Governo federal não realiza confisco de dinheiro esquecido em bancos, como divulgado por políticos de oposição

Circula nas mídias sociais a informação de que o governo federal teria planejado um confisco de R$ 8 bilhões em dinheiro esquecido pela população em bancos. A alegação, divulgada em 12 de setembro pelos deputados federais com identidade religiosa  a católica Carla Zambelli (PL-SP) e o luterano Marcel Van Hattem (Novo-RS), sugere que a ação teria sido aprovada pelo governo Lula (PT) durante a noite. 

Imagem: Reprodução/Instagram

Origem da desinformação

Carla Zambelli afirmou, em seu perfil do Instagram, que o Banco Central teria informado sobre uma proposta de lei prevendo a transferência dos saldos de contas bancárias não reclamados para a União. Na legenda, a parlamentar complementa que essa medida seria chamada de “confisco”, com o objetivo de utilizar esses valores como receita no orçamento do Tesouro Nacional.

Por sua vez, Marcel Van Hattem publicou: “Quem achava que o confisco nunca mais iria acontecer no Brasil se enganou. Vamos de mal a pior com o PT e seus aliados no poder”. Além disso, perfis comuns também comentaram sobre a situação, sugerindo também que a pauta é um plano para um confisco.

Imagem: Reprodução/Bluesky 

Imagem: Reprodução/Instagram

Sobre o “confisco”

Confisco é a apreensão direta de bens de propriedade privada pelo Estado, sem oferecer compensação ao proprietário afetado. Em resumo, é a ação de tomar algo que pertence a outra pessoa ou entidade, geralmente pelo governo, sem a permissão do proprietário. Isso pode ocorrer por diversas razões, como o não cumprimento de obrigações legais ou a necessidade de recursos em situações emergenciais. No contexto de finanças e economia, confisco muitas vezes se refere à apreensão de bens ou recursos financeiros, como contas bancárias ou propriedades, por parte das autoridades.

Sobre a proposta do governo federal

A medida do governo federal de recolher recursos não reclamados para equilibrar o orçamento não se caracteriza como confisco. O Projeto de Lei 1.847/24, discutido e aprovado no Senado e na Câmara dos Deputados, trata de valores pagos pela União que cidadãos ou empresas esqueceram em algum banco, consórcio ou outra instituição, e não foram reclamados ou movimentados por mais de 25 anos. O texto será enviado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que poderá vetar trechos ou a totalidade da proposta. Caso haja vetos, a decisão final caberá ao Congresso.

Dados do Sistema de Valores a Receber (SVR)

De acordo com informações do Banco Central, R$ 8,56 bilhões estão disponíveis para resgate no SVR. Os valores a receber de até R$ 10 concentram 63,6% dos beneficiários. Os valores entre R$ 10,01 e R$ 100 correspondem a 24,86% dos correntistas. Há casos como o de uma pessoa física que tem R$ 11,2 milhões para sacar, e de uma pessoa jurídica que tem R$ 30,4 milhões disponíveis. O maior saque já realizado nesta modalidade foi de R$ 2,8 milhões em julho de 2022. A maioria dos beneficiários (32,9 milhões de pessoas) tem até R$ 10 para resgatar.

A previsão de incorporação dos recursos esquecidos pelo Tesouro Nacional está prevista em legislação há mais de 70 anos, na Lei 2.313, de 1954. Ela dá um prazo de cinco anos para saque dos recursos antes que sejam incorporados ao patrimônio nacional – o mesmo procedimento em relação  ao abono do PIS/Pasep

Processo de resgate e direitos dos cidadãos

Se a proposta se tornar lei, após a sanção do presidente da República,  os titulares de “dinheiro esquecido” terão um prazo de 30 dias após a publicação da norma para resgatar os valores. Após esse período, os recursos serão destinados ao Tesouro Nacional. No entanto, isso não significa que os cidadãos perderão o direito a esses fundos. O Ministério da Fazenda publicará um edital no Diário Oficial da União com informações sobre os valores, e o recolhimento poderá ser contestado por quem tiver direito aos recursos. 

Posicionamento oficial do governo

Em nota oficial, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) afirma:
“A lei, aprovada por deputados e senadores, visa garantir a manutenção da desoneração da folha de pagamentos para 17 setores da economia e municípios com até 156 mil habitantes. Esses recursos também serão considerados para o cumprimento da meta primária, o que pode beneficiar a economia brasileira”.

A Secom ainda ressaltou que, ao contrário de um confisco, de acordo com o que foi aprovado no Congresso Nacional, os cidadãos ainda terão a possibilidade de reivindicar os valores esquecidos.

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Bereia classifica a notícia divulgada pelos deputados federais com identidade religiosa Carla Zambelli (PL) e  Marcel Van Hattem (Novo) como enganosa. É fato que há valores por receber, pagos pelo governo federal a cidadãos, que estão esquecidos e não  foram resgatados, por anos. Porém,  a alegação de que o governo atual estaria projetando um confisco é inventada e foi desmentida pela Secretaria de Comunicação do Governo (Secom). A proposta em questão, de o governo se reapropriar dos recursos esquecidos, é prevista em lei há 70 anos, e não se caracteriza como confisco, pois mantém o direito dos cidadãos de reivindicar seus recursos, mesmo após o prazo inicial de 30 dias.

Bereia alerta leitores e leitoras que uma das formas de se avaliar se um conteúdo é falso ou enganoso é identificar matérias de cunho bizarro ou ausentes de sentido. No caso das publicações dos deputados da extrema direita, pode-se avaliar como improvável que o governo realizasse um confisco de recursos dos cidadãos sem ampla discussão pública e cobertura da imprensa. Afirmações sensacionalistas como estas devem gerar desconfiança no primeiro acesso, e a veracidade deve ser imediatamente buscada em fontes oficiais.

É importante que os cidadãos busquem informações em fontes oficiais e verifiquem seus direitos em relação aos valores disponíveis no Sistema de Valores a Receber (SVR). 

É importante que as pessoas estejam atentas sobre o risco de fraudes relacionadas a esses valores que podem ser resgatados. Links falsos que levem cidadãos a liberem informações pessoais ou mesmo fazerem pagamentos para conseguirem o recurso circulam pelas redes. Por isso, é essencial que as pessoas procurem informações em fontes oficiais, como o site do Banco Central, para não caírem em golpes. Conferir as informações com cuidado é fundamental para proteger direitos.

O Banco Central alerta que o único site para a consulta de valores a receber é o https://valoresareceber.bcb.gov.br. É preciso acessar o site e clicar em “Consulte se tem valores a receber”. Inserir os dados e clicar em “Consultar”. Se a consulta mostrar que há valores a receber, clique em “Acessar o SVR” e a pessoa será direcionada para a página de login gov.br (pode haver fila de espera).

Referências de checagem: 

JusBrasil. https://www.jusbrasil.com.br/artigos/diferenca-entre-confisco-e-desapropriacao-confisco/2033169700.  Acesso em: 16 set 2024.

G1. https://g1.globo.com/economia/noticia/2024/09/12/dinheiro-esquecido-congresso-autoriza-governo-a-recolher-ate-r-85-bi-para-fechar-orcamento-de-2024.ghtml.  Acesso em: 16 set 2024.

Governo Federal.
https://www.gov.br/secom/pt-br/assuntos/notas/nao-existe-confisco-de-dinheiro-depositado-em-contas-bancarias. Acesso em: 16 set 2024.

Agência Brasil.
https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2024-09/governo-nega-confisco-de-valores-esquecidos-em-bancos. Acesso em: 16 set 2024.

https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2024-09/brasileiros-ainda-nao-sacaram-r-856-bi-de-valores-receber. Acesso: 17 set 2024.

Banco Central.
https://www.bcb.gov.br/meubc/estatisticas-do-valores-a-receber.  Acesso: 17 set 2024.

Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2454704. Acesso em: 18 de setembro de 2024.

Planalto. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/l2313.htm#:~:text=LEI%20No%202.313%2C%20DE%203%20DE%20SETEMBRO%20DE%201954.&text=Disp%C3%B5e%20s%C3%B4bre%20os%20prazos%20dos,esp%C3%A9cie%2C%20e%20d%C3%A1%20outras%20provid%C3%AAncias. Acesso em 18 set 2024.

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Foto de capa: Joel santana Joelfotos / Pixabay

Site gospel engana sobre suspeita de atentado em incidente em carreata de Pablo Marçal

O site gospel Pleno News publicou, em 1º de agosto de 2024,  matéria sobre um incidente ocorrido durante carreata do candidato autoidentificado como cristão à prefeitura de São Paulo Pablo Marçal (PRTB-SP), no bairro do Tatuapé. O título e o conteúdo da matéria indicam, sem evidências, um suposto envolvimento da candidata a vereadora Carol Iara (PSOL-SP) no episódio.

Imagem: Reprodução/Pleno News

O título da matéria, “Incidente em carreata de Marçal envolveu candidata do PSOL”, sugere uma associação entre a candidata e a ameaça de atentado de morte que o candidato afirma ter recebido. O texto detalha que a polícia foi chamada após a observação de um indivíduo supostamente armado, que fugiu em um veículo com outras pessoas ao ser identificado pelos seguranças. E a matéria insinua um envolvimento da candidata Carol Iara no incidente, com base apenas na presença dela no evento, sem fornecer provas que sustentem tal associação.

Pleno News também não menciona que Marçal, ao prestar depoimento, afirmou não ter visto nenhuma pessoa armada, informação que contradiz a narrativa de ameaça apresentada inicialmente.

O incidente 

O caso ocorreu na Zona Leste de São Paulo, durante um ato de campanha do candidato Pablo Marçal. Vídeos compartilhados nas mídias digitais mostram a movimentação de um veículo, enquanto seguranças do candidato se aproximam, mas não há evidências claras de arma ou ameaça, o que enfraquece a suspeita. 

Como precaução, o candidato se dirigiu a uma padaria para vestir um colete à prova de balas, medida que já havia utilizado anteriormente em sua campanha.

Imagem: Reprodução/X

Reprodução/X

De acordo com a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, a Polícia Militar foi acionada às 15 horas e 18 minutos do dia 30 de agosto, para verificar uma “atitude suspeita”. Policiais do 8º Batalhão foram ao local após receberem relatos de que um indivíduo em um Ford Ka parecia estar armado. 

Viaturas foram enviadas à área, mas não conseguiram localizar o veículo. O Ford Ka foi gravado em um vídeo, por apoiadores de Marçal, que mostra Carol Iara entrando no carro com dois membros de sua equipe. Um homem tentou abordar o veículo, que seguiu seu trajeto.

Versões dos candidatos

Pablo Marçal, em vídeos postados em seu perfil no Instagram, sugere ter sofrido uma ameaça de morte. Ele relata ter percebido, ao chegar ao local, uma tentativa de hostilização e informou ao policial que fazia a segurança do evento que algo estava errado. 

Após o episódio, Marçal foi ao Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) no início da noite para dar prosseguimento ao caso. O candidato prestou depoimento e registrou um boletim de ocorrência por ameaça. Marçal afirmou não ter visto nenhuma pessoa armada e minimizou a repercussão do caso. Seu advogado declarou que a polícia deve ouvir todos os envolvidos.

Apesar disso, o candidato capitalizou o caso em campanha ao mencionar que, em sua comunicação com a polícia, usa a expressão “treze” para se referir a pessoas que causam problemas. “A gente gosta de falar que gente que dá problema é treze, nem imagina o porque né (…) falei ó esse aí é treze, cuidado ai ó, cê já sabe que treze é um número que você não pode cagar na urna eletrônica” declara o candidato em um dos vídeos.

Reprodução/Instagram

Carol Iara apresenta uma versão diferente dos eventos. Em nota divulgada no seu perfil no Instagram, em 30 de agosto, a candidata a vereadora afirma que Marçal utilizou termos enganosos para disseminar desinformação sobre o caso. “As acusações de Marçal são infundadas e completamente falsas”, declara Iara.

No vídeo divulgado junto à nota, Iara se diz “totalmente chocada” com a divulgação de imagens onde aparece sendo perseguida por um segurança de Marçal. Ela afirma: “Não acreditem nessa mentira, gente. Eu passei o dia fazendo campanha eleitoral e vim entregar um presente pro Pablo Marçal, que era esse isoporzinho, um meme de Pinóquio pro candidato mais mentiroso dessa eleição”.

A candidata a vereadora explica que o objeto que Marçal supôs ser uma arma era um boneco de isopor em forma de emoji do Pinóquio, simbolizando, segundo ela, as “mentiras” contadas pelo empresário.

Reprodução/Instagram

Em entrevista ao O Globo, Iara afirmou que o boneco com nariz de Pinóquio foi retirado de suas mãos por apoiadores e seguranças de Marçal antes que ela e seus assessores pudessem se aproximar do candidato. Segundo Iara, a intenção era fazer uma entrega pacífica, mas os seguranças a hostilizaram e a forçaram a se retirar para evitar agressões. 

Ela explicou que o carro usado foi alugado de um militante do PSOL, que não estava presente no local do episódio. Além disso, Iara se mostrou disponível para esclarecer qualquer questão aos órgãos competentes e declarou que está avaliando com sua equipe jurídica a necessidade de se apresentar à polícia.

Apesar do relato da candidata a vereadora, Marçal foi ao Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) no início da noite para dar prosseguimento ao caso. Sua equipe afirmou que “aparentemente os suspeitos foram identificados”, mas essa informação não foi confirmada pelas forças de segurança. 

Repercussão

Veículos de comunicação repercutiram o caso com abordagens diversas. O portal da CBN relatou que o candidato teria sido alvo de uma tentativa de homicídio: “um indivíduo armado e disfarçado tentou assassinar o candidato antes de uma carreata no Tatuapé”, afirma o texto. 

A Gazeta do Povo adotou uma abordagem similar: “Depois da ocorrência, o candidato do PRTB passou a usar um colete à prova de balas e deu continuidade ao evento político”.

A Jovem Pan apenas menciona que a polícia foi acionada após “atitudes suspeitas” e que Marçal adotou o uso do colete.

Imagem: Reprodução/Gazeta do Povo

Imagem: Reprodução/Jovem Pan

Imagem: Reprodução/CBN

Bereia classifica a notícia do Pleno News como enganosa. A matéria do site gospel apresenta o caso e sugere, sem evidências concretas, um envolvimento da candidata Carol Iara (PSOL-SP) em um suposto incidente armado durante a carreata de Pablo Marçal (PRTB-SP).

A checagem revela que não há provas de ameaça armada. O próprio Marçal, em depoimento à polícia, afirmou não ter visto nenhuma pessoa armada, informação omitida pela matéria original.

O portal Pleno News faz associações infundadas e omite informações cruciais, induzindo os leitores a uma interpretação equivocada dos fatos para martirização do candidato. A presença de Carol Iara no local e o acionamento da polícia são usados para construir um discurso que não se sustenta com as evidências disponíveis.

O caso demonstra como fatos isolados podem ser manipulados para criar uma impressão enganosa, especialmente em contextos eleitorais. A omissão de detalhes importantes e a sugestão de conexões não comprovadas são táticas comuns em conteúdos desinformativos.

Bereia alerta leitores e leitoras sobre a importância da busca de múltiplas fontes ao se deparar com notícias sobre incidentes políticos. É fundamental verificar se as alegações são respaldadas por evidências concretas e se todas as partes envolvidas tiveram a oportunidade de se manifestar.

Referências:

O Globo

.https://oglobo.globo.com/politica/eleicoes-2024/noticia/2024/08/30/pm-e-acionada-apos-campanha-de-marcal-relatar-presenca-de-homem-armado-em-ato.ghtml. Acesso: 2 set 2024

CBN.
https://www.cbnrecife.com/artigo/pm-e-acionada-apos-campanha-de-marcal-relatar-presenca-de-homem-armado-em-ato. Acesso: 3 set 2024

https://cbn.globo.com/politica/noticia/2024/08/30/pm-e-acionada-apos-campanha-de-marcal-relatar-presenca-de-homem-armado-em-ato.ghtml

Jovem Pan.
https://jovempan.com.br/noticias/politica/eleicoes-2024/pablo-marcal-usa-colete-a-prova-de-balas-durante-ato-em-sao-paulo.html. Acesso: 4 set 2024

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Foto de capa: reprodução/Pleno.News

Líderes políticos propagam conteúdo enganoso e falso sobre queimadas na Amazônia e em São Paulo

Publicações com informações imprecisas sobre as queimadas que atingem diversas regiões do país, incluindo a Amazônia Legal e o Estado de São Paulo, circulam nas redes digitais. Postagens de líderes políticos e religiosos questionam, sem evidências, a atuação do governo federal no controle dos incêndios e atribuem responsabilidade pelos focos de fogo a grupos como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) revelam aumento de 78% no número de queimadas em relação a 2023, com mais de 109 mil focos registrados até 26 de agosto.

Situação atual das queimadas no Brasil

De acordo com o Inpe, até 26 de agosto passado, o Brasil tinha registrado 109.943 focos de queimadas em 2024. Esse valor representa 178,11% do ano de 2023, um aumento de 78,13%. 

Os estados mais atingidos foram Mato Grosso com 21.694, Pará com 14.794 e Amazonas com 12.696. Somente em agosto, esses três estados registraram 27.838 focos de incêndio, o que corresponde a aproximadamente 25% do total registrado no país em 2024. 

O Estado de São Paulo também enfrenta uma situação crítica. Entre os dias 23 e 25 de agosto, quase 30 cidades paulistas estavam em alerta devido às queimadas. Segundo o governo estadual, os incêndios consumiram mais de 20 mil hectares e obrigaram mais de 800 pessoas a abandonar suas residências.

Imagem: Reprodução: Brasil de Fato

Segundo o Inpe, a Amazônia e o Cerrado são os biomas mais afetados pelas queimadas em 2024. Até julho, a Amazônia Legal registrou o maior número de focos de fogo em 19 anos, representando 47,4% do total de ocorrências no país. O Cerrado, por sua vez, correspondeu a 31,9% dos focos registrados.

O uso do fogo na agricultura, uma prática antiga, contribui significativamente para os incêndios na região. Embora seja um método rápido e barato de preparar o solo, o engenheiro-agrônomo e pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Raimundo Nonato Brabo Alves, adverte que esta técnica, quando realizada sem os devidos cuidados, tornou-se um problema ambiental, não sendo mais considerada sustentável pois contribui para o aquecimento global.

Porém, investigações recentes sobre incêndios em São Paulo sugerem ações criminosas coordenadas. Análises do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) revelaram um aumento dramático de focos de calor em um único dia, com 81,29% concentrados em áreas agropecuárias. A simultaneidade dos focos é considerada pelos especialistas indício de interferência humana, levando à prisão de cinco pessoas até 27 de agosto. Os incêndios consumiram mais de 20 mil hectares e deslocaram mais de 800 pessoas, reforçando as suspeitas de atividade criminosa.

Repercussão nas redes de religiosos 

Nas redes digitais, informações imprecisas sobre as queimadas no país estão sendo publicadas por parlamentares e líderes religiosos. O deputado federal presbiteriano José Medeiros (PL-MT) utilizou seu perfil no X para sugerir, sem provas, que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) seria responsável pelos focos de incêndio.

Imagem: Reprodução: X

Em 26 de agosto, o MST publicou uma série de postagens em seu perfil oficial no X para afirmar que a notícia sobre sua responsabilidade pelas queimadas no interior de São Paulo, especificamente na região de Ribeirão Preto, é falsa. 

O movimento afirmou que as queimadas são reflexo dos problemas do modelo de agronegócio, que envolve concentração de terras, uso excessivo de agrotóxicos e degradação ambiental. Ademais, reafirma seu compromisso com uma Reforma Agrária Popular focada na agroecologia, com o objetivo de converter latifúndios improdutivos e áreas impactadas por crimes ambientais em terras para trabalhadores sem terra.

Imagem: Reprodução: X

O deputado federal cristão evangélico Helio Lopes (PL-RJ) também utilizou seu perfil no X para questionar a atuação do governo federal e da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, em relação às queimadas. Em 26 de agosto, o parlamentar fez duas publicações sobre o tema.

Na primeira postagem, Lopes compartilhou uma notícia do Correio Braziliense sobre a declaração de Marina Silva a respeito da origem da fumaça no Distrito Federal. O deputado sugeriu, em tom crítico, que a pauta ambiental foi utilizada apenas como discurso eleitoreiro.

Imagem: Reprodução: X

Em uma segunda publicação no mesmo dia, o parlamentar compartilhou uma manchete da Revista Oeste que reproduz um editorial do jornal O Estado de São Paulo, publicado em 26 de agosto, que questiona a capacidade do governo Lula de lidar com as queimadas na Amazônia. 

O editorial do Estadão, opinião dos proprietários do veículo, compartilhado pelo deputado, reflete uma tendência observada nos posicionamentos do jornal em 2023. Segundo levantamento realizado pelo Ranking dos Políticos, dos 152 editoriais do Estado de São Paulo analisados naquele ano, 75,6% foram críticos ao governo Lula.

Imagem: Reprodução: X

Em 26 de agosto, a deputada federal católica Carla Zambelli (PL) usou o caso das queimadas na publicação de seu perfil no X  para criticar o governo federal.

Ela afirmou que o governo Lula deveria aprender com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, a melhorar as ações de combate a esses incêndios e punição dos responsáveis.

Imagem: Reprodução: X

O vídeo é um trecho do noticiário Edição do Meio Dia, da GloboNews, de 25 de agosto, no qual o governador de São Paulo, no exercício de suas responsabilidades, afirma que as forças de segurança pública estão mobilizadas para investigar os incêndios no estado. Ele enfatizou que os responsáveis pelos crimes relacionados aos focos de incêndio serão punidos e levados à justiça.

Imagem: Reprodução: X

Do lado governista, o deputado federal católico Airton Faleiro (PT-PA) também publicou nas mídias digitais sobre os incêndios que atingem São Paulo, combinando informações confirmadas e alegações não comprovadas. A afirmação de que a Polícia Federal abriu investigações sobre os focos de queimadas é correta. De fato, a PF instaurou dois inquéritos para apurar possíveis ações criminosas relacionadas aos incêndios no estado.

Faleiro também compara a situação atual ao “Dia do Fogo”, evento em que foram registrados  diversos incêndios criminosos, orquestrada por empresários, fazendeiros e produtores rurais, ocorrido no Pará em 2019. Essa comparação ecoa uma declaração similar da ministra Marina Silva, ao comentar sobre as suspeitas de ações criminosas coordenadas.

O parlamentar ainda sugere motivações políticas para os incêndios atuais, mencionando ‘figuras da extrema-direita’, como o pastor líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia. O deputado se refere a um vídeo que circula nas redes em que o pastor fala que “o Brasil vai pegar fogo”. No entanto, esta alegação carece de evidências concretas, uma vez que o  vídeo em questão,  diz respeito à convocação para uma manifestação planejada para o feriado do Dia da Independência, 7 de setembro. Não há elementos factuais que indiquem uma conexão direta da convocação com as queimadas. 

De quem é a responsabilidade?

Bereia verificou que a responsabilidade pela proteção e preservação do meio ambiente no Brasil é compartilhada por todos os níveis de administração pública: municipal, estadual e federal. De acordo com o Art. 225 da Constituição Federal de 1988, todos têm direito a um meio ambiente saudável e equilibrado, e é dever do governo e da sociedade protegê-lo para o bem de todos agora e no futuro. Segundo a doutora em Gestão Sustentável/Ambiental, Márcia Dieguez e o doutor em Políticas Públicas Marcelo Varella, a Constituição de 1988 criou a função ambiental para obrigar o Estado e a sociedade a preservar o meio ambiente. “O Art. 225, como meio de assegurar a efetividade do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, exige prestações materiais e atuação legislativa que envolvem os três entes federativos, no âmbito de suas respectivas competências”.

De acordo com o Art. 2, da Lei nº 6.938, a Política Nacional do Meio Ambiente visa garantir a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental necessária para a vida, promovendo o desenvolvimento socioeconômico, a segurança nacional e a dignidade humana. O Artigo 23 da Constituição estabelece que a responsabilidade pela gestão ambiental é compartilhada entre a União, os Estados e o Distrito Federal. Cada estado e município no Brasil tem seus próprios órgãos ambientais, que criam políticas, resoluções, licenciam e fiscalizam questões ambientais. Estes órgãos podem criar leis e normas mais rigorosas do que as federais, desde que estejam dentro da Constituição.

Os estados escolhem a estrutura de gestão ambiental mais adequada, como departamentos, fundações ou secretarias, enquanto os municípios seguem os padrões estabelecidos em nível federal e estadual. Assim, todos os níveis de governo devem trabalhar para reduzir os danos ambientais.

No nível estadual, a responsabilidade inclui coordenar com os municípios e implementar políticas para combater crimes ambientais e proteger os recursos naturais. Nessa esfera, os estados contam com corpos de bombeiros e polícias especializadas. No nível federal, ministérios como o Ministério do Meio Ambiente e a Polícia Federal lidam com políticas nacionais e investigam crimes ambientais de maior escala. Além disso, a proteção do meio ambiente é responsabilidade não apenas do governo, mas também de indivíduos e das empresas.

A Lei 6.938/81 criou também o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) para coordenar a proteção ambiental no Brasil. O Sisnama é composto por:

  1. Órgão Superior: O Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que auxilia o Presidente na formulação das diretrizes ambientais.
  2. Órgão Central: A Secretaria Especial do Meio Ambiente (Sema), vinculada ao Ministério do Interior, responsável por promover e avaliar a Política Nacional do Meio Ambiente.
  3. Órgãos Setoriais: Agências e fundações federais associadas à preservação ambiental e ao uso dos recursos naturais.
  4. Órgãos Seccionais: Órgãos estaduais que executam programas, projetos e fiscalização ambiental.
  5. Órgãos Locais: Órgãos municipais que controlam e fiscalizam atividades ambientais em suas áreas.

Além disso, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama)  do governo federal, tem formado, ao longo dos anos, brigadistas florestais para ajudar na atuação durante o período seco. O Programa Brigadas Federais protege diretamente cerca de 14 milhões de hectares de Terras Indígenas e 153 mil hectares de territórios quilombolas, enquanto o Prevfogo cuida de aproximadamente 19,1 milhões de hectares em Unidades de Conservação em todo o Brasil. As Brigadas Indígenas desempenham um papel crucial na prevenção e combate a incêndios florestais na Amazônia, combinando conhecimentos tradicionais indígenas com técnicas modernas de manejo do fogo, conforme o acordo entre a Funai e o Ibama.

Desde 2013, o acordo prevê a seleção, capacitação e contratação de brigadistas indígenas, além do fornecimento de equipamentos e veículos. Em 2014, foram estabelecidas 30 brigadas com 519 brigadistas, e em 2015 o número de brigadistas aumentou para 608, expandindo a área coberta para 17,126 milhões de hectares. 

Atualmente, há 39 brigadas em operação. A Associação dos Brigadistas Akwe Xerente, uma das mais ativas, desenvolve um viveiro para reflorestamento e plantio de árvores frutíferas e teve papel importante no combate ao incêndio da Serra do Lajeado em 2017.

Ações públicas em curso

A diretora do Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador Agnes Soares detalhou medidas em andamento para reduzir os impactos causados pelo aumento dos focos de incêndio. Ela destacou que, desde 26 de julho, o Ministério da Saúde criou a Sala de Situação Nacional de Emergências Climáticas em Saúde, um mecanismo para coordenar a resposta a emergências climáticas como queimadas, enchentes e secas. 

“O monitoramento visa identificar as populações mais vulneráveis e orientar as secretarias estaduais e municipais de saúde, que relatam periodicamente a situação e ajudam no preparo e na mitigação dos efeitos conhecidos, como a inalação de fumaça” , informou a diretora. 

O governo federal, por meio do Ministério do Meio Ambiente, está apoiando o combate e monitoramento das áreas atingidas pelas queimadas com seis aeronaves, incluindo um avião KC-390 com sistema para lançamento de água. Além disso, o Ministério da Defesa mobilizou 600 militares para auxiliar nos esforços. 

A ministra do Meio Ambiente Marina Silva ressaltou que ações criminosas serão punidas com rigor e que é preciso parar de atear fogo, mesmo com todos os recursos disponíveis, dado o período de alta temperatura, baixa umidade e ventos fortes.

Segundo a ministra, a situação de fumaça na capital federal é atribuída a dois fatores: incêndios nas proximidades de Brasília e fumaça proveniente de outras regiões. Equipes técnicas estão avaliando as correntes de ar para identificar a origem exata da fumaça. 

A ministra ressaltou que a preparação iniciada em 2023 foi fundamental para o enfrentamento da situação atual. Ela também destacou que a redução do desmatamento na Amazônia, de 50% em 2023 e 45% em 2024, evitou um cenário ainda mais crítico para o país.

De acordo com dados do sistema Deter-B do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a taxa consolidada de desmatamento na Amazônia caiu 45,7% entre agosto de 2023 e julho de 2024, somando 4.315 km², em comparação com 7.952 km² no período anterior. Essa redução representa a maior queda proporcional histórica já registrada.

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Bereia observa que a série de postagens feitas por líderes políticos nas redes apresenta informações  falsas e enganosas sobre a atuação do governo no combate aos incêndios. A disseminação de alegações falsas, como a responsabilização do MST pelos incêndios e críticas infundadas à gestão do governo federal e da ministra do Meio Ambiente, contribui para uma percepção negativa e distorcida das ações governamentais e dos deveres das diferentes instâncias da administração pública. O uso do vídeo do pastor Silas Malafaia para acusar apoiadores da extrema direita de terem incentivado os incêndios também se caracteriza como especulação e fonte de engano.

Bereia reforça aos leitores sobre a importância de verificar a veracidade das informações antes de compartilhá-las. Recomenda-se consultar fontes oficiais e confiáveis, como o site do Inpe e os canais oficiais dos órgãos governamentais responsáveis pelo meio ambiente. Além disso, é fundamental questionar conteúdos que pareçam sensacionalistas ou que atribuam culpa a opositores sem evidências explícitas. Ao se deparar com informações duvidosas sobre queimadas ou outros temas ambientais, busque a confirmação em agências de checagem de fatos e evite compartilhar conteúdos não verificados.

Referências de checagem: 

INPE.
https://terrabrasilis.dpi.inpe.br/queimadas/situacao-atual/situacao_atual/. Acesso: 27  ago  2024.

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Agência Gov. https://agenciagov.ebc.com.br/noticias/202408/ministerio-da-saude-reforca-acoes-de-combate-a-incendios-no-pais. Acesso: 27 ago  2024.

