja Batista, que pertence à Convenção Batista Brasileira, o “Cantor Cristão”. O segundo verso do hino “Avivamento” diz: “Aviva-nos, Senhor! Eis nossa petição. Ateia o fogo do alto céu em cada coração!”.
A imagem do fogo também é usada em eventos religiosos. O grupo de jovens da Igreja Batista Deus é Fiel, na cidade de Sete Lagoas (MG), tem divulgado nas redes digitais uma conferência para 14 a 16 de novembro próximo, com o título “Incendiários”.
Fonte: Site Incendiários.com.br
No site da conferência, os jovens são convidados com chamadas como esta: “Seja um incendiário! Deus não colocou este fogo em nós para que queimássemos apenas, Ele quer espalhar este fogo através de nós. No Reino de Deus não é possível ser um incendiário sem estar incendiado.”
Imagem: reprodução/Instagram
Uma conferência evangélica com este tema não é nova. Em 2023, foi realizado evento com o mesmo nome sob a liderança da Batista do Brasil Church, em Barreiros (BA).
Imagem: reprodução/Instagram
Palavra “fogo” é usada como expressão popular
Ainda é preciso considerar que o termo “fogo” é usado popularmente com muitos diferentes sentidos:
para classificar uma situação positiva ou negativa ou mesmo estimular a atenção a ela, bastante usada em canções (“Isto vai pegar fogo”).
para classificar pessoa de qualquer idade inflamada, agitada, que cria confusão (Fulano é fogo!)
E muitas outras expressões como: fogo de palha, fogo no cabaré, ver o circo pegar fogo, entre tantas.
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Bereia classifica como imprecisa a fala do presidente Lula e a matéria publicada pelo site Brasil 247 que explicita suspeitas sobre a fala do pastor Silas Malafaia, em vídeo para convocação para a manifestação de rua, em 7 de setembro passado, na Avenida Paulista, como incentivo a incêndios florestais criminosos.
A pesquisa do Bereia confirma que não há qualquer base factual para se afirmar que o uso da frase “O Brasil vai pegar fogo”, pelo pastor Malafaia tenha relação com os incêndios e queimadas florestais. Como Bereia pesquisou, o que existe de forma intensa é o uso da imagem do fogo como símbolo comum no discurso evangélico, especialmente entre pentecostais e pode ter sido usada pelo pastor dentro deste contexto.
Circula nas mídias sociais a informação de que o governo federal teria planejado um confisco de R$ 8 bilhões em dinheiro esquecido pela população em bancos. A alegação, divulgada em 12 de setembro pelos deputados federais com identidade religiosa a católica Carla Zambelli (PL-SP) e o luterano Marcel Van Hattem (Novo-RS), sugere que a ação teria sido aprovada pelo governo Lula (PT) durante a noite.
Imagem: Reprodução/Instagram
Origem da desinformação
Carla Zambelli afirmou, em seu perfil do Instagram, que o Banco Central teria informado sobre uma proposta de lei prevendo a transferência dos saldos de contas bancárias não reclamados para a União. Na legenda, a parlamentar complementa que essa medida seria chamada de “confisco”, com o objetivo de utilizar esses valores como receita no orçamento do Tesouro Nacional.
Por sua vez, Marcel Van Hattem publicou: “Quem achava que o confisco nunca mais iria acontecer no Brasil se enganou. Vamos de mal a pior com o PT e seus aliados no poder”. Além disso, perfis comuns também comentaram sobre a situação, sugerindo também que a pauta é um plano para um confisco.
Imagem: Reprodução/Bluesky
Imagem: Reprodução/Instagram
Sobre o “confisco”
Confisco é a apreensão direta de bens de propriedade privada pelo Estado, sem oferecer compensação ao proprietário afetado. Em resumo, é a ação de tomar algo que pertence a outra pessoa ou entidade, geralmente pelo governo, sem a permissão do proprietário. Isso pode ocorrer por diversas razões, como o não cumprimento de obrigações legais ou a necessidade de recursos em situações emergenciais. No contexto de finanças e economia, confisco muitas vezes se refere à apreensão de bens ou recursos financeiros, como contas bancárias ou propriedades, por parte das autoridades.
Sobre a proposta do governo federal
A medida do governo federal de recolher recursos não reclamados para equilibrar o orçamento não se caracteriza como confisco. O Projeto de Lei 1.847/24, discutido e aprovado no Senado e na Câmara dos Deputados, trata de valores pagos pela União que cidadãos ou empresas esqueceram em algum banco, consórcio ou outra instituição, e não foram reclamados ou movimentados por mais de 25 anos. O texto será enviado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que poderá vetar trechos ou a totalidade da proposta. Caso haja vetos, a decisão final caberá ao Congresso.
Dados do Sistema de Valores a Receber (SVR)
De acordo com informações do Banco Central, R$ 8,56 bilhões estão disponíveis para resgate no SVR. Os valores a receber de até R$ 10 concentram 63,6% dos beneficiários. Os valores entre R$ 10,01 e R$ 100 correspondem a 24,86% dos correntistas. Há casos como o de uma pessoa física que tem R$ 11,2 milhões para sacar, e de uma pessoa jurídica que tem R$ 30,4 milhões disponíveis. O maior saque já realizado nesta modalidade foi de R$ 2,8 milhões em julho de 2022. A maioria dos beneficiários (32,9 milhões de pessoas) tem até R$ 10 para resgatar.
A previsão de incorporação dos recursos esquecidos pelo Tesouro Nacional está prevista em legislação há mais de 70 anos, na Lei 2.313, de 1954. Ela dá um prazo de cinco anos para saque dos recursos antes que sejam incorporados ao patrimônio nacional – o mesmo procedimento em relação ao abono do PIS/Pasep.
Processo de resgate e direitos dos cidadãos
Se a proposta se tornar lei, após a sanção do presidente da República, os titulares de “dinheiro esquecido” terão um prazo de 30 dias após a publicação da norma para resgatar os valores. Após esse período, os recursos serão destinados ao Tesouro Nacional. No entanto, isso não significa que os cidadãos perderão o direito a esses fundos. O Ministério da Fazenda publicará um edital no Diário Oficial da União com informações sobre os valores, e o recolhimento poderá ser contestado por quem tiver direito aos recursos.
Posicionamento oficial do governo
Em nota oficial, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) afirma: “A lei, aprovada por deputados e senadores, visa garantir a manutenção da desoneração da folha de pagamentos para 17 setores da economia e municípios com até 156 mil habitantes. Esses recursos também serão considerados para o cumprimento da meta primária, o que pode beneficiar a economia brasileira”.
A Secom ainda ressaltou que, ao contrário de um confisco, de acordo com o que foi aprovado no Congresso Nacional, os cidadãos ainda terão a possibilidade de reivindicar os valores esquecidos.
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Bereia classifica a notícia divulgada pelos deputados federais com identidade religiosa Carla Zambelli (PL) e Marcel Van Hattem (Novo) como enganosa. É fato que há valores por receber, pagos pelo governo federal a cidadãos, que estão esquecidos e não foram resgatados, por anos. Porém, a alegação de que o governo atual estaria projetando um confisco é inventada e foi desmentida pela Secretaria de Comunicação do Governo (Secom). A proposta em questão, de o governo se reapropriar dos recursos esquecidos, é prevista em lei há 70 anos, e não se caracteriza como confisco, pois mantém o direito dos cidadãos de reivindicar seus recursos, mesmo após o prazo inicial de 30 dias.
Bereia alerta leitores e leitoras que uma das formas de se avaliar se um conteúdo é falso ou enganoso é identificar matérias de cunho bizarro ou ausentes de sentido. No caso das publicações dos deputados da extrema direita, pode-se avaliar como improvável que o governo realizasse um confisco de recursos dos cidadãos sem ampla discussão pública e cobertura da imprensa. Afirmações sensacionalistas como estas devem gerar desconfiança no primeiro acesso, e a veracidade deve ser imediatamente buscada em fontes oficiais.
É importante que os cidadãos busquem informações em fontes oficiais e verifiquem seus direitos em relação aos valores disponíveis no Sistema de Valores a Receber (SVR).
É importante que as pessoas estejam atentas sobre o risco de fraudes relacionadas a esses valores que podem ser resgatados. Links falsos que levem cidadãos a liberem informações pessoais ou mesmo fazerem pagamentos para conseguirem o recurso circulam pelas redes. Por isso, é essencial que as pessoas procurem informações em fontes oficiais, como o site do Banco Central, para não caírem em golpes. Conferir as informações com cuidado é fundamental para proteger direitos.
O Banco Central alerta que o único site para a consulta de valores a receber é ohttps://valoresareceber.bcb.gov.br. É preciso acessar o site e clicar em “Consulte se tem valores a receber”. Inserir os dados e clicar em “Consultar”. Se a consulta mostrar que há valores a receber, clique em “Acessar o SVR” e a pessoa será direcionada para a página de login gov.br (pode haver fila de espera).
*Matéria atualizada em 04 /10/24 para inclusão de informações.
Ganhou repercussão, nos últimos dias, a notícia de que a recém nomeada ministra dos Direitos Humanos e Cidadania Macaé Evaristo, deputada estadual pelo PT-MG, é alvo de ações de improbidade administrativa, relacionadas principalmente a acusações de superfaturamento de contratos, quando secretária estadual e municipal de Educação anos atrás.
Evaristo teve o nome anunciado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 9 de setembro passado, para assumir a pasta no lugar de Sílvio Almeida, demitido sob acusações de assédio e importunação sexual.
As acusações de superfaturamento de contratos, levantadas por veículos como O Globoe Folha de S. Paulo, foram amplificadas por figuras da oposição em redes sociais, incluindo os deputados federais extremistas de direita Mário Frias (PL-SP) e Carla Zambelli (PL-SP).
Imagem: reprodução/O Globo
Imagem: Reprodução/Instagram
Reprodução/Instagram
Quem é Macaé Evaristo
A recém nomeada ministra dos Direitos Humanos e Cidadania foi secretária de Educação de Belo Horizonte entre 2005 e 2012, durante as gestões de Fernando Pimentel (PT) e Márcio Lacerda (PSB).
Macaé Evaristo atuou no governo federal, entre 2013 e 2014, durante o governo Dilma Roussef (PT),como titular da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão no Ministério da Educação..
De 2015 a 2018, ocupou a secretaria estadual de Educação de Minas Gerais, durante o governo de Fernando Pimentel (PT).
Bereia pontua que em processos de improbidade administrativa, o foco é avaliar se houve atos de má gestão, desvio de recursos ou negligência no uso de dinheiro público. No caso de Macaé, as acusações giram em torno de contratos firmados durante sua gestão como secretária de Educação, particularmente, no tocante a licitações para uniformes e mobiliário escolar.
Macaé Evaristo esclareceu que, durante sua gestão na Secretaria de Educação de Minas Gerais, foram realizadas licitações para a compra de mobiliário e kits escolares, que posteriormente passaram a ser investigadas pelo Ministério Público Estadual.
Ela ressaltou que, no processo referente à aquisição de carteiras escolares ( n° 5142894-04.2020.8.13.0024, foi homologado um acordo entre as partes. O pagamento das parcelas acordadas teve início em 19 de novembro de 2021 e segue em andamento, com os demais envolvidos cumprindo suas obrigações financeiras.
Na sentença referente a Macaé Evaristo, foi celebrado um acordo extrajudicial com o Ministério Público, que foi homologado por um juiz. A “extinção do processo com resolução de mérito”, que consta nos registros, significa que o caso foi concluído após uma análise completa, sem que tenha sido necessária uma condenação formal. Macaé Evaristo argumenta que esses processos foram conduzidos por comissões de licitação e que não houve má-fé de sua parte.
O advogado e analista judiciário da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro Abel Rangel, ouvido pelo Bereia, explica que, “conforme o artigo 487, inciso III, alínea ‘b’ do Código de Processo Civil, a extinção do processo contra Macaé Evaristo se deu por meio de um acordo extrajudicial. O uso desse tipo de acordo, em casos de improbidade administrativa, é comum, especialmente quando não há dolo ou enriquecimento ilícito, e quando os danos ao erário foram reparados. A Lei de Improbidade Administrativa (artigo 17, §1º) permite acordos nesses casos para evitar o prosseguimento do processo e garantir a celeridade da Justiça”.
Os processos mencionados, que envolvem questões de licitações, estão relacionados ao mesmo tema, mas foram desmembrados em várias ações judiciais. Cada um deles foi resolvido de forma individual, com acordos homologados judicialmente.
O advogado Abel Rangel pontua que esse desmembramento é comum em casos administrativos que envolvem diferentes contratos ou fases de execução, mas todos os processos relacionados à Macaé Evaristo foram arquivados sem aplicação de penalidades contra ela.
O jornal Folha de São Paulo, inicialmente, informou que Macaé Evaristo havia feito um acordo judicial no valor de R$10 milhões para encerrar um dos processos de improbidade administrativa. Pouco depois, a publicação corrigiu o erro e esclareceu que o valor correto pago por Macaé foi de R$10 mil, não R$10 milhões. A retificação foi feita para ajustar a informação ao valor real do acordo extrajudicial firmado pela ex-secretária.
Imagem: Reprodução/Folha de São Paulo
Quanto ao Processo n° 5143372-51.2016.8.13.0024, relacionado à aquisição de kits de uniformes escolares para alunos da rede municipal de Belo Horizonte, a nova ministra nomeada esclarece que o processo ainda está em fase instrutória, e aguarda decisão judicial. Ela reiterou sua confiança na Justiça e garantiu que sua gestão sempre foi pautada pela correta administração dos recursos públicos e pela transparência.
Novas denúncias
O portal UOL publicou, em 13 de setembro passado, que uma auditoria interna do Ministério da Educação apontou que Macaé Evaristo “deixou sem explicação um rombo de R$177 milhões em verba de merenda”.
Imagem: Reprodução UOL Prime, 13 set 2024
A notícia se refere à Tomada de Contas Especial, instaurada pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), em razão da não comprovação da regular aplicação dos recursos repassados pela União, para atendimento ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), em 2016. À época, Macaé Evaristo ocupava o cargo de secretária de Educação do Estado de Minas Gerais. As informações foram enviadas ao Tribunal de Contas da União (TCU) que formalizou o Processo nº 039.766/2023-3 para apurar supostas irregularidades.
Bereia pediu acesso ao processo no TCU, através da plataforma FalaBR. Foi verificado que, de fato, durante a gestão de Macaé Evaristo (2015-2018), a Secretaria de Educação de Minas Gerais não comprovou a utilização correta dos recursos destinados à alimentação escolar. A auditoria levantou um prejuízo ao erário superior a R$116 milhões, valor que, com correções e juros, chega a mais de R$ 177 milhões. Consta no processo que diversos pagamentos a fornecedores foram realizados sem a documentação devida comprobatória, o que impediu a vinculação entre as despesas e os credores responsáveis.
Além disso, outras falhas graves foram identificadas, como o fornecimento parcial de alimentação nas escolas, ausência de nutricionistas, não cumprimento de cardápios específicos para comunidades indígenas e quilombolas, falta de controle de estoque e armazenamento inadequado de alimentos, entre outros.
O processo está em julgamento no TCU, com a concordância da Controladoria Geral da União.
Em nota oficial, a ministra explicou que os recursos do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), transferidos pelo FNDE, em 2016, foram devidamente repassados pela Secretaria de Educação de Minas Gerais para as unidades responsáveis pela execução do programa, conhecidas como “caixas escolares” ou “unidades executoras”. Essas unidades são associações sem fins lucrativos que apoiam as escolas e realizam a compra da merenda diretamente.
Segundo a ministra, os auditores do FNDE levantaram questões sobre os procedimentos de controle dessas unidades, mas não apontaram qualquer problema nos recursos gerenciados diretamente pela Secretaria Estadual de Educação.
Macaé Evaristo também afirmou que vai prestar todas as informações devidas ao TCU e destacou seu compromisso com a transparência e a correta gestão dos recursos públicos, tanto em sua atuação anterior quanto na sua gestão atual no Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania.
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Bereia avalia que o uso político da informação sobre os processos de improbidade administrativa contra a nova ministra nomeada para a pasta de Direitos Humanos e Cidadania é enganoso. As acusações contra Macaé Evaristo envolvem a licitação de uniformes e mobiliário escolar durante suas gestões nas secretarias de Educação de Belo Horizonte e Minas Gerais. As investigações apontaram superfaturamento nesses contratos, mas a ministra firmou acordos extrajudiciais com o Ministério Público, solucionando os casos. Não houve comprovação, até agora, de dolo ou enriquecimento ilícito por parte da nova ministra nomeada, e os danos ao erário foram reparados dentro do processo.
A divulgação das informações sobre os processos, de anos passados, pelas manchetes de jornais, usadas por políticos da extrema direita, notórios propagadores de desinformação, se torna enganosa porque as investigações e a resolução judicial mostram que não houve dolo ou má-fé, o que contraria a narrativa promovida em redes sociais.
As acusações que circulam nas redes foram infladas e as informações apresentadas de maneira incompleta, sem refletir o contexto e o desfecho do que foi concluído na Justiça. Até o momento, apenas um processo continua em andamento.
A informação sobre os antigos processos judiciais que envolvem a nova ministra é relevante e deve ser oferecida ao público para que esteja atento ao desempenho dela na função. Porém, as acusações construídas com base na informação não procedem diante do encerramento da quase totalidade dos processos.
Bereia reafirma a importância da oposição política ao governo federal, relevante e saudável em qualquer democracia. No entanto, a oposição deve ser feita com ações dignas, sem recurso à desinformação para convencer e captar rejeições.
Uma postagem no X (antigo Twitter) afirma que o portal O Fuxico Gospel apagou uma publicação sobre o pastor presidente da Igreja Evangélica Assembleia de Deus em São Paulo José Wellington Bezerra da Costa, ter pedido votos a um candidato do Partido dos Trabalhadores (PT). A postagem alega que fiéis responderam ao pastor gritando “o PT não”. Bereia checou o conteúdo.
Imagem: reprodução X
Propagação e exclusão da notícia por portal de notícia gospel
Há indícios de que, de fato, publicações de O Fuxico Gospel foram retiradas da internet após terem sido publicadas. O endereço do portal para “Pastor José Wellington pede votos para candidato do PT e toma bronca de fiel”, por exemplo, ainda está disponível online, embora a página não mostre o conteúdo que foi publicado. Pelo localizador digital da página (URL), é possível perceber que ela foi veiculada em agosto de 2024.
Em busca no Google, um dos resultados apresentados leva ao conteúdo de O Fuxico Gospel, mas a página, da mesma forma, não apresenta o conteúdo.
Imagem: reprodução O Fuxico Gospel
Imagem: print de resultado de buscas no Google
O portal Mato Grosso Agora chegou a repercutir a notícia, indicando O Fuxico Gospel como fonte. Tanto o link para a matéria completa, quanto o link para a publicação do Fuxico Gospel no Instagram encontram-se sem conteúdo disponível.
Inteligência Artificial revela conteúdo oculto da página
Bereia utilizou a ferramenta de inteligência artificial (IA) Gemini, do Google, para decifrar o que a página hoje indisponível apresentava. A reportagem alimentou a ferramenta com o link de O Fuxico Gospel e pediu que a IA resumisse as informações da página. Uma das respostas obtidas foi que, na categoria política, “o pastor José Wellington pediu votos para um candidato do PT e foi repreendido por um fiel”.
Imagem: reprodução Gemini
A reportagem pediu, então, que a IA apresentasse de forma mais detalhada o que a página mostrava sobre aquele tema. A resposta obtida foi:
“Este é um artigo sobre um pastor que pediu votos para um candidato do PT e foi repreendido por um fiel. O pastor José Wellington Bezerra da Costa, líder da Igreja Evangélica Assembleia de Deus em São Paulo, pediu votos para o candidato a prefeito Luiz Fernando durante um culto. Isso gerou polêmica entre os fiéis, pois a igreja se posicionou contra o PT nas últimas eleições. A mudança de postura se deve à aliança política entre Luiz Fernando e a família do pastor.”
A resposta inclui, ainda, “alguns pontos importantes”:
“O pastor José Wellington Bezerra da Costa é líder da Igreja Evangélica Assembleia de Deus em São Paulo.
Ele pediu votos para o candidato a prefeito Luiz Fernando, do PT.
Isso gerou polêmica entre os fiéis, pois a igreja se posicionou contra o PT nas últimas eleições.
A mudança de postura se deve à aliança política entre Luiz Fernando e a família do pastor.”
Imagem: reprodução Gemini
Vídeo nas redes digitais e posicionamento do pastor José Wellington
No Youtube, o canal Universo Dafe publicou um vídeo de opinião sobre o assunto. O conteúdo mostra a página com a notícia e reproduz o vídeo do pastor em um altar pedindo voto ao deputado estadual Luiz Fernando (PT-SP), que segundo o texto “teria uma longa história de colaboração política com a família” de José Wellington.
Luiz Fernando Teixeira foi anunciado como pré-candidato à Prefeitura de São Bernardo do Campo (SP). O político, deputado estadual em São Paulo, desde 2015, é evangélico e irmão do ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar Paulo Teixeira.
Nas redes digitais do pastor José Wellington não há menção ao pedido de voto, nem vídeo ou qualquer conteúdo relacionado ao episódio. Nos endereços ligados à Assembleia de Deus (sites e plataformas sociais) também não há referência ao episódio. Bereia tentou contato com os perfis de O Fuxico Gospel no Instagram, mas não obteve retorno até o fechamento da matéria.
Pastor José Wellington e família
José Wellington Bezerra da Costa é natural do Ceará e pastor evangélico desde 1962. Costa mudou-se para São Paulo em 1954, depois de já ter se casado. O primeiro filho do casal, José Wellington Bezerra da Costa Junior, nasceu ainda em Fortaleza, também é pastor e é o atual presidente da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB) desde 2017, cargo até então ocupado por seu pai, por diversos períodos, desde 1988.
A família Costa dirige a denominação Assembleia de Deus Belém, vertente com grande representatividade entre as Assembleias de Deus no Brasil, desde 1980. Além de Wellington da Costa Junior, José Wellington tem outros três filhos e duas filhas, dos quais três fizeram carreira na política.
Há vários registros em mídias de situações em que o pastor José Wellington Bezerra da Costa se expôs em campanha política em espaços da igreja. Em 2019, no culto de celebração do seu aniversário, orientou os presentes a “não votar à esquerda”. O líder religioso agradeceu as felicitações do candidato à presidência da República à época, Jair Bolsonaro. “Muito obrigado capitão, muito obrigado amigo, deputado amigo do meu filho”.
Matéria da Folha de São Paulo, publicada em 2020, expôs o comportamento costumeiro do líder religioso com políticos durante suas festas de aniversário, celebrado no mês de outubro. O texto resgata a postura do pastor José Wellington, ainda em 1997, quando Fernando Henrique Cardoso era candidato à reeleição para presidente da República. Em 2009, Dilma Rousseff também foi recebida na celebração de mais um ano de vida do pastor.
Em 2022, o pastor José Wellington pediu votos para Jair Bolsonaro, então candidato à reeleição na presidência do país, durante culto realizado na igreja Assembleia de Deus Ministério Belém, na zona leste de São Paulo, que contou com a presença de Bolsonaro e esposa, segundo matéria da BBC News.
O pastor Wellington Junior também já havia pedido votos para Bolsonaro e foi citado, pedido de responsabilização, em uma representação por propaganda eleitoral extemporânea (antes do período previsto em lei) apresentada ao Tribunal Superior Eleitoral pelo Partido dos Trabalhadores (PT).
No mesmo ano, a Convenção Fraternal Inter-estadual das Assembleias de Deus do Ministério do Belém – São Paulo (Confradesp), presidida pelo pastor José Wellington Bezerra da Costa, aprovou uma resolução para punir pastores que “defendam, pratiquem ou apoiem” pautas, consideradas pela denominação, de orientação à esquerda.
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Após análise, Bereia classifica a publicação no X (antigo Twitter) como verdadeira. As afirmações de que o pastor José Wellington pediu votos para um candidato do Partido dos Trabalhadores (PT), durante culto religioso, que o pastor foi contrariado por alguns presentes à cerimônia, e ainda, que a página que divulgou o vídeo que comprovaria o fato excluiu a publicação, são corretas.
Conforme os fatos apurados, o site O Fuxico Gospel publicou, e em seguida, excluiu postagens sobre o evento, tanto no site, quanto na página do Instagram do portal de notícias gospel. Por meio de outras publicações e imagens foi constatada a postura tomada pelo veículo e as declarações feitas pelo pastor.
O também pastor Wellington Junior, filho do pastor José Wellington, já foi alvo de uma representação por propaganda eleitoral fora do período previsto em lei, o que pode indicar preocupação da liderança da igreja, conforme citado na publicação no X.
Bereia alerta sobre o uso político de espaços religiosos e também para campanhas fora do período eleitoral, em qualquer espaço. Ambas as práticas são consideradas crime eleitoral pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Outros veículos alinhados à política extremista de direita, como Conexão Política e Brasil Sem Medo, também abordaram o tema com títulos sensacionalistas. O Brasil Sem Medo, por exemplo, menciona não só o aumento dos assassinatos, mas também o crescimento de lesões e estupros contra a comunidade LGBTQ+, apresentando uma visão alarmista do atual governo federal.
Imagem: Reprodução: Conexão Política e Brasil Sem Medo
Bereia checouse a informação destas mídias tem procedência: se houve aumento da violência contra pessoas LGBTQIA+, o atual governo federal é responsável por isto?
Os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública
O Anuário, produzido desde 2007, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), é uma das principais fontes de estatísticas sobre violência e criminalidade no Brasil. O FBSP é uma organização não governamental, criada em meados da década de 2000, independente de orientações partidárias e sem fins lucrativos. O objetivo principal do Fórum é promover um ambiente de colaboração técnica e referência na área de Segurança Pública, por meio da ação conjunta de pesquisadores, cientistas sociais, gestores públicos, membros das forças policiais (federais, civis e militares), profissionais do sistema judiciário e representantes de organizações da sociedade civil.
A mais recente edição do Anuário, publicada neste julho de 2024, revela um aumento nos homicídios dolosos contra pessoas LGBTQ+, que passaram de 151 casos em 2022 para 214 em 2023, o que representa um crescimento de 41,7% (ajustado para 42% na matéria do Pleno News).
A série histórica de 2017 a 2023, mostra flutuações significativas nos casos de assassinatos LGBTQ+ no País: 99 casos em 2017, 124 em 2018, 97 em 2019, 167 em 2020, 176 em 2021, 151 em 2022 e 214 em 2023.
A tabela a seguir compila os dados de homicídios dolosos contra a população LGBTQ+, por estados, publicados no Anuário Brasileiro de Segurança Pública entre os anos de 2018 e 2024.
O FBSP ainda destaca o problema frequente da subnotificação nos casos de violência contra a população LGBTQ+. Os dados são obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI), mas nem todos os estados forneceram dados completos, tais como Rio Grande do Sul, Bahia e Rio de Janeiro.
Repercussão dos dados
Diferentemente da indiferença a edições anteriores da pesquisa, neste ano, parlamentares e outros políticos de oposição ao atual mandato federal, em especial os alinhados ao extremismo de direita e ao governo anterior, utilizaram o X para comentar os dados. Todos destacaram o aumento da taxa de assassinatos contra a população LGBTQ+ em 2023, com publicações que associam o fenômeno à atual gestão federal. Alguns utilizaram chamadas de mídias de notícias para justificar a crítica.
Imagem: Reprodução X
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A violência contra pessoas LGBTQ+ no Brasil
Ao se discutir o aumento dos assassinatos de pessoas LGBTQ+ é preciso considerar a complexidade histórica do problema. Esta parcela da população tem enfrentado décadas de discriminação e violência, em momentos históricos institucionalizadas, quando agravadas pela classificação errônea da orientação sexual homoafetiva como distúrbio mental.
O Conselho Federal de Medicina (CFM) retirou a homossexualidade da lista de transtornos mentais no Brasil apenas em 1985, mesmo assim, antes da Organização Mundial da Saúde (OMS), que só o fez em 1991. Essa patologização contribuiu com o estigma de que a homossexualidade seria um desvio da norma ou problema mental, que poderia ser revertida e tratada.
Além disso, a epidemia de Aids, nos anos 1980 e 1990, intensificou a discriminação e a perseguição contra pessoas LGBTQ+. Inicialmente referida como “peste gay”, a doença foi usada por discursos de parlamentares brasileiros, à época das discussões da Assembleia Nacional Constituinte, no final da década de 1980, para equipararem a homossexualidade a práticas criminosas e imorais.
A combinação de fatores sociais e políticos, o medo da Aids, o preconceito institucionalizado e a falta de informação adequada, segundo ativistas e especialistas, como os do Observatório de Mortes e Violências LGBT+ no Brasil, foram determinantes para o aumento da violência que se estendeu para além dos homens gays, afetando também lésbicas, bissexuais e, de forma mais proeminente, as pessoas transgênero.
Além desses fatores, há também a condenação de grupos religiosos à homossexualidade, que não se restringe a orientações internas à própria religião, mas acaba, por meio da atuação de lideranças, ganhando propagação para a sociedade mais ampla.
Em 2024, o Bereia verificou que a cantora e pastora da Igreja Batista da Lagoinha Ana Paula Valadão, foi condenada a pagar uma multa de R$ 25 mil por danos morais coletivos. Ela respondeu a um processo judicial, por conta de discurso homofóbico e discriminatório em relação a pessoas que convivem com o vírus HIV, proferido durante o Congresso Diante do Trono, promovido pela Igreja Batista da Lagoinha em 2016, transmitido pela Rede Super de TV, de propriedade da igreja.
“(…) Taí a Aids para mostrar que a união sexual entre dois homens causa uma enfermidade que leva à morte, contamina as mulheres, enfim… Não é o ideal de Deus.” declarou a cantora no evento. Na decisão da sentença, o juiz Hilmar Castelo Branco Raposo Filho afirmou que “a manifestação e divulgação da opinião errada atribui à população LGBTQ+ uma responsabilidade inexistente, atingindo a dignidade destas pessoas de modo transindividual, justamente o que caracteriza a lesão apontada pela autora”.
A teóloga LGBTQIA+ e doutora em Ciências da Religião Ana Esther Freire, em entrevista ao Bereia, destaca que as igrejas cristãs hegemônicas tradicionalmente sempre se opuseram às dissidências sexuais e de gênero. No entanto, ela reconhece uma mudança, a partir da década de 1980, na América Latina, quando surgiram igrejas autodenominadas inclusivas em resposta aos discursos de ódio contra a população LGBTQ+.
“No Brasil, o crescimento dessas igrejas dá-se, principalmente, a partir da década de 2000, e hoje o que se percebe no campo progressista cristão é uma crescente abertura às discussões sobre a pauta da diversidade sexual.”, afirma a teóloga.
Ana Esther Freire ressalta o papel do Cristianismo progressista como aliado da comunidade LGBTQ+, quando afirma: “Nesse contexto, o Cristianismo do campo progressista tem se apresentado como um importante aliado promovendo contra narrativas à crescente manifestação do ódio contra a população LGBTQIAPN+. O que se tem percebido é que, embora o Cristianismo hegemônico esteja envolvido com o crescente número de violência contra essa população por meio de seus discursos de ódio, a resistência a partir das margens do cristianismo também tem aumentado”.
Apesar de avanços em direitos e visibilidade, a partir dos anos 2000, o Brasil ainda carrega o pesado título de país mais homotransfóbico do mundo, de acordo com levantamento realizado pelo Grupo Gay Bahia (GGB), a maior Organização Não Governamental (ONG) LGBTQ+ da América Latina. Portanto, atribuir a violência e o aumento do índice de assassinatos de indivíduos da população LGBTQ+ à administração atual, sem considerar as causas profundas e históricas desse problema, gera desinformação. Por isso, Bereia buscou, ainda, levantar quais são as ações em políticas públicas para esta parcela da população brasileira, em especial no atual governo.
Políticas públicas e garantia de direitos à população LGBT
Mello, Avelar e Maroja, apontam que, até o início dos anos 2000, as iniciativas em prol da comunidade LGBTQ+ eram limitadas. Foi somente a partir de 2001, no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSBD), com o estabelecimento do Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNCD), ligado ao Ministério da Justiça, o governo federal começou a produzir planos, programas e conferências voltados à construção de políticas públicas para a população LGBT no Brasil.
Gimenes e Villela destacam que os governos do Partido dos Trabalhadores, dois mandatos de Luis Inácio Lula da Silva e mais de um de Dilma Rousseff (2003-2016), proporcionaram significativa abertura ao diálogo com os movimentos LGBTQ+ e expansão das políticas públicas. Este período foi marcado por uma intensificação da participação social na formulação de políticas para a comunidade LGBTQ+.
O Serpro, Serviço Federal de Processamento de Dados, destinou um milhão de reais para o Edital Agora 3T, visando incluir pessoas trans no mercado de tecnologia;
O Ministério da Cultura dedicou aproximadamente dez milhões ao reconhecimento e valorização da produção cultural feita por pessoas idosas, com deficiência, LGBTQ+ e em sofrimento psíquico, via Prêmio Diversidade Cultural;
O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania destinou, por meio do Edital nº 3/2023, pouco mais de 1,2 milhão para o fomento à promoção e defesa de direitos de pessoas LGBTQ+;
Em dezembro de 2023, a pasta também anunciou o Prêmio Cidadania na Periferia, que vai reservar um milhão para 20 iniciativas periféricas que promovam a cidadania LGBTQ+.
Os estudos convergem ao indicar que a criação destes programas e eventos pelo atual governo federal foi fundamental para o avanço dos direitos da população LGBTQ+ no Brasil, com o reforço do compromisso do governo com a proteção e promoção dos direitos humanos para estes cidadãos e cidadãs.
Há relação entre o aumento dos números da violência e o atual governo?
O doutor em Ciência Política, professor e pesquisador da PUC-Minas Thiago Coacci, ouvido pelo Bereia, contesta a correlação entre os dados do Anuário e o governo Lula, feita pelo Pleno News e por políticos de oposição em suas mídias. “Não existe relação entre o aumento da violência LGBTIfóbica e as ações do governo Lula”, afirma o pesquisador.
Coacci aponta dois fatores para o aumento registrado. Primeiramente, destaca a progressiva melhora na produção de dados sobre a violência LGBTfóbica, que até pouco tempo não eram coletadas. “Hoje vários estados começam a ter campos nos boletins de ocorrência, para coletar informações como a orientação sexual, identidade de gênero e motivação LGBTIfóbica dos crimes. Além disso, as organizações que produzem os dados de violência, como o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, começaram a se atentar melhor para esse tipo de violência, que antes era ignorada”, explica.
O segundo fator, segundo Coacci, é o aumento generalizado de violência contra grupos oprimidos, o que contribui significativamente para a compreensão desse crescimento. Ele contextualiza: “Esse dado tem que ser entendido em conjunto com o aumento da violência doméstica contra mulheres, com o aumento do discurso de ódio contra pessoas LGBT, com a popularização de um masculinismo extremamente misógino e tantos outros fatores mais abrangentes que terminam por criar uma cultura em que as pessoas lgbti+, e outros grupos oprimidos, são odiadas e matáveis”.
O doutor em Sociologia e pesquisador do Núcleo de Estudos da Diversidade Sexual e de Gênero Tony Gigliotti Bezerra também foi ouvido por Bereia. Ele afirmou que um governo não pode ser responsabilizado por todos os acontecimentos na sociedade e criticou o material publicado pelo Pleno News como falacioso e sensacionalista.
“O site Pleno News, que é identificado com a extrema-direita bolsonarista, produziu uma manchete sensacionalista que tenta inverter a lógica das ideias e tenta colocar o governo Lula como algoz da população LGBTQIA+, sendo que, na realidade, ele promove políticas de direitos de LGBTQIA+. Nisso, ele se difere do governo Bolsonaro, que atacava cotidianamente a população LGBTQIA+ e censurava professoras e professores que abordassem esse tema nas salas de aula” explica o doutor.
Gigliotti comenta que há dados que mostram o investimento em políticas públicas para combater a discriminação e promover os direitos da população LGBTQIA+ durante o governo Lula. “Em países onde a homossexualidade é proibida pelo Estado (em mais de 60 países a homossexualidade ainda é considerada crime), não existem dados sobre a LGBTfobia justamente porque a homofobia é legitimada pelo próprio Estado. Então o Brasil está começando a criar, está ainda engatinhando nessa seara de políticas públicas LGBTQIA+ e está diminuindo a subnotificação. E, com a diminuição da subnotificação, há o aumento de casos registrados de LGBTfobia. Então a manchete deveria ser uma notícia positiva para o governo porque esses casos começam finalmente a serem registrados de maneira formal pelo Estado brasileiro”.
O professor também menciona que é importante lembrar que muitas estatísticas sobre LGBTfobia anteriores vinham do trabalho de ONGs, como o Grupo Gay da Bahia e a Rede Trans, que contavam as mortes de pessoas LGBTQIA+ a partir das notícias de jornal. “O que acontece agora é que as secretarias estaduais de segurança pública estão começando a assumir as suas responsabilidades no sentido de adequar os seus formulários-padrão de boletim de ocorrência para incluir a questão da LGBTfobia. Por isso, o aumento de casos registrados está relacionado à diminuição da subnotificação”.
Além disso, Gigliotti comenta que a matéria do Pleno News menciona que o aumento no número de homicídios LGBTfóbicos registrados está relacionado à redução da subnotificação. Portanto, houve uma redução na subnotificação, e não um aumento real dos casos de LGBTfobia no primeiro ano do governo.
“A própria reportagem diz também, citando uma especialista do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que diversos estados não informaram os seus dados sobre violência LGBTfóbica. Então, o que acontece é que os estados brasileiros, por meio das Secretarias Estaduais de Segurança Pública, estão começando a colocar em seus formulários de boletim de ocorrência a problemática da LGBTfobia. Assim, é de se esperar que a quantidade de BOs relacionados à LGBTfobia aumente significativamente nos próximos anos, porque cada vez mais estados estão assumindo as suas responsabilidades e colocando esse fator de LGBTfobia dentro dos seus formulários padrão de boletim de ocorrência”.
Tony Gigliotti também assegura que o que aconteceu, em 2023, foi uma redução da subnotificação e não o aumento da LGBTfobia na sociedade brasileira.
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Bereia classifica como ENGANOSA a afirmação publicada por Pleno News de que o aumento de 42% nos assassinatos de pessoas LGBTQIA+, em 2023, tem relação direta com o governo Lula.
Embora o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024 registre um aumento significativo nos casos de homicídios dolosos contra pessoas LGBTQIA+, de 151, em 2022, para 214, em 2023, não há evidências que sustentem uma relação causal direta entre este aumento e as políticas do atual governo federal.
O veículo gospel evangélico tomou os números sem contextualizá-los. Como especialistas alertam, deve-se considerar a melhoria na coleta e no registro de dados sobre violência LGBTfóbica, o aumento generalizado da violência contra grupos minoritários, o histórico de discriminação e violência institucionalizada contra a população LGBTQI+ no Brasil, e a complexidade das causas da violência contra o grupo, que envolvem fatores sociais, culturais e históricos.
Além disso, como verificado em estudos científicos, o governo atual tem recuperado a implementação de políticas e ações voltadas para a proteção e promoção dos direitos da comunidade LGBTQI+, enfraquecidas no governo anterior, como a criação da Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQI+ e a retomada do Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQI+, entre outras ações.
Bereia alerta leitores e leitores sobre o uso de material noticioso falso e enganoso como campanha política de oposição. Como é sempre enfatizado neste espaço, oposição é uma prática importante e saudável em uma democracia, porém deve ser realizada de forma digna, sem recorrer a mentiras e enganos, como estratégia de destruição de reputações e como convencimento para captação de apoios.
“Só os conservadores sofrem atentados”, foi a afirmação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) publicada, em 14 de julho, após o ex-presidente estadunidense e candidato, mais uma vez, ao cargo, Donald Trump (Partido Republicano) ter sido alvo de um atirador. O caso ocorreu em comício realizado no estado da Pensilvânia, em 13 de julho passado.
A afirmação de Bolsonaro, após o caso, é um extrato de vídeo, publicado em mídias sociais dele. Nele, o político responde a perguntas de jornalistas e compara o ocorrido com o atentado a faca que ele próprio sofreu na campanha eleitoral de 2018, no Brasil. No trecho divulgado, o ex-presidente também diz: “Os atentados são contra as pessoas de bem e conservadoras.”
Imagem: Reprodução Instagram
A fala de Bolsonaro foi repercutida em várias mídias de notícias como O Globo, Poder 360, Pleno News, Folha de São Paulo, Uol, entre outros. Perfis de mídias sociais de políticos e de seguidores também colaboraram com a viralização da fala. Algumas matérias apenas divulgaram a declaração de Jair Bolsonaro, como as do Pleno News, Poder 360 e Uol. Outras fizeram a apuração do conteúdo, como O Globo e Folha de S. Paulo.
Imagens: Reprodução: O Globo, Poder 360,Pleno News, Uol e Folha de São Paulo
Bereia checou a afirmação e fez um levantamento de casos no Brasil e no exterior para identificar se a violência política atinge personagens de diferentes espectros ideológicos.
EUA: atentados a presidentes republicanos e democratas
O atentado contra Donald Trump não foi um caso isolado na história estadunidense. Desde a fundação dos Estados Unidos da América como estado independente, em 1776, o país foi liderado por 46 presidentes. O último, em exercício, é Joe Biden do Partido Democrata. Quatro deles foram assassinados enquanto exerciam o cargo: Abraham Lincoln (Partido de União Nacional, 1865): James A. Garfield (Partido Republicano, 1881): William McKinley (Partido Republicano, 1901): John F. Kennedy (Partido Democrata, 1963).
Para além dos que foram mortos durante o exercicio do mandato, mais outros 16 atentados foram registrados contra presidentes e candidatos à presidência ao longo da história daquele país: Andrew Jackson (Partido Democrata 1835): Franklin D. Roosevelt (Partido Democrata 1933): Harry S. Truman (Partido Democrata 1950): Gerald Ford (Partido Republicano 1975): Ronald Reagan (Partido Republicano 1981):
Analistas avaliam que o livre porte de armas nesse país é um fator que colabora com a alta incidência de atentados a bala. A Segunda Emenda da Constituição dos Estados Unidos da América, promulgada em 1791, garante o direito de manter e portar armas. Apesar do debate sobre a aplicação de uma lei do século 18 nos dias atuais, e as variações de interpretação sobre a emenda, o lobby em favor das armas de fogo, lideradas pela Associação Nacional de Rifles (NRA, na sigla em inglês), ainda prevalece.
No Brasil: do Império aos dias atuais, atentados são relacionados a diferentes ideologias
O imperador D. Pedro II, meses antes do golpe que inaugurou a República, em 1889, foi alvo de um atentado a tiros, por um português que protestava em prol da instauração do regime republicano. O monarca não foi atingido.
O terceiro presidente do Brasil, Prudente de Morais (Partido Republicano Paulista), foi o primeiro civil a ocupar o cargo da presidência. Em 1897, sobreviveu a uma tentativa de assassinato, quando um soldado apontou uma arma em seu peito.
Em 1988, José Sarney (MDB) era o presidente do Brasil quando um Boeing 737 da Viação Aérea São Paulo (VASP) foi sequestrado por Raimundo Nonato Alves da Conceição. O objetivo do sequestrador era atingir o Palácio do Planalto para matar Sarney. Depois de nove horas de sequestro, o piloto da VASP conseguiu pousar no aeroporto de Goiânia e impediu a ação.
Para além desses casos, é muito extensa a lista de políticos, governantes, parlamentares e candidatos a estes cargos, que sofreram atentados, fatais ou não. Uma simples pesquisa torna possível observar que o fenômeno abrange uma gama ampla de situações, que envolvem personagens de diferentes ideologias, o que descarta que conservadores ou progressistas sejam maior ou menor alvo. Alguns casos:
Juscelino Kubitschek (1976): o ex-presidente do Brasil (PSD, 1956-1961) morreu em um acidente automobilístico na Via Dutra. As causas dessa morte ainda geram controvérsias. A Comissão da Verdade de São Paulo afirmou que o ex-presidente foi assassinado por agentes da repressão, durante a ditadura militar. Porém essa versão não pode ser comprovada pela Comissão Nacional da Verdade (2012-2014), que acabou mantendo o registro de que a morte foi um acidente.
Em período mais recente são identificados dois casos que envolveram diretamente personalidades da esquerda e do campo progressista.
Marielle Franco era uma ativista feminista e defensora dos direitos humanos, conhecida pela luta contra a violência policial e por apoiar famílias de vítimas, incluindo os próprios agentes do Estado. Ela presidia a Comissão da Mulher na Câmara Municipal e havia sido nomeada para participar da comissão que fiscalizaria a intervenção federal por agentes militares que ocorria no estado.
Após seis anos e muitas controvérsias, este crime ainda não foi solucionado, e está, desde 2023, sob investigação da Polícia Federal.
Caravana de Lula
O segundo atentado de repercussão nacional recente ocorreu em 27 de março de 2018, quando dois ônibus da caravana do então pré-candidato à Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foram alvejados por três tiros. O atentado ocorreu enquanto os veículos seguiam de Quedas do Iguaçu para Laranjeiras do Sul, no estado do Paraná.
Os tiros não atingiram pessoas, porém o fato foi reportado para as autoridades. O Partido dos Trabalhadores (PT) solicitou policiamento às autoridades do Paraná, mas não recebeu resposta. A Polícia Civil abriu um inquérito para investigar o ocorrido e realizou uma perícia nos ônibus. O delegado responsável afirmou que os tiros foram um ataque planejado. “Se foi uma só pessoa que fez [os disparos], a pessoa planejou o ataque, direcionou o tiro”, afirmou o delegado Hélder Lauria, em 2018.
