Boatos e fake news no tempo do apóstolo Paulo: uma lição para cristãos e cristãs hoje

Podemos nos perguntar se no início do Cristianismo já havia perturbação nas comunidades causada por falsas notícias e documentos apócrifos.

A Segunda Carta de Paulo aos Tessalonicenses dá a entender que esse fenômeno já existia. Paulo alerta:

“A respeito da vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo e de nossa reunião junto a ele, nós vos pedimos, irmãos, não vos perturbeis tão depressa, nem vos alarmeis por causa de uma revelação profética, de uma afirmação ou carta, apresentadas como se procedessem de nós e que vos fariam crer que o dia do Senhor chegou. Que ninguém vos engane, de maneira alguma”. (2 Ts 2,1-3a)

De fato, a comunidade de Tessalônica se situava numa região atravessada por diferentes culturas e religiões, por ser uma cidade portuária, de grande movimento comercial. Havia um ambiente de agitação e conflitos religiosos e políticos, sob o domínio implacável do império romano. Os cristãos, recém convertidos e batizados, sofriam perseguição da Sinagoga local, aliada aos poderosos da cidade, que exploravam os trabalhadores.

Nesse ambiente, a volta do Cristo glorioso e o juízo final apareciam como o restabelecimento da justiça e a conquista da recompensa para os cristãos. Mas, ao mesmo tempo, espalhavam o medo. Então surgiam notícias e falsas profecias sobre o fim do mundo, com fenômenos apocalípticos, que deixavam as pessoas inquietas e ameaçadas. Mais ainda, circulavam falsas cartas atribuídas a Paulo. Por isso, ele vai alertar para que as pessoas não se deixassem levar por essas mentiras e nem dessem crédito às cartas falsamente atribuídas a ele e seus companheiros.

Por esse motivo, Paulo vai terminar sua carta tomando ele mesmo a pena e redigindo do próprio punho a despedida:

“A saudação é de próprio punho, minha, de Paulo. Assim é que assino todas as cartas. Esta letra é minha.

Que a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo esteja com todos vós.” (2Ts 3,17-18)

Lendo a Segunda Carta aos Tessalonicenses podemos ver que, já desde o início do Cristianismo, o fenômeno das falsas notícias, boatos e cartas apócrifas circulavam nas comunidades. A emoção provocada por tais boatos é sobretudo o MEDO, o temor, a inquietação – os mesmos sentimentos que estimulam a propagação de fake news nos dias de hoje.

Paulo vai responder a esse problema alertando para que os cristãos não se deixassem perturbar ou alarmar “tão depressa”. Que não se deixassem enganar de forma nenhuma. E antes de terminar sua carta ele pede: “Que o Senhor da paz vos dê a paz sempre e em tudo” (2 Ts 3,16).

**Os artigos da seção Areópago são de responsabilidade de autores e autoras e não refletem, necessariamente, a opinião do Coletivo Bereia.

***Foto de capa: Peter H/Pixabay

Queres ser perfeito… Fecha a tua igreja e segue-me!

Antes de falar sobre o título, vou contar como chegamos aqui. Circula em grupos religiosos, no WhatsApp, um MEME que faz a associação entre COVID-19 e JOSUÉ 1:9. A mensagem diz: “Seja forte e corajoso! Não fique desanimado, nem tenha medo, porque eu, o SENHOR, seu Deus, estarei com você em qualquer lugar para onde você for”.

Problemas exegéticos e teológicos do meme

Em geral, os memes são mensagens curtas, viralizadas em rede. Não são conhecidos por sua profundidade, análise, acurácia, ou qualquer outro valor aplicado a outras formas de comunicação. Não requerem interpretação, nem exigem maiores explicações. Sem pensar, as pessoas os disseminam – como se fossem, de fato, “vírus das mentes”.