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X. https://x.com/MST_Oficial/status/1828168714434281638?t=rD9Monz8oEfsGbKLxeM4tw&s=19. Acesso: 27 ago  2024.

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Agência Gov. https://agenciagov.ebc.com.br/noticias/202408/desmatamento-na-amazonia-tem-reducao-de-45-7. Acesso: 27 ago 2024.

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https://noticias.uol.com.br/confere/ultimas-noticias/2024/08/26/video-distorce-posts-de-bolsonaristas-para-associa-los-a-queimadas.htm. Acesso: 29 ago 2024.

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GOV. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm. Acesso em 30 de agosto de 2024.

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SATC. https://unisatc.com.br/quais-sao-os-orgaos-ambientais-e-suas-funcoes/. Acesso em 30 de agosto de 2024.

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Supremo Tribunal Federal. https://portal.stf.jus.br/constituicao-supremo/artigo.asp?abrirBase=CF&abrirArtigo=225#. Acesso em 30 de agosto de 2024.

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Foto de capa: Wikimedia Commons

Alarde sobre suposta saída da rede X/Twitter do Brasil se espalha em ambientes digitais religiosos

A plataforma X, anteriormente denominada Twitter, anunciou em 17 de agosto o fechamento de seu escritório no Brasil e a demissão de funcionários locais. A decisão foi tomada após o Supremo Tribunal Federal (STF) cobrar o cumprimento de determinações judiciais impostas à empresa no âmbito da investigação sobre os atos extremistas contra a democracia brasileira, com ataques às sedes dos Três Poderes da República, em 8 de janeiro de 2023.

Elon Musk, proprietário do X, publicou em seu perfil da plataforma uma crítica à decisão do STF, questionando sua legalidade e alegando que acatá-la poderia resultar em censura. 

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Desde a compra do “extinto” Twitter por Musk, em 2022, a representação da empresa no Brasil perdeu o posto de sede e tornou-se um escritório para cerca de 40 funcionários.

Todos foram demitidos após uma reunião online de emergência, em 17 de agosto. Com isso, a empresa encerrou suas atividades, o que desrespeita a legislação brasileira, que exige a representação legal de quaisquer companhias que atuem no Brasil. 

Bereia observou que o caso foi noticiado por veículos de notícias e repercutido por vários perfis de políticos e lideranças religiosas. Em boa parte deles foi abordada “a saída do X do Brasil” e explorada, de forma crítica e alarmista, a ideia de censura à empresa pelo ministro do STF Alexandre de Moraes. Bereia checou o que ocorreu de fato.

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Imagens: Reprodução: Plano News, Revista Oeste e Uol

A decisão do STF

De acordo com os autos dos processos divulgados pelo perfil oficial de Relações Governamentais Globais do X, o STF cobrou da empresa o cumprimento de  uma série de medidas impostas em 8 de agosto, no âmbito das investigações sobre atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, sob a liderança do ministro Alexandre de Moraes. As decisões incluem o bloqueio de perfis, a quebra de sigilo de dados e o fornecimento de registros de acesso e postagens de pessoas envolvidas nas ilegalidades. Entre elas estão o influenciador e ex-candidato a deputado federal Ed Raposo (PTB-RJ), o senador Marcos do Val (PL-ES) e Paola da Silva Daniel, esposa do ex-deputado Daniel Silveira (PTB-RJ).

O descumprimento das ordens pelo X resultou em multa de R$ 50 mil. O STF fixou ainda multa diária de R$ 200 mil por perfil não bloqueado e alertou sobre possível crime de desobediência por parte do representante legal da empresa, Diego de Lima Gualda.

Diante das tentativas da X Brasil de evitar o recebimento das decisões, o Tribunal notificou diretamente os advogados da empresa, em 12 de agosto, com exigência do cumprimento das determinações em 24 horas. Em caso de descumprimento, haveria a imposição  de multas diárias de R$ 20 mil à administradora Rachel de Oliveira Villa Nova Conceição, além da possibilidade de prisão por desobediência e afastamento da direção da companhia.

O STF também exigiu que a plataforma X fornecesse dados cadastrais de perfis específicos, alguns a pedido da Polícia Federal, com prazos para o cumprimento e estabelecimento de multas de até R$ 100 mil e responsabilização penal em caso de não colaboração.

O fechamento do escritório do X no Brasil

De acordo com o proprietário da empresa Elon Musk, o encerramento do escritório no Brasil foi uma reação a uma ordem do STF, protocolada pelo ministro Alexandre de Moraes, que determinou a prisão de uma representante local da empresa após o descumprimento de decisões judiciais de bloqueio de perfis de usuários na rede. A penalidade em caso de não cumprimento da ordem seria de R$ 50 mil por dia.

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Apesar do encerramento do escritório no Brasil, as operações da plataforma no país continuam e o serviço X continua disponível para os usuários no país. O fechamento não restringe o acesso à plataforma no território nacional, exceto se uma decisão judicial estabelecer o contrário.

Elon Musk usou seu perfil oficial no X para se manifestar sobre a decisão de fechar o escritório da empresa no Brasil. Em suas críticas ao ministro Moraes, Musk afirmou que ter um “justiceiro” que viola a lei de forma repetida e flagrante não constitui justiça.

Imagem: Reprodução X

Nos últimos meses, a oposição do bilionário estadunidense à Corte do Brasil  aumentou. Em abril, foram divulgados e-mails de funcionários do antigo Twitter sobre decisões judiciais brasileiras entre 2020 e 2022, denominados “Twitter Files Brazil”. Esses documentos foram revelados pelo jornalista estadunidense Michael Shellenberger e expunham que o Twitter repetidamente se recusou a cumprir ordens do STF, do Tribunal Superior Eleitoral, do Congresso Nacional, do Ministério Público e da Polícia Federal para fornecer dados de usuários e remover contas de apoiadores do então presidente Jair Bolsonaro, com a alegação de falta de base legal para as determinações.

Na época, Musk direcionou o foco das críticas públicas ao ministro Alexandre de Moraes, acusando-o de censura e afirmou que não cumpriria as ordens judiciais. Em resposta, em 7 de abril de 2024, o STF  incluiu Musk no inquérito das milícias digitais e abriu um novo para investigar possíveis crimes de obstrução à Justiça, organização criminosa e incitação ao crime da parte do empresário. A investigação também examina a propagação de notícias falsas para atacar as instituições democráticas brasileiras.

Na decisão,  o ministro Moraes destacou que as redes sociais não são “terra sem lei” e determinou uma multa diária de R$ 100 mil para cada perfil desbloqueado em descumprimento das decisões do STF ou do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Musk, por sua vez, publicou novas críticas em seu perfil, chamou Moraes de “ditador brutal” e alegou que o ministro controla o presidente Lula.

Dificuldades financeiras

Bereia apurou que a redução de estrutura da empresa X não diz respeito apenas a uma disputa judicial. Desde a compra do Twitter por Musk, em 2022, transformado em X, o bilionário demitiu cerca de 80% dos funcionários da empresa globalmente. A base no Brasil, que até então empregava 150 pessoas, também foi reduzida, como relatou o site Infomoney em abril de 2024, quando o empresário já havia ameaçado fechar o escritório do  no país.

A queda na receita da empresa tem relação com a mudança no direcionamento político da plataforma. O X optou por encerrar equipes de moderação e liberar a circulação de postagens com discurso de ódio, com golpes financeiros e muita desinformação. Esse posicionamento fez com que grandes anunciantes, como Apple, Amazon e IBM, se retirassem da plataforma. Como resultado, Elon Musk decidiu processar essas empresas. Além disso, estúdios de Hollywood e empresas do setor de entretenimento, incluindo Disney, Comcast, Warner Bros Discovery, Paramount Global e Lions Gate Entertainment, também tomaram a mesma decisão.

O X processou a Unilever, a Mars, a CVS Health, a Orsted e a Federação Mundial de Anunciantes (WFA) em um tribunal no Texas, EUA.

Imagem: Reprodução: BCC News Brasil

A queda na receita da empresa tem relação com a mudança no direcionamento político da plataforma. O X optou por encerrar equipes de moderação e liberar a circulação de postagens com discurso de ódio, com golpes financeiros e muita desinformação. Este posicionamento levou grandes anunciantes a se retirarem da plataforma, como Musk já havia mencionado em abril passado a possibilidade de fechar o escritório no Brasil devido a conflitos com o STF, reduzido, no discurso do empresário,  ao ministro Alexandre de Moraes. O Brasil é um dos maiores mercados do X, atrás apenas dos Estados Unidos, Japão, Índia, Inglaterra e Indonésia, o que sugere possíveis implicações significativas para a empresa,  que já vivia revezes financeiros.

Em janeiro deste ano, o país tinha mais de 22 milhões de usuários da rede social. Segundo a plataforma SimilarWeb, 9,3 milhões de brasileiros são usuários ativos mensais do X via aplicativo Android. Além dos efeitos sobre milhões de usuários, a saída da rede social do país causaria prejuízos econômicos, já que, de acordo com a Statista, o Brasil é o sexto maior mercado global do X.

Europa

A situação na Europa é, atualmente, semelhante à do Brasil. Em 19 de agosto passado, o jornal italiano  La Repubblica publicou uma entrevista com Sandro Gozi, deputado francês do Parlamento Europeu, que afirmou que a plataforma X pode ser banida na União Europeia se Musk não cumprir as leis locais contra discurso de ódio e desinformação. 

Isso ocorreu após o Comissário Europeu para o Mercado Interno e Serviços, Thierry Breton, ter alertado Musk sobre a necessidade de seguir as regras da Lei de Serviços Digitais (DSA) da União Europeia. Esse alerta foi dado pouco antes de uma live de Musk para a campanha de Donald Trump, para retornar à Presidência dos Estados Unidos nas eleições deste ano, transmitida no X

Desde dezembro do ano passado, o X é investigado pela Comissão Europeia por descumprir a DSA, devido à sua atuação na disseminação de desinformação. O Comissário Breton temia que a live de Musk com Trump pudesse incitar violência e desordem pública, lembrando episódios recentes de violência no Reino Unido contra imigrantes, provocados por fake news de extrema direita  amplamente divulgadas no X, como Bereia checou.

O X/Twitter sairá do Brasil?

Bereia confirmou que a informação sobre o fim da rede X no Brasil é incorreta. Na verdade, apenas o escritório será fechado, mas a rede continuará funcionando a partir do exterior. Para analisar os impactos do fechamento do escritório do X no Brasil, o especialista em tecnologia Arthur Igreja, a especialista em direito digital Patrícia Peck e a especialista em direito constitucional Sueli Murakami avaliaram as consequências.  

Em resumo, Igreja afirmou que, no curto prazo, não haverá mudanças nas ferramentas ou funcionalidades da rede X, embora mudanças futuras sejam possíveis. Ele comparou a situação com a das IAs da Meta, que enfrentam restrições no Brasil. 

Peck destacou a falta de regras internacionais para redes sociais, e observa que a falta de um tratado global significa que as plataformas seguem regras contratuais e leis locais. Ela alertou para a possível “burocratização” no acesso aos serviços em razão da ausência de uma representação local, o que pode complicar a resolução de problemas pelos usuários. 

Murakami acrescentou que a ausência de um representante local pode atrasar o processo judicial, mas a empresa ainda deve cumprir as leis brasileiras enquanto continuar operando seus serviços e anúncios. A Justiça pode recorrer a pedidos formais entre países para lidar com a empresa.

Para atuar legalmente no Brasil, empresas estrangeiras precisam cumprir regras previstas nos artigos 1.134 a 1.138 do Código Civil e na Instrução Normativa nº 77/2020 do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI). Entre as principais exigências estão: ter base nacional, como filial ou escritório, e nomear representante legal residente no país, com poderes para representá-la. O descumprimento desses requisitos impede a obtenção da autorização do governo federal para funcionar em território brasileiro.

A restrição ao X também ocorre em outros países, como a China, onde a internet é controlada pelo governo e apenas plataformas locais podem ser acessadas. Ao contrário do Brasil, Musk não contesta a suposta privação de liberdade, pois mantém negócios no país por meio de sua empresa de carros elétricos Tesla, que inclusive tem uma fábrica em Xangai.

A aproximação de Musk com políticos extremistas, em especial com o trumpismo nos EUA, vem se fortalecendo nos últimos anos. No Brasil, a proximidade de Musk com o governo Bolsonaro também rendeu frutos para os negócios do empresário, como a aceleração da Anatel para autorizar satélites da empresa dele e um possível interesse no lítio brasileiro.

Em entrevista ao podcast da Agência Pública, a advogada e ativista de direitos digitais Estela Aranha afirmou que Musk tem objetivos políticos por trás dos ataques ao STF. Ele estaria engajado com um movimento organizado da extrema-direita internacional para desestabilizar as instituições democráticas brasileiras, num momento em que avança a responsabilização de Bolsonaro e de envolvidos na tentativa de golpe de 8 de janeiro.

As plataformas de redes sociais não podem se valer de interpretações indevidas do Marco Civil da Internet para se esquivar de responsabilidades e precisam se sujeitar a regras específicas como qualquer empresa atuante no Brasil, defende a coordenadora do Comitê Gestor da Internet (CGI) Renata Mielli. 

Em entrevista à Folha de São Paulo, Mielli afirma que essas plataformas não são meras intermediárias neutras, como alegam, mas sim curadoras de conteúdo. Para a coordenadora, a falta de moderação adequada permitiu a disseminação de discursos de ódio, desinformação e até casos que levaram a tragédias, o que coloca em risco a democracia e a soberania nacional.

***

O Bereia conclui, portanto, que a notícia divulgada por sites religiosos e políticos oferecem conteúdo enganoso. A informação sobre o fim da rede X no Brasil é incorreta. Apenas o escritório será fechado; a rede continuará em operação a partir do exterior. Tal desinformação pode induzir o público a construir uma visão negativa sobre as ações do Judiciário brasileiro. 

Bereia alerta leitores e leitoras que uma das formas de se avaliar se um conteúdo é falso ou enganoso é identificar matérias de cunho bizarro ou ausentes de sentido.  Uma afirmação fora de sentido deve gerar desconfiança no primeiro acesso, a veracidade deve ser imediatamente buscada e os promotores da calúnia devem ser denunciados. 

Referências de checagem:

A Pública.

https://apublica.org/2024/04/elon-musk-esta-engajado-com-extrema-direita-diz-advogada-e-ativista-de-direitos-digitais/. Acesso em: 23 ago. 2024.

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https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2024-08/rede-social-x-fecha-sede-no-brasil-e-acusa-moraes-de-ameaca. Acesso em: 20 ago. 2024.

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https://www.infomoney.com.br/business/na-gestao-de-elon-musk-relevancia-da-x-no-brasil-e-posta-em-xeque/. Acesso em: 19 ago. 2024.

Jusbrasil.

https://www.jusbrasil.com.br/artigos/representacao-legal-de-empresas-estrangeiras-no-brasil/469139942. Acesso em: 20 ago. 2024.

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Manual de Empresa Estrangeira 2022.

https://www.gov.br/empresas-e-negocios/pt-br/drei/empresas-estrangeiras/ManualdeEmpresaEstrangeira2022.pdf. Acesso em: 22 ago. 2024.

Nexo Jornal.

https://www.nexojornal.com.br/extra/2024/08/17/x-antigo-twitter-fecha-escritorio-no-brasil. Acesso em: 19 ago. 2024.

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https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2024/04/09/china-coreia-do-norte-e-russia-conheca-os-paises-em-que-o-x-antigo-twitter-e-bloqueado.ghtml. Acesso em: 22 ago. 2024.

O Tempo.

http://www.otempo.com.br/politica/judiciario/defensor-da-liberdade-no-brasil-musk-e-aliado-da-china-onde-redes-sao-vetadas-1.3362628. Acesso em: 23 ago. 2024.

Outras Palavras.

https://outraspalavras.net/direita-assanhada/elon-musk-e-a-extrema-direita-s-a/. Acesso em: 23 ago. 2024.

Poder 360.

https://www.poder360.com.br/poder-justica/justica/leia-todos-os-documentos-divulgados-do-twitter-files-brazil/. Acesso em: 19 ago. 2024.

Revista Fórum.

https://revistaforum.com.br/global/2024/8/19/se-musk-no-cumprir-nossas-leis-sera-banido-da-europa-diz-lider-da-unio-europeia-164102.html. Acesso em: 19 ago. 2024.

Terra.

https://www.terra.com.br/byte/entenda-por-que-apple-amazon-e-ibm-pararam-de-anunciar-no-twitter,70401407f438870df536e4de6cb36f5bbhfb6znj.html. Acesso em: 22 ago. 2024.

X.

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UOL

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Foto de capa: Bret Hartman / TED; licença CC BY-NC 2.0.

Portais gospel divulgam conteúdo impreciso sobre pastor multado por discurso conta religiões afro-brasileiras

* Matéria atualizada em 12/08/2024 para ajuste de título

O portal evangélico Gospel Prime publicou, em 5 de agosto passado, que o Ministério Público Federal (MPF) propôs uma multa de R$ 100 mil ao pastor da Igreja Apostólica Central Wilson Felix da Silva, por discurso de intolerância religiosa contra religiões de matriz afro-brasileira.

Imagem: Reprodução: Gospel Prime

A matéria do Gospel Prime é intitulada: MP quer multar pastor em R$ 100 mil por pregar contra Iemanjá. O veículo descreve que o caso do pastor Wilson Félix da Silva envolve acusações de “discurso de ódio” contra religiões afro-brasileiras. 

Segundo as informações, a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão diz que a declaração do pastor desrespeita essas religiões e pede uma indenização, além da investigação criminal do vídeo. Ao final a matéria compara a situação com outra relacionada ao pastor youtuber Yago Martins, que também foi acusado de discriminação religiosa. A conclusão aponta que ambos os casos mostram a dificuldade de equilibrar a liberdade de expressão religiosa com a proteção de grupos minoritários contra discriminação.

O ocorreu após o pastor criticar a inclusão do evento “Águas de Axé” no calendário oficial de Mangaratiba, município da Costa Verde do Rio de Janeiro. Esse é um evento anual organizado pelo Instituto Lucia Castilho, entidade ligada às religiões de matriz africana. 

O caso foi acolhido pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Rio de Janeiro (PRDC-RJ), que apontou que o pastor utilizou sua posição de liderança para incitar a discriminação de religiões afro-brasileiras durante um culto transmitido online.

No sermão, o líder evangélico teria atribuído a Iemanjá “toda sorte de coisas maléficas que possam ocorrer” na cidade, segundo as acusações.

Bereia checou a veracidade da informação propagada pelo Gospel Prime. 

 O que ocorreu?

Com sede em Mangaratiba, o Instituto Lucia Castilho foi criado com o objetivo de   valorizar a cultura e a religiosidade afro-brasileiras, a igualdade racial e os direitos e a saúde da mulher. 

Imagem: Reprodução/Instagram

A entidade organiza o evento anual “Águas de Axé”, em 20 de janeiro, que promove o encontro de diversos terreiros da região, na Praia do Saco, em Mangaratiba, em prol da divulgação da cultura afro-brasileira e para a realização de rituais para a entrada do novo ano.

Em reconhecimento, a Câmara Municipal da cidade, aprovou em novembro de 2023, um Projeto de Lei, de autoria do vereador Aristides Barcelos (PL-RJ),  para a inclusão do evento no calendário oficial do município. 

Em repercussão, o pastor Wilson Félix da Silva,  criticou a decisão municipal, no sermão transmitido em rede digital,  que “onde eles colocam isso, há uma degradação, uma destruição”. 

O pastor afirma que tal ato visa a acabar com as praias de Mangaratiba, assim como as praias de Sepetiba e Coroa Grande, também localizadas no estado do Rio, pois elas “não prestam mais”, já que há representações de orixás, como Iemanjá, rainha dos mares.

Imagem: Reprodução/YouTube

Wilson Félix ainda argumenta que o município está em uma “guerra espiritual” e que é necessário um posicionamento cristão em todas as esferas da administração pública. Ele também critica o prefeito Alan Campos da Costa, chamando-o de “crente desviado”, por ter aprovado a lei.

Após as falas do pastor, representantes do Instituto Lucia Castilho registraram ocorrência por crime de intolerância e racismo religiosos. O Ministério Público Federal (MPF), pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Rio de Janeiro (PRDC/RJ), ajuizou ação civil pública contra Wilson Félix da Silva por disseminar discurso discriminatório contra religiões de matriz afro-brasileira. 

Na ação, o MPF pede indenização de R$ 100 mil, em função das violações aos direitos fundamentais causadas pelas ofensas. E ressalta que comunidades tradicionais têm o direito de praticar sua religião e expressar sua identidade cultural, e que o Estado tem o dever de salvaguardar a diversidade das expressões culturais.

O procurador regional dos Direitos do Cidadão no Rio de Janeiro Jaime Mitropoulos, destaca que o discurso viola direitos de grupos historicamente vulnerabilizados pela intolerância religiosa e pelo racismo cultural. Ele explica que a remoção do vídeo original, não exime o responsável do dever de indenizar. O vídeo original foi apagado do Instagram após intensa repercussão negativa, mas isso não isenta a pessoa responsável de pagar indenização. 

A PRDC/RJ também determinou a remessa de cópia da gravação para apuração na área criminal, com base na Lei nº 7.716/89, que trata de crimes de racismo.

Bereia ouviu a advogada especialista em Direito Antidiscriminatório, e membro da Rede Cristã de Advocacia Popular (RECAP) Claudia Patricia Luna. Ela explicou que o Ministério Público não precisa esperar por uma denúncia para agir. Ele pode iniciar uma ação cível ou penal por conta própria, especialmente quando o caso envolve interesses coletivos. No caso de racismo religioso, que afeta uma comunidade de pessoas negras, o MP, como previsto na Constituição, pode abrir um inquérito civil e determinar uma multa, como aconteceu com o pastor.

A advogada também explica que o pastor está sendo denunciado com base na Lei 14.532/2023, que  equipara os crimes de injúria racial  aos de racismo, tornando-os inafiançáveis, incluída uma lista dos contextos nos quais devem ser enquadrados, incluído o religioso.

Claudia Luna esclarece que o MPF atua tanto na esfera criminal quanto na cível. Neste caso de Mangaratiba, foi aberto um inquérito cível, e o pastor foi multado conforme esta lei. Isso significa que, além das punições criminais, a pessoa que comete atos de racismo ou injúria racial também pode ser responsabilizada civilmente e obrigada a indenizar a vítima. A multa pode ser destinada a um fundo coletivo, visto que a ofensa impacta toda a comunidade, não apenas o indivíduo.

Repercussão do caso

Vários perfis evangélicos têm divulgado a notícia sobre a condenação do pastor Wilson Félix da Silva como  perseguição religiosa. O Gospel Prime afirmou que a medida visa “proteger grupos religiosos minoritários” mas cria tensões com o direito à liberdade religiosa. 

Imagem: reprodução/Gospel Mais

Imagens: Reprodução: Gospel+ e Pleno News

Calendário cívico e disputas religiosas

O racismo religioso neste caso é mais um exemplo do palco de disputas que revelam tensões religiosas e culturais no país que cercam também o  calendário oficial brasileiro, com seus feriados e datas comemorativas. 

Historicamente dominado por datas cristãs, especialmente católicas, o calendário enfrenta desafios à medida que grupos minoritários buscam reconhecimento e representação.

A antropóloga e pesquisadora nos temas de religião e política Izabella Bosisio, em artigo publicado observa que “o catolicismo se coloca como um elemento fundamental na construção da nacionalidade, do tempo e do espaço públicos, incorporando-se ao calendário sem grandes questionamentos ao ser entendido como parte da tradição e da cultura nacional”.

A Lei Federal 9.093/1995 estabelece regras distintas para feriados civis e religiosos. Os feriados religiosos, limitados a quatro por município, devem seguir a “tradição local”, o que frequentemente favorece as datas cristãs. Já a Lei Federal 12.345/2010 determina que as datas comemorativas devem ter “alta significação para os diferentes segmentos profissionais, políticos, religiosos, culturais e étnicos que compõem a sociedade brasileira”.

No entanto, a implementação dessas diretrizes enfrenta obstáculos. O crescimento da presença evangélica na esfera pública adiciona complexidade a essas disputas. Enquanto buscam estabelecer suas próprias datas comemorativas, alguns setores evangélicos se opõem à inclusão de datas relacionadas a religiões afro-brasileiras, que, de forma predominante,  historicamente, demonizam.

Em períodos eleitorais, políticos alinhados a pautas conservadoras frequentemente exploram casos de aplicação da lei como supostos exemplos de “perseguição aos cristãos”, afirma Bosisio. O debate sobre a inclusão de novas datas, como o Dia da Consciência Negra, exemplifica essas tensões. Embora seja uma data comemorativa nacional, sua instituição como feriado enfrenta resistências em diversas localidades.

“O calendário é algo tão naturalizado e incorporado ao nosso cotidiano que, em geral, não nos damos conta das presenças e das ausências nele”, complementa a antropóloga.

Violências sofridas por religiões de matrizes afro-brasileiras

Dados do Disque 100, canal de denúncias do Ministério dos Direitos Humanos, indicam que, no primeiro semestre de 2024, foram registradas 1.940 violações à liberdade religiosa no Brasil. Esse número corresponde a 91% do total de violações desse tipo ocorridas em 2023. 

As religiões afro-brasileiras são as mais afetadas pela intolerância. Entre 525 violações em que a religião da vítima foi identificada, 276 envolvem seguidores de crenças de origem africana. O Candomblé é a religião com mais violações, com 166 denúncias, seguido pela Umbanda com 124, e 22 casos envolvendo ambas as religiões.

A intolerância religiosa por parte de pastores evangélicos contra religiões de matriz africana tem um histórico notável no Brasil. Em 2023, um caso de destaque envolveu o pastor Yago Martins, que afirmou que todas as religiões pagãs, incluídos o Candomblé e a Umbanda, adoram demônios. Essas declarações geraram grande controvérsia e acusações de intolerância. 

Em 2024, o pastor evangélico Felippe Valadão, da Igreja Lagoinha de Niterói, foi indiciado por intolerância religiosa após fazer ameaças contra terreiros de Umbanda durante um evento, em Itaboraí (RJ), em maio de 2022. Ele prometeu acabar com os centros espíritas da região e afirmou que a igreja estaria fechando esses locais, o que gerou grande polêmica e levou à sua acusação.

Esses discursos frequentemente  ignoram o princípio da liberdade religiosa e promovem discursos que contribuem para a marginalização e o preconceito contra essas tradições.

Desinformação religiosa como estratégia

Bereia verificou que conteúdos religiosos estão sendo utilizados como estratégia política, principalmente em períodos eleitorais. Embora a intolerância religiosa seja um problema sério no País, a forma sensacionalista como alguns sites gospel abordam o tema pode distorcer a realidade. Isso pode causar reações exageradas e criar confusão sobre como a lei realmente protege todas as religiões, incluindo o Cristianismo.

Publicações como a do Gospel Prime contribuíram para a disseminação de informações que levaram diversos perfis em mídias sociais a atribuírem o caso a uma suposta perseguição a cristãos. 

O conceito de perseguição a cristãos tem sido amplamente explorado como pretexto para abusos do direito à liberdade religiosa, como Bereia já tratou. A ideia ganhou mais força  no Brasil a partir de agosto de 2021, quando pesquisas eleitorais indicaram o crescimento da oposição à reeleição do então presidente Jair Bolsonaro. Desde então, houve um aumento nas publicações em mídias digitais sobre a ameaça de fechamento de igrejas e tentativas de silenciar líderes religiosos e professores cristãos que se opõem a questões de diversidade sexual e pluralidade religiosa. A retórica da “Cristofobia”, criada por milícias digitais, apela para o imaginário evangélico, explorando a noção de que a perseguição é uma prova de fé e é amplamente divulgada em igrejas e músicas gospel.

A antropóloga,  pesquisadora da Universidade Federal Fluminense  e do Instituto de Estudos da Religião Christina Vital explica que a liberdade religiosa é o direito de praticar qualquer religião. O Estado laico é importante para garantir essa liberdade, mas não é o único fator. A sociedade e a cultura também são essenciais para respeitar e valorizar a diversidade religiosa. A Constituição de 1988 reforça a laicidade do Estado e a liberdade religiosa nos artigos 5º e 19. No entanto, essa liberdade deve respeitar outros direitos e pode ter limitações legais. Isso significa que todos podem praticar e expressar sua religião, inclusive convidar outras pessoas a participarem e se converterem. No entanto, essa liberdade não permite desrespeitar ou ofender outras religiões. 

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Bereia classifica a matéria do Gospel Prime como imprecisa. De fato, o site religioso relata o ocorrido, porém, insere comparação com outro caso mesclando informação e opinião em relação ao tema da liberdade religiosa, sem oferecer referência com base no Direito.

O Gospel Prime, bem como outros com identidade religiosa evangélica, têm explorado a ênfase na aplicação da lei com a alegação de  restrições à liberdade religiosa, o que se revela falso. Leitores e leitoras devem estar atentos a esta prática e verificar a veracidade de publicações antes de qualquer compartilhamento.

Referências de checagem:

Correio Braziliense. 

https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2024/07/6910024-mpf-denuncia-pastor-por-associar-iemanja-a-coisas-maleficas.html. Acesso: 6 ago 2024.

CNN Brasil. 

https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/mpf-denuncia-pastor-por-associar-iemanja-a-coisas-maleficas-e-pregar-guerra-espiritual-no-rio/. Acesso: 6 ago 2024.

UOL. https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2024/07/17/dados-violacoes-religiao-mdh.htm. Acesso: 6 ago 2024.

Agência Brasil. 

https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2024-04/pastor-evangelico-e-indiciado-por-ofender-religiao-de-matriz-africana. Acesso: 6 ago 2024.

Nexo Políticas Públicas

https://pp.nexojornal.com.br/linha-do-tempo/2023/05/09/o-calendario-brasileiro-e-a-legislacao-sobre-feriados-civis-e-religiosos. Acesso: 6 ago 2024. 

Religião e Poder. 

https://religiaoepoder.org.br/artigo/o-que-feriados-e-datas-comemorativas-podem-nos-dizer-sobre-religiao-no-brasil/. Acesso: 7 ago 2024.

Projeto de lei.

https://sapl.mangaratiba.rj.leg.br/media/sapl/public/materialegislativa/2023/15164/pl_88_2023.pdf. Acesso: 7 ago 2024.

Coletivo Bereia.

https://www.google.com/url?sa=D&q=https://coletivobereia.com.br/a-mentira-que-nao-quer-calar-sobre-perseguicao-a-cristaos-no-brasil. Acesso: 7 ago 2024.