Imagem: Reprodução g1
Outros casos de violência ocorreram durante a caravana de Lula pelos estados do Sul naquele ano. Às vésperas do atentado, em 25 de março, em São Miguel do Oeste (SC), ovos e pedras foram lançados contra o palanque onde Lula estava. O ex-presidente não foi atingido, porém o ex-deputado Paulo Frateschi (PT), que estava ao lado dele, sofreu um ferimento grave na orelha.
América Latina: casos marcantes de atentados a líderes de esquerda
A América Latina também tem uma história de violência política contra líderes, o que inclui tentativas e conclusões de assassinatos. Muitos deles foram financiados ou apoiados pelos Estados Unidos. Bereia lista três casos notáveis que ilustram a complexidade desse fenômeno na região.
Fidel Castro (Partido Comunista, Cuba): O líder cubano sofreu inúmeras tentativas de assassinato durante sua vida. Em um delas, ocorrida entre 1960 e 1961, a Agência Central de Inteligência (CIA, na sigla em inglês) forneceu pílulas com veneno para que fossem misturadas aos alimentos e bebidas de Fidel. Esta tentativa ocorreu pouco antes da fracassada invasão da Baía dos Porcos e foi posteriormente revelado dossiê divulgado pela própria CIA em 2007. O atual presidente de Cuba Miguel Díaz-Canel Bermúdez se manifestou na rede X, no dia do atentado a Trump:
Cristina Kirchner (Partido Justicialista, Argentina): A então vice-presidente argentina foi alvo de uma tentativa de assassinato em setembro de 2022. O brasileiro naturalizado argentino Fernando Sabag Montiel, atirou várias vezes contra Kirchner, mas a arma falhou. Presidente da Argentina, entre 2007 e 2015, Cristina Kirchner se solidarizou com Donald Trump após o atentado e afirmou em seu perfil no X que o respeito à vida dos semelhantes está acima de quaisquer diferenças políticas ou ideológicas.
Imagem: Reprodução X (Twitter)
Bereia classifica, a afirmação do ex-presidente Jair Bolsonaro de que “só os conservadores sofrem atentados” como FALSA. O atirador de Trump era vinculado ao partido dele, o que desqualifica acusações de um complô progressista contra conservadores. Além disso, as motivações ainda estão sendo investigadas.
Como o levantamento feito pelo Bereia mostra, atentados contra presidentes, candidatos e outras personagens políticas têm ocorrido ao longo da história dos Estados Unidos, do Brasil e de outros países latinoamericanos, tendo afetado tanto conservadores quanto progressistas.
No Brasil, os recentes assassinatos da vereadora Marielle Franco (PSOL), uma figura proeminente de esquerda, ataques à caravana do então candidato à Presidëncia da República Lula (PT), e atentado a faca contra o também candidato Jair Bolsonaro (à época no PFL), todos no mesmo ano de 2018, evidenciam que a violência política não se restringe a um único grupo ideológico.
Bereia indica que leitores e leitoras não assimilem afirmações simplistas utilizadas em campanhas políticas e busquem informações em fontes confiáveis sobre a história política brasileira, latino-americana e estadunidense. É importante também que promovam o diálogo pacífico entre diferentes posicionamentos e denunciem ameaças ou incitação de violência política às autoridades competentes.
Um conteúdo falso que circula nas mídias sociais religiosas alega que a coluna Painel da Folha de S.Paulo teria publicado um texto intitulado “Janja encomenda ritual de candomblé para reduzir dólar, diz assessor do PT”. A publicação, que foi visualizada mais de 25 mil vezes em menos de quatro horas, utiliza o design do jornal e a foto do editor Fábio Zanini, mas não leva a nenhum link verdadeiro. Após viralizar, a montagem foi desmentida pela Folha na noite de 3 de julho.
Opositores do governo Lula amplificaram a desinformação em suas redes, entre eles o músico da banda Ultraje a Rigor Roger Moreira e o humorista Danilo Gentili. Segundo a apuração do Bereia, até o fechamento desta matéria, a publicação do músico foi a mais repercutida no X, antigo Twitter, com 141 mil visualizações, e ainda permanece ativa, mesmo após o desmentido da Folha.
O conteúdo falso gerou dezenas de comentários marcados por intolerância religiosa contra o Candomblé, como “Macumba e feitiçaria cobra um preço alto”, “Está repreendido em nome de Jesus”.
Imagem: Reprodução/X.
A mentira também foi propagada rapidamente entre perfis religiosos. O pastor da Igreja Vintage Jack, famoso por divulgar fotos da Bíblia ao lado de armas e charutos, foi um dos inúmeros compartilhadores de mentira. Ele repercutiu a publicação de um seguidor, com a bandeira de Israel ao lado do nome, comenta: “Caramba estamos lascados. A história se repete Pastor, Jezabel e o rei Acabe”. Mais tarde o perfil original apagou a postagem com a montagem, mas o pastor manteve o compartilhamento.
Bereia ouviu o professor doutor em História pela UFRJ e babalawô Ivanir dos Santos sobre as expressões de intolerância que acompanham a desinformação propagada. Ele afirma que “a intolerância que aconteceu contra Janja é um retrato de como a sociedade brasileira promove o preconceito, a exclusão religiosa. Por isso, acredito que é importante o Estado Brasileiro elaborar e executar um Plano Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, com a participação da sociedade civil, é fundamental para que possamos promover a tolerância, o respeito e a diversidade”.
No entanto, a presença do presidente Lula no desfile foi suficiente para opositores do governo espalharem desinformação. Com monitoramento feito pela ferramenta LupaScan, sistema criado pela Agência Lupa que monitora as redes sociais dos políticos eleitos em busca de desinformação, Bereia apurou que o deputado federal cristão Gustavo Gayer (PL-GO) desinformou ao afirmar que o presidente estava no estado baiano para festejar, em sua conta oficial no Youtube. A fim de criticar o Governo, o parlamentar omitiu que se tratava da agenda oficial do presidente da República para anunciar investimentos no estado.
Imagem: Reprodução/Youtube.
Afoxé é manifestação cultural
O afoxé é um cortejo que ocorre durante o carnaval, representando uma das muitas manifestações culturais dos negros brasileiros, elaborada pelo povo iorubá. Também conhecido como Candomblé de rua. O termo afoxé vem da língua iorubá e significa “o enunciado que faz”.
Já o afoxé Filhos de Gandhy é um dos mais tradicionais do país, considerado o maior e mais belo do Carnaval da Bahia. Foi fundado por estivadores portuários em Salvador em 18 de fevereiro de 1949. O cortejo é composto exclusivamente por homens e se inspira nos princípios de não-violência e paz de Mahatma Gandhi. Os integrantes usam fantasias de lençóis e toalhas brancos para simbolizar as vestes indianas.
Hoje o Gandhy conta com cerca de 10.000 membros e é conhecido por suas vestimentas tradicionais, que incluem turbantes, perfume de alfazema e colares azul e branco. Os colares, chamados “colar dos filhos de Gandhy”, são dados aos admiradores como símbolo de paz.
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Bereia chama a atenção de leitores e leitoras para o tipo de oposição política extremista que se baseia em mentiras e intolerância e estimula ódio às diferenças, portanto, deve ser confrontada. Oposição política é saudável em uma democracia, por meio de debates qualificados e denúncias, quando couberem, não com o uso de mentira e discurso de ódio.
Com colaboração de Magali Cunha, André Mello, Naira Diniz, Gabriella Vicente e João Pedro Capobianco
* Matéria atualizada em 21/05/2024 para ajuste de título, texto e acréscimo e correção de informações
As fortes chuvas que atingem o Estado do Rio Grande do Sul desde o 27 de abril passado causaram um verdadeiro cenário de destruição, marcado por um aumento no número de pessoas desabrigadas, de desaparecidas e mortas. Ao contrário dos temporais ocorridos no ano de 2023, que atingiram áreas isoladas, desta vez mais de 80% dos municípios do estado gaúcho foram afetados.
Os dados são preocupantes: até o fechamento desta matéria,161 pessoas foram encontradas mortas, e 85 estão desaparecidas. Além disso, dezenas de milhares de pessoas estão desalojadas ou desabrigadas, com 1,5 milhão de pessoas afetadas pelo que o governador Eduardo Leite (PSDB) chamou de “uma catástrofe”. Em 1º de maio, o governo local decretou estado de calamidade em uma edição extra do Diário Oficial do Estado.
O governo federal criou um gabinete de crise para operar com as frentes de ação constituídas pelo Poder Executivo do Estado do Rio Grande do Sul no enfrentamento da tragédia. Em quatro viagens aos locais atingidos, o presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) esteve acompanhado de mais de uma dezena de ministros de pastas-chave para o socorro humanitário.
Na segunda comitiva, Lula levou o presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira (PL-AL), o ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin e o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas, já que os três poderes devem agir conjuntamente na aprovação de medidas necessárias para a superação da tragédia vivida pelo estado gaúcho.
Em 15 de maio o governo criou a Secretaria Extraordinária da Presidência da República de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul, com status de ministério. O secretário de Comunicação do Governo Paulo Pimenta foi nomeado o titular da pasta.
No acompanhamento das publicações sobre o tema em ambientes digitais religiosos, Bereia verifica três posturas:
Amplas manifestações de empatia com a população atingida e o estado, com orações pelo fim das chuvas e pelo alívio do sofrimento, além de chamados às ações de solidariedade (recolhimento de alimentos, água, roupas);
Classificações da tragédia como castigo de Deus por conta de o estado ter baixo número de evangélicos contrapondo o alto número de expressões afro religiosas (viralização do vídeo de uma influenciadora) e por conta de o Rio Grande do Sul ter dado ampla votação a Jair Bolsonaro – em relação aos compartilhamentos e comentários dos dois conteúdos, há apoio e reforço (em menor número) e crítica e reprovação (em maior número);
Uso político da tragédia, por parte de lideranças religiosas e políticos com identidade religiosa, para criticar o governo federal, as esquerdas, o presidente da República e sua esposa Rosângela (Janja) da Silva, com muito uso de conteúdo falso, enganoso e impreciso.
Nesta matéria, Bereia dedica atenção à desinformação circulante promovida por lideranças e políticos religiosos para uso político da tragédia.
Júlia Zanatta
A deputada federal católica Júlia Zanatta (PL-SC) publicou em seu perfil no Instagram, em 3 de maio, um vídeo que mostra o presidente Lula, ao chegar ao Rio Grande do Sul, respondendo a um pedido de aceno e dizendo que vai torcer pelos times gaúchos de futebol, Grêmio e Internacional.
Em seguida, são exibidas imagens de cidades inundadas e pessoas em telhados de casas esperando por resgate. O narrador do vídeo traz dados referentes ao desastre e afirma que “o descaso de Lula foi além da declaração futebolística”. Diz, também, que o governo manteria o Concurso Nacional Unificado, adiado pelo governo federal na sexta-feira, 3 de maio. O vídeo termina com informações para quem quiser ajudar e com a declaração: “Lula não tem condições mínimas de ser chefe da nação”.
Imagem: reprodução/Instagram
Este vídeo foi explorado por várias personagens que fazem oposição ao governo federal e repercutido em veículos que divulgam notícias produzidas pela extrema direita. O trecho é uma gravação das imagens da chegada do presidente Lula em sua primeira visita ao Rio Grande do Sul inundado, em 3 de maio. No recorte, ao desembarcar na cidade de Santa Maria, uma das mais atingidas, após ouvir o pedido de homem não identificado “Acena pra gente aí”, o presidente diz “Estou torcendo pelo Grêmio e pelo Internacional”. Críticos alegaram que Lula debochou do povo gaúcho no seu sofrimento. Já a presidente do Partido dos Trabalhadores (PT) Gleisi Hoffmann, ao comentar a crítica sobre o tema publicada pelo deputado federal Nikolas Ferreira (PL/MG) disse que a fala de Lula foi “uma clara metáfora ao lema ‘todos somos um’, mostrando que era um momento de união do povo gaúcho para enfrentar a tragédia que aconteceu”.
Imagem: reprodução/X
Um outro vídeo publicado por Zanatta exibe, na parte superior da tela, u a deputada afirma que a primeira-dama, Janja, “estava ansiosa” para se encontrar com a cantora e que a atitude da primeira-dama demonstra falta de preocupação para com a situação do povo gaúcho.
Um outro vídeo publicado por Zanatta, em 5 de maio, exibe, na parte superior da tela, um trecho do Jornal Nacional com cenas da apresentação da cantora Madonna na praia de Copacabana e, na parte inferior, pessoas sendo resgatadas de inundações. Na descrição da postagem,a deputada afirma que a esposa do presidente Janja da Silva “estava ansiosa” para se encontrar com a cantora e que a atitude dela demonstraria falta de preocupação para com a situação do povo gaúcho.
A divulgação de que Janja estaria no show da cantora Madonna, no Rio de Janeiro, em 4 de maio, partiu do colunista do jornal O Globo, Lauro Jardim, e foi tema bastante explorado para críticas de descaso com a tragédia no sul, do presidente da República e sua esposa. O secretário-executivo do Ministério da Cultura publicou no X, na tarde do dia do show de Madonna, que Janja da Silva, esteve com a ministra Margareth Menezes cumprindo agendas para ações de cultura do G-20 no Rio de Janeiro e que já se encontrava de volta em Brasília após os compromissos.
Imagem: reprodução/X
Os deputados federais e senadores gaúchos destinaram quase R$ 1,6 bilhão em emendas individuais e de bancada para o estado em 2024, fazendo 408 aportes diferentes. Todavia, apenas três deputadas enviaram recursos relacionados às enchentes: Fernanda Melchionna (PSOL-RS) fez duas emendas, num total de R$ 1,7 milhão, para a elaboração de projetos de prevenção à erosão costeira e para gestão socioambiental. Maria do Rosário (PT-RS) e Reginete Bispo (PT-RS) disponibilizaram, respectivamente, R$ 500 mil e R$ 300 mil para ações de educação ambiental.
Luís Carlos Heinze
Em meio à comoção nacional gerada pelo desastre climático, repercutiu nas redes um vídeo no qual o senador Luís Carlos Heinze (PP/RS) defende o produtor rural e argumenta que os produtores não podem ser culpados pelas chuvas volumosas que atingiram o Rio Grande do Sul.
O senador disse que Organizações Não-Governamentais deveriam arcar com os custos do desastre e alegou não acreditar no aquecimento global: “Eu não acredito [em aquecimento global]. (…) Quero que as ONGS, aqueles que defendem, ponham a mão no bolso, não eu e os produtores”, conclui Heinze.
Imagem: reprodução/X
O vídeo foi gravado em 29 de novembro de 2016, quando o senador Heinze deu entrevista à imprensa após um almoço da Frente Parlamentar da Agropecuária, realizada semanalmente em uma mansão no Lago Sul, Brasília.
Lucas Redecker
Circulou pelas mídias sociais uma publicação do jornalista André Trigueiro, da Rede Globo, que afirma que o deputado federal evangélico (Luterano) Lucas Redecker (PSDB – RS) foi o relator do projeto aprovado, em março passado, pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O jornalista informa que o projeto autoriza o desmatamento de 48 hectares de “campos nativos”.
Imagem: reprodução/X
Em resposta ao conteúdo da publicação, o parlamentar postou em seu perfil no Instagram, na terça-feira 7, um vídeo no qual afirma que em meio à grave situação ocasionada pelas chuvas no Rio Grande do Sul há pessoas divulgando fake news sobre deputados e governos, especificamente sobre o Projeto de Lei 364, de autoria do deputado Alceu Moreira, do qual Redecker é o relator.
Em resposta ao conteúdo da publicação, o parlamentar postou em seu perfil no Instagram, em 7 de maio, um vídeo em que tenta se desvincular do projeto destrutivo do meio ambiente, para o qual deu parecer de aprovação . Ele atribui a informação a “fake news das esquerdas”.
Imagem: reprodução/Instagram
Bereia checou que Lucas Redecker deu parecer de aprovação ao projeto do deputado Alceu Moreira (MDB/RS). O texto trata, de fato, como denuncia André Trigueiro, da liberação da utilização da vegetação nativa dos Campos de Altitude associados ou abrangidos pelo bioma Mata Atlântica para ampliação das áreas plantio do agronegócio.
Vídeo de Pablo Marçal: desinformação compartilhada por congressistas
Em 6 de maio, o senador Cleitinho (Republicanos-MG) compartilhou em suas páginas, nas redes digitais, um vídeo no qual afirma que a Secretaria de Estado da Fazenda do Rio Grande do Sul estaria impedindo a entrada de caminhões com doações porque os produtos não tinham nota fiscal. O senador reforça o conteúdo do vídeo com seus próprios comentários e ainda questiona a ação do governo federal para ajudar a população castigada pelo evento climático extremo.
O vídeo foi divulgado originalmente pelo influenciador digital Pablo Marçal, que conta com mais de cinco milhões de seguidores no Instagram. Ele é reincidente na prática de disseminar notícias falsas e é alvo de investigação da Polícia Federal por disseminar afirmações que as urnas eletrônicas foram fraudadas nas eleições de 2022, repercussão ao discurso do ex-presidente e candidato à reeleição na época, Jair Bolsonaro (PL). As informações postadas por Marçal também foram compartilhadas pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP).
Imagem: reprodução X
Diante da ampla disseminação desta mentira, a Secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul emitiu nota, em 6 de maio, para afirmar que os veículos que transportam doações não estavam sendo retidos. O órgão público chamou as publicações de “informação incorreta” e disse que os servidores estavam orientados pela Receita Estadual a liberarem todas as cargas com donativos nos postos fiscais.
Show da Madonna e dinheiro público: outro tema de desinformação
Uma outra tática política de desinformação é destacar um tema comportamental – no caso, o show da cantora estadunidense Madonna no Rio de Janeiro, em 4 de maio, como já mencionado nesta matéria.
Em um estado que recebeu centenas de migrantes gaúchos, o deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO) também criticou o show da cantora pop. Ele repostou uma publicação que afirma haver “dois países diferentes” no Brasil: um que enfrenta as enchentes e está “abandonado pelo governo”, e outro que assiste ao que chamou de “espetáculo de chorume moral protagonizado por uma depravada decadente”.
Imagem: reprodução X
O deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) seguiu a mesma linha, atacando a ministra do Meio Ambiente Marina Silva, por agradecer a Madonna pelas mídias digitais. A ministra foi homenageada pela cantora no telão do show em Copacabana. “No dia em que bebês estavam boiando mortos no RS”, disparou o deputado. Nikolas também tem usado as mídias para pedir apoio e doações para as vítimas da tragédia.
Outro episódio que ganhou destaque em grupos de WhatsApp foi um print falso de uma suposta conversa entre a primeira-dama Janja da Silva e a cantora Madonna.
Além disso, informações falsas de que o Governo Federal teria gasto R$ 50 milhões no show da cantora, repercutiram também na rede digital X (antigo Twitter). A agência Lupa verificou o fato e publicou ser falsa a informação. Em nota, o governo Federal lamenta a “falsa narrativa” e reforça a necessidade de uma abordagem mais responsável:
“Este episódio serve como um lembrete crítico da necessidade de uma abordagem mais rigorosa e responsável no combate à desinformação. Informações falsas não apenas distorcem a realidade, mas podem ter consequências diretas sobre as vidas e a segurança das pessoas. Em tempos de crise, a verdade e a integridade da informação não são apenas uma necessidade cívica, mas uma questão de sobrevivência. Como sociedade, devemos exigir responsabilidade daqueles que divulgam informações e trabalhar juntos para promover uma cultura de integridade e precisão informativa”.
A turnê “The Celebration Tour”, que comemorou os 40 anos de carreira de Madonna, e terminou para um público de mais de um milhão e meio de pessoas na Praia de Copacabana, custou cerca de R$ 60 milhões. Este valor foi pago pelo banco Itaú (R$ 40 milhões) e por patrocinadores como a cervejaria Heineken e o aplicativo de reprodução musical Deezer. De acordo com dados do estudo realizado pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Econômico (SMDUE), o Governo do Estado do Rio de Janeiro investiu R$ 10 milhões no evento, e a prefeitura do Rio arcou com mais de R$ 10 milhões.
O impacto da desinformação no Rio Grande do Sul
Bereia entrevistou a pastora da Igreja Metodista em Santa Maria (RS) Margarida Ribeiro. Ela afirma que as mentiras e os enganos não têm colaborado para a ação solidária que está ocorrendo e enfatiza que a prática de desinformar está crescendo a cada dia.
A pastora Margarida Ribeiro ainda complementa que toda má informação não ajuda ninguém, só atrapalha. “E atrapalha às vezes ao ponto de socorrer vidas e faltar o que é essencial para as pessoas nesse momento.” Ela reforça que toda ação tem uma intenção, mas que agora não é tempo de julgar, pois o foco é a vida, e finaliza declarando: “Que esse tempo proporcione uma nova fraternidade, mais fraterna”.
A disseminação de desinformação em meio a eventos trágicos, como as recentes enchentes no Rio Grande do Sul, é um fenômeno preocupante. Isso pode desencadear uma série de graves consequências. Enquanto as autoridades e voluntários se esforçam para ajudar as vítimas, informações falsas circulam, dificultando as ações de resgate e apoio.
Bereia alerta que, por mais que o conteúdo circule em grande escala e seja encaminhado por pessoas conhecidas, leitores e leitoras devem sempre desconfiar de material alarmante e contraditório das informações oficiais. Também é preciso atentar ao fato de que o consenso científico reconhece a influência humana nas mudanças climáticas e esta responsabilidade deve ser assumida por governantes e por quem os elege.
Diante do alto volume de desinformação que prejudica o socorro às vítimas, Bereia indica a iniciativa Verifica RS, que tem o propósito distribuir conteúdo verificado nas mídias sociais e em grupos de moradores do Rio Grande do Sul. A iniciativa conta com os canais no Instagram (@rsverifica) e no TikTok (@rsverifica).
DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. União de todos os lados pela reconstrução do Rio Grande do Sul. Diário Oficial do Estado do Rio Grande do Sul, 2024. Disponível em: https://diariooficial.rs.gov.br/materia?id=997980 . Acesso em: 13 maio 2024.
O site Gospel Mais destacou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou, com vetos, o Projeto de Lei 2253/2022, apresentado na Câmara de Deputados e aprovado no Congresso Nacional, em 20 de março abril deste ano, que alterou as regras de saídas temporárias de presos em regime semiaberto, conhecidas como ‘saidinhas’.
Imagem: reprodução do site Gospel Mais
A manutenção dessas saídas temporárias em casos específicos, como a visita à família, gerou críticas de políticos evangélicos, como a vereadora evangélica Sonaira Fernandes (PL-SP) e os deputados federais Marco Feliciano (PL-SP) e Nikolas Ferreira (PL-MG), que acusam o governo de ser condescendente com criminosos.
Imagem: reprodução do Instagram
A postagem da vereadora Sonaira Fernandes contém a seguinte legenda:
“Agora cabe ao Congresso Nacional ter a decência e a coragem de derrubar o veto desse governo vergonhoso! Cobre o seu deputado!”. Sonaira Fernandes tem outras publicações desinformativas que questionam direitos prisionais, como Bereia já checou.
Imagem: reprodução do X
Imagem: reprodução do X
A manchete utilizada por Gospel Mais, “Lula mantém saidinhas”, sugere a manutenção ampla das saídas temporárias e a ideia de que o Projeto de Lei foi totalmente vetado pelo presidente. Bereia checou esta notícia.
Origem da “saidinha”
Popularizada nas mídias como “saidinha”, a saída temporária faz parte da Lei de Execução Penal – Lei nº 7.210, que entrou em vigor em 1984, após ter sido sancionada pelo general João Batista Figueiredo, último presidente da ditadura militar (1964-1985).
Na justificativa apresentada à época – ainda disponível no portal da Câmara dos Deputados -, o então ministro da Justiça Ibrahim Abi-Ackel argumentou que as saídas temporárias “constituem notáveis fatores para atenuar o rigor da execução contínua da pena de prisão” e que os trabalhos de especialistas para dar forma ao projeto de lei “sintetizam a esperança e os esforços voltados para a causa universal do aprimoramento da pessoa humana e do progresso espiritual da comunidade”. Ou seja, a lei não perdia o fator de possibilitar a ressocialização dos presos.
Uma das principais mudanças propostas pelo projeto foi a restrição mais rigorosa das saídas temporárias de presos, especialmente para aqueles em regime semiaberto. Antes, os presos podiam ser autorizados a sair temporariamente, sem a necessidade de monitoramento eletrônico e com menos critérios de elegibilidade.
O projeto propôs critérios mais estritos para estas saídas, incluindo a necessidade de exame criminológico para determinar a adequação do preso para tais benefícios e tornou obrigatório o uso de tornozeleiras eletrônicas para todos os presos que fossem beneficiados com saídas temporárias, o que visa proporcionar um controle mais efetivo durante o período em que o detento está fora do estabelecimento penal.
Na forma como aprovada pela Câmara e o Senado, o projeto incluía a proibição completa das saídas temporárias para visitas familiares, agrupando-as com as saídas para atividades de convívio social. No entanto, essa parte específica do projeto foi vetada pelo presidente Lula.
Presidente sanciona com veto a “Lei das Saidinhas”
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva acatou a sugestão do ministro da Justiça e Segurança Pública Ricardo Lewandowski, e sancionou o PL 2.253,e praticou o seu direito de veto apenas ao trecho que proíbe a saída temporária para visita à família, avaliado como inconstitucional.
O ministro Lewandowski defendeu o veto parcial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao projeto que restringe as saídas temporárias de presos, com a proibição de visitas familiares para detentos em regime semiaberto. De acordo com o jurista, tal restrição violaria princípios constitucionais como a dignidade da pessoa humana e a individualização da pena, além do dever estatal de proteger a família.
O ministro enfatizou que, apesar do veto a esse aspecto específico, todas as outras restrições propostas pelo Congresso, como a exigência de exame criminológico para progressão de regime e o uso obrigatório de tornozeleiras eletrônicas, foram mantidas.
A recomendação do ministério da Justiça à Câmara e ao Senado era de se manter apenas a saída para visitas à família, no entanto, durante a formulação do projeto de lei, a maioria dos parlamentares optou por incluir a proibição das saídas para visitas familiares no mesmo artigo que restringe as saídas para atividades sociais. Esta dupla restrição em um único artigo impediu que o presidente realizasse um veto exclusivamente à proibição de visitas familiares, uma vez que a Constituição Federal não permite vetos parciais em dispositivos únicos.
A desinformação na matéria de Gospel Mais
A matéria de Gospel Mais destaca publicações dos políticos evangélicos Sonaira Fernandes, Marco Feliciano e Nikolas Ferreira. Bereia checou este conteúdo.
Sonaira Fernandes publicou trecho do pronunciamento do ministro Lewandowski, que explica a sugestão do veto pontual ao projeto de lei, mas omitiu os objetivos da sugestão e ofereceu engano ao afirmar “Lula veta a saidinha”. A vereadora do Republicanos utiliza o pronunciamento que explica a inconstitucionalidade dos pontos vetados, mas cria uma publicação não verdadeira sobre a decisão do presidente Lula.
Marco Feliciano publicou conteúdo que insinua que o “diálogo cabuloso” entre o crime organizado e o PT surtiu efeito e afirma que o presidente Lula vetou “o trecho principal” do projeto de lei. O deputado do PL-SP mente ao afirmar que o texto principal foi vetado. Como verificado pelo Bereia, o projeto aprovado no Congresso Nacional foi mantido, tendo sido vetado apenas o trecho que proibia a saída para visita aos familiares.
Nikolas Ferreira utiliza a mesma retórica dos outros dois citados pelo Gospel Mais. Afirma que “Lula veta projeto e mantém saidinhas”, o que representa desinformação sobre a verdadeira natureza do veto presidencial. No mesmo conteúdo, o parlamentar do PL afirma que “Lula defende bandido”, seguindo a linha dos políticos extremistas de direita de usar o imaginário que permeia a população e qualificar direitos prisionais como “defesa de bandidos”.
População carcerária no Brasil e saídas temporárias
Imagem feita com inteligência artificial por Daniel Reis
Segundo o relatório, atualmente a população prisional totaliza 644.305 pessoas, distribuídas em diferentes regimes penais e enfrentando variadas condições de detenção.
O regime fechado (336.340 presos), como esperado, contém a maioria dos detentos, refletindo a natureza das penas aplicadas para crimes mais graves ou para indivíduos com histórico criminal mais complexo. O regime semiaberto (118.328 presos) e o aberto (6.872 pessoas), que permitem mais liberdades aos detentos, representam uma menor parcela da população prisional, sendo opções para aqueles em fase de transição para reintegração à sociedade ou para penas mais leves.
No decorrer do primeiro semestre de 2023, o sistema penitenciário brasileiro permitiu que 120.244 detentos em regime semiaberto tivessem a oportunidade de saídas temporárias, destes, 7.630 não retornaram,o que equivale a 6,34% do total.
Desmascarando mitos sobre a “saidinha”
Bereia consultou dados fornecidos pela organização não-governamentalConectas Direitos Humanos, que trabalha pela proteção e promoção dos direitos humanos tanto no Brasil quanto internacionalmente. A organização atua em diversas frentes, incluindo a luta contra a violência institucional, a defesa do espaço democrático, e a proteção dos direitos socioambientais.
Conectas explica que a libertação temporária de presos, regulamentada pela Execução Penal do Brasil Direito (LEP), está frequentemente envolta em “mitos” (neste caso, entendidos como mentiras, enganos ou incompreensões) que alimentam inseguranças sociais. Além disso, equívocos e relatórios incompletos podem distorcer a percepção do público, particularmente no que diz respeito ao número de reclusos que não conseguem regressar à prisão e aos critérios de elegibilidade. Material Conectas esclarece mal-entendidos que são comuns neste tema das “saidinhas”:
Mito 1: Todos os presos são elegíveis para libertação temporária
Apenas os reclusos em instalações semi abertas são elegíveis para libertação temporária. Este benefício é reservado para aqueles que podem sair das instalações durante o dia para trabalhar e retornar à noite. Em São Paulo, por exemplo, 22% dos presos estão em regime semiaberto, normalmente com o cumprimento de pena por tráfico de drogas, roubos e furtos.
Mito 2: Libertação temporária é igual a perdão
A libertação temporária não é um perdão ou uma anistia; não reduz a pena. Em vez disso, é um período pré-especificado, durante o qual os reclusos podem visitar as suas famílias, após o qual devem regressar à prisão. O não retorno é considerado fuga, e o preso fica sujeito à recaptura e às penalidades legais.
Mito 3: Elegibilidade imediata para indivíduos recentemente encarcerados
A elegibilidade para libertação temporária exige que o preso tenha cumprido pelo menos um sexto da pena, se for um réu primário, ou um quarto, se for um réu reincidente, juntamente com um registro de bom comportamento.
Mito 4: Elegibilidade independentemente do crime cometido
Os reclusos condenados por crimes violentos ou que representam uma ameaça grave enfrentam normalmente penas mais longas, o que afecta a sua elegibilidade para libertação temporária. Especificamente, desde 2019, a Lei de Execuções Penais já proíbe explicitamente a libertação temporária de reclusos condenados por crimes hediondos que resultem em morte.
Mito 5: A maioria dos presos não retornam após a libertação
Dados de São Paulo, em setembro de 2023, mostram que dos 33.700 presos que receberam liberdade temporária, cerca de 4% não conseguiram retornar a tempo. Esses indivíduos são considerados fugitivos e perdem a elegibilidade para regimes semiabertos, após serem recapturados.
Mito 6: Aumento da criminalidade durante as libertações temporárias
Não existem provas conclusivas que sugiram que as libertações temporárias conduzem a um aumento nas taxas de criminalidade. Esta afirmação resulta frequentemente de opiniões preconceituosas em relação aos indivíduos encarcerados, em vez de ser baseada em dados estatísticos.
Segundo a Conectas, à medida que a sociedade trabalha no sentido de sistemas de justiça criminal mais eficazes, por isso, avalia-se ser vital compreender e aperfeiçoar políticas como a libertação temporária. Para a organização, importa, ainda, garantir que estes programas sejam implementados de forma eficaz, o que pode levar a melhores resultados para os reclusos e para a sociedade, reduzindo a criminalidade e ajudando a uma reintegração bem sucedida.
“Muitos se baseiam nesse populismo penal, normalmente em ano de eleição, e nesse suposto medo que é incutido na população de essas pessoas poderem passar um fim de semana em casa. Tem o terror no WhatsApp de que vai ter a saída temporária, para todo mundo ficar em casa, e isso não é demonstrado em um aumento de criminalidade”, acrescenta.
Populismo penal: medo e desinformação
O que é sustentado por especialistas em direitos prisionais é que, para além destes mitos, é essencial considerar o propósito e os resultados do sistema de libertação temporária para que os vetos ao projeto de lei sejam compreendidos e como a reação de políticos como Sonaira Fernandes, Marco Feliciano e Nikolas Ferreira fomentam o medo e a desinformação.
A política de liberdade temporária visa facilitar a reintegração dos reclusos na sociedade, mantendo os laços familiares e a estabilidade social, que são cruciais para reduzir as taxas de reincidência criminal.
Como Bereia verificou, a libertação temporária serve como uma componente crítica da reabilitação social dos reclusos. Ao permitir-lhes manter ligações com as suas famílias e comunidades, a política visa facilitar a transição de regresso à sociedade após a libertação total.
A pesquisa também indicou que, apesar de oferecerem benefícios, o sistema de libertação temporária enfrenta desafios, o que inclui a percepção do público e a necessidade de mecanismos robustos de monitorização. Equilibrar estas preocupações com os objetivos de reabilitação da política requer avaliação e ajustamento contínuos.
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Bereia classifica a publicação do site Gospel Mais como enganosa. O presidente Lula não manteve as “saidinhas”, na forma como eram praticadas anteriormente ao projeto de lei aprovado no Congresso Nacional, para restrições. O presidente vetou apenas um dispositivo, que, segundo orientação do Ministério da Justiça, era inconstitucional, pois vedava visitas familiares, que foram incluídas no mesmo conjunto de “saídas para atividades sociais”.
Além da chamada enganosa e do texto, que não oferece contexto e dados, ao replicar as publicações críticas de três políticos evangélicos , o Gospel Mais propaga desinformação, pois não informa sobre os objetivos do veto, voltados para a necessidade ressocialização.
Bereia entende que, ao confrontar desinformação (“mitos”, segundo o material citado) e fornecer informações precisas, podemos ajudar a mudar o discurso público para opiniões mais baseadas em evidências sobre estratégias correcionais. Esta mudança é crucial para o desenvolvimento de políticas de justiça criminal que não só garantam a segurança pública, mas também apoiem a reabilitação dos indivíduos e a saúde de suas famílias e das comunidades.
Atribuir a queda dos percentuais de aprovação do governo Lula entre o segmento evangélico às suas recentes declarações sobre os ataques militares de Israel em território palestino, conforme indicada na última pesquisa da Quaest, é muito simplista. A opinião é da editora-geral do Bereia e pesquisadora Magali Cunha, que foi entrevistada pelo jornalista Luis Nassif, do canal GGN em 6 de março de 2024.
“O que nós observamos nestes dois meses, com base no trabalho de monitoramento das redes, é que há um verdadeiro bombardeio de conteúdos alimentado pela grande mídia que não passam apenas por essa questão”, analisou a editora.
Ela destacou que temas como a discussão sobre a legalização da maconha no STF e o caso Marajó estão entre os que mais circulam nas redes religiosas.
Segundo Magali Cunha, existe certa confusão entre a figura do Israel do contexto bíblico com o Estado de Israel, criado em 1948 por intermédio da Organização das Nações Unidas (ONU). “Há, entre alguns grupos de evangélicos, uma compreensão histórica de que o Israel, localizado no Oriente Médio, é o mesmo do Israel da Bíblia, o que não é fato, daí transportam esse imaginário”, comentou.
“Os evangélicos”. Magali Cunha também chamou a atenção para a diversidade que existe entre as pessoas que professam a fé evangélica e alertou sobre o equívoco de homogeneizar o segmento. “[O termo] ‘Os evangélicos’ não existe. Ninguém é só evangélico nesta vida. A pessoa é mulher, negra, trabalhadora, desempregada, homem branco de classe média… Ninguém é evangélico igual até mesmo dentro de uma mesma igreja”.
Os sites religiosos de notícias Pleno News e Gospel Prime publicaram recentemente matérias que acusam o Ministério da Saúde do governo federal de distorcer dados para minimizar o impacto da dengue no Brasil. Em 18 de março, ‘Gospel Prime’ divulgou texto com o título “Ministério da Saúde distorce dados para minimizar impacto da dengue”. Também no dia 18, Pleno News publicou críticas à pasta da saúde. Ambos os veículos se basearam em informações extraídas de matéria do jornal Folha de S. Paulo.
Imagem: reprodução Gospel Prime
Imagem: reprodução Pleno.News
Gospel Prime aborda críticas direcionadas ao Ministério da Saúde pela divulgação de dados inconsistentes sobre a letalidade da dengue em 2024, e pelo suposto inflacionamento de anúncios de repasses financeiros a estados e municípios para combater emergências sanitárias. Segundo o texto, o ministério utiliza informações preliminares para afirmar que a letalidade da dengue em 2024 é menor que a do ano anterior, mesmo com mais da metade dos óbitos ainda sob investigação. Especialistas citados na matéria questionam a validade dessa comparação, devido à grande quantidade de casos pendentes de conclusão.
O Ministério da Saúde mantém informes periódicos sobre os casos de dengue no Brasil e os números são baseados nas informações registradas por Estados e Municípios, onde o cálculo de índices de letalidade é apresentado.
A matéria do Gospel Prime menciona 513 mortes confirmadas e 903 em investigação, sugerindo que a letalidade poderia ser maior que a reportada. Críticas também são levantadas quanto à demora na atualização e liberação de dados e recursos, colocando em xeque a eficiência das ações do governo federal na crise.Porém o texto do site gospel não oferece as fontes para as declarações e dados apresentados.
O Ministério da Saúde apresentou no Informe Diário todas as informações sobre o monitoramento dos casos de dengue. Bereia verificou que a Folha de S. Paulo publicou parcialmente as informações, sem detalhar os coeficientes de incidência e como as taxas estão sendo calculadas.
O site Pleno News extraiu informações de matéria do jornal Folha de São Paulo. para discutir o uso de dados preliminares para comparar a letalidade da dengue entre os anos, sem citar as fontes. A matéria da Folha oferece um contexto mais detalhado, citando opiniões de especialistas que discordam da metodologia usada pelo Ministério da Saúde.
A matéria original fornece um panorama mais amplo das críticas, enquanto o resumo de Pleno News enfatiza aspectos negativos da gestão da crise, sem mencionar as complexidades envolvidas no processo de investigação dos óbitos e na liberação dos recursos.
Ambas as matérias mencionam a questão dos recursos financeiros, de que a pasta teria inflado repasses para dengue e estaria distorcendo dados com o objetivo de minimizar o impacto da doença. No entanto, a Portaria GM/MS Nº 3.160, de 9 de fevereiro de 2024 detalha como o repasse será administrado e quais condições vai obedecer para suprir as necessidades.
Ainda que o recorte apresentado da matéria apresente dados que foram publicados pelo Ministério da Saúde, eles não foram publicados de modo completo pela Folha de S. Paulo e pelo Pleno News.
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Gospel Prime trata as informações sobre a dengue no Brasil de forma seletiva para justificar uma pauta negativa, ignorando dados oficiais que mostram uma redução na taxa de letalidade da dengue em comparação com o ano anterior.
O site sugere que a única maneira de interpretar os dados é admitir falhas do Ministério da Saúde, ignorando outras explicações válidas, como a melhoria nos métodos de diagnóstico e tratamento.
O Gospel Prime por sua vez, introduz que, por alguns dados ainda estarem sendo investigados, toda a comunicação do Ministério da Saúde é questionável, o que pode semear dúvidas sobre a credibilidade de todas as informações fornecidas.
O resumo do Pleno News, sobre matéria da Folha de S. Paulo, utiliza o mesmo formato de publicação, com a seleção de informações aleatórias , com ênfase nos aspectos negativos dos trabalhos realizados pela pasta.
A matéria da Folha de S.Paulo, que serviu como fonte para ambos os sites, apresenta uma análise crítica das ações do Ministério da Saúde, embasada em declarações de especialistas e dados disponíveis, mas não em sua totalidade.
Dessa maneira, a alegação de que o Ministério está inflando os repasses financeiros é enganosa, uma vez que o argumento utilizado traz dados verdadeiros, mas descontextualizados do panorama de combate à dengue. A análise do Bereia aponta que os valores anunciados são parte de um plano estruturado de assistência, cuja distribuição segue critérios transparentes e necessidades específicas de cada região, conforme documentado oficialmente pelo Ministério da Saúde.
Além destas questões, as matérias publicadas pelos sites religiosos mostram apenas parte dos dados e não citam a fonte de onde eles foram retirados, o que desinforma pois limita a compreensão a respeito do que tem sido feito pela pasta.
Em uma publicação no Instagram, a deputada federal Bia Kicis (PL-DF) repercutiu desinformação que circulou pelas mídias sociais, inclusive pela imprensa, na primeira quinzena de março, para fazer crer que a decisão do Conselho de Administração da Petrobras, para que lucros extraordinários com as ações da empresa fossem retidos para investimentos e pagos trimestralmente a acionistas privados, seriam do interesse pessoal do presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Na postagem, a deputada da Bancada Católica na Câmara Federal, cita como fonte, matéria do site de notícias, de extrema-direita, Terra Brasil Notícias e uma publicação do próprio presidente da Petrobras Jean Paul Prates. Ela mostra imagem com reprodução visual da matéria e a legenda: “Por meio das redes sociais, o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, rebateu questionamentos à administração da estatal brasileira em função da retenção de dividendos extraordinários promovida pelo Conselho de Administração da empresa pública. A decisão do colegiado da Petrobras, de acordo com Prates, foi orientada pelo ‘presidente da República e pelos seus auxiliares diretos’. A fala foi feita na quarta-feira (13).”
Imagem: reprodução do Instagram
Imagem: reprodução do site Terra Notícias
A grande imprensa também repercutiu o tema, com tom negativo:
Imagem: reprodução dos sites G1 e Terra
Como funciona a distribuição de dividendos aos acionistas da Petrobras?
Bereia verificou que a Petrobras anunciou a sua nova política de distribuição de dividendos extraordinários (parcela dos lucros extras que é distribuída a acionistas minoritários – privados – , uma vez que a União é acionista majoritária da empresa estatal), definida em reunião do Conselho de Administração da companhia, em fevereiro passado.
A partir daquela data da reunião, o pagamento dos lucros extras passa por reserva e adiamento: acionistas minoritários serão remunerados em 45% do “fluxo de caixa livre” (dinheiro à disposição da empresa), ao invés dos 60% definidos na gestão do governo anterior. Os valores retidos, segundo a decisão, passariam a ser utilizados em novos investimentos para fortalecimento da empresa e os liberados serão pagos por trimestre.
O Conselho da Petrobras assim informou sobre a decisão:
O fluxo de caixa livre representa o valor que sobra no caixa após os investimentos. A nova política também ampliou a definição de investimentos para incluir a recompra de ações, quando a própria companhia adquire suas ações.
As circunstâncias em que a estatal distribuirá dividendos também mudaram. O Conselho de Administração estabeleceu a remuneração mínima de US$ 4 bilhões por ano para exercícios em que o preço médio do barril de petróleo tipo Brent for superior a US$ 40 por barril.
A distribuição de 45% do fluxo de caixa livre só será aplicada quando a dívida bruta da Petrobras for igual ou inferior ao nível máximo de endividamento definido no Plano Estratégico 2024–2028 e quando a companhia obtiver lucro em um trimestre. Os dividendos serão, portanto, pagos a cada três meses.
No documento publicado pela Petrobras, ficou estabelecido que as novas regras da remuneração aos acionistas foram aperfeiçoadas para manter “o objetivo de promover a previsibilidade do fluxo de pagamentos de proventos aos acionistas, ao mesmo tempo em que garante a perenidade e a sustentabilidade financeira de curto, médio e longo prazos”.
Já em relação à recompra de ações, a empresa informou que segue a prática das principais companhias petroleiras internacionais, “em complemento ao pagamento de dividendos”. As mudanças na política de dividendos e de recompra de ações haviam sido pedidas pelo Conselho de Administração em maio de 2023.
Matéria da Agência Brasil detalha o que são os dividendos, como era a política anterior e a decisão sobre a nova política. Sobre a situação anterior, o texto afirma:
A Petrobras foi a petroleira que mais pagou dividendos aos acionistas em 2023 quando comparado com outras cinco grandes companhias do setor: Chevron, BP, Total, Shell e Exxon Mobil, segundo levantamento da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET). Enquanto a Petrobras pagou US$ 20,28 bilhões, a 2ª colocada, que foi a Exxon, pagou U$S 14,95 bilhões em dividendos.
“Em 2023, a Petrobras, apesar de ter a menor receita entre as seis empresas, pagou o maior montante em dividendos. Além disso, foi a petrolífera que realizou o menor investimento líquido”, afirmou o presidente da AEPET, Felipe Coutinho.
