Editora-geral do Bereia discute política e religião em programa da rádio CBN

A relação entre política e religião se baseia em um movimento de mão dupla em que ambas as instâncias se socorrem para legitimar seus objetivos e interesses. A opinião é da editora-geral do Bereia e pesquisadora Magali Cunha, que participou de programa jornalístico de entrevistas da Rádio CBN, em 19 de março.

Ela explicou que essa relação não é algo novo, pois o Brasil já foi colonizado com base na religião, o catolicismo ibérico. “Ao longo de muitos anos”, comentou, “tivemos a experiência de ver o catolicismo como a religião do Estado, e isso foi se transformando dentro do quadro de pluralidade religiosa”.

Magali Cunha destacou que desde os anos 2010 se observa no Brasil e em outros lugares do mundo a apropriação de certo populismo de extrema-direita que faz uso da religião. “É um fenômeno que estabelece uma ligação de mão dupla com a política, na medida em que em algum momento vamos ter a politização da religião, e em outro, a sacralização da política”.

Isso significa que a religião se vê legitimando determinado regime, comunidade política ou partidos contra inimigos que eles mesmos definem como tais e que são tidos também como inimigos de Deus. “Por outro lado, a política é sacralizada quando certos partidos ou certas lideranças são colocados como escolhidos de uma divindade”, acrescentou a editora-geral do Bereia. Na entrevista, Magali Cunha também alertou sobre o risco de tratar os evangélicos como um único grupo – “chega a ser uma irresponsabilidade considerá-los de forma homogênea” – e comentou sobre outros temas.

“Deus, pátria e família”: o que é o neoconservadorismo em destaque na política do Brasil – parte 2

No contexto da tensão social produzida pelo conjunto de acontecimentos políticos ligados à direita extremista, descritos no primeiro artigo deste estudo, surge, no Brasil, um novo ator político ligado ao neoconservadorismo religioso: o evangélico pentecostal. O aprofundamento do conservadorismo moral defendido por figuras religiosas e, particularmente, disseminadas pelo presidente da República Jair Bolsonaro (2019-2022), desde que se colocou no centro do debate, faz com que busquemos compreender a relação entre o ex-presidente e tais preceitos.

Um ponto importante, defendido pelo pesquisador Geoffrey Pleyers, é que não haveria uma batalha ideológica opondo evangélicos e católicos, como costumeiramente se imagina, mas sim, uma disputa em torno do fundamentalismo religioso. A polarização se daria entre progressistas e conservadores, independentemente da identificação religiosa.  Ele esclarece como a categoria “evangélicos” agrega diferentes denominações e subdivisões, por isso seria uma análise superficial dizer “os evangélicos”, pois foram os ‘cristãos conservadores’ que ajudaram a eleger Bolsonaro.

As igrejas evangélicas históricas enfrentaram embates ideológicos/teológicos, com influência de correntes norte-americanas, quando o pentecostalismo sofreu cisões tendo sua fé “renovada”. Após a abertura democrática e elaboração da constituição de 1988, a atuação política sofreu uma guinada. Com uma miscelânea de partidos políticos à disposição, mas preferencialmente pelos de direita e centro-direita, representantes de igrejas pentecostais passaram a ocupar espaços dentro do executivo e legislativo, almejando cargos mais altos.

Em sua maioria, a membresia das três maiores igrejas do segmento pentecostal: Assembleia de Deus (AD), a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e a Igreja do Evangelho Quadrangular (IEQ) é composta por  pessoas pretas e pardas . Nesse contexto de crescimento numérico e de ocupação do espaço público, é criado, nestes espaços, um imaginário de povo, “povo de Deus”, “povo brasileiro”, como se tratasse de uma religião que o representasse. Mesmo compondo uma minoria, em 1986 pentecostais somam um terço do parlamento e a partir de então passam a ser um dos protagonistas da política brasileira, almejando cargos cada vez mais altos, confrontando os limites do establishment.

Em pouco menos de meio século, esses grupos passaram se articular politicamente e a fazer parte do cenário atual. Na primeira metade do século 20 um evangelismo fundamentalista missionário é popular entre classes médias e baixas, simpatizante do capitalismo, mas que rechaça o envolvimento com a política. Por outro lado, o chamado neopentecostalismo, que se estabelece com força a partir dos anos 1980, se opõe a essa visão, se alinhando à política e à Maioria Moral estadunidense.

Um sintoma do neoconservadorismo moral e religioso na política foi a consolidação da Bancada Evangélica por meio da criação da Frente Parlamentar Evangélica, em setembro de 2003, com deputados e senadores de diferentes siglas e partidos, mas que se propunham a defender pautas relacionadas ao Cristianismo. Para ter governabilidade e aprovar medidas de cunho social, o governo do Partido dos Trabalhadores (PT) à época, com o presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, se viu obrigado a fazer alianças com o grupo, permitindo-lhe mais espaço em cargos do Poder Executivo e participação em projetos sociais.

A força política adquirida permitiu que os políticos evangélicos avançassem na demanda por pautas nevrálgicas ao neoconservadorismo. Uma das ações foi a campanha, em 2011, no início do terceiro mandato do PT no governo federal, contra um material didático-pedagógico que seria destinado às escolas públicas, cujo conteúdo visava conscientizar estudantes contra a homofobia. Parlamentares católicos e evangélicos ameaçaram embargar políticas sociais e econômicas caso o governo não cancelasse o projeto. O então deputado Jair Bolsonaro (Partido Progressista), junto com representantes da Bancada Evangélica, passaram a chamar o material enviado para as escolas públicas nessa campanha de “kit gay” para fazer acusações ao projeto de que serviria para perversão sexual dos estudantes. 

Nesse sentido, embora as lideranças do PT nos três mandatos de governo (2002-2016), sob a Presidência de Lula e Dilma Rousseff, não tivessem uma afinidade religiosa com esses grupos religiosos, colaboraram com seu fortalecimento ao realizar alianças para concessão de cargos e ceder a pressões.

Como afirmou a cientista política Wendy Brown: “O ressentimento é energia vital do populismo de direita”. Ou seja, para os cristãos neoconservadores, o avanço de pautas progressistas constituem uma ameaça, por isso se sentem ameaçados com o avanço da agenda LGBTQI+ (criminalização da homofobia, casamento e adoção por casais homoafetivos), incorporação da temática igualdade de gênero em processos educacionais (caso da rejeição ao Plano Nacional de Educação, em 2014), e atuam de maneira a cercear direitos já conquistados.

O embate entre homossexuais e cristãos conservadores reforçou a retórica denominada “cristofobia”, uma forma de apropriação do termo e contra-argumento, pois o acusado de homofobia se colocada no papel de vítima de intolerância religiosa sobre o qual teria sua liberdade religiosa ameaçada. Outra reação dessa bancada religiosa foi PL 234/2011 que regulamentava a atuação de psicólogos no tratamento da homossexualidade, conhecido popularmente como ‘cura gay’.

Já a ideia de esforço individual é uma cruzada contra políticas distributivas e identitárias que beneficiariam determinados grupos sociais em detrimento de grupos que precisariam sobreviver com seu próprio esforço. O antropólogo Ronaldo Almeida relaciona a valorização da ideia de meritocracia à Teologia da Prosperidade, popular entre neopentecostais, mas que se expande entre outras ramificações evangélicas. Refere-se ao princípio de que o desenvolvimento financeiro e a prosperidade material são benesses pelos esforços nos empreendimentos individuais e participação religiosa. Bolsonaro chegou a dar o título da sua proposta de plano de governo 2018, de “O caminho da prosperidade”, uma clara referência a esta teologia. Almeida observa ainda como Bolsonaro se autodenomina “pessoa de bem”, buscando criar uma conexão com trabalhadores honestos, vítimas de violências do crime e da corrupção do Estado.

É nesse sentido que o neoconservadorismo está presente na esfera pública nacional e em diferentes setores sociais, mas é o segmento religioso que tem liderado campanhas de cunho cristão e pautado temas moralistas com perspectiva excludente.

Referências

ALMEIDA, Ronaldo de. Bolsonaro presidente: conservadorismo, evangelismo e a crise brasileira. Novos estudos. São Paulo: CEBRAP. v. 38 n. 01. Jan.-Abr. 2019. Disponível em: https://www.scielo.br/j/nec/a/rTCrZ3gHfM5FjHmzd48MLYN/abstract/?lang=pt

BAHIA, Joana; KITAGAWA, Sergio Tuguio Ladeira (2022). Religious conservatism in Brazilian politics: The discreet presence of Calvinist political theology in the public sphere. In: Revista del CESLA International Latin American Studies Review. Disponível em: https://www.revistadelcesla.com/index.php/revistadelcesla/article/view/775

BROWN, Wendy. O Frankenstein do neoliberalismo: liberdade autoritária nas “democracias” do século XXI. In: ALBINO, Chiara; OLIVEIRA, Jainara; MELO, Mariana (Orgs.). Neoliberalismo, neoconservadorismo e crise em tempos sombrios. Recife: Editora Seriguela, 2021.

BURITY, Joanildo. A onda conservadora na política brasileira traz o fundamentalismo ao poder?. Conferência Conservadorismos, Fascismo, Fundamentalismos: 12 dez 2016. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/311582235  

CAMURÇA, Marcelo. “Um poder evangélico no Estado Brasileiro? Mobilização eleitoral, atuação parlamentar e presença no governo Bolsonaro”.  Revista do NUPEM, vol. 12 nº 25, 2020. Disponível: https://periodicos.unespar.edu.br/index.php/nupem/article/view/5597  

CARRANZA, Brenda. Evangélicos: o novo ator político. In: GUADALUPE, José Luis P.; CARRANZA, Brenda. Novo ativismo político no Brasil: os evangélicos do século XXI.  Rio de Janeiro: Konrad Adenauer Stiftung, 2020. Disponível: https://www.kas.de/pt/web/brasilien/einzeltitel/-/content/novoativismo-politico-no-brasil . PLEYERS, Geoffrey. 2021. “El ascenso político de los actores religiosos conservadores. Cuatro lecciones del caso brasileño”. Encartes, v 3, n.6, set 2020-fev 2021. Disponível em  https://encartes.mx/pleyers-ascenso_politico_religiosos_conservadores_brasil/

**Os artigos da seção Areópago são de responsabilidade de autores e autoras e não refletem, necessariamente, a opinião do Coletivo Bereia.***Foto de capa: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Estátua em frente à ONU é interpretada como a besta do Apocalipse

  • Matéria atualizada em 15/12/2021 Às 18:38

Uma estátua colocada na praça da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, em 4 de novembro passado, marca a presidência do México no Conselho de Segurança da ONU e foi um presente daquele país. No Brasil, mídias religiosas  começaram a postar mensagens contra a estátua, que acusam ser a besta do Apocalipse.

Imagem: reprodução Portal do Trono

No início de dezembro, a notícia sobre uma estátua em frente ao prédio da ONU que foi presente do México à Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York,  começou a repercutir em mídias sociais religiosas. Nas postagens a estátua era comparada ao animal híbrido  descrito no livro bíblico de Apocalipse, capítulo 13, verso 2: “A besta que vi era semelhante a um leopardo,  mas tinha pés como os de urso e boca como a de leão.  O dragão deu à besta o seu poder, o seu trono e grande autoridade.”

A partir das publicações que afirmam a semelhança entre a estátua mexicana e o animal híbrido do livro de Apocalipse, comentários sobre o caso se seguiram em espaços digitais evangélicos. Boa parte deles dizia que a estátua da ONU “faz parte desse complexo para implementar a nova ordem da chegada do anti-Messias”. Também foi comentado que “o anti-Cristo poderá ser a ONU ou até mesmo algum líder de dentro da organização”.

Também o pastor Antônio Junior, bem conhecido por parte de evangélicos brasileiros enfatizou a semelhança da estátua da ONU com o animal no texto do livro de Apocalipse e aconselhou seus seguidores a ficarem atentos: “Não temos que ver os acontecimentos dos últimos dias como 

como algo assustador, mas sim como o tempo em que Jesus voltará e derrotará o inimigo de uma vez por todas”.

O que é a estátua, e qual a sua origem

O Mexico ocupa um assento rotativo no Conselho de Segurança da ONU desde o início deste ano, com um mandato até o fim de 2022. A estátua foi apresentada à ONU e ao mundo pelo embaixador mexicano Juan Jamón de la Fuente, por meio de um vídeo, como o “símbolo guardião da paz e segurança internacional” para os anos de 2021 e 2022 no Conselho de Segurança da ONU.

O embaixador deu as boas vindas ao novo Guardião da Paz, uma estátua de madeira, de dimensões grandes feita pelos artesãos mexicanos Juan e Maria Angeles e considerada um “alejibre”. A arte de alejibres trabalha com esculturas muito coloridas e criaturas fantásticas e faz parte do folclore mexicano.

