Enxugar gelo custa caro

Imagine um condomínio cuja conta de água fica mais alta a cada mês. Considerando que a fatura deve ser repartida por todos os apartamentos, é preciso que todos colaborem para o bem comum. Desde verificar se há mau funcionamento de tubulações, como atentar para o consumo de água. Todos os condôminos se esforçam para não haver desperdício e assim, manter a conta com valor aceitável. E preservando nossos recursos naturais.

O síndico resolve orientar os condôminos nesse sentido, que buscam fazer a sua parte dia após dia. Com o tempo, os resultados começam a aparecer: a conta fica bem mais barata. O processo de revisar as tubulações e observar os hábitos de consumo também traz aprendizados de como lidar melhor com a água.

Eis que um dia os condôminos descobrem que o síndico resolveu alugar uma parte da área comum do prédio para um parque aquático. E com a água do condomínio sendo utilizada! Não bastasse todo o desânimo em ver um esforço conjunto indo, bem, por água abaixo, imaginem quando essa conta chegar…

Guardadas as devidas proporções de uma metáfora, foi mais ou menos isso que ocorreu na terça-feira passada. Em meio a uma guerra declarada do Governo contra a imprensa, investindo em desinformação e fake news sobre a pandemia do coronavírus, os principais jornais do país publicaram um anúncio pago de uma associação de médicos de Pernambuco. O anúncio defendia o tratamento precoce para a covid-19, cuja eficácia foi mais que desmentida por agências de checagem , pelos próprios jornais e até pelo fabricante.

Para quem não sabe, dentro de um veículo de imprensa não existem apenas os jornalistas da redação. Como em qualquer empresa, há também um departamento comercial que busca receitas para manter o jornal funcionando. Podem ser desde campanhas de assinaturas até a comercialização de espaços do jornal para anúncios publicitários. Não necessariamente os dois departamentos – comercial e redação – se falam, e talvez nem precisem.

Logo, o caso de terça poderia se resumir dessa forma: os jornalistas da redação produziram o conteúdo da edição do dia, e o comercial vendeu espaços dessa mesma edição para diversos anunciantes. Porém, no momento atual, o anúncio da associação de médicos coloca em xeque todos os esforços dos profissionais de imprensa comprometidos com o bem público de informar corretamente sobre a pandemia. Assim como o síndico abrindo espaço para o parque aquático.

Se um veículo de informação se propõe a fazer um trabalho sério de cobertura sobre o maior desafio de saúde pública da nossa geração, deve zelar pela lisura dessa tarefa. E aceitar anúncios de quem sustenta uma desinformação descarada sobre o assunto no mínimo confunde os leitores.

Acaba sendo mais um caso em que a imprensa serve de plataforma para disseminação de notícias falsas, como pontuou a professora Raquel Recuero. Ainda que o jornal sustente que precisa “pagar seus boletos” e assim aceitar o dinheiro que chega via anunciantes, não pode perder de vista que sua credibilidade junto ao público é (e sempre será) seu maior ativo. Não se preocupar com isso contribui para que novos atores da desinformação sintam-se livres, leves e soltos para continuarem em ação. E a conta um dia chega.

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Foto de Capa: Pixabay/Reprodução

Vacina: um diálogo urgente com os evangélicos

* Por Delana Corazza e Angélica Tostes. Publicado originalmente no portal Tricontinental.

Em janeiro, tivemos uma boa notícia. Bruno Carazza, colunista do Valor Econômico, divulgou dados da pesquisa XP/Ipespe mostrando que a avaliação positiva do presidente Jair Bolsonaro entre os evangélicos caiu de 53% para 40% entre dezembro e janeiro. Vale pensarmos os motivos. Segundo pesquisa divulgada no começo de 2020 pelo Datafolha, 48% dos evangélicos recebem até dois salários mínimos por mês. Essa queda seria por conta do fim do Auxílio Emergencial? Quais outras fissuras que podemos evidenciar para aumentar o índice de rejeição dos evangélicos contra Bolsonaro? Até onde o negacionismo e as fake news se sustentarão frente à realidade concreta do povo?

Desde que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou o uso emergencial da Vacina contra a Covid-19, temos acompanhado mais um show de horror protagonizado pelo governo federal. A desinformação propagada por Bolsonaro tem fortalecido o discurso antivacina, algo até então pontual e sem grandes ecos em nosso país.

As vacinas, como a maioria de nós já sabe, são um pacto coletivo contra doenças e evitam milhares de mortes todos os anos. Com a erradicação dessas doenças, alguns seletos grupos passaram a questionar os efeitos colaterais dos imunizantes, temendo-os mais do que a própria doença. De fato, nem todos podem ser vacinadas, como algumas pessoas com comprometimento sérios na imunidade e alérgicos graves à componentes da vacina. Porém, essas pessoas contam com esse pacto coletivo, dado que quando você se vacina, você protege aqueles que não podem se vacinar. O contrário também é verdadeiro: se você não se vacina, você coloca em risco os que não tem como se imunizar.

Até a pandemia chegar, o movimento antivacina no Brasil era extremamente pontual e estava muito circunscrito a um grupo seleto de famílias de classe média que contavam com medidas alternativas para garantir a saúde de seus filhos, acreditando que essa era uma opção de cada indivíduo. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, primeiro parágrafo do Artigo 14, “é obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”. As escolas exigem a carteira de vacinação para a matrícula e podem acionar o Conselho Tutelar, caso esse direito seja negligenciado. “Em geral, as nossas carteiras de vacinação estão em dia, mas a gente tem famílias negacionistas de classe média, são as que dão mais trabalho, é mais complicado do que as famílias mais vulneráveis”, comentou conosco um funcionário de uma escola pública municipal. Em alguns locais de nosso país há fiscalizações realizadas pelas Unidades Básicas de Saúde (UBS) nas escolas públicas. Famílias podem ter que responder por maus tratos se não imunizarem suas crianças. Vacinação obrigatória é um direito da criança e um dever do Estado e dos seus cuidadores.

Na pandemia, porém, tudo se converteu, inclusive a percepção sobre esse pacto coletivo. O discurso antivacina foi mudando de interlocutor. Aquele grupo seleto de classe média que não vacinou suas crianças por ter certa garantia que seu filho poderia ser protegido por outros métodos, deu espaço a um outro tipo de narrativa. Temos acompanhado diversas reportagens de pastores, notavelmente defensores do atual governo, que divulgam notícias falsas, contando com a imunização por meio da fé, negando o avanço científico com o qual esses mesmos pastores se beneficiaram por anos.

Dentre tantos, Josué Valandro, o pastor da Igreja que a primeira dama Michelle Bolsonaro frequenta, reagiu em seu Instagram ironizando a eficácia da vacina: “Vende-se paraquedas com 50,3% de eficácia”. Já foi esclarecido em diversos meios de comunicação o significado do percentual de eficácia no combate à doença: a vacina não é para garantir que seguramente as pessoas não vão contrair a doença, mas, principalmente, que não desenvolvam suas formas graves. A ironia do pastor com a (des)informação foi questionada inclusive pelos seus seguidores, felizmente.

Outro exemplo extremamente preocupante se refere a um grupo de indígenas de uma tribo amazônica que tem recusado a se vacinar. Pastores evangélicos que têm atuado nas tribos são os disseminadores de falsas informações, colocando dúvidas e medo na população. O medo da vacina tem gerado conflito entre os indígenas evangélicos e os não-evangélicos, dado que os pastores têm, inclusive, tentado impedir que as vacinas cheguem ao território indígena.

Nesse contexto, pastores ainda ligados à Bolsonaro compõe esse assustador caldo de negacionismo impensável em mundos minimamente civilizados. A frase “a que ponto chegamos” não consegue acompanhar a catastrófica conjuntura atual, dado que esse ponto final do absurdo não chega nunca. Mas essa narrativa não acontece por acaso ou espontaneamente. Os pastores fundamentalistas, muito mais sensíveis aos interesses do presidente do que à dor das famílias dos mais de 240 mil mortos, têm construído uma linha bastante coerente até chegarem na desconfiança e na disseminação de falsas notícias sobre a vacina.

No portal Uol, o teólogo Ronilson Pacheco lembrou desse coerente caminho: primeiro com a ação de cristãos para jejuarem contra o vírus em um momento que a fome passou a ser uma real ameaça para o povo – inclusive maior que o vírus -; depois, não houve nenhuma manifestação pública desses pastores sobre as primeiras 100 mil mortes causadas pelo vírus em nosso país, enquanto seguiam pressionando para a abertura das Igrejas. Em paralelo, as curas milagrosas foram muito mais divulgadas e defendidas por esses pastores do que a vacina, chegando ao absurdo da venda de feijões milagrosos que poderiam custar até mil reais.

Conversamos com pastores e fiéis na cidade de São Paulo. O Pastor metodista Jair Alves, membro da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, tem visto o negacionismo em sua comunidade cristã localizada no Alto da Mooca, na zona leste, um bairro mais conservador, segundo ele. Como cristão e servidor público, atuando como assistente social há mais de 20 anos (atualmente na saúde), Alves vê a propagação de fake news e a resistência à vacina com muita preocupação: “todo dia e toda hora estamos falando e conversando sobre isso”. Já Cleonice Victor, empregada doméstica e moradora do bairro do Peri Alto, periferia norte da cidade, nos disse que em diversas igrejas que ela conhece as pessoas estão esperando pela vacina: “todo mundo vai tomar, não ouvi falar, não (sobre pessoas que não vão tomar a vacina).”

Walderes Costas, da Assembleia de Deus Apostólica e moradora do Bairro Jardim Paraná, distrito da Brasilândia, teve covid-19 e chegou a ficar internada. “Primeiramente, antes de tudo, devemos ter confiança em Deus sobre a vacina, a vacina pode impedir muitos de irem a óbito. No meu ministério, meus pastores falam que como está em Apocalipse, as sete pragas estão para chegar e por isso, o Covid-19 levou muitas pessoas. Temos que manter os cuidados com a higiene, aguardar os resultados da vacina. Muitos querem confundir a mente daquelas pessoas que não têm acesso à informação. A mídia tem confundido muito as pessoas. Uns falam ‘ai eu não vou tomar, ai eu vou morrer se tomar”. Não, não é nada disso. (…) Meu pastor e minha pastora falam para as pessoas tomarem a vacina, para se prevenirem. (…). No meu bairro, no meu ministério, muitos falam que vão tomar, outros não sabem se vai chegar… muitos não veem a hora de tomar para ficarem livres da doença”.

Para o povo, imerso nas igrejas evangélicas que se proliferam há anos no nosso país, a palavra do Pastor é fundamental; é ele que está no cotidiano dos territórios, a igreja é espaço de solidariedade popular entre os fiéis, de acolhimento e cuidado nesse momento em que todos estão mais precisando. A figura do Pastor é de autoridade moral e espiritual, mas também de alguém que está presente e pronto para auxiliar; é ele, muitas vezes, quem diz o que é certo e o que é errado a partir de sua leitura da Bíblia. Construir bandeiras pró-vacina nos territórios é tarefa urgente do campo progressista. Produzir pontes de diálogos com pastores das pequenas igrejas dos bairros periféricos, que muitas vezes estão no meio de campo entre os discursos fundamentalistas dos pastores midiáticos e a realidade concreta do povo, nos parece fundamental nesse momento em que a vacina é a resposta para angústias físicas, psíquicas e econômicas.

Motoboy e Pastor da Assembleia de Deus na Casa Verde, Fábio Elias tem atuado contra a disseminação de falsas informações sobre a vacina. “A gente tem um entendimento de que a fé sem obras é morta, não adianta só acreditar e não executar a nossa parte, a gente tem um entendimento de que o impossível a gente deixa nas mãos de Deus e o possível a gente deixa nas mãos dos homens. (…) Nós somos templos e morada do Espírito Santo de Deus e a gente tem a obrigação de cuidar (…) assim como a gente cuida do templo físico, a gente também tem que cuidar do templo espiritual, que seria nosso corpo. Se foi criada uma vacina que pode nos auxiliar, eu acho fantástico, agradecemos a Deus por ter surgido a vacina e a nossa orientação é para tomarmos. Não estamos nos posicionando de nenhuma forma contrária, pelo contrário, estamos instruindo que todos possam tomar a vacina. O que é parte espiritual, a gente tem como orientar, mas o que é parte científica, parte médica, somos obrigados a aceitar, até por que toda palavra do Senhor fala que toda autoridade é instituída por Deus, e se a ciência afirma que conseguiu uma vacina, a gente acredita que todos possam tomar. Eu não partilho de forma contrária, eu instruo e aceito”, nos relatou.

A imunização em massa a curto prazo da população pode garantir a abertura segura das escolas e, consequentemente, a diminuição de evasão escolar que aumentou consideravelmente durante a pandemia. Além disso, também serviria como um respiro para as mães que estão com seus filhos em casa e, mais do que nunca, precisam sair para trabalhar com o fim do Auxílio Emergencial. É também uma esperança para tantos trabalhadores em meio ao medo, à morte, ao fim.

Olhando para essa realidade e para a gravidade dos discursos e ações do Bolsonaro frente à pandemia, inclusive promovendo obstáculos na aquisição de vacinas, um grupo de religiosos cristãos, composto de 380 pessoas de diversas denominações, protocolou um pedido de impeachment contra o presidente.

A pastora luterana Romi Bencke, que protocolou o pedido representando esse grupo, nos disse que “a importância da vacina, desde a perspectiva cristã, é o amor à pessoa próxima. A fé em Jesus Cristo nos compromete com a outra pessoa, por isso, a vacina é um gesto de generosidade, amorosidade. Ao me vacinar não estou cuidando unicamente de mim, mas também do outro. Claro que não há nenhum texto bíblico para falar da vacina. Mas, se for para argumentar biblicamente o amor à pessoa próxima, recupero o texto de João 10.10: ‘Eu vim para que todas as pessoas tenham vida e vida em abundância’. Quem pode e se nega a tomar a vacina nega o direito ao cuidado da outra pessoa”.

O Pastor Jair Alves segue com a mesma narrativa: “os evangélicos falam tanto em Jesus, amam tanto a Jesus e não se lembram que Jesus veio para nos dar vida e vida em abundância, Jesus veio para nos libertar e a verdade é que nos liberta. Eu não entendo como evangélicos podem atrapalhar a vacinação favorecendo as famosas fake news contra o combate a covid-19. Deixo aqui o meu apelo: vamos tomar a vacina, eu tomei a vacina, sou profissional da área da saúde, tenho mais de 60 anos, sou Pastor, minha esposa é enfermeira, nós dois já fomos tomar a vacina e eu queria dizer: Deus é que nos deu a bênção de termos cientistas dedicados a descobrirem esta vacina, devemos apoiar e estimular a nossa comunidade a se vacinar”.

Nesse sentido, acreditamos que a vacina é uma bandeira importante na disputa de narrativas contra o fundamentalismo religioso e, consequentemente, contra Bolsonaro. Não podemos ficar reféns dos discursos e ações do presidente e dos pastores fundamentalistas que o apoiam. Temos o papel de criar formas de diálogo com as igrejas a partir da realidade do povo, em defesa da vacina pública, universal, gratuita e, quem sabe, como tem ensinado os países socialistas, soberana!

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Foto de Capa: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Entrevistas não são transparentes: um problema para a checagem

A checagem não é nova no exercício jornalístico – o que ela inova é em ser deslocada do interior das redações como um exercício de corte para as páginas web e os títulos das matérias como o objeto que se tornará notícia. O ofício de um checador em uma redação é antigo – ele conferia as informações trazidas por repórteres que iam a rua, comparava com documentos, com outras declarações, e na ausência de concordância da declaração com a realidade, eram extirpados das notícias.

Seguindo a famosa anedota, o checador era o cara ou moça que colocava a cabeça para fora da redação e via se estava chovendo. Na anedota, um jornalista ouve de uma fonte que está chovendo, e de outra fonte que o céu está claro. O trabalho do jornalista não é publicar as duas versões, mas colocar a cabeça para fora da janela e ver como está o tempo.

Na checagem dos novos tempos, há um deslocamento: esse checador agora transforma em notícia que “É falso que esteja chovendo” ou “Fulano mente ao dizer que está chovendo”. Ele então caminha para perceber que fulano estava atrasado para o trabalho, e que poderia justificar o atraso com uma chuva que alague o caminho até o escritório. Esse reinventar do ofício foi necessário em um cenário de baixa da credibilidade dos jornais e advento da pós-verdade, a primazia da opinião sobre os fatos.

Nele, institutos e agências se multiplicaram em tempo recorde para ocupar esse espaço vago da credibilidade. Nesse movimento a transparência e a credibilidade deram as mãos: em outras palavras, só posso acreditar se eu puder provar, e só posso provar se houver transparência. As agencias adotaram o modelo de permitir sempre que os leitores efetuassem a checagem – disponibilizando vídeos, arquivos, planilhas, os lugares de onde tiraram as informações para a redação da matéria. Há apenas um problema nessa abordagem: a adoção da entrevista.

Um problema real e recorrente: Covid-19. Como um jornalista vai desmentir que alimentos alcalinos eliminam ou não o vírus no corpo? Nesse mesmo caso, foi necessária a declaração de um pesquisador do Instituto de Química da Unicamp. E, embora a contribuição de especialistas seja essencial para termos um norte, onde está a transparência em uma entrevista cedida a um jornalista?

Existem vários contextos que envolvem o emprego de uma entrevista. Primeiro, o entrevistado é selecionado de acordo com critérios bem particulares do jornalista: a disponibilidade do entrevistado, sua posição enquanto autoridade sobre o assunto, sua abordagem para o problema… Não raro vimos médicos apresentando informações falsas sobre o tratamento da Covid-19.

Depois, há o recorte: das muitas informações oferecidas pela fonte, nem todas chegam às linhas de fato de compor a notícia – por falta de espaço, tempo, ou relevância do que se diz. Há as adaptações, quando o entrevistado usa de expressões idiomáticas ou muitos “é…”, “então”, “aí” ou “tipo”. E em meio a tudo isso, o entrevistado precisa querer falar com o jornalista – e é nesse ponto em que a transparência se torna opacidade.

Imagine-se um médico, ou deputado, ou cientista. É de seu interesse que seu nome esteja no jornal: vale a pena ceder parte de seu tempo ocupado para um jornalista que vai garantir essa publicidade gratuita. Mas se um leitor quiser apurar se aquilo que foi inserido na matéria condiz com o que o médico, deputado ou cientista disse, que tempo essas personalidades terão para ceder-lhe? Aqui a autonomia de verificar os verificadores cai por terra. E por isso faço uma defesa um pouco problemática.

Evitemos, ao máximo, o emprego de entrevistas em nossas checagens – não por sermos antiéticos e distorcê-las ou para que sejam abolidas totalmente, mas para não acabarmos nos tornando matérias como a imprensa já faz, muito bem, e há muito tempo. Vamos primar pela autonomia de nossos leitores – porque aqui a checagem tem um papel didático que o jornalismo relutou e ainda reluta em assumir. Somos, nessa dinâmica, mais conscientes de nossa relevância nesse esquema geral da informação e do letramento midiático.

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Foto de Capa: Pixabay/Reprodução

Para fugir de estigma, candidato de esquerda embarca em fake news

As eleições municipais deste ano ocorreram sob condições atípicas. Com todos afetados de um jeito ou de outro pela pandemia, seja enclausurando-se em casa e cumprindo com os protocolos de higiene, seja pela obrigatoriedade da máscara, aferição de temperatura ou álcool em gel em espaços comuns, as mídias digitais angariaram mais tempo, olhos e atenção. Muito se falou sobre as campanhas virtuais, mas a realidade refletiu certa manutenção no modo de fazer campanha: ainda vimos carreatas, panfletagem e encontros presenciais.

Em meio a isso, o agravante da desinformação. Em reportagem no dia 23 de novembro para a Folha, Patrícia Campos Mello expõe os resultados preliminares de pesquisa sobre desinformação na pandemia. A pesquisa é bem enfática, já nessa fase: aqui, a desinformação sobre saúde se ancora na desinformação em benefício político. O escopo é a repercussão de fake news sobre cloroquina, mas podemos nos afastar e observar como a estrutura da desinformação dialoga, em geral, com os interesses políticos. E então vamos para São Gonçalo, cidade da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

O candidato à Prefeito pelo Partido dos Trabalhadores (PT) Dimas Gadelha, que venceu o primeiro turno e agora concorre ao cargo com o Capitão Nelson (Avante), reuniu-se com lideranças evangélicas em São Gonçalo, onde o seguinte material foi distribuído.

Material de campanha de Dimas Gadelha (PT)

O comportamento pode ser uma reação à articulação do pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia, que visa denunciar um favorecimento do atual prefeito José Nanci (partido), à candidatura de Gadelha. No discurso em vídeo divulgado em mídias sociais Silas Malafaia denuncia que parte da política municipal do candidato do PT envolveria a divulgação e o ensino da famigerada “ideologia de gênero”.

O assunto é batido nos meios de desinformação, mas a reiteração funciona como um jeito de vencer a entropia natural na transmissão de mensagens: garantir que a informação chegue o mais intacta possível. Logo, não custa lembrar que a terminologia “ideologia de gênero” não existe.

Vamos ser mais específicos: ela existe, mas como um termo cunhado pela própria Igreja Católica, aparecendo em registros a partir de 1990. O objetivo da igreja era criticar o uso do termo “gênero” pela ONU. É o argumento do espantalho: cria-se um argumento para o adversário que nunca foi dito por ele. No caso, acusa-se a ONU e as políticas nacionais de educação de incentivarem a prática sexual entre crianças e adolescentes e os direciona a se tornarem gays.

Já há muito trabalho em desenhar todo o processo ocasionado por declarações como essa, sem que o campo progressista adote também a terminologia (consequentemente, endossando-a). Mas é justamente o que faz Dimas Gadelha. O candidato tem denunciado em sua página uso de fake news pela oposição contra ele. Em meio a isso, porém, se vê rendido a acatar o termo enganoso e garantir que não estaria promovendo a ideologia – que não existe.

Comprometendo-se a ser contra a “ideologia de gênero, a liberação do aborto, a liberação das drogas, ofensas religiosas, doutrinação nas escolas e destruição dos valores da família”, o candidato endossa e afirma que isso existe – e que ele é contra. O comportamento grita o impacto que as fake news têm, em sua campanha e no imaginário popular a seu respeito. No contexto eleitoral, em que cada voto conta (e, portanto, não se mede a “qualidade” do voto), essa adoção visa se aproximar das igrejas, mas faz um desserviço ao campo progressista de esquerda que se propõe a apoiá-lo.

1 ano: Sites religiosos e ativistas digitais que propagam desinformação

O Bereia completou um ano de atuação em 31 de outubro de 2020. Como parte deste marco tão importante, é apresentado um aprofundamento de levantamento publicado em junho de 2020 com um balanço das verificações realizadas pelo coletivo durante esse período.

Foram levadas em consideração todas as publicações da seção “Verificamos” do site Bereia, que se referem à checagem de veracidade de conteúdos informativos sobre religião que circulam em espaços digitais, encontrados pela equipe do coletivo ou indicados por seguidores/as (textos analíticos da seção Areópago não foram considerados). No total, nos doze meses de atuação do Coletivo Bereia (outubro de 2019 a outubro de 2020) foram realizadas 133 verificações de conteúdos, distribuídas conforme o gráfico a seguir:

Fonte: Coletivo Bereia

No que diz respeito ao conteúdo qualitativo dessas checagens, serão expostos a seguir dados quanto à classificação do tipo de informação aos temas e às fontes de informação mais recorrentes nos conteúdos avaliadas.

Classificação por tipo de informação

Fonte: Coletivo Bereia

Há pouca variação entre os dados de classificação apresentados na análise realizada em junho passado. Mais da metade das matérias publicadas por Bereia (60%) ainda concluem que os conteúdos verificados são falsos e enganosos. Pouco mais de 20% ainda representam conteúdos imprecisos e inconclusivos, ou seja, que não apresentam fundamentos para a informação transmitida ou não apresentam recursos necessários para a avaliação de sua veracidade. E apenas 19,20% são confirmadas como verdadeiras.

Temas abordados

Fonte: Coletivo Bereia

Neste aspecto, é possível notar algumas alterações em relação à última análise. Desta vez, o conteúdo que mais se destaca na base de dados como o mais citado é Política Brasileira, com 25,20% dos casos verificados. Na sequência, está “Perseguição Religiosa”, representando 21,26% das notícias e em terceiro, com percentual de 20,47%, está Saúde (com ênfase em coronavírus), que aparecia como o assunto mais citado na última avaliação. Tal fato pode ser atribuído a redução dos casos da COVID-19 no âmbito nacional e a diminuição do espaço de divulgação de informações sobre a pandemia nas mídias. Além disso, o fato de 2020 ser um ano de eleições municipais, o tema se destaca ainda mais no dia a dia da população informações relacionadas ao cenário político.

Fontes de desinformação mais citadas

Fonte: Coletivo Bereia

Quanto as fontes de desinformação mais recorrentes nas verificações do Bereia, o Twitter ainda se destaca como a principal, representando um percentual de 23,47 % nas matérias produzidas. Outras mídias sociais como WhatsApp e Facebook, além da categoria “Mídias digitais variadas” utilizada quando a informação não parte de uma mídia específica, mas para um conjunto delas, são ressaltadas na visualização de dados. Juntas, as plataformas de mídias digitais representam quase 60% das fontes de informação de conteúdos verificados pelo coletivo. Isto remete mais uma vez para o alerta do tipo de informação publicada nestas plataformas, que contam com critérios ainda pouco efetivos para o enfrentamento da desinformação.

As demais fontes são de sites religiosos de notícias, que recorrentemente publicam conteúdo que representam mais uma defesa de suas ideologias e valores morais. Destaca-se o portal Pleno News, como aquele que mais ofereceu material para ser verificado, seguido do Gospel Prime, do Gospel Mais, do CPAD News e do Conexão Política como os espaços digitais com vinculação religiosa que mais produzem desinformação.

Bereia reafirma um alerta aos leitores, para que não deem crédito ou compartilhem informações que não estejam fundamentadas em dados ou tenham sido expostas em veículos de informação não credenciados. O Bereia, neste um ano de atividades, renova o compromisso de atuar pela informação verdadeira e responsável e se dispõe como parceiro de maneira cada vez mais presente, colaborando a partir da metáfora bíblica de “separar o joio do trigo”, pelos próximos longos anos que espera servir.

Confira o balanço e perspectivas no enfrentamento à desinformação em espaços religiosos

Como parte das comemorações do aniversário de 1 ano do Bereia, foi realizada uma live através do Facebook com o balanço de atividades e novas perspectivas no enfrentamento à desinformação em espaços religiosos. Confira o vídeo abaixo:

#IgrejaSemFakeNews: cada pessoa é importante

A campanha eleitoral para prefeituras e câmaras de vereadores deste ano já começou e, devido à circunstância da pandemia da COVID-19, as mídias sociais terão maior influência sobre o resultado desta eleição. Essa virtualização da campanha nos traz algumas preocupações, dentre elas a proliferação de diversas fake news, ou em bom português: notícias falsas. Essas mensagens são produzidas com o objetivo de destruir reputações e se tornaram tão comuns que o termo “fake” acabou entrando para nosso vocabulário cotidiano e já usamos em outros contextos. Isso acontece porque nossa sociedade não havia desenvolvido o hábito de checar a veracidade das informações que nos eram repassadas. No entanto, com a popularização dos smartphones, a produção e a disseminação de informação aumentou muito e requer maior cuidado para verificar se o que chega em nossas mãos é fato ou fake.

Sabemos que a maioria das pessoas não produz as fake news, mas acaba compartilhando por não saber distinguir uma notícia falsa. Muitas vezes o conteúdo da mensagem mistura fatos verdadeiros com falsos ou desatualizados e confunde até os mais atentos leitores. Por isso é importante desconfiar de notícias que são veiculadas sem fontes ou com fontes desconhecidas, que trazem textos alarmantes tentando te convencer de algo, dados desatualizados ou apenas imagens sem explicações. Hoje é possível até colocar um rosto de uma pessoa num vídeo que ela não fez e produzir um vídeo totalmente falso, é o que se denomina “deep fake”. Então, por essa razão, a regra deve ser desconfiar e buscar verificar a autenticidade da informação. Uma outra dica é: não ler apenas a manchete, ler todo o texto e olhar a data da publicação.

Não são meras piadas ou brincadeiras, as fake news são mentiras construídas com o intuito de desestabilizar o debate político e favorecer os interesses econômicos que fomentam sua criação e sua proliferação pelas redes sociais. O mesmo fenômeno é observado em outros países, especialmente em momentos de acirramento político e incerteza. Por isso, o cenário de pandemia, crise econômica e sociopolítica que vivemos durante esta campanha eleitoral pode ser campo fértil para o espalhamento dessa desinformação. Dessa forma, essas mensagens são uma arma contra a democracia e um risco para todas as nações, estados e cidades.

As igrejas são unânimes em condenar a prática da mentira. Na bíblia, manual de fé e conduta cristã, há diversas condenações à prática da mentira, inclusive a que adverte para não acompanhar a maioria quando esta torce a verdade (Êxodo 23.1,2). Mas, os locais de culto e seus públicos não estão isentos de serem contaminados pelas fake news. Ao contrário disso, algumas notícias falsas são construídas com o objetivo específico de circular nesses arraiais e têm sido eficientes em manipular os votos do povo religioso. Você já deve ter recebido no seu celular aquela mensagem que diz que determinado candidato pretende proibir a leitura da bíblia, ou que uma candidata disse que quer fechar igrejas. Essas mensagens moveram inúmeras pessoas a mudarem seus votos sem ao menos se perguntarem se tais afirmações eram verdade.

Foi pensando em prover meios de enfrentamento dessa manipulação do voto, que as Escolas de Fé e Política ligadas ao Instituto Solidare e a Igreja Batista em Coqueiral (Recife-PE), em parceria com a Tearfund e Aliança Bíblica Universitária Brasil desenvolveram a campanha #IgrejaSemFakeNews para contribuir com o confronto destas mentiras disfarçadas de notícias dentro do campo religioso cristão, especialmente entre evangélicos. A campanha também conta com o apoio do Coletivo Bereia e do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE).

A campanha lançou o e-book “Diga Não Às Fake News”, que aborda a problemática do ponto de vista político, ético e teológico. A publicação aposta no estudo comunitário do texto e sugere questões norteadoras que levam à reflexão sobre a conjuntura política, sobre a relação entre fé e política no processo eleitoral e sobre o impacto das fake news para democracia e para a espiritualidade. O e-book propõe uma leitura simples e rápida, que possibilite que cada pessoa possa se informar sobre esses riscos e saiba onde pode checar a veracidade das informações que recebe. Para isso, foram listados os principais sites de veículos de imprensa de credibilidade reconhecida que fazem o “fact-checking”, ou seja, verificam os fatos que circulam nestas mensagens de redes sociais apontando o que é verdade ou mentira. O Coletivo Bereia é um destes sites.

Ainda que o espalhamento das fakes seja rápido e generalizado como uma pandemia, a “vacina” para acabar com isso é assumir a responsabilidade de verificar os fatos que compartilhamos. Então, cada pessoa é importante. Por isso, além de ler e compartilhar o e-book “Diga Não Às Fake News”, você pode contribuir com a campanha postando nas suas redes sociais e falando sobre o risco das fake news. Marcando a tag #IgrejaSemFakeNews você se soma nessa corrente de combate à desinformação dentro das igrejas.

Era da desinformação: pessoas estão mais atentas sobre veículos de informação confiáveis

Se a desinformação transborda em meio às mídias sociais, o jornalismo profissional feito por jornais impressos, portais de notícias e programas de TV e rádio continua sendo a fonte mais confiável para os eleitores quando o assunto são as notícias sobre as eleições municipais. Pesquisa do Instituto Datafolha revela, entre outros dados, que a desconfiança em relação a mídias sociais como o WhatsApp pode chegar a 78%. Confira maiores informações na matéria publicada por O Globo e reproduzida, na íntegra, abaixo.


População aponta jornalismo profissional como a fonte mais confiável para se informar sobre eleição, diz Datafolha

* Publicado originalmente por O Globo em 10 de outubro de 2020.

RIO — Jornais impressos, sites de notícias, programas de rádio e televisão foram apontados como os meios mais confiáveis para obter informações sobre as eleições municipais. Os eleitores de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Recife avaliam as as redes sociais como o meio com menos credibilidade. Facebook e WhatsApp são os principais canais onde conteúdos sobre política são compartilhados. Essas são algumas das conclusões da pesquisa Datafolha realizada nos dias 5 e 6 de outubro, encomendada pela “Folha de S. Paulo” e pela TV Globo. A margem de erro é de três pontos percentuais para mais ou para menos.

Entre os eleitores da capital paulista, 41% confiam mais em jornais para se informar sobre o pleito municipal que ocorre em novembro deste ano. Os programas de televisão possuem a mesma taxa de confiança. Das 1.092 pessoas entrevistadas na cidade, 35% disseram que confiam parcialmente nos jornais e 20% disseram que não confiam. Em relação aos programas de TV, 33% não confiam e 24% confiam parcialmente.

Quando se trata das redes sociais, apenas 6% dos entrevistados em São Paulo afirmaram que confiam no Whatsapp, e 7% no Facebook. A taxa de desconfiança é de 78% e 74%, respectivamente. Já os que confiam parcialmente no Facebook são 11% e no WhatsApp, 13%.

No Rio de Janeiro foram ouvidas 900 pessoas. A confiança nos jornais impressos está em 35%, no mesmo patamar que em São Paulo se considerado o limite da margem do erro. Entre os respondentes no Rio, os programas de rádio são os mais confiáveis para 37%, seguidos pelos televisivos, com 36%.

Assim como os paulistas, os cariocas também manifestaram descrença em relação aos conteúdos que circulam nas redes sociais. Apenas 6% afirmaram que confiam nas informações sobre as eleições veiculadas pelo WhatsApp,enquanto 13% disseram acreditar em parte. O grau de desconfiança no WhatsApp é de 74%, enquanto apenas 6% informaram não utilizar o aplicativo de mensagens. Em relação ao Facebook, só 8% confiam, 16% confiam em parte, 67% não confiam e 9% não usam a plataforma.

Os números de Belo Horizonte e Recife apresentam a mesma tendência observada em Rio e São Paulo, com pequenas variações. Nas duas cidades, 67% dos eleitores afirmaram que não acreditam no que leem sobre a eleição na rede social.

De acordo com os dados da pesquisa, à medida que cresce a idade do entrevistado, maior a desconfiança nos meios de comunicação profissionais. A índice de maior confiança nos jornais foi registrado entre jovens de 16 a 24 anos de São Paulo (57%).

Bereia integra a Rede Nacional de Combate à Desinformação; lançamento será quinta

Na próxima quinta-feira, 24/09, será lançada a Rede Nacional de Combate à Desinformação (RNCD), iniciativa que reúne pesquisadores, jornalistas, projetos, agências, coletivos, movimentos sociais, revistas e instituições científicas, e entre os integrantes, o Coletivo Bereia. O lançamento acontece a partir de 19h por meio de transmissão ao vivo no Youtube da RNCD.

A editora-geral do Coletivo Bereia, Magali Cunha, classificou a decisão de integrar a rede como um “passo a mais da nossa consolidação [enquanto coletivo de verificação fatos]”. Bereia é reconhecido nacionalmente por ser o primeiro coletivo jornalístico do Brasil especializado em fact-checking religioso.

A Rede

São mais de 30 projetos que trabalham em várias frentes combatendo a desinformação em diversos ambientes e cujo escopo vai da pandemia da COVID-19, passa pela política e pelo ambiente religioso e chega aos direitos humanos com ataques à integridade das pessoas LGBT, mulheres, negros, indígenas, dentre outros.

A RNCD reúne uma diversidade de abordagens contra a desinformação englobando projetos de monitoramento de fake News, de jornalismo de fact-checking, projetos que trabalham com comunicação proativa levando informação precisa e necessária para a sociedade, projetos de contranarrativas, além de muitos que trabalham com informação científica e popularização da ciência.

Sobre o evento de lançamento é válido destacar que além da apresentação da plataforma da RNCD e dos parceiros da iniciativa, haverá uma palestra do jornalista e Professor Doutor Eugênio Bucci que dentre outras atividades é Professor Titular da Escola de Comunicação e Artes (ECA-USP), colunista do jornal O Estado de São Paulo e foi Presidente da Radiobrás entre 2003 e 2007. Publicou vários livros, alguns focado na ética jornalística e, por último, publicou, em 2019, o livro Existe democracia sem verdade factual?.

Acompanhe o lançamento

São falsos vídeos sobre suposta Operação Storm no Brasil

Circula em grupos católicos e evangélicos nas mídias sociais um vídeo sobre a suposta Operação Storm, que investigaria uma rede de pedofilia internacional. Uma das versões do vídeo foi publicada originalmente no canal de Cristina Daflon no YouTube. O vídeo gera alerta e começa com a seguinte introdução:

“A Operação Storm entrou com João de Deus. Foi descoberta a rede de pedofilia internacional americana que vem de Hollywood, esse pessoal todinho lá. A ministra Damares tem feito muitas investigações e agora parece que as coisas estão fluindo, tem havido muito mais debate sobre isso. Cuidem de seus filhos, não confiem em ninguém.” 

A suposta Operação Storm é uma fake news que tem se propagado em diversas versões nos últimos dias, principalmente em correntes no WhatsApp. Segundo o site Boatos.org, alguns conteúdos dizem que a Operação Storm está prendendo opositores de Jair Bolsonaro e  do presidente americano Donald Trump.Já outra corrente afirma que foram presos 24 ministros, senadores, deputados e governadores, incluindo o presidente da Câmara dos Deputados  Rodrigo Maia (DEM/RJ) e o presidente do Senado Federal Davi Alcolumbre (DEM/AP). Há ainda outra versão que, como a do vídeo, afirma que a Operação Storm está investigando uma rede de pedofilia internacional. Entretanto, todas as versões são falsas. 

Bereia não encontrou menção sobre a Operação Storm em nenhum veículo oficial ou agência de notícias nacional ou internacional, somente notícias enganosas, produzidas com objetivo de desinformar. Também não é verdade que Rodrigo Maia, Davi Alcolumbre ou os opositores a Bolsonaro e Trump foram presos. 

O vídeo da ministra Damares Alves

No vídeo analisado, depois da introdução sobre a falsa Operação Storm, a YouTuber retoma um vídeo da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos Damares Alves sobre pedofilia. No entanto a fala da ministra não se refere à Operação Storm.

Damares Alves estava, na ocasião, em um evento do BNDES, onde foi chamada a comentar sobre projetos de saneamento básico. Em meio a sua fala pediu que os governadores envolvidos ajudassem o projeto Abrace o Marajó. O projeto, que teve início em 12 de julho de 2019, visa à promoção de direitos humanos entre as populações marajoaras, uma etnia ribeirinha amazônica. Em nenhum momento da apresentação da ministra é citado o projeto, cita a Operação Storm ou o apoio de forças dos EUA. 

Damares ainda afirma, no vídeo, estar sendo perseguida por uma rede de crime organizado, e que os ataques a sua pasta se dariam por estar indo contra o comércio de imagens de estupro infantil. Sobre o projeto, no entanto, não apresentou nos resultados qualquer investigação contra rede de pedofilia. No âmbito jurídico, à época, foram realizados 277 processos (um procedente, 52 improcedentes, 212 acordos e 12 extintivas). Em resumo, o vídeo utilizado pela youtuber Cristina Daflon é retirado de contexto para dar credibilidade ao conteúdo que ela divulga, estratégia comum em fake news. 

Operação Storm: um esquema de desinformação 

A mentira da “Operação Storm” faz parte de um conhecido esquema de desinformação: se definir como oposto de um inimigo imaginário. O pesquisador João Cezar de Castro Rocha aponta como teorias da conspiração e inimigos invisíveis têm sido usados como retórica política para inflamar discursos de extrema direita, no caso do Brasil, os bolsonaristas. Em entrevista para o canal O Meio (11 de agosto) o professor explica que, para a narrativa bolsonarista, é necessário haver um inimigo a ser combatido, e a imagem de pedófilos têm um apelo forte nesse sentido.  

Ainda há muitas semelhanças entre as notícias sobre a suposta Operação e o raciocínio dos Q-Anon americanos. O grupo de conspiracionistas já teve suas contas excluídas do Twitter e foram noticiados amplamente na mídia. Em resumo, os “Q’s” – gíria para usuários anônimos das redes – acreditam que o presidente Donald Trump estaria atuando contra o deep state (“Estado Profundo”), uma seita satânica que consome fetos humanos abortados. O movimento tem preocupado o serviço de inteligência dos EUA, o FBI como um movimento radical e, no Brasil, foi satirizado em uma edição do programa Greg News, lançado no dia 14 de agosto, 

As semelhanças entre os discursos são notáveis, sobretudo diante dos mais recentes escândalos que vêm a tona no país, como o recente caso da jovem de 10 anos estuprada pelo tio e as reações de grupos como os de Sara Geromini que repercutiram na mídia e nas redes sociais digitais sendo trending topics nas últimas semanas.

Pânico moral e “defesa da família”

Segundo o pesquisador Richard Miskolci no artigo “Pânicos morais e controle social – reflexões sobre o casamento gay”, a construção de bases políticas conservadoras e de extrema direita, e a adesão a elas, têm sido conquistadas por meio do pânico moral, da retórica do medo, para gerar insegurança e promover afetos. 

Pânicos morais são fenômenos que emergem em situações nas quais sociedades reagem a determinadas circunstâncias e a identidades sociais que presumem representarem alguma forma de perigo. São a forma como a mídia, a opinião pública e os agentes de controle social reagem a determinados rompimentos de padrões normativos e, ao se sentirem ameaçados, tendem a concordar que “algo deveria ser feito” a respeito dessas circunstâncias e dessas identidades sociais ameaçadoras. O pânico moral fica plenamente caracterizado quando a preocupação aumenta em desproporção ao perigo real e geral (Miskolci, 2007).

Pesquisas científicas, como a de Richard Miskolci, indicam a circulação de intensa quantidade de material desinformativo, baseado em pânico moral e medo para disseminação de conteúdos que se revertem em apoio a grupos políticos de extrema direita, o que se pode identificar no vídeo verificado nesta matéria. 

Bereia conclui que a Operação Storm não existe, trata-se de uma notícia falsa produzida com objetivo de enganar e causar desinformação. Além disso, a narrativa sobre pedofilia que circula pelas mídias sociais, produzida por grupos de extrema-direita, evoca uma abordagem de pânico moral, tratando um problema sério de forma irresponsável e baseado em mentiras. 

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Referências de checagem

YouTube – Cristina Daflon. https://youtu.be/cqsZu8afJWM. Acesso em 28 jul. 

Boatos.Org. https://www.boatos.org/politica/operacao-storm-deflagrada-brasil-24-governadores-ministros-stf-presos.html. Acesso em 28 jul. 

O Globo. https://oglobo.globo.com/sociedade/estamos-diante-de-uma-serie-de-estupros-de-bebes-diz-damares-em-evento-sobre-saneamento-1-24122246. Acesso em 27 ago. 

Governo Federal. https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2019/julho/ministerio-apresenta-resultados-do-programa-abrace-o-marajo. Acesso em 27 ago.

YouTube – O Meio. https://youtu.be/mKkbsFNUDXY. Acesso em 27 ago.

G1. https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2020/07/22/qanon-twitter-elimina-contas-de-grupo-que-propaga-teoria-de-conspiracao-nos-eua.ghtml. Acesso em 27 ago. 

YouTube – Greg News. https://youtu.be/zVhn9WT-Xqg. Acesso em 27 ago. 

UOL. https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/rfi/2020/08/26/o-que-e-qanon-o-movimento-conspiracionista-a-favor-de-trump-que-e-visto-pelo-fbi-como-ameaca.htm. Acesso em 27 ago. 

Richard Miskolci.  “Pânicos morais e controle social – reflexões sobre o casamento gay”. Acesso em 28 ago. 

Conheça a ligação religiosa de investigados que tiveram contas banidas pelo Facebook

A Rede Globo exibiu no Fantástico, em 2 de agosto de 2020, reportagem com detalhes inéditos da investigação do Facebook que derrubou perfis bolsonaristas. A matéria também foi publicada no portal G1.

A matéria do Fantástico fez um levantamento sobre donos de páginas propagadoras de desinformação derrubadas pelo Facebook: Tércio Tomaz, Eduardo Guimarães, Paulo Eduardo Lopes (também conhecido como Paulo Chuchu), Leonardo Rodrigues de Barros e Vanessa Navarro.

Bereia investigou a ligação dos envolvidos com a religião cristã e como essas páginas, retiradas do ar pelo Facebook por conta das práticas ilícitas, se utilizavam ou não da religião para difundir informações mentirosas.

Vanessa Navarro

A assessora do deputado estadual Anderson Moraes (PSL-RJ) é namorada de Leonardo Rodrigues de Barros Neto, também investigado na ação. Ela se apresenta nas mídias sociais como católica.

De acordo com os dados obtidos, o presidente Jair Bolsonaro fez vídeos elogiando uma das páginas administradas por Vanessa Navarro e a felicitou por seu aniversário. As contas de Navarro divulgavam conteúdos pró-governo, com especial apelo para a figura de Bolsonaro.

No dia 11 de julho, após a exibição da reportagem do Fantástico, Vanessa publicou uma foto com o presidente Jair Bolsonaro e fez um apelo religioso. “Continuarei fazendo o que Deus me chamou a fazer, ajudar o meu País com a força de João 8:32”.

O texto bíblico de João 8:32 – “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” – tem sido reivindicado pela base bolsonarista sempre que é alvo de críticas ou investigações.

Leonardo Rodrigues de Barros Neto

Leonardo Rodrigues de Barros Neto foi assessor de Alana Passos entre 2 de fevereiro de 2019 e 30 de abril de 2020, quando pediu exoneração da função, segundo a namorada Vanessa Navarro, para dar continuidade a projetos individuais. Segundo o inquérito do Facebook, Leonardo era responsável pela gerência das páginas “Bolsonéas”, “Jogo Político” e outras. Após a derrubada delas pelas redes sociais digitais, Leonardo tornou a criar o Léo Bolsonéas no Facebook, Twitter e Instagram.

Em nota, a deputada Alana Passos afirmou que o trabalho de Leonardo foi exemplar e que o assessor estava encarregado de acompanhá-la em eventos, produzindo fotos e matérias. No entanto, apenas uma foto consta como de autoria de Leonardo no site da parlamentar. No dia 4 de dezembro de 2019, o assessor a teria acompanhado na cerimônia de formatura dos novos oficiais da Marinha Mercante, produzindo as fotos que constam do evento.

No entanto, o perfil Bolsonéas, que tanto Leonardo quanto Vanessa afirmam ser gerido por eles, se faz presente no debate nacional muito antes disso, principalmente por utilizar o discurso conservador e religioso para se opor à pauta LGBT. Em artigo publicado no segundo trimestre de 2019, os pesquisadores da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Edson Fernandes Dalmonte, professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Midiática, e Pedroso Carlos Ferreira de Souza, na ocasião aluno do doutorado, a página é citada. Segundo eles, a página teria atuado junto a outras 275, coletadas para promover o discurso de ódio e a censura a mostras artísticas de temática LGBT em 2017.

As mostras foram o Queermuseu, no Santander de Porto Alegre, encerrada em 1o de setembro de 2017, a apresentação Lá Bete (A Besta), encenada em São Paulo no dia 26 de setembro de 2017, e, com menor repercussão, a mostra “O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu”, censurada em Jundiaí no mesmo ano. Ainda segundo o estudo, as 275 páginas, das quais “Bolsonéas” e “Jogo Político” faziam parte, promoviam ocasionalmente filmes como Jardim das Aflições (cinebiografia de Olavo de Carvalho) e A lei é para todos (dramatização da Operação Lava Jato).

Após a investigação e exclusão da página Bolsonéas do Facebook por propagação de notícias falsas, Leonardo e Vanessa passaram a reclamar que estavam sendo alvo de perseguição, utilizando-se de linguagem religiosa para reforçar a tese.

No dia 9 de julho, o casal publicou uma interação no Twitter em defesa do presidente. Na ocasião, Leonardo afirmou que se trata de uma guerra espiritual. “O mal está tentando tomar conta do mundo. Cabe a nós lutar até o fim pelo que acreditamos. Pela família, por Deus e pelo Brasil!”, escreveu.

Paulo Chuchu

Paulo Eduardo Lopes, conhecido como Paulo Chuchu, é funcionário do gabinete de Eduardo Bolsonaro e líder da Aliança Pelo Brasil em São Bernardo do Campo.

Segundo a reportagem do Fantástico, ele era responsável pelas páginas The Brazilian Post, The Brazilian Post ABC e Notícias São Bernardo do Campo, todas excluídas do Facebook.

Bereia não encontrou informações sobre a filiação religiosa do investigado, mas ele tem feito menções sobre religião em suas mídias sociais. Em uma postagem recente, ele menciona matéria do site evangélico Conexão Política sobre a doação de verba de um livro LGBT para ONG religiosa:

Leia também: É impreciso que Xuxa lançará livro sobre homoafetividade para público infantil

Paulo Chuchu também fez uma postagem exaltando mártires cristãos armênios.

Tércio Tomaz

Apontado como líder do “gabinete do ódio”, termo usado para identificar o grupo que provoca assassinato de reputação por meio das redes sociais digitais, Tércio Arnaud Tomaz é assessor especial da Presidência da República. Um dos principais nomes de Jair Bolsonaro, é responsável pela atualização das redes sociais do Planalto; foi um dos primeiros assessores admitidos logo após a posse do presidente.

Além de sua conta pessoal, Tércio mantinha outras de modo anônimo nas redes sociais digitais. A página Bolsonaro News, administrada por ele, foi apontada e derrubada por espalhar conteúdo falso no Faceboook.

Não foi identificada ligação religiosa ou utilização de discurso religioso pelo assessor da Presidência em suas contas.

Eduardo Guimarães

Eduardo Guimarães é assessor parlamentar do deputado Eduardo Bolsonaro (Republicanos-SP), filho do presidente. O número de telefone dele foi apontado como sendo o usado para o registro da página “Bolso feios” no Instagram. Esta foi banida da mídia social, pois continha diversos ataques à imprensa, ao Supremo Tribunal Federal (STF), ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e aos adversários políticos da família Bolsonaro. Não foram identificadas referências religiosas do assessor.

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Referências de Checagem

Diário do Grande ABC, https://www.dgabc.com.br/Noticia/3226769/alianca-pelo-brasil-pretende-coletar-300-assinatura-em-sao-bernardo. Acesso em: 5 ago 2020.

BBC Brasil, https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53354358. Acesso em: 5 ago 2020.

Época, https://epoca.globo.com/brasil/quem-tercio-arnaud-tomaz-elo-mais-forte-entre-bolso
naro-rede-de-paginas-derrubadas-pelo-facebook-sob-acusacao-de-espalharem-noticias-falsas-24523803
. Acesso em: 5 ago 2020.

UOL, https://noticias.uol.com.br/colunas/constanca-rezende/2020/03/04/quebra-de-sigilo-liga-
gabinete-de-ebolsonaro-a-perfil-acusado-de-fake-news.htm
. Acesso em: 12 ago 2020.

Twitter – Paulo Chuchu – https://twitter.com/chuchusincero

Twitter – Leonardo Rodrigues (Bolsonéas) – https://twitter.com/leo_bolsoneas

Twitter – Vanessa Navarro (Bolsonéas) – https://twitter.com/nessabolsoneas

MPF aciona Valdemiro Santiago e Ministério da Saúde por anúncio de falsa cura da Covid-19. Bereia já verificou o caso

*Do MPF, com adaptações

Alerta de fake news removido do site do Ministério da Saúde (Foto: saude.gov.br)

O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma ação civil pública para que o pastor evangélico intitulado Apóstolo Valdemiro Santiago e a Igreja Mundial do Poder de Deus paguem pelo menos R$ 300 mil de indenização por danos sociais e morais coletivos. A cobrança se deve à divulgação de vídeos nos quais o religioso anunciava a venda de sementes de feijão com a falsa promessa de que, se cultivadas, elas curariam a covid-19. Valdemiro chegou a citar o caso de um fiel cuja recuperação plena da doença usando os feijões estaria comprovada por um atestado médico.

O Ministério da Saúde, representado pela União, também responderá à ação por ter removido de seu site uma mensagem de alerta contra os anúncios enganosos de Valdemiro. A publicação, feita após pedido do MPF, ficou no ar durante poucos dias, foi removida sem explicações e não voltou mais à página da pasta.

O MPF destaca que o líder da Igreja Mundial do Poder de Deus incorreu em prática abusiva da liberdade religiosa, ao colocar em riscos a saúde pública e induzir fiéis a comprarem um produto sem nenhuma eficácia comprovada. As sementes foram anunciadas em três vídeos veiculados no YouTube por preços que alcançavam R$ 1 mil cada. Segundo Valdemiro, a simples germinação dos grãos teria o poder de curar a covid-19.

“A dignidade da proteção constitucional que tutela a liberdade religiosa não constitui apanágio para a difusão de manifestações (ilegítimas) de lideranças religiosas que coloquem em risco a saúde pública, que explorem a boa-fé das pessoas, com a gravidade adicional de que isso ocorre com a reprovável cooptação de ganhos financeiros, pois ancorados em falsa premissa terapêutica, às custas da aflição e do sofrimento que atinge a sociedade”, ressaltou a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC-SP), órgão do MPF em São Paulo responsável pela ação.

Fake news

O MPF quer que a Justiça Federal conceda uma liminar obrigando o Ministério da Saúde a republicar a mensagem sobre a falsidade das informações anunciadas pelo pastor. O alerta para “fake news” havia sido veiculado no site da pasta em junho. Porém, um dia depois de o MPF divulgar que a requisição dos procuradores para a publicação havia sido acatada, o conteúdo tornou-se indisponível e desde então permanece fora do ar, apesar de solicitação para que a página fosse restabelecida. O MPF pede ainda que seja estabelecido ao Ministério da Saúde o dever de identificar quem foi a autoridade que determinou a remoção da mensagem.

“O Ministério da Saúde informa que não há, até o momento, produto, substância ou alimento que garante a prevenção ou tratamento do novo coronavírus. Conforme determinação do Ministério Público Federal, o Ministério da Saúde esclarece que é falso que o plantio de sementes de feijão, comercializadas pelo líder da Igreja Mundial do Poder de Deus, Valdemiro Santiago, leva à cura ou serve para prevenção da covid-19”, dizia o alerta removido do site. A mensagem era acompanhada de um selo que advertia: “Isto é Fake News! Esta notícia é falsa – Não divulgue”.

Por fim, a ação do MPF requer a concessão de uma ordem judicial dirigida à Google Brasil, responsável pelo YouTube. Os procuradores pedem que a empresa seja obrigada a preservar a íntegra dos vídeos (já removidos da plataforma, também a pedido do MPF ainda em junho) e forneça os dados cadastrais do usuário que os publicou. As informações serão utilizadas na instrução processual.

