O ministro da Educação, Abraham Weintraub, voltou a afirmar sobre a existência de um ‘kit gay’. A declaração ocorreu durante a audiência pública da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, ocorrida na última quarta-feira (11/12).
De acordo com o ministro, o MEC, sob sua gestão, fez “a maior revolução na área do ensino no Brasil nos últimos 20 anos” e, para fundamentar sua fala, emendou que “o símbolo máximo é que sai o ‘ki gay’ e entra livros para crianças lerem com os pais”.
Nestes últimos dias, Bereia recebeu de vários leitores a pergunta: kit gay existe?”
Apesar de ser um tema exaustivamente abordado nas mídias noticiosas, ainda há pessoas que têm dúvida sobre a existência, ou não, de tal material didático que teria sido distribuído às crianças nas escolas públicas durante a gestão de Fernando Haddad, quando ministro da Educação. A suspeita é alimentada ainda mais por meio de declarações, como a do ministro da Educação durante audiência no Congresso.
A fala sobre a existência do “kit gay” passou a circular pelas mídias sociais durante a campanha eleitoral de 2018. Vídeos, fotos e textos atribuíam ao candidato à Presidência da República, Fernando Haddad (PT), a criação de um “kit gay” para crianças de 6 anos. Parte dos posts diziam que o livro “Aparelho Sexual e Cia” teria sido adotado em programas do governo enquanto Haddad teria ocupado o cargo de ministro da Educação, de 2005 a 2012.
O então candidato e hoje Presidente da República, Jair Bolsonaro, divulgou amplamente os conteúdos em sua campanha pelas mídias sociais e chegou a afirmar, durante entrevistas ao Jornal Nacional (Rede Globo) e Globo News, em 28 de agosto de 2018, que o livro “Aparelho Sexual e Cia” estava no programa do Ministério da Educação do PT. “Estavam discutindo ali, comemorando o lançamento de um material para combater a homofobia, que passou a ser conhecido como ‘kit gay’. Entre esse material, estava esse livro [Aparelho Sexual e Cia – Um guia inusitado para crianças descoladas]. Se bem que na biblioteca das escolas públicas tem”, disse na entrevista transmitida ao vivo.
Jair Bolsonaro também afirmou nas entrevistas que o debate contra o “kit gay” teria ocorrido durante o “9º Seminário LGBT Infantil”, na Câmara dos Deputados, entre 2009 e 2010.
O que é verdade?
“Kit gay” foi o apelido dado por deputados federais conservadores ao material do projeto “Escola sem Homofobia”, campanha lançada no governo anterior (em 2004), denominada “Brasil sem Homofobia”, aprovada no Congresso Nacional.
O material, finalizado em 2011, seria dirigido aos professores e não às crianças e adolescentes. A cartilha explicava conceitos como gênero e sexualidade e sugeria atividades em sala de aula para os alunos refletirem sobre temas como comportamento preconceituoso ou analisarem, por exemplo, expressões sexistas na língua portuguesa. Também havia sugestão de materiais audiovisuais para a sala de aula. Organizado por profissionais de educação, gestores e representantes da sociedade civil, o material era composto de um caderno, uma série de seis boletins, cartaz, cartas de apresentação para os gestores e educadores e três vídeos.
O Ministério da Educação, no entanto, cedeu às pressões das bancadas religiosas do Congresso Nacional e setores conservadores da sociedade, e suspendeu a distribuição do material antes dele ser, de fato, enviado aos professores.
Já o livro “Aparelho Sexual e Cia – Um guia inusitado para crianças descoladas”, publicado no Brasil pela Companhia das Letras, de autoria dos educadores da Suíça e França, Phillipe Chappuis, com o coidinome ZEP e Hélène Bruller, nunca foi comprado pelo Ministério da Educação, nem foi distribuído em escolas. A obra publicada pela Companhia das Letras é destinada à crianças e jovens de 11 a 15 anos, e não para crianças a partir de 6 anos, como circulou nas mídias sociais e foi reforçado por Jair Bolsonaro em entrevista.