Imagem: carro de desfile de alejibre / Pixabay

De acordo com la Fuente, a escultura foi um presente do governador do estado mexicano de Oaxaca, Alejandro Murat, entregue à ONU no mês de novembro deste ano, que está sendo marcado pela esperança de um futuro seguro e pacífico,  com base nos apelos  feitos pelo Reino Unido durante a COP26 que aconteceu em Glasgow, Escócia. Na ocasião, os representantes daquela nação que acolheu o evento da ONU, conclamaram os líderes mundiais a entrarem num consenso para o estabelecimentode projetos que garantam a segurança das gerações futuras no planeta.

Ambivalência do símbolo

Bereia conversou com o professor e pesquisador do programa de pós-graduação em Ciências da Religião da PUC-Campinas e  especialista em Apocalipse, Paulo Nogueira.

De acordo com o pesquisador,o que aconteceu foi mesmo uma ambivalência  do símbolo. “O símbolo como animal mitológico híbrido, pode ter significados diferentes em diferentes culturas. Como, por exemplo, a serpente, que nas culturas judaica e cristã tem um sentido negativo. Quando S.Tomé vai à Índia pregar, segundo os relatos apócrifos de Tomé, que é uma narrativa ficcional, ele enfrenta a serpente, a naja, que é uma figura divina, positiva para os indianos, como se ela fosse a serpente que introduz o  pecado e a queda do ser humano”. 

O professor explica que por isso, “a serpente para uma cultura pode ser positiva, enquanto para outra negativa”. 

Da mesma forma, Nogueira lembra do dragão, que é um símbolo de fertilidade para os chineses e para as culturas mediterrâneas, e, que especialmente  para a cultura hebraica, é uma figura que representa o caos e o demoníaco. “Neste caso da estátua da ONU, nós tivemos uma infeliz coincidência, porque este animal realmente se parece com o monstro híbrido de Apocalipse 13, que é uma força caótica personificada pelo Império Romano”, afirma o professor. Ele lembra que os primeiros cristãos entendiam, segundo Apocalipse capítulo 13, que o Império Romano não era só um poder econômico e político, mas era uma força do mal, idólatra, opressiva, violenta”. 

Porém, para o professor de Ciências da Religião, o símbolo mexicano é positivo, pois  “vem de uma religiosidade mexicana,  pré-cristã e pré-colombiana e, ali tem um significado positivo”, explica.

Imagem: outros exemplos de alejibres do folclore mexicano

O professor continua com exemplos lembrando o touro colocado  em frente à Wall Street em Nova York, e que recentemente foi colocado também frente à Bovespa, em São Paulo (inclusive, já retirado).

“Provavelmente, ali o touro tem o  significado de pujança. Existe este tema do touro como um animal mítico da cultura ibérica, um animal potente. Mas na cultura bíblica o bezerro de ouro é sinônimo de idolatria, a traição do povo judeu no Êxodo, que resolve adorar um bezerro de ouro enquanto Moisés estava recebendo a Torá diretamente das mãos de Deus”.

Nogueira explica que os símbolos são ambivalentes, não têm um significado em si mesmos nem têm uma essência. Os símbolos significam o que significam na relação com  outro símbolo, dentro de uma dada cultura. 

“Então, realmente, a estátua presenteada pelo México que foi colocada em frente à ONU lembra muito o animal híbrido,o do primeiro monstro do Apocalipse de João. Mas ele é uma evocação deste monstro? Não”,  afirma. Paulo Nogueira explica que a escultura de madeira é uma arte mexicana, pré-colombiana, e como já dito, os símbolos são ambivalentes. 

Numa cultura podem ter um significado e em outra, outro significado bem diferente”, reforça o professor, que conclui: “Monstros e seres híbridos são muito comuns nas culturas, nas mitologias. E eles não têm sempre um significado negativo ou positivo”.

Com base nesta verificação, Bereia considera que a avaliação de lideranças religiosas de que a estátua presenteada pelo México à ONU é uma representação da besta do Apocalipse é enganosa. Estes líderes e as mídias que repercutem seus comentários usam de um trecho da Bíblia descontextualizado e do desconhecimento das pessoas em relação a símbolos culturais, no caso o Mexicano, e em relação às atividades da Organização das Nações Unidas para fazerem críticas às ações do organismo e alimentarem teorias conspiratórias.

Referências de checagem:

United Nations.  https://news.un.org/pt/story/2021/12/1772602. Acesso em: 13 dez 2021.

Indicatu. https://www.indicatu.com.br/noticia/743/onu-inaugura-monumento-guardiao-da-paz-e-seguranca-internacional-para-2021-e-2022. Acesso em: 13 dez 2021.

Folha de São Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/11/touro-de-ouro-da-b3-e-removido-apos-determinacao-de-comissao.shtml  Acesso em: 13 dez 2021.

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Foto de capa: ONU/Manuel Elias

Extremista norte-americano do QAnon é chamado de Xamã pela imprensa nacional e internacional

A justiça norte-americana determinou, em novembro passado, a pena de quatro anos de prisão para o extremista Jacob Chansley, que invadiu o Capitólio em 6 de janeiro. Ele foi apelidado pela imprensa estadunidense e brasileira de “o xamã do QAnon”, por ter cometido o ato vestido como um vking, com um chapéu com chifres, sem camisa e com o rosto pintado com as cores da bandeira americana. 

Imagem: reprodução do site da CNN americana
Imagem: reprodução do site Metrópoles

Apesar do apelido, Jacob não é líder de qualquer seita ou religião que tenha o Xamanismo como doutrina. Ele é ator e defensor ferrenho das teorias da chamada QAnon, movimento de extrema direita que acredita em teorias da conspiração, como a que afirma que há um rastreador do governo dos Estados Unidos nas vacinas contra a covid-19. 

De acordo com o site do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), o QAnon surgiu em fóruns de extrema-direita na deep web após a eleição de 2016 nos Estados Unidos, que levou Donald Trump à Presidência da República. O movimento se baseia em uma série de teorias da conspiração ligando políticos e personalidades à pedofilia e ao satanismo, mas também assume o perfil de um movimento social militarizado, incitando, inclusive, a violência em seus conteúdos. O departamento federal americano de investigação , FBI, chegou até mesmo a classificá-lo como ameaça terrorista doméstica. 

O Bereia também tem uma série de matérias relacionadas ao movimento conspiratório QAnon.

Imagem: reprodução do site do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP)

O Xamanismo, por outro lado, é uma crença espiritual/religiosa que busca a força interior e o reencontro com os ensinamentos da natureza. Estudos descrevem o Xamanismo como uma prática ancestral que busca estabelecer uma ligação com o sagrado. Não é uma religião, pois não há livros canônicos nem uma mitologia específica. A crença é, na verdade, um conjunto de rituais muito antigos, como danças e músicas que atravessam séculos, uso de substâncias psicoativas encontradas em ervas e palavras usadas para evocar espíritos aliados. 

O Xamã é o sacerdote dessa crença, ou seja, a pessoa responsável pela manifestação de poderes sobrenaturais da natureza. Para ser um sacerdote, não há distinção de sexo, há a exigência da hereditariedade (passando de pai para filho o título de xamã, mas para isso deve haver preparação assim como os demais). Além disso, há uma longa preparação para aquele que possui o sinal para se tornar xamã para que conheça profundamente as plantas medicinais e a natureza em sua totalidade e ninguém pode se autopromover xamã. 

Diante da afirmação equivocada por grande parte da imprensa nacional e internacional, expondo-se o Xamã e o Xamanismo de forma pejorativa, Bereia ouviu o antropólogo e Doutor em Ciência da Religião pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Emerson José Sena da Silveira, para entender melhor o porquê desse engano. Segundo o professor, a imprensa em geral não foi além de nomear o ativista do QAnon como Xamã, tendo, muitas vezes usado aspas, expressando um certo cuidado. “Não me pareceu que a imprensa tenha feito uma abordagem no sentido de preconceito severo. O que houve foi pré-conceito, ou seja, estereótipo do que seria o xamanismo, ou seja, a imprensa foi na direção do que o senso-comum popular associa a essa expressão religiosa. O uso da vestimenta evocando um animal importante nas culturas tribais e norte-americanas (búfalo) e a pintura facial, evocam imagens similares do que o senso-comum associa ao xamanismo. Outros jornais preferiram o termo ‘viking’, dentre outros, também por associação esquemática e baseado no senso-comum, sem nenhum rigor ou criticidade”, explica o antropólogo.

Ainda de acordo com o Dr. Emerson Sena, quando Jacob Chansley invadiu o Capitólio, em janeiro de 2021, usando toda aquela indumentária, parecendo um líder religioso indígena, não pretendia demonstrar desprezo por essa cultura. “Pareceu-me mais uma forma de tentar associar noções de nação e cultura norte-americana à ideia de que os agora verdadeiros nativos, ou os que assim se veem, possuem esta conformação ideológica: nacionalismo extremado, reacionarismo e libertarismo de direita (narcisismo e individualismo puros). Ou seja, eles se veem como os verdadeiros norte-americanos e desprezam o restante”, ressalta. 

Para o pesquisador, o efeito dessa associação visual pode ter gerado impactos negativos para as religiões xamânicas, mas não foram fortes o suficiente para provocar ódio. “Isso por conta do ato tresloucado e da forma extremamente burlesca como Jacob Chansley se comportou. Ou seja, não foi levado a sério, por um lado, mas seus atos de desrespeito às instituições republicanas foram punidos. Cabe, no entanto, ampliar a visibilidade na imprensa a respeito das religiões xamânicas de forma a sair do senso-comum e mostrar outras possibilidades e riquezas religiosas dessa legítima forma de vivência religiosa”, conclui Silveira.

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Bereia classifica o apelido dado pela imprensa nacional e internacional ao ativista de extrema direita Jacob Chansley como enganoso, por levar o leitor a acreditar que o ator norte-americano é um líder espiritual e que o movimento QAnon é uma religião. Além disso, as matérias tratam  as religiões xamânicas de forma rasa e estereotipada. 

Referências de checagem:

CNN americana. https://edition.cnn.com/2021/01/07/us/insurrection-capitol-extremist-groups-invs/index.html Acesso em: 12 dez 2021.

Metrópoles https://www.metropoles.com/mundo/invasor-do-capitolio-xama-do-qanon-e-condenado-a-41-meses-de-prisao Acesso em: 12 dez 2021.

Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP). https://coletivobereia.com.br/?s=QAnon Acesso em: 12 dez 2021.

Revista Super Interessante. https://super.abril.com.br/mundo-estranho/o-que-e-xamanismo-2 Acesso em: 12 dez 2021.

Mundo Educação. https://mundoeducacao.uol.com.br/filosofia/xamanismo.htm Acesso em: 12 dez 2021.

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Foto de capa: El Pais Brasil

Bereia é destaque no jornal O Estado de S.Paulo

O surgimento e o trabalho do coletivo Bereia foi tema de reportagem da edição de hoje do jornal O Estado de São Paulo. Nossa editora-geral Magali Cunha foi entrevistada e discorreu sobre o perfil diverso da equipe, a metodologia de checagem que junta jornalismo e pesquisa em religião, que tem sido compartilhada no meio religioso para combater a desinformação. Leia um trecho:

“O coletivo é o primeiro especializado em fact-checking religioso. Ao que se sabe, segundo Sérgio Lüdtke, editor do Projeto Comprova, é também o único projeto assim no mundo. O diferencial do Bereia não para por aí. Magali relatou que, após pesquisar o modus operandi de agências de checagem no Brasil e no exterior, o grupo criou sua própria metodologia “que junta jornalismo especializado em religião com fact-checking e com pesquisa voltada para a temática da religião no Brasil”

A reportagem completa pode ser acessada no Estadão, mas também foi distribuída no UOL, na IstoÉDinheiro, no Zero Hora, e no Jornal de Brasília.

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Foto de capa: Wilton Junior/Estadão

Religião e política no olho do furacão

Publicado originalmente na Carta Capital

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A relação entre religião e política, presente no Brasil desde 1500, quando a Igreja Católica aportou nestas terras com os colonizadores portugueses, deixou de ser unicamente objeto de estudos acadêmicos e ganhou as páginas de jornais e revistas e discussões populares em mídias sociais e outros espaços.

Fala-se muito do que alguns chamam de “ameaça” evangélica, outros, ao contrário, de “bênção de Deus”. As avaliações díspares respondem à intensificação da presença de cristãos na política, estimulada pela aliança do governo Bolsonaro com lideranças desse segmento religioso. Esse processo tomou a forma da ocupação de cargos no Poder Executivo, rearticulação de alianças o Poder Legislativo, e a emersão de personagens do Poder Judiciário identificados com a fé cristã que interferem em políticas e realizam ações públicas (vide a controversa Operação Lava Jato).

A ênfase no poder alcançado pela parcela ultraconservadora do segmento evangélico é, de fato, necessária na discussão sobre religião e política. Há uma trajetória de quase 35 anos da existência de uma “bancada evangélica” no Congresso Nacional. Ela foi potencializada durante a presidência de Eduardo Cunha (MDB/RJ) na Câmara dos Deputados, por conta da ênfase em pautas da moralidade sexual e defesa da “família tradicional”. E foi essa potência da religião no Congresso que uniu forças com uma direita ressentida, nada religiosa, para tirar Dilma Rousseff da Presidência, no já consagrado, historicamente, golpe contra a democracia de 2016.