Ouvido pela Agência Pública, o economista do Observatório Social do Petróleo, Eric Gil Dantas, explica:
Em 2023, a Petrobras investiu US$ 12,7 bilhões, um crescimento de 29% em relação ao ano anterior. Apesar do aumento nos investimentos, o economista do Observatório Social do Petróleo , Eric Gil Dantas, avaliou que eles ainda são baixos de considerados os planos da companhia. “Não faltam projetos que estão sendo tocados, são refinarias, eólicas, novas fronteiras exploratórias, novos produtos ligados à transição energética. Se a Petrobras não controlar o pagamento dos seus dividendos, ela terá que se endividar para fazer esses investimentos”, avaliou o economista.
A decisão sobre a nova forma de pagamento dos dividendos, provocou reações negativas de grandes acionistas e das empresas de jornalismo, que a classificaram como “intervenção do governo na Petrobras”. As posturas geraram especulações e desinformação, como a produzida pelo site Terra Notícias, e queda drástica no valor das ações da empresa na Bolsa de Valores.
Imagem: reprodução do YouTube
Imagem: reprodução do UOL
Imagem: reprodução da Folha de São Paulo
Imagem: reprodução do YouTube
Imagem: reprodução d’O Globo
O que disse o presidente da Petrobrás, citado por Bia Kicis
O presidente da Petrobras Jean Paul Prates publicou na rede digital X, uma reação a este clima em torno da decisão sobre os lucros da empresa: “O mercado ficou nervoso esperando dividendos sobre cuja decisão foi meramente de adiamento e reserva”. Ele afirma que “falar em ‘intervenção na Petrobras’ é querer criar dissidências, especulação e desinformação”. E explicou que “é preciso compreender que a Petrobras é uma corporação de capital misto, controlada pelo Estado Brasileiro, e que este controle é exercido legitimamente pela maioria do seu Conselho de Administração”.
Prates critica explicações que tentam apontar o governo federal como interventor na decisão sobre os dividendos extraordinários da Petrobras: “É o exercício soberano dos representantes do controle da empresa. É legítimo que o CA [Conselho da Administração] se posicione orientado pelo Presidente da República e pelos seus auxiliares diretos que são os ministros. Foi exatamente isso o que ocorreu…”.
No X, Jean Paul Prates disse ainda:
“Somente quem não compreende (ou propositalmente não quer compreender) a natureza, os objetivos e o funcionamento de uma companhia aberta de capital misto com controle estatal pode pretender ver nisso uma intervenção indevida.
Vamos voltar à razão e trabalhar para executar, eficaz e eficientemente, o Plano de Investimentos de meio trilhão de reais que temos pelos próximos cinco anos à frente, gerar empregos, renda, pesquisa, impostos e também lucro e dividendos compatíveis com os nossos resultados e ambições”.
– […] A Petrobras, presidente, na semana passada, perdeu no valor de mercado mais de R$ 50 bilhões. Isso porque não quis repassar dinheiro para os sócios. Existiu uma intervenção do governo nisso ou não?
Em resposta, o presidente afirmou:
– […] nós tivemos uma conversa séria aqui com o governo, com a direção da Petrobras, porque a gente acha que é importante a gente pensar na Petrobras, é preciso a gente pensar nos acionistas, mas é preciso a gente pensar no povo brasileiro. E eu tenho um compromisso, é importante, eu não esqueço. Eu tenho um compromisso com o povo brasileiro que é de reduzir o preço do combustível, o preço da gasolina, o preço do gás de cozinha e o preço do óleo diesel. A gente não tem por que ter um preço equiparado a preço internacional, porque nós somos autossuficientes na prospecção de petróleo.
Então, essa discussão tem que ser feita. Se eu for atender apenas a choradeira do mercado, você não faz nada. Porque o mercado, vou contar uma coisa para vocês, o mercado é um rinoceronte, um dinossauro voraz. Ele quer tudo para ele e nada para o povo. Será que o mercado não tem pena das pessoas que passam fome? […] Olha, então vamos pensar no mercado e vamos pensar na sociedade. Sabe, cada um tem a sua parte, mas é importante que a gente saiba que a minha preocupação é fazer com que o povo mais pobre, os mais humildes, sabe, possam ter uma chance, uma oportunidade de crescer nesse país.
Lula ainda destacou:
“Às vezes, eu vejo a notícia assim: ‘Petrobras cresce 30%. Petrobras bateu o recorde de produção de gasolina. Petrobras bateu o recorde de exportação de petróleo. Petrobras bateu o recorde de arrecadação.’ E a gente não ganha nada com isso. Então, quando a pessoa vive de especulação na bolsa, você pode crescer 30% num dia, cair 20% num outro, e fica tudo por isso mesmo. Então, o que eu acho é que a Petrobras, que é uma empresa em que o governo tem ascendência sobre ela, é importante ter em conta o seguinte: a Petrobras não é apenas uma empresa de pensar nos acionistas que investem nela, porque a Petrobras tem que pensar no investimento e pensar em 200 milhões de brasileiros que são donos dessa empresa ou são sócios dessa empresa. O que não é correto é a Petrobras, que tinha que distribuir R$ 45 bilhões de dividendos, queria distribuir R$ 80 bilhões. E 40 bilhões a mais que poderia ter sido colocado para investimento, para fazer mais pesquisa, para fazer mais navio, para fazer mais onda, não foi feito.[…] A gente não tem por que ter um preço equiparado a preço internacional, porque nós somos autossuficientes na prospecção de petróleo. Então, essa discussão tem que ser feita.”
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Após a apuração, Bereia considera enganosa a publicação da deputada católica Bia Kics (PL-SC), sobre a decisão da Petrobras sobre nova forma de pagamento dos lucros extraordinários a acionistas. Embora seja verdadeira a informação de que o Conselho de Administração da Petrobras tenha mudado a política de distribuição de lucros pagos aos acionistas, sob a orientação do governo federal, com retenção e pagamento por trimestre,a publicação não oferece o contexto e distorce as informações para fazer crer que há interesse pessoal do presidente Lula no caso.
Com o intenção de colocar sob suspeita o governo federal e na atual gestão da Petrobras a postagem da deputada do (PL-SC), em associação com a matéria publicada no site Terra Brasil Notícias, dissemina informação enganosa. Bia Kicis desinforma sobre o direito da acionista majoritária da empresa estatal,, que é a União, sobre a indicação das políticas de investimentos e distribuição de dividendos da petroleira brasileira ao Conselho de Administração da empresa. Com isso, tenta influenciar seus leitores a crerem que existe má gestão da atual administração e ingerência indevida do governo federal na Petrobras.
* Matéria atualizada em 20/03/2024 às 09:28 para correção de título
O portal de notícias gospel Pleno News publicou, em 11 de março passado, matéria, baseada em reportagem do jornal O Estado de São Paulo, sobre acordos milionários que o governo federal, por meio do Ministério da Saúde, teria firmado em contrato com a empresa Piquiatuba Táxi Aéreo, acusada de envolvimento com garimpo ilegal. A publicação traz imagem do presidente Lula da Silva ao lado da ministra da saúde Nísia Trindade. Bereia checou os fatos.
Imagem: reprodução Pleno News
Governo Lula, Piquiatuba Táxi Aéreo e o garimpo ilegal no Brasil
Na mesma data, o jornal o Estado de S.Paulo resgatou, e transformou em notícia, a informação da contratação feita no ano passado, por parte da atual gestão do governo federal, de uma empresa ré por associação ao garimpo ilegal, para atendimento de demandas do Ministério da Saúde.
Imagem: reprodução O Estado de S.Paulo
Após a publicação do Estadão, veículos noticiosos declaradamente de direita, entre eles o portal de notícias gospel Pleno News, repercutiram a informação de forma sintética.
Contratos vigentes entre Ministério da Saúde e empresa de táxi aéreo
Conforme o painel do Ministério da Saúde, três contratos para prestação de serviço de fretamento de aeronave com a Piquiatuba Táxi Aéreo estão ativos, dois deles iniciados em 2023. Os acordos foram firmados em junho e agosto do ano passado, nos valores de 6,8 milhões e 7,5 milhões, respectivamente, ambos com validade de um ano.
Os contratos são firmados pelos Distritos Sanitários Especiais Indígena (DSEIs), unidades gestoras do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS). No caso do acordo assinado em 19 de junho de 2023 com a Piquiatuba Táxi Aéreo, o contrato foi fechado com o DSEI Rio Tapajós, já o efetivado em 4 de agosto de 2023, com o DSEI Kaiapó do Pará.
Os dados informados pelo painel do Ministério da Saúde foram gerados a partir de informações oficiais repassadas pela Secretaria de Saúde Indígena (SESAI). A pasta é responsável por coordenar e executar a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas e todo o processo de gestão do SasiSUS no Sistema Único de Saúde (SUS).
Imagem: reprodução Ministério da Saúde
Acusação de ligações com o garimpo
Segundo informações do jornal Estado de São Paulo, a Justiça Federal aceitou, em maio de 2021, denúncia contra a Piquiatuba Táxi Aéreo, que tem sede em Santarém (PA). De acordo com a Polícia Federal (PF) e o Ministério Público Federal (MPF), a empresa teria utilizado aeronaves em proveito de um garimpo na Reserva Biológica Maicuru, no Pará.
Edson Barros da Silva e Patrick Paiva da Silva, sócios da empresa, são acusados de atuação na extração ilegal de ouro em região conhecida como Garimpo do Limão, localizada próxima a territórios indígenas. O fundador da empresa Armando Amâncio da Silva teria arrecadado R$13,4 milhões com a venda de ouro e em sua casa foram encontrados cerca de 45Kg do ouro ilegal.
Entre 2010 e 2022, a empresa firmou 24 contratos com o governo federal. Em 2023, dois novos contratos foram formalizados entre as partes, em valores que chegam a R$14,4 milhões. Denunciada em 2021, a empresa responde ainda em primeira instância.
Em 2023, uma auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) apontou irregularidades em contratos entre o Distrito Sanitário Especial Indígena Guamá-Tocantins (Dsei-Guatoc) e a Piquiatuba Táxi Aéreo Ltda. De acordo com a CGU, havia evidências de subcontratação irregular de terceiros, uso de aeronaves com capacidade técnica inferior à exigida no contrato, pagamentos sem documentos mínimos e indícios de superfaturamento no quantitativo de horas de voo.
Posição do governo face às acusações
Em nota ao Estadão, o Ministério da Saúde disse que acompanha atentamente a conclusão dos inquéritos e que suspenderá quaisquer relações com empresas comprovadamente envolvidas em atividades ilegais. A pasta alega que o fretamento de voos é fundamental nas ações de promoção da saúde em territórios indígenas, que são de difícil acesso.
De acordo com a Lei 14.133/2021, que versa sobre licitações e contratos administrativos, a revogação de um processo licitatório deve ser resultante de um fato devidamente comprovado após a realização da licitação. O caso que envolve a empresa contratada ainda está em trâmite na Justiça
As matérias publicadas pelo Estadão e pelo site gospel Pleno News omitem que um dos contratos do governo federal com a Piquiatuba Táxi Aéreo foi feito com o Ministério da Justiça, pasta à qual a Fundação Nacional do Índio (Funai) está subordinada.
Ao jornal O Globo, o Ministério da Justiça afirmou que realizou todas as diligências devidas, como consulta de todas as certidões públicas ligadas à empresa. A pasta afirma, ainda, que “não compete ao órgão a realização de investigações criminais de empresários supostamente vinculados às empresas contratadas pela Administração Pública”.
O Ministério da Saúde, por sua vez, informou ao jornal que o contrato com a empresa em questão cumpre todos os requisitos legais e visa a garantir a assistência prestada aos povos indígenas.
Greenpeace e MapBiomas mostram expansão do garimpo no Brasil
De acordo com um recente levantamento da organização ambiental Greenpeace, em 2023, foram devastados 1.410 hectares em terras indígenas, principalmente nos territórios dos povos Kayapó, Munduruku e Yanomami.
Imagem: reprodução MapBiomas (expansão do garimpo 2000-2022)
Segundo o Greenpeace, a região com mais avanço garimpeiro é justamente a terra indígena Kayapó, que teve 1.019 hectares devastados. Imagens de satélite mostram que o garimpo na TI Kayapó se concentra na parte leste do território.
Imagem: Google (área de garimpo na terra indígena Kayapó)
Em janeiro passado, a Hutukara Associação Yanomami (HAY) emitiu nota técnica em que apontou a continuidade das atividades garimpeiras ao longo de 2023. A nota diz que apesar de o governo federal ter decretado, em janeiro de 2023, estado de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin), “o caminho para a recuperação territorial e sanitária da TI Yanomami ainda é longo e muitos ajustes precisam ser feitos”.
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Bereia classifica o conteúdo checado como impreciso. A notícia publicada pelo portal gospel Pleno News dispõe de conteúdos verdadeiros, mas não considera diferentes perspectivas. Embasado totalmente na publicação de apuração limitada do jornal O Estado de São Paulo, o texto não apresenta a contextualização necessária.
Ao contrário de outros veículos de comunicação que buscaram documentação e posição jurídica detalhada – como explicações de que um processo licitatório em plena execução deve ser revogado após comprovação de irregularidades, o que ainda não aconteceu, já que o caso está em andamento na Justiça- a matéria do Pleno News priorizou o ataque ao governo federal, especificamente ao Ministério da Saúde.
Em detrimento de uma apuração minuciosa, a publicação se alinha a um discurso que mira na pasta como alvo de denúncias, pauta proposta e sustentada pelo fisiologismo de partidos do dito Centrão, contra a ministra da saúde Nísia Trindade, desde o ano passado. A publicação constrói um caminho para julgamentos errôneos sobre a atual gestão do Ministério da Saúde. O conteúdo é, portanto, desinformação e carece de complementações.
Bereia incentiva que seus leitores busquem informação de qualidade e estejam sempre atentos à utilização de manchetes acusatórias e a conteúdos que não detalham os fatos transcorridos em sua inteireza.
Desde 7 de outubro de 2023, o antigo e grave conflito entre Israel e Palestina ganhou nova versão. Depois de um ataque, classificado por várias autoridades públicas como terrorista, pelo braço armado do partido político palestino Hamas (“Movimento de Resistência Islâmica”) contra civis israelenses que participavam de um festival de música, Israel respondeu com força desproporcional, como também avaliam diversos agentes das relações internacionais. Ainda em 2023, em pouco mais de um mês de ações de resposta de Israel sobre a região palestina da Faixa de Gaza, sobre a qual exerce controle, já eram contabilizados 15 mil palestinos mortos e 35 mil feridos, com maioria de mulheres e crianças, frente a cerca de 1.500 israelenses que perderam a vida nas ações.
Durante visita à Etiópia, em 18 de fevereiro passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se pronunciou sobre o conflito . Durante a fala, ele comparou a resposta de Israel aos ataques promovidos pelo Hamas, ao extermínio de milhões de judeus por nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.
A declaração foi feita em uma entrevista, enquanto participava da 37ª Cúpula da União Africana e de reuniões bilaterais com chefes de Estado, em Adis Abeba, na Etiópia. As reações contra e a favor do pronunciamento foram imediatas. O governo israelense logo se pronunciou em suas redes digitais e nas de seus representantes. Parlamentares brasileiros de oposição também fizeram duras críticas à declaração e logo a internet foi invadida com postagens indignadas sobre o tema.
Ao responder jornaistas, na entrevista coletiva na Etiópia o presidente Lula afirmou:, “O que está acontecendo na Faixa de Gaza e com o povo palestino não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu: quando o Hitler resolveu matar os judeus”.
Em muito pouco tempo, o noticiário político nas grandes mídias estava carregado de chamadas com a afirmação de que Lula havia comparado as ações de Israel com o Holocausto, o que provocou não apenas críticas mas comoção, como nos exemplos a seguir.
Imagem: reprodução do site BBC News Brasil
Imagem: reprodução do site CNN Brasil
Imagem: reprodução site Senado Federal
Imagem: reprodução de sites de Veja, O Globo, Folha de S. Paulo e Aos Fatos
Ainda que o presidente não tenha citado diretamente o Holocausto (genocídio cometido pelos nazistas ao longo da Segunda Guerra Mundial, que vitimou aproximadamente seis milhões de pessoas entre judeus, ciganos, homossexuais, testemunhas de Jeová, deficientes físicos e mentais, opositores políticos entre outros), mas, sim, as ações do governo alemão, por meio de Adolf Hitler que levaram a ele, a história contada pelos jornalistas no Brasil foi o que viralizou.
Autoridades israelenses, como o Primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e o ministro das Relações Exteriores Israel Katz, se manifestaram publicamente pelo X, antigo Twitter, e usaram a palavra “holocausto” para criticar a fala do líder brasileiro. Netanyahu disse que as palavras de Lula são “vergonhosas e graves” e que banalizam o Holocausto.
Imagem: reprodução do X
Lula fez a afirmação na Etiópia, quando questionado sobre a decisão de alguns países de suspender repasses financeiros à Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA), após funcionários do órgão terem sido acusados pelo governo de Israel de envolvimento com o Hamas. Os funcionários foram afastados e a organização está passando por uma investigação, mas, até o fechamento desta matéria, nada havia sido comprovado, nenhum envolvimento da agência ou de seus funcionários.
Criada em 1949, a UNRWA fornece assistência humanitária aos refugiados palestinos registrados na área de atuação da agência (Cisjordânia, Faixa de Gaza, Jordânia, Líbano e Síria). As atividades humanitárias incluem serviços de educação, assistência médica, serviço social, infraestrutura, entre outros. Apenas em Gaza, a entidade conta com cerca de 13 mil funcionários, de acordo com checagem do Bereia.
A UNRWA acusou Israel de deter e torturar alguns de seus funcionários, coagindo-os a fazer confissões falsas sobre a suposta ligação da agência com o Hamas. “Alguns dos nossos funcionários transmitiram às equipes da UNRWA que foram forçados a [fazer] confissões sob tortura e maus-tratos. Estas falsas confissões foram em resposta ao questionamento sobre as relações entre a agência e o Hamas e o envolvimento no ataque de 7 de outubro contra Israel”, disse a porta-voz da UNRWA Juliette Touma, em comunicado.
No âmbito diplomático, a fala de Lula na Etiópia levou o governo israelense a convocar o embaixador brasileiro no país Frederico Meyer para um encontro com o chanceler israelense Israel Katz, no Museu do Holocausto, em Jerusalém. Em momento, considerado pela chancelaria brasileira e por analistas como constrangedor e inaceitável, ele ouviu testemunhos de familiares que foram perseguidos pelos nazistas, pronunciados em hebraico, língua que Meyer não domina.
Reprodução do X com tradução automática do hebraico para o português pelo Google Translate
Na ocasião, Lula foi declarado “persona non grata” por Israel – medida utilizada para indicar que um representante oficial estrangeiro não é mais bem-vindo no país em questão. O anúncio também foi feito pelo ministro em seu perfil no X. O governo brasileiro em reação imediata às ações de Israel, consideradas inaceitáveis pela diplomacia, chamou Meyer de volta para consulta.
O impasse diplomático entre Brasil e Israel foi criado e movimentou as redes digitais de lideranças e políticos cristãos, além de personalidades de diferentes espectros políticos não só no Brasil como no exterior.
Políticos de oposição ao governo federal enxergaram no caso, uma oportunidade de capitalizar apoios. A deputada federal Carla Zambelli imediatamente articulou e protocolou, em 22 de fevereiro, um pedido de impeachment contra Lula, com 139 assinaturas, fundamentalmente de parlamentares da direita (classificada como Centrão) e da extrema direita. O texto alega que o presidente infringiu o artigo 5º da Constituição Federal, que prevê como crime de responsabilidade “cometer ato de hostilidade contra nação estrangeira, expondo a República ao perigo da guerra, ou comprometendo-lhe a neutralidade”
Uma avalanche de falsidades e enganos
Além das críticas, informações falsas sobre o tema também foram divulgadas nas redes, como uma charge racista que retrata Lula como macaco. A charge foi divulgada como tendo sido publicada pelo jornal The New York Times, em ilustração de reportagem sobre a fala polêmica do presidente. A imagem que segue compartilhada nas redes não consta em qualquer texto publicado pelo jornal dos EUA.
Imagem: reprodução do Instagram
O desenho é de um caricaturista israelense que se apresenta no Instagram como J. Majburd e é responsável por outras publicações que alimentam redes de extrema direita.
Imagem: Uma das postagens do cartunista J. Majburd. Fonte: Instagram
Lideranças evangélicas ultraconservadoras também se pronunciaram sobre o caso. Em vídeo publicado nas redes, o pastor Silas Malafaia chamou o presidente da República de mentiroso e chegou a negar a morte de mais de 20 mil palestinos no conflito iniciado em outubro do ano passado. Embora os números de mortos e feridos sejam fornecidos por autoridades de saúde de Gaza, controladas pelo Hamas, eles são considerados e divulgados pela ONU, checados por agências de notícias internacionais e por organizações humanitárias.
Imagem: reprodução do Instagram
De acordo com o assessor especial da Presidência da República e ex-chanceler Celso Amorim, a fala do presidente Lula teve efeitos positivos e pode até ajudar na solução do conflito. “A fala do Lula sacudiu o mundo e desencadeou um movimento de emoções que pode ajudar a resolver uma questão que a frieza dos interesses políticos foi incapaz de solucionar, disse ele em entrevista à coluna da jornalista Mônica Bergamo, no jornal Folha de São Paulo.
Imagem: reprodução do Instagram
Grupos judaicos no Brasil estão divididos no tratamento do tema. A Confederação Israelita do Brasil (CONIB), que representa e coordena a comunidade judaica no país, repudiou a fala de Lula e pediu moderação do governo federal ao tratar do conflito. “O governo brasileiro vem adotando uma postura extrema e desequilibrada em relação ao trágico conflito no Oriente Médio, abandonando a tradição de equilíbrio e busca de diálogo da política externa brasileira. A CONIB pede mais uma vez moderação aos nossos dirigentes, para que a trágica violência naquela região não seja importada ao nosso país”, afirma a nota. Entretanto, assim como o governo israelense e parte da imprensa, a CONIB se equivocou ao dizer que Lula usou a palavra Holocausto.
Já outros grupos como o Coletivo Vozes Judaicas por Libertação, integrado por cerca de 30 pessoas, entre professores, educadores, ativistas e empreendedores judeus, saiu em defesa do presidente Lula, com uma nota pública. “A contradição do povo judaico ser ora vítima e agora algoz é palpável, tenebrosa e desalentadora. Lula externou o que está no imaginário de muitos de nós. Apoiamos as colocações do presidente Lula e cobramos que a radicalidade de suas palavras seja colocada em prática”, diz a nota.
“Enquanto a ONU e diversas organizações internacionais falham em acabar com a ofensiva israelense, é de suma importância a posição e a coragem de líderes internacionais ao denunciarem o genocídio do povo palestino. É nesse contexto que reiteramos nosso apoio ao presidente Lula”, continua o texto.
O que aconteceu em 7 de outubro?
Na manhã de sábado, 7 de outubro de 2023, milhares de israelenses e estrangeiros estavam em um local no deserto de Negev, no sul de Israel, para o festival de música, conhecido como Nova, que marca o feriado judaico de Sucot (Também conhecida como Festa dos Tabernáculos). Homens fortemente armados do Hamas lançaram centenas de foguetes, romperam a fronteira entre Gaza e Israel e seguiram em direção ao festival que havia durado toda a noite. Os radicais bloquearam quase todas as vias de fuga, encurralando a multidão, ao mesmo tempo que visavam abrigos onde as pessoas se escondiam, matando-as em massa e fazendo de alguns reféns. Segundo autoridades israelenses, 260 pessoas morreram no ataque, e outros foram levados reféns. O evento de música eletrônica, organizado pelo Universo Paralello, contava com três mil pessoas.
“Os ataques foram um passo necessário e uma resposta normal a todas as conspirações israelenses contra o povo palestino”, disse o Hamas em um comunicado de 16 páginas em inglês e árabe, divulgado no dia seguinte ao ataque, no site oficial do grupo islâmico.
Imagem: comunicado divulgado pelo Hamas em seu site oficial que no momento está fora do ar. Documentos disponibilizados em árabe e português no site Poder360.
Em 21 de janeiro, o Hamas divulgou mais um comunicado oficial, em inglês e árabe, admitindo que “talvez tenham ocorrido alguns erros durante a operação” devido ao colapso rápido da segurança israelense e do sistema militar, e ao caos nas áreas fronteiriças com Gaza. “Se, em algum caso, civis foram tomados como alvo, ocorreu acidentalmente e no transcurso do enfrentamento com as forças de ocupação”, afirmou o movimento islamita no documento.
“Muitos israelenses morreram nas mãos do exército israelense e da polícia devido à sua confusão”, acrescentou. O movimento islâmico também exigiu o fim imediato da ação agressiva israelense em Gaza, dos crimes e da limpeza étnica contra toda a população do país e rejeitou todo projeto internacional ou israelense destinado a decidir o futuro da Faixa de Gaza. “Insistimos que o povo palestino tem a capacidade de decidir seu futuro e gerenciar seus assuntos internos”, assinalou.
O Hamas destacou ainda no documento as origens históricas do conflito, afirmando que “a batalha do povo palestino contra a ocupação e o colonialismo não começou em 7 de outubro, mas se iniciou há 105 anos e que pretende responsabilizar legalmente a ocupação israelense pelo sofrimento infligido ao povo palestino.
Como foi destacado pelo Hamas, a atual situação é apenas uma fase de um antigo conflito, que remonta ao período posterior à Segunda Guerra Mundial, e contabiliza muitas mortes e deslocamentos.
Após o Holocausto, a comunidade internacional, a partir da recém-criada Organização das Nações Unidas, decidiu organizar um Estado para abrigar o povo judeu. Assim, foi constituído, em 1948, o Estado de Israel. Representantes internacionais também defendiam a criação do Estado Palestino, entretanto, a proposta ficou apenas no campo das discussões.
Após a chegada do Hamas ao poder, em 2007, Israel e Egito impuseram um bloqueio terrestre, aéreo e marítimo sobre a Faixa de Gaza. E, apesar dos pedidos das Nações Unidas e dos grupos de direitos humanos, Israel mantém o bloqueio desde então, o que causou efeitos devastadores para os civis palestinos, que enfrentam severas restrições de movimentação.
Leia mais sobre a história do conflito na Faixa de Gaza na segunda parte desta reportagem que será publicada em breve.
De vítima a vilão
O direito de defesa de Israel passou a ser questionado internacionalmente, especialmente pela ONU, com a intensificação dos ataques que atingem civis, escolas e hospitais com alto número de mortes, em especial de crianças. Avalia-se que Israel está cometendo crimes de guerra em Gaza, por conta das inúmeras perdas contabilizadas entre a população civil.
Quase dois milhões de pessoas – a maior parte da população do território – deixaram suas casas na Faixa de Gaza desde o início da ofensiva militar, em 7 de outubro. Segundo autoridades das Nações Unidas, o território “se tornou simplesmente inabitável”. A escalada de violência do conflito passou a atingir hospitais, escolas e abrigos de refugiados em Gaza, ferindo e matando os civis mais vulneráveis, entre mulheres e crianças.
O embaixador palestino na ONU Riyad Mansour denunciou Israel no Conselho de Segurança, acusando-os de buscar o “deslocamento forçado de nosso povo ao tornar Gaza inabitável”.
A filósofa estadunidense de origem judaica. Judith Butler classificou o ataque do Hamas a Israel como uma revolta e uma “resistência armada”. “Podemos ter pontos de vista diferentes sobre o Hamas como partido político, mas acho que é mais honesto e historicamente correto dizer que o levante de 07 de outubro foi um ato de resistência armada. Não um ato terrorista”, afirmou Butler.
Mais conhecida no Brasil por seus estudos sobre gênero, Butler é referência também em questões de ética, poder e política. Para ela, não foi um ato antissemita, foi um ataque contra israelenses. “Eu não gostei desse ataque, eu fui a público dizer isso, e tive problemas por dizer isso, foi angustiante para mim, foi terrível. No entanto, eu seria muito tola se eu decidisse que a única violência na cena, foi a violência feita ao povo israelense. A violência contra palestinos acontece há décadas. Esta foi uma revolta que vem de um estado de subjugação, e contra um aparato estatal violento”. A declaração foi feita no espaço associativo do Relais de Panti, em Paris, na França.
Imagem: reprodução do Instagram
De acordo com o professor de Teologia e doutorando em Filosofia pela PUCSP Wallace Góis o discurso do governo Israelense de vitimização causa um temor na população de seu país de que há um novo holocausto em andamento. “Muito se fala em antissemitismo, o medo de que vai haver uma nova situação crítica envolvendo os judeus por razões raciais. É a mesma estratégia usada pela extrema direita no Brasil com o fantasma do comunismo, claro guardadas as devidas proporções, não se trata da mesma coisa”, explica o professor, comparando as estratégias e não os fatos, em entrevista ao Bereia.
O professor cita o documentário Difamação (2009), do cineasta Yoav Shamir, que examina se o antissemitismo se tornou um rótulo abrangente para qualquer um que critique Israel. “Eles estão se organizando para denunciar o antissemitismo com números bastante absurdos e a partir disso mobilizar a opinião pública, políticos, imprensa à favor de Israel. No próprio documentário alguns deles confessam que muitas vezes exageram no uso dessas informações com discurso de perseguição o governo Netanyahu tem feito isso”.
A questão de um estado Palestino constituído é levantada pelo professor. Para ele, as ações na Faixa de Gaza tem o propósito de expansão territorial e não vingativa. “Durante os últimos anos o governo de Israel tem feito muitas provocações ao povo palestino, as expansões dos assentamentos seguiram firmes, operações com bombas na Esplanada das Mesquitas, desrespeitando simbolos religiosos, eles não conseguem viver um clima de normalidade, há sempre um risco contra a população Palestina”, conta.
Góis integra a coordenação brasileira do Programa de Acompanhamento Ecumênico na Palestina e Israel, do Conselho Mundial de Igrejas, e viveu por quatro meses, de julho a outubro de 2015, na região. “Israel já está se tornando um país um pouco mais isolado do que antes. O apoio inicial que foi dado pela comoção (em torno do ataque de 7 de outubro), e toda a propaganda que foi feita da vitimização de Israel por causa disso, já começou a esfriar e a sociedade começou a perceber que tem muitos limites a serem analisados antes de apoiar Israel”.
Para o professor que é cristão anglicano e leciona Teologia em cursos de tradição batista, metodista e pentecostal, o mundo acompanha atônito o massacre da população Palestina com a justificativa de que se pretende desmantelar o Hamas. “Entretanto, esse ‘Hamas’, com muitas aspas, já passa de 30 mil pessoas da sociedade civil que foram mortas. As estruturas do Hamas estão sendo destruídas e junto com elas toda a sociedade Palestina, que já tinha uma situação bastante crítica”, lamenta.
Wallace Góis ressalta ainda que há interesses escusos por trás da ofensiva israelense. “O presidente Benjamin Netanyahu pediu para que os palestinos deixassem Gaza antes de bombardeá-la, para muitos um sinal de compaixão, mas será mesmo? Com a terra vazia, fica mais fácil a ocupação. Já tem, por exemplo, empresa israelense de construção fazendo, digamos assim, projetos computadorizados de pequenos loteamentos de casas, com a frase ‘Morar na praia não é mais só um sonho’”.
Além da indústria imobiliária, o professor denuncia outro setor interessado nas terras palestinas. “A indústria de combustível também quer explorar essa região, porque já se sabe que tem bastante gás e petróleo lá, algo na ordem dos bilhões que vão aos poucos se somando ao motivo do porquê Israel está fazendo o que faz”, constata o professor.
Até mesmo o sólido apoio dos EUA está dando sinais de desgaste diante das atrocidades em Gaza. Para o presidente dos Estados Unidos Joe Biden, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu está “prejudicando mais do que ajudando” Israel com a postura na Faixa de Gaza. A declaração foi feita durante uma entrevista à emissora de TV MSNBC, no dia 9 de março.
“Ele tem o direito de defender Israel, o direito de continuar perseguindo o Hamas, mas ele precisa prestar mais atenção às vidas inocentes que estão sendo perdidas como consequência das ações tomadas”, disse
Apesar da afirmação, Biden disse que não vai deixar Israel e afirmou que não pretende cortar o fornecimento de armas ao país.
Lazzarini pediu em discurso que o Estado de Israel tome todas as medidas ao seu alcance para impedir a prática de atos no âmbito do Artigo II da Convenção sobre Genocídio, o que inclui permitir a prestação de serviços básicos e assistência humanitária urgentemente necessários.
“Em um período de apenas cinco meses foram mortas mais crianças, jornalistas, profissionais de saúde e funcionários das Nações Unidas do que em qualquer outro lugar do mundo durante um conflito. O número de mortos em Gaza é impressionante. Mais de 30 mil palestinos teriam sido mortos em apenas 150 dias”, disse o comissário e continuou denunciando os excessos do conflito em Gaza.
“É impossível descrever adequadamente o sofrimento em Gaza. 5% da população está morta, ferida ou desaparecida. Os médicos estão amputando crianças feridas sem anestesia, a fome está em toda parte. Mais de 100 pessoas foram mortas há poucos dias enquanto procuravam desesperadamente por comida”, falou Lazzarini se referindo ao ocorrido em 29 de fevereiro, durante uma distribuição de comida e ajuda humanitária na Faixa de Gaza. De acordo com o governo palestino, os soldados israelenses, que intermediavam a distribuição, abriram fogo contra a população. Em nota, as Forças Armadas de Israel disseram apenas que houve “empurrões e correria”, com mortos e feridos.
O duro discurso do comissário geral da agência da ONU levantou questões que o governo Israelense não dá sinais de que pretende responder, ou levar em consideração. “Qual é o destino de cerca de 300 mil habitantes de Gaza isolados no norte, sem acesso ao abastecimento humanitário? Quantas pessoas permanecem soterradas sob os escombros em toda a Faixa de Gaza? O que acontecerá às cerca de 17.000 crianças que estão órfãs, abandonadas num lugar cada vez mais ilegal e perigoso?, indagou.
Lazzarini denuncia ainda que, apesar de todo esse horror passado, a gana do governo sionista sobre a Faixa de Gaza não está perto de acabar. “O pior ainda pode estar por vir. Parece que um ataque a Rafah, onde se concentram cerca de 1,4 milhões de pessoas deslocadas, é iminente. Não há lugar seguro para eles irem”.
O ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023 matou 1.200 pessoas, e fez 253 reféns, segundo cálculos israelenses. Desde então, a campanha militar de Israel matou mais de 30 mil palestinos e feriu quase 73 mil, segundo as autoridades de saúde de Gaza, até o fechamento da matéria.
Apesar da pressão internacional, Israel nega a possibilidade de encerrar os bombardeios na Faixa de Gaza e condiciona um cessar-fogo à libertação de todos os reféns pelo Hamas.
Israel sofre pressão de diversos países do mundo para suspender as ações militares na região. Além disso, O governo israelense responde na Corte Internacional de Justiça (CIJ), pela acusação de genocídio em Gaza. Apresentado pela África do Sul, a denúncia foi endossada pelo Brasil.
Israel nega as acusações de genocídio, diz que respeita a lei humanitária internacional e promete continuar as ações militares até destruir totalmente as capacidades militares do grupo Hamas.
Imagem: reprodução do site BBC Brasil
Reféns
O Hamas ainda mantém cerca de 130 reféns capturados no levante de 7 de outubro, segundo o governo de Israel. Em Tel Aviv, centro financeiro do país, milhares de pessoas, entre familiares das vítimas, de soldados mortos e israelenses inconformados com a reação do governo Netanyahu, saíram às ruas no dia 9 de março para protestar contra o governo e pressioná-lo a firmar um acordo com o grupo extremista. As negociações por um cessar-fogo, que prevê a troca de reféns por prisioneiros palestinos.
A ONU divulgou no dia 11 de março, um relatório que apontou que os reféns mantidos em Gaza foram submetidos à violência sexual. A representante especial da ONU sobre Violência Sexual em Conflitos Pramila Patten e uma equipe de especialistas encontraram “informações claras e convincentes” de estupro e tortura sexualizada cometida contra reféns capturados durante os ataques do Hamas.
A missão realizou 33 reuniões com representantes israelenses, examinando mais de 5 mil imagens fotográficas e 50 horas de filmagens em vídeo. Foram realizadas 34 entrevistas confidenciais, inclusive com sobreviventes e testemunhas dos ataques de 7 de outubro, reféns libertados, socorristas e outros. O relatório afirma que as autoridades israelenses enfrentaram vários desafios na coleta de dados.
Publicações relativas a doações do governo brasileiro a agências da Organização das Nações Unidas (ONU) tomaram as redes digitais nas últimas semanas. O portal de notícias gospel Pleno News divulgou medida jurídica adotada pelo Partido Novo, contra Lula, por doação que o presidente da República teria feito a agência internacional, em matéria intitulada ‘Novo abre queixa-crime contra Lula por doação a agência da ONU’.
Imagem: reprodução Pleno News
O deputado federal evangélico Helio Lopes (PL-RJ) também publicou, em seu perfil no X, imagem da matéria do portal Terra Brasil Notícias, com o título ‘Doação milionária do Brasil à Agência da ONU é entregue por Janja’. Em tom alarmante, o parlamentar usou a expressão “absurdo” e apelou à religiosidade de seus seguidores ao escrever: “Você cristão que votou na esquerda está arrependido?”. Bereia checou os fatos e se há desinformação nas afirmações disseminadas.
Imagem: reprodução X
Doação do governo brasileiro ao Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR)
O governo brasileiro doou, em 17 de fevereiro, por meio da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), vinculada ao Ministério das Relações Exteriores (MRE), 65 purificadores de água e 18 toneladas de alimentos, dos quais quatro toneladas de arroz parboilizado orgânico e quatro toneladas de leite em pó foram produzidos e doados pelo Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST), ao Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), a Agência da ONU para Refugiados, na Etiópia. A publicação do deputado federal Helio Lopes (Pl-RJ) fala em “doação milionária”, mas, por se tratar de uma doação humanitária de alimentos e purificadores de água, o valor da doação não foi divulgado em valores monetários.
A cerimônia de doação ocorreu em Adis Abeba, por ocasião da visita de Estado do Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva ao país africano e da participação do líder do governo brasileiro na 37ª Cúpula da União Africana. A entrega simbólica das doações foi feita pela primeira-dama Rosângela Lula da Silva, Janja.
Imagem: reprodução ACNUR
As doações foram feitas em apoio aos 385 mil refugiados da região de Gambela, na Etiópia, oriundos principalmente do Sudão do Sul, que vive uma guerra civil de terríveis consequências para a população desde 2019. Segundo a agência, “a doação realizada pelo Governo do Brasil é feita em um momento crucial” e “na Etiópia, foram observados um contexto de insegurança alimentar e surtos de doenças transmissíveis atribuíveis ao abastecimento de água inseguro”.
O ACNUR é uma organização presente em 135 países, com o objetivo de garantir a pessoas refugiadas, deslocadas internas e apátridas, segurança e apoio para reconstruir suas vidas. No Brasil, a Agência da ONU para Refugiados atua junto ao Comitê Nacional para Refugiados (Conare), em apoio principalmente a pessoas refugiadas do Afeganistão, Venezuela, Colômbia e Haiti.
Anúncio de doação à Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Próximo (Unrwa)
Dez países – Estados Unidos, Canadá, Austrália, Itália, Reino Unido, Finlândia, Países Baixos, Alemanha, Japão e Áustria – anunciaram a suspensão do apoio financeiro à Unrwa, em resposta à denúncia israelense de que 12 funcionários da agência estariam envolvidos com os ataques de 7 de outubro de 2023, perpetrados pelo Hamas no território israelense.
Criada em 1949, a Unrwa tem mandato para fornecer assistência humanitária aos refugiados palestinos registrados na área de atuação da agência (Cisjordânia, Faixa de Gaza, Jordânia, Líbano e Síria). As atividades humanitárias incluem serviços de educação, assistência médica, serviço social, infraestrutura, entre outros. Apenas em Gaza, a agência conta com cerca de 13 mil funcionários.
Imagem: reprodução Agência Brasil
A Organização das Nações Unidas (ONU) rescindiu, de imediato, o contrato com dez funcionários acusados. Outros dois foram confirmados como mortos. Ao mesmo tempo, o Secretário-Geral da ONU António Guterres deu início a uma investigação por parte do Escritório de Serviços de Supervisão Interna (Essi), para apurar o suposto envolvimento de funcionários da organização com o Hamas.
O Secretário-Geral da ONU António Guterres destacou, em recente coletiva à imprensa, que a Unrwa tem, em Gaza, três mil funcionários dedicados à ajuda de emergência, trabalho que consiste no principal foco de ajuda humanitária neste momento de crise.
O anúncio brasileiro de continuidade dos repasses acompanha o posicionamento de países como Noruega e Espanha. O Ministro das Relações Exteriores da Noruega Espen Barth Eide, em entrevista à rede japonesa NHK, reconheceu que as acusações israelenses são sérias e exigem investigação, mas afirmou que a interrupção do financiamento à agência seria uma punição coletiva ao povo palestino. Em posição semelhante, Lula afirmou que as denúncias precisam ser investigadas, mas que a agência deve continuar funcionando. “Basta de punição coletiva”, disse.
Repercussão das ações humanitárias do governo do Brasil no meio religioso
O site gospel Pleno News deu destaque à queixa-crime apresentada à Procuradoria-Geral da República (PGR) pelo Partido Novo contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em resposta ao anúncio de doações brasileiras à Unrwa. O Novo alega que, ao anunciar doação à Unrwa, Lula cometeu o crime de terrorismo. A manchete veiculada pelo site Pleno News faz parecer que a doação já ocorreu, o que não é verdade.
O deputado federal cristão Carlos Jordy (PL-RJ) publicou, em seu perfil no X, críticas ao anúncio de futuras doações à Unrwa. Jordy diz que a agência da ONU “funciona de fachada para o Hamas” e que Lula “não tem pudor algum em estreitar laços com o terrorismo e desrespeitar Israel e o povo judeu”. O texto foi reproduzido por diversos perfis autodeclarados conservadores e religiosos. O Hamas é considerado um grupo terrorista por alguns países e não por outros, portanto, não há consenso na comunidade internacional. O Brasil segue a classificação das Nações Unidas, que não considera o grupo terrorista.
Imagem: reprodução X
O deputado federal Helio Lopes (PL-RJ) declarou “absurda” e “milionária” a doação humanitária do Brasil à Acnur na Etiópia. Em publicação no X, Lopes e outros perfis conservadores e religiosos repercutiram matéria produzida pelo site Terra Brasil Notícias, que já promoveu desinformação sobre o caso das joias ligadas a Jair Bolsonaro e sobre dados econômicos brasileiros, entre outros temas.
***
Bereia classifica as publicações como enganosas, pois os títulos foram estruturados com o intuito de confundir, ao provocar uma associação de doação financeira feita pelo governo brasileiro a uma mesma agência da Organização das Nações Unidas (ONU).
Os conteúdos foram elaborados a partir de substância verdadeira, como a doação de itens feita pelo governo brasileiro à Etiópia, a declaração de Lula sobre doação à agência da ONU e a apresentação da queixa-crime contra o presidente da República, pelo Partido Novo. No entanto, ao divulgar a medida adotada pelo Novo com relação a uma doação, o título da matéria do portal Pleno News omite a informação de que, na verdade, houve apenas uma promessa de doação.
Ao passo que a notícia publicada pelo portal Terra Brasil Notícias, e compartilhada pelo deputado federal Helio Lopes (PL-RJ), desinforma ao empregar a palavra milionária para categorizar a doação dos itens como financeira, uma vez que vários deles foram produzidos e doados pelo Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST). O parlamentar complementou a publicação em seu perfil no X com sensacionalismo, ao lançar mão de apelo ao desperdício de dinheiro público e apelo moral, com questionamentos acerca de valores ligados à religiosidade. Tais afirmações negam a prática da diplomacia internacional que inclui ações humanitárias a povos e grupos humanos em situações-limite.
Já o deputado federal Carlos Jordy (PL-RJ), foi taxativo ao relacionar agência da ONU, que pode receber doações a grupos humanos que delas carecem, ao movimento islâmico palestino Hamas, considerado por alguns grupos como grupo terrorista, sem que haja comprovação destas alegações. Em sua declaração, Jordy radicaliza e associa o discurso de Lula a um apoio ao terrorismo e acusa o líder político de desrespeitar a nação de Israel e o povo judeu, como estratégia para amplificar a oposição da esquerda brasileira ao sionismo cristão.
Juntas, as publicações funcionaram como voz única nas redes digitais, levando leitores à ideia enganosa de que o governo brasileiro errou ao promover doação a agências internacionais. O conjunto das publicações associou a doação ao Acnur e o anúncio de doação à Unrwa a gasto público e associação a práticas terroristas, o que não se verifica.
O levantamento do Bereia sobre destaques em desinformação disseminada no mês de janeiro de 2024, identificou o tema da economia e o protagonismo de políticos religiosos nestas publicações.
Alarde sobre alta no preço de alimentos
Em 15 de janeiro de 2024, o senador evangélico Magno Malta (PL-ES) publicou na plataforma X/Twitter, conteúdo com milhares de acessos e compartilhamentos, sobre o aumento dos alimentos no Brasil em que afirma haver uma exorbitante alta dos preços dos alimentos, atribuindo a suposta disparada ao atual governo.
Imagem: reprodução do X (antigo Twitter)
Na postagem acima, o valor de compra de três produtos juntos, arroz, refrigerante e óleo de soja, de determinadas marcas, seria de R$ 80,00. Seguindo as características de qualquer publicação identificada como desinformativa, a postagem de Magno Malta não tem dados fundamentais para comprovação do conteúdo, como a data de coleta dos preços, a procedência dos valores (o local de onde colheu a informação – estabelecimento, cidade) e o oferecimento de um parâmetro de comparação.