Esse é o primeiro problema nesse e em outros memes evangélicos – há problemas exegéticos e teológicos em todos eles. Muitos, como o desse caso, pinçam versículos que são tomados fora de contexto. E “um texto, fora de seu contexto, pode ser pretexto”…

O texto de Josué 1.9 tem se tornado um mantra para um tipo de “evangelho de autoajuda”. Seja forte e corajoso! Vai dar tudo certo! Deus é contigo! É a mensagem geral, associada a este versículo. Porém, se a mensagem do SENHOR se limitasse a um “TAMO JUNTO”, “estou contigo”, como explicar que em Josué 7, os israelitas tenham sido derrotados? Deus mandou Josué para a luta e depois o abandonou? Quando os crentes enfrentam derrotas e crises, o que ocorre?.

A pandemia e as pestes na Bíblia

Uma outra abordagem bíblica exigira um estudo sobre as ”pestes”. Há textos como o Salmo 91, sendo utilizados pelas comunidades evangélicas e cristãs em todo o mundo. Esquecem, os irmãos e irmãs que assim o fazem que o tentador utilizou parte desse Salmo em sua investida contra Jesus (Mateus 4. 6, Lucas 4. 10-11). Cristo venceu o adversário de nossas almas com uma visão completa sobre a Vontade de Deus e as Escrituras. Anote isso: quem cita partes da Bíblia, sem os contextos, tem compromisso com a Verdade?

Além das dez pragas contra o Egito (Êxodo, capítulos 7 a 12), as pestes na Bíblia sempre são associadas ao juízo de Deus (o julgamento contra reis, nações, civilizações e a humanidade). É assim do Gênesis (Gn 12.17) ao Apocalipse (Ap 2.22). Ou seja, há um caráter pedagógico e correcional nas pestes. Logo, qualquer análise sobre a Covid-19 sem levar em conta nossa relação com Deus, com a humanidade e com a Criação, é uma análise parcial e tendenciosa.

Tem alguém aí com medo?

Uma irmã, querida e próxima, perguntou-me, quando fechamos a Igreja, entregando o imóvel alugado, em abril de 2020: “Pastor, o Senhor está com medo?” Eu tinha acabado de perder um amigo, crente e fiel, por causa da Covid-19. Respondi, simplesmente: “não estou com medo, estou triste”. Diante de mais de 180 mil famílias afetadas pelo luto, a pergunta sobre o medo é uma das piores respostas que podemos dar… Pior, a questão da Covid-19 não é uma questão de coragem e fé. Há algo ainda mais profundo…

Nesse momento, ficou claro para mim que as igrejas e os pregadores e pregadoras estão respondendo errado ao problema. Não é uma questão de medo. O “evangelho da autoajuda” nos fragilizou e individualizou tanto que, se estivéssemos nos tempos de Josué, responderíamos à derrota em uma batalha questionando Deus, Josué e a nós mesmos sobre o tamanho de nossa coragem e fé. E você conhece a história de Acã. Não é uma questão de coragem, não é um problema de crenças, é algo maior, não se trata de você, ou de sua vida emocional. Podemos dizer que, como na conquista da Terra Prometida, a Pandemia nos coloca diante do Juízo de Deus, diante de seus padrões éticos. Logo, a verdadeira questão é “estamos sendo pesados na balança”.

Mateus 19.19 – Honra teus pais e ama teu próximo

Em toda a Bíblia, Deus nos mostra que os padrões éticos das Escrituras são cruciais. É assim que Deus julga indivíduos, reinos, nações e civilizações. Há um padrão de justiça social e individual, do qual não podemos escapar. Por isso, para ajudar a memorização, dizemos que a questão da Covid-19, não é respondida por Josué 1.9. Não podemos e nem devemos, porém, nos tornar seletivos, na escolha das passagens que gostamos, ou que nos fazem bem. Deus proferiu Josué 1.9, associando sua promessa aos mandamentos. Como se ELE nos falasse: faz a tua parte, EU farei a minha.

