Políticos e sites religiosos desinformam sobre resolução a respeito de atuação religiosa em presídios

O site Pleno.News publicou, em 2 de maio, matéria sobre a nova resolução do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), que supostamente proibiria o evangelismo nos presídios brasileiros, alegando o veto ao proselitismo religioso, ou seja, a prática de conversão ou persuasão religiosa ou de crença. 

A matéria citada destaca que o evangelismo passou a ser proibido dentro das penitenciárias do país e declara que nenhum detento poderá ser obrigado a aderir a determinada linha religiosa como requisito para transferência, admissão ou permanência na cadeia. O texto do site descontextualiza o que afirma o documento oficial de que não se trata de uma resolução do governo Lula (PT), e sim do CNPCP.

Fonte: Reprodução/Pleno.News

Parte dos parlamentares evangélicos no Congresso Nacional reagiu negativamente ao documento e acusou o governo de perseguição religiosa e de afrontar a liberdade das igrejas. O deputado federal Helio Lopes (PL-RJ) reproduziu em seu perfil no X uma imagem remetendo à matéria de Pleno.News. Já o deputado Messias Donato (PP-ES), também no X, publicou texto classificando a Resolução como indício de perseguição religiosa.

Imagem: reprodução do Instagram

Imagem: reprodução do X (Twitter)

O influenciador Guilherme Kilter também repercutiu a resolução como proibição de evangelismo nos presídios por parte do Governo Lula. O site Gospel Prime foi outro veículo que publicou matéria com conteúdo semelhante.

Imagem: reprodução do Instagram

Imagem: reprodução/Gospel Prime

O que diz a nova Resolução

A Resolução nº. 34, de 24 de abril de 2024, citada pela matéria do Pleno.News, e postada nas mídias digitais, estabelece as diretrizes e normas para a assistência religiosa nos estabelecimentos prisionais do país, levando em conta a liberdade religiosa e a laicidade do Estado. Sem caráter de lei, tem como objetivo respeitar a diversidade de crenças e a liberdade de escolha dos detentos, e não indica nenhuma proibição direta ao evangelismo.

O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) é um órgão colegiado formado por juristas, acadêmicos e representantes da sociedade civil criado em 1980 e com atribuições previstas pelo artigo 64 da Lei de Execução Penal – LEP (Lei nº 7.210, 11 de julho de 1984). Embora ele esteja atrelado ao Ministério da Justiça, a atribuição de responsabilidade pela discussão e eventual publicação de resoluções pelo chefe do Poder Executivo não procede. Isso ocorre porque a composição e a definição legal do Conselho impedem a interferência do governo federal nas decisões, conforme foi determinado desde a sua implantação. 

Ainda assim, o Ministério da Justiça emitiu nota esclarecendo que a Resolução nº35 visa a garantir a laicidade do Estado e proteger os direitos dos presos, evitando abusos e manipulações. No entanto, líderes evangélicos alegam que ela dificulta o trabalho de ressocialização e recuperação dos detentos por meio da fé. 

Resolução não proíbe evangelização

A Resolução reafirma as cláusulas pétreas da Constituição Federal de 1988, que em seu artigo 5º, inciso VI,  dispõe sobre a inviolabilidade da “liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. O artigo 19, inciso I, também reforça a separação do Estado e da religião. Vale lembrar ainda que a resolução estabelece que os agentes religiosos devem ser credenciados e seguir normas de conduta e segurança. 

O documento do CNPCP não proíbe a evangelização nos presídios, e afirma que  “será assegurado o direito de professar qualquer religião ou crença, bem como, o exercício da liberdade de consciência aos ateus e agnósticos e adeptos de filosofias não religiosas”. Além disso, “será garantido à pessoa privada de liberdade o direito de mudar de religião, consciência ou filosofia a qualquer tempo, sem prejuízo da sua situação de privação de liberdade”.

É importante reforçar que a Resolução  tem o objetivo de garantir todas as práticas religiosas, sem a interferência do Estado, e a autorização para entrada, em estabelecimentos penais, de materiais de cunho religioso para estudo e aperfeiçoamento. De acordo com o documento, a religião não pode ser forçada a ninguém, e nem a participação em cultos deve ser objeto de punição ou benesse. Além disso, oferece a fiéis de outras crenças a garantia do seu direito de culto. 

O presidente do CNPCP, Douglas de Melo, destacou que, ao contrário do que está sendo propagado e divulgado, a resolução não representa perseguição religiosa e reitera seu compromisso com a Constituição Federal e com diretrizes internacionais relativas ao tema. “Aliás, pelo contrário, pois ao longo dos debates realizados no processo de construção do documento, o CNPCP sempre se mostrou atento à necessidade de evidenciar a importância das garantias de liberdade de consciência e de crença e de livre exercício, em igualdade de condições, dos cultos religiosos. Nós reprovamos qualquer tipo de comportamento que coloque esse direito em risco”, declarou.  

A realidade prisional e das capelanias

Bereia ouviu Samuel Lourenço Filho, egresso do sistema prisional e que se converteu ao Cristianismo durante cumprimento de pena. Hoje formado em Gestão Pública para o Desenvolvimento Econômico e Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ele expressou sua incompreensão sobre a alegada perseguição a evangélicos nos presídios. A seu ver, “não há nada na resolução que crie margem para o uso do termo”. Também desconhece “há pelo menos uns 18 anos, alguma medida que aponte para algum traço de perseguição.”. 

Sobre o documento do Conselho, Lourenço Filho, esclareceu que se trata simplesmente de uma recomendação. “Se todas as recomendações do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) fossem seguidas à risca, o cenário prisional seria mais humano e menos populoso. Portanto, não se deve interpretar a resolução de forma tão extremada”, destacou, afirmando “foi mal interpretada em sua  tentativa de aparar arestas”.  

Lourenço Filho afirmou que “quem atua na ponta, na capelania prisional, sabe muito bem que não há perseguição de governo, gestor penitenciário, policial penal, preso ou qualquer outro. A igreja na cadeia é extremamente livre”. Ele enfatizou que não cabe na recomendação a questão do dízimo: “Como dizem por aí, ‘se tem placa, tem história’. Mas eu desconheço qualquer atividade religiosa que subtrai valores da população prisional; ao contrário, ela ajuda e ajuda muito. A igreja é extremamente importante no âmbito da assistência religiosa e material”.

Outro ponto citado foi a importância do papel da igreja no sistema prisional, como “organismo vital no apoio religioso e material”. Ele abordou as críticas sobre o uso do tempo e conversão na prisão, considerando-as desajustes. “Os presos evangélicos organizam-se rapidamente para manter seus espaços de culto e criar um ambiente próprio. É uma questão de respeito mútuo, e a separação por crenças é comum. Se os evangélicos não tivessem seu espaço, a dinâmica prisional, que é complexa, não reconheceria o preso convertido como ‘pastor’. A separação contribui para a conversão, a mudança e a manutenção de uma rotina pacífica”, explicou ao Bereia

Lourenço Filho reconheceu a prática comum do dízimo entre os próprios detentos, usada para manter e melhorar a vida na prisão.  “Já participamos de coletas de dinheiro na cela, em forma de dízimos e ofertas. Isso é parte da nossa dinâmica para conservação e manutenção do ambiente prisional,” explicou. Ele também destaca o uso compartilhado de espaços como capelas ecumênicas. “As igrejas, especialmente as evangélicas, que realizam cultos diários, contribuem com materiais para a construção e manutenção desses locais, que são frequentemente cuidados pelos próprios presos”, explica Lourenço Filho.

Para concluir a entrevista ao Bereia, Lourenço Filho ressalta que a principal questão não é a imposição de crenças, mas a falta de políticas inclusivas para outras atividades religiosas. “Se violões são permitidos nos cultos, por que não atabaques em outras cerimônias? Isso reflete uma falha da administração, não do governo”, argumenta. Para ele, a igreja continua sendo a principal provedora de assistência religiosa nos presídios, um papel frequentemente mal interpretado, visto que a prisão é um espaço público. Ele critica a eficácia da recente recomendação, considerando-a parte de uma controvérsia desnecessária contra o governo. “Quem realmente visita as prisões não se preocupa com essas recomendações e sim com o bem-estar dos detentos”.

Liberdade de culto para todas as religiões  

Bereia entrevistou também Erivelto Melchiades da Silva, pesquisador da área de Direitos e Sistema de Justiça, egresso do sistema prisional e defensor dos direitos religiosos. Segundo ele, a liberdade de culto é restrita em sua maioria aos evangélicos, e o que acompanha com sua visão e experiência “é uma ‘certa’ perseguição a outras denominações religiosas, principalmente as de religiões de matriz africana e, se esta resolução for cumprida a risca, favorece a liberdade de culto e crença de quem está privado do seu direito de ir e vir”.

Silva recorda que, durante sua estadia no sistema carcerário, o “proselitismo religioso” em realidade operava de forma agressiva e opressiva contra as outras religiões.  As de matriz africana eram as mais combatidas, “demonizando, desrespeitando e oprimindo os adeptos, através dos cultos e trabalhos evangelísticos realizados nas galerias das unidades prisionais, além da não permissão a utilização do templo religioso por parte de outras denominações a não ser as evangélicas”, conclui o pesquisador Erivelto Melchiades da Silva ao Bereia.

Lula e perseguição aos cristãos: antiga estratégia de pânico moral 

Desde a redemocratização do país em 1989, circulam especulações de que o PT fecharia igrejas, principalmente evangélicas, ao chegar ao Executivo. Esses rumores acompanharam as candidaturas de Luiz Inácio Lula da Silva (1989, 1994, 1998, 2002, 2006, 2018 e 2022), Dilma Rousseff (2010 e 2014) e  Fernando Haddad (2018). Mesmo com Lula (PT) e Dilma (PT) eleitos e reeleitos, esses boatos nunca cessaram, sendo  exponencialmente escalonados com o uso político-partidário das mídias digitais.  

Na última eleição,  circularam de vídeos e  publicações fora de contexto que insinuavam perseguição aos evangélicos, destruição das instituições da família tradicional heteronormativa e o fechamento de templos. Isso foi  amplamente utilizado para alimentar e monetizar as páginas de opositores, líderes religiosos e empresários  nas mídias digitais.

Veículos de imprensa e portais de  notícias se tornaram vetores de respaldo e apuração, possibilitando que tais tipos de manipulações dos fatos alcançassem diversos públicos. O caráter apelativo e distorcido da realidade, incitando ódio, rancor e medo,  tem sido bem explorado por setores religiosos, especialmente os ligados à extrema-direita brasileira.

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Bereia conclui que a matéria publicada pelo Pleno.News sobre resolução Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) proibindo a evangelização em presídios é enganosa. Ao contrário do que é afirmado pelo site e por políticos evangélicos e influenciadores, a decisão do Conselho não veta a evangelização, apenas reafirma a liberdade religiosa e a diversidade de cultos aos detentos do sistema penitenciário,  já garantidas pela Constituição de 1988. Também é incorreto atribuir a Resolução como ato da Presidência da República. O título distorce o conteúdo da matéria e apresenta fatos fora do contexto com o objetivo de causar comoção, se tornar mais atrativo para ser amplamente compartilhado,  e confundir o leitor. 

Referências de checagem:

BRASIL. Resolução no 34, de 24 de abril de 2024. Estabelece diretrizes para a assistência religiosa no sistema prisional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2024. Disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/resolucao-n-34-de-24-de-abril-de-2024-556521006. Acesso em: 6 maio 2024.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2023]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 7 maio 2024.

BRASIL DE FATO. Lula vai fechar igrejas? Conheça as principais mentiras contra o candidato petista. Brasil de Fato, 1º de outubro de 2022. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2022/10/01/lula-vai-fechar-igrejas-conheca-as-principais-mentiras-contra-o-candidato-petista. Acesso em: 6 maio 2024.

CPAD NEWS. Resolução do governo proíbe conversão religiosa em presídios. CPAD News, [s. l.], 2024. Disponível em: https://www.cpadnews.com.br/resolucao-do-governo-proibe-conversao-religiosa-em-presidios/. Acesso em: 6 maio 2024.

GOV.BR. Resolução de Conselho de política penitenciária garante liberdade religiosa em presídios. Disponível em: https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/resolucao-de-conselho-de-politica-penitenciaria-garante-liberdade-religiosa-em-presidios. Acesso em: 7 maio 2024.

G1. É #FAKE mensagem que diz que Lula declarou que irá fechar igrejas em 2023. Disponível em: https://g1.globo.com/fato-ou-fake/eleicoes/noticia/2022/10/07/e-fake-mensagem-que-diz-que-lula-declarou-que-ira-fechar-igrejas-em-2023.ghtml. Acesso em: 6 maio 2024.

O GLOBO. Bancada evangélica se revolta com resolução do governo Lula que proíbe proselitismo religioso em presídios. Disponível em: https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2024/05/04/bancada-evangelica-se-revolta-com-resolucao-do-governo-lula-que-proibe-proselitismo-religioso-em-presidios.ghtml. Acesso em: 10 maio 2024.

POLITIZE. Liberdade religiosa: o que é e como funciona no Brasil. Politize, [s.d.]. Disponível em: https://www.politize.com.br/artigo-quinto/liberdade-religiosa/#:~:text=O%20artigo%205%C2%BA%2C%20em%20seu,culto%20e%20a%20suas%20liturgias. Acesso em: 7 maio 2024.

VEJA. Governo cria regras para liberdade de culto e apoio espiritual em presídio. Veja, [s. l.], 2024. Disponível em: https://veja.abril.com.br/coluna/maquiavel/governo-cria-regras-para-liberdade-de-culto-e-apoio-espiritual-em-presidio. Acesso em: 6 maio 2024.

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Foto de capa: Ron Loach/Pexels

Site evangélico desinforma sobre caso dos convites de casamento para casal gay

O site evangélico Gospel Prime publicou, em 25 de abril, que o casal Thiago e Beatriz Jungerfeld Martins, proprietários da loja Jurgenfeld Ateliê e Fotografia, enfrentam ameaças online após recusarem, com base em seus princípios cristãos, um pedido de serviços para uma cerimônia de “união gay”.

Imagem: reprodução do site Gospel Mais

As ameaças, de acordo com Gospel Prime, incluem mensagens de “violência física e desejos macabros”, têm origem em “usuários que se identificam com a comunidade LGBT” e estariam sendo investigadas pela polícia para garantir a segurança do casal. 

Segundo a matéria do Gospel Prime, Thiago e Beatriz Jungerfeld Martins defendem sua postura como uma expressão de fé e não de discriminação. O site destaca a liberdade religiosa como um direito fundamental, o direito de cada cidadão ou empresa agir conforme suas crenças e ressalta a “perseguição enfrentada por cristãos em diversas partes do mundo”.

Bereia checou as informações publicadas por Gospel Prime. 

O caso dos convites de casamento

O caso descrito pelo site Gospel Prime veio à tona nas mídias sociais, quando o casal Henrique Nascimento e Wagner Cardoso, teve um pedido de convite de casamento negado pelo estabelecimento comercial Jurgenfeld Ateliê e Fotografia, com alegação de motivos religiosos que não aceitam união homoafetiva, registrou boletim de ocorrência, com a alegação de preconceito. . Henrique Nascimento publicou na plataforma X um trecho da troca de mensagens entre ele e o Ateliê no momento da recusa de atendimento. 

Imagem: perfil Henrique Nascimento do Facebook 

Imagem: Perfil Henrique Nascimento no X (antigo Twitter)

A repercussão desse caso trouxe grande visibilidade à empresa. Antes dele, o Ateliê Jurgenfeld contava com pouco mais de dois mil seguidores no Instagram, seguia 44 perfis, exibia 134 publicações e se apresentava como uma loja de artesanato com os dizeres: “Seu sonho merece um atendimento! do interior de SP à qualquer lugar.” [sic]

Imagem: reprodução do Instagram

Após a polêmica, o perfil passou a ter mais de 90 mil seguidores e a seguir apenas quatro perfis, as publicações antigas foram arquivadas e novas publicações de cunho religioso e a respeito dos convites negados foram feitas, com bloqueio de comentários. Além disso, o Ateliê passou a destacar sua confessionalidade religiosa no perfil, como “uma papelaria cristã de convites de casamento produzidos à mão”. 

Imagem: reprodução do Instagram

Um dos vídeos publicados na conta do Ateliê no Instagram, apagado depois da repercussão do caso, foi reproduzido na página do canal do YouTube do site Metrópoles. Nele, o casal afirma que recorrentemente nega serviço a casais homossexuais e equipara as críticas à sua escolha de “trabalhar dessa forma” com a própria homofobia:

“Enfim, não quero entrar no mérito da questão, mas nós não fazemos casamentos homossexuais e nem eventos homossexuais. Há algum tempo, basicamente uns dois anos, nós temos negado muito serviço em relação a isso. E hoje, esses dias na verdade, mas hoje em específico foi a gota d’água. Nós dissemos que não iríamos realizar nenhum tipo de casamento homossexual, nós não fazemos esse serviço, e fomos, de certa forma, retaliados por um casal que não aceitou a nossa oposição, não aceitou a nossa opinião, e tem de fato feito alguns comentários aqui no nosso Instagram, tanto da fotografia quanto do ateliê. Enfim, tem feito alguns comentários aqui no nosso Instagram falando sobre isso, dizendo que homofobia é crime, dizendo do nosso posicionamento. Enfim, eu gostaria de compartilhar isso com vocês, as pessoas que nos acompanham. Eu sei que talvez esse vídeo aqui possa talvez ter pessoas que deixem de nos seguir. De verdade, nós não nos importamos com isso, nós não estamos preocupados com a nossa fama, com as pessoas que não são nossos fãs. Não é isso. Nossa intenção com a fotografia não é essa, nunca foi essa, e nem com os convites de casamento. Então nós nos posicionamos assim e nós agora estamos sendo tachados de homofóbicos. E uma reflexão minha, acho engraçado porque quem tacha as pessoas homofóbicas, dizem que as pessoas que são homofóbicas, entre aspas, têm que aceitar o seu posicionamento, mas ao mesmo tempo não percebem que o argumento que elas usam para validar aquilo que elas acreditam é o mesmo argumento que as acusa também, porque nós temos que aceitar aquilo que elas são, mas é, as pessoas não podem aceitar que nós escolhemos fazer dessa maneira e trabalhar dessa forma” (Fala de Thiago Martins em trecho do vídeo publicado pelo Metrópoles).

Em seguida, os donos da loja publicaram uma nota de repúdio, que também já foi retirada do Instagram, indicando que estão sofrendo “heterofobia”. Afirmam também que defendem a “família como ela é” baseada no texto bíblico de Gênesis, condenam a busca por “privilégios” pelo homossexuais e fazem críticas pontuais à Rede Globo e à cantora Anitta, associadas à “galera” politicamente  correta.:

Imagem: reprodução da Carta Capital

A única publicação sobre o caso dos convites que continua na página do Instagram do Ateliê é bem mais branda do que as duas publicadas anteriormente. Nela, o casal afirmou que apesar de não ter buscado essa “fama”, veem um propósito divino em tudo e se alegram em honrar a Cristo. 

Os donos da loja agradecem as mensagens de apoio recebidas, a solidariedade de vários advogados que se ofereceram para ajudar legalmente, e a Polícia Civil de Pederneiras, pela atenção ao caso. Eles também mencionam o apoio de deputados e senadores, destacando que o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) e outros parlamentares defenderam sua causa. Agradecem aos amigos que os apoiaram durante esse período turbulento e pedem desculpas por qualquer ódio dirigido a eles. 

Finalmente, afirmam perdoar aqueles que os ofenderam ou ameaçaram, e pedem a Jesus que lhes dê graça para manter um diálogo respeitoso e sabedoria para seguir em frente. Concluem citando Tiago 1:2-4, que fala sobre considerar as provações como motivo de alegria por produzirem perseverança.

Não foram encontradas, nas publicações, evidências das ameaças sofridas pelo casal, referentes a “violência física” e “desejos macabros”, como mencionado pela matéria do Gospel Prime. O Ateliê foi contactado pelo Instagram, mas até o fechamento desta matéria ainda não forneceu resposta. 

A matéria checada pelo Bereia menciona dois pontos dignos de esclarecimento: a questão jurídica da liberdade religiosa envolvida no caso e o assunto da suposta perseguição a cristãos no Brasil e no mundo. 

Liberdade religiosa X discriminação 

O Brasil é um dos países recordistas de casos de discriminação e violência contra pessoas homoafetivas. Segundo dados do Dossiê do Observatório de Mortes e Violências contra LGBTI+ no Brasil, publicado em 2023, foram 273 vítimas de crimes de identidade de gênero ou sexual no Brasil. Este número equivale a dois assassinatos de pessoas LGBTQIA+ a cada três dias em 2022. Os assassinatos atingem mais mulheres trans e travestis: foram 159 casos (58%), segundo o relatório. Homens gays aparecem com 97 óbitos (35% das ocorrências). A maioria das mortes resultam de circunstâncias violentas, com armas de fogo, esfaqueamento, espancamento e apedrejamento. 

Por conta deste quadro dramático, do desprezo do Poder Legislativo e de ações protocoladas por segmentos da sociedade civil no Supremo Tribunal Federal (STF), a Corte decidiu, em 2019, equiparar a homofobia e a transfobia, por analogia, ao crime de racismo. A partir daí, a Lei 7.716/1989, que trata sobre crimes de discriminação ou preconceito de cor, passou a se aplicar também para questões envolvendo orientação sexual e expressão de gênero.

O artigo 5° da lei afirma que qualquer estabelecimento comercial aberto ao público não pode negar atendimento que se caracterize como discriminação. Portanto, o sistema jurídico brasileiro reconhece que qualquer conduta discriminatória em razão da orientação sexual e/ou identidade de gênero, incluindo a negação de atendimento e prestação de serviço por parte de uma empresa, é passível de punição.   

Nesse sentido, a Justiça entende que não há justificativa que não seja discriminatória para que um casal homossexual seja impedido de encomendar convites de casamento, principalmente com a afirmação expressa, por parte da própria empresa, de que a negação de atendimento se deu por causa da orientação sexual dos possíveis clientes. Segundo o advogado e jornalista André Eler ouvido pelo Bereia, “no contexto do Brasil não faz sentido dizer que uma alegação de consciência ou liberdade religiosa seja suficiente para que uma empresa negue um serviço com base em discriminação de orientação sexual”. 

Portanto, de acordo com esta orientação, por se tratar de uma relação jurídica em que uma empresa se nega a prestar serviços por causa da orientação sexual de uma pessoa,  a justificativa da liberdade de consciência religiosa não é válida nesse contexto. 

Perseguição dos cristãos pelo mundo

Quanto à afirmação de que este é um caso de perseguição religiosa, atribuída a aliados do casal homoafetivo, que reagiram à postura do casal dono da empresa, ela também é imprecisa e injustificada. Como já abordado  por Bereia, o termo “cristofobia”, entendido como uma perseguição a cristãos em países em que esse grupo religioso é majoritário, se trata de uma falácia que é instrumentalizada politicamente, com frequência. 

Nesse contexto, a ideia de que os cristãos estejam sofrendo perseguição ideológica, fomenta disputas no cenário religioso e político e é associada principalmente aos que se alinham a um conservadorismo no que se refere a pautas morais. Mesmo que os cristãos sejam a maioria no país e tenham plena liberdade de prática da fé, lutas antidiscriminação e iniciativas de inclusão de grupos historicamente marginalizados, que oferecem orientação distinta a de certas doutrinas e teologias, são interpretadas como noções e práticas contra o certos grupos religiosos, em especial, determinados cristãos. Com isso, são  utilizadas para criar uma noção de inimigo em comum.

Essa noção toma outros contornos quando associada, nos contextos religiosos, com a ideia de “batalha espiritual”, que entende a vida pública e a arena política como um espaço de disputa entre forças espirituais do bem e do mal. A ideia de batalha convoca os cristãos a se posicionarem a favor dos “princípios e valores cristãos”, entendidos geralmente como relacionados ao conservadorismo moral, e faz com que esse grupo se veja como atacado quando é confrontado em suas posturas discriminatórias.

Bereia já checou vários conteúdos  sobre o tema e mostrou  como o assunto da “perseguição aos cristãos” tem sido instrumentalizado por lideranças extremistas de direita, por meio de notícias de cunho duvidoso para criar pânico no público cristão. Este tema tem um histórico de ser utilizado em época de eleições para direcionar a preocupação das pessoas religiosas contra políticas progressistas, com disseminação de pânico moral sobre grupos de esquerda terem intenções de acabar com as igrejas do Brasil. Isto é falso pois carece de elementos factuais.

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Bereia classifica a matéria de Gospel Prime sobre os donos do Ateliê como imprecisa.

Os dados relativos ao caso em si são verdadeiros: houve a recusa por parte do Jurgenfeld Ateliê de prestar o serviço de confecção de convites de casamento ao casal Henrique Nascimento e Wagner Cardoso, expressamente por se tratarem de homossexuais, como comprovado nas próprias mídias digitais dos dois lados envolvidos.