Em maio, tão logo o vídeo com o oferecimento das sementes foi divulgado, o Coletivo Bereia verificou a veracidade do conteúdo em matéria intitulada “É verdade que Apóstolo Valdemiro Santiago oferece semente que cura Covid-19”.

O número da ação do MPF é 5014383-08.2020.4.03.6100 e pode ser vista na íntegra aqui.

Grupos evangélicos e olavistas ajudaram a espalhar fake news de Bolsonaro sobre esquerda e pedofilia

Publicado originalmente pela Agência Pública. Reportagem de Ethel Rudnitzki e Mariama Correia.

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Maior portal de notícias evangélicas do país, o Gospel Prime publicou, ainda em maio, texto onde afirmava haver um crescimento de “grupos pela legalização da pedofilia nas redes sociais”. Embora amparado em argumentos falsos e vagos como “muitos usuários das redes sociais relataram a criação de grupos para esse fim”, a publicação do site – listado pela CPMI das Fake News – circulou em grupos de WhatsApp cristãos e foi amplamente compartilhada por evangélicos nas redes sociais no começo de julho.

Reprodução/Facebook
Fake news que associa pedofilia à esquerda circulou em grupos evangélicos

O mesmo argumento do Gospel Prime apareceu no Twitter do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), na terça-feira (14). Bolsonaro aproveitou a apresentação de um Projeto de Lei que aumenta a pena para pedófilos para afirmar, sem provas, que “a esquerda busca meios de descriminalizar a pedofilia, transformando-a em uma mera doença ou opção sexual”. O presidente mentiu, como mostraram várias checagens, incluindo esta do UOL e do Projeto Comprova, mas conseguiu atiçar ainda mais grupos religiosos radicais e discípulos do autodeclarado filósofo Olavo de Carvalho, que representam grande parte da sua base aliada.

Personalidades cristãs conservadoras também fizeram coro com Bolsonaro, como a deputada estadual Janaína Paschoal (PSL-SP), que é católica. Ela afirmou ser “muito comum esquerdistas relativizarem o sexo com menores de 14 anos”. O post de Janaína tinha quase seis mil curtidas e 900 compartilhamentos até a quinta-feira (16). O lutador de MMA evangélico Vitor Belfort, também postou no Twitter uma mensagem parabenizando Bolsonaro e Damares Alves pelo projeto e repetiu a fala de que a esquerda “busca meios de descriminalizar a pedofilia”.

Outros religiosos envolvidos na política, como o pastor e deputado estadual Léo Portela (PSL-MG), com mais de 20 mil seguidores no Twitter, também ajudaram a disseminar a fake news, assim como políticos bolsonaristas, a exemplo do Deputado Federal Daniel Silveira (PSL-RJ), e seguidores de Olavo de Carvalho, como o youtuber Bernado Kuster, ambos investigados no inquérito do STF que apura a disseminação de fake news. O boato também foi repercutido por outros portais de direita e circulou por grupos bolsonaristas no WhatsApp.

Reprodução/WhatsApp
Correntes que associam pedofilia à esquerda circulam em grupos bolsonaristas no Whatsapp
Reprodução/WhatsApp
Fake que associa pedofilia à esquerda repercutiu em portais e grupos de direita

Mentiras e moralismo

Bolsonaro usa fake news sobre pedofilia para ganhar apoio de lideranças religiosas conservadoras porque sabe que esse tema dialoga com o “moralismo cristão”, na visão do pastor progressista e crítico do atual governo, Ricardo Gondim. “As fake news fazem parte do arcabouço desse moralismo, que tem na ministra Damares, evangélica, um elemento muito representativo no governo federal”, considera.

Herbert Rodrigues, sociólogo e autor do livro “Pedofilia e suas narrativas”, diz que o tema da pedofilia foi capturado politicamente pela direita e pelas bancadas religiosas há alguns anos. “Desde a CPI da pedofilia no Senado(2008 -2010). Todos os membros da CPI eram homens. Muitos ligados à chamada bancada evangélica e tinham perfil conservador e punitivista. O presidente da CPI era o ex-senador Magno Malta, que é pastor evangélico”, lembra.

Entretanto, pelo menos a partir das eleições de 2018, Rodrigues observa que a extrema direita passou a associar a pedofilia com a esquerda mais sistematicamente. “Na minha opinião trata-se de uma estratégia fascista”, diz. Para a pesquisadora da USP Isabela Kalil, que estuda bolsonarismo e política antigênero desde 2013 este “é um tema recorrentemente usado como cortina de fumaça”. Ela acredita que não à toa o tuíte do presidente Bolsonaro foi publicado em um momento de crise do governo, na semana seguinte à soltura de Fabrício Queiroz, investigado por esquema de ‘rachadinhas’ quando era assessor do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos).

Isabela observa ainda que a questão da pedofilia sempre consegue chamar atenção de lideranças cristãs e abastecer correntes de fake news. “Embora seja um assunto muito específico e grave, faz parte de um pacote de desinformação antigênero, que inclui outras fake news, como a ‘mamadeira erótica’ e o ‘kit gay’. Há, na visão de certos grupos, uma conspiração pela sexualização precoce das crianças, e isso é associado ao movimento LGBT e às feministas. Nessa perspectiva, a pedofilia seria a ponta de um iceberg nesses discursos enviesados”, considera.

Propagação de fake news acontece de forma estratégica

Em 2016, o pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo e colunista do site Gospel Mais, gravou um vídeo falando sobre mudança de sexo em crianças e ideologia de gênero. Nele, Malafaia afirma que pedofilia é ideologia de gênero, e que “é um jogo dos esquerdopatas”. Com mais de 70 mil visualizações, o vídeo continua disponível no Youtube.

Reprodução/Youtube
Pastor Silas Malafaia espalha boato que associa pedofilia à esquerda em vídeo de 2016

Dois anos depois, uma imagem que afirmava que Fernando Haddad, na época candidato à presidência da República pelo PT, era autor de um projeto pró-pedofilia, viralizou nas redes sociais. A montagem falsa fazia referência ao Projeto de Lei (PL) 236/10, que nem era de autoria de Haddad, nem tratava de legalização da pedofilia, como mostrou o Estadão.

Apesar disso, no começo deste ano, a ministra Damares fez referência ao mesmo PL em entrevista onde afirmou haver risco de legalização da pedofilia no Brasil.

O ex-deputado Federal Jean Willys (PSOL) também foi caluniosamente acusado de defender a pedofilia em 2018, pelo ainda deputado Federal Alexandre Frota (PSDB), condenado por disseminar fake news, na época aliado de Bolsonaro.

Recentemente, um tuíte falso, defendendo um pedófilo, também foi atribuído ao youtuber Felipe Neto, que tem feito críticas ao atual governo.

Acusar alguém de pedofilia ou de apoio à pedofilia é quase infalível enquanto tática para enfraquecer inimigos políticos e despertar apoio de grupos conservadores, avalia a pesquisadora Isabela Kalil. “Não tem como ser a favor da pedofilia. É um tema que perpassa a educação, mobiliza as famílias, é repercutido pela opinião pública. Desperta um pânico moral nas pessoas, mas por vezes carrega um pacote, como um Cavalo de Tróia que, quando aberto, está cheio de ideias antigênero, antiLGBT e de posições transfóbicas, também bandeiras de grupos católicos e evangélicos conservadores”.

Para Isabela, a falsa associação entre esquerda e pedofilia voltou à tona em um momento particularmente estratégico para o governo federal, que lançou em abril, no meio da pandemia, o Observatório da Família, dentro do ministério de Damares Alves. O Observatório teria a finalidade de “produzir conhecimento científico sobre a família e servir de referência para a criação de políticas públicas”. “O projeto foi lançado como se não fosse nada. Em um olhar mais atento se vê que é uma ameaça de grave retrocesso de direitos públicos, de desmonte do Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH) – que envolve Comissão da Verdade, cotas raciais, políticas LGBTQI+. É bom lembrar que o PNDH tem sido um empecilho para o avanço de pautas conservadoras, muitas delas cristãs”, considera.

Embora a mentira pareça só uma afirmação descontextualizada, a desinformação obedece a um processo bem articulado e em cadeia: “Você cria um medo ou um problema e depois se apresenta a solução. No exemplo mais recente de Bolsonaro, para o medo da pedofilia, a solução é o PL e ainda outras ações do governo, como o Observatório da Família”, analisa Isabela Kalil.

Fake news importada

A pesquisadora também observa que as fake news circulam em movimentos encadeados. No caso do boato que associa a defesa da pedofilia à esquerda, a origem é estrangeira e é resgatada em momentos oportunos.

A reportagem do Gospel Prime cita um suposto movimento de legalização da pedofilia chamado MAP, sigla em inglês para pessoa sexualmente atraída por menores de idade. O texto afirma que “circulam rumores na internet de que uma das pautas dessa militância é inserir P (de pedófilo) à sigla LGBTI”. A notícia é falsa. O portal evangélico brasileiro traduz o texto do site latinoamericano “Notícias Cristianas”, que por sua vez importou uma notícia falsa dos Estados Unidos, verificada ainda em 2018 pela organização de fact-checking Snopes. Na verdade, MAP é um termo criado por uma organização norte-americana que auxilia pedófilos em busca de tratamento, diz a checagem.

Mas a associação de pedofilia com a esquerda é ainda mais antiga que isso. No Brasil, ela foi propagada pela figura de Olavo de Carvalho. Em um texto de 2002, intitulado “Cem anos de pedofilia”, o autoproclamado filósofo e atual guru de Bolsonaro elenca uma série de elementos que estariam por trás do que ele chama de “movimento de indução à pedofilia”. Entre eles estão as teorias de Sigmund Freud, o movimento feminista, e até o advento da pílula anticoncepcional e da camisinha. Para Carvalho, que é bastante religioso, “por toda parte onde a prática da pedofilia recuou, foi a influência do cristianismo — e praticamente ela só — que libertou as crianças desse jugo temível”.

Depois do texto, o guru continuou propagando essa falsa teoria para seus seguidores e a resgatando em momentos oportunos. Uma das aulas de seu curso online de filosofia (COF) de título “Poder e Pedofilia – um breve resumo” foi relembrada por seu aluno e youtuber, Bernardo Küster na ocasião da polêmica a respeito da mostra “Queer Museu” no MASP. Em vídeo, olavista argumenta que a exposição faz parte do grande projeto da esquerda de legalizar a pedofilia, como já dizia seu guru.

Reprodução/ Facebook
Youtuber olavista Bernardo Küster, repercutiu boato ainda em 2017

Sistematicamente portais de desinformação liderados por seguidores de Olavo de Carvalho também ressuscitaram essa teoria. No último dia 15, o site Estudos Nacionais, do aluno de Olavo Cristian Derosa, publicou um texto que buscava legitimar a afirmação de Bolsonaro. “Esquerda quer descriminalizar a pedofilia? Entenda a declaração de Bolsonaro e sua repercussão” dizia.

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Foto de Capa: Pixabay/Reprodução

Deputado federal evangélico exalta Roberto Jefferson em vídeo: “sempre foi sinônimo de responsabilidade”

Em 13 de julho, o presidente nacional do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Roberto Jefferson, publicou, em seu perfil no Twitter, um vídeo ao lado do pastor da igreja pentecostal Assembleia de Deus e deputado federal pelo Rio de Janeiro, Otoni de Paula (PSC/RJ). Na legenda, ele inseriu: “Deputado Federal Otoni de Paula. Grande guerreiro de Cristo. Tenho orgulho de ser seu amigo. Pensando o Rio de Janeiro e o Brasil”.

Com mais de 24 mil visualizações até a redação desta matéria, o vídeo apresenta Otoni de Paula enaltecendo Roberto Jefferson:

Sempre foi sinônimo de austeridade e acima de tudo sempre foi sinônimo de responsabilidade. Roberto Jefferson sempre assumiu no peito os seus acertos e erros e hoje tem moral para ensinar a minha geração qual o caminho que nós temos que trilhar, porque já passou por lá e pode hoje dizer: esse é o caminho correto. Por isso, como eu faço parte dessa nova geração de políticos no Brasil, nada melhor do que estar diante do nosso mestre

Otoni de Paula, na gravação de 46 segundos publicada.

Personagens envolvidas em crimes e inquéritos

Tanto Otoni de Paula quanto Jefferson têm utilizado suas redes sociais para criticar e disseminar desinformação sobre o Supremo Tribunal Federal e são investigados no inquérito que apura a disseminação de fake news. O deputado federal do PSC é acusado de, em duas ocasiões, “empregar violência moral e grave ameaça para coagir Moraes [ministro Alexandre Moraes] e, com isso, beneficiar a si mesmo”. Jefferson, por sua vez, chegou a comparar, em maio, o STF a um tribunal nazista.

No último dia 14 de julho, Otoni de Paula foi denunciado pela Procuradoria Geral da República (PGR) ao Supremo Tribunal Federal pelos supostos crimes de difamação, injúria e coação de vídeos com ataques e ofensas ao ministro Alexandre Moraes, do STF. Na denúncia, a PGR afirma que o deputado fez duas transmissões ao vivo pela internet, nos dias 16 de junho e 5 de julho, nas quais “imputou fatos afrontosos à reputação do ministro [do STF] Alexandre de Moraes”, além de ofender a dignidade do ministro. No vídeo, o deputado chama o ministro de “lixo”, “tirano” e “canalha”, entre outras ofensas. Na ocasião, o deputado era um dos vice-líderes do governo Bolsonaro. Os fatos são investigados no inquérito que apura ataques às instituições.

A denúncia será analisada pelo tribunal e, se aceita, o deputado se tornará réu em uma ação penal. Em mensagem publicada em mídias sociais, no mesmo dia 14 de julho, o parlamentar afirmou que ainda não tinha conhecimento sobre a denúncia feita pela PGR. “Ainda não conheço o teor das denúncias da PGR contra mim, mas uma coisa prometo, lutarei até o fim contra a tirania da toga”. Nas gravações, o deputado criticou Moraes por ter libertado o blogueiro Oswaldo Eustáquio, mas proibindo-o de usar as redes sociais digitais.

Em 10 de junho, matéria do Coletivo Bereia apresentou o perfil e as ligações religiosas de investigados no inquérito do Supremo Tribunal Federal contra fake news. Entre os alvos com ligações religiosas estava Roberto Jefferson, sobre o qual o Bereia apontou a trajetória nas mídias digitais, na política, as acusações e defesas no inquérito das fake news.

Segundo a matéria do Bereia, entre as alianças religiosas de Jefferson está o ex-deputado Carlos Rodrigues, ex-bispo da Igreja Universal, um dos operadores do “Mensalão”, acusado de comandar a cobrança de uma mesada de R$10 mil a R$15 mil de todos os deputados federais e estaduais do país ligados à Igreja Universal do Reino de Deus, através do esquema chamado “Dízimo do Legislativo”.

Jefferson: de volta à cena via bolsonarismo

Desaparecido da cena política desde sua prisão, em 2005, Roberto Jefferson voltou a ganhar destaque na mídia quando o presidente Jair Bolsonaro, neste 2020, em crise na relação com o Congresso Nacional, e na iminência de sofrer um processo de impeachment, recorreu ao apoio do Centrão, que tem o presidente do PTB como um dos líderes. Apoiador de Bolsonaro, Jefferson já havia atuado em 1992 como líder da “tropa de choque” que tentou impedir o impeachment do então presidente Fernando Collor.

No final de abril de 2020, Jefferson reapareceu como aliado do governo Bolsonaro com críticas ao STF. Em postagem no Twitter, em 9 de maio, ele pedia ao presidente “para atender o povo e tomar as rédeas do governo”.

Na decisão que determinou a busca e apreensão nas casas do ex-deputado, o ministro Alexandre de Moraes determinou a apreensão de armas e também mandou bloquear as mídias sociais do ex-parlamentar e afirmou que há indícios da prática de sete crimes. Os agentes da PF realizaram buscas em dois endereços do ex-deputado federal, um na cidade de Comendador Levy Gasparian e outro em Petrópolis, ambas no Rio de Janeiro.

Ainda segundo conteúdo do Bereia, após a Operação, o partido de Jefferson, o PTB, que declarou apoio a Bolsonaro em 2018, em nota, se pronunciou à Nação brasileira: “Não vamos permitir que ministros do STF calem o Presidente”, fazendo menção a Roberto Jefferson.

Em apoio ao pai, a deputada Cristiane Brasil (PTB/RJ), que não conseguiu se reeleger depois de ser investigada, em 2018, por envolvimento em fraudes no Ministério do Trabalho, participou das manifestações pró-Jair Bolsonaro no dia 31 de maio.

Em matéria publicada pela Folha de S. Paulo, em 21 de abril, o jornalista Fábio Zanini apresentou a nova “roupagem bolsonarista” de Jefferson, salientada a partir de 19 de abril, em uma transmissão pela internet em que o ex-deputado federal criticou o congresso, tendo como alvo principal o presidente da Câmara Rodrigo Maia, por supostamente articular o esvaziamento dos poderes presidenciais.

A live, conduzida pelo jornalista Oswaldo Eustáquio, preso pelo mesmo inquérito das fake news contra o STF, até o momento da redação desta matéria contabilizava mais de 2,1 milhões de visualizações, tendo sido compartilhada pelo presidente Jair Bolsonaro e diversos integrantes de sua base de ativistas digitais.

Na transmissão, Jefferson denunciou um suposto golpe que estaria sendo arquitetado com a participação de governadores e líderes para aprovar o impeachment de Bolsonaro ou instituir um parlamentarismo branco. O mesmo tom seguiu se repetindo nas redes sociais e demais entrevistas.

À Folha, ele afirmou que uma tentativa de tirar Bolsonaro da Presidência poderia gerar violência. “Está chegando um momento de radicalização. A pressão é tão grande que se tentarem, num movimento de rua, sustentar um pedido de impeachment, vão ter que enfrentar a turma do Bolsonaro. E aí o pau vai cantar. Quando você enfrenta a força, você tem que opor a força a ela. Não tem saída”, declarou. Ainda segundo a publicação, desde o agravamento da pandemia do novo coronavírus, o presidente nacional do PTB tem demonstrado apoio a Jair Bolsonaro. Seria, de acordo com Jefferson, em razão de ambos partilharem dos mesmos valores. “Eu não tenho proximidade pessoal com o Bolsonaro. Eu tenho as mesmas convicções. Ele empunha a bandeira dos ideais que eu sustento”, disse à Folha de S. Paulo, que afirma que a aliança, para além do cenário nacional, ainda coincide com o da política carioca.

Neste 21 de julho, Roberto Jefferson voltou à cena nas mídias sociais. Em uma live, transmitida pelo canal do Youtube “Questione-se”, o apoiador do governo Bolsonaro, quando entrevistado por um blogueiro, o presidente nacional do PTB fez comentários homofóbicos contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Nas declarações, o político diz que dois magistrados “são sodomitas” e que “usam saia pela opção sexual”.

“Tem dois ministros lá que tem esses gostos (…) tem dois ministros que são meninas. Tem ministros de rabo preso e dois de rabo solto, conhecidos. Um é o (sic) Carmen Miranda, e o outro é Lulu boca de veludo (…) e eles querem fazer pauta de gênero, porque eles ainda não encontraram o deles (…) tem dois sodomitas ministros”, afirmou Roberto Jefferson. Em um determinado momento da live, o ex-deputado afirma que seria vergonhoso que dois ministros assumissem que “são enrab… por um negão”.

O jurista Marco Aurélio de Carvalho, do grupo Prerrogativas, manifestou-se sobre a live de Roberto Jefferson. “O desrespeito, a agressão e a calúnia aos ministros do Supremo Tribunal Federal, no contexto em que foram proferidos e veiculados, são claras tentativas de desgaste do próprio Tribunal que integram, e, assim, de 1 dos mais importantes pilares do Estado de Direito. A reação tem que ser firme, rápida, contundente e pedagógica”, afirmou.

Otoni de Paula: fidelidade ao bolsonarismo

O vídeo em que Otoni de Paula exalta Roberto Jefferson foi produzido por conta do contexto eleitoral em que o país está se inserindo. Definido o calendário da realização das eleições municipais para o final do ano, partidos e candidatos começam a se manifestar publicamente com articulações para candidaturas.

O deputado federal Otoni de Paula, filho do famoso e histórico cantor evangélico, da Assembleia de Deus, Ozeias de Paula, estreou na política institucional como vereador pelo PSC do Rio de Janeiro, de 2017 a 2018. Em 2018 foi eleito deputado federal pelo mesmo partido, na aliança com o PSL de Jair Bolsonaro, que elegeu o governador Wilson Witzel. Otoni de Paula logo se tornou um dos vice-líderes do governo federal na Câmara.

O pastor evangélico e deputado federal produziu o vídeo exaltando o presidente do PTB, Roberto Jefferson, neste mês de julho, no contexto em que foi convidado a se filiar ao partido. No acordo, ele apoiará a candidatura da ex-deputada federal Cristiane Brasil, filha de Jefferson, à prefeitura. Por outro lado, ele terá o apoio do PTB para disputar o governo do Rio de Janeiro em 2022.

Em 16 de julho, Otoni de Paula confirmou as afirmações do noticiário, em um vídeo de sete minutos em seu canal no YouTube, em que afirma:

Saiu uma matéria no site O Antagonista e em alguns veículos de comunicação dando conta da minha filiação ao PTB, de Roberto Jefferson, o grande guerreiro Roberto Jefferson. Bem, queria esclarecer algo muito importante. Eu tive a honra de sentar com o deputado Roberto Jefferson, tive a honra de ter uma longa conversa com esse grande patriota, antes desse dia, na semana passada, eu não tinha tido nenhum contato pessoal com o Roberto Jefferson. Nunca tinha tido antes. Mas, resolvi me aproximar de Roberto Jefferson por conta da sua brilhante defesa à pátria brasileira e sua brilhante defesa ao presidente Bolsonaro. E eu disse que quem defende o meu amigo, meu amigo passa a ser. Realmente nós estamos construindo uma boa amizade que queremos que transcenda as questões políticas. Roberto Jefferson sempre foi um sujeito homem, e eu gosto de sujeitos corajosos, que assumem os seus acertos e assumem os seus erros também. Por isso é que eu não tenho vergonha nenhuma, nenhuma, nenhuma de estar ao lado de Roberto Jefferson, porque tem se demonstrado um grande patriota. E os erros que ele cometeu lá atrás ele pagou por todos eles e, graças a ele, nós começamos a quebrar o império do PT no Brasil. Bem, portanto, nós conversamos sim, conversamos sobre uma possível ida nossa para o PTB. Recebi esse convite do próprio Roberto Jefferson, que disse que o PTB está aberto para que eu me candidate para 2022 ao governo do estado do Rio de Janeiro ou ao senado federal, já que estamos em uma batalha imensa lá em Brasília e também outra aqui no estado do Rio de Janeiro. Contudo, é bom que fique claro que eu ainda estou no PSC, eu ainda estou filiado no PSC e eu só poderia sair hoje do PSC através de um acordo que dificilmente haverá ou através do TSE, me liberando, liberando a minha saída do PSC. Do contrário eu corro o risco de perder o meu mandato e, ao perder o mandato, eu perco o meu maior patrimônio, a minha voz, em poder estar cerrando fileiras ao lado do Brasil, pela nossa pátria amada Brasil. Portanto, me senti muito honrado, mas muito honrado mesmo por esse convite do Roberto Jefferson, da sua filha Cristiane Brasil. Porém, ainda continuo filiado no PSC, ok? Só para colocar claro tudo isso para todos vocês. O convite para vir para o governo do Rio de Janeiro pelo PTB, o convite de poder decidir se em 2022 vamos vir governador ou senador pelo PTB muito nos honrou. Agora, quem vai decidir isso, se eu serei candidato a governador do Rio de Janeiro ou se eu serei candidato ao Senado Federal é o povo da minha terra, é o povo do meu Rio de Janeiro. São eles. Caso eu perceba que não há essa vontade do povo que a gente venha ao governo do estado ou ao Senado Federal , que a única casa que pode mudar isso que está acontecendo o STF , então nós vamos colocar o nosso nome novamente à disposição da população do Rio de Janeiro para uma reeleição a deputado federal se essa for a vontade do papai do céu. Porque o dia do amanhã só pertence a Deus. Estamos vivos agora, hoje, nesse momento, não sabemos se estaremos vivos amanhã. Mas, se estivermos, e se estivermos com saúde, não vamos recuar da batalha porque não nos faltará a coragem de continuar lutando pelo nosso Brasil. Um abraço ao presidente Roberto Jefferson, à Cristiane Brasil. Obrigado pelo convite que muito me honrou. Estar no PTB, quem sabe, de acordo com a vontade de Deus, será uma honra muito grande. Mas isso está na vontade de Deus porque eu ainda estou filiado ao PSC. Um abraço a todos. Esclarecido? É sempre assim, é olho no olho. Eu falando com você e você falando comigo. Quem puder compartilhar, compartilha. Beijo no coração. Deus abençoe. Cheguei no Rio agora. Estou indo agora para Iguaba visitar minha querida Iguaba, a cidade praiana aqui no Rio de Janeiro. Mas não é para tomar banho de praia não, é para levantar a bandeira da direita conservadora lá na cidade de Iguaba, ao lado do meu amigo Juninho Negão. Júnior Negão, um abraço. Deus abençoe o Júnior Negão e Deus abençoe sua esposa Jéssica e toda a sua família. Estamos chegando aí na querida Iguaba. Um abraço, pessoal. Deus abençoe!”.

Deputado Otoni de Paula

O deputado, que rompeu com o PSC por conta de críticas ao governador Wilson Witzel, confirmou o convite e comentou a denúncia do MPF: “Aceitei o convite do PTB com a convicção de que essa ação é feita para me intimidar e intimidar protestos e manifestações populares. A mensagem é: ‘Se a gente faz isso com um deputado, que tem imunidade (parlamentar), imagina o que não podemos fazer com vocês’”.

O fracasso na criação do partido do presidente Jair Bolsonaro Aliança Pelo Brasil, com previsão atualizada para sair do papel apenas no fim de 2021, quase dois anos após o planejamento, fez com que muitos deputados bolsonaristas desistissem do projeto. Além de Otoni de Paula, festejado pela militância bolsonarista no evento de lançamento do Aliança, que irá para o PTB, os deputados Luiz Lima (RJ) e Coronel Chrisóstomo (RO) decidiram permanecer no PSL, enquanto Flávio e Carlos Bolsonaro foram para o Republicanos.

A debandada pode ser ainda maior: o PSL, partido que saiu do anonimato com o bolsonarismo, planeja uma reunião com todos os deputados e, diante da reaproximação com o Palácio do Planalto, tentará convencer mais bolsonaristas a não se desfiliarem. No grupo de WhatsApp do Aliança, 90% dos políticos que atuam para fundar a legenda estão, hoje, no PSL.

No Twitter, Otoni reclamou recentemente da postura moderada de Bolsonaro, que reatou pontes com Judiciário e Legislativo: “Estou tendo a sensação de que combinaram algo e não me avisaram. Fui chamado para uma guerra pela minha pátria, mas tô tendo a sensação de que há um acordo de paz com o inimigo, que eu não participei e não participaria”.

Já no dia 20 de julho de 2020, Otoni de Paula criticou o Ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência da República, General Luiz Ramos, também evangélico (batista), dizendo que ele será o responsável por tornar Jair Bolsonaro refém do Centrão, liderado por Roberto Jefferson.

O inquérito do STF não é o primeiro envolvimento do deputado federal evangélico em investigações pela justiça. Em julho de 2018, três meses antes das eleições, Otoni de Paula publicou um vídeo convidando fiéis de sua igreja para comparecerem ao lançamento de sua pré-candidatura e passou a ser investigado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Estado. No vídeo, o pastor e candidato agradece a disposição de “alguns irmãos em alugar um ônibus” para levar fiéis ao evento. Na sequência do vídeo, Otoni pede “palmas para Jesus” e diz que “vivemos um momento de guerra por conta do golpe do impeachment contra o prefeito do Rio, Marcelo Crivella. O pedido de impeachment de Crivella, também evangélico, havia sido processado por alguns vereadores por ter o prefeito oferecido vantagens a fiéis de sua igreja em um evento reservado a pastores na sede da prefeitura. Em outros vídeos, Otoni critica a atuação do juíz que mandou Crivella “parar de usar a prefeitura para favorecer seu grupo religioso”

Bereia classifica o conteúdo do vídeo do deputado federal pastor Otoni de Paula (PSC/RJ), publicado pelo presidente do PTB Roberto Jefferson, como material de campanha, com divulgação imprecisa da figura pública de Jefferson. Atributos como “sempre sinônimo de responsabilidade” e “moral para ensinar esta geração” não correspondem ao histórico do envolvimento do ex-deputado federal, que preside o PTB, com ilegalidades, culminando na atual investigação do seu papel como disseminador de fake news e de discurso de ódio, que é omitido na divulgação do deputado Otoni de Paula.

Foto de Capa: Twitter/Reprodução

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Referências de Checagem

Conheça o perfil e as ligações religiosas dos investigados no inquérito do STF contra Fake News – Parte I. Disponível em: https://coletivobereia.com.br/conheca-o-perfil-e-as-ligacoes-religiosas-dos-investigados-no-inquerito-do-stf-contra-fake-news-parte-i/. Acesso em 20 de julho de 2020.

PGR denuncia deputado Otoni de Paula por difamação e injúria contra Alexandre de Moraes. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/07/14/pgr-denuncia-deputado-otoni-de-paula-por-difamacao-e-injuria-contra-alexandre-de-moraes.ghtml. Acesso em 20 de julho de 2020.

Roberto Jefferson veste figurino bolsonarista após defender Collor e delatar Mensalão. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/04/apos-defender-collor-e-delatar-mensalao-roberto-jefferson-veste-figurino-bolsonarista.shtml. Acesso em 20 de julho de 2020.

PGR denuncia deputado Otoni de Paula por ameaças contra Alexandre de Moraes. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/07/14/interna_politica,872147/pgr-denuncia-deputado-otoni-de-paula-por-ameacas-contra-alexandre-de-m.shtml. Acesso em 20 de julho de 2020.

Alvo de operação, Jefferson compara STF ao nazismo: ”Tribunal do Reich”. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/05/27/interna_politica,858735/alvo-de-operacao-jefferson-compara-stf-ao-nazismo-tribunal-do-reich.shtml Acesso em 20 de julho de 2020.

PGR denuncia deputado ao STF por ofensas a Alexandre de Moraes. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2020-07/pgr-denuncia-deputado-ao-stf-por-ofensas-alexandre-de-moraes. Acesso em 20 de julho de 2020.

Denunciado por ataque a ministro do STF, Otoni de Paula vai se filiar ao PTB. Disponível em: https://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2020-07-16/denunciado-por-ataque-a-ministro-do-stf-otoni-de-paula-vai-se-filiar-ao-ptb.html. Acesso em 20 de julho de 2020.

Demora na criação do Aliança faz deputados desistirem do partido anunciado por Bolsonaro. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/demora-na-criacao-do-alianca-faz-deputados-desistirem-do-partido-anunciado-por-bolsonaro-24540810. Acesso em 20 de julho de 2020.

TRE/RJ mira pastor do PSC que convocou fieis para lançamento de pré-candidatura. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/tre-rj-mira-pastor-do-psc-que-convocou-fieis-para-lancamento-de-pre-candidatura-22894513. Acesso em 20 de julho de 2020.

Presidente Bolsonaro mente ao dizer que “esquerda” quer descriminalizar pedofilia

Publicado originalmente no UOL Notícias, com adaptações do Coletivo Bereia

Postagem do Presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no Twitter, em 14 de junho de 2020, foi intensamente compartilhada em mídias digitais de pessoas e grupos cristãos. Ele acusou “a esquerda” de buscar “meios de descriminalizar a pedofilia“, ao falar sobre um PL (Projeto de Lei) apresentado pela Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos Damares Alves, na segunda-feira, 13 de julho, que sugere aumento na pena de crimes sexuais praticados contra crianças e adolescentes. 

Inicialmente, a fake news surgiu em 2015, tendo como alvo a deputada Maria do Rosário (PT-RS) e o ex-deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ). Voltando a circular em 2017, quando foi desmentida pelo então deputado em suas redes sociais.

Os criadores da mentira chegaram a adulterar fotos dos dois deputados para forjar cartazes e folders dizendo que a pedofilia não seria crime, e sim doença. Tais fotos não existem, bem como nunca foi apresentado nenhum projeto de lei com esse conteúdo, como a imprensa alertou na época.

Durante as eleições de 2018, o candidato do PT à Presidência da República, Fernando Haddad, foi alvo de uma notícia falsa que afirmava que ele defendia a legalização da pedofilia. O projeto Comprova verificou , na ocasião, que o PL 236/2012 tramita no Senado desde 2012, não propõe a legalização da pedofilia e não tinha relação com o PT e com Haddad.

A proposta foi apresentada pelo ex-presidente e ex-senador José Sarney (MDB-AP) e estava sob a relatoria do senador Antonio Anastasia (PSDB). O projeto de lei em questão trata de uma proposta de novo Código Penal.

No artigo 186, o projeto propôs a redução de 14 anos para 12 anos o limite de idade da vítima na qualificação do crime de “estupro de vulnerável”, um agravante do crime de estupro. Acima do limite de idade, a violência sexual não deixaria de ser considerada crime de estupro

Formulada por juristas e debatida por cerca de sete meses, a proposta de mudança se baseia no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que considera crianças aquelas pessoas que têm até 12 anos de idade incompletos.

Pedofilia é transtorno mental, diz OMS 

Pedofilia não é um crime, mas um transtorno mental reconhecido pela OMS (Organização Mundial da Saúde) desde os anos 1960. 

Pelas leis brasileiras, qualquer ato que atente contra a dignidade sexual da criança é tipificado como crime, como o estupro de incapaz (artigo 217-A do Código Penal) e a pornografia infantil (prevista nos artigos 240 e 241 do ECA). Não é só no Brasil, mas também no resto do mundo, não existe qualquer dispositivo legal que criminalize a pedofilia. 

Segundo reportagem publicada pelo TAB/UOL, não existe cura para a pedofilia. Por isso, é preciso acompanhamento médico constante — terapia e, em alguns casos, medicação hormonal para inibir o desejo sexual — para tratar os impulsos. O tratamento não é só importante para o pedófilo como também o impede de fazer vítimas. Quando um pedófilo comete abuso sexual, aí sim ele passa a ser um abusador e deve responder pelos seus atos perante a Justiça. 

No entanto, nem todos os abusadores de crianças são pessoas portadoras do transtorno.

O principal problema é que o uso indiscriminado do termo obscurece a verdadeira questão: a pedofilia é classificada no conjunto de uma desordem mental; ao passo que o abuso sexual infantil (a pornografia infantil) se refere ao perpetrador de abuso sexual e não implica, necessariamente, doença mental, mas crime“, explicou  Herbert Rodrigues, sociólogo, professor da Missouri State University (EUA) e autor do livro “A pedofilia e suas narrativas” (Editora Multifoco). Portanto, a pedofilia seria uma doença mental que poderia ser classificada sob o termo de molestador infantil. 

Mesmo que pedófilos sejam classificados como molestadores infantis, nem todos os molestadores podem ser considerados — ou diagnosticados — como pedófilos.

Na mesma linha, psiquiatras especializados entendem que a banalização do termo “pedofilia” é uma das causas que impedem pessoas com essa doença de procurar ajuda e evitar algum tipo de abuso contra crianças. Além disso, nem sempre os casos de abusos sexuais contra menores são cometidos por pedófilos, mas muitas vezes por pessoas que se aproveitam de uma situação de vulnerabilidade da vítima para agir. O psiquiatra Danilo Baltieri, coordenador do ABSex (Ambulatório de Transtornos da Sexualidade da Faculdade de Medicina do ABC), avalia que cerca de 30% a 40% dos agressores sexuais de crianças são, de fato, pedófilos.

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Referências de checagem

BR Política Bolsonaro mente no Twitter que esquerda quer descriminalizar pedofilia

Comprova – Projeto não torna a pedofilia um ato legal nem tem participação de Haddad.

Senado Federal- 236/2012

Twitter – Bolsonaro

UOL – Bolsonaro distorce ao postar que esquerda quer descriminalizar pedofilia

UOL – PEDÓFILO PROCURA AJUDA

UOL – Por que a discussão sobre abuso sexual infantil precisa evoluir no Brasil.

Sites de religiosos bolsonaristas receberam patrocínio do governo federal para propaganda da Previdência

*Publicado originalmente pela Agência Pública. 09 de Julho de 2020

“E essas pessoas cheias de saúde que se aposentam com 50 anos?”, pergunta o ator de um vídeo encomendado pelo governo Bolsonaro sobre a reforma da Previdência. A série publicitária, parte da campanha oficial mais cara realizada na atual gestão da Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom), foi veiculada em rádios, TVs, jornais impressos e na internet, onde encontrou um nicho peculiar: canais de YouTube para crianças.

Segundo levantamento da Agência Pública, canais infantis no YouTube foram um dos principais meios de veiculação da propaganda governamental sobre a reforma da Previdência, que circulou também em canais religiosos, perfis acusados de produzir notícias falsas e contas banidas da plataforma por violarem regras.

A reportagem apurou os 500 canais do YouTube que mais receberam verbas da Secom através do sistema de anúncios do Google entre 6 de junho e 13 de julho de 2019. Nesse período, anúncios da Previdência foram veiculados em 168 canais infantis, 76 canais de música, 52 videoblogs ou vlogs e 33 canais religiosos. A Pública constatou que a campanha foi impulsionada em pelo menos 11 canais que publicaram notícias falsas e sete que foram excluídos ou banidos do YouTube por violação das regras. Juntos, eles receberam R$ 119 mil de dinheiro público.

Por meio dessa campanha, a Secom atingiu 9,8 milhões de visualizações em pouco mais de um mês. Mais de meio milhão se converteu em cliques nos anúncios da Nova Previdência – uma taxa de interação de 5,8%. Os canais infantis, maior público-alvo da campanha do governo federal, lideraram as visualizações.

Os dados foram obtidos por consultores legislativos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), em um processo que durou quase seis meses. Relatório apresentado à CPMI das Fake News revela que grande parte dos anúncios foi destinada a portais considerados “inadequados” – como sites de jogos de azar, disseminadores de notícias falsas ou banidos do YouTube por descumprimento de regras – e que há indícios de o dinheiro foi mal investido.

Canais bolsonaristas que disseminam fake news foram beneficiados

O Google Ads (AdWords) foi a plataforma utilizada pela Secom para divulgar a campanha da Nova Previdência no YouTube, em aplicativos e sites. Nela, os gestores de uma campanha podem estabelecer o orçamento, além de uma série de parâmetros para delimitar os canais em que os anúncios serão exibidos. O Google faz a intermediação entre o anunciante e os donos dos canais no YouTube que ofereceram seus espaços publicitários.

Ainda que o sistema seja automático, o anunciante consegue ter controle dos canais e até dos vídeos em que seu conteúdo será exibido, de acordo com o publicitário Paulo Motta, que trabalha com Google Ads há sete anos. “O Google permite segmentação por temas dos canais e por público-alvo. É possível escolher a faixa etária, a localização, o perfil de renda baseado em hábitos de consumo, a idade, e uma série de opções porque o Google colhe informações dos usuários para oferecer aos anunciantes”, garante. Motta diz que os gestores de uma campanha podem bloquear segmentos, canais e vídeos para assegurar que os anúncios não serão exibidos em sites de fake news e/ou de conteúdos sensíveis, como eróticos, por exemplo.

Apesar dessa possibilidade de bloqueio, anúncios da Secom foram veiculados em canais que espalharam fake news. Entre 6 de junho e 13 de julho de 2019, foram mais de 175 mil acessos aos vídeos da Nova Previdência em 11 canais desse tipo – com um faturamento de R$ 1,9 mil.

Oito deles são bolsonaristas, como, por exemplo, Bolsonaro TV, Jacaré de Tanga e Seu Mizuka, que postam vídeos alinhados ao discurso do presidente.

“A verdade pode ser assustadora!” é o título de um dos vídeos do Seu Mizuka, postado em 27 de junho do ano passado. Nele, o youtuber fala da reunião do G20, que estava prestes a ocorrer, chama os líderes mundiais de “globalistas” e acusa as Nações Unidas de querer criar movimentos separatistas dentro do Brasil.

Vídeos como esse foram precedidos por propagandas da Previdência, que atingiram mais de 18 mil visualizações através do Seu Mizuka. A cada cem visualizações, 41 pessoas clicaram no vídeo, uma taxa de interação considerada alta.

De maneira geral, considerando a taxa de interação – que pode ser um clique, um like ou um comentário – , as pessoas que assistiram aos canais de fake news se mostraram mais interessadas nos anúncios da Previdência do que as que viram vídeos de música, por exemplo. Em média, a cada cem acessos aos vídeos de desinformação, 13 se converteram em interações com os anúncios.

Um dos canais mais influentes na campanha da Nova Previdência foi o Foco do Brasil – antes chamado de “Folha do Brasil” –, que atingiu 57 mil visualizações e teve um ganho de R$ 13,70 por clique nos anúncios – totalizando um faturamento de R$ 726,25 no período. Além de publicar notícias falsas, o canal é alvo do inquérito da Procuradoria-Geral da República (PGR) que investiga a organização de atos antidemocráticos.

Com 2,18 milhões de inscritos, o canal posta vídeos de Jair Bolsonaro e de um jornal denominado JB News, que comenta as principais notícias do dia sob a ótica bolsonarista.

No seu último vídeo, denominado “Fim do Canal?”, publicado na quarta-feira (24/6), o apresentador agradece o apoio dos seguidores e ressalta de onde vem o dinheiro do canal: “Contamos com o apoio de membros e com as publicidades que o próprio YouTube veicula e que você assiste, exatamente igual ao que acontece com todo o universo de youtubers”.

Outro beneficiado com a campanha – que veiculou as propagandas 6,4 mil vezes –, o Vlog do Fernando Lisboa Replay é do mesmo autor do canal Vlog do Lisboa, que também está na mira das investigações da PGR. Em seus dois canais, Lisboa exibe fotos com o presidente Jair Bolsonaro.

O ministro Alexandre de Moraes autorizou que a PGR requisitasse ao YouTube as contas da ferramenta de anúncios do Google associadas ao Foco do Brasil e ao Vlog do Lisboa, no âmbito do inquérito dos atos antidemocráticos. Outros 11 canais também estão na mira.

O advogado de Fernando Lisboa, Marcos Conceição, afirmou que seu cliente respeita as instituições democráticas. “Não tem nada dele falando das instituições. Ele formula opinião em cima de matérias publicadas pelo Uol, pelo Terra, pelo Globo”, observou. Sobre os recursos recebidos com anúncios do Google para a campanha da Previdência, Conceição disse que Lisboa recebe o dinheiro dos anúncios diretamente do YouTube. “Aí ele não sabe de onde veio”, ressaltou, acrescentando que Lisboa não tem nenhum vínculo com a Secom e nunca recebeu dinheiro da secretaria. A Pública entrou em contato por e-mail com os canais DR News e Foco do Brasil, mas não obteve resposta.

Segundo o movimento Sleeping Giants, os anúncios do Google AdWords tornaram a produção de fake news “um negócio extremamente lucrativo”. O movimento tenta combater o financiamento de sites de desinformação e discurso de ódio informando as empresas de que seus anúncios estão sendo exibidos nessas plataformas e pedindo bloqueio.

O Sleeping Giants já flagrou anúncios do Tribunal de Contas do Mato Grosso do Sul (TCE-MS) e do Banco do Brasil em sites de fake news, que foram bloqueados por ordem do Tribunal de Contas da União (TCU). “O dinheiro público está basicamente financiando ataques à democracia”, defende o Sleeping Giants.

Anúncios da Previdência foram veiculados em canais investigados

Além de canais de fake news, outros dois canais, entre os 500 que veicularam anúncios da Nova Previdência, são alvos de investigações na Justiça.

O canal de Renato Garcia trouxe 137 mil acessos à propaganda governamental sobre a reforma da Previdência e, com isso, recebeu R$ 1,6 mil de dinheiro público. O youtuber paranaense, que faz vídeos sobre sua rotina e suas “máquinas” (motocicletas, carros e até armas), foi preso por posse ilegal de armas, munição e drogas encontradas em sua casa em maio de 2019 – um mês antes de receber financiamento da Secom através dos anúncios. Ele pagou fiança e responde em liberdade, mas continuou produzindo três vídeos por dia para seus mais de 18 milhões de inscritos.

Ainda em 2019, Garcia publicou um vídeo em suas redes sociais para esclarecer que as drogas e armas apreendidas não pertenciam a ele. A reportagem tentou entrar em contato com o canal para esclarecimentos sobre o caso e sobre a veiculação de anúncios da Previdência, mas não teve sucesso.

Outro exemplo de canal investigado pela Justiça que recebeu dinheiro público é o Fran para Meninas, que recebeu R$ 1.084,34 por 91 mil acessos ao anúncio da Nova Previdência. O canal está sendo investigado pelo Ministério Público (MP) pelo que o Conselho Tutelar chamou de “exposição vexatória e degradante”, como revelou a revista Veja em maio deste ano.

A denúncia começou na internet, quando usuários do Twitter subiram a hashtag #SalvemBelParaMeninas, com evidências de que a menina protagonista dos vídeos, Bel, estaria sendo exposta a situações desconfortáveis por sua mãe, Francinete Peres, no processo de gravação.

Em 2016, o canal Bel para Meninas também foi alvo de investigação do MP para apurar “práticas de direcionamento de publicidade e comunicação mercadológica ao público infantojuvenil”. Como resultado, o MP recomendou que o Google retirasse do YouTube todos os vídeos com publicidade de produtos infantis e protagonizados por crianças de até 12 anos.

Depois das denúncias mais recentes, os pais da criança gravaram um vídeo em que negaram a veracidade das acusações, que chamaram de “fake news” e “campanha caluniosa e difamatória”. A Pública buscou contato com os proprietários do canal, mas não obteve resposta até a publicação da reportagem.

Pedro Hartung, coordenador do programa Criança e Consumo, do Instituto Alana, enfatiza a necessidade de responsabilização das empresas, plataformas e anunciantes em casos como o de Bel, que chama de trabalho artístico não autorizado. “É importante que qualquer anunciante, seja privado ou governamental, assuma a responsabilidade que tem por lei de não financiar atividades que estejam fora da legalidade, como o trabalho infantil artístico sem autorização judicial.”

Anúncios da Previdência para crianças

A maior parte dos canais que receberam os anúncios entre 6 de junho e 13 de julho de 2019 foi direcionada ao público infantil – 168 dos 500 analisados –, recebendo um total de R$ 57,1 mil de repasse, um terço do montante analisado.

Esses canais foram os que mais divulgaram as propagandas da Previdência: os vídeos da campanha se repetiram 4,5 milhões de vezes. Destas, 240 mil se converteram em cliques nos anúncios. O número corresponde a 41% de todas as interações no período.

Para Hartung, a informação de que essa campanha foi veiculada principalmente em canais infantis do YouTube causa “estranhamento”. Ele avalia que o alto número de interações em canais infantis é consequência da vulnerabilidade desse público, não uma medida da qualidade do anúncio.

“A criança ainda está entendendo como funciona o mundo digital e o próprio mundo real, em desenvolvimento inconcluso de suas capacidades de leitura crítica.”

O publicitário Paulo Motta, que diz excluir essa categoria quando veicula anúncios no Google, acredita que a Secom pode ter direcionado a campanha para esses canais em decorrência da “enorme audiência do público infantil no YouTube”. Outra explicação seria o fato de que as crianças costumam usar o celular ou dispositivo de um adulto para acessar os vídeos. “O Google entende o comportamento de consumo como sendo o do proprietário do aparelho, não o da criança. Por isso, mesmo se o usuário está vendo um desenho, o YouTube pode mostrar um anúncio da Previdência”, diz.

Os consultores legislativos da CPMI das Fake News consideram que a grande veiculação de anúncios da Previdência em canais infantis é evidência de uma “falha intensa de target”, ou seja, determinação de público-alvo.

Outra evidência dessa falha seria a presença de canais estrangeiros entre os endereços que mais receberam repasses da Secom no período analisado. Dos 168 canais infantis, 32 exibiam seu conteúdo em línguas como inglês, espanhol, coreano, árabe, russo, japonês, turco, alemão e francês. Juntos, eles receberam R$ 7,9 mil do governo. O relatório exibido à CPMI dá destaque ao canal russo Get Movies, que sozinho recebeu R$ 1,4 mil.

Quase R$ 4 mil foram destinados a canais religiosos

Canais religiosos estão em quinto lugar entre as categorias que mais veicularam anúncios da Nova Previdência no período de 6 de junho a 13 de julho. Eles trouxeram mais de 285 mil acessos para a campanha em prol da reforma da Previdência.

Dos 500 canais que mais receberam repasses, 33 eram ligados à temática religiosa (6,6%). Juntos, eles receberam R$ 3.976,50.

Só o canal do cantor gospel Leandro Borges apresentou as propagandas do governo mais de 32 mil vezes. Considerado um fenômeno da música no meio evangélico, Leandro tem mais de 2,5 milhões de inscritos na plataforma e recebeu R$ 489,20 de dinheiro público pela campanha.

De cima para baixo: cantor Leandro Borges, no centro, senador Arolde de Oliveira e abaixo, Casal Hernades (Fotos/Reprodução)

Em 2018, o cantor gravou um vídeo em que declara apoio ao senador bolsonarista Arolde de Oliveira (PSD). Arolde é dono do MK, um dos maiores grupos empresariais evangélicos do país, que inclui uma gravadora (MK Music), a MK News e outras empresas de mídia. Leandro não tem contrato com a MK Music, mas a MK News gerencia o YouTube do senador Flávio Bolsonaro, que também veiculou anúncios da Secom no período, mas poucas vezes (48). O canal é apontado entre os gastos irregulares da secretaria no relatório da CPMI das Fake News.

Entre os 500 canais mais influentes na campanha da Nova Previdência no YouTube está o da Renascer Praise. A banda gospel, ligada à igreja evangélica Renascer em Cristo, gerou mais de 5 mil visualizações para o governo por um valor de R$ 82,55. Comandada pelo apóstolo Estevam Hernandes e pela bispa Sônia Hernandes, a Renascer mantém a Rede Gospel, uma emissora de TV que recebeu R$ 402,7 mil em anúncios da Secom durante o governo Bolsonaro. A igreja acumula uma dívida de mais de R$ 30 milhões com a Receita Federal.

Pelo WhatsApp, um integrante da equipe de divulgação do cantor Leandro Borges informou que a publicidade do canal dele no YouTube “é administrada por uma empresa da Suíça chamada BELIEVE” e que “ele não tem relações com anunciantes, uma vez que esse gerenciamento é feito pela empresa”. A reportagem da Pública não conseguiu contato com a igreja Renascer em Cristo.

Agência gastou quase R$ 6 milhões em divulgação da Previdência no Google

A campanha da reforma da Previdência, que custou mais de R$ 71 milhões em diversas ações, envolveu sete agências de publicidade contratadas pelo governo. Os gastos, contudo, ficaram concentrados em uma agência, a Artplan – empresa que se tornou a maior beneficiada por contratos com a Secom na gestão atual.

Segundo a Pública apurou, o governo fechou mais de R$ 69 milhões em contratos com a Artplan para a campanha da Previdência. A agência foi a única que registrou gastos no sistema de anúncios do Google a respeito da Previdência, além de gastos no Facebook e em outras redes sociais.

Além da propaganda sobre as mudanças na Previdência, a Artplan fechou contratos para ações nas redes sociais nas campanhas de combate à violência contra a mulher e “Pátria Voluntária”, ambas ligadas ao Ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos; e de divulgação das medidas anticrime, do Ministério da Justiça.

A proximidade da Artplan com o secretário Fabio Wajngarten já foi motivo de críticas ao governo. A Folha de S.Paulo revelou que a agência presta serviços para uma empresa da qual Wajngarten é sócio, a FW Comunicação, que tem como clientes emissoras de TV como Record e Band. Segundo a reportagem, a empresa de Wajngarten atua junto à Artplan averiguando se anúncios comprados pela agência foram efetivamente veiculados.

A Artplan já foi denunciada pelo MP por envolvimento em esquema de desvio de dinheiro, além de ter levantado suspeitas de favorecimento em licitações. A Pública questionou a agência sobre os valores gastos no sistema de anúncio do Google. A Artplan respondeu que “fez a intermediação da compra entre Secom e Google, referente ao pacote ‘Formas Inovadoras de Comunicação’”, comercializado pela plataforma, mas que “o suporte e distribuição da campanha foram executados pelo próprio Google, respaldados pelas políticas da sua plataforma”.

Além da Artplan, a Secom fechou contratos para anúncios em redes sociais com a Calia Y2, agência que, antes da gestão de Wajngarten, era a que mais recebia verbas públicas da secretaria. A Calia Y2 fechou contratos para ações em redes sociais em duas campanhas que passam imagem “positiva” do governo Bolsonaro, como revelou a Pública em reportagem, e atuou na divulgação no Google para as campanhas “Dia da Amazônia”, para “mostrar como o Brasil defende e conserva o bioma”; e “Brasil no Exterior”, para melhorar a imagem do governo Bolsonaro no exterior. Foi a empresa responsável pela “Proteger Vidas e Empregos”, em substituição à campanha “O Brasil não Pode Parar”, vetada pela Justiça. Custou R$ 5,3 milhões aos cofres públicos, por intermédio da Secom.

A reportagem questionou a Secom sobre a segmentação utilizada nos anúncios da Previdência e sobre outras campanhas veiculadas no Google, mas não obteve resposta até a data de publicação.

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É enganosa a notícia de que evangélicos foram condenados pela justiça por rejeitarem união gay em espaço de eventos

O site de notícias Gospel Mais publicou, em 20 de junho, matéria intitulada: “Evangélicos rejeitam união gay em espaço de eventos e são condenados”.  A informação provocou reações divergentes entre leitores, sobretudo os evangélicos.

Segundo a matéria, uma empresa localizada na cidade de Campinas (SP) teria sido processada por um casal homoafetivo por rejeitar sediar o evento de união homoafetiva. Os proprietários, evangélicos, teriam alegado também que a recepção seria contrária aos princípios filosóficos e religiosos da família do dono do local, o que poderia ser caracterizado ato discriminatório. 

A questão foi levada à 1ª Vara do Juizado Especial Cível de Campinas, que decidiu condenar os responsáveis à frente do estabelecimento, impondo ainda o pagamento de indenização.

A publicação ainda apontou que o casal “repetiu uma estratégia que é usada por ativistas LGBT nos Estados Unidos, e processaram os proprietários, como no caso do confeiteiro Jack Phillips, que já foi processado três vezes por recusar produzir bolos para cerimônias de união entre pessoas do mesmo sexo”. 