Ministério Público Federal.

https://www.mpf.mp.br/rj/sala-de-imprensa/noticias-rj/acao-do-mpf-pede-que-pastor-pague-indenizacao-de-r-100-mil-por-danos-causados-por-racismo-religioso Acesso: 7 ago 2024.

Jornal Atual.

https://jornalatual.com.br/mp-ajuiza-acao-contra-pastor-por-discriminacao/. Acesso: 8 ago 2024.

https://jornalatual.com.br/mangaratiba-instituto-de-origem-africana-denuncia-intolerancia-religiosa-de-pastor/. Acesso: 8 ago 2024.

Seção Judiciária do Rio de Janeiro. Processo: 5037276-68.2024.4.02.5101. https://eproc.jfrj.jus.br/eproc/externo_controlador.php?acao=processo_seleciona_publica&acao_origem=processo_consulta_publica&acao_retorno=processo_consulta_publica&num_processo=50372766820244025101&num_chave=&num_chave_documento=&hash=16ac45a660209ea592f184e88dd6dcb4. Acesso: 8 ago 2024.

YouTube.

https://www.youtube.com/watch?v=d0avs7t4Di8&themeRefresh=1. Acesso: 8 de agosto de 2024.

Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-facil/edicao-semanal/injuria-racial-racismo. Acesso em 8 de agosto de 2024.

X. https://x.com/doisdedosdeteo/status/1714334078000881733. Acesso em 8 de agosto de 2024.

GOV. https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2018/novembro/artigo-18deg-toda-pessoa-tem-direito-a-liberdade-de-religiao-consciencia-e-pensamento#. Acesso em 9 de agosto de 2024. 

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MPF. https://www.mpf.mp.br/rj/sala-de-imprensa/noticias-rj/acao-do-mpf-pede-que-pastor-pague-indenizacao-de-r-100-mil-por-danos-causados-por-racismo-religioso. Acesso em 9 de agosto de 2024. 

Foto de capa: Wikimedia Commons

Olimpíadas Paris 2024: Polêmicas sobre religião envolvem surfista brasileiro e cerimônia de abertura

Duas situações que envolvem a religião cristã agitaram as mídias digitais nos primeiros dias das Olimpíadas de Paris 2024: a proibição da imagem do Cristo Redentor na prancha do surfista brasileiro João Chianca, conhecido como Chumbinho, e supostas referências à Última Ceia de Jesus durante a cerimônia de abertura. O Comitê Olímpico Internacional (COI) vetou o uso da imagem religiosa pelo atleta,  citou a regra de neutralidade dos Jogos.

Já a performance na abertura, descrita por várias pessoas como uma representação da Última Ceia de Cristo “com deboche”, protagonizada por artistas LGBTQIA+, foi negada pelos organizadores como inspiração religiosa. Os casos repercutiram amplamente, e receberam cobertura tanto da grande imprensa quanto de veículos alternativos políticos e religiosos, tendo provocado debates acalorados nas mídias digitais.

O caso do Cristo nas pranchas: intolerância?

O portal evangélico Pleno News publicou, em 27 de julho, matéria sobre a proibição imposta ao surfista brasileiro João Chianca de usar a imagem do Cristo Redentor em pranchas  durante os Jogos Olímpicos de Paris. Com o título “Olimpíadas: Surfista brasileiro é proibido de usar pintura do Cristo”, a publicação afirma que o Comitê Olímpico Internacional (COI) vetou o uso de imagens religiosas por atletas na competição.

A decisão de proibir a pintura da imagem do Cristo Redentor nas pranchas de João Chianca foi interpretada como uma tentativa de restringir a expressão pessoal e a identidade cultural e religiosa do atleta. 

Imagem: Reprodução Pleno News

A reportagem destaca mensagens de apoio ao surfista que denunciam que ocorreu “intolerância religiosa”. Um usuário das redes sociais afirmou: “Quanta injustiça, intolerância religiosa e hipocrisia da França e dos jogos olímpicos! Não pode prancha com Jesus, mas pode demonizar a santa ceia!” 

Ainda que o portal evangélico tenha relatado que Chianca, em página pessoal do Instagram, tenha explicado que a pintura não foi autorizada devido à natureza religiosa da imagem do Cristo, o que fere as regras estritas dos Jogos Olímpicos quanto à neutralidade, a ênfase foi outra. O Pleno News destacou no título da matéria a ideia genérica de “proibição”, que remete  a intolerância religiosa,  e colocou em evidência as reações dos apoiadores de Chianca.

Imagem: Reprodução: Instagram/Stories de João Chianca, 27 jul 2024

Bereia observou que publicações como a do Pleno News contribuíram para a disseminação de informações que levaram diversos perfis em mídias sociais a atribuírem o caso a uma suposta perseguição a cristãos. 

Imagem: Reprodução Facebook

A polêmica sobre a cerimônia de abertura das Olimpíadas 2024 

Os Jogos Olímpicos Paris 2024 também foram alvo de outra polêmica, relacionada à cerimônia de abertura da competição, em 26 de julho. Durante o segmento intitulado “Festividade”, um grupo de artistas franceses, entre eles drag queens e a DJ Barbara Butch, apareceu por trás de uma longa mesa, em uma composição que foi identificada como uma paródia da “Última Ceia de Cristo” por usuários das mídias digitais. 

Imagem: Reprodução X

Políticos brasileiros ligados à direita e à esquerda reforçaram esta abordagem em páginas pessoais no X. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) afirmou que “com Deus não se brinca”; o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) classificou a cerimônia de abertura de “zombaria demoníaca da fé cristã.”; o vereador de São Paulo Rubinho Nunes (PL-SP) como “profanação da Santa Ceia” e afirmou que é uma ação de “classe de minorias que querem pautar a sociedade”. O senador Randolfe Rodrigues (PT-AP) também comentou sobre a cerimônia e afirmou que a única “bola fora” foi a interpretação da Santa Ceia.

Imagem: Reprodução X em 27 de julho de 2024

Veículos de esquerda, como o Diário do Centro do Mundo, publicaram conteúdo crítico aos comentários de políticos da direita, e se referiram à encenação como  “representação da Santa Ceia” e como “show de diversidade”, com protagonismo de “artistas imigrantes, negros, transsexuais, homossexuais e drags”. A revista Fórum, também alinhada à esquerda, descreveu o trecho como “uma representação queer do quadro ‘A Última Ceia’ de Leonardo da Vinci”.

Imagem: Reprodução Diário do Centro do Mundo

Imagem: Reprodução Revista Fórum

Veículos alinhados à direita  também se referiram  à apresentação francesa como uma representação da pintura de Da Vinci. O Pleno News afirmou que se tratou de uma “referência da Última Ceia de Jesus sendo representada por drags queens”. Já a Revista Oeste reportou que a performance “gerou críticas de religiosos em todo o mundo”, e mencionou-a como uma “paródia da Última Ceia”.

Imagem: Reprodução Pleno News

Imagem: Reprodução Revista Oeste

O BZN Notícias relatou que os Jogos Olímpicos de 2024 serão lembrados por apresentarem a pior cerimônia de abertura da história, e a descreveu  como afronta aos cristãos, tendo relacionado ao ocorrido com o caso do surfista João Chianca. Um trecho da matéria diz:

“O mundo cristão ficou indignado com a profanação da Santa Ceia na cerimônia de abertura da Olimpíada 2024, em Paris. Tripudiou do profundo sentimento do cristianismo, que simboliza a comunhão com o corpo e o sangue de Jesus Cristo, a antecipação do seu calvário. Aí vem o Comitê Olímpico Internacional obrigar ao surfista brasileiro João Chianca – Chumbinho – a apagar a imagem do Cristo Redentor das suas pranchas (…)”. 

Imagem: Reprodução: BZN Notícias

Na França, esta parte da cerimônia de abertura das Olimpíadas gerou uma forte reação negativa entre políticos de direita. Muitos condenaram a apresentação, considerando-a desrespeitosa às tradições religiosas e aos valores cristãos. A crítica destacou a paródia como um exemplo de insensibilidade cultural e provocação desnecessária, evidenciando uma preocupação com a preservação dos símbolos e tradições religiosas no espaço público.

A política de direita Marion Maréchal, em um post no X, afirmou: “Para todos os cristãos do mundo que estão assistindo à cerimônia #Paris2024 e se sentiram insultados por esta paródia drag queen da Última Ceia, saibam que não é a França que está falando, mas uma minoria de esquerda pronta para qualquer provocação.” 

Já a Igreja Católica na França criticou a performance, por meio de declaração oficial da Conferência dos Bispos Franceses que continha a frase: “Infelizmente, esta cerimônia apresentou cenas de escárnio e zombaria do Cristianismo, que deploramos profundamente.”

Regras do Comitê Olímpico Internacional (COI) sobre manifestações religiosas 

O Comitê Olímpico Internacional (COI) é a entidade responsável pela coordenação,  supervisão e promoção dos Jogos Olímpicos. A Carta Olímpica, considerada a “Constituição” do Movimento Olímpico, estabelece os princípios fundamentais, regras e diretrizes que regem a organização e o funcionamento dos Jogos, bem como os direitos e obrigações de quem deles participa.

A Regra 50 da Carta Olímpica proíbe qualquer tipo de manifestação ou propaganda política, religiosa ou racial nas instalações olímpicas. Esta norma ganhou destaque após o gesto, feito pelos velocistas estadunidenses dos 200 ms rasos Tommie Smith e John Carlos, nas Olimpíadas do México em 1968, que remeteu ao movimento antirracista dos Panteras Negras .

Imagem: Reprodução Olimpíadas

Em Paris 2024, após a notificação do COI com base na Regra 50, o surfista João Chianca foi obrigado a trocar as pranchas de última hora, antes da estreia nos jogos . O texto da norma ainda enfatiza que qualquer desvio dessas regras pode resultar em sanções, o que inclui desclassificação. O protocolo vale para qualquer atleta e para qualquer manifestação religiosa, política ou racial, o que descarta que o veto à pintura do Cristo Redentor nas pranchas do brasileiro Chianca tenha representado uma perseguição voltada para cristãos, como o próprio surfista explica na publicação que fez no Instagram.

Cerimônia de abertura: referências religiosas?

O diretor artístico da cerimônia, Thomas Jolly, negou que o relato bíblico da Última Ceia de Cristo tenha sido sua inspiração. Ele declarou à rede de televisão BFMTV: “A ideia era fazer um grande festival pagão ligado aos deuses do Olimpo… Olimpismo”.

O Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos (COJO) também afirmou que não houve intenção de desrespeitar grupos religiosos. A diretora de comunicações do COJO Anne Descamps disse em entrevista coletiva: “Nunca houve qualquer intenção de desrespeitar qualquer grupo religioso”. Ela acrescentou que a cerimônia tinha o objetivo de celebrar a comunidade e a tolerância, e expressou arrependimento por qualquer ofensa causada.

Na polêmica sobre a suposta paródia da Santa Ceia, vários veículos da imprensa e perfis nas redes sociais argumentaram que a referência não era apenas para cristãos, mas para obras de arte que tratam de temas religiosos de forma geral. Exemplos citados incluem o quadro “A Última Ceia”, de Leonardo da Vinci, e a pintura de Baco, deus grego do vinho. Matérias como as do G1 e BBC News Brasil sugerem que a performance buscava interagir com o mundo da arte religiosa em vez de atacar a fé cristã diretamente.

Imagem: Pintura ‘A Festa dos Deuses’, obra concluída em 1514 pelo italiano Giovanni Bellini

Imagem: Quadro “A Última Ceia”, de Leonardo da Vinci

O criador da performance afirmou que não houve intenção de zombar ou difamar. Ele explicou que seu objetivo era criar uma cerimônia que promovesse a união e a reconciliação das pessoas, ao mesmo tempo que afirmasse os valores de liberdade, igualdade e fraternidade. Thomas Jolly também ressaltou que acreditava que suas intenções eram claras, ao destacar que a figura de Dionísio foi incluída na mesa como uma referência ao Deus da festa e do vinho, e pai de Sequana, deusa associada ao rio Sena. 

Imagens: frames do segmento na cerimônia de abertura das olimpíadas de Paris 2024

Bereia também ouviu, em conjunto, o mestre em Ciências da  Religião Jorge Miklos e a especialista em Psicologia Analítica Daniela Moura Barbosa, que relataram não ser a primeira vez que uma representação artística causa polêmica. Eles mencionam que, em 1989, o carnavalesco Joãosinho Trinta, da Escola de Samba Beija-Flor de Nilópolis (RJ), gerou controvérsia ao apresentar Cristo como um mendigo no desfile do enredo intitulado “Ratos e Urubus, Larguem Minha Fantasia”. mesma forma, em 2020, a Escola de Samba Mangueira, no Rio, também provocou polêmica com o enredo “A Verdade Vos Fará Livre”, que retratou Jesus como uma figura transgênero crucificada. 

Jorge Miklos e Daniela Barbosa acrescentam que “A Última Ceia” é parte dos rituais cristãos até hoje. Eles recordam que vários artistas clássicos renomados pintaram versões do relato bíblico da Última Ceia além de Leonardo da Vinci, como Andrea del Castagno (1447), Domenico Ghirlandaio (1480), Pietro Perugino (1493-1496) e Salvador Dalí (1955), que apresentou uma versão surrealista chamada “O Sacramento da Última Ceia”.  “Os símbolos circulam no imaginário cultural, carregando significados profundos que transcendem épocas e lugares. Ao longo do tempo, esses símbolos são ressignificados, ganhando novos sentidos conforme são reinterpretados por diferentes culturas e contextos históricos”, explicaram os especialistas.

Os estudiosos observam que “a percepção de blasfêmia em relação à performance artística das Olimpíadas de 2024 pode ser vista como resultado de um fundamentalismo cultural e religioso que literaliza os símbolos e ignora sua dinâmica evolutiva. Fundamentalismos tendem a fixar os significados simbólicos de forma rígida, não reconhecendo que os símbolos culturais são fluidos e sujeitos a ressignificações”, dizem Miklos e Barbosa.

“Assim como a pintura ‘A Última Ceia’ pode ser uma ressignificação cultural, a performance olímpica ressignificou a ‘Última Ceia’, adaptando seu simbolismo a um novo contexto contemporâneo”, explicam Miklos e Barbosa. Eles também ressaltam que a falta de imaginação e de compreensão sobre o que os símbolos representam impedem a percepção. “Este comportamento é recorrente entre muitos religiosos que ainda interpretam os textos bíblicos de forma nítida, sem reconhecer seu caráter metafórico”, afirmam.

Nesse sentido, Bereia também ouviu o doutor em Ciências da Religião, biblista, professor e pesquisador da Universidade Metodista de São Paulo Marcelo Carneiro, que menciona dois aspectos que movem esta reação da parte de pessoas e grupos: “ênfase atual na pauta moral, vendo tudo que tem relação com a cultura LGBTQI+ como uma ameaça; e uma visão de mundo dualista e maniqueísta, transformando o diferente no inimigo. É o nós e os outros de Sartre [filósofo francês]”. 

Marcelo Carneiro afirma que por trás das publicações está uma evidente homofobia e transfobia. “Os grupos religiosos estão agindo de maneira violenta contra pessoas homoafetivas, alegando que são captores da sociedade, da estrutura familiar tradicional, e se apegam ao texto bíblico para condenar o comportamento delas”. 

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Bereia alerta leitores e leitoras que verifiquem o contexto antes de compartilhar notícias que tendem a ser uma exploração temática desinformativa, especialmente no que diz respeito a eventos polêmicos. Este é o caso do veto à pintura do Cristo Redentor em pranchas de surf nas Olimpíadas de 2024 (que não foi uma proibição persecutória) e o da representação de pinturas que remetem a relatos religiosos, na abertura dos jogos.

A ideia de perseguição a cristãos vem sendo explorada politicamente em ambientes digitais religiosos no Brasil, especialmente em períodos eleitorais, para disseminação de pânico social e captura de apoios. Leitores e leitoras devem estar atentos a esta prática e verificar a veracidade de publicações antes de qualquer compartilhamento. 

Referências de checagens:

Band. https://www.band.uol.com.br/noticias/protestos-e-religiao-o-que-e-proibido-nos-jogos-olimpicos-202407301340. Acesso em 30 de julho de 2024.

Brasil de Fato. https://www.brasildefatope.com.br/2017/11/30/ha-49-anos-o-podio-mais-emblematico-das-olimpiadas. Acesso em 30 de julho de 2024.

 g1. https://g1.globo.com/mundo/olimpiadas/paris-2024/noticia/2024/07/28/diretor-da-cerimonia-de-abertura-dos-jogos-de-paris-nega-ter-zombado-da-ultima-ceia.ghtml.. Acesso em 30 de julho de 2024.

Globo Esporte. https://ge.globo.com/olimpiadas/noticia/2024/07/11/com-maioria-feminina-delegacao-do-brasil-tera-277-atletas-nas-olimpiadas-de-paris.ghtml. Acesso em 30 de julho de 2024.

O Globo. https://oglobo.globo.com/tudo-sobre/evento-esportivo/paris-2024/. Acesso em 29 de julho de 2024.

Olympics.

https://olympics.com/ioc/olympic-charter#. Acesso em 30 de julho de 2024.

https://olympics.com/pt/noticias/brasil-dia-3-surfe-jogos-olimpicos-paris-2024. Acesso em 29 de julho de 2024.

Poder 360. https://www.poder360.com.br/olimpiadas/comite-olimpico-internacional-celebra-130-anos-em-2024/. Acesso em 30 de julho de 2024.

Mídia Ninja. https://midianinja.org/paris-2024-protestos-e-a-regra-50-da-carta-olimpica-o-que-esperar/. Acesso em 30 de julho de 2024.

Wikipédia.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Comit%C3%A9_Ol%C3%ADmpico_Internacional. Acesso em 29 de julho de 2024. 

Coletivo Bereia. https://coletivobereia.com.br/a-mentira-que-nao-quer-calar-sobre-perseguicao-a-cristaos-no-brasil/. Acesso em 1 de Agosto de 2024.

Artigo Quinto. https://www.politize.com.br/artigo-quinto/liberdade-religiosa/. Acesso em 1 de Agosto de 2024.

G1. https://g1.globo.com/mundo/olimpiadas/paris-2024/noticia/2024/07/27/olimpiadas-igreja-catolica-francesa-chama-parodia-da-ultima-ceia-de-escarnio-na-franca-as-pessoas-sao-livres-diz-diretor.ghtml. Acesso em 1 de Agosto de 2024.

BBC News Brasil. https://www.cnnbrasil.com.br/esportes/olimpiadas/organizacao-de-paris-2024-se-desculpam-por-suposta-parodia-de-a-ultima-ceia/.  Acesso em 1 de Agosto de 2024.

BBC News Brasil. https://www.bbc.com/portuguese/articles/cgervy94eq0o.   Acesso em 1 de Agosto de 2024.

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Foto de capa: print do YouTube

Atentados políticos não são praticados apenas contra conservadores

“Só os conservadores sofrem atentados”, foi a afirmação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) publicada, em 14 de julho, após o ex-presidente estadunidense e candidato, mais uma vez, ao cargo, Donald Trump (Partido Republicano) ter sido alvo de um atirador. O caso ocorreu em comício realizado no estado da Pensilvânia, em 13 de julho passado.

A afirmação de Bolsonaro, após o caso, é um extrato de vídeo, publicado em mídias sociais dele. Nele, o político responde a perguntas de jornalistas e compara o ocorrido com o atentado a faca que ele próprio sofreu na campanha eleitoral de 2018, no Brasil. No trecho divulgado, o ex-presidente também diz: “Os atentados são contra as pessoas de bem e conservadoras.”

Imagem: Reprodução Instagram

A fala de Bolsonaro foi repercutida em várias mídias de notícias como O Globo, Poder 360, Pleno News, Folha de São Paulo, Uol, entre outros. Perfis de mídias sociais de políticos e de seguidores também colaboraram com a viralização da fala. Algumas matérias apenas divulgaram a declaração de Jair Bolsonaro, como as do Pleno News, Poder 360 e Uol. Outras fizeram a apuração do conteúdo, como O Globo e Folha de S. Paulo.

Imagens: Reprodução: O Globo, Poder 360,Pleno News, Uol e Folha de São Paulo

Bereia checou a afirmação e fez um levantamento de casos no Brasil e no exterior para identificar se a violência política atinge personagens de diferentes espectros ideológicos.

EUA: atentados a presidentes republicanos e democratas

O atentado contra Donald Trump não foi um caso isolado na história estadunidense. Desde a fundação dos Estados Unidos da América como estado independente, em 1776, o país foi liderado por 46 presidentes. O último, em exercício, é Joe Biden do Partido Democrata. Quatro deles foram assassinados enquanto exerciam o cargo: Abraham Lincoln (Partido de União Nacional, 1865): James A. Garfield (Partido Republicano, 1881): William McKinley (Partido Republicano, 1901): John F. Kennedy (Partido Democrata, 1963).

Para além dos que foram mortos durante o exercicio do mandato, mais outros 16 atentados foram registrados contra presidentes e candidatos à presidência ao longo da história daquele país: Andrew Jackson (Partido Democrata 1835): Franklin D. Roosevelt (Partido Democrata 1933): Harry S. Truman (Partido Democrata 1950): Gerald Ford (Partido Republicano 1975):  Ronald Reagan (Partido Republicano 1981): 

Imagem: Reprodução Getty Images

Figuras políticas, durante o exercício de cargos e ativistas também foram alvo de violência armada: Theodore Roosevelt (Partido Republicano, 1912); Malcolm X (1965);  Robert F. Kennedy (Partido Democrata, 1968); Martin Luther King Jr. (1968); George Wallace (Partido Democrata, 1972).

Analistas avaliam que o livre porte de armas nesse país é um fator que colabora com a alta incidência de atentados a bala.  A Segunda Emenda da Constituição dos Estados Unidos da América, promulgada em 1791, garante o direito de manter e portar armas. Apesar do debate sobre a aplicação de uma lei do século 18 nos dias atuais, e as variações de interpretação sobre a emenda, o lobby em favor das armas de fogo, lideradas pela Associação Nacional de Rifles (NRA, na sigla em inglês), ainda prevalece. 

No Brasil: do Império aos dias atuais, atentados são relacionados a diferentes ideologias 

O Brasil também registra casos de violência política contra líderes governamentais ao longo de sua história. 

  • O imperador D. Pedro II, meses antes do golpe que inaugurou a República, em 1889, foi alvo de um atentado a tiros, por um português que protestava em prol da instauração do regime republicano. O monarca não foi atingido.
  • O terceiro presidente do Brasil, Prudente de Morais (Partido Republicano Paulista), foi o primeiro civil a ocupar o cargo da presidência. Em 1897, sobreviveu a uma tentativa de assassinato,  quando um soldado apontou uma arma em seu peito.
  • Em 1988, José Sarney (MDB) era o presidente do Brasil quando um Boeing 737 da Viação Aérea São Paulo (VASP) foi sequestrado por Raimundo Nonato Alves da Conceição. O objetivo do sequestrador era atingir o Palácio do Planalto para matar Sarney. Depois de nove horas de sequestro, o piloto da VASP conseguiu pousar no aeroporto de Goiânia e impediu a ação.

Para além desses casos, é muito extensa a lista de  políticos, governantes, parlamentares e candidatos a estes cargos, que sofreram atentados, fatais ou não. Uma simples pesquisa torna  possível observar que o fenômeno abrange uma gama ampla de situações, que envolvem personagens de  diferentes ideologias, o que descarta que conservadores ou progressistas sejam maior ou menor alvo. Alguns casos:

Em período mais recente são identificados dois casos que envolveram diretamente personalidades da esquerda e do campo progressista.

Marielle Franco 

O caso de maior repercussão,  com extensão internacional, ocorreu em 14 de março de 2018, quando a vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco (PSOL), 38 anos, e o motorista do carro em que viajava, Anderson Gomes, foram assassinados em uma emboscada, no centro do Rio. 

Imagem: Reprodução O Globo

Marielle Franco era uma ativista feminista e defensora dos direitos humanos, conhecida pela luta contra a violência policial e por apoiar famílias de vítimas, incluindo os próprios agentes do Estado. Ela presidia a Comissão da Mulher na Câmara Municipal e havia sido nomeada para participar da comissão que fiscalizaria a intervenção federal por agentes militares que ocorria no estado.

Após seis anos e muitas controvérsias, este crime ainda não foi solucionado, e está, desde 2023, sob investigação da Polícia Federal.

Caravana de Lula 

O segundo atentado de repercussão nacional recente ocorreu em 27 de março de 2018,  quando dois ônibus da caravana do então pré-candidato à Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foram alvejados por três tiros. O atentado ocorreu  enquanto os veículos seguiam de Quedas do Iguaçu para Laranjeiras do Sul, no estado do Paraná. 

Os tiros não atingiram pessoas, porém o fato foi reportado para as autoridades. O Partido dos Trabalhadores (PT) solicitou policiamento às autoridades do Paraná, mas não recebeu resposta. A Polícia Civil abriu um inquérito para investigar o ocorrido e realizou uma perícia nos ônibus. O delegado responsável  afirmou que os tiros foram um ataque planejado. “Se foi uma só pessoa que fez [os disparos], a pessoa planejou o ataque, direcionou o tiro”, afirmou o delegado Hélder Lauria, em 2018.

Imagem: Reprodução g1

Outros casos de violência ocorreram durante a caravana de Lula pelos estados do Sul naquele ano. Às vésperas  do atentado, em 25 de março, em São Miguel do Oeste (SC), ovos e pedras foram lançados contra o palanque onde Lula estava. O ex-presidente não foi atingido, porém o ex-deputado Paulo Frateschi (PT), que estava ao lado dele, sofreu um ferimento grave na orelha. 

América Latina: casos marcantes de atentados a líderes de esquerda

A América Latina também tem uma história de violência política contra líderes, o que inclui  tentativas e conclusões de assassinatos. Muitos deles foram financiados ou apoiados pelos Estados Unidos. Bereia lista três casos notáveis que ilustram  a complexidade desse fenômeno na região.

  • Fidel Castro (Partido Comunista, Cuba): O líder cubano sofreu inúmeras tentativas de assassinato durante sua vida. Em um delas, ocorrida entre 1960 e 1961, a Agência Central de Inteligência (CIA, na sigla em inglês) forneceu pílulas com veneno para que fossem misturadas aos alimentos e bebidas de Fidel. Esta tentativa ocorreu pouco antes da fracassada invasão da Baía dos Porcos e foi posteriormente revelado dossiê divulgado pela própria CIA em 2007.  O atual presidente de Cuba Miguel Díaz-Canel Bermúdez se manifestou na rede X, no dia do atentado a Trump:

Imagem: Reprodução do X

Imagem: Reprodução X (Twitter)

Bereia classifica, a afirmação do ex-presidente Jair Bolsonaro de que “só os conservadores sofrem atentados” como FALSA. O atirador de Trump era vinculado ao partido dele, o que desqualifica acusações de um complô progressista contra conservadores. Além disso, as motivações ainda estão sendo investigadas. 

Como o levantamento feito pelo Bereia mostra, atentados contra presidentes, candidatos e outras personagens políticas têm ocorrido ao longo da história dos Estados Unidos, do Brasil e de outros países latinoamericanos, tendo afetado tanto conservadores quanto progressistas. 

No Brasil, os recentes assassinatos da vereadora Marielle Franco (PSOL), uma figura proeminente de esquerda, ataques à caravana do então candidato à Presidëncia da República Lula (PT), e atentado a faca  contra o também candidato Jair Bolsonaro (à época no PFL), todos no mesmo ano de 2018, evidenciam que a violência política não se restringe a um único grupo ideológico. 

Bereia indica que leitores e leitoras não assimilem afirmações simplistas utilizadas em campanhas políticas e busquem informações em fontes confiáveis sobre a história política brasileira, latino-americana e estadunidense. É importante também que promovam o diálogo pacífico entre diferentes posicionamentos e denunciem ameaças ou incitação de violência política às autoridades competentes.

Referências de checagem:

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UOL. https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2024/07/15/alem-de-trump-e-bolsonaro-ate-dom-pedro-ii-foi-alvo-de-atentado-politico.htm. Acesso em: 15 de julho de 2024

X.

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https://x.com/netanyahu/status/1812497424235061732. Acesso em: 15 de julho de 2024.

Youtube. https://www.youtube.com/watch?v=xtgdwVXc_Zo. Acesso em: 15 de julho de 2024 Intercom. https://portalintercom.org.br/anais/nacional2021/resumos/dt8-sc/karina-stein-de-luca-goncalves.pdf. Acesso em 18 de julho de 2024.

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Foto de capa: Palácio do Planalto/Flickr

ELEIÇÕES 2024 -“PL da Fome” em SP: método de extremistas nos Legislativos

* Matéria atualizada em 10/07/24 às 10:30 para ajuste de título

Consentido em apenas 24 segundos, o Projeto de Lei (PL) Municipal 445/2023 tornou-se assunto nas mídias digitais e na imprensa. Aprovado pela Câmara de Vereadores de São Paulo, em primeiro turno, em 27 de junho, sob autoria do vereador Rubinho Nunes (União Brasil), o projeto visa estabelecer protocolos de segurança alimentar para doações de alimentos a pessoas em situação de vulnerabilidade social na capital paulista. 

A proposta busca regulamentar as atividades de Organizações Não Governamentais (ONGs), entidades assemelhadas e cidadãos que deverão seguir uma série de requisitos ao realizarem esse tipo de ação assistencial. O texto determina que as doações só podem ser realizadas em locais e horários agendados e autorizados pelas secretarias municipais, com a apresentação de um plano detalhado de distribuição. Caso não sejam cumpridas as determinações, o PL propõe uma multa superior a R$17.000 e a possibilidade de descredenciamento por três anos em caso de reincidência. 

Imagem: Reprodução X (antigo Twitter)

O projeto, que necessitaria passar por uma segunda votação na Câmara e pela sanção do prefeito da cidade de São Paulo Ricardo Nunes para se tornar lei, depois da repercussão negativa, por conta de fortes críticas da sociedade civil e de autoridades públicas,  foi retirado da pauta da casa legislativa pelo próprio autor,  em 2 de julho. 

Já com as primeiras manifestações de repúdio, o projeto havia sido  suspenso por Rubinho Nunes, em 28 de junho. De acordo com o comunicado do parlamentar, a suspensão havia sido realizada para ouvir a sociedade civil e entidades, a fim de “melhorar o texto” para que o objetivo fosse alcançado. “Considerando a repercussão do PL 445/23, que estabelece protocolos e diretrizes de distribuição alimentar na cidade de São Paulo, informo que o projeto terá sua tramitação imediatamente suspensa”, informou o autor do projeto.