Não é surpresa que candidatos e profissionais de marketing tenham detectado há algum tempo a tendência e, a cada eleição, seja frequente a prática de “pedir a bênção” a líderes evangélicos identificados tanto com a direita como com a esquerda. Também são recorrentes as pressões sobre candidatos e partidos, que nada têm de religiosos, a assumirem compromissos com a defesa de pautas da moralidade religiosa, em clara instrumentalização da religião cristã para conquista de corações e mentes de fiéis.

Porém, quando quem discute se fixa apenas nesse protagonismo evangélico, esconde o debate necessário sobre o lugar do Catolicismo e sua influência nas pautas públicas por séculos. Oculta também a presença das religiões de matriz africana no espaço público e sua demanda por liberdade religiosa, por superação da intolerância e por direitos da população afrodescendente. E ainda se menospreza o espaço ocupado por pessoas e grupos vinculados ao Espiritismo e ao Judaísmo, com a eleição de pares para cargos públicos e busca de influência em temas de interesse.

Como pesquisadora sobre “religião e política” há muitos anos, não é difícil observar que lendo, assistindo e ouvindo o que se torna público, em espaços acadêmicos, jornalísticos e populares, ainda há muita incompreensão e equívocos. Em parte, esses são provocados pelo desconhecimento da história e das dinâmicas que envolvem religiões no País, por outro lado são movidos por imaginários e preconceitos.

Entre os equívocos e incompreensões circulantes, por exemplo, estão a confusão entre as noções de Frente Parlamentar e Bancada; desencontros sobre a composição de uma “Bancada da Bíblia”; listas duvidosas de integrantes da chamada Bancada Evangélica; a imagem incorreta de que neopentecostais ocuparam o governo federal; a restrição das análises ao segmento evangélico com desconsideração às movimentações de lideranças católicas nos três poderes; silêncio sobre as articulações políticas das comunidades tradicionais de matriz africana e de outros grupos religiosos minoritários no País; ignorância em relação às diferentes tendências ideológicas que movem esses grupos religiosos em sua pluralidade, restringindo avaliações e agrupando personagens e fiéis sob o rótulo de “alienados” e “conservadores”.

Toda a desinformação circulante acaba ignorando o significado da intensa presença de grupos religiosos que atuam como ativistas políticos nos mais diversos movimentos e nas mídias sociais. É um contexto em que “religião” é, certamente, um tema de fundo, alimentador de campanhas e debates contundentes não só em processos eleitorais, mas em diferentes pautas. Exemplo é a campanha pública de evangélicos, católicos e judeus de esquerda, contra o Projeto de Lei 490, em votação no Congresso Nacional, que ameaça o direito de indígenas a terras demarcadas com base na Constituição. Outro exemplo é a articulação de evangélicos para convocar apoiadores do Presidente da República para atos de rua no 7 de setembro.

Desinformação sobre religião e política em circulação também tem relação com o tema do Estado laico. Em muitos espaços ele é apresentado como ameaçado por conta desta presença mais intensa de grupos religiosos no espaço público. Será mesmo? Por que discutir “Estado laico” apenas quando evangélicos ganham protagonismo na política? O Estado laico sempre foi frágil em nossas terras a começar com o poder da hegemonia católica, passando pela intolerância em relação às religiões de matriz afro (resultante do racismo estrutural), chegando à força do ultraconservadorismo evangélico no tempo presente.

Grupos religiosos no espaço público precisam ser vistos como indício do próprio avanço da democracia (com ambiguidades, é claro) e da pluralidade religiosa relacionada ao direito humano da liberdade de crença. O que deve ser questionado e enfrentado como ameaça ao Estado laico, é que um único grupo religioso imponha sua teologia e ética religiosa como regra para todos, sejam religiosos (com toda pluralidade que vivenciam) e não-religiosos. Da mesma forma, o Estado laico também está em perigo quando princípios religiosos são instrumentalizados por líderes e grupos políticos com vistas à busca de votos ou de apoio a implementação de necropolíticas. Neste caso é a laicidade do Estado e a democracia que de fato, estariam colocados em risco.

Para contribuir na superação da desinformação, dos equívocos e incompreensões sobre a relação entre religião e política no Brasil, está à disposição a Plataforma Religião e Poder. O Instituto de Estudos da Religião (ISER), que há mais de cinco décadas presta serviço a pessoas e grupos que estudam e atuam em espaços relacionados às religiões, lançou, em 2020, esta plataforma online para acesso público https://religiaoepolitica.org.br/, pela qual apresenta dados, análises e reportagens estruturadas sobre o tema.

A Plataforma Religião passou por reformulações significativas nos últimos meses e foi relançada nesta semana. Antes dedicada a analisar a composição das frentes com identidade religiosa do Congresso Nacional e monitorar suas pautas, a plataforma ampliou sua abrangência e será atualizada semanalmente para monitorar a participação de agentes religiosos nos três poderes da República e em processos eleitorais. Uma novidade é a seção Glossário, desenvolvida para explicar em linguagem acessível termos essenciais ao debate sobre religião e espaço público que são pouco compreendidos por grande parte da população brasileira. Os termos “Laicidade” e “Estado Laico” inauguram o espaço, que terá um novo termo publicado a cada mês.

Religião e política devem ser discutidas, sim! Isso deve ser feito, crítica e coletivamente, por meio de recursos responsáveis e habilitados, como a Plataforma Religião e Poder, pelos mais diferentes grupos e forças sociais que formam e informam sobre política, sobretudo, em espaços em que a fé religiosa é praticada. Afinal, neste processo está a fé, a crença, sonhos e esperanças de muita gente que acredita que há uma presença divina no meio de tudo isso.

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Foto : Isac Nóbrega/PR via Fotos Públicas

Maria Madalena e o dom da fé ao mundo

*Publicado originalmente no Jornal do Brasil.

Não sou eu quem digo e sim Eça de Queiroz, o grande escritor português que se destacou por, além de seu gênio incontestável, apresentar em seus escritos um impiedoso anticlericalismo. Em seu livro A Relíquia, Eça fala pela boca de um historiador em Jerusalém:

Depois de amanhã, quando acabar o Sabá, as mulheres de Galileia voltarão ao sepulcro de José de Ramata, onde deixaram Jesus sepultado… E encontram-no aberto, encontram-no vazio!… “Desapareceu, não está aqui!…” Então Maria de Magdala, crente e apaixonada, irá gritar por Jerusalém – “ressuscitou, ressuscitou!” E assim o amor de uma mulher muda a face do mundo, e dá uma religião a mais à humanidade!

Parece incrível que o tresloucado amor de Maria de Magdala – mais conhecida como Maria Madalena – pelo Nazareno crucificado tenha conseguido esse feito: mudar o mundo e inaugurar uma nova religião. E, no entanto, se lemos bem o Evangelho, sobretudo o de João, poderemos ver que assim é a narrativa.

A desolação reinava entre os discípulos. O Mestre fora morto, executado, deixara um vazio impossível de preencher e a esperança jazia morta no chão. Maria de Magdala chega, então, com a boa nova, o evangelho, a boa notícia: aquele que vocês viram morto está vivo. Ressuscitou!

Não acreditaram nela mas foram ao sepulcro. E o encontraram vazio, em uma ausência grávida da presença pascal daquele que teriam agora que reconhecer de outro modo. A desolação foi dissipada pela esperança renascida e pelas manifestações do Ressuscitado, que confirmariam o anúncio da mulher crente e apaixonada.

Antes da experiência que mudaria a vida dela e de todos, Maria, a de Magdala, também experimentava profunda tristeza. Foi ao túmulo de manhã cedo, apressada e com o coração batendo disparado. Queria homenagear aquele que amava tanto, prestar-lhe cuidados e ungir com perfume seu corpo morto.

Porém, no jardim onde estava o túmulo no qual o haviam enterrado não havia nada, a não ser silêncio e ausência. O túmulo vazio doía mais do que a visão do cadáver que esperava encontrar. E Maria chorou desconsolada. Ao jardineiro que lhe perguntou a razão do pranto, explicou que haviam tirado o seu Senhor e não sabia onde o haviam posto. E pediu: Senhor, se foste tu que o levaste, diz-me onde está que irei buscá-lo.

Ah, a força do amor de uma mulher. Não há impossíveis para ele. Ao longo da vida vimos mães que curam filhos desenganados por médicos; esposas que trazem de volta à vida seus companheiros mergulhados na depressão ou em paralisias várias, mulheres capazes de atravessar estepes nevadas ou desertos escaldantes em busca do encontro com aquele que seu coração deseja.

Não havia obstáculos para Maria naquele momento. Ela iria até o fim do mundo para encontrar seu amado. Bateria em todas as portas, enfrentaria qualquer autoridade, civil ou religiosa, nenhuma intempérie seria dura demais para seu coração apaixonado.

No entanto, não foi preciso, pois o amado em pessoa veio ao seu encontro e disse seu nome: Maria. E ela respondeu: Mestre. Como não gritar então pelas ruas de Jerusalém? Como não proclamar aos quatro ventos que ele ressuscitou? Como não anunciar que a esperança pode renascer e a alegria reinar, pois não é mais necessário buscar entre os mortos aquele que está vivo?

Assim é a história dessa mulher, apóstola dos apóstolos, primeira testemunha da Ressurreição, que inaugura um novo tempo na história da humanidade. Em uma sociedade patriarcal, onde as mulheres não podiam sequer testemunhar em processos jurídicos por não ser válido seu testemunho, Maria de Magdala, de quem Jesus havia expulsado sete demônios, abriu a boca e falou sobre o que viu e ouviu. E seu testemunho mudou a face do mundo.

Creram nela e repetiram e difundiram seu anúncio. E depois muitos e muitas creram neles, transformados de discípulos em apóstolos. E creram por causa dela. No dia 22 de julho, celebramos seu dia, que o Papa Francisco elevou à categoria de Festa para sublinhar sua importância no culto e na liturgia.

Nestes tempos tão tenebrosos, onde tudo parece obscurecer-se e quando os horizontes se atrofiam sobre nossas cabeças, não nos esqueçamos do poder que tem o amor de uma mulher. O amor dessa mulher mudou o mundo. O amor de toda mulher tem potencial transformador e terapêutico. Com seu corpo que é sede da vida, a mulher que ama diz com a paixão de Maria Madalena que a morte não tem a última palavra, pois a vitória definitiva é da vida, que é o outro nome de Deus.

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Foto de capa: Pixabay/Reprodução

Formas distintas para o enfrentamento da angústia!

A Psicanálise e a Religião nascem da mesma demanda: uma resposta à angústia, mais precisamente, a angústia da morte – angústia que marca a condição humana. Para lidar com essa angústia, os discursos religiosos fundamentalistas e a Psicanálise percorrem caminhos diferentes. Os fundamentalistas se estruturam na ordem da completude e da moral. Nada pode escapar ao sentido. Buscam apaziguar os seres angustiados.

De acordo com o psicanalista Jacques Lacan, a missão da religião é “curar os homens (…) para não perceberem o que não funciona”. Diferente de Sigmund Freud, que acreditava no domínio do saber científico positivista sobre a Religião, Lacan afirma que a Religião dará “um sentido a todas as reviravoltas introduzidas pela Ciência. E, no que se refere ao sentido, eles [os líderes religiosos] conhecem um bocado. São capazes de dar um sentido a qualquer coisa. Um sentido à vida humana, por exemplo. São formados nisso”. Lacan reconhece a legitimidade do saber religioso. É um saber entre tantos outros: “enquanto analistas, pensamos que não há saber algum que não se erga sobre um fundo de ignorância. É isso que nos permite admitir como tais muitos outros saberes além do saber cientificamente fundado”.

Lacan percebe a Religião como algo inerente ao ser humano; é da ordem do indestrutível; é estrutural, aparece como repetição – insiste e resiste. A Psicanálise tem outro viés. Não trabalha com discursos ordenadores da realidade. Não há generalizações possíveis. É da ordem da incompletude e da ética do desejo. Sabe que há demandas existenciais que não cabem nas palavras. Como afirma Lacan, “se ocupa muito especialmente do que não funciona (…) – o Real”. O conceito de Real em Lacan tem raízes em Sören Kierkegaard, teólogo cristão e filósofo dinamarquês, que percebeu algo na existência que escapa ao pensamento lógico, racional e que não permite uma síntese (diferente da tríade tese-antítese-síntese de Hegel). Retoma o mito de Adão e Eva. Os vê como seres angustiados, que não tinham consciência da existência do bem e do mal. Eles se angustiavam diante da ignorância, da inocência. Uma angústia diante do vazio, do nada, das escolhas. Não era angústia por não poder fazer nada. Era a angústia por não saber o que fazer. Angústia diante do que não se nomina (nomearam tudo), menos o inominável, o resto, o que sobra, a hiância.

