Prisão de líderes da Igreja Zion reacende debate sobre liberdade religiosa na China

*com apelo ao exagero
*com colaboração de Ana Clara Bento e Ana Laura Diniz
Nas últimas semanas, publicações em sites e redes sociais davam conta que o governo chinês sob o comando do presidente Xi Jinping, havia intensificado a perseguição a cristãos, especialmente a líderes evangélicos. Ao menos 30 pastores e membros ligados à Igreja Zion, uma das maiores congregações protestantes não registradas do país, teriam sido presos em operações simultâneas em várias províncias chinesas no início de outubro de 2025.
Bereia checou as informações e reuniu dados sobre a veracidade do que tem sido divulgado.

O que aconteceu? Do que os líderes estão sendo acusados?
De acordo com documentos oficiais vistos por veículos internacionais como Reuters, Le Monde e The Economist, os líderes da Igreja Zion, incluindo seu fundador, o pastor Jin Mingri (Ezra Jin), foram detidos sob a acusação de “uso ilegal de redes de informação” – uma referência à pregação e organização de cultos pela internet sem autorização estatal.
A acusação está vinculada a novas diretrizes divulgadas em setembro de 2025, que proíbem a transmissão online de sermões e treinamentos religiosos por clérigos que não demonstrem apoio explícito ao Partido Comunista Chinês (PCC). O crime pode resultar em até sete anos de prisão.
Familiares dos presos afirmam que advogados enfrentam restrições para acessá-los e alertam para possíveis riscos à saúde do pastor Jin, que é diabético. As autoridades chinesas, por sua vez, afirmam que o caso não é religioso, mas estritamente legal, alegando que os detidos violaram normas sobre atividades religiosas e uso da internet.
História da Igreja Zion na China
A Igreja Zion foi fundada em 2007 pelo pastor Ezra Jin Mingri, formado na Universidade de Pequim e em seminários na China e nos EUA. A congregação se recusa a se registrar junto ao Estado, o que a classifica na China como “igreja doméstica”, termo usado para grupos que atuam fora das estruturas oficiais controladas pelo governo.
Com crescimento rápido, a Zion chegou a reunir entre 5 e 10 mil fiéis em cerca de 40 a 50 cidades, um número significativo para uma igreja clandestina. A expansão se intensificou durante a pandemia, quando passou a transmitir os cultos via Zoom (plataforma de reuniões online).
A Zion já foi alvo de repressão antes: em 2018 seu prédio em Pequim foi fechado e membros sofreram interrogatórios. Mesmo assim, continuou funcionando de forma descentralizada, o que ampliou tensões com o governo.
Repercussão no mundo
A prisão dos líderes da Zion teve ampla cobertura internacional. Le Monde, Reuters, The Economist, DW, New York Times, Independent, BBC, entre outros noticiaram o caso com destaque.

Autoridades estrangeiras, como o comissário alemão para liberdade religiosa Thomas Rachel e o secretário de Estado dos EUA Marco Rubio condenaram as prisões e pediram libertação dos pastores.
“Os Estados Unidos condenam a recente detenção, pelo Partido Comunista Chinês, de dezenas de líderes da Igreja Zion não registrada na China, incluindo o proeminente pastor Mingri ‘Ezra’ Jin. Pedimos a liberação imediata deles”, escreveu Rubio em seu perfil no X.
A organização internacional Human Rights Watch (Observatório de Direitos Humanos) também se manifestou sobre o ocorrido. A HRW afirmou que os países preocupados devem condenar publicamente o ataque do governo chinês à liberdade religiosa e pressionar Pequim para que liberte os membros da Igreja Zion e todos os outros membros de igrejas clandestinas detidos injustamente por exercerem seus direitos fundamentais à liberdade religiosa. “A repressão do governo chinês à prática religiosa está ligada aos seus esforços para reforçar o controle ideológico, tanto interna quanto externamente. Os governos devem garantir que o governo chinês seja responsabilizado por tais violações e pressionar pela liberdade religiosa na China”, disse o pesquisador da Human Rights Watch para a China Yalkun Uluyol.
O governo chinês rejeitou as críticas, afirmando que “regula assuntos religiosos conforme a lei”.
No Brasil, a repercussão foi menos intensa na mídia geral, mas teve ampla circulação em veículos cristãos. Entre os grandes portais, UOL, DW Brasil e IstoÉ Dinheiro noticiaram o episódio.


Nova lei chinesa entra em vigor em janeiro de 2026
As prisões também estão relacionadas à revisão da Lei de Segurança Pública Chinesa (PSAPL – Public Security Administration Punishments Law), cuja nova versão começa a vigorar a partir de 1º de janeiro de 2026 e foi aprovada oficialmente, em 27 de junho de 2025. O texto revisado inclui penalidades para “atividades religiosas ilegais”, cultos, seitas e sociedades secretas.