Bereia fez a busca dos dados ausentes e procedeu a um levantamento de preços dos produtos em outros dois estabelecimentos do ramo de alimentos, para obter parâmetros de comparação. Os preços totalizaram valores muito abaixo do divulgado na postagem do senador evangélico, conforme a tabela a seguir.
Produto
Marca/Tipo
Qtde
Preço
Magno Malta – X (15/Jan)
Arroz – 1 kg
Camil/Branco
1
Sem descrição
Coca Cola – 2 lt
Cola-Cola
1
Sem descrição
Oléo de cozinha – 1 lt
LIZA/Soja
1
Sem descrição
Total (segundo Magno Malta)
R$ 80,00
Pão de Açúcar
Arroz – 1 kg
Camil/Branco
1
R$ 7,29
Coca Cola – 2 lt
Cola-Cola
1
R$ 10,99
Oléo de cozinha – 1 lt
LIZA/Soja
1
R$ 6,89
Total (Pão de Açúcar – SEM DESCONTO – em 31 de janeiro de 2024)
R$ 25,77
Rappi → ASSAÍ ATACADISTA
Arroz – 1 kg
Camil/Branco
1
R$ 6,49
Coca Cola – 2 lt
Cola-Cola
1
R$ 9,95
Óleo de cozinha – 900 ml
LIZA/Soja
1
R$ 5,85
Total (ASSAÍ – SEM DESCONTO – em 31 de janeiro de 2024)
R$ 22,29
Tabela de preços levantados por Bereia – autoria própria
Este exercício também foi realizado por vários seguidores do perfil do senador, que publicaram diversos comentários, como os exemplificados a seguir:
Imagens: reprodução do X (antigo Twitter)
Magno Malta prosseguiu, em janeiro, com outras postagens de conteúdos relacionados à economia.
Imagem: reprodução do X (antigo Twitter)
O parlamentar, em 19 de Janeiro passado, também na plataforma X/Twitter, publicou uma montagem de vídeo que mostra, em primeiro plano, uma mulher, supostamente ligada ao Partido dos Trabalhadores (PT), festejando, de forma irônica, preços associados aos produtos que aparecem em segundo plano. Os valores em destaque sugerem que o país estaria vivenciando um descontrole dos preços dos alimentos.
De forma similar à primeira postagem, destacada nesta matéria, o senador não informa a data, os valores de cada produto, ou qualquer informação sobre o local da coleta de preços. Tudo isto caracteriza a produção de conteúdo falso e enganoso.
O que dizem os dados da economia sobre preços dos alimentos
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que mede a variação de preços de quem ganha entre um e cinco salários mínimos, publicado em dezembro de 2023 registrou uma queda de 2,48%, no acumulado até novembro de 2023, no chamado Grupo de Alimentação no Domicílio. Isto significa um recuo nos preços na lista de alimentos mais comuns nas mesas das famílias brasileiras. Esta baixa foi alcançada ainda que o IPCA-15 (Índice de Preços ao Consumidor Ampliado), que mede a variação de preços dos itens consumidos por quem ganha entre um e quarenta salários mínimos, tenha tido uma alta de 0,4% em dezembro de 2023. A figura abaixo, retirada do site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), confirma estes dados.
Imagem: reprodução do site do IBGE
Estes dados demonstram que o senador Magno Malta mentiu em publicações que buscaram criticar políticas de preços e causar pânico em relação a falsa alta de custos gerais de alimentos.
Sobre as contas Contas Públicas em 2023
O radar do Bereia detectou outra publicação relacionada ao contexto da situação econômica do país, com suspeita de desinformação. O deputado estadual evangélico Ricardo Arruda (PL-PR) fez um alarde entre seguidores religiosos, ao publicar, em suas mídias sociais, em 30 de janeiro de 2024, um card com a seguinte legenda: “Brasil passa Argentina e vira o mais endividado da América Latina. Alguém surpreso?”.
Imagem: reprodução do Facebook
O veículo de extrema-direita Revista Oeste publicou matéria com o mesmo conteúdo, em 29 de janeiro de 2024, alegando que a informação foi divulgada pelo Instituto Millenium, sob a chamada: “O Brasil ultrapassou a Argentina e se tornou o país mais endividado da América Latina”. Bereia verificou o site do Instituto Millenium e não localizou este conteúdo.
Já o outro veículo da extrema-direita, Terra Brasil Notícias, publicou matéria com a chamada: “Vexame: Brasil passa Argentina e vira o mais endividado da América Latina”. A TV CNN Brasil repercutiu a informação de o Brasil ter fechado 2023 com o pior déficit da história:
Imagem: reprodução do Instagram
A Auditoria Cidadã da Dívida Pública (ACD), uma associação suprapartidária sem fins lucrativos, que estuda e divulga o endividamento público e seus desdobramentos, criticou a divulgação destes conteúdos:
“Vários veículos de comunicação noticiaram hoje, praticamente na mesma linha editorial, um suposto rombo de R$ 230 bilhões em 2023, relativo às contas do governo central (Tesouro Nacional, Banco Central e Previdência Social), dando a entender que a dívida pública estaria financiando as áreas sociais. Porém, o que vem ocorrendo nos últimos anos é o contrário: a dívida pública tem SUGADO os recursos das áreas sociais. Isso ocorre, pois a metodologia do “Superávit Primário” OMITE diversas receitas que o governo vem tendo todos os anos, como lucros do Banco Central, recebimentos de juros de dívidas de estados, dentre outras, que têm sido destinadas para o pagamento da chamada “dívida pública”. Ou seja, ao mesmo tempo em que é massificada a propaganda do suposto “rombo”, omite-se que recursos que poderiam financiar setores fundamentais vão para este sistema vampiresco. A ACD está elaborando artigo para mostrar esta situação em detalhes, em breve. Por outro lado, os próprios veículos de comunicação informam que a conta não inclui os custos com o pagamento dos juros da dívida pública, nunca auditada, o verdadeiro problema que o Brasil precisa enfrentar.”
Em entrevista a jornalistas sobre o tema, o ministro da Fazenda Fernando Haddad afirmou que o déficit nas contas públicas em 2023 resultou do pagamento de precatórios atrasados, deixados pelo governo anterior. No ano passado, o resultado ficou negativo em R$ 230,54 bilhões, só perdendo para 2020, quando o déficit atingiu R$ 743,25 bilhões por causa da pandemia de covid-19. O déficit primário representa o resultado negativo das contas do governo sem os juros da dívida pública. Segundo Haddad:
“Esse resultado é expressão de uma decisão que o governo tomou de pagar o calote que foi dado, tanto em precatórios quanto nos governadores em relação ao ICMS sobre combustíveis. Desses R$ 230 bilhões, praticamente metade é pagamento de dívida do governo anterior, que poderia ser prorrogada para 2027 e que nós achamos que não era justo com quem quer que fosse o presidente na ocasião.”
Reportagem da Agência Brasil explica que a informação do Tesouro é a de que, sem os precatórios, o resultado negativo ficaria em R$ 23,8 bilhões. Este valor ficaria abaixo da estimativa das instituições financeiras. Segundo a pesquisa Prisma Fiscal, divulgada todos os meses pelo Ministério da Fazenda, os analistas de mercado esperavam resultado negativo de R$ 35,5 bilhões, sem considerar o pagamento de precatórios.
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Bereia classifica as publicações sobre economia, que circularam em ambientes digitais religiosos, verificadas nesta matéria como falsas.
Como registrado acima, as publicações do senador Magno Malta têm todas as características de conteúdo falso propagado nas mídias digitais, por não oferecerem dados que embasem a divulgação dos valores de preços indicados. É conteúdo inventado com a explícita intenção de divulgar críticas à situação econômica do país e forçar reação negativa ao atual governo.
Já a publicação do deputado estadual do Paraná reproduz conteúdo enganoso fartamente explorado em mídias alinhadas à extrema-direita para criticar o atual governo. O déficit nas contas públicas existe, de fato, porém é preciso contextualizar que ele tem origem em políticas implementadas nos governos anteriores ao atual.
Bereia tem repetido continuamente que é muito importante haver oposição a governos em uma democracia. Parlamentares da oposição devem criticar e cobrar ações, o que é parte de sua atuação. Porém isto deve ser feito de forma digna, com conteúdo correto, e não com o recurso a mentiras e falsidades como estratégia de convencimento de seguidores.
O deputado federal evangélico Fausto Santos Jr. (UNIÃO – AM) publicou em suas mídias sociais vídeo que dissemina desinformação sobre a questão do desmatamento na Amazônia. O deputado usou manchetes de jornais sobre o aumento das queimadas na região para refutar dados divulgados pela Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima Marina Silva, no discurso que ela fez, em 2 de dezembro, na 28ª Conferência de Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (COP28), que acontece entre os dias 30 de novembro e 12 de dezembro, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.
Imagem: Reprodução do Instagram
O vídeo também foi publicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro que reforçou a ideia de que a ministra estaria mentindo. Além deste vídeo, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL MG) e o vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (Republicanos) também fizeram postagens questionando a aparente contrariedade entre o aumento das queimadas e a diminuição do desmatamento na floresta amazônica, levando seus seguidores a acreditarem que Marina Silva havia mentido em seu discurso na COP28.
Imagem: Reprodução do Instagram
Queimadas X Desmatamento
Entretanto, conforme Bereia já explicou em checagem anterior, publicada em 25 de setembro de 2023, existe uma diferença entre o sistema de medição das queimadas e de desmatamento realizada pelos institutos de pesquisas que monitoram esses dados.
De acordo com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), as queimadas têm diferentes causas na Amazônia: fogo de manejo agropecuário – empregado por produtores rurais para limpar o terreno de pragas e renovar o solo, principalmente em áreas de pastagem; fogo de desmatamento recente – esse intrinsecamente ligado à derrubada da floresta, pois é a forma mais barata de eliminar a vegetação recém retirada, além das cinzas ajudar a nutrir o solo para o plantio de pasto; e os Incêndios florestais – onde o fogo pega a floresta viva, espalhando-se rapidamente pelas folhas secas depositadas no solo.
Já o desmatamento é a remoção de florestas do solo, ou conversão de floresta, ou seja, mudança do ambiente florestal para outro uso da terra, como pastagens e agricultura. Portanto, nem todo foco de incêndio na Amazônia está ligado ao desmatamento. Ressalta-se que há áreas onde agricultores têm autorização para utilizar as queimadas como técnica de plantio.
Nem todo foco de incêndio na Amazônia está ligado ao desmatamento. Ressalta-se que há áreas onde agricultores têm autorização para utilizar as queimadas como técnica de plantio, como dissemos no texto publicado em setembro.
Imagem: reprodução do site do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPMAM)
Pesquisa realizada por um grupo de cientistas de diversas instituições nacionais e internacionais, publicada na revista Nature Ecology & Evolution, também apontou dados contrastantes entre queimadas e desmatamento na Amazônia. Os pesquisadores analisaram informações da plataforma TerraBrasilis do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
De acordo com o estudo, apenas 19% dos incêndios de 2023 estão ligados ao desmatamento recente, mostrando que há uma dissociação entre as queimadas na floresta e o desmatamento. Também foi indicado que há uma relação entre as condições climáticas mais quentes e secas resultantes do El Niño (fenômeno climático que provoca alterações significativas na distribuição da temperatura da superfície da água do Oceano Pacífico, com grandes alterações no clima)..
O trabalho aponta, ainda, um efeito retardado ocasionado pelo aumento do desmatamento de anos anteriores. Algumas áreas da floresta que foram derrubadas mecanicamente nos últimos anos só agora estão se tornando secas o suficiente para serem queimadas. Além disso, há queimadas em pastagens no início da estação seca, realizada por produtores locais em áreas de pasto nativo ou cultivado.
Imagem: Reprodução do site da Universidade Federal da Paraíba (UFPB)
O que disse a ministra?
No vídeo, a ministra Marina Silva discursa durante participação no evento da COP 28: “Florestas: Protegendo a Natureza para o Clima, Vidas e Subsistência”. Ela exalta os primeiros meses de governo do presidente Lula e destaca o sucesso da política ambiental adotada pelo país neste período, que, segundo ela, foi responsável pela grande redução do desmatamento da Amazônia. “Já conseguimos, nos 10 primeiros meses, reduzir o desmatamento que estava numa tendência de alta assustadora. Reduzimos o desmatamento em 49,5%, evitando lançar na atmosfera 250 milhões de toneladas de CO2. Se não fossem essas medidas tomadas, teríamos um aumento do desmatamento de 54% e não uma queda de 49% nesses 10 meses”, disse a ministra.
Imagem: reprodução do site da EBC
Em novembro passado, o Governo Federal anunciou os dados anuais coletados pelo Sistemas de Monitoramento PRODES do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) que apresenta relatórios mais precisos sobre o desmatamento no país. De acordo com os dados divulgados, houve uma redução de 22,3% da área desmatada na Amazônia Legal de agosto de 2022 a julho de 2023 em comparação com o período anterior.
Já segundo números do sistema de monitoramento DETER também do INPE, que faz alertas diários para apoio à fiscalização, considerando apenas os meses de janeiro a setembro de 2023, a projeção de queda no desmatamento foi de 49,5% em comparação com o mesmo período de 2022, confirmando informação divulgada pela Ministra em seu discurso.
Quanto à informação sobre o volume de 250 milhões de toneladas de carbono/CO2 que o Brasil evitou lançar na atmosfera, também abordado por Marina Silva no discurso, Bereia contatou a assessoria da ministra. Em resposta, a pasta alegou ter usado dados do portal TerraBrasilis (plataforma desenvolvida pelo INPE para disseminação de dados geográficos gerados pelo instituto nos diversos sistemas de monitoramento) e cálculos realizados pela área técnica do próprio ministério para chegar a esse montante.
Imagem: apresentação de slide no site da EBC
Dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), no entanto, atestam uma queda ainda mais significativa no período. Para a instituição não-governamental, a destruição acumulada de janeiro a outubro fechou em 3.806 km², o que representa uma queda de 61% em relação ao mesmo período do ano passado, a menor área desmatada desde 2018.
A ONG usa o Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), ferramenta de monitoramento da Amazônia Legal baseada em imagens de satélites, desenvolvida pelo Imazon em 2008, para reportar mensalmente o ritmo da degradação florestal e do desmatamento na região.
Imagem: reprodução site Imazon
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Bereia classifica o conteúdo divulgado pelo deputado Fausto Santos Jr e repercutido pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, e outros políticos da extrema-direita, como ENGANOSO. A publicação usa dados verdadeiros para manipular seguidores em mídias sociais e levá-los a acreditar que as autoridades brasileiras estão erradas e mentem.
Bereia alerta para os danos deu ma publicação como esta: em apenas três dias, até o fechamento desta matéria, o vídeo teve 16,5 mil visualizações no perfil do deputado Fausto Santos Jr., que tem um alcance menor, e 2,7 milhões de visualizações no perfil do ex-presidente Jair Bolsonaro, com apenas um dia no ar.
Conforme foi explicado pelo Bereia e por muitos outros portais de notícias e especialistas no assunto, o aumento das queimadas na Amazônia neste ano pouco tem relação com o desmatamento praticado em 2023 (19%, segundo pesquisadores). Por isso, há a diferença entre o número do desmatamento que diminui e o número de queimadas que aumenta.
Bereia insta leitores e leitoras a desconfiar, pesquisar e conferir materiais de oposição política postados em perfis já conhecidos como propagadores de falsidades.
Um vídeo gravado pela deputada federal evangélica Priscila Costa (PL/CE), oferece a seguidores conteúdo marcado por pânico com o tema do “banheiro unissex”. A deputada diz que tal política teria sido “instituída pelo governo Lula”, causando riscos às filhas das famílias brasileiras, que entrarão em banheiros e “encontrarão marmanjos”.
O vídeo voltou a circular em grupos de WhatsApp e em perfis diversos de mídias sociais desde 10 de novembro de 2023.
Imagem: reprodução do Facebook
Imagem: reprodução de perfil do TikTok
Bereia já havia checado este conteúdo, em setembro passado, publicado por outros parlamentares identificados com a extrema-direita, o que foi classificado como ENGANOSO.
No contexto das amplas discussões em torno do conflito bélico entre a ala armada do partido palestino Hamas e o governo de Israel, iniciado em 7 de outubro, postagens que atrelam o partido extremista ao governo federal do Brasil seguem circulando amplamente nas mídias digitais da extrema direita. O conteúdo, divulgado já no 7 de outubro, pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e seus seguidores, relaciona o Hamas , que é classificado, por alguns países, como “terrorista”, ao presidente da República Luis Inácio Lula da Silva (PT).
Imagem: reprodução do X
Além de Bolsonaro, outros políticos e veículos de comunicação de extrema-direita têm gerado engajamento nas redes sociais digitais associando o presidente Lula, seu governo e o Partido dos Trabalhadores ao Hamas. De acordo com pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, realizada entre os dias 7 e 10 de outubro, que analisou cerca de 800 mil posts do debate sobre o conflito bélico no X/Twitter, no Facebook e no Instagram, houve uma intensificação, naquela primeira semana do conflito, do protagonismo da extrema direita.
Na avaliação dos pesquisadores, isto ocorreu com a tentativa de transformar o debate a respeito do complexo conflito Israel x Hamas em polarização Lula x Bolsonaro, gerando grande engajamento nas redes digitais extremistas no Brasil, sobretudo entre grupos evangélicos ultraconservadores alinhados à ala política extremista.
Foi neste contexto, de guerra de discursos que o ex-presidente publicou em sua página do X/Twitter sobre uma suposta aproximação ideológica ou preferência política do presidente brasileiro pelo Hamas, e vice-versa, em detrimento de Israel.
Na postagem, Bolsonaro cita o ataque do Hamas a Israel e afirma: “[…] grupo terrorista que parabenizou Luiz Inácio Lula da Silva quando o TSE o anunciou vencedor das eleições de 2022”. Esta publicação teve dezenas de milhares de curtidas e milhares de republicações. Os deputados do PL, de identidade religiosa cristã, Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Nikolas Ferreia (PL-MG) e Carlos Jordy (PL-RJ) foram uns dos primeiros a compartilhar a publicação, o que foi amplamente praticado por outras pessoas e veículos de comunicação da extrema-direita, como a deputada católica Bia Kics e a mídia Jornal da Cidade Online.
Imagem: reprodução do X
Imagem: Reprodução da página do Jornal da Cidade
O portal evangélico, o Pleno News, repercutiu a publicação, em matéria sob título “Bolsonaro expressa apoio a Israel e cita: Hamas parabenizou Lula”.
Imagem: Reprodução da página do Pleno News
Outros veículos alinhados à extrema-direita seguiram a mesma linha, como Gazeta do Povo, Diário do Poder, o R7 Notícias, O Antagonista e no YouTube, a Jovem Pan e a Revista Oeste, entre outros.
Imagem: Reprodução da página da Jovem Pan
A grande imprensa também fez matérias dando destaque à fala de Bolsonaro. O jornal O GLOBO publicou matéria com título: Bolsonaro ataca Lula ao repudiar ofensiva do Hamas contra Israel
“Ex-presidente afirmou que grupo palestino parabenizou Lula pela vitória nas eleições do ano passado”. E o Estadão também publicou matéria com título: “Bolsonaro repudia conflitos em Israel e destaca que Hamas parabenizou Lula logo após as eleições”.
Imagem: Reprodução do site do jornal O Globo
A jornalista da Folha de S. Paulo Mônica Bergamo publicou matéria sob o título, “Grupos embarcam em conspiração que associa Lula ao Hamas”. Ela descreve o que parece ser um movimento organizado, de diversos grupos de oposição ao governo federal, de associar o presidente Lula ao Hamas de forma negativa.
Matéria publicada pelo site Último Segundo.IG apurou ser verdadeira afirmação feita por Bolsonaro de que o Hamas parabenizou Lula pela vitória das eleições no Brasil em 2022. De acordo com o site, “Apesar do longo histórico de mentiras e distorções de fatos do ex-mandatário, a afirmação é verdadeira. Em 31 de outubro de 2022, o site oficial do Hamas, que neste momento está fora do ar, publicou uma nota congratulando Lula pela vitória contra Bolsonaro nas urnas”.
Conforme a matéria do Último Segundo.IG, o líder político do Hamas Basem Naim foi o autor do texto que parabenizou o presidente vencedor das eleições no Brasil em 2022. Na ocasião, Naim disse que a eleição de Lula “foi uma vitória para todos os povos oprimidos em todo o mundo, particularmente para o povo palestino”, e concluiu: “Lula é conhecido pelo seu apoio forte e contínuo aos palestinos em todos os fóruns internacionais”.
Imagem: Reprodução do Último segundo
O que a matéria do IG deixa de explicar aos leitores e leitoras é que a manifestação do Hamas sobre a eleição de Lula, em 2022, se deu dentro de um contexto de congratulações de várias autoridades políticas internacionais, entre chefes de Estado e líderes partidários.
Desta forma, o Hamas segue atuando como partido em suas relações na Palestina e com outros países.
Criado em 1987, o Hamas (uma sigla para Ḥarakah al-Muqawamah al-‘Islamiyyah, que significa Movimento de Resistência Islâmica) tinha, inicialmente, o duplo propósito de implementar uma luta armada contra Israel – Estado que o grupo não reconhece – liderada por sua ala militar, as Brigadas Izzedine al-Qassam, e de oferecer programas de bem-estar social aos palestinos.
O Fatah é o outro partido, o mais antigo, fundado em 1959. Diferentemente do Hamas, o Fatah reconhece o Estado de Israel e atua pelo estabelecimento dos dois Estados.
Já a Autoridade Nacional Palestina (ANP), que dirige a outra região palestina, a Cisjordânia, foi formada em 1994, nos termos dos Acordos de Oslo entre a Organização de Libertação da Palestina (OLP) e o governo de Israel. Esta tem um caráter diplomático mais oficial por conta deste status.
Há outros grupos políticos palestinos com a Organização para Libertação da Palestina (OLP), criada em 1964, presidida pelo líder do Fatah. Todos estes grupos têm conflitos entre si diante dos propósitos e estratégias de ação mas têm em comum a luta pelo estabelecimento do Estado Palestino, não concretizado desde 1948, quando da determinação da criação do Estado de Israel.
“Doação de R$ 25 milhões ao Hamas” também é usada para acusação ao governo
Bereia verificou outro conteúdo que circula, durante o atual conflito bélico Hamas-Israel, que também associa o Hamas ao governo federal. Refere-se ao presidente Lula ter doado R$ 25 milhões ao partido palestino, em 2010, quando no segundo mandato da Presidência.
Nota publicada pelo site do Governo Federal em 9 de outubro passado, desmentiu a desinformação e pontuou que o governo brasileiro fez uma doação à Autoridade Nacional Palestina (ANP), com aprovação do Congresso Nacional no ano de 2009. O repasse foi realizado em 2010, durante o segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A doação fez parte de um esforço global movido pela ONU para a reconstrução da Faixa de Gaza. O Hamas não integrou a iniciativa e nem recebeu recursos do fundo formado. A doação foi destinada à ANP, controlada pela Fatah, partido que faz oposição ao Hamas na Palestina”, informa a nota do Governo.
A posição do governo brasileiro sobre o conflito
Logo após o ataque do Hamas a Israel, em 7 de outubro passado, o governo brasileiro divulgou nota condenando os bombardeios e ataques terrestres a partir da Faixa de Gaza, e lamenta a morte dos primeiros 20 cidadãos israelenses e os mais de 500 feridos. Na nota o governo expressou condolências aos familiares das vítimas e manifestou sua solidariedade ao povo de Israel.
“Ao reiterar que não há justificativa para o recurso à violência, sobretudo contra civis, o governo brasileiro exorta todas as partes a exercerem máxima contenção a fim de evitar a escalada da situação. Não há, até o momento, notícia de vítimas entre a comunidade brasileira em Israel e na Palestina”, disse a nota do governo brasileiro, na qual também o governo lamentou que “em 2023, ano do 30º aniversário dos Acordos de Paz de Oslo, se observe deterioração grave e crescente da situação securitária entre Israel e Palestina”.
O governo federal afirmou ainda, que, como Presidente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, o Brasil convocaria uma reunião de emergência do órgão. “O governo brasileiro reitera seu compromisso com a solução de dois Estados, com Palestina e Israel convivendo em paz e segurança, dentro de fronteiras mutuamente acordadas e internacionalmente reconhecidas. Reafirma, ainda, que a mera gestão do conflito não constitui alternativa viável para o encaminhamento da questão israel-palestina, sendo urgente a retomada das negociações de paz”, finalizou a nota.
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Bereia classifica que o conteúdo inicialmente divulgado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, seguidores e outras lideranças políticas e religiosas, com repercussão em veículos de notícias, que ainda circula em espaços digitais religiosos, como enganoso.
Embora ofereça um elemento de substância verdadeira – de fato, o Hamas, que é um partido político, fez um pronunciamento parabenizando Lula pela vitória eleitoral em 2022 – a afirmação que associa o atual presidente ao grupo palestino é desenvolvida para confundir. Com isso, induzo o público a assimilar que o presidente Lula apoia a violência praticada pela ala do partido palestino no contexto do atual conflito bélico. Isto é desinformação e necessita de correções, substância e contextualização.
Na mesma direção, é falso que o governo Lula tenha doado R$ 25 milhões ao Hamas, pois o repasse foi feito 13 anos atrás, à Autoridade Nacional Palestina em caráter humanitário, reconhecida pelo acordo de Oslo, em 1984, portanto, pela ONU, seguindo os trâmites legais, incluindo a aprovação do Congresso Nacional..
Nos últimos dias de setembro, as redes digitais foram tomadas por discursos que atribuem ao presidente da República e ao ministro dos Direitos Humanos a decretação de uma medida que supostamente implementaria, obrigatoriamente, banheiros unissex nas escolas do país.
Entre os maiores disseminadores dos conteúdos estão parlamentares com identidade religiosa evangélica, como os deputados federais Nikolas Ferreira (PL-MG) e Filipe Barros (PL-PR), e o senador Sérgio Moro (União Brasil-PR). Bereia checou informações sobre o caso.
O discurso sobre banheiro unissex
O deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) publicou, em 22 de setembro, um vídeo em seu perfil do Instagram em que afirma que o ministro de Direitos Humanos Silvio Almeida “instituiu o banheiro unissex para todas as escolas do Brasil”.
Ferreira faz a leitura de uma cláusula em texto apontado por ele como oficial. Ao final do vídeo, inclui trechos de entrevistas e falas do presidente Lula da Silva sobre banheiros unissex e embates entre pessoas LGBTs e outras contrárias ao uso dos banheiros conforme identificação de gênero.
Imagem: reprodução Instagram
No mesmo dia, o deputado federal Filipe Barros (PL-PR) também publicou um vídeo na mesma rede digital, onde afirma em tom alarmante: “Lula acaba de instituir o banheiro unissex no Brasil, é isso mesmo que você ouviu!”. Barros segue dizendo que o Ministro dos Direitos Humanos de Lula “editou e publicou a resolução” que institui a medida, “inclusive para menores de idade”.
Da mesma forma que Ferreira, o deputado paranaense utiliza cortes de vídeos com declarações do atual presidente sobre o tema, durante a campanha eleitoral de 2022. Um dos trechos que viralizou nas mídias sociais mostra Lula da Silva, falando em tom de indignação sobre as falsas informações acerca da criação de banheiros unissex em seu governo, ainda no período eleitoral. A fala transcorreu durante encontro de Lula com evangélicos em São Paulo, conforme mostrou o portal UOL, no YouTube.
No entanto, um recorte do trecho do vídeo, com apenas uma frase, que diz “só pode ter saído da cabeça de satanás a história de banheiro unissex”, tem sido usada por líderes religiosos para construir a falsa noção de que Lula tenha atribuído à figura do mal, a ideia de criar banheiros unissex e agora estaria, ele próprio, tomando esta iniciativa.
Imagem: reprodução Instagram
Barros também incita preocupação ao citar um trecho do texto que diz condenar. Segundo ele, o documento obrigaria pais contrários à decisão de um filho, de utilizar o banheiro de acordo com o gênero que se identifica, a se justificarem à escola. O deputado encerra o vídeo afirmando ter protocolado um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) para revogar a resolução.
Imagem: reprodução Instagram
Já o senador Sérgio Moro (União Brasil – PR), utilizou a mídia digital X para acusar o presidente de impor “banheiros unissex para todas as escolas públicas do país”. Conforme publicação em seu perfil na rede digital, com mais de 330 mil visualizações, Moro afirma que Lula teria tomado uma espécie de decisão arbitrária.
Imagem: reprodução X
O jornal Gazeta do Povo publicou, ainda em 22 de setembro, matéria com o título ‘Governo orienta escolas a permitir uso de banheiro de acordo com identidade de gênero’ bastante compartilhada. O jornal afirma que o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania publicou documento com orientação a todas as escolas do país para permitirem o uso do banheiro de acordo com a identidade de gênero e complementa, “abrindo brecha para que uma pessoa que se considere mulher, mesmo tendo nascido homem, use o banheiro feminino”.
Imagem: reprodução Gazeta do Povo
Documentos utilizados pelos parlamentares como base do discurso
Os documentos que os parlamentares utilizam para desinformar são, na verdade, resoluções do Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ (CNLGBTQIA+), publicadas em 22 de setembro. O órgão, que havia sido extinto no.governo.anterior e foi restabelecido este.ano, sob o novo governo, é composto por 19 representantes do governo federal e 19 representantes da sociedade civil. O conselho existe com o intuito de fortalecer o diálogo com a sociedade e assegurar a participação social na formulação de políticas voltadas às pessoas LGBTQIA+.
Durante o governo de Jair Bolsonaro, foram adotadas medidas que enfraqueceram a participação social nos temas associados à causa LGBTQIA+. Uma delas foi um decreto, de 2019, que extinguiu conselhos de políticas públicas voltadas para a população LGBTQIA+. Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal (STF) limitou os efeitos do decreto. Em 2021, o governo Bolsonaro fez nova investida contra órgãos semelhantes, extinguindo o Departamento de Promoção dos Direitos de LGBT, como demonstra o panorama de políticas públicas para a população LGBTQIA+ produzido pelo Nexo Jornal. O restabelecimento do CNLGBTQIA+, em 2023, se deu na esteira da retomada de políticas específicas para a população.
Como informou a Secretaria de Comunicação Social do Governo Federal, as resoluções nº 1 e nº 2, utilizadas para promover a desinformação, foram elaboradas sem a participação do ministro dos Direitos Humanos e do Presidente da República. As resoluções, que não têm caráter vinculante, ou seja, não são de cumprimento obrigatório, têm o caráter de recomendação, e foram assinadas pela presidente do Conselho Janaína Barbosa de Oliveira.
Além de os documentos não terem sido editados por Lula ou pelo ministro Silvio Almeida, não consta menção a “banheiro unissex”, como diversas publicações nas redes querem fazer crer. As resoluções abordam, essencialmente, a questão do uso de banheiros, vestiários e outros espaços segregados por gênero em escolas de acordo com a identidade de gênero dos estudantes.
Entre as orientações previstas na Resolução nº 2 estão, ainda, a implementação de ações que busquem minimizar os riscos de possíveis violências e discriminações. Para tanto, a resolução sugere que, para além dos banheiros masculinos e femininos já existentes nos espaços públicos, sejam instalados também “banheiros de uso individual, independente de gênero”. O termo “unissex” não é utilizado, apesar de ser prática comum a muitos espaços como ônibus para percursos longos, aviões, alguns estabelecimentos de serviços e universidades, como demonstrou, em 2018, matéria da Folha de São Paulo.
Apesar dos discursos que buscam mobilizar pânico moral na sociedade, tem crescido, nos últimos anos, o entendimento acerca da utilização de banheiros de acordo com a identidade de gênero. Em 2015, o então Procurador-Geral da República (PGR) Rodrigo Janot defendeu o uso de banheiros em respeito à identidade de gênero, sob a alegação que “impedir que alguém que se sente mulher e se identifica como tal de usar o banheiro feminino é, sem dúvida, uma violência.” No mesmo ano, o ministro do STF Luís Roberto Barroso deu voto favorável ao uso de banheiros de acordo com a identidade de gênero.
Novos incidentes têm gerado decisões judiciais favoráveis à utilização de banheiros de acordo com a percepção individual de gênero. Um deles é o caso do recente entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), que declarou inconstitucional uma lei que proibia a instalação de banheiros unissex no município de São Bernardo do Campo.
Informações divulgadas pela imprensa esclarecem sobre as resoluções
Após as publicações enganosas que acusam o governo federal de ter implementado banheiros unissex nas escolas terem viralizado nas redes digitais, diversas agências especializadas realizaram checagem sobre o caso. Aos Fatos, Lupa e Reuters caracterizaram o conteúdo como “falso”. Além disso, o Projeto Comprova produziu conteúdo informativo sobre o tema, explicando o caráter das resoluções e aspectos relacionados.
Como destacou o Estadão, a viralização de publicações desinformativas relacionadas a banheiros unissex “ocorreu na mesma semana em que foram reveladas uma das informações mais fortes sobre a delação de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência da República”. Porém, outros indícios apontam para o uso do tema como estratégia política.
Desde 2020, Bereia vem publicando uma série de checagens e artigos que indicam a mobilização de pânico moral na política brasileira. Em janeiro daquele ano, durante sua própria gestão à frente do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, a então ministra Damares Alves afirmou que havia risco de a pedofilia ser legalizada no Brasil. A alegação era falsa.
Em novembro de 2020, outra checagem apontou como enganosa informação segundo a qual uma ação, supostamente proposta pelo PSOL, obrigaria o ensino de “ideologia de gênero” nas escolas. A chamada “ideologia de gênero” é um dos temas que mais mobilizou desinformação em espaços religiosos nas eleições de 2022.
O discurso envolvendo “banheiro unissex” também não é uma novidade. A ferramenta Google Trends, que reúne dados relativos ao uso da internet, aponta um pico de pesquisas sobre o termo durante a campanha eleitoral de 2022. Bereia já mostrou a mobilização do tema associado a contextos escolares.
O próprio deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), em março deste ano, durante discurso na Câmara dos Deputados, fez alusão a banheiros unissex e promoveu outras mentiras. À época, o discurso foi considerado enganoso por Bereia e o parlamentar foi acusado de transfobia.
Reação do ministro dos Direitos Humanos e consequências aos parlamentares
O ministro dos Direitos Humanos Silvio Almeida enviou um ofício à Advocacia Geral da União (AGU), na sexta-feira, 22 de setembro, solicitando a responsabilização dos propagadores das falsidades. O texto requer a “tomada das providências cabíveis em âmbito administrativo, cível e criminal, inclusive com o pedido de retirada das postagens das redes sociais”.
No documento, o ministro aponta que os deputados propagaram fake news com o claro motivo de causar “pânico moral”. Em seu perfil no X, Silvio Almeida voltou a citar o discurso de ódio contra minorias.
Imagem: reprodução X
Em nota, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) esclareceu as competências da Resolução publicada e do Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ (CNLGBTQIA+). Segundo o portal de notícias Poder360, a AGU informou, por meio de comunicado, o recebimento do ofício que tratava o caso como fake news e crimes contra o ministro e o presidente, e determinou à Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia (PNDD) que seja feita análise do caso.
A chefe da Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ do MDHC secretária Symmy Larrat também se manifestou contra as fake news e esclareceu a função da resolução em vídeo que foi divulgado pelo perfil do MDHC no X.
Imagem: reprodução X
Durante audiência pública realizada, na última terça-feira, 26, pela Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados, com ministro Silvio Almeida, o deputado Filipe Barros (PL-PR) trouxe o assunto à tona. Barros se referiu ao ofício enviado à AGU sobre a sua conduta, e ao questionar o líder da pasta sobre as convicções do ministro acerca de identidade de gênero.
Apesar do assunto não ser pauta da audiência, Silvio Almeida afirmou que se tratava de uma oportunidade para esclarecer a confusão em torno do assunto. Durante a fala, Almeida explicou a incoerência contida na ação do parlamentar ao protocolar um PDL para um documento que não tem caráter vinculante, e sim consultivo. O ministro ainda reforçou as justificativas que o levaram a tomar a medida junto a AGU.
Em sua tréplica, o deputado adotou tom agressivo e fez o uso de ofensas ao acusar o ministro de ser abusador, covarde e insinuar que fosse analfabeto. Ao tentar responder, Silvio Almeida foi interrompido diversas vezes, até que o deputado André Janones (Avante-MG) reivindicasse o silêncio de Filipe Barros. Em decorrência dos extremismos, sucederam-se xingamentos, empurrões, uma expulsão e a sessão teve que ser suspensa por alguns minutos.
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Bereia classifica os conteúdos checados como enganosos. As declarações em vídeo e texto publicadas por parlamentares nas redes digitais não têm substância factual, como uma lei instituída, decretos ou outros documentos de força legislativa, assinados pelo presidente Lula da Silva ou pelo ministro dos Direitos Humanos e Cidadania Silvio Almeida, que obriguem o estabelecimento de banheiros unissex.
Portanto, tais afirmações se constituem como conteúdo enganoso. As informações reunidas e apresentadas pelas autoridades, pelas checagens, tanto do Bereia como de outras agências, contradizem com clareza o que foi apresentado pelos políticos de extrema-direita, ficando classificado, então, como desinformação.
Conforme apresentado pela imprensa, o assunto ficou entre os mais comentados no X, por perfis de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, após o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) se tornar réu por transfobia e o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro afirmar, em delação, que o ex-presidente se reuniu com as Forças Armadas para orquestrar uma intervenção militar e anular as eleições de 2022.
Outro aspecto que corrobora a prática de deturpação de informações no âmbito deste tema é o uso do fragmento do vídeo de um discurso de Lula, durante campanha eleitoral. Na ocasião, o então candidato se posicionava com indignação contra falsas informações que associavam seu possível mandato à instituição obrigatória de banheiros unissex para a população LGBT. A manipulação intencional da frase do atual presidente constrói a imagem de um traidor que prometeu algo em campanha, mas depois de eleito mudou de ideia.
Ambas as estratégias, de sobrepor um assunto e destruir a imagem de um político de oposição, estão pautadas pelo objetivo de causar pânico moral e ganhar visibilidade com sensacionalismo. Bereia reafirma que oposição é importante em uma democracia, que precisa de uma oposição para o papel crítico e de pressão a governos eleitos. Porém, tal postura é relevante quando praticada com dignidade e não com mentiras e enganos.
Os deputados federais católicos Marcos Pollon (PL/MS) e Bia Kicis (PL/DF) usaram seus espaços em mídias sociais, mais uma vez, para disseminar desinformação. Bia Kicis “repostou” o vídeo editado por Marcos Pollon e publicado no canal do deputado no Telegram, com um pequeno trecho do discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na 78ª Assembleia Geral da ONU, em 19 de setembro passado.
Imagem: Reprodução do Instagram
No trecho do vídeo, o presidente brasileiro afirma que houve uma diminuição de 48% no desmatamento da Amazônia nos últimos oito meses, comparado com o mesmo período do ano passado. A publicação questiona os dados usados pelo líder brasileiro, com o uso de matérias do site de notícias G1 e UOL, além de imagens gravadas, supostamente, na BR-319, rodovia federal que liga Manaus, capital do Amazonas, à Porto Velho, capital de Rondônia, e atravessa a floresta amazônica.
Bereia verificou que as matérias utilizadas no vídeo foram publicadas nos veículos referidos, no entanto, não retratam o período de oito meses citado pelo presidente brasileiro no discurso. Além disso, tanto as matérias quanto as imagens são relacionadas a queimadas na Amazônia, porém, os trechos selecionados não explicam que há uma diferença entre o sistema de medição das queimadas e do desmatamento.
A matéria do G1 fala sobre as queimadas nos primeiros 10 dias de setembro, mas exalta os bons números relacionados ao desmatamento em agosto: “dado divulgado pelo Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), demonstra que houve uma redução de 77,02%% no número de alertas de desmatamento no estado, (…) em relação ao mesmo período de 2022”, cita a matéria. Já a reportagem do Uol, refere-se apenas às queimadas do mês de junho de 2023, que foram as piores em 16 anos.
Imagem: matéria do G1, citada no trecho de vídeo checado
Imagem: matéria do UOL citada no trecho checado
De acordo com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), as queimadas têm diferentes causas na Amazônia:fogo de manejo agropecuário – empregado por produtores rurais para limpar o terreno de pragas e renovar o solo, principalmente em áreas de pastagem; fogo de desmatamento recente – esse intrinsecamente ligado à derrubada da floresta, pois é a forma mais barata de eliminar a vegetação recém retirada, além das cinzas ajudar a nutrir o solo para o plantio de pasto; e os Incêndios florestais – onde o fogo pega a floresta viva, espalhando-se rapidamente pelas folhas secas depositadas no solo.
Já o desmatamento é a remoção de florestas do solo, ou conversão de floresta, ou seja, mudança do ambiente florestal para outro uso da terra, como pastagens e agricultura. Portanto, nem todo foco de incêndio na Amazônia está ligado ao desmatamento. Ressalta-se que há áreas onde agricultores têm autorização para utilizar as queimadas como técnica de plantio.
Imagem: página do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPMAM)
Bereia apurou e constatou a veracidade da informação citada pelo presidente brasileiro no discurso na ONU, em duas fontes distintas. A primeira é oficial do próprio governo. Em 5 de setembro de 2023, o Ministério do Meio Ambiente, com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), atestou a redução de 48% do desmatamento da Amazônia, entre janeiro e agosto deste ano, em comparação com o mesmo período de 2022.
Já a segunda fonte é do terceiro setor. O Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), uma instituição científica brasileira e amazônida, sem fins lucrativos, que realiza pesquisas e projetos para promover o desenvolvimento socioambiental e a justiça climática da região. De acordo com a organização, o primeiro semestre de 2023 fechou com uma redução de 60% no desmatamento da Amazônia, a menor área desmatada em seis anos, desde 2018. Os dados são do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) do próprio instituto, que monitora a Amazônia Legal por imagens de satélite.
Imagem: Reprodução do site Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima
Imagem: reprodução do site do Imazon
Na checagem do Bereia, em apenas dois dias de publicação, o vídeo enganoso do deputado Marcos Pollon, republicado por Bia Kicis, com o conteúdo manipulado sobre a Amazônia, havia sido assistido por quase 500 mil pessoas e teve quase dez mil comentários, com grande aumento de potencial de disseminação de desinformação.
Além das fontes originais, não é preciso fazer pesquisas profundas na rede digital para constatar que o número divulgado no discurso na ONU é verdadeiro. Boa parte das agências de checagens publicaram matérias que constataram a veracidade da informação divulgada pelo presidente da República, como a Agência Lupa e o Fato ou Fake, do G1.
Bereia insta leitores e leitoras a não se integrarem ao grupo de milhares de pessoas, mais uma vez, enganadas, com desinformação de deputados de oposição ao governo federal. Bereia também alerta para o uso de material noticioso manipulado com a intenção de desinformar e confundir para promover campanha política contrária a governos ou a qualquer instituição do Estado. O papel da oposição é importante em uma democracia, com pressões e críticas, mas estas devem ser fundamentadas em informações precisas e dignas.
O ex-Procurador da República e ex-deputado federal Deltan Dallagnol compartilhou em seu perfil na plataforma X (antigo Twitter), matéria do jornal Gazeta do Povo intitulada “Lula corta verba para combate à criminalidade no Orçamento de 2024”. A publicação do ex-deputado foi compartilhada em diversos grupos de mensagens e mídias sociais religiosas.
Fonte: perfil de Deltan Dallagnol na plataforma X (antigo twitter)
Ex-procurador federal, que ganhou fama por ser um dos líderes da Operação Lava Jato, propagada como combatente da corrupção no país, Dallagnol deixou o cargo em 2022 para se candidatar a deputado federal nas eleições, pelo Podemos. Ele foi vitorioso com mais de 340 mil votos e chegou a tomar posse em 1 de fevereiro passado. Porém, alguns meses depois, em maio, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cassou, por unanimidade, o mandato de Dallagnol, enquadrando-o na Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar n. 135/2010). São frequentes as publicações do ex-procurador e ex-deputado que se referem ao caso como “perseguição”. Bereia já checou uma delas. Deltan Dallagnol, além de compartilhar diversas publicações da Gazeta do Povo, também é colunista do jornal digital.
A matéria compartilhada por Dallagnol refere-se ao Projeto de Lei Orçamentária Anual enviado pelo Executivo Federal ao Congresso Nacional em 31 de outubro. De acordo com a Gazeta do Povo, o governo do presidente Lula (PT) teria cortado em 31,5% os recursos voltados a ações de prevenção e enfrentamento à criminalidade, na proposta de orçamento para 2024. O jornal compara os números com os do governo Bolsonaro, que teria destinado mais de R$ 2 bilhões para 2023, e a previsão para 2024 seria de R$ 1,536 bilhão, o que representaria uma redução de R$ 708 milhões
Bereia checou as informações publicadas pela Gazeta do Povo e compartilhadas pelo ex-deputado Dallagnol.
Orçamento Público: o tema da matéria compartilhada
Orçamento público é o instrumento pelo qual o governo estima as receitas que serão arrecadadas ao longo do ano seguinte e, com base nelas, autoriza um montante de recursos a ser gasto na oferta de bens e serviços à sociedade. Ao apresentar receitas e despesas de forma organizada, o orçamento público torna-se um importante instrumento de controle social das ações governamentais
A cada ano, o Poder Executivo elabora o Projeto de Lei Orçamentária Anual – PLOA para o ano seguinte, levando em consideração as orientações dadas por outros dois instrumentos: o Plano Plurianual (PPA) e a Lei de Diretrizes Orçamentárias ( LDO). O PLOA é enviado pelo Presidente da República ao Congresso Nacional até 31 de agosto de cada ano.