Porém, não foi verificada a ocorrência de ameaças de violência física ao casal. Estas não foram tornadas públicas pelo casal, dono da empresa, que também não respondeu ao contato do Bereia.

Além disso, as afirmações da matéria sobre a dimensão jurídica desse caso, assim como sobre o contexto mais amplo de afirmação de perseguição  religiosa a cristãos, são falsas e se inserem em uma narrativa de desinformação ideológica, pauta extremista de direita.. 

A recusa do Jurgenfeld Ateliê de prestar serviços a um casal homossexual, com base em sua orientação sexual, coloca em evidência um conflito cada vez mais perceptível entre o direito à liberdade religiosa e o combate à discriminação no Brasil. A posição adotada pela empresa, embora respaldada por suas crenças religiosas, entra em confronto direto com a legislação brasileira, que equipara o preconceito sexual e de gênero  ao crime de racismo, com a proibição expressa a discriminação por orientação sexual em serviços públicos e privados. Isto significa que quem se vê impedido a prestar serviços a qualquer cidadão, no seu direito de consumidor, não deve atuar no ramo.

O caso também ressalta a utilização de narrativas de perseguição religiosa em contextos políticos e sociais, frequentemente empregadas para fortalecer posições conservadoras, de cunho extremista, especialmente em períodos eleitorais. A alegação de perseguição, muitas vezes desprovida de evidências concretas,  como demonstrado pela ausência de provas nesta direção, referentes às ameaças de violência alegadas, pode desviar a atenção do cerne da questão: a necessidade coexistir com  respeito e igualdade de direitos para todos, independentemente das diferenças, de vários tipos, entre cidadãos. 

Referências de checagem: 

Jurgenfeld Ateliê 

https://www.jurgenfeldatelie.com/

https://www.instagram.com/jurgenfeld.atelie/  Acesso em 30 ABR 24

Metrópoles (Declaração do casal) 

https://www.youtube.com/watch?v=pUD1afrfiPo Acesso em 30 ABR 24

Facebook

https://www.facebook.com/photo/?fbid=7612515832145892&set=a.443885815675632  Acesso em 30 ABR 24

Carta Capital: 

https://www.cartacapital.com.br/sociedade/loja-de-sao-paulo-se-nega-a-atender-casal-homossexual-e-alega-principios-cristaos/ Acesso em 30 ABR 24

Procuradoria Geral do Estado de São Paulo

https://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/revista2/artigo5.htm#:~:text=A%20Constitui%C3%A7%C3%A3o%20Federal%2C%20no%20artigo,culto%20e%20as%20suas%20liturgias. Acesso em 01 MAI 24

Coletivo Bereia

https://coletivobereia.com.br/cristofobia-uma-estrategia-preocupante/Acesso em 01 MAI 24

https://coletivobereia.com.br/apos-perda-de-mandato-de-dallagnol-politicos-religiosos-propagam-narrativa-enganosa-de-perseguicao/ Acesso em 01 MAI 24

https://coletivobereia.com.br/site-gospel-usa-video-de-participante-de-reuniao-do-pt-para-alimentar-desinformacao-sobre-perseguicao-a-igrejas-pelo-novo-governo/  Acesso em 01 MAI 24

https://coletivobereia.com.br/site-gospel-usa-video-de-participante-de-reuniao-do-pt-para-alimentar-desinformacao-sobre-perseguicao-a-igrejas-pelo-novo-governo/

https://coletivobereia.com.br/site-gospel-usa-nota-de-jornalista-para-explorar-tema-de-perseguicao-a-evangelicos/ Acesso em 01 MAI 24

Brasil de Fato

https://www.brasildefato.com.br/2020/11/13/cristofobia-projeto-de-poder-e-as-resistencias-da-luta-crista Acesso em 02 MAI 24

Senado Federal

https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=7916960&ts=1647262211806&disposition=inline Acesso em 03 MAI 24

Supremo Tribunal Federal

https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=414010 Acesso em 03 MAI 24

Observatório de Mortes e Violências LGBTI+ no Brasil

https://observatoriomorteseviolenciaslgbtibrasil.org/dossie/mortes-lgbt-2022/ Acesso em 05 MAI 24

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Foto de capa: Karolina Grabowska/Pexels

Sites religiosos disseminam desinformação sobre o enfrentamento da dengue

Os sites religiosos de notícias Pleno News e Gospel Prime publicaram recentemente matérias que acusam o Ministério da Saúde do governo federal de distorcer dados para minimizar o impacto da dengue no Brasil. Em 18 de março, ‘Gospel Prime’ divulgou  texto com o título “Ministério da Saúde distorce dados para minimizar impacto da dengue”. Também no dia 18,  Pleno News publicou críticas à pasta da saúde. Ambos os veículos se basearam em informações extraídas de matéria do jornal Folha de S. Paulo. 

Imagem: reprodução Gospel Prime

Imagem: reprodução Pleno.News 

Gospel Prime aborda críticas direcionadas ao Ministério da Saúde pela divulgação de dados inconsistentes sobre a letalidade da dengue em 2024, e pelo suposto inflacionamento de anúncios de repasses financeiros a estados e municípios para combater emergências sanitárias. Segundo o texto, o ministério utiliza informações preliminares para afirmar que a letalidade da dengue em 2024 é menor que a do ano anterior, mesmo com mais da metade dos óbitos ainda sob investigação. Especialistas citados na matéria questionam a validade dessa comparação, devido à grande quantidade de casos pendentes de conclusão.

O Ministério da Saúde mantém informes periódicos sobre os casos de dengue no Brasil e os números são baseados nas informações registradas por Estados e Municípios, onde o cálculo de índices de letalidade é apresentado.

Imagem: reprodução do Informe Diário COE Dengue nº 18 | 21 de março de 2024

A matéria do Gospel Prime menciona 513 mortes confirmadas e 903 em investigação, sugerindo que a letalidade poderia ser maior que a reportada. Críticas também são levantadas quanto à demora na atualização e liberação de dados e recursos, colocando em xeque a eficiência das ações do governo federal na crise.Porém o texto do site gospel não oferece as fontes para as declarações e dados apresentados. 

O Ministério da Saúde apresentou no Informe Diário todas as informações sobre o monitoramento dos casos de dengue. Bereia verificou que a Folha de S. Paulo publicou parcialmente as informações, sem detalhar os coeficientes de incidência e como as taxas estão sendo calculadas. 

O site Pleno News extraiu informações de matéria do jornal Folha de São Paulo. para discutir o uso de dados preliminares para comparar a letalidade da dengue entre os anos, sem citar as fontes. A matéria da Folha oferece um contexto mais detalhado, citando opiniões de especialistas que discordam da metodologia usada pelo Ministério da Saúde.

A matéria original fornece um panorama mais amplo das críticas, enquanto o resumo de Pleno News enfatiza aspectos negativos da gestão da crise, sem mencionar as complexidades envolvidas no processo de investigação dos óbitos e na liberação dos recursos.

Ambas as matérias mencionam a questão dos recursos financeiros, de que a pasta teria inflado repasses para dengue e estaria distorcendo dados com o objetivo de minimizar o impacto da doença. No entanto, a Portaria GM/MS Nº 3.160, de 9 de fevereiro de 2024 detalha como o repasse será administrado e quais condições vai obedecer para suprir as necessidades. 

Ainda que o recorte apresentado da matéria apresente dados que foram publicados pelo Ministério da Saúde, eles não foram publicados de modo completo pela Folha de S. Paulo e pelo Pleno News.

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Gospel Prime trata as informações sobre a dengue no Brasil de forma seletiva para justificar uma pauta negativa, ignorando dados oficiais que mostram uma redução na taxa de letalidade da dengue em comparação com o ano anterior.

O site sugere que a única maneira de interpretar os dados é admitir falhas do Ministério da Saúde, ignorando outras explicações válidas, como a melhoria nos métodos de diagnóstico e tratamento. 

O Gospel Prime por sua vez, introduz que, por alguns dados ainda estarem sendo investigados, toda a comunicação do Ministério da Saúde é questionável, o que pode semear dúvidas sobre a credibilidade de todas as informações fornecidas.

O resumo do Pleno News, sobre matéria da Folha de S. Paulo, utiliza o mesmo formato de publicação, com a seleção de  informações aleatórias , com ênfase nos aspectos negativos dos trabalhos realizados pela pasta. 

A matéria da Folha de S.Paulo, que serviu como fonte para ambos os sites, apresenta uma análise crítica das ações do Ministério da Saúde, embasada em declarações de especialistas e dados disponíveis, mas não em sua totalidade. 

Dessa maneira, a alegação de que o Ministério está inflando os repasses financeiros é enganosa, uma vez que o argumento utilizado traz dados verdadeiros, mas descontextualizados do panorama de combate à dengue. A análise do Bereia aponta que os valores anunciados são parte de um plano estruturado de assistência, cuja distribuição segue critérios transparentes e necessidades específicas de cada região, conforme documentado oficialmente pelo Ministério da Saúde.

Além destas questões, as matérias publicadas pelos sites religiosos mostram apenas parte dos dados e não citam a fonte de onde eles foram retirados, o que desinforma pois limita a compreensão a respeito do que tem sido feito pela pasta. 

Referências de checagem:

Folha de São Paulo.

https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2024/02/casos-de-dengue-em-sao-paulo-em-2024-ja-ultrapassam-todo-o-ano-de-2023.shtml Acesso em 19 MAR 24

https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2024/03/saude-infla-repasses-para-dengue-e-distorce-dados-para-minimizar-impacto-da-doenca.shtml Acesso em 22 MAR 24

Ministério da Saúde.

https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2024/fevereiro/ministerio-da-saude-anuncia-dia-d-nacional-para-combater-a-dengue Acesso em 19 MAR 24

https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2024/fevereiro/ministerio-da-saude-amplia-para-r-1-5-bilhao-os-recursos-para-emergencias-como-enfrentamento-da-dengue Acesso em 20 MAR 24

https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2024/marco/entenda-o-indicador-de-taxa-de-letalidade-utilizado-para-monitorar-obitos-por-dengue#:~:text=De%20acordo%20com%20o%20informativo,est%C3%A1%20em%203%2C4%25. Acesso em 22 MAR 24

https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2024/marco/ministerio-da-saude-elabora-estrategia-para-redistribuicao-das-vacinas-da-dengue Acesso em 22 MAR 24

https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/a/arboviroses/informe-diario/informe-diario-coe-dengue-no-18/view Acesso em 22 MAR 24

Diário Oficial da União. https://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-gm/ms-n-3.160-de-9-de-fevereiro-de-2024-542590475 Acesso em 24 MAR 24

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Foto de capa: Walterson Rosa/Ministério da Saúde

Site gospel desinforma sobre caso de deputada evangélica da Finlândia processada por ofensas a pessoas LGBTQIA+

O Portal de notícias Gospel Prime veiculou a informação de que a deputada Päivi Räsänen, do Partido Democrata Cristão da Finlândia, ex-ministra do Interior, está sendo processada por emitir opiniões em relação à sexualidade humana com base na Bíblia. Gospel Prime reproduz matéria publicada no site estadunidense Faithwire, que afirma que “o dilema de Räsänen começou em 17 de junho de 2019, quando ela tuitou o texto de Romanos 1:24-27, que condena a homossexualidade como pecaminosa.” 

Segundo o portal gospel, o processo em questão é motivado por perseguição ao Cristianismo, religião da deputada.

Bereia checou as informações sobre o caso. 

Imagem: reprodução Gospel Prime

Quem é Päivi Räsänen

Päivi Maria Räsänen, 63 anos, é uma política finlandesa do partido Democrata Cristão (KD).  Ela se envolveu na política no início dos anos 1990 e foi apresentada ao parlamento da Finlândia em 1991, do qual se tornou membra em 1995. Em 2004, Päivi Räsänen foi eleita líder do partido KD. Após as eleições na Finlândia em 2011, ela se tornou ministra do Interior no gabinete do então Primeiro-ministro, Jyrki Katainen no período de 2011 a 2015. 

Päivi Räsänen é médica, com confissão cristã luterana, uma das igrejas nacionais do país  (a outra é a Ortodoxa), casada com o pastor da igreja Niilo Räsänen, com quem tem cinco filhos. Ela mora em Riihimäki e é membra do Conselho da Cidade.  

De acordo com checagem do Bereia realizada em 03 de maio de 2020, “A parlamentar é conhecida por defender os pontos de vista conservadores sobre aborto, eutanásia, educação sexual e casamento. Desde que entrou para a política tem levantado posições contra o casamento homoafetivo, adoção por casais de mesmo sexo e contra o direito de casais de mulheres ou mulheres solteiras realizarem inseminação artificial. Em 2004 ela escreveu uma cartilha contra a homoafetividade para a Fundação Luther: “Ele os criou, homem e mulher – a homossexualidade desafia o conceito cristão de homem”.

Já o site All Famous diz que Päivi Räsänen é “Uma conservadora social convicta, que gerou polêmica ao expressar publicamente suas visões negativas tanto dos muçulmanos quanto das pessoas LGBT”.

O tema da Igreja perseguida no contexto do caso Räsänen

Bereia se deteve na informação do Gospel Prime, de o caso ser relacionado a “Igreja Perseguida”. A equipe buscou pesquisar se, de fato, a parlamentar foi processada por ser cristã, o que caracterizaria perseguição religiosa na Finlândia contra cristãos. 

Gospel Prime tomou como fonte, de onde reproduziu  matéria sobre o processo do Ministério Público finlandês contra Räsänen, o site Faithwire. O espaço digital é um portal de propagação de conteúdo religioso, de tendência conservadora, com ênfase na pauta de costumes, com forte apelo contrário aos direitos LGBTI+. 

Bereia apurou que, desde 2004, a deputada Räsänen move uma campanha antidireitos LGBTI+ na Finlândia. No início do ano, a deputada caracterizou, publicamente, entre outras ofensas, a homoafetividade como um distúrbio do comportamento, vergonha, pecado.  Em 2019, em um programa transmitido por uma estação de rádio pública finlandesa, a Yle, Räsänen descreveu a homossexualidade como uma forma de “degeneração genética.” 

Bereia apurou  teor do atual processo contra a deputada. De a acordo com a nota à imprensa divulgada pela Autoridade Nacional do Ministério Público da Finlândia, Räsänen estaria sendo processada por incitação contra contra grupos étnicos, neste caso, grupos de pessoas homoafetivas representados pela comunidade LGBTI+ daquele país. Conforme nota à imprensa:

“As acusações referem-se a três entidades diferentes.

Räsänen redigiu o escrito “Mieheksi ja naiseksi hän sikke loi. Homosuhteet haastavat kristillissen ihmiskäsitysken.” (Ele os criou homem e mulher. As relações homossexuais desafiam a visão cristã do homem). Em seus escritos, Räsänen apresentou opiniões e informações que são depreciativas para os homossexuais. Entre outras coisas, Räsänen afirmou que a homossexualidade é um transtorno de desenvolvimento psicossexual cientificamente comprovado. Pohjola publicou o texto no site da Fundação Luther na Finlândia e da Fundação Evangelical Lutheran Mission na Finlândia.

Além disso, Räsänen publicou em sua conta no Twitter e Instagram, bem como em sua página no Facebook, uma opinião depreciativa sobre os homossexuais, segundo a qual a homossexualidade é uma vergonha e um pecado. 

Räsänen também está no programa da rádio Yle Puhe, em um episódio com o título “O que Jesus pensava sobre os homossexuais?” fez declarações depreciativas sobre homossexuais. Lá, Räsänen disse que se a homossexualidade é genética, é uma degeneração genética e uma herança genética que causa uma doença. De acordo com a visão de Räsänen, os homossexuais também não são criados por Deus como os heterossexuais.

De acordo com o processo, as declarações, especificadas mais detalhadamente nas acusações contra Räsänen, são depreciativas e discriminatórias contra os homossexuais. As declarações violam a igualdade e a dignidade humana dos homossexuais, razão pela qual ultrapassam os limites da liberdade de expressão e de religião.

O Procurador-Geral acredita que as declarações de Räsänen implicam preconceito, desprezo e ódio para com os homossexuais.

O pedido de citação foi apresentado ao Tribunal Distrital de Helsínquia (processo do tribunal número R 21/3567 e processo do Procurador número R 19/16305).”

Portanto, a afirmação de que a publicação de um trecho da Bíblia seria a razão da promotoria ter denunciado a parlamentar do Partido Democrata Cristão finlandês à justiça, não corresponde ao histórico de Räsänen, de cunho antidireitos LGBTI+, conforme registros de sua atuação.

A fonte do Gospel Prime, o site Faithware, divulgou o caso com a interpretação de se tratar de perseguição religiosa, por citação da Bíblia. No entanto,  tal informação omite do público que declarações depreciativas que atacam os direitos da pessoa humana ultrapassam os limites da liberdade religiosa. Que os membros das Igrejas tem a obrigação de cumprir as leis de seus países, sobretudo, na Finlândia onde a maioria das denominações são financiadas pelo Estado.  

Religião na Finlândia

A religião cristã é predominante na Finândia, onde 77,1% da população estão ligados às igrejas Luterana, Ortodoxa e Católica, conforme o Relatório de 2023 da ACN (sigla do nome em Inglês Aid to the Church in Need), ligada ao Vaticano. A Igreja Evangélica Luterana da Finlândia tinha em 2022, cerca de 3,6 milhões de membros, sendo 65,2% da população. A população atual da Finlândia é de 5.580.127 milhões de habitantes. 

De acordo com checagem do Bereia em 2020, a Constituição  da Finlândia “garante a liberdade religiosa e de consciência, que inclui o direito a professar e praticar uma religião, expressar as próprias crenças e pertencer ou não a uma comunidade religiosa. Proíbe igualmente a discriminação baseada na religião. Além disso, a Lei da Liberdade Religiosa regulamenta o reconhecimento das comunidades religiosas, com possibilidade de receber fundos públicos. As comunidades religiosas reconhecidas incluem a Igreja Luterana Evangélica da Finlândia, a Igreja Ortodoxa da Finlândia e outras comunidades, como a Igreja Católica, as Testemunhas de Jeová, a Igreja Evangélica Livre e os Adventistas do Sétimo Dia. A religião pode ser praticada sem registro junto das autoridades estatais”.

Ainda conforme o Relatório 2023 da ACN sobre liberdade religiosa na Finlândia: “Parece que não houve restrições governamentais novas ou maiores à liberdade religiosa durante o período em análise, mas a liberdade de expressão poderia estar em risco por meio da utilização da lei da ‘agitação étnica’. Os elevados índices de crimes de ódio por motivos religiosos ainda são uma área de preocupação. O nível consistentemente elevado de imigração muçulmana associado à retórica antimuçulmana de extrema-direita poderia criar problemas significativos no futuro para a Finlândia”.

O avanço da extrema-direita nos países Nórdicos

A observação da ACN, sobre os crimes de ódio contra islâmicos,  tem relação com a atual tendência observada nos países membros da União Europeia (EU), também os países nórdicos, Finlândia, Noruega, Islândia, Suécia e Dinamarca. Eles estão abrindo espaço para a extrema-direita na política. Na Finlândia e na Suécia, partidos da extrema-direita já fazem parte dos governos desses países, eleitos recentemente.

Na Dinamarca,o bloco de esquerda da primeira-ministra social-democrata Mette Frederiksen, ganhou as eleições em novembro de 2022, “mas sem maioria face ao bloco que junta a direita e extrema-direita, de acordo com as sondagens à boca das urnas”, segundo o site de notícias Sapo.

“Migração, crise econômica e a ameaça russa são alguns dos temas que têm contribuído para o avanço da extrema-direita na Europa, segundo os analistas”, informa o canal EuroNews com a chamada: “Extrema-direita ganha poder na EU via coligações”.

Por que a extrema-direita da deputada Räsänen avança na Finlândia 

De acordo com a doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Mariah Lança, “a ascensão da extrema-direita no mundo é uma tendência como uma reação a uma série de processos econômicos e políticos cujos ciclos parecem estar chegando ao fim”. A cientista política cita como exemplo o estado de bem-estar social que concedia direitos e uma rede de proteção para os europeus de uma forma geral que lhes proporcionou uma qualidade de vida muito boa nas últimas décadas. “Este estado de bem-estar está quebrando por conta das sucessivas crises econômicas que a Europa passa nos últimos anos e, isso gera um empobrecimento da população . A economia sempre acaba falando mais alto na busca de soluções que prometem resolver essa situação que atinge os países”, explica.

A professora afirma ainda que além dessa perda de qualidade de vida, uma outra questão que explica o fortalecimento da extrema-direita em países europeus é o processo de globalização acelerado que “faz com que pessoas, grupos, circulem no mundo, muito especificamente na Europa, como nunca antes havia acontecido; processo migratórios mais intensos, que embora sempre tenham existido, se intensificaram a partir do final do século 20 e início do século 21. E, nesse sentido, começam a se destacar grupos reacionários que se sentem ameaçados, não só do ponto de vista econômico, mas principalmente cultural, como se houvesse uma perda da identidade nacional e uma consequente busca sobre quem pode ser o povo dentro daquele Estado/nação”. 

Para a cientista política, “esse purismo/fascismo cultural é responsável pelo fortalecimento dos grupos de extrema-direita na Europa que têm discursos como fechamento de fronteiras e a defesa de uma nacionalidade. O nacionalismo radical está na base de todos os grupos fascistas da extrema-direita, muito aliados ao poder, ao sistema neoliberal no qual o Estado deixa a economia com seus processos predatórios e como fonte de enriquecimento para esses. O sociólogo Michael Löwy , afirma no artigo “Conservadorismo e extrema-direita na Europa e no Brasil”, que  “A orientação reacionária nacionalista, na maioria das vezes, é ‘complementada’ com uma retórica ‘social’, em apoio às pessoas simples e à classe trabalhadora (branca) nacional. Em outras questões – por exemplo, neoliberalismo, democracia parlamentar, antissemitismo, homofobia, misoginia ou secularismo – esses movimentos são mais divididos”.

Partido de centro-direita, aliado à extrema direita, governa a Finlândia

Na Finlândia, os membros do Parlamento finlandês (Eduskunta) elegeram em junho deste ano, como primeiro-ministro do país, o líder ultraconservador  Petteri Orpo. Ele fez uma campanha baseada em uma agenda anti-imigração e eurocética. Em 2 de abril deste ano, as eleições gerais na Finlândia deram vitória à Coligação Nacional, partido de centro-direita e conservador.

Depois de um período tumultuado de negociações que se seguiram às eleições legislativas de abril, Petteri Orpo anunciou uma coalizão com o Partido dos Finlandeses, de extrema direita, que ficou em segundo lugar nas eleições legislativas, e outras duas formações de direita. Os quatro aliados têm 108 das 200 cadeiras do Parlamento.

 Análises indicam que ” a Finlândia, com 5,5 milhões de habitantes, poderá assim juntar-se à onda nacionalista que varre a Europa, após a ascensão dos conservadores ao poder na vizinha Suécia e a vitória da extrema direita na Itália”.

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Bereia considera enganosa a notícia reproduzida no Gospel Prime. Embora o conteúdo trate de um fato ocorrido, a matéria  do portal religioso, além de imprecisa, sem apresentar o caso com a amplitude necessária para ser considerado informação, manipula dados para incutir a ideia de perseguição à deputada por ser cristã. 

Além da matéria não oferecer dados substanciais do teor do processo do Ministério Público finlandês contra a deputada Päivi Räsänen, esconde o histórico da atuação antidireitos LGBTQIA+ da parlamentar, o que leva o público a crer que existe perseguição ao Cristianismo naquele país. 

Räsänen está sendo processada por causa das suas declarações depreciativas e discriminatórias contra as pessoas hhomoafetivas. Está sendo responsabilizada por suas declarações, tendo utilizado veículos públicos de comunicação, contra a dignidade humana dessas pessoas. Na avaliação das autoridades, as declarações da deputada ultrapassam os limites da liberdade de expressão e de religião.

Igreja Perseguida é tema amplo no mundo e o Gospel Prime coloca um caso individual sob este guarda chuva, na linha do terrorismo verbal, com o objetivo de criar medo da perseguição a cristãos, e fazer crer que se alguém como Päivi Räsänen é perseguida fora do Brasil, também pessoas serão perseguidas aqui.

A tentativa de se construir a ideia da perseguição aos cristãos no Brasil, sob a noção da suposta “cristofobia “, tem sido uma constante em sites de notícias religiosas, tendo como fontes personalidades da extrema direita brasileira ou de outros países, como é o caso desta checagem. Bereia já verificou várias vezes o assunto e mostra que liberdade religiosa, em um Estado laico e plural, não quer dizer liberdade para ofender e impedir direitos em nome de uma única doutrina religiosa. 