Especialistas apontam que o objetivo é neutralizar influências estrangeiras, especialmente o cristianismo evangélico independente, visto como potencial “risco ideológico”.
Como são as religiões na China?
A Constituição chinesa garante a liberdade religiosa, mas, na prática, o Partido
Comunista Chinês permite que apenas congregações registradas e aprovadas pelo Estado operem abertamente. Ainda assim, estima-se que dezenas de milhões de cristãos chineses frequentem igrejas clandestinas, também chamadas de igrejas domésticas. A China oficialmente reconhece quatro religiões: budismo, taoísmo, islamismo e cristianismo (protestante e católico). Contudo, todas devem funcionar com supervisão direta do Estado, que controla nomeação de líderes, financiamento e conteúdo dos sermões.
A China tem mais de 44 milhões de cristãos registrados em igrejas reconhecidas pelo Estado, a maioria delas protestantes, segundo dados oficiais. Porém, estima-se que outras dezenas de milhões de pessoas façam parte de “igrejas domésticas” ilegais que operam fora do controle do Partido Comunista governante.
O PCC é oficialmente ateu e proíbe seus membros de professarem qualquer fé. Estudos mostram que cerca de 2% da população adulta se identifica como cristã, segundo pesquisas nacionais (CGSS, World Values Survey). Entre eles, 90% são protestantes. O número real, porém, pode ser muito maior, já que milhões participam de igrejas não registradas.
Pesquisadores como Fenggang Yang, da Universidade Purdue, afirmam que Xi Jinping vem intensificando a “sinização da religião” – política que exige que a fé se alinhe à ideologia do Estado e as suas regras. Igrejas não registradas, como a Zion, são toleradas em alguns períodos e reprimidas em outros, dependendo do contexto político e das percepções de ameaça. Porém, este processo não afeta somente o cristianismo, mas também o budismo tibetano e o islã.
Se a China faz política com as restrições religiosas, os EUA também utilizam a situação em sua concorrência com a China no cenário global. As tensas relações entre os dois países acabam aguçadas com a relação estreita entre igrejas ilegais chinesas e evangélicos chineses naturalizados estadunidenses que as apoiam.
A pesquisadora da Universidade de Westminster Gerda Wielander escreve sobre isto:
Cristãos sino-americanos próximos ao Partido Republicano costumam desempenhar um papel importante ao fornecer apoio a figuras exiladas de destaque. Eles também garantem que a perseguição a cristãos chineses permaneça como uma prioridade na agenda das relações bilaterais. Por sua vez, as medidas repressivas tendem a se intensificar quando as relações entre a China e os Estados Unidos se deterioram.
É nesse contexto que o momento da recente repressão precisa ser compreendido. Atacar uma igreja não registrada e bem conhecida, como a Zion Church, cuja filha do fundador é funcionária do Senado dos EUA, serve tanto como um sinal que Xi envia a Washington quanto como um meio de controlar a atividade religiosa no país.
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A prisão de líderes da Igreja Zion na China é um fato confirmado por múltiplas fontes internacionais de alta credibilidade e reflete uma combinação de fatores legais, políticos e ideológicos que caracterizam o atual cenário político religioso chinês. Embora o governo afirme que as detenções não configuram perseguição religiosa, mas sim aplicação das leis nacionais que regulam atividades de fé, a análise do contexto mostra que tais normas são parte de um movimento mais amplo de controle estatal sobre práticas religiosas independentes. A intensificação da chamada “sinização” das religiões – diretriz que busca alinhar doutrinas e organizações à ideologia e à autoridade do governo chinês – tem restringido de forma crescente o espaço para igrejas não registradas, especialmente aquelas com vínculos internacionais ou grande alcance digital, como a Zion.
Por outro lado, discursos que circulam em redes sociais digitais e em alguns veículos brasileiros frequentemente reduzem o episódio a uma suposta “proibição do cristianismo” ou a uma “perseguição religiosa generalizada”, sem considerar que o cristianismo oficial é permitido na China, ainda que controlado. Essa simplificação desconsidera que a repressão atinge principalmente grupos que se recusam a se submeter ao arcabouço legal imposto pelo Estado.
Ao mesmo tempo, a alegação governamental de que se trata somente de uma questão legal também não abrange a totalidade do problema, pois a legislação chinesa, especialmente após as revisões recentes, funciona como instrumento para limitar a autonomia religiosa e coibir manifestações consideradas politicamente sensíveis. O fato tem mais relação com a questão do controle político-social, no intuito de manter o regime, do que com a questão religiosa em si.
Assim, o caso da Igreja Zion se situa na interseção entre fé, política e soberania nacional. A ação do governo não pode ser lida como mera repressão à crença cristã, nem tampouco pode ser dissociada de um ambiente de vigilância crescente sobre religiões independentes. A análise dos fatos indica que o episódio ilustra tanto o endurecimento das políticas estatais de regulação religiosa, quanto o esforço de igrejas não registradas de manter atividades fora do controle oficial.
