Pastor faz convite para encontro de homens presbiterianos e mostra Bíblia ao lado de arma de fogo 

Um vídeo-convite para um evento dirigido para homens presbiterianos tem chamado a atenção nas mídias sociais nos últimos dias. Na publicação, o pastor da 2ª Igreja Presbiteriana de Martinópolis (SP) Alencar Torres da Silva aparece com uma Bíblia na mão e com um revólver na cintura para chamar participantes para o “Encontro de Homens Presbiterianos”. Bereia recebeu de leitor link de mídia social sobre o evento e o vídeo-convite que circula em grupos de WhatsApp e checou a veracidade do caso. 

O conteúdo do vídeo  

Imagem: Extrato de vídeo-convite em circulação em grupos no WhatsApp

Na publicação, o pastor compartilha a programação do evento: momento devocional, dinâmicas com distribuição de brindes, churrasco e um momento livre. Ao final, ele completa: “para aqueles que quiserem pescar, podem trazer a sua vara de pesca, para aqueles que quiserem praticar tiro ao alvo, também teremos um local apropriado para isso”, enquanto toca em sua própria arma. 

Além de liderar a 2ª Igreja Presbiteriana de Martinópolis, Alencar também é secretário da União Presbiteriana de Homens de Presidente Prudente (SP). A UPH é uma organização nacional que planeja diversos encontros e projetos com o objetivo de unir a parcela masculina das igrejas presbiterianas pelo país. 

Imagem: Banner do evento divulgado nas redes sociais da igreja

O pastor, a igreja e o grupo de homens presbiterianos 

A 2ª Igreja Presbiteriana de Martinópolis foi fundada em agosto de 2010. É parte da Igreja Presbiteriana do Brasil, uma denominação histórica, estabelecida no Brasil no século 19, com raízes na Reforma Protestante. Alencar Torres é o pastor-presidente desta comunidade local presbiteriana desde 2016. 

Foto: Blog da igreja

Em novembro de 2017, Alencar Torres da Silva participou da Audiência Pública Interativa que buscava opiniões da população sobre a Sugestão nº 44, proveniente da Ideia Legislativa nº 73.169/2017, que buscava a “extinção do termo feminicídio [do Código Penal] e a criação de agravante para qualquer crime passional”. No documento, o proponente Felipe Medina, um morador de Minas Gerais, diz: “O feminicídio, cuja lei foi sancionada como se as mulheres morressem por serem mulheres, é um termo totalmente infundado que fere o princípio de igualdade constitucional. Qualquer crime contra qualquer pessoa em função de violência passional deve ter o agravante de crime hediondo”. Naquele ano, a  proposta recebeu mais de 20 mil assinaturas, o suficiente para que uma ideia apresentada por qualquer cidadão se torne uma sugestão legislativa e seja debatida no Senado Federal. Por isso houve consulta aberta no Portal E-Cidadania e audiências públicas sobre o tema, articuladas pela casa legislativa.

No relatório da audiência virtual, Bereia identificou manifestação do pastor da 2ª Igreja Presbiteriana de Martinópolis. Alencar Torres da Silva aparece como “apoiador” da Ideia Legislativa, mostrando-se a favor da extinção do termo “feminicídio”, criado para definir crimes contra mulheres em razão de suas condições de gênero.

Masculinidade viril evangélica

A realização de eventos que ressaltam ideais de homens viris tem se tornado prática corrente em ambientes evangélicos . Vários deles oferecem conteúdo e atividades identificados com a cultura militar, alguns com as armas de fogo. 

A liberação do porte de armas de fogo foi um dos grandes debates durante o período eleitoral de 2022, com idealizações do ex-presidente e então candidato à reeleição Jair Messias Bolsonaro (PL). Em 2023, apesar do “esfriamento” do assunto, os dados do Sistema Nacional de Armas (Sinarm) mostram que o mercado armamentístico cresceu cerca de 33% quando comparado a 2022. 

Nos últimos dias, o Intercept Brasil publicou matéria sobre atividade da “Igreja da Família”, em Marataízes-ES. Desde 2022, ela promove uma nova modalidade de acampamento chamado “Retiro Sobreviventes”. Organizado e “comandado” pelo pastor e ex-militar Leandro Saldanha, o evento reúne jovens cristãos com o intuito de “testar suas forças físicas e espirituais”, com provas de resistência e dinâmicas buscando alcançar o extremo cansaço corporal. Saldanha define o “Sobreviventes” como “uma vivência militar e uma experiência com Deus”.

O movimento Legendários é outro exemplo, iniciado na Guatemala e popularizado no Brasil, nos últimos anos. No website do movimento, há a afirmação de ele ser espaço que “busca a transformação de homens, famílias e comunidades por meio de experiências que levam os homens a encontrar a melhor versão de si mesmos e seu novo potencial”. Entre as atividades estão desafios físicos praticados em acompanhamentos e retiros para homens casados e solteiros. No website é indicado que com a programação, os participantes vão romper com tudo que os “prende e aprender a desfrutar o caminho, lutar suas batalhas certas e desenvolver seu potencial máximo para chegar ao seu nível 10 e se tornar o herói caçador que toda família precisa”.