Outros sites também noticiaram o caso, como o portal R7.

De acordo com informações do portal Conjur , a juíza Thais Migliorança Munhoz, à frente do caso, afirmou, na sentença, que levou em conta as circunstâncias da causa, o grau de culpa e a condição socioeconômica do autor da ação para estipular o valor da indenização por danos morais em R$ 28 mil.

Entenda a sentença

A sentença foi liberada nos autos em 20 de maio de 2020, a juíza citou, entre outros, o Código de Defesa do Consumidor, o Código Civil e a Carta Magna.

 “O nó górdio da presente reside sobre a necessidade de se apurar se a recusa da empresa requerida em recepcionar o casamento dos autores, sob argumento de que iria de encontro aos princípios filosóficos e religiosos do proprietário e sua família, caracteriza ato discriminatório e, por conseguinte, merece reparação civil. Pois bem. A Constituição da República Federativa do Brasil dispõe, em seu artigo 5º, caput, que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. O artigo 3º, inciso IV, da Carta Magna, prescreve, ainda, que constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

Afirma ainda: 

“A reprovação do ato de recusa do requerido em recepcionar o casamento homoafetivo dos autores mostra-se adequada para se alcançar o fim almejado, qual seja a salvaguarda de uma sociedade pluralista, onde reine a tolerância. Assegura-se a posição do Estado, no sentido de defender os fundamentos da dignidade da pessoa humana (artigo 1°, III da Constituição Federal), do pluralismo político (artigo 1°, V, CF), o princípio do repúdio ao terrorismo e ao racismo, que rege o Brasil nas suas relações internacionais (artigo 4°, VIII), e a norma constitucional que estabelece ser o racismo um crime imprescritível”,

Para a juíza, não se contesta a proteção conferida constitucionalmente à liberdade de crença e de expressão do dono da empresa de Campinas. “Todavia, é inegável que essa liberdade não pode alcançar o campo da discriminação e da homofobia. Há inúmeros outros bens jurídicos de base constitucional que estariam sacrificados na hipótese de se dar uma amplitude absoluta, intangível, à liberdade de expressão, de consciência e crença etc., na espécie”, afirma na sentença.

Dessa forma, a juíza entende que a condenação da empresa é necessária para salvaguardar uma sociedade pluralista, em que reine a tolerância, sob o pressuposto de ausência de outro meio menos gravoso e igualmente eficaz para tanto.

Ressalta que a Lei 7.716/89 estabelece que são puníveis os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, sendo vedada a recusa ou impedimento de acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador (artigo 1º e 5º). 

E lembra que o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), recentemente, entendeu pelo enquadramento da homofobia e da transfobia como tipo penal definido na Lei do Racismo (Lei 7.716/1989) até que o Congresso Nacional edite lei sobre o tema. O caso foi julgado na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26 e no Mandado de Injunção (MI) 4733.

A magistrada também cita parte da ementa do julgamento da ADI 4.277, de relatoria do ministro Ayres Britto, em maio de 2011, que reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar.

Por fim, ela julga ilícita a conduta da empresa em se negar a recepcionar o casamento homoafetivo, sob argumento de incompatibilidade com a política de atuação instituída dentro de convicções filosóficas e religiosas. Segundo a juíza, estão presentes todos os elementos ensejadores da responsabilidade civil: “ação ou omissão do agente (falha na prestação dos serviços, deixando de cumprir o pactuado); dano (ofensa íntima ao autor em evento de extrema importância pessoal); nexo de causalidade e culpa”.

Discussões se estendem desde maio 

A notícia, que veio novamente à tona em junho, já havia sido publicada em outros sites a partir do dia 22 de maio. No site paulopes.com.br, destinado a fatos sobre religião, ateísmo e ciências, em entrevista, Wilson Lima Barreto, responsável pela casa de eventos, disse que o empreendimento é familiar e cristão, estando registrado no nome de um dos filhos. Em sua defesa, a casa citou, nos autos, a sentença da Suprema Corte dos Estados Unidos que inocentou um confeiteiro que recusou pedido de um bolo de casamento de um casal gay, garantindo ao profissional o direito de crença.

De acordo com a matéria, na Suprema Corte, a multa foi derrubada porque, segundo entenderam os julgadores, a comissão que aplicou a multa violou o dever do Estado sob a Primeira Emenda de não basear leis ou regulamentos na hostilidade a um culto ou ponto de vista religioso. Isto porque um dos membros da comissão havia feito comentários “hostis” em relação à religião. Ou seja, a Suprema Corte não adentrou ao mérito da questão, e deu ganho de causa ao confeiteiro por uma questão processual.

Por outro lado, a advogada do casal afirma que “homofobia é uma violação do direito humano fundamental de liberdade de expressão da singularidade humana, revelando-se um comportamento discriminatório” e que “a negativa de locar o espaço aos requerentes pelo simples fato de serem um casal homoafetivo já constitui homofobia”.

Wilson Barreto afirmou durante o processo que “a gente trabalha só em família e todos nós somos evangélicos, está lá pra qualquer um ver. Dessa forma, falamos para eles procurarem outro lugar, porque não iria ficar bom se fizéssemos”. 

A empresa ainda apontou que “não impede homossexuais de visitar suas instalações ou realizarem qualquer outro tipo de evento (confraternização, aniversário, baile de debutante etc.)”

Em contraponto, a matéria apresenta a fala da advogada do casal homoafetivo, que acusou a prática de homofobia, o que fica confirmado, segundo ela, com “a negativa de locar o espaço aos requerentes pelo simples fato de serem um casal homoafetivo”. Ela considerou também que a partir do momento que a organização se dispõe a locar um espaço ao público, não cabe aos donos distinguir os locatários pela orientação sexual. Ressaltou que o casal se preparava para um dia especial e, ao receber a negativa, tiveram de lidar com a tristeza de serem discriminados pela sua orientação sexual.

Na sentença, a juíza Munhoz argumentou que não está em questão a liberdade de crença e de expressão dos donos do estabelecimento, mas, sim, a preservação de uma sociedade pluralista e, portanto, tolerante. 

Na ocasião, o site Jota fez uma cobertura ampla do caso. Logo no primeiro parágrafo, apresenta a fala de um dos contratantes do serviço de buffet:

“Conversei com Wilson, né, que é o proprietário, e você tinha até comentado comigo no telefone, né, quando eu falei para você vir visitar e você falou que viria com ele, no caso comigo no telefone, e eu conversei com ele e ele falou assim que eles aqui no espaço não fecham contratos para celebração de casamento, ou seja, recepção de convidados que seja de pessoas do mesmo sexo, né…”.

A partir daí, a reportagem traz os apontamentos já evidenciados em outros conteúdos, finalizando com a afirmação de que a casa de eventos iria recorrer à decisão e apresentando o número da tramitação no Tribunal de Justiça de São Paulo.

As abordagens da matéria causaram reações divergentes no Twitter @JotaInfo

Bereia conclui que a matéria publicada no site Gospel Mais é enganosa, pois apresenta um fato ocorrido com abordagem não-informativa, opinativa e tendenciosa, já no título que vitimiza “evangélicos”, apresentados no texto como uma “família”. Também por levar leitores a se revoltarem com uma a “falta de liberdade” da empresa em negar a realização de um evento, o que disfarça a atitude de homofobia, explicitada na sentença da juíza. Ainda, com a classificação da reivindicação do casal homoafetivo, legítima diante da justiça, como “estratégia usada por ativistas LGBT nos Estados Unidos”. Por fim, há na matéria do Gospel Mais a ocultação de informações sobre os direitos garantidos à população LGBTI+ em casos como este.

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Referências da Checagem

JM Notícia– Juíza condena evangélicos por não aceitarem casamento gay em seu espaço de eventos. Disponível em: https://www.jmnoticia.com.br/2020/06/16/juiza-condena-evangelicos-por-nao-aceitarem-casamento-gay-em-seu-espaco-de-eventos/

Paulopes– Eventos Alvorada terá de indenizar gays por negar locação por motivo religioso. Disponível em:https://www.paulopes.com.br/2020/05/homofobia-eventos-alvorado.html#.XvFCrGhKiUk

R7 – Espaço de eventos vai indenizar casal gay após recusar festa. Disponível em: https://noticias.r7.com/sao-paulo/espaco-de-eventos-vai-indenizar-casal-gay-apos-recusar-festa-12062020

JOTA – Casa de eventos deve indenizar casal gay por recusa a celebrar casamento. Disponível em: https://www.jota.info/coberturas-especiais/liberdade-de-expressao/casa-de-eventos-deve-indenizar-casal-gay-por-recusa-a-celebrar-casamento-22052020

Conjur – Processo Digital nº: 1041244-74.2019.8.26.0114. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/decisao-espaco-eventos.pdf

Grupo de divulgação científica da USP mostra anatomia das fake news

Publicado originalmente em Jornal USP – Universidade de São Paulo. 30/06/2020

Manual criado pelo Vidya Academics em parceria com o Pretty Much Science traz as principais fake news que estão circulando durante a pandemia e a explicação do porquê elas estão erradas

Reprodução /USP

Além de se proteger do novo coronavírus, é preciso também se prevenir das inúmeras informações e explicações erradas que circulam, principalmente pelas redes sociais. Para adquirir imunidade informativa o grupo de divulgação científica Vidya Academics, criada por alunos e docentes da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP, em parceria com o Pretty Much Science, criou o Coronavírus – Manual das Fake News

A iniciativa começou com algumas postagens desmitificando mensagens e publicações no Facebook e no Whatsapp que desinformavam a população em suas redes sociais. “Havia muitas publicações que afirmavam que a doença não apresentava perigo aos jovens, que o vírus havia sido criado em laboratório e ensinavam inúmeras curas com chás e outras pseudociências” afirma Artur Acelino Queiroz, doutorando em Ciências pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP e colaborador do Vidya Academics. Após obterem um grande material, os organizadores decidiram compilá-lo em uma publicação, que é disponibilizada em duas versões, português e inglês. 

Além de oferecer os conteúdos checados, a produção reuniu alguns dos elementos mais encontrados nas fake news. Semelhantemente a um check-list, o material permite que os usuários observem se o conteúdo recebido em suas redes sociais se enquadra à estrutura que as informações falsas costumam ter. Caso se enquadre, existe uma grande possibilidade dele ser falso ou impreciso, conforme explica Queiroz.

Para o pós-graduando, que também é um dos autores do conteúdo, o manual pode ajudar no combate às fake news sobre diversos temas, não apenas sobre a covid-19. “A partir das dicas e etapas que listamos, fake news de outras áreas – como política e história – podem ser checadas ou pelo menos identificadas antes de serem disseminadas. Essa é mais uma ferramenta para instrumentalizar tanto a comunidade acadêmica quanto a população em geral sobre como combater a disseminação de notícias falsas.”

O que diz o Manual das Fake News

Manual do Vidya Academics (Reprodução/ USP)

O manual foi produzido por nove pessoas, Wasim Syed, Camila Magalhães, Artur Acelino Queiroz, Eduarda Moreira, Rayane Valez, Francisco Moro, Isabela Gonzaga, Vitor Serrão e Maurício Gardini, a maioria atuante na área da saúde.  Possui 15 orientações para a identificação de uma fake news, entre elas: não compartilhar imediatamente quando receber mensagens informativas; lembrar que as notícias inventadas são feitas para causar surpresas ou rejeição; suspeitar de conteúdos que causem reações emocionais fortes ou daqueles que dizem que a mídia quer esconder os fatos; ler sempre a matéria completa; descubra a fonte, ou seja, de onde se originou a notícia; confira dados e o contexto; e desconfie de experiências pessoais.  

O manual também traz as principais fake news que estão circulando sobre a pandemia e a explicação do porquê elas estão erradas, com as fontes que embasam os esclarecimentos, como por exemplo que o clima frio e neve matam o novo coronavírus. “Não há razão em acreditar que clima frio e neve poderiam matar o novo coronavírus, uma vez que o vírus tem se espalhado em países de clima muito frio, como a Noruega e Islândia, e o corpo humano sempre se mantém, em condições normais, entre 36.5°C e 37°C, independente da temperatura externa ou do tempo”, explica Wasim Syed, coordenador do Vidya Academics. Outra fake news citada pelos grupos é a que coloca o alho como uma boa opção para se prevenir do novo coronavírus. “O alho é um alimento saudável que pode ter algumas propriedades antimicrobianas. No entanto, não há evidências no surto atual de que comer alho tenha proteção para as pessoas contra o novo coronavírus”, destaca Syed. 

Confira a anatomia de 5 fake news abaixo ( deslize as páginas para o lado)

Sobre o Vidya Academics

O Vidya é uma plataforma de divulgação e educação científica criada por alunos e docentes da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP, com o objetivo de estreitar a interação entre a população e a ciência com uma linguagem mais popular e acessível e com artes mais atrativas. 

Entre as publicações do grupo está o roteiro sobre anticorpos e vacinas e uma série de três vídeos sobre o novo coronavírus. O primeiro traz a virologia do vírus, como é sua formação e o papel dos anticorpos. O segundo e o terceiro vídeos falam da biologia estrutural e os alvos terapêuticos do novo coronavírus. O texto e as imagens dos vídeos, de Wasim Syed, estão disponíveis no Youtube.  Saiba mais sobre o projeto no site.

Pretty Much Science é um projeto de divulgação científica que reúne cientistas de todas as partes do mundo para divulgar informações do universo da ciência de uma forma simples e compreensível.

Vídeo produzido pelo Vidya Academics com dicas para identificar fake news

Confira mais em:

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Manual das Fake News 

© 2019 – Universidade de São Paulo

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Ministro do Supremo Tribunal Eleitoral não promove perseguição religiosa

O site Pleno News publicou dia 28 de junho a seguinte notícia Pr. Silas Malafaia acusa Fachin de perseguição religiosa: ministro do Supremo propôs cassação do mandato por abuso de poder religioso”.

Reprodução/ Pleno News

Pleno News destacou a proposta de cassação de mandato de candidatos, já nas eleições de 2020, por abuso de poder religioso, feita pelo ministro do Tribunal Superior Eleitoral e também membro do Tribunal Superior Federal, Edson Fachin. Como contraposição ao pronunciamento do ministro, a matéria destaca a opinião de Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, que fez um pronunciamento em seu canal do Youtube acusando o ministro Edson Fachin de preconceito e perseguição religiosa. 

O pastor afirmou que “o Estado é laico, mas não é laicista, ou seja, ele não é contra a religião”. Segundo o pastor, a proposta do Ministro Edson Fachin é “uma tentativa de cerceamento do pensamento conservador” e “é um jogo nojento e inescrupuloso”.

Por fim, fez um apelo aos ministros do Tribunal Superior Eleitoral para que “rejeitem essa aberração que não passa de um preconceito e perseguição religiosa. que Deus nos livre desses conceitos esquerdopatas que estão na nossa nação e que venham tempos de liberdade, bênção, paz e prosperidade para o Brasil”.

Pleno News não apresenta a fonte da declaração do ministro Fachin e muito menos o contexto em que tal declaração foi feita.

Bereia checou as informações. O pastor Silas Malafaia faz referência à declaração feita pelo ministro Edson Fachin, durante sessão virtual do Tribunal Superior Eleitoral no dia 25 de junho.

O TSE discutia o processo de cassação do mandato da vereadora Valdirene Tavares dos Santos, eleita em 2016 no município de Luziânia (GO). Valdirene é acusada de praticar abuso de poder religioso durante a campanha. Foi condenada nas instâncias inferiores e agora há o Recurso Especial nº 000008285, da parte da vereadora, em julgamento no TSE.

Durante a campanha eleitoral de 2016, a então candidata teria se reunido na catedral da Assembleia de Deus em Luziânia e pedido votos aos membros da igreja. Pastores de outros bairros teriam sido chamados para a reunião, pelo pai da candidata, pastor Sebastião Tavares. Para o Ministério Público Eleitoral, Valdirene Tavares utilizou de sua condição de autoridade religiosa, uma vez que também atuava como pastora, para influenciar a escolha dos eleitores e intervir no direito constitucional da liberdade de voto.

Valdirene morou em Santo Antonio quando seu pai pastoreou a igreja Assembleia de Deus. Sebastião Tavares, pai da vereadora (à direita) é presidente do campo da Assembleia de Deus, ministério Madureira, em Luziânia. (Reprodução/ Folha da Copaiba)

Após perder nas instâncias inferiores, que julgaram pela cassação do mandato, o recurso pela não cassação chegou ao TSE. O julgamento foi suspenso por um pedido de vista ministro Tarcísio Vieira de Carvalho Neto.

Até o pedido de vista, apenas o relator do caso, ministro Edson Fachin havia proferido seu voto, seguido pelo ministro Alexandre de Moraes. Ambos optaram pela não cassação do mandato. Segundo Fachin, a única prova apresentada, um vídeo de três minutos em que a então candidata pede votos dentro da igreja, não seria suficiente para a cassação do mandato.

No entanto, Edson Fachin ressaltou a necessidade da separação entre Estado e religião para garantir ao cidadão autonomia para escolher seus representantes políticos. O ministro propôs ao Plenário do TSE que, a partir das Eleições de 2020, seja possível incluir a investigação do abuso de poder de autoridade religiosa no âmbito das Ações de Investigação Judicial Eleitoral (Aijes).

O ministro afirmou durante seu voto que “a imposição de limites às atividades eclesiásticas representa uma medida necessária à proteção da liberdade de voto e da própria legitimidade do processo eleitoral, dada a ascendência incorporada pelos expoentes das igrejas em setores específicos da comunidade”.

O ministro Alexandre de Moraes seguiu o voto do relator e optou pela não cassação do mandato, no entanto, divergiu na questão do abuso de poder religioso. Moraes afirmou que, considerando a inviolabilidade de crença, não parece ser possível, em virtude do princípio da legalidade, adotar uma espécie não prevista em lei, que é o abuso de poder religioso, sem que a questão religiosa seja instrumento para se chegar ao abuso de poder econômico.

“Não se pode transformar religiões em movimentos absolutamente neutros sem participação política e sem legítimos interesses políticos na defesa de seus interesses assim como os demais grupos que atuam nas eleições”, disse ele, ao destacar que, se assim o entendesse, a legislação abordaria também o abuso do poder sindical, o abuso do poder empresarial e o abuso do poder corporativo.

Moraes conclui que “Qualquer atitude abusiva que acabe comprometendo ou gerando abuso de poder político e econômico deve ser sancionado pela legislação eleitoral, nem mais nem menos”, A corte eleitoral aguarda a decisão do ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto.

Diante da crítica exposta na matéria do site Pleno News, é importante recuperar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos garante que:

Todo ser humano tem direito a liberdade de pensamento, consciência e religião; esse direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto em público ou em particular” (art. 18).

E a Constituição Brasileira afirma:

“É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias” (art. 5, VI).

No entanto, a mesma Constituição, no artigo 19, I, estabelece a cláusula geral da separação Estado-igreja (Estado laico, a que se refere o pastor Silas Malafaia na matéria do Pleno News), dispondo que vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”.

O advogado especialista em Direito Criminal e Direito Público e professor na Escola Paulista de Direito Marcelo Adith afirma sobre isto: .“A liberdade religiosa não constitui direito absoluto. Não há direito absoluto. O ministro Henrique Neves destacou, com acerto, que a liberdade de pregar a religião, essencialmente relacionada com a manifestação da fé e da crença, não pode ser invocada como escudo para a prática de atos vedados pela legislação (TSE, RO 265308, j. 7/3/2017, DJe 5/4/2017, p. 2).

Já o advogado, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político – ABRADEP e professor de cursos jurídicos Amilton Augusto Kufa afirma que 

“O abuso do poder religioso, pode ser considerado como o desvirtuamento das práticas e crenças religiosas, visando influenciar ilicitamente a vontade dos fiéis para a obtenção do voto, para a própria autoridade religiosa ou terceiro, seja através da pregação direta, da distribuição de propaganda eleitoral, ou, ainda, outro meio qualquer de intimidação carismática ou ideológica, casos que extrapolam os atos considerados como de condutas vedadas, previstos no art. 37, § 4º, da Lei nº 9.504/97. E os abusos vão desde o registro de candidatura até o dia das eleições, configurados por inúmeros atos, entre eles: registro de números de candidaturas que possuam identificação com números bíblicos; criação de células dentro do seio da entidade religiosa com o intuito de arregimentar os discípulos como cabos eleitorais; pedidos de votos na porta das igrejas e até mesmo apelos mais enfáticos e impositivos vindos do altar, durante os cultos de celebração, tudo amparado na crença e, por vezes, na ignorância e inocência dos fiéis seguidores.7 Divergências e polêmicas a parte, o que a Constituição Federal de 1988 busca, em especial pelo que descreve no § 9º, do artigo 14, é que as eleições sejam um campo de oportunidades iguais aos postulantes, a possibilitar que o vencedor seja o mais preparado na preferência do eleitorado, em face de suas propostas e realizações, tudo isso exercido de forma livre, sem qualquer tipo de influência, fraude ou desvirtuamento, garantindo-se, assim, “a normalidade e a legitimidade das eleições, em respeito à própria soberania popular.”

Com base nesta verificação, Bereia conclui que a notícia do site Pleno News, baseada na palavra do pastor evangélico, Silas Malafaia é enganosa. O ministro Edson Fachin propôs  propôs ao plenário do TSE a possibilidade de incluir a investigação do abuso de poder de autoridade religiosa no âmbito das Ações de Investigação Judicial Eleitoral (Aijes).

Fachin fez apenas uma proposta ao plenário da corte eleitoral e dentro do debate, sua proposta foi refutada pelo ministro Alexandre de Moraes. Além disso, durante a sessão, o ministro Fachin votou pela não cassação do mandato da vereadora Valdirene Tavares, pois no caso concreto em análise, observou que não houve abuso de poder. 

Sua proposta foi feita em sessão do Tribunal Superior Eleitoral, portanto órgão mais do que apropriado para este tipo de debate. A sessão era pública e todas as opiniões e votos são passíveis de análise pelos veículos de comunicação e analistas políticos. Muito longe de uma perseguição religiosa,  a proposta do ministro parece uma tentativa de aprimorar a democracia e corrigir possíveis distorções do processo eleitoral.

Além disso, o veículo noticioso não contextualizou o caso e transformou a opinião de um único líder religioso em notícia, com palavra definitiva, sem ouvir o pensamento de outras lideranças sobre a situação.

Dica para o leitor:

As eleições se aproximam e o Tribunal Superior Eleitoral têm uma seção exclusiva para esclarecer fatos e boatos eleitorais: Fato ou Boato?

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Referências de Checagem:
Pleno News. Pr. Silas Malafaia acusa Fachin de perseguição religiosa. Disponível em: https://pleno.news/brasil/politica-nacional/pr-silas-malafaia-acusa-fachin-de-perseguicao-religiosa.html Consulta em 30/06/2020https://youtu.be/H7SFtuTwQJY
Youtube. Silas Malafaia Oficial. O Preconceito e a perseguição Religiosa do Ministro Fachin. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=H7SFtuTwQJY#action=share Consulta em 30/06/2020
Tribunal Superior Eleitoral. TSE inicia debate sobre a possibilidade de reconhecer abuso de poder religioso. Disponível em: http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2020/Junho/tse-inicia-debate-sobre-a-possibilidade-de-reconhecer-abuso-de-poder-religioso Consulta em 30/06/2020
TSE. Íntegra do voto do ministro Edson Fachin. Disponível em: http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/arquivos/tse-respe-8285-luziania-go-voto-ministro-edson-fachin-em-25-06-2020/rybena_pdf?file=http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/arquivos/tse-respe-8285-luziania-go-voto-ministro-edson-fachin-em-25-06-2020/at_download/file Consulta em 30/06/2020. 

6 meses: Sites religiosos e ativistas digitais que propagam desinformação

Segundo o Manual para Educação e Treinamento em Jornalismo produzido pela UNESCO, a desinformação é uma história antiga, fomentada por tecnologias novas.

Um dos primeiros registros vem da época da Roma Antiga, quando Antônio encontrou-se com Cleópatra e seu inimigo político, Otaviano, lançou uma campanha de difamação contra ele com slogans curtos e afiados, escritos em moedas no estilo dos tuítes arcaicos. 

O transgressor tornou-se o primeiro imperador romano que utilizou fake news como arma política, permitindo que Otaviano invadisse o sistema republicano de uma vez por todas. 

Em uma escala sem precedentes, o século 21 transformou a informação em armamento. Novas e poderosas tecnologias simplificam a manipulação e a fabricação de conteúdo, e as mídias sociais ampliam dramaticamente falsidades propagadas por Estados, políticos populistas e entidades corporativas desonestas. 

A propagação de desinformação com temática religiosa é assunto ainda mais sensível. O Coletivo Bereia checa fatos publicados periodicamente em mídias religiosas e em mídias sociais que abordem conteúdos religiosos, além de pronunciamentos de autoridades e personalidades ligadas à religião. 

O Coletivo fez um levantamento das temáticas de todas as checagens publicadas na seção “Checamos” do site, entre os dias 12 de dezembro de 2019 e 09 de junho de 2020, e oferece aos leitores e leitoras um quadro do universo da desinformação religiosa. 

Desinformação religiosa: levantamento das checagens do Bereia 

Esta avaliação levou em consideração as checagens realizadas num período exato de 180 dias. Foram analisados todos os artigos presentes na página de checagens no sítio do Coletivo Bereia, dentre estas, sete foram desconsiderados, por se tratarem de textos reflexivos relacionados a fatos ocasionados por notícias falsas ou duvidosas e não sobre uma checagem de fatos, propriamente dita. Sendo assim, um total de 53 checagens compuseram a análise.

A primeira observação foi quanto à classificação das notícias. São utilizadas 5 categorias para as checagens. São elas: Verdadeiro, Falso, Enganoso, Inconclusivo e Impreciso. O seguinte panorama foi encontrado na observação desse aspecto:

Como é possível observar no gráfico acima, a maior parte das notícias (30%) foi classificada como Enganosa seguida das Falsas com 28%. No total, 77% são informações cuja veracidade não pode ser confirmada. Isto já aponta que, em grande parte das vezes que o Coletivo Bereia recebe uma notícia suspeita, há grandes possibilidades de ela não ser verdadeira ou não haver possibilidade de realizarmos essa comprovação. 

Quanto aos assuntos mencionados nas notícias checadas, foi realizada uma segmentação do conteúdo com base em uma avaliação geral das checagens publicadas no site. As 7 principais categorias de temas mais recorrentes de assuntos: Sexualidade, Saúde (com ênfase em Ccoronavírus), Perseguição Religiosa, Marxismo e Comunismo, Política Brasileira, Política internacional e, também foi incluída a categoria “Outras”.

Identificamos que a maior parte das notícias avaliadas pelo Bereia no período pesquisado foi sobre saúde em assuntos relacionados ao Coronavírus. Por ser uma das discussões mais importantes do cenário mundial neste período, é coerente o que as estatísticas apontam. A pandemia é causada por um vírus ainda pouco conhecido no âmbito científico, por isso, gera incertezas para toda população e abre margem para que notícias de diversas fontes e, muitas vezes, sem embasamento, causem impacto na população. Em segundo lugar, a categoria Política Brasileira, uma justificativa possível para que ocupe tamanho espaço entre as checagens do Bereia é que, por vezes, o cenário político e o religioso caminham em proximidade. O Bereia monitora constantemente os líderes políticos ligados a bancadas religiosas, e é comum haver posicionamentos de líderes religiosos a respeito de questões políticas. O terceiro tema mais recorrente é a Perseguição Religiosa. Infelizmente, com frequência, veículos de comunicação se utilizam de cenários onde esse tipo de perseguição de fato acontecem, disseminando assim, notícias, em sua maioria, impossibilitadas de serem verificadas.

Em relação às fontes das notícias que são alvo das verificações do Coletivo Bereia, identifica-se as dez mais recorrentes:

Como observado, a maior parte das notícias é originada no Twitter, em segundo lugar no Facebook e em terceiro no WhatsApp. Juntas, as notícias originadas de mídias digitais representam 50% das análises realizadas pelo Bereia. Isso atenta para que leitores e leitoras estejam alertas para informações identificadas nestes meios cuja veracidade precisa ser confirmada antes de serem compartilhadas pelos usuários destas plataformas. 

Quanto aos sites, a maioria é ligada a organizações ou indivíduos religiosos, por isso, muitas vezes publicam com um viés de reforçar e corroborar com o posicionamento de determinada denominação ou político, pois, há veículos de comunicação evangélicos ligados à parlamentares. Há uma grande quantidade de notícias enganosas checadas pelo Bereia relacionadas a estes sites, que, por vezes, apresentam fatos reais de forma distorcida, e confundem o leitor em relação àqueles conteúdos.

Observando o gráfico das checagens realizadas pelo Bereia, destacam-se os sites voltados para o público religioso que se apresentam como os mais frequentes entre as checagens. São eles: Gospel Prime e CPAD News.

Baseando-se nos dados citados, realizamos uma análise sobre os principais sites que promovem fake news.

Gospel Prime

Fundado em 2008, Gospel Prime se declara um portal de conteúdo cristão voltado para notícias, estudos bíblicos e colunas de opinião, com missão de “Defender os princípios e valores do Reino através de notícias, estudos bíblicos e colunas de opinião, contribuindo assim para uma igreja madura e contextualizada com os tempos”. 

Com slogan “O cristão bem informado”, o site atrai 385 mil visitantes orgânicos por mês e declara já ter recebido 190 milhões de usuários desde sua fundação.

Gospel Prime aparece como fonte de 11% das checagens do Bereia, sendo três notícias enganosas e duas imprecisas: 

Como já exposto em checagem anterior, Gospel Prime foi citado no ranking da revista Época, em matéria publicada em 23 de abril de 2018, como o número um de uma lista com os 10 maiores veiculadores de notícias falsas no país. A matéria intitulada “O Exército de Pinóquios” se baseou em levantamento nos bancos de dados do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação da Universidade de São Paulo (USP) e do Laboratório de Imagem e Cibercultura da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Durante dois meses, foram listados mais de 200 sites na pesquisa, dos quais 69 continham conteúdo suspeito. 

CPAD News

CPAD News é o portal de notícias oficial da Igreja Assembleia de Deus. Fundado em 2010, o portal é ligado à Editora CPAD e concentra 12 mil visitantes orgânicos por mês. Sobre o site, a CPAD escreve: 

Utilizando os mesmos recursos dos maiores portais de notícias do Brasil, o CPAD News atende ao principal quesito da informação na internet: tempo real. Notícias do universo cristão no Brasil e no mundo, ampla cobertura de notícias de interesse geral atualizadas a todo o momento, conteúdos exclusivos e interatividade através de inúmeros recursos tecnológicos estão à disposição dos usuários em

Bereia checou duas notícias do CPAD News, ambas classificadas como inconclusivas:

Duas frentes contra a desinformação e o discurso de ódio: Comissão Parlamentar Mista de Inquérito no Congresso Nacional e Inquérito aberto no Superior Tribunal Federal. 

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, determinou, em março de 2019,  abertura de inquérito criminal para apurar “notícias fraudulentas”, ofensas e ameaças, que “atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e familiares”. A investigação foi objeto de análise do Bereia, 

Dias Toffoli nomeou o ministro Alexandre de Moraes como relator do processo. A portaria não delimita um objeto específico ou grupo a ser investigado, apenas as possíveis infrações. Mais informações sobre este inquérito podem ser verificadas em uma análise já realizada pelo Bereia, disponível aqui.

Investigações e ações da Polícia Federal aconteceram desde o início, no entanto, a operação de maior repercussão aconteceu mais de um ano depois da abertura do inquérito.

No dia 27 de maio de 2020, a Polícia Federal fez uma grande operação para cumprir mandados de busca e apreensão relacionados ao inquérito aberto pelo STF. Foram 29 mandados cumpridos em cinco estados e no distrito federal. Os alvos foram supostos envolvidos no financiamento e divulgação de ofensas, ataques e ameaças aos Ministros do STF.

Entre eles estão Allan dos Santos, Sara Winter e Bernardo Kuster, ativistas religiosos digitais, propagadores de notícias falsas e figuras cativas em sites e agências de checagem de notícias. 

Em seu site, Sara Winter informa ser ex-feminista e relata que após passar por um aborto, converteu-se ao catolicismo. Ainda conta que é escritora e seu primeiro livro se intitula “Sete vezes que o Feminismo me traiu”.  Está prestes a lançar sua nova obra com o título “Como tirar sua filha do Feminismo: um guia para pais desesperados”, que será prefaciada pela Ministra de Estado Damares Alves. 

Além do inquérito do STF, o Congresso Nacional instalou, em 4 de setembro de 2019, uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das fake news. A deputada federal Lídice da Mata (PSB-BA) é a relatora das investigações. O senador Ângelo Coronel (PSD-BA) foi eleito presidente da comissão. O requerimento para a criação da CPI foi feito pelo deputado Alexandre Leite (DEM-SP) e recebeu o apoio de 276 deputados e 48 senadores.

Depoimentos feitos à comissão apontaram a participação de dois filhos do presidente, Eduardo e Carlos Bolsonaro, e de assessores próximos em campanhas na internet para atacar adversários, por meio de um possível “Gabinete do Ódio”, instalado no Palácio do Planalto.

Aliada do presidente Jair Bolsonaro desde a campanha presidencial e agora sua adversária política, a deputada federal evangélica, Joice Hasselmann (PSL-SP), que até pouco tempo ocupava o cargo de líder do governo na Câmara,  apresentou um dossiê à comissão em que aponta “milícias digitais” que praticam ataques orquestrados aos adversário do presidente da república e de seus filhos. Os ataques, segundo a deputada, seriam impulsionados por perfis falsos e robôs e teriam como operadores assessores dos gabinetes da família Bolsonaro e funcionários do executivo federal. 

Em conversa com a BBC Brasil, a relatora da CPMI informou que existem três núcleos sob investigação: “o operacional, que conta com assessores de deputados estaduais e federais; o distribuidor, que envolve sites e blogs; e o núcleo econômico, que todos queremos identificar”. Um dos objetivos próximos passos da CPMI é “seguir o caminho do dinheiro”.

Em 2 de abril de 2020, deputados e senadores decidiram prorrogar por mais 180 dias a Comissão Parlamentar de Inquérito das fake news.

Coletivo Bereia e checagens em mídias religiosas

Daniel Patrick Moynihan, senador do estado de Nova York e embaixador na Índia e nas Nações Unidas (1927-2003), disse: “você têm direito a suas próprias opiniões, não a seus próprios fatos”.

A relação entre mídias digitais, política e fake news foi tema do documentário Privacidade Hackeada, que mostrou como a privacidade de dados dos usuários na internet é frágil e pode ser utilizada indevidamente. A empresa de dados Cambridge Analytica se tornou o símbolo do lado sombrio das redes sociais após a eleição presidencial de 2016 nos EUA. O documentário está disponível para acesso na plataforma Netflix.

Diante disso, e em meio ao turbilhão de informações, o Coletivo Bereia surgiu com o propósito específico de combater a desinformação de cunho religioso difundida em mídias sociais digitais e sites, além de verificar os pronunciamentos feitos por lideranças religiosas ou políticas ligadas a alguma denominação religiosa. 

A intenção do projeto é contribuir para um debate mais transparente dos assuntos religiosos, muitas vezes usados como pano de fundo para desinformar, manipular e confundir com vistas a algum ganho escuso. 

Bereia oferece a oportunidade a leitores e leitoras de fazerem uma leitura crítica das informações e tirarem suas conclusões baseadas em fontes oficiais e verificáveis. Há reflexões, levantamentos e também a “Torre de Vigia“, seção dedicada a checagens de notícias e pronunciamentos de pessoas ligadas à gestão pública e com filiação religiosa. Além das checagens, Bereia publica artigos de opinião de especialistas na área de religião e comunicação na seção “Areópago“.

Para saber mais sobre fake news e eleições manipuladas:

Documentário: Privacidade Hackeada. Entenda como a empresa de análise de dados Cambridge Analytica se tornou o símbolo do lado sombrio das redes sociais após a eleição presidencial de 2016 nos EUA. 

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Referências de checagem:

Congresso Nacional instala CPI das Fake News com relatora da oposição: https://www.cartacapital.com.br/politica/congresso-nacional-instala-cpi-das-fake-news-com-relatora-da-oposicao/ 

CPMI das Fake News é instalada no Congresso: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/09/04/cpmi-das-fake-news-e-instalada-no-congresso 

CPI é prorrogada por 180 dias e investigará fake news sobre coronavírus: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/04/03/cpi-e-prorrogada-por-180-dias-e-investigara-fake-news-sobre-coronavirus 

Inquérito do STF sobre fake news: entenda as polêmicas da investigação que provoca atrito entre Bolsonaro e a Corte: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52824346 

Toffoli abre inquérito para apurar ‘notícias fraudulentas’, ofensas e ameaças a ministros do STF: https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/03/14/toffoli-anuncia-inquerito-para-apurar-noticias-fraudulentas-que-ofendam-a-honra-do-stf.ghtml

Ex-aliados de Bolsonaro mostram como funciona o Gabinete do Ódio: https://congressoemfoco.uol.com.br/governo/ex-aliados-de-bolsonaro-detalham-modus-operandi-do-gabinete-do-odio/

Jornalistas evangélicos contra as fake news: https://outraspalavras.net/crise-civilizatoria/bereia-jornalistas-evangelicos-contra-as-fake-news/

Jornalismo, fake news & desinformação: manual para educação e treinamento em jornalismo: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000368647?fbclid=IwAR1ltj8iF00MPv69hOx4WViYAHzMUlp8VoYlT0Mepi_TYL_utbV5xIgnnEk

Comissão Parlamentar Mista de Inquérito – Fake News: https://legis.senado.leg.br/comissoes/audiencias?1&codcol=2292

Folha de São Paulo “Você tem direito a suas próprias opiniões, não a seus próprios fatos”: https://m.folha.uol.com.br/colunas/patriciacamposmello/2014/06/1477698-voce-tem-direito-a-suas-proprias-opinioes-nao-a-seus-proprios-fatos.shtml

Comissão Parlamentar Mista de Inquérito – Fake News. Documentos de Audiências Públicas e Oitivas: https://legis.senado.leg.br/comissoes/audiencias?1&codcol=2292

Época- O Exército de Pinóquios – https://epoca.globo.com/brasil/noticia/2018/04/o-exercito-de-pinoquios.html

O bom jornalismo está sob ameaça

A profissão de jornalista mudou muito desde que comecei como estagiário no extinto “Jornal do Brasil”, no ano da graça de 1981. Antes de começar a produzir uma matéria especial, eu recorria à biblioteca do jornal e ao famoso Departamento de Pesquisa, de onde Fernando Gabeira caiu na luta armada no maravilhoso ano de 1968. Ali fazia diligentemente a pesquisa em pastas com recortes e fotografias arquivadas. Não existia esse negócio de site de busca e muito menos internet.

Para escrever a matéria, nós usávamos uma Olivetti Lexicon 80, que bem depois virou obra de arte no Moma, de Nova York. Com três cópias – uma para o copydesk (o corpo de redatores), uma para a Rádio JB e outra para a Agência Jornal do Brasil, que funcionavam no mesmo prédio da Avenida Brasil 500, em São Cristóvão (o prédio virou um hospital público). A falta do computador, que permite a maravilha da edição do texto, obrigava o redator da matéria a fazer uma colagem com novos parágrafos e sobretudo mudanças no lead. Era a chamada gilete press.

Para dar retorno ao chefe de reportagem, diretamente da rua, você era obrigado a usar orelhões com uma ficha (nem moeda o equipamento aceitava) e mais tarde cartões. É verdade que alguns carros de reportagem tinham um rádio Motorola – tipo radiopatrulha, cujo sinal falhava muito. Com o smartphone, o repórter passou a poder apurar por voz, vídeo ou dados, pesquisar, escrever, fotografar e filmar o tema relativo à reportagem e publicar tudo numa plataforma digital sem depender de nenhum “gate keeper” — o chamado Jornalismo Móvel. Hoje, o repórter de rua precisa não apenas saber escrever, mas fotografar e filmar, usar as mídias sociais e estar atento para a checagem dos fatos, afim de evitar as “fakes”.

Essas são algumas das principais mudanças que afetaram o modo de fazer jornalismo. O que nunca mudou e certamente nunca mudará é a paixão que move todo jornalista em busca dos elementos que reconstituam fatos e histórias, o mais próximo possível da verdade e não da “pós-verdade”. É o prazer de trazer à tona informações de interesse público que eram mantidas longe do acesso desse mesmo público com o objetivo de preservar outros interesses, alguns nefastos. O que jamais acabará é o senso de responsabilidade social de cada repórter, seu desejo de contar histórias que também contribuam decididamente para a memória das pessoas, de uma nação, de toda a humanidade. É por isso que, mesmo distante da linha de montagem de um jornal, eu sempre vou amar o jornalismo e seu mundo.  

Mas o bom jornalismo nunca esteve tão ameaçado no Brasil, assim como a democracia, já que a imprensa é um dos maiores pilares desse regime político cujo ar é mantido por aparelhos como a liberdade de expressão e a diversidade de opiniões. Nem mesmo durante a ditadura militar, que matou jornalistas e impôs a censura prévia aos veículos de comunicação de 1968 a 1979 – com a implantação do golpe dentro do golpe, que foi o AI-5 – os repórteres de rua foram tão ofendidos e alvos de todo tipo de violência, até mesmo por cidadãos que compraram a versão de Bolsonaro, de que a imprensa é comunista ou mesmo esquerdista. 

O presidente aloprado reza na mesma cartilha do amigo americano, que logo no início de sua gestão tentou desqualificar a imprensa tradicional por meio da afirmação de seus próprios canais de comunicação com seus eleitores, como o Twitter. Felizmente essas mídias sociais, para preservar a própria credibilidade, já começaram a enquadrar esses líderes fascistas, autoritários e antidemocráticos. 

Enquanto enfrenta três tipos de crise – a do modelo de negócios, a da economia e a da pandemia – o jornal impresso resiste como pode até mesmo a propagandas de bancos, que oferecem linhas de créditos para se renovar o negócio das bancas de jornais, obviamente sem jornais. Para completar o nefasto panorama, os terraplanistas investem em “fake news”, que só agora levaram um freio com o inquérito aberto pelo Supremo Tribunal Federal.

Por outro lado, há uma luz sobre a calandra (*). Os novos veículos nativos digitais, que já organizam até um encontro anual, o Festival 3i, são uma promessa de renovação do jornalismo, em que pese a dificuldade de “paywall” num ambiente como a internet, em que a maioria quer acesso gratuito a todas fontes de informação. Impossível.

A sociedade precisa compreender que a produção de informação tem um custo, que será sempre maior quanto menor suporte tiver do leitor. Portanto, meu sincero apelo é que você, leitor, ache um jornal para chamar de seu. Antes que a democracia se torne mais caótica e os golpistas de plantão abracem uma para chamar de sua.

* Calandra é uma prensa para produção de matrizes de estereotipia, uma máquina enorme que era usada também para passar trote nos “focas” (iniciantes). “Vá buscar a calandra”, dizia o chefe de reportagem ao estagiário.

Lista de sites de notícias falsas não é de autoria do projeto Comprova

Circula pelas mídias sociais e grupos de aplicativo de mensagens uma lista com 27 sites de notícias falsas do Brasil, cuja autoria é atribuída ao Comprova, projeto de jornalismo colaborativo contra a desinformação formado por jornalistas de 24 veículos de comunicação parceiros. O projeto é idealizado pela organização britânica First Draft e conta com a coordenação da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (AbraJi). 

A mensagem informa que a lista foi postada na conta @comprova, na rede social digital Twitter. Ao fazer uma busca no site e no Twitter do projeto, o Coletivo Bereia não encontrou esta notícia. Ao fazer contato com a equipe do Comprova, foi obtida a seguinte resposta:

“​O Comprova não reconhece a lista. Não foi feita com base em nenhuma publicação nossa. Obrigado por alertar”.

Após o contato do Bereia, o Comprova divulgou o comunicado:

Lista de sites de notícias falsas não foi criado pelo Comprova”, com o seguinte esclarecimento:

O Comprova jamais produziu qualquer lista ou ranking que dê destaque a publicadores de informações falsas ou enganosas”.

Bereia classifica o conteúdo destas postagens como falso por atribuir indevidamente a autoria da lista ao projeto Comprova. 

Apesar da lista não ter sido criada pelo Comprova, o Coletivo Bereia pesquisou os editoriais e as notícias exibidas na primeira página dos sites relacionados. Todos são pró-governo federal e contém Fake News em seus conteúdos, alguns não tem a autoria, de forma geral fazem uso de manchetes sensacionalistas e  há excesso de anúncios. Da lista, 12 se apresentam como uma mídia de direita (um deles é originado de grupo religioso), dois como extrema-direita, um site é religioso (Gospel Prime) e aparece com frequência nas checagens do Bereia como propagador de notícias falsas, , um dos sites se apresenta como “jornalismo independente sem o filtro do politicamente correto” e um está fora do ar.

Dois sites desta lista aparecem no noticiário nacional por conta de estarem associados à disseminação de notícias falsas. O mais recente é o Jornal da Cidade, que foi o primeiro alvo da campanha iniciada pelo movimento Sleeping Giants de ação anti-notícias falsas. O movimento, que em poucos dias de maio ganhou 320 mil seguidores no Twitter, obteve a cooperação de pelo menos 35 empresas de renome para que retirassem seus anúncios de sites que veiculam notícias falsas.  O sucesso foi reconhecido pelo grupo da iniciativa original, dos Estados Unidos, que esperou um ano para alcançar 68 mil seguidores. 

O Jornal da Cidade Online, tornou-se um dos veículos mais populares nas eleições de 2018, no apoio à campanha de Jair Bolsonaro, e é frequentemente citado como disseminador de informações falsas por agências e projetos de checagem como o Comprova e Aos Fatos. Depois da ação, o movimento Sleeping Giants declarou, em seu perfil do Twitter, ter conseguido que as empresas McDonald’s, Decathlon, Serasa, Philips, Fast Shop, Claro, Insper, FGV, Dell, Submarino, entre outras, até o Tribunal de Contas de Mato Grosso do Sul retirassem a publicação de anúncios do Jornal da Cidade Online.

O outro site da lista verificado pelo Coletivo Bereia que aparece no noticiário por conta de disseminação de notícias falsas é o site religioso Gospel Prime. Ele foi citado em matéria da revista Época de 23 abril de 2018, intitulada “O Exército de Pinóquios”, com base em levantamento nos bancos de dados do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação da Universidade de São Paulo (USP) e do Laboratório de Imagem e Cibercultura da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Durante dois meses, foram listados mais de 200 sites na pesquisa, dos quais 69 continham conteúdo suspeito. Gospel Prime apareceu como o número 1 de um top 10 de veiculadores de notícias falsas no país. De 2018 até o presente este quadro parece não ter sido alterado, pois Gospel Prime, como mencionado nesta matéria, é frequentemente citado em matérias classificadas como desinformativas pelo Coletivo Bereia.

 

Os 10 Maiores sites brasileiros produtores de Fake News. FONTE: Revista ÉPOCA, edição n 1034, de 23/04/2018

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Referências de Checagem:

Comprova, https://projetocomprova.com.br/publica%C3%A7%C3%B5es/lista-de-sites-de-noticias-falsas-atribuida-ao-comprova-e-falsa/ Acesso em 29 mai 2020

Revista Época https://epoca.globo.com/brasil/noticia/2018/04/o-exercito-de-pinoquios.html, Acesso em 29 mai 2020

Sleeping Giants Brasil @slpng_giants_pt  Acesso em 29 mai 2020

Fake News: “Educação é a chave” do combate à desinformação

Publicado originalmente no Mundo ao Minuto.

A educação é a chave” do combate à desinformação, habitualmente referida como ‘fake news‘, disse Delphine Colard, durante uma conversa virtual com jornalistas sobre a luta da Europa contra a desinformação em tempos da covid-19.

Deve ser muito claro para todos que a informação veiculada por ‘bloggers’ ou influencers’ não tem a mesma credibilidade da dos media tradicionais”, defendeu.

A grande dificuldade em perceber a “fina linha” entre opinião e ‘fake news’ complica a situação, como considerou a diretora da agência Lusa, Luísa Meireles, sublinhando que “a desinformação tem sido uma preocupação nos últimos anos, mas, na atual pandemia, é crítica porque a saúde é um bem precioso para todos“.

Segundo Delpfhine Colard, como a informação sobre a covid-19 tem monopolizado a atenção nos últimos meses, as histórias sobre a sua origem têm proliferado.

Na rádio belga deram notícia de duas narrativas, uma das quais diz que tudo isto foi criado por Bill Gates para implantar ‘microships’ e controlar a população e outra que refere que [a quinta geração de telemóveis] 5G está a espalhar a covid-19, o que levou várias pessoas a destruírem antenas de telecomunicações em vários países. Estas histórias têm consequências para a nossa saúde e segurança, sublinhou a porta-voz do Parlamento Europeu.

Para combater isto, é preciso cooperação, nomeadamente com as plataformas de redes sociais, como por exemplo o Facebook.

Também a assessora de imprensa do Parlamento Europeu, Sara Ahnborg, considerou que é preciso cuidados extra quando se lida com estes temas, sobretudo os que estão ligados à saúde.

Há neste momento 514 histórias [iniciadas pelo] Kremlin a circular sobre a covid-19, avançou Sara Ahnborg, reconhecendo que as acusações a Bill Gates “são muito populares“, mas também há várias com fins políticos.

A Rússia espalhou que não há solidariedade entre os Estados da União Europeia e que a UE está a desmoronar-se” ou que “a democracia nunca funcionará e a covid-19 prova-o, sendo que o que é preciso é um regime de ditadura“, referiu, admitindo que algumas histórias podem fazer-nos rir, mas outras são mais preocupantes.

Portugal tem uma tradição muito forte de cruzar fontes e fazer ‘fact cheking’, mas isso não acontece em todos os países, lembrou.

De acordo com esta responsável da comunicação do Parlamento Europeu, “decorre [atualmente] uma discussão sobre o que as redes sociais podem fazer, nomeadamente em relação a pessoas que se fazem passar por outras, ou por quem usa algoritmos para mudar as perceções e talvez haja legislação sobre isso ou um acordo em breve“.

Por enquanto, secundou a porta-voz do Parlamento Europeu, o importante é “expor os casos e aumentar a consciencialização. É importante investir na literacia e que as crianças comecem, desde cedo, a detetar elementos” e a verificar as histórias antes de decidirem partilhá-las ou não.

Se algo é demasiado feliz ou demasiado triste ou se nos afeta demasiado os nervos, deve pensar-se duas vezes antes de partilhar: provavelmente foi fabricado para nos provocar uma reação, alertou Delphine Colard.

Por outro lado, as plataformas de distribuição, como as redes sociais, têm um código de conduta, uma espécie de autorregulação, que “está atualmente a ser revisto, depois das eleições europeias. Deveremos ter mais regras em outubro“, disse.

O debate Desinformação em tempos de covid-19 foi realizado no âmbito do Dia da Europa, comemorado em 9 de maio, e do Dia da Liberdade de Imprensa, que se assinala em 3 de maio.

A porta-voz adjunta do Parlamento Europeu, Delphine Colard, e a assessora de imprensa do Parlamento Europeu, Sara Ahnborg, foram entrevistas pela diretora da Lusa, mas também pela jornalista e presidente do Sindicato de Jornalistas Sofia Branco, tendo contado com questões colocadas por que estava a assistir.

Na semana passada, centenas de médicos e enfermeiros de vários países, entre os quais Portugal, assinaram uma carta a exigir que as principais redes sociais e plataformas digitais combatam a desinformação sobre a covid-19, retificando notícias falsas e tornando-as menos visíveis.

A petição, divulgada pela plataforma Avaaz e dirigida aos gestores do Facebook, Twitter, Google e YouTube, assegura que a pandemia de coronavírus também é uma infodemia global na qual a desinformação viral põe em perigo vidas em todo o mundo através de mensagens falsas.

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Imagem destaque: http://blog.educawise.com.br/fake-news-como-orientar-os-alunos/

Fake news e o rebanho humano

Publicado originalmente em Dom Total, por Frei Betto, 08/05/2020**

Oráculos do sistema neoliberal proclamam a pós-verdade da liberdade, da democracia e da virtude

O filósofo alemão Emmanuel Kant não anda muito em moda. Sobretudo por ter adotado, em suas obras, uma linguagem hermética. Porém, em um de seus brilhantes textos – O que é o Iluminismo? – sublinha um fenômeno que, na cultura televisual que hoje impera, se torna cada vez mais generalizado: as pessoas renunciam a pensar por si mesmas. Preferem se colocar sob proteção dos “oráculos da verdade” multiplicados pelas redes digitais.

Esses supostos guardiões da verdade velam, bondosamente, para não nos permitir incorrer em equívocos. Graças a seus alertas sabemos que a Covid-19 não passa de uma “gripezinha”; os médicos cubanos fazem trabalho escravo; o Estado, que recolhe dinheiro da população, não pode gastar com a população…

São eles que nos tornam palatáveis os bombardeios dos EUA no Iraque e no Afeganistão, dizimando aldeias com crianças e mulheres, e nos fazem encarar com horror a pretensão de o Irã fazer uso pacífico da energia nuclear, enquanto seu vizinho, Israel, ostenta a bomba atômica.

São eles que nos induzem a repudiar o MST em sua luta por reforma agrária, enquanto o latifúndio, em nome do agronegócio, invade a Amazônia, desmata a floresta e utiliza mão de obra escrava.

É isso que, na opinião de Kant, faz do público Hausvieh, “animal doméstico”, arrebanhamento, de modo que todos aceitem, resignadamente, permanecer confinados no curral, cientes do risco de caminhar sozinhos.

Kant aponta uma lista de oráculos da verdade: o mau governante, o militar, o professor, o sacerdote etc. Todos clamam “Não pensem!” “Obedeçam!” “Paguem!” “Creiam!” O filósofo francês Dany-Robert Dufour sugere incluir o publicitário que, hoje, ordena ao rebanho de consumidores: “Não pensem! Gastem!

Retrato de Emmanuel Kant (Reprodução)

Tocqueville, em seu “Da democracia na América” (1840), opina que o tipo de despotismo que as nações democráticas deveriam temer é exatamente sua redução a “um rebanho de animais tímidos e industriosos” livres da “preocupação de pensar”.

O velho Marx, que anda em moda por ter previsto as crises cíclicas do capitalismo, assinalou que elas decorreriam da superprodução, o que de fato ocorreu em 1929. Mas não foi o que vimos em 2008, cujos reflexos perduram. A crise não derivou da maximização da exploração do trabalhador, e sim da maximização da exploração dos consumidores. “Consumo, logo existo”, eis o princípio da lógica pós-moderna.

