O noticiário sobre política no Brasil repercutiu nos últimos dias notícia sobre a prisão de um indígena apresentado como cacique e pastor da etnia xavante.
José Acácio ganhou notoriedade nas mídias sociais após a divulgação de vídeos gravados em acampamentos em Brasília, sempre com vestimenta e pinturas tradicionais, se apresenta como representante e defensor dos povos indígenas e dos valores cristãos. Contesta as urnas eletrônicas e validade da eleição de Lula, faz ataques e ameaças ao ministro presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e discursos antidemocráticos.
Tsererê foi preso por encaminhamento da Procuradoria-Geral da República (PGR) ao Supremo Tribunal Federal (STF). Ele é acusado de cometer crimes de ameaça, perseguição e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. No início deste mês, um grupo liderado por Tsererê invadiu a área de embarque do Aeroporto Internacional de Brasília, onde discursou e entoou palavras de ordem contra ministros do STF e Lula. “Se precisar, a gente acampa, mas o ladrão não sobe a rampa”, afirmaram.
Após a prisão, um vídeo em que José Acácio pede o fim dos protestos foi divulgado e curiosamente, o forte sotaque apresentado pelo cacique em vídeos anteriores, desapareceu.
Bereia checou a dúvida que foi fortemente colocada em comentários de mídias sociais de veículos noticiosos e em algumas matérias jornalísticas quanto ao título “pastor” de Tsererê Xavante, seja por meio de questionamentos diretos ou pelo uso de aspas no termo.
Quem é José Acácio Tsererê Xavante?
Nas mídias sociais, José Acácio utiliza o nome de Tsererê Xavante e se apresenta como pastor evangélico da Igreja Re’ihoimanamono”u”otsinhorowa e na Aliança Missionária das Nações, integrante da ONG Associação Indígena Bruno Ômore Dumhiwê.
Natural de Poxoréu, em Mato Grosso, José Acácio, iniciou uma trajetória política, então filiado ao Partido Popular Socialista (PPS), quando disputou uma vaga na Câmara de Vereadores de Nova Xavantina / MT, em 2004 e obteve 63 votos.
Nas eleições municipais de 2020, agora filiado ao Patriotas, foi candidato a prefeito de Campinápolis, município situado a 658 km de Cuiabá (MT), obteve apenas 689 votos e não foi eleito, com forte rejeição da população xavante. Em 2004, José Acácio se apresentava como Tsererê Xavante, já na eleição de 2020 fez campanha como como Pastor Tsererê Xavante.
A adesão de Tsererê Xavante à direita política o levou a apoiar, já em 2018, a candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência, tendo ficado entre apoios e críticas de pessoas da igreja, como se observa em comentários de suas publicações em mídias sociais, como a reprodução abaixo.
Em 2022, o apoio à candidatura de Bolsonaro foi renovado, como se observa em postagens como a que está reproduzida a seguir. Após a derrota de Bolsonaro nas ruas, o apoio o levou ao extremismo das manifestações anti-democráticas
A presença de Tsererê Xavante nas manifestações em Brasília teria sido financiada por um fazendeiro de Araçatuba (SP), que tem propriedades em Campinápolis, região onde está demarcada da Terra Indígena. Esta constatação foi feita após a divulgação de um vídeo no qual o fazendeiro em questão, Dide Pimenta, que teria sido procurado pelo indígena em busca de apoio, explica o que fez para mantê-lo na capital e pede mais ajuda financeira.
No vídeo, Pimenta conta se juntou com amigos para enviar “oito ônibus de índios” e que teria enviado “outras etnias” para Brasília, em 11 de dezembro. O fazendeiro afirma que “estão com dificuldade de manter os índios” e pede colaborações de R$ 30 a R$ 500, que podem ser enviadas por “PIX para a conta direta do Tserere” ou para a dele próprio.
A ligação com a Associação Indígena Bruno Omore Dumhiwê
De acordo com as pesquisas da doutora em Sociologia Natália Araújo de Oliveira para a dissertação de Mestrado, defendida em 2010, a Associação Indígena Bruno Omore Dumhiwê foi criada no ano 2000, porém ficou ativa por pouco tempo. Em junho de 2009, a Associação foi reativada, tendo como presidente Tsererê Xavante e contando com 97 associados, entre 15 crianças, 30 adolescentes, seis não índios e os demais, indígenas adultos. Todos moradores da cidade de Nova Xavantina (MT).