O que é o PPA?
Plano que define diretrizes, objetivos e metas para um período de quatro anos a partir do segundo ano de governo de cada Presidente da República. Neste ano, o governo federal elaborou o PPA que vai vigorar de 2024 a 2027.
O que é a LDO?
Lei que define metas e prioridades para a administração pública federal, estabelece diretrizes de política fiscal e respectivas metas e orienta a elaboração da LOA. A LDO também trata das alterações na legislação tributária e estabelece a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento.
O Congresso Nacional examina o PLOA no âmbito da Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização, em seguida, o PLOA vai ao plenário para apreciação de todos os parlamentares, que podem propor emendas ao projeto.
Após discussão no plenário, o Congresso Nacional aprova o PLOA e o devolve ao Poder Executivo para ser sancionado pelo Presidente da República e publicado no Diário Oficial da União, transformando-se na Lei Orçamentária Anual ( LOA).
Aprovado o PLOA, as despesas previstas no Orçamento Público começam a ser realizadas no Sistema de Planejamento e Orçamento Federal e ao longo da execução do orçamento, tanto receitas como despesas costumam ser revistas em relatórios bimestrais, um outro documento do processo orçamentário anual.
Caso as receitas sejam menores que o planeado, por exemplo, as despesas devem ser ajustadas por meio do chamado contingenciamento. Além disso, caso seja necessário autorizar a realização de despesas não fixadas na LOA ou que foram fixadas em valor insuficiente, a LOA pode ser alterada por meio da aprovação de créditos adicionais.
O controle sobre a execução da LOA é feito pela Controladoria-Geral da União (CGU) e pelo Congresso Nacional com auxílio do Tribunal de Contas da União (TCU). De acordo com a Constituição Federal, o Presidente da República precisa prestar ao Congresso Nacional.
Projeto de Lei Orçamentária 2024 e investimentos em segurança pública
O Projeto de Lei Orçamentária, enviado em 2022, pelo presidente Jair Bolsonaro previa R$ 18.856.050.310 para o Ministério da Justiça. Após apreciação dos parlamentares, este valor saltou para R$ 19.494.527.281
Já o projeto enviado ao Congresso, em 2023, – Volume IV – Tomo I – a partir da pág 159 – estima em R$ 20.417.124.563 o valor destinado ao Ministério da Justiça. De acordo com estes dados,uma comparação de valores totais destinados, torna evidente que o orçamento previsto no projeto de lei enviado pelo presidente Lula é maior do que o do ano anterior, sob o outro governo.
Fonte: PLOA 2024 – Volume IV – Tomo I
De acordo com a Gazeta do Povo, o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) teria destinado mais de R$ 2 bilhões para segurança pública em 2023, e a previsão para 2024 seria de R$ 1.536 bilhão – uma redução de R$ 708 milhões. A Gazeta não se refere ao valor total destinado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, mas a programas e ações específicas do governo anterior. Entretanto, com o novo governo, programas foram remanejados, desmembrados ou reestruturados para se adequar aos objetivos do atual governo.
Por exemplo, em 2022, foram destinados pelo Projeto de Lei Orçamentária, R$ 3.254.745.983 ao Programa “Segurança Pública, Combate ao Crime Organizado e ao Crime Violento”. Após apreciação na Câmara dos Deputados, este valor saltou para R$ 4.508.709.860. Já no Projeto de Lei Orçamentária deste ano, o orçamento previsto é de R$ 3.858.877.189, ou seja, valor superior ao enviado pelo projeto anterior. Com o novo governo, o programa tem o novo nome de Segurança Pública com Cidadania e o orçamento também está sob discussão na Câmara.
Fonte: PLOA 2024 – Volume IV – Tomo I
Em outra matéria, a Gazeta do Povo publicou o posicionamento de alguns deputados federais, todos do Partido Liberal, de oposição, que criticam os supostos cortes no orçamento referentes à segurança pública e fazem ataques ao governo federal. Não foram consultados deputados da base governista, especialistas em segurança pública ou integrantes do governo federal.
Bereia levantou que nenhum grande jornal ou portal de notícias credenciado abordou a proposta orçamentária pela ótica dos supostos cortes na segurança pública. Temas como Bolsa Família, Programa de Aceleração de Investimentos, transparência nos gastos, previsão de receitas, emendas parlamentares, salário mínimo e reajustes de servidores foram amplamente noticiados e debatidos, como nos exemplos reproduzidos a seguir.
Fonte: Portal G1, em 31 ago 2023
Fonte: SBT, em 1 set 2023
Fonte: Valor Econômico, em 6 set 2023
Fonte: Jornal Estado de São Paulo, em 1 set 2023
De outro lado, Bereia levantou que os únicos veículos de comunicação a tratarem do tema dos supostos cortes na segurança pública no orçamento 2024 do governo federal foram o portal R7, a Gazeta do Povo, a Revista Oeste e pequenos sites de notícias, todos alinhados à abordagens de oposição ao atual governo.
Bereia buscou a avaliação de especialistas em orçamento público e na área de segurança pública, porém ainda não obteve resposta. Esta matéria será atualizada no momento que o retorno destas fontes ocorrer.
Sobre a Gazeta do Povo, compartilhada por Dallagnol
A Gazeta do Povo completou 104 anos de funcionamento em 2023. Em 2017, toda a operação do jornal passou para o formato digital. Por muitos anos, a Gazeta do Povo esteve entre os dez maiores jornais em circulação no Brasil.
O jornal, sediado em Curitiba (PR), tem como foco produzir matérias sobre o meio político, economia e negócios, além da cobertura de outros assuntos. Figuram como colunistas, além de Dallagnol, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), o senador Sérgio Moro (União Brasil – PR) e o jornalista Alexandre Garcia, dentre outros personagens do espectro político à direita.
Em 2020, uma informação técnica, elaborada por consultores legislativos, disponível no relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito das Fake News, que atuou de 2019 a 2020 e foi encerrada (DOC 074, p. 524), incluiu a Gazeta do Povo como um site de “comportamento desinformativo”. Este relatório foi elaborado para subsidiar os trabalhos da CPMI, que investigou os ataques cibernéticos e o uso de perfis falsos para influenciar os resultados das eleições de 2018.
Alguns sites que foram incluídos na lista de propagadores de desinformação criticaram a metodologia utilizada e contestaram as informações, o que também está disponível no relatório final da CPMI, acessado pelo Bereia. O jornal Gazeta do Povo recorreu da classificação que lhe foi atribuída (o que também consta no relatório) e os consultores realizaram a revisão desses conteúdos. e concluíram que a inclusão do jornal Gazeta do Povo na categoria “canais com comportamento desinformativo” foi equivocada.
No entanto, o jornal continua sendo fonte de muito conteúdo desinformativo, conforme os dados de agências e projetos de checagem, entre eles o próprio Bereia. Das 418 verificações que publicou desde 2019, quando foi criado, Bereia checou 33 conteúdos veiculados pela Gazeta do Povo, o equivalente a mais de 7% de suas checagens.
Em entrevista sobre a pesquisa à Agência Pública, a professora da UFRJ Rose Marie Santini afirmou: “Eles são a fonte paralela da extrema direita. Não basta negar o que está sendo dito, você tem que colocar alguma coisa no lugar. Esses veículos têm esse papel fundamental de ir alinhando a narrativa e criando uma narrativa comum em todo esse campo da extrema direita ou de oposição do atual governo”, finaliza. O estudo aponta que veículos como esses são muito presentes no Facebook”.
De acordo com pesquisas de Camila Quesada Tavares, em um contexto marcado pela polarização e radicalização do discurso, que se instalou no Brasil após o resultado das eleições de 2014, a Gazeta do Povo, viu a oportunidade de se colocar como o veículo dos conservadores brasileiros. Migrou sua operação para o digital baseado no modelo de negócios focado nas assinaturas digitais e não na publicidade, tendo como foco a abrangência nacional.
Para chamar a atenção deste novo nicho de audiência, a Gazeta do Povo, segundo a pesquisadora, fez um realinhamento editorial na direção do conservadorismo neoliberal, que rejeita políticas públicas de mobilidade social fortemente antipetista. EStas pesquisas mostram que o jornal tem, desta forma, exposto sua visão quanto ao papel do Estado na sociedade (liberal na economia e conversador nos costumes), quanto à forma da constituição familiar (centrado na relação entre homem e mulher) e a temas éticos e morais como o aborto (são “a favor da vida”).
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De acordo com a verificação do Bereia, a matéria publicada pela Gazeta do Povo e compartilhada por Deltan Dallagnol desinforma porque é imprecisa. O valor da proposta de orçamento enviada pelo Governo ao Congresso, destinado ao Ministério da Justiça, é maior que 2023, o que é omitido pela matéria da Gazeta do Povo na comparação que faz entre o atual governo e o anterior para criticar suposta redução em segurança pública.
O texto não explica que cada ministério do governo federal tem diversos programas e ações, a fim de concretizar políticas públicas. É fato que o orçamento para este programa específico aparenta redução se comparado com o governo anterior que tinha o ministério organizado em outro formato. O Ministério da Justiça dispõe de diversos instrumentos e programas de combate à criminalidade, e apenas um dos programas foi citado pela Gazeta do Povo. Bereia verificou que o valor total do Ministério é superior e busca atender aos demais programas da pasta. Desta maneira, o orçamento é remanejado e readequado para o melhor aproveitamento dentro do total dos recursos disponíveis.
O texto também omite que toda proposta orçamentária é submetida ao Congresso Nacional, de forma que discussões e alterações já são previstas no ato da apresentação, diante da apresentação de emendas e votação da proposta final.
Bereia alerta leitores e leitoras para o uso de imprecisões com a intenção de desinformar e confundir para promover campanha política em torno de temas que provocam insegurança e medo na população. O papel da oposição é importante em uma democracia, com pressões e críticas, mas estas devem ser fundamentadas em informações precisas e dignas.
O deputado federal, identificado como cristão, Carlos Jordy (PL-RJ) compartilhou, em sua conta pessoal no X (antigo Twitter), no Instagram e no Telegram, um compilado de vídeos críticos ao atual governo federal. Ao todo, são oito recortes de vídeos de diferentes jornais brasileiros, que apresentam notícias sobre a atual gestão do Poder Executivo federal. Ao compartilhar o conteúdo, o parlamentar afirma que “até quem não votou em [Jair] Bolsonaro está com saudade dele”.
A publicação alcançou quase cem mil visualizações e obteve mais de dois mil compartilhamentos até o fechamento desta matéria. Bereia checou as afirmações de cada um dos vídeos expostos.
Imagem: reprodução X
Vídeo 1 – Rombo nas contas do governo
O primeiro corte de vídeo apresentado refere-se à notícia, veiculada pela CNN Brasil, de que o governo federal registrou déficit de R$ 45 bilhões nas contas públicas em junho, sendo o pior resultado desde 2021, quando o déficit foi de R$ 84 bilhões. A informação também foi divulgada pelo Ministério da Fazenda, por meio dos canais oficiais do governo. Trata-se de dado apresentado pelo relatório Resultado do Tesouro Nacional (RTN), publicado mensalmente.
A informação publicada pelo deputado Carlos Jordy omite esta explicação importante. O secretário do Tesouro Nacional Rogério Ceron destacou que os resultados do primeiro semestre de 2023 foram impactados por desonerações (redução do recolhimento de tributos) implementadas em 2022, durante o governo anterior, como estratégia de campanha pela reeleição. “Por mais que o Ministério da Fazenda tenha adotado medidas para recompor as receitas que foram desoneradas, é preciso respeitar ciclos de noventenas”, disse Ceron, em referência ao que a Constituição Federal determina (art. 150, inciso III): que sejam cobrados novos impostos somente depois de decorridos 90 dias da publicação da lei que o instituiu ou aumentou.
O Tesouro Nacional informa que, pela ótica das receitas, houve impacto na arrecadação graças à concessão da Eletrobras, ao pagamento de dividendos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e à queda na arrecadação de receitas administradas. Pela ótica das despesas, os motivos principais seriam o pagamento de benefícios previdenciários e o aumento do valor executado com o programa Bolsa Família.
Imagem: reprodução Tesouro Nacional
Vídeo 2 – Bloqueio do Bolsa Família
O segundo trecho de vídeo que compõe a publicação feita pelo deputado Carlos Jordy diz respeito ao bloqueio temporário do acesso ao Bolsa Família para 1,2 milhão de beneficiários. A notícia foi veiculada pelo telejornal SBT Brasil, em abril deste ano, mas o trecho veiculado omite que o bloqueio temporário foi aplicado a pessoas que dizem morar sozinhas e que começaram a receber o benefício durante o período eleitoral de 2022.
Segundo o Ministério do Desenvolvimento, Assistência Social, Família e Combate à Fome informou em março deste ano, os bloqueios destinavam-se a combater possíveis fraudes e inconsistências na composição familiar declarada ao Bolsa Família. A medida foi implementada na esteira da percepção, por parte do gabinete de transição do candidato eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de que houve abuso de poder econômico durante a gestão Bolsonaro.
A ex-ministra do Desenvolvimento, Assistência Social, Família e Combate à Fome Tereza Campello, que integrou o grupo técnico da transição na área de desenvolvimento social e combate à fome, apontou que houve crescimento anormal na quantidade de beneficiários unipessoais. Segundo Campello, de janeiro de 2019 a outubro de 2022, houve aumento de 200% nos cadastros unipessoais, com picos concentrados de crescimento.
Vídeo 3 – Taxação de compras internacionais online
No terceiro trecho que compõe a postagem crítica do deputado cristão, a notícia, retirada do Jornal da Band, trata da taxação de compras internacionais feitas pela internet. O vídeo de Jordy omite informações que permitam entender o novo modelo de tributação, que isenta remessas de até US$ 50 entre pessoas físicas ou entre pessoas físicas e empresas que se cadastrarem na Receita Federal.
Um dos objetivos do novo modelo de tributação é mitigar a sonegação de impostos por parte de empresas que tentam burlar a taxação. Recentemente, o secretário especial da Receita Federal Robinson Barreirinhas disse que a Receita identificou um cidadão que já realizou mais de 16 milhões de envios para o Brasil.
O quarto trecho veiculado na montagem de vídeos reproduz matéria do telejornal CNN 360º sobre o preço de combustíveis. A notícia dá conta de que o preço da gasolina atingiu o valor mais alto em um ano, após o preço médio do litro chegar a R$ 5,88.
O trecho omite a informação, apresentada logo em seguida no mesmo jornal CNN 360º, de que, em julho de 2022, o preço do litro do combustível estava em R$ 6,06, ou seja, valor ainda mais alto do que o preço alcançado em 2023.
Em 2023, o tema do preço dos combustíveis tem sido usado para desinformar, como demonstraram checagens do Bereia, da AFP Checamos e do Estadão Verifica. Nas checagens, assim como no trecho utilizado pelo deputado federal Carlos Jordy (PL-RJ), são feitas comparações entre os governos de Lula da Silva e Jair Bolsonaro.
Vídeo 5 – Redução do Fundo de Participação dos Municípios
Na sequência, o conteúdo compartilhado pelo deputado apresenta o trecho de uma reportagem veiculada pelo jornal televisivo piauiense Jornal de Picos, que cita um protesto de prefeituras da região Nordeste, devido à redução do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).
A reportagem em questão foi veiculada em 30 de agosto e informou que cerca de 150 prefeitos da região de Picos (PI) paralisaram suas atividades e participaram do ato, na Assembleia Legislativa do Piauí (Alepi), contra a redução do FPM, que chegou a 50% em agosto. Em entrevista ao jornal, o presidente da Associação Piauiense de Municípios (APPI) e prefeito de Caridade (PI) Toninho de Caridade afirmou que 16 unidades federativas aderiram à paralisação.
O deputado federal Carlos Jordy reproduz o tema esteira de outras publicações. Como demonstra checagem do Projeto Comprova, a mobilização de prefeitos em defesa do Fundo de Participação dos Municípios tem sido alvo de desinformação nas redes digitais.
A Confederação Nacional de Municípios (CNM) divulgou, em seu portal oficial, que em relação à 2022, o repasse de agosto teve redução de quase 8%. O cálculo do valor do FPM é feito sobre a arrecadação do Imposto de Renda (IR) e do Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI). Em 13 de setembro, um substitutivo ao Projeto de Lei Complementar (PLP) 136/2023incluiu texto que define um apoio financeiro para recomposição de quedas no FPM. O projeto ainda deve passar pelo Senado.
Vídeo 6 – Lula se torna o presidente que mais liberou emendas parlamentares em um mês
O sexto trecho na sequência de vídeos publicada por Jordy (PL-RJ) corresponde a chamada do programa Os Pingos nos Is, de 21 de agosto, do canal de notícias Jovem Pan News no YouTube, sobre o valor de emendas parlamentares liberadas em julho. O quadro noticia economia e política a partir da discussão e análise dos apresentadores.
De acordo com o noticiário, foram liberados quase R$ 12 bilhões aos estados e municípios no mês. A matéria omite informações como um levantamento do portal de notícias Metrópoles, que considerou o valor liberado pelo atual governo mês a mês até a data e apresentou as circunstâncias políticas no Congresso que possivelmente pautam as decisões de Lula da Silva.
O texto pontua que, nos quatro primeiros meses, não houve liberação e classifica o governo lento quanto a isso. Destaca ainda que, apesar dos R$ 11,8 bilhões liberados em julho, o acumulado até aquele momento era ligeiramente menor que o valor liberado no mesmo período de 2022.
Jordy, ao utilizar vídeo da Jovem Pan, despreza o fato de que este é um notório veículo de propagação de desinformação. A emissora, que tem concessões públicas de rádio e de TV, enfrenta, uma ação civil pública, ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF), em razão de campanhas de desinformação. O MPF pede o cancelamento de outorgas de concessão e permissão para radiodifusão da empresa por entender que a Jovem Pan propaga “desinformação em larga escala” com “potencial de incitação à violência e à ruptura democrática”.
Vídeo 7 – Mais de 400 mil empresas fechadas no primeiro semestre de 2023
Com mais uma chamada de reportagem televisiva, o deputado federal compõe a montagem de vídeos publicados com a informação de que mais de 400 mil empresas foram fechadas de janeiro a junho deste ano. O vídeo correspondente é a reportagem do Jornal da Tarde de 4 de setembro, da TV Cultura.
A notícia apresenta que o número exato de empresas fechadas no período foi de 427.935 empresas, de acordo com pesquisa da Contabilizei, baseada em dados da Receita Federal. O levantamento também aponta que, desde o quarto trimestre de 2021, o saldo entre abertura e fechamento de empresas é negativo, gerando um acumulado de 750 mil. Os números não incluem Microempreendedores Individuais (MEIs).
A montagem de Carlos Jordy omite que a reportagem traz ainda informações do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) de que as micro e pequenas empresas criaram quase 710 mil vagas de trabalho, o equivalente a 70% das vagas com carteira assinada geradas no mesmo período e os valores são equivalentes aos primeiros semestres de 2021 e 2022.
Segundo publicado pelo portal G1 no mesmo dia, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic) contestou os valores apresentados pela Contabilizei e apontou saldo positivo de 212.654 empresas, desconsiderados os MEIs. A pasta se baseou em números do Mapa de Empresas, que considera dados de juntas comerciais e cartórios, além da Receita Federal.
Vídeo 8 – Poder 360
O oitavo e último vídeo da publicação de Jordy (PL-RJ) apresenta uma fala de Lula da Silva sobre o Desenrola, programa de renegociação de créditos inadimplidos criado pelo governo federal. O programa tem três etapas com atendimento a públicos diferentes, em que a terceira etapa, iniciada em setembro, atende pessoas endividadas no varejo em até R$ 5 mil.
A esta última situação, em entrevista ao canal do portal Poder 360 no YouTube, Lula se refere ao “grosso” como uma injeção de valores importantes para o giro da economia. O trecho publicado pelo deputado atribui conotação distinta à fala do atual Presidente da República, ao insinuar que o atual mandatário estaria ironizando a situação da população enquanto alvo das políticas de seu governo.
*** Após checagem das informações apresentadas na publicação feita pelo deputado federal Carlos Jordy (PL-RJ), Bereia considera o conteúdo como enganoso. A postagem oferece conteúdos de substância verdadeira, mas não contextualiza as informações apresentadas e ainda omite explicações fundamentais para compreensão dos fatos. Tal prática, frequentemente tem a intenção de levar o público a julgamentos errôneos sobre os diversos temas ali presentes e, neste caso, sobre a condução do atual governo federal como um todo.
Ademais, a inclusão de um trecho de fala do atual Presidente da República Lula da Silva de modo sensacionalista contribui para uma percepção equivocada das informações anteriormente apresentadas. A postagem representa desinformação e carece de substância e contextualização. Bereia incentiva que o público exerça sempre uma leitura crítica dos discursos presentes nas redes digitais que se apresentam de forma recortada, longe do todo em que foram apresentados, procurando informações de qualidade, completas e contextualizadas.
No contexto da tensão social produzida pelo conjunto de acontecimentos políticos ligados à direita extremista, descritos no primeiro artigo deste estudo, surge, no Brasil, um novo ator político ligado ao neoconservadorismo religioso: o evangélico pentecostal. O aprofundamento do conservadorismo moral defendido por figuras religiosas e, particularmente, disseminadas pelo presidente da República Jair Bolsonaro (2019-2022), desde que se colocou no centro do debate, faz com que busquemos compreender a relação entre o ex-presidente e tais preceitos.
Um ponto importante, defendido pelo pesquisador Geoffrey Pleyers, é que não haveria uma batalha ideológica opondo evangélicos e católicos, como costumeiramente se imagina, mas sim, uma disputa em torno do fundamentalismo religioso. A polarização se daria entre progressistas e conservadores, independentemente da identificação religiosa. Ele esclarece como a categoria “evangélicos” agrega diferentes denominações e subdivisões, por isso seria uma análise superficial dizer “os evangélicos”, pois foram os ‘cristãos conservadores’ que ajudaram a eleger Bolsonaro.
As igrejas evangélicas históricas enfrentaram embates ideológicos/teológicos, com influência de correntes norte-americanas, quando o pentecostalismo sofreu cisões tendo sua fé “renovada”. Após a abertura democrática e elaboração da constituição de 1988, a atuação política sofreu uma guinada. Com uma miscelânea de partidos políticos à disposição, mas preferencialmente pelos de direita e centro-direita, representantes de igrejas pentecostais passaram a ocupar espaços dentro do executivo e legislativo, almejando cargos mais altos.
Em sua maioria, a membresia das três maiores igrejas do segmento pentecostal: Assembleia de Deus (AD), a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e a Igreja do Evangelho Quadrangular (IEQ) é composta por pessoas pretas e pardas . Nesse contexto de crescimento numérico e de ocupação do espaço público, é criado, nestes espaços, um imaginário de povo, “povo de Deus”, “povo brasileiro”, como se tratasse de uma religião que o representasse. Mesmo compondo uma minoria, em 1986 pentecostais somam um terço do parlamento e a partir de então passam a ser um dos protagonistas da política brasileira, almejando cargos cada vez mais altos, confrontando os limites do establishment.
Em pouco menos de meio século, esses grupos passaram se articular politicamente e a fazer parte do cenário atual. Na primeira metade do século 20 um evangelismo fundamentalista missionário é popular entre classes médias e baixas, simpatizante do capitalismo, mas que rechaça o envolvimento com a política. Por outro lado, o chamado neopentecostalismo, que se estabelece com força a partir dos anos 1980, se opõe a essa visão, se alinhando à política e à Maioria Moral estadunidense.
Um sintoma do neoconservadorismo moral e religioso na política foi a consolidação da Bancada Evangélica por meio da criação da Frente Parlamentar Evangélica, em setembro de 2003, com deputados e senadores de diferentes siglas e partidos, mas que se propunham a defender pautas relacionadas ao Cristianismo. Para ter governabilidade e aprovar medidas de cunho social, o governo do Partido dos Trabalhadores (PT) à época, com o presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, se viu obrigado a fazer alianças com o grupo, permitindo-lhe mais espaço em cargos do Poder Executivo e participação em projetos sociais.
A força política adquirida permitiu que os políticos evangélicos avançassem na demanda por pautas nevrálgicas ao neoconservadorismo. Uma das ações foi a campanha, em 2011, no início do terceiro mandato do PT no governo federal, contra um material didático-pedagógico que seria destinado às escolas públicas, cujo conteúdo visava conscientizar estudantes contra a homofobia. Parlamentares católicos e evangélicos ameaçaram embargar políticas sociais e econômicas caso o governo não cancelasse o projeto. O então deputado Jair Bolsonaro (Partido Progressista), junto com representantes da Bancada Evangélica, passaram a chamar o material enviado para as escolas públicas nessa campanha de “kit gay” para fazer acusações ao projeto de que serviria para perversão sexual dos estudantes.
Nesse sentido, embora as lideranças do PT nos três mandatos de governo (2002-2016), sob a Presidência de Lula e Dilma Rousseff, não tivessem uma afinidade religiosa com esses grupos religiosos, colaboraram com seu fortalecimento ao realizar alianças para concessão de cargos e ceder a pressões.
Como afirmou a cientista política Wendy Brown: “O ressentimento é energia vital do populismo de direita”. Ou seja, para os cristãos neoconservadores, o avanço de pautas progressistas constituem uma ameaça, por isso se sentem ameaçados com o avanço da agenda LGBTQI+ (criminalização da homofobia, casamento e adoção por casais homoafetivos), incorporação da temática igualdade de gênero em processos educacionais (caso da rejeição ao Plano Nacional de Educação, em 2014), e atuam de maneira a cercear direitos já conquistados.
O embate entre homossexuais e cristãos conservadores reforçou a retórica denominada “cristofobia”, uma forma de apropriação do termo e contra-argumento, pois o acusado de homofobia se colocada no papel de vítima de intolerância religiosa sobre o qual teria sua liberdade religiosa ameaçada. Outra reação dessa bancada religiosa foi PL 234/2011 que regulamentava a atuação de psicólogos no tratamento da homossexualidade, conhecido popularmente como ‘cura gay’.
Já a ideia de esforço individual é uma cruzada contra políticas distributivas e identitárias que beneficiariam determinados grupos sociais em detrimento de grupos que precisariam sobreviver com seu próprio esforço. O antropólogo Ronaldo Almeida relaciona a valorização da ideia de meritocracia à Teologia da Prosperidade, popular entre neopentecostais, mas que se expande entre outras ramificações evangélicas. Refere-se ao princípio de que o desenvolvimento financeiro e a prosperidade material são benesses pelos esforços nos empreendimentos individuais e participação religiosa. Bolsonaro chegou a dar o título da sua proposta de plano de governo 2018, de “O caminho da prosperidade”, uma clara referência a esta teologia. Almeida observa ainda como Bolsonaro se autodenomina “pessoa de bem”, buscando criar uma conexão com trabalhadores honestos, vítimas de violências do crime e da corrupção do Estado.
É nesse sentido que o neoconservadorismo está presente na esfera pública nacional e em diferentes setores sociais, mas é o segmento religioso que tem liderado campanhas de cunho cristão e pautado temas moralistas com perspectiva excludente.
BAHIA, Joana; KITAGAWA, Sergio Tuguio Ladeira (2022). Religious conservatism in Brazilian politics: The discreet presence of Calvinist political theology in the public sphere. In: Revista del CESLA International Latin American Studies Review. Disponível em: https://www.revistadelcesla.com/index.php/revistadelcesla/article/view/775
BROWN, Wendy. O Frankenstein do neoliberalismo: liberdade autoritária nas “democracias” do século XXI. In: ALBINO, Chiara; OLIVEIRA, Jainara; MELO, Mariana (Orgs.). Neoliberalismo, neoconservadorismo e crise em tempos sombrios. Recife: Editora Seriguela, 2021.
BURITY, Joanildo. A onda conservadora na política brasileira traz o fundamentalismo ao poder?. Conferência Conservadorismos, Fascismo, Fundamentalismos: 12 dez 2016. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/311582235
**Os artigos da seção Areópago são de responsabilidade de autores e autoras e não refletem, necessariamente, a opinião do Coletivo Bereia.***Foto de capa: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Durante uma coletiva da Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional contra a Resolução 715, do Conselho Nacional de Saúde, deputados e senadores colocando-se como representantes de evangélicos, católicos e espíritas, proferiram ataques diretos ao governo federal, na figura do presidente da República Luis Inácio Lula da Silva e de seus ministros, e às esquerdas políticas.
No momento, liderado pelo senador de origem batista Magno Malta (PL-ES), o tom inicial foi de acusação a Lula de não cumprir promessa de campanha de governar em respeito às igrejas.
Em tom agressivo, Magno Malta afirmou, já no início, que o presidente mentiu na carta aberta às igrejas, veiculada durante a campanha eleitoral de 2022. O senador afirmou que Lula não assinou a “a liberdade das Igrejas,” referindo-se a lei da liberdade religiosa – PL 634/2003, assinada no ano de 2003, no primeiro mandato do presidente Lula:
“[..] ele aqui nesta carta, ele diz que ele assinou a liberdade das Igrejas e vocês já viram muitos vídeos por aí, ele dizendo que ele assinou a liberdade das igrejas…mentira! Aliás, essa é uma prática do Lula, bater com a mão dos outros, […]”
O senador ainda tenta desconstruir o simbolismo da ação do presidente da República, naquele ato de 2003, ao afirmar que “a única coisa que o Lula fez foi sancionar aquilo que o Plenário votou e o Plenário votou porque sofreu pressão da sociedade brasileira…” A mentira do senador evangélico pode ser constatada nas mesmas gravações da cerimônia de assinatura da Lei de Liberdade Religiosa, na fala de gratidão do presidente Lula ao próprio Magno Malta e ao Deputado Federal Walter Pinheiro, evangélico, membro do Partido dos Trabalhadores e líder do governo Lula na Câmara, à época, em que o presidente diz: “Meus caros amigos, deputados, senadores que estão aqui, meu caro Walter Pinheiro, meu caro Magno Malta, que foram duas pessoas que tiveram a responsabilidade de acertar os equívocos cometidos no Código Civil…” deixando claro que, naquele momento, ambos eram seus aliados, e que, o Código Civil estava sendo ajustado, a fim de garantir a liberdade religiosa das igrejas.
Sobre as falsidades relacionadas à Resolução 715 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), elas já foram evidenciadas em checagens recentes do BEREIA. confira alguns nas chamadas abaixo:
Sobre as outras menções falsas em relação a esquerdas e governo prejudicarem questões que envolvem a sexualidade humana e erotização de crianças, Bereia também checou.
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Bereia reafirma serem falsas e enganosas as afirmações de perseguição a igrejas e seus princípios por parte de parlamentares religiosos na manifestação pública de 24 de agosto passado. A abertura da entrevista coletiva, já foi marcada por mentira do senador Magno Malta, ao afirmar que Lula não assinou, em 2003, a Lei de Liberdade Religiosa, seguida das outras menções repetidas pelos participantes, já checadas anteriormente.
O deputado federal, autodenominado cristão, Hélio Lopes (PL-RJ) publicou, em sua conta no Twitter, conteúdo sobre suposto bloqueio de 1,5 bilhões do orçamento federal, citando as pastas da Saúde e Educação como as mais afetadas. Ele se referiu ao contingenciamento de despesas, termo técnico que significa “retardamento ou, ainda, a inexecução de parte da programação de despesa prevista na Lei Orçamentária em função da insuficiência de receitas previstas”.A imagem publicada contém um texto sobre o suposto contingenciamento, com o título “Silêncio da Mídia!” e uma foto do presidente Lula entre a ministra da Saúde Nísia Trindade e o ministro da Educação Camilo Santana, além da chamada “E o choro da militância, cadê?”
Imagem: reprodução do Twitter
Hélio Lopes foi eleito deputado federal, em 2018, pelo PSL-RJ, com 345.234 votos. Na última disputa, em 2022, foi reeleito com 132.986 votos. Antes da eleição de 2018 e do apoio direto do então candidato a presidente Jair Bolsonaro, com quem trabalhava, Lopes havia concorrido em 2004, pelo extinto PRP, ao cargo de vereador do município de Queimados (RJ), tendo recebido apenas 277 votos. Em 2016, o político havia se lançado candidato pelo PSC ao mesmo cargo municipal, porém, em Nova Iguaçu (RJ), e mais uma vez não foi eleito – naquele pleito recebeu 480 votos.
Contingenciamento e teto de gastos
Bereia checou as informações sobre as quais o deputado federal denuncia “silêncio da mídia”. O político se referia a um decreto presidencial com a indicação dos cortes orçamentários, que foi publicado em 28 de julho passado, em edição extraordinária do Diário Oficial da União. Os ministérios da Saúde e da Educação, de fato, respondem por metade do novo contingenciamento de R$1,5 bilhão no Orçamento de 2023. Eis a lista de cortes (reduções) orçamentárias:
• Saúde: R$ 452 milhões;
• Educação: R$ 333 milhões;
• Transportes: R$ 217 milhões;
• Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome: R$ 144 milhões;
• Cidades: R$ 144 milhões;
• Meio Ambiente: R$ 97,5 milhões;
• Integração e Desenvolvimento Regional: R$ 60 milhões;
• Defesa: R$ 35 milhões;
• Cultura: R$ 27 milhões;
• Desenvolvimento Agrário: R$ 24 milhões.
Em comparação com outros anos, mesmo com as novas condições, o total de recursos bloqueados em 2023 é significativamente menor do que no ano anterior, sob o governo de Jair Bolsonaro. Em 2022 foram contingenciados R$15,38 bilhões para cumprir o limite de gastos, quando o Ministério da Educação sofreu um congelamento de R$ 1,4 bilhão.
Os bloqueios e cortes ocorrem quando a estimativa de despesas supera o limite estabelecido pelo teto federal de gastos , fruto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55/2016. Esta medida, que promoveu um mecanismo de controle de gastos públicos, foi encaminhada pelo governo do presidente Michel Temer ao Legislativo e foi aprovada em 2016.
O conteúdo da PEC é relativamente simples. Ela determinou que o total dos gastos primários do governo federal, isto é, todos os gastos menos o pagamento de juros sobre a dívida pública, deveria ficar, a cada ano, limitado a um teto definido pelo montante gasto neste ano de 2016, reajustado pela inflação acumulada. A aprovação da PEC Teto de Gastos foi, então, apresentada com uma referência positiva de controle para que governos não gastem demais e, caso os gastos fossem reajustados de acordo com a inflação, eles não seriam congelados e não iriam diminuir. Porém, a decisão do Congresso Nacional foi muito criticada por diversos segmentos sociais que viram graves problemas decorrentes.
O professor indicou também que “o governo teve que propor uma PEC, ao invés de um simples projeto de lei, justamente porque um dos seus pontos centrais é a desvinculação dos gastos com educação e com saúde, previstos hoje na Constituição como percentuais da receita – crescendo a economia e a arrecadação, crescem obrigatoriamente tais gastos. Talvez fosse mais transparente chamá-la de PEC da Desvinculação, dessa forma”.
O fato de saúde e educação terem sido alvos explícitos de redução, com geração de consequências graves de tal encaminhamento para as políticas sociais, popularizou o apelido da proposta aprovada de “PEC do Fim do Mundo”. Rugitsky explicou: “[A PEC do Teto de Gastos] longe de representar uma solução, só vai aprofundar a crise política, econômica e social pela qual estamos passando. Sábios foram aqueles que a denominaram de PEC do Fim do Mundo e foram ocupar ruas e escolas para se posicionar contra ela”.
O governo de Jair Bolsonaro (2019-2022) seguiu à risca o teto de gastos, sem desenvolver alternativas para a crise que se estabeleceu nas políticas públicas, o que resultou em situações dramáticas nas áreas de saúde (especialmente diante da pandemia da covid-19), de educação e de infra-estrutura.
O relatório do Gabinete de Transição para o novo governo (2023-2026), eleito em 2022, apresentou dados sobre a crise. Ainda nesse ano, o Gabinete propôs e conseguiu aprovação no Congresso da PEC de Transição, que permitiu ao novo governo deixar o valor de R$ 145 bilhões do Orçamento de 2023 fora do teto de gastos, para serem utilizados para bancar despesas com o Bolsa Família, o Auxílio Gás e a Farmácia Popular, entre outras.
Em 2023, o novo governo terá que lidar com a realidade de crise econômica estabelecida e com o orçamento aprovado no governo anterior, com base no teto de gastos – justificativa do contingenciamento apresentado, por decreto presidencial, em 28 de julho. Para corrigir as distorções da PEC do Teto de Gastos e preservar investimentos, principalmente de programas sociais, foi enviado ao Congresso o projeto de um novo arcabouço fiscal, já aprovado na Câmara e aguardando votação no Senado.
Hoje, a regra do teto de gastos introduzida na Constituição Federal, em vigor desde 2017, impede que os gastos federais cresçam mais do que a inflação ano a ano. Com a proposta do novo arcabouço fiscal, apresentada pelo atual governo, em discussão no Congresso, em vez do teto de gastos, a despesa poderá crescer o equivalente a 70% da alta nas receitas (por exemplo, se a arrecadação subir 2%, a despesa poderá subir até 1,4%).
Haverá, porém, limites mínimos e máximos para essa variação nas despesas. O percentual mínimo evita que uma queda brusca ou temporária na arrecadação obrigue o governo a comprimir despesas. Já o limite máximo afasta o risco de o Executivo expandir gastos de forma exagerada quando há um pico nas receitas.
O percentual não será aplicado de forma linear a todas as despesas. Com o fim do teto de gastos, serão retomados os mínimos constitucionais de saúde e educação como eram até 2016: 15% da RCL (Receita Corrente Líquida) para a saúde e 18% da receita líquida de impostos, no caso da educação.
Na prática, o avanço dessas despesas acompanhará mais de perto a arrecadação, enquanto outros gastos precisarão ter crescimento mais moderado para respeitar o limite como um todo.
O limite será abrangente, mas algumas despesas ficarão de fora, entre elas os repasses do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) e a ajuda financeira para estados e municípios bancarem o piso da enfermagem, conforme proposta introduzida na Câmara de Deputados. São gastos aprovados por emenda constitucional e deverão ser realizados.
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Bereia classifica a publicação do deputado federal Hélio Lopes (PL-RJ) como enganosa. Lopes desinforma ao selecionar apenas parte das informações a respeito do contingenciamento dos gastos. Os números dos valores bloqueados são verdadeiros, mas o parlamentar não diz que correspondem ao mecanismo da aplicação constitucional teto de gastos, proposta pelo governo de Michel Temer e aprovada pelo Congresso, em 2016. Lopes não informou aos seus leitores que o governo anterior promoveu cortes mais dramáticos no orçamento e que o atual governo já apresentou uma nova proposta ao Parlamento para alterar distorções das regras do teto de gastos, a fim de garantir investimentos públicos, em especial nas áreas fundamentais da vida da população.
Políticos religiosos voltaram a disseminar, nas redes digitais, que o atual presidente da República Lula da Silva irá taxar as transações financeiras por pix. Os deputados federais Carla Zambelli (PL) e Eduardo Bolsonaro (PL) foram alguns dos políticos que compartilharam a ideia, se valendo de uma suposta notificação enviada aos clientes de contas Pessoa Jurídica (PJ) da Caixa Econômica Federal sobre tarifas para esta modalidade, em seus perfis no Twitter.
O discurso sobre taxação da modalidade de pagamento foi bastante repercutido durante a disputa eleitoral presidencial. Apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro usavam, como uma das estratégias políticas de ataque à campanha adversária, a afirmativa de que o então presidente teria criado o Pix e que o atual presidente, e adversário político à época, iria taxar a medida caso assumisse o poder. Bereia checou estas informações.
Imagem: reprodução Twitter
Taxação do Pix para Pessoa Jurídica (PJ) foi definida em 2020 e já é feita por outros bancos
A Caixa Econômica Federal publicou, em 19 de junho, em seu site oficial, uma nota sobre a situação. O texto da instituição financeira esclarece que as cobranças de fato acontecerão, a partir de 19 de julho, e que, portanto, informou com antecedência os clientes PJ. O banco reforçou que não cobra tarifa Pix de seus clientes pessoa física.
No entanto, as afirmações e publicações compartilhadas pelos deputados e outros políticos religiosos suscitam a ideia de que a decisão foi tomada pelo atual presidente da República e que o próximo passo será taxar as operações financeiras da modalidade Pix também para pessoas físicas.
A decisão da instituição financeira, divulgada neste mês de junho, se baseia na Resolução BCB nº 1/2020 que permite aos bancos a aplicação de tarifas em transações Pix relacionadas a contas PJ. A Caixa não foi a primeira instituição a optar pela aplicação das tarifas.
O site do Banco Central do Brasil esclarece que a isenção da cobrança de tarifas para pessoas físicas apresenta exceções, como no caso de o Pix ser realizado utilizando canais presenciais da instituição, ao invés dos meios eletrônicos disponíveis, ou quando houver transferências em razão da venda de produtos ou serviços.
No caso das pessoas jurídicas, as possibilidades de cobrança são mais amplas, podendo ser aplicadas em caso de transações de transferência financeira ou compra, e pela contratação de serviços acessórios que permitam a oferta de atividades complementares pelas empresas. Os informes foram atualizados ainda em janeiro de 2023.
Grandes bancos, como Bradesco, Banco do Brasil, Santander e Itaú já aplicam tarifas a transações via Pix realizadas por pessoas jurídicas,a depender do valor da operação e do tipo de chave cadastrada. As taxas aplicadas por cada instituição foram compiladas pela CNN Brasil.
O que é o Pix
Pix é um meio eletrônico de pagamento instantâneo desenvolvido pelo Banco Central do Brasil. Trata-se de um recurso rápido para transações financeiras a partir de uma conta corrente, conta poupança ou conta de pagamento pré-paga, sendo possível realizar transações sem limite de data, horário ou instituição bancária.
Além de ter instituído o método de pagamento, o Banco Central também exerce o papel de regulador do Pix, definindo suas regras de funcionamento, e de gestor das plataformas operacionais, ou seja, disponibilizando a tecnologia para diversas instituições.
O Pix já foi alvo de desinformação eleitoral checada por Bereia, em que se considerou falsa a afirmação, veiculada nas redes digitais, de que Jair Bolsonaro foi o criador da transação bancária. Na ocasião, também se afirmava que o Pix causaria prejuízo a bancos e que Lula da Silva poderia acabar com a transação, ambas consideradas falsas.
Imagem: reprodução Twitter
Repercussão nas redes digitais
Após o anúncio de que a Caixa Econômica Federal iniciará cobrança por transações via Pix, exclusivamente para pessoas jurídicas privadas, políticos de oposição ao atual governo federal repercutiram a medida, associando-a ao atual presidente da República Lula da Silva.
A deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) compartilhou, em seu perfil no Twitter, uma imagem com os dizeres “Lula começou a taxar o Pix”, dizendo, ainda, que “Bolsonaro avisou”.
Já o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), também no Twitter, veiculou mensagem questionando: “dar tanto dinheiro do seu trabalho para o Lula por quê?”. Na imagem veiculada, é possível ler os dizeres “PT vai taxar o Pix”.
Reação do Governo Federal
Na tarde de 20 de junho, a Caixa anunciou a suspensão da medida. A decisão teria sido tomada depois de um pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de acordo com o ministro da Casa Civil, Rui Costa.
Costa afirmou que, em conversa com a presidente da Caixa Rita Serrano, pediu que aguardassem o retorno de Lula ao Brasil para uma reavaliação da medida. O presidente está em viagem oficial à Itália.
Segundo Costa,a presidente da Caixa mostrou-se surpresa com a repercussão do caso, já que trata de uma medida já praticada por outros bancos no país.
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Bereia considera enganoso o conteúdo checado. As publicações feitas pelos deputados citados na checagem, considerando-se não apenas as imagens, mas também os textos veiculados, são apresentadas para confundir. A informação de que a Caixa Econômica Federal começaria a taxar transações financeiras via Pix para pessoa jurídica são verdadeiras, mas os deputados omitem que se trata de prática comum dos bancos brasileiros.
A publicação feita por Eduardo Bolsonaro (PL-SP) sugere, ainda, que após a cobrança para pessoa jurídica, o público em geral também será taxado. Tal suposição não encontra respaldo nas informações disponibilizadas pela Caixa, pelo Banco Central ou por qualquer outra instituição que faz uso do Pix.
A ausência da informação de que a cobrança estava restrita apenas a pessoa jurídica, excetuados também os microempreendedores individuais (MEI), contribui para que o público em geral sinta-se atingido pela cobrança, o que não é verdade à luz dos fatos.
As mais recentes informações sobre a medida a ser adotada pela Caixa indicam que haverá uma suspensão de sua implementação, até que seja feita uma reavaliação conjunta sobre sua efetivação.
Acusações de irregularidades em compras do governo federal na área da saúde ganharam repercussão em mídias religiosas nos últimos dias.
Em 15 de maio o Ministério da Saúde anunciou a compra emergencial de mais de 1,3 milhão de unidades de insulina análoga de ação rápida. Com a notícia, políticos religiosos levantaram questionamento sobre uma possível irregularidade na compra de medicamentos chineses sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), feita pelo governo federal, para abastecer o Sistema Único de Saúde.