Para transformar o mundo em um grande mercado as técnicas do marketing contaram com uma valiosa contribuição de Edward Bernays, duplo sobrinho estadunidense de Freud. Anna, irmã do criador da psicanálise e mãe de Bernays, era casada com o irmão de Martha, mulher de Freud. Os livros deste foram publicados pelo sobrinho nos EUA. Já em 1923, em Crystallizing public opinion, Bernays argumenta que governos e anunciantes são capazes de “arregimentar a mente (do público) como os militares o fazem com o corpo”.

Como gado, o consumidor busca sua segurança na identificação com o rebanho, capaz de homogeneizar seu comportamento, criando padrões universais de hábitos de consumo através de uma propaganda libidinal que nele imprime a sensação de ter o desejo correspondido pela mercadoria adquirida. E quanto mais cedo se inicia esse adestramento ao consumismo, tanto maior a maximização do lucro. O ideal é cada criança com um televisor no próprio quarto.

Para se atingir esse objetivo, é preciso incrementar uma cultura do egoísmo como regra de vida. Não é por acaso que quase todas as peças publicitárias se baseiam na exacerbação de um dos sete pecados capitais. Todos eles, sem exceção, tidos como virtudes nessa sociedade neoliberal corroída pelo afã consumista.

A inveja é estimulada no anúncio da família que possui um carro melhor que o do vizinho. A avareza é o mote das propagandas de bancos. A cobiça inspira todas as peças publicitárias, do último modelo de telefone celular ao tênis de grife. O orgulho é sinal de sucesso dos executivos assegurados por planos de saúde eterna. A preguiça fica por conta da parafernália elétrico-eletrônica que prepara a sua refeição sem que você tenha que sequer descascar uma batata. A luxúria é marca registrada dos jovens esbeltos e das garotas esculturais que desfrutam vida saudável e feliz ao consumirem bebidas, cigarros, roupas e cosméticos. Enfim, a gula envenena a alimentação infantil na forma de chocolates, refrigerantes e biscoitos, induzindo a crer que sabores são prenúncios de amores.

Na sociedade neoliberal, a liberdade se restringe à variedade de escolhas consumistas; a democracia, em votar em quem dispõe de recursos milionários para bancar a campanha eleitoral; a virtude, em pensar primeiro em si mesmo e encarar o semelhante como concorrente. Esta a pós-verdade proclamada pelos oráculos do sistema.

Ocorre que a evolução da natureza e da humanidade é feita também de fenômenos imprevisíveis, como a Covid-19. Os robôs e os algoritmos podem disparar fake news para tentar nos convencer de que a pandemia não é tão ameaçadora como afirmam os cientistas. Mas o coronavírus ignora mentiras e verdades. Anseia apenas penetrar uma célula humana e, em menos de vinte e quatro horas, replicar-se em 100 mil cópias. Sua obsessão é perpetuar sua espécie, em detrimento da nossa.

***

Frei Betto é escritor e religioso dominicano. Recebeu vários prêmios por sua atuação em prol dos direitos humanos e a favor dos movimentos populares. Foi assessor especial da Presidência da República entre 2003 e 2004. É autor de “A Obra do Artista – uma visão holística do Universo”, “Um homem chamado Jesus”, “Batismo de Sangue”, “A Mosca Azul”, entre outros.

Retrato de Emmanuel Kant – Reprodução. Disponível em: https://conhecimentocientifico.r7.com/kant-quem-foi/

“Já estamos na Era da desinformação”, diz doutora em comunicação

Publicado originalmente em Jornal a Hora, por Laura Mallmann em 21/05/2020*

Especialista em verificação de fatos, Taís Seibt, esclareceu maneiras de combater fake news

A pandemia do coronavírus é um ambiente propício para desinformação e fake news, afirma a jornalista e doutora em Comunicação, com pesquisa sobre verificação de fatos, Taís Seibt. A especialista, que criou em 2019 a iniciativa Afonte Jornalismo de Dados, participou de entrevista no programa A Hora Bom Dia, desta quinta-feira, dia 21.

O momento nos mostra que já estamos na Era da desinformação”, afirma Taís. Para a doutora, as redes sociais e o acesso mais fácil e rápido a internet deveria ser um processo libertador. “Mas causou o efeito contrário, infelizmente. Essa liberdade nas redes nos leva a desinformação”, explica.

As fake news se fortaleceram nas eleições de 2018. Porém, Taís analisa que o momento atual também potencializou a disseminação de notícias falsas. Conforme ela, as pessoas não compartilham informações falsas porque são falsas, elas compartilham porque se identificam com o que é dito.

De acordo com Taís, existe uma descredibilização de jornalistas e cientistas neste momento, e os profissionais dos meios precisam lutar contra isso.

“Os jornalistas se baseiam em evidências, em pesquisas, em fundamentos. E, ações fortalecidas nas redes sociais ou mídias alternativas podem gerar essa desconfiança. Não é só o conteúdo falso é, principalmente, a falta de informação”, esclarece.

Embora não exista uma legislação para a propagação de notícias falsas, há meios na justiça de verificar isso, afirma a jornalista.

Todo mundo tem responsabilidade por aquilo que divulga, não só os jornalistas”, explica.

Para ela, áudios falsos são muito difíceis de monitorar.

Ainda que a pessoa se identifique, a replicação dele é incontrolável. O ideal é não repassar áudios.

Segundo Taís, a transparência é o caminho para gerar confiança.

Se é possível acessar relatórios de dados, principalmente na pandemia, é importante verificar a fonte e divulgar ela”, afirma.

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Evangélicos pela democracia se manifestam contra governo Bolsonaro e as fake news

Os impactos e desdobramentos da crise de saúde pública com a pandemia do Covid-19 no Brasil tornam-se ainda mais críticos com as sucessivas crises políticas geradas pelo próprio governo brasileiro e representam uma ameaça à democracia e à dignidade humana. Diante desta situação que resulta em graves consequências, principalmente à população mais pobre, 34 organizações evangélicas assinam a carta “O governante sem discernimento aumenta as opressões – Um clamor de fé pelo Brasil”.

O documento reconhece e apoia as universidades e os centros de pesquisa, bem como seus pesquisadores e cientistas, e repudia a conduta do presidente por seus pronunciamentos contrários às recomendações de especialistas da saúde. O editorial da revista britânica especializada em medicina The Lancet, publicado em 9 de maio de 2020, afirma que há uma condução caótica por parte do governo federal, grande dificuldade de gestão dos dados e de condução de respostas, sejam na área da saúde, sejam na área social.

Nilza Valéria Nascimento, integrante da coordenação nacional da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, uma das signatárias da carta, destaca:

“Não há conflito entre fé e ciência. De modo algum um se opõe ao outro. É triste que tenhamos que nos manifestar sobre isso, em plena pandemia, quando temos que achar, na ciência, caminhos para combater o vírus letal. A fé, deixe, com a fé, o consolo e a esperança”.

Caio Marçal, membro da coordenação nacional da Rede Fale, que também assina a carta, avalia que as igrejas devem jogar um papel fundamental no enfrentamento ao novo Coronavírus por ter forte inserção nas periferias.

As igrejas poderiam facilitar a inserção de famílias pobres no acesso às possibilidades de receber auxílio em meio a pandemia. Contudo, a desinformação e a disseminação de fake news, inclusive promovidas por Jair Bolsonaro, tem colocado a vida de nossos irmãos e irmãs em risco”.

Uma das proposições da carta é que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) assuma seu papel constitucional e proceda o imediato julgamento das Ações de Investigação Judicial (AIJs) no (TSE) e que pedem a cassação da chapa de Jair Bolsonaro e de Antônio Mourão em razão da disseminação de mentiras durante a campanha eleitoral e pela prática que tem se mantido durante o governo com dinheiro público. “A preservação de vidas e da democracia exigem ação imediata”, finaliza o documento.

Luciano Caparroz, advogado especialista em Direito Eleitoral, diretor do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral e integrante da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político, em artigo para o Congresso em Foco, explica o caso das AIJs no TSE:

No TSE pendem seis AIJEs que tratam dos temas de possíveis ilegalidades perpetradas pelo então candidato Jair Bolsonaro e sua chapa, que ganharam as eleições presidenciais e precisam ser julgadas com a celeridade necessária para que não se repita o prolongamento de exercício no poder por parte de quem não deveria lá estar – se for esta a decisão ao fim do processo – ou que seja considerada regular e se ponha fim as dúvidas.

Vale lembrar que o candidato vencedor e que ocupa a Presidência da República declarou, recentemente, que as eleições haviam sido fraudadas e que ele teria ganho no primeiro turno, afirmando ainda que apresentaria provas.

Faz-se necessário, portanto, que a Justiça Eleitoral exija a apresentação destas provas para que sejam analisadas e, deste modo, seja respondido à população se tais eleições foram ou não fraudadas. Que sejam julgados os processos pendentes, para que o eleitor, soberano, possa ter a certeza de que a representação que ele transferiu a um político seja verdadeira e devidamente constituída.

Na hipótese de fraude nas eleições ou de cassação da chapa eleita, deve-se realizar novas eleições.


As AIJs já vinham sendo potencializadas com a atuação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre Fake News nas Eleições 2018. Elas ganharam mais força com as revelações do empresário Paulo Marinho, em entrevista publicada pela Folha de S. Paulo, em 17 de maio de 2020, que apontam fraude eleitoral na disputa presidencial de 2018. O empresário revelou que a Polícia Federal alertou a família Bolsonaro sobre a investigação do esquema das rachadinhas no gabinete do então deputado estadual do Rio de Janeiro Flátvio Bolsonaro, que envolvia o miliciano Fabrício Queiroz, até hoje foragido.

Segue a íntegra do documento das organizações e movimentos evangélicos:

Para saber mais acesse o link: http://bit.ly/ClamorBrasil.

Aliança de Batistas do Brasil – Associação Projeto Videiras – AMSK Brasil – Coletivo Abrigo – Coletivo Cristãos Pela Justiça – Coletivo Memória e Utopia- Comunidade Cristã da Lapa – Comunidade Cristã na Zona Leste – Congrega – Comunidade Presbiteriana Videiras – Cristãos Contra o Fascismo – Direitos Humanos nos Passos de Jesus – Evangélicas pela Igualdade de Gênero – Evangélicos Trabalhistas – Evangélicos pela Justiça – Evangélicxs pela Diversidade – Fé e Afeto Cristão – Fórum Evangelho e Justiça – Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito – Grupo Fé & Política: Reflexões – Igreja Batista de Direitos Humanos – Igreja Batista Nazareth – Instituto Guarani de Responsabilidade Socioambiental – Igrejas Libertárias! – Miquéias Brasil – Missão Aliança – Movimento Evangélico Progressista – Movimento Negro Evangélico do Brasil – Nossa Igreja Brasileira – Núcleo de Evangélicas e Evangélicos do PT – Núcleo Evangélico 23 – Paz e Esperança Brasil – Primavera Ecumênica – PSOL/PR – Plataforma Intersecções – Rede Fale – Redenção Baixada – Vozes Maria

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Fonte/imagem de destaque: https://knowyourmeme.com/photos/564485-2013-brazil-bus-taxes-protests

Estudo identifica principais fake news relacionadas à Covid-19

Publicado originalmente no site oficial da Fio Cruz, 18/05/2020

Um recente estudo, conduzido pelas pesquisadoras da ENSP Claudia Galhardi e Maria Cecília de Souza Minayo, identificou as principais fake news relacionadas à Covid-19, recebidas pelo aplicativo Eu Fiscalizo, entre março e maio no país.

Segundo Claudia, além de colocar vidas em risco, a disseminação de notícias falsas relacionadas ao novo coronavírus contribui para o descrédito da ciência e das instituições globais de saúde pública, bem como enfraquece as medidas adotadas pelos governos no combate à doença. Daí a importância da realização de estudos sobre a temática.

Precisamos redobrar a atenção ao receber informações nas redes sociais que não apresentem a fonte oficial e fazer uma leitura crítica antes de compartilhar qualquer conteúdo”, alerta a pesquisadora.

A primeira etapa da pesquisa, que fez um balanço das denúncias de notícias falsas recebidas entre 17 de março e 10 de abril, revela que 65% delas ensinam métodos caseiros para prevenir o contágio da Covid-19, 20% mostram métodos caseiros para curar a doença, 5,7% se referem a golpes bancários, 5% fazem menção a golpes sobre arrecadações para instituição de pesquisa e 4,3% se referem ao novo coronavírus como estratégia política.

A segunda fase do estudo, realizada entre 11 de abril e 13 de maio, aponta que, entre as fake news notificadas pelo app, 24,6% afirmam ser a doença uma estratégia política, 10,1% ensinam métodos caseiros para prevenir o contágio do novo coronavírus, 10,1% defendem o uso da cloroquina e hidroxicloroquina sem comprovação de eficácia científica e 7,2% são contra o distanciamento social.

Os resultados referentes ao intervalo entre abril e maio também mostram que 5,8% das notícias falsas ensinam métodos caseiros para curar a Covid-19, 5,8% afirmam que o novo coronavírus foi criado em laboratório, 4,3% declaram o uso de ivermectina como cura para a doença, 4,3% são contra o uso de máscaras e 2,9% difamam os profissionais de saúde.

Ainda entre os meses de abril e maio, foi constatado que, entre as fake news denunciadas, 2,9% são contra o uso de álcool em gel, 2,9% declaram o novo coronavírus como teoria conspiratória, 1,4% são relacionadas à difamação de políticos, 1,4% declaram ter a causa do óbito de parentes alterada para Covid-19 e 0,4% consistem em charlatanismo religioso, com tentativa de venda de artefatos para a cura da doença. O estudo também aponta que 15,9% das fake news se referem à Covid-19 como uma farsa, durante todo o período analisado, entre 17 de março e 13 de maio.

Em abril, as pesquisadoras da ENSP realizaram estudo que identificou as mídias sociais mais utilizadas para a propagação de fake news relacionadas à Covid-19 notificadas pelo aplicativo.  

Saiba mais aqui sobre o Eu Fiscalizo.

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Referências:

Imagem de destaque: https://futurism.com/the-byte/protesters-break-quarantine-calling-covid-19-fake-news / VICTOR TANGERMANN

Ministro apresenta desinformação sobre a Covid-19 em entrevista

Em entrevista coletiva na sexta-feira, 15 de maio de 2020, ministros do governo federal apresentaram um quadro dos 500 dias do governo de Jair Bolsonaro e enfatizaram o enfrentamento da pandemia de coronavírus. O Ministro da Secretaria de Governo General Luiz Eduardo Ramos, da ala evangélica de apoio a Bolsonaro (Igreja Batista), criticou, mais uma vez, a cobertura jornalística sobre a Covid-19.

Ramos disse que as notícias transmitem “clima de terror”. Ele já havia feito a mesma crítica na entrevista coletiva de 22 de abril, quando disse que os telejornais só mostram “imagens de caixão e corpo”, acusou a imprensa de não estar ajudando” e pediu que mostrasse “coisa positiva”.

O Ministro General Ramos, na entrevista de 15 de maio, alegou defender uma “questão de bom senso”. Ele apresentou dois argumentos: uma tabela do número de óbitos de coronavírus no mundo, com o Brasil atrás de muitos países. “Não estou minimizando as mortes (…), mas é importante que nós tenhamos consciência quando estamos noticiando”, afirmou o ministro.

O segundo argumento foi número de mortes por ano no país, por diversas causas, para comparar com números inferiores de óbitos por coronavírus, e concluir que não se deve causar um “clima de terror” no Brasil.

O vídeo com a fala do Ministro General Luiz Eduardo Ramos, na íntegra, pode ser acessado aqui (do minuto 5 ao minuto 18). Segue a transcrição dos trechos que justificam a crítica ao “clima de terror” da cobertura da imprensa:

(8’50) “O quadro que os senhores estão vendo, considerando a população, o Brasil está atrás de praticamente todos esses países: Bélgica, Espanha, Reino Unido, Itália, França, Estados Unidos, Alemanha, e aí vem o Brasil. Em números de óbitos, por milhão de habitantes, 58 óbitos. Tá aí, no quadro.”

(9’14) “Não estou minimizando as mortes, pelo amor de Deus. Uma morte é pleiteada pelo pranto de seus familiares, sofridos. Eu não estou dizendo isso. Eu estou dizendo o seguinte: é importante que nós tenhamos a consciência quando noticiamos, vamos explicar o que estamos noticiando.”

(9’33): “Outro dado, apenas para a reflexão de todos aqui, inclusive para o nosso ministro: isso aqui é estudo, dados abertos do Ministério da Saúde. Não estou falando de Covid-19! Não estou falando. Considerando o que seria um ano normal. A média, considerando os anos de 2016 ao ano de 2018, a média de óbitos por ano, 1 milhão e 253 mil pessoas, de várias causas. De doença de Chagas, que é muito ruim, cerca de 4 mil e 800 pessoas. Dessa doença, infelizmente muito forte, o câncer, 221 mil e 651 pessoas. De aparelho circulatório, ou infarto, qualquer um de nós,  – meu querido repórter [apontou para um repórter que estava presente], não vou citar o nome, mas todos nós, eu me incluo, podemos, a qualquer momento, sofrer um infarto do miocárdio. E vamos deixar essa vida, pois assim é. Como diz a Bíblia Sagrada, para aqueles que creem, não sabemos o dia e a hora [referência a Mateus 25:13]. Temos que nos preparar.”

(10’48) “E mais um dado, que não é Covid, pneumonia, 80 mil e 327. Outra coisa, todo mundo aqui deve andar de carro, ou deve andar de ônibus, pratica esporte… a média de mortes, por ano, de queda, afogamento, acidente automobilístico, lesões provocadas de toda ordem, 164 mil mortes. Os números são impactantes. Mas nem por isso é instaurado um clima de terror.” 

(11’27) “Nosso Presidente da República tem batido muito na tecla, e aqui está o ministro Paulo Guedes: é uma pandemia; medidas estão sendo adotadas, o ministro Braga Neto acabou de dizer que 7 bilhões de dinheiro (sic), importando kits… tudo está sendo feito. Mas é uma pandemia que atingiu o mundo.”

Bereia checou os argumentos do ministro para verificar se o governo está veiculando informações corretas.

O Brasil e o número de óbitos no mundo

O Ministro General Luiz Eduardo Ramos argumentou que o Brasil não tem número de mortes que promova um alarde tão grande das mídias, afinal, na tabela que apresenta, datada de 12 de maio, o Brasil é o oitavo colocado em óbitos, em comparação com Bélgica, Espanha, Reino Unido, Itália, França, Estados Unidos e Alemanha (em ordem de óbitos por milhão de habitantes).

Fonte: TV BrasilGov

A tabela apresentada pelo Ministro não indica a fonte. Ela é bastante similar a tabelas que têm circulado em mídias sociais, com comparações de países por número de óbitos por habitantes, tendo como fonte dados da plataforma Worldometer, usadas para minimizar os impactos da pandemia no Brasil e acusar a imprensa de exagero na cobertura da crise.

Este tipo de abordagem é desinformativa porque se baseia em números frios. Apesar de os dados apresentados serem corretos, as postagens fixam-se na simples comparação dos números e desconsideram: 1) que os países estão em fases diferentes da pandemia; 2) que há diferenças populacionais que impedem a comparação, como idade e densidade demográfica; e 3) que o nível de testagem no Brasil é muito menor do que em outros países, o que leva à subnotificação de infectados e mortos.

A agência de checagem Aos Fatos já havia verificado estas postagens, e, a partir do acordo de verificação que tem com o Facebook, publicações com esta comparação, sem a devida contextualização, foram marcadas como DISTORCIDAS.

De acordo com a verificação de Aos Fatos, feita antes da entrevista coletiva do Ministro General Ramos, o número de mortes por milhão de habitantes não é recomendado para fazer comparações sobre o impacto da pandemia em diferentes países. 

A agência ouviu o médico intensivista e epidemiologista da USP (Universidade de São Paulo) Otávio Ranzani, que explicou:

“Essa métrica pouco ajuda no entendimento e controle da pandemia na fase em que o Brasil está. Ela não indica se a pandemia está ativa ou em expansão. Na verdade, ela indica erroneamente o contrário. No Brasil, a ascensão da curva é ativa e dividir [o número de mortos] por uma população continental como a nossa só mostra que temos ainda muitos suscetíveis a terem infecção.”

Países como Bélgica e Itália, por exemplo, apresentam uma diminuição dos casos diários.

De acordo com o Otávio Ranzani, uma comparação de números correta só pode ser feita entre países que estão nas mesmas fases da pandemia e que tenham população com idade média similar. Um artigo da BBC, de 18 de maio de 2020, explica o mesmo e indica que países com populações mais velhas ou com maior densidade populacional podem ter maior taxa de infecção e de mortalidade.

Ainda há também um elemento fundamental a ser levado em conta: a testagem da população e as diferenças na forma como os óbitos são computados. A Bélgica, por exemplo, inclui mortes suspeitas na contabilização geral, o que não é o caso do Brasil que notifica “pneumonia” e “Síndrome Respiratória Aguda” em milhares de casos que teriam relação com a Covid-19.

Quanto à testagem, o Brasil tem ações muito inferiores a dos países citados. Segundo a própria fonte dos números, a Worldometers, o Brasil havia feito 1,5 testes por milhão de habitantes até 12 de maio de 2020 (data da tabela apresentada pelo ministro) enquanto Bélgica, Espanha e Itália haviam feito 50,4, 52,7 e 43,1 respectivamente.

Sobre as mortes por coronavírus comparadas a mortes por outras causas

O Ministro General Luiz Eduardo Ramos argumenta, na entrevista de 15 de maio, que há centenas de milhares de mortos por ano por doenças váriasv – por câncer, por infarto e por acidentes de trânsito e afogamentos, que oferecem números impactantes mas nem por isso é “instaurado um clima de terror”.

O ministro também faz uso de conteúdo fartamente exposto em mídias sociais em diversas publicações que procuram relativizar e minimizar os graves efeitos da Covid-19. Várias destas publicações nas redes foram classificadas como falsas porque são apresentados dados como se fossem atuais, para comparação com números dos casos de coronavírus. Checagem da agência Aos Fatos tornou possível que estas postagens no Facebook fossem marcadas como falsas, por conta do convênio de verificação, também já citado nesta matéria.

O Ministro General da Secretaria de Governo registrou na entrevista que apresentava dados do Ministério da Saúde de 2018. De fato, os registros disponíveis mais recentes do DataSus são os números de mortalidade no país em 2018.

Nesse sentido, não há dados disponíveis sobre mortalidade no Brasil entre os meses de janeiro e maio de 2020 que permitam uma comparação do número de vítimas de Covid-19 (todos de 2020) com os de outras causas citadas pelo ministro, como doença de chagas, câncer, infarto, pneumonia, acidentes de trânsito e afogamentos. Qualquer comparação nesse sentido, será enganosa pela ausência de compatibilidade dos dados.

Além disso, como já indicado nesta matéria, toda comparação que se fizer no Brasil com outras doenças já começa prejudicada por conta da subnotificação dos casos de Covid-19. Este problema acontece em todos os países em maior ou menor grau. No Brasil, o grau é altíssimo. Os registros oficiais de mortos levam em conta apenas pessoas que falecem em hospitais ou que tiveram resultado de exame positivo para o vírus. Mortes sem diagnóstico preciso e as que ocorreram em casa ou em casas de repouso para idosos, por exemplo, não entram nas estatísticas imediatamente. Projeções feitas por instituto de pesquisa científica e por universidades diferentes dizem que o número de casos reais de Covid-19 pode ser de 12 a 16 vezes maior do que o número oficial.

Segundo o Ministério da Saúde afirmou à agência Aos Fatos, fazer uma comparação entre causas de morte também é equivocado, porque “pacientes que vieram a óbito poderiam ter mais de uma comorbidade [a ocorrência de duas ou mais doenças relacionadas no mesmo paciente e ao mesmo tempo]. Já em relação à Covid-19, várias são as comorbidades associadas nos casos dos pacientes que vieram a óbito”.

Aos Fatos também ouviu a especialista em história das epidemias do IFBA (Instituto Federal da Bahia) Christiane Maria Cruz de Sousa. Ela explica que a comparação com a incidência de outras doenças é desinformativa pois diferentemente de uma doença que mata cotidianamente, como o câncer, uma epidemia “surge repentinamente e o número de mortos se acumula. São muitos mortos e doentes que colocam em xeque o sistema de saúde disponível para tratar de tanta gente ao mesmo tempo”.

Desinformação oficializada

Bereia conclui, com base na verificação dos argumentos do Ministro General da Secretaria de Governo Luiz Eduardo Ramos, que culpou a imprensa de “alarmista” e instauradora de “clima de terror” em relação à cobertura da Covid-19, que o governo transmite desinformação de caráter enganoso. Dados verdadeiros são utilizados, mas são feitos com números frios sem a devida contextualização para uma comparação correta. Também há a apresentação de dados do Ministério da Saúde de dois anos atrás, com comparação defasada e também incompatível com a nova realidade de uma doença contagiosa em nível gravíssimo.

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 Referência da Checagem:

Estado de Minas https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2020/04/22/interna_politica,1141003/ramos-critica-imprensa-por-cobertura-da-covid-19-nao-esta-ajudando.shtml Acesso em 19 mai 2020

Agência Brasil, EBChttps://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2020-05/comparacao-mortes-covid-19-deve-ser-proporcional-dizem-ministros Acesso em 19 mai 2020

TV BrasilGovhttps://youtu.be/yJwPf2wuO2E Acesso em 19 mai 2020

Worldometer https://web.archive.org/web/20200512010559/https://www.worldometers.info/coronavirus/ Acesso em 19 mai 2020

Aos Fatos https://www.aosfatos.org/noticias/aos-fatos-adere-iniciativa-de-verificacao-de-noticias-do-facebook/ Acesso em 19 mai 2020

Aos Fatos https://www.aosfatos.org/noticias/numero-de-mortos-por-milhao-de-habitantes-nao-evidencia-que-pandemia-no-brasil-e-menos-grave/ Acesso em 19 mai 2020

BBC, https://www.bbc.com/news/52311014 Acesso em 19 mai 2020

Folha de S. Paulo, https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/04/explosao-de-casos-de-sindrome-respiratoria-aponta-para-subnotificacao-de-casos-de-covid-19-no-pais.shtml 

Aos Fatos https://www.aosfatos.org/noticias/tabela-que-compara-mortes-por-covid-19-com-outras-causas-traz-dados-falsos/ Acesso em 19 mai 2020

DataSus, Mortalidade http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0205&id=6937 Acesso em 19 mai 2020

Profissionais da saúde pedem o fim das fake news sobre saúde

Publicado originalmente em Dom Total, Agência Estado/Dom Total, em 14/05/2020*

Carta pede atitudes eficazes no combate à desinformação sobre o novo coronavírus


O documento traz uma série de exemplos de desinformação sobre o coronavírus que circulou na internet (Fábio Rodrigues Pozzebom/ABr/Arquivo)

Profissionais da saúde do Brasil e de outros 16 países juntaram esforços em uma carta que pede atitudes mais severas contra a circulação de informações falsas sobre o novo coronavírus na internet. O documento, divulgado pelo Avaaz, é endereçado aos executivos responsáveis pelas principais redes sociais do mundo.

“Nosso trabalho é salvar vidas. Mas neste momento, além da pandemia da Covid-19, enfrentamos também uma infodemia global, com desinformações viralizando nas redes sociais e ameaçando vidas ao redor do mundo”, diz um trecho da carta.

O documento traz uma série de exemplos de desinformação sobre o coronavírus que circulou na internet, como um boato que afirmava que a Covid-19 foi desenvolvida como uma arma biológica pela China. Outra mentira que foi compartilhada nas redes sociais dizia que a cocaína era uma cura para a doença.

As informações falsas sobre a Covid-19 que circulam no Brasil, especificamente no Twitter, têm forte influência política. É o que explica Raquel Recuero, doutora em Comunicação e Informação e professora da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Ela está trabalhando em uma pesquisa sobre a circulação de desinformação sobre o novo coronavírus.

“Essas desinformações estão profundamente conectadas com a polarização política que o Brasil passou durante as eleições”, fala. “A gente tem um conjunto de autoridades que legitima formas de desinformação, de teorias da conspiração e afins”, explica.

A professora diz que essas desinformações não circulam de maneira aleatória. Elas estão em redes que foram formadas diante de alinhamentos políticos e, por isso, têm uma forte ligação com esse discurso.

O documento assinado pelos profissionais de saúde propõe duas medidas para combater a disseminação das informações falsas. A primeira requer que a rede social corrija a publicação veiculada.

“Para isso, devem alertar e notificar cada pessoa que viu ou interagiu com a desinformação sobre saúde em suas plataformas e compartilhar uma correção bem elaborada preparada por verificadores de fatos independentes”, pede.

A segunda proposta é para as plataformas “desintoxicarem” seu algoritmo.

“Isso quer dizer que o alcance das mentiras nocivas, assim como dos grupos e páginas que as compartilham, serão reduzidos no feed de notícias dos usuários, ao invés de amplificados”, explica a carta.

Raquel ressalta algumas atitudes que vêm sendo tomadas pelas redes sociais para minimizar a circulação de informação falsa, como a ampliação de filtros e a sinalização da desinformação. Na segunda-feira, por exemplo, o Instagram colocou um “alerta de fake news” em uma publicação compartilhada pelo presidente Jair Bolsonaro.

No entanto, a pesquisadora fala que é difícil desmentir essas publicações porque na maior parte das vezes eles não são completamente falsas. “É sempre mais difícil de lidar com a informação que é só parcialmente falsa“, afirma. Ela cita como exemplo a hidroxicloroquina.

“Tem um estudo dizendo que ela (a hidroxicloroquina) teria funcionado em um caso específico e, deste caso específico, ela vira uma cura. Não existe nenhum estudo dizendo que ela curou, mas a interpretação sobre algo que aconteceu é que ela seria uma cura”, fala.

Desinformação antecede pandemia

A carta lembra que o compartilhamento de desinformação sobre saúde já vinha acontecendo antes do surgimento do coronavírus e eram relacionados, por exemplo, ao câncer e aos transtornos do espectro autista. O texto alerta para os perigos das mentiras que circulam nas redes sociais. “(Elas) promovem curas falsas e incentivam o medo de vacinas e dos tratamentos eficazes“, alega.

“Trabalhamos em hospitais, clínicas e departamentos de saúde públicos no mundo inteiro e estamos bastante familiarizados com os impactos reais desta infodemia. Somos nós que cuidamos dos bebês hospitalizados por sarampo, uma doença completamente prevenível, que já havia sido eliminada em países como os EUA, mas que agora ressurge graças, principalmente, às fake news anti-vacinação”, exemplificam os profissionais.

O documento é assinado por médicos, enfermeiros, cientistas, professores, epidemiologistas e institutos que atuam na área da saúde.

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Agência Estado/Dom Total

A descrença na instituição jornalística é também um produto da desinformação

Publicado originalmente no Observatório da Imprensa por Allysson Martins, em 12/05/2020*

O jornalismo é uma instituição que busca a verdade, diferente dos setores que criam e espalham fake news, trabalhando com a mentira em um processo articulado para a desinformação da sociedade. Esse esquema dissemina ainda a descrença na instituição jornalística. Por isso, tratar erros jornalísticos como “notícias falsas” é mais que um equívoco, é uma contribuição para a desinformação dos indivíduos ao desvalorizar uma instituição fundamental para o bom desenrolar da democracia. O jornalismo busca sempre apurar e divulgar a informação verdadeira.

O jornalista e o veículo podem cometer erros e até disseminar informações incorretas – porém, diferentemente dos propagadores de fake news, os jornalistas não possuem a intenção deliberada de enganar quem consome seus conteúdos. O profissional pode se enganar por incompetência ou falta de mecanismos suficientes para perceber o erro na apuração, mas, quando percebe que os supostos “fatos” são “fakes”, corrige-se e informa corretamente.

Por tratar-se de uma instituição com credibilidade, não é coincidência que algumas informações falsas espalhadas se valham de uma estrutura próxima da produzida pelo jornalismo. Essa estratégia, se não garante credibilidade, ao menos diminui a confiança na instituição; a ideia que passa nem sempre é “acredite no que a gente diz”, mas desconfie do que publicam as organizações jornalísticas.

Muito conteúdo de fake news que circula, de fato, aproxima-se menos de uma produção jornalística do que de uma fonte testemunhal ou de um documento verossímil.

Afinal, como não acreditar em alguém que diz ter visto algo? Ou como não confiar em uma imagem ou um vídeo? A tendência a aceitar informações que corroborem crenças e valores facilita a equação, sobretudo quando disseminadas por pessoas de quem se gosta e confia; estudos sobre exposição seletiva e viés de confirmação não são recentes.

As fake news ganharam popularidade a partir de 2016, durante a campanha para a presidência dos EUA, culminando na eleição de Donald Trump. No Brasil, muito começou a se falar das fake news em 2018, na campanha presidencial que terminou com a eleição de Jair Bolsonaro.

Os dois presidentes, desde então, tentam dirimir a credibilidade jornalística ao desqualificar constantemente suas produções, inclusive classificando-as como fake news. Essa associação precisa ser combatida, sempre evidenciando as diferenças entre elas.

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Allysson Martins é jornalista, professor e pesquisador do MíDI – Grupo de Pesquisa em Mídias Digitais e Internet da Universidade Federal de Rondônia (UNIR). Autor do livro Jornalismo e guerras de memórias nos 50 anos do golpe de 1964.

A trágica história por trás do vídeo ‘fake’ de idosa brasileira com covid-19 que se espalhou pelo mundo

Publicado originalmente pela BBC News Brasil por Vinicius Lemos, em 15/05/2020*

O vídeo é angustiante: uma idosa deitada sobre uma maca de hospital respira com dificuldades. Ela usa máscara e não tem nenhum tipo de aparelho de ventilação mecânica para auxiliá-la. A mulher está dentro de um saco plástico, o mesmo utilizado para carregar corpos de pessoas mortas.

FOTO: PEDRO GUERREIRO/AGÊNCIA PARÁ

Desde a semana passada, a gravação viralizou. Inúmeros compartilhamentos do vídeo afirmam que se trata do caso de uma paciente idosa encaminhada ao necrotério. Segundo esses textos, que não possuem autoria clara, ela seria enterrada viva para inflar os números de covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus, no país.

A cena da idosa ofegante em uma maca tem se espalhado pelo mundo. Também fora do Brasil, o vídeo é acompanhado pela afirmação de que a paciente foi levada viva ao necrotério e foi resgatada pela própria família, que teria invadido o local.

A gravação tem sido compartilhada em outros países para ilustrar a situação do Brasil, que enfrenta o crescimento exponencial de casos e tem subido na lista de regiões do mundo com mais registros de covid-19 — os números atuais, divulgados n quinta-feira (14), mostram que o país tem mais de 202 mil casos confirmados e 14 mil mortes.

Algumas publicações dizem que o vídeo da idosa na maca foi gravado em Belém (PA). Outras, porém, afirmam que a filmagem é em um hospital de Manaus (AM), uma das primeiras regiões brasileiras a enfrentar colapso no sistema de saúde em razão da pandemia do coronavírus.

Em razão das polêmicas, o governo do Pará emitiu uma nota para informar que o vídeo foi gravado no distrito de Icoaraci, em Belém. As autoridades locais negam que a mulher estivesse em um necrotério. “Em nenhum momento a paciente foi encaminhada para o necrotério enquanto viva“, diz comunicado da Secretaria Estadual de Saúde do Pará. A divulgação do vídeo se tornou alvo de investigação policial.

As publicações que afirmam que a mulher foi encaminhada com vida para um necrotério são fake news. Elas têm viés negacionista em relação ao novo coronavírus, assim como outras notícias falsas que têm sido usadas para impor a ideia de que os números referentes à covid-19 no Brasil são inflados por autoridades — como histórias mentirosas sobre caixões enterrados vazios ou com pedras.

À espera de atendimento

As imagens da idosa, que não teve a identidade divulgada, foram feitas enquanto ela estava no setor de observação do Hospital Abelardo Santos. Conforme comunicado do Governo do Pará, a mulher esperava por um leito na unidade de saúde, que é referência no combate ao novo coronavírus no Estado.

O Pará tem registrado crescimento exponencial em casos do novo coronavírus. Até a quinta-feira (14) eram mais de 10,8 mil casos e 1.063 mortes. É o sexto Estado com mais casos e mortes no país.

Diante do aumento de registros no Estado, o Hospital Abelardo Santos, que até então era destinado a procedimentos de alta complexidade, passou a atender somente pacientes com o novo coronavírus. Profissionais da unidade relatam que o volume de pacientes se tornou muito grande desde então.

Dias antes do vídeo da idosa deitada na maca viralizar nas redes, um outro caso na mesma unidade de saúde repercutiu em todo o país: uma família abriu o caixão da parente que teria morrido e descobriu que o corpo era de outra pessoa. Mesmo com certidão de óbito, os familiares descobriram que a idosa, de 68 anos, permanecia viva no hospital Abelardo Santos, com suspeita de ter contraído o novo coronavírus. A mulher segue internada.

. FOTO: Reprodução

O caso da família que descobriu que enterraria um corpo desconhecido foi considerado um exemplo do colapso na saúde pública no Pará. A Secretaria de Saúde do Estado classificou a situação como uma consequência da falta de estrutura, em meio ao crescimento no número de doentes e mortos pelo novo coronavírus.

Diretor técnico do Hospital Abelardo Santos, o neurocirurgião Milton Bonny afirma à BBC News Brasil que a unidade de saúde enfrenta um grave problema de superlotação. “O Pará inteiro vem pra cá. No ambulatório é uma média de 1,2 mil pessoas. Era uma unidade de alta complexidade e, de repente, abriu para toda a população” diz.

Em meio à lotação do hospital, a idosa que aparece no vídeo que viralizou nas redes sociais estava à espera de um leito na sala vermelha da unidade de saúde.

Ela era uma paciente antiga da unidade de saúde, segundo Bonny. O neurocirurgião detalha que a idosa havia sido internada no local outras vezes, antes da pandemia. Ele conta que, em uma das internações, ela teve de amputar uma perna, em razão da diabetes.

Segundo a Direção da Santa Casa de Pacaembu, Organização Social em Saúde (OS) responsável pelo Abelardo Santos, a idosa deu entrada na unidade na noite de 4 de maio, em estado gravíssimo. Ela apresentava quadro de intensa falta de ar e fraqueza. A direção afirma que a paciente “recebeu assistência médica adequada pela equipe de plantão” logo que chegou.

O quadro dela foi considerado suspeito do novo coronavírus, em razão dos problemas respiratórios e do comprometimento nos pulmões, apontado por meio de tomografia. Os profissionais de saúde fizeram o teste RT-PCR, para identificar se ela havia sido infectada pelo vírus — o resultado ainda não ficou pronto. “Os exames são encaminhados para o Laboratório Central do Estado e têm demorado para chegar, pois são muitos casos“, diz Bonny.

Ao longo do dia 5 de maio, de acordo com a direção do hospital, o quadro de saúde da idosa se agravou enquanto aguardava internação. À espera de um leito, ela respirava com dificuldades, sem ventilação mecânica.

Segundo o diretor técnico do hospital, muitos pacientes precisam esperar por um leito na unidade de saúde, em razão da grande demanda no local.

Enquanto aguardava, foi colocada na maca, dentro de um saco que também é utilizado para levar cadáveres. “É um saco que pode ser usado para várias coisas e estava ali forrando a maca“, argumenta Bonny. O diretor justifica que o aparato iria ajudar a carregar a idosa para uma outra maca, em razão da fragilidade do estado de saúde dela.

FOTO: Reprodução

É uma prática comum em hospitais, ainda mais (em) épocas de pandemia ou epidemia, que mudam os nossos conceitos e precisamos fazer adaptações“, diz o diretor. Ele afirma que, em razão da grande demanda, são necessárias algumas alternativas mais rápidas no atendimento aos pacientes, como o uso do saco para a transferência entre macas — comumente, o procedimento é feito com um lençol.

A direção do hospital não informou por quanto tempo a idosa ficou sem respiradores, à espera de um leito. A nota emitida pela Organização Social em Saúde diz que a idosa, posteriormente, foi avaliada por dois médicos e encaminhada para a sala vermelha, que atende pacientes graves. Depois, não resistiu e morreu.

O vídeo

Após a morte da idosa, a direção do hospital foi informada sobre o vídeo que mostra a paciente à espera de atendimento. Para apurar os responsáveis pelo vazamento das imagens, o caso foi denunciado à polícia.

No entanto, posteriormente, segundo Bonny, uma filha, que acompanhava a idosa no hospital, disse ter sido a responsável pela filmagem.

Ela contou que mandou aquele vídeo para o irmão ver como a mãe estava e não sabe como a gravação vazou para outros grupos de WhatsApp“, diz o diretor. Segundo ele, os familiares da paciente não sabem como surgiu a fake news de que ela foi levada viva para o necrotério. A reportagem não conseguiu contato com os parentes da idosa.


FOTO: Reprodução

O diretor lamenta as notícias falsas que circularam no Brasil e em outros países. “Isso confundiu a população. Essa situação é muito chata“, comenta.

Em nota, representantes da OS que administra o Hospital Abelardo Santos lamentaram “a má utilização da imagem da paciente por pessoas que não respeitaram a dor da família“. A direção da unidade classificou a divulgação do vídeo como “uma atitude antiética, desumana e passível de punição penal”.

A Polícia Civil do Pará abriu inquérito para apurar o vazamento do vídeo e também para investigar os responsáveis pela fake news que afirma que a idosa foi levada viva para o necrotério. Os familiares dela e os profissionais de saúde envolvidos no atendimento à paciente devem ser ouvidos nos próximos dias.

A Covid-19 e a desinformação que mata

Publicado no Diplomatique dia 11/05/2020

As mentiras que têm circulado contribuem para a tomada de decisão das pessoas e atualmente elas estão expostas a mensagens conflitantes que partem, de um lado, do presidente da República e, de outro, de um conjunto de organismo internacionais, cientistas, imprensa e alguns governadores de estado.

O papel da disseminação das chamadas fake news durante as eleições foi algo fartamente documentado e verificado, tendo ocorrido principalmente por meio do uso de aplicativos como o WhatsApp. É a chamada desinformação que tem mobilizado vários países e governos diante da compreensão dos prejuízos que a circulação de mentiras tem causado aos países e pessoas.

Isso ganha contornos extremamente preocupantes em meio a uma pandemia. Alguns continuam atuando como se envolvidos em meio à uma disputa de narrativas e, para tanto, disseminando suas mentiras como se fossem verdades de forma coordenada e intensa visando alcançar uma grande rede de pessoas que confiam  naqueles que são portadores dessas mentiras.

O problema que se estabelece nesse momento é a gravidade das consequências. Essas mentiras também contribuem para a tomada de decisão das pessoas e atualmente elas estão expostas a mensagens conflitantes que partem, de um lado, do presidente da República e, de outro, de um conjunto de organismo internacionais, cientistas, imprensa e alguns governadores de estado.

Mentira e sua infinidade de contornos

É a filósofa Hannah Arendt que nos lembra que a mentira é muito mais facilmente assimilada, pois, enquanto a verdade é única, a mentira pode assumir uma infinidade de contornos e conteúdo.

No momento, o que temos visto no Brasil, patrocinado por Jair Bolsonaro e seus apoiadores, é algo desesperador e lamentável. O mundo todo passa por um difícil momento de luto com óbvias e preocupantes implicações econômicas, mas, principalmente, passa por uma emergência de saúde pública que exige respostas e ação imediata.

Não é nada disso que vemos no Brasil. Há uma condução caótica por parte do governo federal, grande dificuldade de gestão dos dados e de condução de respostas, sejam na área da saúde, sejam na área social. Não há uma coesão em torno do desafio que assola a população. E pior:  há um conjunto de mensagens contraditórias e erráticas sendo disseminadas de forma permanente. Tudo isso ganha contornos desesperadores quando enfrentamos uma doença com alta letalidade e com enorme potencial de infecção. Toda a população mundial está suscetível a contrair a covid-19, sem exceções. Isso representa a possibilidade do colapso de vários sistemas.

O que temos então? A necessidade de uma atuação do Estado para garantir a proteção e sobrevivência dos mais vulneráveis, junto a manutenção dos serviços essenciais, com o oferecimento dos necessários Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e a realização de isolamento social para o maior conjunto possível da população. Fora isso não há mágica ou outra opção disponível no momento. A situação é urgente e essa é a única opção disponível e imediata a ser feita.

Hoje me deparei com uma mensagem sobre o falecimento de um jovem de 35 anos devido a infecção por covid-19. Era uma postagem no Twitter e a pessoa que postou argumentou que o rapaz em questão fazia postagens há semanas contra o isolamento. Resolvi olhar o perfil até mesmo para identificar se havia alguma menção ao novo coronavírus. Vi muitas postagens contrárias ao isolamento e de reprodução da narrativa de Bolsonaro. Isso tudo em uma janela de 30 dias. No dia 16 é a sua última postagem e a partir daí é possível acompanhar no perfil de sua namorada a apreensão com o estado de saúde dele, e da mãe dela, ambos com infecção por covid-19. A namorada, então, pede para que as pessoas façam isolamento social, afirma que a coisa é realmente séria. Até que ela coloca em seu perfil uma mensagem de luto no dia 1º de maio. Seu namorado faleceu 15 dias após a última postagem dele, que foi um meme sobre isolamento social e uso de máscaras.

Percorrer a timeline dele é algo que dá angústia, revolta e tristeza. Ele assimila, concorda e reproduz o discurso verbalizado pelo presidente da República, a quem ele admira e atribui liderança. Bolsonaro como homem público, mandatário máximo da nação precisa ser responsabilizado, não só pelos erros de sua gestão, mas também pela disseminação das mentiras e pela condução irresponsável que tem tido nessa grave crise.

Responsabilidade

Nem todos assuntos que comentarei aparecem no perfil dessa pessoa. Ela me ajudou a perceber como se deu na temporalidade a adoção dos discursos feitos e defendidos pelo presidente. O perfil em questão me pareceu como o de alguém que admira e identifica em Bolsonaro uma liderança. Ele é presidente do Brasil e é alguém admirado por muitos. Aqui para mim é o ponto central. A responsabilidade de Bolsonaro precisa ser assumida, já passou do tempo de ele assumir a tão exigida “liturgia do cargo”. Os resultados dessa postura errática neste momento são concretamente a morte de pessoas e isso é inaceitável. O que eu vi foi algo similar – com um rosto, nome e sobrenome – do gráfico com o número de mortes e as frases ditas por Bolsonaro. O “E daí?” se torna algo ainda mais revoltante, dolorido e triste.

O primeiro movimento de Bolsonaro em meio à pandemia foi a defesa do uso da cloroquina, isso foi no dia 21 de março. O perfil em questão não tece comentários sobre o assunto. Sabemos de pessoas que correram às farmácias para comprar o medicamento. A irresponsabilidade desse primeiro movimento foi absurda e teve implicações econômicas por meio do aumento da produção desse medicamento, provavelmente algo desnecessário. Um ponto a lembrar é que nunca houve proibição ao uso do medicamento, somente não se chegou à convicção de que ele seria a única e mais eficiente solução. Era uma alternativa a ser considerada. A primeira desinformação dada por Bolsonaro foi afirmar de que uma cura estava sendo providenciada e termina um vídeo afirmando: “tenhamos fé que brevemente ficaremos livres desse vírus”. Neste dia os dados apontavam para 18 óbitos, hoje passam de treze mil.

São cerca de duas dezenas as postagens no perfil relacionadas à pandemia. A primeira é de 23 de março, dois dias após o início da quarentena na cidade de São Paulo e na véspera do início da quarentena no Estado de São Paulo. Na postagem o comentário dele é que está seguindo o isolamento social.

Dois dias depois ele posta matéria em que Doria fala da importância das indústrias não pararem e comenta sobre o fato de Bolsonaro ter razão. Aqui foi um segundo movimento do discurso de desinformação promovido pelo presidente ao se posicionar de forma enfática contrário ao isolamento. É posta sobre a mesa uma falsa tensão entre economia e saúde. Algo inexistente e descabido. Tem início a identificação de inimigos a serem combatidos. O vírus em si, infelizmente, não é considerado nessa cruzada. Os primeiros eleitos são os governadores dos estados que decretam quarentena e que estariam atuando contra a economia e contra Bolsonaro.

No dia 27 de março o perfil analisado compartilha um vídeo gravado na véspera em frente ao Palácio da Alvorada, nele o presidente se dirige à imprensa e afirma:

“Atenção, povo do Brasil, esse pessoal aqui diz que eu estou errado porque tenho que ficar em casa. Agora eu pergunto: o que que vocês estão fazendo aqui? Imprensa brasileira, o que vocês estão fazendo aqui? Não tão com medo do coronavírus, não? Vão para casa. Todo mundo sem máscara”.

Bolsonaro ignora que a imprensa exerce serviço considerado essencial e indica para seus apoiadores mais um inimigo a ser combatido e ao qual não se deve confiar, a imprensa. Afinal eles falam uma coisa e fazem outra e se estão ali, sem medo, é porque a coisa não deve ser tão grave assim.

Também no dia 27 de março compartilha meme com o rosto do Bolsonaro em um corpo de fisiculturista em que repete parte do pronunciamento feito no dia 23 de março:

“No meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar, nada sentiria ou seria, quando muito acometido de uma gripezinha ou resfriadinho”.

É a versão de que a epidemia é algo menor, fraco e, logicamente, pessoas de bem e os que são igualmente fortes como o presidente resistirão sem maiores dificuldades. A imprensa não tem medo, não há motivos para se preocupar.

No dia 28 de março um novo inimigo é definido, Rodrigo Maia é mostrado em foto com o governador de São Paulo e o comentário é de que os dois atuam conjuntamente para derrubar Bolsonaro. Líderes do executivo estadual estariam em conluio com o poder legislativo visando apenas prejudicar Bolsonaro. Essa interpretação esquece completamente que passamos por uma pandemia e que o mundo padece diante de milhares de mortes. Tudo se restringe a uma narrativa apequenada e totalmente megalomaníaca que é reproduzida a exaustão por vários dos apoiadores de Bolsonaro nas redes sociais e nos grupos de WhatsApp.

Também nesse dia compartilha longa explicação sobre a “quarentena vertical”, algo que inexiste e sem base científica confiável ou comprovada. Talvez esse desejo de Bolsonaro não levado adiante possa ter contribuído, inclusive, para ele demitir o ministro da Saúde. Sobre isso Bolsonaro chegou a expressar que foi algo que ele queria que fosse feito, conforme entrevista do dia 25 de março na frente do Alvorada:

“Conversei por alto com o Mandetta (…) A orientação vai ser o vertical daqui para frente. Vou conversar com ele e tomar a decisão. Não escreva que já decidi, não. Vou conversar com Mandetta”.

O que ele sinaliza aqui, juntamente com a cloroquina, é um ponto central em seu discurso: existem opções. Há alternativas. Essa postura é pura desinformação, totalmente descolada do consenso que é compartilhado no mundo.

Comunismo

Uma cereja do bolo surge ainda no dia 28 de março, quando o rapaz compartilha um texto sem autoria que circulou bastante em várias mídias sociais e WhatsApp sobre como a quarentena representaria uma “amostra grátis” do comunismo. Aqui entra uma perspectiva que dá um caráter ideológico a narrativa posta. Há um grupo de inimigos reunidos – governadores, deputados e a imprensa – que juntos atuam para derrubar Bolsonaro e implementar o comunismo. Isso, cerca de um mês depois, seria novamente elaborado por meio de texto escrito pelo Chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, em que ele afirma estarmos diante de um “comunavírus”.

No dia 2 de abril posta em sua página o vídeo que Bolsonaro compartilhou dizendo ser o apelo de uma professora. Na verdade, uma empresária que faz depoimento emocionando afirmando entre outras coisas que precisava ir para o trabalho. Ela também pede que o exército seja colocado nas ruas e afirma serem os ministros do STF “bandidos de toga”. O grupo de inimigos fica completo com a inclusão do judiciário e a convocação do exército para nos defender disso tudo e do comunismo que foi anteriormente evocado.

Daí no dia 6 de abril ao compartilhar uma notícia sobre o anúncio, pelo governador Doria, da prorrogação da quarentena a única postura possível e necessária, a reação dele é de revolta. Para ele e tantos outros que seguem o presidente da República, que se informam confiando em sua liderança qualquer coisa que esteja associada ao isolamento social não tem mais credibilidade. Basta ser forte, não é tão sério, há alternativas e é preciso não enfraquecer a economia. Qualquer coisa que não caminhe nessa direção é um erro, uma afronta e tem como objetivo tanto derrubar Bolsonaro como implementar uma ideologia alienígena no Brasil.

É possível ver no perfil do rapaz duas postagens sobre o uso de máscaras até que na sua última postagem, feita no dia 16 de abril, ele comenta sobre um meme que faz referência tanto ao isolamento social como ao uso de máscaras. Três dias depois a sua namorada faz um pedido por orações por ele e por sua mãe, ambos com infecção por covid-19. Ela escreve: “achamos que este vírus está longe e ele está cada vez mais próximo”.

No dia 20 de abril ela posta na página do namorado. Compartilha sua preocupação dele não estar tendo apetite. Ele está internado e ela tem acesso restrito a ele. No dia 22 de abril ela faz texto pedindo para que as pessoas fiquem em casa:

“Para aqueles que também como eu não acreditavam que esse vírus age do jeito que age, cheguei até ouvir pessoas falarem que tudo isso era coisa de política, que não era para tanto. (…) Infelizmente ele atingiu os meus (…) hoje o que eu tenho para pedir é para que fiquem em casa (…), fiquem em casa e se protejam.”

Nos dias 27 e 29 de abril ela posta mensagem defendendo a necessidade de isolamento social e um vídeo de arrependimento do apresentador de TV Sikeira Jr que era enfático contra o isolamento e que também sofreu com a infecção. Infelizmente, menos de 15 dias após a última postagem do namorado, ela troca a foto de perfil por uma de luto. Ele havia falecido na madrugada do dia 1º de maio. Um dia antes do seu aniversário. A mãe dela segue internada, elas se comunicam pelo celular e, além das condolências, fica o desejo por sua total recuperação.

Como nação, como humanidade, vivemos um momento de luto e solidariedade. Também é momento de denúncia para que essa desinformação disseminada por Bolsonaro e o Gabinete do Ódio que ele mobiliza parem de promover mais mortes. Mortes que poderiam ser evitadas caso não estivéssemos diante dessa confusão de narrativas. Há toda uma condução errática por parte do governo. A covid-19 não tem merecido por parte de Bolsonaro a atenção devida, questões menores ou que poderiam esperar são colocadas na agenda do dia, inclusive com a mudança na condução do Ministério da Saúde. Isso é algo totalmente fora de sentido e razoabilidade. O que representa uma mudança dessa monta nesse momento é, no mínimo, avassalador em relação a condução e liderança que o governo federal precisaria ter.