Porém, dias depois, o vereador optou pela retirada do PL da pauta da Câmara. No entanto, um levantamento do portal de notícias G1 mostra que, apesar da declaração da assessoria do político sobre a retirada da pauta, a pedido do autor, e que o PL não tramitará mais, tal encaminhamento não seguiu o protocolo da Câmara de Vereadores para que isto ocorra.

Para um PL deixar de tramitar, é preciso seguir um rito de arquivamento, o que não foi encaminhado pelo vereador. Portanto, o que existe é apenas um discurso de retirada e a votação para aprovação definitiva pode ser realizada a qualquer momento.

Entenda o PL 445/2023

O Projeto de Lei 445/2023 apresentado pelo vereador Rubinho Nunes (União Brasil), em 10 de agosto de 2023, à Câmara Municipal dede São Paulo, prevê uma série de exigências para ONGs, entidades e cidadãos que desejam realizar doações de alimentos. 

O PL estabelece requisitos para doação de alimentos por pessoas físicas, incluindo:

  • Limpeza da área de distribuição e fornecimento de infraestrutura necessária;
  • Obtenção de autorização da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) e da Secretaria Municipal de Subprefeituras;
  • Cadastro de todos os voluntários junto à SMADS.

Para entidades e ONGs, os requisitos incluem:

  • Registro e reconhecimento da razão social por órgãos competentes do município;
  • Apresentação de documentação atualizada sobre o quadro administrativo;
  • Cadastro e atualização de informações sobre pessoas em situação de vulnerabilidade social;
  • Autenticação em cartório ou atestado de veracidade das documentações;
  • Identificação dos voluntários com crachá da entidade.

O PL prevê multas em 500 UFESP (Unidade Fiscal do Estado de São Paulo), aproximadamente R$17.680,00, e o descredenciamento do doador por três anos, em caso de reincidência. Estas medidas foram aprovadas em diversas comissões da Câmara Municipal, incluindo a Comissão de Constituição, Justiça e Legislação Participativa (CCJ), com o vereador Thammy Miranda (PSD), na relatoria da matéria. Ele apresentou um substitutivo para adequar a redação do projeto à técnica legislativa e substituir a multa em UFESP por o valor fixo em reais. 

Nessa tramitação, apenas o vereador Hélio Rodrigues (PT) registrou voto contrário na Comissão de Saúde, Promoção Social, Trabalho e Mulher, bem como o vereador Professor Toninho Vespoli (PSOL), na Comissão de Constituição, Justiça e Legislação Participativa . 

O autor do PL, Rubinho Nunes (União Brasil), justificou que a proposta tem o objetivo de garantir segurança, qualidade e transparência nas ações assistenciais. Ele argumenta que o município tem a responsabilidade de fiscalizar e tentar reincluir a população em situação de rua na sociedade. 

O Projeto de Lei foi aprovado em primeira votação, em 27 de junho, em um processo de apenas 24 segundos, devido a um acordo entre vereadores para desafogar a pauta de votações. Somente as bancadas do PT e do PSOL registraram o voto contrário à proposta. 

A Frente Parlamentar Cristã da Câmara Municipal de São Paulo, foi unânime em aprovar o PL 445/2023. Seus membros incluem: 

  • André Santos (Republicanos)
  • Atílio Francisco (Republicanos)
  • Ely Teruel (Podemos)
  • Fernando Holiday (Republicanos)
  • Gilberto Nascimento (PSC)
  • Isac Felix (PL)
  • João Jorge (PSDB)
  • Jorge Wilson Filho (Republicanos)
  • Marcelo Messias (MDB)
  • Marlon Luz (MDB)
  • Rinaldi Digilio (União)
  • Rute Costa (PSDB)
  • Sansão Pereira (Republicanos)

Além desses, outros vereadores também aprovaram o PL, incluindo todos os membros dos partidos Novo, União Brasil, MDB, PL, PSD, PP e PV, com um total de  35 vereadores favoráveis à proposta.

Reações da sociedade civil e política

A aprovação,  em primeiro turno, do PL 445/2023 gerou forte reação contrária da sociedade civil e de autoridades públicas especialmente em setores que atuam com a assistência social de pessoas em situação de vulnerabilidade.

A ativista, pré-candidata a vereadora de São Paulo e assessora da deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), Amanda Paschoal, tomou medidas legais contra o projeto. Ela acionou o Conselho Nacional de Direitos Humanos, o Ministério Público e a Defensoria Pública de São Paulo, com a alegação de que o projeto é inconstitucional, imoral, restringe o acesso a um direito básico à alimentação.

O Projeto Mãos na Massa, iniciativa sem fins lucrativos, que se dedica à assistência habitacional e também atua na distribuição de cestas básicas e alimentos, divulgou uma nota de repúdio em sua página no Instagram. A organização argumenta que as exigências burocráticas do PL inviabilizam a atuação de voluntários e colocam em risco a sobrevivência de milhares de pessoas que dependem dessas ações. O projeto defende que a solução da fome e da pobreza está em políticas públicas eficazes e não na penalização de quem ajuda.

Imagem: Reprodução Instagram

O padre Júlio Lancellotti, conhecido pelos atos de caridade e pela defesa de pessoas em situação de rua na capital paulista, publicou em sua página no Instagram um vídeo em que afirma que, assim como Jesus o fazia, a partilha do pão, do alimento, é um direito de todos e que essa ação “tem gosto de amor e não de multa”. 

Imagem: Reprodução Instagram

Em 30 de junho, em uma entrevista, o líder religioso comentou sobre o PL 445/2023. Ele enfatizou a importância da caridade e da doação de alimentos como atos revolucionários e sugeriu que os vereadores que apoiaram o projeto leiam o capítulo 25 do Evangelho de Mateus, que fala sobre alimentar os famintos e cuidar dos necessitados. Ele os convida a participar da distribuição matinal de pão aos moradores de rua.

O prefeito de São Paulo Ricardo Nunes (MDB) , ao ser questionado sobre o PL, afirmou que os vereadores têm autonomia para apresentarem projetos de lei que acreditem ser corretos e que a aprovação do texto em primeiro turno, sem maiores discussões, são práticas comuns da Câmara Municipal. Ele deixou em aberto se vetaria a proposição caso seja definitivamente aprovada e submetida para sanção. 

Em meio às críticas, o vereador Rubinho Nunes (União Brasil) concedeu entrevista ao jornal Morning Show, da emissora de TV Jovem Pan, para repercutir o Projeto de Lei, em 28 de junho. O canal e seus jornalistas, conhecidos pelo apelo conservador e alinhados com as pautas da extrema direita, foram incisivos nos questionamentos ao político. Os membros da bancada do noticiário, enfatizaram a importância da caridade como um valor cristão,  e questionaram se o projeto proposto era verdadeiramente cristão no sentido da caridade e do auxílio aos pobres. Os jornalistas também expressaram preocupação sobre como o PL poderia desestimular atos donativos devido à burocracia e às multas elevadas. 

Diante da repercussão negativa, o vereador afirmou a necessidade de aperfeiçoar o texto do projeto, e alegou que houve uma “má interpretação” na sua redação inicial.

Imagem: Reprodução YouTube

 Quem é o autor do projeto?

O vereador da cidade de São Paulo pelo União Brasil, Rubinho Nunes, tem se destacado por proposições legislativas controversas, como o PL 445/2023. Em seu em seu primeiro mandato, o parlamentar tem levantado suspeitas sobre a assistência aos necessitados na capital paulista, gerando polêmicas e destaque.

Imagem: Reprodução Câmara Municipal de São Paulo

Conhecido por ser um dos fundadores do Movimento Brasil Livre (MBL), alinhado ao extremismo de direita no País, Nunes ganhou visibilidade nacional ao participar da convocação e da organização das manifestações ocorridas em 2016, em prol da aprovação do impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT). 

O parlamentar é advogado e protocolou petições judiciais polêmicas. Entre elas, em 2023, as tentativas de barrar as nomeações do governo federal de Jean Paul Prates, para a chefia da Petrobras, e de Aloizio Mercadante, para o BNDES. Em outros períodos, já  solicitou que o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) fosse classificado como organização criminosa e foi o primeiro a entrar com um pedido de impeachment contra um membro do Superior Tribunal Federal (STF), o ex-ministro Marco Aurélio Mello.

No final de 2023, Nunes protagonizou outra polêmica, já checada pelo Bereia. O vereador foi autor de um pedido para a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a atuação de ONGs na região da Cracolândia, em São Paulo. A iniciativa gerou ampla repercussão e foi fonte de desinformação sobre o trabalho das ONGs, especialmente, do padre Júlio Lancellotti, que atua na assistência a essa população e ideologicamente está mais próximo das esquerdas.

A articulação para a criação da CPI é investigada pela Polícia Civil de São Paulo, que abriu um inquérito contra Rubinho Nunes. A polícia investiga se o vereador cometeu abuso de autoridade para impedir o trabalho do padre Lancellotti por meio de uma CPI, sem indicativos claros de conduta ilegal por parte do líder religioso.   

Extremismo nas casas legislativas

A polarização extremista que tem caracterizado o cenário político brasileiro na última década se intensifica com a aproximação das eleições municipais de 2024. Vereadores e seus aliados políticos, que atuam como  cabos eleitorais no Congresso Nacional, têm intensificado a apresentação e a tramitação de projetos de lei controversos, que geram repercussão nas redes digitais e na imprensa nacionais.

Extremistas alinhados à direita política, têm utilizado propostas legislativas que atacam princípios dos direitos humanos e afetam grupos sociais vulneráveis. De acordo com o Instituto de Estudos e Religiões (ISER) em maio, questões relacionadas aos direitos humanos, como esse projeto que propõe estabelecer protocolos de segurança alimentar para doações de alimentos a pessoas em situação de vulnerabilidade social na capital paulista, estão se tornando alvo de projetos de lei. Estas iniciativas legislativas buscam regulamentar práticas que afetam diretamente a garantia de dignidade e acesso a recursos básicos para grupos vulneráveis da sociedade.

Nos últimos meses, Bereia abordou algumas delas, como é o caso do PL 1.904/2024, o PL do Aborto, que tramita na Câmara Federal, e da desinformação sobre as alterações nas regras de saídas temporárias de detentos em regime semiaberto, contidos no PL 2.253/2022, na mesma casa.

Além disso, outros projetos com o mesmo caráter estão em tramitação, como o 2.706/2024, da senadora Rosana Martinelli (PL-MT), que propõe a concessão de anistia aos acusados e condenados pelos atos golpistas ocorridos em 8 de janeiro de 2023 em Brasília; a retomada da análise na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados (CCJ) de dois projetos de lei que propõem a criação de um cadastro público de “invasores de propriedade privada” e a retirada de invasores sem mandato judicial, por conta própria do proprietário ou da polícia militar. 

O método

O caso do PL 445/2023 em São Paulo ilustra uma estratégia cada vez mais comum entre políticos de extrema-direita, e também dos cristãos, nos legislativos brasileiros: a proposição de pautas polêmicas que afetam diretamente a agenda progressista e de direita, com o objetivo de gerar controvérsia e ocupar espaço na mídia.

A antropóloga e pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião (ISER), em Religião e Política, Livia Reis, ouvida pelo Bereia, afirmou que é uma tática que vai além da simples aprovação de leis”. Mesmo quando projetos como o “PL da Fome” são retirados após forte reação negativa, o objetivo principal já foi alcançado, que é capturar a atenção do eleitorado, polarizar o debate, forçar seus opositores a adotarem uma postura defensiva e desviar o debate público para temas moralistas.

Reis considera que a retirada dos projetos do vereador Rubinho Nunes e em outras casas legislativas, não podem ser vistas apenas como fracasso dos conservadores ou vitória da pressão popular, pois fazem parte de uma metodologia mais abrangente. Ao proporem medidas extremistas e depois recuarem, diz a antropóloga, os políticos conseguem se apresentar como “abertos ao diálogo”, enquanto mantêm os temas em evidência e consolidam suas bases de apoio mais radicais.

A pesquisadora do ISER alerta que o padrão é claro e essa estratégia tem se repetido em diversos níveis legislativos. A escolha de temas sensíveis, propor medidas extremas, gerar reação nas redes e na mídia, e então modular o discurso conforme a reação pública. Livia Reis reconhece que o desafio para a esquerda e os movimentos progressistas é a resistência a esses projetos sem cair na armadilha de aumentar a visibilidade dos proponentes, e ao mesmo tempo ter espaço para apresentar suas alternativas e propostas.

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O episódio do “PL da fome” em São Paulo serve como alerta a leitores e leitoras do Bereia, para o uso de uma movimentação tática com temas controversos que ganhem espaço nas mídias,  para campanha nas eleições municipais de 2024 e projeções para o pleito nacional de 2026.  

Referências:

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https://splegisconsulta.saopaulo.sp.leg.br/Pesquisa/DetailsDetalhado?COD_MTRA_LEGL=1&COD_PCSS_CMSP=445&ANO_PCSS_CMSP=2023. Acesso em 1 de julho de 2024.

https://app-plpconsulta-prd.azurewebsites.net/Forms/MostrarArquivo?ID=17771&TipArq=1 Acesso em 3 de julho de 2024.

https://www.saopaulo.sp.leg.br/iah/fulltext/justificativa/JPL0445-2023.pdf. Acesso em 2 de julho de 2024.

https://www.saopaulo.sp.leg.br/iah/fulltext/parecer/CONJ0754-2024.pdf. Acesso em 2 de julho de 2024.

https://www.saopaulo.sp.leg.br/iah/fulltext/parecer/JUSTS0487-2024.pdf. Acesso em 2 de julho de 2024.

https://www.saopaulo.sp.leg.br/iah/fulltext/projeto/PL0445-2023.pdf. Acesso em 1º de julho de 2024.

G1.

https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2024/06/28/pl-que-preve-multa-de-r-17-mil-e-restringe-doacao-de-comida-para-a-populacao-de-rua-em-sp-e-inconstitucional-aponta-oab.ghtml. Acesso em: 1 de julho de 2024.

https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2024/07/03/mesmo-apos-promessa-vereador-que-propos-multa-de-r-17-mil-para-doacao-de-comida-nao-se-moveu-na-camara-para-arquivar-projeto.ghtml. Acesso em 6 de julho de 2024.

Poder 360. https://www.poder360.com.br/brasil/pl-preve-multa-de-r-17-680-a-quem-doar-comida-na-rua-em-sp/. Acesso em: 1 de julho de 2024.

Carta Capital.

https://www.cartacapital.com.br/sociedade/ativista-aciona-o-ministerio-publico-contra-pl-que-impoe-multa-por-doacao-de-comida-em-sp/. Acesso em 4 de julho de 2024.

https://www.cartacapital.com.br/cartaexpressa/policia-abre-investigacao-contra-rubinho-nunes-vereador-que-tentou-instaurar-cpi-contra-padre-julio-lancellotti/. Acesso em 4 de julho de 2024. 

Instagram. https://www.instagram.com/p/C8veUgoNo6O/?utm_source=ig_web_copy_link&igsh=MzRlODBiNWFlZA==. Acesso em 4 de julho de 2024. 

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https://www.youtube.com/live/RwTzQwwviaE?si=7c8_gy_NYUrXb9Ed&t=5112. Acesso em 1º de julho de 2024.

https://www.youtube.com/watch?v=m82mKsRxn_A. Acesso em: 4 de julho de 2024.

Uol.

https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2024/01/06/quem-e-rubinho-nunes-cpi-ongs-cracolandia.htm. Acesso em: 4 de julho de 2024.

https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2024/06/28/projeto-que-multa-quem-doar-marmita-e-suspenso-por-vereador-em-sp-apos-criticas.amp.htm. Acesso em: 3 de julho de 2024.

Coletivo Bereia.

https://coletivobereia.com.br/balanco-janeiro-2024-padre-julio-lancellotti-e-alvo-de-ataques-nas-midias-sociais/. Acesso em: 4 de julho de 2024.

https://coletivobereia.com.br/deputados-e-midias-gospel-espalham-falsidades-sobre-projeto-de-lei-que-retira-direitos-sobre-aborto-no-brasil/. Acesso em: 4 de julho de 2024.

https://coletivobereia.com.br/site-e-politicos-religiosos-desinformam-sobre-projeto-de-saidas-temporarias-da-prisao/. Acesso em: 4 de julho de 2024.

Senado Federal. https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/07/04/rosana-martinelli-propoe-projeto-para-anistiar-acusados-do-8-de-janeiro. Acesso em 4 de julho de 2024.

Revista Fórum. https://revistaforum.com.br/politica/2024/6/28/avano-do-pl-da-fome-com-ajuda-da-base-aliada-de-ricardo-nunes-na-cmara-constrange-prefeito-de-sp-161321.html. Acesso em 4 de julho de 2024.

ISER. https://religiaoepoder.org.br/artigo/tragedia-com-chuvas-no-sul-e-rechaco-a-politicas-publicas-federais-marcam-pls-apresentados-em-maio/. Acesso em 6 de julho de 2024. 

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Foto de capa: André Bueno/Câmara Municipal de São Paulo

Mais falsidades espalhadas por deputados e mídias gospel sobre PL que retira direitos sobre aborto

Após a aprovação do pedido de urgência na tramitação, na Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei n.º 1.904/2024, apelidado de PL do Aborto, protestos contrários nas mídias sociais se estenderam às ruas do país. São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Fortaleza, Manaus e pelo menos outras 12 cidades registraram atos entre os dias 13 e 23 de junho, nos quais manifestantes se reuniram para exigir o arquivamento do projeto. 

 A proposta, de autoria inicial do deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e mais 33 parlamentares, equipara a interrupção da gravidez após a 22ª semana de gestação ao crime de homicídio e propõe aumentar a pena máxima para até 20 anos de prisão para os responsáveis pelo procedimento. 

Em resposta à pressão popular manifestada nos protestos, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), anunciou, em 18 de junho, um recuo na tramitação do projeto. Junto ao Colégio de Líderes, Lira  informou que o projeto será analisado no segundo semestre do ano por uma “comissão colaborativa”. O objetivo é abordar o assunto por meio de um debate abrangente, permitindo a participação de todas as forças políticas e sociais, visando maior transparência e precisão na análise do tema. As nomeações para esta comissão, encarregada de debater o texto, começarão em agosto. “O Colégio de Líderes aceitou debater este tema, de forma ampla, no segundo semestre, com uma comissão colaborativa, após o recesso, sem pressa ou açodamento”, informou o presidente da Câmara.

O colunista da UOL José Roberto Toledo afirmou, em artigo, que o PL 1.904 resultou em um custo de R$ 4,5 bilhões para o governo federal. De acordo com o colunista, a estratégia de escolha do presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira, ao resgatar um projeto controverso dentre os arquivados, teve consequências inesperadas e danosas para sua imagem pública. Apesar disso, ressalta Toledo, Lira alcançou um de seus objetivos ao pressionar o governo a liberar rapidamente R$ três bilhões de reais em emendas nos últimos dias de junho. Ele ainda menciona que Lira pode promover seu candidato à presidência da Casa, uma vez que conseguiu a liberação de emendas que não estavam garantidas.

Outro elemento politico, como Bereia já informou, na parte 1 desta matéria,  é que uma das reações dos autores do PL 1904 aos protestos nas ruas foi reforçar a proposta com a agregação de novos nomes como proponentes. Eles são agora 55. 

Reações da sociedade civil

Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) aprovou, em 17 de junho, o parecer técnico-jurídico da Comissão, criada pelo órgão, por meio da Portaria 223/2024. 

O documento, apresentado e votado por 81 conselheiros federais, declara que o PL 1.904/2024 é inconstitucional, ou seja, contraria as regras e os princípios fundamentais estabelecidos na Constituição. O presidente nacional da OAB Beto Simonetti, explicou que a decisão da Ordem não considerou discussões sobre crenças religiosas ou opiniões políticas. Ele enfatizou que o parecer é puramente técnico, baseado apenas no aspecto legal e jurídico.

O documento afirma que, ao tratar o aborto como homicídio, mesmo em situações permitidas por lei, o texto desrespeita princípios constitucionais essenciais, como a dignidade da pessoa, a unidade familiar e o interesse superior da criança. Os conselheiros classificaram o texto do PL 1.904/2024 como grosseiro, desconexo da realidade, punitivo, depreciativo, sem empatia e humanidade, cruel, e indubitavelmente inconstitucional. 

O projeto, segundo o parecer, ao equiparar as penas do aborto às de homicidio, “denota o mais completo distanciamento de seus propositores às fissuras sociais do Brasil, além de simplesmente ignorar aspectos psicológicos; particularidades orgânicas, inclusive, acerca da fisiologia corporal da menor vítima de estupro; da saúde clínica da mulher que corre risco de vida em prosseguir com a gestação e da saúde mental das mulheres que carregam no ventre um anincéfalo”. 

Além disso, o parecer constata “que a criminalização do aborto, após as 22 semanas de gestação, nos casos excluídos atualmente pela legislação, incidirá de forma absolutamente atroz sobre a população mais vulnerabilizada, pretas, pobres, de baixa escolaridade, perfil onde também incide o maior índice de adolescentes grávidas.”

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (Igreja Católica)

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) manifestou apoio ao PL 1.904/2024, em nota divulgada em 14 de junho. No texto, a entidade reafirmou posicionamento em defesa da vida desde a concepção até a morte natural. A CNBB argumenta que a partir das 22 semanas de gestação, muitos fetos têm condições de sobreviver fora do útero, questionando assim a necessidade do aborto nesse estágio.

Além disso, a liderança dos bispos católicos ressalta que o aborto pode causar sofrimento físico, mental e espitirual à gestante, alertando que não é uma solução ideal, mesmo em casos de estupro. A CNBB pede punições mais severas para os agressores sexuais e afirma aguardar a tramitação de outros projetos de lei que garantam os direitos do nascituro e da gestante.  

Coletivo Padres da Caminhada (Igreja Católica)

O coletivo Padres da Caminhada, que reúne mais de 460 membros do clero católico, inclusive diáconos, padres e bispos, divulgou um manifesto com críticas  veementes ao PL 1.904/2024. Os signatários do documento expressam forte oposição ao projeto, e afirmam que embora sejam contrários ao aborto, a proposta é uma forma de punição às vítimas de estupro e abusos, aolhes impor penas mais severar que as aplicadas aos próprios agressores. 

O manifesto destaca a preocupação com as consequências sociais da criminalização do aborto, especialmente em mulheres em situação de vulnerabilidade. Com citações de figuras religiosas e jurídicas, como o bispo emérito de Blumenau Dom Angélico Sândalo Bernardino, e do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, o texto argumenta que a criminalização não reduz o número de abortos, apenas torna o procedimento mais arriscado. 

O coletivo apela para que os legisladores considerem a complexidade do tema e busquem soluções baseadas nos princípios cristãos, como a solidariedade e compaixão, em vez de leis punitivas. O texto enfatiza que criminalizar uma mulher vítima de estupro equivale a uma nova forma de violência contra ela.

Manifesto da Frente de Mulheres de Fé (Evangélicas e católicas)

O grupo de mulheres cristãs, que conta com mais de 150 líderes religiosas, incluindo pastoras, bispas e teólogas de diversas denominações, intitulado “Frente de Mulheres de Fé“, divulgou, em 19 de junho, um manifesto veementemente contrário ao teor do PL 1.904/2024. As religiosas denunciam o projeto de lei como uma forma de “legalização do ódio contra mulheres” e pedem seu arquivamento imediato.

O manifesto argumenta que o PL não defende a vida do não nascido, mas sim criminaliza injustamente mulheres e meninas, principalmente as mais vulneráveis. Também critica as “alianças patriarcais entre religião e partidos políticos”, acusando-as de negociar direitos das mulheres em troca de votos. As mulheres reconhecen os casos de abuso sexual dentro das próprias instituições religiosas e exigem rigorosas investigações. 

As líderes religiosas destacam os dados sobre gravidez infantil resultante do crime de estupro no Brasil e defendem a laicidade do Estado como princípio inegociável. O grupo pede ainda que o governo reavalie convênios com hospitais no SUS que se recusem a realizar procedimentos contraceptivos com base em dogmas religiosos.

Desinformação em espaços digitais religiosos 

A aceleração da tramitação do Projeto de Lei 1.904/2024 na Câmara dos Deputados desencadeou uma onda de comentários e postagens nas mídias sociais, muitos deles com base em desinformação. Bereia recebeu de leitores um vídeo que circula no Instagram que exemplifica essa tendência. O conteúdo apresenta um trecho da gravação de um podcast, gravado em 2023, com o procurador-geral de contas do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) Henrique de Cunha Lima, conhecido nos círculos católicos como um ex-evangélico da Assembleia de Deus, convertido.

Imagem: Reprodução Youtube

No vídeo, datado de março de 2023, Lima faz declarações imprecisas sobre o procedimentos de aborto: “Uma injeção de cloreto de potássio que o médico introduz na barriga da gestante e alcança o coração do bebê. Essa agulha penetra no coração do bebê. E quando o cloreto de potássio é injetado na criança e alcança o coração dela, o efeito disso é parar o coração da criança, a criança tem uma parada cardíaca instantânea, e então, óbvio, ela vem a óbito, e se ela for muito grande ela é removida aos pedaços”.

Imagem: Reprodução Instagram

O procedimento descrito por Henrique Lima refere-se à indução à assistolia fetal, técnica que envolve a parada do coração do feto antes da realização do aborto em gestações avançadas. Bereia verificou que esse método era recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em suas diretrizes em 2012, mas que foi retirado na publicação mais recente de 2022. Nos métodos recomendados pelo Ministério da Saúde, publicados em  2011, e no manual da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), de 2015, esse procedimento sequer é citado. 

Esta não é a primeira vez que o procurador-geral de contas do TCE-RJ profere discursos controversos sobre o tema. Em 2020, Lima gravou um vídeo no qual pede a revogação do artigo 128 do Código Penal, que permite o aborto nos casos de estupro e de risco à vida da gestante.

Essa manifestação ocorreu após o caso, amplamente noticiado, de uma criança capixaba, de dez anos de idade, que engravidou após quatro anos de abuso por um familiar. Nesse caso, foi concedido o direito ao aborto legal, por se tratar tanto estupro de vunerável quanto por oferecer riscos à gestante, já que o corpo de uma criança não está desenvolvido o suficiente para suportar uma gravidez.

Imagem: reprodução Facebook

Ao procurar o serviço de para saúde para realizar o procedimento legal, a menina teve a identidade revelada para ativistas contrários ao aborto, com ajuda da então ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do governo Jair Bolsonaro, Damares Alves. Na ocasião, Henrique Lima afirmou que a decisão monocrática de um médico de “enfiar uma agulha no coração do nascituro” é um absurdo e que esse tipo de “pena de morte” demonstra o “holocausto silencioso” que está ocorrendo.

Bereia apurou que a interrupção da gravidez após a 20ª semana de gestação requer procedimentos específicos. Sem esses, não é possível ocorrer o aborto, pois em outro caso, trata-se de parto prematuro. Em contraste com as declarações do procurador católico, a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera o aborto um procedimento de saúde seguro e descomplicado quando realizado adequadamente. Segundo a OMS, “as complicações são raras tanto com o aborto farmacológico como no cirúrgico, quando os abortos são seguros – o que significa que são realizados utilizando um método recomendado pela OMS, adequado à idade gestacional, e por alguém com as competências necessárias”. 

Desinformação no Legislativo Federal

Uma audiência no Senado Federal, realizada em 17 de junho, para defender a aprovação do PL 1.904/2024, foi marcada por discursos com forte teor religioso e  informações distorcidas.

A audiência foi convocada e presidida pelo senador de identidade religiosa espírita Eduardo Girão (Novo-CE), que se declarou defensor da “vida desde o momento da concepção”. Durante o evento, os parlamentares presentes fizeram uma série de afirmações falsas sobre o projeto, entre elas a de que o texto não pune menores de idade, ênfase das reações da sociedade civil, na defesa das meninas estupradas, que têm o direito ao aborto concedido desde 1940. Na verdade qualquer menor de idade, se criminalizado, está sujeito a medidas socioeducativas. No caso das meninas, segundo a proposta do PL 1.940, serão criminalizadas por ato infracional análogo a crime. 

O senador Marcos Rogério (PL-RO) e a deputada federal Chris Tonietto (PL-RJ), da mesma maneira que outros participantes, também acusaram a “grande mídia” de manipulação, por noticiar que a proposta prevê penas maiores para as vítimas de estupro do que para estupradores. A crítica não procede, já que o projeto equipara o aborto ao crime de homicídio, cuja pena (6 a 20 anos) é superior à do estupro (6 a 10 anos), como Bereia já descreveu na parte 1 desta matéria. 

Imagem: Instagram / Reprodução: Agência Lupa

Observou-se que o princípio constitucional da laicidade do Estado foi desrespeitado pelos parlamentares durante a audiência, com seguidas menções religiosas como argumento para a nova legislação defendida. Logo na abertura, o senador Girão invocou o “Deus Criador da vida” e, assim como outros participantes, citou passagens bíblicas. 

A médica endocrinologista Annelise Mota de Alencar Meneguesso, conselheira do Conselho Federal de Medicina (CFM) da Paraíba, participou como convidada e citou o Antigo Testamento da Bíblia para apoiar sua posição antiaborto. Essa abordagem foi exposta pela médica,  após ela expressar que iria se dedicar aos ” aspectos históricos do aborto”.

Durante as mais de sete horas de discussões, a audiência  no Senado, teve 15 dos 17 convidados em posicionamento contrário ao aborto legal, entre eles parlamentares, médicos e representantes religiosos, que desprezaram, nas discussões, a defesa do direitos das mulheres e das crianças. O senador Eduardo Girão chegou a insinuar que mulheres poderiam falsificar alegações de estupro para conseguir um aborto, ao ressaltar que “o que acontece hoje no Brasil é que basta a mulher dizer que foi estuprada, e ela pode não necessariamente estar dizendo a verdade, para a consumação do aborto”.

Girão repetiu o mesmo argumento proferido pelo presidente e pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia, em vídeo divulgado nas redes em 15 de junho. Além de acusar mulheres de, supostamente, falsificarem notificações de estupro para terem acesso ao aborto legal, Malafaia parabenizou os deputados Sóstenes Cavalcante e Arthur Lira pela autoria e aprovação de urgência para o PL 1.904/2024. O pastor também culpou “a esquerda”, o presidente da República e a Rede Globo de TV de protegerem assediadores sexuais, desinformação que também foi reproduzida na audiência do Senado Federal.