Portanto, Bereia classifica as publicações sobre o caso como verdadeiras, em relação à prisão dos líderes religiosos e o acirramento da repressão às igrejas clandestinas. Entretanto, não há perseguição generalizada a cristãos na China. É necessário cautela diante de discursos sensacionalistas, como nas publicações feitas pelo Influenciador Victor Nascimento, ou pelos sites cristãos Pleno.News ou Gazeta do Povo, identificadas pela equipe do Bereia. Estes discursos são usados para fazer política anti-China.
Bereia recomenda atenção à fontes confiáveis e contextualizadas para compreender com precisão casos que envolvem disputas de narrativa e temas sensíveis como liberdade religiosa e política.
Referências
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https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/filha-pede-ajuda-a-trump-para-libertar-pai-preso-em-repressao-na-china/ – Acesso em 07 dez 25
CSW
https://www.csw.org.uk/2025/12/01/press/6685/article.htm – Acesso em 07 dez 25
https://ndmais.com.br/seguranca/china-prende-30-pastores-da-zio-church-ilegalidade/ – Acesso em 07 dez 25
Diário do Pará
https://diariodopara.com.br/noticias/mundo/china-prende-mais-de-30-lideres-da-igreja-zion-em-ampla-operacao-nacional/ – Acesso em 07 dez 25
Revista Fórum
https://revistaforum.com.br/global/chinaemfoco/2025/10/14/igreja-zion-por-que-china-prendeu-pastores-de-organizao-religiosa-ilegal-189770.html – Acesso em 07 dez 25
Terra
https://www.terra.com.br/noticias/china-intensifica-controle-sobre-igrejas-cristas-clandestinas,001c9ace1e78bc71010ac01262879c51q9ng2181.html – Acesso em 07 dez 25
Bnews
https://www.bnews.com.br/noticias/mundo/china-prende-30-pastores-e-intensifica-perseguicao-igrejas-cristas.html – Acesso em 07 dez 25
Isto é Dinheiro
https://istoedinheiro.com.br/china-intensifica-controle-sobre-igrejas-cristas-clandestinas – Acesso em 07 dez 25
DW
https://www.dw.com/pt-br/china-intensifica-controle-sobre-igrejas-crist%C3%A3s-clandestinas/a-74468273 – Acesso em 07 dez 25
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https://www.bbc.com/news/articles/cx2pez2vg8wo – Acesso em 07 dez 25
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https://exame.com/mundo/china-prende-dezenas-de-lideres-de-igrejas-clandestinas-cristas-que-operam-ilegalmente/ – Acesso em 07 dez 25
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https://www.reuters.com/world/china/china-detains-dozens-underground-church-pastors-crackdown-2025-10-13/ – Acesso em 07 dez 25
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https://www.independent.co.uk/asia/china/china-zion-church-christians-pastor-jin-mingri-arrests-b2846363.html – Acesso em 07 dez 25
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https://www.lemonde.fr/en/international/article/2025/10/15/a-crackdown-targets-one-of-china-s-main-underground-churches_6746442_4.html – Acesso em 07 dez 25
https://www.nytimes.com/2025/10/11/world/asia/china-church-pastor-detained.html – Acesso em 07 dez 25
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https://www.nbcnews.com/world/asia/china-detains-dozens-underground-church-pastors-crackdown-rcna237476 – Acesso em 07 dez 25
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https://www.economist.com/china/2025/10/16/china-is-rounding-up-christian-leaders – Acesso em 07 dez 25
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https://english.news.cn/20250627/c0253a1b89254001adadde3c00bd5b10/c.html?utm_source=chatgpt.com – Acesso em 07 dez 25
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https://www.chinalawtranslate.com/en/psap-2025/#gsc.tab=0 – Acesso em 07 dez 25
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https://www.instagram.com/p/DQ7FA2pjn8c/?igsh=amI1aXhsdXRnc3lj – Acesso em 07 dez 25
Instagram, guiame_oficial
https://www.instagram.com/p/DRugJmVjBKk/?igsh=MWR6ZWRsdW11OWR6YQ== – Acesso em 07 dez 25
Facebook, Sean Long Fei
https://www.facebook.com/p/Sean-Long-Fei-100005412884897/?checkpoint_src=any – Acesso em 07 dez 25
Human Rights Watch
https://www.hrw.org/news/2025/10/14/china-nationwide-crackdown-on-major-underground-church Acesso em 08 dez 2025
The Conversationhttps://theconversation.com/why-beijing-is-looking-to-exert-tighter-control-over-chinese-christians-267571 Acesso em 08 dez 2025














