Imagem: reprodução Twitter
A atenção para a insulina chinesa sem registro na Anvisa
Sobre a compra de insulina, a Revista Oeste noticiou, na segunda-feira (15),sobre a decisão do governo federal de adquirir medicamentos da empresa chinesa GlobalX Technology Limited, em tom de crítica. O texto inicia com uma acusação à ministra da saúdeNísia Trindade, de estar “deixando os Estados sem estoque de insulina para atender os pacientes” e segue informando que “nos últimos pregões abertos pelo Ministério da Saúde a pasta não conseguiu comprar o medicamento de empresas registradas na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)”.
Segundo a matéria, esta seria a razão do governo optar pela compra emergencial com a empresa chinesa, sem registro na Anvisa e que a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) teria contestado a compra. Já o portal gospel, Pleno News, e o jornal O Globo, acrescentaram uma afirmação atribuída ao presidente da SBDLevimar Araújo, com questionamento da qualidade do medicamento adquirido.
Tanto a Revista Oeste como O Globo, trouxeram em seus textos a informação de que o Tribunal de Contas da União (TCU) teria avisado sobre o risco de falta do medicamento, baseado em uma fiscalização requerida pelo Congresso Nacional para averiguar irregularidades nas compras, entregas e armazenamento de insulina.
A falta de insulina no Brasil
De acordo com notícia veiculada pelo portal Metrópoles, em 12 de abril, a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), sinalizou preocupação com o risco de faltar insulina análoga de ação rápida no Sistema Único de Saúde (SUS) e o Tribunal de Contas da União (TCU) emitiu um relatório que identificou que o estoque duraria apenas até o mês de maio.
O medicamento é essencial para estabilização do índice de glicemia no sangue em pacientes com diabetes tipo 1. De acordo com a SBD, há cerca de 568 mil pessoas com a doença no Brasil, e estima-se que 420 mil pacientes sejam atendidos pelo SUS.
O MS informou que os mais de 1,3 milhão de canetas de insulina comprados têm capacidade para atender mais de 67 mil pacientes, a SBD acredita que os medicamentos sejam suficientes para no máximo quatro meses.
Parecer do TCU e SBD sobre a compra
Como base do relatório do TCU está a referida fiscalização, citada nas matérias de O Globo e Revista Oeste. Ambos os veículos de notícia omitiram a informação de que a fiscalização foi solicitada ainda em 2022, através da Proposta de Fiscalização e Controle (PFC) 01/2022, de autoria do deputado Áureo Ribeiro (Solidariedade-RJ), aprovada pela Comissão de Fiscalização Financeira e Controle (CFFC) da Câmara dos Deputados em maio de 2022.
O relatório do TCU traz ainda, a informação de que o risco de falta de insulina foi identificado principalmente a partir “do fracasso por ausência de propostas dos pregões 99/2022 e 10/2023, para aquisição do medicamento, realizados em 23/8/2022 e 26/1/2023”.
Em março, o portal Metrópoles divulgou que, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, quase um milhão de canetas de insulina de ação rápida foram descartadas por perderem a validade. Os lotes vencidos causaram um prejuízo de cerca de R$ 15 milhões.
Segundo o documento, o TCU identificou que os fabricantes que forneceram o medicamento anteriormente pediram quase 2,5 vezes mais que a GlobalX ou não tinham condições de atender nem a quantidade nem o prazo pedido pelo Ministério da Saúde (MS).
O parecer da corte de contas descreve ainda que “os produtos a serem importados em caráter de excepcionalidade (produtos sujeitos à vigilância sanitária sem registro na ANVISA), devem possuir registro válido em país cuja autoridade regulatória competente seja membro do Conselho Internacional para Harmonização de Requisitos Técnicos de Produtos Farmacêuticos de Uso Humano (International Council for Harmonisation of Technical Requirements for Pharmaceuticals for Human Use – ICH)”, o que é o caso da China.
Outro trecho importante a ser considerado é o que cita algumas etapas do processo de importação de medicamentos sem registro na Anvisa que, segundo o documento “exige a execução de várias etapas por diferentes atores, entre essas etapas estão a análise de documentação pela Anvisa para concessão de excepcionalidade de importação, obtenção de licença de importação, desembaraço aduaneiro.”
Durante a pandemia da covid-19, o governo federal fez uma solicitação semelhante para compra de seringas e agulhas na mesma empresa, também sem registro à época. O relatório de análise pode ser encontrado no site da Anvisa.
O posicionamento da Sociedade Brasileira de Diabetes pode ser encontrado no portal da organização. A manifestação sobre a compra feita pelo Ministério da Saúde foi publicada em 17 de maio, e deixa claro que um dos requisitos para aprovação da Anvisa é a existência de estudos comparativos. A SBD ressalta que não encontrou nenhum estudo com esta finalidade na literatura médica e afirma que o solicitou ao Ministério da Saúde para que haja “tranquilidade científica”.
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Quanto às informações acerca da compra realizada pelo Ministério da Saúde, Bereia checou que se trata de conteúdo enganoso, principalmente por deixar de citar informações sobre medidas, gastos e fiscalização do governo anterior que mostram que a situação atual decorre, entre outras coisas, de decisões anteriores. Assim como por fazer um recorte intencional ao destacar no título e ao longo da matéria palavras associadas negativa e massivamente à ideais de esquerda por políticos religiosos, como o caso da China e medidas sanitárias.
A estratégia de desinformação trata o fato como algo errado e perigoso, com o intuito de provocar medo e revolta, e desconsidera que a medida também foi tomada pelo governo anterior, apoiado pelos mesmos políticos religiosos. Bereia reitera aos leitores que é sempre importante verificar a origem das informações, mas quando se trata de conteúdos relacionados à saúde, a atenção deve ser redobrada.
O senador Magno Malta (PL-ES) publicou, em seu perfil de mídia social, a informação de que o governo federal estaria encobrindo “rombo” de R$ 7,7 bilhões no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O “rombo” seria fruto de “pedaladas fiscais”, mesmo motivo usado no processo de impeachment de Dilma Rousseff, em 2016. Em publicação o senador aponta que as “pedaladas” só vieram a público graças à imprensa, e levanta o questionamento se o governo Lula estaria fazendo o mesmo movimento.
Imagem: reprodução do Instagram
O que são as “pedaladas fiscais”
“Pedalada fiscal” é como ficou conhecida a manobra contábil feita pelo Poder Executivo visando ao cumprimento de metas fiscais. A ação faz parecer que houve equilíbrio entre gastos e despesas, com o remanejamento de valores entre itens orçamentários. Durante o governo Dilma, o Tribunal de Contas da União entendeu que, voluntariamente, o Tesouro Nacional havia atrasado o repasse de recursos para pagamento de brancos credores, impossibilitando o pagamento de programas como o Minha Casa Minha Vida, Bolsa Família e auxílio-salário via INSS. Ao mesmo tempo, o governo havia omitido essas informações nas estatísticas da dívida pública, adiando para o próximo mês a contabilização da dívida.
De acordo com relatório publicado pelo Senado Federal, “Ao todo, o saldo negativo do governo Dilma com a Caixa alcançou R$ 34,2 bilhões em recursos obrigatórios para pagar programas sociais, como Bolsa Família, seguro-desemprego e abono salarial, entre o início de 2011 e o mês de abril deste ano (2013). Esses atrasos foram cobertos pelo banco, que precisou usar recursos próprios”, afirmou.
Essa ação, comumente praticada por governos nos diferentes níveis da administração pública, foi usada como base para o processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff, em agosto de 2016.
Surpreendentemente, dois dias após a destituição da presidente, o vice-presidente que assumiu o cargo, Michel Temer, e o presidente da câmara Rodrigo Maia (DEM/RJ), sancionaram lei regulamentando as pedaladas fiscais. A Lei nº 13.332, de 1º de setembro de 2016, flexibilizou as regras de abertura de créditos suplementares sem a necessidade de autorização do Congresso ou alterações concedidas de orçamento através de pleito público, o que possibilitou ao governo vigente realizar as “pedaladas”. De acordo com a legislação:
“Fica autorizada a abertura de créditos suplementares, restritos aos valores constantes desta Lei, excluídas as alterações decorrentes de créditos adicionais abertos ou reabertos, deste que as alterações promovidas na programação orçamentária sejam compatíveis com a obtenção da meta de superávit primário estabelecida para o exercício de 2016”, artigo 4º da Lei.
A mudança na lei orçamentária possibilitou ainda que o governo cancelasse recursos de emendas coletivas e direcionasse recursos para outras áreas de seu interesse, sem que para isso fosse feito um pedido à priori ao Congresso Nacional. As pedaladas fiscais de Temer, em dois anos, somaram R$ 30 bilhões de reais. As pedaladas também fizeram parte do governo Bolsonaro, que, em seu primeiro ano de governo, chegaram a R$ 55 bilhões de reais.
De acordo com matéria publicada pelo jornal Folha de São Paulo, “o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) alterou um dado no orçamento de 2023 para reduzir artificialmente a previsão de gastos com o INSS e evitar, de última hora, uma pressão maior sobre as despesas logo no início do novo mandato”. A afirmação se deu após o jornal ter acesso a documentos da Secretaria de Política Econômica, via Lei de Acesso à Informação.
A alteração dos dados orçamentários configuram-se como “pedaladas” uma vez que reajustam, sem ter passado por pleito, verbas destinadas ao pagamento de Previdência feitas junto ao INSS. Essa alteração se deu quando o salário mínimo foi reajustado da previsão inicial de R$ 1.320,00 e foi reduzido para R$ 1.302,00, até o fim do ano. Essa ação permitiu a redução de R$ 7,7 bilhões de reais nas despesas do benefício previdenciário, segundo o jornal, verba que será redistribuída para outras áreas.
Em nota informativa a Diretoria do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), explica os novos cálculos :
Imagem: reprodução da Folha de S.Paulo
Segundo o Ministério da Previdência Social (MPS), a redução do piso salarial reduziu a estimativa de despesas governamentais com a Previdência Social, e, a principal razão para a diminuição dos gastos surgiu da diferença entre o valor do salário mínimo e as despesas da Previdência. O ministério aponta ainda que uma possível nova alteração no valor do salário mínimo só será possível após nova aprovação da Lei Orçamentária, o que não deve acontecer este ano.
ATUALIZAÇÃO ÀS 15:47 DE 02/05/2023: Em medida provisória publicada em edição extra do Diário Oficial da União, no dia 01 de maio de 2023, a remuneração mensal passou de R$ 1.302 para R$ 1.320. Em nota, Agência Brasil, afirma que “Inicialmente, a equipe econômica queria adiar o reajuste para 2024, mas o governo conseguiu encontrar recursos para o novo aumento do mínimo. O dinheiro veio do recadastramento do Bolsa Família, que eliminou 1,2 milhão de beneficiários em situação irregular apenas em abril.”. O aumento fará uso de R$ 6,8 bilhões, verba destinada pela Emenda Constitucional da Transição.
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Bereia classifica a informação usada pelo senador Magno Malta em publicação nas mídias sociais como enganosa. A alteração orçamentária feita pelo governo federal trata-se não da tentativa de encobrir um “rombo” no INSS, como aponta o senador, mas de uma busca por redução de custos, usando para tanto a verba orçamentária prevista para o pagamento de beneficiários do INSS. Bereia lembra a leitores e leitoras que, desde 2016, com a Lei Nº 13.332, as aberturas de manipulação de contas, historicamente realizadas por governos, nos diferentes níveis da administração pública, outrora conhecidas como “pedaladas fiscais”, passaram a ser manobras legais, e, portanto, não podem ser objeto de acusação manipulação da opinião pública, como busca fazer o senador da Bancada Evangélica no Congresso Nacional.
Gov.br. https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=615&pagina=1&data=01/05/2023&totalArquivos=2 acesso em: 01 mai 2023
Agencia Brasil- https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2023-05/salario-minimo-de-r-1320-entra-em-vigor-nesta-segunda#:~:text=A%20remunera%C3%A7%C3%A3o%20mensal%20passou%20de,Geral%20da%20Uni%C3%A3o%20de%202023. acesso em: 01 mai 2023
Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/noticias/931149-pec-da-transicao-e-promulgada-pelo-congresso/#:~:text=A%20PEC%20foi%20promulgada%20como,e%20dificuldades%20financeiras%20da%20popula%C3%A7%C3%A3o. acesso em: 01 mai 2023
*** Foto de capa: Joel Santana – Joel Fotos / Pixabay
Circula em muitos perfis de mídias sociais de pessoas e grupos com identidade religiosa, e em grupos religiosos no WhatsApp, uma foto com referências críticas ao tamanho da delegação do governo do Brasil, que visitou a China nos dias 12 a 14 de abril. Segundo as críticas, tal grupo teria provocado altas despesas públicas com a viagem.
Imagem: reprodução do Twitter
Imagem: reprodução do Twitter
Bereia verificou que a foto utilizada não representa a delegação do Brasil na recente visita oficial do presidente Lula à China. A foto, postada no site oficial do Palácio do Planalto, em 13 de abril, retrata o grupo que participou da posse da ex-presidente da República Dilma Rousseff como presidente do Novo Banco de Desenvolvimento do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), em Xangai, no mesmo dia.
O presidente Lula e a comitiva que o acompanhou na viagem se encontraram com quase duas dezenas de funcionários brasileiros do banco e participaram de fotos com os cerca de 200 servidores da instituição e com vice-presidentes do NBD, além de estarem em um almoço no 30º andar do prédio, que oferece uma vista panorâmica da cidade de mais de 26 milhões de habitantes. A foto divulgada foi uma das muitas tiradas na ocasião.
Imagem: divulgação Palácio do Planalto
Outra foto retrata a delegação oficial do Brasil que acompanhou o presidente Lula àquele país, e também foi divulgada em vários veículos. O grupo de 27 pessoas foi composto pelos ministros Fernando Haddad (Fazenda), Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança do Clima), Carlos Fávaro (Agricultura e Pecuária), Luciana Santos (Ciência, Tecnologia e Inovação), Mauro Vieira (Relações Exteriores), Alexandre Silveira (Minas e Energia), Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário), Wellington Dias (Desenvolvimento e Assistência Social) e Juscelino Filho (Comunicações), por governadores de estados que têm parcerias bilaterais com a China, por parlamentares e outras lideranças políticas.
Imagem: reprodução do Twitter da senadora Eliziane Gama
Além da comitiva oficial do governo, mais de 300 empresários brasileiros se juntaram ao grupo para participarem dos eventos em torno de acordos, tendo em vista comércio, indústria, serviços e agropecuária.
De acordo com o Palácio do Planalto, a visita faz parte da reconstrução das relações internacionais do novo governo brasileiro, que inclui as viagens já feitas à Argentina, onde também ocorreu a reunião da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), ao Uruguai e aos Estados Unidos, além as reuniões com líderes europeus que estiveram na posse em janeiro passado.
*** Bereia classifica como enganosas as postagens que circulam em grupos religiosos para criticar uma suposta extensa delegação do governo brasileiro em visita a China. Quem postou o material utilizou uma foto verdadeira, que ilustrava relatos que continham a devida explicação de sua origem, para enganar deliberadamente as pessoas que desejam manter uma postura de oposição ao novo governo. Bereia reafirma o valor das oposições em uma democracia, porém conclama que tal militância não faça uso de mentira e engano para convencer e buscar apoios.
Vídeos antigos mostrando suposto ritual satânico com imagem do presidente Lula (PT) voltaram a circular nas redes digitais e passaram a ser associados por internautas ao atentado a uma creche em Blumenau (SC), ocorrido em 5 de abril.
O conteúdo, que já havia despontado durante o período eleitoral de 2022, foi sinalizado pelo Whatsapp como encaminhado com frequência. No Facebook, Tik Tok e Youtube somam pelo menos 25 mil visualizações.
O que mostram os vídeos
Imagens gravadas por um celular aparentam um flagrante por parte de um cristão que sobe ao topo de um monte à noite para orar. Elementos ritualísticos espalhados pelo chão, fogueiras e um cavalete com a fotografia do presidente Lula da Silva, vestindo a faixa presidencial, aparecem na imagem.
Um segundo vídeo flagrante, no mesmo local, mostra pessoas encapuzadas se movimentando entre a foto de Lula e as fogueiras, e gritando algumas palavras distorcidas por ruídos. As legendas no vídeo são alarmantes e simplificam a mensagem em: “sacrifício de 10 mil crianças”.
Imagem: reprodução do Tik Tok
O conteúdo audiovisual está fundamentado no conceito cristão de malignidade, sendo evidenciados signos do Cristianismo que representam o mal. Isto pode ser observado nas cores, nas simbologias de morte representadas pelo sangue e pela caveira, símbolos associados, historicamente, à imagem de Satanás, que é parte do repertório cristão relacionado ao mal, e também elementos relacionados a religiões afro-brasileiras.
A narrativa que se impõe é a de que ocorria, no local, um ritual satânico que buscava garantir a vitória do então candidato Luís Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições presidenciais de 2022. Afora a aparência de simulação de flagrante, em local aberto, com a presença de outras pessoas e a desenvoltura teatral daqueles que aparecem no vídeo, chama atenção a falta de informações específicas como endereço, data e autores dos vídeos.
Eleições de 2022
Ainda durante as eleições, a coligação Brasil da Esperança acionou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para pedir a remoção de conteúdos audiovisuais que associavam o seu então candidato à Presidência Lula ao satanismo, conforme noticiou o site Consultor Jurídico. Para os advogados da chapa, tratava-se de uma “narrativa fantasiosa e danosa à imagem e honra de Lula”.
Na época, o Correio Braziliense também noticiou o fato do Partido dos Trabalhadores (PT) ter acionado o TSE. Segundo o jornal, a Corte já havia tomado providências para que os vídeos fossem retirados das plataformas. A ação impetrada pelo PT explicitava que a candidatura adversária, encabeçada por Jair Bolsonaro (PL), buscava levar a religião para o centro do debate político, “utilizando-se da repulsa social que todos os cristãos têm com a figura do diabo e satanistas”.
Antes do episódio que coincidiu com o segundo turno das eleições, um caso semelhante já havia ocorrido. Um vídeo que apresentava um influenciador satanista apoiando Lula circulou nas redes digitais, conforme noticiado pelo blog da jornalista Malu Gaspar, em O Globo. Segundo a colunista, grupos digitais que apoiavam Jair Bolsonaro incentivavam o compartilhamento do vídeo. Na ocasião, o apoio a Lula foi desmentido pelo próprio influenciador que aparece no vídeo, como mostra a checagem feita por Bereia realizada à época.
Permanência dos vídeos nas plataformas digitais
Mesmo após decisões da Justiça, é possível constatar que o conteúdo continua disponível em plataformas como TikTok, Facebook e Youtube. A maior parte das publicações encontradas data de 28 de outubro de 2022, antevéspera do segundo turno das eleições presidenciais. No Facebook, há publicação veiculada em 30 de outubro, dia do pleito.
Imagem: reprodução do YouTube
No TikTok, pelo menos quatro perfis publicaram o vídeo do suposto ritual em 28 de outubro de 2022. Em uma delas, feita pelo perfil Apóstolo Paulo Magno, a publicação exibe a etiqueta “paid partnership” (parceria paga). Bereia entrou em contato com Magno, mas não obteve resposta até o fechamento desta checagem.
Imagem: reprodução do TikTok
Outro perfil do TikTok que publicou o conteúdo na antevéspera das eleições presidenciais foi o Portal Novo Norte. O editor-chefe do portal, Pablo Carvalho, em conversa com Bereia, afirmou que “uma pessoa entrou em contato via WhatsApp e enviou esse vídeo alegando ter estado no momento da gravação”. Carvalho disse não possuir mais informações. O vídeo continua ativo no perfil Portal Novo Norte no TikTok.
Imagem: reprodução do Tik Tok
Pânico como arma política
Principalmente a partir de 5 de abril, data em que um homem invadiu uma creche em Blumenau (SC) , matou quatro crianças e feriu outras cinco com uma machadinha, internautas passaram a sugerir que o ato criminoso estaria relacionado aos sacrifícios de crianças referidos nos vídeos, e ampliaram as ações de compartilhamento.
Na postagem feita pelo Portal Novo Norte, por exemplo, é possível encontrar comentários recentes, associando o ataque em Blumenau ao suposto ritual pela vitória de Lula nas eleições. Comentários raivosos também podem ser lidos na publicação do Apóstolo Paulo Magno: “faz o L (…) agora chora os filhos de vcs” (sic).
O perfil Assembleianos de Valor publicou, no Facebook, texto em que associa o ataque às crianças com o atual governo, ao dizer que “hoje a sede do governo do Brasil é consagrada a Exu”, entre outras insinuações. Na plataforma, o perfil deixa clara sua associação com a Assembleia de Deus no Brasil e se apresenta como “site de notícias e mídia”.
Imagem: reprodução do Facebook
O atentado em Blumenau (SC) por sí só é uma tragédia e representa a vulnerabilidade da sociedade diante das violências do mundo contemporâneo. A partir disso, surgiram diversos debates sobre a necessidade de treinamento policial e tecnologias para evitar episódios semelhantes.
Notícias de supostos ataques parecidos se espalharam por diferentes cidades do país nos últimos dias e veículos de comunicação precisaram adotar medidas sobre a cobertura de tais eventos para minimizar o efeito do temor na população. Diante disso, é notório o pânico que informações relacionadas a atentados contra crianças e em locais do cotidiano podem causar nas pessoas por se sentirem desprotegidos.
A associação deste medo com a abominação, que uma sociedade majoritariamente cristã cultiva contra a ideia do maligno, com o intuito de construir uma narrativa de poder político é uma estratégia para trazer a sensação extrema de pânico.
Bereia considera falso o conteúdo avaliado. O conteúdo dos vídeos não fornece substância factual para ser considerado informação e pode ser caracterizado como boato ou conteúdo fabricado para parecer informação.
Os vídeos em questão apresentam características comuns em conteúdos desinformativos, como baixa qualidade de imagem e som, ausência de informações relacionadas à data e ao local em que teria ocorrido o evento e inexistência de testemunhas. A narrativa emprestada ao conteúdo é difusa e apenas sugestiva, enquanto algumas apresentações omitem dados para criar uma falsa credibilidade.
A equipe de checagem entrou em contato com diversos perfis que publicaram o conteúdo, mas só obteve resposta do Portal Novo Norte, que se limitou a dizer que recebeu o vídeo de um indivíduo que permanece anônimo. A indicação de parceria paga na postagem feita pelo perfil Apóstolo Paulo Magno no TikTok permanece sem explicação.
Saiu no O Globo, impresso e digital, da terça 11 de abril, a matéria “Desinformação contra gestão petista cresce entre evangélicos, onde circulam ao menos 30 fake news sobre o governo Lula”, que cita o trabalho de checagem realizado pelo Bereia como fonte da reportagem. Desde o período eleitoral até recentemente, as checagens do coletivo têm abordado, em sua maioria, as temáticas da perseguição religiosa, “ideologia de gênero”, “ameaça comunista” e assuntos relacionados à pauta econômica. A editora-geral Magali Cunha analisou os recentes materiais em circulação:
— O discurso ainda permanece o mesmo e com alguma repetição na formação de memes que são criados com alertas de pânico e em torno de alguns vídeos. Uma diferença que nós estamos observando são alguns personagens que não estavam tão evidentes, como Nikolas (Ferreira) e Michelle Bolsonaro, que ocupa o lugar de Damares que agora está mais discreta.
A matéria completa do jornal O Globo está disponível aqui (para assinantes).
Na tentativa de comparar dados sobre o desemprego no Brasil para criticar o atual governo, a senadora evangélica Damares Alves (Republicanos/DF) publicou uma montagem que utiliza reportagens da Rede CNN e do portal de notícias G1, da Rede Globo, junto com as fotos de Lula e Bolsonaro. As matérias anunciam dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – PNAD Contínua realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Imagem: reprodução do Instagram
Bereia consultou os dados da pesquisa do IBGE, mencionados por Damares Alves em sua comparação. É correto, de acordo com o instituto, que no período de julho-agosto-setembro do ano passado, a taxa de desemprego no Brasil foi de 8,7%. Já no período de dezembro-janeiro-fevereiro deste ano a taxa foi, de fato, de 8,6%.
Porém, a variação percentual nesses trimestres não é informada na publicação da senadora, o que pode levar seguidores ao erro. No trimestre outubro-novembro-dezembro, ainda no governo Bolsonaro, por exemplo, a taxa chegou no menor valor, 7,9%. O número aumentou logo no trimestre seguinte, novembro-dezembro-janeiro para 8,4%.
Quando considerados apenas os dois períodos citados nas manchetes dos jornais (8,7% – 8,6%) por Damares Alves, a taxa se mantém estável.
Imagem: reprodução site IBGE
Como comparar as taxas de desemprego
Uma comparação correta entre as taxas de desemprego é a que leva em conta o trimestre anterior (no caso, novembro-dezembro-janeiro, no final do mandato do governo Bolsonaro, que teve 8.4%), o que demonstra uma alta em dezembro-janeiro-fevereiro de 2023, nos primeiros meses do governo Lula de 0,2%.
Outra comparação corrente e correta deve se dar entre o trimestre atual e o mesmo trimestre do ano anterior, 2022. Nesse caso, verifica-se dezembro-janeiro-fevereiro de 2023 com 8,6% frente a dezembro-janeiro-fevereiro de 2022 com 11,2%, durante o governo Bolsonaro, o que representa uma baixa nestes primeiros meses do governo Lula, equivalente a 2,6%.
Imagem: reprodução site IBGE
Bereia considera que a montagem publicada pela senadora é enganosa, pois utiliza dados verdadeiros do IBGE, mas produz comparação descabida entre trimestres avulsos, além de omitir informações relevantes ao leitor: (1) não faz as comparações corretas, com dados do trimestre anterior e do mesmo trimestre do ano anterior; (2) não considera fatores sazonais, como o aquecimento do comércio durante as festas de final de ano, por exemplo, com trabalho temporário, que decresce nos meses seguintes.
Políticos religiosos compartilharam em seus perfis nas mídias sociais a notícia de que o atual presidente teria excluído a categoria arte sacra de entre os grupos contemplados pela Lei Rouanet. Alguns destes perfis no Twitter publicaram a notícia acompanhada de frases que acusam o atual presidente de perseguição cristã.
As informações foram publicadas pela Revista Oeste e disseminadas por políticos como Marco Feliciano (PL-SP) e Bia Kicis (PL-DF). Sites religiosos como Gospel Mais e Pleno News repercutiram a informação. O discurso concentra-se em alterações na lei promovidas pelos governos de Jair Bolsonaro e de Lula.
Imagem: reprodução Facebook
O que é e como funciona a lei Rouanet
Conhecida popularmente como lei Rouanet, a Lei nº 8313/91 instituiu o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), com a finalidade de captar e canalizar recursos para o setor cultural, fomentando diversas iniciativas ligadas à cultura. A forma mais comum de financiar projetos via Lei Rouanet é o incentivo fiscal, prática que articula setor cultural, governo e setor privado.
Para beneficiarem-se de um incentivo fiscal, os projetos culturais devem, primeiramente, ser submetidos à avaliação de um corpo técnico, que verifica se o projeto se enquadra nos requisitos da lei.
Imagem: reprodução Twitter
Uma vez aprovados pela Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (Cnic), órgão que analisa se os projetos que buscam incentivos fiscais estão em conformidade com a lei, os projetos são autorizados a captar recursos junto ao setor privado. As empresas que investem em projetos culturais recebem descontos em impostos devidos ao governo. Quem decide quais projetos apoiar são as próprias empresas.
Conforme relato da Época Negócios, em 2018, um estudo encomendado pelo Ministério da Educação à Fundação Getúlio Vargas revelou que, a cada R$1,00 em incentivos ligados à Lei Rouanet, gera-se um retorno financeiro de R$1,59.
Lei Rouanet durante o governo de Jair Bolsonaro
Uma vez eleito, Jair Bolsonaro promoveu diversas mudanças na legislação dedicada à cultura, a começar pela alteração do status ministerial da pasta – o antigo Ministério da Cultura passou a ser uma Secretaria Especial ligada, primeiro, ao Ministério da Cidadania (2019) e, depois, ao Ministério do Turismo (2021), conforme explica matéria do Jornal da USP.
Segundo matéria do portal G1, a alteração mais impactante aconteceu ainda em 2019, com a redução do montante máximo de captação por cada projeto, que era de R$60 milhões e passou a ser de R$1 milhão, com limite de R$10 milhões anuais por empresa do setor cultural. O setor audiovisual passou a seguir limites ainda mais rígidos, a depender da categoria contemplada.
Imagem: reprodução Pleno.news
Em outubro de 2021, o governo dispensou 174 profissionais responsáveis pelos pareceres de projetos que se submetiam aos critérios da Lei Rouanet. No ano seguinte, o governo federal promoveu novas mudanças: cortes em cachês artísticos chegaram a 93,4% e o valor máximo de captação encolheu ainda mais, passando de R$1 milhão para R$500 mil, segundo informações do Estado de Minas.
Bolsonaro alterou também a composição da Cnic. A partir de um novo decreto, os membros da comissão deveriam pertencer a cinco áreas: arte sacra, belas artes, arte contemporânea, audiovisual, patrimônio cultural e museus.
Trata-se de uma especificação para a composição do órgão, não havendo, anteriormente, impedimento de que membros dessas áreas integrassem a comissão, fato ignorado pelas recentes narrativas enganosas.
De que trata o decreto assinado por Lula
O atual presidente assinou, em 23 de março de 2023, um decreto que trata especificamente de meios de fomento do sistema de financiamento à cultura e procedimentos padronizados para prestação de contas de recursos ainda não previstos em legislação específica, o Decreto nº 11.453.
De acordo com o decreto, a utilização desses meios de fomento objetiva a implementação do Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), de que trata a Lei nº 8.313, de 1991, conhecida popularmente como Lei Rouanet, e da Política Nacional de Cultura Viva, de que trata a Lei nº 13.018, de 2014.
Imagem: reprodução Twitter
Em relação ao fomento cultural através de incentivo fiscal, o decreto trata, no artigo 49, da análise técnica a que os projetos culturais devem ser submetidos. O Ministério da Cultura verificará a adequação ao Pronac. Após o parecer técnico, os projetos serão submetidos à Cnic.
Governo Lula não retirou projetos religiosos da lei
A única citação à arte sacra que existia no Decreto (revogado) nº 10.755, de 26 de julho de 2021, assinado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, referia-se à representatividade desta arte através de membros da Cnic. Esta citação explícita não está presente no Decreto nº 11.453, de 23 de março de 2023, assinado pelo atual presidente.
No entanto, não existe exclusão da arte sacra como uma categoria a ser contemplada pelas leis de fomento à cultura, visto que ela sempre foi considerada dentro de outras categorias artísticas. Na prática, as alterações feitas pelo atual governo na composição da Cnic foram, assim como pelo governo anterior, na forma de categorizar as artes contempladas com possíveis vagas na comissão.
Imagem: reprodução Instagram
O decreto em vigência dividiu os segmentos em artes cênicas, artes visuais, audiovisual, humanidades, música e patrimônio cultural. Outra mudança foi a exigência de, no mínimo, um representante dos povos originários e tradicionais, um da cultura popular, um de instituição que atue com acessibilidades artísticas, um de instituição cultural que atue no combate a discriminações e preconceitos e dois representantes e residentes de cada uma das cinco regiões do Brasil como membros titulares ou suplentes da Cnic.
Lei Rouanet e desinformação política
Nos últimos anos, muita desinformação circunda a Lei Rouanet e supostos artistas ou projetos contemplados pelas políticas de incentivo. Trata-se de uma estratégia política para descredibilizar tanto artistas quanto a própria política cultural brasileira.
Os ex-secretários de cultura Mário Frias e Regina Duarte, críticos da lei, já captaram recursos via Lei Rouanet. Há, ainda, artistas críticos da lei que participam de contratações de grande orçamento diretamente com prefeituras, um processo menos transparente.
Em recente reportagem da Agência Lupa, a jornalista Carol Macário mostra que o tema ficou em maior evidência nas plataformas digitais justamente nos momentos de corrida eleitoral, no segundo semestre de 2018 e ao longo de 2022, evidenciando o caráter político das polêmicas fabricadas.
Imagem: reprodução Twitter
As narrativas fabricadas associam os incentivos fiscais à gastança excessiva e famosos estão sempre entre os alvos. Neste mês de março, a artista Ludmilla foi vítima de uma notícia falsa, desmentida pela Secretaria de Comunicação Social.
Após realizar pesquisa em leis, documentos e notícias veiculadas em diversos veículos da imprensa nos últimos anos, Bereia apurou ser enganosa alegação de que o presidente Lula excluiu projetos religiosos da Lei Rouanet. A notícia da Revista Oeste distorce os fatos, ao que se segue uma narrativa enganosa de perseguição aos cristãos, encampada por políticos que utilizam a fé como plataforma política.
As alterações na Lei Rouanet efetivadas durante o governo Bolsonaro não inovaram ao contemplar projetos religiosos, visto que esses projetos já poderiam ser beneficiados anteriormente. Da mesma forma, as alterações promovidas pelo governo Lula não diminuem o escopo de projetos contemplados, apenas alteram as denominações de áreas artísticas. A arte sacra continua apta a submeter-se aos critérios da Lei Rouanet.
A deputada federal Carla Zambelli (PL) repercutiu em seu perfil no Twitter matéria do UOL sobre voos com aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) no governo Lula. No post, além de um card afirmando que “a mamata voltou”, Zambelli acrescenta que “Além de gastarem mais, segundo levantamento do UOL, a média de passageiros foi menor neste desgoverno”. Sua postagem teve 63,7 mil visualizações e compartilhada em espaços digitais religiosos.
Imagem: reprodução do Twitter
O site evangélico Pleno News também publicou matéria que citou a informação publicada no site UOL e deu destaque para o fato de que os ministros da Infraestrutura e da Cidadania no governo Bolsonaro, Tarcísio de Freitas e Osmar Terra foram os que mais utilizaram aviões da FAB durante o início do governo. Nesta comparação, que durante o atual governo Lula, “Fernando Haddad, ministro da Fazenda e Nísia Trindade, ministra da Saúde, são os atuais ‘campeões’.”
Imagem: reprodução do site Pleno.News
O que diz a matéria do UOL
No texto, o UOL afirma que “a equipe do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) superou a de seu antecessor, Jair Bolsonaro (PL), em viagens com aeronaves da FAB (Força Aérea Brasileira)”. Segundo o levantamento feito pelo portal de notícias, nos primeiros 40 dias de governo do atual presidente do Brasil, foram realizados 89 voos com aviões da FAB , o que representa 46% a mais do que a gestão do ex-presidente, que, nos primeiros 40 dias de 2019, utilizou as aeronaves em 61 viagens.
A assessoria do ministro da Fazenda Fernando Haddad, respondeu ao site UOL e explicou “que as viagens a São Paulo se justificam pelo fato de haver escritório do Ministério da Fazenda na cidade, o maior centro financeiro da América Latina”. Também em resposta ao site, a ministra da Saúde Nísia Trindade disse “que as viagens ao Rio eram necessárias porque é o estado que mais possui unidades de saúde vinculadas ao ministério”. Os ministros Haddad e Nísia, e o atual governador do estado de São Paulo Tarcísio de Freitas, disseram ao UOL que respeitam o decreto que regula voos da FAB.
Legislação que regula voos da FAB
De acordo com matéria publicada pelo UOL “desde 1999, decretos regulam o uso de voos da FAB por autoridades, ministros, comandantes de Forças Armadas e presidentes de Casas do Congresso e do Supremo Tribunal Federal”. Em 2020 o ex-presidente Jair Bolsonaro sancionou novo decreto que manteve a permissão do uso de voos da FAB por motivos de emergência médica, de segurança e a serviço e o voo deve ser compartilhado “sempre que possível” quando o intervalo entre os voos para o mesmo destino for “inferior a duas horas”. Para alegar necessidade de segurança, é preciso uma “justificativa que fundamente a necessidade”, afirma a regra. Segundo o site UOL, o decreto 10.267 de 05/03/2020, editado por Jair Bolsonaro, “ainda diz que essa justificativa é presumida quando os viajantes são os presidentes das Casas do Congresso e do Supremo e se dirijam a ‘local de residência permanente’.”
Também a matéria do UOL diz que “a versão anterior do decreto, baixada por Dilma Rousseff em 2015, proibia o trajeto para residência dos ministros. O texto foi revogado por Bolsonaro. Agora, o decreto estabelece que o registro em agenda oficial é a comprovação de que a viagem é para serviço”, informa o site.
Motivos para a realização dos voos
Para uma informação corretamente oferecida ao público, pelo UOL e por quem repercute o conteúdo, é preciso levantar, na avaliação dos números de voos da FAB,os respectivos propósitos para as viagens.
Bereia oferece como exemplo, a tragédia humanitária sofrida pelo povo Yanomami, que demandou ações emergenciais durante o primeiro mês do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. As ações resultaram em mais de 1.200 horas de voos da FAB para o território indígena conforme relatório da instituição divulgado em 4 de março deste ano. Além de levar autoridades e agentes públicos para atuarem no local, “a Força Aérea Brasileira (FAB) já entregou mais de 400 toneladas de mantimentos e medicamentos à população da Terra Indigena Yanomami em um mês de operação da instituição no território […] O transporte de suprimentos faz parte de uma das frentes de atuação das Forças Armadas na crise sanitária no território. As entregas tem sido feitas pelo Comando Operacional Conjunto Amazônia (Cmdo Op Cj Amz).”
Bereia avalia como IMPRECISA a notícia que o governo Lula usou voos da FAB quase 50 por cento a mais do que o ex-governo Bolsonaro em seus primeiros 40 dias de trabalho. A notícia do site UOL repercutida por políticos religiosos, em crítica ao atual governo, checada oferece conteúdo verdadeiro, com base em números, mas não contextualiza as demandas em que geraram a quantidade de voos da FAB. Isto pode levar o público a julgamentos errôneos sobre o uso de recursos governamentais do Poder Executivo. É desinformação e necessita de complementações e contextualização.
Os sites de notícias religiosas Gospel Prime e Pleno News publicaram matérias sobre suposta proibição feita à Igreja Católica pelo atual presidente da Nicarágua Daniel Ortega, de realizar procissões para celebrar a Quaresma e a Semana Santa neste ano. A deputada católica Carla Zambelli (PL-SP) também repercutiu a notícia em seu perfil no Twitter.
Imagem: reprodução Gospel Prime
Imagem: reprodução do Twitter
Informações desencontradas
O site de notícias “Expresso 50”, publicou matéria dizendo que fontes na Nicarágua afirmaram que a Polícia Nacional do país proibiu a Igreja Católica de celebrar procissões nas ruas do país durante a Quaresma e a Semana Santa. Também o site Adital, do Instituto Humanitas Unisinos sustentou em matéria publicada, que “o bispo da diocese de León e Chinandega Sócrates René Sandigo, afirmou por meio de um áudio que a autoridade policial só autorizou aVia Sacra internamente ou no átrio das paróquias, mas não nas ruas.”
No entanto, Bereia investigou e não encontrou notícias sobre proibição de procissões da Igreja Católica na Nicarágua em fevereiro deste ano em qualquer jornal da grande imprensa no Brasil. O site Vatican News, que traz várias publicações sobre violações de direitos humanos na Nicarágua (incluindo perseguição a bispos, padres e seminaristas católicos, presos e condenados no último ano) também não publicou notícia sobre proibição de procissões da Igreja pelo governo de Daniel Ortega em 2023.
Proibição de procissão… em 2022
Em agosto de 2022, os sites de notícias G1, CNN, Yahoo, UOL, Terra e Estado de Minas (EM) publicaram sobre a proibição de uma procissão da Igreja Católica feita pela Polícia da Nicarágua na capital Manágua. O site do EM disse que a Igreja Católica nicaraguense informou que , em 12 de agosto de 2022, foi notificada pela polícia que disse ter sido “por ‘motivos de segurança’, sobre a proibição da procissão de encerramento do congresso mariano e o fim da peregrinação da imagem da virgem de Fátima”. O evento estava agendado para o dia seguinte, um sábado, e a proibição aconteceu uma semana depois que o governo Ortega retirou do ar sete estações de rádio católicas.
Relações tensas
As relações entre o regime de Ortega e a Igreja Católica começaram a ficar tensas quando, em 2018, a igreja se colocou como mediadora durante protestos em todo o país contra uma proposta de seguridade social apoiada pelo presidente Ortega. Na ocasião, vários padres e bispos foram acusados de conspirar contra o país desde que a Igreja exigiu justiça para mais de 360 pessoas mortas durante as manifestações. Ainda sobre as mesmas manifestações, a Igreja Católica apoiou os participantes e os refugiou na catedral da capital do país, Manágua, por causa da violência usada pelas forças de segurança do governo da Nicarágua.
De acordo com notícias publicadas por diversos sites a tensão se agravou em agosto de 2022, quando a Polícia Nacional da Nicarágua cercou a casa episcopal e deixou incomunicáveis os bispos, padres e seminaristas que residiam no local.
Em março de 2022, a Nicarágua expulsou o embaixador do Vaticano.
Nos últimos anos o governo Ortega retirou do ar sete estações de rádio católicas que eram lideradas pelo bispo Rolando Álvarez, responsável pelas dioceses de Matagalpa e Esteli e um crítico do presidente.
Em entrevista à BBC News, o sociólogo e analista político nicaraguense Oscar René Vargas, 76 anos, disse queOrtega“atingiu a Conferência Episcopal da Nicarágua em seus dois principais nomes: o bispo estrategista, Dom Báez, foi exilado. E o bispo que organiza, Álvarez, está na prisão”. Em novembro de 2022, um grupo de policiais encapuzados invadiu a casa da irmã de Oscar René Vargas no bairro Bolonia, em Manágua e o prendeu. O sociólogo entrou na lista dos 222 presos nos últimos anos pelo governo que foram libertados e deportados para os Estados Unidos no dia 9 de fevereiro deste ano.
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Com base nas checagens realizadas, o Bereia classifica como INCONCLUSIVA a notícia que o atual presidente da Nicarágua, Daniel Ortega proibiu a Igreja Católica de celebrar procissões na rua durante a Quaresma e a Semana Santa em 2023. A notícia oferece conteúdos de substância informativa, mas não encontramos fontes que apresentem todos os elementos necessários para serem classificados como verdadeiros. São matérias que demandam cuidado, atenção e acompanhamento em torno da conclusão.
Leitores e leitoras do Bereia enviaram solicitações de checagem sobre uma série de publicações que circulam em mídias sociais religiosas e afirmam que o governo Lula estaria promovendo impedimento às ações missionárias em solo Yanomami. Os textos apresentam o o argumento de que durante o governo anterior houve maior possibilidade de atuação religiosa com povos originários, enquanto o atual governo estaria promovendo um boicote religioso movido por questões políticas.
Imagem: reprodução de site Pleno.News
Imagem: reprodução do Twitter
O que o atual governo federal encaminhou
Ao tomar conhecimento da atual situação dos povos Yanomami, o atual governo, junto a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) e a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), do Ministério da Saúde, expediram conjuntamente a Portaria GM/MS Nº 28, de 20 de janeiro de 2023, que estabelece uma série de procedimentos para acesso à Terra Indígena Yanomami. Diz a parte principal do documento:
Art. 1º Definir procedimentos para acesso à Terra Indígena Yanomami visando o resguardo a respeito aos povos indígenas durante o enfrentamento da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional.
Art. 2º O ingresso à Terra Indígena Yanomami será coordenado a partir das ações prioritárias definidas no Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública ( CO E – Yanomami ) .
Art. 3º As autorizações em vigor já existentes e emitidas pela Funai para ingresso na Terra Indígena Yanomami deverão ser reavaliadas pelo órgão indigenista, visando resguardar a integridade dos indígenas.
Art. 4º A Funai suspenderá novas autorizações de ingresso à Terra Indígena Yanomami no período de vigência da Portaria GM/MS Nº 28, de 20 de janeiro de 2023.
Art. 5º As autorizações de que trata esta Portaria não se aplicam aos profissionais de saúde e saneamento vinculados à Sesai e às instituições parceiras, aos servidores da Funai e aos demais servidores e agentes públicos em missão na respectiva Terra Indígena para os quais devem ser seguidas as orientações e as regulamentações específicas de seus órgãos, sempre em respeito aos direitos dos povos indígenas.
Com as medidas de controle territorais, apenas servidores em missão da FUNAI e SESAI poderão entrar em solo Yanomami. Ou seja, não apenas garimpeiros e grileiros estão sendo retirados das reservas nacionais, como também quaisquer outros grupos de pessoas não ameríndios que vinham tendo livre acesso à Terra Indígena Yanomami. Esta medida visa garantir a recuperação física dos povos originários, uma vez que boa parte das doenças, infecções e problemas de saúde que porventura venham a acometer essa população, são levadas até eles por meio do contato com pessoas de outras origens. Contudo, o procedimento também garante a não disseminação de enfermidades tropicais que podem circular entre os yanomamis em outras áreas do país, já que, ao transitar entre áreas urbanas e reservas, os missionários podem levar contaminações de uma área para outras.
A Portaria Conjunta, de janeiro passado, contém um anexo com as várias orientações aos servidores de órgãos como a FUNAI, o Ministério da Saúde, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), entre outros, únicas pessoas não-ameríndias que podem ter acesso à Terra Yanomami para prestar serviços. O anexo contém um termo de compromisso individual, que deve ser assinado por quem ingressa na Terra com o registro do objetivo da solicitação de entrada e da ciência de oito obrigações legais, entre elas a carteira de vacinação atualizada, mais as “Normas de conduta em Terras Indígenas”, compostas por 14 pontos: ida às aldeias, postura, saúde, uso de armas, drogas e bebidas alcóolicas, linguagem, alimentação, gestão do lixo, biodiversidade, artesanato, respeito à diversidade, uso de cartão de banco e senhas, outros.