Imagem: Youtube / Reprodução

Outro fato que marcou o evento no Senado, viralizou nas mídias digitais e foi alvo de muitas críticas, foi a dramatização de um aborto por assistolia fetal, realizada pela contadora de histórias e ex-assessora parlamentar do senador Izalci Lucas (PL-DF), Nyedja Gennari.  Aos gritos,  a atriz simulou as reações de um feto ao procedimento.

Imagem: Instagram / Reprodução

O presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), José Hiran da Silva Gallo participou da audiência no Senado, com posicionamento a favor do PL 1.904/2024. O médico  afirmou que “a autonomia da mulher esbarra, sem dúvida, no dever constitucional imposto a todos nós, de proteger a vida de qualquer um, mesmo ser humano formado por 22 semanas”. A submissão do PL ocorreu em reação à suspensão de uma Resolução do CFM antiaborto legal pelo Superior Tribunal Federal (STF), como Bereia já tratou na parte 1 desta matéria. 

As declarações de Gallo no Senado e a posição do CFM são criticadas por profissionais da saúde. A Associação Brasileira de Médicas e Médicos pela Democracia (ABMMD) afirmou que o conselho está excedendo suas competências  e classificou como “lamentável” a atuação da entidade. Em abril passado, a ABMMD publicou o “Muda CFM”, manifesto que critica as últimas gestões do CFM, por endossar “medidas distanciadas da evidências científicas”.

A Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) que não foi convidada para a discussão, “lamentou a maneira como temas relevantes à saúde da mulher vêm sendo tratados nas duas casas do Congresso Nacional”.

Para reforçar estas iniciativas,  deputados do do Partido Liberal (PL), na Assembleia Legislativa do Espírito Santo, enviaram, aos presidentes da Câmara e do Senado, uma moção de apoio ao PL 1.904/2024 

Qual será o percurso do PL 1904 no Congresso Nacional? 

Caso o PL 1904 seja levado ao plenário da Câmara e aprovado pelos deputados federais, será enviado ao Senado para análise. Se os senadores fizerem alterações na proposta antes de aprová-la, o texto precisará retornar para nova análise na Câmara dos Deputados. 

Se o Senado aprovar o projeto sem mudanças, ele seguirá para a sanção do Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Lula pode sancionar o projeto como está, vetar partes dele ou vetar o projeto inteiro. Se houver vetos de Lula, o projeto volta para o Congresso, que pode concordar com os vetos em nova votação ou rejeitá-los e promulgar a nova lei. 

Movimentos de mulheres,  com apoio de outros segmentos da sociedade civil, têm articulado ações permanentes para pressionar o presidente da Câmara Arthur Lira para o arquivamento do PL

O Congresso Nacional entra em recesso de 31 dias a partir de 1º de julho.

Referências de checagem:

Agência Lupa.

https://lupa.uol.com.br/jornalismo/2024/06/17/senadores-usam-religiao-e-desinformacao-para-defender-o-pl-do-aborto/ Acesso em 24 de junho de 2024. 

Câmara de Deputados.  
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https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2434493. Acesso em 24 de junho de 2024.

Uol. https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2024/06/12/camara-aprova-urgencia-de-projeto-que-equipara-aborto-a-homicidio.htm. Acesso em 24 de junho de 2024. 

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https://www.youtube.com/watch?v=6K4YbTfr0f8. Acesso em 24 de junho de 2024.

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Nexo Jornal. 

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https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2024-06/manifestantes-vao-as-ruas-contra-projeto-que-equipara-aborto-homicidio-0#. Acesso em 27 de junho de 2024.

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Bereia. https://coletivobereia.com.br/deputados-e-midias-gospel-espalham-falsidades-sobre-projeto-de-lei-que-retira-direitos-sobre-aborto-no-brasil/. Acesso em 27 de junho de 2024.

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.

https://www.cnbb.org.br/nota-cnbb-pl-1904-2024-debate-aborto/. Acesso em 27 de junho de 2024.

Change

https://www.change.org/p/manifesto-da-frente-de-mulheres-de-f%C3%A9-contra-o-pl-1904-2024-do-estupro-e-estuprador. Acesso em 27 de junho de 2024.

Correio Braziliense.
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2024/06/6884365-pl-do-aborto-manifestantes-protestam-e-ateiam-fogo-em-boneco-de-lira.html#:~:text=Durante%20o%20ato%2C%20as%20mulheres,que%20haja%20desejo%20da%20mulher. Acesso em 27 de junho de 2024.

Século diário.

https://www.seculodiario.com.br/direitos/dezessete-deputados-estaduais-assinam-mocao-de-apoio-ao-pl-do-aborto#:~:text=Dos%2030%20deputados%20estaduais%20do,Infantil%20ou%20PL%20do%20Aborto. Acesso em 27 de junho de 2024.

Revista Marie Claire.

https://revistamarieclaire.globo.com/politica/noticia/2024/06/quem-e-contadora-de-historias-que-encenou-aborto-no-senado-a-convite-de-girao.ghtml. Acesso em 27 de junho de 2024.

Uol. https://noticias.uol.com.br/colunas/jose-roberto-de-toledo/2024/06/25/pl-do-estupro-custou-r-45-bilhoes-ao-governo.htm. Acesso em 27 de junho de 2024. 

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Foto de capa: Flickr/Câmara dos Deputados

Deputados e mídias gospel espalham falsidades sobre Projeto de Lei que retira direitos sobre aborto no Brasil

O Projeto de Lei 1904/24, conhecido como “PL do Estupro”, “PL do Aborto”, “PL da Gravidez Infantil” tem gerado intensa mobilização nas mídias sociais, nas primeiras semanas de junho de 2024, sob reações de diversas perspectivas. O texto, proposto por 33 parlamentares da Câmara Federal, sob a liderança do deputado evangélicos Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), foi apresentado em 17 de maio, na Câmara dos Deputados. 

O PL visa alterar o Código Penal para equiparar o aborto, realizado após 22 semanas de gestação, ao crime de homicídio, mesmo nos casos permitidos pela legislação atual, como gravidez decorrente de estupro. Os portais de notícias gospel, como Gospel Prime, Guiame, Pleno News e Gospel Mais, passaram a destacar o processo de apresentação do PL, alinhando-se com a agenda dos autores, classificada por eles próprios e por analistas críticos como conservadora. 

Em 12 de junho, a tramitação do projeto ganhou urgência no plenário da Câmara dos Deputados, graças a uma manobra do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Lira aprovou a urgência do PL em apenas 23 segundos, sem permitir a manifestação contrária de deputados opositores. ​Com a urgência aprovada, segundo as regras da Câmara Federal, o PL pode ser debatido diretamente no plenário, sem precisar passar pelas comissões temáticas que discutem detalhadamente os projetos e emitem pareceres, antes de irem a plenário. 

A apresentação do PL vem sendo avaliada  como uma reação de parlamentares ultraconservadores a uma decisão  do Supremo Tribunal Federal (STF), em maio passado, que suspendeu a resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que proibia médicos de realizarem a chamada “assistolia fetal” .

A resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) proibia a assistolia fetal em casos de aborto legal após 22 semanas de gestação decorrentes de estupro. O método, recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), é uma técnica considerada essencial para a segurança das gestantes, pois minimiza os riscos durante o procedimento de aborto. Segundo o ministro do STF, responsável pelo caso, Alexandre de Morais, a proibição da assistolia fetal representava um risco adicional para a saúde das gestantes que necessitavam do procedimento em circunstâncias já previstas pela legislação, como casos de estupro ou risco de vida para a mulher.

O presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva manifestou-se sobre o caso em 15 de junho, em entrevista coletiva, durante participação em reunião do G20 na Itália. O perfil de Lula (PT) no X, reproduziu fala, em que ele afirma ser, pessoalmente, contra a prática do aborto, mas reconhece que há necessidade de tratar o assunto como um caso de saúde pública. Lula ainda criticou a proposta de punir as mulheres que abortam após um estupro com penas maiores do que as dos estupradores, classificando a medida como uma “insanidade”. 

A proposta de mudança na legislação sobre o aborto no Brasil 

A legislação atual sobre o aborto no Brasil tem raízes no Código Penal de 1940, aprovado durante o Estado Novo (1937-1945), presidido por Getúlio Vargas. O Código Penal passou a permitir a interrupção da gravidez quando há risco de vida para a gestante ou em casos de estupro. Em 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou ação que autorizou a interrupção da gravidez também em casos de anencefalia (má formação do cérebro) do feto. 

Fora dessas exceções, o aborto no Brasil é considerado um crime sujeito a penas de detenção tanto para a gestante quanto para quem realiza o procedimento. Em 2016, no julgamento de um recurso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a de autorização do aborto nos casos de anencefalia  se aplicava também a outras malformações incompatíveis com a vida. 

Nos casos de estupro ou risco à vida da gestante, não há um limite de tempo específico de gestação estabelecido pela lei para que o aborto legal possa ser realizado. 

Para o que estiver fora destas situações e representar aborto por vontade própria, o Código Penal prevê punições como detenção de um a três anos para mulheres que praticam, reclusão de um a quatro anos para médicos ou outras pessoas que realizam o aborto com consentimento da gestante, e reclusão de três a 10 anos para quem provoca aborto sem consentimento da gestante.

Em 2022, no último ano do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, o Ministério da Saúde emitiu uma nota técnica, com a recomendação de que o aborto legal fosse realizado apenas até 21 semanas e seis dias de gestação. Essa recomendação não tinha poder de lei e não alterou a legislação vigente no Brasil.

Em 21 de março deste ano, o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou uma resolução (Resolução CFM N° 2.378) proibindo médicos de utilizarem a técnica de assistolia fetal em gestações com mais de 22 semanas nos casos de aborto legal permitidos por lei. No entanto, como o CFM não pode agir em desacordo com a legislação, essa norma foi suspensa pelo STF, como já relatado nesta matéria.

A proposta dos 33 deputados federais por meio do PL 1904/24, prevê as seguintes alterações no Código Penal

  • abortos realizados após 22 semanas de gestação, com ou sem o consentimento da gestante, quando há “viabilidade fetal”, serão tratados como homicídio simples. O juiz poderá considerar as circunstâncias individuais para mitigar ou não aplicar a pena. 
  • Revoga-se a não punibilidade em casos de aborto em gravidez resultante de estupro após 22 semanas, diante da “viabilidade extrauterina do feto” equiparando a pena de homicidio simples, que pode chegar a 20 anos. A pena torna-se mais severa do que a aplicada a estupradores, que de acordo com o artigo 213 do Código Penal, pode variar de seis a dez anos de prisão. 
  • Torna-se obrigatória a notificação compulsória à autoridade policial, por parte dos profissionais de saúde, dos casos de interrupção da gravidez decorrente de estupro, sob pena de detenção de seis meses a dois anos. A interrupção da gravidez em casos de estupro só poderá ser realizada até a 22ª semana de gestação, exceto em casos de risco de vida para a gestante.

O termo-chave “viabilidade fetal” foi explicado pelo médico presidente da Comissão de Medicina Fetal da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) Mário Burlacchini, em entrevista à Folha de S. Paulo. Ele explica que a viabilidade “é a capacidade do feto viver fora do útero, nascer e ficar vivo — e que esse número depende de cada maternidade e berçário”.  Burlacchini acrescenta que “em geral, na maioria dos hospitais em São Paulo, a viabilidade é entre 24 e 25 semanas, mas depende de cada berçário. Com certeza outros locais do Brasil devem ter uma idade gestacional maior”.

O coordenador no Brasil da Rede Médica pelo Direito de Decidir (Global Doctors For Choice), o médico ginecologista e obstetra Cristião Rosas, também foi ouvido pela Folha de S. Paulo. Ele diz que, para a comunidade médica, o conceito de viabilidade fetal é utilizado em relação a partos prematuros, isto é, quando há necessidade de se adiantar o processo de nascimento, por conta das condições da gravidez, de doenças ou outros motivos de força maior.

Esta noção de viabilidade fetal, segundo Cristião Rosas, é utilizada na medicina para orientar a adequação nos cuidados intensivos neonatais, mas deve ser entendida como um último recurso porque prematuros possuem maiores riscos de sequelas e complicações, como as cardiológicas e respiratórias por conta da não formação completa.

Por isso, segundo o médico, ao se referir à legislação de aborto, a questão muda, e o termo não cabe. “Quando falamos em viabilidade fetal pensamos num parto prematuro e espontâneo em que existe um equilíbrio no desejo da mãe em relação ao interesse pelo bebê, então esse conceito não funciona para aborto induzido”, diz Rosas. Para ele, as 22 semanas de um feto são classificadas como prematuridade extrema. Cerca de 26, como prematuridade intermediária, e 37 como “a termo”, ou seja, com menores riscos de sequelas. 

A inclusão da noção de viabilidade fetal no PL 1904, para o médico obstetra, facilita a confusão sobre o tema. “Isso leva a uma banalização perigosa sobre os danos da prematuridade”, afirmou à Folha de S. Paulo.

O perfil dos autores do PL 1904/24

O projeto, que até 18 de junho passado contava com a proposição de 33 parlamentares, após o alto volume de manifestações contrárias da sociedade civil, recebeu a adesão de mais assinaturas proponentes. Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) solicitou à Mesa Diretora da Câmara, naquela data, a inclusão de novos autores no documento. 

Na lista de proponentes, todos estão no espectro político da direita e centro-direita. Em termos de equidade, especialmente no caso de Projeto de Lei 1904/24, que altera legislação que infere diretamente em pessoas com útero,  são apenas 12 mulheres, enquanto 43 são parlamentares do sexo masculino.

 

PARLAMENTARPARTIDOIDEOLOGIARELIGIÃO POR AUTOIDENTIFICAÇÃOVINCULAÇÃOGÊNERO
AbílioPL – MTDireitaCristãIgreja Evangélica não identificadaMasculino
Adilson BarrosoPL – SPDireitaCristãNão identificadaMasculino
André FernandesPL – CEDireitaEvangélicaIgreja Evangélica não identificadaMasculino
Bia KicisPL – DFDireitaCatólicaIgreja CatólicaFeminino
Bibo NunesPL – RSDireitaCristãNão identificadaMasculino
Cabo Gilberto SilvaPL – PBDireitaNão identificadaNão identificadaMasculino
Capitão AldenPL – BADireitaEvangélicaSem denominaçãoMasculino
Carla ZambelliPL – SPDireitaCatólicaIgreja CatólicaFeminino
Coronel AssisUNIÃO – MTDireitaCristãNão identificadaMasculino
Coronel ChrisóstomoPL – RODireitaCristãIgreja CatólicaMasculino
Coronel FernandaPL – MTDireitaEvangélicaAssembleia de DeusFeminino
Cristiane LopesUNIÃO – RODireitaEvangélicaIgreja Santa GeraçãoFeminino
Dayany do CapitãoUNIÃO – CEDireitaCristãIgreja Evangélica não identificadaFeminino
Delegado CaveiraPL – PADireitaCatólicaIgreja CatólicaMasculino
Delegado Eder MauroPL – PADireitaCristãNão identificadaMasculino
Delegado Fabio CostaPP – ALDireitaCristãNão identificadaMasculino
Delegado PalumboMDB – SPCentroCristãIgreja CatólicaMasculino
Delegado Paulo BilynskyjPL – SPDireitaNão identificadaNão identificadaMasculino
Delegado RamagemPL – RJDireitaCristãNão identificadaMasculino
Dr. FredericoPATRIOTA – MGDireitaCatólicaIgreja CatólicaMasculino
Dr. Luiz OvandoPP – MSDireitaCristãIgreja Batista KairósMasculino
Eduardo BolsonaroPL – SPDireitaCristãComunidade Batista do Rio de JaneiroMasculino
Ely SantosREPUBLICANOS – SPDireitaNão identificadaNão identificadaFeminino
Eros BiondiniPL – MGDireitaCatólicaIgreja CatólicaMasculino
Evair de MeloPP – ESDireitaCatólicaIgreja CatólicaMasculino
Filipe BarrosPL – PRDireitaEvangélicaIgreja Presbiteriana do BrasilMasculino
Filipe MartinsPL – TODireitaEvangélicaAssembleia de Deus MadureiraMasculino
Franciane BayerREPUBLICANOS – RSDireitaCristãIgreja Internacional da Graça de DeusFeminino
Fred LinharesREPUBLICANOS – DFDireitaCristãNão identificadaMasculino
General GirãoPL – RNDireitaCristãNão identificadaMasculino
Gilvan O Federal da DireitaPL – ESDireitaCristãIgreja Evangélica não identificadaMasculino
Greyce EliasAVANTE – MGCentroCristãNão identificadaFeminino
Gustavo GayerPL – GODireitaCristãNão identificadaMasculino
José MedeirosPL – MTDireitaEvangélicaIgreja Presbiteriana do BrasilMasculino
Julia ZanattaPL – SCDireitaCristãNão identificadaFeminino
Junio AmaralPL – MGDireitaEvangélicaIgreja Evangélica não identificadaMasculino
Lêda BorgesPSDB – GOCentroCatólicaIgreja CatólicaFeminino
Marcelo MoraesPL – RSDireitaCatólicaIgreja CatólicaMasculino
Marcos PollonPL – MSDireitaCatólicaIgreja CatólicaMasculino
Mario FriasPL – SPDireitaCristãNão identificadaMasculino
Mauricio MarconPODE – RSDireitaCristãNão identificadaMasculino
Messias DonatoREPUBLICANOS – ESDireitaEvangélicaIgreja do Evangelho QuadrangularMasculino
Nikolas FerreiraPL – MGDireitaCristãComunidade Evangélica Graça e PazMasculino
Pastor DinizUNIÃO – RRDireitaEvangélicaAssembleia de DeusMasculino
Pastor EuricoPL – PEDireitaEvangélicaAssembleia de DeusMasculino
Paulo Freire da CostaPL – SPDireitaEvangélicaAssembleia de Deus Ministério BelémMasculino
Rafael PezentiMDB – SCCentroCatólicaIgreja CatólicaMasculino
Rodolfo NogueiraPL – MSDireitaCristãNão identificadaMasculino
Rodrigo ValadaresUNIÃO – SEDireitaEvangélicaIgreja Evangélica não identificadaMasculino
Sargento FahurPSD – PRCentroNão identificadaNão identificadaMasculino
Sargento GonçalvesPL – RNDireitaCristãIgreja BatistaMasculino
Silvia WaiãpiPL – APDireitaEvangélicaIgreja Evangélica não identificadaFeminino
Simone MarquettoMDB – SPCentroCatólicaIgreja CatólicaFeminino
Sóstenes CavalcantePL – RJDireitaEvangélicaAssembleia de Deus Vitória em CristoMasculino
Zé TrovãoPL – SCDireitaNão identificadaNão identificadaMasculino
Fonte: Instituto de Estudos da Religião. Plataforma Religião e Poder (www.religiaoepoder.org.br)

O deputado líder do PL e a propagação de desinformação

Pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo e teólogo, Sóstenes Silva Cavalcante é deputado federal pelo Partido Liberal (PL) do Rio de Janeiro, eleito em 2022, em sua terceira filiação partidária. Assumiu seu primeiro mandato em 2015, filiado ao PSD e, em seguida, foi reeleito para um segundo, que se estendeu de 2019 a 2022, pelo DEM. Desde o primeiro mandato tornou-se conhecido como afilhado do pastor presidente da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia.

Em 2015, Sóstenes Cavalcante foi eleito presidente da Comissão Especial, criada na Câmara para analisar o Projeto de Lei  6583/13, denominado Estatuto da Família. O PL havia sido proposto por Anderson Ferreira (PR-PE), arquivado com o fim da legislatura anterior, mas desarquivado pelo então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).  O PL, que ainda tem tramitação aberta na Câmara, propõe uma lei que define   família como a união entre um homem e uma mulher.
Bereia já checou várias afirmações e publicações desinformativas de Sóstenes Cavalcante. No ano do lançamento do site Bereia, 2019, foi publicada matéria sobre a divulgação feita pelo deputado de uma declaração falsa atribuída à Organização Não Governamental (ONG) Greenpeace. Originalmente compartilhada pelo Pastor Silas Malafaia, a publicação acusava o Greenpeace de recusar ajuda na limpeza de óleo vazado em praias do Nordeste, por falta de conhecimento e equipamentos. No entanto, o vídeo compartilhado era uma edição deturpada de uma declaração do Greenpeace. 

Thiago Almeida, ativista da ONG, que desmentiu a distorção, confirmou que voluntários da organização estavam atuando na limpeza das praias afetadas, embora ressaltasse a necessidade de técnicas e equipamentos específicos para combater o óleo derramado. A versão editada do vídeo foi compartilhada pelo deputado e pelo Ministro do Meio Ambiente do governo de Jair Bolsonaro, Ricardo Salles, para criticar a Greenpeace, . Além disso, o portal Aos Fatos também classificou o vídeo como falso.

Imagem: Coletivo Bereia / Reprodução

Neste junho, cinco anos depois daquela e de outras 15 checagens, Bereia verificou mais um vídeo do deputado Sóstenes Cavalcante, com informações falsas  em resposta a uma reportagem do programa Fantástico, da TV Globo, que abordou o Projeto de Lei 1904/24. Na gravação, eleafirmou que existe uma “indústria mundial do aborto” financiada pelo milionário George Soros e proferiu mentiras sobre o uso de fetos em cosméticos. Estas afirmações foram desmentidas por veículos como a Folha de São Paulo e Aos Fatos, que as classificaram como teorias conspiratórias infundadas. 

Imagem: Coletivo Bereia / Reprodução

Parlamentares desinformam nas redes digitais

O PL 1904 gerou debates nos espaços do Congresso Nacional e também nas mídias sociais de parlamentares. Em levantamento realizado pelo Bereia em publicações no X (antigo Twitter), até a data de fechamento desta matéria, foi observado que os deputados Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Bia Kicis (PL-DF) e Nikolas Ferreira (PL-MG), todos coautores do PL publicaram em suas páginas pessoais comentários sobre o tema, com 29 publicações totais. O pico de atividade ocorreu entre os dias 11 e 13 de junho, que incluiu o momento da votação do pedido de urgência na Câmara, no dia 12.

Já foi destacado nesta matéria o vídeo publicado pelo deputado Sóstenes Cavalcante em que afirma que “Há uma indústria mundial liderada por (…) George Soros, um milionário americano que patrocina mundo afora o aborto (…) Sabe por quê? Porque eles vivem de empresas também que dependem do feto humano para fabricar cosméticos”. 

Fonte: Instagram / Reprodução: Aos Fatos

O deputado Eli Borges (PL-TO), autor do pedido de urgência e presidente da Frente Parlamentar Evangélica, argumentou que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a partir das 22 semanas de gestação, o aborto é considerado assassinato de criança porque o feto poderia sobreviver fora do útero da mãe. 

Bereia verificou que Borges apresenta um argumento falso, sem qualquer referencial, pois a OMS não define aborto como assassinato em nenhuma circunstancia, além de que não há consenso global de quantas semanas seriam necessárias para precisar a viabilidade fetal, ou seja, a capacidade de sobreviver fora do útero. 

Desinformação em portais cristãos

Portais de notícias gospel, como o Pleno News, Guiame e Gospel Prime, têm publicado uma série de matérias em defesa do Projeto de Lei (PL) 1.904/2024. O Pleno News, entre os dias 12 e 15 de junho, disponibilizou quatro matérias desinformativas, com notícias falsas ou que desviam do assunto principal. Nelas é afirmado que a esquerda está mentindo contra o PL, sem dados comprobatórios da assertiva, e que deputados que defendem o PL teriam sofrido ataques de hackers, o que também não tem elementos factuais. Também há destaque para declarações em ataque  ao presidente da República, que são desprovidas de caráter informativo – são opiniões. 

Imagem: Pleno News / Reprodução

O portal Guiame publicou matéria que contrapõe o apelido de “PLdo estupro” com “PL da vida”, e rebate as críticas à proposta, sem apurar as controvérsias como o risco dos abortos tardios e a criminalização de meninas e dos profissionais da saúde que realizam o procedimento. 

Imagem: Guiame / Reprodução

O Gospel Prime, em duas matérias publicadas como notícia, opina sobre autoridades do governo federal. As declarações públicas do presidente Lula (PT) sobre o PL 1904/24, foram classificadas como distorcidas do objetivo do projeto de “punir o assassinato de bebês em ventre materno após o período de formação da criança”. Esse tipo de afirmação desinforma pois é contrária às diretrizes da OMS sobre abortos e não há consenso na comunidade médica quanto ao período de formação de uma criança. 

O ministro dos Direitos Humanos e Cidadania Silvio Almeida, e a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima Marina Silva foram criticados pelo Gospel Prime por terem se manifestado contra o projeto em seus perfis de mídias digitais. Marina Silva foi destacada de forma pejorativa/opinativa como a  “que se apresentava como evangélica”.

Imagem: Gospel Prime/Reprodução

Bereia verificou que, como outros integrantes do governo federal, a ministra Marina Silva tornou pública uma crítica aos políticos proponentes do PL, de instrumentalizar um tema complexo, sem considerar os direitos e a dignidade das mulheres. Ela criticou o PL por ser “altamente desrespeitoso e desumano”, apesar de ela se declarar, pessoalmente, contra o aborto. Na mesma linha, o ministro Silvio Almeida afirmou que o Projeto de Lei é “vergonhosamente inconstitucional” e fere os princípios da dignidade humana. 

A linguagem que desinforma e confunde

Boa parte do conteúdo que tem falsidades e enganos sobre o tema do aborto, que circula em ambientes digitais, recorre ao discurso do medo para ganhar atenção e gerar compartilhamentos. De acordo com a Doutora em Linguística Jana Viscardi, a maneira como se fala sobre direitos reprodutivos e sobre aborto contribui significativamente para criar pânico em torno da questão. A pesquisadora destaca que “a extrema direita sabe muito bem usar apenas a palavra bebê, justamente para gerar indignação e pânico. Para convencer as pessoas de que aborto é desumano, homicídio”. 

Jana Viscardi alerta que é um erro chamar de “bebê” o objeto do aborto e que é importante usar os termos corretos. A professora explica que primeiro, há um embrião, depois, um feto; assim que nasce, um recém-nascido; 28 dias depois, é que existe um bebê. Nesse sentido, a mulher não aborta um bebê, pois um bebê, para existir, precisa ter passado pelas etapas anteriores, ter saído do útero e vivido seus primeiros dias. 

Viscardi também ressalta que “nenhuma mulher é mãe até que escolha ter uma criança. Gravidez não é sinônimo de maternidade. Embrião e feto são estágios que antecedem a existência do bebê. E não são a mesma coisa”. Para a pesquisadora, o uso do termo que não cabe “bebê” é feito para causar emoção e provocar pânico de morte.

Além disso, Viscardi chama a atenção para a questão da “viabilidade fetal” mencionada no PL 1904, sobre a qual não há uma conclusão definitiva e divergências entre médicos na compreensão da questão. 

O uso inadequado dos termos nas discussões públicas sobre aborto leva a uma comoção pública pautada “em um discurso torto, feito justamente para causar desinformação. O embate com a extrema-direita é também um embate discursivo, e ter atenção à linguagem utilizada é fundamental nesse contexto”, orienta Jane Viscardi.

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Foto de capa: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

Eleições: Deputados federais pré-candidatos à Prefeitura do Rio são condenados por propagação de notícias falsas nas eleições de 2020

Os deputados federais evangélicos Marcelo Crivella (Republicanos-RJ) e Otoni de Paula (MDB-RJ) foram condenados pela Justiça por disseminar informações falsas durante as eleições municipais de 2020. Segundo o blog do jornalista Ancelmo Gois, do jornal O Globo, os parlamentares pré-candidatos à Prefeitura do Rio de Janeiro em 2024, deverão indenizar o Diretório Municipal do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), por terem acusado o partido de distribuir “kit gay” e associá-lo a pedofilia, naquele pleito. 

O ex-prefeito do Rio e bispo da Igreja Universal do Reino de Deus Marcelo Crivella, e o ex-vice-líder do governo Bolsonaro na Câmara dos Deputados e pastor da Assembleia de Deus Otoni de Paula, tiveram uma pena imposta pela Justiça que inclui o pagamento de uma multa no valor de R$ 60 mil. Ainda cabe recurso contra a decisão.

Imagem: O Globo/Reprodução

Bereia checou o caso em 2020

Em novembro de 2020, dois vídeos de campanha de Marcelo Crivella foram divulgados nas mídias sociais. Em um deles, durante uma transmissão ao vivo, Crivella conversa com o deputado Otoni de Paula (PSC-RJ, à época) e afirma que, se seu opositor no segundo turno do pleito para a Prefeitura do Rio, Eduardo Paes (PSD hoje; DEM, à época) vencesse as eleições municipais, a secretaria de educação seria entregue ao deputado do PSOL Marcelo Freixo e a pedofilia passaria a ser praticada nas escolas. 

O segundo vídeo, compartilhado, depois, por Otoni de Paula, mostra o ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL; sem partido, à época) afirmando que havia um plano das esquerdas de sexualizar as crianças e legalizar a pedofilia. No vídeo, o deputado demonstra indignação e afirma estarem negociando a educação no Rio.

Imagem: Reprodução/O Globo

O conteúdo do vídeo de campanha foi divulgado naquele ano pelo site Pleno News, sem fornecer contexto ou informações precisas. 

Imagem: Reprodução/Pleno News

O então deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ; hoje, PT), em uma transmissão ao vivo, negou haver qualquer negociação de cargos com Eduardo Paes e declarou a Marcelo Crivella: “Você vai ser processado, vai responder na Justiça. Isso é o desespero de quem vai tomar uma surra eleitoral. Você vai sair da prefeitura como um ser rastejante. Você é um ser político rastejante, Crivella”.

O candidato a vereador pelo PSOL, à época, Chico Alencar, citado no vídeo de Otoni de Paula, como exemplo, também denunciou em suas mídias sociais que as declarações do bispo eram mentirosas.

Imagem: Reprodução/Coletivo Bereia

Em 2020, Bereia verificou o caso, e concluiu que a campanha de Marcelo Crivella utilizou os mesmos temas de conteúdos falsos que haviam sido empregados por Jair Bolsonaro, quando candidato à Presidência da República no pleito de 2018. Um  desses temas foi o “kit gay”, desde então classificado como desinformação e propaganda enganosa.

Foi verificado, também, que desde as eleições de 2018, houve aumento das candidaturas que utilizavam mentiras em campanha, principalmente as que exploravam a moralidade sexual como forma de angariar o apoio de eleitores mais conservadores. 