A publicação do Gospel Prime representa desinformação por usar a imprecisão e manipular dados. 

Referências:

Autoridade Nacional do Ministério Público da Finlândia. https://syyttajalaitos.fi/sv/-/paivi-rasanen-samt-lutherstiftelsens-juhana-pohjola-atalas-for-hets-mot-folkgrupp. Aceso 30 set 2023

Faithwire. https://www.faithwire.com/tag/religious-liberty/. Acesso 27 Set 2023

Bereia. https://coletivobereia.com.br/cristofobia-perseguicao-a-cristaos-e-fechamento-de-igrejas-estao-entre-os-temas-com-mais-desinformacao-em-espacos-religiosos-nestas-eleicoes/. Acesso 30 set 2023

Reuters. https://www.reuters.com/world/europe/christian-mp-goes-trial-finland-calling-homosexuality-disorder-2022-01-24/ Acesso 27 Set 2023

ACN. Relatório 2023. Finlândia. https://www.acn.org.br/finlandia/ Acesso em 26 set 2023

All Famous. https://allfamous.org/pt/people/paivi-rasanen-19591219.html . Acesso em 26 set 2023

CartaCapital. https://www.cartacapital.com.br/mundo/centro-direita-vence-eleicoes-na-finlandia/?fbclid=IwAR2E-v5IW6son4Gt8rcW1dGLHz4w-dBiXHiYjkkKU8w4zaQkAc7R3_vkvkQ . Acesso em 27 set 2023

Coletivo Bereia. https://coletivobereia.com.br/a-finlandia-nao-esta-prestes-a-tornar-o-cristianismo-ilegal/ . Acesso em 26 set 2023

Diário de Notícias. https://www.dn.pt/internacional/petteri-orpo-eleito-oficialmente-primeiro-ministro-da-finlandia-16559865.html Acesso em 26 set 2023 

Estado de Minas. https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2023/06/15/interna_internacional,1507981/finlandia-tera-governo-conservador-com-a-extrema-direita.shtml Acesso em 26 set 2023

EuroNews. Youtube. https://www.youtube.com/watch?v=ps_ib_9ihGY . Acesso em 26 set 2023

Finland’s Constitution of 1999 with Amendments through 2011, capítulo 2, seção 11, constituteproject.org, https://www.constituteproject.org/constitution/Finland_2011.pdf?lang=en . Acesso em 26 set 2023

Freedom of Religion, Religious Affairs, Ministério da Educação e Cultura. https://okm.fi/en/freedom-of-religion Acesso em 26 set 2023 

Päivi Räsänen. In: Wikipédia, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2022. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=P%C3%A4ivi_R%C3%A4s%C3%A4nen&oldid=63749044 Acesso em 26 set 2023

Religião na Finlândia. In:Wikipédia, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2023. https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Religi%C3%A3o_na_Finl%C3%A2ndia&oldid=66151448. Acesso em 26 set 2023

Sapo. https://24.sapo.pt/atualidade/artigos/esquerda-ganha-eleicoes-na-dinamarca-mas-sem-maoria . Acesso em 27 set 2023

Scielo. https://www.scielo.br/j/sssoc/a/MFzdwxKBBcNqHyKkckfW6Qn/?fbclid=IwAR3RwnSfA86t3SDR2YuD1BXqdxP5rbJeEP3fPcZmJLBGbM6SMG8x1ogCdY4#. Acesso em 27 set 2023

Foto de capa: reprodução/ Youtube

Montagem em vídeo sustenta pânico sobre perseguição a igrejas com base em entrevista de ex-presidente do PT

Na primeira semana do período pós-eleitoral passou a circular, especialmente pelo Twitter e pelo WhatsApp, um vídeo de dois minutos em que o ex-deputado federal e ex-presidente do Partido dos Trabalhadores (PT) José Genoino, em entrevista, explicaria como partido irá “combater” e “confrontar” as igrejas.

Imagem: reprodução do canal “Católicos de Verdade” no YouTube

Imagem: reprodução do canal “Melodia News” no YouTube

O conteúdo foi transformado em matéria de sites de notícias ligados à extrema-direita política como o evangélico Pleno News e a revista Oeste, sob os títulos: “José Genoino promete retaliação contra igrejas no governo do PT” e “Genoino revela plano do PT para ‘confrontar’ igrejas evangélicas”. 

A origem do vídeo

O vídeo com a entrevista de José Genoino é um extrato da participação do político no  programa Sabadão, do Diário do Centro do Mundo (DCM), transmitido pelo Youtube. O programa teve a duração de três horas e Genoino foi entrevistado pelo jornalista Kiko Nogueira e pela advogada Sara Vivacqua  por uma hora e 55 minutos de duração. A entrevista versou sobre uma avaliação do político do processo eleitoral concluído em 30 de outubro. 

Por volta dos 50 minutos de entrevista, Nogueira e Vivacqua questionaram José Genoino sobre o sentimento de ódio disseminado durante e depois das eleições contra o candidato Lula (PT), seu partido e as esquerdas. Para isso, fizeram uso de um vídeo que mostra um pastor batista falando do púlpito contra membros da igreja que votaram no PT e contra pessoas do Nordeste que ajudaram a derrotar o presidente Jair Bolsonaro (PL). A partir desse caso os entrevistadores perguntaram qual deve ser a política do novo governo em relação às igrejas orientadas pela extrema-direita e se haverá alguma postura diferenciada sobre impostos. A contextualização dos entrevistados tem a duração de três minutos e a resposta do ex-presidente do PT dura dois minutos.

Na resposta, Genoino não fala em nome do PT sobre qualquer plano do partido para retaliar ou confrontar igrejas no Brasil. O ex-parlamentar inicia com a afirmação de que é preciso tratar “institucionalmente, com muita habilidade” para não haver acusações de que se está perseguindo as igrejas. 

Para Genoino é preciso abordar o tema de maneira equilibrada e começar com a mudança do sistema tributário pois “não só as igrejas que não pagam imposto no Brasil, os meios de comunicação também (…), [com] as isenções, o papel, rádio”. A partir disto o ex-presidente do PT afirma: “é preciso fazer uma reforma agrária no ar para depois fazer na terra (…) e colocar num conjunto mais amplo porque senão vão dizer que a gente está perseguindo as igrejas, numa guerra santa (…) portanto temos que ter cuidado, o que vai exigir uma habilidade muito grande”.

Genoino considerou ainda que a medida que se vão criando melhorias nas condições de vida se vai formando uma “massa crítica a este fundamentalismo, estas figuras toscas, a estas figuras fundamentalistas”, referindo-se a líderes religiosos como o pastor batista do vídeo apresentado. Para o político, será preciso uma batalha no campo das ideias com muito cuidado para não ser vítimas do que “eles mesmos pregam que é o maniqueísmo”. Nesse sentido, ele afirma ser fundamental que se organize pela base, como foi no segundo turno das eleições, quando as igrejas tiveram “limitação política para atuar” porque foram organizados coletivos de religiosos que apoiaram Lula e foram realizados atos com religiosos em cidades. Genoino destacou ainda que há lideranças religiosas que atuam nos meios de comunicação e “prestam péssimo serviço com este tipo de coisa” (referindo-se ao vídeo exibido com o pastor batista), por isso será preciso “ver o melhor caminho para enfrentar”.

Montagem grosseira

O vídeo que circula nas redes para reacender o pânico da perseguição às igrejas, tema frequente de falsidades checadas pelo Bereia, tem a duração de dois minutos e é uma montagem do total de cinco minutos em que o tema foi tratado na entrevista. Os cortes grosseiros incluem trechos das questões dos entrevistadores sobre o relacionamento com as igrejas e outros da resposta de José Genoino, com a exclusão do contexto exposto com o vídeo do pastor batista de Piabetá (RJ). As falas foram selecionadas para dar o tom do suposto combate às igrejas.

O Pleno News chegou a usar um subtítulo na pequena matéria: “Ele fala em combater os evangélicos no campo das ideias e acabar com ‘figuras toscas fundamentalistas”.

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Bereia avalia como enganosas a montagem em vídeo com trechos da entrevista de José Genoino ao programa Sabadão do DCM e as matérias publicadas sobre ele.  Tais conteúdos compõem o acervo de material desinformativo criado com o objetivo de manter o pânico entre fiéis cristãos no tocante ao tema da perseguição a igrejas que permeou toda a campanha eleitoral de 2022.

Referências de checagem:

Pleno News. https://pleno.news/brasil/jose-genoino-promete-retaliacao-contra-igrejas-no-governo-do-pt.html?fbclid=IwAR2e8dfPE7bOwJUU37-uxwTmQYjQyN4uL5Tgh8g4MixafnlZyHn0UXyE0I8 Acesso em:  12 nov 2022

Revista Oeste. https://revistaoeste.com/politica/genoino-revela-plano-do-pt-para-confrontar-igrejas-evangelicas/?fbclid=IwAR0QK1mIkOc_NcIk09gnc30mwwvdwWrfBJGggvnqDiwFXLze_D5VuzW95nE Acesso em: 12 nov 2022

YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=Dk7OfasAQ0w Acesso em:  14 nov 2022

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Imagem de capa: frame de vídeo no YouTube

Ex-presidente Lula defende a regulamentação das redes sociais

  • Matéria atualizada em 25/11/2021 às 21:03

O portal de notícias evangélico Gospel Prime noticiou que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em “excursão” pela Europa (termo colocado na matéria entre aspas, denotando questionamento), defendeu a regulamentação as mídias sociais, bem como a cobrança de impostos para as empresas proprietárias de plataformas. Segundo o Gospel Prime, Lula justificou a questão com o fato de o Brasil tem um presidente que  “conta cinco mentiras por dia em suas redes sociais”.

Imagem: reprodução do Gospel Prime

A entrevista 

Gospel Prime não indica a fonte da matéria que publicou. Bereia verificou que o site religioso se baseou na entrevista dada pelo ex-presidente, em 18 de novembro, ao grupo S&D (Socialista e Democrata) do Parlamento Europeu, durante o  evento “Global progressive forum 2021” (Fórum Global Progressista 2021), disponível em vídeo. Lula foi convidado a debater nesse evento sobre o futuro da democracia e seus riscos. Pautas como desigualdade social, questões climáticas, ecossustentabilidades e democratização das mídias foram debatidas na ocasião.

 Na entrevista, Lula defendeu que o futuro da democracia está na luta contra as desigualdades, “todos têm que ser tratados em igualdade e tenham as mesmas oportunidades”, defende. Quando questionado sobre o futuro da democracia na América Latina, o ex-presidente alegou a importância de defender um modelo político democrático em que os sujeitos tenham “igualdade” em setores como economia, educação, mercado de trabalho e meios de comunicação. A partir desse ponto da entrevista, foi iniciado o questionamento sobre comunicação e mídias sociais. Lula afirmou “os meios de comunicação têm que ser democráticos, todas as pessoas têm que ter direito a serem ouvidas pelos meios de comunicação; não é o dono do jornal, ou o dono da televisão, que é o sensor. É preciso que a sociedade tenha uma participação, nessa democratização dos meios de comunicação”.

A fala sobre “regulamentação das redes sociais”, como foi abordado pelo portal de notícias, se deu quando o ex-presidente mencionou as eleições de Donald Trump à Presidência dos EUA, bem como o uso das mídias sociais pelo presidente Jair Bolsonaro: “no Brasil, nós temos um presidente que conta cinco mentiras por dia, através das redes sociais, mas isso não nega a democracia”

Para Lula, a “regulamentação” se justifica como “empecilhos à maldade” circulante nas mídias sociais (crimes de ódio, manipulação de informações, fake news ou informações que possam vir a tentar contra a integridade humana), “uma coisa é você usar as redes de comunicação para informar, outra coisa é pra fazer maldade, outra coisa é pra contar mentira, outra coisa é pra causar prejuízo a sociedade”, disse. Um dos benefícios da regulamentação, apontado pelo ex-presidente, é a taxação de impostos para que os proprietários de plataformas possam operar no país. 

Lula e a regulamentação da mídia 

Esta não é a primeira vez que o ex-presidente Lula menciona a regulamentação das mídias. Apesar da pauta estar presente desde o seu primeiro mandato e retomado com a ex-presidente Dilma Rousseff, o debate permaneceu “dormente” até o lançamento do livro “Fascismo: ontem e hoje” (escrito por membros da Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT), quando Lula retomou a discussão publicamente. Voltando a tocar no assunto em sua viagem realizada pelo Nordeste, no final de outubro, em entrevista concedida à Rádio Metrópole da Bahia, desta vez como uma promessa de campanha, caso venha a se candidatar para as eleições de 2022. Em entrevista Lula afirmou “a regulamentação dos meios de comunicação é do tempo que a gente conversava por carta, é de 1962, olha a evolução que houve nas comunicações, você não acha que a internet tem que ter uma regulamentação? Uma regulamentação que não seja censura, uma regulamentação que permita que a gente conduza a internet mais pro bem que para o mal”. Na mesma entrevista, Lula prometeu enviar para o jornalista José Eduardo, o projeto de regulamentação, para que assim ele possa debater publicamente sobre o projeto. 

Em sua conta pessoal no Twitter, o Lula defendeu seu desejo pela regulamentação da mídia em moldes britânicos

Imagem: reprodução do Twitter

O modelo britânico conta com dois órgãos reguladores da atividade de imprensa: o Press recognition panel (painel de reconhecimento da imprensa), um órgão de autorregulamentação voltado para jornais, revistas e sites; e o Ofcom, órgão voltado para a televisão, telefonia e internet. Dentre as responsabilidades dos veículos de comunicação está a garantia de resposta para aqueles que forem prejudicados pelos veículos, direito à correção de material vinculado, garantia de não exposição de material ofensivo, proteção à integridade pessoal e tratamento justo à pessoa, além da inviolabilidade da privacidade individual. 

Apesar de abordar o tema, o ex-presidente ainda não apresentou projeto público ou proposição quanto à regulamentação da mídia.

Regulamentação e censura

É preciso destacar que regulamentação da mídia não é o mesmo que censura. A Constituição de 1988, em seu artigo 5º, garante a liberdade de expressão e de imprensa, bem como o direito de manifestação individual (desde que não venha a ferir a vida e a dignidade do outro). A regulamentação da mídia é uma demanda que ultrapassa partidos e é defendida há muitos anos na sociedade civil por vários grupos que trabalham com direito à comunicação, incluindo a academia. Regulamentar não quer dizer  o controle ou a proibição de pautas e assuntos, quer dizer criar regras para que as empresas que dominam os meios de comunicação sejam mais inclusivas. A alegação crítica é que os veículos de comunicação brasileiros, há décadas, são dominados por poucas empresas midiáticas, o que enfraquece o debate democrático, privilegia políticos que se tornam donos de mídias, além de não conceder direito à liberdade de expressão para aqueles que estão fora das prioridades ou são avessos aos ideais dos proprietários e dos produtores de conteúdo

Sobre isto, são várias as perguntas colocadas pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) há alguns anos: 

Como o índio, o negro, as mulheres, @s homossexuais, o povo do campo, as crianças e a população das periferias aparecem na televisão brasileira? Como os cidadãos das diversas regiões, com suas diferentes culturas, etnias e características são representados? A liberdade de expressão não deveria ser para todos e não apenas para os grupos que representam os interesses econômicos e sociais de uma elite dominante? Existem espaços para a produção e veiculação de conteúdos dos diversos segmentos da sociedade na mídia brasileira? 

Em sua tese, o doutor em comunicação Camilo Vannuchi defende: 

Conceber o direito humano à comunicação implica entender os cidadãos que participam do sistema de comunicação como sujeitos de direitos. Neste sentido, é oportuno aprimorar o aparato de proteção, sobretudo em relação aos abusos cometidos pelas empresas de mídia: a violação do direito à privacidade, o crime de injúria ou difamação, a exploração da imagem de crianças e vulneráveis, entre outros. Ao mesmo tempo, é fundamental que instâncias jurídicas e organizações da sociedade civil estejam preparadas para lidar com o tema do direito à comunicação. Novas legislações virão se somar às ferramentas ora disponíveis e ajudarão a avançar no sentido de um modelo de comunicação que tenha como princípio a ampliação da esfera pública (ou esferas públicas, no plural) para um sistema que estimule a participação popular, a representatividade regional, econômica, racial e de gênero, e que possa influenciar mais fortemente as ações do Estado no sentido da democracia.

Dentre as propostas contidas no  Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Mídia Democrática, criado pelo FNDC em 2013, com vistas à regulamentação da mídia estavam o pedido de veto à propriedade de emissoras de rádio e TV a políticos; criação do Conselho Nacional de Comunicação e do Fundo Nacional de Comunicação Pública; responsabilidade por possíveis danos pessoais e cíveis oriundos da vinculação de uma notícia falsa, dentre outros. O PL não alcançou o número mínimo de assinaturas (1,3 milhões) para garantir sua tramitação. O texto completo da PL pode ser encontrado na tese de doutoramento de Vannuchi.****

Bereia classifica a informação de Gospel Prime como enganosa por tratar-se de informações verdadeiras, cujo desenvolvimento fora distorcido a fim de levar o leitor à uma interpretação negativa da fala do ex-presidente (ideia de censura), suprimindo a natureza do evento em que ele concedeu a entrevista.  Não há elementos suficientes na trajetória de governo Lula e na gravação em vídeo em questão que sustentem que a afirmação significa censura ou uma ameaça à democracia.

Referências:

Youtube. 

https://www.youtube.com/watch?v=AC7lOuwyra0 Acesso em: [23 nov. 2021]

https://www.youtube.com/watch?v=9NAb4tDKvks Acesso em: [24 nov. 2021]

Partido dos Trabalhadores. 

https://pt.org.br/assista-ao-lancamento-do-livro-sobre-os-5-anos-do-golpe-com-lula-e-dilma/ Acesso em: [23 nov. 2021]

Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação.

http://fndc.org.br/ Acesso em: [24 nov. 2021]

http://fndc.org.br/clipping/porque-a-regulacao-da-midia-nao-e-censura-952058/ Acesso em: [23 nov. 2021]

http://www.fndc.org.br/noticias/projeto-de-lei-preve-fim-dos-oligopolios-de-midia-no-brasil-924467/ Acesso em: [23 nov. 2021]

http://www.fndc.org.br/download/guia-de-mobilizacao-da-lei-da-midia-democratica-preto-e-branco/publicacoes/195/arquivo/guia-de-mobilizacao-lmd-final-pb-1.pdf  Acesso em: [23 nov. 2021]

Folha de São Paulo.

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/09/lula-pressiona-pt-a-retomar-debate-sobre-regulacao-da-midia.shtml Acesso em: [23 nov. 2021]

Biblioteca USP.

https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27164/tde-26022021-222743/pt-br.php  Acesso em: [23 nov. 2021] 

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Imagem de capa: frame de vídeo da entrevista de Lula / El Pais

Site religioso afirma que LEGO vai lançar brinquedos com “ideologia de gênero”

O site de conteúdo religioso Gospel Prime afirmou, em matéria publicada em 23 de outubro de 2021, que a  fabricante de brinquedos para crianças Lego anunciou novos projetos com “ideologia de gênero” e que a decisão foi tomada após pesquisa realizada por um “grupo ativista”.  

A matéria, baseada em conteúdo publicado pelo jornal britânico The Guardian, relata que a empresa irá atuar contra o “preconceito de gênero e estereótipos nocivos”, e que os brinquedos da Lego não terão mais personagens masculinos ou femininos. 

Imagem: reprodução do site Gospel Prime

Além disso,  trata do estudo realizado pelo Instituto Geena Davis de Gênero na Mídia, uma organização sem fins lucrativos, fundada em 2004 pela premiada atriz estadunidense, dedicada a pesquisar a representação de gênero na mídia e defensora da igualdade de representação das mulheres. Classificado na matéria como“grupo ativista subsidiou o novo projeto de LEGO”, o a organização teria mostrado na pesquisa, segundo o site de notícias, “que as brincadeiras e as carreiras futuras continuam desiguais, pois pais e meninos são fanáticos para rotular brinquedos de meninas”.

Por fim, Gospel Prime expõe dados da matéria do  The Guardian, que mostram que 71% dos meninos entrevistados relataram ter medo de serem ridicularizados caso brincassem com “brinquedos de meninas”, o mesmo foi compartilhado pelos pais.

Instituto Geena Davis e LEGO

O Instituto Geena Davis de Gênero na Mídia é colaborador de gigantes do entretenimento ao redor do mundo. Em 2019, os estúdios Walt Disney firmaram parceria com o instituto para utilização de um software de mapeamento dos roteiros e identificar se a participação de homens e de mulheres é equivalente.

Além disso, divulga uma série de pesquisas em parceria com outros institutos e organismos internacionais, como o estudo desenvolvido em conjunto com ONU Mulheres e a Fundação Rockefeller. Considerado o primeiro estudo global sobre personagens femininos em filmes populares, revelou uma profunda discriminação e uma estereotipagem generalizada de mulheres e meninas na indústria cinematográfica internacional. 

Bereia checou as informações que indicam que o que a Lego pretende, e consta na matéria do The Guardian, é combater estereótipos prejudiciais para meninos e meninas.  A companhia dinamarquesa de brinquedos solicitou o relatório ao Instituto Geena Davis para o Dia Internacional das Meninas, estabelecido pela ONU em 11 de outubro. A Lego afirmou ao The Guardian que trabalha para remover o preconceito de gênero em sua linha de produtos e  promover a nutrição e o cuidado, bem como a consciência espacial, o raciocínio criativo e a solução de problemas.

Desta maneira, a maior companhia de brinquedos do mundo pretende acabar com o estereótipo de profissões destinadas aos homens e às mulheres e mostrar que qualquer atividade pode ser exercida por ambos os sexos. 

A pesquisa do Instituto Geena Davis, realizada com 7 mil pais, mães e crianças de sete a 14 anos de sete países, descobriu que pais e mães de ambos os sexos classificavam os homens como “mais criativos”, tinham seis vezes mais probabilidade de pensar em cientistas e atletas como homens em vez de mulheres, e mais de oito vezes mais probabilidade de pensar em engenheiros como homens. Desta maneira, a Lego concluiu que seu trabalho é encorajar meninos e meninas a  brincarem com as peças oferecidas pela empresa que possam ter sido tradicionalmente vistas como feitas “não para eles e elas”. 

A Lego afirma que está de acordo com a visão de que os comportamentos associados aos homens são mais valorizados, até que as sociedades reconheçam que os comportamentos e atividades tipicamente associados às mulheres são tão valiosos ou importantes, que pais e filhos passem aadotá-los”.

Bereia checou a pesquisa publicada pelo Instituto Geena Davis e os resultados não revelam que os “ pais e meninos são fanáticos para rotular brinquedos de meninas”, como afirma Gospel Prime. Esta frase não corresponde aos conteúdos. A questão é, como indicado aqui, a valorização maior das famílias aos trabalhos supostamente dedicados aos homens, como engenharia ou atividades acadêmicas, além de alguns esportes, que, segundo a companhia de brinquedos precisa ser revista pois é uma visão que desvaloriza a capacidade das mulheres.

Manipulação de dados e desinformação

Portais de notícias religiosas estão entre os maiores propagadores de desinformação no país. A ideia elaborada em torno de uma“ideologia de Gênero”, uma estratégia discursiva e arma política,  tem espaço garantido nas mídias religiosas e nas declarações de políticos e líderes religiosos. Gospel Prime publica diversas matérias com a abordagem deste tema e algumas já foram checadas pelo Coletivo Bereia. 

Um levantamento da editora-geral do Bereia Magali Cunha, sobre os dois anos de atuação do coletivo, aponta que “ideologia de gênero”, pode ser classificada como a mais bem-sucedida concepção falsa criada no âmbito religioso. Ela indica que, surgido no ambiente católico e abraçado por distintos grupos evangélicos, que reagem negativamente aos avanços políticos no campo dos direitos sexuais e reprodutivos, o termo trata de forma pejorativa a categoria científica “gênero” e as ações diversas por justiça de gênero, atrelando-as ao termo “ideologia”, no sentido banalizado de “ideia que manipula, que cria ilusão”. A “ideologia de gênero”, nesta lógica, é falsamente apresentada como uma técnica “marxista”, utilizada por grupos de esquerda, com vistas à destruição da “família tradicional”, gerando pânico moral e terrorismo verbal entre grupos religiosos. A matéria de Gospel Prime sobre os brinquedos Lego segue esta orientação. 

Bereia conclui, portanto, que a matéria publicada por Gospel Prime é enganosa, pois trata de um projeto de fato divulgado pela companhia dinamarquesa Lego e de um estudo publicado pelo Instituto Geena Davis. Entretanto, se baseia em matéria do jornal The Guardian, distorce dados, manipula informações e utiliza termos inexistentes.