Dentro da questão das narrativas a comunicação oficial do governo optou por afirmar o número de pacientes recuperados, como se não estivéssemos diante de uma pandemia com milhares de mortos em um país que possui uma das menores coberturas em termos de testagem da população. Assim com a mudança no ministério, além de alterações no “dress code” com a saída do jaleco do SUS e a entrada de ternos bem cortados, vemos gestores públicos falando mais na quantidade de curados enquanto os números de óbitos aumentam de forma vertiginosa. Os números que passam a ser reproduzidos nas mensagens das redes sociais do governo federal são graficamente expressos no “Placar da Vida”, no qual as mortes são ignoradas e onde vemos a reprodução de um discurso desprovido de qualquer relevância em função da fragilidade dos dados. Sobre as centenas de mortes diárias o governo parece ter somente uma resposta: “E daí?”

Há também erros em relação à proteção social, formação de filas desnecessárias e uma gestão temerária em relação a necessária assistência à população vulnerável. Os desafios são imensos e exigem dedicação e envolvimento de toda a sociedade. Enquanto isso o que vemos são disputas políticas, disseminação de mentiras e o estabelecimento de uma narrativa que pouca acrescenta ao enfrentamento da grave crise de saúde e social pela qual o mundo passa. Que possamos atuar de forma efetiva em nosso cotidiano em atos de solidariedade, mas que também a sociedade brasileira possa reagir e dar fim a propagação da desinformação que também mata e traz ainda mais sofrimento a tantas pessoas. Bolsonaro é responsável por essas mortes e pelo caminho que o país tem seguido em meio à pandemia. É tempo que uma grande e ampla união ocorra e faça frente à forma errática que tem marcado a condução do país. É preciso, em nome da preservação de vidas, dar um basta a tudo isso.


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Referências:

Foto “Bolsonaro” – Reuters via Veja

Foto Hannah Arendt: https://www.bbc.co.uk/programmes/b08c2ljg

Imagem de destaque: https://www.forbes.com/sites/petersuciu/2020/04/08/during-covid-19-pandemic-it-isnt-just-fake-news-but-seriously-bad-misinformation-that-is-spreading-on-social-media/#69f406697e55

É falso que números por Covid-19 caem no Brasil por ações da Polícia Federal e do Ministro da Saúde

No início de maio, voltaram a circular nas mídias sociais conteúdos que afirmam que a Polícia Federal (PF) e órgãos federais de saúde estariam auditando o número de óbitos por Covid-19. O Coletivo Bereia teve acesso à postagem de uma líder religiosa, em 8 de maio, com a tarja em vermelho trazendo os dizeres “Eita a casa caiu”, que ainda apresenta a afirmação de que a PF buscava esclarecimentos com famílias das vítimas e investigava as compras realizadas sem licitação.

O texto diz ainda que, por conta da ação do Ministro da Saúde empossado em abril, Nelson Teich, os números de vítimas em São Paulo começaram a cair, a Rede Globo teria parado de divulgar o número de óbitos e os estados e municípios teriam avisado que reabririam as economias. Segundo o conteúdo na página pessoal da pastora, caracterizado como “Informação falsa” pelo Facebook, o ex-ministro da pasta, Luiz Henrique Mandetta, teria mencionado o achatamento da curva relacionada à doença.

Antes mesmo da publicação da líder evangélica, que é presidente de uma igreja, juíza de paz, capelã e conselheira matrimonial, outras postagens em mídias sociais sobre o mesmo conteúdo já haviam sido pulverizadas a partir do dia 20 de abril.

Segundo o site Boatos.org, trata-se de uma espécie de teoria da conspiração sobre uma suposta queda no número de óbitos em decorrência do coronavírus divulgado pelas autoridades de saúde no país. A postagem também foi compartilhada por grupos pró-governo e outros contrários ao isolamento social horizontal. No perfil Bolsoteus um post enaltece o presidente Jair Bolsonaro e traz a chamada: “Corrigindo os dados ‘errados’ – Foi só trocar de ministro e começaram as correções no número de mortos por covid-19, imaginem então, até hoje quantos “erros” passaram sem averiguação?”.

Mediante a disseminação das publicações, a Boatos.org realizou a checagem, chegando à constatação de que são falsas. Isso porque são vagas, sem informações para comprovar a tese; alarmistas, com o objetivo de tirar as pessoas do isolamento social; apresentam erros de português e ainda não indicam fontes confiáveis para corroborar o que foi dito.

A seção “Fato ou Fake” do portal de notícias G1 também averiguou a informação e constatou a falsidade da mensagem. Segundo a matéria, o Ministério da Saúde negou a existência de uma auditoria. Em nota ao Fato ou Fake, o órgão informou que “os registros de casos e óbitos com confirmação de Covid-19 são reportados pelas secretarias estaduais e municipais de Saúde, levando-se em conta o número de pacientes hospitalizados e óbitos registrados no Sistema de Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP Gripe) e o número de exames positivos de Covid-19 em casos leves“.

A seção ainda menciona a afirmação do Ministério Público de que esses dados são repassados diariamente para equipes técnicas do Ministério da Saúde e divulgados por meio do portal – covid.saude.gov.br. Também não seria possível dizer que os números de São Paulo começaram a cair, uma vez que no dia 23 de abril o estado bateu recorde de mortes, com 211 novas ocorrências em 24 horas e, apesar de oscilações pontuais, a curva permanece ascendente. Já o número de casos tem variado bastante, mas não há uma tendência de queda.

Fato ou Fake também desmente a afirmação de que Rede Globo teria parado de divulgar os números de óbitos, o que segue sendo feito por meio dos telejornais e portal G1, pertencente ao Grupo Globo.

O entendimento de que todos os estados e municípios anunciaram uma reabertura imediata da economia também é contestado. De acordo com a checagem, em São Paulo, por exemplo, no período das postagens a quarentena estava mantida, como ainda está, pelo menos até o 31 de maio.

A Agência Lupa também verificou as publicações de que Teich estaria auditando números da Covid-19. A checagem se deu mediante o pedido feito por usuários do Facebook, por meio de projeto de verificação em parceria com a mídia social. A matéria, redigida pelo repórter Plínio Lopes e publicada em 24 de abril, taxa como falsa a informação sobre a suposta auditoria realizada pelo então novo Ministro da Saúde. Também categoriza como falso que os números de vítimas em São Paulo começaram a cair “como mágica”.

Segundo a reportagem, o presidente Jair Bolsonaro anunciou Nelson Teich como o novo ministro da Saúde no final da tarde do dia 16 de abril. Ele tomou posse no dia seguinte e, desde então, em São Paulo, o número de óbitos atingiu o maior valor diário e o número de casos confirmados o segundo maior desde o início da pandemia. Ratificando a verificação da Fato ou Fake, é falsa também a informação de que a emissora Globo parou de divulgar os números de vítimas por Covid-19. A Lupa apurou que, desde o anúncio de Nelson Teich como novo ministro da Saúde, no dia 16 de abril, todas as edições do Jornal Nacional (16, 17, 18, 20, 21 e 22 de abril) e a edição do Fantástico, de 19 de abril, divulgaram o número de óbitos por covid-19 no Brasil.

Sobre a reabertura das economias pelos estados e prefeituras, a agência classificou como exagerada, uma vez que, segundo a matéria, alguns estados e municípios, de fato, anunciaram a reabertura de certas atividades comerciais e outros, inclusive, já reabriram. Entretanto, isso varia de estado para estado e de município para município. São Paulo, por exemplo, condicionou a reabertura à manutenção de índices altos de isolamento. Outros, como Ceará e a Amazonas, mantiveram a suspensão do funcionamento de estabelecimentos comerciais não essenciais.

Por meio de nota ao Estadão Verifica, o Ministério da Justiça e Segurança Pública afirmou que “qualquer informação que circule nas redes sociais em nome da Polícia Federal que não tenha partido de nossos canais oficiais é de total responsabilidade de quem a divulgou”.

A mesma checagem foi realizada pela agência Aos Fatos, que participa do projeto de verificação de conteúdos em parceria com o Facebook, e identificou que, em 24 de abril, publicações com esse conteúdo acumulavam ao menos 40 mil compartilhamentos nessa mídia social até a tarde desta sexta-feira (24).

Por que o Facebook passou a identificar as postagens que têm informação falsa?

Após o escândalo, em 2015, envolvendo Facebook e Cambridge Analytica, em que informações pessoais de mais de 50 milhões de usuários foram vendidas para fins políticos com o desconhecimento dos usuários, Mark Zuckerberg, CEO do Facebook, precisou dar explicações a parlamentares norte-americanos e europeus e apresentou novos mecanismos preventivos contra fake news.

Segundo o pesquisador Claudio Marques:

“Nos casos em que o conteúdo de publicações, fotos ou vídeos forem identificados como sendo falsos, Zuckerberg afirma que técnicos irão avaliar as possíveis consequências da disseminação da suposta notícia falsa para tomar duas possíveis atitudes: exclusão definitiva do conteúdo da plataforma nos casos mais graves (ameaça à integridade física de pessoas envolvidas, por exemplo) ou redução da sua capacidade de circulação e alcance, fazendo com que ela tenha uma chance muito menor de aparecer no feed de notícias dos usuários e se espalhar.”

Como exemplo dessa atuação, há o caso no Brasil em que 196 páginas e 87 contas falsas ligadas ao Movimento Brasil Livre, durante a campanha eleitoral de 2018, foram desativadas por sua participação em “uma rede coordenada que se ocultava com o uso de contas falsas no Facebook, e escondia das pessoas a natureza e a origem de seu conteúdo com o propósito de gerar divisão e espalhar desinformação”. O escândalo das fake news na campanha eleitoral de 2018 no Brasil acabaram se tornando objeto de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) no Congresso Nacional.

Desde os escândalos que envolveram o Facebook com uso ilegal de dados e veiculação de material falso, a empresa tem trabalhado em mudanças em seu algoritmo para amplificar as notícias de fontes confiáveis.

Segundo Claudio Marques, “algoritmo é uma sequência de instruções que orientam passo a passo a realização de uma tarefa ou a solução de um problema”. A pesquisadora Cathy O’Neil, no livro “Armas de destruição em massa: como o big data cresce e ameaça à democracia” (tradução livre), opina que os algoritmos podem se constituir em “Armas de Destruição Matemática”, pois teriam potencial para promover os privilegiados ao reforçar preconceitos e estereótipos. Eles podem desconsiderar fatores relevantes e permitir que se tirem conclusões enviesadas, como a de que prisioneiros não-brancos vindos de bairros pobres têm maior probabilidade de voltar a cometer crimes.

Dessa forma, algoritmos que não primam pela transparência e pela ética estariam sendo cada vez mais utilizados para tomada de decisões que impactam diretamente na vida das pessoas, prejudicando principalmente os pobres, os negros, os imigrantes e os que possuem baixa escolarização. Por outro lado, há muitos algoritmos que são positivos para a sociedade. O Facebook foi pressionado a construir o seu contra as fake news.

Em 2018, o Facebook lançou no Brasil o seu programa de verificação de notícias, em parceria com as agências de checagem Aos Fatos e Lupa. Pelo programa, as duas agências de verificação têm acesso às notícias denunciadas como falsas pela comunidade no Facebook para analisar sua veracidade. Os conteúdos classificados como falsos têm sua distribuição orgânica reduzida de forma significativa no Feed de Notícias. Páginas no Facebook que repetidamente compartilharem notícias falsas terão todo o seu alcance diminuído.

Esse mecanismo, quando aplicado nos Estados Unidos desde 2015, permitiu cortar em até 80% a distribuição orgânica de notícias consideradas falsas por agências de
verificação parceiras.

“Estamos comprometidos em combater a disseminação de notícias falsas no Facebook. Essa parceria com Aos Fatos e Agência Lupa é mais um passo em nossos esforços para combater a desinformação e melhorar a qualidade das notícias que as pessoas encontram no Facebook”, afirma a líder de parcerias com veículos de mídia do Facebook para América Latina, Cláudia Gurfinkel.

Além de reduzir o alcance de conteúdos considerados falsos, o Facebook envia notificações para pessoas e administradores de Páginas que tentarem compartilhar esse conteúdo, alertando-os que a sua veracidade foi questionada por agências de verificação.

Notícias consideradas falsas pelas agências de verificação não podem ser impulsionadas no Facebook. E as Páginas que publicarem com frequência tais conteúdos não têm mais a opção de usar anúncios para construir suas audiências. Aos Fatos e Agência Lupa podem, ainda, associar a sua checagem a uma notícia que
tenha sido questionada. Esse texto com a checagem será mostrado no Feed de Notícias por meio do recurso Artigos Relacionados, fornecendo mais contexto às pessoas para que tomem decisões mais informadas sobre o conteúdo que consomem.

Aos Fatos e Agência Lupa podem, ainda, associar a sua checagem a uma notícia que tenha sido questionada. Esse texto com a checagem será mostrado no Feed de Notícias por meio do recurso Artigos Relacionados, fornecendo mais contexto às pessoas para que tomem decisões mais informadas sobre o conteúdo que consomem. Como no caso da postagem da pastora que originou esta matéria:

O programa de verificação de notícias do Facebook está disponível em alguns países e conta com a parceria de organizações de checagem integrantes da International Fact-Checking Network (IFCN), da Poynter.

Já em 16 de abril de 2020, o Facebook anunciou uma nova ferramenta para evitar o compartilhamento de desinformação acerca do coronavírus. Usuários que tiverem interação em postagens com conteúdos falsos ou que confundem sobre a pandemia serão notificados. E encaminhados para informações da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Por isso o presidente Jair Bolsonaro teve um vídeo removido do Facebook e do Instagram em 30 de março. No vídeo publicado em seus perfis nestas mídias, Bolsonaro provocava aglomerações durante um passeio em Brasília e se posicionava contra o isolamento social, defendido por autoridades de saúde do mundo inteiro como medida eficaz para conter o coronavírus.

Um porta-voz do Facebook explicou que a plataforma removeconteúdo no Facebook e Instagram que viole nossos Padrões da Comunidade, que não permitem desinformação que possa causar danos reais às pessoas”.

Cristãos e desinformação sobre a Covid-19

A agência Aos Fatos alerta que tentativas de desacreditar os dados estaduais de mortes por Covid-19 fazem parte de um processo de desinformação cada vez mais frequente com o avanço da pandemia.

Em geral, as postagens lançam suspeitas sobre os números para fazer crer que há interesses políticos de governadores dos estados contra o governo de Jair Bolsonaro. Já houve várias publicações que sugeriram que atestados de óbitos estavam sendo forjados para inflar os números de casos no Brasil. Depois, houve postagens com acusações de que governos estaduais de estarem superestimando os dados.

Todas estas postagens ainda circulam, apesar das matérias das agências de checagem já as terem classificadas como falsas. Indivíduos e grupos cristãos têm participado na disseminação deste material desinformativo, como é o caso da pastora, cuja postagem foi base para a elaboração desta matéria. O Coletivo Bereia já produziu várias checagens de conteúdo desinformativo sobre a pandemia que circula entre cristãos.

***

Referências de checagem

Boatos.org, https://www.boatos.org/saude/numero-de-mortes-covid-19-caiu-investigacao-teich-moro.html Acesso em 11 mai 2020

Fato ou Fake, G1, https://g1.globo.com/fato-o fake/coronavirus/noticia/2020/04/24/e-fake-que-ministro-da-saude-faz-auditoria-dos-numeros-de-casos-e-mortes-de-covid-19.ghtm. Acesso em 11 mai 2020

Lupa, https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2020/04/24/verificamos-nelson-teich-auditando-covid/ Acesso em 11 maio 2020

Estadão Verifica, https://politica.estadao.com.br/blogs/estadao-verifica/pf-nao-tem-inquerito-para-apurar-mortes-pela-covid-19/ Acesso em 11 mai 2020

Aos Fatos, https://politica.estadao.com.br/blogs/estadao-verifica/pf-nao-tem-inquerito-para-apurar-mortes-pela-covid-19/ Acesso em 11 mai 2020

The Guardian, https://www.theguardian.com/technology/2019/mar/17/the-cambridge-analytica-scandal-changed-the-world-but-it-didnt-change-facebook Acesso em 11 mai 2020

Facebook, https://about.fb.com/br/news/2018/05/facebook-lanca-produto-de-verificacao-de-noticias-no-brasil-em-parceria-com-aos-fatos-e-agencia-lupa/. Acesso em 11 mai 2020.

G1, https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2020/04/16/facebook-vai-avisar-quem-interagiu-com-informacoes-falsas-sobre-o-coronavirus.ghtml Acesso em 11 mai 2020

G1, https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2020/03/30/facebook-e-instagram-removem-video-de-jair-bolsonaro-por-violacao-de-regras.ghtml Acesso em 11 mai 2020

Claudio Marques, “Entre algoritmos e bolhas: as fake news e a comunicação do IBGE”. Disponível em: http://www.ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais-1/encontros-nacionais/12o-encontro-2019/gt-2013-historia-do-jornalismo/entre-algoritmos-e-bolhas-as-fake-news-e-a-comunicacao-do-ibge/at_download/file . Acesso em 11 mai 2020

Cathy O’Neil. Weapons of math destruction: how big data increases and threatens democracy.New York: Crown, 2016.

Reuters, https://br.reuters.com/article/domesticNews/idBRKBN1KF1MI-OBRDN . Acessado em 11/05/2020. Acesso em 11 mai 2020.

Fonte/imagem de destaque: https://www.haribhoomi.com/news/india/doctors-gave-information-about-outbreak-of-corona-infection-and-symptoms-of-corona-virus-325500

Coronavírus: Os sete tipos de pessoas que inventam e disseminam fake news

Publicado originalmente na BBC News e traduzido via UOL Marianna Spring – 08/05/2020*

A BBC investigou centenas de histórias enganosas durante a pandemia. Isso nos deu uma ideia sobre quem está por trás da desinformação – e o que os motiva. Aqui estão sete tipos de pessoas que iniciam e espalham falsidades

Teorias conspiratórias, desinformação e especulações sobre o coronavírus inundaram as redes sociais. Mas quem começa esses rumores? E quem os espalha?

Investigamos centenas de histórias enganosas durante a pandemia. Isso nos deu uma ideia sobre quem está por trás da desinformação – e o que os motiva. Aqui estão sete tipos de pessoas que iniciam e espalham falsidades:

O Piadista

Arte: BBC News

Esperava-se que ninguém fosse enganado por um áudio de WhatsApp que dizia que o governo britânico estava preparando uma lasanha gigante no estádio de Wembley, em Londres, para alimentar os habitantes da cidade. Mas algumas pessoas não entenderam a piada.

Para dar um exemplo um pouco mais sério, uma pessoa criou uma suposta captura de tela de um texto falso do governo que alegava que a pessoa que estava lendo aquilo havia sido multada por deixar a casa muitas vezes. Ela achou que seria engraçado assustar as pessoas que violavam as regras de quarentena.

Depois de incentivar seus seguidores a compartilhar o texto no Instagram, chegou a grupos locais do Facebook, onde foi publicado por moradores preocupados, alguns dos quais levaram a sério.

“Eu realmente não queria causar pânico” , dizia o brincalhão, que se recusou a nos fornecer seu nome verdadeiro. Mas se as pessoas acreditam em uma captura de tela nas redes sociais, precisam realmente reavaliar a maneira como consomem informações na internet .

O Golpista

Arte: BBC News

Outros textos falsos supostamente de autoria do governo ou de conselhos locais foram gerados por golpistas que procuram ganhar dinheiro com a pandemia.

Uma dessas fraudes investigadas pela organização de caridade Full Fact, em março, alegou que o governo estava oferecendo pagamentos de ajuda às pessoas e pediu detalhes bancários.

Fotos do texto do golpe foram compartilhadas no Facebook. Como circulou por mensagem de texto, é difícil identificar quem estava por trás.

Os golpistas começaram a usar notícias falsas sobre o vírus para ganhar dinheiro a partir de fevereiro, com e-mails sugerindo que as pessoas poderiam “clicar em um texto sobre a cura do coronavírus” ou sugerindo que eles tinham direito a um reembolso de imposto por causa do surto.

O Político

Arte: BBC News

A desinformação não vem apenas dos cantos mais obscuros da internet.

Na semana passada, o presidente americano, Donald Trump, questionou se expor os corpos dos pacientes à luz ultravioleta ou injetar alvejante poderia ajudar a tratar o coronavírus. Ele estava especulando.

Mais tarde, ele alegou que os comentários eram sarcásticos. Mas isso não impediu as pessoas de telefonarem para serviços médicos para perguntar sobre tratamento com desinfetante.

Não é apenas o presidente dos EUA. Um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China promoveu a ideia de que a covid-19 poderia ter sido trazida a Wuhan pelo Exército dos EUA. As teorias da conspiração sobre o surto foram discutidas no horário nobre na TV estatal russa e em contas no Twitter pró-Kremlin.

O autor de teorias da conspiração

Arte: BBC NEWS

Toda a incerteza sobre o vírus criou um terreno fértil perfeito para as teorias da conspiração.

Uma história falsa de origens obscuras, alegando que o primeiro voluntário a participar de um teste de vacina no Reino Unido havia morrido, circulava em grandes grupos de pessoas contrárias à vacinação no Facebook. Era ficção.

Entrevistas com David Icke, um conhecido criador de teorias conspiratórias britânico, no YouTube, que já foram removidas, também revelaram falsas alegações de que a tecnologia 5G estaria vinculada ao coronavírus.

Icke também apareceu em uma rede de TV de Londres, que violou os padrões de transmissão do Reino Unido. Sua página no Facebook foi posteriormente retirada, segundo a empresa, por publicar “desinformação sobre saúde que poderia causar danos físicos”.

As teorias da conspiração levaram a vários ataques de vândalos a torres de 5G.

O ‘Insider’

Arte: BBC NEWS

Às vezes, a desinformação parece vir de uma fonte confiável – um médico, professor ou funcionário de hospital.

Mas muitas vezes o ‘insider’ não é nada disso.

Uma mulher da cidade de Crawley foi a criadora de um áudio com tom de voz de pânico que descrevia terríveis números de mortes de jovens saudáveis por coronavírus – tudo completamente sem fundamento. Ela alegou ter informações privilegiadas por trabalhar em um serviço de ambulância.

Ela não respondeu aos pedidos de entrevista ou forneceu provas de seu emprego, portanto, não sabemos se ela é realmente uma trabalhadora da área de saúde. Mas sabemos que as alegações em sua mensagem eram infundadas.

O Parente

Arte: BBC NEWS

Esse áudio e muitos outros se tornaram virais porque preocupavam as pessoas, que então compartilhavam as mensagens com amigos e familiares.

Por exemplo, Danielle Baker, mãe de quatro filhos, que passou adiante a mensagem por Facebook Messenger “porque vai que é verdade…”.

No começo, fiquei um pouco desconfiada porque foi enviada por uma senhora que eu não conhecia , diz ela. Encaminhei porque eu e minha irmã temos bebês da mesma idade e também temos filhos mais velhos, e todos nós temos alto risco em nossas casas.

Essas pessoas acham que estão tentando ser úteis e acham que estão fazendo algo positivo. Mas, é claro, isso não torna verdadeiras as mensagens que elas transmitem.

A Celebridade

Arte: BBC NEWS

Não é apenas sua mãe ou tio. As celebridades ajudaram as fake news a se tornarem populares.

A cantora M.I.A. e o ator Woody Harrelson estão entre os que têm divulgado a teoria do coronavírus ligado ao 5G para suas centenas de milhares de seguidores nas redes sociais.

Um relatório recente do Reuters Institute constatou que as celebridades desempenham um papel fundamental na divulgação de informações erradas online. Alguns também têm plataformas enormes na mídia tradicional.

O apresentador Eamonn Holmes foi criticado por parecer dar alguma credibilidade às teorias da conspiração sobre 5G no programa do canal britânico ITV This Morning, “o que eu não aceito é a grande mídia imediatamente dizer que isso não é verdade quando eles não sabem que não é verdade“, disse ele. Holmes mais tarde pediu desculpas e a Secretaria de Comunicação do governo emitiu orientações para a ITV, considerando os comentários inadequados.

***

* Ilustrações de Simon Martin. Informações adicionais de Olga Robinson.

Comunicação e Discriminação

A discriminação é o abuso dos pré-conceitos. Ela acontece quando falhamos em reconhecer as variações, nuanças e diferenças entre pessoas, grupos étnicos e símbolos. De fato, a discriminação pode se manifestar instantaneamente numa mera reação mental ou emocional, quando pensamos em: homem feio, mulher loira, travesti, político, corintiano, carioca, motoqueiro, milionário, pastor, coronel, católico, evangélico, e assim por diante. Simples palavras podem despertar retratos gravados na memória e causar reações diversas, dependendo da experiência e de acordo com os pré-conceitos.

Três razões apontam para o agravamento da discriminação na mídia pós-moderna:

Em primeiro lugar, nós experimentamos o declínio da racionalidade. Todo ser humano tem uma cosmovisão ou um conjunto de valores acerca do mundo, da sociedade, da religião e de si mesmo. Essas ideias foram estruturadas na Era da Razão com um foco meramente cognitivo e coerente. Na Pós-Modernidade, com frequência nos utilizamos de conceitos que são contrários à lógica e à racionalidade. Isso é perceptível na dialética da espiritualidade, na psicologia popular, na gestão e administração de organizações, bem como na forma com que as ciências sociais articulam os reality shows e propagandas nas redes sociais.

Além disso, aceitamos como fato a relativização da verdade. A abrangência das fake news nas redes sociais demonstra claramente a dificuldade que os indivíduos têm para separar e julgar boatos, sentimentos, imaginações, pressentimentos e hipóteses dos fatos reais, acontecimentos concretos, evidências, dados estatísticos e teorias da conspiração. O que é real e o que é imaginário? Terraplanismo e grupos anti-vacina são apenas dois exemplos da subjetividade do pensamento e da pressão do achismo (e com frequência, triunfo) sobre os dados científicos. A verdade absoluta foi desprezada.

Finalmente abraçamos a seletividade intelectual. Walter Lippman escreveu o seguinte:

“Sob certas condições, os homens reagem tão poderosamente a ficções, quanto o fazem a realidades, e em muitos casos, eles mesmos ajudam a criar as próprias ficções às quais reagem.”

A politização do Covid-19 comprova que é comum escolher e comprar os conceitos e valores de maneira subjetiva, interesseira, hedonista e individualista.

A tendência diante do declínio da racionalidade, da relativização da verdade e da seletividade intelectual é desvalorizar as diferenças e supervalorizar as semelhanças. Morei alguns anos no Canadá e ficou muito claro para mim as dificuldades para eu me comunicar numa segunda língua com imigrantes de vários países, que falavam outras línguas. Da mesma forma, numa sociedade multicultural, intergeracional e globalizada como a nossa, precisamos reconhecer claramente as diferenças para evitar a discriminação. Não fomos fabricados em série, numa linha de produção de fábrica. Não existem no mundo duas pessoas, duas impressões digitais, dois fatos, duas coisas que sejam absolutamente iguais. Quando exageramos as semelhanças, sem considerar as diferenças, criamos vários obstáculos à comunicação ética da verdade.

Há vários remédios para ajudar a corrigir e superar a discriminação na comunicação da verdade. Entretanto quero lidar diretamente com um clássico erro social, causador de alguns dos maiores pré-conceitos: a tendência humana ao ensimesmamento.

As pessoas acham que são autossuficientes e que sabem o bastante sobre vários assuntos. Pelo menos pensam que sabem o suficiente para criar fórmulas perfeitas para resolver grandes problemas sociais, expor opiniões sobre a crise econômica, atacar tal partido político e governo, opinar fortemente sobre as celebridades da TV e fazer comentários íntimos nas mídias sociais. Satisfeitas com a própria sabedoria, elas ficam desejosas para expor um certo conhecimento que, no final do dia, demonstra ser extremamente superficial, errôneo e, até mesmo, inapropriado.

A Psicologia demonstrou que o ensimesmamento – e seus filhotes autossuficiência, autopromoção, exibicionismo e assim por diante, se associam diretamente ao conceito Freudiano de Narcisismo. A palavra foi primeiramente cunhada por Sigmund Freud no artigo “Sobre a Introdução do Conceito de Narcisismo”, publicado em 1914.

Na mitologia grega, Narciso era um belo rapaz que rejeitou a ninfa Eco, que desesperadamente o desejava. Como punição, foi amaldiçoado pela ninfa e apaixonou-se incontrolavelmente por sua própria imagem refletida na água. Incapaz de levar a termo sua paixão por si mesmo, Narciso suicidou-se por afogamento.

O narcisista produz um tipo de discriminação que distorce a realidade, altera as evidências e modifica os fatos, em prol dos seus próprios interesses. Ele curte nas redes sociais aquelas posições que refletem os seus próprios pensamentos e lê apenas os jornais que concordem com ele. Ele prefere os programas que reforcem suas ideias e frequentará somente os grupos de afinidade onde se encontrem pessoas iguais. Os preconceitos do narcisista dirigem os fatos e as pessoas com as quais se comunica. Pessoas iguais, contudo, acham que sempre tem razão. Resultado: discriminação e intolerância distorce suas opiniões e hábitos.

Por isso, pessoas discriminadoras mostram uma precária capacidade para perceber intimamente o mundo dos outros seres humanos. Falta-lhes empatia. Muitas vezes, elas agem de forma exploradora, à custa dos outros. Em contraste com o uso do poder socializado e participativo para promover o bem-estar social, os narcisistas tentam manipular e dominar outros seres humanos, usando o poder e a força para controlar sua agenda pessoal. Raramente compreendem que a única maneira de preservar a integridade da personalidade é relacionar-se com outros homens e mulheres, com genuíno amor, compaixão, maturidade, solidariedade e humildade.

Na verdade, o melhor remédio para vencer o narcisismo e, consequentemente superar a discriminação na comunicação é a humildade. C. S Lewis descreve a humildade como um “abençoado auto esquecimento”:

“Não é pensar menos de si mesmo, mas pensar menos em si mesmo.”

O foco da pessoa humilde não está em si mesmo, em seu desenvolvimento, condição e progresso, mas em outros lugares, em outras pessoas. Acima de tudo, a comunicação eficaz parte do reconhecimento das limitações e deficiências de cada um de nós. Aprendamos a sublinhar a diversidade e celebrar as diferenças com a pessoa mais inteligente que já existiu, Jesus Cristo, que era “manso e humilde de coração (Mt: 11.29).

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Fonte/imagem: https://www.wikiwand.com/pt/Narcisismo

Fonte/imagem de destaque: https://www.shutterstock.com/pt/image-illustration/persons-disabilities-have-equal-rights-balance-749024914

Bereia – Cobertura sobre COVID-19

Em meio a tantas informações e desinformações sobre a Covid-19 que circulam em espaços noticiosos e mídias sociais de indivíduos e grupos religiosos, o Coletivo Bereia avança no processo de checagem dos conteúdos sobre a pandemia que mudou o cenário global.

Em nossas primeiras checagens sobre o assunto, expusemos o caso de um culto realizado na Catedral Global do Espírito Santo, em Porto Alegre (RS), em 1º de março, que prometia “a imunização do novo coronavírus por meio de uma unção com óleo.

A igreja é liderada pelo casal Silvio Ribeiro e Maria Ribeiro, autoproclamados “profetas”. Após processo de checagem, identificamos que a informação “sobre unção imunizadora” era verdadeira, os líderes foram acusados de charlatanismo e o caso foi encaminhado para o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul.

Dias depois, em 13 de março, a jornalista e editora executiva do Coletivo Bereia, Alynne Sipaúba, elaborou reportagem intitulada “Coronavírus e igreja: uma dupla que não é fantasia”. Ela entrevistou o médico e pastor, Carlos Bezerra, a respeito das ações solidárias das igrejas durante a pandemia do Covid 19.

No dia seguinte, 14, uma reflexão do partor Ed René Kivit, da Igreja Batista de Água Branca, foi publicada no Areópago, com o título “Coronavírus: dias difíceis, medidas extremas”.

A igreja tem uma inescapável função social. A igreja, em suas palavras e ações, seu kerigma e sua práxis, profetiza, ensina e serve. Walter Brueggemann, teólogo e catedrático do Antigo Testamento, disse que profetizar não é predizer o futuro, é falar a verdade a respeito do tempo presente. A verdade de hoje é que enfrentamos uma pandemia e não podemos ser displicentes nos cuidados necessários à sua superação. A medida extrema de cancelar as celebrações dominicais presenciais é também um ato pedagógico, um alerta àqueles ainda negligentes face à gravidade da situação. Acima de tudo, evitando os grandes ajuntamentos a igreja atua de maneira responsável e cuidadosa não apenas para com seus frequentadores, como também para com toda a sociedade.

Ed René Kivit

Na manhã do dia 15, domingo, Bereia publicou checagem sobre as manifestações pró-bolsonaro, que aconteceram em 229 cidades ao redor do país, desafiando as recomendações de isolamento da Organização Mundial de Saúde (OMS).

Na semana seguinte foi checada como verdadeira a informação sobre “líderes políticos e religiosos que minimizam ações contra o coronavírus”. Já no dia 17 foi verificada como falsa a informação de que “Israel teria descoberto a cura para o coronavírus”, após inúmeras fake news veiculadas no território nacional e internacional sobre o assunto.

Em 19 de março, foi publicada na seção Areópago uma importante reflexão do pastor e jornalista André Mello, integrante do Coletivo Bereia, intitulada “Igreja e (IR)responsabilidade social – os paradoxos da pandemia de 2020”. Nela, o autor fala do papel da Igreja no processo de conscientização dos/as evangélicos/as em tempos de pandemia. No mesmo dia, o Coletivo Bereia publicou matéria com informações sobre igrejas que continuavam desobedecendo o pedido do Ministério da Saúde de que aglomerações e contatos próximos fossem evitados.

“Diante da crise do coronavírus, o que as igrejas podem fazer?” Esse foi o título da reflexão da jornalista e editora-geral do Coletivo Bereia, Magali Cunha, para a Coluna Areópago do dia 25.

No mês de março Bereia fechou o mês com checagem sobre os posts e vídeos do pastor Silas Malafaia sobre o coronavírus. As mensagens tinham o objetivo de comparar e minimizar a cobertura da imprensa, profissionais de saúde e cientistas sobre a COVID-19.

Post de Silas MalafaiaNúmeros oficiais
394 casos de COVID-19 no Brasil em 18/03/2020428 casos de COVID-19 no Brasil em 18/03/2020
2 mortes por COVID-19 no Brasil em 18/03/20204 mortes por COVID-19 no Brasil em 18/03/2020
58.178 casos de H1N1 no Brasil (considerando período de 2009 a 2011)60.048 casos de H1N1 no Brasil (considerando período de 2009 a 2011)
2.101 mortes por H1N1 no Brasil (considerando período de 2009 a 2011)2.194 mortes por H1N1 no Brasil (considerando período de 2009 a 2011)
Fonte dos Dados: desconhecidaFonte dos Dados: Ministério da Saúde

No mês de abril a quantidade de notícias, precisas ou não, sobre o coronavírus se intensificou, fazendo com que a OMS classificasse o cenário como INFODEMIA. Diante da enxurrada de desinformação o Coletivo Bereia reforçou suas checagens sobre o tema durante todo o mês.

Fonte: PAHO

Bereia iniciou o mês com a reflexão do pastor batista, professor e escritor, Irenio Silveira Chaves, na coluna Areópago – “Como será a vida depois da quarentena?”, que ressalta possíveis transformações mundiais pós-pandemia.

No dia 3, para ampliar o olhar crítico sobre a relação igrejas-covid19, as jornalistas Alynne Sipaúba e Mariana Domin, produziram a reportagem “Igrejas e suas ações transformadoras em tempos de pandemia” com destaque sobre as ações sociais promovidas por congregações católicas e evangélicos nos três estados brasileiros mais populosos do país – São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. As jornalistas verificaram que muitas igrejas, mesmo com seus templos fechados, por conta das medidas sanitárias implementadas em todo o país, continuaram servindo as comunidades em nome do bem comum, inclusive em parceria com prefeituras.

Igreja Batista Betânia – Rio de Janeiro

No sábado, 04, o historiador Lyndon de Araújo, lançou texto crítico sobre a “santa convocação” para um jejum nacional feito pelo presidente Bolsonaro“Fiquemos com Isaías, profeta do século VIII a.C. Os profetas são como os historiadores, incômodos demais, falam coisas que ninguém quer se lembrar e falar, causam mal-estar. Pois Isaías apregoou um tipo de anti jejum que ultrapassava a mera performance religiosa de uso político. É esse o jejum que cristãos deveriam convocar, e não uma demonstração religiosa de exteriorização ou cooptação política. Assim nos diz esse profeta no capítulo 58.”

“Será esse o jejum que escolhi, que apenas um dia o homem se humilhe, incline a cabeça como o junco e se deite sobre pano de saco e cinzas? É isso que vocês chamam jejum, um dia aceitável ao Senhor? O jejum que desejo não é este: soltar as correntes da injustiça, desatar as cordas do jugo, pôr em liberdade os oprimidos e romper todo jugo? Não é partilhar sua comida com o faminto, abrigar o pobre desamparado, vestir o nu que você encontrou, e não recusar ajuda ao próximo?”

isaías 58:5-7

No início dia 6 outro texto crítico foi lançado na coluna Areópago, desta vez pela teóloga Romi Bencke. Ela declarou que o cenário do coronavírus revela o triunfo do fundamentalismo:

“Esse cristianismo distorcido, manipulado e instrumentalizado para os interesses das criaturas com modificações internas, é o que está presente hoje na política brasileira. Trata-se de um cristianismo fundamentalista aonde Deus é mero instrumento do mercado como ideal de Reino. Em obediência e reverência a este reino, valem todos os sacrifícios. Este é o triunfo dos fundamentalismos.  

Quando vemos altas autoridades e “pessoas do bem” argumentando que é melhor perder algumas vidas para que a economia seja salva, podemos dizer que deixamos de existir.  Esta também é a morte de Deus. É a repetição da cruz.”   

Na quarta, dia 08, a equipe, Elton Rodrigues, Jemima Bispo e Magali Cunha checaram a afirmação de Flávio Bolsonaro sobre o uso da cloroquina no tratamento de Covid-19. Ainda no dia 08, Bereia compartilhou o texto do teólogo e escritor Leonardo Boff, intitulado – “O coronavírus: a autodefesa da própria Terra”.

Seremos capazes de captar o sinal que o coronavírus nos está passando ou continuaremos fazendo mais do mesmo, ferindo a Terra e nos autoferindo no afã de enriquecer?”  

Na mesma semana, a dupla Bruno Cidadão e André Mello checaram matéria publicada no site Gospel Prime sobre interrupção de culto doméstico em Santa Catarina pela PM. Eles concluiram que a matéria era enganosa, pois foi composta para induzir a ideia de perseguição religiosa, que não existiu.

No dia 11, Bereia checou, à pedido de leitor, notícia veiculada de forma intensa em sites e mídias sociais sobre suporta afirmação do Ministro da Saúde de Israel, Yaakov Litzman, sobre “coronavírus: um castigo de Deus contra a homossexualidade“. Veja o desfecho da checagem aqui.

Dia 17, o teólogo e cientista político Silvio Gomes, falou sobre a dicotomia entre Economia e Saúde em tempos de pandemia:

Ao invocar essa falsa dicotomia, o governo quer dividir com a população uma responsabilidade que ela, na Constituição e no voto, confiou a ele. Cabe à população, apenas, seguir as regras de distanciamento. Cabe ao governo, e apenas a ele, conseguir levantar ou gerar os recursos para bancar esse povo que morre e teme a morte dia pós dia.

Silvio Gomes

Para finalizar a semana, a equipe do Bereia fez checagem sobre o cenário do coronavírus no Brasil após o jejum do dia 05, e concluiram que os números continuavam aumentando – tanto de casos novos, como de óbitos qualquer afirmação de que houve relação entre o jejum convocado para 5 de abril e os dados presentes nas tabelas é enganosa (em função dos atrasos na confirmação dos números) e falsa se estiver sugerindo que há redução de casos no Brasil.

Em 22 de abril foi verificada postagem em mídia social de influenciadora religiosa sobre protesto de motoboys em São Paulo. Bereia concluiu que o protesto não foi contra o governador joão Doria, mas sim em função de melhores condições de trabalho durante o período de quarentena,

 Na data seguinte, 23, o monge Guido Dotti escreveu sobre esperança para a coluna Areópago. O texto intitulado “Estamos sob cuidado, não em guerra!” fala sobre a necessidade do ser humano ser agente real do cuidado do outro.

Imagem de um paciente e o médico que o levou para ver o sol após dias de quarentena (Reprodução/ Reuters)

“O futuro será colorido pelo que fomos capazes de viver nesses dias mais difíceis, será determinado pela nossa capacidade de prevenção e assistência, começando pelo atendimento ao único planeta à nossa disposição. Se formos e pudermos ser guardiões da terra, a própria terra cuidará de nós e protegerá a condição indispensável para nossa vida. As guerras terminam, ainda que recomecem, mas os cuidados, por outro lado, nunca terminam. Se, de fato, existem doenças que (por enquanto) não podem ser curadas, não existem e nunca existirão pessoas para as quais não possamos oferecer assistência.”

Guido Doti

Na checagem sobre conteúdo em torno da proibição de cultos online na China, publicada dia 23 de abril, Bereia verificou que as informações eram imprecisas . Nenhum dos 13 sites que publicaram a notícia, entre eles sites religiosos, apresentaram o contexto da situação religiosa no país, além disso não relataram que transmissões online de atividades religiosas são permitidas, desde que atendam as diretrizes exigidas pelo governo chinês. No mesmo dia a jornalista Magali Cunha verificou que era enganosa a publicação amplamente divulgada e compartilhada nas mídias sociais, afirmando que enfermeira de nome Sandra M. Guerra teria sido demitida do Hospital Couto Maia, em 21 de abril, porque publicou na internet um vídeo que mostra instalações da UTI de Referência para Tratamento de Coronavírus naquele hospital vazias.

Em 27 de abril, foi publicado na Areópago pronunciamento de biblistas argentinos sobre o uso infeliz que muitos fazem da Bíblia em tempos de pandemia.

“Nesses tempos de pandemia, temos ouvido e assistido reflexões intermináveis vindas de uma ordem diferente em meio à confusão e ao medo. Muitas delas, de natureza religiosa, são atravessadas ​​por visões simplistas, dualistas, espiritualistas e em perspectivas de punição, condenação, mérito e salvação. Elas apresentam versículos bíblicos, independentemente de seus contextos e história, e assim, provocam o que parece mais uma atitude mágica do que uma audição serena à experiência comunitária da palavra de Deus endereçada ao seu povo.”

Em 29 de abril, foi publicada checagem sobre a enganosa ideia de que há um Plano comunista sendo instalado no Brasil, nomeado “Comunavirus” pelo Ministro de Estado das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo.

Fechando o mês de abril, Bereia verificou que a postagem no Twitter do youtuber e jornalista, Bernardo P. Kuster, é conspiratória ao sugerir que OMS e Bill Gates manipulam dados sobre o Covid-19.

No decorrer desses meses o alastramento de dois vírus tem se intensificado – o covid19 e a desinformação.

O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, deixou um recado durante Conferência de Segurança em Munique:

As fake news se disseminam mais rapidamente e mais facilmente que o vírus e são igualmente perigosas.

No Brasil, o combate à desinformação foi intensificada desde agosto de 2019, quando o Ministério da Saúde lançou uma ferramenta chamada “Canal Saúde sem Fake News”, cujo objetivo é combater a divulgação de desinformação através da plataforma do WhatsApp. Para utilizá-lo, basta adicionar o número (61) 99289-4640 em seus contatos do whatsapp e enviar links, informações ou fotos para serem verificadas. A partir do recebimento das mensagens o conteúdo é apurado junto às áreas técnicas do Ministério da Saúde e devolvido com uma “etiqueta” que esclarece se é fake news ou não.

Tais medidas, assim como os esforços do Coletivo Bereia, que funciona majoritariamente de forma voluntária, corroboram como instrumento de saúde em meio à uma sociedade que sofre com a pandemia da desinformação – INFODEMIA. O Coletivo Bereia continuará atento prestando serviço de acuidade e informação contra esta guerra.

Vídeo da série Minuto da Checagem alerta sobre as consequências da desinformação

Fonte original TSE, publicado no O Documento por Redação* dia 04/05/2020

Lançada no dia 4 de outubro de 2019, um ano antes das Eleições de 2020, a série Minuto da Checagem chega ao seu oitavo e último vídeo. A mais nova edição, publicada nesta segunda-feira (4), destaca que divulgar fake news é crime. A Lei nº 13.834/2019 criminaliza a desinformação por denunciação caluniosa com finalidade eleitoral, com penalidade de dois a oito anos de prisão, além de multa.

A exemplo dos anteriores, o vídeo tem duração aproximada de um minuto, e conta com veiculação no canal oficial da Justiça Eleitoral no YouTube, nos intervalos da programação da TV Justiça e por mais mil emissoras parceiras que retransmitem o conteúdo audiovisual produzido pelo Núcleo de Rádio e TV da Assessoria de Comunicação (Ascom) do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em breve, todos os oito episódios contarão com um intérprete de Libras e serão veiculados também em TV aberta.

Segundo a assessora-chefe da Ascom do TSE, Ana Cristina Rosa, a série de vídeos foi criada porque a experiência no enfrentamento das fake news durante as Eleições Gerais de 2018 deixou claro que o melhor antídoto para a desinformação é a divulgação de informação correta, em linguagem e formato acessíveis. “Nosso objetivo é conscientizar as pessoas sobre a importância da verificação da veracidade dos conteúdos antes de compartilhar qualquer tipo de mensagem. Com o programa, acredito que tenhamos conseguido contribuir, de forma efetiva, para o enfrentamento do fenômeno da desinformação, que é mundial, e, no caso específico da Justiça Eleitoral, representa uma ameaça à democracia”, avalia Ana Cristina.

A coordenadora de Rádio e TV da Ascom/TSE, Ana Paula Ergang, explica que a ideia de fazer vídeos curtos, leves e animados buscou chamar a atenção dos mais diversos públicos, de todas as idades, para o fenômeno da desinformação. “Utilizamos uma linguagem clara para que o maior número de pessoas pudesse receber e entender a mensagem. Alguns dos nossos vídeos alcançaram mais de um milhão de visualizações”, destaca Ana Paula.

Edições

A primeira edição do programa explica que a desinformação pode vir de todos os lados, até mesmo de um familiar. Por isso, é importante ficar com o radar ligado e sempre checar a veracidade de conteúdos recebidos por aplicativos de celular e redes sociais, bem como de notícias veiculadas pela internet, antes de compartilhá-los.

Na segunda edição, o programa fala sobre como os criadores de informações falsas utilizam manchetes apelativas para chamar a atenção e levar as pessoas a repassarem conteúdos antes de checá-los.

O terceiro vídeo destaca que algumas pessoas usam notícias antigas – que até podem ser verdadeiras – como se fossem novas. Fique atento para não espalhar informações desatualizadas.

Já o quarto vídeo do programa ressalta que é preciso desconfiar de notícias que parecem boas demais para ser verdade, e fala da necessidade de confirmar a veracidade das informações recebidas ou acessadas em redes sociais, aplicativos de celular e sites antes de compartilhá-las. Com as redes sociais e aplicativos de troca de mensagens, qualquer notícia é facilmente disseminada.

O quinto vídeo do Minuto da Checagem explica o que é deepfake. A tecnologia utiliza a inteligência artificial para criar vídeos falsos que parecem verdadeiros. Assim, a deepfakepode ser considerada uma nova forma de desinformação.

O sexto programa, veiculado em março, explica que, neste período de pandemia, provocada pelo novo coronavírus, é necessário ficar atento para não acreditar em notícias falsas. Seja prudente não só com a prevenção de doenças, mas também com a desinformação.

Por sua vez, a penúltima edição fala da importância de checar quem é a fonte da informação ou notícia recebida nas redes sociais antes de compartilhá-las.

Assista à playlist completa.

Outras ações

Os vídeos do Minuto da Checagem representam mais uma ação criada e desenvolvida pela Assessoria de Comunicação do TSE, por meio do Núcleo de Rádio e TV, para auxiliar a Justiça Eleitoral no enfrentamento da desinformação sobre a segurança do processo eleitoral brasileiro.

Além da série, em 2018, a Ascom/TSE, no âmbito do projeto “TSE Contra Fake News”, desenvolveu e divulgou 14 vídeos de esclarecimento de informações falsas. O projeto foi premiado com menção honrosa na 16º edição do Prêmio Innovare.

Também foram produzidas e veiculadas a série “Eleições 2020”, composta de cinco vídeos, e a série “Quem te Representa”, com sete vídeos.

Novos conteúdos que ligam o ex-deputado Jean Wyllys a atentado a Bolsonaro são falsos – Parte 1

Parte 1: Alvo Preferido

Postagem publicada pelo deputado federal Marco Feliciano (Podemos/SP), em 27 de abril, traz mais uma acusação que liga o ex-deputado federal Jean Wyllys (PSOL/RJ) ao autor da facada no então candidato Jair Bolsonaro, em 2018.

O conteúdo da postagem é matéria assinada pelo jornalista Oswaldo Eustáquio e publicada no site renews, no mesmo 27 de abril de 2020, com o título “Exclusivo: Em depoimento à PF, testemunha revela que Adélio Bispo esteve no gabinete Jean Wyllys” (sic). O texto afirma que um homem chamado Luciano Carvalho de Sá contou que o autor do atentado à facada, em setembro de 2018, contra o então candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro, foi Adélio Bispo, e que ele mantinha ligações com o ex-deputado federal do PSOL, Jean Wyllys. A matéria ainda afirma que Adélio disse a Luciano:

“Já estive com Jean Wyllys no Anexo 4 da Câmara dos deputados por duas vezes. Você precisa conhecer ele, nem todos os políticos são inúteis. Se quiser te levo lá” (sic).

Essa frase foi dita, segundo o jornalista, após Adélio ver Luciano segurando uma placa com os dizeres “Fora Temer” e “Contra Políticos Inúteis”, em uma manifestação na paralização dos caminhoneiros, em 2017. O jornalista Oswaldo Eustáquio conclui, a partir disso, que “a informação mostra fortes indícios de um braço político do esquema que tentou assassinar o então candidato Jair Bolsonaro”. Oswaldo também conclui que o depoimento de Luciano pode colocar Jean Wyllys e o PSOL como suspeitos de serem os mandantes do crime contra Jair Bolsonaro.

A matéria foi compartilhada por outros influenciadores digitais religiosos, como a católica Sara Winter, e reproduzida pelo site de notícias evangélicas Pleno News, além de diversos sites apoiadores de Jair Bolsonaro como TV Gente Brasil, Real News Notícias, REDDIT.

O caso Adélio Bispo de Oliveira

Desde que o homem de nome Adélio Bispo de Oliveira desferiu uma facada no então candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro, em Juiz Fora/MG, em setembro de 2018, foi preso em flagrante e confessou o crime, dois inquéritos foram instaurados pela Polícia Federal. Uma primeira investigação foi concluída pouco tempo depois do atentado, em 28 de setembro de 2018, e definiu que o agressor do candidato Jair Bolsonaro agiu sozinho. A investigação analisou imagens de câmeras de segurança de lojas e de bancos do local do crime e também verificou que Adélio Bispo tentou atacar Bolsonaro antes, menos de um minuto depois do começo da passeata em Juiz de Fora. A PF constatou ainda que as quebras de sigilo bancário do autor não indicaram repasses suspeitos e análises de celulares e chips mostraram informações irrelevantes. As provas reforçaram os indícios de que ele agiu sozinho, e que a motivação foi “indubitavelmente política”.

No relatório do inquérito, a PF registrou como Adélio Bispo agiu:

Fotografou previamente alguns locais onde Bolsonaro estaria na cidade. Em outras fotos e imagens encontradas em seu celular, ficou evidenciado que esteve acompanhando o candidato durante todo o dia,tendo tido inclusive acesso ao hotel em que estava programado um almoço com empresários. Configuram-se, portanto, elementos robustos de que houve uma decisão prévia, reflexiva e arquitetada por parte de Adélio para atentar contra a vida de Bolsonaro.

Um segundo inquérito foi aberto pela PF, em 25 de setembro de 2018, para investigar a participação de terceiros no atentado e apurar quem financiou a defesa de Adélio Bispo de Oliveira. O advogado responsável, Zanone Manuel de Oliveira Júnior, havia declarado que o nome de quem o contratou era sigiloso.

Em 2 de outubro, o autor do atentado foi denunciado pelo MPF por prática de atentado pessoal por inconformismo político, crime previsto na Lei de Segurança Nacional. Dias após o indiciamento, ele se tornou réu no processo.

O segundo inquérito foi prorrogado e encontra-se ainda em curso e, segundo a PF, está em fase final de conclusão. Nele, foram analisados os registros telefônicos, todas as informações bancárias, milhares de e-mails e todas as publicações em redes sociais. Também foram realizadas pesquisas na internet e em todos os documentos apreendidos com Adélio Bispo. A perícia não encontrou indícios da participação de terceiros no crime.

Exames psiquiátricos e psicológicos, solicitados pela defesa de Adélio Bispo, levaram a laudos concluídos em fevereiro de 2019. Eles apontaram que o agressor tem transtorno delirante permanente paranoide e, por isso, foi considerado inimputável. Diz ainda que, em entrevistas com psicólogos e psiquiatras, Bispo afirmou que não cumpriu sua missão, e que saindo da cadeia iria matar o presidente.

Em 14 de julho de 2019 foi emitida a sentença pelo juiz Bruno Savino, da 3ª Vara Federal de Juiz de Fora (MG). Ele converteu a prisão preventiva em internação por tempo indeterminado com permanência no presídio de segurança máxima de Campo Grande (MS), onde o autor do atentado estava preso desde dois dias depois do caso. Na sentença, o juiz determinou a “absolvição imprópria”, na qual uma pessoa não pode ser condenada, pois ficou constatado que Adélio Bispo é inimputável, não pode ser punido por ter doença mental.

Nem os advogados de Jair Bolsonaro nem o Ministério Público recorreram da decisão da Justiça Federal, por isso, foram esgotados os prazos para recursos e a sentença transitou julgado. O escritório Moraes Pitombo, pelo presidente Jair Bolsonaro, afirmou em nota:

“Os advogados do sr. presidente preferiram adotar nova estratégia jurídica, em razão da persecução penal evidenciar que o condenado se apresentou como instrumento, ou parte de uma engrenagem, para a prática do grave crime.”

Como parte do segundo inquérito, ainda em dezembro de 2019, Adélio Bispo recusou-se a fechar acordo de delação premiada proposto pela PF, alegando não ter nada a falar além do que já disse à polícia. Ao ser ouvido pelo delegado Rodrigo Morais, da superintendência da PF em Belo Horizonte, na prisão em Campo Grande (MS), Adélio manteve a afirmação de que agiu sozinho e negou que o atentado tenha sido encomendado

No final de 2019, Adélio pediu à Justiça que seus atuais advogados fossem destituídos e que ele passasse a ser representado pela DPU (Defensoria Pública da União) na ação penal originária, que corre em Juiz de Fora. A solicitação estava em análise. O advogado Zanone confirmou que deixaria de atuar no caso pois a representação tinha se tornado muito trabalhosa e onerosa e que continuaria como curador.