Imagem: Reprodução/Coletivo Bereia

Na matéria de checagem em 2020, Bereia consultou dois especialistas em religião e política para comentar sobre o caso. A antropóloga do ISER e da UFRJ Livia Reis explicou que, embora o “kit gay” fosse relacionado ao PT, o PSOL se destacava na defesa de pautas identitárias. Ela recordou que conservadores associam a pedofilia à discussão sobre identidade de gênero e direitos sexuais, e veem essas pautas como sexualização de crianças. Reis lembra que o PSOL levou ao STF a ação para enfrentar a homofobia nas escolas, e tornou-se alvo por seu crescimento e visibilidade na Câmara Municipal do Rio. 

Já o sociólogo Alexandre Brasil Fonseca observou que Crivella adotou uma estratégia de tudo ou nada, semelhante à campanha de Bolsonaro em 2018, mas enfrentou alta rejeição e pouco tempo de campanha. Fonseca sugeriu ainda que a acusação de “pai da mentira”, que foi atribuída ao então Prefeito do Rio, por Eduardo Paes em debate na TV, poderia prejudicá-lo mais. O resultado das eleições, com a derrota de Crivella e a vitória de Paes, confirmou esta análise.

O processo

Em 2021, após as eleições,  o PSOL acionou Marcelo Crivella e Otoni de Paula, na Justiça comum, por espalharem conteúdo mentiroso contra o partido (crime de calúnia, previsto no art. 138 do Código Penal). O PSOL demandou R$ 100 mil como compensação pelos danos. 

O partido tinha a seu favor um parecer do Ministério Público Eleitoral do Rio de Janeiro (MPERJ), que havia considerado as ações do ex-prefeito como tentativas de causar medo psicológico e religioso. Na época, o parecer  do MPERJ pediu ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE) que Crivella publicasse a resposta do PSOL, em suas publicações de campanha, dentro de 12 horas após a condenação oficial. Por conta disso, o tribunal concedeu direito de resposta ao partido, mas o conteúdo nunca foi divulgado. 

O TRE também decidiu que o candidato à reeleição à Prefeitura do Rio deveria remover o vídeo com as falsas acusações contra o partido, ou enfrentaria uma multa diária de R$ 10 mil até cumprir a decisão. “O vídeo publicado nas redes sociais causa desinformação e veicula ao público notícia sabidamente inverídica, tentando incutir na mente do eleitor tal informação de pedofilia nas escolas com assunção do PSOL”, explicava a sentença. Entretanto, as acusações contra o partido  não foram retiradas.  

Em entrevista ao UOL , a presidente do PSOL à época, Isabel Lessa, se pronunciou sobre o processo impetrado. 

“Nosso objetivo com essa ação indenizatória é fazer prevalecer a verdade e a justiça, num momento em que a mentira e a desinformação se tornaram armas nas mãos de governos e grupos políticos com viés autoritário. A atitude desesperada do ex-prefeito, que sabia que perderia as eleições no ano passado, não atinge apenas ao PSOL, mas ao conjunto da sociedade, já que seu intuito era mobilizar o medo das pessoas através de afirmações mentirosas”. 

Lessa ressaltou que a violência praticada neste caso tem como razão a perpetuação no poder de grupos políticos.  “Uma vez que precisam sustentar uma base dita conservadora, com medo e mentiras para que continuem seu domínio, não só em termos de votos, mas também, financeira e ideologicamente, mesmo que isso seja negar a política. Ao nos acusar de praticar aquilo que, justamente, combatemos, o patriarcado fundamentalista tenta esconder hipocritamente as próprias ações e intenções”.

Após três anos, o caso foi julgado e a sentença que condena Crivella e Otoni por calúnia foi proferida. 

Marcelo Crivella não se posicionou publicamente sobre o caso, até o fechamento desta matéria, Já o deputado Otoni de Paula, publicou na mídia social X uma resposta à postagem do deputado federal Tarcísio Motta (PSOL-RJ). Motta, após a divulgação da sentença, havia afirmado: “ Crivella e Otoni de Paula foram condenados pela Justiça a indenizar o PSOL. A causa foi o uso de informações falsas divulgadas durante a campanha eleitoral, quando acusaram o partido de distribuir um suposto “kit gay” e associaram a sigla à pedofilia. Terão de pagar R$ 60 mil”. 

Na resposta, o pastor da Assembleia de Deus manteve as ideias condenadas pela Justiça: “Fake news que chama @MottaTarcisio? Quem lê pensa que eu e @MCrivella teremos que pagar a ‘turminha polenta’ algum dinheiro amanhã. Calma, o processo ainda não está transitado em julgado. Enquanto isso reafirmo que não deixarei de lutar para que vocês deixem nossas crianças em paz. Escola sem partido JÁ!”

Imagem: reprodução/X

Bereia ouviu o deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ) sobre o caso. Ele  declarou que “cristão” como esses precisam ser contidos”. “Crivella e Otoni fizeram uma live na qual afirmaram que o PSOL iria compor a Secretaria de Educação em um eventual governo de Eduardo Paes (DEM), então adversário de Crivella, e que o partido seria conivente com a pedofilia. Paes, que assumiu a Prefeitura em 1º de janeiro de 2021, não indicou nomes ligados à legenda para a pasta.” 

O deputado ainda citou o caso da distribuição de panfletos da campanha de Crivella para difamar a oposição, que também foi objeto de matéria do Bereia. “O PSOL informou na ação que a campanha de Crivella distribuiu 1 milhão de panfletos nas ruas da capital fluminense com as mesmas afirmações mentirosas”.  Alencar relata que Crivella e Otoni de Paula terão que indenizar o PSOL em R$ 60 mil e que a desinformação deve ser combatida permanentemente, pois a Justiça tem dado razão aos “caluniados”. 

O deputado recorda  que não é a primeira vez que Otoni de Paula é condenado por atos como esse. “Ele até hoje paga uma indenização ao Jean Wyllys por associá-lo à tentativa de homicídio sofrida por Bolsonaro. Absurdo irresponsável e criminoso”.

Crivella, Otoni de Paula: deputados, líderes religiosos e acusados

Imagem: reprodução/O Globo

Marcelo Bezerra Crivella (Republicanos) é deputado federal, eleito em 2022, e foi senador (2003 a 2017) e Ministro da Pesca e Aquicultura do Brasil (2012-2014), nos governo Dilma Rousseff (PT). Em 2016, foi eleito prefeito da cidade do Rio de Janeiro, em uma gestão marcada por escândalos de corrupção, pedidos de impeachment na Câmara Legislativa, por sua prisão, pouco antes de finalizar seu mandato, e por acusações de favorecimento à Igreja Universal do Reino de Deus (IURD).

Crivella é bispo licenciado da IURD, e é sobrinho do fundador e líder maior, o Bispo Edir Macedo. O caso mais emblemático do favorecimento à igreja foi a gravação do áudio de uma fala do então prefeito, na sede da Prefeitura, em que afirmava que os fieis e pastores evangélicos poderiam procurar uma das suas assessoras, Márcia Pereira da Rosa Nunes, para facilitar a marcação de cirurgias de catarata e varizes, ou para a assistência do pagamento do IPTU das igrejas. 

Com posições conservadoras, de defesa da família tradicional, dos valores cristãos e críticas às pautas progressistas, especialmente sobre direitos LGBTQ+, Marcelo Crivella esteve ligado a outros casos de disseminação de informações falsas, especialmente em suas campanhas eleitorais, como relatado ao Bereia pelo deputado Chico Alencar. 

O TRE-RJ cassou-lhe o mandato de deputado, em 2023, pelo caso “Guardiões do Crivella”, que utilizava servidores públicos municipais para “monitorar e impedir a interlocução de cidadãos com profissionais de imprensa” e evitar a entrevista e gravação de reportagens que abordaram a situação do sistema de Saúde do Rio em período eleitoral. Nesse processo, além da cassação, ainda foi tornado inelegível por oito anos. 

Porém os efeitos da decisão foram suspensos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ao julgar recurso de  Crivella. O deputado federal já se coloca novamente como pré-candidato para a Prefeitura do Rio de Janeiro para as eleições de 2024. 

Imagem: reprodução/g1

Otoni Moura De Paulo Junior, mais conhecido como Otoni de Paula, é deputado federal pelo MDB do Rio de Janeiro, atualmente em seu segundo mandato na Câmara dos Deputados. Ele foi eleito, inicialmente, em 2018, pelo PSC, e, durante o governo de Jair Bolsonaro, esteve na linha de frente da bancada governista, chegando a ser vice-líder do governo na casa legislativa. O deputado também é pastor da Assembleia de Deus, mesma denominação de seu pai, Otoni de Paula Pai, pastor e político de longa carreira, que faleceu em maio de 2023, em decorrência de um câncer, enquanto exercia o cargo de vereador da cidade do Rio de Janeiro, eleito no pleito de 2020. 

Nos últimos anos, Otoni de Paula tem se envolvido em controvérsias e processos judiciais. Em 2020, ele atacou o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), durante transmissões ao vivo em suas redes digitais. Esses ataques ocorreram após Moraes autorizar a quebra dos sigilos bancário e fiscal do deputado em investigações sobre os atos antidemocráticos ocorridos em janeiro de 2023. 

As declarações de Otoni de Paula resultaram em uma denúncia pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por injúria, difamação e coação no curso do processo​. Além do inquérito dos Atos Antidemocráticos, o deputado, também pré-candidato à prefeitura do Rio de Janeiro, é investigado no STF no âmbito do Inquérito das Fakes News, de relatoria do ministro Alexandre de Morais. 

O parlamentar se apresentou, há alguns meses, como pré-candidato do MDB à Prefeitura do Rio. Entretanto, em 14 de junho, o jornal O Globo divulgou uma nota que afirma que ele decidiu não mais se candidatar a prefeito do Rio de Janeiro, e que vai colaborar na campanha de Eduardo Paes (PSD). Como pastor na Assembleia de Deus de Madureira, Otoni de Paula declarou que vai liderar a campanha do prefeito entre evangélicos. 

Pessoas próximas ao deputado do MDB, que foram ouvidas pelo O Globo, dizem que ele desistiu de concorrer porque o partido decidiu não apoiá-lo sem conversar com ele primeiro, o que o fez se sentir desconsiderado. Fontes ligadas ao deputado afirmam que ele estabeleceu algumas condições para apoiar o prefeito, incluindo não criticar publicamente o ex-presidente Jair Bolsonaro, que é seu aliado há muito tempo.

Referências de checagem:

Bereia.

https://coletivobereia.com.br/marcelo-crivella-e-deputado-federal-apoiador-proferem-mentiras-na-campanha-para-prefeitura-do-rio/. Acesso em 10 de junho de 2024.

https://coletivobereia.com.br/eleicoes-2020-bispo-marcelo-crivella-recorre-a-conteudos-falsos-em-debate-na-tv/. Acesso em 10 de junho de 2024.

https://coletivobereia.com.br/nacionalismo-cristao-promove-terrorismo-no-brasil/. Acesso em 15 de junho de 2024.

https://coletivobereia.com.br/nao-ha-duvida-a-existencia-de-um-kit-gay-organizado-por-fernando-haddad-e-falsa/. Acesso em 17 de junho de 2024.

O Globo.

https://oglobo.globo.com/blogs/ancelmo-gois/post/2024/06/crivella-e-otoni-de-paula-sao-condenados-a-indenizar-o-psol-por-fake-news-sobre-kit-gay.ghtml.  Acesso em 10 de junho de 2024.

https://oglobo.globo.com/politica/eleicoes-2020/mp-eleitoral-denuncia-crivella-por-difamacao-propaganda-falsa-em-panfletos-contra-paes-psol-24768755. Acesso em 10 de junho de 2024.

https://oglobo.globo.com/google/amp/politica/noticia/2024/06/14/otoni-de-paula-desiste-de-pre-candidatura-a-prefeitura-e-assume-coordenacao-de-paes-com-evangelicos.ghtml. Acesso em 15 de junho de 2024.

https://blogs.oglobo.globo.com/ancelmo/post/psol-cobra-indenizacao-de-r-100-mil-de-crivella-e-deputado-bolsonarista-por-fake-news.html. Acesso em 13 de junho de 2024.

G1.

https://g1.globo.com/fato-ou-fake/noticia/2020/10/09/veja-o-que-e-fato-ou-fake-em-video-do-horario-eleitoral-de-crivella-sobre-o-carnaval-no-rio.ghtml. Acesso em 11 de junho de 2024.

https://oglobo.globo.com/politica/tre-cassa-mandato-do-deputado-federal-marcelo-crivella-25709803. Acesso em 11 de junho de 2024.

https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2023/05/11/morre-aos-77-anos-o-vereador-otoni-de-paula-pai-do-deputado-federal-otoni-de-paula.ghtml. Acesso em 11 de junho de 2024.

https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/07/01/inquerito-das-fake-news-investigados-penas-e-proximos-passos-do-processo-no-stf.ghtml. Acesso em 11 de junho de 2024.

https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2023/05/11/morre-aos-77-anos-o-vereador-otoni-de-paula-pai-do-deputado-federal-otoni-de-paula.ghtml. Acesso em 12 de junho de 2024.

Estadão. https://politica.estadao.com.br/blogs/estadao-verifica/panfleto-apocrifo-atribui-a-freixo-e-a-paes-liberacao-de-aborto-e-drogas/. Acesso em 11 de junho de 2024.

Uol.

https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/12/22/gestao-crivella-relembre-os-principais-escandalos-da-prefeitura-do-rio.htm. Acesso em 11 de junho de 2024.

https://congressoemfoco.uol.com.br/area/justica/pgr-denuncia-deputado-otoni-de-paula-por-ataques-a-alexandre-de-moraes/. Acesso em 12 de junho de 2024.

https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2021/03/25/psol-marcelo-crivella-otoni-de-paula-pedofilia.htm.  Acesso em 13 de junho de 2024.

https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2020/11/27/justica-eleitoral-direito-de-resposta-psol-crivella.htm. Acesso em 13 de junho de 2024.

Câmara dos deputados.

https://www.camara.leg.br/deputados/220599.  Acesso em 12 de junho de 2024.

https://www.camara.leg.br/deputados/204521. Acesso em 12 de junho de 2024.

https://www.camara.leg.br/noticias/608791-otoni-de-paula-e-o-novo-vice-lider-do-governo-na-camara/. Acesso em 12 de junho de 2024.

PSOL Carioca. https://psolcarioca.com.br/2021/03/25/um-acao-contra-o-terrorismo-psicologico-religioso-de-crivella/. Acesso em 12 de junho de 2024.

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Foto de capa: reprodução/YouTube

Eleições 2024: religiosos e políticos usam falsa perseguição a igrejas no Brasil como tema de campanha durante Marcha para Jesus de SP

Circulam em espaços digitais religiosos postagens que repercutem o discurso de Estevam Hernandes, apóstolo da Igreja Renascer em Cristo, proferido na 32ª edição da Marcha para Jesus, da qual é líder, realizada na cidade de São Paulo, em 30 de maio passado. 

Organizado pela Igreja Renascer em Cristo, o evento contou com um público estimado em dois milhões de pessoas, que lotou as ruas da capital paulista para acompanhar uma série de atividades, incluindo shows e discursos de destacados nomes do cenário evangélico e político brasileiro.

Além disso, a marcha também serviu como palco para discursos políticos e demonstrações de apoio a Israel. 

Em uma das manifestações dirigidas à multidão, o pastor Estevam Hernandes mencionou que, apesar do que ele considera “uma perseguição às igrejas no Brasil”, ainda foi possível reunir um grande número de fiéis para o evento, segundo a perspectiva do pastor sobre a comunidade evangélica no país.

Imagem: reprodução/X

As alegações de Estevam Hernandes foram reproduzidas pela página oficial da Marcha para Jesus na rede X (antigo Twitter), em reafirmação à suposta “perseguição à igreja”. Os vídeos reproduzem um pequeno trecho das falas do pastor, em que ele se dirige à multidão e conclama o respeito 

“à luta das gerações passadas ao defenderem o evangelho no país” o que resulta na dimensão do aglomerado de “pessoas cantando os louvores a plenos pulmões”.  

As declarações do líder da Igreja Renascer em Cristo foram endossadas por figuras políticas, como a vereadora evangélica paulistana Sonaira Fernandes (PL), que está em campanha para as eleições municipais 2024,  e repercutiu a fala de Estevam Hernandes em suas mídias sociais.

Imagem: reprodução/X

Bereia tem verificado que o discurso em torno de uma suposta perseguição aos fiéis evangélicos no país tem sido muito repetido e reafirmado por lideranças cristãs, especialmente em períodos eleitorais. Nesta matéria, Bereia retoma o assunto com foco nas palavras do apóstolo da Igreja Renascer e da vereadora do PL em São Paulo, e busca localizá-lo no contexto eleitoral de 2024.

A cada edição da Marcha para Jesus, observa-se a intensificação dos discursos e apelos políticos. Em 2024, observa-se uma grande presença de representantes eleitos, como os governadores do Estado de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e do Estado de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), o prefeito da cidade de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), e mais de uma dezena de prefeitos, deputados estaduais e federais. 

Mesmo convidado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não participou do evento e, assim como em 2023, enviou o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU) Jorge Messias, evangélico, que leu uma carta enviada pelo presidente. 

A participação do chefe do Poder Executivo na Marcha para Jesus ocorreu apenas durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Ele marcou presença no evento como candidato em 2018 e, após eleito, compareceu às edições de 2019 e 2022. Na edição seguinte à sua eleição como presidente da República, Bolsonaro foi fotografado ao simular um gesto de fuzilamento, imagem que se tornou emblemática. Ele foi o único presidente da República a participar da Marcha para Jesus. 

Imagem: reprodução/X

Sobre a suposta perseguição a igrejas e a cristãos

Bereia já realizou checagens de diversas publicações sobre o tema, dentro e fora do país, entre elas: o falso vídeo que atribuía ao Superior Tribunal Federal (STF) o cerceamento da pregação da palavra de Deus no Brasil; a notícia sobre a prisão de pastores na Nicarágua como forma de repressão religiosa; a utilização de um relatório das Nações Unidas em prol do respeito a diversidade da comunidade LGBTQIA+ que foi manipulado para levar a crer que coibiria a liberdade religiosa. 

Imagem: reprodução/Bereia

Em 14 de março passado, Bereia contribuiu para um artigo na revista  Carta Capital que traz um panorama político e social do discurso da perseguição aos cristãos no Brasil e como ele está intrinsecamente ligado ao período eleitoral de 2018, com a eleição de Jair Bolsonaro (PL) à Presidência do país. Bolsonaro e correligionários do espectro da direita brasileira, desde a extrema-direita até os de centro-direita, utilizaram essa estratégia como plataforma para alcançar a parcela evangélica do eleitorado, que totaliza cerca de 30% da população brasileira.  

A ideia se tornou lema de campanha e foi assimilada por grupos cristãos, devido ao apelo emocional que ela acionou, com disparos em mídias sociais e abordagens em pregações religiosas pelo país afora. Nas eleições subsequentes, as municipais de 2020 e as nacionais em 2022, não foi diferente, o discurso foi retomado e volta a aparecer como tema de campanha para o próximo pleito municipal de 2024.

Em levantamento realizado pelo Bereia, em 2022, os temas que mais circularam nas checagens realizadas, em 12 meses, pelo coletivo, foram o discurso de perseguição religiosa e os tópicos relacionados às eleições, ou seja, foram os conteúdos que mais circularam em espaços digitais segundo acompanhamento da equipe.

A partir destas checagens e pesquisas, Bereia afirma que é falsa a afirmação de que haja perseguição aos cristãos no Brasil, e que as alegações de fechamento de igrejas e perseguição são estratégias de desinformação usadas por políticos e líderes religiosos para manipular o medo e influenciar o eleitorado, distorcendo a realidade e criando uma falsa sensação de vitimização. 

A pesquisadora em Religião e Política Brenda Carranza, em texto para o Bereia, desmistifica o termo “cristofobia”, apontando que o termo é inadequado, visto que o Cristianismo é a religião dominante e goza de ampla liberdade no país. As alegações de fechamento de igrejas e perseguição são estratégias de desinformação usadas por políticos e líderes religiosos para manipular o medo e influenciar o eleitorado, distorcendo a realidade e criando uma falsa sensação de vitimização.

Por que Estevam Hernandes e Sonaira Fernandes repercutem o falso discurso da perseguição a cristãos? 

De acordo com as checagens do Bereia, líderes religiosos e políticos repercutem o falso discurso da perseguição a cristãos para mobilizar a comunidade evangélica e fortalecer apoios. Esse discurso aumenta a visibilidade e o apoio de figuras políticas, como o caso de Sonaira Fernandes, que é apontada para compor a chapa de eleições municipais de São Paulo. 

Com o avanço e a democratização do acesso à internet, as mídias sociais se tornaram instrumentos chave de marketing político. Desde 2018, pesquisadores observam o recurso à desinformação para alavancar candidaturas. Dessa forma, durante o período eleitoral,  há um crescente número de políticos que propagam desinformação como forma de autopromoção em época de eleições, de todos os níveis da administração pública. Essa prática pode ser considerada como uma nova forma de “convencer e fazer política” em ambientes religiosos com lideranças políticas de um grupo específico. 

De acordo com universidades dos Estados Unidos, a Universidade de Nova Iorque (NYU) e a da França, a Universidade Grenoble Alpes (UGA),  a desinformação gera seis vezes mais engajamento do que as notícias embasadas em fatos reais. Esse é o resultado de uma pesquisa realizada entre 2020 e 2021, com a análise de mais de 2,5 mil páginas de notícias no Facebook.  

Quando o tema é religião, é possível compreender que, ao compartilharem de uma mesma perspectiva, de confiarem em seus irmãos de fé e de seus mentores espirituais, o senso de comunidade e união refletem uma semelhança no modo de pensar, agir e de se comportarem, conforme pesquisa do Instituto NUTES/UFRJ, que gerou o projeto Bereia. Mesmo quando há questionamentos sobre autenticidade, dúvidas se o conteúdo de fato é plausível, a tendência é de adotar o que é mais alinhado com seus valores, suas crenças e a comunidade que as cercam. 

A Marcha de Jesus como palco político

A Marcha para Jesus é avaliada em círculos religiosos como o “maior evento popular cristão do mundo”. Ela demonstra claramente a capacidade de mobilização e a força da comunidade evangélica no país. No Brasil, a primeira Marcha para Jesus aconteceu em São Paulo, em 1993, e reuniu 350 mil pessoas. É um evento que, a cada ano, se torna mais palco político e campo de disputa dominado por lideranças religiosas ultraconservadoras e políticos extremistas de direita. 

Segundo a pesquisadora da Universidade Federal Fluminense (UFF) Christina Vital, a esquerda ainda falha na comunicação com esse público. Enquanto a direita tem trabalhado diariamente dedicando tempo, recursos e criado iniciativas para engajar os evangélicos, a esquerda encontra uma grande dificuldade em firmar diálogo e parcerias com esses grupos religiosos.

É nesse sentido que temas como a falsa perseguição sistemática a cristãos no Brasil passa a ser utilizado como estratégia eleitoral no evento. A publicação da vereadora paulistana Sonaira Fernandes é um exemplo.

Quem é Sonaira Fernandes?

Sonaira Fernandes de Santana (PL-SP) é, desde 2020, vereadora na Câmara Municipal da cidade de São Paulo. Eleita pelo Republicanos, desde 2014 atua no apoio ao deputado federal de Eduardo Bolsonaro (PL-SP), em campanhas e em cargos comissionados no gabinete dele. Foi eleita como “a vereadora da família Bolsonaro” e das pautas que defende estão a liberdade e defesa da família, da fé e dos princípios cristãos. 

De vinculação confessional não identificada, a vereadora evangélica define-se, em seus perfis de mídias sociais, como cristã, conservadora, pró-vida, defensora da família e da liberdade. Em 2023 foi nomeada pelo governador Tarcísio Freitas (PL) como secretária de Políticas para a Mulher do Estado de  São Paulo. Deixou o cargo em  abril passado, quando reassumiu o mandato de vereadora, tendo em vista as eleições municipais de 2024. O noticiário alinhado à direita extremista tem divulgado que o ex-presidente Jair Bolsonaro trabalha nos bastidores para indicar a vereadora para compor como vice a chapa da reeleição de Ricardo Nunes (MDB) à prefeitura de São Paulo.

Imagem: reprodução/X

Comparada à ex-ministra e senadora Damares Alves, Sonaira Fernandes usa sua página pessoal nas mídias sociais para críticas duras ao governo federal, à esquerda, ao feminismo e para defender a pauta antiaborto. Suas ações na Câmara Municipal e nas redes, indicam que a política segue o modus operandi da direita extremista no país, que, desde as eleições de 2018, utiliza da propagação de conteúdos falsos e enganosos dirigido a grupos religiosos, com referências ao fechamento de igrejas no Brasil, ao cerceamento da fé cristã e à ameaça aos valores tradicionais da família em campanhas eleitorais. 

Imagem: reprodução/Desinformante

Classificada como demasiadamente extremista até mesmo pelo prefeito paulistano Ricardo Nunes para compor com ele a chapa de reeleição à Prefeitura capital, Sonaira Fernandes marcou presença na edição 2024 da Marcha para Jesus. Na página pessoal do X (antigo Twitter), a ex-secretária repercutiu o discurso do apóstolo Estevam Hernandes no evento e  apregoou que, mesmo numa ‘época em que a igreja está sendo perseguida’, o evento ficou marcado como um dos maiores da história.

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Bereia reafirma, o que já desenvolveu em outras matérias de checagem e análises, que o tema da perseguição aos cristãos no Brasil é uma falsa alegação, usada mais intensamente como campanha de convencimento eleitoral, desde as eleições de 2018, com recurso ao medo como principal estratégia política. 

A Marcha para Jesus, evento evangélico com milhões de participantes, ao consolidar-se como veículo de propagação política da direita e da direita extremista do país,  promove e dá espaço a discursos que lançam mão de conteúdo desinformativo e propagador de medo e insegurança com fins eleitorais. 

Bereia chama leitores e leitoras para a importância da postura crítica frente ao uso da religião e dos fiéis, suas crenças e emoções, em campanhas eleitorais. Todo e qualquer discurso que faça uso de temas e símbolos relacionados à fé neste ano de eleições, da parte de líderes religiosos, de candidatos e seus apoiadores,  deve ser verificado antes de ser assimilado e compartilhado.

Referências de checagem:

ABI. http://www.abi.org.br/desinformacao-e-problema-de-desigualdade-social-diz-jornalista-premiada/ . Acesso em: 4 jun. 2024.

Agência Pública. https://apublica.org/web-stories/grupos-da-igreja-no-whatsapp-sao-usados-para-disseminar-desinformacao/ . Acesso em: 4 jun. 2024.

Bereia. https://coletivobereia.com.br/a-mentira-que-nao-quer-calar-sobre-perseguicao-a-cristaos-no-brasil /. Acesso em: 3 jun. 2024.

https://coletivobereia.com.br/cristofobia-perseguicao-a-cristaos-e-fechamento-de-igrejas-estao-entre-os-temas-com-mais-desinformacao-em-espacos-religiosos-nestas-eleicoes/ . Acesso em: 3 jun. 2024.

https://coletivobereia.com.br/montagem-que-denuncia-perseguicao-do-stf-a-cristaos-tem-conteudo-falso/ . Acesso em: 3 jun. 2024.

https://coletivobereia.com.br/portal-de-noticias-propaga-condenacao-de-pastores-na-nicaragua-como-perseguicao-religiosa/ . Acesso em: 3 jun. 2024.

https://coletivobereia.com.br/site-desinforma-contra-relatorio-apresentado-a-onu-sobre-abusos-da-liberdade-de-religiao-contra-direitos-lgbt/ . Acesso em: 3 jun. 2024.

https://www.brasildefato.com.br/2024/05/27/bolsonaro-quer-sonaira-fernandes-para-vice-de-nunes-mas-prefeito-de-sp-resiste-ao-nome-por-ser-bolsonarista-demais . Acesso em: 4 jun. 2024.

Câmara Municipal de São Paulo. https://www.saopaulo.sp.leg.br/vereador/sonaira-fernandes/ . Acesso em: 3 jun. 2024.

CNN Brasil. https://www.cnnbrasil.com.br/politica/fake-news-sobre-eleicoes-geram-mais-engajamento-que-noticias-legitimas/ . Acesso em: 4 jun. 2024.

Le Monde Diplomatique. https://diplomatique.org.br/fake-news-nas-igrejas-uma-epidemia-a-ser-curada/ . Acesso em: 4 jun. 2024.

Gazeta do Povo. https://www.gazetadopovo.com.br/sao-paulo/sonaira-fernandes-preferida-jair-bolsonaro-chapa-prefeitura-de-sao-paulo/ . Acesso em: 3 jun. 2024.

Marcha para Jesus. https://www.marchaparajesus.com.br/ . Acesso em: 3 jun. 2024.

Nós, Mulheres da Periferia. https://nosmulheresdaperiferia.com.br/sonaira-fernandes-conheca-a-secretaria-de-politicas-para-mulheres-sp/ . Acesso em: 4 jun. 2024.

O Globo. https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2024/05/30/em-marcha-para-jesus-nunes-diz-a-fieis-paulistanos-eu-amo-jesus.ghtml . Acesso em: 3 jun. 2024.

Olhar Digital. https://olhardigital.com.br/2021/09/03/internet-e-redes-sociais/fake-news-geram-mais-engajamento-que-noticias-verdadeiras-diz-pesquisa/ . Acesso em: 4 jun. 2024.

Publica. https://apublica.org/2024/05/em-ano-eleitoral-marcha-para-jesus-e-terreno-politico-em-disputa. Acesso em 06 de junho de 2024.

Carta Capital. https://www.cartacapital.com.br/politica/na-marcha-para-jesus-bolsonaro-admite-tentar-reeleicao-em-2022/. Acesso em 06 de junho de 2024.

UOL.

https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2019/06/20/jair-bolsonaro-marcha-para-jesus.htm. Acesso em 06 de junho de 2024.

https://noticias.uol.com.br/colunas/observatorio-das-eleicoes/2020/12/05/fake-news-em-2020-repetem-2018-misoginas-e-reforcando-a-polarizacao.htm. Acesso em 06 de junho de 2024.

Gazeta do povo. https://www.leiaisso.net/wl9fs/. Acesso em 06 de junho de 2024.

Poder 360. https://www.poder360.com.br/poderdata/55-dos-catolicos-e-27-dos-evangelicos-aprovam-lula-diz-poderdata/. Acesso em 06 de junho de 2024.