Lego afirma buscar acabar com estereótipos prejudiciais para meninas e meninos. Diz que projeta incentivar meninas e pais a buscarem qualquer atividade e principalmente, mostrar aos meninos que não existem atividades destinadas unicamente às meninas e assim levar essas crianças a buscar atividades prazerosas que muitas vezes são abandonadas por vergonha ou medo da reprovação de pais e amigos. 

Referências:

The Guardian. https://www.theguardian.com/lifeandstyle/2021/oct/11/lego-to-remove-gender-bias-after-survey-shows-impact-on-children-stereotypes Acesso em 25/10/2021.

Geena Davis Institute.

https://seejane.org/ Acesso em 25/11/2021.

https://seejane.org/research-informs-empowers/lego-creativity-study/  Acesso em 25/11/2021.

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/ideologia-de-genero-estrategia-discursiva-e-arma-politica/ Acesso em 02 nov 2021.

Agência Pública. https://apublica.org/2020/08/grupo-de-midia-evangelica-que-pertence-a-senador-bolsonarista-e-um-dos-que-mais-dissemina-desinformacao-afirmam-pesquisadores/ Acesso em 02 nov 2021. 

Tecmundo. https://www.tecmundo.com.br/cultura-geek/146589-disney-contrata-instituto-geena-davis-checar-vies-roteiros.htm Acesso em 02 nov 2021.

 ONU Mulheres. https://www.onumulheres.org.br/noticias/industria-cinematografica-global-perpetua-a-discriminacao-das-mulheres-aponta-estudo-da-onu-mulheres-geena-davis-institute-e-fundacao-rockefeller/ Acesso em 02 nov 2021.  

Coletivo Bereia.
https://coletivobereia.com.br/site-evangelico-diz-que-pediatra-defende-masturbacao-infantil/ Acesso em 11 nov 2021.ONU. https://www.un.org/en/observances/girl-child-day Acesso en 11 nov 2021.

Site evangélico diz que pediatra defende masturbação infantil

Em 11 de junho, o portal Gospel Prime publicou a matéria intitulada “Médica diz que ‘é normal crianças de 4 anos se masturbarem’”. O texto repercutiu uma postagem da médica pediátrica e comentarista das organizações Globo Ana Escobar sobre masturbação infantil. Sem ouví-la, Gospel Prime baseou a matéria apenas nas críticas feitas por usuários de mídias sociais.

Gospel Prime omitiu a diferenciação entre masturbução infantil e adulta

De acordo com o portal evangélico, a colunista da revista Crescer, que trata de temas ligados à infância, teria dito que “a masturbação aos quatro anos é natural e saudável”. De fato, a postagem contém essa afirmação. No entanto,o texto da médica diferencia a masturbação infantil e a vida sexual adulta.

Em torno dos 4 anos de idade as crianças começam a descobrir que têm prazer em tocar os seus órgãos genitais. A masturbação infantil é feita sem malícia e é muito diferente da vida sexual do adulto. A masturbação infantil é natural e saudável. Os pais não devem inibir nem reprimir, mas é claro, que vivemos em um mundo com regras de convivência social. Se os pais percebem que a criança está se masturbando em público devem distrair a atenção da criança para outro fato sem reprimi-la fazendo com que pare espontaneamente. Em uma outra ocasião, podem conversar com o filho e deixar claro que pode se masturbar, mas de preferência em seu quarto. A conversa deve ser tranquila e não deve taxar a masturbação como um ato proibido”, diz Ana Escobar em seu post no Instagram.

Vídeo em resposta às críticas

Além do Gospel Prime, outros sites religiosos como Guia-me e Cristianismo Global também ressaltaram a indignação de muitos seguidores da médica com a postagem. Diante da repercussão negativa, a médica gravou um vídeo no qual se diz espantada com a desinformação sobre o tema. Ela reafirma o caráter educativo da primeira postagem. Sua intenção, afirmou, era levar os pais a orientarem seus filhos a não se masturbarem em locais públicos de forma que elas não sofressem repreensão, bullying ou agressão.

 “Vocês fizeram uma salada mista. Uma criança pequenininha que se masturba ela nem sabe o que é sexo. Não tem conotação sexual nenhuma, isso está na cabeça dos adultos, mas não está no mundo infantil, a criança nem sabe o que é sexo. (…) A gente tem que tirar esse pensamento sujo dessa coisa, não tem nada a ver. (…) Esse post serve simplesmente para orientar os pais, em um ato natural de muitas crianças que descobrem sozinhas o prazer de se masturbar. Simples assim”, explicou Ana Escobar.  

Diferença entre a masturbação infantil e a vida sexual do adulto

Bereia ouviu especialistas cristãos sobre o assunto. A psicóloga e psicopedagoga Cassiane Tardivo explica que há diferença entre a masturbação infantil e o mesmo ato na vida sexual do adulto. “Quando falamos de masturbação infantil, a criança manipula seus genitais e muitas vezes por prazer. Algumas crianças até dizem ‘é porque faz uma cosquinha’[. A questão é que o sentido, o significado, que isso tem são diferentes. A masturbação adulta faz parte da sua vida sexual, está relacionada a um prazer com envolvimento de outros aspectos além do físico. Na criança é pura descoberta do corpo e de regiões que dão prazer.”

De acordo com a psicóloga e missionária da Igreja Evangélica Pentecostal Cristã (IEPC – Rio de Janeiro), Sandra Bivar Neves, a opinião da Drª. Ana Escobar está correta. “A criança entre 3 e 5 anos está descobrindo o seu corpo e naturalmente toca nas partes genitais que evidentemente faz ela sentir prazer. Então, tende a repetir esse comportamento”, afirma Sandra Neves que também é psicopedagoga e trabalhou por anos em escolas com crianças dessa faixa etária.

Orientação aos pais sobre o assunto

A missionária orienta que os pais não devem chamar a atenção, nem ter espanto dando uma conotação de pecado ou de que a criança está fazendo algo errado. “Nesta idade, não é pecado e nem errado. Se os pais observam que a criança está por muito tempo se tocando, deve distraí-la com algum brinquedo ou propor alguma outra atividade. E se ela fizer em público, os pais devem dizer que aquelas partes de seu corpo são íntimas e que não devem ser tocadas em público, assim como tirar a roupa só deve ser feito em sua própria casa. Mas tudo com naturalidade, sem chamar grande atenção para o fato”, explica.

No entanto, Sandra Neves explica que discorda de que pais digam aos seus filhos que podem masturbar-se no quarto, como orientou Ana Escobar. “Não gosto desta postura de mandar para o quarto e incentivar, como é algo natural, deve ser tratado desta forma. Normalmente, quando a criança começa a ler, entre cinco e seis anos, elas param naturalmente”.

Atenção com sexualização infantil

Alguns dos comentários críticos ao post da médica Ana Escobar diziam que seu texto promovia abuso ou sexualização infantil. Por isso, Bereia perguntou às entrevistadas qual é a diferença entre compreender que a masturbação infantil acontece (sem a conotação sexual) e a sexualização infantil.

Sandra Neves conta que ficou espantada com o teor dos comentários e a falta de informação sobre o assunto.”Pedofilia é o adulto mandar a criança tocar nele e ele tocar na criança. Não tem nada a ver com a naturalidade da masturbação infantil que é a criança conhecendo o seu próprio corpo.”

Cassiane Tardivo diz que seria reducionista ver a masturbação infantil sempre só como descoberta do corpo e assim, afirma, é importante ter atenção. “Em muitos casos de abuso, a masturbação é a porta de entrada, quando a criança é estimulada por alguém. E não basta explicar a criança que não pode mexer, porque se há prazer envolvido, como prever a força de ação dessa criança? Muitas não resistem a um chocolate”, afirma.

Ela explica que o termo ‘infantil’  diz respeito às crianças entre 2 a 12 anos e que a masturbação tem sentidos e implicações diferentes para cada faixa etária. Enquanto a masturbação das mais novas tem a ver com a descoberta do corpo após o desfralde, as mais velhas o fazem em relação ao prazer.

No entanto, ela ainda destaca que masturbação infantil e sexualização são questões diferentes. “A masturbação é a manipulação dos órgãos genitais. A sexualização infantil diz respeito ao contexto cultural, educacional, de vivência dessa criança que sexualiza seu comportamento. A sexualidade, a sensualidade, está presente nas relações, no comportamento, nas vestimentas, nas danças. Sexualização infantil é quando todos esses aspectos estão envolvidos na educação ou comportamento da criança. Quando ela mesma associa alguns comportamentos, vestimentas, etc, com sua autoestima e o fato de ser desejada e coloca seu corpo como objeto de desejo de outro. Aqui escancara-se uma porta explicita para o abuso sexual, expondo a criança e, sim, abrindo precedentes para descumprimento inclusive do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Se a criança não se masturba por prazer com conotação sexual como o adulto, sexualizá-la é revesti-la dessa conotação, eis o perigo.”

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Bereia conclui que a matéria do Gospel Prime é enganosa porque omite que a médica Ana Escobar diferenciou masturbação infantil e vida sexual adulta. Ao descontextualizar a fala da pediatra, o portal deu a entender ao seu público que a médica defende a sexualização infantil. Como as especialistas consultadas pelo Bereia explicam, a masturbação infantil não tem conotação sexual. E devido o desconhecimento a respeito do sexo, a orientação é explicar à criança que as partes íntimas não devem ser tocadas em público e distraí-la para outra atividade até que ela pare naturalmente. Isso não exclui a atenção de pais e responsáveis com possíveis abusos a menores. Este é mais um caso de pânico moral já verificado em outras matérias pelo Bereia.

Referências

Ana Escobar (Instagram), https://www.instagram.com/p/CP4HxKRMpDD/. Acesso em 20 de junho de 2021.

Ana Escobar (Instagram), https://www.instagram.com/p/CP6fQCtnw2u/. Acesso em 22 de junho de 2021.Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/sao-falsos-videos-sobre-suposta-operacao-storm-no-brasil/. Acesso em 28 de junho de 2021.

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Foto de capa: Unsplash/Michał Parzuchowski

Site gospel manipula informações contra resultados da pesquisa DataFolha sobre eleições 2022

No último dia 13 de maio, o portal Gospel Prime repercutiu os resultados da primeira pesquisa DataFolha sobre as eleições presidenciais de 2022. A matéria destacou que, de acordo com a pesquisa, que classifica como “tendenciosa”, os evangélicos apoiam mais o ex-presidente Lula (PT, 35% das intenções de voto), a quem a matéria se refere como ex-presidiário”, do que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido, com 34% das intenções de voto). A diferença dentro da margem de erro de 2 pontos percentuais para mais ou para menos configura um empate técnico.

A divisão dos evangélicos entre Lula e Bolsonaro

A divisão dos evangélicos entre o atual presidente e o ex-presidente expõe uma disputa acirrada que pode ser melhor compreendida com outros dados da pesquisa. O empate técnico diz respeito à pergunta estimulada de intenção de voto no 1º turno. Nela, os entrevistados respondem a seguinte pergunta: “Alguns nomes já estão sendo cogitados como candidatos a presidente em 2022. Se a eleição para presidente fosse hoje e os candidatos fossem estes ____, em quem você votaria?”

Bolsonaro passa a ter vantagem na pergunta não-estimulada, com 25% das intenções de votos evangélicos contra 16% do ex-presidente. Esse resultado acontece diante da pergunta “Em outubro do ano que vem haverá eleição pra presidente. Em quem você pretende votar para presidente em 2022?” 

Outro ponto de desvantagem para Lula está em sua rejeição entre os evangélicos: 42% deles dizem que não votariam no ex-presidente de jeito nenhum. Esse valor mostra que a rejeição de Lula é seis pontos percentuais a mais entre os evangélicos do que na população geral (36%). Bolsonaro tem uma rejeição ainda maior entre os evangélicos (45%). No entanto, esse valor representa uma rejeição menor dos evangélicos ao atual presidente do que quando comparado com a população geral (54%). Ainda assim, a pesquisa volta a indicar uma acirrada divisão entre Bolsonaro e Lula em um eventual segundo turno. Entre esse segmento do eleitorado, os dois empatam em 45%.

O apoio evangélico a Bolsonaro em 2018 e agora

 Alguns analistas advogam que o voto dos evangélicos foi decisivo na eleição de 2018. Em “O voto evangélico garantiu a eleição de Jair Bolsonaro”, o demógrafo José Eustáquio Alves analisa o comportamento dos eleitores desse grupo religioso no segundo turno do último pleito presidencial do país a partir da última pesquisa DataFolha antes da decisão nas urnas. O artigo mostra que cerca de seteem cada dez evangélicos votaram no capitão em detrimento do candidato do PT, Fernando Haddad. A diferença de votos entre Bolsonaro e Haddad dentre os evangélicos (11,5 milhões) foi maior do que a vantagem no total de votos (10,7 milhões).

A pesquisa DataFolha sobre aprovação do Governo Bolsonaro feita em maio de 2021 mostra que o presidente segue mais popular entre os evangélicos do que na população geral. Enquanto 24% dos brasileiros acham o governo do capitão ótimo ou bom, 33% dos que seguem a religião evangélica pensam o mesmo. Por outro lado, 35% desse grupo religioso reprova o governo, porcentagem menor do que no total dos entrevistados (45%).

O eleitorado evangélico é o que mais acredita na capacidade de Bolsonaro liderar o país (49%) contra índices mais baixos entre católicos (34%) e kardecistas (28%). A média geral é de 38%. Esse segmento religioso é também o mais resistente à abertura de processo de impeachment. Apenas 39% deles apoiam essa atitude por parte do Congresso Nacional contra 54% entre católicos e 60% entre kardecistas. O impeachment é apoiado por 49% dos brasileiros diante de 46% que são contrários ao processo.

Assim, é possível compreender que há um desgaste do Governo Bolsonaro entre os evangélicos, apesar do presidente encontrar nesse segmento apoio maior do que nas outras faixas religiosas do eleitorado. Por outro lado, é importante recordar que o PT teve apoio de líderes evangélicos em pleitos anteriores. Em 2014, a então candidata à reeleição Dilma Rousseff recebeu apoio da Assembleia do Bras e da Igreja UniversalNa pesquisa do final de semana do segundo turno, o DataFolha previa um empate de Dilma (PT) e Aécio Neves (PSDB) em 50% e uma vantagem do ex-governador de Minas Gerais entre os evangélicos não-pentecostais (56% a 44%). Dilma Rousseff venceu a disputa com 51,64%, uma diferença de pouco mais de 3 milhões de votos.

Reportagens da Folha dizem que pesquisa retrata o momento

Apesar de o site Gospel Prime destacar ana matéria sua avaliação da pesquisa de que Lula teria mais apoio dos evangélicos do que Bolsonaro, questões de renda, classe e raça entre os evangélicos também podem modificar o cenário de escolha eleitoral. Além disso, a própria reportagem que divulga o resultado do DataFolha de maio pondera que o período  da pesquisa retrata um momento difícil para o presidente Bolsonaro por conta da CPI da Pandemia enquanto Lula vem retomando articulação política após ter readqurido os direitos de se candidatar.

Desinformação sobre o DataFolha

Os dados presentes no texto do portal conferem com aqueles presentes na pesquisa. No entanto, o Gospel Prime emite opinião e rotula o DataFolha como suspeito e tendencioso sem explicar o que embasa essa desconfiança. As pesquisas de opinião pública desse instituto já foram alvo de desinformação em outras ocasiões. Em 2018, uma postagem do Facebook afirmou falsamente que uma pesquisa do DataFolha não tinha sido registrada no TSE. Dois anos depois, outro post viralizou ao dizer que o Instituto apontou 64% de aprovação ao Governo Federal – o que não é verdade. 

Vídeos da época da campanha eleitoral de 2018 voltaram a circular após a última pesquisa DataFolha na tentativa de descredibilizar o Instituto. Em um deles, um homem grava um pesquisador do Instituto e diz que não foi entrevistado porque era eleitor de Bolsonaro. Na verdade, entrevistar quem se oferece a pesquisa seria prática contrária aos métodos do DataFolha. 

O Projeto Comprova (do qual o Coletivo Bereia já participou) verificou que outro vídeo enganoso de 2018 voltou a circular após a nova pesquisa. Nele, um entrevistado questiona a credibilidade do Instituto porque não pode ler as perguntas antes de responder. Isso acontece, de acordo com o DataFolha, para evitar vieses nas respostas dos entrevistados.

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Bereia conclui que a matéria do Gospel Prime é enganosa. Apesar de informar corretamente os dados da pesquisa, o site emite opinião sobre o DataFolha como suspeito e tendencioso, sem apresentar as razões que justificam essas percepções. Opina também de forma partidária contra o ex-presidente Lula, ao usar o termo popularizado entre antipetistas, “ex-presidiário”. Além disso, diferentemente do que fez o jornal Folha de S.Paulo, o texto do portal gospel desconsidera o contexto da pesquisa e os motivos pelos quais o apoio de evangélicos a Jair Bolsonaro neste momento  é inferior em relação ao do segundo turno das eleições de 2018.

Referências

DataFolha, http://media.folha.uol.com.br/datafolha/2021/05/12/1984ppjlrm3poekfrblsintv2022pnc.pdf. Acesso em 17 de maio de 2021.

Instituto Humanitas Unisinos, http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/584304-o-voto-evangelico-garantiu-a-eleicao-de-jair-bolsonaro. Acesso em 22 de maio de 2021.

DataFolha, http://media.folha.uol.com.br/datafolha/2021/05/13/574c277a171a64f166dee28d083f08cfavbc.pdf. Acesso em 22 de maio de 2021.

Folha de São Paulo, https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/05/empate-de-bolsonaro-e-lula-no-voto-evangelico-e-recado-para-quem-ve-rebanho-em-vez-de-gente.shtml?origin=folha. Acesso em 22 de maio de 2021.

Exame, https://exame.com/brasil/em-encontro-com-evangelicos-dilma-elogia-obra-da-assembleia/. Acesso em 22 de maio de 2021.

G1, http://g1.globo.com/politica/eleicoes/2014/blog/eleicao-em-numeros/post/datafolha-para-presidente-por-classe-social-idade-escolaridade-renda-sexo-religiao-e-regiao-2310.html. Acesso em 22 de maio de 2021.

G1, http://g1.globo.com/politica/eleicoes/2014/apuracao-votos-presidente.html. Acesso em 22 de maio de 2021.

Folha de Sao Paulo, https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/05/empate-de-bolsonaro-e-lula-no-voto-evangelico-e-recado-para-quem-ve-rebanho-em-vez-de-gente.shtml?origin=folha. Acesso em 22 de maio de 2021.

Folha de Sao Paulo, https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/05/datafolha-lula-lidera-corrida-eleitoral-de-2022-e-marca-55-contra-32-de-bolsonaro-no-2o-turno.shtml. Acesso em 22 de maio de 2021.

G1, https://g1.globo.com/fato-ou-fake/noticia/2018/08/23/e-fake-que-pesquisa-datafolha-nao-foi-registrada-no-tse.ghtml. Acesso em 22 de maio de 2021.

Agência Lupa, https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2020/07/15/verificamos-datafolha-bolsonaro-aprovacao/. Acesso em 22 de maio de 2021.

Folha de São Paulo, https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/05/video-de-2018-com-acusacoes-falsas-ao-datafolha-volta-a-circular-nas-redes.shtml. Acesso em 22 de maio de 2021.O Estado de Sao Paulo (Projeto Comprova), https://politica.estadao.com.br/blogs/estadao-verifica/video-enganoso-de-2018-volta-a-circular-para-desacreditar-datafolha/. Acesso em 22 de maio de 2021.

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Foto de Capa: Instituto DataFolha (Reprodução/ABK Advocacia).

Site gospel desinforma sobre indiciamento de pastor por homofobia

O portal evangélico de notícias Gospel Prime publicou matéria dando conta que a Polícia Civil indiciou o Pastor Guaracy Jr. por crime de racismo qualificado como homofobia contra a população LGBTI+. As declarações que levaram à denúncia aconteceram em 10 de dezembro de 2020, em live do religioso no Facebook. Guaracy Jr, que foi candidato à prefeitura de Macapá (capital do Amapá) pelo Partido Social Liberal (PSL) usou a transmissão ao vivo para esclarecer que não apoiaria nenhum dos dois candidatos presentes no segundo turno: Dr. Furlan (Cidadania) e Josiel (DEM).

A partir do minuto 18:25 da live, ele começa as declarações sobre políticos que apoiam pautas progressistas como a LGBTI+. O Gospel Prime reproduz desta parte da fala do candidato: 

“Entendo que quem apoia pautas esquerdistas, pautas LGBT, pautas progressistas, não merece o apoio do povo cristão. […] Hoje eu me deparei com essas posições, comparei a posição do candidato Josiel, que apoia as mesmas pautas, então decido não apoiar nenhum candidato que possa envergonhar o povo do Amapá com essas ideias e pautas progressistas. Digo, de maneira clara, não apoio nenhum tipo de discriminação social ou sexual, porém entendo que nós não podemos estar ligados como cristãos a esse tipo de grupo”.

No entanto, o Coletivo Bereia apurou que a partir de 19 minutos e 50 segundos de transmissão, ele também afirmou: 

“[…] Estou fora, estou fora porque entendo que quem apoia pautas esquerdistas, pautas LGBT, pautas progressistas não merecem (sic) o apoio do povo cristão. E eu falo povo cristão evangélico e católico, porque quem rasga bíblia, quem vilipendia e quebra santo, seja da imagem católica ou da Bíblia evangélica, quem enfia cruz, porque vocês viram o que aconteceu nessas paradas LGBT aí em Macapá, isso é absurdo gente. Eu não posso apoiar esse tipo de coisa, isso pra mim é podridão, é cachorrada. E vou dizer, eu respeito a opção sexual de ninguém, de qualquer um, eu tenho que respeitar como pastor,  mas eu não posso aceitar esse tipo de coisa.”

Associação da “pauta LGBT” com pedofilia

A partir de 9:50, o pastor também faz associação entre a “pauta lgbt” com pedofilia. “A pauta LGBT tem trazido ideologia de gênero, ela tem defendido pedofilia e outros tipos de escândalos que nós não podemos admitir. Quando nós temos visto Prefeituras e governo financiam passeatas quando crianças são expostas à nudez de adultos, onde a religião é desprezada, a fé católica é vilipendiada. Fé católica e fé evangélica”, afirmou Guaracy Jr.

Ao G1, o delegado responsável pelo caso Neuton Júnior da 5ª Delegacia (5º DP) explicou que ouviu representantes do Conselho Estadual LGBT+ durante a investigação, assim como informou o Gospel Prime. No entanto, o delegado também solicitou oitiva com o pastor Guaracy Jr, que não compareceu – informação omitida pelo Gospel Prime.

Neuton Júnior justificou o indiciamento do religioso: “Uma vez que, com a intenção de agradar supostos eleitores defensores da pauta conservadora, passou a promover discurso preconceituoso e discriminatório, inclusive ligando a população LGBT+, sem provas e elementos para isso, com o envolvimento com a pedofilia, que, como se sabe, é crime”. O caso agora segue ao Ministério Público do Amapá (MP-AP).

Legislação a respeito de homofobia

A qualificação de homofobia no crime de racismo decorre de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em junho de 2019. A decisão faz ressalva à liberdade religiosa. Por exemplo, o STF não criminalizou dizer em templo religioso que o grupo é contra relações homossexuais, mas enquadra na lei quem induzir discriminação ou preconceito em templo religioso.

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Bereia conclui que a matéria do Gospel Prime é imprecisa e desinforma porque omite informações importantes sobre as declarações públicas do pastor e da investigação conduzidas pela polícia. Apesar de dizer que respeita pessoas LGBTI+ e não discrimina, ele também associou a “pauta LGBT” à pedofilia. Essa não é a primeira vez que o portal Gospel Prime desinforma sobre casos envolvendo homofobia e religiosos. Bereia também classificou como imprecisa matéria que o site publicou sobre o caso do Ministério Público contra a cantora gospel Ana Paulo Valadão.

Referências

Guaracy Jr, https://www.facebook.com/JrGuaracy/videos/384803265913200. Acesso em: 06 de maio de 2021.

G1, https://g1.globo.com/ap/amapa/noticia/2021/05/03/ex-candidato-a-prefeito-de-macapa-pastor-e-indiciado-por-incitar-preconceito-contra-lgbt.ghtml. Acesso em: 06 de maio de 2021.

G1, https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/06/13/stf-permite-criminalizacao-da-homofobia-e-da-transfobia.ghtml. Acesso em: 06 de maio de 2021.
Bereia, https://coletivobereia.com.br/site-gospel-desinforma-sobre-inquerito-do-ministerio-publico-contra-cantora-gospel-ana-paula-valadao/. Acesso em: 06 de maio de 2021.

Governo Biden muda política de uso de tecido fetal humano para pesquisas médicas

Em 21 de abril, o portal de notícias Gospel Prime publicou que o presidente dos Estados Unidos Joe Biden liberou o uso de tecido de fetos abortados para experiências médicas.