O ponto nº 11 das “Normas de conduta em Terras Indígenas” diz: “Proselitismo religioso: é terminantemente proibido o exercício de quaisquer atividades religiosas junto aos povos indígenas, bem como o uso de roupas com imagens ou expressões religiosas”. Foi este registro o conteúdo explorado nas publicações de mídias religiosas, enviadas por leitores e leitoras ao Bereia para checagem, com a denúncia de impedimento da liberdade religiosa.
Abusos do proselitismo religioso
A presença de missões religiosas (católicas e evangélicas, especialmente) em terras indígenas no Brasil tem histórico que remonta à colonização. Direitos culturais são os mais afetados por ações de homogeneização e ocidentalização de usos e costumes, na busca do apagamento de diferenças. A conversão à fé cristã significou, também, ao longo dos séculos, a assimilação da cultura dos missionários na imposição da língua, da forma de vestir, de comer, de organizar a família e se relacionar com ela, de viver em comunidade, de se integrar ao meio ambiente, de fazer política.
“A Igreja Católica Romana mudou de atitude depois do Concílio Vaticano II, com a instituição das pastorais sociais e da discussão sobre inculturação do Evangelho, na América Latina, em especial, nas Conferências Episcopais Latino-Americanas de Medellín (1968) e Puebla (1979). Ainda assim, os grupos fundamentalistas, que se destacam no Catolicismo Romano na região, desde os anos do pontificado de João Paulo II, exercem incidência sobre as atividades missionárias, gerando tensão entre agentes comprometidos com as causas indígenas e negras e líderes que cobram ‘conversões‘”.
A pesquisa FESUR explica que “grupos evangélicos começam a atuar mais intensamente em meados do século 20, entre indígenas, especialmente por meio de agências missionárias estadunidenses, e entre populações negras, por meio de projetos evangelísticos de igrejas em territórios ocupados por elas. Nos anos 2000 identifica-se a ampliação das atividades destes grupos fundamentalistas, algumas delas atreladas a empresas do agronegócio, mineradoras, madeireiras, de garimpo e de especulação imobiliária, que buscam intervir em territórios dessas populações para alcançar seus interesses econômicos”.
Algumas agências missionárias evangélicas já foram alvo de processos judiciais por conta de violação de direitos indígenas no Brasil. Entre elas estão a Jovens com Uma Missão (Jocum) e a Missão Novas Tribos, que teve a identidade alterada, em 2017, para Ethnos 360º. A pesquisa FESUR mostra que a Jocum sofreu processo e teve missionários expulsos da aldeia Suruwahá, no Amazonas, em 2003, por “praticar proselitismo, desestruturar a comunidade (tendo gerado suicídios em massa), escravização de indígenas, extração ilegal de sangue, biopirataria de sementes da floresta, construção de pista de pouso ilegal, venda ilegal de madeira, remoção de indígenas de forma ilegal, sequestro de crianças e racismo”.
A pesquisa FESUR também mostra que a Missão Novas Tribos (Ethnos 360º) foi alvo de vários processos judiciais. Em 1991, o Supremo Tribunal Federal (STF) baniu a agência do território Zo’é, especialmente por conta da transmissão de doenças (gripe e malária), que ocasionaram 45 mortes de indígenas e, também, ações incompatíveis com a política para povos isolados em curso no país.
Durante o governo de Jair Bolsonaro, tanto a Jocum quanto a Missão Novas Tribos tiveram portas abertas para a ampliação de suas ações entre indígenas, em especial, os habitantes de aldeias isoladas (sem contato com pessoas não-indígenas). No final de janeiro de 2020, o presidente da MNT do Brasil Edward Luz, anunciou publicamente a aquisição do “helicóptero Ethnos360 Aviation R66” e disse a um pequeno grupo de evangélicos em reunião no Rio de Janeiro, que: “Deus fará qualquer coisa para que a humanidade ouça a Sua Palavra. Se um helicóptero se torna necessário, Ele o fornece”.
No início de 2020, um dos ex-missionários da MNT, o antropólogo Ricardo Lopes Dias foi nomeado para comandar a Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Funai. A nomeação foi contestada por associações indígenas, por organizações não-governamentais que atuam pelos direitos dos povos originários, pela Associação Brasileira de Antropologia, pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs, e pelo Ministério Público Federal, que ajuizou uma ação civil pública, em fevereiro de 2020, para suspender a nomeação do missionário Ricardo Lopes Dias. O processo pediu a suspensão da nomeação por evidente conflito de interesses, incompatibilidade técnica, risco de retrocesso na política de não contato adotada pelo Brasil, desde a década de 1980, e aponta ameaça de genocídio e etnocídio contra os povos indígenas.
Depois de nove meses de disputas judiciais com afastamentos e reconduções, Ricardo Lopes Dias foi exonerado (27 de novembro de 2020). Durante o período em que esteve na Funai, o missionário foi acusado, por lideranças indígenas, de omissão diante da ameaça da covid-19 nas aldeias, e de ter permitido a entrada de missionários da Ethnos 360° na área de índios isolados. Este caso foi denunciado ao Ministério Público Federal e à Diretoria de Proteção Territorial da Funai, classificado como ameaça à política pública do não contato aos índios isolados, e acusa o então coordenador da Funai de “proselitismo religioso junto aos indígenas recém-contatados”.
Religião e contaminação
No livro, “A queda do céu”, a liderança yanomami Davi Kopenawa e o antropólogo Bruce Albert lembram que os povos originários não têm o mesmo sistema imunológico que as pessoas de outras origens, logo, boa parte dos problemas de saúde que vitimam os yanomamis são frutos desse contato. “Fumaças de doença” ou “fumaça do metal” é como os povos yanomamis chamam as enfermidades provenientes do garimpo. Outras como gripes, sarampo, malária e varíola são chamadas de “doenças de contato”.
Neste contexto,as práticas de proselitismo religioso com povos ameríndios são, ainda hoje, uma questão recorrente nos debates públicos (políticos e acadêmicos). Estão incluídas dentre essas questões as práticas missionárias, a concepção de pessoa e infanticídio amerindio, crises humanitárias e questões socioculturais. Os defensores do isolamento, ou do mínimo contato, com os yanomamis argumentam que os mesmos possuem uma diferente compreensão e composição da realidade, o que difere substancialmente da visão ocidental. Nas discussões se argumenta que os yanomamis possuem uma compreensão e uma composição da realidade que diferem substancialmente da visão dos não-indígenas. É uma estrutura cultural que o pesquisador brasileiro Eduardo V. de Castro chama de “ontologia ameríndia”. Nesse contexto se destacam os povos ameríndios que ainda não possuem contato com pessoas de outras origens. Este processo cria uma série de impasses e questões humanitárias, uma vez que, com a cultura diferente, o contato entre esses dois grupos humanos gera não apenas um mal-estar físico (com as doenças trazidas pelos não-ameríndios), como um choque cultural, o que acaba por promover uma série de violências simbólicas e físicas, levando à morte em ambos os grupos.
Com a crise de saúde pública e humanitária que assola os povos yanomamis, passou a ser definido, oficialmente, que somente pessoas autorizadas pelo governo federal têm a permissão para entrar na Terra Indígena. As autorizações de permanência na região, segundo a Portaria, se aplicam aos profissionais da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) e a Funai, responsáveis pela contratação de servidores e agentes públicos na respectiva terra indígena, os quais devem seguir as orientações e as regulamentações específicas de seus órgãos, sempre em respeito aos direitos dos povos indígenas
No caso que envolve os povos Yanomami, as restrições e medidas protetivas estabelecidas na Portaria GM/MS Nº 28 são emergenciais e representam a garantia e manutenção da vida daquela população. Representam também a suspensão de ações abusivas de instrumentalização da religião cristã nos órgãos públicos que devem atuar na defesa da vida dos povos indígenas.
A abordagem sobre a proibição do proselitismo religioso em solo yanomami como impedimento da liberdade religiosa apaga a crise humanitária enfrentada na região provocada pela omissão governamental do mandato anterior. Os textos manipulam o teor da Portaria do atual governo, uma vez que o ponto referente ao proselitismo religioso não é medida inédita e está alocado em um conjunto de normas de conduta a serem observadas pelos profissionais que terão acesso às terras.
No art. 7º do documento está previsto que “os demais casos de solicitações de entrada em Terra Indígena não detalhados nesta Portaria serão avaliados pela Funai, sempre em diálogo com as comunidades indígenas, Sesai e COE, devendo a solicitação ter antecedência mínima de 5 dias úteis da data de ingresso pretendida”.
Tratar as medidas de salvamento da população yanomami sob grave risco de morte como impedimento à livre prática da religião é abordagem que não apenas ignora a seriedade da situação como também reduz uma crise humanitária e de saúde pública a uma disputa ideológico-partidária.
Bereia registra que atuação de igrejas e instituições religiosas em terras indígenas é uma questão complexa, que demanda reflexão e estudo, uma vez que não se trata de como agentes religiosos são recebidos ou tratados pelo governo federal, mas de como se dá a relação entre os agentes e os povos tradicionais e as consequências deste processo.
Para maior aprofundamento, Bereia recomenda a leitura do livro “A queda do Céu” e os estudos do antropólogo americanista Eduardo Viveiros de Castro, obras elucidativas sobre a vida, a cultura e o contato entre povos ameríndios e de outras origens.
* Matéria atualizada em 14/02/2023 às 12:50 para acréscimo de informações
Voltou a circular nas mídias sociais um vídeo em tom de denúncia que afirma que o presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teria 250 milhões de euros depositados no Banco do Vaticano, cujo nome oficial é Istituto per le Opere di Religione (IOR) [Instituto para as Obras de Religião]. Leitores do Bereia enviaram solicitação de checagem a respeito.
A “denúncia” foi feita em 2019, por um suposto diácono da Igreja, Jorge Sonnante, e foi desmentida à época pela instituição financeira e pela Santa Sé. Além disso, não são apresentadas evidências que confirmem que homem que faz as supostas denúncias é, de fato, um diácono.
Em entrevista ao programa de TV boliviano “Ahora con Roxana”, ancorado pela jornalista Roxana Lizárraga, Sonnante teria citado Lula e outros presidentes e ex-presidentes da América Latina, afirmando que teriam contas milionárias no Banco do Vaticano. Também o site colombiano El Expediente publicou reportagem sobre os documentos que comprovariam essas contas, em 9 de janeiro de 2019.
Imagem: reprodução do Kwai
No Brasil, o apresentador da TV Nossa Senhora de Fátima Emílio Carlos, diretor no Apostolado de Evangelização Nossa Senhora de Fátima, em Taubaté, no interior paulista, foi o responsável pelo vídeo que circulou nas mídias sociais com a falsa notícia. Ele usou um trecho da entrevista de Jorge Sonnante ao “Ahora con Roxana” para criar a desinformação que circulou no Facebook com mais de 140 mil compartilhamentos e, no Kwai, onde já tem mais de 35 mil visualizações.
Imagem: reprodução de frame de checagem do projeto Comprova
Não há contas de presidentes latino-americanos no Banco do Vaticano
Em um comunicado oficial divulgado em 11 de janeiro de 2019, após a falsa denúncia ser divulgada pelo El Expediente, o diretor interino de Imprensa da Santa Sé, Alessandro Gisotti disse ao site Vatican News: “Depois de verificar com as autoridades competentes, posso afirmar que nenhuma das pessoas mencionadas no artigo de ‘El Expediente’ jamais teve uma conta bancária no IOR, nem a possui atualmente, nem possui assinaturas de delegados em nomes de terceiros, nem teria – devido às normas adotadas pelo Instituto – algum título para realizar alguma operação. Os documentos apresentados como evidências são falsos. O IOR se reserva no direito de tomar medidas legais.”
O Vatican News mostra ainda na mesma matéria publicada em outubro de 2019, quem tem conta no IOR: “O Instituto para as Obras de Religião (IOR) possui 14.953 clientes, divididos da seguinte forma: Ordens religiosas (53%), dicastérios da Cúria Romana, escritórios da Santa Sé e do Estado da Cidade do Vaticano e nunciaturas apostólicas (12%), conferências episcopais, dioceses e paróquias (9%); entidades de direito canônico (8%), cardeais, bispos e clero (8%), funcionários e aposentados do Vaticano (8%); outros sujeitos, incluindo as fundações de direito canônico (2%)”.
A Agência Lupa informou ainda que a ColombiaCheck apontou uma série de inconsistências nas “provas” exibidas pelo El Expediente, como uma assinatura incluída digitalmente em um dos ‘documentos’ e trechos escritos em espanhol quando deveriam estar em italiano, entre outras incoerências. O banco não tem contas de pessoas físicas, mas apenas de instituições ligadas à Igreja Católica.
Com base em todas as checagens já feitas a respeito do tema, Bereia classifica como FALSA a notícia veiculada pelo vídeo que voltou a circular e faz acusações sem fundamento contra o atual presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o que também já foi desmentido pelo próprio Vaticano.
A notícia de que o atual Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, comprou, sem licitação, mobiliário no valor de R$379 mil ocupou as mídias digitais de políticos evangélicos nos últimos dias. Entre os que fizeram alusão ao fato estão o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) e o deputado federal pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), que também veiculou a notícia em seu blog pessoal em 6 de fevereiro.
Imagem: reprodução do site Sóstenes Cavalcante
Imagem: reprodução do Instagram de Sóstenes Cavalcante
A compra dos móveis foi realizada sem processo licitatório, mas a omissão de informações a respeito do respaldo legal para tal ação da Presidência da República sustenta uma falsa ideia de desrespeito às leis e desperdício de dinheiro público.
Compras sem licitação
O Diário Oficial da União (DOU) em 3 de fevereiro passado apresenta o Extrato de Dispensa de Licitação relativo à compra de bens móveis para recomposição do mobiliário da Presidência da República. O valor total da compra foi de R$ 379.428,00 em três empresas contratadas, Bioma Comércio de Móveis Ltda, que recebeu o valor de R$ 182.658,00, Conquista Comércio de Móveis Ltda, detentora de R$ 8.990,00, e Móveis German Ind. e Com Hotéis Turismo Ltda que alcançou o valor de R$ 187.780,00.
A dispensa de licitação, conforme aponta o Extrato publicado no DOU, foi fundamentada na Lei 8.666/1993, que, entre outras providências, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública.
O expediente existe para evitar que algumas atividades consideradas importantes, urgentes ou de menor impacto no orçamento tenham de enfrentar, sem necessidade, os longos trâmites burocráticos de um processo licitatório. Ainda de acordo com a Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Lei 14.133/2021, um dos motivos que autorizam a dispensa da licitação, por exemplo, é superar o risco à continuidade dos serviços públicos.
Como a compra circulou nas redes
Nas mídias sociais de figuras ligadas ao governo anterior, a notícia da dispensa de licitação por parte do atual é apresentada sem a informação de que se trata de um expediente legal. O deputado Sóstenes Cavalcante, ao compartilhar a notícia em sua conta no Instagram, utiliza a hashtag “lulaladrao” e outras que nada dizem respeito à notícia, numa tentativa de ampliar o alcance da publicação.
Imagem: reprodução do Instagram de Flávio Bolsonaro
Imagem: reprodução Telegram de Carlos Bolsonaro
O filho do ex-presidente, derrotado nas eleições de 2022, Jair Bolsonaro, senador Flávio Bolsonaro, na mesma mídia social, fala em “farra” com “dinheiro do povo”, utilizando na postagem a canção de Bezerra da Silva “Malandro é Malandro e Mané é Mané”. Seu irmão, Carlos Bolsonaro ironiza em sua conta no Telegram com os dizeres “se é pela democracia, de boas” (sic). Já o deputado federal Coronel Meira (PL-PE), fala em acionar a Justiça, e utiliza, em postagem no Instagram, um dos slogans de campanha do ex-presidente.
Imagem: reprodução Instagram de Coronel Meira
Nas publicações reproduzidas em perfis e grupos religiosos, os políticos da extrema-direita adotam o mesmo tom, sempre omitindo parte da informação e induzindo os leitores a acreditar que a mera dispensa de licitação configura mau uso do dinheiro público.
Mobiliário deteriorado
De acordo com o Metrópoles e outros veículos de imprensa, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República teria justificado a compra dos móveis em registro por e-mail. “Inédito extravio” e “deterioração de mobiliário” teriam sido usados para descrever a situação do patrimônio em imóveis da Presidência da República.
Em 5 de janeiro, a esposa do atual presidente, Janja Lula da Silva, convidou a reportagem da Globonews a visitar a residência oficial da Presidência, o Palácio Alvorada, e mostrou vários pontos que precisavam de reparos, itens danificados e outros faltando. Os veículos O Estado de Minas e Exame também informaram que os objetos desaparecidos seriam rastreados, o que, até então, permanece sem informações.
Imagem: tapete do Palácio do Alvorada, reprodução do G1
Três dias após Janja mostrar o estado de conservação do Palácio da Alvorada, manifestantes invadiram e depredaram os prédios do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF), deixando um prejuízo estimado de R$4 milhões, de acordo com a diretora-geral do Senado Ilana Trombka.
Imagem: móveis do Palácio do Planalto depredados, foto de Ricardo Stuckert/PR
O casal presidencial ficou hospedado em um hotel em Brasília até a finalização da reforma do Palácio da Alvorada, com a reposição do mobiliário. A mudança, que, historicamente, ocorria logo após a posse, ocorreu mais de mês depois, no último 6 de fevereiro.
Ao disseminarem a notícia sobre a compra dos móveis, opositores do governo Lula omitiram, entre outras informações, tais acontecimentos subsequentes que corroboram a justificativa apresentada pela assessoria de imprensa da Presidência da República de extravio e deterioração.
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Embora as informações divulgadas sobre os valores de compra de móveis sejam verdadeiras, a partir da pesquisa realizada pelo Bereia, é possível identificar que a forma em que foram dispostas torna o conteúdo enganoso, ou seja, oferece uma substância verdadeira, mas sua apresentação é desenvolvida para confundir e levar pessoas a acreditarem no que se deseja estabelecer como informação.
A compra dos móveis foi realizada sem processo licitatório, mas a omissão de informações a respeito do respaldo legal para tal ação da Presidência da República sustenta uma falsa ideia de desrespeito às leis e desperdício de dinheiro público. Os títulos e as imagens atrelados às postagens não correspondem ao que é exposto e há sensacionalismo para conquista de audiência. A ausência intencional de informações e as escolhas de imagens, trechos de músicas, hashtags e ironias tendem a causar confusão, configurando a desinformação.
* Matéria atualizada em 24/01/2023 às 12:54 para ajustes de texto e inserção de informações
Bereia recebeu pedido/s de checagem quanto à crise humanitária do povo Yanomami. Após a /divulgação de denúncias da grave situação de inanição e desnutrição de homens, mulheres e crianças indígenas, uma comitiva liderada pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e os ministros dos Direitos Humanos, da Saúde, dos Povos Originários e da Defesa visitou, em 21 de janeiro, a região dos yanomamis em Roraima.
Apesar dos documentos anteriores (que somaram várias páginas), ações de socorro aos povos da tribo Yanomami abortadas e dos relatos do drama daquelas pessoas, que vieram à tona nos últimos dias, influenciadores evangélicos e simpatizantes do ex-presidente Jair Bolsonaro disseminaram desinformação. Publicações em mídias digitais passaram a questionar a veracidade das imagens, os dados apresentados, a nacionalidade dos indígenas (com a falsa alegação de que são venezuelanos) e, também, o grau de responsabilidade do governo anterior diante das denúncias de etnocídio e pelas mortes por inanição, que entre elas mais de 500 crianças.
Imagem: reprodução do site Poder DF
Imagem: reprodução do Instagram do pastor Ricardo Martins
O Ministério da Saúde instalou o Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública (COE – Yanomami) como mecanismo nacional da gestão coordenada da resposta neste campo. A gestão do COE estará sob responsabilidade da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai/MS), considerando a tipologia da emergência.
Uma equipe da Força Nacional do Sistema Único de Saúde (SUS) com 13 profissionais instalou um Hospital de Campanha. Outra equipe multidisciplinar com oito profissionais da área de saúde da Aeronáutica (FAB) foi deslocada de Manaus (AM) para a região de Surucucu (a cerca de 270 km a oeste da capital roraimense). Outra medida é o início do transporte de retorno para as aldeias dos yanomamis sem problemas de saúde e que se encontram na Casa de Saúde Indígena de Boa Vista.
A ação interministerial irá acompanhar de perto a crise sanitária do povo Yanomami, vítima de desnutrição e de outras violações dos direitos humanos – com atenção especial para as ameaças de morte a autoridades, agentes de saúde e indigenistas, já anteriormente denunciadas ao Governo Federal (leia aqui o inteiro teor das denúncias anteriores)
Damares se defende, mas cai em contradição
No campo das denúncias que circulam nas mídias sociais, além de Jair Bolsonaro, o nome mais citado de autoridades a serem responsabilizadas é o da ex-ministra e senadora eleita Damares Alves (PL/DF).
Imagem: reprodução de tweets do procurador do MPF Mario Bonsaglia relatando a situação com os Yanomamis nos últimos três anos
Com a publicação de matérias jornalísticas que expuseram documentos e ofícios que mostram omissão do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos diante de denúncias da grave situação dos yanomamis, desde 2019, Damares Alves publicou tuítes nos quais alega ter realizado ações a favor dos indígenas, afirmando que os governos anteriores é que provocaram o caos. Tais justificativas, que serão checadas posteriormente pelo Bereia, acabaram contrapondo seus próprios apoiadores e os do governo Bolsonaro que insistiam nas publicações de negação da crise humanitária e da identidade dos yanomamis.
Imagem: reprodução do Twitter do Ministério da Saúde
Na noite de 23 de janeiro, o Ministério da Saúde publicou nota com a afirmação de que é falsa a informação de indígenas encontrados em estado grave não são brasileiros.
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Bereia verificou serem falsas as publicações que circulam em mídias digitais de lideranças e influenciadores religiosos negadoras da crise humanitária e da própria identidade dos yanomamis brasileiros, habitantes da terra indígena em Roraima. Qualquer publicação neste sentido, além de falsa, é manifestação de desumanidade diante da situação dramática vivida por aquela população.
Referências de checagem:
Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI). https://www.gov.br/funai/pt-br/assuntos/noticias/2023/conheca-as-medidas-de-socorro-aos-yanomami-ja-anunciadas-pelo-governo-federal Acesso em: 23 jan 2023.
Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2197283 Acesso em: 23 jan 2023.
O Globo. https://oglobo.globo.com/epoca/guilherme-amado/damares-alegou-falta-de-consulta-indigenas-ao-pedir-veto-para-oferta-de-uti-agua-potavel-24632056?versao=amp Acesso em: 23 jan 2023.
Yahoo!Notícias. https://br.noticias.yahoo.com/veto-de-bolsonaro-a-lei-de-protecao-a-indigenas-foi-pedido-de-damares-141323609.html Acesso em: 23 jan 2023.
Twitter. https://twitter.com/Mario_Bonsaglia/status/1617315163626946560?t=4gdNGTxGwgxuBFU1LO-AYg&s=19 Acesso em: 23 jan 2023.
https://twitter.com/DamaresAlves/status/1617219040535089154?cxt=HHwWhMC8scSJwvEsAAAA Acesso em: 23 jan 2023.
https://twitter.com/minsaude/status/1617648714566471693 Acesso em: 23 jan 2023.
Ministério da Saúde. https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2023/janeiro/ministerio-da-saude-esclarece-que-indigenas-resgatados-no-territorio-yanomami-sao-brasileiros-1 Acesso em: 23 jan 2023.
FERNANDES, Rhuan Muniz Sartore. A epidemia do garimpo ilegal e o avanço da covid-19 na terra indígena Yanomami. Revista Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 7, nº 14, pp. 214-226, maio-agosto de 2021.
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Foto de capa: Ricardo Stuckert/Presidência da República
*Matéria atualizada no dia 13/12/2022 para correção de informações. Na primeira versão do texto, que repercute matéria de Aos Fatos, constava que os conteúdos relativos a contatos com alienígenas havia sido também compartilhados por perfis religiosos, o que não ocorreu.
Circula em mídias sociais religiosas conteúdo falso alegando a morte do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Os conteúdos produzidos vão da morte do futuro presidente, até trocas de corpos, e pedidos de intervenção alienígena.
A desinformação a respeito da morte de Lula tem ganhado popularidade após a vitória do líder do Partido dos Trabalhadores (PT). Em pouco mais de 30 dias a falsa morte de Lula tornou-se um dos principais assuntos pesquisados na ferramenta de busca Google, atingindo o top cinco nacional. Com esta “notícia” vieram também dúvidas sobre seu estado de saúde e teorias da conspiração envolvendo um sósia dele.
As falsidades sobre a morte de Lula dividiram opiniões entre influenciadores evangélicos. De um lado ficaram os produtores de conteúdo que defendiam que, de fato, o presidente havia morrido – como é o caso dos que compartilharam publicações do advogado Marcelo Suave. Em live, Suave afirmou que lula havia morrido graças a complicações do câncer na laringe.
Já outros influenciadores e canais conservadores que afirmaram que essa era uma estratégia de marketing envolvendo Lula, o PT e comunistas, para confundir a população e desorganizar o movimento bolsonarista denominado “patriótico”. Vídeos do canal Mundo Polarizado News e do jornal Gazeta do Povo reforçam esta noção.
Após aparições do presidente eleito em matérias jornalísticas, entrevistas, e eventos públicos (dentre eles COP27 – Conferência do Clima das Nações Unidas -, no Egito), passou-se a divulgar que um sósia havia assumido o lugar de Lula e imagens foram manipuladas para encobrir algumas falhas na prótese usada pelo sósia.
Entre influenciadores que ganharam mais seguidores com o tema, está o pastor da Igreja Porto de Cristo (em São João Batista/SC) Sandro Rocha, que incluiu o caso em suas lives no YouTube, com trechos em vídeos curtos nas redes do TikTok, Kwai e Helo. Em 15 de novembro, o pastor apoiador da campanha de Jair Bolsonaro à reeleição, exibiu fotos antigas de Lula para comparar e insinuar que não se trata da mesma pessoa. “Você pensa o que você quiser, eu só vou te mostrar as fotos”, diz ele na live que, segundo Aos Fatos, chegou a 344 mil visualizações no YouTube e mais de dois milhões em trecho no TikTok. .⁸
Imagem: reprodução do YouTube
Ao publicarem capturas de tela, vídeos de análise de imagens e especialistas em edição e manipulação de fotografia, os influenciadores passaram a, não apenas a produzir conteúdo sobre a falsa morte de Lula, como também alegar que seu corpo estaria escondido e ele foi substituído por um sósia que usava uma máscara de silicone com o rosto do presidente morto. Uma das “provas” era que a pessoa que aparecia nas imagens possuía dez dedos (já que é de conhecimento notório que Lula tem nove dedos, uma vez que ele perdeu um em um acidente de trabalho décadas atrás).
Bereia lembra que a produção de conteúdo falso sobre Lula e apoiadores é campo fértil e em constante transformação, não se restringindo apenas ao período de disputa eleitoral. A desinformação produzida por perfis alinhados a uma campanha bolsonarista têm sido verificadas pelo Bereia, e suas abordagens se estendem desde embates religiosos e suposta ameaça comunista, até acusações de satanismo, entre outras variações alinhadas a disputas que envolvem grupos extremistas da direita política. Os que mais fazem uso destes recursos para convencer e captar apoiadores.
Matéria publicada pela Folha de S. Paulo, em 24 de novembro passado, com o título “Lula diz que vai cobrar apoio de evangélicos a vacinas ou responsabilizar igrejas por mortes” foi fonte para uma série de publicações críticas ao presidente eleito em mídias digitais religiosas.
Imagem: Reprodução do site do jornal Folha de S. Paulo
As publicações, como as reproduzidas a seguir, em sites de notícias gospel e mídias sociais de apoiadores religiosos do atual governo, ganharam tom de terror verbal e deram fôlego ao tema desinformativo mais disseminado durante as eleições, segundo levantamento do Bereia, a “perseguição a cristãos e a igrejas”.
Imagem: reprodução site Pleno.News
Imagem: reprodução do Twitter, perfil de Damares Alves, 24 nov 2022
Imagem: reprodução do Instagram do senador eleito Magno Malta (PL/ES), 26 nov 2022
A matéria da Folha de S. Paulo
A matéria que serviu de base para nova safra de publicações sobre “perseguição a igrejas”, relata reunião fechada da equipe de saúde do governo de transição com representantes de várias áreas da saúde, em 24 de novembro, em Brasília. Segundo o jornal, a reunião teve formato híbrido e a participação do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se deu por vídeo.
No relato da Folha de S. Paulo, Lula teria afirmou aos participantes da reunião: “Eu pretendo procurar várias igrejas evangélicas e discutir com o chefe delas: ‘Olha, qual é o comportamento de vocês nessa questão das vacinas?’”. Ele teria dito ainda, segundo o texto: “Ou vamos responsabilizar vocês pela morte das pessoas”.
O presidente eleito ainda teria dito, de acordo com a matéria, que os primeiros cem dias de seu governo terão como foco a recuperação do PNI (Programa Nacional de Imunizações), o aumento da cobertura vacinal e a restauração da confiança da população, que, segundo a avaliação de Lula, foi afetada por fake news sobre o tema. “Vamos ter de agora pegar muita gente que combateu a vacina que vai ter de pedir desculpa”, teria dito o presidente eleito.
A matéria da Folha de S. Paulo relatou ainda que Lula se comprometeu a “enfrentar a burocracia da máquina pública” diante do sofrimento da população na busca de atendimento médico e atender demandas com a questão do autismo. Além destes temas e o da cobertura vacinal, o fortalecimento do Serviço Único de Saúde (SUS) também foi pauta do diálogo com o presidente eleito, segundo o jornal.
A reportagem cita a participação de ex-ministros da Saúde na reunião (Alexandre Padilha, Arthur Chioro, José Gomes Temporão, José Agenor e Humberto Costa, bem como de representantes do Instituto Butantan, da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, da Opas (Organização Pan-Americana da Saúde), da Fiocruz, do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde), do Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde) e ex-chefes de PNI, entre outros órgãos.
A fala do presidente eleito na reunião fechada durou cinco minutos, foi assistida por algum interlocutor em um notebook, gravada em telefone celular e publicada em link da TV UOL. O link está inserido na matéria da Folha de S. Paulo. A menção às igrejas evangélicas foi uma parcela do total da exposição de Lula que durou 38 segundos.
Reações e novo destaque no noticiário
O destaque do jornal Folha de S. Paulo à parcela da fala do presidente que mencionou as igrejas provocou publicações críticas, como as citadas acima, e notas públicas de organizações evangélicas. A Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) publicou nota de repúdio à fala de Lula na reunião fechada, em 25 de novembro, com base na matéria do jornal.
Segundo a nota da Anajure, o repúdio refere-se ao fato de Lula, “ao generalizar o segmento evangélico, desconsidera os múltiplos exemplos de colaboração de interesse público ocorridos na pandemia e na sociedade brasileira, afastando-se da via adequada para os debates acerca da vacinação com as entidades religiosas e o público em geral, qual seja, o do consentimento informado”.
A Anajure afirma na nota que “tal perspectiva, que aposta num consentimento informado, colide com discursos excludentes que, próximos da ameaça, terminam por se mostrar contraproducentes”.
A Frente Parlamentar Evangélica também publicou nota de repúdio, assinada pelo presidente, o deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL/RJ), também em 25 de novembro. No texto, a FPE se coloca “em defesa de todos os Evangélicos do Brasil” para repudiar a fala de Lula. Segundo o texto, “ao complementar a fala LULA disse que vai ‘pegar muita gente’ demonstrando claro intuito de perseguir preconceituosamente à comunidade Evangélica, visto que não se referiu a nenhuma outra organização religiosa, sindical e ou a qualquer outro segmento da sociedade que defende a ampla liberdade de escolha de seus integrantes”.
A FPE, mantendo a postura de oposição ao presidente eleito com uso do terror verbal, ainda afirma na nota que: “Discursos como esse reforçam a necessidade de continuarmos conclamando nossa sociedade a refletir sobre os fundamentos e os princípios que nortearão a República, caso Lula assuma e permaneça na presidente, eis que tal fala conduz o país ao temeroso caminho da discriminação, preconceito e intolerância religiosa, especificamente contra os Evangélicos”.
O jornal O Globo repercutiu o caso, na mesma direção da Folha de S. Paulo, e publicou, em 26 de novembro, matéria com o título “Pastores e bancada evangélica reagem a cobrança de Lula sobre vacina”.
Imagem: reprodução de O Globo, 26 nov 2022
Para o conteúdo, o jornal fez uso de um vídeo publicado em mídias sociais, pelo pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia, no qual ele critica o Partido dos Trabalhadores (PT) e afirma que o presidente eleito tem “preconceito com a igreja evangélica”.
O Globo ainda transforma em notícia um extrato da gravação do pastor Malafaia em que ele ataca o presidente eleito e o Supremo Tribunal Federal de forma grosseira: “Que moral o Lula tem para cobrar alguma coisa? Vai lavar essa sua boca de cachaça. você só está aí porque tem amiguinho no STF (Supremo Tribunal Federal) que liberou você. Você foi condenado em todas as instâncias por corrupção. Quero ver que líder evangélico que vai receber esse crápula”.
Além de Silas Malafaia, os pastores ouvidos por O Globo, críticos à fala de Lula, foram os deputados federais vinculados às Assembleias de Deus, apoiadores da reeleição de Jair Bolsonaro, Sóstenes Cavalcate, Otoni de Paula (MDB/RJ) e Marco Feliciano (PL/SP). Um deputado federal pastor foi ouvido “em contraponto”, Davi Soares (União/SP), da Igreja Internacional da Graça de Deus, que, segundo a matéria, afirmou que “sua igreja ‘é 100% a favor da imunização’ e que tomou quatro doses da vacina contra a Covid-19”. O pastor e deputado apoiador do atual governo, declarou à reportagem ter as portas abertas ao diálogo com Lula: “O presidente, tendo contato com as lideranças das igrejas, verá que apoiamos a vacinação por completo. Tomara que ele as procure”.
O tom da reunião da equipe de transição
Para compreender o contexto da fala do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva na reunião com o Grupo de Trabalho em Saúde da equipe de transição para o novo governo, Bereia ouviu a pesquisadora da Fiocruz e ex-presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS) Dra. Socorro Souza. Ela integra o GT como representante da diversidade regional, racial e de gênero na área da saúde.
Socorro Souza avalia que a matéria da Folha de S. Paulo cobre “incorretamente ou insuficientemente alguns dos importantes pontos abordados na reunião; que não somente a fala do presidente eleito”. A ex-presidente da CNS relata que foi tratado o relevante tema da defasagem no orçamento da saúde decorrente do teto de gastos, superior aos 22,7 bilhões anunciados. Segundo ela “este valor a ser recomposto resulta da aplicação da Lei 141/2012, que determina à União aplicar o valor do ano anterior somado à variação do PIB. Algo que se aproxima de 10% da receita corrente líquida da União”.
Sobre a vacina e o Plano Nacional de Imunização (PNI), Socorro Souza explica que “o presidente iniciou sua fala referindo-se à importância de se falar com a sociedade, as famílias e o povo (e não somente os evangélicos) para que possam voltar a acreditar na eficácia das vacinas, e não mais nas ‘brincadeiras’ ditas pelo atual governo”.
A pesquisadora acrescenta que Lula “fez elogios aos trabalhadores da saúde e afirmou que quer que o trabalhador tenha qualidade de vida. Que vai procurar conversar com líderes religiosos (das igrejas)”. Socorro Souza acrescenta que o presidente eleito “mencionou, neste contexto, a responsabilidade sanitária de autoridades. Sobre responsabilidade por mortes, a referência foi feita a Bolsonaro, atual Presidente da República”.
A ex-presidente do CNS ouvida pelo Bereia, reitera a fala do ex-ministro da Saúde Arthur Chioro, citada na matéria da Folha de S. Paulo, que, segundo ela, “contextualiza e usa palavras que retraram o exato sentido dos conteúdos abordados na reunião”. Ela se refere ao trecho da reportagem que cita a afirmação de Chioro: “Muito bom saber que nós temos um presidente que participa da reunião com a sociedade de especialistas e que se compromete [com a pauta]. O Brasil vai contar com o presidente da República liderando a retomada do nosso Programa Nacional de Imunização e do enfrentamento da pandemia”.
A fala de Lula na reunião (transcrição em blocos de assuntos):
00:00 a 1:30 (um minuto e meio): Primeiro, eu estou muito feliz com a reunião. Era exatamente este tipo de discussão que eu queria ouvir. E estou mais preocupado é como vocês vão sistematizar toda esta história. O dado concreto, gente, é que vou sair agora e só queria dizer o seguinte. Nós vamos ter que tratar neste mandato na saúde tentando vencer um pouco a burocracia na máquina pública. Você foi ministro, Padilha foi ministro, Humberto foi ministro, Temporão foi ministro, e sabe como às vezes a máquina emperra, a máquina não anda. Às vezes um burocrata faz e não faz, nós vamos ter que tentar lidar com isto porque todo o nosso lema, além da saúde de qualidade é a gente tentar atender este povo, povo está muito sofrido. Consegue até ir a Upa depois não consegue mais nada. O povo fica esperando, esperando e a gente não pode deixar isto.
1:31-2:09 (38 segundos): A gente não pode, de forma precipitada, achar que a gente anunciar vacina, o povo vai tomar. Não. O povo tem que ser convencido outra vez da eficácia da vacina, e nós vamos ter agora que pegar muita gente que combateu a vacina, que vai ter que pedir desculpa. Eu, pelo menos, pretendo procurar várias igrejas evangélicas e discutir com o chefe deles o seguinte: ‘Qual é o comportamento de vocês nessa questão da vacina?’ Ou nós vamos responsabilizar vocês pelas mortes das pessoas.
2:10-2:19 (nove segundos): Outra coisa que me preocupa é que temos que levar médicos para o interior longínquo, para aqueles lugares que ninguém quer ir.
2:20-2:49 (29 segundos): Estamos com um desafio muito grande. Nós temos que tentar fazer. Neste ano, eu tenho desejo de fazer neste ano tudo o que eu não fiz em oito anos. A gente não conseguiu fazer porque não conseguiu, não tinha expertise para fazer. Hoje nós temos muita gente com expertise, temos aí cinco ministros, muita gente com expertise para ajudar.
2:50-3:00 (10 segundos): Nos próximos dias eu vou passar a escolher o ministério e qualquer ministro da saúde, da educação, vai ter uma gama de gente para ajudar, não para atrapalhar.
3:01-3:36 (35 segundos): A saúde para mim é uma coisa muito dura porque a gente ouve no palanque, quando a gente desce do palanque, as pessoas que vêm abraçar a gente, muitas vezes, vêm pedir coisas, e uma coisa que me assusta é a preocupação com o autismo. Você não tem noção, Chioro, quantas pessoas no palanque falavam ‘Lula, faz alguma coisa pelo autismo, eu tenho um filho autista”. É uma coisa que eu nem me dava conta.
3:37-4:16 (39 segundos): nós precisamos voltar a ter uma medicina humanizada, qualificada e funcional. Esta é a ideia básica e por isso é que eu estou gostando da reunião. Esta reunião serve de base para a gente ter um bom começo de mandato. Eu não posso estar anunciando algumas coisas e esperar três meses para começar. Tem que ser logo. Por exemplo, farmácia Popular, estas coisas, nós vamos ter que dar de bico, e começar a ganhar este jogo.
4:17-5:00 (43 segundos): eu queria só agradecer. Padilha, a Janja acha que eu estou falando demais, eu queria agradecer [comentários]. Espero que vocês vão ter um relatório disto que eu gostaria de receber – está gravando, né Padilha? Eu quero receber tudo. Vocês vão ficar até que horas? [comentários]. Se eu puder eu entro um pouco à noite. Muito obrigado.
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Bereia classifica as matérias da Folha de S. Paulo e de O Globo como imprecisas. Os veículos de notícias desinformam com imprecisão em vários elementos.
A Folha de S. Paulo promove desinformação ao dar destaque à menção de 38 segundos sobre as igrejas evangélicas na fala do presidente eleito, sem contextualizá-la, no que dizia respeito ao tratamento do tema do Plano Nacional de Imunização, colocado na reunião como uma das prioridades para o novo governo na área da saúde. O papel das igrejas evangélicas não foi o tema central da reunião e nem da fala de cinco minutos de Lula, que teve oito blocos temáticos, como se pode observar na transcrição oferecida pelo Bereia nesta matéria.
A desinformação, produzida por extrato de material de reunião fechada da equipe com a participação do presidente eleito, destacada no título da matéria (muitas vezes, o único conteúdo lido pelo público), induz à compreensão de um destaque às igrejas evangélicas que não ocorreu. A opção do jornal por uma hierarquização temática, que provocou reações entre os evangélicos, citados brevemente na reunião, leva à conclusão de ter ocorrido uma deliberada alimentação da tensão já existente com o presidente eleito desde o período eleitoral, com a suposta ameaça de perseguição a igrejas em futuro governo de esquerda.
Isto se reflete na forma como as reações se deram em publicações de indivíduos e de mídias religiosas apoiadores do atual governo e nas notas públicas de organizações ligadas ao segmento evangélico. Elas reacenderam o tema desinformativo da “perseguição a igrejas” como usado na campanha eleitoral de oposição à candidatura de Lula.
A ação desinformativa da Folha de S. Paulo se estende na matéria de O Globo, que repercute várias reações críticas de líderes evangélicos, a maioria políticos de oposição ao presidente eleito. O jornal chega a publicar um ataque grosseiro a Lula, em vídeo publicado na internet, que atinge também o STF e faz uso de mentiras, sem informação que ofereça contraposição.
A reportagem de O Globo ouviu apenas um deputado federal pastor “em contraponto” e desconsiderou outros que teriam relevância para o tema, como lideranças fora do campo político, que pudessem opinar sobre uma possível cobrança de apoio das igrejas em relação à vacinação.
A desinformação se configura ainda no fato de que nem a Folha de S. Paulo nem O Globo recuperaram o papel exercido por diferentes lideranças evangélicas no contexto da pandemia de covid-19 para se verificar a pertinência de uma “responsabilização” em relação a “comportamento em relação a vacinas” da parte do futuro governo. Estes veículos de notícias também não buscaram informação dos participantes da equipe de transição sobre o porquê da menção de igrejas evangélicas pelo presidente eleito quando o tema tratado foram as vacinas.
Sites gospel e políticos religiosos repercutiram uma suposta proposta do governo recém-eleito: restabelecer o imposto sindical obrigatório, extinto a partir da promulgação da reforma trabalhista pelo governo de Michel Temer (2016-2018), referendada pelo STF após contestação das centrais sindicais.
Imagem: reprodução site Pleno.News
Imagem: Twitter
A fonte da suposta proposta é uma reportagem da revista Veja. A matéria menciona que estaria sendo discutida pela equipe de transição do futuro governo uma “taxa negocial” que substituiria o imposto obrigatório e, de acordo um economista consultado, o valor arrecadado seria em torno dos 4 bilhões de reais.
De acordo com Veja, a suposta proposta funcionaria da seguinte maneira: o sindicato realizaria uma assembleia e decidiria sobre a criação da taxa e o percentual que recairia na folha de pagamentos do trabalhador. Os 4 bilhões de reais que seriam arrecadados são uma estimativa de um economista anônimo e, segundo a matéria, o número seria esse se o imposto fosse recriado nos mesmos moldes anteriores à reforma.
A reforma trabalhista de 2017 extinguiu a obrigatoriedade da contribuição. A partir de então, passou a ser opcional.
Imposto sindical x Taxa negocial
A matéria de Veja cita que a equipe de transição estaria tratando da criação de uma “taxa negocial”, equivalendo-a ao imposto sindical. Porém não se trata da mesma coisa. Enquanto o antigo imposto sindical recolhia contribuições compulsórias de trabalhadores (sindicalizados ou não), na taxa negocial as assembleias de sindicatos votariam a adesão ou não ao pagamento da taxa.
O coordenador da equipe de transição do novo governo, o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin, nomeou, para o grupo temático relativo ao tema “Trabalho”, diversos nomes ligados a centrais sindicais e também de institutos de pesquisa e acadêmicos. Oficialmente nada foi divulgado quanto ao retorno ou proposta de substituição do imposto sindical obrigatório.
No site do Partido dos Trabalhadores, entre as propostas de Lula para gerar emprego e renda, não existe menção ao imposto sindical. Sobre a reforma trabalhista, o partido classifica como uma mudança negativa para os trabalhadores, pois não gerou emprego e só retirou direitos. Desta maneira, Lula pretende se reunir com sindicatos e empresários para criar uma nova legislação trabalhista, que proteja os trabalhadores, dando especial atenção aos autônomos, aos que trabalham por conta própria, aos trabalhadores e trabalhadoras domésticas, ao teletrabalho ou home office e aos trabalhadores por aplicativo.
Em entrevista concedida ao portal UOL, em 22 de novembro, o deputado federal eleito Luiz Marinho (PT/SP), um dos nomes mais fortes do partido na área trabalhista, afirmou que vê chance zero de o imposto sindical voltar. Para ele, o que tem que acontecer é a constituição de uma nova legislação, com base nos desafios que estão colocados hoje”.
Os valores apresentados por Veja
A matéria da revista Veja repercutida pelos sites gospel e pelos políticos religiosos, não explica como o economista anônimo consultado chegou aos valores citados e cria uma falsa relação de causa e efeito. A matéria cita a suposta proposta de recriação de um imposto, em moldes diferentes do anterior, mas citando valores que seriam arrecadados caso o imposto recriado fosse exatamente como o anterior. A matéria também não menciona qualquer informação oficial ou declaração de membros da equipe de transição do governo, ou mesmo do presidente ou do vice-presidente eleitos.