No Brasil, os discursos religiosos fundamentalistas (Neopentecostalismo, por exemplo) têm conquistado mais visibilidade. São frutos de teologias em que há uma negação da angústia. Tudo pode ser nomeado e ordenado pelas palavras. Busca-se o tempo todo tamponar o Real. A “verdade” está em uma única fonte: nas Escrituras Sagradas. Afirmam o “direito” dos fiéis ao paraíso aqui e agora. Sem angústia. Não precisam mais “sofrer”. O sacrifício de Cristo “desculpabilizou” todos. O castigo dado a Adão e Eva não precisa mais ser aplicado. Perdeu o prazo de validade. É uma experiência religiosa mediada por um “contrato”, que transforma o fiel em “sócio” de Deus. Ao pagar o tributo, exige e cobra a sua cota de bênçãos diárias.

Nessa nova economia libidinal, o fiel cobra de Deus o que lhe foi tirado: sua perda (o paraíso). Assume uma posição reivindicatória, alguém me tomou algo. Insatisfeito, busca o que lhe é “devido”. Uma insatisfação estrutural, sempre está faltando alguma coisa. Vive-se no ciclo “satisfação-insatisfação”.

O pai (Deus) dessa relação histérica, causador da neurose e do sofrimento inicial, é substituído pelo Diabo. Este se torna o maior (e único) responsável por todas as desgraças que acometem os fiéis. Tanto a salvação (o bem) como a perdição (o mal) são causadas por figuras externas. Isso leva os fiéis a cobrarem de quem está lhe devendo, Deus, e a “guerrear” com quem lhe tirou o paraíso, o Diabo, o inimigo a ser eliminado. Qualquer sintoma, novo ou velho, tem uma única fonte: o Diabo, entidade espiritual que também se manifesta em pessoas, instituições, obras de arte, livros e outras produções artísticas. Há uma simplificação da realidade cotidiana. É um retorno à magia pré-moderna. Tudo se resolve por meio de palavras de ordem. A fé fica restrita à dimensão emocional. O importante é “sentir” Deus. A fé como práxis, encarnada e pública não faz parte do repertório dessa experiência religiosa hedonista e narcísica. Quando ocupam o espaço público é para privatizá-lo.

A angústia é um corte impossível de ser suturado. Corte que requer uma resposta singular, única e intransferível no manejo da vida. Não há respostas fáceis, mágicas ou receitas prontas para desangustiar o humano. Como afirma Kierkegaard, cada ser humano “deve costurar a sua própria camisa”, ou, nas palavras do psicanalista Jorge Forbes, “fora do sofrimento prêt-à-porter, cada um inventa a sua singularidade”. Isso serve para os que creem e para os que não creem.

Foto de Capa: Pixabay/Reprodução

Cultos online e as fissuras do fundamentalismo religioso no Brasil – Parte II

Por Delana Corazza, Angelica Tostes e Marco Fernandes¹

Conteúdo originalmente publicado no site www.thetricontinental.org

Confira a segunda parte do estudo “Cultos online e as fissuras do fundamentalismo religioso no Brasil”. Para ler a primeira parte, basta clicar aqui.

Espiritualidade digital: espiritosanto.com

Apesar de alguns aspectos positivos dessa nova experiência, diversos limites se colocam em evidência. No boletim Cientistas Sociais e o Coronavírus, as pesquisadoras Carolina Parreiras e Renata Mourão Macedo trazem dados sobre as desigualdades digitais em meio à pandemia, com a desigualdade social sendo refletida na desigualdade digital. O acesso à tecnologia ainda é restrito no país. Segundo o levantamento das pesquisadoras, os dados do TIC Domicílios auxiliam a mapear o uso das tecnologias:

“No levantamento de 2018, 93% dos domicílios declararam possuir telefone celular, 27% computador portátil, 19% computador de mesa e apenas 14% possuíam tablet. Em relação à presença de internet nas residências, 67% possuíam algum tipo de acesso, sendo que 62% por banda larga fixa, 39% por cabo ou fibra ótica e 27% por conexão móvel 3G ou 4G. Em relação aos motivos apontados para a inexistência de conexão, chamam a atenção o fator financeiro (“porque os moradores acham muito caro”) – 61% – e a inabilidade para uso da internet (“porque os moradores não sabem usar a internet”) – declarado por 45% dos participantes da pesquisa”

(PARREIRAS; MACEDO, 2020, p. 1).

Muitas igrejas estão nesses espaços de periferia em que o acesso digital é limitado. A igreja como comunidade constrói corporeidades, símbolos e transcendências, além de organizar os cotidianos e criar laços sociais. O pastor Rosivaldo P. de Almeida pensa que para “para os evangélicos, sobretudo os pentecostais, a igreja acaba sendo a única unidade cultural, de socialização, integração, de produção de sentido, inclusive para própria existência.”

Neste cenário, pastores e lideranças das igrejas nas periferias têm buscado diminuir essa distância com mensagens diárias aos fiéis mandadas via WhatsApp e por ligações telefônicas, principalmente à população mais idosa, que além de ser grupo de risco e temer ainda mais as consequências do vírus, tem certa dificuldade para acionar as tecnologias atuais. A pastora Eliad Santos, da Igreja Metodista da Luz, em São Paulo, observa que “ser pastora em tempos de pandemia é complicado porque eu estou atendendo as pessoas via WhatsApp e telefone. As pessoas esperam que você esteja por lá. Tem um caso de uma vizinha com covid-19 e eu não posso visitar. As pessoas sentem falta de ir à igreja, costumes antigos de muitas irmãs da igreja. Problemas novos, novos tempos e adaptar. Semana que vem farei a celebração da ceia via online, não tem necessidade de colocar em risco os fiéis. Tem que se adaptar.” O pastor André Guimarães tem trabalhado com essa metodologia, realizando ligações e chamadas de vídeo com sua pequena comunidade, composta por cerca de 30 pessoas, que por mais que não garantam os abraços e encontros que os fiéis sentem falta, pode-se ao menos olhar, escutar, trocar.

Outra dificuldade encontrada nesse acolhimento dos fiéis no trabalho pastoral é em relação às mulheres em situação de violência doméstica. Segundo a CNN, pela Lei de Acesso à Informação, o número de atendimento da Polícia Militar (PM) referente à violência doméstica subiu 44,6% no mês de março em São Paulo. No Rio de Janeiro, ainda no início do isolamento, os dados apontados pela Justiça foram de um aumento de 50%. A pastora Odja pontua essa preocupação em tempos de pandemia: “Como mulher e pastora, tenho me preocupado de forma especial com o aumento da violência contra as mulheres, uma vez que há a campanha do “fique em casa”, só que a casa não tem sido um lugar seguro para as mulheres, crianças e meninas. Imagine o que é um confinamento com um companheiro violento, com a contenção dessa violência dentro de casa.”. Essas preocupações aumentam quando se somam a outras pesquisas, como a do Datafolha de janeiro de 2020, que aponta o rosto da população evangélica como um rosto de uma mulher negra; à pesquisa da Valéria Vilhena, que demonstra que 40% das mulheres vítimas de violência da Casa de Acolhimento Sofia em São Paulo são evangélicas (2011). Em uma fala mergulhada de angústia e preocupação, a pastora Eliad Santos diz:

“Eu penso na Maria que mora em frente à Igreja e é usuária de crack. (…) Eu penso nessa mulher que está desesperada com medo dos filhos e das filhas pegarem a doença e morrerem, porque ela tem que sair de casa ou porque são muitas pessoas morando na mesma casa pequena. Essa mulher que está buscando em Deus a proteção e força para continuar em tempo de pandemia. São essas mulheres que tem que limpar o hospital, o supermercado, a farmácia. É muito triste. Eu fico bem chateada pensando nisso, como elas estão vivendo? Não tem o mesmo privilégio que eu que posso trabalhar em casa, no computador e celular. Eu só peço a Deus que elas consigam sobreviver. Porque sempre quando eu ligo o jornal e aparece os hospitais da periferia eu só vejo os corpos negros. (…) Nas grandes desgraças, grandes epidemias e nos grandes problemas, é o povo pobre e preto que sofre.”

Questões psicossociais da pandemia e o culto online

O cuidado das igrejas e o sentido de comunidade, muitas vezes, abarcam também as questões econômicas. Muitos “irmãos” conseguiram seus empregos por indicação de um pastor ou frequentador da Igreja, assim como diversos tipos de auxílios. Com a pandemia em curso, a classe trabalhadora mais empobrecida deve sentir de forma profunda como a crise econômica e o distanciamento pode afetar as possibilidades de intermediação da Igreja e seus membros para a conquista de um trabalho. Diversas igrejas, mesmo com todas as dificuldades econômicas que enfrentam, têm se mobilizado para doações e ajudas pontuais para os fiéis que necessitam e para a população mais vulnerável das periferias, contribuindo assim para a manutenção do necessário isolamento.

Para além dessas doações, outras ações estão sendo pensadas para auxiliar economicamente as famílias, conforme nos trouxe Jackson Augusto, militante do movimento negro evangélico e frequentador da Igreja Batista Imperial em Recife: “Estamos planejando, no território que a igreja atua, criar uma plataforma para divulgar pequenos comércios e serviços pela internet. Divulgar pessoas que costuram, eletricistas, boleiras, que embora não possa ser presencial, que funcione de outras formas como encomenda, auxílios”.

Esse esforço de dar conta de todas as manifestações da ausência das igrejas tem sido tarefa constante das lideranças de diversas denominações. Para Alana Barros, cientista social, militante, evangélica e filha de pastores, os cultos online têm buscado diminuir as faltas das práticas comunitárias. Ela relata que no começo da quarentena, alguns fiéis duvidaram da necessidade de proibição dos cultos presenciais, questionando se, de fato, havia essa necessidade e afirma que é muito importante a legitimidade dos pastores na comunidade religiosa e das explicações formuladas para garantir a segurança e o respeito pelas decisões tomadas. A jovem aponta, como alguns pastores já mencionaram, o desafio de construir novas formas de cultos com uma nova tecnologia que não estão acostumados, reformulando a linguagem. No entanto, o dia a dia da comunidade é o mais difícil nesse momento, já que “temos muito a prática do cuidado e o fato de sabermos que tem pessoas doentes, que tem idosos sozinhos e que você não pode simplesmente fazer uma visita ou marcar um encontro na comunidade para que a gente se veja; é bem difícil, é muito difícil lidar com esse momento de ausência do corpo físico, do corpo presente, mantendo só a relação virtual”, relata Alana.

Para os fiéis a experiência é diversa, desde o momento e o tempo de se preparar para o culto até a possibilidade de “visitar” diversas novas igrejas virtualmente, as mudanças são reais, concretas e alteraram a forma de viverem a experiência religiosa tão presente em suas vidas cotidianas. O pastor Fellipe dos Anjos destaca que “todos falam que sentem falta do ajuntamento. Uma espécie de melancolia do encontro (…) Eu sinto que a pandemia colocou em questão o corpo. É o corpo, o encontro, a forma que o encontro é capaz de manejar as subjetividades. As pessoas têm a vida meio ritualizada e em uma crise como essa, elas descobrem que tem um corpo que precisa de um outro corpo, de um abraço. Que tem fome de coisas relacionais, que movem o desejo”. Mesmo com essa ausência, fiéis têm experienciado novas vivências com a espiritualidade digital. Em casa, as pessoas se arrumam, organizam seus espaços, sentam-se em frente à TV, computador ou mesmo celular e assistem a esses cultos. Apesar desse esforço de manterem uma rotina para estarem, ainda que virtualmente, no culto, viver de fato essa experiência não tem sido tão simples, “não tenho muita paciência”, afirma Cleonice. Para Simone, a Igreja é um espaço de entrega, “em casa, qualquer barulho distrai, você não está ali cem por cento”. Welita Caetano, liderança da movimento de moradia do centro da Frente de Luta por Moradia (FLM), cientista do trabalho e adventista diz que “a igreja ao meu ver é uma comunidade e em uma comunidade as pessoas conversam, elas dialogam, é muito mais místico quando ela é presencial. O que você sente, as sensações que você tem, as músicas, o que você visualiza, enfim, você está sensível a tudo que está ao seu redor.”

A necessidade do encontro se configura de forma distinta nos diversos setores da sociedade. Na Igreja Batista da Água Branca, localizada na zona oeste de São Paulo, frequentada por cerca de 2 mil fiéis e que apresenta características de uma igreja de classe média e classe média alta, a falta é sentida de outra forma. “Faz bastante falta não ter o presencial por diversas razões, mas hoje o que eu vejo é que talvez há dois anos eu tivesse uma outra visão, porque a gente frequentava uma igreja menor. Hoje a gente vai em uma igreja que já é muito grande. E uma das coisas que a gente sente falta lá é de ter uma proximidade maior com as pessoas, a gente tem alguns amigos lá, mas ainda é um grupo pequeno de pessoas que a gente já conhecia antes. O fato de estar em uma igreja muito grande, dificulta um pouco essa coisa da proximidade (…) pra gente a parte central do culto é a pregação, pelo menos para mim, independe do lugar que eu estiver, o que eu ouço e o que eu aprendo daquilo, não muda estando em casa ou na igreja” nos diz Jussara F. Aires, empresária e frequentadora da IBAB. Jussara conta que os cultos que ela assiste são menos “emotivos” e que, no entanto, por diversas vezes ela se viu extremamente emocionada mesmo assistindo os cultos pela internet antes da pandemia, ou seja, a igreja para ela cumpre outro papel, ainda que ela sinta falta da proximidade com outras pessoas da igreja. A relação com este espaço está muito mais ligada à espiritualidade e a fé do que ao sentido de acolhimento e comunidade tão fundamental nas igrejas pequenas das periferias.