A matéria reproduz informações do jornal norte-americano The Washington Post e relata que a mudança aconteceu no âmbito do Instituto Nacional de Saúde (NIH, sigla em inglês, um conglomerado de centros de pesquisa que formam a agência governamental de pesquisa biomédica do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA). O NIH teria feito, segundo o jornal, uma reversão de restrições efetuadas na administração de Donald Trump. Além disso, o texto ainda elenca críticas à medida vinda de instituições cristãs como o Instituto Charlotte Lozier (CLI) e o Conselho de Pesquisa da Família (FRC).

As restrições da administração Trump

Em 2019, o governo do ex-presidente republicano passou a restringir o uso de tecidos de fetos abortados em estudos conduzidos por pesquisadores pagos pelo governo federal no NIH. Outra restrição dizia respeito a cientistas de outras instituições (como universidades) que buscavam financiamento junto ao NIH: seus projetos passariam a ser avaliados por uma comissão de ética. 

No primeiro caso, os “intramural studies” (estudos internos) receberam cerca de 31 milhões de dólares em 2018 e, no segundo, o montante chegou a 84 milhões distribuídos em 200 projetos. A política foi aplicada apenas para novos pedidos de financiamento. Com isso, três estudos foram encerrados.

A comissão de ética avaliou que a medida do governo Trump buscou uma composição com pessoas de diversas áreas: incluindo, pelo menos, um teólogo, um especialista em ética, um médico e um advogado. Não mais do que a metade poderiam ser cientistas.

Entretanto, demorou cerca de um ano para formação do painel e, quando foi criado, a maioria se identificou como contrária ao aborto, segundo The Washington Post. De 14 projetos analisados, todos, exceto um, foram rejeitados.

Além disso, o jornal norte-americano informa que as regras de 2019 obrigaram os cientistas a elaborar justificativas porque o tecido fetal humano era necessário para pesquisa e porque outros métodos eram inadequados. Isso incomodava os cientistas por ocupar muito espaço em pedidos de financiamento. Essa obrigação não foi alterada. 

As mudanças do governo Biden

A ação da atual administração muda as partes centrais das restrições de 2019. A partir de agora, os estudos tecidos fetais para pesquisadores pagos pelo governo estão liberados enquanto os projetos externos não precisam mais passar pela comissão criada por Trump. Mesmo assim, tais pesquisas ainda são obrigadas a obter o consentimento do doador do tecido fetal, seguir os requerimentos das universidades e não podem pagar pelo tecido utilizado. 

Já os estudos do pesquisador no NIH voltam a ser como eram antes das restrições da administração Trump. Por fim, estudos que foram interrompidos pelas regras de 2019 foram retomados sem necessidade de revisão.

Uso de tecidos fetais em pesquisas

O Gospel Prime reproduz as informações do The Washington Post a respeito do uso de tecidos fetais para pesquisas, que datam dos anos 1950. Naquela década, o material foi usado no desenvolvimento da vacina da poliomielite e nos anos 1980 cientistas transplantaram tecidos do sistema imunológico de fetos abortados em ratos de laboratório. O site não cita, porém, que esses experimentos com ratos “humanizados” ajudaram a desenvolver terapias para HIV, câncer, problemas neurológicos, doença das células falciformes e distúrbios oculares.

As linhas celulares derivadas de fetos abortados foram utilizadas também no desenvolvimento de anticorpos monoclonais para o tratamento da covid-19 de Donald Trump, informou o jornal The New York Times. Vacinas financiadas pela Operação Warp Speed do Governo Americano também fez testes nessas linhagens celulares, como verificou Bereia em novembro de 2020. Vale lembrar que o uso dessas células derivadas não provoca novos abortos e que outros cristãos aceitam esse procedimento no desenvolvimento de vacinas (inclusive um médico citado pelo Gospel Prime na matéria verificada pelo Bereia).

Gospel Prime omitiu falas favoráveis à mudança

Além disso, o Gospel Prime também reproduziu críticas à ação do Governo Biden, mas não registrou as declarações em defesa da mudança, também  colhidas pelas mídias de notícias. De fato, representantes das instituições cristãs, Conselho de Pesquisa da Família (FRC, na sigla em inglês) e do Instituto Charlotte Lozier (CLI, na sigla em inglês) criticaram a medida. Ambos foram ouvidos pelo The New York Times e pelo The Washington Post. Estas instituições dizem que a decisão do governo Biden não é ética por usar tecidos de fetos abortados.

Ao The Washington Post, a presidente da Sociedade Internacional de Pesquisa em Células-Tronco Christine Mummery afirmou em posição divergente: “A comunidade científica reconhece que o governo Biden está suspendendo as restrições arbitrárias sobre a promissora pesquisa biomédica usando tecido fetal humano”. Já o neurocientista da Universidade da Califórnia, San Diego, Lawrence Goldstein, que usou tecidos fetais em sua pesquisa, afirmou ao The New York Times esperar que a política de Trump não volte em uma próxima administração Republicana no futuro: “Seria terrível para essa pesquisa estar sob um vai-e-vem. Ela vai morrer se isso acontecer.”

“Acreditamos que temos que fazer a pesquisa necessária para ter certeza de que estamos incorporando inovação e levando todos esses tipos de tratamentos e terapias para o povo americano”, afirmou aos jornais o Secretário de Estado de Saúde e Serviços Humanos Xavier Becerra. O responsável pela saúde no país é classificado por Tony Perkins, do Conselho de Pesquisa da Família,  como “advogado fanático do aborto.”

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Bereia conclui que a matéria do Gospel Prime é imprecisa. Apesar da mudança de política realizada pelo Governo Biden ser verdadeira, a matéria que faz uso do que foi publicado em jornais dos EUA não expõe o contexto completo das alterações realizadas pelo novo governo e não mostra o ponto de vista dos cientistas que apoiam a nova medida.

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Foto de capa: Susan Walsh/AP Photo

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Referências

Revista Science, https://www.sciencemag.org/news/2019/06/trump-administration-restricts-fetal-tissue-research. Acesso em: 22 de abril de 2021.

Washington Post, https://www.washingtonpost.com/health/biden-administration-removes-trump-era-restrictions-on-fetal-tissue-research/2021/04/16/71719006-9ed2-11eb-8005-bffc3a39f6d3_story.html. Acesso em: 22 de abril de 2021.

The New York Times, https://www.nytimes.com/2021/04/17/health/fetal-tissue-abortion-biden.html. Acesso em: 28 de abril de 2021.

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/vacina-contra-covid-19-nao-usa-celulas-de-bebes-abortados-como-afirma-site-gospel/. Acesso em: 28 de abril de 2021.

Family Research Council, https://www.frc.org/get.cfm?i=PR21D04. Acesso em: 28 de abril de 2021.

Site gospel e deputada federal propagaram desinformação sobre invasão do Capitólio nos EUA em janeiro

Em janeiro passado, apoiadores do então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, invadiram o Capitólio com a intenção de bloquear a confirmação, pelos parlamentares, da vitória de Joe Biden como o novo mandatário do país.

O site Gospel Prime fez publicações sobre o ocorrido. Na primeira, Manifestantes pró-Trump invadem Congresso dos Estados Unidos, relatou a invasão e a negação do resultado das eleições pelos apoiadores de Donald Trump.

Print do site Gospel Prime

Em outra publicação, fez referência à matéria divulgada pelo site Infowars, Site aponta que Antifas podem ter se infiltrado em protesto nos EUA.

Print do site Gospel Prime

Segundo matéria do Infowars, “o jornalista investigativo Paul Sperry postou no Twitter que um ex-agente do FBI confirmou que, pelo menos, um ônibus cheio de bandidos da Antifa se infiltrou na manifestação pró-Trump”. O Antifa é um movimento de militantes que se opõe ao fascismo, composto majoritariamente por pessoas com perfil mais progressista. O site se referiu a eles como “bandidos”, atribuindo juízo de valor negativo ao grupo.

A fonte utilizada pelo Gospel Prime, o site Infowars, é conhecida nos EUA por veiculação de desinformação. Criado pelo radialista e cineasta Alex Jones, também conhecido como teórico da conspiração norte-americana de extrema-direita, as sucessivas práticas desinformativas do site provocou uma reação conjunta de Facebook, Google, Twitter e Spotify em agosto de 2018. Parte dos seus conteúdos do programa Infowars apagada dessas plataformas. De acordo com a revista Forbes, nessa mesma ação, o Twitter baniu permanentemente o seu perfil na plataforma.

O levantamento feito pelo Coletivo Bereia indica que a informação veiculada pelo Infowars e reproduzida no Brasil pelo Gospel Prime é falsa. As investigações e desdobramentos do caso da invasão do Capitólio em janeiro têm responsabilizado grupos de extrema-direita dos EUA. Um deles é Proud Boys (Garotos Orgulhosos), uma organização extremista e machista conhecida por atacar manifestantes “antifas”. Pelo menos oito réus ligados ao grupo foram acusados ​​no motim do Capitólio, um deles está preso aguardando julgamento.

Deputada desinforma sobre o tema

A deputada federal católica Bia Kicis (PSL-DF), em seu perfil no Twitter, compartilhou postagem enganosa sobre o banimento das publicações de Donald Trump no dia da invasão ao Capitólio. Segundo a parlamentar, o ex-presidente estadunidense teria publicado um vídeo pedindo que os manifestantes voltassem para casa, e o material teria sido derrubado pelo Twitter.

Print do tuíte de Bia Kicis

No entanto, o discurso de que a plataforma excluiu o conteúdo esconde o que de fato ocorreu A plataforma intimou o ex-presidente a remover o conteúdo por violar a cláusula de “pôr em dúvida o sistema eleitoral estadunidense”. Segundo as diretrizes do Twitter, quaisquer conteúdos publicados por autoridades que questionassem a validade do resultado das eleições sofreriam sanções. Parte do conteúdo do vídeo afirmava que “Não há a menor chance de Biden ter ganho”.

A postura segue a tendência de outras empresas de mídias sociais que buscam tornar o ambiente digital menos danoso às democracias. Após os escândalos da Cambridge Analytica, quando dados de estadunidenses e ingleses foram usados em estratégias de marketing direcionadas para fins eleitorais, plataformas de redes sociais como o Facebook, de Mark Zuckerberg (que inclui, dentre outros aplicativos, o Facebook, o Instagram e o WhatsApp), e o Twitter, de Jack Dorsey, têm sido cobrados para agir proativamente contra o uso indevido de dados.

Na União Europeia, o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados passou a valer em 2018, buscando responsabilizar as plataformas pelos conteúdos nelas veiculados. No Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados entrou em vigência em 2020 e busca atribuir mais responsabilidade aos gestores das redes sociais.

Essa responsabilidade civil dos provedores de aplicações de internet foi debatida por Juliana Medeiros, pesquisadora de Direito Digital do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS-Rio). Ela aponta como as diretrizes internacionais prezam pela liberdade de expressão, ao mesmo tempo que têm reforçado o combate à desinformação. O jeito de garantir ambas é por meio da transparência quanto aos motivos de exclusão de um conteúdo – o que ocorreu no caso do ex-presidente.

O Coletivo Bereia classifica este conteúdo postado pela deputada Bia Kicis, como enganoso. A deputada investigada pelo Supremo Tribunal Federal como propagadora de fake news, apresenta apenas parte do conteúdo do vídeo do ex-presidente Donald Trump, omitindo as informações que vão de encontro às políticas do Twitter, levando leitores a criarem animosidade em relação às políticas da plataforma.

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Referências

G1, https://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2018/08/08/como-as-teorias-da-conspiracao-de-alex-jones-levaram-infowars-a-ser-apagado-de-redes-e-virar-alvo-de-acoes-nos-eua.ghtml. Acesso em: 23 fev. 2021.

Forbes, https://forbes.com.br/colunas/2018/09/twitter-bane-permanentemente-alex-jones/. Acesso em: 27 fev. 2021.

G1, https://g1.globo.com/mundo/eleicoes-nos-eua/2020/noticia/2021/01/06/apoiadores-de-trump-protestam-contra-certificacao-da-vitoria-de-biden-pelo-congresso.ghtml. Acesso em: 27 fev. 2021.

ITS-Rio, https://itsrio.org/wp-content/uploads/2020/10/Responsabilidade-civil-dos-provedores-de-aplica%C3%A7%C3%B5es-de-internet_Juliana_Medeiros.pdf. Acesso em: 27 fev. 2021.

Site de notícias gospel publica conteúdo falso no Brasil sobre eleições dos EUA em apoio à Trump

O portal Gospel Prime publicou, em 08 de dezembro, a matéria “EUA: Supostas malas secretas de cédulas foram encontradas na Geórgia”. O texto afirma que “Um vídeo sobre a eleição presidencial no condado de Fulton, na Geórgia, que mostram imagens da câmera de vigilância de funcionários eleitorais, ao que tudo indica carregando em segredo milhares de votos misteriosos, está sendo usado pela defesa de Donald Trump sobre possíveis fraudes eleitorais.”

O vídeo em questão foi compartilhado no canal do YouTube do presidente dos Estados Unidos Donald Trump, derrotado para reeleição ao cargo em pleito de novembro passado.  Trata-se de um trecho recortado de um vídeo maior que exibe uma pessoa que atuou no processo de apuração de votos retirando objetos debaixo de uma mesa. 

Segundo nota publicada pelo investigador-chefe da secretaria de estado da Geórgia Frances Watson, o vídeo não mostra qualquer irregularidade. Ele afirma ter assistido o vídeo inteiro, não apenas o trecho viralizado, e concluiu que a apuração ocorreu de acordo com as normas. Ele afirma que não foram trazidas maletas misteriosas com votos e escondidas embaixo da mesa, como alguns têm noticiado. O que aconteceu foi que os fiscais guardaram maletas com votos que não tinham sido contados embaixo de uma mesa, para abrirem mais tarde e retomarem a contagem de votos, cena que foi foi mostrada no vídeo. 

Como funciona a contagem na Geórgia

O estado americano da Geórgia passou por uma recontagem de votos no dia 1 de dezembro, a pedido do candidato perdedor, Donald Trump, finalizada às 8h30 da manhã, com resultado compatível com o das eleições regulares. No processo de votação, os cidadãos do estado se dirigem a uma urna eletrônica, digitam seu voto, e a urna imprime um papel confirmando o voto. Os eleitores depois se dirigem até um local para  validarem o voto: confirmam, por meio de biometria e da assinatura manual, que concordam com o que está escrito no voto impresso. O voto impresso é então inserido nas urnas (os “ballotts”) e esse voto impresso é contado depois manualmente. 

As disputas no estado

Esse foi o terceiro processo da defesa de Trump contra o estado da Georgia: os dois primeiros foram rejeitados pelas cortes do estado. O primeiro, chamado “Lin Wood Suit” (Processo Lin Wood), que leva o nome do advogado, foi rejeitado pelo juiz do distrito norte da Georgia, Steven Grimberg. 

O primeiro era um pedido de recontagem. Segundo Wood, os membros do Partido Democrata haviam firmado um acordo com o Secretário de Estado da Georgia Brad Raffensperger, que  os beneficiaram. A informação, no entanto, era falsa, como verificado pelo jornal The New York Times. A denúncia era uma mentira (fake news) disseminada pelo presidente Trump em seu perfil no Twitter. O juiz Grimberg rejeitou as denúncias classificando-as como “sem base”.

O segundo processo é o que está relacionado ao vídeo publicado pelo Gospel Prime no Brasil: o Processo Kraken, que conta com os advogados Sidney Powell e Lin Wood novamente como autores, e foi impetrado. O texto apresentava uma teoria conspiracionista na qual  votos do candidato Donald Trump não teriam sido levados em conta, como vídeo em questão indicado como prova. O processo pedia anulação de todos os votos enviados por correio mas foi negado pelo juiz Timothy Batten no dia 7 de dezembro. No dia seguinte, Powell apelou para a Suprema Corte.

O terceiro processo, o Trump/David Shaffer Suit (Processo de Trump/David Shaffer) fez alegações similares às do Processo Kraken, porém sem apelar para teorias conspiracionistas. Diferente deste, porém, não apresenta nenhuma evidência pública das alegações que faz. Outra diferença é na jurisdição do processo – os dois primeiros foram registrados em esfera federal, enquanto o último, em esfera estadual. O distrito da comarca, Fulton County, é o mesmo dos vídeos já desmentidos. 

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O Coletivo Bereia conclui que a matéria do site Gospel Prime é falsa. Nenhuma das malas no vídeo é uma “mala secreta”: o vídeo expressa um dia normal de apuração. O processo apresentado no vídeo foi revisado integralmente por duas cortes, que confirmaram que o conteúdo do vídeo representa uma apuração cotidiana, e não apresenta irregularidades. O veículo gospel brasileiro torna-se reprodutor dessa disseminação de fake news, alinhada com os últimos processos levantados pela defesa de Donald Trump que visam mobilizar a opinião pública favoravelmente, para pressionar os juízes a seu favor. Até então, tudo sem sucesso. 

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Foto de capa: Youtube/Reprodução

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Referências

Agência Lupa. https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2020/12/08/verificamos-malas-secretas-georgia/. Acesso em 09 dez 2020. 

Frances Watson. https://beta.documentcloud.org/documents/20420664-frances-watson-affidavit. Acesso em 09 dez 2020. 

11 Alive. https://www.11alive.com/article/news/politics/elections/trump-election-lawsuits-georgia-statuses/85-81d484df-e746-4c5a-be3a-d73555e9df70. Acesso em 10 dez 2020. 

New York Times. https://www.nytimes.com/live/2020/11/19/us/joe-biden-trump-updates. Acesso em 10 dez 2020. 

Site gospel repercute pânico moral divulgado por líder evangélico sobre fraude nas eleições

No último dia 24, o portal evangélico Gospel Prime publicou a matéria “Pastor critica insegurança das urnas eletrônicas e perigo do ‘roubo do voto'”. De acordo com Gospel Prime, o pastor ligado a organização Jovens Com Uma Missão (Jocum) Marcos de Souza Borges, conhecido como pastor Coty, afirmou que as urnas eletrônicas representam grave risco, pois geram “insegurança política e moral” e alertou contra o “roubo de voto”.

A matéria repercutiu tuítes do líder religioso que criticavam a suposta insegurança das urnas eletrônicas. “A insegurança política e moral gerada pelas urnas eletrônicas é mil vezes pior que a antiga, simples e morosa contagem manual de votos. Contagem de votos sem publicidade e que fica sujeita à avaliação de meia dúzia de especialistas é ilegal e imoral”, afirmou. O pastor Coty ainda acrescentou:

“O maior roubo em evidência no Brasil é o roubo do voto. O problema da urna eletrônica sem voto impresso é que a fraude torna-se irredimível”.

Pr. Coty

Em especial, as publicações do Pastor Coty trazem duas questões: a de que a avaliação da contagem dos votos por poucos especialistas seria ilegal e imoral e que a urna eletrônica torna uma possível fraude irremediável. O pastor não apresenta evidências que justifiquem estas suspeitas.

Desconfiança sobre urna eletrônica é tema recorrente

Esse tipo de questionamento não é novo e tende a ser um assunto em períodos eleitorais, conforme mostra o Google Trends, ferramenta que permite analisar a incidência da pesquisa por um termo no site de buscas norte-americano (veja os prints abaixo).  O tema atingiu maior proporção a partir de 2014, quando o PSDB questionou os resultados do pleito presidencial depois de seu candidato à Presidência da República Aécio Neves ser derrotado por Dilma Rousseff (PT). O partido entrou com o pedido de uma auditoria no TSE. que foi autorizada, feita e o partido não encontrou qualquer evidência de fraude

Em março deste ano eleitoral de 2020, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou, sem provas, que houve fraude nas eleições de 2018, apesar de ele ter vencido o pleito. Essa tal declaração é uma repetição do discurso que Bolsonaro sustenta desde a disputa presidencial daquele ano.  

Como é feita a contagem dos votos

A urna eletrônica foi utilizada pela primeira vez no Brasil em 1996, ano de eleições municipais, e a lei federal 9.504 de 1997 estabelece as normas para os pleitos no país. De acordo com artigo da Agência Brasil, o voto do eleitor tem sigilo garantido, uma vez que o sistema apenas contabiliza os votos, sem identificar em quem cada cidadão votou. 

Antes da votação, o presidente da seção eleitoral deve imprimir a zerésima, listagem de todos os candidatos que demonstra que não há nenhum voto contabilizado antes dos eleitores escolherem seus representantes. Esse procedimento é acompanhado por mesários e fiscais dos partidos ou coligações, que devem assinar a zerésima.

Ao fim do período de votação, é impresso o Boletim de Urna (BU), um extrato dos votos que informa também qual seção emitiu, qual urna e quantos eleitores compareceram. Três vias são anexadas à ata e encaminhada à seção eleitoral e também uma via é entregue aos fiscais dos partidos. A partir daí, os dados das urnas são codificados em dispositivos de memória e, após ter sua autenticidade verificada, são transmitidos ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE). Nesse processo não é utilizada a internet.

Outra reportagem, publicada pelo Portal UOL, detalha ainda mais o processo de verificação da segurança e autenticidade da urna eletrônica. Em primeiro lugar, o TSE acompanha as urnas desde a sua fabricação pela empresa vencedora da licitação. Posteriormente, especialistas externos são chamados para procurar e encontrar brechas nos programas das urnas. Em 2018, data da publicação da reportagem, especialistas da Polícia Federal e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) realizaram esses testes. Caso haja erros, o TSE corrige e submete a uma segunda fase de testes – naquele ano, o Tribunal informou que quatro erros foram descobertos e resolvidos antes das votações. Além disso, é importante ressaltar que cada urna emite uma assinatura digital, um código que garante ao TSE a autenticidade de cada dispositivo.

Ou seja, não apenas há acompanhamento e verificação da autenticidade das mídias para recontagem de votos como cada cidadão brasileiro pode ver o resultado dos BUs por zona e seção eleitoral, informa matéria do Projeto Comprova. Ou seja, a apuração não é secreta. 

Voto impresso

As controvérsias envolvendo o voto em urna eletrônica já foram pautadas pela imprensa e mereceram análise, como a verificação realizada pelo Projeto Comprova em 2017. Nesta análise, Comprova verificou o conteúdo de uma postagem no Twitter que questionava o motivo que levou ao Supremo Tribunal Federal (STF) dizer que o voto impresso era inconstitucional, argumentando que em 1988 (ano da promulgação da Constituição Federal), os votos eram no papel e não havia urna eletrônica.

Comprova concluiu que o conteúdo da postagem era enganoso. Na realidade, o STF declarou a inconstitucionalidade de um artigo da reforma eleitoral de 2015, que previa a impressão de um comprovante após os registros dos eleitores nas urnas eletrônicas. Para embasar a verificação Comprova buscou a lei 13.615/2015 (Minirreforma Eleitoral) e a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5889.

Em janeiro deste ano o Projeto Comprova realizou outra verificação relacionada ao tema. Desta vez a análise se referiu a uma postagem no Facebook que afirmou que além do Brasil, apenas Cuba e Venezuela usam urnas eletrônicas. Dados do Institute for Democracy and Electoral Assistance (IDEA) consultados pelo Comprova mostraram que 46 países utilizam votação eletrônica em algum tipo de eleição (seja nacional, regional ou para escolha de dirigentes sindicais). 

Desses, ao menos outros 15 países, além do Brasil, utilizam máquinas de votação eletrônica de gravação direta (que não usam boletins de papel e registram os votos eletronicamente, sem que o eleitor interaja com qualquer cédula física). O Comprova concluiu também que é falso que Cuba utilize urnas eletrônicas, já que a legislação eleitoral do país prevê a votação por cédulas de papel em eleições ou referendos. Na Venezuela as urnas eletrônicas são utilizadas desde 2004 com equipamentos fornecidos pela empresa Smartmatic.

Em matéria publicada no Jornal do Comércio referente às eleições 2018, de acordo com projeção do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a impressão do voto nas urnas eletrônicas deve gerar um valor de custo de R$ 2,5 bilhões aos cofres públicos nos próximos dez anos. Além dos gastos elevados com a troca das atuais urnas, ministros da Corte Eleitoral acreditam que a reprodução do voto em papel vai provocar transtornos como aumento nas filas e equipamentos com defeito.

O voto impresso é uma exigência prevista na minirreforma eleitoral, sancionada em 2015 com veto pela então presidente Dilma Rousseff (PT). Um relatório da Corte Eleitoral sobre a experiência eleitoral de 2002 com a implantação do voto impresso em 150 municípios brasileiros concluiu que houveram “vários inconvenientes”, “nada agregou em termos de segurança ou transparência”, além de criar problemas, como filas maiores e alta porcentagem de urnas defeituosas.

Corregedores da Justiça Eleitoral pediram através de carta a revogação ou o adiamento do voto impresso. “O Brasil não tem condições neste momento de pagar esse preço quando as prioridades deveriam ser outras”, afirmou na ocasião o corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Herman Benjamin.