Deputada alinhada à extrema direita engana ao alegar manipulação do número de mortes pelas enchentes no Sul

A deputada federal e líder da minoria na Câmara Bia Kicis (PL/DF) levantou uma questão polêmica em sua conta pessoal no X (antigo Twitter) em 26 de maio, viralizada repercutido nas redes. A parlamentar  questionou se o governo estaria escondendo o número verdadeiro de mortes causadas pelas enchentes no Rio Grande do Sul, por meio do compartilhamento de um vídeo com supostas graves denúncias. 
De acordo com o conteúdo do vídeo, o governo não estaria contabilizando corretamente o número de mortos na tragédia do Rio Grande do Sul, com o registro das mortes por afogamento como “indeterminadas” nas certidões de óbito. 

Na denúncia, há um trecho da TV Jovem Pan  e outro de vídeo anônimo. As denúncias mencionadas, caso fossem verdadeiras, seriam de extrema gravidade. Segundo as alegações, a esfera pública estaria mascarando o motivo das mortes relacionadas à catástrofe, a fim de não revelar a verdadeira proporção da mortalidade decorrente das enchentes. De acordo com números oficiais, foram contabilizadas 169 mortes, até o fechamento desta matéria, com outras 63 pessoas ainda desaparecidas.

Imagem: reprodução/X

Conteúdo do vídeo da deputada

Imagem: reprodução/Facebook

O vídeo compartilhado por Bia Kicis apresenta dois relatos para embasar a denúncia.

O primeiro é um trecho de uma entrevista do ornal 3 em 1, da TV Jovem Pan, veiculado em  14 de maio de 2024. O jornalista Bruno Pinheiro, que acompanhava a situação da cidade de Canoas, a maior da região metropolitana de Porto Alegre, largamente afetada pelas chuvas, com mais de 10 mil pessoas desalojadas, de acordo com o prefeito Jairo Jorge (PSD/RS). Este local ganhou destaque na imprensa nacional por conta de um cavalo ter ficado ilhado em um telhado 

No trecho em questão, retirado do programa ao vivo, foi veiculada a entrevista em que um homem de nome Alex (não é mencionado sobrenome na entrevista) afirma que resgatou o corpo do pai afogado e preso a fiações, mas que este teria brevemente desaparecido do IML. O homem afirma que para sua surpresa, a causa da morte consta na certidão como indeterminada. Os jornalistas e comentaristas do programa não teceram comentários em relação a isto, e restringiram-se reconhecimento  da tristeza e da terrível situação vivida pelo entrevistado. 

O segundo relato, originado de um vídeo amador, mostra um anônimo que afirma que sua irmã morreu devido às enchentes em Eldorado do Sul. Ele alega que, no IML de Porto Alegre, para onde o corpo teria sido levado, os servidores estariam impedindo os familiares de reconhecerem os corpos e obrigando-os a assinar um termo com a declaração da morte por causa indeterminada, e não por afogamento decorrente das chuvas. O homem menciona ainda que é o governo da capital gaúcha, liderado pelo prefeito Sebastião Melo (MDB/RS), que estaria adulterando os atestados de óbito e obrigando os familiares a atestarem que as causas das mortes foram indeterminadas.

Identificação de óbitos das enchentes Rio Grande do Sul

A identificação de vítimas após grandes desastres é uma atividade complexa. Primeiramente, por conta da quantidade de corpos que são resgatados, o que sobrecarrega os Institutos Médicos Legais (IML), responsáveis pela execução e produção de necropsias e laudos cadavéricos de cada Estado brasileiro.

Em segundo lugar, o estado de decomposição dos corpos influencia diretamente na velocidade e na forma de identificação. Após o falecimento, naturalmente, esse processo ocorre de forma muito rápida, porém, quando se trata de corpos que estavam submersos, cobertos de matéria orgânica por um grande período de tempo, o uso das digitais para verificar as informações pessoais da pessoa morta, método mais usado de identificação, torna-se cada vez mais difícil.

Dessa maneira, os peritos conseguem fazer um tratamento para melhorar a qualidade da impressão, processo que demora de dois a três dias. Caso ainda não seja possível, é necessário recorrer ao reconhecimento pela arcada dentária ou por exames de DNA. Porém, não são métodos infalíveis e há grande possibilidade de pessoas não serem identificadas.

Desde  6 de maio, um mutirão com todos os 120 servidores do estado que são médicos legistas  atua para suprir a demanda. No entanto, com a descida do nível das águas, a possibilidade de encontrarem mais corpos ainda é grande. Equipes dos estados do Paraná e de Santa Catarina foram enviadas para o Rio Grande do Sul para  ajudar.

Atuação do governo do Estado sobre a tragédia do Rio Grande do Sul

A Defesa Civil do Rio Grande do Sul, afirma que está atuando de forma eficaz para atender a população afetada e garantir a segurança de todos. Diariamente, pela manhã e ao final da tarde são divulgadas as ações de resgate e os últimos números da tragédia no estado. Até 28 de maio, 169 pessoas foram vítimas das enchentes, enquanto ainda há  ao menos, 53 desaparecidos, tendo sido mais de 77 mil pessoas resgatadas em 469 municípios afetados. 

Além disso, a Secretaria do Meio Ambiente do Estado, mantém atualizações de hora em hora sobre o nível do Guaíba, lago localizado na região metropolitana de Porto Alegre, que alcançou níveis históricos no mês de maio. O governo do Estado do Rio Grande do Sul, em parceria com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e do Operador Nacional do Sistema (ONS), também está monitorando a situação das demais barragens gaúchas.

Bia Kicis e o compartilhamento de notícias falsas

Imagem: reprodução/X

Beatriz Kicis Torrents de Sordi (PL/DF) foi eleita deputada federal em 2019, ocupou os cargos de vice-líder do governo Jair Bolsonaro (PL) na Câmara, além de ter sido eleita presidente da Comissão de Constituição e Justiça também em 2019. Com identidade católica declarada, a deputada frequentemente se envolve em casos de compartilhamento de notícias falsas, tanto nas mídias digitais quanto em discursos públicos, como Bereia já checou em várias matérias. 

 Imagens: reprodução site Bereia

Desde 2020, Kicis está na lista dos parlamentares investigados no Inquérito n° 4781, mais conhecido como Inquérito das Fake News, no Superior Tribunal Federal (STF). Ela é  acusada de disseminação de notícias falsas ou/e distorcidas sobre a pandemia de covid-19, tendo apregoado contra medidas de isolamento social, atacou opositores do governo Bolsonaro e convocou seguidores para as manifestações antidemocráticas que ocorreram no auge da pandemia.  

Em outro episódio, Bia Kicis teve que se desculpar depois de afirmar, da tribuna da Câmara dos Deputados, que uma idosa, presa por ter participado dos ataques de 8 de janeiro de 2023, teria falecido nas dependências do presídio. A idosa não existia.

Hoje, Bia Kicis é a líder da Minoria da Câmara dos Deputados, e continua a fazer uso da máquina desinformativa para atacar opositores. Mais recentemente, a deputada católica afirmou, de forma mentirosa, que a cidade de Farroupilha (RS) foi retirada da lista de alvos de calamidades do governo federal após uma discussão entre o prefeito Fabiano Feltrin (PL) e o recém-empossado ministro da Secretaria Extraordinária de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul Paulo Pimenta (PT) por telefone, divulgada por Feltrin.

Coincidências com a pandemia de Covid-19

A notícia de possíveis adulterações nas causas de óbitos da população durante uma grave crise, como as chuvas  de maio no Rio Grande do Sul, traz à tona lembranças recentes para os brasileiros. Isso porque, em 2021, em meio à pandemia de covid-19, o então presidente Jair Bolsonaro, também do PL, fez uma afirmação semelhante.

Na época, Bolsonaro alegou que um suposto relatório “paralelo” do Tribunal de Contas da União (TCU) indicava que cerca de 50% das mortes atribuídas à pandemia, em 2020  não foram causadas pela doença. No entanto, no mesmo dia, o TCU desmentiu a informação, e afirmou que o documento era falso. Apesar disso, a deputada Bia Kicis (PL/DF), então presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara, repostou o vídeo das declarações de Bolsonaro.

É importante ressaltar que essa notícia sobre a adulteração de dados da covid-19 era comprovadamente falsa, tendo sido desmentida por diversas instituições e órgãos. O próprio TCU negou a autenticidade do relatório mencionado por Bolsonaro, e os números oficiais das Secretarias de Saúde Estaduais, aferidos pelo Consórcio de Veículos de Imprensa, contradisseram a afirmação do ex-presidente. Além disso, investigações conduzidas pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Pandemia e pelo Ministério Público Federal também comprovaram a falsidade da alegação. 

Imagem: reprodução/O Globo

Imagem: reprodução/Carta Capital

Imagens: reprodução/Veja

Bereia verificou que o vídeo compartilhado pela deputada católica Bia Kicis é enganoso pois distorce informações verdadeiras com o objetivo de afetar o governo federal e o ministro Paulo Pimenta. Os estados da federação são os entes que têm a atribuição e a gerência dos Institutos Médicos Legais. O governo do Estado do Rio Grande do Sul esclareceu em nota, que a causa da morte é determinada pelo médico legista no momento do exame e caso não haja evidências suficientes para atestar que a vítima, de fato, morreu de afogamento, a causa é indeterminada, até que os exames complementares requisitados sejam recebidos pelo IML.

Ou seja, por mais que seja verdadeira a informação compartilhada no vídeo, essa prática não é uma ação deliberada  do governo do Rio Grande do Sul para mascarar o número de óbitos decorrentes das enchentes. Está sendo obedecido um padrão para casos em que os médicos legistas necessitam de mais informações para aferir corretamente a causa mortis. Ademais, o governo federal não tem responsabilidade nesta ação, como deve ser de conhecimento de uma agente pública, como a parlamentar. Portanto, há indícios de que a deputada está, deliberadamente, propagando um engano.

Referências de checagem:

UOL. Temos 10 mil pessoas dormindo no chão, diz prefeito de Canoas (RS). UOL, 08 maio 2024. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2024/05/08/temos-10-mil-pessoas-dormindo-no-chao-diz-prefeito-de-canoas-rs.htm. Acesso em: 27 maio 2024.

PODER 360. Auditor do TCU diz que relatório sobre mortes por Covid foi alterado. Poder 360, [s.d.]. Disponível em: https://www.poder360.com.br/governo/auditor-do-tcu-diz-que-relatorio-sobre-mortes-por-covid-foi-alterado/. Acesso em: 27 maio 2024.

O GLOBO.

Teorias conspiratórias mobilizam bolsonarismo com explicações simplórias da realidade. O Globo, [s.d.]. Disponível em: https://oglobo.globo.com/politica/teorias-conspiratorias-mobilizam-bolsonarismo-com-explicacoes-simplorias-da-realidade-1-25072853. Acesso em: 27 maio 2024.

Presidente da CCJ, deputada Bia Kicis é condenada a pagar R$ 418 mil por fake news contra Jean Wyllys. O Globo, [s.d.]. Disponível em: https://blogs.oglobo.globo.com/sonar-a-escuta-das-redes/post/presidente-da-ccj-deputada-bia-kicis-e-condenada-pagar-r-418-mil-por-fake-news-contra-jean-wyllys.html. Acesso em: 28 maio 2024.

FORUM. Vídeo: Paulo Pimenta desmonta fake news de Bia Kicis: “mal intencionada”. Revista Fórum, 16 maio 2024. Disponível em: https://revistaforum.com.br/politica/2024/5/16/video-paulo-pimenta-desmonta-fake-news-de-bia-kicis-mal-intencionada-158952.html. Acesso em: 27 maio 2024.

AGÊNCIA BRASIL. Sobe para 83 número de mortes no Rio Grande do Sul pelas fortes chuvas. Agência Brasil, 28 maio 2024. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2024-05/sobe-para-83-numero-de-mortes-no-rio-grande-do-sul-pelas-fortes-chuvas. Acesso em: 28 maio 2024.

CARTA CAPITAL. A fábrica de fake news de Bia Kicis. Carta Capital, [s.d.]. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/politica/a-fabrica-de-fake-news-de-bia-kicis/. Acesso em: 28 maio 2024.

VEJA.

Por nova fake news, Bia Kicis tem conta bloqueada no YouTube. Veja, [s.d.]. Disponível em: https://veja.abril.com.br/coluna/radar/por-nova-fake-news-bia-kicis-tem-conta-bloqueada-no-youtube. Acesso em: 28 maio 2024.

Bia Kicis volta a mentir, agora na tribuna da Câmara. Veja, [s.d.]. Disponível em: https://veja.abril.com.br/coluna/maquiavel/bia-kicis-volta-a-mentir-agora-na-tribuna-da-camara. Acesso em: 28 maio 2024.

COLETIVO BEREIA.

https://coletivobereia.com.br/video-de-kicis-sobre-conferencia-em-ny-volta-a-circular-com-desinformacao/. Disponível em 29 de maio de 2024.

https://coletivobereia.com.br/deputada-bia-kicis-usa-recorte-de-video-para-acusar-psol-de-agir-contra-mulheres-na-politica-a-direita/. Disponível em 29 de maio de 2024.

https://coletivobereia.com.br/deputada-bia-kicis-classifica-parlamentar-da-alemanha-em-visita-ao-brasil-como-conservadora/. Disponível em 29 de maio de 2024.

https://coletivobereia.com.br/a-deputada-bia-kicis-e-a-desinformacao-sobre-o-voto-impresso/. Disponível em 29 de maio de 2024.

https://coletivobereia.com.br/publicacao-de-bia-kicis-com-relato-de-syllas-valadao-contem-informacoes-enganosas/. Disponível em 29 de maio de 2024.

https://coletivobereia.com.br/deputada-catolica-dissemina-enganos-sobre-uso-dos-lucros-extraordinarios-com-acoes-da-petrobras-pelo-governo/. Disponível em 29 de maio de 2024.

JOVEM PAN NEWS. Disponível em: https://www.facebook.com/watch/?v=1209648273745302. Acesso em: 28 maio 2024.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Deputada Bia Kicis. Câmara dos Deputados, [s.d.]. Disponível em: https://www.camara.leg.br/deputados/204374. Acesso em: 27 maio 2024.

DEFESA CIVIL RS. Defesa Civil atualiza balanço das enchentes no RS – 28/5 9h. Defesa Civil RS, 28 maio 2024. Disponível em: https://www.defesacivil.rs.gov.br/defesa-civil-atualiza-balanco-das-enchentes-no-rs-28-5-9h. Acesso em: 28 maio 2024.

YOUTUBE.

https://www.youtube.com/live/iuCq63qP_t4?si=4BQrkNj31Jn7yosH&t=4395. Acesso em: 27 maio 2024.

https://www.youtube.com/watch?v=mmIpwgW_jhQ. Acesso em: 28 maio 2024.

https://youtu.be/Ud_NGY9eUZk?si=2S04U-q4NWqSTj8U. Acesso em: 28 maio 2024.

GOVERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. É fake que o Posto Médico-Legal de Canoas está atestando que a causa da morte de vítimas das enchentes é indeterminada. Governo do Estado do Rio Grande do Sul, [s.d.]. Disponível em: https://estado.rs.gov.br/e-fake-que-o-posto-medico-legal-de-canoas-esta-atestando-que-a-causa-da-morte-de-vitimas-das-enchentes-e-indeterminada. Acesso em: 28 maio 2024.

UOL. Cada minuto importa: enchentes atrapalham identificação de vítimas no RS. UOL, 22 maio 2024. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2024/05/22/cada-minuto-importa-enchentes-atrapalham-identificacao-de-vitimas-no-rs.htm. Acesso em: 29 maio 2024.

METRÓPOLES. Peritos travam guerra contra o tempo na identificação dos corpos no RS. Metrópoles, [s.d.]. Disponível em: https://www.metropoles.com/brasil/peritos-travam-guerra-contra-o-tempo-na-identificacao-dos-corpos-no-rs. Acesso em: 29 maio 2024.

EBRADI. Instituto Médico Legal. EBRADI, [s.d.]. Disponível em: https://wp.ebradi.com.br/coluna-ebradi/instituto-medico-legal/. Acesso em: 24 maio 2024.

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Foto de capa: Flickr/Governo do Rio Grande do Sul

Lideranças religiosas mentem e enganam sobre as enchentes que atingem o RS

Com colaboração de Magali Cunha, André Mello, Naira Diniz, Gabriella Vicente e João Pedro Capobianco

* Matéria atualizada em 21/05/2024 para ajuste de título, texto e acréscimo e correção de informações

As fortes chuvas que atingem o Estado do Rio Grande do Sul desde o 27 de abril passado causaram um verdadeiro cenário de destruição, marcado por um  aumento no número de pessoas desabrigadas, de desaparecidas e mortas. Ao contrário dos temporais ocorridos no ano de 2023, que atingiram áreas isoladas, desta vez mais de 80% dos municípios do estado gaúcho foram afetados.

Os dados são preocupantes: até o fechamento desta matéria, 161 pessoas foram encontradas mortas, e 85 estão desaparecidas. Além disso, dezenas de milhares de pessoas estão desalojadas ou desabrigadas, com 1,5 milhão de pessoas afetadas pelo que o governador Eduardo Leite (PSDB) chamou de “uma catástrofe”. Em 1º de maio, o governo local decretou estado de calamidade em uma edição extra do Diário Oficial do Estado.

O governo federal criou um gabinete de crise para operar com as frentes de ação constituídas pelo Poder Executivo do Estado do Rio Grande do Sul no enfrentamento da tragédia. Em quatro viagens aos locais atingidos, o presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) esteve acompanhado de mais de uma dezena de ministros de pastas-chave para o socorro humanitário.

Na segunda comitiva, Lula levou o presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira (PL-AL), o ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin e o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas, já que os três poderes devem agir conjuntamente na aprovação de medidas necessárias para a superação da tragédia vivida pelo estado gaúcho.

Em 15 de maio o governo criou a Secretaria Extraordinária da Presidência da República de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul, com status de ministério. O secretário de Comunicação do Governo Paulo Pimenta foi nomeado o titular da pasta.

No acompanhamento das publicações sobre o tema em ambientes digitais religiosos, Bereia verifica três posturas: 

  • Amplas manifestações de empatia com a população atingida e o estado, com orações pelo fim das chuvas e pelo alívio do sofrimento, além de chamados às ações de solidariedade (recolhimento de alimentos, água, roupas);
  • Classificações da tragédia como castigo de Deus por conta de o estado ter baixo número de evangélicos contrapondo o alto número de expressões afro religiosas (viralização do vídeo de uma influenciadora) e  por conta de o Rio Grande do Sul ter dado ampla votação a Jair Bolsonaro – em relação aos compartilhamentos e comentários dos dois conteúdos, há apoio e reforço (em menor número) e crítica e reprovação (em maior número); 
  • Uso político da tragédia, por parte de lideranças religiosas e políticos com identidade religiosa, para criticar o governo federal, as esquerdas, o presidente da República e sua esposa Rosângela (Janja) da Silva, com muito uso de conteúdo falso, enganoso e impreciso.

Nesta matéria, Bereia dedica atenção à desinformação circulante promovida por lideranças e políticos religiosos para uso político da tragédia. 

Júlia Zanatta

A deputada federal católica Júlia Zanatta (PL-SC) publicou em seu perfil no Instagram, em 3 de maio, um vídeo que mostra o presidente Lula, ao chegar ao Rio Grande do Sul, respondendo a um pedido de aceno e dizendo que vai torcer pelos times gaúchos de futebol, Grêmio e Internacional.

Em seguida, são exibidas imagens de cidades inundadas e pessoas em telhados de casas esperando por resgate. O narrador do vídeo traz dados referentes ao desastre e afirma que “o descaso de Lula foi além da declaração futebolística”. Diz, também, que o governo manteria o Concurso Nacional Unificado, adiado pelo governo federal na sexta-feira, 3 de maio. O vídeo termina com informações para quem quiser ajudar e com a declaração: “Lula não tem condições mínimas de ser chefe da nação”.

Imagem: reprodução/Instagram

Este vídeo foi explorado por várias personagens que fazem oposição ao governo federal e repercutido em veículos que divulgam notícias produzidas pela extrema direita. O trecho é uma gravação das imagens da chegada do presidente Lula em sua primeira visita ao Rio Grande do Sul inundado, em 3 de maio. No recorte, ao desembarcar na cidade de Santa Maria, uma das mais atingidas, após ouvir o pedido de homem não identificado “Acena pra gente aí”, o presidente diz “Estou torcendo pelo Grêmio e pelo Internacional”. Críticos alegaram que Lula debochou do povo gaúcho no seu sofrimento. Já a presidente do Partido dos Trabalhadores (PT) Gleisi Hoffmann, ao comentar a crítica sobre o tema publicada pelo deputado federal Nikolas Ferreira (PL/MG) disse que a fala de Lula foi “uma clara metáfora ao lema ‘todos somos um’, mostrando que era um momento de união do povo gaúcho para enfrentar a tragédia que aconteceu”.

Imagem: reprodução/X

Um outro vídeo publicado por Zanatta exibe, na parte superior da tela, u a deputada afirma que a primeira-dama, Janja, “estava ansiosa” para se encontrar com a cantora e que a atitude da primeira-dama demonstra falta de preocupação para com a situação do povo gaúcho.

Um outro vídeo publicado por Zanatta, em 5 de maio, exibe, na parte superior da tela, um trecho do Jornal Nacional com cenas da apresentação da cantora Madonna na praia de Copacabana e, na parte inferior, pessoas sendo resgatadas de inundações. Na descrição da postagem,a deputada afirma que a esposa do presidente Janja da Silva “estava ansiosa” para se encontrar com a cantora e que a atitude dela demonstraria falta de preocupação para com a situação do povo gaúcho.

A divulgação de que Janja estaria no show da cantora Madonna, no Rio de Janeiro, em 4 de maio, partiu do colunista do jornal O Globo, Lauro Jardim, e foi tema bastante explorado para críticas de descaso com a tragédia no sul, do presidente da República e sua esposa. O secretário-executivo do Ministério da Cultura publicou no X, na tarde do dia do show de Madonna, que Janja da Silva, esteve com a ministra Margareth Menezes cumprindo agendas para ações de cultura do G-20 no Rio de Janeiro e que já se encontrava de volta em Brasília após os compromissos.

Imagem: reprodução/X

Os deputados federais e senadores gaúchos destinaram quase R$ 1,6 bilhão em emendas individuais e de bancada para o estado em 2024, fazendo 408 aportes diferentes. Todavia, apenas três deputadas enviaram recursos relacionados às enchentes: Fernanda Melchionna (PSOL-RS) fez duas emendas, num total de R$ 1,7 milhão, para a elaboração de projetos de prevenção à erosão costeira e para gestão socioambiental. Maria do Rosário (PT-RS) e Reginete Bispo (PT-RS) disponibilizaram, respectivamente, R$ 500 mil e R$ 300 mil para ações de educação ambiental. 

Luís Carlos Heinze 

Em meio à comoção nacional gerada pelo desastre climático, repercutiu nas redes um vídeo no qual o senador Luís Carlos Heinze (PP/RS) defende o produtor rural e argumenta que os produtores não podem ser culpados pelas chuvas volumosas que atingiram o Rio Grande do Sul. 

O senador disse que Organizações Não-Governamentais deveriam arcar com os custos do desastre e alegou não acreditar no aquecimento global: “Eu não acredito [em aquecimento global]. (…) Quero que as ONGS, aqueles que defendem, ponham a mão no bolso, não eu e os produtores”, conclui Heinze.

Imagem: reprodução/X

O vídeo foi gravado em 29 de novembro de 2016, quando o senador Heinze deu entrevista à imprensa após um almoço da Frente Parlamentar da Agropecuária, realizada semanalmente em uma mansão no Lago Sul, Brasília.

Lucas Redecker

Circulou pelas mídias sociais uma publicação do jornalista André Trigueiro, da Rede Globo, que afirma que o deputado federal evangélico (Luterano) Lucas Redecker (PSDB – RS) foi o relator do projeto aprovado, em março passado, pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O jornalista informa que o projeto autoriza o desmatamento de 48 hectares de “campos nativos”.

Imagem: reprodução/X

Em resposta ao conteúdo da publicação, o parlamentar postou em seu perfil no Instagram, na terça-feira 7, um vídeo no qual afirma que em meio à grave situação ocasionada pelas chuvas no Rio Grande do Sul há pessoas divulgando fake news sobre deputados e governos, especificamente sobre o Projeto de Lei 364, de autoria do deputado Alceu Moreira, do qual Redecker é o relator.

Em resposta ao conteúdo da publicação, o parlamentar postou em seu perfil no Instagram, em  7 de maio, um vídeo em que tenta se desvincular do projeto destrutivo do meio ambiente, para o qual deu parecer de aprovação .  Ele atribui a informação a “fake news das esquerdas”.

Imagem: reprodução/Instagram

Bereia checou que Lucas Redecker deu parecer de aprovação ao projeto do deputado Alceu Moreira (MDB/RS). O texto trata, de fato, como denuncia André Trigueiro, da liberação da utilização da vegetação nativa dos Campos de Altitude associados ou abrangidos pelo bioma Mata Atlântica para ampliação das áreas plantio do agronegócio.

Vídeo de Pablo Marçal: desinformação compartilhada por congressistas

Em 6 de maio, o senador Cleitinho (Republicanos-MG) compartilhou em suas páginas, nas redes digitais, um vídeo no qual afirma que a Secretaria de Estado da Fazenda do Rio Grande do Sul estaria impedindo a entrada de caminhões com doações porque os produtos não tinham nota fiscal. O senador reforça o conteúdo do vídeo com seus próprios comentários e ainda questiona a ação do governo federal para ajudar a população castigada pelo evento climático extremo. 

O vídeo foi divulgado originalmente pelo influenciador digital Pablo Marçal, que conta com mais de cinco milhões de seguidores no Instagram. Ele é reincidente na prática de disseminar notícias falsas e é alvo de investigação da Polícia Federal por disseminar afirmações que as urnas eletrônicas foram fraudadas nas eleições de 2022, repercussão ao discurso do ex-presidente e candidato à reeleição na época, Jair Bolsonaro (PL). As informações postadas por Marçal também foram compartilhadas pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP).

Imagem: reprodução X

Diante da ampla disseminação desta mentira, a Secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul emitiu nota, em 6 de maio, para afirmar que os veículos que transportam doações não estavam sendo retidos.  O órgão público chamou as publicações de “informação incorreta” e disse que os servidores estavam orientados pela Receita Estadual a liberarem todas as cargas com donativos nos postos fiscais.

Pablo Marçal, Cleitinho e Eduardo Bolsonaro foram citados em um ofício enviado pelo ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom) Paulo Pimenta ao ministro da Justiça e Segurança Pública Ricardo Lewandowski.

No documento, encaminhado à Polícia Federal (PF), o governo aponta onze publicações desinformativas sobre a tragédia no Rio Grande do Sul e afirma que elas estão atrapalhando as operações de salvamento e acolhimento, causando transtornos a uma população já fragilizada. Além disso, a Secom também divulgou as medidas adotadas pelos órgãos de transporte para agilizar o fluxo de doações para o estado gaúcho.

Show da Madonna e dinheiro público: outro tema de desinformação

Uma outra tática política de desinformação é destacar um tema comportamental – no caso, o show da cantora estadunidense Madonna no Rio de Janeiro, em 4 de maio, como já mencionado nesta matéria.

O senador Jorge Seif (PL-SC) também criticou o show de Madonna, mas somente após ter sido flagrado na área VIP do evento. Vale lembrar que Santa Catarina, seu estado, faz fronteira com o Rio Grande do Sul e também foi afetado pelas chuvas intensas.

Em um estado que recebeu centenas de migrantes gaúchos, o deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO) também criticou o show da cantora pop. Ele repostou uma publicação que afirma haver “dois países diferentes” no Brasil: um que enfrenta as enchentes e está “abandonado pelo governo”, e outro que assiste ao que chamou de “espetáculo de chorume moral protagonizado por uma depravada decadente”.

Imagem: reprodução X 

O deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) seguiu a mesma linha, atacando a ministra do Meio Ambiente Marina Silva, por agradecer a Madonna pelas mídias digitais. A ministra foi homenageada pela cantora no telão do show em Copacabana. “No dia em que bebês estavam boiando mortos no RS”, disparou o deputado. Nikolas também tem usado as mídias para pedir apoio e doações para as vítimas da tragédia.

Outro episódio que ganhou destaque em grupos de WhatsApp foi um print falso de uma suposta conversa entre a primeira-dama Janja da Silva e a cantora Madonna.

Bereia verificou ser falsa a conversa entre ambas, uma vez que, além de ser ficção flagrante (Madonna ter um Pix, por exemplo), é nítida a montagem feita para difamar a imagem da esposa do presidente da República e utilizar como prática de desinformação o show que reuniu mais 1,6 milhões de espectadores no Rio de Janeiro.

Imagem: reprodução/WhatsApp

Além disso, informações falsas de que o Governo Federal teria gasto R$ 50 milhões no show da cantora, repercutiram também na rede digital X (antigo Twitter). A agência Lupa verificou o fato e publicou ser falsa a informação. Em nota, o governo Federal lamenta a “falsa narrativa” e reforça a necessidade de uma abordagem mais responsável:

“Este episódio serve como um lembrete crítico da necessidade de uma abordagem mais rigorosa e responsável no combate à desinformação. Informações falsas não apenas distorcem a realidade, mas podem ter consequências diretas sobre as vidas e a segurança das pessoas. Em tempos de crise, a verdade e a integridade da informação não são apenas uma necessidade cívica, mas uma questão de sobrevivência. Como sociedade, devemos exigir responsabilidade daqueles que divulgam informações e trabalhar juntos para promover uma cultura de integridade e precisão informativa”.

A turnê “The Celebration Tour”, que comemorou os 40 anos de carreira de Madonna, e terminou para um público de mais de um milhão e meio de pessoas na Praia de Copacabana, custou cerca de R$ 60 milhões. Este valor foi pago pelo banco Itaú (R$ 40 milhões) e por patrocinadores como a cervejaria Heineken e o aplicativo de reprodução musical Deezer. De acordo com dados do estudo realizado pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Econômico (SMDUE), o Governo do Estado do Rio de Janeiro investiu R$ 10 milhões no evento, e a prefeitura do Rio arcou com mais de R$ 10 milhões.

O impacto da desinformação no Rio Grande do Sul

Bereia entrevistou a pastora da Igreja Metodista em Santa Maria (RS) Margarida Ribeiro. Ela afirma que as mentiras e os enganos não têm colaborado para a ação solidária que está ocorrendo e enfatiza que a prática de desinformar está crescendo a cada dia.

