Antes de falar sobre o título, vou contar como chegamos aqui. Circula em grupos religiosos, no WhatsApp, um MEME que faz a associação entre COVID-19 e JOSUÉ 1:9. A mensagem diz: “Seja forte e corajoso! Não fique desanimado, nem tenha medo, porque eu, o SENHOR, seu Deus, estarei com você em qualquer lugar para onde você for”.
Problemas exegéticos e teológicos do meme
Em geral, os memes são mensagens curtas, viralizadas em rede. Não são conhecidos por sua profundidade, análise, acurácia, ou qualquer outro valor aplicado a outras formas de comunicação. Não requerem interpretação, nem exigem maiores explicações. Sem pensar, as pessoas os disseminam – como se fossem, de fato, “vírus das mentes”.
Esse é o primeiro problema nesse e em outros memes evangélicos – há problemas exegéticos e teológicos em todos eles. Muitos, como o desse caso, pinçam versículos que são tomados fora de contexto. E “um texto, fora de seu contexto, pode ser pretexto”…
O texto de Josué 1.9 tem se tornado um mantra para um tipo de “evangelho de autoajuda”. Seja forte e corajoso! Vai dar tudo certo! Deus é contigo! É a mensagem geral, associada a este versículo. Porém, se a mensagem do SENHOR se limitasse a um “TAMO JUNTO”, “estou contigo”, como explicar que em Josué 7, os israelitas tenham sido derrotados? Deus mandou Josué para a luta e depois o abandonou? Quando os crentes enfrentam derrotas e crises, o que ocorre?.
A pandemia e as pestes na Bíblia
Uma outra abordagem bíblica exigira um estudo sobre as ”pestes”. Há textos como o Salmo 91, sendo utilizados pelas comunidades evangélicas e cristãs em todo o mundo. Esquecem, os irmãos e irmãs que assim o fazem que o tentador utilizou parte desse Salmo em sua investida contra Jesus (Mateus 4. 6, Lucas 4. 10-11). Cristo venceu o adversário de nossas almas com uma visão completa sobre a Vontade de Deus e as Escrituras. Anote isso: quem cita partes da Bíblia, sem os contextos, tem compromisso com a Verdade?
Além das dez pragas contra o Egito (Êxodo, capítulos 7 a 12), as pestes na Bíblia sempre são associadas ao juízo de Deus (o julgamento contra reis, nações, civilizações e a humanidade). É assim do Gênesis (Gn 12.17) ao Apocalipse (Ap 2.22). Ou seja, há um caráter pedagógico e correcional nas pestes. Logo, qualquer análise sobre a Covid-19 sem levar em conta nossa relação com Deus, com a humanidade e com a Criação, é uma análise parcial e tendenciosa.
Tem alguém aí com medo?
Uma irmã, querida e próxima, perguntou-me, quando fechamos a Igreja, entregando o imóvel alugado, em abril de 2020: “Pastor, o Senhor está com medo?” Eu tinha acabado de perder um amigo, crente e fiel, por causa da Covid-19. Respondi, simplesmente: “não estou com medo, estou triste”. Diante de mais de 180 mil famílias afetadas pelo luto, a pergunta sobre o medo é uma das piores respostas que podemos dar… Pior, a questão da Covid-19 não é uma questão de coragem e fé. Há algo ainda mais profundo…
Nesse momento, ficou claro para mim que as igrejas e os pregadores e pregadoras estão respondendo errado ao problema. Não é uma questão de medo. O “evangelho da autoajuda” nos fragilizou e individualizou tanto que, se estivéssemos nos tempos de Josué, responderíamos à derrota em uma batalha questionando Deus, Josué e a nós mesmos sobre o tamanho de nossa coragem e fé. E você conhece a história de Acã. Não é uma questão de coragem, não é um problema de crenças, é algo maior, não se trata de você, ou de sua vida emocional. Podemos dizer que, como na conquista da Terra Prometida, a Pandemia nos coloca diante do Juízo de Deus, diante de seus padrões éticos. Logo, a verdadeira questão é “estamos sendo pesados na balança”.
Mateus 19.19 – Honra teus pais e ama teu próximo
Em toda a Bíblia, Deus nos mostra que os padrões éticos das Escrituras são cruciais. É assim que Deus julga indivíduos, reinos, nações e civilizações. Há um padrão de justiça social e individual, do qual não podemos escapar. Por isso, para ajudar a memorização, dizemos que a questão da Covid-19, não é respondida por Josué 1.9. Não podemos e nem devemos, porém, nos tornar seletivos, na escolha das passagens que gostamos, ou que nos fazem bem. Deus proferiu Josué 1.9, associando sua promessa aos mandamentos. Como se ELE nos falasse: faz a tua parte, EU farei a minha.
Há várias passagens bíblicas que demonstram os termos de nossa relação com Deus, entrelaçando mandamentos, fé e obras. Entre elas, uma passagem do Evangelho: Mateus 19.19 (vou repetir os números para que você entenda COMO a Covid-19 nos coloca diante de um imperativo ético).
Em Mateus 19.19 um jovem, rico, com alta posição social, dono de muitas propriedades, posses, bens e com reconhecimento social, um cidadão “abençoado”, questiona o Salvador. Voltado para si mesmo, o jovem pergunta: O que “farei EU de bom, para ALCANÇAR a VIDA ETERNA”?
Cristo respondeu àquele jovem rico: Guarda os mandamentos.
O cuidado de si, o cuidado do próximo, a honra devida aos idosos (pais, mães, avós, bisavós) é algo que está nos mandamentos. A Pandemia nos coloca à prova justamente neste ponto: como temos cuidado da criação? Como cuidamos do próximo? Qual a prova que Deus está nos dando?
Cristãos de hoje, tão soberbos e egoístas quanto aquele jovem rico são confrontados com a Palavra de Jesus: ó Crente, desapega, acumula tesouros nos céus, cuida do próximo e segue-me.
Em outras palavras: fecha a tua igreja, cuida das pessoas, tira o foco da economia e prosperidade.
Estamos sendo provados.
Onde está a caridade cristã?
Como temos honrado nossos pais?
Quais são os nossos valores?
Temos acumulado tesouros nos céus?
São as perguntas que nos ocorrem, para avaliarmos a nossa resposta cristã à Pandemia.
Não é sobre você (e sua fé) que se trata. Mas de como você cuida dos vulneráveis e se você ama o seu próximo…