Deputado federal desinforma sobre encaminhamento referente a  despesas do governo federal

O deputado federal, autodenominado cristão, Hélio Lopes (PL-RJ) publicou, em sua conta no Twitter, conteúdo sobre  suposto bloqueio de 1,5 bilhões do orçamento federal, citando as pastas da Saúde e Educação como as mais afetadas. Ele se referiu ao contingenciamento de despesas, termo técnico que significa “retardamento ou, ainda, a inexecução de parte da programação de despesa prevista na Lei Orçamentária em função da insuficiência de receitas previstas”. A imagem publicada contém um texto sobre o suposto contingenciamento, com o título “Silêncio da Mídia!” e uma foto do presidente Lula entre a ministra da Saúde Nísia Trindade e o ministro da Educação Camilo Santana, além da chamada “E o choro da militância, cadê?”

Imagem: reprodução do Twitter

Hélio Lopes foi eleito deputado federal, em 2018, pelo PSL-RJ, com 345.234 votos. Na última disputa, em 2022, foi reeleito com 132.986 votos. Antes da eleição de 2018 e do apoio direto do então candidato a presidente Jair Bolsonaro, com quem trabalhava, Lopes havia concorrido em 2004, pelo extinto PRP, ao cargo de vereador do município de Queimados (RJ), tendo recebido apenas 277 votos. Em 2016, o político havia se lançado candidato pelo PSC ao mesmo cargo municipal, porém,  em Nova Iguaçu (RJ), e mais uma vez não foi eleito – naquele pleito recebeu  480 votos. 

Contingenciamento e teto de gastos

Bereia checou as informações sobre as quais o deputado federal denuncia “silêncio da mídia”. O político se referia a um decreto presidencial com a indicação dos cortes orçamentários,  que foi publicado em 28 de julho passado, em edição extraordinária do Diário Oficial da União. Os ministérios da  Saúde e da Educação, de fato, respondem por metade do novo contingenciamento de R$1,5 bilhão no Orçamento de 2023. Eis a lista de cortes (reduções) orçamentárias:

•   Saúde: R$ 452 milhões;

•   Educação: R$ 333 milhões;

•   Transportes: R$ 217 milhões;

•   Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome: R$ 144 milhões;

•   Cidades: R$ 144 milhões;

•   Meio Ambiente: R$ 97,5 milhões;

•   Integração e Desenvolvimento Regional: R$ 60 milhões;

•   Defesa: R$ 35 milhões;

•   Cultura: R$ 27 milhões;

•   Desenvolvimento Agrário: R$ 24 milhões.

Em comparação com outros anos, mesmo com as novas condições, o total de recursos bloqueados em 2023 é significativamente menor do que no ano anterior, sob o governo de Jair Bolsonaro. Em 2022 foram contingenciados R$15,38 bilhões para cumprir o limite de gastos, quando o Ministério da Educação sofreu um congelamento de R$ 1,4 bilhão.

Os bloqueios e cortes ocorrem quando a estimativa de despesas supera o limite estabelecido pelo teto federal de gastos , fruto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55/2016. Esta medida, que promoveu um mecanismo de controle de gastos públicos, foi encaminhada pelo governo do presidente Michel Temer ao Legislativo e foi aprovada em 2016. 

O conteúdo da PEC é relativamente simples. Ela determinou que o total dos gastos primários do governo federal, isto é, todos os gastos menos o pagamento de juros sobre a dívida pública, deveria ficar, a cada ano, limitado a um teto definido pelo montante gasto neste ano de 2016, reajustado pela inflação acumulada. A aprovação da PEC Teto de Gastos foi, então, apresentada com uma referência positiva de controle para que governos não gastem demais e, caso os gastos fossem reajustados de acordo com a inflação, eles não seriam congelados e não iriam diminuir. Porém, a decisão do Congresso Nacional foi muito criticada por diversos segmentos sociais que viram graves problemas decorrentes.

As distorções do teto de gastos

O professor de Economia da Universidade de São Paulo Fernando Rugitsky, por exemplo, explicou à época que,  “a PEC não congela os gastos em termos nominais, mas os congela, sim, em termos reais, na medida em que não acompanharão o eventual crescimento da economia. Ou seja, a economia cresce e o tamanho dos gastos como percentual do PIB encolhe”. 

O professor indicou também que “o governo teve que propor uma PEC, ao invés de um simples projeto de lei, justamente porque um dos seus pontos centrais é a desvinculação dos gastos com educação e com saúde, previstos hoje na Constituição como percentuais da receita – crescendo a economia e a arrecadação, crescem obrigatoriamente tais gastos. Talvez fosse mais transparente chamá-la de PEC da Desvinculação, dessa forma”. 

O fato de saúde e educação terem sido alvos explícitos de redução, com geração de consequências graves de tal encaminhamento para as políticas sociais, popularizou o apelido da proposta aprovada de “PEC do Fim do Mundo”. Rugitsky explicou: “[A PEC do Teto de Gastos] longe de representar uma solução, só vai aprofundar a crise política, econômica e social pela qual estamos passando. Sábios foram aqueles que a denominaram de PEC do Fim do Mundo e foram ocupar ruas e escolas para se posicionar contra ela”.