Há várias passagens bíblicas que demonstram os termos de nossa relação com Deus, entrelaçando mandamentos, fé e obras. Entre elas, uma passagem do Evangelho: Mateus 19.19 (vou repetir os números para que você entenda COMO a Covid-19 nos coloca diante de um imperativo ético).

Em Mateus 19.19 um jovem, rico, com alta posição social, dono de muitas propriedades, posses, bens e com reconhecimento social, um cidadão “abençoado”, questiona o Salvador. Voltado para si mesmo, o jovem pergunta: O que “farei EU de bom, para ALCANÇAR a VIDA ETERNA”?

Cristo respondeu àquele jovem rico: Guarda os mandamentos.

O cuidado de si, o cuidado do próximo, a honra devida aos idosos (pais, mães, avós, bisavós) é algo que está nos mandamentos. A Pandemia nos coloca à prova justamente neste ponto: como temos cuidado da criação? Como cuidamos do próximo? Qual a prova que Deus está nos dando?

Cristãos de hoje, tão soberbos e egoístas quanto aquele jovem rico são confrontados com a Palavra de Jesus: ó Crente, desapega, acumula tesouros nos céus, cuida do próximo e segue-me.

Em outras palavras: fecha a tua igreja, cuida das pessoas, tira o foco da economia e prosperidade.

Estamos sendo provados.

Onde está a caridade cristã?

Como temos honrado nossos pais?

Quais são os nossos valores?

Temos acumulado tesouros nos céus?

São as perguntas que nos ocorrem, para avaliarmos a nossa resposta cristã à Pandemia.

Não é sobre você (e sua fé) que se trata. Mas de como você cuida dos vulneráveis e se você ama o seu próximo…

Jornalismo sem medo ou favor

Valeu aí, imprensa, até semana que vem. Eu não quero falar nada aí porque quero ter paz sábado e domingo.

Disse o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), em mais um de seus ataques à imprensa, na noite de sexta-feira (17/4), em frente ao Palácio do Planalto, quando se recusou a falar com a imprensa. Em seguida tornou a falar com os seguidores e voltou a hostilizar os meios de comunicação:

A Folha de São Paulo falou que tem um dossiê que eu fiz dizendo que havia um complô da Câmara, Supremo para me derrubar. Eles inventam cada coisa. Segundo uma fonte do Planalto… Sempre é assim. Se é tão grave assim, podiam dar o nome da fonte, né?

Na sequência, ao ouvir um seguidor afirmar que o Correio Brasiliense todos os dias fala mal dele, Bolsonaro disse:

O dia que falarem bem é porque fiz alguma coisa errada!

E finalizou:

Não leio jornal nenhum!

Tudo isso transmitido pelas redes sociais do próprio Bolsonaro. Dessa forma tem sido a relação do presidente com a imprensa. Vale, ainda, ressaltar as seguintes afirmações ocorridas no mês de março:

Se a imprensa diz que eu ofendo todo dia, o que estão fazendo todo dia ali [entrada do Palácio do Alvorada]? (05/03).

O dia que vocês se conscientizarem que vocês são importantes fazendo matérias verdadeiras, o Brasil muda. (05/03).

Quando vocês aprenderem a fazer jornalismo, eu converso com vocês. (06/03).

No último 26 de março, contrário à recomendação de quarentena da Organização Mundial da Saúde (OMS), Bolsonaro disse que foi criticado por sua postura, mas que a imprensa também estava descumprindo o isolamento social:

Atenção, povo do Brasil, esse pessoal aqui diz que eu estou errado porque tenho que ficar em casa. Agora eu pergunto: o que que vocês estão fazendo aqui? Imprensa brasileira, o que vocês estão fazendo aqui? Não tão com medo do coronavírus, não? Vão para casa! Todo mundo sem máscara!