Já neste março de 2020, o caso teve novo capítulo: o juiz Dalton Igor Kita Conrado, da 5ª Vara Federal Criminal de Campo Grande (MS), determinou a transferência em até 30 dias de Adélio Bispo para seu juízo de origem, a 3ª Vara Criminal Federal da Subseção Judiciária de Juiz de Fora, em Minas Gerais. A decisão foi justificada pela necessidade de o preso ser internado em local apropriado ao cumprimento da medida de segurança, com aparatos e medicamentos necessários. Segundo a decisão do juiz Conrado, a permanência em presídio federal poderia, ainda, acarretar o agravamento do quadro de saúde de Adélio Bispo.

Procuradores do Ministério Público Federal (MPF) do Mato Grosso do Sul já vinham defendendo a transferência de Adélio Bispo para presídio especializado de Minas Gerais, para que sua doença mental e periculosidade pudessem ser avaliadas continuamente por profissionais de saúde, impedindo desinternação antecipada.

Teorias da conspiração e fake news

O caso da facada em Jair Bolsonaro gerou um número extenso de publicações com teorias conspiratórias e fake news. Vídeos no Youtube em forma de documentário, questionando a versão da Polícia Federal, que estaria prejudicando Bolsonaro, mas também colocando o atentado em suspeita, como estratégia de campanha, foram, e ainda são fartamente acessados.

Pessoas passaram a ser acusadas de cumplicidade com Adélio Bispo e foram agredidas em mídias sociais, bem como o próprio autor do atentado foi alvo de vários perfis fake.

Entre os acusados de cúmplices de Adélio Bispo, por meio de fake news, estiveram os ex-presidentes Lula e Dilma, e os então deputados federais Manuela Dávila (candidata a Vice-Presidente da República) e Jean Wyllys do PSOL.

Foi apurado que Adélio Bispo foi filiado ao PSOL, entre 2007 e 2014 e visitou a Câmara dos Deputados em 2013, mas não foi possível identificar com quem ele esteve nesta visita. Conteúdos desinformativos que ligam o PSOL à ação de Adélio no atentado surgiram e ainda existem, mas foram checados e desqualificados em 2018 por várias agências informativas.

Jean Wyllys: alvo recorrente de fake news

O ex-deputado federal Jean Wyllys (PSOL/RJ) tem sido, entre personagens da política nacional, alvo recorrente de fake news sobre vários assuntos há algum tempo. Em 2015, ele foi acusado de usar dinheiro público para produzir documentário sobre sua vida:

Em 2018, Wyllys foi acusado de ser diretor de filme que retrata Jesus Cristo como homossexual:

O nome de Jean Wyllys foi usado durante a campanha eleitoral em 2018, como tendo sido convidado para ser ministro da Educação de Fernando Haddad, por meio de falsa composição de matéria do G1.

Print de matéria do G1 sobre convite a Wyllys para ser ministro da Educação é falso. — Foto: Alexandre Mauro/Arte

Assumidamente homossexual, Jean Wyllys defende os movimentos LGBTI+, negro e de mulheres, no enfrentamento da homofobia, da intolerância e de fundamentalismos religiosos. Por seu caráter aguerrido e pelos processos contra autores de fake news, Jean Wyllys tornou-se alvo de difamações e ameaças de morte, bem como sua família. Ele foi ameaçado a ponto de abrir mão da carreira na política em janeiro de 2019 (tinha acabado de ser reeleito deputado federal para novo mandato) e deixou o país.

Em entrevista à Folha de S. Paulo no dia 24 de janeiro de 2019, o parlamentar, que estava em férias fora do Brasil, informou que abriria mão do mandato, mediante a intensificação das ameaças de morte, prática comum mesmo antes do assassinato da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco (PSOL), em março de 2018. Segundo Wyllys, na matéria da Folha, também pesaram em sua resolução de deixar o país as recentes informações de que familiares de um ex-PM, suspeito de chefiar milícia investigada pela morte de Marielle, trabalharam para o senador Flávio Bolsonaro ao longo do seu mandato como deputado estadual pelo Rio de Janeiro.

Em dezembro de 2018, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, vinculada à Organização dos Estados Americanos (OEA), demandou do governo brasileiro proteção ao parlamentar e que essas ameaças fossemapuradas. À época o ex-deputado declarou ao jornal El País:

“Desde o início do primeiro mandato, sou alvo de fake news e campanhas difamatórias que tentam me associar à pedofilia e me colocar como ameaça para as famílias e inimigo de parte da população, particularmente dos cristãos.
Para isso, atribuem a mim projetos de lei inexistentes e declarações que nunca fiz, usando vídeos editados, montagens de fotos, notícias falsas e deturpação de informações.

As fake news têm por objetivo não apenas a destruição da minha imagem e o ataque a uma agenda de direitos humanos e liberdades individuais, como também a invenção de falsas justificativas para espalhar ódio contra mim e contra minha família e promover atos de violência que possam me atingir.

As constantes ameaças de morte que recebo há anos, e que passaram a incluir referências explícitas à minha família, se intensificaram especialmente durante o processo de impeachment da presidenta Dilma e depois do assassinato da Marielle, minha colega e amiga, me obrigando a pedir escolta oficial e circular em carro blindado, restringindo meus movimentos inclusive durante a última campanha. Não posso ir a lugar nenhum sem a escolta, porque essas são as condições para me proteger, de modo que é como se eu estivesse em cárcere privado sem ter praticado crime nenhum, sendo eu a vítima. Isso tem afetado muito minha saúde física e emocional. ”

Jean Wyllys nas fake news do caso da facada

Logo após o ex-deputado Jean Wyllys (PSol) renunciar ao cargo de deputado federal, em 24 de janeiro de 2019, diversas acusações, desinformações e fake news começaram a circular nas mídias sociais, ligando-o ao caso Adélio Bispo. Com o anúncio da desistência do mandato por Wyllys, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro, postou em sua conta no Twitter: “Vá com Deus e seja feliz!”

Antes disso, no perfil de Jair Bolsonaro, foi evidenciado o seguinte post:

Apesar do presidente ter informado que a publicação dizia respeito à missão cumprida no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, muitos internautas atribuíram o post como referência a Wyllys.

A matéria de Bruno Fonseca, da Agência Pública, de 11 de fevereiro, trouxe a informação de que, entre as ameaças denunciadas por Wyllys antes de deixar o país, havia avisos sobre um atentado com explosivos e advertências de que seus familiares seriam estuprados e esquartejados, incluindo dados pessoais de parentes, como endereços e placa de carro.

Paralelamente, nos dias 24 e 25 de janeiro, as versões insinuavam ou afirmavam que o ex-deputado estaria envolvido no atentado contra o presidente Jair Bolsonaro (PSL) cometido por Adélio Bispo.

Já no site boatos.org, uma reportagem apresentou e desmentiu a seguinte manchete: “Jean Wllys é namorado de Adélio Bispo que esfaqueou Bolsonaro”. Segundo a publicação, circulavam conteúdos que afirmavam que, antes de deixar o Brasil, o parlamentar teria pagado R$54 mil a advogados para defender o suspeito Adélio Bispo.

Os rumores sobre o suposto envolvimento do parlamentar com Adélio tomaram grandes proporções na internet nos dias 24 e 25 de janeiro do ano passado. Alguns sugeriam que, no dia da facada, Adélio teria sido registrado no Congresso pela equipe de Wyllys para criar um álibi caso conseguisse escapar; com o aprofundamento das investigações sobre o atentado, o parlamentar, que seria suspeito, teria decidido fugir do país. Contudo, a PF descobriu que o registro foi um erro de um atendente ao fazer uma pesquisa para saber se Adélio já tinha estado no Congresso.

No Facebook, uma publicação no perfil MBR – Movimento Brasil Ribeirão Preto, que contabilizou cerca de 6,3 mil compartilhamentos, acendeu ainda mais a polêmica. Contudo, também foi desmentida por meio da atuação da Agência Lupa.

Na ocasião, algumas agências de checagem de notícias apuraram os rumores sobre o repasse bancário no valor de R$54 mil feito pelo deputado federal Jean Wyllys ao advogado de Adélio Bispo. Segundo a Agência Lupa, a informação é falsa. Em nota, o Ministério Público Federal informou que não havia identificado nenhum repasse bancário do deputado federal Jean Wyllys para o advogado Zanone Manuel de Oliveira, que defendeu Adélio. O mesmo conteúdo também foi desmentido pela Procuradoria da República de Minas Gerais.

O vídeo da jornalista Regina Vilella, publicado na noite do dia 24 no canal de Youtube Cabra da Peste TV e reproduzido em outros canais, inflamou ainda mais os boatos sobre a saída do deputado federal do parlamento. No vídeo, ela lista diversas razões para a partida de Wyllys do país, relacionando ainda um suposto fim da imunidade parlamentar, a investigação da Polícia Federal e os vínculos de Adélio com o PSOL e Jean Wyllys. Sobre isso, a agência Aos Fatos realizou a checagem e definiu como falsas as informações apresentadas por Regina Villela.

De acordo com reportagem publicada no site do jornal O Estado de São Paulo, a jornalista Regina Villela, candidata a deputada federal derrotada do PSL-CE, tentou ligar o Adélio a Wyllys, pelo fato de o suspeito de esfaquear Jair Bolsonaro ter visitado a Câmara dos Deputados no início de agosto de 2013. Para o Estadão Verifica, tal conteúdo foi considerado como enganoso e viral.

Aos Fatos checou um texto que dizia que o deputado estaria fugindo de uma investigação da Polícia Federal envolvendo desvio de verbas de movimentos sociais. Segundo a matéria, publicada em 25 de janeiro de 2019, essa não foi a primeira informação falsa referente a Wyllys divulgada após sua renúncia.

Na madrugada do dia 25 de janeiro de 2019, foi a vez de Olavo de Carvalho publicar: “… a perseguição ao Flávio Bolsonaro, a fuga de Jean Wyllys e a tentativa de assassinato de Jair Bolsonaro, por um ex-membro do PSOL, estão ligados de alguma forma bem bizarra”. A postagem, com mais de 2,1 mil compartilhamentos, ainda trouxe um vídeo que acusa o PSOL de ter origens terroristas.

Todas as insinuações e desinformações apontadas foram desmentidas por meio das checagens das agências Lupa, Aos Fatos, Boatos.org e E-Farsas. Além disso, muitas testemunhas dizendo-se ligadas a Adélio Bispo ou que teriam ouvido Adélio Bispo falar dos laços com mandantes do atentado (até na prisão) se apresentaram à PF, mas foram descartadas depois de investigações que indicavam falso testemunho.

A segunda parte da checagem será postada amanhã, com a conclusão da história.

AGUARDE!!!

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Referências de Checagem:

Exclusivo: Em depoimento à PF, testemunha revela que Adélio Bispo esteve no gabinete Jean Wyllys. Disponível em:https://www.renews.com.br/noticia/exclusivo-em-depoimento-a-pf-testemunha-revela-que-adelio-bispo-esteve-no-gabinete-jean-wyllys#.XqciLoIO5Mw.twitter. Acesso em 30 abr 2020.

Relatório Conclusivo da Prisão em Flagrante de Adélio Bispo – Disponível em :https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/wp-content/uploads/sites/41/2020/04/relatorio-final-pf-adelio_280420201356.pdf. Acesso em 30 abr 2020.

Inquérito que apura quem financiou defesa do agressor de Bolsonaro é prorrogado. Disponível em:: https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/01/23/justica-prorroga-segundo- inquerito-sobre-ataque-a-bolsonaro.ghtml. Acesso em 30 abr 2020.

Caso Adélio: Polícia Federal diz que inquérito que Bolsonaro pede para reabrir nunca foi fechado. Disponível em:
https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2020/04/29/caso-adelio-policia-federal-diz-que-inquerito-que-bolsonaro-pede-para-reabrir-segue-aberto.ghtml. Acesso em 30 abr 2020.

Agressor de Bolsonaro tem doença mental e é inimputável, diz juiz – Disponível em: https://g1.globo.com/mg/zona-da-mata/noticia/2019/05/27/juiz-federal-diz-que-agressor-de-bolsonaro-tem-doenca-mental-e-e-inimputavel.ghtml Acesso em
30 abr 2020.

Sentença de Adélio Bispo emitida pela Justiça Federal. Disponível em: http://estaticog1.globo.com/2019/06/14/Sentenca4600152018.pdf?_ga=2.155048241.88333041.1588272588-7815a143-64c7-2b92-03c5-ab24beac8613. Acesso em 30 abr 2020.

Julho/2019: Bolsonaro não recorre contra Adélio, e caso é encerrado. Disponível em: https://exame.abril.com.br/brasil/bolsonaro-nao-recorre-em-processo-contra-adelio-e-caso-e-encerrado/ Acesso em 30 abr 2020.

Adélio recusa delação, repete que agiu sozinho e insiste em transferência de presídio – Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/11/adelio-recusa-delacao-repete-que-agiu-sozinho-e-insiste-em-transferencia-de-presidio.shtml

Vídeo: A facada permanente de Adélio. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=efWxO2br4Fo. Acesso em 30 abr 2020.

Vídeo: A facada no mito – Documentário / *Assista o novo vídeo:”Inconsistências”. Disponível em: https://youtu.be/8hv1D6EgWfc Acesso em 30 abr 2020.

Facebook é inundado de perfis fake do suspeito de esfaquear Bolsonaro – Disponível em: https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2018/09/06/facebook-e-inundado-de-perfis-fake-do-suspeito-de-esfaquear-bolsonaro.htm. Acesso em 30 abr 2020.

Adélio esteve na Câmara em 2013, mas ainda não se sabe se visitou deputados do PSOL. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/blogs/estadao-verifica/adelio-esteve-na-camara-em-2013-mas-ainda-nao-se-sabe-se-visitou-deputados-do-psol/. Acesso em 30 abr 2020.

O Governo liberou 843 mil para filme sobre Jean Wyllys? Disponível em: https://www.e-farsas.com/o-governo-liberou-843-mil-para-filme-de-jean-wyllys.html Acesso em 30 abr 2020.

Jean Wyllys não fará filme com Jesus Cristo gay nem foi atacado por Ratinho. Disponível em:https://noticias.uol.com.br/confere/ultimas-noticias/2018/08/24/jean-wyllys-nao-fara-filme-com-jesus-cristo-gay-nem-foi-atacado-por-ratinho.htm. Acesso em 30 abr 2020.

Jean Wyllys não recebeu convite para ser Ministro da Educação de Haddad. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2018/09/24/verificamos-jean-wyllys-ministro-educacao-haddad/ Acesso em 30 abr 2020.

Com medo de ameaças, Jean Wyllys, do PSOL, desiste de mandato e deixa o Brasil. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/01/com-medo-de-ameacas-jean-wyllys-do-psol-desiste-de-mandato-e-deixa-o-brasil.shtml Acesso em 30 abril 2020.

Jean Wyllys: “As fake news promovem atos de violência que podem me atingir”. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/12/14/politica/1544825670_895192.html. Acesso em 30 abr 2020.

Rastreamos a hashtag que espalhou fake news sobre Jean Wyllys. Disponível em: https://apublica.org/2019/02/rastreamos-a-hashtag-que-espalhou-fake-news- jean-wyllys/ Acesso em 30 abr 2020.

Jean Wyllys é namorado de Adélio Bispo, homem que esfaqueou Bolsonaro. Disponível em:https://www.boatos.org/brasil/jean-wyllys-namorado-adelio-bispo.html Acesso em 30 abr 2020.

Verificamos: É falso que Jean Wyllys repassou R$ 50 mil a advogado deAdélio Bispo. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2019/01/29/verificamos-jean-wyllys-adelio/Acesso em 30 abr 2020.

Vídeo: Por que Jean Willis está fugindo do Brasil? Disponível em: https://youtu.be/ujcZEVu7mkw Acesso em 30 abr 2020.

Vídeo e posts tentam vincular Jean Wyllys a Adélio usando informações falsas Disponível em: https://aosfatos.org/noticias/video-e-posts-tentam-vincular-jean-wyllys-adelio-usando-informacoes-falsas/ Acesso em 30 abr 2020.

Após ameaças de morte contra Jean Wyllys, boatos tentam ligar parlamentar a Adélio. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/blogs/estadao-verifica/apos-ameacas-de-morte-contra-jean-wyllys-boatos-tentam-ligar-parlamentar-a-adelio/ Acesso em 30 abril 2020.

Vídeo e posts tentam vincular Jean Wyllys a Adélio usando informações falsas. Disponível em: https://aosfatos.org/noticias/video-e-posts-tentam-vincular-jean-wyllys-adelio-usando-informacoes-falsas/ Acesso em 30 abr 2020.

Adélio recusa delação, repete que agiu sozinho e insiste em transferência de presídio. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/11/adelio-recusa-delacao-repete-que-agiu-sozinho-e-insiste-em-transferencia-de-presidio.shtml Acesso em 30 abr 2020.

É enganoso o vídeo do Apóstolo Valdemiro Santiago pedindo socorro financeiro aos fiéis para manter programa de TV

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Circula nas mídias sociais um vídeo do Apóstolo Valdemiro Santiago, líder da Igreja Mundial do Poder de Deus, com o título “Valdemiro diz que decretos estão ‘quebrando’ igreja e pede socorro financeiro aos fiéis”.

O vídeo de 30 segundos contém a seguinte declaração de Valdemiro Santiago:

“Nessa fase da igreja, nessas dificuldades, estou chamando gente para investir 1.000 reais, 500 reais, 200, 100 reais, 50 reais, o importante é você participar, não deixar de participar, semear na obra de Deus. Mesmo que alguém critique e tente atrapalhar, olhe para Deus, não olhe para o homem.”

Bereia checou a informação e verificou que o vídeo foi extraído do programa “Mensagem de fé com Valdemiro Santiago”, exibido em 06 de abril e veiculado no canal do YouTube da Igreja Mundial do Poder de Deus.

Aos 10:52min do vídeo o apóstolo cita o fechamento das igrejas e menciona a dificuldade financeira:

“Acatamos as ordens das autoridades, até para dar exemplo, né? Não que estejamos satisfeitos ou que por vontade própria tenhamos fechado as igrejas não. Simplesmente acatando as ordens, obedecendo. Isso é porque sabemos que a palavra de Deus não deixou de chegar a você, que as nossas orações e buscas estão chegando a você. Mesmo a igreja estando enfrentando lutas financeiramente falando, sem poder saldar os compromissos, tudo em atraso, pessoa já acionando na justiça. É, até humilhações passamos, mas acatamos.”

Depois da reflexão, no minuto 21:22, ele dá início à seção de recados:

“Em breve vamos convocar você para grandes concentrações. Eu queria fazer um pedido especial nessa oportunidade que Deus nos dá, porque esse programa tem um custo altíssimo e está muito difícil mantê-lo nesse momento. Você tem aí [aparecendo na imagem] as contas da igreja, a maneira como ajudar, como investir. Eu queria convocar os bispos e pastores, todos que me assistem, para lançarem a rede nesse momento difícil (…) Nessa fase da igreja, nessas dificuldades, estou chamando gente para investir R$ 1.000 reais, R$ 500 reais, R$ 200, R$ 100 reais, R$ 50 reais. O importante é você participar, não deixar de participar e semear na obra de Deus. É muito importante, mesmo que alguém critique e tente atrapalhar, olhe para Deus, não olhe para o homem. Olhe para a Palavra de Deus. Se você acha que tem importância esse programa na televisão, essa mensagem, esses milagres, esses louvores, faça isso.”

Ao analisar o vídeo completo, o Coletivo Bereia observou que o apóstolo faz menções ao cenário do coronavírus, no entanto, ele não indica especificamente que a solicitação de contribuição está atrelada a isso, nem que os decretos estão quebrando a igreja, como afirma o título do vídeo que circula nas mídias sociais. O propósito atribuído pelo pastor são os custos da transmissão da programação da igreja na TV e internet.

Além dos dízimos e ofertas, a Igreja Mundial do Poder de Deus mantém a prática de campanhas e propósitos de doações com objetivos específicos. Um desses é o Propósito Ouro Prata e Bronze, que sugere três valores de doação com objetivo de custear as transmissões da programação da igreja na televisão e o fiel ser abençoado. O propósito tem sido reforçado durante a programação da igreja e não é uma prática nova.

Em reportagem publicada pela Revista Época, em março de 2010, e amplamente divulgada pela mídia evangélica, o propósito explicado pela igreja seria que, apesar de dizer que não faz distinção entre doadores, a Mundial qualifica as ofertas em categorias: ouro (R$ 300), prata (R$ 100) e bronze (R$ 50). “Quando Jesus nasceu, recebeu três presentes: ouro, incenso e mirra. Qual foi o mais importante? O ouro!”, disse Valdemiro durante um culto.

O ex-pastor Rafael Ferreira, um dos raros dissidentes da Mundial, dá detalhes das táticas de arrecadação:

“Em Mato Grosso havia uma meta de R$ 1 milhão por mês, além dos R$ 500 mil para pagar a TV. Eu era responsável pelos depósitos. Todo dia ia ao Bradesco do centro de Cuiabá e depositava de R$ 80 mil a R$ 100 mil na conta da igreja.”

Ainda em um vídeo publicado no canal da Igreja Mundial, no dia 02 de abril de 2020, o propósito é citado:

“Eu queria que você se empenhasse nesse propósito Ouro, Prata e Bronze, honrando com 300 reais, 100 reais nas contas da igreja, igreja, na televisão e na internet.”

Post no Facebook do Apóstolo Valdemiro Santiago reforça propósito Ouro, Prata e Bronze


A crise financeira de Valdemiro Santiago e a Igreja Mundial do Poder de Deus

Valdemiro Santiago de Oliveira, intitulado Apóstolo Valdemiro Santiago, tem 56 anos e é casado com a Bispa Franciléia de Oliveira, com quem tem duas filhas.

Valdemiro Santiago nasceu em Cisneiros, Distrito de Palma, no interior de Minas Gerais. Aos 16 anos, quando já vivia em Juiz de Fora, converteu-se ao protestantismo neopentecostal, ingressando na Igreja Universal do Reino de Deus. Lá atuou por 18 anos como bispo, até que, depois de um suposto desentendimento com o fundador Edir Macedo, deixou a Universal e, em 03 de março de 1998, fundou a própria congregação, denominada Igreja Mundial do Poder de Deus.

Atualmente, a Igreja Mundial conta com milhares de templos distribuídos por 27 países do mundo. Além disso, a igreja veicula programas de TV por meio de canais na TV aberta e a cabo, nas plataformas de mídias digitais, em um site próprio e por meio de um aplicativo para dispositivos móveis.

Em 2003, foi preso após passar por uma vistoria em uma blitz, que identificou que ele transportava no porta-malas de seu carro uma escopeta, duas carabinas e munições. Depois disso, a polícia também averiguou que em sua casa haviam outras duas armas e mais munições, sendo liberado após dois dias de detenção e condenado a doar três cestas básicas a uma instituição de caridade.

Em 2017, seu nome voltou a ficar em evidência na mídia depois de ter sofrido um atentado a faca durante um culto.

Valdemiro já foi apontado como um dos pastores mais ricos do Brasil, de acordo com uma estimativa levantada pela revista Forbes em 2012, na qual indicava que o seu patrimônio era avaliado em 220 milhões de dólares. O apóstolo negou a informação.

Outros registros demonstram que o religioso estaria passando por um quadro de endividamento. Em 2014, a justiça determinou a penhora de 10% do faturamento bruto da Igreja Mundial do Poder de Deus em favor da Rede Bandeirantes, pois a igreja deixou de pagar pelo espaço usado para veicular programas na emissora. A dívida chegou a acumular R$10 milhões e as contas da igreja foram congeladas. Matéria publicada pelo O Globo em 14 de fevereiro de 2020, aponta que a Igreja Mundial do Poder de Deus tem uma dívida de 88,1 milhões de reais com a União.

Este antigo quadro de endividamento, torna possível a interpretação de que a pandemia do coronavírus seja utilizada pelo apóstolo para favorecer um apelo maior para o pedido de doações. No entanto, toda a trajetória de endividamento da igreja já tem sido base para pedidos de doações de socorro.

Segundo a professora do Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal Fluminense e colaboradora do ISER, Christina Vital, cita, em matéria à Agência Pública que as denominações com maiores estruturas não sofrem tanto impacto financeiro com a suspensão das atividades presenciais, por deterem outras fontes de renda, como canais de TV a cabo, editoras e propósitos de arrecadação que geram doações comumente arrecadados por meio de depósitos bancários, sem a necessidade de participação presencial. Diferente das igrejas pequenas, cujas as ofertas e os dízimos são muitas vezes a única fonte de renda para arcar com as suas despesas.

O Bereia conclui que o trecho de vídeo que circula sugerindo que o Apóstolo Valdemiro Santiago tenha pedido a colaboração financeira extra dos fiéis devido ao fechamento dos templos por conta da pandemia do coronavírus é enganoso. A fala é verdadeira, mas foi extraída e montada a partir da interpretação de quem o divulgou nas redes, uma vez que em nenhum momento o religioso menciona tal causa para o pedido. O pedido que Valdemiro Santiago faz, no contexto maior do vídeo divulgado pela igreja, mantém-se no padrão dos demais pedidos frequentes nos últimos meses, diantes das dívidas acumulas há anos pela Igreja, e que têm tornado difícil manter os pagamentos da transmissão dos programs de TV.

*****

Referências da Checagem:

YOUTUBE. Mensagem de Fé com Ap. Valdemiro Santiago // 06/04/2020 https://www.youtube.com/watch?v=SxXtxtQRP1o

IGREJA MUNDIAL DO PODER DE DEUS. https://impd.org.br/institucional

FACEBOOK – Propósito Ouro Prata ou Bronze. https://www.facebook.com/apvaldemirooficial/photos/a.115903795162310/2903863443032984/?type=3&theater

REVISTA ÉPOCA – Milagres e milhões (1). http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI129503-15223,00.html

REVISTA ÉPOCA – Milagres e milhões (2). http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI129503-15223-2,00-MILAGRES+E+MILHOES.html

REVISTA ÉPOCA – Milagres e milhões (3). http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI129355-15223-3,00-MILAGRES+E+MILHOES.html

YOUTUBE – Mensagem de Fé com AP. Valdemiro // 02/04/20 . https://www.youtube.com/watch?v=KwB18Af5ILc

ÉPOCA NEGÓCIOS – . https://epocanegocios.globo.com/Inspiracao/Vida/noticia/2013/01/forbes-lista-pastores-milionarios-no-brasil.html

CONJUR – Igreja Mundial deve repassar 10% de seu “faturamento” para a Band . https://www.conjur.com.br/2014-jul-03/igreja-mundial-repassar-10-faturamento-band

JUSBRASIL – Uma igreja com contas bloqueadas . https://dellacellasouzaadvogados.jusbrasil.com.br/noticias/113726307/uma-igreja-com-contas-bloqueadas

O GLOBO – Bolsonaro vai a evento de igreja evangélica que deve R$ 144,3 milhões à União . https://oglobo.globo.com/brasil/bolsonaro-vai-evento-de-igreja-evangelica-que-deve-1443-milhoes-uniao-1-24248913

Pública – Agência de Jornalismo Investigativo. https://apublica.org/2020/04/o-lobby-dos-evangelicos-contra-o-fechamento-das-igrejas/

Fake News rodeiam Diário Oficial da União

Na madrugada de hoje, 24 de abril, foi publicado no Diário Oficial da União (DOU), a exoneração do diretor geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo.

O Diário Oficial é um dos veículos de comunicação pelo qual a Imprensa Nacional tem de tornar público todo e qualquer assunto acerca do âmbito federal. Espera-se, que toda divulgação feita neste veículo seja verdadeira, pois orienta todas as áreas da vida da nação. Mas, hoje, descobriu-se publicamente, por meio de pronunciamento do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, que as fake news rodeiam o veículo.

O documento publicado no Diário Oficial afirma que a exoneração foi feita “a pedido”, o que foi desmentido pelo agora ex-ministro em pronunciamento na manhã desta sexta-feira, 24 de abril.

“Não é verdadeiro que o Maurício queria sair. O ápice da carreira na PF é o cargo de diretor geral. Claro que depois de tantas pressões, ele até manifestou a mim que talvez fosse melhor sair se conseguisse uma substituição adequada. Mas sempre devido à pressão, que ao meu ver não seria apropriada.”

O documento também apresenta a assinatura eletrônica de Moro, indicando que ele sabia da exoneração antes da publicação no Diário Oficial. Durante pronunciamento ele também desmentiu sobre assinatura, depois de ter dito que tomou conhecimento da exoneração somente pelo periódico:

“Fiquei sabendo pelo Diário Oficial, não assinei esse decreto.”

Em pronunciamento, realizado na tarde do mesmo 24 de abril, Bolsonaro contestou a fala do ex-ministro e afirmou que a exoneração foi “a pedido”.

“Sobre a exoneração do doutor Valeixo, diretor geral da Polícia Federal, pela lei 13047 de 2014, é prerrogativa do Presidente da República a nomeação e a exoneração do Diretor Geral, bem como de vários outros cargos da administração direta.
A exoneração ocorreu após uma conversa minha com o Ministro da Justiça na manhã de ontem. À noite, eu e o doutor Valeixo conversamos por telefone e ele concordou com a exoneração a pedido.
Desculpe senhor Ministro, o senhor não vai me chamar de mentiroso. Não existe uma acusação mais grave para um homem como eu, militar, cristão e Presidente da República ser acusado disso. Essa foi a minha conversa com o doutor Valeixo. E mais ainda, não só a imprensa publicou, no dia de ontem e de hoje, bem como, entre aspas, o doutor Valeixo em contato com a superintendência do Brasil, comunicando que estava cansado, e que desde janeiro queria sair. Então não foi uma demissão que causasse surpresa a quem quer que fosse.”

Após o pronunciamento do presidente, o ex-ministro Moro se pronunciou no Twitter:

Na noite desta sexta, alterações foram feitas no Diário Oficial. A assinatura do ex-ministro Moro foi retirada, e no lugar, acrescentaram o nome do ministro da Casa Civil, Walter Souza Braga Netto, e do ministro da Secretaria Geral da Presidência, Jorge Antonio de Oliveira Francisco.

A relação do Governo Federal com as Fake News não é de agora, segundo o site de checagem de notícias Aos Fatos, desde a posse de Bolsonaro até hoje, já foram 926 declarações falsas ou distorcidas.

Vamos acompanhar os desdobrabramentos dessas declarações no cenário político nos próximos dias. Infelizmente o Brasil tornou-se terra fértil para a proliferação de fake news. De onde se espera mais verdade, vem dúvida, passível de mentira e engano.

O Coletivo Bereia, no compromisso de atuar com informação e checagem de notícias, no enfrentamento de toda desinformação, lamenta ter que noticiar este fato aos seus leitores e leitoras, a quem só resta acreditar que a injustiça governa.

Mas o povo brasileiro continua acreditando em um país onde haja política justa para todos e todas.

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Referências de Checagem:

Diário Oficial da União – acessado em 24 de abril às 14H03. Disponível em: http://www.in.gov.br/web/dou/-/decreto-de-23-de-abril-de-2020-253769429

Youtube – Sergio Moro anuncia sua saída do Ministério da Justiça – acessado em 24 de abril às 12h15. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Yol5UvdlP2Y

Youtube – Pronunciamento do presidente da República, Jair Bolsonaro – acessado em 24 de abril às 18h02. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=r50zxW-D7M0

Aos Fatos – acessado em 24 de abril às 18h23. Disponível em: https://aosfatos.org/todas-as-declarações-de-bolsonaro/

Foto de destaque: Jair Bolsonaro e Sérgio Moro, por Carolina Antunes/PR

É enganoso o vídeo que mostra a UTI do Hospital Couto Maia de Salvador com leitos vazios

Um vídeo que circula desde o último 22 de abril em grupos de Whatsapp de igrejas e de pessoas cristãs, no Youtube e em perfis do Facebook e do Twitter, denuncia que uma enfermeira de nome Sandra M. Guerra teria sido demitida do Hospital Couto Maia em 21 de abril, porque publicou na internet um vídeo que mostra instalações da UTI de Referência para Tratamento de Coronavírus naquele hospital vazias.

A mensagem de Whatsapp que circula é:

No Youtube, o vídeo foi publicado, em 22 de abril, no Canal Jorvideo News, com a mesma chamada:

“A enfermeira Sandra M. Guerra, foi demitida no início da noite por ter ingenuamente divulgado imagens da UTI Referência Do Vírus Chinês do Hospital Couto Maia no dia de hoje, 21/04/2020. Não foi por exposição dos pacientes (ela teve essa preocupação). Foi simplesmente por mostrar as instalações vazias”.

No Twitter, o vídeo foi publicado, em 22 de abril, pelo perfil C18H26CIN3 @semfronteira64, com bio redigida em hebraico אלוהים הוא בשליטה [Deus está no controle]. A postagem tem a mesma chamada:

“A enfermeira Sandra M. Guerra, foi demitida no inicio da noite por ter ingenuamente divulgado imagens da UTI Referência Do Vírus Chinês Do Hospital Couto Maia no dia de hoje, 21/04/2020. Não foi por exposição dos pacientes Foi simplesmente por mostrar as instalações vazias”.

O Hospital Couto Maia

O Instituto Couto Maia, da rede pública do Estado da Bahia, passou a atender exclusivamente pacientes com suspeita de coronavírus, desde março passado. Em 23 de março, a diretora-geral do Couto Maia, a médica-infectologista Ceuci Nunes, declarou que ao todo, a unidade dispõe de 120 leitos, mais doze de observação: “E todos agora são dedicados ao coronavírus. Nós fizemos várias modificações na unidade, para comportar esse atendimento. Fizemos modificação de fluxo de entrada e saída de pacientes, modificações na estrutura para instalar leitos de UTI”, disse ao site de notícias da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia.

A diretora, na entrevista, completou que é importante que haja hospitais dedicados exclusivamente ao coronavírus. “Como a gente viu, pela experiência internacional, o Covid-19 é muito transmissível e nós teremos um grande número de pessoas contaminadas. A maioria dessas pessoas, cerca de 80%, não ficará em estado grave e não vai precisar de ficar em respiradores. Mas muita gente vai precisar de leitos de UTI e isso pode levar a grandes problemas no sistema de saúde e é por isso que a gente dedicou esse hospital, assim como outros, ao coronavírus”. Ela também destaca que, como a transmissão é muito grande e o ICOM era um hospital de doenças infecto-contagiosas, “os pacientes de outros diagnósticos estão com a imunidade baixa e não podem ser expostos ao coronavírus”.

Em 21 de abril, em entrevista ao Jornal da Manhã (Rede Globo Bahia), o secretário estadual de Saúde, Fábio Vilas Boas, afirmou que o sistema de saúde do estado deve ter capacidade para receber pacientes até o início de junho, caso a curva de contágio se mantenha com crescimento de 9% ou 10% ao dia.

Em boletim divulgado em 22 de abril, a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia registrou 1.645 casos confirmados de coronavírus em todo o Estado, com 405 pacientes recuperados, 53 mortes, 291 pessoas internadas, sendo 61 em UTI, com 50% de ocupação de leitos em todo o Estado.

Até essa data, o governo do estado havia disponibilizado 1.135 leitos exclusivos para o tratamento da doença, sendo 429 deles de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). A promessa é de que o número total chegará, nas próximas semanas, a 2.418 leitos de referência. Destes, 1.399 estarão localizados em Salvador, com outros 1.019 distribuídos pelo interior do estado.

A taxa de crescimento está abaixo dos 15%, de modo que Tereza Paim, subsecretaria de saúde do estado, considera o estado da Bahia como um exemplo positivo de combate ao vírus no país.

Fonte: Jornal da Manhã

O vídeo da enfermeira do Couto Maia

Na noite do mesmo dia, 22 de abril, em que o vídeo-denúncia de que havia leitos vazios na UTI passou a ser divulgado, a diretora-geral do Instituto Couto Maia, Dra. Ceuci Nunes, publicou em seu perfil do Facebook uma mensagem desmentindo o conteúdo:

 “Estão mandando este vídeo gravado dia 21/03 por uma enfermeira nossa, mostrando a primeira ampliação de leitos da uti que fizemos. Abaixo uma informação com um nome que não corresponde ao nome da enfermeira, dizendo que foi demitida por mostrar leitos vazios. Hoje os leitos estão todos cheios. Fake absurda. Se recebeu desminta por favor. Grata, Ceuci Nunes – Diretora do ICOM”

O jornalista Angelo Ringon, do Maringá News, checou o nome da enfermeira que fez o vídeo quando o hospital havia terminado de preparar o aparato para atender pacientes, em 21 de março. É a enfermeira Maria das Graças Santos e não foi demitida.

Nesta checagem o Coletivo Bereia conclui que as mensagens que circulam em mídias sociais com vídeo que mostram leitos vazios na UTI do Instituto Couto Maia em Salvador são enganosas. Uma mensagem padrão foi produzida e alcançou vários grupos e perfis, fazendo uso de um vídeo publicado na rede em 21 de março, um mês antes desta divulgação. A postagem enganosa expôs um nome de pessoa que não corresponde à autora das imagens, mostra leitos que, de fato estavam vazios pois ainda não estavam em operação, e inseriu a falsa informação de que a enfermeira que fez o vídeo foi demitida por divulgá-lo. Este conteúdo desinforma pois busca induzir os receptores a desacreditarem da gravidade da Covid-19 e desconsiderarem os números divulgados, o que pode custar a saúde e a vida de muitas pessoas.

A diretora-geral do Couto Maia Dra. Ceuci Nunes publicou no dia 23 de abril um desabafo em seu perfil no Facebook:

Bereia alerta leitores e leitoras sobre a importância de se verificar sempre, antes de compartilhar, mensagens que não têm autoria, não indicam a fonte (quem produziu e deve se responsabilizar pela informação).  O perfil do Twitter que divulgou este material enganoso, C18H26CIN3 @semfronteira64, com bio redigida em hebraico אלוהים הוא בשליטה [Deus está no controle], é exemplo significativo de perfis criados exclusivamente para divulgação de material desinformativo: não se identifica, aparece como um número, tem username genérico e simbólico (64), foi criado em 2019 e só publica notícias, todas desinformativas.

Já o canal do Youtube Jorvideo News não se identifica no aplicativo e não tem um histórico de exibição que corresponda a “news” (notícias). Este canal está inscrito no Youtube desde 2007, não tem vídeos próprios e tem apenas nove vídeos desde 1 de outubro de 2019, oito relacionados a filmes de entretenimento na língua inglesa, uma comédia completa e sete trailers de filmes de ação, mais a postagem sobre a “enfermeira demitida”. O nome “news” dá caráter de seriedade ao canal (notícias) e inspira pessoas afeitas a receber desinformação de fontes não credenciadas. 

Bereia classifica estas fontes do Twitter e do Youtube como não confiáveis.

Atualização do caso em 27 de abril de 2020

O jornal Folha de S. Paulo publicou em 27 de abril de 2020, reportagem sobre este caso, com foco na atuação da enfermeira do hospital Couto Maia (Salvador/BA) Ana Cássia Tupiniquim, de 51 anos, que fez o vídeo originalmente divulgado em 21 de março. Ana Cássia não foi demitida e relata o incômodo de ter o vídeo que produziu para animar pessoas no enfrentamento da pandemia ser usado para espalhar mentiras para negar a gravidade da situação que ela enfrenta diariamente. 

Referências de Checagem:

Instituto Couto Maia já atua exclusivamente para pacientes com coronavírus. Governo do Estado da Bahia, Secretaria de Estado de Saúde. Notícias, 23 mar 2020. Disponível em: http://www.saude.ba.gov.br/2020/03/23/instituto-couto-maia-ja-atua-exclusivamente-para-pacientes-de-coronavirus/ Acesso em 23 abr 2020

Bahia tem 1.645 casos confirmados de Covid-19. Governo do Estado da Bahia, Secretaria de Estado de Saúde. Notícias, 22 abr 2020. Disponível em: http://www.saude.ba.gov.br/2020/04/22/bahia-tem-1-645-casos-confirmados-de-covid-19/. Acesso em 23 abr 2020

Hospitais Couto Maia e Ernesto Simões têm 54% dos leitos de UTI ocupados: ‘Ficar em casa ajuda a evitar óbitos’, diz subsecretária. G1 BA, 20 abr 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2020/04/20/com-70percent-dos-leitos-de-uti-ocupados-na-bahia-subsecretaria-de-saude-faz-alerta-ficar-em-casa-ajuda-a-evitar-obitos.ghtml Acesso em 23 abr 2020

Bahia terá 2.418 leitos de referência para atendimento exclusivo a pacientes com coronavírus. Governo do Estado da Bahia, Secretaria de Estado de Saúde. Notícias, 22 abr 2020. Disponível em: http://www.saude.ba.gov.br/2020/04/18/bahia-tera-2-418-leitos-de-referencia-para-atendimento-exclusivo-a-pacientes-com-coronavirus/ Acesso em: 23 abr 2020

Coronavírus: Secretário de saúde do estado fala sobre taxa de ocupação dos leitos de UTI. Jornal da Manhã, Vídeos G1. Disponível em: https://g1.globo.com/ba/bahia/edicao/2020/04/22/videos-jm-de-quarta-feira-22-de-abril-de-2020.ghtml. Acesso em 23 abr 2020

Pura maldade. Blog do Angelo Rangoni. Maringá News, 22 abr 2020. Disponível em https://angelorigon.com.br/2020/04/22/pura-maldade-2/?utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=pura-maldade-2. Acesso em 23 abr 2020

Na linha de frente contra o coronavírus, tem que ter sangue no olho, diz enfermeira alvo de fake news, por João Pedro Pitombo. Folha de S. Paulo, 27 abr 2020. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/amp/cotidiano/2020/04/na-linha-de-frente-contra-o-coronavirus-tem-que-ter-sangue-no-olho-diz-enfermeira-alvo-de-fake-news.shtml?utm_source=twitter&utm_medium=social&utm_campaign=comptw&__twitter_impression=true Acesso em: 27 abr 2020.

São imprecisas as notícias sobre proibição de cultos online na China

No dia 08 de abril o site Guiame publicou a notícia – “China proíbe cultos online mesmo durante pandemia”. 

Baseado em informações publicadas em 5 de abril pela revista eletrônica Bitter Winter e Christian Headlines, o texto afirma:

Igrejas de todo o mundo estão realizando cultos online durante a pandemia do COVID-19, mas essa ação permanece ilegal na China. Segundo informou o Bitter Winter em 5 de abril, pouquíssimas organizações, e “apenas aquelas que possuem licenças emitidas pelo Estado”, podem transmitir serviços religiosos online na China.  “Não podemos nos reunir por causa da pandemia”, disse o pastor de uma igreja subterrânea na província de Jiangxi ao Bitter Winter. O pastor tentou transmitir um sermão em 9 de fevereiro através de um aplicativo, mas foi interrompido.

Lançado em 2018, o Bitter Winter é uma revista digital sobre liberdade religiosa e direitos humanos na China, publicada diariamente em oito idiomas pelo Centro de Estudos sobre Novas Religiões – CESNUR . A revista recebe alguns de seus relatórios diretamente de membros de minorias religiosas e organizações perseguidas na China. Na página de descrição do site, o Bitter Winter se diz um projeto independente de qualquer organização religiosa ou política e fruto de trabalho voluntário.   

A matéria do Guiame faz menção a regulamentos emitidos em 2018 pela Administração Estatal da China para Assuntos Religiosos (SARA), do qual proibia a transmissão de atividades religiosas pela internet, no entando, a matéria não oferece o link para a fonte original da referida lei.

“Nenhuma organização ou indivíduo poderá transmitir ao vivo ou transmitir suas atividades religiosas, incluindo orar, cantar, ordenações, ler as escrituras, adorar ou receber batismo online na forma de texto, foto, áudio ou vídeo”, diz a lei comunista

Em uma busca feita no principal centro de informações do governo chinês, o “The State Council Information Office of China” (SCIO) e no site do Ministério da Justiça da República Popular da China, usando as mesmas palavras usadas na matéria da revista Bitter Winter, “Measures for the Management of Religious Information on the Internet”, não foi possível localizar as medidas mencionadas no texto.

Outra tentativa sem sucesso para encontrar a suposta lei que proíbe transmissões online de atividades religiosas, foi no site China Law Translate (CLT). A página é um “projeto de tradução colaborativo dedicado a facilitar a comunicação entre profissionais jurídicos chineses e estrangeiros, criando traduções rápidas e confiáveis ​​da autoridade legal chinesa. Desde o seu lançamento em 2013, a CLT tornou-se uma fonte oficial em inglês para notícias e análises sobre o direito chinês, além de uma fonte indispensável de traduções de qualidade”, afirma a apresentação do site. 

No dia 13 de abril, o site Gospel Prime reproduziu a notícia sob o título “Cultos online são censurados ou banidos na China”. Assinada por Neto Gregório, a matéria usa as mesmas fontes da notícia publicada pelo Guiame e reporta a proibição dos cultos online.

O texto do matéria descreve que o fundamento da proibição das transmissões de atividades religiosas pela internet são as “Medidas para o Gerenciamento de Informações Religiosas na Internet, emitidas em setembro de 2018 pela Administração Estatal da China para Assuntos Religiosos”. Entretanto, o link oferecido na matéria não trata de assuntos de caráter religiosos; trata-se da Lei de Administração de Vacinas da República Popular da China.

De acordo com matéria do Nexo Jornal, publicada em maio de 2019, a liberdade religiosa na China vai sendo cerceada aos poucos pelo governo chinês. Citando um relatório da Human Rights Watch, divulgado em janeiro de 2019, o texto do Nexo afirma que “as restrições religiosas feitas pelo governo chinês incluem ações de controle de publicações, finanças e agendas dos clérigos”, e que “o governo vem tratando grupos religiosos não-oficiais como cultos do mal, sujeitos a agressões policiais e prisão”.

A censura na China

A matéria do Guiame explica que, apenas as igrejas registradas pelo Governo chinês podem fazer transmissões online:

As igrejas na China devem se registrar no governo e participar do Movimento Patriótico dos Três Autos (Three Self) ou da Associação Católica Patriótica Chinesa. Mas como essas igrejas aprovadas pelo estado enfrentam severas restrições, milhões de cristãos adoram em igrejas clandestinas ilegais.

O governo chinês impõe um rigoroso controle sobre as atividades e os conteúdos acessados pela população chinesa. Segundo matéria do site Consumer News Bussines Channel (CNBC) – canal informativo estadunidense que cobre notícias do mercado financeiro nacional e internacional –, além de bloquear o acesso ao Google e ao Facebook, o governo chinês vai implantando gradativamente diretrizes muito mais rigorosas:

As autoridades reprimiram os principais sites de streaming de vídeo da China, dobraram a repressão às redes virtuais privadas (VPNs), removeram  programas de TV estrangeiros de plataformas online, exigiram que os usuários se registrassem em fóruns online com seus nomes verdadeiros e introduziram leis que responsabilizam os administradores do grupo de bate-papo pelo que é dito em seus espaços. As novas regras também exigem que os sites de notícias on-line sejam supervisionados pela equipe editorial aprovada pelo governo e que os trabalhadores tenham credenciais de relatórios do governo central.

Em setembro de 2018, a Exame publicou a notícia “China anuncia projeto de lei que proíbe conteúdos religiosos na internet”. A matéria declara:

A prática de publicar fotos de batismo, cerimônias budistas ou missas nas redes sociais será banida em breve na China, sob um projeto de lei cujo objetivo é coagir ainda mais as religiões. Os órgãos devidamente autorizados poderão continuar a publicar certos conteúdos religiosos, mas dentro de um quadro estritamente definido, de acordo com o projeto de lei anunciado nesta segunda-feira pelo Escritório Nacional de Assuntos Religiosos da China. “Nenhuma organização ou indivíduo pode, em qualquer formato (texto, imagem, som, vídeo, etc.) transmitir ao vivo ou on-line venerações a Buda, queima de incenso, ordenações de monges, leituras de sutras (discursos de Buda ou seus discípulos), serviços religiosos, missas, batismos ou qualquer outra atividade religiosa”, diz o texto.

As medidas emitidas em 2018 pelo governo chinês relacionadas às restrições de atividades religiosas foram noticiadas, à época, pelo site informativo Asia News. Segundo o canal, as medidas proíbem “a transmissão ao vivo de cerimônias religiosas, bem como orações, pregações e queima de incenso” e impõe a autorização do governo para a criação de sites religiosos. Explicando as novas medidas, o site South Chine Mornig Post acrescenta que “os envolvidos em serviços de informações religiosas on-line são proibidos de promoções comerciais em nome da religião, distribuindo suprimentos e publicações religiosas, estabelecendo organizações e locais religiosos e desenvolvendo crentes de religiões”.

Além do Google e do Facebook, as plataformas como Twitter e WhatsApp também são proibidas na China. Inúmeros outros sites surgiram no país para oferecer as mesmas funções, mas funcionam sob rigoroso monitoramento. Para burlar a proibição muitos cidadãos locais usam as VPN (Virtual Private Network, rede de comunicações privada construída sobre uma rede de comunicações pública) ou utilizam opções semelhantes como WeChat e Weibo.

A perseguição religiosa na China  

A China ocupa a 23ª posição na Lista Mundial de Perseguição – ranking produzido pela Portas Abertas, organização que monitora o nível de hostilidade aos cristãos no mundo. O país vem demonstrando crescimento no nível de pressão aos cristãos na esfera da vida privada, comunitária, nação e igreja. Esse crescimento pode ser visto na implementação muito rígida da regulamentação religiosa, que começou no dia 1º de fevereiro de 2018. Mas a Portas Abertas adverte: “É importante lembrar que a China é grande e a situação dos cristãos pode ser muito diferente em várias partes do país. Entretanto, é correto dizer que a situação dos cristãos se deteriorou por todo o país, conforme mostram relatórios de diferentes províncias. […] Muitas igrejas não se desfizeram depois de experimentarem repressão, elas se reorganizaram e deliberadamente se dividiram em grupos menores. Diversas outras igrejas são monitoradas e fechadas, não importando serem independentes ou do Movimento Patriótico das Três Autonomias, que pertence ao Governo.”

O Relatório de Liberdade Religiosa (2018) sobre a China, produzido pela ACN (fundação da pontifícia católica que presta assistências às igrejas que sofrem perseguição), confirma que em 1º de fevereiro de 2018, “entrou em vigor um novo Regulamento dos Assuntos Religiosos, constituído por novas leis sobre prática religiosa que são as mais restritivas nos últimos 13 anos. Este regulamento é uma atualização do Regulamento dos Assuntos Religiosos de 2005 e restringe muitas atividades religiosas a locais registrados. O regulamento introduz novas restrições à expressão religiosa online e ao proselitismo, e contém disposições específicas sobre religião, segurança nacional e contatos com o estrangeiro”.

A inconsistência na informação

A matéria produzida pelo Bitter Winter, publicada em português pelo site Guiame e reproduzida por outros sites evangélicos, não apresenta detalhes do contexto das igrejas na China e as restrições impostas pelo governo. Para saber mais detalhes, nossa equipe conversou pelo WhatsApp com um jovem cristão brasileiro que faz mestrado em uma universidade chinesa. Ele vive no país há anos.

O jovem prefere não se identificar, mas afirma: “Sim. É verdadeira a notícia. Mas não é nada de novo para ninguém. E os chineses acham mil formas de se conectar, usando as ferramentas que o sistema político chinês permite serem usadas.”

Ele diz que as restrições são severas, mas que pastores que insistem em dar entrevistas para meios de comunicação ocidentais e fazer transmissões online sem tomar as devidas precauções são “desnecessariamente teimosos”. “Mas é fato que lá não pode nem falar de sexo em aplicativos de streaming sem ser bloqueado, nem de política interna e nem de muitas outras coisas. É fato isso.”, afirma o estudante.

Por outro lado, o jovem conta que é possível sim realizar algumas atividades religiosas pela internet, mas dentro dos moldes autorizados pelo governo. Ele relata:

A minha igreja, desde o primeiro dia que a cidade fechou, começou a fazer devocionais online e cultos ao domingo, mas no formato que é permitido. No aplicativo WeChat (como se fosse WhatsApp), com a liturgia organizada. Áudios gravados no mesmo dia por pessoas escaladas. Ao começar, o pastor ia mandando mensagens e áudios e as outras pessoas iam mandando na sequência suas orações, etc. A mensagem era gravada e até os cânticos e as letras eram enviados. Aliás, de umas semanas pra cá, minha igreja tem usado um aplicativo chinês, tipo o Zoom, onde a reunião acontece normalmente. A restrição é mesmo para esses aplicativos de live como Instagram, onde qualquer pessoa poderia entrar e assistir. Desde que seja restrito a um grupo de pessoas, eles conseguem se reunir online normalmente.

Há também outro problema pontuado pelo estudante. “Como o coronavírus se espalhou na Coreia do Sul por causa de uma seita cristã, o governo chinês (e todo mundo) acabou descobrindo que o número de pessoas seguidores dessa seita coreana em Wuhan era imenso. E a maioria dessas comunidades se passavam por cristãs para recrutar cristãos que ainda não eram discipulados. Esse fenômeno de forçar mais ainda o bloqueio de sermões em aplicativos de live é também por causa dessa seita”.

Ele acrescenta que algumas igrejas em Wuhan, cidade chinesa na qual vive, tiveram boas iniciativas durante a pandemia, oferecendo ajuda psicológica 24 horas. Eu acredito que foi um ótimo testemunho para o governo. […] Eu acho que esse tipo de entrevista [da Bitter Winter] ofusca o bom testemunho que realmente pode levar o governo a entender o quão importante é a igreja na hora de crise social, e ainda afirma, “Eu penso que nem os cristãos ocidentais nem os seus governos vão conseguir “livrar” os cristãos chineses do sistema de governo chinês. Nem por decreto, nem por convencimento. O governo chinês, apesar das leis, tem dado espaço sim para igrejas. De verdade. Eles têm feito vários experimentos para ver o que dá certo e o que não dá. Essas notícias, às vezes, acabam mais atrapalhando esse relacionamento sensível da igreja com o estado, mesmo sem saber”.

Repercussão da notícia

A notícia da proibição de cultos online na China foi reproduzida por vários sites evangélicos, como CPAD News, Universal, Terça Livre, Gospel Mais, Conexão Política, Notícia Gospel e Gospel Prime. Na página do Gospel Prime no Facebook, por exemplo, o conteúdo gerou bastante interação, tendo mais de 2 mil compartilhamentos e mais de 100 comentários. A maior parte condenando a suposta proibição imposta pelo governo chinês.