O governo de Jair Bolsonaro (2019-2022) seguiu à risca o teto de gastos, sem desenvolver alternativas para a crise que se estabeleceu nas políticas públicas, o que resultou em situações dramáticas nas áreas de saúde (especialmente diante da pandemia da covid-19), de educação e de infra-estrutura. 

O relatório do Gabinete de Transição para o novo governo (2023-2026), eleito em 2022, apresentou dados sobre a crise.  Ainda nesse ano, o Gabinete propôs e conseguiu aprovação no Congresso da PEC de Transição, que permitiu ao novo governo deixar o valor de R$ 145 bilhões do Orçamento de 2023 fora do teto de gastos, para serem utilizados para bancar despesas com o Bolsa Família, o Auxílio Gás e a Farmácia Popular, entre outras.

Em 2023, o novo governo terá que lidar com a realidade de crise econômica estabelecida e com o orçamento aprovado no governo anterior, com base no teto de gastos – justificativa do contingenciamento apresentado, por decreto presidencial, em 28 de julho. Para  corrigir as distorções da PEC do Teto de Gastos e preservar investimentos, principalmente de programas sociais, foi enviado ao Congresso o projeto de um novo arcabouço fiscal, já aprovado na Câmara e aguardando votação no Senado. 

O Partido Liberal (PL) ao qual pertence o  Lopes, votou majoritariamente contra este projeto.

Novo arcabouço fiscal 

Hoje, a regra do teto de gastos introduzida na Constituição Federal,  em vigor desde 2017,  impede que os gastos federais cresçam mais do que a inflação  ano a ano. Com a proposta do novo arcabouço fiscal, apresentada pelo atual governo, em discussão no Congresso, em vez do teto de gastos, a despesa poderá crescer o equivalente a 70% da alta nas receitas (por exemplo, se a arrecadação subir 2%, a despesa poderá subir até 1,4%). 

Haverá, porém, limites mínimos e máximos para essa variação nas despesas. O percentual mínimo evita que uma queda brusca ou temporária na arrecadação obrigue o governo a comprimir despesas. Já o limite máximo afasta o risco de o Executivo expandir gastos de forma exagerada quando há um pico nas receitas.

O percentual não será aplicado de forma linear a todas as despesas. Com o fim do teto de gastos, serão retomados os mínimos constitucionais de saúde e educação como eram até 2016: 15% da RCL (Receita Corrente Líquida) para a saúde e 18% da receita líquida de impostos, no caso da educação.

Na prática, o avanço dessas despesas acompanhará mais de perto a arrecadação, enquanto outros gastos precisarão ter crescimento mais moderado para respeitar o limite como um todo.

O limite será abrangente, mas algumas despesas ficarão de fora, entre elas os repasses do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) e a ajuda financeira para estados e municípios bancarem o piso da enfermagem, conforme proposta introduzida na Câmara de Deputados. São gastos aprovados por emenda constitucional e deverão ser realizados.

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Bereia classifica a publicação do deputado federal Hélio Lopes (PL-RJ) como enganosa. Lopes desinforma ao selecionar apenas parte das informações a respeito do contingenciamento dos gastos. Os números dos valores bloqueados são verdadeiros, mas o parlamentar não diz que correspondem ao mecanismo da aplicação constitucional teto de gastos, proposta pelo governo de Michel Temer e aprovada pelo Congresso, em 2016. Lopes não informou aos seus leitores que o governo anterior promoveu cortes mais dramáticos no orçamento e que o atual governo já apresentou uma nova proposta ao Parlamento para alterar distorções das regras do teto de gastos, a fim de garantir investimentos públicos, em especial nas áreas fundamentais da vida da população.

Referências de checagem:

Diário Oficial da União. https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-n-11.621-de-28-de-julho-de-2023-499584664 Acesso em 31 JUL 2023   

Agência Brasil.

https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2023-07/saude-e-educacao-concentram-metade-de-novo-bloqueio-no-orcamento Acesso em 31 JUL 2023 

https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2023-03/agencia-brasil-explica-o-que-e-arcabouco-fiscal Acesso em 31 JUL 2023 

Governo Federal. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc95.htm Acesso em 31 JUL 2023  

Agência Senado. https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/12/15/promulgada-emenda-constitucional-do-teto-de-gastos Acesso em 31 JUL 2023  

Poder 360. https://www.poder360.com.br/economia/governo-anuncia-bloqueio-adicional-de-r-57-bilhoes-no-orcamento/ Acesso em 31 JUL 2023  

G1. https://g1.globo.com/politica/noticia/2023/05/24/sete-partidos-100percent-a-favor-tres-100percent-contra-veja-como-a-camara-se-dividiu-para-votar-regra-fiscal.ghtml  Acesso em 31 JUL 2023   

BBC Brasil. https://www.bbc.com/portuguese/articles/ce906dgrlnjo Acesso em 31 JUL 2023   

Folha de São Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2023/03/entenda-os-principais-pontos-da-regra-fiscal-proposta-pelo-governo-lula.shtml Acesso em 31 JUL 2023

Revista Fevereiro.  https://revistafevereiroblog.wordpress.com/2016/11/04/para-entender-a-pec-do-teto-dos-gastos/ Acesso em 31 JUL 2023

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Foto de capa: Câmara dos Deputados

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