A pesquisadora afirma que o presidente da instituição buscou uma visibilidade política não só da associação, mas principalmente a sua própria. Ela apoia essa hipótese no fato de não ter ocorrido nenhuma reunião da diretoria desde sua eleição, em 2009 até 2010, em que ela realizou a pesquisa, existindo somente ações isoladas que colocavam em evidência o presidente. Natália Oliveira avalia que o objetivo que Tsererê Xavante revelava era o de se tornar conhecido na sociedade nova-xavantinense para que pudesse ser eleito a algum cargo político da cidade. A socióloga ainda levantou na pesquisa que Tsererê Xavante se projetouna mídia nacional como candidato a participante de uma das edições do reality show Big Brother Brasil, da Rede Globo de TV
Pastor?
Tsererê Xavante se apresenta, em sua página no Facebook, como criador de conteúdo digital e registra que estudou nas instituições religiosas Instituto de Formação Cristã – Escola de Ministérios e na Escola do Clamor. Nesta mesma mídia o indígena declara que atualmente é pastor na Igreja Re’ihoimanamono’u’otsinhorowa. Várias publicações no perfil do Facebook de Tsererê Xavante mostram seu relacionamento com uma missão cristã entre indígenas xavantes e a sua ação como pastor.
Por meio de pesquisa nestes registros de mídia, pode-se concluir que a Aliança Missionária das Nações (AMN) tem atuação na Terra Indígena de Parabubure, onde está a aldeia a que Tsererê Xavante pertence. Neste território vivem cerca de 27 mil indígenas, distribuídos em nove terras demarcadas. Lá foi estabelecido um trabalho missionário, no qual Tsererê emergiu como liderança, sendo encaminhado para formação e pastoreio de uma igreja indígena. Ele se casou com uma das missionárias da AMN.
De acordo com lideranças da Associação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Tsererê Xavante não é um indígena tradicional e não é cacique. O líder da aldeia é o Cacique Celestino. Além de atuar como pastor evangélico e ter se casado com uma mulher não indígena, sua conversão ao cristianismo se deu após ter sido preso por tráfico de drogas, em 2008. A formação para o pastorado evangélico teria se dado quando estava na prisão, onde decidiu “seguir o chamado”. Ele teve pena reduzida em 2009, quando o Superior Tribunal de Justiça (STJ) atendeu a um recurso da defesa, que pediu a redução da pena pelo fato do réu ser indígena.
Imagem: reprodução do Facebook
Bereia checou as informações em contato com as instituições declaradas como parte da educação teológica e obteve a confirmação sobre a formação de Tsererê Xavante na no Instituto de Formação Cristã (IFC) – Escola de Ministérios, que pertence à Igreja Jesus Cristo é o Caminho, ambos localizados em Vinhedo (SP). Até o momento não houve retorno da Escola do Clamor, vinculada ao Ministério Clamor pelas Nações, ambos sediados em Belo Horizonte (MG).
Os dois cursos são livres, sem o credenciamento do Ministério da Educação, o que significa que a diplomação atende à formação de lideranças que podem atuar em determinadas igrejas que não demandam exigência de graduação em nível superior para o reconhecimento de seus pastores.
Missões indígenas e a extrema-direita
Ao se apresentar como representante e também defensor dos povos indígenas e dos valores cristãos, a participação de José Acácio Tsererê Xavante posiciona as missões indígenas na extrema direita política. Diante das contestações às urnas eletrônicas, à validade da eleição de Lula, bem como a ênfase aos ataques ao ministro Alexandre de Moraes e os discursos antidemocráticos expostos por esta liderança indígena, a APIB publicou uma nota sobre as manifestações golpistas em Brasília, na qual diz que:
“A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil repudia os recentes atos golpistas realizados na capital. Nossos povos não compactuam com qualquer atitude que ameace a democracia, ao contrário, sabemos que neste momento em que o fascismo ameaça o Estado de Direito no Brasil, precisamos lutar pela democracia como defendemos nossas próprias vidas.