A pastora Margarida Ribeiro ainda complementa que toda má informação não ajuda ninguém, só atrapalha. “E atrapalha às vezes ao ponto de socorrer vidas e faltar o que é essencial para as pessoas nesse momento.” Ela reforça que toda ação tem uma intenção, mas que agora não é tempo de julgar, pois o foco é a vida, e finaliza declarando:  “Que esse tempo proporcione uma nova fraternidade, mais fraterna”.

A disseminação de desinformação em meio a eventos trágicos, como as recentes enchentes no Rio Grande do Sul, é um fenômeno preocupante. Isso pode desencadear uma série de graves consequências. Enquanto as autoridades e voluntários se esforçam para ajudar as vítimas, informações falsas circulam, dificultando as ações de resgate e apoio. 

Influenciadores digitais, entre eles os que possuem o selo de verificação de plataformas de mídias, promovem teorias da conspiração sobre eventos climáticos, que são classificados como artificiais, fictícios e superdimensionados.  Por mais que haja um esforço para restringir e remover esses conteúdos, ainda não é o suficiente, dada a quantidade de publicações com as mesmas informações e a ramificação para as outras plataformas como TikTok, X (antigo Twitter), Instagram, WhatsApp, Telegram etc.

Bereia alerta que, por mais que o conteúdo circule em grande escala e seja encaminhado por pessoas conhecidas, leitores e leitoras devem sempre desconfiar de material alarmante e contraditório das informações oficiais. Também é preciso atentar ao fato de que o consenso científico reconhece  a influência humana nas mudanças climáticas e esta responsabilidade deve ser assumida por governantes e por quem os elege.

Diante do alto volume de desinformação que prejudica o socorro às vítimas, Bereia indica a iniciativa Verifica RS, que tem o propósito distribuir conteúdo verificado nas mídias sociais e em grupos de moradores do Rio Grande do Sul. A iniciativa conta com os canais no Instagram (@rsverifica) e no TikTok (@rsverifica).

Referências de checagem:

AGÊNCIA LUPA. É falso que governo Lula patrocinou show da Madonna e deixou de enviar recursos para as vítimas das tragédias no RS. Agência Lupa, 07 maio 2024. Disponível em: https://lupa.uol.com.br/jornalismo/2024/05/07/e-falso-que-governo-lula-patrocinou-show-da-madonna-e-deixou-de-enviar-recursos-para-as-vitimas-das-tragedias-no-rs . Acesso em: 13 maio 2024.

CNN BRASIL. Fake news sobre tragédias no RS: Governo pede que PF investigue postagens de Eduardo Bolsonaro, senador Cleitinho e Pablo Marçal. CNN Brasil, Política, 2024. Disponível em: https://cnnbrasil.com.br/politica/fake-news-sobre-tragedias-no-rs-governo-pede-que-pf-investigue-postagens-de-eduardo-bolsonaro-senador-cleitinho-e-pablo-marcal . Acesso em: 13 maio 2024.

DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. União de todos os lados pela reconstrução do Rio Grande do Sul. Diário Oficial do Estado do Rio Grande do Sul, 2024. Disponível em: https://diariooficial.rs.gov.br/materia?id=997980 . Acesso em: 13 maio 2024.

G1. Enem dos Concursos: Governo fala sobre o Concurso Nacional Unificado (CNU). G1, Trabalho e Carreira, 17 jan. 2023. Disponível em: https://g1.globo.com/trabalho-e-carreira/concursos/ao-vivo/enem-dos-concursos-governo-fala-sobre-o-concurso-nacional-unificado-cnu . Acesso em: 13 maio 2024.

G1. PF faz operação contra coach investigado por divulgar fake news sobre urnas. G1, Política, 17 jan. 2023. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2023/01/17/pf-faz-operacao-contra-coach-investigado-por-divulgar-fake-news-sobre-urnas . Acesso em: 13 maio 2024.

G1. Temporais no RS: veja cronologia de desastre. G1, Rio Grande do Sul, 05 maio 2024. Disponível em: https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2024/05/05/temporais-no-rs-veja-cronologia-de-desastre . Acesso em: 13 maio 2024.

GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Governo do Estado destaca resultado positivo das ações realizadas para o show da Madonna. Governo do Estado do Rio de Janeiro, 2024. Disponível em: https://rj.gov.br/noticias/governo-do-estado-destaca-resultado-positivo-das-acoes-realizadas-para-o-show-da-madonna1347 . Acesso em: 13 maio 2024.

INSTAGRAM. Postagem do perfil @mentiratempreco. Instagram, 2024. Disponível em: https://instagram.com/p/C6o5zvqvikF . Acesso em: 13 maio 2024.

MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL. União de todos os lados pela reconstrução do Rio Grande do Sul. Governo Federal, 2024. Disponível em: https://gov.br/mdr/pt-br/noticias/uniao-de-todos-os-lados-pela-reconstrucao-do-rio-grande-do-sul . Acesso em: 13 maio 2024.

O GLOBO. Bolsonarista Jorge Seif pede desculpas por ter ido ao show da Madonna: “Decepcionei meu eleitorado”. O Globo, Política, 07 maio 2024. Disponível em: https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2024/05/07/bolsonarista-jorge-seif-pede-desculpas-por-ter-ido-ao-show-da-madonna-decepcionei-meu-eleitorado . Acesso em: 13 maio 2024.

O GLOBO. Chega a 145 o número de mortos pelas chuvas no Rio Grande do Sul. O Globo, Brasil, 12 maio 2024. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/sos-rio-grande-do-sul/noticia/2024/05/12/chega-a-145-o-numero-de-mortos-pelas-chuvas-no-rio-grande-do-sul-e-cresce-numero-de-desaparecidos . Acesso em: 13 maio 2024.

O SUL. Bolsonaristas criticam Janja por suposta ida ao show de Madonna em meio à tragédia no Rio Grande do Sul; secretaria de governo negou. O Sul, 2024. Disponível em: https://osul.com.br/bolsonaristas-criticam-janja-por-suposta-ida-ao-show-de-madonna-em-meio-a-tragedia-no-rio-grande-do-sul-secretaria-de-governo-negou . Acesso em: 13 maio 2024.

PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO. Estudo de Impacto: Show Madonna. Prefeitura do Rio de Janeiro, 2024. Disponível em: https://prefeitura.rio/wp-content/uploads/2024/04/Estudo-Impacto-Show-Madonna.pdf . Acesso em: 13 maio 2024.SECRETARIA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Governo Federal aciona PF para punir quem propaga fake news sobre catástrofe no Rio Grande do Sul. Secom, 2024. Disponível em: https://gov.br/secom/pt-br/assuntos/noticias/2024/05/governo-federal-aciona-pf-para-punir-quem-propaga-fake-news-s . Acesso em: 13 maio 2024.

BRASIL DE FATO. Rio Grande do Sul tem 154 mortes e 94 desaparecidos. Disponível em: https://istoe.com.br/rio-grande-do-sul-tem-154-mortes-e-94-desaparecidos/ Acesso em: 17 maio 2024.

G1. Lula cria secretaria extraordinária para reconstrução do RS; Paulo Pimenta vai comandar órgão https://g1.globo.com/politica/noticia/2024/05/15/governo-confirma-pimenta-em-cargo-para-coordenar-acoes-federais-de-reconstrucao-do-rs.ghtml Acesso em: 17 maio 2024.

YOUTUBE. https://youtu.be/tcXdZtQiTY4 Acesso em: 20 maio 2024.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2190986&fichaAmigavel=nao Acesso em: 20 maio 2024.

CORREIO BRAZILIENSE. Pablo Marçal é alvo de operação da PF que investiga crimes eleitorais https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2023/07/5106830-pablo-marcal-e-alvo-de-operacao-da-pf-que-investiga-crimes-eleitorais.html Acesso em: 20 maio 2024.

O SUL. Bolsonaristas criticam Janja por suposta ida ao show de Madonna em meio a tragédia no Rio Grande do Sul; Secretaria de Governo negou. https://www.osul.com.br/bolsonaristas-criticam-janja-por-suposta-ida-ao-show-de-madonna-em-meio-a-tragedia-no-rio-grande-do-sul-secretaria-de-governo-negou/ Acesso em: 20 maio 2024.

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Foto de capa: Imagem: Lauro Alves /Governo RS

Políticos e sites religiosos desinformam sobre resolução a respeito de atuação religiosa em presídios

O site Pleno.News publicou, em 2 de maio, matéria sobre a nova resolução do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), que supostamente proibiria o evangelismo nos presídios brasileiros, alegando o veto ao proselitismo religioso, ou seja, a prática de conversão ou persuasão religiosa ou de crença. 

A matéria citada destaca que o evangelismo passou a ser proibido dentro das penitenciárias do país e declara que nenhum detento poderá ser obrigado a aderir a determinada linha religiosa como requisito para transferência, admissão ou permanência na cadeia. O texto do site descontextualiza o que afirma o documento oficial de que não se trata de uma resolução do governo Lula (PT), e sim do CNPCP.

Fonte: Reprodução/Pleno.News

Parte dos parlamentares evangélicos no Congresso Nacional reagiu negativamente ao documento e acusou o governo de perseguição religiosa e de afrontar a liberdade das igrejas. O deputado federal Helio Lopes (PL-RJ) reproduziu em seu perfil no X uma imagem remetendo à matéria de Pleno.News. Já o deputado Messias Donato (PP-ES), também no X, publicou texto classificando a Resolução como indício de perseguição religiosa.

Imagem: reprodução do Instagram

Imagem: reprodução do X (Twitter)

O influenciador Guilherme Kilter também repercutiu a resolução como proibição de evangelismo nos presídios por parte do Governo Lula. O site Gospel Prime foi outro veículo que publicou matéria com conteúdo semelhante.

Imagem: reprodução do Instagram

Imagem: reprodução/Gospel Prime

O que diz a nova Resolução

A Resolução nº. 34, de 24 de abril de 2024, citada pela matéria do Pleno.News, e postada nas mídias digitais, estabelece as diretrizes e normas para a assistência religiosa nos estabelecimentos prisionais do país, levando em conta a liberdade religiosa e a laicidade do Estado. Sem caráter de lei, tem como objetivo respeitar a diversidade de crenças e a liberdade de escolha dos detentos, e não indica nenhuma proibição direta ao evangelismo.

O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) é um órgão colegiado formado por juristas, acadêmicos e representantes da sociedade civil criado em 1980 e com atribuições previstas pelo artigo 64 da Lei de Execução Penal – LEP (Lei nº 7.210, 11 de julho de 1984). Embora ele esteja atrelado ao Ministério da Justiça, a atribuição de responsabilidade pela discussão e eventual publicação de resoluções pelo chefe do Poder Executivo não procede. Isso ocorre porque a composição e a definição legal do Conselho impedem a interferência do governo federal nas decisões, conforme foi determinado desde a sua implantação. 

Ainda assim, o Ministério da Justiça emitiu nota esclarecendo que a Resolução nº35 visa a garantir a laicidade do Estado e proteger os direitos dos presos, evitando abusos e manipulações. No entanto, líderes evangélicos alegam que ela dificulta o trabalho de ressocialização e recuperação dos detentos por meio da fé. 

Resolução não proíbe evangelização

A Resolução reafirma as cláusulas pétreas da Constituição Federal de 1988, que em seu artigo 5º, inciso VI,  dispõe sobre a inviolabilidade da “liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. O artigo 19, inciso I, também reforça a separação do Estado e da religião. Vale lembrar ainda que a resolução estabelece que os agentes religiosos devem ser credenciados e seguir normas de conduta e segurança. 

O documento do CNPCP não proíbe a evangelização nos presídios, e afirma que  “será assegurado o direito de professar qualquer religião ou crença, bem como, o exercício da liberdade de consciência aos ateus e agnósticos e adeptos de filosofias não religiosas”. Além disso, “será garantido à pessoa privada de liberdade o direito de mudar de religião, consciência ou filosofia a qualquer tempo, sem prejuízo da sua situação de privação de liberdade”.

É importante reforçar que a Resolução  tem o objetivo de garantir todas as práticas religiosas, sem a interferência do Estado, e a autorização para entrada, em estabelecimentos penais, de materiais de cunho religioso para estudo e aperfeiçoamento. De acordo com o documento, a religião não pode ser forçada a ninguém, e nem a participação em cultos deve ser objeto de punição ou benesse. Além disso, oferece a fiéis de outras crenças a garantia do seu direito de culto. 

O presidente do CNPCP, Douglas de Melo, destacou que, ao contrário do que está sendo propagado e divulgado, a resolução não representa perseguição religiosa e reitera seu compromisso com a Constituição Federal e com diretrizes internacionais relativas ao tema. “Aliás, pelo contrário, pois ao longo dos debates realizados no processo de construção do documento, o CNPCP sempre se mostrou atento à necessidade de evidenciar a importância das garantias de liberdade de consciência e de crença e de livre exercício, em igualdade de condições, dos cultos religiosos. Nós reprovamos qualquer tipo de comportamento que coloque esse direito em risco”, declarou.  

A realidade prisional e das capelanias

Bereia ouviu Samuel Lourenço Filho, egresso do sistema prisional e que se converteu ao Cristianismo durante cumprimento de pena. Hoje formado em Gestão Pública para o Desenvolvimento Econômico e Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ele expressou sua incompreensão sobre a alegada perseguição a evangélicos nos presídios. A seu ver, “não há nada na resolução que crie margem para o uso do termo”. Também desconhece “há pelo menos uns 18 anos, alguma medida que aponte para algum traço de perseguição.”. 

Sobre o documento do Conselho, Lourenço Filho, esclareceu que se trata simplesmente de uma recomendação. “Se todas as recomendações do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) fossem seguidas à risca, o cenário prisional seria mais humano e menos populoso. Portanto, não se deve interpretar a resolução de forma tão extremada”, destacou, afirmando “foi mal interpretada em sua  tentativa de aparar arestas”.  

Lourenço Filho afirmou que “quem atua na ponta, na capelania prisional, sabe muito bem que não há perseguição de governo, gestor penitenciário, policial penal, preso ou qualquer outro. A igreja na cadeia é extremamente livre”. Ele enfatizou que não cabe na recomendação a questão do dízimo: “Como dizem por aí, ‘se tem placa, tem história’. Mas eu desconheço qualquer atividade religiosa que subtrai valores da população prisional; ao contrário, ela ajuda e ajuda muito. A igreja é extremamente importante no âmbito da assistência religiosa e material”.

Outro ponto citado foi a importância do papel da igreja no sistema prisional, como “organismo vital no apoio religioso e material”. Ele abordou as críticas sobre o uso do tempo e conversão na prisão, considerando-as desajustes. “Os presos evangélicos organizam-se rapidamente para manter seus espaços de culto e criar um ambiente próprio. É uma questão de respeito mútuo, e a separação por crenças é comum. Se os evangélicos não tivessem seu espaço, a dinâmica prisional, que é complexa, não reconheceria o preso convertido como ‘pastor’. A separação contribui para a conversão, a mudança e a manutenção de uma rotina pacífica”, explicou ao Bereia

Lourenço Filho reconheceu a prática comum do dízimo entre os próprios detentos, usada para manter e melhorar a vida na prisão.  “Já participamos de coletas de dinheiro na cela, em forma de dízimos e ofertas. Isso é parte da nossa dinâmica para conservação e manutenção do ambiente prisional,” explicou. Ele também destaca o uso compartilhado de espaços como capelas ecumênicas. “As igrejas, especialmente as evangélicas, que realizam cultos diários, contribuem com materiais para a construção e manutenção desses locais, que são frequentemente cuidados pelos próprios presos”, explica Lourenço Filho.

Para concluir a entrevista ao Bereia, Lourenço Filho ressalta que a principal questão não é a imposição de crenças, mas a falta de políticas inclusivas para outras atividades religiosas. “Se violões são permitidos nos cultos, por que não atabaques em outras cerimônias? Isso reflete uma falha da administração, não do governo”, argumenta. Para ele, a igreja continua sendo a principal provedora de assistência religiosa nos presídios, um papel frequentemente mal interpretado, visto que a prisão é um espaço público. Ele critica a eficácia da recente recomendação, considerando-a parte de uma controvérsia desnecessária contra o governo. “Quem realmente visita as prisões não se preocupa com essas recomendações e sim com o bem-estar dos detentos”.

Liberdade de culto para todas as religiões  

Bereia entrevistou também Erivelto Melchiades da Silva, pesquisador da área de Direitos e Sistema de Justiça, egresso do sistema prisional e defensor dos direitos religiosos. Segundo ele, a liberdade de culto é restrita em sua maioria aos evangélicos, e o que acompanha com sua visão e experiência “é uma ‘certa’ perseguição a outras denominações religiosas, principalmente as de religiões de matriz africana e, se esta resolução for cumprida a risca, favorece a liberdade de culto e crença de quem está privado do seu direito de ir e vir”.

Silva recorda que, durante sua estadia no sistema carcerário, o “proselitismo religioso” em realidade operava de forma agressiva e opressiva contra as outras religiões.  As de matriz africana eram as mais combatidas, “demonizando, desrespeitando e oprimindo os adeptos, através dos cultos e trabalhos evangelísticos realizados nas galerias das unidades prisionais, além da não permissão a utilização do templo religioso por parte de outras denominações a não ser as evangélicas”, conclui o pesquisador Erivelto Melchiades da Silva ao Bereia.

Lula e perseguição aos cristãos: antiga estratégia de pânico moral 

Desde a redemocratização do país em 1989, circulam especulações de que o PT fecharia igrejas, principalmente evangélicas, ao chegar ao Executivo. Esses rumores acompanharam as candidaturas de Luiz Inácio Lula da Silva (1989, 1994, 1998, 2002, 2006, 2018 e 2022), Dilma Rousseff (2010 e 2014) e  Fernando Haddad (2018). Mesmo com Lula (PT) e Dilma (PT) eleitos e reeleitos, esses boatos nunca cessaram, sendo  exponencialmente escalonados com o uso político-partidário das mídias digitais.  

Na última eleição,  circularam de vídeos e  publicações fora de contexto que insinuavam perseguição aos evangélicos, destruição das instituições da família tradicional heteronormativa e o fechamento de templos. Isso foi  amplamente utilizado para alimentar e monetizar as páginas de opositores, líderes religiosos e empresários  nas mídias digitais.

Veículos de imprensa e portais de  notícias se tornaram vetores de respaldo e apuração, possibilitando que tais tipos de manipulações dos fatos alcançassem diversos públicos. O caráter apelativo e distorcido da realidade, incitando ódio, rancor e medo,  tem sido bem explorado por setores religiosos, especialmente os ligados à extrema-direita brasileira.

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Bereia conclui que a matéria publicada pelo Pleno.News sobre resolução Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) proibindo a evangelização em presídios é enganosa. Ao contrário do que é afirmado pelo site e por políticos evangélicos e influenciadores, a decisão do Conselho não veta a evangelização, apenas reafirma a liberdade religiosa e a diversidade de cultos aos detentos do sistema penitenciário,  já garantidas pela Constituição de 1988. Também é incorreto atribuir a Resolução como ato da Presidência da República. O título distorce o conteúdo da matéria e apresenta fatos fora do contexto com o objetivo de causar comoção, se tornar mais atrativo para ser amplamente compartilhado,  e confundir o leitor. 

Referências de checagem:

BRASIL. Resolução no 34, de 24 de abril de 2024. Estabelece diretrizes para a assistência religiosa no sistema prisional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2024. Disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/resolucao-n-34-de-24-de-abril-de-2024-556521006. Acesso em: 6 maio 2024.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2023]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 7 maio 2024.

BRASIL DE FATO. Lula vai fechar igrejas? Conheça as principais mentiras contra o candidato petista. Brasil de Fato, 1º de outubro de 2022. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2022/10/01/lula-vai-fechar-igrejas-conheca-as-principais-mentiras-contra-o-candidato-petista. Acesso em: 6 maio 2024.

CPAD NEWS. Resolução do governo proíbe conversão religiosa em presídios. CPAD News, [s. l.], 2024. Disponível em: https://www.cpadnews.com.br/resolucao-do-governo-proibe-conversao-religiosa-em-presidios/. Acesso em: 6 maio 2024.

GOV.BR. Resolução de Conselho de política penitenciária garante liberdade religiosa em presídios. Disponível em: https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/resolucao-de-conselho-de-politica-penitenciaria-garante-liberdade-religiosa-em-presidios. Acesso em: 7 maio 2024.

G1. É #FAKE mensagem que diz que Lula declarou que irá fechar igrejas em 2023. Disponível em: https://g1.globo.com/fato-ou-fake/eleicoes/noticia/2022/10/07/e-fake-mensagem-que-diz-que-lula-declarou-que-ira-fechar-igrejas-em-2023.ghtml. Acesso em: 6 maio 2024.

O GLOBO. Bancada evangélica se revolta com resolução do governo Lula que proíbe proselitismo religioso em presídios. Disponível em: https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2024/05/04/bancada-evangelica-se-revolta-com-resolucao-do-governo-lula-que-proibe-proselitismo-religioso-em-presidios.ghtml. Acesso em: 10 maio 2024.

POLITIZE. Liberdade religiosa: o que é e como funciona no Brasil. Politize, [s.d.]. Disponível em: https://www.politize.com.br/artigo-quinto/liberdade-religiosa/#:~:text=O%20artigo%205%C2%BA%2C%20em%20seu,culto%20e%20a%20suas%20liturgias. Acesso em: 7 maio 2024.

VEJA. Governo cria regras para liberdade de culto e apoio espiritual em presídio. Veja, [s. l.], 2024. Disponível em: https://veja.abril.com.br/coluna/maquiavel/governo-cria-regras-para-liberdade-de-culto-e-apoio-espiritual-em-presidio. Acesso em: 6 maio 2024.

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Foto de capa: Ron Loach/Pexels

Pastora e cantora evangélica Ana Paula Valadão é condenada por falas públicas discriminatórias contra pessoas LGBTQIA+

Viralizou, nos últimos dias de abril, a notícia de que a cantora e pastora da Igreja Batista da Lagoinha  Ana Paula Valadão, 47 anos, foi condenada a pagar multa de R$ 25 mil por danos morais coletivos, por ter proferido um discurso de caráter homofóbico e contra pessoas  que convivem com o vírus HIV, durante  o Congresso Diante do Trono, promovido pela Igreja Batista da Lagoinha, em 2016. A transmissão do vídeo, pela internet e pelo canal de TV da Igreja, Rede Super, repercutiu e gerou revolta na comunidade LGBTQIA+, após declarações da pastora que associava a aids, doença infectocontagiosa, decorrente do vírus do HIV, aos casais gays, à suposta anormalidade das relações homoafetivas e que a única forma de sexo seguro é aquele entre heterossexuais e casados.

Imagem: reprodução dos sites da Folha de S. Paulo e do Metrópoles


Imagem: reprodução dos sites Guiame e Gospel Prime

O processo

Desde 2020, os pronunciamentos da pastora Ana Paula Valadão no Congresso Diante do Trono são levados aos órgãos judiciais do país. O então deputado federal David Miranda (PSOL-RJ, falecido em 2023), representou, naquele ano, noo Ministério Público Federal, uma notícia crime por suposta prática de crime de homofobia, contra a pastora, que foi conduzida pelo Ministério Público de Minas Gerais. A representação resultou em uma ação civil pública apresentada pelo procurador Helder Magno da Silva, que a condenou por caso de conduta discriminatória com base em discurso de ódio sexual e contra pessoas que convivem com o HIV.

Em 2021, outra ação civil pública, de autoria da Aliança Nacional LGBTI, organização da sociedade civil em prol da defesa e promoção dos direitos da comunidade LGBTQIA+, foi encaminhada ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal. O juiz da 21ª Vara Cível Hilmar Castelo Branco Raposo Filho julgou o caso e, em  24 de abril de 2024, proferiu a sentença condenatória à pastora ao pagamento do valor de 25 mil reais. O valor deverá ser encaminhado para a atividades de defesa dos direitos LGBTQIA+. Foi também determinada a proibição da divulgação e da reprodução da fala lesiva. 

De acordo com a sentença judicial, a fala de Ana Paula Valadão extrapola os limites da liberdade de expressão e de religião (argumento alegado pela defesa), pois estas necessitam da harmonização com a Constituição Federal, que afere “a dignidade da pessoa humana e a vedação à conduta discriminatória”. Para o juiz, as afirmações da pastora configuram-se como lesivas, já que a “ilação não encontra respaldo em texto bíblico ou na ciência. É uma conclusão errada que apenas repete a ultrapassada impressão popular da década de 80, época da descoberta da doença”, relata o juiz.

Relembre as falas de Ana Paula Valadão durante o vídeo

Em 2016, foi realizada mais uma edição do Congresso Diante do Trono, evento organizado pelo Ministério de Louvor Diante do Trono, da Igreja Batista da Lagoinha, liderado por Ana Paula Valadão, que oferece pregações, apresentação de canções e workshops. Em conversa com o cantor gospel Asaph Borba, no palco da Igreja da Lagoinha, Belo Horizonte (MG), com gravação em vídeo, divulgada pelo canal de TV da igreja, a Rede Super, a pastora e cantora afirmou:

“Muita gente acha que isso é normal. Isso não é normal. Deus criou o homem e a mulher e é assim que nós cremos. Qualquer outra opção sexual é uma escolha do livre arbítrio do ser humano. E qualquer escolha leva a consequências. A Bíblia chama de qualquer escolha contrária ao que Deus determinou como ideal, como ele nos criou para ser, chama de pecado. E o pecado tem uma consequência que é a morte. Inclusive, tudo que é distorcido traz consequência naturalmente; nem é Deus trazendo uma praga ou um Juízo, não. Taí a Aids para mostrar que a união sexual entre dois homens causa uma enfermidade que leva à morte, contamina as mulheres, enfim… Não é o ideal de Deus.” 

Foto: Reprodução Youtube

Ana Paula Valadão contestou, em sua defesa, que o processo não tem utilidade prática para ela (falta de utilidade processual), que o tempo para iniciar a ação judicial já passou (prescrição), que o tribunal designado não é o correto para julgar o caso (incompetência do Juízo) e que já existe outra ação judicial com o mesmo assunto em tramitação (litispendência). Já no mérito dos termos, argumentou que apenas exerceu o direito “legítimo da liberdade de expressão e religiosa, bem assim não ocorre discurso de ódio ou atitude discriminatória”. O magistrado Hilmar Castelo Branco Raposo Filho, considerou que a fala direcionada à comunidade LGBTIQIA+, que a coloca no “lugar de culpada pela existência da AIDS é situação que reduz sensivelmente todas as conquistas desta coletividade”, o que evidencia a violação do direito à dignidade, assegurada pela Constituição Federal.

Na decisão , o juiz também afirmou que “a manifestação e divulgação da opinião errada atribui à população LGBTQIA+ uma responsabilidade inexistente, atingindo a dignidade destas pessoas de modo transindividual, justamente o que caracteriza a lesão apontada pela autora”. 

Para complementar, a sentença  finaliza que “há muito já se conhece a constatação científica amplamente divulgada de que a contaminação pela AIDS se dá, dentre outras, pela prática de sexo sem segurança, não, pela orientação de cada pessoa afetada. As estatísticas, ao inverso do que pode parecer, confirmam este fato quando apontam maiores índices de doentes entre populações vulneráveis sob o aspecto social.”, afirma o juiz.

À época dos primeiros processos contra a fala de Ana Paula Valadão, o então ministro da Advocacia Geral da União do governo Jair Bolsonaro, hoje ministro do Supremo Tribunal Federal, pastor presbiteriano, André Mendonça se manifestou em apoio à pastora:

Bereia conclui que as matérias publicadas  sobre a condenação de Ana Paula Valadão por fala pública de caráter homofóbico e contra pessoas que convivem com vírus HIV são verdadeiras. A pastora foi processada e condenada por danos morais por utilizar falas preconceituosas contra pessoas LBTQIA+ e atribuir a elas a propagação do vírus HIV.  

Com base na decisão do juiz do TJ-DF Raposo Filho e as declarações por parte da reclamante, a Aliança LGBTI, as publicações deixam claro os fatos discorridos, que as falas da pastora tratam-se de desinformação e com potencial para atingir a dignidade da comunidade LGBTQIA+, atribuindo uma responsabilidade inexistente, além de propagar discurso de ódio que incentiva o preconceito e rejeição de uma parcela da população historicamente marginalizada.  

Referências de checagem:

BRASIL. Ministério Público Federal. Procuradoria da República no Estado de Minas Gerais. Inquérito Civil n.º 1.22.000.002594/2020-22. https://www.mpf.mp.br/mg/sala-de-imprensa/docs/2021/pr-mg-manifestacao-12129-2021_homofobia.pdf/at_download/file Acesso em: 29 de abril de 2024.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. 21ª Vara Cível de Brasília. Processo nº 0709624-28.2021.8.07.0001. Ação Civil Pública Cível (65). Autor: Aliança Nacional LGBTI. Réus: ANA PAULA MACHADO VALADAO BESSA, CANAL 23 LTDA. Disponível em: https://pje.tjdft.jus.br/consultapublica/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?nd=24042417382135900000177820579 Acesso em: 30 de abril de 2024.

COLETIVO BEREIA. Site Gospel desinforma sobre inquérito do Ministério Público contra cantora gospel Ana Paula Valadão. 2020. Disponível em:https://coletivobereia.com.br/site-gospel-desinforma-sobre-inquerito-do-ministerio-publico-contra-cantora-gospel-ana-paula-valadao/. Acesso em: 29 de abril de 2024.

BERGAMO, Mônica. Ana Paula Valadão é condenada a pagar R$ 25 mil por associar Aids a homossexualidade. Folha de S.Paulo, São Paulo, 26 de abril de 2024. Coluna. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2024/04/ana-paula-valadao-e-condenada-a-pagar-r-25-mil-por-associar-aids-a-homossexualidade.shtml. Acesso em: 29 de abril de 2024.

JOVEM PAN. https://jovempan.com.br/noticias/brasil/ana-paula-valadao-e-condenada-a-pagar-multa-por-associar-hiv-com-comunidade-lgbtqia.html. Acesso em 29 de abril de 2024.

Métropoles. https://www.metropoles.com/celebridades/ana-paula-valadao-e-condenada-a-pagar-r-25-mil-por-ligar-aids-a-lgbts. Acesso em 03 de maio de 2024.Youtube https://youtu.be/Hkk9kUtMGCM?si=je-yaxc4ORcIgUOf&t=31. Acesso em 29 de abril de 2024.

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Foto de capa: reprodução do Instagram