Para os fiéis, o que pudemos perceber é que, apesar da importância desse espaço do culto online para manterem a relação com a Igreja no cotidiano de suas vidas, foram necessárias outras atividades para diminuir a falta do culto presencial. Algumas igrejas tem como organização institucional as células, podendo ter diversos formatos e modelos. Elas se constituem como pequenos grupos liderados por algum membro da comunidade, que compartilha a visão da igreja, ensinos bíblicos e pastoreia mais de perto o fiel, dando a oportunidade para um contato mais íntimo e espaço de abertura de problemas e questões da vida, como medos, incertezas e a própria fé. As células têm sido também uma atividade do cotidiano de algumas igrejas “O pessoal tá sedento da palavra, estão querendo falar, estão querendo desabafar e é nesse momento na célula que a gente tem sentido isso”, conta Claudio, da Igreja Visão Plena. Esse espaço menor de comunhão tem funcionado para dar conta daquelas angústias que não chegam ao pastor nos cultos online.

Espiritualidade em tempos de pandemia

Claudio de Oliveira Ribeiro*

“Os que confiam no Senhor  renovam as suas forças.

Sobem com asas como águias. 

Correm e não se cansam.

Caminham e não se fatigam” 

(Isaías 40: 31)

“Se não der, tenta ligar
A gente resume a distância
Me conta da tua janela
Me diz que o mundo não vai acabar”.

“Me conta da tua janela”, Canção popular de Anavitória

Para início de conversa…

A pandemia causada pelo coronavírus impactou o mundo todo e trouxe consequências as mais diversas, afetando dramaticamente o âmbito da saúde pública, com um número enorme de mortes. Afetou também a economia, devido às medidas de isolamento social, e à sociedade como um todo, devido aos impactos emocionais no enfrentamento da doença.

As inquietações e receios em torno da pandemia suscitaram reações das mais diversas ao redor do mundo. Entre elas, destacamos o reforço de diferentes formas de espiritualidade, religiosas ou não, para o enfrentamento das questões relativas à morte, à fragilidade física e emocional e ao isolamento social.  

Ao mesmo tempo, muitos temas e argumentos religiosos se destacaram nas conversas e debates, seja pelo clima de obscurantismo estimulado por alguns grupos, seja pela busca de uma compreensão mais ampla e bem fundamentada de um fenômeno que é social. Como entender mais adequadamente esse quadro é uma pergunta que vários grupos têm feito e muitos têm se dedicado a refletir sobre ela.

As causas da pandemia, por exemplo, têm sido analisadas por várias pessoas de diferentes setores do conhecimento. Tais análises não estão dentro do nosso objetivo neste pequeno texto, mas são muito importantes. Indicamos as reflexões científicas do teólogo Leonardo Boff, que nos apresentou uma síntese no artigo “A terra se defende”, publicado pelo Instituto Humanitas da Unisinos (IHU).

O autor afirma que “a pandemia do coronavírus nos revela que o modo como habitamos a Casa Comum é nocivo à sua natureza. A lição que nos transmite soa: é imperioso reformatar a nossa forma de viver sobre ela, enquanto planeta vivo. Ela nos está alertando que assim como estamos nos comportando não podemos continuar. Caso contrário a própria Terra irá se livrar de nós, seres excessivamente agressivos e maléficos ao sistema-vida”.

Em nossas reflexões sobre espiritualidade vamos nos ater às consequências da pandemia, embora reconheçamos que uma visão aprofundada sobre suas causas seja de grande importância para nos sensibilizar na direção de outras formas de espiritualidade,  que reforcem a sustentabilidade da vida e do mundo,  e que nos indiquem a necessária crítica ao sistema econômico atual e à forma excludente como a sociedade está organizada. Todas essas dimensões estão relacionadas à espiritualidade.

O que a pandemia tem nos mostrado

Proponho que tenhamos um outro olhar: entre os vários aspectos negativos desta situação tão difícil e dramática que vivemos, há aqueles que revelam possibilidades para a reorganização da sociedade, tanto em termos das vivências pessoais no cotidiano quanto na estrutura social. O sociólogo português Boaventura de Souza Santos chamou estas possibilidades de “a cruel pedagogia do vírus”, título de seu mais recente livro.  

Entre as conclusões que podem ser tiradas deste processo, destacamos:

  • A pandemia revelou que o sistema econômico no qual a sociedade está estruturada, mesmo com as variações entre os países e continentes, não atende às demandas da dignidade humana e dos direitos básicos das pessoas. Há um pequeno texto deste mesmo autor, denominado “Para o Futuro Começar”, que nos oferece uma boa síntese;
  • A situação no Brasil mostrou que os riscos e os maiores problemas se concentram nos setores mais pobres da sociedade e que a realidade das populações de áreas favelizadas e de moradores de rua é dramática;
  • O número expressivo de mortes causou forte inquietação e insegurança para a maioria das pessoas em relação ao futuro da vida, tanto em termos pessoais quanto planetário;
  • O isolamento social manteve boa parte das pessoas em suas casas. Isso trouxe variadas consequências. Para as famílias que possuem moradias minúsculas, a convivência se tornou tensa, com maior número de violência doméstica e conflitos (uma boa análise deste ponto encontramos no texto “Patroas, empregadas e coronavírus”, da antropóloga Debora Diniz e da cientista política. Giselle Carino).

  • As atividades profissionais desenvolvidas pelas pessoas em casa pela Internet reforçaram a precarização as relações de trabalho, aumentaram o volume de tarefas e subverteram a noção do lar como espaço de aconchego e descanso;
  • Houve uma movimentação social muito significativa, com iniciativas e campanhas de solidariedade, envolvendo amplos setores sociais, profissionais de saúde e grupos de defesa dos direitos humanos e da cidadania. Entre as diversas experiências, uma campanha comunitária no Rio de Janeiro nos chamou muita atenção. Ela está apresentada neste vídeo, que articula a assistência social necessária para as famílias pobres com a firme defesa dos direitos humanos e da cidadania. Um testemunho belíssimo!
  • Uma parcela das pessoas, devido ao isolamento social, se sentiu sensibilizada em relação à valorização das relações humanas, da amizade e de visões mais humanizantes, e à necessidade de se dar maior atenção aos filhos. Há muitas reflexões teológicas e pastorais sobre esses aspectos. O teólogo Faustino Teixeira, no artigo “A dimensão espiritual da crise do coronavírus”, faz uma análise dos impactos globais da pandemia, destacando a crise como oportunidade de se encarar a precariedade e a fragilidade humanas;
  • Sinais de diminuição da poluição nas grandes cidades e a redução do consumo desenfreado. Quem desejar um aprofundamento deste tema, encontrará no artigo “Voltar à normalidade é se auto-condenar”, de Leonardo Boff, uma reflexão muito consistente e desafiadora.

Todos esses aspectos, complexos e desafiadores, mostram caminhos significativos para a vida e para a vivência espiritual.  

Mas, afinal, o que é espiritualidade?

Sabemos que entre uma série de aspectos que marcam a vivência humana está a incessante busca de superação de limites, do ir além das contingências e das ambiguidades históricas, da procura por absolutos que possam redimensionar a relatividade e a precariedade da vida, assim como se busca também o desfrutar das potencialidades, realizações e alegrias da vida nos seus mais diversos planos. Muitos denominam esta dimensão humana como espiritualidade.

Em certa medida, tal visão está relacionada ao olhar crítico das teologias que tem produzido uma saudável distinção entre fé e religião. É fato que tal relação é complexa e possui numerosas implicações, mas, no que diz respeito às nossas reflexões, é preciso afirmar que a primeira, a fé, requer uma espiritualidade que, embora seja autenticamente humana, vem de uma realidade que transcende as engrenagens históricas. Nesta perspectiva, a espiritualidade humana é recebida, acolhida. A espiritualidade, irmã da fé, é vista pela teologia como dom divino. 

Nas reflexões mais recentes, tem sido cada vez mais comum a indicação de que a fé é antropológica e que pode tornar-se religião. As experiências religiosas, historicamente, pretenderam e pretendem possibilitar respostas para essa busca, a qual inicialmente nos referimos. Na diversidade de tais experiências confluem elementos os mais diversos, desde os preponderantemente numinosos, “santos”, espontâneos e indicadores de uma transcendência, até aqueles marcadamente ideológicos, facilmente identificados como reprodução de filosofias ou culturas e artificialmente criadas. 

Há, entre os estudos de religião, uma série de análises sobre as distinções conceituais entre religião, crença, fé, espiritualidades e outras expressões similares. Em função dos limites de nossas reflexões, destacamos apenas a distinção entre as práticas religiosas mais institucionalizadas e a dimensão transcendente mais ampla, de caráter antropológico, que se expressa no humano e que vai além dos aspectos formais da religião. Em ambas a espiritualidade está presente.

Há também a noção de espiritualidade não religiosa. Ela, conforme nos indica o cientista da religião Flávio Senra, se constitui no “âmbito da crença em Deus que se desenvolve à margem das instituições religiosas ou desligadas de seu antigo pertencimento a instituições religiosas, consideradas as pessoas que se afirmam sem religião ou não afiliadas, mas mantêm a crença em Deus (perspectiva teísta)”.

E como tem se dado a relação entre espiritualidade e a pandemia?

Tanto as formas mais espontâneas de espiritualidade quanto as expressões religiosas mais tradicionais ou institucionalizadas estão presentes no debate acerca da pandemia e do isolamento social. Ambas têm marcado a vida de muita gente e tem estado presente, de diferentes maneiras, em cada situação enfrentada. 

As formas de expressão dessas espiritualidades, como sabemos, são muito diferenciadas. Há visões religiosas que negam a dramaticidade da pandemia, ou mesmo, seguindo argumentos ideológicos obscurantistas em voga, atribuem a disseminação da doença à ira e ao castigo de Deus aos seres humanos pecadores e, até mesmo, à supostos interesses comunistas para afrontar a fé cristã. 

Há abordagens e formas de espiritualidade de caráter mais intimista, que destacam a importância da vida devocional, das orações e da meditação como caminho de equilíbrio interior, considerando que os tempos atuais são de incertezas e inseguranças.

E há aquelas que buscam interpretações de fé mais consistentes, conectadas com os aspectos sociopolíticos evidenciados nesta crise social revelada pela pandemia e ancoradas nos princípios da solidariedade, da comunhão e da responsabilidade com os destinos da vida e do mundo. 

Desafios não nos faltam!

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Claudio de Oliveira Ribeiro é Pastor metodista e Doutor em Teologia (PUC-Rio)

Conheça o perfil e as ligações religiosas de investigados no inquérito do STF contra Fake News

Ao todo, a operação envolveu 29 mandados de busca e apreensão

Arte: Luciano Hang, Roberto Jefferson, Allan dos Santos e Sara Winter.

No último 27 de maio, a Polícia Federal (PF) realizou buscas e apreensões domiciliares nas residências oficiais de políticos e empresários suspeitos de envolvimento na produção em massa de fake news e ameaças ao Supremo Tribunal Federal (STF). A ação da PF é parte do Inquérito das Fake News instaurado pela Corte, sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes.

Ao todo, foram cumpridos 29 mandados de busca e apreensão nesta operação da PF. Entre os principais alvos da ação estão elencados deputados federais do PSL, aliados do Presidente Jair Bolsonaro, empresários financiadores do esquema, como Luciano Hang, dono da Havan, o líder do Centrão do Congresso Nacional, Arthur Lira, o ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB/RJ), além de personagens midiáticas e blogueiros. Os mandados foram cumpridos nos estados de São Paulo, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Mato Grosso,Paraná e Distrito Federal.

O inquérito 4781 foi aberto em março de 2019, por determinação do Presidente do STF, Dias Toffoli, para apurar a propagação de informações falsas, calúnias e ameaças contra o STF e seus membros. Na decisão que determinou a operação da PF, Alexandre de Moraes destacou que:

“O objeto deste inquérito, é a investigação de notícias fraudulentas (fake news), falsas comunicações de crimes, denunciações caluniosas, ameaças e demais infrações revestidas de calúnias, difamações ou injúrias (escritas em latim:.“animus caluniandi, diffamandi ou injuriandi”), que atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal Federal e de seus membros; e a verificação da existência de esquemas de financiamento e divulgação em massa nas redes sociais, com o intuito de lesar ou expor a perigo de lesão a independência do Poder Judiciário e ao Estado de Direito.

As provas colhidas e os laudos técnicos apresentados no inquérito apontaram para a existência de uma associação criminosa dedicada à disseminação de notícias falsas, ataques ofensivos a diversas pessoas, às autoridades e às instituições, dentre elas o Supremo Tribunal Federal, com flagrante conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática.

As investigações também apontaram que toda essa estrutura, aparentemente, estaria sendo financiada por empresários que, atuando de maneira velada, fornecem recursos das mais variadas formas para os integrantes dessa organização, inclusive impulsionando vídeos e materiais contendo ofensas e notícias falsas com o objetivo de desestabilizar as instituições democráticas e a independência dos poderes.