Sobre o “kit gay” ter sido discutido no Seminário LGBT Infantil, no Congresso, em 2010, tal evento nunca aconteceu. Em maio de 2012, ocorreu o evento anual “9º Seminário LGBT no Congresso Nacional”, que tratou dos temas “infância e sexualidade”. O evento não tinha relação com o Ministério da Educação ou com materiais por ele produzidos.
Uma representação contra a campanha de Jair Bolsonaro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) resultou na decretação, pelo órgão, de que o “kit gay” não existe e ainda a suspensão de links de sites e mídias sociais com a expressão “kit gay”, usados pela campanha de Bolsonaro para atacar o candidato do PT, Fernando Haddad. Bolsonaro foi proibido, de acordo com a sentença, de compartilhar este conteúdo, pois o mesmo foi classificado, pela justiça, como notícia falsa.
“Nesse quadro, entendem comprovada a difusão de fato sabidamente inverídico, pelo candidato representado e por seus apoiadores, em diversas postagens efetuadas em redes sociais, requerendo liminarmente a remoção de conteúdo. Assim, a difusão da informação equivocada de que o livro em questão teria sido distribuído pelo MEC gera desinformação no período eleitoral, com prejuízo ao debate político”, concluiu o ministro do TSE Carlos Horbach, que assinou a sentença.
Importa registrar que há uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), em curso no Congresso Nacional, que investiga o amplo uso de notícias falsas (fake news) pela campanha eleitoral de Jair Bolsonaro.
Com a sentença do TSE, não deve restar dúvidas de que o material do projeto ‘Escola sem homofobia’, chamado “kit gay”, tenha sido distribuído em escolas, pois foi vetado antes de ser impresso. Não deve haver dúvidas, ainda, de que o livro “Aparelho Sexual e Cia” tenha sido adotado pelo Ministério da Educação e muito menos distribuído por ele em escolas.
Portanto, Bereia reproduz o que foi determinado pela justiça brasileira: a existência de um ‘kit gay’, tal como alardeado, é notícia FALSA.
Referências de Checagem:
Declaração do ministro da Educação, Abraham Weintraub na última quarta-feira (11/12). Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/educacao/weintraub-o-pais-vive-a-maior-revolucao-do-ensino-nos-ultimos-20-anos/amp/?__twitter_impression=true
Entrevista com Jair Bolsonaro no Jornal Nacional. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/noticia/2018/08/28/bolsonaro-diz-ao-jn-que-criminoso-nao-e-ser-humano-normal-e-defende-policial-que-matar-10-15-ou-20.ghtml
Entrevista com Jair Bolsonaro na Globo News. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/noticia/2018/08/28/bolsonaro-diz-que-se-eleito-extinguira-ministerio-das-cidades-e-mandara-dinheiro-diretamente-para-prefeituras.ghtml
Dilma Rousseff manda suspender lit anti-homofobia. Disponível em: http://g1.globo.com/educacao/noticia/2011/05/dilma-rousseff-manda-suspender-kit-anti-homofobia-diz-ministro.html
“Aparelho Sexual e Cia – Um guia inusitado para crianças descoladas”, publicado no Brasil pela Companhia das Letras. Disponível em: https://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=12264
Não existiu ‘9º Seminário LGBT Infantil’ no Congresso Nacional em 2010. Disponível em: https://www.huffpostbrasil.com/2018/08/30/nao-existiu-9o-seminario-lgbt-infantil-no-congresso-nacional-em-2010_a_23512614/
“9º Seminário LGBT no Congresso Nacional, realizado em maio de 2012. Disponível em: https://www.valor.com.br/node/5957839
TSE diz que kit gay não existiu e proíbe Bolsonaro de disseminar notícia falsa. Disponível em: https://congressoemfoco.uol.com.br/eleicoes/tse-diz-que-kit-gay-nao-existiu-e-proibe-bolsonaro-de-disseminar-noticia-falsa/#
Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) investiga amplo uso de notícias falsas. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/comissoes/comissao?0&codcol=2292