A importância dos sindicatos
O economista e mestre em Desenvolvimento Regional William Lima Freire, ouvido pelo Bereia, aponta que fortalecer os sindicatos é a melhor forma de promover a distribuição de renda na economia.
“É preciso enfatizar que, de acordo com muitos economistas, incluindo o best-seller Thomas Piketty, fortalecer os sindicatos é a melhor forma de promover a distribuição de renda na economia”, diz Freire.
O especialista explica que “após fazer uma pesquisa internacional com dados de diversos países do mundo, Piketty constatou que os países com sindicatos fortes possuem maiores participações de salários na economia, por exemplo, países com sindicatos fortalecidos possuem 70% da renda sendo salário e 30% sendo lucros. Países como EUA, Inglaterra e França, possuem grande participação dos salários na renda. Países com sindicatos fracos, sem organização e sem incentivos, tendem a possuir menos salários e maiores lucros, alguns países chegam a ter 70% de lucros e 30% de salários. É o inverso da situação anterior”.
Freire complementa que, considerando as observações de Piketty, isso deve ser um sintoma da fragilidade dos sindicatos no Brasil. Sindicatos fracos não conseguem cobrar maiores salários. Assim, a melhor maneira de aumentar os salários na economia é iniciar uma política econômica de fortalecimento dos sindicatos, para que os mesmos tenham força de exigir maiores salários para os trabalhadores.
Quanto ao “retirar dos trabalhadores”, Freire pontua que a expressão está errada. “Veja bem: o governo não pode ficar com nenhum centavo, é todo repassado para os sindicatos. E os sindicatos vão gastar esse dinheiro que vai voltar para a economia virando lucro e salários de outros trabalhadores. Sai de uns e volta pra outros. O dinheiro continua na economia, circulando em forma de lucros e salários. Concluindo, vejo apenas saldo positivo nesse tributo. Quem não gosta deles são os grandes empresários e investidores que vivem de dividendos, pois o aumento de salário distribui renda, e isso é ruim para milionários que querem apenas concentrar renda.
A matéria de Veja repercutida pelas mídias sociais de apoiadores do atual governo busca fazer crer que os próprios direitos dos trabalhadores seriam instrumentos criados para prejudicar eles próprios e patrões. Nesta lógica, empregadores até gostariam de pagar mais, mas não o fazem pois seriam impedidos pelos direitos trabalhistas.
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Bereia classifica as notícias repercutidas pelos sites gospel e por políticos relacionados ao atual governo como falsas. Não existe qualquer informação oficial da equipe de transição ou declaração de membros do PT ou dos partidos da coligação, ou ainda de figuras importantes ligadas a estes partidos que mencionem proposta de recriação do imposto sindical obrigatório.
A matéria também não contempla o papel dos sindicatos, nem traz o contexto histórico da contribuição sindical, bem como suas correlações com os direitos trabalhistas.
Sites como PlenoNews, Gospel Mais e Gospel Prime divulgaram em 4 de novembro um relatório que seria uma prova contumaz de fraudes nas eleições brasileiras para a Presidência da República, cujo segundo turno foi realizado em de outubro e elegeu o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para mais um mandato como presidente do Brasil.
A “auditoria” teria sido realizada por iniciativa privada de brasileiros e teria gerado um dossiê apócrifo de 70 páginas, enviado por uma pessoa não identificada ao dono do canal “La Derecha Diario”, o argentino Fernando Cerimedo. A apresentação foi feita em uma live transmitida por Cerimedo no YouTube e no Twitch no mesmo dia da publicação dos sites. A transmissão foi derrubada pelo YouTube, e o canal não está mais disponível no Brasil, por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Imagem: reprodução do site Gospel Prime
Imagem: reprodução do site Gospel Mais
Imagem: reprodução do site Pleno News
Imagem: reprodução do site do jornal O Globo
O principal argumento apresentado na live afirma que cinco modelos antigos de urnas eletrônicas (UE2015, UE2013, UE2011, UE2010 e UE2009) usadas na eleição deste ano registraram mais votos para Lula (PT) do que para Bolsonaro (PL). Esses modelos, diz o dossiê, não teriam sido submetidos a testes de segurança. Ainda de acordo com o documento, apenas a urna UE2020 teria passado pelo crivo de peritos de universidades federais e das Forças Armadas. Essa informação, entretanto, é falsa porque todos os modelos de urna eletrônica já foram submetidos a testes, de acordo com o Superior Tribunal Eleitoral. Além disso, Cerimedo alega que há divergências entre os arquivos de log (registro de eventos) entre urnas do mesmo modelo. Em mensagem que circula no WhatsApp, apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) usam as alegações do marqueteiro argentino para espalhar mais informações falsas sobre o resultado do pleito 2022.
O argentino alega que recebeu dados de uma auditoria privada do Brasil, no entanto, não revela o nome do grupo ou empresa que levantou as informações. “Essa informação chegou em nossas mãos a menos de 72 horas e foi realizada por parte de pessoas privadas no Brasil que registraram anomalias em diferentes estados do Brasil”, afirma Cerimedo na live em que apresentou sua teoria. O vídeo com dados distorcidos foi assistido por mais de 400 mil pessoas, e foi amplamente divulgado entre aliados do presidente Bolsonaro, derrotado no pleito.
Tiago Batalhão rebate cada uma das alegações dispostas no relatório. “Ele (Cerimedo) comenta que ‘Modelos não-2020 têm ângulo fixo ‘máximo’, do qual os votos do Bolsonaro ou do Lula ‘não podem passar’. Obviamente, a soma dos votos de Bolsonaro e de Lula não podem passar do número de eleitores aptos a votar naquela urna”, explica Tiago em uma série de tuítes para esclarecer cada “denúncia” apontada na live. “Na minha opinião, isso já enfraquece bem o relatório, coloca uma dúvida sobre a capacidade técnica de quem fez. Porque ele trata como grande escândalo algo que na verdade é bem trivial”, argumenta.
Outro ponto rebatido por Batalhão é a homogeneidade da população apurada. O argentino alega que em uma mesma região homogênea, que deveria ter votos semelhantes, Bolsonaro fica 11% mais abaixo se comparar máquinas antigas com os votos nas máquinas novas. De acordo com o cientista de dados, o relatório exclui as capitais, mas não as cidades próximas às capitais. “No interior dos estados do Nordeste, há poucas urnas novas (modelo 2020), com exceção de algumas regiões de Bahia e Piauí (ao redor da capital, a única que não fica no litoral), já era sabido desde antes que o Lula tinha um desempenho muito bom no interior do Nordeste e nem tanto assim no litoral. A votação maior do Lula nas urnas antigas parece fácil de entender ao olhar o mapa e ver que o litoral tinha urnas novas e o interior ficou com as antigas”.
Imagem: reprodução do Twitter
As urnas com zero voto para Bolsonaro… e para Lula
Cerimedo levantou mais uma questão: o fato de haver urnas com zero voto para Bolsonaro. É fato que existem urnas com zero voto para o candidato do PL, mas há também para Lula. De acordo com o TSE, a predominância de votos para um dos candidatos não é indício de fraude eleitoral. A situação é comum e já ocorreu em eleições anteriores. “Foram apenas 144 urnas (com votos apenas em Lula), o que corresponde a 0,02% de todas as urnas utilizadas nessas eleições”, afirma o TSE em sua conta oficial no Twitter. O candidato do PL, Jair Bolsonaro, por sua vez, foi unanimidade em quatro seções eleitorais.
Os docentes do Laboratório de Arquitetura e Redes de Computadores (Larc) do Departamento de Engenharia de Computação e Sistemas Digitais da Escola Politécnica (Poli) da USP Wilson Ruggiero e Marcos Simplicio, também rebateram as desinformações veiculadas por Cerimedo.
Imagem: reprodução do Twitter
Imagem: reprodução do site do TSE
Quem é Fernando Cerimedo?
Fernando Cerimedo é estrategista, consultor especializado em marketing digital e político, dono de diversos canais ligados à direita argentina e responsável pelo canal “La Derecha Diário” no YouTube, onde a live com as supostas fraudes foi transmitida. Cerimedo é apoiador declarado da família Bolsonaro e alega ter ajudado na campanha do presidente em 2018. O argentino teria se encontrado com o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) pouco antes do segundo turno deste ano.
Na live de 4 de novembro, Cerimedo diz que recebeu os documentos que comprovariam a fraude do Brasil, mas que não tinha qualquer relação com a família Bolsonaro. No entanto, nas mídias sociais, ele se mostra um apoiador convicto do clã, engajado durante todo o processo eleitoral em prol do presidente.
Diferentemente do que foi dito, não é verdade que os modelos anteriores das urnas eletrônicas não passaram por procedimentos de auditoria e fiscalização. Os equipamentos antigos já estão em uso desde 2010 (para as urnas modelo 2009 e 2010) e todos foram utilizadas nas Eleições 2018. Nesse período, esses modelos de urna já foram submetidos a diversas análises e auditorias, tais como a Auditoria Especial do PSDB em 2015 e cinco edições do Teste Público de Segurança (2012, 2016, 2017, 2019 e 2021).
As urnas eletrônicas modelo 2020, que ainda não estavam prontas no período de realização do TPS 2021, foram testadas pelo Laboratório de Arquitetura e Redes de Computadores (Larc) da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (EP-USP), além de ter o conjunto de softwares avaliado também pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Nas três avaliações, não foi encontrada nenhuma fragilidade ou mesmo indício de vulnerabilidade.
É importante ressaltar que o software em uso nos equipamentos antigos é o mesmo empregado nos equipamentos mais novos (UE2020), cujo sistema foi amplamente aberto para auditoria dentro e fora do TSE desde 2021. A urna eletrônica é um hardware, ou seja, um aparelho. O que realmente importa é o que funciona dentro dela: o programa que ficou disponível para inspeção durante um ano, foi assinado digitalmente e lacrado em cerimônia pública com participação das entidades fiscalizadoras, como Ministério Público, Polícia Federal, Controladoria-Geral da União e Ordem dos Advogados do Brasil, por exemplo.
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Bereia classifica que as informações divulgadas pelos sites evangélicos Gospel Mais, Pleno News e Gospel Prime são falsas. Os veículos desinformam ao sugerir que houve fraude nas urnas eletrônicas usando como base apenas informações falsas divulgadas por um suposto dossiê do qual não se conhece nem mesmo a autoria. O site Pleno News, no entanto, sem retirar o conteúdo falso publicado em 4 de novembro, atualizou em 7 de novembro a matéria, acrescentando a nota do TSE que desmente e contradiz as informações divulgadas pelo influencer argentino em seu canal “La Derecha Diario”.
* Matéria atualizada em 21/10/2022 às 12:21 para inserção de novas informações
Na noite da quarta-feira, 19 de outubro, o cantor e pastor da Igreja Batista da Lagoinha André Valadão publicou um vídeo nas suas mídias sociais. Nele, segurava um papel que afirmava ser uma intimação do ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Alexandre de Moraes para que se retratasse sobre afirmações falsas publicadas contra a campanha eleitoral do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em suas mídias sociais.
O cantor e pastor afirma que o vídeo seria, então, a retratação exigida. Em cenário de fundo preto, com roupas pretas e fisionomia consternada que inspira repressão, Valadão passa a pronunciar afirmações corrigidas, contrárias ao que havia publicado de forma crítica sobre o candidato Lula. O vídeo teve milhões de visualizações, curtidas e compartilhamentos desde a publicação.
Imagem: reprodução de vídeo de André Valadão nas mídias sociais
O TSE afirmou, horas depois da publicação do vídeo, ao G1, ao UOL, ao Estadão e outros veículos que não emitiu parecer ou intimação a Valadão e que tal sentença não existe.
Ao contrário do que afirma no vídeo publicado, o único processo eleitoral contra o pastor e cantor André Valadão no TSE está sob relatoria da juíza auxiliar – a ministra Maria Claudia Bucchianeri. Trata-se de um pedido de direito de resposta da campanha de Lula contra mentiras e falsidades proferidas por Valadão em suas mídias sociais que seriam “extrapolação do direito de crítica” e “abuso da liberdade de expressão” por meio de falsidades que não são “mera crítica política”.
O que é o papel que André Valadão segura no vídeo?
Bereia verificou que o documento que Valadão exibe no vídeo se trata de uma “Citação” (informação do Tribunal de que a pessoa foi citada em um processo) sobre o pedido de direito de resposta, ação emitida por advogados da Coligação Brasil da Esperança, em 6 de outubro de 2022, em relação a publicações do pastor sobre o ex-presidente Lula que se demonstram falsas e podem interferir negativamente e de forma injusta no processo eleitoral. Diz o documento:
Objetivamente, o Representado extrapolou o direito de crítica ao afirmar que o ex-presidente Lula seria:
(i) “a favor do aborto”;
(ii) “é a favor da descriminalização das drogas”;
(iii) “é a favor de liberar pequenos furtos, os trombadinhas entrar (sic) na sua casa
e roubar sua tv, roubar seu celular, você correr o risco de vida e nada acontecer
com eles“;
(iv) “ele é a favor literalmente de colocar uma regulação na mídia, onde você vai
perder o poder de poder expressar sua opinião, expressar o seu culto”, dentre
Consultada pelo Bereia sobre o que significa o documento enviado a Andre Valadão, a advogada Victoria Gama explica que a Citação foi realizada pelo próprio cartório eleitoral, cumprindo procedimento de praxe, a mando da ministra responsável pelo processo, Maria Cláudia Bucchianeri.
Imagem: reprodução de consulta de processo no site do TSE
Alexandre de Moraes intimou André Valadão?
Não há no TSE documentos que provem uma intimação do ministro Alexandre de Moraes para Valadão. O único momento em que o nome do ministro é citado no documento analisado é quando se informa a quem se dirige a ação. Ou seja, André Valadão segura a petição da Coligação Brasil da Esperança, documento que foi direcionado a Alexandre de Moraes, como presidente do TSE, de acordo com o protocolo de requerimento, para apreciação. O documento não foi publicado pelo ministro, como afirma o vídeo do pastor.
“O pedido de resposta nasce do chamado direito de resposta, que é um direito constitucional de proteção à honra e à imagem de cada pessoa. Isso, obviamente, está atrelado apenas a críticas públicas, não se aplica no âmbito privado, como numa conversa com família e amigos. Ainda, vale dizer que não é Lula o autor da ação, mas sim a Coligação Brasil da Esperança”, complementa Victoria Gama.
O documento que André Valadão recebeu com cópia do pedido de direito de resposta, e consta nos arquivos do TSE, é uma “Citação”, e não uma intimação. Ele foi encaminhado ao cantor e pastor, no mesmo 6 de outubro. O texto comunica que ele foi citado em uma petição de direito de resposta nos espaços em que ele publicou conteúdo a ser investigado pelo tribunal. Foi dado a ele o direito de se manifestar sobre o caso no prazo de um dia. Findo esse prazo, o TSE segue com o processo, com avaliação do pedido da Coligação e da resposta do citado. Em 19 de outubro, os registros indicavam que o processo ainda está em tramitação. Não há sentença ou liminar. Ninguém foi intimado a tomar qualquer atitude.
Em 20 de outubro, depois de vários veículos jornalísticos terem publicado que o TSE desconhece intimação ou exigência de que André Valadão gravasse tal resposta, o pastor da Igreja Batista da Lagoinha publicou a seguinte explicação:
Recebi citação do TSE para que me manifestasse, no prazo de 1 (um) dia, sobre representação da Coligação do Lula, em que eles pediam que houvesse direito de resposta a um vídeo em que falei sobre a relação entre Lula e temas como aborto, descriminalização das drogas, furtos, regulação da mídia e liberdade de expressão. Desejavam que, pelo mesmo veículo (meu perfil no Instagram), eu desdissesse o que havia gravado.
A fim de que o pedido perdesse o objeto, para que não houvesse invasão ao meu perfil, sob o manto de um pseudo direito de resposta, gravei o vídeo em sentido contrário ao inicialmente feito.
Encaminhei o caso aos meus advogados.
Deus abençoe o Brasil.
ATUALIZAÇÃO: o vídeo está filtrado no Instagram como informação falsa tanto na conta de Valadão quanto na conta de quem compartilha (imagens abaixo):
Imagem: reprodução do Instagram
Imagem: reprodução do Instagram
Bereia avalia que Valadão mente ao afirmar que “desejavam que ele desdissesse o que havia gravado”. Como indicado acima, o pastor não recebeu uma sentença com indicação do que ele deveria fazer, mas uma “Citação”, documento que apenas informa que ele foi citado em uma petição com o prazo de um dia, regra protocolar, para se manifestar sobre o caso.
Valadão declara, ainda, que se antecipou a uma possível sentença e gravou o vídeo publicado com conteúdo no sentido contrário do que ele inicialmente fez. Ele diz, portanto, que não esperou a sentença, mesmo que ela seja desfavorável à Coligação Brasil da Esperança e nada seja exigido dele, e criou, antecipadamente, uma situação que lhe fosse favorável nas mídias.
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Bereia classifica o conteúdo do vídeo do cantor e pastor André Valadão como enganoso. Ele fez uso de um documento que apenas informa que ele foi citado em um pedido de resposta protocolado no TSE para criar pânico entre seus seguidores e, com terror verbal, dizer que foi “intimado” pelo ministro Alexandre de Moraes, presidente do órgão. Tal intimação, segundo Valadão seriam uma exigência de retratação diante de publicações contra o candidato Lula em suas mídias digitais.
Bereia verificou que não há sentença sobre o processo em que o pastor foi citado.
Bereia alerta os leitores para as estratégias de disseminação de pânico e medo entre pessoas religiosas nestas eleições. Personagens midiáticas têm apregoado que quando são impedidos de mentir e caluniar estão sofrendo censura e que isto será feito com todas as igrejas e cristãos que serão impedidos de falar e até de cultuar. Estas pessoas estão mentindo e infringindo as leis. Além de Valadão, outros influenciadores religiosos têm procedido da mesma forma.
Bereia reafirma sua atuação contra a desinformação na forma de quaisquer mentiras e falsidades publicadas em espaços digitais religiosos. Este tipo de conteúdo extrapola o direito à liberdade de expressão e se configura abuso deste direito na forma de uma comunicação indigna. Bereia também conclama leitores e leitoras a participarem destas ações por meio do envio de materiais que receberem neste sentido para o WhatsApp número 21 – 99305-4579.
* Matéria atualizada em 06/10/2022 às 21:25 após novas informações surgirem após a publicação
Bereia recebeu de leitores indicação de checagem de um vídeo de um influencer digital que se identifica como “satanista”, que faz a previsão de uma vitória de Lula no primeiro turno das eleições brasileiras de 2022. O vídeo viralizou, especialmente entre cristãos, com acusações a Lula de ser vinculado e ter o apoio de satanistas e causou muitas reações nas mídias digitais.
Imagem: reprodução da internet
O homem que fala no vídeo é Vicky Vanilla, influenciador digital, com quase 1 milhão de seguidores no TikTok e que se apresenta como “mestre e líder da Igreja de Lúcifer do Novo Aeon”.
No vídeo que viralizou, Vanilla aparece em local com bandeira de Lula ao fundo, fala sobre suposta união de diferentes religiões, de segmentos satanistas e do ocultismo em nome da vitória do ex-presidente no primeiro turno de 2 de outubro.
O conteúdo foi publicado na sexta-feira, 30 de setembro, dois dias antes do pleito, e passou a ser compartilhado nas redes bolsonaristas no domingo, quando o resultado se encaminhava para definição por um segundo turno.
O Portal de Notícias da Record R7 e sites gospel como o Pleno News deram destaque ao vídeo.
Imagem: reprodução do R7
Imagem: reprodução do Pleno News
Vídeo falso, conteúdo manipulado
Antes mesmo que Bereia concluísse a pesquisa deste conteúdo, vários projetos de checagem de conteúdo, como Aos Fatos, e veículos jornalísticos, como o Correio Braziliense, já haviam publicado uma verificação indicando a falsidade de tal material.
Na tarde do dia 3 de outubro, a campanha de Lula publicou nota intitulada “Lula é cristão. Não existe qualquer relação com satanismo”. No texto, a campanha afirma: “A verdade, como já repetimos antes, é que Lula é cristão, católico, crismado, casado e frequentador da igreja. Não existe relação entre Lula e o satanismo” (…) Quem espalha isso é desonesto e abusa da boa-fé das pessoas. O vídeo circulou em muitos canais do Telegram e grupos de WhatsApp e comprova como os apoiadores de Bolsonaro abusam da boa-fé das pessoas”.
O próprio envolvido no conteúdo, Vicky Vanilla, publicou um vídeo para desmentir o caso e declarar que foi feita uma montagem a partir de imagens tiradas de contexto e chama a publicação que viralizou de “fake news”. “Está sendo espalhado como uma fake news tanto a meu respeito, quanto a respeito do candidato Lula, que não tem qualquer ligação com a nossa casa espiritual”, completou Vanilla. O influenciador disse ainda que recebeu diversas ameaças depois que o material foi espalhado: “o bastante para fazer um boletim de ocorrência e entrar com representação judicial contra meus agressores”, destacou.
No perfil de Vicky Vanilla no TikTok, são encontrados conteúdo pró-Lula e anti-Bolsonaro. Porém há postagens em que ele ataca o candidato do PT de forma intensa e chega a associá-lo ao nazismo.
Viralização
Além de ter sido divulgado pelo Portal da Rede Record R7, por sites gospel e mídias sociais de lideranças e fiéis religiosos, o vídeo falso foi publicado pela deputada federal reeleita Carla Zambelli (PL-SP), que o utilizou para chamar seguidores para uma “guerra espiritual” no segundo turno das eleições, “do bem contra o mal”. Ainda na terça-feira, 4 de outubro, mesmo depois do desmentido da campanha de Lula e do próprio Vicky Vanilla, o senador eleito Cleitinho (PSC-MG) divulgou o material falso para convocar o voto “dos mais de 40 milhões de brasileiros que se abstiveram no primeiro turno por Jair Bolsonaro” (na verdade, foram cerca de 32 milhões de abstenções).
Imagem: reprodução do Instagram
Até o momento em que esta matéria foi concluída o conteúdo falso ainda estava visível em todos estes espaços digitais.
ATUALIZAÇÃO: O Tribunal Superior Eleitoral determinou que o vídeo fosse tirado do ar nesta quinta, 6 de outubro.
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Bereia reafirma o que já foi publicado por agências de checagem e veículos de mídias: o vídeo que ainda circula vinculando o ex-presidente Lula a uma seita satânica é FALSO. Além de tal vinculação ter sido negada pela campanha do candidato, o próprio envolvido no conteúdo desmentiu sua participação e denunciou a montagem.
Bereia alerta seus leitores e leitoras para materiais divulgados durante o processo eleitoral para destruir a imagem de candidatos. Quem receber este tipo de conteúdo não deve compartilhar sem antes verificar a veracidade.
Circula em sites de notícias identificados com a extrema-direita política conteúdo publicado pelo jornal Folha Universal e pelo Portal Universal, em 25 de setembro, que contrapõe material eleitoral do Partido dos Trabalhadores (PT) destinado a evangélicos.
Imagem: reprodução do site da Igreja Universal
O impresso do PT foi lançado em 9 de setembro passado, quando o candidato à Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva reuniu-se com lideranças e fiéis evangélicos em São Gonçalo (RJ). O panfleto é intitulado “O que os evangélicos realmente querem para o Brasil” e apresenta temas da campanha de Lula a partir da palavra-chave “Queremos”, com a indicação de que são evangélicos que apresentam o conteúdo.
Os temas do panfleto contêm pautas clássicas da esquerda política: aposentadoria, valorização das mulheres, defesa da paz, emprego e renda, fim da fome trabalho digno, educação de qualidade, saúde para todos. Foram incluídos também abordagens para elementos do discurso de campanha conservador como liberdade e defesa da família. Já a pauta ambiental é apresentada em linguagem religiosa como “cuidado com a criação de Deus”. Cada plataforma temática é acompanhada por um versículo da Bíblia.
Imagens: reprodução do panfleto distribuído pelo PT para evangélicos
A matéria do jornal Folha Universal ocupa duas páginas da publicação, e tem versão on line no Portal Universal, sob o título “Panfleto do PT tenta enganar eleitor evangélico”. O texto chama a atenção de leitores e leitoras para a estratégia do PT de buscar mudança de votos entre evangélicos de Jair Bolsonaro (PL) para Lula, com um discurso que o jornal denomina, no texto não assinado, “para inglês ver”.
Na introdução, a matéria do jornal Folha Universal afirma que “em uma leitura desatenta, o conteúdo [do panfleto] pode até envolver os eleitores e por isso é preciso colocar luz sobre os temas abordados e mostrar a realidade que tentam esconder deles”. O texto leva leitores e leitoras à expectativa de uma checagem de cada tema apresentado no panfleto do PT, que mostraria o que é enganoso e a realidade em oposição.
Uma contestação dos temas
O conteúdo, porém, não é uma checagem. Como leitores e leitoras do Bereia podem identificar no trabalho de checagem de conteúdo que é aqui realizado, bem como por outros projetos de enfrentamento da desinformação, tal procedimento demanda pesquisa de diferentes fontes, consulta a especialistas e levantamento de dados. Estes elementos compõem um protocolo fundamental, segundo as orientações da IFCN (sigla em inglês para Rede Internacional de Checagem de Notícias), para que determinado texto ou matéria de qualquer projeto de confrontação de conteúdo desinformativo divulgado seja considerado.
Imagem: reprodução da matéria da Folha Universal
Cada um dos onze temas-propostas do panfleto do PT dirigido a evangélicos foi confrontado no texto do jornal Folha Universal de forma opinativa e por meio de conteúdo falso ou enganoso, sem qualquer referência objetiva que fundamente tais abordagens.
Por exemplo, contra o tema “defesa da família”, a Folha Universal diz, sem citar a fonte, data e local: “o ex-presidente afirmou recentemente em um evento que ‘a pauta da família, pauta dos valores, é uma coisa muito atrasada’. Bereia tem insistido com leitores e leitoras que qualquer informação comprometida com a veracidade de fatos e dados deve apresentar fonte para as citações (origem do conteúdo, data e local em que foi produzido ou pronunciado).
Ainda no tema da defesa da família, o jornal acrescenta de forma crítica que “em outra ocasião [Lula] afirmou que o aborto é “questão de saúde pública”. Além de vaga, fora do contexto (outro elemento que caracteriza desinformação), não há complementação da ideia que justifique engano em tal afirmação.
A contestação da forma como o panfleto apresenta a “defesa da família” também apresenta conteúdo vago, sem base factual ou documentação, na frase caracterizada pela estratégia discursiva do pânico moral: “outras bandeiras defendidas pela ideologia são o fim da monogamia e do casamento convencional e a defesa da união de várias pessoas, o chamado poliamor”.
No item sobre “defesa da liberdade”, a Folha Universal afirma que o folheto do PT omite “a intenção amplamente divulgada do candidato à Presidência de regulamentar a imprensa e as mídias, inclusive a internet, uma pretensão autoritária para supostamente evitar mentiras. Essa atitude é muito semelhante aos primeiros passos da censura vista em países com governos parceiros”.
O jornal pratica, neste caso, a emissão de opinião sobre o que significa “regulamentação das mídias”. Longe de ser censura, “regulamentação das mídias” já existe no Brasil há décadas por meio de mais de 650 portarias, decretos e leis que regulamentam o setor de comunicação social, não só rádio e TV como impresso, aos quais se soma o Marco Civil da Internet.
O que é defendido em vários espaços da sociedade civil é a ampliação da regulação, pois a atual legislação é defasada. Uma das principais pautas, levantada pelo Fórum Nacional de Democratização da Comunicação (FNDC), é o fim dos monopólios (concentração nas mãos de poucas empresas, que dominam o mercado das mídias).
Países como Alemanha, França, Grã-Bretanha, Estados Unidos regulam suas mídias com vistas à garantia da participação democrática nestes espaços. Isto significa envolver a sociedade civil no controle das concessões, do que é transmitido e da forma como se veicula. Assim como existem agências reguladores de saúde (ANS), de telefonia (ANATEL), de aviação civil (ANAC), entre outras, por exemplo, para defender os interesses do Estado e dos usuários, a FNDC defende que exista uma agência reguladora das mídias, o que nunca foi desenvolvido no pais.
O tema é pauta no Congresso Nacional e no Judiciário e não apenas de um partido ou candidato, uma vez que é interesse cidadão. Porém, há muita resistência à discussão do projeto por parte de proprietários de mídias, como a Igreja Universal. Sempre que o tema aparece, especialmente em períodos eleitorais, ele é criticado e desqualificado como censura, uma vez que os empresários de mídias não têm interesse na participação da sociedade no que diz respeito aos conteúdos veiculados.
Tema do meio-ambiente é o único com dados de referência
Na única das contestações em que apresentou dados, a Folha Universal se colocou contrária à abordagem do panfleto do PT sobre meio-ambiente, sob o tema “Criação de Deus”. Diz o jornal: “O candidato petista à Presidência também tem falado que seu governo foi o que mais preservou a Amazônia, afirmação que não condiz com a realidade. Enquanto no governo atual houve registro de desmatamento anual médio de 11,4 mil km², o petista ficou na casa de 15,6 mil km², com destaque para o ano de 2004, quando a destruição florestal superou os 27 mil km²”.
A Folha Universal contesta o panfleto do PT com dados enganosos pois o que é verdadeiro é usado de forma distorcida. O dado bruto está correto: o desmatamento acumulado na Amazônia nos primeiros três anos sob Lula (2003-05), segundo o órgão oficial de monitoramento, o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) 72.128 km, foi pouco mais que o dobro do que o ocorrido de 2019 a 2021, 34.018 km². O jornal, porém, não contextualizou que a taxa alta daqueles três primeiros anos de Lula, foi herdada dos governos de Fernando Henrique Cardoso.
O índice começou a cair a partir de 2005, depois de três anos de políticas ambientais de enfrentamento do desmatamento. Alcançou o pico em 2004, com os 27 mil km² citados pela Folha Universal, mas ficou em queda até o segundo mandato. Quando entregou a faixa presidencial a Dilma Rousseff (PT), os índices oficiais registram 7 mil km². Até 2015, quando o PT esteve na Presidência, o desmatamento ficou na casa dos 6.207 km². De 2016 em diante voltou a crescer e disparou a partir de 2019. Veja o mapa com os dados do INPE:
Em matéria do UOL Confere, que checou o tema quando tratado durante um debate de candidatos às eleições presidenciais de 2022, o engenheiro florestal coordenador do MapBiomas Tasso Azevedo diz que o panorama da proteção da Amazônia em 2002 era muito diferente do que havia em 2018. Por isso, segundo ele, não cabe comparar os números brutos entre os dois governos.
Azevedo explicou ainda: “Os primeiros anos do governo Lula são os anos em que o país herdou aquele desmatamento e houve um esforço de controle desse desmatamento, que derrubou ele para baixo dos sete mil quilômetros quadrados. Então essa comparação é completamente estapafúrdia. O fato é que o desmatamento caiu lá atrás, e caiu muito, e agora está aumentando muito”.
Diferentemente do que afirma a Folha Universal, o governo de Jair Bolsonaro vem registrando altas sucessivas de desmatamento da Amazônia desde 2019, com aceleração da curva de crescimento dos índices como se pode observar no mapa acima. O aumento acumulado do desmatamento sob Bolsonaro é de 73%, segundo o INPE. As denúncias de tais práticas levaram à demissão do ex-diretor do órgão Ricardo Galvão. Na checagem do UOL Confere, Galvão explicou que o alto desmatamento da Amazônia é uma herança da ditadura militar. O INPE passou a monitorar a região em 1988 e identificou uma devastação de 21.050 km², taxa semelhante à que Lula encontrou 15 anos depois quando assumiu a Presidência da República.
“A razão inicial para o aumento do desmatamento veio da política de ocupação da Amazônia instituída durante a ditadura militar, de ‘avançar seguindo as patas do boi’ Era necessário desmatar e ocupar a terra com gado para ter o título de sua posse. Por isso, as décadas de 1970 e 1980 foram marcadas por grandes empreendimentos com alto impacto ambiental, como a Transamazônica, que abriu o caminho para o desmatamento e penetração na selva”, explicou físico ex-diretor do INPE.
Opinião x informação
Bereia expõe aqui três dos temas do panfleto do PT contestados na matéria da Folha Universal mas checou todos os onze e o recurso é o mesmo dos itens verificados em amostra: o que o jornal publica é opinião contrária às propostas contidas no folheto do PT com base em elementos vagos e desinformativos pois não contêm dados, aspectos factuais ou documentais. No único trecho em que o jornal apresenta dados eles foram distorcidos.
Bereia classifica a matéria da Folha Universal como enganosa. O jornal contesta um material de campanha para evangélicos com texto que simula uma checagem de conteúdo, porém apresenta opiniões com base em desinformação.
Bereia considera legítimo que o jornal, institucional, apresente opiniões contrárias em uma discussão que se coloque na arena política e oriente seus fiéis/adeptos/seguidores com base na ideologia com a qual se identifica e define. Para isto, jornais contém espaço para o editorial e para artigos de opinião.
Bereia alerta, porém, para o caráter desinformativo de matérias que são opinativas, mas não se declaram como tal. Pelo contrário, para influenciar opiniões, há certos veículos que oferecem textos para levar leitores e leitoras a assimilarem conteúdo como se fosse objetivo, quando, na verdade, é subjetivo, meramente discordante.
*Matéria atualizada em 15/09/2022 às 09:50 para complementação de informações
Um blog de notícias sem referências, com o nome “Folha da Política”, publicou, em 11 de setembro de 2022, matéria com suposta denúncia contra o pastor vinculado à Comunidade Cristã Reformada Ariovaldo Ramos, um dos líderes da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito. A matéria com o extenso título “URGENTE: PASTOR esquerdista que lidera apoio evangélico a Lula recebeu R$ 6.000.000 Milhões de reais por ONG presidida por ele no governo do PT. A ONG tem também contratos com a PETROBRAS” , passou a circular em ambientes digitais religiosos depois que o pastor participou de um evento da campanha de Luis Inácio Lula da Silva à Presidência da República. O ato, que reuniu lideranças e fiéis de igrejas evangélicas, ocorreu na cidade de São Gonçalo. no último 9 de setembro. Ramos fez um pronunciamento no evento e proferiu a bênção final.
Imagem: reprodução da internet
A matéria é, na verdade, uma reprodução de outra, com pequenas atualizações introdutórias referentes ao ato pró-Lula, em São Gonçalo, em 9 de setembro. O texto original é da Revista Sociedade Militar, com data de publicação de 16 de setembro de 2021, e título diferente:
Imagem: reprodução da internet
O texto usa como fontes “líderes evangélicos”, como o pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia que, segundo o veículo, “advertem quanto à ONG gerenciada por Ariovaldo e as vultosas verbas que recebeu do governo federal, dando a entender que ha (sic) interesse financeiro por trás desse apoio tão aguerrido”. São usados vídeos de Malafaia como base para a acusação.
A Revista da Sociedade Militar diz também ter tido “acesso a algumas notas de empenho e documentos que mostram que as acusações de Malafaia são bem fundamentadas”. A matéria cita a ONG Visão Mundial como instituição que seria liderada por Ariovaldo Ramos, e teria recebido do governo federal quantias qualificadas no texto como “gigantescas”. São apresentadas imagens de trechos de documentos baixados do Portal da Transparência do Governo Federal que indicam que o Executivo teria liberado verba, em 2017, para uma pesquisa que teria custado, segundo o texto “a exorbitante quantia de 2 milhões de reais [aos cofres públicos]”. O texto segue afirmando que “a ONG recebe recursos desde o ano de 2000, ainda no governo FHC, totalizando mais de 6 milhões de reais em valores recebidos do governo federal”.
A Revista da Sociedade Militar também aponta para outra matéria, com data de 18 de outubro de 2018, com a afirmação de que “o braço israelense da ONG Visão Mundial foi acusado de direcionar dinheiro de doações para o financiamento do terrorismo, por meio do Hamas”. A revista, na verdade, recuperou uma história superada em 2016, quando o governo de Israel, acusou a Visão Mundial Internacional que tem programas na Faixa de Gaza, de apoio ao partido Hamas, associando-a com a Visão Mundial no Brasil. A desinformação foi usada a propósito da campanha eleitoral do Brasil em 2018.
A Visão Mundial e o recebimento de recursos públicos
A World Vision [Visão Mundial] é uma organização evangélica fundada nos Estados Unidos, em 1950, para atuar em defesa dos direitos de crianças e adolescentes e pela proteção de populações vulneráveis em diversos lugares do mundo. Em sua apresentação por website, afirma ser a maior organização não-governamental cristã do mundo, com presença em mais de 100 países. Declara, ainda, trabalhar para auxiliar pessoas sem distinção de credo, etnia ou gênero.
A organização está presente no Brasil desde 1975, é filiada à Associação Brasileira de ONGs (ABONG). Atua com foco nas crianças e adolescentes em situação de maior vulnerabilidade, por meio de programas e projetos nas áreas de proteção à vida, educação, crises humanitárias e emergências, como catástrofes naturais e crises migratórias.
Em nota oficial, a Visão Mundial afirma “que, diferente do que foi mencionado equivocadamente nos respectivos sites, Ariovaldo Ramos deixou o Conselho Diretor e todos os órgãos de governança da Visão Mundial em 2018, não tendo nenhuma ligação com a organização”. E que “Todo financiamento público recebido pela Organização se dá por meio de editais abertos, auditáveis e cujos contratos são disponibilizados no Portal da Transparência. No âmbito federal, esses contratos se estendem até o atual governo”. O diretor nacional da ONG, Thiago Crucciti, também se pronunciou: “Estão tentando sequestrar a Visão Mundial para um paralelo partidário, mas a instituição não entrará nessa questão”. Reforçou que a organização mantém bom relacionamento com governantes diversos, a despeito de suas ideologias. “Não temos vínculos políticos. As crianças e os adolescentes são nossa prioridade”, completou.
Bereia consultou o Portal da Transparência do Governo Federal e verificou o registro de 124 convênios e outros acordos firmados entre o governo federal e a Visão Mundial desde 1975. As parcerias foram firmadas desde a ditadura militar, com o governo de Ernesto Geisel e foram realizadas, ao todo, com dez mandatos no governo federal, por meio dos protocolos de convênio de relações governamentais com organizações da sociedade civil, regulamentados por lei. A referência é a Lei 13019, conhecida também como Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil,que estabelece o regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil. Não há, portanto, ilegalidade em parcerias de ONGs com o governo federal. Seja qual for o valor do financiamento dos projetos, há protocolos a serem seguidos.
A Visão Mundial conta também com outras parcerias com o poder público nos âmbitos municipais e estaduais, bem como com entidades privadas nacionais e internacionais, além de doações e voluntários. O teor dos projetos e das parcerias pode ser localizado também nas mídias sociais da organização, como Twitter,Instagram e Youtube.
Os documentos sobre parcerias com o governo federal caracterizados como denúncia, apresentados na matéria da Revista da Sociedade Militar, republicada pela Folha da Política, constam no Portal da Transparência do Governo Federal e não há indicativo de irregularidades. Bereia não encontrou também pareceres do Tribunal de Contas da União ou qualquer outra auditoria que indique ações ilegais referentes aos valores utilizados nos projetos.
A estrutura da Visão Mundial é composta por um grupo executivo de quatro diretores (Nacional, de Operações, de Marketing e de Advocacy e Relações Internacionais) e por um Conselho Diretor com presidência, duas tesourarias, duas secretarias e uma coordenadoria do conselho fiscal. Bereia obteve da organização a informação de que o pastor Ariovaldo Ramos presidiu o Conselho Diretor em quatro mandatos, de 4 de abril de 2002 a 19 de dezembro de 2018 (conforme atas nos. 57, 67, 105 e 113).
Bereia apurou por meio de bibliografia em governança que Conselhos Diretores de ONGs comumente têm caráter consultivo quanto às diretrizes da organização e não lidam com atividades executivas como editais e assinaturas de contratos.
A matéria republicada pela Folha da Política, que passou a circular nos últimos dias, altera o título para acusar Ariovaldo Ramos de ter recebido seis milhões de reais de contratos com o governo Dilma Rousseff, por meio da Visão Mundial. A afirmação não tem fundamento nos próprios documentos oficiais apresentados na matéria. Eles dizem respeito aos valores recebidos regularmente pelas parcerias institucionais e ali se mostram todos lícitos e com registro de situação “adimplente”, “concluído” e “arquivado”.
Ouvido pelo Bereia, o pastor Ariovaldo Ramos declarou que nunca recebeu tais recursos destinados a projetos da Visão Mundial.
Folha da Política e Revista da Sociedade Militar
Bereia verificou os blogs que veicularam a matéria com a suposta denúncia contra o pastor Ariovaldo Ramos, a Folha da Política e a Revista da Sociedade Militar.
A Folha da Política é um blog que se pretende informativo, de notícias, com o lema “Compromisso com a verdade”, com contas no Facebook, no Twitter, no Youtube e grupos no Telegram e no WhatsApp. Nenhum destes espaços, no entanto, oferece informações básicas sobre o veículo: a proposta, quem coordena, meios de contato. É, portanto, uma mídia anônima, que expõe matérias de caráter noticioso e um excessivo número de anúncios do Google de todo tipo: de medicamentos a cosméticos, de viagens a práticas fitness, de truques para solucionar dificuldades domésticas a “fotos picantes de casamento”.
Não há data de publicação nas 739 matérias arquivadas no blog. Bereia deduz que o espaço digital foi criado entre 2016, data de criação do canal do Youtube e 2017, quando aparecem os primeiros comentários (estes datados) na primeira matéria sobre política. Curiosamente, as seis primeiras matérias publicadas não trataram de política mas de curiosidades sobre superação de atletas, OVNIs e fantasmas. A primeira com abordagem política, a que obteve os primeiros comentários, teve o título “Apoiadora do MST, ex- candidata a Presidente Luciana Genro tem uma de suas fazendas invadida por sem-terras”, já caracterizando o conteúdo alinhado ao conservadorismo.
Quando se analisa a coleção de matérias oferecidas pela Folha da Política, ele é 100% voltado à política nacional de tendência conservadora, alinhado à direita. As mais recentes têm inserções favoráveis à campanha de reeleição do presidente Jair Bolsonaro e de seus seguidores, e negativas em relação à de Lula, ao PT e apoiadores.
Imagem: reprodução da internet
O blog tem todas as características de espaço digital veiculador de desinformação: traveste-se de veículo jornalístico, fazendo parecer que oferece notícias, e lança mão de jargões jornalísticos. No entanto, as matérias são mal construídas, com títulos muito extensos, uso de expressões em maiúsculas para chamar a atenção, adjetivação, opinião inserida no corpo do que deveria ser informativo e muitos erros de português.
Já a Revista da Sociedade Militar é publicada no mesmo formato de blog da Folha da Política, com características visuais muito similares. Diferentemente, tem uma seção “Sobre” no menu, em que se apresenta fundada em 2011, atualizada diariamente e “voltada principalmente para a publicação de notícias e discussão de assuntos relacionados à Segurança Pública, Militares, Política e Geopolítica”.
Constam no “Sobre” o nome da empresa que alimenta o conteúdo do blog, com CNPJ verificado pelo Bereia, nome do editor, com e-mails e número de celular para contato e endereço comercial no centro do Rio de Janeiro. O público alvo e os colaboradores, segundo a página, é formado por militares das Forças Armadas Brasileiras. No menu, porém, há material destinado a polícias e segurança pública.
A Revista da Sociedade Militar tem intensa inserção de publicidade, semelhante à da Folha da Política. É oferecido espaço a anunciantes com valores em dólares dos EUA.
Imagens: reprodução da internet
O conteúdo da Revista da Sociedade Militar mistura artigos de opinião e material informativo, alguns contêm assuntos de interesse de militares, outros de abordagem política, com linguagem semelhante ao que é publicado na Folha da Política. É observado que várias matérias da revista são republicadas pela Folha da Política, como foi o caso do texto acusatório ao pastor Ariovaldo Ramos. Isto leva a inferir que as duas publicações estão conectadas. Os textos caracterizados como informativos têm elementos semelhantes: mal elaborados, títulos muito extensos,expressões em maiúsculas para chamar a atenção, adjetivação, opinião mesclada com informação e erros de português.
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Bereia classifica o conteúdo da matéria publicada pela Revista da Sociedade Militar em 2021, republicado e divulgado nos últimos dias pelo blog anônimo Folha da Política, como FALSO. Membros do Conselho Diretor da Visão Mundial não recebem recursos destinados a projetos da organização e o ex-presidente citado na matéria, pastor Ariovaldo Ramos, declara nunca ter recebido tais valores mencionados no texto.
Os veículos envolvidos com esta informação falsa travestida de notícia se caracterizam por publicarem material de campanha política. Neste caso específico, o incômodo com as atividades de cunho progressista da ONG Visão Mundial e do pastor Ariovaldo Ramos parece ter motivado a produção do texto de 2021. A matéria foi recuperada neste momento como reação à presença do pastor em ato a favor de Lula, em São Gonçalo (o que consta na introdução do que foi republicado), consequentemente, contra a reeleição de Jair Bolsonaro apoiada pelos veículos.
Bereia alerta leitores e leitoras para o recorrente uso de desinformação (calúnia) com a intenção de atacar opostos e destruir reputações, especialmente em períodos eleitorais.