Da mesma maneira, relatórios técnicos constataram a existência de um mecanismo coordenado de criação, divulgação e disseminação de notícias ofensivas e fraudulentas por intermédio de publicações em redes sociais, atingindo um público diário de milhões de pessoas, de maneira a expor a perigo de lesão a independência dos poderes e o Estado de Direito.”

Na decisão, Alexandre de Moraes afirmou que:

são inúmeras as postagens e reiteradas quase que diariamente. Há ainda indícios de que essas postagens sejam disseminadas por intermédio de robôs para que atinjam números expressivos de leitores. 

O ministro afirmou ainda que “toda essa estrutura,  aparentemente, está sendo financiada por um grupo de empresários que, conforme os indícios constantes dos autos, atuaria de maneira velada fornecendo recursos (das mais variadas formas) para os integrantes dessa organização”. 

Que é um grupo de empresários denominados “Brasil 200 Empresarial”, em que os participantes colaboram entre si para impulsionar vídeos e materiais contendo ofensas e notícias falsas com o objetivo de desestabilizar as instituições democráticas e a independência dos poderes”. 

Até o momento, foram identificados três empresários, que tiveram a quebra dos sigilos bancários e fiscais entre julho de 2018 e abril de 2020, período, em que se suspeita, terem financiado esquema. Eles são:Edgard Corona, das redes de academias Bio Ritmo e Smart Fit e Luciano Hang, da rede de lojas Havan e Otávio Oscar Fakhoury, que administra um fundo imobiliário próprio. Entre as personagens midiáticas investigadas estão o humorista Reynaldo Bianchi Júnior, (conhecido como Rey Bianchi) e Winston Rodrigues criador do Bloco Movimento Brasil e dono do canal do Youtube ‘Cafézinho com Pimenta’. Além delas estão um grupo de blogueiros que seria acionado para selecionar previamente temas que eram disparados através de mensagens falsas. Na sequência, seus seguidores criaram uma hashtag para multiplicar os ataques nas redes sociais. 

Querem o caos. Estão querendo repetir 1968, onde o STF da época soltou a escumalha terrorista (não é mera coincidência), levando o governo da época a endurecer com o AI-5 para preservar a segurança nacional e institucional. Querem o mesmo agora para nos acusar de golpe.”

Na decisão que autorizou a operação, o ministro Alexandre de Moraes  determinou o bloqueio de contas em mídias sociais, tais como Facebook, Twitter e Instagram, de 16 investigados. Segundo ele, a medida é “necessária para a interrupção dos discursos com conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática”.

Bereia mapeou os alvos com ligações religiosas e apresenta o perfil de cada um e suas trajetórias nas mídias digitais, na política, as acusações e defesas no Inquérito das fake news. São eles: Luciano Hang, Roberto Jefferson, Allan dos Santos e Sara Winter.

Luciano Hang

Foto: Fepesil/The News2 / Estadão/UOL

O empresário e filho de operários da Indústria Têxtil de Santa Catarina, dono da rede de lojas Havan, que queria entrar para a política, Luciano Hang é um dos apoiadores mais fiéis de Jair Bolsonaro. 

Um dos sete homens mais ricos do país, o empresário ganhou destaque há dois anos, após boatos sobre quem seria o dono da Havan, resultantes da curiosidade sobre as réplicas da Estátua da Liberdade dos Estados Unidos, expostas na porta dos seus estabelecimentos comerciais. O catarinense representa o eleitorado ultraconservador de Bolsonaro, dizendo-se prezar a família, exaltar o “patriotismo”, e pregar  “Deus acima de todas as coisas”, ser antipetista e crítico da “ideologia comunista”, que não o impediu de entrar na lista de bilionários da Forbes em 2019.

Se não fosse um país comunista, o Brasil deveria ter milhares de bilionários“, disse ele em entrevista à BBC NEWS Brasil em Junho de 2019.

Com mais de três milhões de seguidores em seu perfil do Instagram e postagens que alcançaram mais de 80 milhões de pessoas em 2018, o “Veio da Havan”, como foi apelidado por opositores, se tornou uma das principais vozes pró-Bolsonaro.

Reprodução/Instagram

O dono da Havan segue o protocolo da extrema-direita, que orienta apoiadores a  não acompanhar os noticiários da “grande mídia”, classificadas “notícias negativas”, que abre caminho para a disseminação do noticiário paralelo, frequentemente marcado por conteúdo falso.

Nas mídias, Hang ganhou popularidade com vídeos bem humorados e caricatos. De religião não declarada, ele faz uso da fé cristã por meio de postagens que utilizam  textos bíblicos como palavras de motivação aos seus seguidores.

Em 11 de Maio, Hang realizou uma doação de lençóis, edredons, talheres e pratos para o Hospital católico Imaculada Conceição de Nova Trento.

O pleito eleitoral de 2018 foi marcado pela polarização política entre Bolsonaro e Haddad, disputa que se acentuava através dos posicionamentos de seus apoiadores. Como ocorreu no episódio que “alterou os ânimos políticos e pessoais” do empresário, em um vídeo, onde usou “sua fé em Deus” como protesto ao repudiar a participação dos candidatos opositores do Presidente Jair Bolsonaro, Fernando Haddad e Manuela Dávila em uma missa em que tomaram o sacramento, segundo ele, indignamente por serem “ateus”. 

Em entrevista ao site NSC Total, o bilionário disse ainda que, só pararia de trabalhar “quando Jesus lhe chamar” – brincou.”

Durante a pré-inauguração da loja de Cascavel,  Hang disse aos seus funcionários: “se não formos bem como loja, já podemos botar uma igreja neste local”. 

Entre suas alianças religiosas estão ministros de Estado, como a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e pastora, Damares Alves, o ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, o ex-senador, Magno Malta e deputados da Bancada Evangélica, além de apóstolos, como o Apóstolo Estevam Hernandes que desfilam selfies e postagens ao lado do bilionário. Hang transita em espaços evangélicos, como aconteceu no Congresso “Gideões Missionários da Última hora”, em Santa Catarina, onde o empresário acompanhou o Presidente Jair Bolsonaro, sendo recebido com palmas pelos fiéis. No mesmo evento que Jair Bolsonaro recebeu uma placa com o provérbio: “Quando o justo governa, o povo se alegra, e na Marcha para Jesus, em 2019, como um dos nomes mais cotados em apoio a campanha e fomento do Partido Aliança pelo Brasil (APB).

Foto: Reprodução/ Gospel Geral

O que o levou até a Operação?

Ainda durante as eleições de 2018, Luciano Hang foi acusado de estar envolvido no Escândalo das fake news, revelado pela Folha de S. Paulo. Ao ser questionado durante uma entrevista com o jornalista Roberto Cabrini, no Programa Conexão Repórter, do SBT, Hang negou de forma veemente sua participação: 

Você impulsionou ilegalmente a Propaganda de Jair Bolsonaro pelo aplicativo whatsapp?”, questionou Cabrini.

  “De forma nenhuma, é fake news”, enfatizou o empresário.  

Você contratou uma empresa pra isso?”, insistiu o apresentador. 

Não“, negou o empresário.

Com o cerco se fechando, em 15 de Março de 2020, o empresário foi convocado para dar um depoimento à  CPI das Fake News. Agora, o inquérito do STF o aponta como um dos financiadores da rede de distribuição de fake news pró-Jair Bolsonaro, tornando-se alvo das buscas e apreensões. Ele teve celulares e computadores” recolhidos pelos agentes da PF em dois endereços localizados em Brusque e no Balneário Camboriú, em Santa Catarina.  

O empresário concedeu entrevista à Revista Veja, alegando tranquilidade e inocência: 

 “Jamais patrocinei ou produzi fake news contra o STF ou qualquer membro da instituição”, afirmou Hang. Segundo ele, a perícia em seus aparelhos eletrônicos vão comprovar sua inocência. “Tudo o que eu falo e escrevo está publicado nas minhas redes sociais. Não tenho nada a esconder”.

Roberto Jefferson

Roberto Jefferson aparece empunhando um fuzil (modelo T4 Calibre 40, da Taurus) contra “comunistas” 
(FOTO: Twitter/Reprodução) 

Advogado criminalista Roberto Jeferson é católico confesso, filho de libaneses,  e neto de políticos petebistas, o advogado e ex-deputado federal condenado no escândalo do Mensalão e atual Presidente do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), deu início à carreira política em 1971, e construiu uma larga experiência na vida pública brasileira.

Jefferson ganhou fama nos anos 1980, participando do programa popular vespertino “O Povo na TV” do SBT. O programa tinha larga audiência e, nele, Roberto Jefferson representava um jovem defensor das causas de pessoas pobres.

Por conta da fama, em 1983, aos 29 anos, se elegeu deputado com 85.638 votos e em 2003 chegou à presidência do PTB, de onde não mais saiu. Ele assumiu, em 2016, pela terceira vez, a liderança maior do partido, tendo comandado a sigla no período de 2003 a 2005, de 2006 a 2012, e novamente em 2016.

O ex-deputado deixou o Congresso no sexto mandato consecutivo, em 2005, cassado no episódio do “Mensalão”, de 2004. Tornou-se, então, conhecido nacionalmente por seu envolvimento no esquema de corrupção do “Mensalão”, do qual participou e foi o primeiro a delatar. Foi condenado a sete anos de prisão pelo STF  pela prática de crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, tendo a pena diminuída em um terço pela colaboração com a investigação do caso. Foi cassado em 2005 pela Câmara dos Deputados.

Entre suas alianças religiosas, seu nome foi citado pelo ex-deputado Carlos Rodrigues, ex-bispo da Igreja Universal, um dos operadores do “Mensalão”, acusado de comandar a cobrança de uma mesada de R$10 mil a R$15 mil de todos os deputados federais e estaduais do país ligados à Igreja Universal do Reino de Deus, através do esquema chamado “Dízimo do Legislativo”.

Após o cumprimento da pena, em entrevista ao Programa de Rádio Pânico, Roberto Jefferson relembrou suas “memórias do cárcere” e elogiou o trabalho de evangelização e apoio que a Igreja Universal faz junto aos detentos nos presídios. Segundo ele, “há um grande preconceito contra a Igreja Universal, mas dentro do presídio é a Igreja mais presente:

Antes de ser o delator do “Mensalão”, Jefferson já tinha posturas controversas na Câmara. Em 3 de fevereiro de 1988, em plena sessão da Constituinte, ele apareceu em um terno de linho branco e revólver na cintura, disposto a “resolver na porrada” uma discussão anterior com o então deputado gaúcho Jorge Uequed (MDB). Ele frequentemente circulava armado pela Casa — praticava tiro desde a juventude e chegou a possuir 125 armas, de todos os tipos e calibres.

Durante seus 22 anos de mandato, Roberto Jefferson apresentou 78 projetos e aprovou apenas dois, um deles permitindo aos advogados assistirem seus clientes em depoimentos à CPI. Defendeu o armamentismo e também os jogos de azar (ele havia sido advogado de grandes bicheiros do Rio).

Em 2008, como presidente do PTB, Roberto Jefferson saiu em defesa do então candidato à Prefeitura do Rio de Janeiro, o Bispo Marcelo Crivella e se posicionou a favor do Estado Laico, alegando que “Deus é amor”, em nota: 

Deus é Amor”, a intromissão da religião na política é um fenômeno universal em todos os tempos. Os que não se curvam aos dogmas religiosos são demonizados, acusados de ser contra Deus. (…) Creio que Deus está na presença do amor, não do ódio. O Estado tem de ser laico. Quando a política é norteada pela religião, acaba em desastre.

Em 2013, manifestou-se em relação à vinda do Papa Francisco ao Brasil para a Jornada Mundial da Juventude (JMJ). Seu interesse se dava, sobretudo, pelas pesquisas que apontavam  a queda significativa do número de católicos no país. Em nota, ele declarou à época:

Mais alegria, menos culpa. O Papa Francisco parece ser a pessoa certa para revitalizar a mensagem da Igreja Católica e conquistar principalmente os jovens, que estão se bandeando para outras doutrinas religiosas.

Fotos: Em comemoração do aniversário da filha Cristiane Brasil (também alvo de operação contra fraudes, em 2018), no dia 8 de Maio, Roberto relembrou em suas redes sociais imagens do batismo e Primeira Comunhão da filha. (Reprodução / instagram)

Em março de 2016, Roberto Jefferson recebeu o benefício do  indulto presidencial de natal, sendo perdoada a punibilidade do ex-deputado Federal que cumpriu um terço da pena. 

O que o levou até a Operação?

Desaparecido da cena política desde sua prisão, Roberto Jefferson voltou a ser tema quando Jair Bolsonaro, em crise na relação com o Congresso Nacional, e na iminência de sofrer um processo de impeachment, recorreu ao apoio do Centrão, que tem o presidente do PTB como um dos líderes. Apoiador de Bolsonaro, Jefferson já havia atuado em 1992, como líder da “tropa de choque” que tentou impedir o impeachment do então presidente Fernando Collor.