Bereia ouviu a antropóloga e professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) Christina Vital, para compreender a relação entre  organizações e eventos  masculinos evangélicos, a cultura militar e o uso de armas de fogo. Ela recorre à memória para compreensão deste fenômeno: “a valorização do militarismo entre protestantes no Brasil não é nova. Devemos lembrar o apoio institucional importante que várias denominações protestantes deram aos militares durante a ditadura no Brasil”. 

Christina Vital coloca um desafio de pensar o contexto evangélico para compreensão do que se apresenta nesta busca por ênfase de masculinidade viril e armada:

“É importante ressaltar que embora a valorização da disciplina, da ordem, ambos muito ligados ao ideal militar seja significativo no campo religioso cristão de um modo geral. Entre protestantes históricos no Brasil é maior até do que entre pentecostais. Isto por uma questão ligada também à dinâmica racial e de classe. As igrejas protestantes reúnem um perfil mais branco e de poder econômico e escolaridade maior que os pentecostais. Os pentecostais, embora tenham uma importante valorização da ordem, da disciplina e do mérito, contrabalançam essa valorização com a experiência que tem racial e a experiência territorial em contextos urbanos nos quais muitas vezes as forças militares são associadas a principal violência que eles sofrem no dia a dia”, destaca a professora. 

A antropóloga e pesquisadora das religiões recorda que segundo pesquisas nacionais, são os protestantes que têm os posicionamentos mais conservadores quanto ao quadro da violência no país, inclusive de apoio ao uso de armas de fogo. Na conversa com o Bereia, ela recupera o fato de que principalmente protestantes que ocuparam cargos de destaque no governo de Jair Bolsonaro. 

“Essa dinâmica de valorização militar se amplificou sem dúvida com o ‘bolsonarismo’. Em razão de uma valorização da recuperação da masculinidade viril, apresentada como recuperação da funcionalidade masculina. E essa funcionalidade masculina está ligada a várias símbolos de força. As armas são muito ligadas a essa representação de força combinada com uma representação também militar. É um fenômeno que vem crescendo e que se contrapõe a posicionamentos que apresentam outros tipos de masculinidade possíveis e que vinham ganhando importante representação no mainstreaming social e da cultura, a partir de uma demanda feminina pela maior participação doméstica dos homens”, afirma Christina Vital. 

A professora ouvida pelo Bereia também destaca que o fenômeno de crescimento dessa demanda por masculinidade viril, por afirmação e recuperação da masculinidade viril é resultante também de um empoderamento de outras masculinidades. “Friso essa questão na medida em que talvez venhamos a observar um crescimento ainda significativo de retiros e cursos de recuperação da masculinidade viril entre católicos e evangélicos no Brasil. Uns mais ostensivos em relação às armas, porém com a maioria vinculada a outras perspectivas importantes no militarismo, para além das armas. Aí entra a própria noção de disciplina, ordem, mérito, força física”, ressalta Christina Vital.

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Bereia classifica como verdadeiro o vídeo que circula com imagens do pastor presbiteriano com uma Bíblia e um revólver à cintura, ao anunciar atividades de um evento para homens presbiterianos, como pesca e “tiro ao alvo”. O vídeo checado pelo Bereia ilustra um movimento crescente entre homens cristãos em busca de ideais viris, como uma espécie de reação às ações que afirmam um lugar social mais destacado às mulheres, de alinhamento com ideais militares na política ultraconservadora nacional, que se soma ao aquecimento do mercado de armas de fogo no país após ampliação das possibilidades de porte no governo  federal anterior.

Referências:

Intercept Brasil

https://www.intercept.com.br/2025/09/23/retiro-evangelico-armas-soldados-cristo/. Acesso em 17 out 2025

2ª Igreja Presbiteriana de Martinópolis

https://2-ipm.blogspot.com/. Acesso em 17 out 2025

Ipea

https://mapaosc.ipea.gov.br/detalhar/1212710. Acesso em 17 out 2025

União Presbiteriana de Homens

https://www.uph.org.br/. Acesso em 17 out 2025

Fórum de Segurança Pública

https://fontesegura.forumseguranca.org.br/numero-de-armas-no-brasil-volta-a-crescer-em-2023-e-pf-tera-que-fiscalizar-ao-menos-48-milhoes-de-armas-de-fogo-a-partir-de-2025/ . Acesso em 17 out 2025

Econodata

https://www.econodata.com.br/consulta-empresa/12401516000127-2-igreja-presbiteriana-de-martinopolis. Acesso em 17 out 2025

Senado Federal

https://drive.google.com/file/d/12-F8cTWf8cjr_49XfK3reIkMMvAWKZ1T/view?usp=sharing

https://www.senado.gov.br/bi-arqs/Arquimedes/ecidadania/rel-ideia-legislativa-completo-pdf.pdf

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/11/29/sugestao-que-retira-o-termo-feminicidio-do-codigo-penal-e-lamentavel-diz-advogada-criminal

Acesso em 21 out 2025

Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2017/11/07/interna_politica,639212/senado-analisa-proposta-que-quer-tirar-feminicidio-do-codigo-penal.shtml Acesso em 21 out 2025

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