Apesar de questões operacionais, o voto impresso dificulta a possibilidade de fraudes tecnológicas, avalia o professor Diego Aranha, pesquisador do Laboratório de Segurança e Criptografia Aplicada (LASCA), da Unicamp. “Implementar o voto impresso é tornar a tecnologia eleitoral tão transparente quanto a utilizada em outros países. Vejo como avanço na questão da transparência por permitir que o eleitor confira na urna se há um registro em papel compatível com a intenção de voto dele”, argumenta o pesquisador. 

Desinformação em outras ocasiões

Os questionamentos em torno da credibilidade do sistema eleitoral brasileiro já foram motivo de debate, denúncias e desinformação . Nas eleições municipais realizadas este ano não foi diferente. O TSE recebeu relatos de mensagens em redes sociais que divulgavam uma suposta fraude em curso nas eleições “com a chancela da Justiça Eleitoral”.

Segundo a mensagem, “os votos válidos e os de quem justifica estão em bancos de dados diferentes” e os supostos “votos de quem justifica” poderiam ser atribuídos a “candidatos de esquerda”. Em nota o TSE informou que a alegação não é cabível pois o eleitor que justifica o voto no pleito não vota. A urna somente computa os votos que foram efetivamente recebidos, digitados pelos eleitores que compareceram à seção eleitoral e tiveram acesso liberado após a identificação pelos mesários.

O TSE esclareceu ainda que não há separação de banco de dados em relação aos votos, às abstenções e às justificativas. Todas essas informações são tratadas em um mesmo sistema de totalização, devidamente auditado e com assinaturas digitais lacradas em audiência pública, com a participação de partidos políticos, Ministério Público e Ordem dos Advogados do Brasil. O TSE conclui a nota reiterando que toda urna eletrônica emite um boletim com os votos coletados ao longo do dia. Assim, uma eventual tentativa de alteração de banco de dados seria identificada na conferência do boletim, que é impresso e entregue aos representantes dos partidos políticos presentes nos locais de votação e posteriormente é disponibilizado na internet.

A desinformação mais recente sobre a suposta facilidade em se fraudar urna eletrônica foi verificada pelo serviço de checagem Fato ou Fake do Portal G1. Foi analisado um vídeo que circulou em aplicativos de mensagens mostrando uma espécie de urna eletrônica feita em casa. Legendas dizem que as imagens provam que é possível alterar votos nas urnas brasileiras sem que isso seja identificado e a verificação do conteúdo demonstrou que o vídeo é falso.

O vídeo foi editado a partir de publicação que deixava claro se tratar de modelo amador feito para fins didáticos. O equipamento demonstrado no vídeo tem configurações e software completamente diferentes da urna eletrônica real, protegida por criptografia e testada por especialistas antes das eleições, de acordo com a checagem feita por G1.

O vídeo repercutiu nas mídias sociais e foi compartilhado com frases como “Olha aí, como funciona a fraude nas urnas eletrônicas”. No vídeo é apresentada uma versão amadora de uma espécie de urna eletrônica e ativa um modo que realiza uma nova votação e aponta a alteração de parte dos votos simulados.

O trecho divulgado nas redes foi criado a partir da edição de uma postagem, de 14 de novembro, no canal “Brincando com Ideias”. Nele, o professor Flávio Guimarães ensina princípios básicos de informática e robótica usando brinquedos inteligentes. O vídeo original foi excluído do canal e, dias depois, Guimarães publicou novo vídeo sobre o tema, no qual afirma que “pessoas mal intencionadas” removeram trechos da publicação original e postaram como demonstração de como realizar uma fraude real. “Nossa intenção com o vídeo é ensinar tecnologia, jamais entrar em polêmica e muito menos discutir questões políticas”, diz o professor.

Desinformações como essas foram reproduzidas pelo presidente Bolsonaro no último dia 29 de novembro, data do segundo turno das eleições municipais. Ele questionou a segurança da urna eletrônica, defendeu o voto impresso e afirmou, sem provas, que houve fraude no pleito presidencial norte-americano em novembro, que elegeu o democrata Joe Biden. A respeito de ataques hackers ao TSE, o projeto Comprova verificou que a ação não violou a segurança das eleições. Bereia também produziu matéria sobre desinformações envolvendo as eleições norte-americanas.

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Bereia conclui que é enganoso que o voto na urna eletrônica represente grave risco por gerar “insegurança política e moral”, ocasionando desconfiança no resultado das eleições. Esta ideia provoca pânico moral e põe em dúvida a confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro e questiona a credibilidade de instituições como o TSE, confundindo o eleitorado e não permite que outras perspectivas sejam observadas. Ao repercutir conteúdos opinativos superficiais de um líder religioso, emitidos em uma mídia social, sem qualquer base substancial,  como se fossem informação, o site Gospel Prime dissemina desinformação entre seus leitores. 

Referências

Google Trends, https://trends.google.com.br/trends/?geo=BR. Acesso em: 26 nov. 2020.

Tribunal Superior Eleitoral (TSE), https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2015/Novembro/plenario-do-tse-psdb-nao-encontra-fraude-nas-eleicoes-2014. Acesso em: 1º dez. 2020.

Congresso em Foco, https://congressoemfoco.uol.com.br/eleicoes/eleicoes-sem-fraudes-foram-uma-conquista-da-democracia-rebate-tse/. Acesso em: 1º dez. 2020.

Folha de São Paulo, https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/bolsonaro-diz-que-foi-alvo-de-fraude-e-pede-mobilizacao-a-eleitores.shtml?origin=folha. Acesso em: 1º dez. 2020.

Agência Brasil, https://agenciabrasil.ebc.com.br/eleicoes-2020/noticia/2020-11/agencia-brasil-explica-como-e-feita-apuracao-dos-votos-no-brasil. Acesso em: 26 nov. 2020.

Portal UOL, https://noticias.uol.com.br/politica/eleicoes/2018/noticias/2018/10/20/entenda-seguranca-da-votacao-eletronica-e-saiba-como-ela-pode-ser-auditada.htm. Acesso em: 26 nov. 2020.

Tribunal Superior Eleitoral (TSE), https://resultados.tse.jus.br/oficial/#/eleicao;e=e426;uf=sp;mu=71072/boletins-de-urna. Acesso em: 26 nov. 2020.

Projeto Comprova, https://projetocomprova.com.br/publica%C3%A7%C3%B5es/apuracao-da-eleicao-brasileira-e-aberta-a-qualquer-pessoa-ao-contrario-do-que-afirma-post/. Acesso em: 26 nov. 2020.

Projeto Comprova: https://projetocomprova.com.br/publica%C3%A7%C3%B5es/tuite-engana-ao-dizer-que-o-stf-decidiu-que-voto-impresso-e-inconstitucional/. Acesso em: 29 nov. 2020

Projeto Comprova: https://projetocomprova.com.br/publica%C3%A7%C3%B5es/e-falso-que-apenas-tres-paises-inclusive-o-brasil-utilizem-urnas-eletronicas/. Acesso em: 29 nov. 2020

Jornal do Comércio: https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/2017/07/politica/575305-voto-impresso-vai-custar-r-2-5-bilhoes-ao-tse.html. Acesso em: 30 nov. 2020

Tribunal Superior Eleitoral (TSE): https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2020/Novembro/nota-de-esclarecimento-sobre-suposta-fraude-nas-eleicoes-municipais-de-2020?SearchableText=Urna%20fraude. Acesso em: 30 nov. 2020

Portal G1: https://g1.globo.com/fato-ou-fake/noticia/2020/11/18/e-fake-que-video-prove-que-e-possivel-fraudar-urna-eletronica.ghtml. Acesso em: 30 nov. 2020.

Portal UOL, https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/11/29/sem-provas-bolsonaro-diz-que-houve-fraude-nas-eleicoes-dos-eua.htm. Acesso em: 1º dez. 2020.

Projeto Comprova, https://projetocomprova.com.br/publica%C3%A7%C3%B5es/ataque-de-hackers-no-sistema-do-tse-nao-viola-seguranca-da-eleicao/. Acesso em: 1º dez. 2020.

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/site-de-noticias-gospel-do-brasil-publica-desinformacao-sobre-eleicoes-presidenciais-dos-eua/. Acesso em: 1º dez. 2020.

Site gospel divulga atitude desrespeitosa em cidade de Santa Catarina como ato de intolerância religiosa

Em 22 de outubro de 2020 o portal evangélico Gospel Prime publicou matéria intitulada “Trio sobe em cruz e postam fotos com mensagens ofensivas”.

De acordo com o texto, três pessoas, dentre elas um adolescente, subiram em uma cruz em frente à Igreja Matriz Puríssimo Coração de Maria, situada no centro da cidade de São Bento do Sul, no norte de Santa Catarina, na manhã de 20 de outubro. O momento teria sido registrado, e um dos envolvidos divulgou nas mídias sociais as fotos com palavras de baixo calão na legenda. A publicação teria sido excluída do perfil do participante naquele mesmo dia. 

A matéria afirma que a Polícia Civil começou a investigar o caso depois que as imagens chegaram aos agentes por intermédio da imprensa local. O pároco da igreja registrou boletim de ocorrência contra os jovens, classificados na matéria do Gospel Prime como “vândalos”, apesar de o texto original, do qual o site faz uso, afirmar que “os jovens subiram na cruz” e “a cruz não chegou a ser vandalizada”. 

Em entrevista ao site NSC Total, o delegado Lucas Mendonça afirmou que com a identificação dos envolvidos, o primeiro passo será acioná-los para depor. “Quando isso for feito, eles poderão responder pelo artigo 208 do Código Penal, que trata de vilipendiar publicamente um ato ou objeto de culto religioso”, explicou. O portal G1 também reportou o assunto.

Nenhuma das publicações-fonte do Gospel Prime menciona a palavra “ofensa” ou indica que tipo de ofensa teria proferida ou a quem os jovens teriam ofendido nas publicações em suas mídias sociais. A menção do NSC Total, de onde Gospel Prime tirou a informação, é da publicação de “palavrões” na legenda das fotos, mas não há detalhes sobre a que ou a quem estas expressões estavam vinculadas.

A conclusão da matéria de Gospel Prime relaciona o caso de São Bento do Sul com “cenas de intolerância religiosa contra igrejas cristãs que têm sido frequente (sic) no mundo”. Apresenta o caso de um jovem que arrancou a cruz de uma igreja em Londres e o caso do incêndio de igrejas no Chile, há duas semanas.

Vilipêndio e violação do sentimento religioso coletivo

A matéria do NSC Total diz que os jovens podem ser enquadrados em crime de vilipêndio. Ele está previsto no Código Penal, nos artigos 208 e 2012 como:

“o ato de vilipendiar, sinônimo de desrespeitar, ultrajar, menosprezar, sendo admitido através de qualquer meio de execução (palavras, gestos, escritos). O Código Penal tipifica o crime de vilipêndio público de ato ou objeto de culto religioso, sendo necessário que a conduta recaia sobre ato religioso ou sobre objeto de culto religioso e que ocorra em público; e também o crime de vilipêndio a cadáver, sendo necessário que o ato seja praticado na presença do cadáver ou de suas cinzas, com a específica intenção de ultrajar o cadáver e de que seu gesto seja visto por testemunhas, hipóteses em que o crime normalmente é praticado no próprio velório ou enterro”.

O artigo 208, que trata especificamente do vilipêndio religioso, diz:

“Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso”. A pena é de um mês a um ano de detenção ou multa. 

No caso em questão, apesar de a cruz não ter sido danificada, o ato foi interpretado pelo delegado, depois da queixa do padre, como desrespeito público à crença de terceiros.

O termo vilipêndio religioso foi destaque no episódio que envolveu o especial de Natal da produtora de vídeos de comédia Porta dos Fundos, em dezembro de 2019. Na ocasião, o filme “A primeira tentação de Cristo” foi criticado por grupos religiosos por retratar um Jesus homossexual e um Deus mentiroso. A sede da produtora chegou a ser atacada por grupos extremistas. Um exemplo foi o vídeo do pastor evangélico Silas Malafaia, no qual cita o artigo 208 do Código Penal, mas também critica o ataque à sede da produtora.

Diante da repercussão, um grupo de deputados estaduais de São Paulo chegou a pedir a criação da CPI do Porta dos Fundos na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), o que não teve prosseguimento.

Em março de 2020, o caso em torno da Escola de Samba Águia de Ouro (São Paulo) alcançou repercussão na mídia . A Justiça proibiu a agremiação de apresentar ao público a escultura da Virgem Maria, baseada na “Pietá” de Michelangelo. A alegoria mostrava Maria segurando no colo um indígena, com sinais de crucificação, no lugar de Jesus. Ao tomar a decisão, o desembargador José Luiz Fonseca Tavares citou o artigo 208 do Código Penal, a fim de justificá-la.

Estes são casos mais recentes mas há muitas outras expressões culturais  classificadas ou não como vilipendiosas, a partir de queixas estabelecidas.

O uso do tema da intolerância religiosa

Gospel Prime publica sobre a brincadeira de mau gosto de três jovens, desrespeitosa com símbolo religioso público da cidade de São Bento do Sul, em momento em que há clima no noticiário religioso em torno do tema da intolerância religiosa. 

O site relaciona ao caso ocorrido de Londres, capital da Inglaterra, que já havia noticiado, em que um jovem decidiu arrancar a cruz da Chadwell Heath Baptist Church, conforme noticiou o londrino The Sun. Outro veículo, Mirror, relatou a prisão do homem por danificação criminosa.

Gospel Prime também cita as  igrejas incendiadas no Chile, em meio às manifestações que lembraram um ano dos protestos contra a política anti-direitos do governo daquele país. O site diz que os atos geraram “muita preocupação quanto a liberdade religiosa no país”. Mídias e personagens religiosos no Brasil classificaram o ato “cristofobia”, perseguição a cristãos.

Bereia verificou as informações a respeito desses atos de intolerância religiosa no país sul-americano, contextualizou a situação política do país e esclareceu que não se trata de perseguição religiosa e que não há preocupação quanto à liberdade religiosa no Chile, um país predominantemente cristão.

Importa registrar que vilipêndio, como explicado acima, não é sinônimo de intolerância religiosa. Segundo o Relatório sobre Intolerância e Violência Religiosa no Brasil (2011 – 2015): Resultados Preliminares, publicado pelo governo federal em 2016, é considerado intolerância e violência religiosa (p. 8):

o conjunto de ideologias e atitudes ofensivas a diferentes crenças e religiões, podendo em casos extremos tornar-se uma perseguição. Entende-se intolerância religiosa como crime de ódio que fere a liberdade e a dignidade humana, a violência e a perseguição por motivo religioso, são práticas de extrema gravidade e costumam ser caracterizadas pela ofensa, discriminação e até mesmo por atos que atentam à vida
Asseguradas pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e pela Constituição Federal (BRASIL, 1988), temos as liberdades de expressão e de culto, onde a religião e a crença dos cidadãos não devem constituir barreiras a fraternais e melhores relações humanas. Portanto, as pessoas devem ser respeitadas e tratadas de maneira igual perante a lei, independente da orientação religiosa. Acrescenta-se que pela Constituição Federal, o Brasil é um Estado laico, onde não há uma religião oficial brasileira, garantindo uma separação entre Estado e religiões, onde se espera do Estado que se mantenha neutro e imparcial às diferentes religiões, assegurando o tratamento igualitário aos cidadãos e as cidadãs, quaisquer que sejam suas crenças ou não crenças, de conformidade que a liberdade religiosa seja protegida, e sob nenhuma hipótese, deva ser desrespeitada.

Bereia conclui que a matéria de Gospel Prime é enganosa. O  possível vilipêndio, ou desrespeito, público (ainda será julgado), ocorrido em São Bento do Sul, praticado por três jovens, que subiram na cruz histórica da cidade, tiraram fotos e as publicaram legendas com palavrões em mídias sociais, é verdadeiro,. No entanto, a forma como a matéria é construída faz parecer que a provável atitude desrespeitosa dos jovens foi um ato de intolerância religiosa, no contexto de perseguição a cristãos no mundo. Gospel Prime faz uso da expressão “mensagens ofensivas” no título, sem explicar a quê ou a quem foram dirigidas ofensas. O termo não é mencionado na matéria original que o site utilizou como fonte; esta cita apenas o uso de palavrões na legenda das fotos sem explicitar a quem foram dirigidos. Gospel Prime também usa o termo “jovens vândalos”, o que não condiz com o relato da fonte, o NSC Total, que afirma que a cruz não foi vandalizada, os jovens apenas “subiram nela” para tirar as fotos, o que provocou a queixa do padre local, que considerou desrespeitosa a atitude. 

Bereia lembra ainda a necessidade de se contextualizar atos contra templos ou símbolos religiosos e a fiéis e identificar as diferenças entre os casos de desrespeito, de vandalismo, de intolerância e situações de perseguição em que a liberdade religiosa é de fato tolhida, conforme já realçado pelo Coletivo em outras matérias.

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Foto de Capa: NSC Total/Reprodução

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Referências de checagem

Constituição Federal, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em: 23 out 2020. 

Portal G1, https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2020/10/22/policia-tenta-identificar-trio-que-escalou-cruz-de-igreja-em-sc.ghtml Acesso em: 23 out 2020.

Site NSC Total, https://www.nsctotal.com.br/noticias/identificado-trio-que-subiu-em-cruz-da-igreja-matriz-de-sao-bento-do-sul Acesso em: 23 out 2020.

Site NSC Total, https://www.nsctotal.com.br/noticias/trio-que-subiu-em-cruz-da-igreja-matriz-de-sao-bento-do-sul-sera-investigado-pela-policia Acesso em: 24 out 2020.

DireitoNet, https://www.direitonet.com.br/dicionario/exibir/1312/Vilipendio. Acesso em: 27 out. 2020.

Portal JusBrasil, https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10612290/artigo-208-do-decreto-lei-n-2848-de-07-de-dezembro-de-1940 Acesso em: 24 out 2020.

Portal G1, https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/01/06/acusado-de-participar-de-ataque-ao-porta-dos-fundos-e-expulso-do-psl.ghtml. Acesso em: 27 out. 2020.

Observatório G, https://observatoriog.bol.uol.com.br/noticias/silas-malafaia-se-revolta-com-jesus-gay-e-afirma-que-porta-dos-fundos-cometeu-crime Acesso em: 26 de out 2020.

Congresso em Foco, https://congressoemfoco.uol.com.br/legislativo/deputados-tentam-criar-cpi-do-porta-dos-fundos-na-alesp/ Acesso em: 24 out 2020.

Folha de S. Paulo, https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0403200004.htm Acesso em: 24 out 2020.

Gospel Prime, https://www.gospelprime.com.br/homem-e-preso-apos-subir-no-telhado-para-arrancar-a-cruz-da-igreja/. Acesso em: 25 out. 2020.

The Sun, https://www.thesun.co.uk/news/12961676/romford-baptist-church-man-rip-cross-roof/ Acesso em: 25 out 2020.

Mirror, https://www.mirror.co.uk/news/uk-news/vandal-filmed-trying-rip-wooden-22867811 Acesso em: 25 out 2020.

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/incendio-de-igrejas-no-chile-nao-e-caso-de-perseguicao-a-cristaos/ Acesso em: 25 out 2020.

Relatório sobre Intolerância e Violência Religiosa no Brasil, https://direito.mppr.mp.br/arquivos/File/RelatorioIntoleranciaViolenciaReligiosaBrasil.pdf. Acesso em: 27 out. 2020.

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/noticias-sobre-cristofobia-em-portais-gospel-nao-contextualizam-questao-ao-redor-do-mundo/ Acesso em: 25 out 2020.

Incêndio de Igrejas no Chile não é caso de perseguição a cristãos

* Matéria atualizada em 23 de outubro de 2020, às 00h07, para acréscimo de informações

Uma imagem de igrejas em chamas no Chile viralizou nas mídias sociais nos últimos dias. A notícia foi reproduzida em portais religiosos como Pleno News com manchete “Duas igrejas são incendiadas em protestos esquerdistas no Chile” e Gospel Prime “Em imagens tristes, cúpula de igreja desaba no Chile e vândalos comemoram”.

Em um tuíte, o pastor da Igreja Batista da Lagoinha (Belo Horizonte) Lucinho Barreto afirmou que 70 igrejas foram atacadas no Chile.

Todas as abordagens ressaltaram os temas da “cristofobia”, atrelando os atos vândalos a uma perseguição ao Cristianismo, e de serem ações “esquerdistas”.

Chile realizará plebiscito para decidir sobre nova constituição

Desde 18 de outubro, o Chile vive uma onda de manifestações que marca o aniversário de umano da explosão social de 2019 (Estallido Social en Chile), as maiores desde a ditadura de Pinochet. Os protestos na época começaram com reivindicações contra o aumento do preço de passagem do metrô e ampliaram para pautas ligadas aos direitos sociais, como água, saúde e educação, em oposição às políticas neoliberais. Os manifestantes sofreram com a extrema violência por parte dos Carabineros (Polícia Militar do país) e do Exército. 

Os protestos desta semana foram menores do que os de 2019, mas, segundo, a polícia atingiram a marca de 25 mil manifestantes que clamavam por reformas sociais. O ato antecede um momento importante da história do Chile, pois no dia 25 de outubro o país passará por um plebiscito para votar se deve haver mudanças na Constituição. A legislação atual foi herdada da ditadura de Pinochet, com grande inspiração neoliberal, e não garante direitos essenciais como saúde, educação e previdência. O país não tem um sistema público de saúde como SUS, os valores de aposentadoria são muito baixos e muitos idosos passam necessidades, a educação básica pública é de má qualidade e a educação superior, mesmo em universidades públicas, é paga. A pandemia de covid-19 colaborou para ressaltar as desigualdades e as deficiências do Estado chileno no cuidado com seus cidadãos e cidadãs.

A realização do plebiscito foi uma conquista dos protestos do ano passado. Os chilenos poderão votar sobre duas questões, a primeira se aprovam ou não a construção de uma nova constituição e a segunda se preferem convenção constitucional, formada integralmente por representantes do povo, ou convenção constitucional mista, formada por representantes da população e também por parlamentares chilenos. A maioria dos manifestantes nos atos desse ano portavam bandeiras com a palavra “apruebo”, ou aprovo, reivindicando uma nova constituição e que sejam feitas mudanças em favor da população.

Segundo informações do jornal chileno La Nación, duas igrejas foram vandalizadas durante os protestos do último domingo, 18 de outubro. Uma delas foi a capela San Francisco de Borja, conhecida como igreja dos Carabineiros, que foi renomeada, remodelada e assumida pela capelania militar durante o governo da junta militar, em 1973. O templo foi saqueado, teve objetos queimados em barricadas e dependências incendiadas, mas os bombeiros conseguiram impedir a propagação das chamas. 

Já a Paróquia Asunción, construída há 144 anos, foi completamente incendiada e teve a torre principal consumida pelas chamas, como mostram vídeos e imagens que repercutiram nas mídias sociais. 

Ainda não há certezas sobre as motivações e autoria dos incêndios. 

Um militar da Marinha chilena foi detido por participar do incêndio da igreja dos Carabineiros. Em nota, a Marinha afirmou que o oficial agiu sozinho, não estava infiltrado nem realizava serviço de inteligência. A instituição afirma que “se for comprovada a participação deste membro da Instituição, tomará as medidas disciplinares correspondentes”. O marinheiro foi liberado, com a obrigação de fazer assinaturas bimestrais na delegacia. 

Um jornal local investigou a participação de um policial infiltrado nas manifestações. Segundo provas obtidas pelo veículo, o carabineiro participava de diversos grupos de manifestantes no WhatsApp e incentivava o uso de violência por parte dos ativistas. Em um dos áudios, ele defendia “queimar todos os policiais”.

O sanitarista chileno e pesquisador na Universidade Federal da Integração Latino Americana (Unila) Juan Bacigalupo, ouvido pelo Coletivo Bereia, vê com suspeitas a promoção  dos incêndios, principalmente por não terem encontrado filmagens dos atos ou de culpados, levando-se em consideração que a igreja dos Carabineiros conta com intensa presença policial no entorno. “Estão tentando criminalizar o movimento social porque o povo chileno ainda é muito cristão”, avalia. 

Bereia colheu o depoimento da cristã evangélica Silvana Frontier, integrante da diretoria da organização Paz y Esperanza Chile, que atribui o caso à antipatia de grupos isolados, especialmente anarquistas, em relação a instituições religiosas. “Há muito tempo existe um grupo de anarquistas que vai contra tudo o que é uma instituição: Estado, Igreja e qualquer outra. Várias vezes houve ataques contra igrejas, tanto católicas quanto evangélicas: roubos, destruição e incêndio criminoso. Desta vez, o fogo foi muito maior”, explica. A cristã chilena não acredita, no entanto, que se trate de perseguição aos cristãos ou cristofobia. 