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Bereia conclui que a notícia produzida pelo Bitter Winter, publicada em português por Guiame e reproduzida por outros sites evangélicos é imprecisa. Nenhum dos 13 sites que publicaram a notícia apresenta o contexto da situação religiosa no país ou oferece a fonte da Lei chinesa que apresenta as medidas restritivas de transmissão online – o que impede o leitor de acessar e confirmar a informação. Além disso, a matéria do Guiame e da Bitter Wintter não apresentam a outra perspectiva do fato, de que transmissões online de atividades religiosas são permitidas, desde que atendam as diretrizes exigidas pelo governo chinês, conforme relatou ao Bereia o estudante brasileiro que vive há anos na China. Embora tenha tido bastante repercussão e mostre uma faceta da repressão religiosa na China, a notícia pode mais dificultar do que contribuir com o cenário construído ao redor do mundo entre governo chinês e igrejas.

Referências de Checagem:

China proíbe cultos online mesmo durante pandemia. Guiame, 10 abr 2020. Disponível em: https://m.guiame.com.br/gospel/missoes-acao-social/china-proibe-cultos-online-mesmo-durante-pandemia.html 

Cultos online são proibidos ou banidos na China. Gospel Prime, 14 abr 2020. Disponível em: https://www.gospelprime.com.br/cultos-online-sao-censurados-ou-banidos-na-china/

Religious Activities Online Banned or Censored During Pandemic. Bitter Winter, 10 abr 2020. Disponível em: https://bitterwinter.org/religious-activities-online-banned-or-censored-during-pandemic/ 

Lei de Administração de Vacinas da República Popular da China. 14 abr 2020. Disponível em: https://archive.fo/QcUd6

China proíbe cultos online mesmo durante pandemia. Cpad News, 14 abr 2020. Disponível em: http://www.cpadnews.com.br/universo-cristao/50021/china-proibe-cultos-online-mesmo-durante-pandemia.html

China proíbe cultos online mesmo durante pandemia. Notícia Gospel, 14 abr 2020. Disponível em: https://noticiagospel.com.br/china-proibe-cultos-online-mesmo-durante-pandemia/

Partido Comunista Chinês censura cultos online de cristãos na China durante a pandemia. Conexão Política, 22 abr 2020. Disponível em: https://conexaopolitica.com.br/ultimas/partido-comunista-chines-censura-cultos-online-de-cristaos-na-china-durante-a-pandemia/ 

Perseguição aos cristãos na China. Portas Abertas, 14 abr 2020. Disponível em: https://www.portasabertas.org.br/lista-mundial-da-perseguicao/china

China Bans Churches from Streaming Services, Even during Pandemic. Christian Headlines, 14 abr 2020. Disponível em: https://www.christianheadlines.com/contributors/michael-foust/china-bans-churches-from-streaming-services-even-during-pandemic.html 

China anuncia projeto de lei que proíbe conteúdos religiosos na internet. Exame, 15 abr 2020. Disponível em: https://exame.abril.com.br/mundo/china-anuncia-projeto-de-lei-que-proibe-conteudos-religiosos-na-internet/

Mesmo proibido na China, Facebook abre uma subsidiária no país. Canaltech, 15 abr 2020. Disponível em: https://canaltech.com.br/mercado/mesmo-proibido-na-china-facebook-abre-uma-subsidiaria-no-pais-118722/ 

Na China, uma geração inteira está crescendo sem Google, Facebook ou Twitter. Gazeta do Povo, 15 abr 2020. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/economia/na-china-uma-geracao-inteira-esta-crescendo-sem-google-facebook-ou-twitter-d0s5nttnb6mu3muwo7d4c23tl/

Gospel Prime no Facebook: https://www.facebook.com/gospelprime/ 

China proíbe cristãos de realizar cultos online durante a pandemia. Universal, 15 abr 2020. Disponível em: https://www.universal.org/noticias/post/china-proibe-cristaos-de-realizarem-cultos-online-durante-a-pandemia/

China proíbe cultos online mesmo durante pandemia, diz site. Terça Livre, 15 abr 2020. Disponível em: https://www.tercalivre.com.br/china-proibe-cultos-online-mesmo-durante-pandemia-diz-site/

China intensifica perseguição e agora bloqueia transmissão de cultos online. Gospel Mais, 15 abr 2020. Disponível em: https://noticias.gospelmais.com.br/china-perseguicao-bloqueia-transmissao-cultos-online-133413.html

Governo chinês bloqueia acesso ao Google e Facebook. Consumer News Bussines Channel. Disponível em: https://www.cnbc.com/2017/10/26/china-internet-censorship-new-crackdowns-and-rules-are-here-to-stay.html  

The State Council Information Office of China (SCIO). Disponível em: http://english.scio.gov.cn/aboutscio/index.htm 

Ministério da Justiça da República Popular da China. Disponível em: http://en.moj.gov.cn/

China plans licence system to crack down on ‘chaotic’ online promotion of religion. South China Mornig Post, 23 abr 2020. Disponível em: https://www.scmp.com/news/china/politics/article/2163706/china-plans-licence-system-crack-down-chaotic-online-promotion

O projeto chinês de ‘retraduzir’ a Bíblia. E o cerco às religiões. Nexo Jornal, 22 abr 2020. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2019/05/15/O-projeto-chin%C3%AAs-de-%E2%80%98retraduzir%E2%80%99-a-B%C3%ADblia.-E-o-cerco-%C3%A0s-religi%C3%B5es

O perigo da Infodemia

Publicado no Correiro Braziliense por Flávia Ribeiro* dia 11/04/2020

Enquanto os cientistas correm contra o tempo para a descoberta da vacina da Covid-19, o jornalismo sério e responsável avança para evitar um dos maiores perigos dessa pandemia: a desinformação.

O termo infodemia é justamente a propagação massiva de informações falsas a respeito da pandemia do Coronavírus. Como jornalista e advogada, assisti uma live sobre Fake News e Direito Digital da Escola Superior de Advocacia do Rio de Janeiro (ESA-RJ), que me fez refletir sobre quais são os verdadeiros influenciadores nessa guerra para conter o crescimento de casos da doença. 

Quem verdadeiramente está estimulando ou não a sociedade brasileira a respeitar as diretrizes sugeridas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelos governos? Qual tem sido o papel e o impacto dos veículos de comunicação tradicionais e das redes sociais nesse contexto? Como vigiar e controlar a disseminação de fake news? Como o Direito Digital pode ajudar a punir os responsáveis por essa infodemia, que agrava o quadro de confusão mental e ansiedade entre as pessoas? 

Não há dúvidas de que a revolução experimentada pelo jornalismo digital mudou drasticamente o modo de produção de notícias. No entanto, o compromisso com a veracidade dos fatos, essencial para a profissão, não mudou. Nas últimas semanas, a sociedade em geral tem participado de uma maratona de lives no Instagram e usado desenfreadamente as plataformas digitais que abriram o seu conteúdo gratuitamente. Com as mudanças revolucionárias que a Internet trouxe para o jornalismo nas últimas décadas, ficou cada vez mais complexo checar fontes, desvendar edições de vídeos muito bem feitos, fazer uma “perícia” cuidadosa para identificar na velocidade dos fatos o que realmente é desinformação e o que, no meio do processo, já viralizou em centenas de grupos de WhatsApp. 

Como diria o poeta Mario Quintana: “o mais difícil mesmo é a arte de desler”. O Instituto Reuters (junto da Universidade de Oxford) publicou um estudo no último dia 07/04 que revela: quase 70% das informações divulgadas sobre o Covid 19 vinham de influenciadores digitais, incluindo políticos, celebridades e figuras públicas e redes sociais.  Desse total, 20% das informações eram inverídicas. 

O Instituto mapeou alguns dos principais tipos, fontes e reivindicações de desinformação do COVID-19 e analisou uma amostra de 225 “informações” classificadas como falsas ou enganosas por verificadores de fatos e publicadas em inglês entre janeiro e o final de março de 2020. Isso significa que grande parte da sociedade está consumindo notícias através das redes sociais, que são grandes distribuidoras de fake news.  Os dados demonstram ainda que 59% das postagens do Twitter foram classificadas como falsas por verificadores de fatos e permanecem em alta. No YouTube, 27% permanecem ativos e no Facebook, 24% do conteúdo com classificação falsa continuam ativos sem rótulos de aviso

Vale lembrar que os formatos de fake news que circulam excessivamente e em uma velocidade exponencial podem ser fabricados e manipulados por especialistas. Uma simples edição em centésimos de segundos de um frame de vídeo pode distorcer totalmente a informação. Os olhos de pessoas mais leigas não conseguem perceber essa mudança. Em termos de formatos, a maioria (59%) da “desinformação” coletada na amostra envolve várias formas de reconfiguração, nas quais informações existentes e frequentemente verdadeiras são geradas, distorcidas, recontextualizadas ou retrabalhadas. Pelo menos 38% das fake news foram completamente fabricadas. Boa parte dessas notícias, 87% circulam entre as mídias sociais

Além disso, é alarmante o potencial de crescimento da “deep news”. “Hoje, a deep fake não está massificada. Com ferramentas simples, não é possível montar esse tipo de conteúdo mais sofisticado. “Muitos casos, só um perito poderia identificar. Por isso, a conscientização da população é fundamental. Não há uma “reinformação” de qualidade na mesma velocidade que a tecnologia tem propagado”, alerta a advogada e vice-presidente da Comissão de Proteção de Dados e Privacidade da OAB-RJ, Samara Castro. “O custo para checagem será caríssimo e não temos tantos profissionais qualificados para fazer rapidamente o contraponto da notícia”, complementa. 

Em termos de reivindicações enganosas ou falsas sobre as ações ou políticas de autoridades públicas, incluindo órgãos governamentais e internacionais como a OMS ou a ONU, são a maior categoria aparecendo em 39% da amostra. Em termos de respostas, as plataformas de mídia social responderam à maioria das postagens classificadas como falsas pelos verificadores de fatos, removendo-as ou anexando vários avisos.

Outra pesquisa conduzida pelo Centre for Countering Digital Hate do King’s College London sugere um vínculo estatisticamente significativo entre pessoas que acreditavam em falsas alegações sobre o Coronavírus e pessoas que estavam dispostas a desrespeitar as diretrizes de distanciamento social do governo. O estudo demonstrou que 60% das pessoas que acreditam nas questões inverídicas estão mais sujeitas a descumprirem as políticas de isolamento social e confinamento doméstico

“Parece meio óbvio quando pensamos em termos de Brasil em que a descrença com a gravidade da situação é notável entre pessoas e até entre governantes. Mas a Organização Mundial de Saúde até usou nome próprio para tal fenômeno: infodemia. A receita básica que usamos agora para o vírus com o isolamento social pode ser replicada também para o combate ao espalhamento das “fake news”.

Samara Castro

Sem dúvidas, é responsabilidade de todos os jornalistas do mundo checar inúmeras vezes as fontes e duvidar do formato de eventual fato que chame atenção em grupos de colegas, amigos e familiares. Cada indivíduo também deve evitar a propagação das fake news. É preciso criar uma consciência coletiva que impeça a multiplicação das informações falsas e distorcidas – disseminadas em uma velocidade inimaginável – assim como o Covid 19 se alastra. 

Para o advogado Diogo Rais, professor de Direito Eleitoral do Mackenzie e da FGV-SP e pesquisador de Direito e tecnologia, fake news não são notícias falsas. “São notícias fraudulentas, sabidamente mentirosas, mas produzidas com a intenção de provocar algum dano”. Sem dúvida: o jornalismo está atravessando o seu grande paredão e, simultaneamente, o Direito Digital pressionado para solucionar os conflitos que não param de chegar. Como os operadores de direito devem proceder? Lutar para retirada dos conteúdos nocivos do ar, responsabilizar as plataformas de distribuição de conteúdo? 

Segundo Samara, a recomendação da Organização dos Estados Americanos (OEA) é de que os países não devem criar novos tipos penais sobre as fake news. “Os tipos penais que existem já são suficientes para punir os responsáveis”, afirma. Particularmente, acredito na responsabilização também das plataformas de conteúdo. Por sinal, esse é um momento muito oportuno para pressionar as gigantes de TI para aprimorar as suas políticas sobre termos de uso e privacidade, elevando o seu grau de transparência e governança. Além disso, temos que encontrar consenso para questões polêmicas que envolvem a liberdade de expressão, os termos de uso geral das redes sociais, etc. 

Não foi preciso ter uma decisão judicial em mãos para que o Facebook e o Instagram retirassem do ar, de forma inédita no Brasil, um conteúdo publicado por um presidente da República. O Facebook e o Twitter fizeram recentemente uma emenda na política deles sobre termos de uso e privacidade em relação às informações científicas relativas ao Covid 19. A reputação das grandes empresas de TI está em jogo e esse risco elas não querem correr. “Uma plataforma deveria ter esses poderes? Seria o caso de a sociedade depositar a sua confiança só nesse espaço dessas grandes empresas de tecnologia?”, comenta a advogada. 

Para esquentar o debate, vamos observar o uso que o presidente da República tem feito das redes sociais para se comunicar com o povo e, em contrapartida, o Ministério da Saúde que afirmou essa semana que só daria informações através da coletiva de imprensa – canal oficial para o relato diário dos boletins sobre o Covid 19. Quem merece a nossa confiança? 

Dentro do gerenciamento de crises, estamos certos que só combatemos a massa de desinformação com menos disseminação e com o aumento de noticiários responsáveis e de qualidade. O cidadão comum pode ter um faro sobre um fato falso, mas o jornalista profissional tem o dever de checá-lo e combatê-lo. Há séculos buscamos um equilíbrio entre a liberdade de expressão, ação e a regulação jurídica, visando o bem-estar comum e o respeito aos direitos fundamentais. 

A construção da democracia digital exige conhecimentos multisetoriais de filosofia, antropologia, direito, Comunicação, Tecnologia da Informação. O cenário é muito desafiador. E a pergunta que não quer calar: existe uma política eficiente de proteção dos dados e da privacidade para as pessoas? A empresa Zoom ampliou massivamente o número de usuários nas últimas semanas e teve que pedir desculpas publicamente por ajustar problemas de segurança na plataforma. 

Segundo Eduardo Magrani em “Entre dados e robôs – Ética e Privacidade na era da Hiperconectividade” (Arquipélago Editorial), pesquisas estimam que, em 2020, a quantidade de objetos interconectados passará dos 25 bilhões, podendo chegar a 50 bilhões de dispositivos inteligentes. As projeções para o impacto deste cenário de hiperconexão na economia são impressionantes. Só para mostrar o universo da Internet das Coisas que estamos mergulhados e como essas questões ficarão cada vez mais complexas nas próximas décadas. “Coisas inteligentes, capazes de imitar o comportamento humano e de outras máquinas, aprender com os próprios erros e demonstrar curiosidade, possuindo alto poder de investigação e processamento”, lembra Marco Aurélio Castro em “Personalidade jurídica do robô e sua efetividade”.

A boa notícia é que as novas pesquisas sinalizam que podemos mudar esse jogo. Como todo bom trabalho de comunicação, através de um diagnóstico bem preciso, é possível traçar estratégias que possam atingir de forma mais assertiva a opinião pública. E, nada melhor do que o bom jornalismo, para combater essa infodemia. Estamos em um grande laboratório de testes reais e devemos olhar com cuidado para os desdobramentos do consumo e compartilhamento irresponsável de notícias. 

Discussões sobre vigilância e abuso de poder digital ultrapassaram os episódios assustadores de Black Mirror. É só ligar a TV que emissoras estão fazendo campanha publicitária para alertar o espectador o que é “fato” ou “fake”. Como ficam as leis sobre direitos humanos, direitos de personalidade, o direito à privacidade e, ao mesmo tempo, cruzar tudo isso com os códigos de ética de empresas, governos, ONGs e todos os setores da sociedade? O dever de casa é longo, mas a quarentena tem demonstrado um momento muito apropriado para investigarmos a fundo todas essas questões e ressignificar o verdadeiro papel do jornalismo como essencial para a democracia e à proteção do bem maior: a vida! 

Fonte:

Institute Reuteurs – “O Perigo da Infodemia

Consultor Jurídico – “A melhor tradução para fake news não é notícia falsa, é notícia fraudulenta

*Flávia Ribeiro é jornalista e advogada

O Partido Comunista Chinês não avança no Brasil, mercado chinês, sim

Em 13 de abril o site de notícias Conexão Política, braço político do grupo Conexão Cristão (um grupo de mídia independente de evangélicos), publicou matéria intitulada “Partido Comunista Chinês avança no Brasil: empresa pública federal brasileira EBC e China Media Group firmam acordo para “troca de conteúdos”.

A matéria da Redação do Conexão Política, registrou como fonte a Agência Brasil/EBC, que publicou em 13 de novembro de 2019 a notícia intitulada “EBC e China Media Group firmam acordo para troca de conteúdos”.

Chama a atenção o fato de o Conexão Política publicar matéria sobre fato ocorrido cinco meses atrás, com título que altera substancialmente a mensagem da original – negociação do governo brasileiro com o Partido Comunista Chinês e não com China Media Group –  com o acréscimo de ironia, por meio do termo “troca de conteúdos” colocado entre aspas.  

Dois intertítulos na matéria do Conexão Política também chamam a atenção. Um deles apresenta a redação: “Monopólio comunista da informação” e ressalta como a estratégia do Partido Comunista Chinês, em expandir seu domínio e difundir sua propaganda através da mídia mundial, tem sido realizada com êxito. O trecho é um acréscimo à matéria original da Agência Brasil/EBC. O outro intertítulo diz: “Promoção dos valores comunistas chineses”, em trecho que enfatiza a forma com que a parceria (palavra que é o intertítulo original) com os chineses foi “FESTEJADA” (exposta desta forma em maiúsculas pelo Conexão Política) pelo diretor-presidente da EBC, Luiz Carlos Pereira Gomes. 

A relação China-Brasil 

As relações comerciais entre o Brasil e a China datam do tempo da colonização portuguesa. Em 1812, a Família Real Portuguesa que estava no Brasil, importou trabalhadores chineses para trabalharem em uma plantação de chá próxima da capital da colônia, o Rio de Janeiro. Na República, em 1900, um novo grupo de imigrantes chineses se estabeleceu em São Paulo.  

As relações formais foram abaladas com a Revolução Chinesa que criou, sob o regime comunista, a República Popular da China (1949). Elas foram restabelecidas em 1974, durante a ditadura militar. Foi em 2009, durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, que a China se tornou o maior parceiro comercial do Brasil, com alta demanda chinesa por matérias-primas e produtos agrícolas. Os investimentos de empresas chinesas no Brasil estão concentrados nos setores de energia, mineração, siderurgia e petróleo.  

As comunicações também são alvo da cooperação econômica entre China e Brasil. Entre os vários projetos de cooperação estão o Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres, iniciado em 1988 e que gerou dois satélites (em 1999 e em 2002) que fornecem informações importantes sobre recursos naturais.  

Ao relacionar-se economicamente com a China, o Brasil estabelece conexão com a segunda maior economia do mundo, superada apenas pelos EUA, considerada a nação com o maior desenvolvimento econômico das últimas duas décadas no mundo, com crescimento do PIB na casa dos 10% ao ano. Apesar de manter o regime político comunista, a China aderiu à economia de mercado no final dos anos 1970, com força do setor privado e também estatal e denomina seu sistema de “socialismo com características chinesas” (explicado seja como “economia mista” seja como “forma de capitalismo”). Em 2018, o fluxo de comércio entre os dois países alcançou a marca histórica de US$ 98,9 bilhões.  

O acordo EBC-China Media Group 

Antes de ganhar espaço no noticiário brasileiro como fonte da pandemia de coronavírus, a China destacou-se nas mídias, em 2019, por conta do acordo de cooperação entre a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e a China Media Group (CMG), as duas empresas estatais de comunicação dos dois países, assinado em 13 de novembro do ano passado, em Brasília, com a presença do então Ministro da Cidadania Osmar Terra. O acordo ocorreu poucas semanas depois da visita de três dias do presidente do Brasil Jair Bolsonaro à China, em outubro de 2019.

O acordo seguiu a linha dos demais estabelecidos na visita de Bolsonaro, visando à troca de programas, compartilhamento de conteúdos, produção conjunta, transmissão cooperativa, formação de pessoal e intercâmbio tecnológico.  

A matéria da EBC apresenta a grandiosidade do grupo. Ao todo, a CMG, empresa estatal de mídia da China opera 47 canais de TV (com conteúdo em seis idiomas e alcance de 162 países), 17 emissoras de rádio e produção de conteúdo radiofônico em 44 idiomas, além de administrar três sites de notícia e 20 jornais e revistas de circulação nacional. Considerado o maior conglomerado de comunicação do mundo em escala de operações, CMG foi criado em 2018 por meio da fusão entre a Televisão Central da China (CGTN, em inglês), a Rádio Nacional da China e a Rádio Internacional da China.  

Nesse âmbito, o atual acordo substitui e amplia o termo de cooperação firmado anteriormente pela EBC e a antiga CGTN – assinado em 2015 e prorrogado em 2017 –, cuja validade é de 60 meses, sem previsão de repasse de recursos.  

De acordo com a matéria no site da EBC, em discurso durante a assinatura do acordo na sede da EBC, o presidente do CMG Shen Haixiong, afirmou que a orientação de firmar o convênio com a EBC partiu do presidente chinês Xi Jinping, com quem o presidente Bolsonaro havia se encontrado semanas antes. “[Ele] disse que devemos promover o intercâmbio entre povos, reforçar a cooperação no setor cultural, impulsionar o intercâmbio em futebol e na medicina tradicional chinesa, duas áreas características de ambos”, disse Haixiong à EBC.  

“Sendo veículo de imprensa, nós temos essa missão importante de aprofundar a amizade e o conhecimento mútuo entre povos e promover o intercâmbio e a cooperação em todas as áreas. Por isso, estamos em momento oportuno para as mídias dos dois países iniciarem a cooperação de benefício recíproco”, destacou. 

Conforme assinalado no conteúdo, em discurso, o diretor-presidente da EBC, Luiz Carlos Pereira Gomes afirmou que “a cobertura de grandes eventos jornalísticos de forma conjunta, com troca de matérias jornalísticas, bem como possibilidade de veiculação de programação que promova os valores sociais e culturais de nossos países, também se constituem em importantes áreas a serem exploradas nesta parceria”. 

Já em conversa com jornalistas, o presidente da EBC caracterizou a iniciativa como estratégica. “É uma oportunidade de projetar [nosso] país em outro país sobre as nossas riquezas, sobre o nosso turismo, sobre a parte educacional. Tudo isso contribui para o Brasil ganhar, para crescer e ser mais respeitado no concerto das nações”, salienta. Para ele, as produções televisivas e de outros meios podem ajudar a agregar valor à pauta comercial do Brasil com a China. “Nós exportamos commodities, o retorno é muito pouco. Nós importamos deles produtos industrializados, aí vem o 5G [futura geração de telecomunicação móvel] a reboque. Então essa balança está desigual. Motivo de o presidente [Jair] Bolsonaro passar na China foi a gente começar a agregar valor.” 

Luiz Carlos Gomes destacou a importância da EBC. “Como empresa de comunicação pública, nós somos estratégicos para o país, pela radiodifusão pública, isso tudo indica poder. Quem tem a comunicação hoje tem poder.” 

A assinatura do acordo entre EBC e CMG ocorreu em novembro de 2019, em meio a diversas reuniões bilaterais entre o governo brasileiro e chinês no âmbito da Cúpula do Brics, grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.  

China Media Group e outras empresas de mídia do Brasil 

O acordo da CMG com a EBC, do governo brasileiro, não foi o único tratado que a empresa chinesa fez com grupos brasileiros de mídia. Dois dias antes, em 11 de novembro de 2019, o CMG assinou acordo com o Grupo Globo, no Rio de Janeiro, para cooperações em cinema, televisão, esporte, entretenimento, 5G e outras áreas.   

Na mesma data foi assinado acordo com o Grupo Bandeirantes de Comunicação. O contrato prevê produções conjuntas e compartilhamento de conteúdo com o objetivo de promover o desenvolvimento das relações entre os dois países.  As duas empresas pretendem trocar conteúdos, além de coberturas jornalísticas conjuntas. O acordo ainda prevê parceria em produtos de entretenimento – como novelas, programas e documentários – e intercâmbio de tecnologias de rádio e televisão. Uma das atrações que já estreou recentemente nos canais BandNews TV e Arte 1 foi a série Frases Clássicas Citadas pelo Presidente Xi Jinping, ancorada pelo embaixador Sérgio Amaral. 

China Media Group e o Partido Comunista Chinês 

A China tem uma Constituição, em vigor desde 1982, que determina que a República Popular da China é um Estado multinacional, unitário, regido pela democracia popular, para desenvolver a economia socialista de mercado. O país tem feito importantes transformações nas suas instituições e no seu posicionamento internacional, como citado acima. Essas mudanças se materializaram, por exemplo, na abertura econômica, na entrada na Organização Mundial do Comércio, em 2001, e na busca por ser reconhecida como uma economia de mercado. Com isso, sua Constituição sofreu quatro emendas, com vistas a incorporar uma nova mentalidade econômica. 

Em 1988, por exemplo, a China estabeleceu que a economia privada seria complementar ao socialismo público e que o Estado deveria proteger os direitos e interesses do setor privado, guiando, supervisionando e controlando a economia. Também passou a permitir as transferências do direito de uso da terra. Já em 1993, oficializou a mudança de “central planned economy” para “market planned economy” e transformou as empresas estatais (State Enterprises) em StateOwned Enterprises (SOEs), com operações independentes e responsabilidades separadas por perdas e lucros. Em 1999, uma nova emenda confirmou que a China continuaria no estágio primário do socialismo por mais um longo período.  

Essa emenda também elevou o status da economia privada, que deixou de ser “complementar ao socialismo público” para ser o principal componente de um socialismo com economia de mercado. Em 2004, foi oficialmente incluído na Constituição que o Estado “respeita e preserva os Direitos Humanos”. Adicionalmente, essa emenda determinou compensações para os casos de expropriação de terra, entre outras mudanças. 

Segundo a Constituição, a China tem um Legislativo representado pelo Congresso Nacional do Povo, e classificado como a mais alta organização dentro da estrutura de poder do Estado, um Executivo liderado pelo Conselho de Estado, e um Judiciário independente. Na prática, porém, o Congresso Nacional do Povo se reúne somente uma vez por ano, o Conselho de Estado é o órgão mais atuante e o Judiciário tem pouca autonomia.

O Partido Comunista Chinês (PCC) não é mencionado pela Constituição da China, apesar de ser de fato o mais importante órgão na estrutura de poder. O PCC é o responsável pelas principais decisões de governo. É ele quem, na prática, elege os membros dos comitês e o Presidente da República, os membros do Comitê Central, Comissão Central de Inspeção Disciplinar, o Secretário Geral, os membros do Politburo e do Secretariado. O PCC tem também papel decisivo na aprovação das emendas e nas principais diretrizes do governo. Nesse sentido, qualquer política estabelecida pelo governo chinês pode ser referenciada ao PCC, que é a base do governo. 

O China Media Group não pertence ao PCC, mas é uma empresa estatal do país que é governado pelo partido. Com base nesta realidade, o Conexão Política reconstruiu a matéria da EBC sobre o acordo com o CMG, expondo uma proposição crítica de que o grupo de mídia pertence ao “Partido Comunista Chinês do ditador Xi Jinping”. 

A afirmação de que o acordo com o China Media Group representa “o avanço do PCC no Brasil”, não é informação, mas uma opinião, e seria semelhante à mídia  chinesa afirmar em outubro de 2019, que o Partido Social Liberal (PSL), ao qual estava vinculado o visitante presidente Jair Bolsonaro, avançava na China por meio dos acordos de cooperação assinados naquela ocasião por empresas estatais como a Petrobrás. 

Esta afirmação de um suposto avanço do PCC no Brasil poderia ser feita desde muitas décadas por conta da infinidade de produtos chineses comercializados em lojas e no comércio popular informal. 

O sempre inimigo imaginário  

A matéria do Conexão Política que traz, em março de 2020, uma informação de fato consolidado em novembro de 2019, reescreve o texto original da Agência Brasil, inserindo opinião dos editores sobre a relação do acordo da CMG com o governo brasileiro ser “estratégia do PCC”. A opinião é expressa no título, no subtítulo, na inserção da palavra “ditador” em referência ao presidente chinês, da frase avaliativa da CMG como “estratégia do Partido Comunista Chinês em expandir seu domínio e difundir sua propaganda através da mídia mundial têm sido realizada com êxito”, e nos destaques que denotam crítica como maiúsculas para o termo “FESTEJADA” para classificar a parceria com os chineses, e negrito para a declaração do presidente da EBC Luiz Carlos Gomes, “Quem tem a comunicação hoje tem poder”. 

Esta notícia, exposta de tal forma, se coloca em um conjunto de notícias de sites de desinformação e postagens em mídias sociais nos primeiros dias abril, de conteúdo crítico à China, como país “culpado” pela pandemia de coronvírus, uma vez que os primeiros casos foram originados naquele país. Este processo foi potencializado com crítica à China vinda do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).   

O período de postagens contra a China coincide a exposição de críticas em mídias sociais ao Ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, da parte de apoiadores do presidente Bolsonaro, por conta das divergências públicas entre os dois no tocante ao combate ao coronavírus no país. Várias postagens de conteúdo falso da parte de apoiadores do presidente chegou a promover a mesclagem das duas críticas, como no exemplo a seguir

Aos Fatos classificou como falso este conteúdo que circulou pelas redes. Foram várias as publicações falsas e enganosas com relação a este caso. 

A matéria do Conexão Política checada pelo Coletivo Bereia é classificada, portanto, como enganosa.  O site de notícias faz uso de texto noticioso da Agência Brasil (agência de notícias do governo federal), de fato consolidado há cinco meses, adiciona opinião ao texto informativo para induzir leitores a assimilarem a ideia de que acordos comerciais históricos da China com o Brasil tratam-se de estratégia de implantação do comunismo no Brasil.   

Em tempos de coronavírus, a desinformação em torno da “ameaça comunista” se constrói de forma oportunista pelo fato de a China (regime comunista) ter sido o país de onde se originou a pandemia, e fazem uso de conteúdo falso e enganoso para relacionar a China a projetos de conquista de poder comunista no mundo. Nesse sentido, aciona-se o antigo imaginário da “ameaça comunista”, que vai e volta quando grupos políticos se arvoram a enfrentar disputas em curso por meio do discurso de medo e de intimidação. 

Referências  de Checagem:

EBC e China Media Group firmam acordo para troca de conteúdos.  Agência Brasil/EBC, 13 nov 2019. Disponível em: http://www.ebc.com.br/institucional/sala-de-imprensa/noticias/2019/11/ebc-e-china-media-group-firmam-acordo-para-troca-de-conteudos  

China Media Group assina memorando de cooperação com Grupo Globo. China Radio Internacional (Portuguese), 13 nov 2019. Disponível em: http://portuguese.cri.cn/news/world/408/20191113/380255.html  

Grupo Bandeirantes e China Media Group fecham acordo de cooperação. Band.com.br,11 nov 2019. https://noticias.band.uol.com.br/noticias/100000975707/grupo-bandeirantes-e-china-media-group-fecham-acordo-de-cooperacao.html  

Chinese economy slows to still sizzling 11.5% growth. USA Today, 25 out 2007. Disponível em: https://usatoday30.usatoday.com/money/world/2007-10-25-china-gdp_N.htm 

 Reducing Inequalities in China Requires Inclusive Growth. Wayback Machine., Asian Development Bank, News Release, 9 ago 2007. Disponível em: http://www.adb.org/media/Articles/2007/12084-chinese-economics-growths/  

Fighting Poverty: Findings and Lessons from China’s Success  Wayback Machine. (World Bank). Disponível em: http://econ.worldbank.org/WBSITE/EXTERNAL/EXTDEC/EXTRESEARCH/0,,contentMDK:20634060~pagePK:64165401~piPK:64165026~theSitePK:469382,00.html  

The Sino-Brazilian Principles in a Latin American and BRICS Context: The Case for Comparative Public Budgeting Legal Research  Wisconsin International Law Journal. 13 mai 2015. Disponível em: http://www.migalhas.com.br/arquivos/2015/6/art20150601-02.pdf.  

Some Recent Features of Brazil-China Economic Relations Wayback Machine. CEBC.org, abr 2009 Disponível em:  http://www.cebc.org.br/sites/500/521/00001316.pdf   

The China-Brazil Earth Resources Satellite (CBERS), por T. M. Sausen. ISPRS Society, 6 (2). Disponível em: https://www.isprs.org/publications/highlights/highlights0602/27-28_HL_06_01_CBERS.pdf   

Bolsonaro se encontra com presidente chinês para assinaturas de acordos. Agência Brasil/EBC, 25 out 2019. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2019-10/bolsonaro-se-encontra-com-presidente-chines-para-assinatura-de-acordos

Conhecendo o sistema político chinês, por APEX Brasil, 2014. Disponível em: http://arq.apexbrasil.com.br/portal/ConhecendoOSistemaPoliticoChines.pdf 

Igrejas e suas ações transformadoras em tempos de pandemia

Inúmeras igrejas ao redor do Brasil têm demonstrado que a ideia de culto vai muito além de reuniões ou encontros. Como afirmou o teólogo americano Paul Waitman Hoon em seu livro “The Integrithy of Worship”, em 1971 o “culto litúrgico também é vida”.

Vários pastores e pastoras acreditam que a sociedade precisa ser envolvida por este tipo de culto cristão, com caráter profundamente social e orgânico. Sendo assim, o Coletivo Bereia fez uma pesquisa nos 3 estados brasileiros mais populosos, São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, e verificou que muitas igrejas têm servido o seu Estado e às suas comunidades em nome do bem comum.

Confira:

SÃO PAULO

  • Igrejas assinam parceria com a Prefeitura

No estado de São Paulo, vários pastores e líderes se uniram sob a liderança do Pastor e médico, Carlos Bezerra Júnior, para colocar suas igrejas à disposição do poder público diante do cenário crítico de pandemia.

O termo de compromisso em parceria com a Prefeitura do Estado foi assinado dia 23 de março por 63 lideranças das mais diversas denominações. Mas segundo Bezerra ainda há igrejas interessadas na parceria.

Bereia entrevistou o pastor Carlos Bezerra, que também é secretário-executivo da Prefeitura de São Paulo.

Bereia: Nesta parceria com a Prefeitura de São Paulo, qual a contrapartida da Igreja?

Carlos Bezerra: Ceder espaços de acordo com as demandas específicas da Prefeitura, especialmente aquelas ligadas às Secretarias de Saúde e de Assistência e Desenvolvimento Social. As áreas do templo podem ser usadas para recebimento de doações, armazenamento de insumos como, por exemplo, testes para o coronavírus, medicamentos, espaços para vacinação, bem como para o acolhimento da população em situação de rua, que são os mais vulneráveis.

Bereia: Como o senhor analisa a responsabilidade social da igreja em um momento crítico como este?

Carlos Bezerra: A Igreja e os discípulos de Jesus têm um papel crucial nessa crise humanitária, de acolhimento e parcerias com o poder público, que são fundamentais. A Igreja também deve promover a paz na cidade e semear esperança. A Igreja é, sem dúvida nenhuma, hoje, um lugar de abrigo, mais do que nunca, para os cansados, aflitos, doentes…  Um instrumento que Deus vai usar sinalizando a paz e a esperança em tempos de tanto desassossego. 

Confira a relação de igrejas que assinaram o termo de compromisso com a Prefeitura de São Paulo:

PASTORES/AS IGREJAS
Carlos Alberto de Quadros Bezerra Comunidade da Graça
Ademario Inacio da Silva Júnior Templo Batista em Vila São José – Zona Sul
Ademir Pereira Nunes Igreja Batista Filadélfia – Lausane Paulista
Adilson de Souza Brandão Primeira Igreja Batista em Vila Formosa
Aldo Gallo Igreja Vida
Alexandre Passos Batista Renovada Deus e Fiel
André Peri Alto Ministério Curando as Nações
Antonio Pires Igreja Primitiva Atos dos Apóstolos – IPAP
Arthur Cavalcante Paróquia Anglicana da Santíssima Trindade-Campos Elíseos
Atilio Cruz Neto Primeira Igreja Evangélica Batista em Guaianases
Bruno Cesar Lopes Ramos PIB Mogi das Cruzes
Clayton Rodrigues Da silva Comunidade da Graça em José Bonifácio
Cyaton Nandes Igreja Ap. Torre Forte
Daniel Antonio dos Santos Comunidade Cristã na Zona Leste (Vila Formosa) 
Daniel Checchio Comunidade Evangélica do Bixiga
Diego Menin Igreja Lírio dos Vales em AE Carvalho.
Ed René Kivitz Igreja Batista de Água Branca
Edson Rebustini Igreja Bíblica da Paz 
Elaine Nicolau Vargas Igreja Unida – Vila Carrão
Eliane Maria da Silva Ribeiro Igreja Ev. Pent. Cristo Está Voltando
Elias Rodrigues de Moura Igreja Somos um
Eliezer Victor Pereira Ramos Primeira Igreja Batista da Penha 
Evandro Braga da Costa Igreja Unida – Vila Carrão
Franckie Duarte Comunidade Cristã Figueira 
Gabriel Cesario Comunidade Bíblica para as Nações – Capão Redondo
Gilberto Maito Dias Comunidade Evangélica Maanaim
Guilherme de Amorim Ávilla Gimenez Igreja Batista Betel
Igor Vilcinskas Dalpino Jr Igreja Cristã Época da Graça – Vila Prudente
Igor Vilcinskas Junior Igreja Cristã Época da Graça
Ivener Soler Igreja Batista do Povo de Vila São José
Jefferson Mendes Chiovetto Igreja Evangélica Cristã Pentecostal – São Mateus
Jefferson Modesto de Souza Igreja Metodista em Vila Mazzei (Zona Norte)
Joel Cardoso Junior Igreja Metodista Renovada
José Carlos dos Santos Comunidade da Graça Jardim Iguatemi
Klaus Piragine Igreja Kyrios
Leandro Menezes Comunidade da Graça em Itaquera
Leonardo Meyer Igreja Unida – Água Rasa
Lucia Bezerra Assembleia de Deus Ministério da Restauração
Luciano Gonçalves Rosa INSJC – Vila Formosa
Lucinéia Ap C. Souza Igreja Evangélica Palavra Viva
Luiz Carlos Libertação em Cristo
Marcelo dos Santos Oliveira Igreja Batista da Graça 
Marcos Paulo Igreja Cristã Rocha Eterna – Sede
Maria Granado Comunidade Caminho da Paz
Mario Jorge Castelani Associação Batista da Penha – ABAPE
Moises Lopes da Silva IBF – Mauá
Moisés Quirino da Silva Igreja de Itaquera 
Pereira Barreto Igreja Metodista Renovada – S.Vicente 
Odair B. Do Nascimento Igreja Batista Philadelphia – Cidade Tiradentes
Paulo Jorge de Souza Comunidade Apostólica da Cruz – CAC Jd. Noronha
Paulo Lutero de Mello Grande Templo “O Brasil para Cristo” – Pompéia
Paulo Tércio Lopes da Silva Igreja Apostólica Novidade de Vida
Pérsio Luiz de Moraes Santos Igreja Batista da Lapa
Ricardo Gondim Igreja Betesda
Rivanildo Segundo Guedes Igreja Batista Unida do Brás
Robson Rojas Romero Igreja Batista Central em Caieiras
Ronaldo Brandoles de Quadros Bezerra Comunidade da Graça
Silas Domingues Comunidade Batista Boa Vista
Wilson Oliveira da Silva Igreja Videira São Paulo
Zé Bruno A Casa da Rocha
Zé Liberio Toca Comunidade Cristã- TCC – Butantã 
  • Missão Belém, da Arquidiocese de São Paulo

A Missão Belém, sob a liderança do Padre Júlio Lancelotti, tem oferecido os espaços da sede da Pastoral do Povo da Rua de São Paulo, chamada Casa de Oração, para acolher pessoas em situação de rua que estiverem com coronavírus. O espaço, fundado há cerca de 30 anos, fica no centro da capital paulista e tem capacidade para isolar até 50 pessoas, mas a prefeitura não considerou o local adequado, foi o que afirmou Lancellotti para o Bereia. A decisão de oferecer o local teve o aval do Arcebispo Metropolitano, Dom Odilo Scherer, que também está preocupado com a situação.

O padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo da Rua, afirmou em entrevista à Rede Brasil Atual, que avalia as medidas anunciadas até agora pelos governos municipal e estadual inacessíveis para a população mais vulnerável. “A doença é para todos, mas a prevenção é para alguns. Como vão higienizar as mãos constantemente, se nem nos centros de acolhida (os CTAs) tem sabão ou álcool gel disponível? Nesses locais você chega a ter 400 pessoas no mesmo espaço, sem ventilação, com condições de higiene precárias”, destacou.

São Paulo possui, em média, 24 mil pessoas em situação de rua segundo o censo municipal, sendo que 3.164 moradores tem mais de 60 anos. Tuberculose, má alimentação, más condições de higiene são alguns dos principais problemas. “A população também pode ajudar, abrindo espaço para que essas pessoas possam lavar as mãos, doando álcool gel. Vivemos um tempo de egoísmo, mas é preciso solidariedade”, afirmou Lancellotti.

  • Igreja Betesda, na Zona Sul de São Paulo

Essa igreja, localizada na Zona Sul, fechou as portas para cultos e ofereceu suas instalações para servir à comunidade, e também como apoio às demandas do governo.

Bereia conversou com o presidente da igreja, Ricardo Gondim, sobre a importância social da igreja diante do cenário de pandemia. “A Igreja Betesda está se organizando para coletar alimentos não perecíveis para atender não apenas as demandas de pessoas carentes da nossa comunidade, como também para fazermos parcerias com ONGs e instituições que, neste momento, atendem aos desvalidos, aos sem teto, às pessoas que estão desabrigadas e muito carentes. Também colocamos à disposição das autoridades governamentais as dependências da Igreja Betesda, tanto do templo como do nosso prédio de apoio para que possamos servir como apoio ou na logística que o governo precisar em todas as frentes, quaisquer que forem as mais prementes, nós estaremos à disposição”, afirmou Gondim.

RIO DE JANEIRO

  • Igreja Presbiteriana da Barra da Tijuca

O pastor Antonio Carlos Costa, que faz parte da equipe pastoral da Igreja Presbiteriana da Barra da Tijuca anunciou no seu twitter dia 19 de março que “o Conselho de IP Barra tomou a decisão de oferecer o templo da igreja à União, Estado e Município a fim de que sirva de hospital de campanha”.

Ele afirmou ao Coletivo Bereia que “a igreja está oferecendo todo seu espaço, inclusive o estacionamento e escritórios para receber pacientes, para armazenamento de cestas básicas ou para qualquer outra finalidade que o poder público quiser dar. Também estamos mobilizando pessoas para trabalho voluntário, especialmente quando a pandemia alcançar o seu pico no Brasil.”

O pastor Antonio Carlos também é líder da ONG RIO DE PAZ, que tem feito um trabalho de assistência às famílias em situação de vulnerabilidade das comunidades do Jacarezinho e Mandela, na zona norte do Rio. “O Rio de Paz está envolvido com a distribuição de cestas básicas nas favelas. Nossa meta é não permitir que nenhum morador de favela passe fome“, declarou.

O pastor ainda afirmou ao Coletivo Bereia que a Igreja não pode silenciar neste momento de crise. “Se ela se omite, perde sua autoridade profética. Quem vai levar a sério uma Igreja que, no momento da mais grave crise do século, não se faz presente como agente de transformação social? A Igreja está diante de uma grande oportunidade de manifestar o amor misericordioso de Cristo ao escolher tratar as pessoas com compaixão.”

  • Igreja Batista Betânia

Com o tema “AS REUNIÕES PARAM, A IGREJA, NÃO”, a comunidade, liderada pelo pastor Neil Barreto, continua atuante em suas atividades sociais durante a Quarentena. Evangelistas e missionários saíram pelas ruas do Rio de Janeiro atendendo a população em situação de rua, entregando refeições comunitárias, além de arrecadarem alimentos para pessoas em vulnerabilidade, por meio da Campanha “Amor em Forma de Alimento”.

A única coisa que mudou durante a ação foram os cuidados de proteção e higiene. A equipe reduzida de voluntários usou máscaras e se manteve dentro dos automóveis enquanto realizava os atos de solidariedade. O posicionamento da Igreja é contrário à abertura dos templos e acredita que “este afastamento hoje, é a melhor forma de amar”.

O líder da congregação tem realizado lives e cultos com enfoque na prevenção e cuidados contra o coronavírus, levando os fiéis a reflexão do cenário de pandemia à luz das Escrituras.

O Coletivo Bereia recebeu informações que a PIB de Campo Grande, Igreja Metodista de Cascadura e Renas/Rio também estão agindo em solidariedade ao cenário de pandemia.

MINAS GERAIS

  • Arquidiocese de Belo Horizonte

Ainda em recuperação, o Estado de Minas Gerais, que acaba de vivenciar um período de “Calamidade Pública” decorrente das violentas enchentes que deixaram 56 pessoas mortas e 53 mil pessoas desabrigadas, agora enfrenta a pandemia do coronavírus.

A Arquidiocese de Belo Horizonte, em solidariedade e em combate ao crescente número de pessoas com o Covid19 disponibilizará 1.500 igrejas que devem se tornar hospitais de campanha. Os templos estão localizados na capital mineira e em 27 municípios da região metropolitana. A decisão foi tomada pelo arcebispo metropolitano da capital, Dom Walmor Oliveira de Azevedo. Os templos também poderão ser utilizados como pontos de apoio a idosos, doentes e pessoas de maior vulnerabilidade social.

Os municípios beneficiados são: Belo Vale, Betim, Bonfim, Brumadinho, Caeté, Confins, Contagem, Crucilândia, Esmeraldas, Ibirité, Mário Campos, Nova União, Lagoa Santa, Moeda, Nova Lima, Pedro Leopoldo, Piedade dos Gerais, Raposos, Ribeirão das Neves, Rio Acima, Rio Manso, Sabará, Santa Luzia, São José da Lapa, Sarzedo, Taquaraçu de Minas e Vespasiano.

Confira, abaixo, a íntegra da carta do arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, Dom Walmor Oliveira de Azevedo:

Amado Povo de Deus,
Saúde e paz

Paradoxalmente, a pandemia do COVID-19 coloca-nos em isolamento social, mas, ao mesmo tempo, florescem muitas iniciativas de generosidade. Mesmo distantes uns dos outros, não nos afastamos do compromisso cristão de ajudar. Exemplares são os empreendedores que dedicam parte de seus recursos para investir em equipamentos hospitalares, tão importantes para acolher quem mais sofre com o coronavírus. Também toca o coração a atitude dos que mesmo tendo pouco, procuram ajudar. São jovens que fazem compras para os idosos, profissionais que oferecem graciosamente serviços a partir das redes digitais. A força da solidariedade vai vencer a pandemia. Deus seja louvado pela vida dos que irradiam a generosidade. A Arquidiocese de Belo Horizonte fortalece a sua adesão a essa rede de solidariedade.

Nossos templos, cerca de 1500, na Capital Mineira e em outros 27 municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte, a Catedral Cristo Rei e o Centro Olímpico da PUC Minas estão sendo colocados à disposição do poder público para serem “hospitais de campanha”, espaços de acolhida, dedicados aos mais pobres. A Igreja está aberta para amparar os doentes, unindo esforços ao Sistema Único de Saúde (SUS).

Sejam, pois, as nossas igrejas, grandes e pequenas, no ambiente urbano ou rural, templos da acolhida aos enfermos, a serviço da saúde, na tradição bonita da Igreja Católica de sempre amparar especialmente os mais pobres.

Peço a ajuda de todos os fiéis, cidadãos, homens e mulheres de boa vontade, na missão de acolhermos os enfermos.
Com a intercessão de Nossa Senhora da Piedade, Padroeira de Minas Gerais, Cristo Rei nos guiará na tarefa de vencer a pandemia.

Igrejas e Entidades evangélicas levam auxílio a BH

Vários evangélicos e evangélicas, que fazem parte das mais diversas igrejas ao redor do Brasil, estão em campanha a favor de famílias mineiras que passam por necessidade devido ao cenário de pandemia que gerou desemprego e falta de renda para muitos brasileiros/as. 

Um dos coordenadores da campanha afirmou ao Bereia que estão pedindo ajuda em dinheiro, uma vez que recolher donativos seria expor muita gente ao contágio.

A campanha é realizada pela Frente De Evangélicos pelo Estado de Direito, Rede Fale, O Reino em Pessoa e Evangélicxs pela Diversidade.

O Coletivo Bereia elaborou essa checagem de boas ações, das igrejas e entidades, para motivar pessoas de fé de todo o Brasil a caminhar na direção da solidariedade em tempos de luto e dor.


“Aprendemos que a Fé não precisa do templo, do domingo ou do clero. Ela precisa de algo que nos impulsione para aquilo que está além de nós mesmos. As estruturas religiosas jamais deveriam estar engessadas em fórmulas, hierarquias, calendários ou mesmo espaços sagrados. É preciso descobrir que não há nada mais sagrado que a vida, que santidade é cuidar da vida de tal modo que toda ela seja importante, que a grande sabedoria de viver é permitir que o outro desfrute das mesmas chances que eu tenho. A Fé se realiza no encontro com o outro e com o transcendente, com esse sentimento de pertença ao outro e ao transcendente, ao mesmo tempo.”

Irenio Chaves

Referências de Checagem:

HOON, P. W. The Integrithy of Worship. Abington Press, 1971.

Rede Brasil Atual. Disponível em: https://www.redebrasilatual.com.br/saude-e-ciencia/2020/03/coronavirus-populacao-de-rua/

G1. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/03/17/sp-adota-protocolo-para-casos-suspeitos-de-coronavirus-em-moradores-de-rua-mais-de-3-mil-tem-mais-de-60-anos.ghtml

Twitter Antonio Carlos Costa. Disponível em: https://twitter.com/antonioccosta_/status/1240765949374062592?s=19=

Twitter ONG Rio de Paz. Disponível em: https://twitter.com/riodepaz

G1. Disponível em: https://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:UD6wdM9sbnoJ:https://oglobo.globo.com/brasil/sobe-para-56-numero-de-mortos-por-causa-das-chuvas-em-minas-gerais-24222234+&cd=1&hl=pt-PT&ct=clnk&gl=uk&client=opera

São enganosos e perigosos os posts e vídeos de Silas Malafaia sobre o coronavírus

No dia 23 de março de 2020, no Twitter, o Pastor Silas Malafaia publicou uma imagem (reproduzida abaixo) com texto, que dizia:“Leia isso!”. A mensagem tinha o objetivo de comparar e minimizar a cobertura da imprensa, profissionais de saúde e cientistas sobre a COVID-19 (nome oficial da doença provocada pelo coronavírus sars-cov2).

Malafaia tem defendido a postura do presidente da república frente à pandemia. A mesma tabela compartilhada por ele foi replicada em outros perfis:

CAMPANHA CONTRA A CHINA?

No mesmo dia, Silas Malafaia, também publicou em seu canal no Youtube um vídeo intitulado “BOLSONARO, CORONAVÍRUS E AS CRÍTICAS À CHINA”, que até o momento do fechamento dessa checagem contava com mais de 890 mil visualizações.  No mesmo período, um dos filhos do presidente gerou um incidente diplomático com o maior parceiro comercial do Brasil.

TEXTO E CONTEXTO

Bereia checou as informações publicadas pelo presidente da Assembleia de Deus Vitória em Cristo (ADVEC) e verificou que as informações publicadas são enganosas por sua descontextualização. O post de Malafaia no Twitter recebeu “atualizações” como essa abaixo, divulgada em uma rede social, que endossam números descontextualizados:

ENGANOSO, POR QUÊ?

A checagem da primeira postagem de Malafaia foi realizada pela agência Aos Fatos e pelo portal de notíciais G1, amparados pelas informações oficiais.

Segundo o Informe Técnico de Influenza, do Ministério da Saúde, publicado em janeiro de 2012, a quantidade de casos registrados na pandemia de H1N1 no ano de 2009 foi de 50.482, em 2010 de 9.385 e em 2011 de 181, totalizando, nos três anos da série 60.048 casos. E foram registrados 2.060 mortes em 2009, 113 em 2010 e 21 em 2011, totalizando 2.194 casos no período.

Post de Silas Malafaia Números oficiais
394 casos de COVID-19 no Brasil em 18/03/2020 428 casos de COVID-19 no Brasil em 18/03/2020
2 mortes por COVID-19 no Brasil em 18/03/2020 4 mortes por COVID-19 no Brasil em 18/03/2020
58.178 casos de H1N1 no Brasil (considerando período de 2009 a 2011) 60.048 casos de H1N1 no Brasil (considerando período de 2009 a 2011)
2.101 mortes por H1N1 no Brasil (considerando período de 2009 a 2011) 2.194 mortes por H1N1 no Brasil (considerando período de 2009 a 2011)
Fonte dos Dados: desconhecida Fonte dos Dados: Ministério da Saúde

FONTE E DATA ERRADAS

Os dados apresentados no post de Malafaia, além de descontextualizados, apresentam comparação irregular, pois não observam períodos iguais. No primeiro mês de H1N1 no Brasil (isto é, desde a primeira confirmação de caso em maio), foram registrados 627 casos e a primeira morte aconteceu em junho, no Rio Grande do Sul. Se comparado ao coronavírus, no primeiro mês, de 26 de fevereiro até 26 de março, foram 2985 contaminados e 77 mortos. A primeira morte ocorreu dia 17 de março. O número de casos de coronavírus para o mesmo período é 152,5% maior que o da pandemia de H1N1.

REMÉDIO E VACINA

A epidemia de H1N1 alterou a política e a prática de vacinação no Brasil. Na época, a faixa etária era a partir de 60 anos de idade e, por causa da pandemia de H1N1, a vacinação passou a ser indicada para grupos prioritários com maior risco de complicações, visando contribuir para a redução da morbimortalidade associada à influenza. O Ministério da Saúde também recomendava o uso de antiviral (fosfato de oseltamivir) em todos os pacientes com Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) e na infecção por influenza (SG), independentemente da situação vacinal. A indicação impactou na redução das mortes pela doença, já que o medicamento reduz a duração dos sintomas e ocorrência de complicações da infecção pelos vírus da influenza. A COVID-19 não tem vacina e nem remédio com eficácia comprovada, até o momento desta edição.

Vídeo

Bereia também checou as informações que Silas Malafaia publicou no vídeo. O pastor endossa os dados do post já analisado e afirma, a partir da descrição do vídeo no Youtube, que havia informações ocultadas pela imprensa, como se segue reproduzido abaixo:

Imperdível! Eu falo sobre #coronavírus, #Bolsonaro e as críticas à #China. E mostro também dados que a imprensa não deu.