Os ataques são frequentes aos jornalistas e à imprensa. Em lista elaborada pela organização Repórteres Sem Fronteiras, e publicada no último 21 de abril, o Brasil caiu, pelo segundo ano consecutivo, no ranking de liberdade de imprensa. O país ocupa o 107º lugar de 180 posições.

O relatório afirma que a eleição do presidente Jair Bolsonaro, “deu início a uma era particularmente sombria da democracia e da liberdade de imprensa no Brasil (…). A propriedade da mídia continua muito concentrada, especialmente nas mãos de famílias de grandes empresas que estão, com frequência, intimamente ligadas à classe política. A confidencialidade das fontes dos jornalistas está sob constante ataque e muitos repórteres investigativos foram submetidos a processos judiciais abusivos”, ressalta a entidade.

“Com ameaças e ataques físicos, o Brasil continua sendo um país especialmente violento para a mídia, e muitos jornalistas foram mortos em conexão com seu trabalho. Na maioria dos casos, esses repórteres, apresentadores de rádio, blogueiros ou provedores de informações de outros tipos estavam cobrindo histórias relacionadas à corrupção, políticas públicas ou crime organizado em cidades pequenas ou médias, onde são mais vulneráveis”, diz a Repórteres Sem Fronteiras.

Hoje, 03, celebramos o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. A data foi criada em 20 de Dezembro de 1993, com uma decisão da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) e celebra o Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Segundo levantamento da Repórteres Sem Fronteiras, Bolsonaro foi responsável por 32 ataques verbais ou ofensas à imprensa nos três primeiros meses de 2020. Uma média de um a cada três dias. De acordo com a entidade, o presidente realizou 15 ataques diretos a jornalistas, sendo cinco deles destinados às mulheres. Na ocasião do Dia Internacional da Mulher, março de 2020, a jornalista Juliana Kataoka fez um levantamento e destacou que oito mulheres jornalistas foram diretamente atacadas pelo presidente desde janeiro de 2019.

Diante desses ataques, podemos afirmar que há método e razão de ser. Nesse sentido é impossível dissociar a trajetória de Bolsonaro – de seus seguidores, bem como de diversos grupos antidemocráticos que avançam em todo o território nacional –, da postura misógina, relacionada à violência que é praticada contra a mulher e contrária aos direitos das mulheres e a todo tipo de feminismo. Lembremos que Jair Bolsonaro ganhou notoriedade quando, ainda deputado federal, disse que não estupraria uma colega “porque ela não merecia”. E no discurso de posse, como presidente da república prometeu combater o que chama de “ideologia de gênero” para “valorizar a família”, diga-se família, sua concepção heteronormativa, ou seja, a mulher subjugada à liderança masculina.

Por fim, ressalto a função vital da imprensa em tempo de crise. Sem a imprensa, sem profissionais comprometidos com a verdade seríamos contaminados com as informações falsas. Isso seria letal para toda sociedade.

No Dia Mundial da Liberdade da Imprensa, a ONU ressalta a importância da imprensa em meio à pandemia:

“Jornalistas e profissionais da mídia são cruciais para nos ajudar a tomar decisões informadas. À medida que o mundo luta contra a pandemia da Covid-19, essas decisões podem fazer a diferença entre a vida e a morte.”

Dessa forma começa a mensagem, em vídeo, do secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, para marcar o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. Lembrada anualmente em 3 de maio, a data tem como tema esse ano o Jornalismo sem medo ou favor.

Guterres fez um apelo aos governos, e à sociedade como um todo, para garantir que os jornalistas possam fazer seu trabalho durante a pandemia da Covid-19, incluindo outros temas. Os chefes da ONU e da Unesco alertaram ainda sobre a onda de boatos que tomou o planeta durante a crise, classificada como “infodemia”.

“À medida que a pandemia se espalha, dá origem também a uma segunda pandemia de desinformação, desde conselhos prejudiciais à saúde até teorias conspiratórias ferozes. A imprensa fornece o antídoto: notícias e análises verificadas, científicas e baseadas em fatos”, destacou.