Uma declaração sobre os atos graves de violência contra os plebiscitos, assinada pela Associação Chilena de Diálogo Interreligioso para o Desenvolvimento Humano (ADIR), Comunidade Teológica Evangélica do Chile (CTE), Grupo de Estudos Multidisciplinares sobre Religião e Advocacia Pública (GEMRIP), Serviço Evangélico para o Desenvolvimento (SEPADE),  Amerindia Chile, Igreja Evangélica Luterana do Chile, Coalizão Ecumênica para o Cuidado da Criação e Rede Ecumênica de Direitos Humanos e Estado Laico (REDHEL), afirma o seguinte:

Rejeitamos e condenamos qualquer ato de intimidação exercido contra comunidades de fé para desencorajar a participação no processo plebiscito. Denunciamos que os recentes ataques contra igrejas católicas cristãs representam uma grave violação da liberdade de religião e expressão, mas da mesma forma rejeitamos a instrumentalização desses eventos para enfraquecer o processo constituinte, instalar medo e legitimar posições específicas, por meio da vitimização de grupos específicos. (…) Exigimos que o Estado cumpra sua função protetora de cidadania. Consideramos extremamente alarmante a violência desencadeada e a ineficácia do aparelho de Estado para proteger a integridade da sociedade e o exercício saudável da liberdade de expressão.

Igreja incendiada foi local de tortura na ditadura?

Não há suspeitos da autoria do incêndio da Paróquia Asunción. Circula nas mídias sociais a informação de que a igreja teria sido local de torturas durante a ditadura, e essa seria a motivação do incêndio por parte dos manifestantes.

Bereia verificou que, de fato, a casa paroquial da paróquia Asunción, localizada no mesmo terreno do templo, serviu como um centro de tortura durante o regime militar de Pinochet, de acordo com o investigador Dr. José Santos Herceg no documentário “Lugares desaparecidos – rastros dos centros de tortura e extermínio em Santiago”. Segundo o projeto Memória Viva, que investigou os crimes da ditadura militar no Chile, o endereço da casa paroquial, identificado como Vicuña Mackenna No 69, foi também uma base de computação central do Centro Nacional de Informações (CNI) comandada pelo General Odlanier Mena, que reunia arquivos de vítimas perseguidas pelo regime e comandava operações de inteligência para destruir oponentes. Não há, entretanto, confirmação de que a ligação com a ditadura seja a motivação dos manifestantes para causar incêndio, uma vez que não foram identificados suspeitos. 

O contexto histórico dos ataques e das igrejas no Chile

Em entrevista ao Coletivo Bereia, o bispo Vicário Apostólico de Aysén, no Chile, Luiz Infanti De La Mora, afirmou que essa explosão  social é “resultado de longos anos de abusos de poder e corrupção, que produziram crescentes desigualdades, injustiças e empobrecimento em grandes setores da sociedade”.  

As manifestações ocuparam todas as cidades chilenas e duraram até março de 2020, quando teve início o isolamento social devido ao coronavírus. O bispo considera a explosão como uma expressão de indignação e rejeição, que estava contida, em relação a qualquer instituição, sob o lema “Deixem ir todos” (políticos, governo, empresários, juízes, bispos, ministros etc).

A Conferência Episcopal do Chile emitiu declaração sobre o ocorrido. O texto, assinado pelo presidente, o bispo de castrense do Chile Santiago Silva Retamales, e pelo secretário-geral, o arcebispo de Porto Montt Fernando Ramos Pérez, expressa solidariedade com aqueles que foram vítimas de atos de violência que, contrasta com as expressões de quem se manifestou pacificamente. Na declaração, eles afirmam que:

A grande maioria do Chile anseia por justiça e medidas eficazes que ajudem a superar as lacunas de desigualdade; eles não querem mais corrupção ou abuso, eles esperam um tratamento digno, respeitoso e justo. Acreditamos que esta maioria não apoia ou justifica ações violentas que causam dor a indivíduos e famílias, prejudicando comunidades que não conseguem viver em paz em suas casas ou no trabalho, amedrontadas por aqueles que não buscam construir nada, mas antes destruir tudo.

A chilena doutora em Teologia Sandra Arenas, ouvida pelo Coletivo Bereia, reitera que o contexto do incêndio nas igrejas é decorrente de uma histórica crise sociopolítica no país. “É uma acumulação de inquietação social devido às desigualdades sociais no Chile, que tem muitas arestas”, explica. Sandra Arenas afirma que, no geral, são manifestações pacíficas, mas existem focos de violência que são difíceis de atribuir a determinados setores da sociedade. Para a pesquisadora, não está explícita a autoria dos ataques. “Há civis e, aparentemente, alguns infiltrados uniformizados também, mas está sendo investigado”, pontua. 

“As manifestações (ocorridas desde outubro de 2019) não tiveram lideranças visíveis, nem políticas nem sociais, foram espontâneas”, salienta o bispo Infanti. Ele também reforça que a grande maioria dos manifestantes são pacíficos, mas há grupos violentos. Inclusive, ele destaca que o número de carabineiros mortos, feridos e detidos também foi alto. “Os violentos foram identificados mais como anarquistas e traficantes de drogas, que deram mostras de ter mais poder do que as forças do Estado”, explica o bispo.

Sobre a possibilidade de haver perseguição a cristãos no Chile, ela afirma que existem segmentos da sociedade que reagem à crise provocada pelos abusos de poder e pela consciência dos abusos sexuais em um contexto eclesial. “Há uma crise de credibilidade e confiança nas instituições (em geral), também nas instituições religiosas”, afirma. No entanto, para a teóloga, a violência não se justifica em nenhum caso. “A agitação social levou as pessoas às ruas e a se organizarem territorialmente. A violência injustificada foi usada contra civis pelas forças da ordem (carabineros)”, analisa, e acrescenta que “uma das demandas sociais levantadas é que a instituição dos carabineros passe por uma reforma”. 

A também chilena Rocío Cortés-Rodríguez, que realiza pós-doutorado em Teologia na Universidade de Notre Dame (EUA) e é pesquisadora do Centro UC de Estudos da Religião da PUC do Chile, em depoimento ao Bereia, partilha da opinião de Sandra Arenas ao reiterar que um grupo minoritário queima templos católicos, em meio a uma manifestação pacífica. Ela atribui os ataques ao descontentamento social geral no qual a Igreja Católica simboliza uma instituição de poder. “As igrejas são também um símbolo do Cristianismo trazido pelos espanhóis há séculos atrás, são também símbolos da época colonial e, por isso, tenho notado que muitos desses grupos buscam trazer à tona o que lembra os tempos da Espanha no país”, declara. 

O bispo Infanti conta que a Plaza Itália, em Santiago,  foi “rebatizada” de Plaza da Dignidade. O espaço é um ponto central de encontro das manifestações. No dia 18 de outubro deste ano cerca de 30 mil pessoas reuniram no local. Entre os manifestantes, estavam os “barra bravas” (torcedores de times de futebol) que se enfrentaram violentamente, e grupos violentos, especialmente anarquistas, que também queimaram e destruíram  os dois templos perto da Plaza Itália. 

Também houve danos a negócios, supermercados, templos, exceto as estações de metrô porque  todas as estações foram fechadas, em Santiago ou em outras cidades do Chile (La Serena, Antofagasta, Melipilla, Valparaíso, Concepción, Temuco etc.). “Toda esta violência foi condenada pelo governo e por todas as forças sociais, culturais, religiosas e quase todas as forças políticas”, assegura o bispo Luiz Infanti.

Segundo Rocío, há um desejo, por parte de algumas pessoas, de reivindicar o lugar dos povos originários. “E isso é muito bom, pois estamos em dívida com eles. Mas, infelizmente, essa reivindicação opera em oposição ao crioulo/espanhol, que embora represente os processos de colonização e evangelização vividos no continente, é hoje uma parte importante da nossa cultura, idiossincrasia e religião”, explica Rocío Cortés-Rodríguez. 

Ataques e acusações de perseguição religiosa aos cristãos

Rocío aponta que, em um país que se torna cada vez mais secular, talvez haja uma certa hostilidade à religião e, em particular, ao cristão católico, por se tratar de uma das denominações cristãs ainda mais predominantes no país. “Porém, ouso dizer, não vai além da hostilidade social. Lembremos também que a Igreja Católica chilena vive uma profunda crise interna e externa em consequência dos casos de abuso sexual conhecidos há alguns anos, o que contribui para este ambiente hostil na sociedade para com católicos”, avalia a pesquisadora, que descarta a possibilidade de perseguição religiosa.

Rocío destaca, ainda, que líderes religiosos das comunidades judaica e muçulmana do Chile expressaram, publicamente, solidariedade com a Igreja Católica, rejeitando os atos de violência, com destaque para os ocorridos nas igrejas do Centro de Santiago.

Carmen Castillo Felber, da equipe da Comunidade Internacional de Estudantes Evangélicos (CIEE ou IFES, sigla em inglês) para América Latina, sinaliza ao Coletivo Bereia que não há perseguição ao Cristianismo no Chile, nos moldes do que ocorre em países islâmicos, por exemplo. Entretanto, ela alerta que existe “uma certa perseguição da mídia com informações que geram notícias contra os cristãos”. Ela cita os relatos no início da pandemia de covid-19, de espaços geridos por igrejas evangélicas que estavam recebendo pessoas desabrigadas e não para celebrar cultos, ao contrário do que se noticiava.  

Na opinião de Felber, as duas igrejas atacadas foram “autorizadas a serem queimadas”. “É estranho que uma delas fosse uma igreja que pertence à polícia; por que foi tão negligenciada? Por que os manifestantes foram autorizados a chegar lá?” Para Carmen, os ataques foram uma contrapropaganda para a opção de aprovação do plebiscito do dia 25 de outubro, que vai definir se haverá mudanças na Constituição do Chile, que permanece a mesma da ditadura de Pinochet. Segundo ela, muitos católicos que estavam pensando em votar pela “aprovação” as mudanças constitucionais, hoje podem optar por um voto de punição, e fazê-lo pela rejeição a essa possibilidade histórica  de assegurar direitos sociais, hoje negligenciados, com base na própria constituição do país. 

O bispo Luiz Infanti, ouvido por Bereia, também confirma que não há perseguição religiosa aos cristãos no Chile. No entanto, as mídias sociais têm uma mensagem permanente de questionamento à Igreja sobre a questão dos abusos e silenciamento total dos trabalhos pastorais sociais e solidários. “Há uma invisibilidade das pessoas da igreja (até o Papa Francisco), mas dando amplo espaço para Trump, Bolsonaro e propaganda consumista. Isso tem intencionalidades e cria mentalidades”, alerta o bispo. 

O religioso acredita que o plebiscito deve resultar no apoio à elaboração de uma nova constituição. Mas também pondera que existem forças poderosas que rejeitam esta possibilidade, incluindo alguns setores das comunidades evangélicas, que a manifestaram publicamente.

“Como Igreja Católica, temos apelado insistentemente à participação nas eleições (sem defender uma ou outra opção), apelamos a uma maior justiça e rejeição da violência e das causas que a provocam”, defende o bispo Infanti. “A violência ao longo do ano, certamente terá influência em setores que rejeitam uma nova carta institucional. Os resultados da votação são incertos. Essa incerteza também se deve ao fato se o isolamento social vai influenciar na participação social”, complementa.

O discurso da cristofobia

Imagens e vídeos das igrejas em chamas foram reproduzida por autoridades brasileiras como o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), o Ministro das Comunicações Fábio Faria e o deputado e pastor Marco Feliciano (PSC-SP). Todos alegam em suas postagens que o incêndio é um caso de “cristofobia”.

Para o teólogo e cientista social chileno Nicolas Panotto, entrevistado por Bereia, não existe cristofobia no Chile. “Olhando para os eventos da queima de igrejas, acho que seria insensato não reconhecer que esses atos respondem a uma atitude estereotipada contra a religião e implicam um ato de violação da liberdade religiosa. Mas a partir daí supor um tipo de ação sistemática, não é correto”, avalia. 

Em coluna no Aerópago do Coletivo Bereia, a professora e cientista social Brenda Carranza comenta sobre a estratégia preocupante do discurso sobre cristofobia, que ela considera perigoso. “Ele justifica ameaçar, atacar e criminalizar aqueles que são alvo de sua perseguição em nome de uma inversão criada por esses grupos que reverberam o termo. Dito de outra forma: cristofobia é um álibi para perseguir a quem se disse perseguido. Álibi que historicamente sempre foi nefasto para a sociedade e a religião, basta lembrar a Inquisição e ler a História”, afirma. 

***

Bereia conclui que as informações que circulam no Brasil, em sites gospel e em mídias sociais de lideranças cristãs, sobre a queima de igrejas no Chile são enganosas. As postagens apresentam fatos ocorridos de forma distorcida, e com omissão de informações, para levar leitores/as a pensarem que são casos de perseguição a cristãos naquele país. Verificou-se que apenas a Paróquia Asunción foi incendiada completamente, uma vez que a Igreja dos Carabineros (da Polícia Militar) foi saqueada e barricadas foram feitas, mas o fogo não se alastrou. Já declaração do pastor da Igreja Batista da Lagoinha Lucinho Barreto sobre 70 igrejas queimadas no país é falsa.

Ressalta-se também que, mesmo entre chilenos, não há certezas sobre as intenções e autorias dos ataques, suspeitando-se tanto de insatisfação dos manifestantes com a instituição Igreja Católica quanto de sabotagem dos movimentos sociais por parte da força militar. É fato que um militar da Marinha foi preso depois de identificado envolvimento com o incêndio à Igreja dos Carabineiros. Confirma-se, também, que a casa paroquial da Paróquia Asunción foi utilizada como local de tortura durante a ditadura militar de Pinochet, embora não haja confirmação de que esse foi o motivo dos ataques. 

O contexto das manifestações é o plebiscito que acontecerá no próximo dia 25 e ampla parcela da população chilena reivindica uma nova Constituição com garantia de direitos que têm sido negados.

Bereia conclui, ainda que, de acordo com a avaliação de diversos especialistas, é falso afirmar que existe “cristofobia” (rejeição e perseguição sistemática ao Cristianismo) no Chile, um país majoritariamente cristão. O que se pode classificar, com os episódios evidenciados, são situações de intolerância religiosa experimentadas ao extremo (com violência)  

Referências

Pleno News. https://pleno.news/mundo/politica-internacional/duas-igrejas-sao-incendiadas-em-protestos-esquerdistas-no-chile.html. Acesso em 20 out 2020. 

Gospel Prime. https://www.gospelprime.com.br/em-imagens-tristes-cupula-de-igreja-desaba-no-chile-e-vandalos-comemoram/. Acesso em 20 out 2020. 

UOL. https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2019/10/22/videos-mostram-humilhacoes-torturas-e-tiros-atribuidos-a-policia-no-chile.htm. Acesso em 20 out 2020. 

G1. https://g1.globo.com/mundo/noticia/2019/10/20/entenda-a-onda-de-protestos-no-chile.ghtml. Acesso em 20 out 2020. 

Yahoo. https://br.noticias.yahoo.com/amphtml/um-ano-apos-a-maior-revolta-social-do-pais-chile-decide-se-tera-ou-nao-nova-constituicao-070050083.html?__twitter_impression=true. Acesso em 21 out 2020. 

Cadernos de Saúde Pública. https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-311X2002000400010&script=sci_arttext. Acesso em 2020.

Tu decides. https://www.t13.cl/noticia/plebiscito-2020/politica/plebiscito-convencion-constituyente-diferencias-convencion-mixta-constitucional-20-10-2020. Acesso em 21 out 2020. 

Apruebo Chile Digno. https://apruebochiledigno.cl/. Acesso em 21 out 2020. 

La Nación. http://www.lanacion.cl/saquean-e-incendian-iglesia-institucional-de-carabineros/. Acesso em 20 out 2020. 

El Mostrador. https://www.elmostrador.cl/dia/2020/10/19/miembro-de-la-armada-fue-detenido-por-participar-en-desordenes-que-terminaron-con-incendio-a-iglesia-de-carabineros/. Acesso em 20 out 2020. 

Soy Chile. https://www.soychile.cl/Santiago/Sociedad/2020/10/19/678091/Defensa-dijo-que-marino-detenido-por-quema-de-iglesia-no-estaba-infiltrado-ni-cumplia-labores-de-inteligencia.aspx. Acesso em 20 out 2020. 

Fortin Mapocho. https://www.fortinmapocho.cl/2020/10/19/marino-detenido-en-incendio-a-iglesia-de-carabineros-quedo-solo-con-firma-bimensual/. Acesso em 20 out 2020. 

Infobae. https://www.infobae.com/america/america-latina/2020/10/16/un-nuevo-escandalo-sacude-a-los-carabineros-chilenos-descubrieron-a-un-policia-infiltrado-en-las-protestas-que-alentaba-la-violencia/?outputType=amp-type&__twitter_impression=true&s=08. Acesso em 20 out 2020. 

“Lugares desaparecidos. Rastros de los centros de tortura y exterminio en Santiago”. https://www.elmostrador.cl/cultura/2017/07/05/documental-retrata-el-olvido-y-desaparicion-de-los-centros-de-tortura-de-pinochet/. Acesso em 20 out 2020. 

Memoria Viva. http://www.memoriaviva.com/Centros/00Metropolitana/Recinto_CNI_unidad_de_computacion_vicuna_mackenna_n69.htm. Acesso em 20 out 2020. 

Coletivo Bereia. https://coletivobereia.com.br/cristofobia-uma-estrategia-preocupante/. Acesso em 20 out 2020. 

Site gospel desinforma ao noticiar que cidades ignoram decreto presidencial sobre abertura de igrejas

O site de notícias evangélicas Gospel Prime publicou em 12 de agosto de 2020 a matéria “Cidades ignoram decreto e proíbem abertura de igrejas”.

De acordo com Gospel Prime, mais de 500 prefeitos desobedeceram o decreto federal assinado em março, que inclui templos religiosos na lista de atividades essenciais. A matéria ressalta que as autoridades desconsideram o fato de que as igrejas realizam atividades sociais.

Entre estes prefeitos, Gospel Prime cita Nelson Marchezan Júnior (PSDB), prefeito de Porto Alegre, que autorizou a reabertura do comércio durante a semana de Dia dos Pais, porém teria mantido os templos fechados, ignorando pedidos feitos por lideranças religiosas.

Situação semelhante se repetiu no estado de São Paulo, onde mais de cem cidades desrespeitariam o decreto mantendo as igrejas fechadas, como Ribeirão Preto, com o prefeito Duarte Nogueira (PSDB) não tendo autorizado a reabertura dos cultos.

No município de Franca, o prefeito Gilson de Souza (DEM) recebeu pastores em seu gabinete, mas manteve a proibição dos cultos.

O prefeito do município de Araquari (SC) Clenilton Carlos Pereira (PSDB) assinou decreto que proibia a flexibilização até 10 de agosto, prolongando o período de fechamento das igrejas, o que, segundo o Gospel Prime, prejudicaria as atividades sociais desenvolvidas pelas instituições.

Sobre o decreto

O Decreto n° 10.292/2020, do governo federal, com a lista ampliada de atividades e serviços essenciais que deveriam funcionar durante a emergência de saúde pública provocada pelo coronavírus, foi publicado em 26 de março de 2020 no Diário Oficial da União. A primeira lista foi definida pelo Decreto n° 10.282/2020, uma semana antes, com base na Lei n° 13.979/2020, que concedeu ao Presidente da República a prerrogativa de decidir sobre as atividades essenciais.

De acordo com o decreto, são atividades e serviços essenciais aqueles que não colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população, indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

Além de lotéricas e igrejas, o governo incluiu a fiscalização do trabalho, atividades de pesquisa relacionadas com a pandemia de covid-19 e as atividades jurídicas exercidas pelas advocacias públicas, relacionadas à prestação dos serviços públicos.

No entanto, a medida preocupou alguns deputados, como Alice Portugal (PCdoB-BA), que afirmou, à época, que trabalharia pela modificação do decreto:

“Protejam sua saúde! Proteja os profissionais da saúde que estão na frente de guerra em defesa da vida! Por isso nós entendemos que o decreto do presidente que dá abertura para atividades que ele julga essenciais-atividades em igrejas, em lotéricas- vai na contramão da necessidade da defesa da vida”.

A deputada Lídice da Mata (PSB-BA) também se manifestou:

“A experiência internacional demonstra que os países que tiveram essa vacilação, inclusive os Estados Unidos, hoje vivem um período de imensa dificuldade para conter o crescimento da doença. A ideia central da quarentena total é de você diminuir a curva e a velocidade de contaminação da população. Para que isso permita que o sistema de saúde dê conta do atendimento de todos. E possa efetivamente salvar vidas”.

O vice-líder do governo, deputado Sanderson (PSL-RS), ressaltou o objetivo do decreto:

“O objetivo é fazer com que o Brasil, mesmo num momento difícil, continue minimamente ativo economicamente sobretudo no que diz respeito à saúde, produção e transporte de alimentos, segurança pública. Além de funções que precisam continuar para que a nação não pereça”.

Em 27 de março de 2020 a Justiça Federal proibiu o governo federal de adotar medidas contrárias ao isolamento social como forma de prevenção da Covid-19. Também foi suspensa a validade dos dois decretos editados pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A medida teve efeito imediato e vale para todo o Brasil.

A decisão liminar atendeu a pedido feito pelo Ministério Público Federal (MPF). Nela, o juiz federal Márcio Santoro Rocha, da 1° Vara Federal de Duque de Caxias (RJ), determinou que o governo federal e a Prefeitura de Duque de Caxias “se abstenham de adotar qualquer estímulo à não-observância do isolamento social recomendado pela OMS”, sob pena de multa de R$ 100 mil em caso de descumprimento da decisão.

A decisão se baseou no argumento arguido pelo MPF, de que a inclusão de novos setores no rol de atividades e serviços essenciais é ilegal, já que essa lista foi definida pela Lei n° 7.783/1989.

O decreto do governo federal buscou atender às pressões da bancada evangélica no Congresso Nacional e de outras lideranças religiosas, que defendiam a realização de cultos religiosos mesmo durante a pandemia. Decretos ao redor do Brasil e decisões judiciais vinham impedindo igrejas de realizarem atividades com aglomeração de público.

Uma dessas liminares proibiu cerimônias na Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo, do pastor Silas Malafaia, aliado de Bolsonaro. Em entrevista ao apresentador Ratinho, do SBT, em 21 de março de 2020, Bolsonaro criticou a proibição de cultos em igrejas:

“O que eu vejo no Brasil, não são todos, mas muita gente, para dar uma satisfação para o seu eleitorado, toma providências absurdas… Fechando shoppings, tem gente que quer fechar igreja, o último refúgio das pessoas”.

As medidas tomadas por estados e municípios

Em 06 de fevereiro de 2020, a União editou a Lei n° 13. 979 que autorizou as “autoridades competentes” a adotarem medidas como a quarentena, o isolamento social e a realização compulsória de exames e tratamentos médicos. As medidas recaem sobre pessoas infectadas, suspeitas e população de risco (idosos, portadores de doenças etc.), não se aplicando às demais pessoas. É o chamado “isolamento vertical”.

Devido à expansão da doença principalmente nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, estes foram os primeiros do país na adoção de medidas mais drásticas, implementadas com o crescimento do número de infectados e mortos, inspirando outros estados a tomarem suas medidas de combate ao coronavírus.

Estes estados suspenderam eventos e aulas na rede pública de ensino, o funcionamento de shoppings centers e de academias de ginástica e decretaram quarentena, com a suspensão do atendimento presencial em estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços.

O estado do Rio de Janeiro previu a possibilidade de suspender os meios de transporte intermunicipal, interestadual, aeroviário e portuário. Desse modo, os estados de São Paulo e Rio de Janeiro optaram pelo “isolamento horizontal”, buscando reduzir a circulação de pessoas, com o objetivo de evitar colapso na rede pública de saúde.

Em reação às normas estaduais, o Presidente da República editou, em março de 2020, a Medida Provisória n° 926, que determinou, principalmente, restrições à entrada e saída do país e à locomoção interestadual e intermunicipal sejam embasadas em normas técnicas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Essa determinação previu também que medidas restritivas somente poderiam ser tomadas com base em evidências científicas e em análises sobre informações estratégicas em saúde e autorizou decreto presidencial que definisse quais atividades devem ser consideradas essenciais, de modo que não sejam interrompidas durante a pandemia.

Desta forma, foram editados os Decretos de n° 10.282/2020 e 10.292/2020, designando as atividades tidas por essenciais, impedindo que os Estados determinassem a sua paralisação. Este fato aprofundou a diferença entre os pronunciamentos feitos pelo Presidente da República e aqueles por governadores, alinhados com os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com a maioria dos governantes mundiais e, sobretudo, com as recomendações da OMS e do Ministério da Saúde.