Condenamos as manipulações promovidas pelo bolsonarismo, que se apropriou do uso das redes sociais e das piores práticas do jornalismo para criar uma realidade paralela, a qual aprisiona a consciência de pessoas inocentes e desinformadas, inclusive indígenas, que acabam sendo iludidas, cooptadas ou induzidas a cometer atos ilegais. Reconhecemos, porém, que não se trata apenas de pessoas iludidas, mas também de pessoas que atuam de má fé, propositalmente, dentre esses empresários que financiam tais atos e que precisam ser investigados e devidamente punidos”
A relação de indígenas com a extrema-direita é um fenômeno que tem sido observado por pesquisadores, como o cientista político Leonardo Barros Soares. Em artigo sobre o tema, ele avalia que se tratam “de indivíduos indígenas que orientam suas ações políticas pela cosmovisão que abrange ultraliberalismo econômico, militarismo e uma forte agenda moralista amparada pela gramática moral e institucional do cristianismo, sobretudo o de matriz neopentecostal”.
Para o pesquisador, a pauta defendida por estes indígenas se articula a “uma visão de mundo conservadora que adquire matizes específicas no que se refere ao seu caráter étnico” e se relaciona a::
- apoio à liberação de atividades de exploração econômica no interior de terras indígenas (garimpo, mineração, pecuária extensiva, arrendamento para plantações de larga escala, extração de madeira, estabelecimento de cassinos, liberação de pesca esportiva, dentre outras)
- a defesa da aquisição e porte de armas e munições atrelada à caça e a defesa da presença e expansão das missões evangélicas entre os povos indígenas, com destaque para aqueles em situação de isolamento voluntário;
- tendem a argumentar que organizações não-governamentais “manipulam” os povos indígenas por meio de financiamentos internacionais que, na verdade, mascarariam os interesses escusos de governos estrangeiros sobre a Amazônia;
- consideram que as políticas indigenistas do estado brasileiro levadas a cabo na redemocratização, em verdade, atrasam o “desenvolvimento” dos povos indígenas.
Soares alerta que “Goste-se ou não, o indígena em questão não é mais ou menos indígena que seus parentes e é responsável por suas escolhas políticas”.
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Tendo em vista a pesquisa realizada pelo Bereia sobre Tsererê Xavante é possível afirmar ser verdadeira a informação de que o indígena é um pastor evangélico. Ele lidera uma igreja entre xavantes denominada Re’ihoimanamono”u”otsinhorowa, criada pela missão da Aliança Missionária das Nações, na Terra Indígena Parabubure (MT). Já o título de cacique, Tsererê não possui. O Cacique Celestino é o líder da aldeia à qual ele está vinculado.
Referências de checagem:
Polícia Federal. https://twitter.com/policiafederal/status/1602488853620826112?t=ZgYvY5kEvu0wwZEEDvPRXw&s=19 Acesso em 13 DEZ 2022
Twitter. https://twitter.com/andretrig/status/1602500812864987136?s=19 Acesso em 13 DEZ 2022
Poder 360. https://eleicoes.poder360.com.br/candidato/714145#2004 Acesso em 13 DEZ 2022
G1. https://g1.globo.com/mt/mato-grosso/eleicoes/2020/resultado-das-apuracoes/campinapolis.ghtml Acesso em 13 DEZ 2022
Dissertação de Mestrado. Natália Araújo de Oliveira: Xavante, Pioneiros e Gaúchos: Identidade e Sociabilidade em Nova Xavantina/MT. https://www.studocu.com/pt-br/document/universidade-cruzeiro-do-sul/sociologia/xavante-pioneiros-e-gauchos/13195091 Acesso em 13 DEZ 2022
UFPA. http://repositorio.ufpa.br/bitstream/2011/4982/1/Dissertacao_MovimentoSocialIndigena.pdf Acesso em 13 DEZ 2022
Youtube. https://www.youtube.com/watch?v=X1Q3-GmTYu8 Acesso em 13 DEZ 2022
IFC. https://ifcescola.com.br/ Acesso em 13 DEZ 2022
Escola do Clamor. https://escoladoclamor.com.br/ Acesso em 13 DEZ 2022
O Globo.
https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2022/12/pastor-bolsonarista-e-candidato-saiba-quem-e-o-indigena-preso-protesto-golpista-em-brasilia.ghtml Acesso em 13 DEZ 2022
Estado de Minas.
https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2022/12/13/interna_politica,1432750/saiba-quem-e-cacique-tserere-bolsonarista-preso-pela-pf-em-brasilia.shtml Acesso em 13 DEZ 2022
Facebook.
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https://www.estadao.com.br/politica/gestao-politica-e-sociedade/sobre-os-indigenas-de-extrema-direita/ Acesso em 13 DEZ 2022
Correio Braziliense.
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APIB. https://apiboficial.org/?lang=en Acesso em 13 DEZ 2022