No final de abril de 2020, Jefferson ressurgiu como aliado do governo Bolsonaro com críticas ao STF. Em postagem no Twitter, em 9 de Maio, ele pedia ao presidente “para atender o povo e tomar as rédeas do governo”. Para isso ele sugere “atitudes inadiáveis”.

“Demitir e substituir os 11 ministros do STF, herança maldita”.

Outro ataque de Jefferson dirigiu-se à Constituição, com a sugestão para “cassar, agora, todas as concessões de rádio e TV das empresas concessionárias GLOBO. Se não fizer, cai”.

Em outro tuíte, ele evitou citar o nome do magistrado, mas disse que “a Corte Constitucional deve coroar carreiras de juízes de direito. Não pode um ex-advogado de narcotraficantes milionários envergar a toga sagrada“. Acusação frequente da oposição ao ministro Alexandre de Moraes.

Empunhando um fuzil, para provocar, citou um verso da bíblia e disse que estava se “preparando para combater o bom combate contra o comunismo, contra a ditadura, contra a tirania, contra os traidores, contra os vendilhões da Pátria. Brasil acima de tudo. Deus acima de todos” (vide foto do perfil).

Na decisão que determinou a busca e apreensão nas casas do ex-deputado, o ministro Alexandre de Moraes determinou a apreensão de armas e também mandou bloquear as redes sociais do ex-parlamentar e afirmou que há indícios da prática de sete crimes.  Os agentes da PF realizaram buscas em dois endereços do ex-deputado-federal, na cidade de Comendador Levy Gasparian e outro em Petrópolis, ambos no Rio de Janeiro.

Em entrevista ao Programa “Os Pingos nos Is”, da rádio Jovem Pan, após a operação da PF contra as fake news, Jefferson agradeceu a Deus por estar sem o celular e computadores: 

A Polícia nos tratou muito bem. Revistou a casa toda. Eu não tinha nada que eles pudessem levar (além da apreensão das armas), celular eles nem tinham como levar, porque o meu celular não estava em casa, porque ontem visitei minha sogra e esqueci, foi a benção de Deus”.

Em defesa, Roberto Jefferson negou acusações: ‘Não fiz ameaças a ninguém’.

Após a Operação, seu partido, o PTB, que declarou apoio a Bolsonaro em 2018, em nota, se pronunciou à nação brasileira ) 

 “Não vamos permitir que ministros do STF calem o Presidente ”, fazendo menção à Roberto Jefferson

Em apoio ao pai, a deputada Cristiane Brasil (PTB/RJ), que não conseguiu se reeleger depois de ser investigada, em 2018, por envolvimento em fraudes no Ministério do Trabalhoparticipou das manifestações pró-Jair Bolsonaro do domingo 31 de maio.

Allan dos Santos

De origem protestante, batista, Allan Lopes dos Santos é bacharel em Filosofia pelo Seminário Maria Mater Ecclesiae do Brasil. Na biografia que divulga em seu website, diz ser “apaixonado pela Missa Gregoriana, também conhecida como Missa Tridentina ou Missa de Sempre e pela doutrina de Santo Tomás de Aquino, aos quais devota sua vida e trabalho”.

O amor pela Igreja Católica nasceu quando em 1997, quando ainda herege protestante na Primeira “igreja” Batista de Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, vi pela TV Sua Santidade o Papa João Paulo II sair do avião, debilitado, frágil e idoso, mas brilhante e glorioso, o Vigário de CRISTO na terra. Desde então, começou a minha via em busca da vivência dos Mandamentos divinos. Fui por seis anos membro da “Toca de Assis”, depois entrei no seminário da Arquidiocese do Rio de Janeiro, onde fiz meu ano propedêutico; já a formação filosófica eu fiz pela Arquidiocese Militar do Brasil no Seminário Maria Mater Ecclesiae do Brasil. Viajei para o México e E.U.A para ingressar na Fraternidade Sacerdotal de São Pedro, onde fui muito feliz e contente. Realizado com o apostolado tradicional nas paróquias de Scranton, PA, e em Omaha, NE. Apenas sob a atmosfera tradicional Católica, a qual se vive no Our Lady Of Guadalupe Seminary em Denton, NE”. 

Durante o período que esteve fora do país, Allan dava os seus primeiros passos como blogueiro, gerando conteúdo sobre o seu dia a dia e estudos sobre os dogmas da Igreja Católica Romana que eram atualizados em um blog pessoal intitulado com o seu nome “Allan L. Dos Santos”. Como seminarista católico também passou a atuar como jornalista no Portal de notícias católico Church Militant, com sede no Estado de Michigan, nos Estados Unidos. 

Fotos: – Enquanto seminarista, Allan foi tutorado pelo padre Paulo Ricardo.

De volta ao Brasil, em 18 de novembro de 2014 fundou, ao lado de amigos católicos, o portal multiplataforma “Terça Livre”,um canal de notícias  que tinha como objetivo “não apenas falar com o público católico, mas com o público conservador em geral”. 

Ainda durante o seminário, Allan dos Santos passou a estudar com o escritor e astrólogo Olavo de Carvalho, que ainda é personagem importante e expressivo no canal do blogueiro.Este declara ter se formado no Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho, e ser um fiel seguidor do escritor considerado o guru do bolsonarismo. 

Entre suas alianças religiosas, com mais de 930 mil inscritos em seu canal no Youtube, Allan dos Santos se utiliza da mídia alternativa como uma plataforma para alcançar o público cristão-conservador brasileiro (evangélicos e católicos), oferecendo uma linguagem coloquial e de fácil compreensão, com inserções de elementos cristãos em seus posts. 

Em um de seus tuítes, Allan dos Santos alega que “católicos e evangélicos são tratados com desprezo pela mídia”.

O blogueiro deixou a batina há três anos. Hoje, é pai, tem dois filhos  e a esposa está grávida de um terceiro. 

Em participação em live do deputado federal, Eduardo Bolsonaro (PSL/SP), em 31 de maio, o blogueiro afirmou que foi ameaçado de morte bem como esposa e filhos.

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo manifestou-se sobre a acusação do blogueiro dizendo que as acusações são graves e deve ser investigadas.

Em abril, a Confederação Israelita do Brasil (Conib) repudiou uma publicação do blogueiro, em que compara a tortura de judeus no holocausto a remédios contra o Coronavírus: 

Omitir o uso do cloroquina é o mesmo que deixar judeus na dúvida entre chuveiro e câmara de gás”.

“A Conib condena de forma veemente o senhor Allan Santos, desprezando o sofrimento das vítimas do Holocausto, ao fazer alusões a câmaras de gás relacionando-as ao uso de um remédio contra o Coronavírus. Antissemitas e oportunistas estão sempre à espreita para, em momentos como este, fazerem ataques contra judeus e outras minorias”, escreveu.

A entidade israelita também informou que denunciou a postagem ao Twitter e está examinando as alternativas legais.

O que o levou até a Operação?

O site de Allan dos Santos, Terça Livre, ganhou notoriedade durante as eleições de 2018, quando, o blogueiro passou a atuar próximo à família Bolsonaro, tendo livre acesso a áreas vedadas a repórteres de jornais e revistas.

Considerado um dos líderes do esquema de divulgação de notícias falsas e de ataques a adversários do Presidente Jair Bolsonaro, estimulado pelo próprio Palácio do Planalto, Allan dos Santos estaria inserido no chamado“Gabinete do Ódio”, inserido no Palácio do Planalto, reconhecido na decisão do ministro Alexandre Moraes pela operação da PF:

“As Provas colhidas e os laudos periciais apresentados nestes autos apontam para a real possibilidade de existência de uma associação criminosa, denominada nos depoimentos dos parlamentares como “Gabinete do Ódio”, dedicada a disseminação de notícias falsas, ataques ofensivos a diversas pessoas, às autoridades e às instituições, dentre elas o Supremo Tribunal Federal, com flagrante conteúdo de ódio, com aversão da ordem e incentivo à quebra de normalidade institucional e democrática”.

No final de 2019, Allan dos Santos foi um dos depoentes mais aguardados da Comissão Parlamentar Mista de Inquéritos (CPMI) das fake news, considerado  “um dos mais conhecidos propagadores de fake news na internet”, cuja atuação tem sido “questionada desde a sua fundação, em 2014, por conta de inúmeras notícias falsas veiculadas por essa página”, dizia o requerimento de convocação aprovado pelo deputado federal Rui Falcão (PT-SP).

Foi na CPMI, instalada em setembro de 2019, que a deputada federal Joice Hasselmann (PSL/SP) depôs sobre a existência do que denominou “milícia” e “gabinete de ódio” na disseminação de fake news.

Durante o depoimento de Allan dos Santos à CPMI, o deputado federal Alexandre Frota (SP), ex-PSL e ex-aliado de Bolsonaro, hoje no PSDB, acusou o blogueiro e o astrólogo Olavo de Carvalho de comandarem uma rede virtual de propagadores de notícias falsas e de incentivar seus seguidores a promoverem ataques aos adversários. Além de enriquecimento ilícito.

Acusado de propagar notícias falsas pelo inquérito do STF, Allan dos Santos alegou “liberdade de expressão” e disse não receber dinheiro de órgãos públicos. Todavia, dados obtidos pela Lei de Acesso à Informação, publicados pelo Jornal “O Globo” em 31 de maio, apontam que a Secretaria de Comunicação da Presidência,  no período de janeiro a setembro de 2019, o Governo veiculou quase 1500 anúncios no site “Terça livre”. Foram 28.845 anúncios das estatais Petrobrás e Eletrobrás veiculados em canais no Youtube, incluindo o canal de Allan dos Santos.

No início de 2020, Allan dos Santos foi cotado para a chefia da Secretaria de Comunicações da Presidência (Secom), caso o atual secretário Fábio Wajngarten, envolvido em irregularidades na relação de sua empresa com o governo fosse destituído Em janeiro passado, o blogueiro foi chamado a depor no inquérito STF, mas não compareceu.

“Sem comparecer ao STF – Allan cita São Tomas de Aquino: 

Reprodução Instagram

Em maio, após uma manifestação bolsonarista na Praça dos Três Poderes, Allan dos Santos tirou uma selfie em frente ao STF, fazendo um gesto “obsceno”.

Segundo pesquisadores da USP, a Corte foi mencionada em mais de 70% dos vídeos do canal “Terça Livre”, nos últimos dois meses. 

Alvo do mandado de busca e apreensão em sua residência, em Brasília,  Allan dos Santos teve documentos e computadores, usados para a criação de conteúdos para o site “Terça Livre” apreendidos pelos agentes federais. Ele os acusou de arbitrariedade e uso ilegal de poder.  Segundo o blogueiro, durante a ação, os agentes “apontaram uma pistola destravada” pra ele e sua esposa, grávida de 9 meses, enquanto a filha do meio estava no seu colo e o filho mais velho, Tomás, estava ao seu lado e disseram: “mãos ao alto

Ele comparou o ministro Alexandre de Moraes, do STF ao ditador Adolf Hitler:

É inconstitucional você não ter acesso aos autos. Eu nunca soube o que o STF queria nesse inquérito, se sou réu, investigado. Fui intimado duas vezes e não fui porque o processo estava sendo desrespeitado. Meus advogados nunca tiveram acesso aos autos. Agora, Alexandre de Moraes usa de toda a força do estado. Assim como Hitler, ele age como os nazistas agiram e como os comunistas costumam agir”, declarou ele. “Se aqui fosse os EUA, as minhas prerrogativas constitucionais estariam sendo respeitadas, mas não estão. Estamos no Brasil e não estamos vivendo em uma democracia“, acrescentou.

Após as ações policiais, Allan dos Santos diz que,hoje, “o objetivo do Terça Livre é acabar com todas as empresas (midiáticas),disse durante a entrevista à Eduardo Bolsonaro. Eduardo se surpreendeu e questionou: “Mais do que a CNN? Do que a Globo, do que o Jornal Nacional?

E ele confirma: 

Todos. Eu quero ser maior do que todos eles. Esse é o meu objetivo, eu não vou descansar enquanto eu não chegar lá. (…) Eu quero destruir essa imprensa por completo, quero ficar muito maior do que todos eles. E eu tenho uma listinha de nomes de que quando eu ficar rico, muito rico, quando esses jornalistas vierem mendigar emprego, eu vou negar.”

Com um apelo bélico, eclesiástico e nacionalista, Allan deixou um recado para o público: 

Quem não deve, não teme. É óbvio que a força policial causa um pouco de medo, não adianta falar: “não fica com medo, que não vai acontecer nada”. O medo vai vir e você vai ter que lembrar que sem coragem você não vai ter esse Brasil que nós estamos vivendo. Nem resquício dele. Se você não lutar, nós iremos entregar o Brasil nas mãos dos inimigos, na mão dos adversários. Existem dois grupos, hoje, no Brasil, dois grupos que um não podem viver um com o outro: o grupo do crime, da corrupção e o grupo que defende valores morais, princípios e fé, a fé cristã. Então, não desanime, as dificuldades são muitas, mas Deus está olhando para o Brasil. Se Ele não estivesse olhando para o nosso país, se Ele não estivesse olhando para aquela mãe que derrama aquela lágrima à noite ao dobrar os teus joelhos, pedindo para o filho sair do narcotráfico, se Deus não estivesse olhando para essa mulher, nós jamais conseguiríamos o que nós estamos avançando, hoje, no Brasil. (…) um país que nós recebemos como pátria, com a nossa língua, nossa nação, nós não podemos entregar o nosso país para os nosso filhos e netos da maneira que recebemos, nós temos que lutar pelo país até o fim e Deus vai te recompensar por isso.”