De acordo com Malafaia, o percentual de infecção por H1N1 é de uma média de 8% enquanto a infecção por Covid-19, o novo coronavírus, seria de 4% da população exposta. O pastor não menciona, porém, que a taxa de mortalidade mundial por H1N1, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, é de 0,01% enquanto a taxa de mortalidade por coronavírus é de 2,3%, segundo estudo feito pelo Centro Chinês de Controle e Prevenção de Doenças (CCDC). A infecção média de 8% da população, mencionada por Malafaia, é resultado de um estudo do Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) que leva em consideração apenas a população dos Estados Unidos.

Malafaia também menciona que a tuberculose mata cerca de 125 mil pessoas por mês no mundo e reclama que não há uma preocupação da mídia similar à pandemia do coronavírus. O líder religioso não menciona, porém, que a tuberculose é uma doença com cura e que há tratamento disponível em todo o mundo. Também, não foi mencionado que houve, entre 2008 e 2018, uma redução de 8% dos casos de óbitos por tuberculose no Brasil, comprovando a eficácia do tratamento existente. Ainda no vídeo, Silas Malafaia menciona uma frase postada pelo presidente americano, Donald Trump, no Twitter:

Ao mencionar a frase, Malafaia indaga ao seus espectadores: “Vocês não acham que o caos social pode ser pior do que a consequência do coronavírus?”

Ele também criticou a realização de pesquisas de opinião para medir a popularidade do presidente brasileiro bem como o apoio da população às medidas restritivas em face do surto de coronavírus. Por fim, Malafaia parabeniza o deputado Eduardo Bolsonaro por ter dito que o coronavírus era uma conspiração chinesa, sem mencionar em nenhum momento provas a respeito. Também endossou apoio ao presidente Jair Messias Bolsonaro às medidas de flexibilização das restrições durante a quarentena.

CONCLUSÃO: ENGANOSO E PERIGOSO

Bereia conclui que citar dados fora de seu contexto, utilizar uma estratégia persuasiva e atacar os especialistas são práticas enganosas na apresentação de dados. O tratamento da Pandemia de COVID-19 é um tratamento científico. Somente vacinas e remédios poderão deter o coronavírus e reduzir a mortalidade dos pacientes. Essa tem sido uma das metas de todo o mundo, por isso, a estratégia de quarentena, isolamento e “achatamento da curva” são necessárias, além da ampliação do número de leitos em hospitais, leitos de UTI e respiradores.

#FiqueEmCasa  – Cuide-se e cuide dos seus parentes.

Referências de Checagem:

Aos fatos. É falso que início do surto de H1N1 foi mais mortal que o de Covid-19. Disponível em: https://aosfatos.org/noticias/e-falso-que-inicio-do-surto-de-h1n1-foi-mais-mortal-que-o-de-covid-19/

BBC Brasil. Coronavírus: como a taxa de mortalidade do covid-19 se compara com outras doenças infecciosas. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-51627407

G1. Fato ou Fake. Disponível em: https://g1.globo.com/fato-ou-fake/noticia/2020/03/25/e-fake-que-inicio-do-surto-de-h1n1-no-brasil-em-2009-matou-mais-que-o-do-novo-coronavirus.ghtml

Ministério da Saúde. Informe Técnico de Influenza. Disponível em: https://www.saude.gov.br/images/pdf/2014/maio/22/informe-influenza-2009-2010-2011-220514.pdf

Ministério da Saúde. Coronavírus: 4 mortes e 428 casos confirmados. Disponível em: https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46556-coronavirus-4-mortes-e-428-casos-confirmados

Ministério da Saúde. Brasil confirma primeiro caso da doença. Disponível em: https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46435-brasil-confirma-primeiro-caso-de-novo-coronavirus

Ministério da Saúde. Brasil reduz em 8% o número de mortes por tuberculose na última década. Disponível em: https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46592-brasil-reduz-em-8-o-numero-de-mortes-por-tuberculose-na-ultima-decada

Sobre a alteração na campanha de vacinação e uso de medicamentos. Disponível em: http://www.blog.saude.gov.br/index.php/53845-10-anos-do-surto-global-de-h1n1

O Globo. Gripe suína: Brasil já tem 627 casos confirmados. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/gripe-suina-brasil-ja-tem-627-casos-confirmados-3135394

O Globo. Ministério da Saúde confirma primeira morte por gripe suína no país no Rio Grande do Sul. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/ministerio-da-saude-confirma-primeira-morte-por-gripe-suina-no-pais-no-rio-grande-do-sul-3137316

PebMed. Ministério da Saúde confirma primeira morte por coronavírus no Brasil. Disponível em:

Twitter. Post de Silas Malafaia. Disponível em:https://twitter.com/PastorMalafaia/status/1242239795406962689?s=20

Youtube. BOLSONARO, CORONAVÍRUS E AS CRÍTICAS À CHINA. Disponível em: https://youtu.be/73Txn2bzxYM

É imprecisa matéria sobre vandalismo em protestos no Chile

No dia 16 de março de 2020, o site Gospel Prime publicou matéria com o seguinte título: “Feministas vandalizam templos católicos durante protestos: fábrica de estupradores.

A matéria do Gospel Prime, que usa partes de reportagem publicada pela Agência Católica de Informações (ACI Prensa), relata:

Templos católicos históricos em Santiago, no Chile, foram vandalizados durante uma marcha feminista no Dia da Mulher. A mobilização pichou as paredes dos templos com frases contra a igreja e a favor do aborto.

Mulheres policiais que faziam a segurança da marcha foram constantemente insultadas pelas feministas. As igrejas de São Francisco da Alameda e da Gratidão Nacional foram pichadas com frases como “fábrica de estupradores”, “aborto legal”, “igreja cúmplice”, entre outras.

De acordo com a agência ACI Prensa, as marchas no Chile começam pacificamente, mas acabam terminando em confrontos desde que a crise social foi desencadeada no país, como resultado do aumento do preço do metrô.

Medidas de segurança foram tomadas pelos templos cristãos para evitar entradas violentas, roubos ou outros ataques durante as manifestações.“Lamentamos que o templo seja alvo de ataques, é como um quadro-negro onde todos escrevem e expressam sua raiva e descontentamento com mensagens para o governo, os políticos e a Igreja”, afirmou padre

Bereia checou as informações publicadas por Gospel Prime e verificou que o protesto, que aconteceu em 08 de março de 2020 na cidade de Santiago, no Chile, reuniu cerca de dois milhões de mulheres segundo a Coordenação 8 de Março, organização de coletivos feministas. Segundo a polícia nacional chilena, o número de participantes da marcha foi de 125 mil pessoas, o que foi contestado por especialistas através de imagens aéreas. Além dos protestos na capital, houve outros protestos em outras cidades. Os protestos ano a ano são comuns, no entanto, de 2019 para 2020 o número de participantes saiu de 500 mil para dois milhões de mulheres.

Bereia buscou informações acerca do que motivou essa escalada da participação feminina em protestos pelo país. De acordo com reportagem do jornal O Globo, publicada em 03 de março de 2020, o presidente do Chile, Sebastián Piñera, sancionou uma lei que amplia a punição aos crimes de feminicídio, porém durante seu discurso culpou as mulheres pela responsabilidade sobre a violência sofrida.

A reportagem de O Globo traz o seguinte trecho com a fala do presidente:

Às vezes não é apenas a vontade dos homens abusar, mas também a posição das mulheres a serem abusadas — disse o presidente em um discurso no qual ele apareceu acompanhado por sua esposa, Cecilia Morel, e a ministra das Mulheres, Isabel Plá.

De acordo com reportagem do jornal El País, publicada em 03/03/2020, também sobre o discurso de Piñera, não é a primeira vez que ele se envolve em polêmicas com o tema do machismo. Além disso, ocorre no Chile também uma discussão para a promulgação de nova Constituição que amplie os direitos sociais, resultado dos protestos que marcaram o país em 2019. O plebiscito, que ocorrerá em 26 de abril de 2020, definirá se a atual constituição, construída ainda à época do ditador Augusto Pinochet em 1980, será mantida ou renovada.

Bereia também checou que nenhum outro veículo de comunicação mencionou ataques na forma de pichação aos templos católicos, como replicado pelo Gospel Prime. Porém, além da imagem que ilustrou a matéria deste portal, foram encontradas outras imagens, publicadas no dia 09 de março de 2020, por uma usuária do Twitter identificada como Giselle Vargas, cuja descrição de perfil a identifica como correspondente da ACI Prensa, veículo católico que publicou a informação. Nas imagens, é possível ver que foram pichadas a porta central e a lateral esquerda da Igreja de Gratidão Nacional e o Museu Colonial, parte anexa da Igreja São Francisco de Alameda.

Bereia também checou que essa não é a primeira vez que as igrejas são atacadas com pichações e o ato parece ser mais político do que anti-religioso, devido ao próprio padre da Ordem Franciscana lamentar o ocorrido, mas entender que a pichação é uma mensagem, conforme traz o site Gospel Prime:

“Lamentamos que o templo seja alvo de ataques, é como um quadro-negro onde todos escrevem e expressam sua raiva e descontentamento com mensagens para o governo, os políticos e a Igreja”, afirmou padre.

Este assunto já havia sido objeto de checagem do Coletivo Bereia, durante os protestos de novembro de 2019, e a abordagem classificada como enganosa.

CONCLUSÃO: IMPRECISA

Portanto, é imprecisa a matéria do portal Gospel Prime, uma vez que mantém elementos verídicos sobre as manifestações e sobre as pichações praticadas na Igreja São Francisco de Alameda, mas não contextualiza os fatos histórico-políticos que levam, há muito tempo, este tipo de manifestação a acontecer. Também não leva em consideração que o país passa por um processo de tensão social devido ao plebiscito constituinte que se aproxima e trata a questão, equivocadamente, como um fato isolado.

A matéria de Gospel Prime, por conter partes de uma matéria de agência de notícias católica, identifica pontos verdadeiros, mas omite informações acerca do posicionamento político da Igreja Católica ao longo da História e da legislação chilena, que apenas permite o aborto em situações de risco de vida da mulher, inviabilidade fetal e estupro, após decisão do Congresso em 2017.

É importante lembrar que manifestações sociais, em especial de representatividade de pautas, sempre terão pessoas e instituições a favor e contra. Essa pluralidade de ideias é bem-vinda numa democracia. No entanto, o uso de desinformação para beneficiar aos interesses específicos de um grupo é danoso para a sociedade no geral, que recebe conteúdos das mídias, em especial àqueles que estão longe do epicentro dos protestos, como é o caso dos brasileiros.

Referências de checagem:

ACI Digital. Igrejas emblemáticas são pichadas com frases abortistas em marcha do 8M. Disponível em: https://www.acidigital.com/noticias/igrejas-emblematicas-sao-pichadas-com-frases-abortistas-em-marcha-do-8m-74273

El País. Piñera: “Não é só a vontade dos homens de abusar, mas também a posição das mulheres de ser abusadas”. Disponível em: https://brasil.elpais.com/internacional/2020-03-03/pinera-nao-e-so-a-vontade-dos-homens-de-abusar-mas-tambem-a-posicao-das-mulheres-de-ser-abusadas.html

El País. Congresso do Chile aprova lei que permite aborto ao menos em caso de estupro. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/08/03/internacional/1501732590_533051.html

Gospel Prime. Feministas vandalizam templos católicos durante protestos: “fábrica de estupradores”. Disponível em: https://www.gospelprime.com.br/feministas-vandalizam-templos-catolicos-durante-protestos-fabrica-de-estupradores/

Polícia nacional chilena – Cabineros de Chile. Disponível em:https://twitter.com/Carabdechile/status/1236699953923330048?s=20

O Globo. Presidente do Chile amplia lei do feminicídio no país, mas culpa mulheres por violência em discurso. Disponível em: https://oglobo.globo.com/celina/presidente-do-chile-amplia-lei-do-feminicidio-no-pais-mas-culpa-mulheres-por-violencia-em-discurso-24283035

Twitter. Fotos de pichações a templos religiosos e espaços públicos em Santiago no Chile. Disponível em: https://twitter.com/Giselle_VN/status/1237078467113619458?s=20

Fonte/imagen: Gospel Prime. Disponível em: https://www.gospelprime.com.br/feministas-vandalizam-templos-catolicos-durante-protestos-fabrica-de-estupradores/

O dever de teólogas e teólogos frente às notícias falsas

“O homem moderno pode facilmente reconhecer que muitas de suas atitudes, juízos, tomadas de posição, adesões e oposições são devidos a sempre mais vastos e rápidos conhecimentos de opiniões e de comportamentos, que lhe chegam através dos meios de comunicação social.
A nossa vida coloca jovens e adultos diante de um fluxo quase ininterrupto de notícias e interpretações, de imagens e sons, de propostas e solicitações. Nesta situação o ser razoável se sente estimulado por uma interrogação inquietante: onde está a verdade? Como chegar até ela ou descobri-la na enxurrada de comunicações que o perseguem a cada momento?”

Assim começa a mensagem para o VI Dia Mundial das Comunicações Sociais, proferido pelo Papa Paulo VI, em 1972. Por que cinco décadas depois essa mensagem é ainda tão atual? A busca pela verdade se encontra cada vez mais comprometida à medida que a era digital evolui e expande seus horizontes. Porém, não é apenas a busca pela verdade num sentido metafísico – para isto teríamos que entrar numa discussão da era da pós-verdade, algo que não cabe aqui – mas a veracidade por detrás de tudo que vemos, ouvimos e vivemos. De modo especial, para nós, teólogos/as cristãos/ãs, fica o desafio: como iremos anunciar com autenticidade aquilo que vimos e ouvimos e que nos foi testemunhado por aqueles que também viram e ouviram?

Atualmente, seja no âmbito acadêmico, seja nas redes sociais, busca-se discutir a questão das notícias falsas (fake news). Em ambos os casos, as discussões variam dramaticamente, existem aqueles que negam a manipulação midiática, aqueles que desacreditam mas permanecem indiferentes, aqueles que denunciam categoricamente, aqueles que reconhecem a existência de notícias falsas e buscam se informar melhor… No contexto político brasileiro de hoje, a discussão sobre esta temática torna-se, todavia, mais complicada devido à tendência generalizada de rotular os lados e desconfiar das pessoas que buscam difundir o pensamento crítico. Nossa tarefa teológica acaba sendo questionada e os obstáculos para uma maior inserção da Teologia na pastoral e na vida pública crescem exponencialmente.

O contexto cristão-religioso no Brasil, desde a chegada dos portugueses, conseguiu crescer e manter seu poder de influência por meio de uma certa infantilização do povo. De modo especial, na Igreja Católica, a realidade pastoral se sustentou pela inferiorização dos leigos e supervalorização do clero. Dúvidas em relação às verdades da fé e à maneira de interpretar a realidade eram pautadas e legitimadas pelos padres e bispos, nunca pelos próprios indivíduos em sua relação de intimidade com Deus através da comunidade em que professavam sua fé.

Questionar estava fora de cogitação, pois seria sinal de desobediência à Igreja. Infelizmente, ainda hoje vemos essa dinâmica, inclusive nas igrejas protestantes e evangélicas, pois de modo geral há uma sacralização do ministério ordenado a ponto de não se reconhecer a sacralidade do laicato. São os homens santos que sabem pensar a fé, e não povo. É neste contexto que a tarefa teológica dos leigos se encontra, já pautada por um caminho difícil, e ainda mais com a potência das notícias falsas.

Há uma crescente suspeita dos leigos teólogos por parecerem contrapor os sacerdotes e pastores. Contudo, é imprescindível pensar em refutar a distorção dos fatos e manipulação das pessoas independente de como os demais fiéis possam nos enxergar. Surge assim a questão, como devemos nos empenhar na Teologia se nosso discurso não alcança aqueles que se encontram fora da Academia?

Notícias falsas se propagam e ganham força entre os cristãos pela manipulação perigosíssima da noção de defesa da verdade. No fundo, questionar as informações que nos são dadas pelas mídias e redes sociais toca na ferida das vulnerabilidades da fé de cada indivíduo e tira do comodismo aquelas pessoas que seguem um cristianismo encaixotado, criado para se autoafirmar, deixando de seguir radicalmente a Cristo. Neste modelo, basta simplesmente cumprir com as regras da instituição ou orientações do sacerdote ou pastor. É fácil reconhecer essa contradição de certos fiéis, e cair na tentação de nos acharmos mais maduros pela capacidade da nossa razão em diálogo com a fé. No entanto, o perigo da presunção de pensar estar certo está presente em todos, teólogos ou não, cristãos ou não-cristãos.

A própria Academia se encontra viciada na experiência fragmentada de uma multiplicidade de fontes, com pouca disponibilidade de acesso, e com divulgação mesquinha ou quase nenhuma. Se nós, como teólogas e teólogos latino-americanos nos distinguimos pelo modelo ver-avaliar-agir, parece que estamos nos esquecendo de enxergar nosso próprio campo teológico, preocupados somente em julgar e propor ações a partir do contexto que cremos, enxergamos e vivemos.

“Poucas são as pessoas que se dispõem a ouvir do outro a sua história, até porque na sociedade contemporânea a experiência está tão fragmentada que, se poucos têm tempo (dizem que é a perder, quando seria a ganhar) de contar para o outro o que viram, viveram, sofreram ou passaram, menos tempo ainda terão para escutar. A narrativa empobrece porque a experiência coletiva definha, diminui, parece estar em extinção”

Sonia Kramer, no livro Os Dez Mandamentos da Editora Loyola

Corremos para dar conta de entregar nossos próprios textos e comunicações, mas pouco nos dedicamos a buscar com atenção tudo que tem sido dito em outros âmbitos teológicos dentre as milhares de fontes disponíveis.

Infelizmente, as notícias falsas ganham campo fértil na Teologia, por nossa pouca disposição à escuta paciente e atenciosa. O ritmo frenético de cumprimento com as exigências da produção acadêmica, da participação em eventos e organização de projetos nos cega para a missão teológica de comunicar os valores do Reino.

Quantas vezes já vi notícias falsas sendo repassadas no Facebook e WhatsApp por teólogas e teólogos que não se atentaram a ler com calma o que compartilhavam. Em seu artigo Afirmar a comunicação humanizadora na perspectiva da Teologia Pública, Magali do Nascimento Cunha afirma:

“Comunicar nesse sentido pleno é trabalhar pelo projeto de Deus para a sua criação, na qual Adam não deve viver só, mas em encontro, comunhão, harmonia, solidariedade”.

 Fazer Teologia deve também ser comunicar comunhão. Retomando o questionamento do Papa Paulo VI no início, pergunto: onde está a verdade na Teologia? Se aquilo que comunicamos em nossas formulações teológicas não contribui para a humanização da Igreja e da sociedade, falhamos na construção do Reino e, portanto, falhamos como cristãos. As notícias falsas vencem conforme desumanizam nossas relações humanas, causando mais divergência e menos comunhão. A verdade na Teologia se encontra na comunicação humanizadora que sinaliza o Reino do amor e da justiça, aqui e agora. É nosso dever, como teólogos e teólogas, não apenas desconstruir as notícias falsas e lutar contra a presunção de uma defesa da verdade, mas também acalmar a ansiedade de preencher o currículo Lattes e parar para escutar uns aos outros, sentar à mesa da partilha teológica e abraçar a missão de testemunhar as notícias verdadeiras. Combater as fake news não é apenas denunciá-las, mas também anunciar verdades.

Nossa fé está fundamentada no testemunho dos primeiros cristãos, e sua continuidade somente é possível pela continuação do testemunho, vivo e autêntico, rememorando o testemunho original e testemunhando a presença atual e eficaz da Graça em cada contexto social e histórico. Deste modo, o nosso testemunho teológico será capaz de suscitar o interesse das pessoas por buscarem a verdade também, assim como o testemunho dos primeiros cristãos suscitou a busca por Cristo.

É enganoso que Belo Horizonte receberá Marcha para criticar o Cristianismo e promover crença em Satanás

O site de notícias Gospel Prime divulgou, em 12 de fevereiro, que Belo Horizonte receberá a “Marcha para Satanás” com o objetivo de defender o Estado laico por meio de uma crença que gera medo nas pessoas (satanismo). O site também declarou que “um dos organizadores do evento, que não foi identificado, criticou o cristianismo e sua influência na sociedade brasileira falando de “excessos cometidos em nome de algumas religiões” ao dizer que sua marcha não é adoração ao diabo, mas sim o enfrentamento da crença dominante no país. “

Ainda segundo Gospel Prime, a “Marcha para Satanás” imitaria o movimento Templo Satânico dos EUA, um grupo de pessoas que protestam contra o cristianismo abrindo processos contra monumentos com símbolos cristãos em áreas públicas, nomes de ruas ligados à religião, oração em escolas, entre outras manifestações cristãs.

Por fim, o site diz que, no Brasil, o evento pretende usar a blasfêmia em nome do combate à intolerância.

De acordo com informações publicadas no site BHAZ, citado na matéria de Gospel Prime como fonte, o cristianismo não é criticado. BHAZ ouviu um dos organizadores, que preferiu manter o anonimato, mas afirmou que a marcha é inspirada em formas de Satanismo Moderno, que são mais uma forma de protesto contra abusos cometidos em nome de algumas religiões do que a adoração ao Diabo em si. “Nosso protesto é principalmente a favor do Estado laico e das liberdades individuais”.

Bereia checou a informação e encontrou a página do evento no Facebook:

A página do evento afirma o seguinte:

O evento “Marcha para Satanás” é um protesto pacífico, satírico e bem humorado, organizado por pessoas que não querem o mal para ninguém e nem acreditam no diabo, muito menos adoram a ele ou qualquer entidade.

Um dos principais propósitos da Marcha é mostrar que existem outros pontos de vista, que as religiões bíblicas não são soberanas, e que o Estado é Laico, portanto, todos podem ter voz e nenhuma religião deve dominar as outras.

Em tempos em que o nome de Deus tem sido usado por pessoas mal intencionadas para enganar multidões, para desfazer conquistas sociais, intensificar as divisões e discriminações, não podemos simplesmente deixar a coisa rolar solta sem deixar o nosso protesto.

A nossa Marcha é uma paródia da “Marcha para Jesus”, um evento que tem sim muita gente legal, mas que infelizmente é marcada por figuras que dizem defender a Família enquanto na verdade disseminam valores opostos ao amor e aceitação (que deveriam ser a base da Família), com atitudes de homofobia, ódio, exclusão, propagando mentiras e criando inimigos imaginários e teorias malucas da conspiração para perpetuar os seus projetos de poder.

Deus não está acima de todos, só de quem quiser.

E a sua religião com suas regras sangrentas pode parecer normal para você, mas pode ser assustadora para muita gente, que sofre ameaças explícitas ou implícitas a cada dia por simplesmente serem o que são.

E se você acha que a sua religião não pode ser assustadora, mas se a Marcha para Satanás te incomoda, talvez seja hora de refletir um pouco sobre empatia e aquela história de “Faça aos outros o que você gostaria que fizessem com você”.

“Nós todos precisamos de espelhos para lembrar quem somos” – (Amnésia, 2000)

Hail Satan!

Ave Satanás!

Um dos administradores da página do evento no Facebook também fez um post com a declaração completa que deu ao portal BHAZ:

“A Marcha para Satanás é inspirada em movimentos como o Templo Satânico (TST) e conta com o apoio também do pessoal da Global Order of Satan (GO Satan). São formas de Satanismo Moderno, que tem mais a ver com uma forma de protesto aos abusos cometidos em nome de algumas religiões, do que com adoração ao diabo mesmo. Aliás, nem acreditamos no diabo, e eu particularmente não estaria do lado dele se acreditasse. Mas quem acredita também é bem vindo à Marcha, ela está aberta para todos. Nosso protesto é principalmente a favor do Estado Laico e das liberdades individuais. Vivemos tempos em que o Governo tentou colocar as pessoas para lerem o slogan “Deus Acima de Todos” em escolas públicas, onde projetos de leis absurdos são propostos, como, por exemplo, de usar dinheiro público pra pagar conta de luz das grandes igrejas, e onde pessoas têm suas artes censuradas, são espancadas por intolerância e mortas em nome de Deus. Sabemos que há muitas pessoas boas nas igrejas, mas como elas tendem a se silenciar em vez de confrontar os próprios irmãos corruptos, cabe a nós hereges levantarmos a nossa voz pra mostrar que esses abusos não devem continuar. Nossa proposta com a Marcha é provocar a reflexão de como seria ver uma outra religião, digamos, ‘assustadora’, tendo voz na sociedade. E com isso ajudar a controlar os limites do Estado Laico. Porque se as portas da política pública estão abertas pra uma religião, tem que estar abertas para todas. Se vai ter Jesus nas escolas públicas, vai ter Satanás nas escolas públicas. Se os imóveis de igrejas não pagam impostos, as casas daqueles que se declaram satanistas também tem que estar isentas. E sabe a sua religião pode parecer normal pra você, mas é de fato assustadora para muita gente. Muita gente é perseguida por não se adequarem aos padrões colocados pelas religiões. Homossexuais, travestis, pessoas de religiões de origem africana, são colocadas à margem da sociedade por causa desse conservadorismo medieval. Sabemos que naturalmente chocamos a sociedade com a Marcha para Satanás, e isso tem algumas vantagens, como a provocação desse exercício de empatia que eu falei. Mas o nosso foco nesse momento é menos de confrontar diretamente os cristãos, e mais de unir as pessoas que se identificam com a causa. Pessoas excluídas, que não precisam se intitular “satanistas” – a própria sociedade já coloca esse rótulo nelas só por não se adequarem aos padrões. Queremos unir essa galera e fazer um protesto divertido, satírico e “blasfêmico”, e convidar a sociedade a ter mais pensamento crítico, mais empatia e substituir a sua intolerância pelo amor, que é o que as religiões deveriam estar construindo.

Uma outra “Marcha para Satanás” já ocorreu na cidade de São Paulo, em janeiro de 2016. Segundo matéria da revista Veja SP, a marcha reuniu cerca de 150 pessoas na Avenida Paulista. Naquela ocasião, cinco mil pessoas confirmaram presença na divulgação pelo Facebook e outras 4,5 mil mostraram interesse em participar, no entanto, apenas 150 compareceram.

Algum tempo depois, durante o ano de 2018, surgiram boatos que ligavam partidos de esquerda a esta “manifestação”. Eles foram desmentidos pelo site de checagem Boatos.org.

Bereia classifica o conteúdo da notícia publicada pelo site Gospel Prime como ENGANOSO, pois a notícia oferece conteúdo de substância verdadeira, mas a apresentação deles é desenvolvida para confundir, ao afirmar que a marcha seria uma crítica ao cristianismo e usaria da blasfêmia para protestar.

Entretanto, ao buscar a página oficial do evento no Facebook, além da entrevista de um dos organizadores e matéria da marcha realizada na cidade de São Paulo em 2016, concluímos tratar-se de um evento/protesto baseado na sátira e com pautas bem definidas, como a defesa do Estado laico e respeito ás diversas religiões. O nome marcha para Satanás é utilizado como um meio de chamar a atenção do público e da mídia, sem promover adoração ao diabo, formas de satanismo ou ataques ao Cristianismo.

Referências de checagem:

Gospel Prime. Belo Horizonte receberá “Marcha para Satanás”. Disponível em: https://www.gospelprime.com.br/belo-horizonte-tera-marcha-para-satanas/

BHAZ. BH terá primeira Marcha para Satanás: “a favor do Estado laico”. Disponível em: https://bhaz.com.br/2020/02/11/marcha-para-satanas/?fbclid=IwAR3mV2phmL-F%20U3tyA_ivp5q1LYE-Z32eHJuZrPAmv7I1hw6Kktix_oyhqpA

Página do evento “Marcha para Satanás” no Facebook. Disponível em: https://www.facebook.com/events/449024669141716/

Página do evento no Facebook com declaração do administrador sobre a “Marcha para Satanás”. Disponível em: https://www.facebook.com/events/449024669141716/permalink/493246661386183/

VejaSP. Marcha para Satanás leva 150 manifestantes para a Avenida Paulista. Disponível em: https://vejasp.abril.com.br/cidades/marcha-satanas-protesto-grupo-catolico-catedral-se/

Boatos.org. PT, PC do B, PSOL e REDE fazem marcha para Satanás e gritam Satã é nosso rei. Disponível em: https://www.boatos.org/politica/partidos-esquerda-marcha-satanas.html

A desinformação influencia eleições ao redor do mundo

Segundo um levantamento feito pela organização International Center for Journalists no estudo “A Short Guide To History of Fake News” publicado em julho de 2018, o uso da desinformação como ferramenta para a manipulação da opinião pública tem seus primeiros registros datados do século IV a.C.

O uso de desinformação como ferramenta política ganhou força na última década e influenciou significativamente grandes acontecimentos e eleições ao redor do mundo. No entanto, engana-se quem pensa que essa estratégia é recente.

Ao longo da história, as conspirações e farsas circularam entre todas as classes sociais, sendo parte indissociável dos governos de reis, imperadores, democratas e ditadores, navegando pelo globo desde os papiros e pergaminhos até o surgimento das redes sociais.

Segundo um levantamento feito pela organização International Center for Journalists no estudo “A Short Guide To History of Fake News” publicado em julho de 2018, o uso da desinformação como ferramenta para a manipulação da opinião pública tem seus primeiros registros datados do século IV a.C.

Seu alcance foi ampliado pela criação da imprensa, inventada pelo grafista alemão Johannes Gernsfleisch Gutenberg, que, a partir de 1493, revolucionou a produção e o acesso a conteúdos escritos ou grafados.


Escolha um inimigo por vez

“Uma mentira repetida mil vezes torna-se realidade”. Esta frase é de Paul Joseph Goebbels, fundador e líder do Ministério do Esclarecimento e da Propaganda do nazismo, regime que durou de 1933 a 1945, na Alemanha.

Embora seja lembrado como um dos maiores propagandistas da história, aos 27 anos Goebbels se descrevia como um “destroço em um banco de areia”. Doutor em literatura, tentou a vida como escritor. No entanto, seu romance semi-autobiográfico, “Michael”, foi um fracasso. Para externalizar a depressão, exercitava a escrita em diários que o acompanharam até às últimas semanas de vida.

Naquela época, início da década de 1920, o cenário político alemão tinha tudo para agravar seus ânimos. A economia estava em frangalhos e a hiperinflação chegou a 1000%, fazendo com que a moeda alemã não valesse nada.

Cada bem e serviço custava trilhões de marcos (moeda alemã antes do euro). O dólar americano estava cotado a 4,2 trilhões de marcos e o penny (moeda de um cent) americano custava 42 bilhões.

Em 1924, Goebbels ingressou na política filiando-se ao partido nazista, iniciando assim uma ascensão meteórica que, de acordo com Peter Longerich, autor de umas das mais importantes biografias do propagandista, se deu pelo seu “excesso de autoconfiança, compulsão incansável pelo trabalho, submissão incondicional a um ídolo, desprezo pelas relações humanas e a disposição de passar por cima das normas morais geralmente aceitas.”

Sob o comando da máquina de propaganda nazista, Goebbels embasava a atuação do ministério em 11 princípios cunhados por ele mesmo, alguns promovendo o uso claro da desinformação.
Entre seus objetivos de governo, o aparelhamento da imprensa era um dos maiores. Além da censura, algumas das táticas adotadas passavam por exagerar boatos para que fossem noticiados, bombardear a população com novas notícias sobre um único inimigo e discutir informações com especialistas que compartilhassem o mesmo ponto de vista.

Para monopolizar a opinião pública, os nazistas se apropriaram de toda a produção cultural do país. A burocratização deste controle aconteceu pela criação da Câmara de Cultura do Império que, por sua vez, era dividida nas áreas de Letras, Imprensa, Rádio, Teatro, Cinema, Música e Artes Plásticas.

Encantado por Hitler e sedento por sua aprovação, o ministro criou o lema “um Füher, um povo”, utilizando o rádio e o cinema, principais mídias da época, como canais de disseminação da sua ideologia.

De acordo com o historiador Wolfgang Benz, autor de “História do Terceiro Reich”, apenas os filiados ao partido nazista é que podiam exercer os ofícios de jornalista, escritor e cineasta. A regra, instaurada em 1933, proibiu a presença de judeus ou de quaisquer outras pessoas que criticassem o regime.

Nós contra eles

O nazismo, assim como o fascismo e outras formas autoritárias de poder, governam alicerçados na ruptura da sociedade, dividindo a população entre “nós” e “eles”. A distinção pode ser feita com base em diferenças étnicas, censitárias, religiosas ou raciais. Esta é a tese defendida por Jason Stanley, filósofo americano e estudioso do neo-fascismo.

A criação de um passado mítico faz parte dessa estratégia. Por meio da propaganda e do anti-intelectualismo, os governos fascistas ou neo-fascistas desacreditam a compreensão geral da história.

“Depois de um tempo com essas técnicas, a política fascista acaba por criar um estado de irrealidade, em que as teorias da conspiração e as notícias falsas tomam o lugar de um debate fundamentado”, analisa o autor no livro “Como Funciona o Fascismo”, lançado em dezembro de 2018.

Para Stanley, o ataque às universidades e aos sistemas educacionais são muito importantes nos governos autoritários, porque desacreditam instituições que poderiam contestar suas ideias.
Em entrevista ao jornal El País, em 2019, ele citou o Brasil como um exemplo, entre vários Estados, de aparelhamento do setor educacional.

“Basta olhar a situação hoje no Brasil ou ler o que Masha Gessen escreveu sobre o furioso ataque ao politicamente correto nos EUA. Esse ataque ocorre no âmbito internacional; as universidades se transformam em zona de guerra”, afirma Stanley.

Nos últimos anos, a disputa acerca do “viés ideológico” presente nos conteúdos ensinados em instituições de ensino brasileiras se intensificou. O movimento Escola Sem Partido, que busca denunciar uma suposta “doutrinação política e ideológica de esquerda por parte dos professores”, ganhou notoriedade.

Fundado pelo advogado paulistano Miguel Nagib, em 2004, o grupo inspirou mais de 60 projetos de lei em câmaras municipais e assembleias legislativas pelo país. Em um vídeo publicado no site do movimento, Nagib afirma que “é muito fácil entender por que os sindicatos dos professores, que nem sempre representam seus interesses, e partidos de esquerda, em especial o Partido dos Trabalhadores (PT), são contra programa”, sugerindo que estas entidades são responsáveis por um processo de doutrinação nas escolas.

Em setembro de 2019, o ministro Abraham Weintraub lançou um projeto com visíveis influências do Escola sem Partido. No lançamento desta campanha, intitulada “Escola para Todos”, o Ministério da Educação enviou ofícios para todas as secretarias municipais e estaduais de ensino do país, determinando que as instituições de ensino adotem o “pluralismo de ideais e concepções pedagógicas, evitando o que a equipe classifica como propagandas-político-partidárias.”

Para Sabine Righetti, doutora em política científica, jornalista e professora da Unicamp, as universidades públicas brasileiras, assim como outras “instituições pensantes”, estão sendo agredidas por políticos com informações falsas, postura que incentiva parte da população a fazer o mesmo.

“Não é uma crítica do tipo ‘precisamos melhorar tal aspecto’, porque seria muito legal se o governo falasse ‘temos evasão alta, precisamos melhorar’. Elas [as universidades] estão sendo agredidas com informações falsas. O Bolsonaro dá uma entrevista falando que só universidades privadas produzem pesquisa no Brasil, o que é mentira. Depois o ministro fala que as universidades fazem balbúrdia no lugar de desempenhar academicamente, o que também é mentira”, afirmou.

A declaração de Bolsonaro, dada em entrevista ao programa Pânico da rádio Jovem Pan em abril de 2019, era de que “não tem pesquisa nas universidades” e “dessas poucas, a grande parte tá na iniciativa privada”. Informação incorreta, já que, segundo a Academia Brasileira de Ciências, mais de 95% da produção científica do país vêm de universidades públicas.

Na visão da professora, as pessoas que criticam a universidade, assim como as que atacam a imprensa, chamando-as de “vagabundas” e mentirosas, sempre pensaram assim. “Eu não acho que alguém que lia um jornal, de repente vai deixar de ler um jornal porque o presidente falou que o jornal mente”, destaca.

No entanto, segundo ela, o discurso adotado pelo governo pode incentivar ataques a instituições. “As pessoas começaram a falar mais isso, talvez empoderados ou encorajados pelo próprio governo do Brasil, dos Estados Unidos, que são governos que estão descredibilizando instituições pensantes. Isso está acontecendo em vários países.”

Além das constantes críticas às universidades e à imprensa, outras práticas, como o uso assíduo das redes sociais e os ataques à oposição e às minorias, aproximam as estratégias de desinformação utilizadas por Trump e Bolsonaro. Tanto durante suas campanhas eleitorais quanto no exercício de seus cargos como líderes do executivo, os dois políticos protagonizaram diversos momentos de disseminação de informações mentirosas ou exageradas.

Muito além das fake news

Em 2017, fake news foi eleita a “palavra do ano” pelo dicionário britânico Collins. Naquele ano, o uso da expressão na internet cresceu 365%. As chamadas notícias falsas podem ser descritas como informações falsas, geralmente sensacionalistas, disseminadas sob o disfarce de reportagens.

No entanto, o uso indiscriminado desse termo, é questionado por aqueles que estudam e combatem a desinformação.

Para Francisco Rofsen Belda, jornalista, professor da Unesp e presidente do Projor, organização responsável pelo Projeto Credibilidade, fake news é uma expressão imprecisa, “principalmente porque a ideia que carrega é ambígua e simplista demais para descrever a diversidade de desinformação que existe atualmente na internet”, explica.

Baseando-se nisso e observando a rapidez com que informações falsas se espalham entre grandes grupos de pessoas, a dupla de pesquisadores britânicos Claire Wardle e Hossein Derakshan criaram o conceito de ecossistema da desinformação, dividindo os conteúdos maliciosos em três categorias:

Informação errada (em inglês, mis-information): quando informações falsas são compartilhadas, mas sem intenção de causar danos.

Desinformação (em inglês, dis-information): quando informações falsas são compartilhadas com a intenção de causar danos.

Informação má (em inglês, mal-information): informação baseada na realidade, mas usada para infligir danos a uma pessoa, organização ou país.

De acordo com Wardle, uma parte importante do combate às informações falsas passa pela distinção correta da intenção por trás daquele conteúdo. “Estamos falando de uma sátira ou paródia que não possui a intenção de prejudicar? De um erro de apuração jornalística? Ou sobre um conteúdo fabricado, 100% falso, criado para enganar e convencer?”, questiona em sua palestra “Mais do que fake news – Entendendo o ecossistema da desinformação.”

Nesta análise, as fake news se enquadram no tipo de desinformação criada com más intenções, muito distantes do jornalismo e das notícias reais.

“Se é notícia, não poderia ser falsa, uma vez que o jornalismo profissional tem um compromisso primordial com o relato dos fatos da realidade. Se não há este compromisso, então não é jornalismo, não é notícia, mas sim um relato enganoso, de propaganda, por exemplo, que se utiliza da linguagem jornalística para confundir ou manipular o receptor”, afirma Belda. Assim, quando uma notícia está errada, incorretamente apurada, o que caberia é a correção e retratação por parte de seus autores.

Além da necessidade de pensar seu real significado, outra problemática relacionada ao uso do termo e apontada por especialistas da comunicação é a sua apropriação por políticos – e outros agentes de governo – para rotular notícias (verdadeiras) que os critiquem ou desagradem.

O verdadeiro poder é o medo

You are fake news”. Essa foi a resposta do então recém-eleito Donald Trump a Jim Acosta, repórter da CNN, na coletiva de imprensa que antecedeu a posse do 45º presidente dos Estados Unidos. Além de atacar o jornalista, Trump ainda o mandou ficar quieto diversas vezes. A hostilidade do republicano com a imprensa já deixava clara a tônica que seu governo assumiria nos quatro anos seguintes. Entre seus inúmeros alvos, destacam-se o jornalista Bob Woodward e o jornal The Washington Post.

Em 1974, Woordward e seu colega de redação Carl Bernstein foram designados a cobrir um acontecimento aparentemente comum: um roubo em um dos escritórios do Comitê Nacional Democrata, no complexo de prédios Watergate, em Washington.

A apuração do crime culminou na revelação do que ficou conhecido como o Escândalo de Watergate, o mais famoso caso de corrupção dos Estados Unidos, responsável pela renúncia do então presidente Richard Nixon.

A obra mais recente de Woodward sobre política é o livro-reportagem “Medo – Trump na Casa Branca”. Durante a produção, o jornalista passou dois anos observando os movimentos do presidente de perto. Por meio de entrevistas, conversou com conselheiros e pessoas próximas ao governo que, anonimamente, relataram os conflitos de seus bastidores.

Vermelho x azul

A eleição disputada em 2016 pelo republicano Donald Trump e a democrata Hillary Clinton, favorita da imprensa norte-americana, é um dos episódios recentes mais bem-sucedidos no que se refere ao uso de mentiras em campanhas políticas. O pleito foi marcado pela ação massiva de trolls (autores de notícias falsas), bots (robôs) e pela interferência russa, ainda não muito bem explicada.

O Facebook chegou a admitir, recentemente, que um terço da população estadunidense, cerca de 126 milhões de pessoas, foi exposta a publicações da Internet Research Agency (IRA), empresa ligada à sede do governo russo, durante o período eleitoral.

Esse ecossistema de desinformação foi fundamental para impulsionar a campanha de Trump. Desde a crise do subprime, que em 2008 lançou o mundo no pior colapso financeiro desde a década de 1930, os Estados Unidos veem crescerem as desigualdades sociais, a pobreza e o número de desempregados. Somam-se a esses fatores o discurso anti-imigração, anti-globalização, a polarização e as incertezas políticas e econômicas. Essa miscelânea, aliada à máquina de mentiras do empresário “anti-establishment”, ajuda a explicar o sucesso de Trump, que surpreendeu não só a imprensa norte-americana, mas o mundo todo.

O declínio da verdade

Um levantamento feito pelo jornal Washington Post analisou que Trump mente de forma sistemática. Somente em seu primeiro ano de governo, em 2017, o presidente fez 2.140 alegações falsas ou enganosas – uma média de 5,9 mentiras por dia. Além das mentiras, ataques ao sistema de justiça, às agências de inteligência, ao sistema eleitoral, aos funcionários públicos e, claro, à imprensa são comuns na agenda do republicano. Ao todo, desde a posse (em 20 de janeiro de 2017) até o final de outubro de 2018, foram 6.420 informações falsas ou imprecisas.

Steve Bannon, ex-estrategista-chefe de Trump, revelou que o presidente “só lê o que reafirma suas crenças”. A VICE News também divulgou que Trump recebe, duas vezes por dia, um clipping (recorte) com diversos elogios a ele, incluindo “tuítes de admiradores, trechos de entrevistas bajuladoras na TV, matérias jornalísticas repletas de elogios e, de vez em quando, fotos dele na TV parecendo poderoso.”

O boom das redes sociais

Se a desinformação sempre foi usada como tática política, o que mudou hoje foi a inserção da tecnologia. Para Francisco Belda, “temos, de um lado, o uso muito mais intenso de instrumentos tecnológicos capazes de potencializar o alcance dessas mensagens enganosas e, de outro, uma sociedade desconfiada e confundida pelo excesso de informação, cada vez menos capaz de distinguir entre o que é fato, o que é versão e o que é simplesmente inverdade.”

De fato, a tecnologia e a evolução das redes sociais tiveram um profundo impacto na produção e no consumo de notícias. Há 10 anos seria impossível imaginar que um presidente usaria o Twitter, rede cujo número máximo de caracteres é 280, como ferramenta oficial para se comunicar com a sociedade.

Contrários à atuação da imprensa, líderes como Trump e, mais recentemente, Bolsonaro, utilizam suas contas nas redes sociais para tentar minar a credibilidade jornalística. Desde a posse (1º de janeiro) até março de 2019, a mídia foi alvo de Bolsonaro no Twitter a cada 3 dias, com mensagens de teor irônico e crítico.

Até 2008, a internet tinha pouca ou quase nenhuma relevância em campanhas políticas. A mudança de paradigma aconteceu na disputa eleitoral entre Barack Obama e John McCain. À época, Obama utilizou o Myspace, Facebook e YouTube para fazer campanha e arrecadar fundos. A equipe do democrata, liderada por Chris Hughes, um dos fundadores do Facebook, chegou a investir 7,5 milhões de dólares no Google, em anúncios e links patrocinados. A estratégia funcionou, e as redes sociais tiveram papel determinante na eleição do primeiro presidente negro dos Estados Unidos.

Desde então, as plataformas digitais ganharam cada vez mais destaque em diversos acontecimentos políticos. A Primavera Árabe, série de protestos e revoltas ocorridos em 2011 na Líbia, Egito, Tunísia e outros países do Oriente Médio, não teria sido possível sem as redes sociais. Um relatório divulgado pela Dubai School of Government revelou a importância que o Twitter e o Facebook tiveram na disseminação e no fortalecimento do movimento.

Somente na Tunísia, ponto de partida das revoltas, o número de usuários do Facebook aumentou em 200 mil em apenas dois meses, entre dezembro de 2010 e janeiro de 2011, período inicial do movimento. O Twitter também registrou pico de acessos dos tunisianos quando o presidente Zine el Abidine Ben Ali renunciou ao cargo e fugiu para a Arábia Saudita.

No Brasil, as Jornadas de Junho de 2013, manifestações populares que surgiram, inicialmente, em protesto ao aumento de 20 centavos na passagem do transporte público e que ganharam outros contornos políticos, são resultado do ativismo online. Naquele mês, mais de 1 milhão de pessoas saíram às ruas em mais de 130 cidades. A pesquisa IBOPE de 2014 revelou que 77% dos manifestantes tomaram conhecimento dos protestos por meio do Facebook.

Na eleição de 2014, a mais disputada dos últimos 25 anos no Brasil, novamente as redes sociais tiveram papel crucial na disseminação de notícias, na promoção de debates e na propagação de mentiras. Durante o período eleitoral, os brasileiros interagiram mais de 670 milhões de vezes no Facebook. No Twitter, foram quase 40 milhões de mensagens publicadas durante a campanha. Em diversos momentos das eleições, as hashtags de Dilma Rousseff (#DilmaMudaMais) e Aécio Neves (#Aecio45PeloBrasil) ficaram nos Trending Topics mundiais da plataforma.

Na Europa, a internet também ganhou protagonismo político. O acordo do Brexit, polêmico plebiscito que decidiu pela saída do Reino Unido da União Europeia, teve forte influência do Facebook. Combinado com o crescimento do nacionalismo e da xenofobia, a desinformação encontrou terreno fértil nas redes sociais.

A pesquisa YouGov, encomendada pela Reuters Institute for the Study of Journalism, da Universidade de Oxford, revelou que as redes sociais ultrapassaram os jornais tradicionais como fontes de notícia no Reino Unido entre 2015 e 2016 (ano em que o plebiscito foi votado e que o “sim” ganhou com 51,9% dos votos). O estudo também analisou o consumo de mídia em 26 países, inclusive o Brasil, e descobriu que 51% dos entrevistados usam as redes sociais como fonte de informação.

Antropólogo da tecnologia e professor da Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos, David Nemer diz que as fake news se espalham pelas redes sociais graças à facilidade e eficiência, características da internet. “Antes, para ter a notícia, você tinha que ir numa banca, comprar o jornal, fazer uma assinatura, então além de o acesso ser mais dificultado, o custo era mais alto. Hoje em dia nós temos o WhatsApp, as coisas são entregues a nós na hora, em qualquer lugar, em qualquer momento”, aponta.

Vem de zap

Na eleição brasileira de 2018, o WhatsApp foi o grande protagonista. Com mais de 120 milhões de usuários, o aplicativo de mensagens instantâneas foi decisivo para que mentiras como o “kit gay”, a “ideologia de gênero” e a “doutrinação comunista”, temas explorados na campanha de Jair Bolsonaro (PSL), viralizassem nas redes sociais.

Aliada ao antipetismo e à polarização política, a desinformação, que circulou sem nenhum controle pelos grupos do Whatsapp, foi fundamental para eleger Bolsonaro. Alguns dias antes da votação, a Folha de S. Paulo divulgou que um grupo de empresários comprou um pacote de disparo de mensagens em massa contra o PT. Bolsonaro processou o jornal, mas foi derrotado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Ainda durante as eleições, Bolsonaro recebeu uma suspensão de conteúdo do Tribunal. Em outubro de 2018, o ministro Carlos Horbach determinou que textos e vídeos sobre o “kit gay” fossem removidos.

Usado amplamente nas campanhas de 2018, o “kit” foi o apelido que diversos congressistas e políticos conservadores deram ao material do programa “Escola sem Homofobia”, uma cartilha idealizada em 2011 pelo MEC, mas vetada pela presidente Dilma Rousseff, após pressão das bancadas evangélica e católica.

O material, destinado somente a professores, explicava conceitos como gênero e sexualidade, além de sugerir atividades para que os alunos refletissem sobre comportamentos preconceituosos.

Apesar de estar calcado em informações mentirosas e descontextualizadas, o uso de discursos como o do “kit” pode ser uma ferramenta eficaz de promoção política, como demonstrou a pesquisa do IDEIA Big Data Avaaz, realizada em novembro de 2018. De acordo com o estudo, 84% dos eleitores de Bolsonaro acreditaram na existência deste conteúdo.

Frequentemente disseminadas em correntes de mensagens pelo WhatsApp, as informações falsas alcançam um grande número de pessoas.

De acordo com levantamento feito em 2018 pelo Datafolha, 47% dos eleitores que usam o WhatsApp disseram acreditar em notícias compartilhadas pelo aplicativo. Além disso, essa é a rede mais utilizada pelos eleitores: 65% têm conta e 24% o utilizam para compartilhar notícias sobre política.

Ainda de acordo com o instituto, o segmento mais ativo no aplicativo de mensagens é o de eleitores de Jair Bolsonaro, tanto em alcance quanto em taxa de engajamento.

Sempre carregadas de forte apelo emocional, as fake news costumam ter outras características em comum: fogem à norma culta da língua portuguesa, são sensacionalistas, alarmistas, fazem menção a questões morais, sexuais e religiosas e as fontes, quando citadas, são bastante duvidosas.

É mentira, tá ok?

A exemplo de Donald Trump, Bolsonaro também transformou a mentira em prática cotidiana. Mesmo após o fim das eleições, o presidente – que foge dos jornalistas – continua desinformando. A agência Aos Fatos revelou que de janeiro a outubro deste ano Bolsonaro deu 400 declarações falsas ou distorcidas, uma média de 1,4 mentira por dia. Os temas mais abordados por ele foram economia e meio ambiente.

Embora as declarações do presidente ultraconservador sejam contestadas por diversos veículos de imprensa, parte do séquito de seguidores que o elegeu continua ativo e ainda mais radical.

O professor David Nemer diz que os grupos de bolsonaristas no WhatsApp, antes mais coesos, se dividiram, agora, em três categorias. O primeiro se concentra na propaganda de governo, cujos membros não permitem que os atos do presidente sejam questionados. O segundo é o da insurgência, que reúne pessoas que se tornaram opositoras de Bolsonaro, considerando-o traidor por ter se alinhado à velha política. O terceiro e último grupo é o da supremacia social, que está mais interessado em enaltecer o discurso de extrema-direita do presidente do que, necessariamente, discutir suas ações de governo. De acordo com Nemer, este último é o grupo mais perigoso e radical.

“Eles estão mais radicalizados, estão em números menores, mas que podem fazer um estrago maior. Estão em constante processo de recrutamento, querem expandir mais os grupos deles, os grupos mais extremistas. Eles não estão muito preocupados com a política do dia a dia, mas se capitalizam em cima do discurso de extrema-direita dele e do Flávio [um dos filhos do presidente], principalmente”, destaca.

Apesar do já conhecido uso do WhatsApp para fins políticos, somente em outubro deste ano a empresa admitiu o envio maciço de mensagens, inclusive com sistemas automatizados, durante a eleição brasileira de 2018. A empresa também disse condenar os grupos públicos acessados por meio de links, que compartilham conteúdos políticos.

Conservadorismo

Assim como na administração de Barack Obama, nos Estados Unidos, o Brasil também vivenciou, durante os governos petistas, um período de implementação de políticas sociais. Para Nemer, a inclusão social pode explicar a eleição de candidatos outsiders, como Trump e Bolsonaro.

“O governo Obama, principalmente no segundo mandato, foi bem audacioso em políticas de inclusão, sobretudo inclusão para as minorias. Por isso, eu acredito que o conservador americano, que é bem forte aqui, se sentiu ameaçado. Se sentiu ameaçado pelo politicamente correto. É mais ou menos o movimento que ocorreu no Brasil”, revela.

Em ambos os países, governos mais progressistas deram lugar a políticos autoritários, que desprezam o jornalismo profissional, distorcem a realidade, polarizam a sociedade e atacam qualquer “instituição pensante”. Tanto Trump quanto Bolsonaro lançam mão de diversas estratégias de desinformação para pôr em prática seus planos de governo – no mínimo – impopulares.

Pensamento crítico

Na era da comunicação instantânea, na qual as informações circulam em demasia, sobretudo pelas redes sociais, é fundamental saber reconhecer discursos e conteúdos falaciosos. A educação midiática, conceito relativamente novo para a maior parte da população, busca dar ferramentas para que as pessoas consigam identificar conteúdos falsos e fazer uma leitura crítica das informações que recebem.

Daniela Machado, jornalista e coordenadora do EducaMídia, programa que busca sensibilizar a sociedade para a importância da educação midiática, diz que proibir a divulgação de fake news não ajuda a solucionar o problema, “o que resolve é educar”.

“Acho que a educação midiática é fundamental. Não há uma única solução que seja a bala de prata que vai acabar com a desinformação, mas acho que a educação midiática é sim o caminho mais preciso e talvez um dos mais seguros para que a gente consiga melhorar o ambiente informacional. (…) É importante que a gente esteja preparado, que seja uma formação de todos os jovens, ter habitualmente condições de interrogar a informação, de fazer essa leitura crítica”.

Para ela, a educação midiática é um processo que se constrói ao longo da vida toda, não em um único ano ou semestre. “Devemos perseguir esse objetivo o tempo todo na escola. É algo que vai nos dar a habilidade de conseguir fazer uma leitura reflexiva de toda essa informação que vai chegar até nós”, destaca Daniela.

Jornalismo profissional

Além do investimento em educação, componente básico para a formação crítica de qualquer indivíduo, também é fundamental reconhecer a importância do jornalismo profissional no combate à desinformação. Profissionais capacitados, éticos e compromissados com a veracidade das informações são essenciais à manutenção da democracia.

Fortalecer os veículos profissionais de comunicação, desde as recentes agências de checagem até os jornais mais tradicionais, é imprescindível para fazer frente ao ecossistema de desinformação que domina a sociedade hiperconectada do século XXI.

FONTE: Le Monde Diplomatique Brasil. Disponível em: https://diplomatique.org.br/a-desinformacao-influencia-eleicoes-ao-redor-do-mundo/