Nesta situação, as autoridades que representam os municípios, alinharam-se às orientações dos respectivos governos estaduais, ora seguiram as determinações do governo federal, como o município de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, que no início da epidemia não seguiu as medidas de combate ao coronavírus, determinadas pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro.

O caso foi parar no Supremo Tribunal Federal por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6341. De autoria do Partido Democrático Trabalhista (PDT), a ação argumentava que a redistribuição de poderes de polícia sanitária introduzida pela MP 926/2020​ na Lei Federal 13.979/2020 interferia no regime de cooperação entre os entes federativos, pois confiou à União as prerrogativas de isolamento, quarentena, interdição de locomoção, de serviços públicos e atividades essenciais e de circulação. Na sessão de 15 de abril, o Plenário da corte, por unanimidade, confirmou o entendimento de que as medidas adotadas pelo governo federal na MP para o enfrentamento do novo coronavírus não têm o poder de descartar a competência nem a tomada de providências normativas e administrativas pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios. Esta decisão passou a ser a orientadora para todos os procedimentos dos governos federal, estadual e municipal.

Bereia elencou os pontos levantados por Gospel Prime, para verificar a veracidade das informações.

  • 1. O prefeito de Porto Alegre (RS) Nelson Marchezan Júnior (PSDB) autorizou a reabertura do comércio na semana de Dia dos Pais

No Decreto n° 20.676, de 06 de agosto de 2020, o prefeito autoriza o funcionamento de estabelecimentos comerciais, incluindo centros comerciais e shoppings centers no período de 07 a 09 de agosto de 2020. A permissão é concedida sob a condição de que sejam observadas regras de higienização e de funcionamento referidas em artigos anteriores do mesmo decreto.

  • 2. O prefeito de Ribeirão Preto (SP) Duarte Nogueira (PSDB) não autorizou a reabertura de templos religiosos

A Prefeitura de Ribeirão Preto publicou no Diário Oficial de 12 de agosto, nota técnica autorizando a retomada de celebrações presenciais em templos religiosos das 8h às 21h. A Prefeitura recomenda que idosos, pessoas que fazem parte do grupo de risco do coronavírus ou que estejam com sintomas da doença, não frequentem os locais e continuem acompanhando as celebrações transmitidas via internet.

Segundo a nota, os templos devem implementar sistemas de controle na entrada das celebrações e limitar a ocupação do ambiente a 30% da capacidade determinada no alvará de funcionamento, de acordo com as regras estabelecidas pela Secretaria Municipal da Casa Civil.

A nota técnica também determina que é preciso usar máscara e que os fiéis devem manter distância de 1,5 metro com demarcações no piso ou reorganização dos móveis. As celebrações podem ter uma hora, com espaçamento de duas horas para higienização do ambiente.

De acordo com a normativa, durante as atividades está proibido o contato físico e a formação de fila entre os fiéis. Os espaços precisam ser mantidos arejados, com portas e janelas preferencialmente abertas, além de disponibilizarem álcool gel em pontos estratégicos para higienização das mãos.

  • 3. Prefeito de Franca (SP) Gilson de Souza (DEM) mantém a suspensão de cultos

O prefeito de Franca reconheceu as atividades religiosas como essenciais para a população do município. A Lei 8.919, de 29 de junho de 2020, foi publicada no Diário Oficial de 30 de junho de 2020, mas não garante a abertura dos templos por conta de determinação da Justiça.

Em 01 de junho de 2020, a Prefeitura publicou decreto autorizando a retomada de missas e cultos no município com apenas 30% dos fiéis que os templos comportam, segundo alvará de funcionamento.

A decisão foi alvo de ação civil pública do Ministério Público, que alegou riscos à saúde da população devido ao avanço da covid-19 na cidade. Posteriormente, o juiz da Vara da Fazenda Pública Aurelio Miguel Pena acatou o pedido da promotoria e suspendeu os efeitos do decreto municipal. A decisão foi cumprida pela Prefeitura.

  • 4. O prefeito do município de Araquari (SC) Clenilton Carlos Pereira (PSDB) assinou decreto que proíbe a flexibilização até 10 de agosto de 2020, prolongando o período de fechamento das igrejas

No Decreto 50/2020 publicado no Diário Oficial em 10 de agosto de 2020, o prefeito de Araquari revogou o artigo referente ao funcionamento de igrejas, templos e locais de culto:

Subseção VII

Do funcionamento de igrejas, templos e locais de cultos

Art. 26-H Estão suspensos por tempo indeterminado a realização de cultos religiosos, missas e afins que acarretem reunião de público, em ambientes públicos ou privados, inclusive em ambientes domiciliares.

Linha do tempo sobre atividades essenciais

Em 20 de março, o Governo Federal editou a Medida Provisória 926, que concentrava no Presidente da República a competência dispor, por decretos, sobre atividades e serviços essenciais. No mesmo dia, o Decreto-Lei 10.282 definiu por serviços públicos e atividades essenciais: “aqueles indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, assim considerados aqueles que, se não atendidos, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população” (Artigo 3º, parágrafo primeiro).

Três dias depois, o Partido Democrático Trabalhista (PDT) questionou o STF sobre a constitucionalidade da MP, argumentando que a medida interferia na cooperação dos entes federativos no que diz respeito à política sanitária.

Enquanto isso, a Presidência publicou no dia 25 de março o Decreto-Lei 10.292, estabelecendo como essencial “atividades religiosas de qualquer natureza, obedecidas as determinações do Ministério da Saúde” (Art. 3º, Parágrafo 1º, inciso XXXIX). Esse e outros trechos do decreto foram suspensos na primeira instância e reestabelecidos na segunda instância.

Foi somente no dia 15 de abril, que o plenário do STF decidiu em favor da ADI 6431 protocolada pelo PDT, reconhecendo a competência concorrente de estados, DF, municípios e União nas ações de combate ao coronavírus.

Em 11 de agosto, a MP editada pelo governo passou a ser a Lei 14.035. No entanto, o artigo que diz respeito às atividades essenciais reconhece a responsabilidade de cada ente federativo: “A adoção das medidas previstas neste artigo deverá resguardar o abastecimento de produtos e o exercício e o funcionamento de serviços públicos e de atividades essenciais, assim definidos em decreto da respectiva autoridade federativa” (Art 9º, § 9º). O presidente Jair Bolsonaro em seu Twitter destaca que a responsabilidade de fechamento do comércio, por exemplo, seria de governadores e prefeitos:

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O Coletivo Bereia classifica a matéria publicada pelo site Gospel Prime como falsa. O site evangélico esconde dos leitores e leitoras a decisão o Supremo Tribunal Federal (STF), do dia 15 de abril deste ano, pela competência concorrente dos estados e municípios para determinar o funcionamento dos serviços essenciais. A matéria do Gospel Prime manipula informações para colocar fiéis das igrejas em oposição a governadores e prefeitos, a quem foi garantido o poder de determinar o funcionamento de serviços essenciais definidos por lei para segurança da população. Portanto, é falso que cidades ignorem decreto presidencial, uma vez que o exercício desta competência deve sempre resguardar a autonomia dos estados e municípios, segundo a decisão do STF de abril.

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Foto de Capa: Pixabay/Reprodução

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Referências de Checagem

GOSPEL PRIME, https://www.gospelprime.com.br/cidades-ignoram-decreto-e-proibem-abertura-de-igrejas/ [Acesso em 13 de Agosto de 2020].

UOL, https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2020/04/02/para-combater-a-covid-19-o-governo-federal-vai-monitorar-o-seu-celular.htm [Acesso em 14 de Agosto de 2020].

AGÊNCIA BRASIL, https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-03/governo-define-lotericas-e-igrejas-como-atividades-essenciais [Acesso em 14 de Agosto de 2020].

CÂMARA FEDERAL, https://www.camara.leg.br/noticias/648609-decreto-que-libera-igrejas-e-lotericas-de-isolamento-repercute-na-camara/ [Acesso em 14 de Agosto de 2020].

VALOR ECONÔMICO, https://valor.globo.com/politica/noticia/2020/03/27/justica-proibe-bolsonaro-de-adotar-medidas-contra-isolamento-social.ghtml [Acesso em 14 de Agosto de 2020]

JOTA, https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/coronavirus-e-o-conflito-federativo-11042020 [Acesso em 13 de Agosto de 2020].

PLANALTO, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/decreto/D10282.htm [Acesso em 13 de Agosto de 2020].

PLANALTO, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/decreto/D10292.htm#art1. [Acesso em 13 de Agosto de 2020].

CONSULTOR JURÍDICO, https://www.conjur.com.br/2020-abr-01/desembargador-garante-lotericas-igrejas-servicos-essenciais [Acesso em 13 de Agosto de 2020].

JOTA, https://www.jota.info/justica/trf2-restabelece-decreto-que-definiu-lotericas-e-igrejas-como-servicos-essenciais-31032020. [Acesso em 13 de Agosto de 2020].

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA SEGUNDA REGIÃO, https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/03/suspensao-de-liminar-ou-antecipacao-de-tutela-no-5002992-50-2020-4-02-0000.pdf. [Acesso em 13 de Agosto de 2020].

PORTAL SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5880765 [Acesso em 13 de Agosto de 2020].

PORTAL SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI6341.pdf [Acesso em 13 de Agosto de 2020].

NOTÍCIAS STF, http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=441447 [Acesso em 13 de Agosto de 2020].

UOL, https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/04/15/stf-tem-4-votos-a-favor-de-autonomia-de-governadores-durante-a-pandemia.htm [Acesso em 13 de Agosto de 2020].

YOUTUBE. https://www.youtube.com/watch?v=ivLqXxTkP3M&t=1662s. [Acesso em 18 de Agosto de 2020].

Prefeitura de Riberão Preto, http://www.ribeiraopreto.sp.gov.br/diario-oficial/pesquisa.xhtml. Acesso em 18 ago 2020

Prefeitura de Franca, https://franca.sp.leg.br/pt-br/legislacao/lei-no-8919-de-29-de-junho-de-2020. Acesso em 18 ago 2020

Prefeitura de Araquari, https://leismunicipais.com.br/a/sc/a/araquari/decreto/2020/5/50/decreto-n-50-2020- Acesso em 18 ago 2020

6 meses: Sites religiosos e ativistas digitais que propagam desinformação

Segundo o Manual para Educação e Treinamento em Jornalismo produzido pela UNESCO, a desinformação é uma história antiga, fomentada por tecnologias novas.

Um dos primeiros registros vem da época da Roma Antiga, quando Antônio encontrou-se com Cleópatra e seu inimigo político, Otaviano, lançou uma campanha de difamação contra ele com slogans curtos e afiados, escritos em moedas no estilo dos tuítes arcaicos. 

O transgressor tornou-se o primeiro imperador romano que utilizou fake news como arma política, permitindo que Otaviano invadisse o sistema republicano de uma vez por todas. 

Em uma escala sem precedentes, o século 21 transformou a informação em armamento. Novas e poderosas tecnologias simplificam a manipulação e a fabricação de conteúdo, e as mídias sociais ampliam dramaticamente falsidades propagadas por Estados, políticos populistas e entidades corporativas desonestas. 

A propagação de desinformação com temática religiosa é assunto ainda mais sensível. O Coletivo Bereia checa fatos publicados periodicamente em mídias religiosas e em mídias sociais que abordem conteúdos religiosos, além de pronunciamentos de autoridades e personalidades ligadas à religião. 

O Coletivo fez um levantamento das temáticas de todas as checagens publicadas na seção “Checamos” do site, entre os dias 12 de dezembro de 2019 e 09 de junho de 2020, e oferece aos leitores e leitoras um quadro do universo da desinformação religiosa. 

Desinformação religiosa: levantamento das checagens do Bereia 

Esta avaliação levou em consideração as checagens realizadas num período exato de 180 dias. Foram analisados todos os artigos presentes na página de checagens no sítio do Coletivo Bereia, dentre estas, sete foram desconsiderados, por se tratarem de textos reflexivos relacionados a fatos ocasionados por notícias falsas ou duvidosas e não sobre uma checagem de fatos, propriamente dita. Sendo assim, um total de 53 checagens compuseram a análise.

A primeira observação foi quanto à classificação das notícias. São utilizadas 5 categorias para as checagens. São elas: Verdadeiro, Falso, Enganoso, Inconclusivo e Impreciso. O seguinte panorama foi encontrado na observação desse aspecto:

Como é possível observar no gráfico acima, a maior parte das notícias (30%) foi classificada como Enganosa seguida das Falsas com 28%. No total, 77% são informações cuja veracidade não pode ser confirmada. Isto já aponta que, em grande parte das vezes que o Coletivo Bereia recebe uma notícia suspeita, há grandes possibilidades de ela não ser verdadeira ou não haver possibilidade de realizarmos essa comprovação. 

Quanto aos assuntos mencionados nas notícias checadas, foi realizada uma segmentação do conteúdo com base em uma avaliação geral das checagens publicadas no site. As 7 principais categorias de temas mais recorrentes de assuntos: Sexualidade, Saúde (com ênfase em Ccoronavírus), Perseguição Religiosa, Marxismo e Comunismo, Política Brasileira, Política internacional e, também foi incluída a categoria “Outras”.

Identificamos que a maior parte das notícias avaliadas pelo Bereia no período pesquisado foi sobre saúde em assuntos relacionados ao Coronavírus. Por ser uma das discussões mais importantes do cenário mundial neste período, é coerente o que as estatísticas apontam. A pandemia é causada por um vírus ainda pouco conhecido no âmbito científico, por isso, gera incertezas para toda população e abre margem para que notícias de diversas fontes e, muitas vezes, sem embasamento, causem impacto na população. Em segundo lugar, a categoria Política Brasileira, uma justificativa possível para que ocupe tamanho espaço entre as checagens do Bereia é que, por vezes, o cenário político e o religioso caminham em proximidade. O Bereia monitora constantemente os líderes políticos ligados a bancadas religiosas, e é comum haver posicionamentos de líderes religiosos a respeito de questões políticas. O terceiro tema mais recorrente é a Perseguição Religiosa. Infelizmente, com frequência, veículos de comunicação se utilizam de cenários onde esse tipo de perseguição de fato acontecem, disseminando assim, notícias, em sua maioria, impossibilitadas de serem verificadas.

Em relação às fontes das notícias que são alvo das verificações do Coletivo Bereia, identifica-se as dez mais recorrentes:

Como observado, a maior parte das notícias é originada no Twitter, em segundo lugar no Facebook e em terceiro no WhatsApp. Juntas, as notícias originadas de mídias digitais representam 50% das análises realizadas pelo Bereia. Isso atenta para que leitores e leitoras estejam alertas para informações identificadas nestes meios cuja veracidade precisa ser confirmada antes de serem compartilhadas pelos usuários destas plataformas. 

Quanto aos sites, a maioria é ligada a organizações ou indivíduos religiosos, por isso, muitas vezes publicam com um viés de reforçar e corroborar com o posicionamento de determinada denominação ou político, pois, há veículos de comunicação evangélicos ligados à parlamentares. Há uma grande quantidade de notícias enganosas checadas pelo Bereia relacionadas a estes sites, que, por vezes, apresentam fatos reais de forma distorcida, e confundem o leitor em relação àqueles conteúdos.

Observando o gráfico das checagens realizadas pelo Bereia, destacam-se os sites voltados para o público religioso que se apresentam como os mais frequentes entre as checagens. São eles: Gospel Prime e CPAD News.

Baseando-se nos dados citados, realizamos uma análise sobre os principais sites que promovem fake news.

Gospel Prime

Fundado em 2008, Gospel Prime se declara um portal de conteúdo cristão voltado para notícias, estudos bíblicos e colunas de opinião, com missão de “Defender os princípios e valores do Reino através de notícias, estudos bíblicos e colunas de opinião, contribuindo assim para uma igreja madura e contextualizada com os tempos”. 

Com slogan “O cristão bem informado”, o site atrai 385 mil visitantes orgânicos por mês e declara já ter recebido 190 milhões de usuários desde sua fundação.

Gospel Prime aparece como fonte de 11% das checagens do Bereia, sendo três notícias enganosas e duas imprecisas: 

Como já exposto em checagem anterior, Gospel Prime foi citado no ranking da revista Época, em matéria publicada em 23 de abril de 2018, como o número um de uma lista com os 10 maiores veiculadores de notícias falsas no país. A matéria intitulada “O Exército de Pinóquios” se baseou em levantamento nos bancos de dados do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação da Universidade de São Paulo (USP) e do Laboratório de Imagem e Cibercultura da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Durante dois meses, foram listados mais de 200 sites na pesquisa, dos quais 69 continham conteúdo suspeito. 

CPAD News

CPAD News é o portal de notícias oficial da Igreja Assembleia de Deus. Fundado em 2010, o portal é ligado à Editora CPAD e concentra 12 mil visitantes orgânicos por mês. Sobre o site, a CPAD escreve: 

Utilizando os mesmos recursos dos maiores portais de notícias do Brasil, o CPAD News atende ao principal quesito da informação na internet: tempo real. Notícias do universo cristão no Brasil e no mundo, ampla cobertura de notícias de interesse geral atualizadas a todo o momento, conteúdos exclusivos e interatividade através de inúmeros recursos tecnológicos estão à disposição dos usuários em

Bereia checou duas notícias do CPAD News, ambas classificadas como inconclusivas:

Duas frentes contra a desinformação e o discurso de ódio: Comissão Parlamentar Mista de Inquérito no Congresso Nacional e Inquérito aberto no Superior Tribunal Federal. 

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, determinou, em março de 2019,  abertura de inquérito criminal para apurar “notícias fraudulentas”, ofensas e ameaças, que “atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e familiares”. A investigação foi objeto de análise do Bereia, 

Dias Toffoli nomeou o ministro Alexandre de Moraes como relator do processo. A portaria não delimita um objeto específico ou grupo a ser investigado, apenas as possíveis infrações. Mais informações sobre este inquérito podem ser verificadas em uma análise já realizada pelo Bereia, disponível aqui.

Investigações e ações da Polícia Federal aconteceram desde o início, no entanto, a operação de maior repercussão aconteceu mais de um ano depois da abertura do inquérito.

No dia 27 de maio de 2020, a Polícia Federal fez uma grande operação para cumprir mandados de busca e apreensão relacionados ao inquérito aberto pelo STF. Foram 29 mandados cumpridos em cinco estados e no distrito federal. Os alvos foram supostos envolvidos no financiamento e divulgação de ofensas, ataques e ameaças aos Ministros do STF.

Entre eles estão Allan dos Santos, Sara Winter e Bernardo Kuster, ativistas religiosos digitais, propagadores de notícias falsas e figuras cativas em sites e agências de checagem de notícias. 

Em seu site, Sara Winter informa ser ex-feminista e relata que após passar por um aborto, converteu-se ao catolicismo. Ainda conta que é escritora e seu primeiro livro se intitula “Sete vezes que o Feminismo me traiu”.  Está prestes a lançar sua nova obra com o título “Como tirar sua filha do Feminismo: um guia para pais desesperados”, que será prefaciada pela Ministra de Estado Damares Alves. 

Além do inquérito do STF, o Congresso Nacional instalou, em 4 de setembro de 2019, uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das fake news. A deputada federal Lídice da Mata (PSB-BA) é a relatora das investigações. O senador Ângelo Coronel (PSD-BA) foi eleito presidente da comissão. O requerimento para a criação da CPI foi feito pelo deputado Alexandre Leite (DEM-SP) e recebeu o apoio de 276 deputados e 48 senadores.

Depoimentos feitos à comissão apontaram a participação de dois filhos do presidente, Eduardo e Carlos Bolsonaro, e de assessores próximos em campanhas na internet para atacar adversários, por meio de um possível “Gabinete do Ódio”, instalado no Palácio do Planalto.

Aliada do presidente Jair Bolsonaro desde a campanha presidencial e agora sua adversária política, a deputada federal evangélica, Joice Hasselmann (PSL-SP), que até pouco tempo ocupava o cargo de líder do governo na Câmara,  apresentou um dossiê à comissão em que aponta “milícias digitais” que praticam ataques orquestrados aos adversário do presidente da república e de seus filhos. Os ataques, segundo a deputada, seriam impulsionados por perfis falsos e robôs e teriam como operadores assessores dos gabinetes da família Bolsonaro e funcionários do executivo federal. 

Em conversa com a BBC Brasil, a relatora da CPMI informou que existem três núcleos sob investigação: “o operacional, que conta com assessores de deputados estaduais e federais; o distribuidor, que envolve sites e blogs; e o núcleo econômico, que todos queremos identificar”. Um dos objetivos próximos passos da CPMI é “seguir o caminho do dinheiro”.

Em 2 de abril de 2020, deputados e senadores decidiram prorrogar por mais 180 dias a Comissão Parlamentar de Inquérito das fake news.

Coletivo Bereia e checagens em mídias religiosas

Daniel Patrick Moynihan, senador do estado de Nova York e embaixador na Índia e nas Nações Unidas (1927-2003), disse: “você têm direito a suas próprias opiniões, não a seus próprios fatos”.

A relação entre mídias digitais, política e fake news foi tema do documentário Privacidade Hackeada, que mostrou como a privacidade de dados dos usuários na internet é frágil e pode ser utilizada indevidamente. A empresa de dados Cambridge Analytica se tornou o símbolo do lado sombrio das redes sociais após a eleição presidencial de 2016 nos EUA. O documentário está disponível para acesso na plataforma Netflix.

Diante disso, e em meio ao turbilhão de informações, o Coletivo Bereia surgiu com o propósito específico de combater a desinformação de cunho religioso difundida em mídias sociais digitais e sites, além de verificar os pronunciamentos feitos por lideranças religiosas ou políticas ligadas a alguma denominação religiosa. 

A intenção do projeto é contribuir para um debate mais transparente dos assuntos religiosos, muitas vezes usados como pano de fundo para desinformar, manipular e confundir com vistas a algum ganho escuso. 

Bereia oferece a oportunidade a leitores e leitoras de fazerem uma leitura crítica das informações e tirarem suas conclusões baseadas em fontes oficiais e verificáveis. Há reflexões, levantamentos e também a “Torre de Vigia“, seção dedicada a checagens de notícias e pronunciamentos de pessoas ligadas à gestão pública e com filiação religiosa. Além das checagens, Bereia publica artigos de opinião de especialistas na área de religião e comunicação na seção “Areópago“.

Para saber mais sobre fake news e eleições manipuladas:

Documentário: Privacidade Hackeada. Entenda como a empresa de análise de dados Cambridge Analytica se tornou o símbolo do lado sombrio das redes sociais após a eleição presidencial de 2016 nos EUA. 

***

Referências de checagem:

Congresso Nacional instala CPI das Fake News com relatora da oposição: https://www.cartacapital.com.br/politica/congresso-nacional-instala-cpi-das-fake-news-com-relatora-da-oposicao/ 

CPMI das Fake News é instalada no Congresso: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/09/04/cpmi-das-fake-news-e-instalada-no-congresso 

CPI é prorrogada por 180 dias e investigará fake news sobre coronavírus: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/04/03/cpi-e-prorrogada-por-180-dias-e-investigara-fake-news-sobre-coronavirus 

Inquérito do STF sobre fake news: entenda as polêmicas da investigação que provoca atrito entre Bolsonaro e a Corte: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52824346 

Toffoli abre inquérito para apurar ‘notícias fraudulentas’, ofensas e ameaças a ministros do STF: https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/03/14/toffoli-anuncia-inquerito-para-apurar-noticias-fraudulentas-que-ofendam-a-honra-do-stf.ghtml

Ex-aliados de Bolsonaro mostram como funciona o Gabinete do Ódio: https://congressoemfoco.uol.com.br/governo/ex-aliados-de-bolsonaro-detalham-modus-operandi-do-gabinete-do-odio/

Jornalistas evangélicos contra as fake news: https://outraspalavras.net/crise-civilizatoria/bereia-jornalistas-evangelicos-contra-as-fake-news/

Jornalismo, fake news & desinformação: manual para educação e treinamento em jornalismo: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000368647?fbclid=IwAR1ltj8iF00MPv69hOx4WViYAHzMUlp8VoYlT0Mepi_TYL_utbV5xIgnnEk

Comissão Parlamentar Mista de Inquérito – Fake News: https://legis.senado.leg.br/comissoes/audiencias?1&codcol=2292

Folha de São Paulo “Você tem direito a suas próprias opiniões, não a seus próprios fatos”: https://m.folha.uol.com.br/colunas/patriciacamposmello/2014/06/1477698-voce-tem-direito-a-suas-proprias-opinioes-nao-a-seus-proprios-fatos.shtml

Comissão Parlamentar Mista de Inquérito – Fake News. Documentos de Audiências Públicas e Oitivas: https://legis.senado.leg.br/comissoes/audiencias?1&codcol=2292

Época- O Exército de Pinóquios – https://epoca.globo.com/brasil/noticia/2018/04/o-exercito-de-pinoquios.html