Sara Winter

Foto: Reprodução/ Facebook 

Sara Fernanda Giromini, conhecida como Sara Winter, ex-ativista feminista, blogueira e youtuber, se define como “ativista pró-vida e pró-família, analista política e conferencista internacional“em suas redes sociais. 

Sara Winter foi líder do movimento feminista Femen, no Brasil,  “considerada a ativista mais importante e engajada do país. Após passar pela experiência traumática de um aborto, converteu-se ao catolicismo, rompendo em 2013 com o movimento e “tornando-se uma das maiores lideranças e conferencista pró-vida e pró-família a nível nacional e internacional”, segundo biografia do site Sara Winter

Entre suas alianças religiosas, a ex-feminista declarou sua fé em Cristo publicamente durante uma palestra organizada pela psicóloga cristã Marisa Lobo, que fez o apelo e Sara respondeu: “sim”.Procurada pela equipe do Portal Guiame, Sara confirmou o ocorrido.

A Marisa me perguntou na frente de uma sala cheia, se eu aceitava Jesus. Claro que eu disse que sim. Quem iria dizer não para Jesus?”, acrescentando “Eu amo Jesus e Deus“.

Sara declarou sua fé no Deus verdadeiro, o Deus dos cristãos, Jesus e não em religião”, disse a psicóloga cristã Marisa Lobo, que fez o apelo para que a ex-feminista reconhecesse a ação de Jesus em sua vida.

Rezo o terço todos os dias é uma coisa que não abro mão / (Reprodução / Instagram )

Mãe de um menino,  agora ela é contra o aborto e temente a Deus. Sara passou a defender a maternidade e o amor familiar entre homem e mulher. Em entrevista ao G1, Sara disse que quer educar o filho de acordo com os preceitos cristãos: 

Quero criá-lo com base nos dez mandamentos da Bíblia. Eu acho que isso é muito importante, ainda que muitos valores tenham se perdido hoje em dia. Mas quero resgatar isso.” 

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Con mi mamá

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Em defesa da Igreja Católica, a blogueira dá dicas sobre fé em suas redes sociais  e posts a favor da Instituição: 

Em 2018, entrou para a política brasileira, filiada ao Democratas (DEM),se candidatou a deputada federal, mas não conseguiu se eleger.

Apoiadora de Bolsonaro, em abril de 2019, foi nomeada coordenadora nacional de políticas à maternidade do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, sob a gestão da ministra e pastora Damares Alves, alvo de críticas dentro do governo, foi exonerada no mesmo ano.

Já em 2020 a sua trajetória virou documentário: A Vida de Sara, produzido por Matheus Bazzo e dirigido por Julia Sondermann, que retrata a transformação da ativista progressista em conservadora, que se tornou apoiadora destacada do governo Bolsonaro e da extrema direita brasileira.

Cena do filme que a blogueira defende o e Criacionismo:

O que a levou até a Operação?

Em abril de 2020, o Ministério Público do Distrito Federal (DF) já havia movido uma ação contra ela e outros integrantes de um acampamento instalado na Esplanada dos Ministérios. O grupo denominado “300 do Brasil” é chamado pelos Promotores, que tentam na Justiça o fim do acampamento, como “Milícia Armada”. A Justiça negou o pedido do MP para proibir o acampamento bolsonarista,ainda que, em entrevista à BBC News Brasil, a ativista tenha afirmado a presença de armas no grupo e aparecido em foto nas mídias socias portando armamentos. 

Sara está entre os blogueiros suspeitos de integrar o complexo esquema de disseminação de notícias falsas por meio das mídias sociais, atingindo um público diário de milhões de pessoas, como já mostramos em checagens realizadas pelo Bereia

Durante as buscas e apreensões da Operação da PF ligada ao inquérito do STF sobre fake news, Winter teve o seu computador, celular e dinheiro apreendidos, e logo em seguida, os seus advogados entraram com uma ação para recuperar os bens. 

Após a ação policial, em vídeo publicado nas redes sociais, Winter convocou militantes para irem até o STF fazer uma manifestação contra o ministro Alexandre Moraes, e prometeu perseguir e “infernizar” a vida do magistrado, responsável por determinar a ação da PF.

Foto: Reprodução/ Instagram

Se eu pudesse, eu já estava na porta da casa dele convidando ele para trocar soco comigo. Juro por Deus, essa é minha vontade, eu queria trocar soco com esse f… da p…, com esse arrombado. Infelizmente eu não posso, ele mora lá em São Paulo, né? Pois você me aguarde, Alexandre de Moraes, o senhor nunca mais vai ter paz“, ameaçou a ativista, que está em Brasília.

Na mesma gravação, ela cita Moraes e diz que “a gente vai infernizar a tua vida”. A gente vai descobrir os lugares que o senhor frequenta, quem são as empregadas domésticas que trabalham para o senhor. A gente vai descobrir tudo da sua vida. Até o senhor pedir para sair. Hoje o senhor tomou a pior decisão da vida do senhor”, declarou.

Ao analisar o vídeo, o relator do inquérito, Alexandre de Moraes apontou indícios de cinco crimes: injúria; ameaça; tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos Estados; incitar a subversão da ordem política ou social; e caluniar ou difamar o presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação. Os três últimos estão previstos na lei que define os crimes contra a segurança nacional, editada no regime militar. 

Sara Winter esteve à frente de um protesto contra o STF, marchando ao lado de manifestantes em frente à Esplanada dos Ministérios, na noite de 30 de maio. Os manifestantes, participantes do grupo intitulado “300 do Brasil “estavam vestidos de preto, com máscaras e empunhando tochas de fogo, seguindo em marcha até a Praça dos três poderes em frente ao STF. 

Mesmo sendo um grupo pequeno, de cerca de 30 pessoas, o ato chamou a atenção por remeter a representação simbólica (máscaras e tochas) de grupos neonazistas alemães  e supremacistas brancos dos EUA da Ku Klux Klan  (organização centenária que promove atos de violência contra pessoas negras e imigrantes).

Segundo especialistas ouvidos pela Agência Pública, o movimento “300 do Brasil”, criado em apoio ao Presidente Jair Bolsonaro, que é liderado por Sarah Winter, apresenta semelhanças com os movimentos neonazistas europeus. 

O Bereia segue acompanhando os desdobramentos do Inquérito das fake News. 

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Referências de Checagem:

*Inquérito:

STF – Nota do Gabinete do Ministro Alexandre de Moraes. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=444198&ori=1

STF – Mandado – INQUÉRITO 4.781. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/mandado27maio.pdf

STF – Presidente do STF abre inquérito para apurar ameaças e fake news que têm a Corte como alvo. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=405790

Perfil Luciano Hang:

UOL– Partido de Bolsonaro defende Deus, armas e anticomunismo. Disponível em: https://www.terra.com.br/noticias/brasil/politica/partido-de-bolsonaro-defende-deus-armas-eanticomunismo,7bd4fc108dbb6a444be094c667f7b489c8ysw6bf.html

BBC NEWS Brasil – Luciano Hang, dono da Havan: Temos que bater palma quando alguém compra um avião, mas no Brasil a inveja é triste. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-48670848

Instagram Luciano Hanghttps://www.instagram.com/luciano.hang/?hl=pt-br

Instagram Luciano Hang- Ouvir notícias negativas também nos fazem adoecer”. Disponível em: https://www.instagram.com/p/CALeJP8goqh/?igshid=5lu3wozeuc25&fbclid=IwAR2nR4O8WkcWiArygLbqnjQ1dxftMquLu4vLq-_BAFZx9DVIC7jRQ8PW1qo

Instagram Luciano Hang- “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem”. Disponível em: https://www.instagram.com/p/CAJIi1dAUdt/?igshid=1qifdvtio8eok

Instagram Luciano Hang – Você colhe aquilo que você planta”. Disponível em: https://www.instagram.com/p/CAKnSVxA7ha/?igshid=1s5wx1qe2zh2h 

Instagram Luciano Hang- Doação – Disponível em: https://www.instagram.com/tv/CAC5ovcAFNT/?igshid=1mzno73jtml4i

Youtube – Dono da havan perde a paciência. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=YNhRghFTxnI

Pleno News – Padre: “Haddad e Manuela na Igreja é deboche aos católicos”. Disponível em: https://pleno.news/brasil/padre-haddad-e-manuela-na-igreja-e-deboche-aos-catolicos.html

NSC Total – Pedro Machado: Conheça o perfil do empresário Luciano Hang, presidente da Havan. Disponível em: https://www.nsctotal.com.br/noticias/pedro-machado-conheca-o-perfil-do-empresario-luciano-hang-presidente-da-havan

Pitoco – Oração de Dom Hang – Disponível em: https://pitoco.com.br/leiamais-ver/401/Oracao+de+Dom+Hang/

Gospel Geral – Ao lado dos Poderosos Magno Malta mostra que tem poder de fogo no Brasil – Disponível em: https://www.gospelgeral.com.br/2019/04/ao-lado-dos-poderosos-magno-malta-mostra-que-tem-poder-de-fogo-no-brasil/

Folha de Londrina – Homenagens a Damares e Hang reacendem debate sobre concessão de títulos. Disponível em: .https://www.folhadelondrina.com.br/politica/homenagens-a-damares-e-hang-reacendem-debate-sobre-concessao-de-titulos-na-al-2981475e.html

Istoé – Luciano Hang: os negócios, a política e os bilhões. Disponível em : https://www.istoedinheiro.com.br/luciano-hang-os-negocios-a-politica-e-os-bilhoes/

Jornal Página 3 – Em Camburiu, Bolsonaro fala sobre criação de colegio militar na capital. Disponível em: https://pagina3.com.br/politica/2019/mai/2/4/em-camboriu-bolsonaro-fala-sobre-criacao-de-colegio-militar-na-capital

Folha de s. Paulo – Empresários bancam campanha contra o PT pelo Whatsapp – Disponível em: www1.folha.uol.com.br/amp/poder/2018/10/empresarios-bancam-campanha-contra-o-pt-pelo-whatsapp.shtml

Conexão Repórter (Youtube) – SBT- Roberto Cabrini entrevista Luciano Hang – Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=peZ5W1oebS4

Dom Total – ‘Tem gente gastando pesado’ para propagar fake news no Brasil, diz presidente da CPI. Disponível em: https://domtotal.com/noticia/1430012/2020/03/tem-gente-gastando-pesado-para-propagar-fake-news-no-brasil-diz-presidente-da-cpi/

Blog da Cidadania – CPI das Fake News convoca empresários bolsonaristas, Disponível em: https://blogdacidadania.com.br/2020/03/cpi-das-fake-news-convoca-empresarios-bolsonaristas/

Veja -Jamais patrocinei ou produzi fake news contra o STF, diz Luciano Hang . Disponível em: https://veja.abril.com.br/politica/jamais-patrocinei-ou-produzi-fake-news-contra-o-stf-diz-luciano-hang/

Perfil Roberto Jefferson:

Twitter Roberto Jefferson – Foto com arma – Disponível em: https://twitter.com/blogdojefferson/status/1259084784694943751?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed%7Ctwterm%5E1259084784694943751&ref_url=https%3A%2F%2Fnoticias.uol.com.br%2Fpolitica%2Fultimas-noticias%2F2020%2F05%2F09%2Fnovo-aliado-roberto-jefferson-pede-a-bolsonaro-golpe-a-constituicao.htm

Câmara dos Deputados – Biografia Roberto Jefferson – Disponível em: https://www.camara.leg.br/deputados/73420/biografia

Senado – O homem que ama Roberto Jefferson – Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/63691/noticia.htm?sequence=1&isAllowed=y

Brasil 247 – Quem é Roberto Jefferson? Disponível em: https://www.brasil247.com/blog/quem-e-roberto-jefferson

Gaucha ZH – Roberto Jefferson ressurge em papel bolsonarista . Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/politica/noticia/2020/05/roberto-jefferson-ressurge-em-papel-bolsonarista-cka5qpndh00hc015n7zuo607v.html

PTB– Roberto Jefferson reconduzido a presidencia nacional do PTB – Disponível em: https://ptb.org.br/roberto-jefferson-e-reconduzido-a-presidencia-nacional-do-ptb/ 

G1– Roberto Jefferson denuncia esquema do mensalão – Disponível em: http://g1.globo.com/globo-news/jornal-globo-news/videos/v/roberto-jefferson-denuncia-esquema-do-mensalao/2054519/

Senado – EX-‘BISPO’ É ACUSADO DE TOMAR DINHEIRO NA ALERJ. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/393641/noticia.htm?sequence=1

Pânico – Entrevista Roberto Jefferson – Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TAo7JZmmyUk

PTB -Deus é Amor – Disponível em: https://ptb.org.br/leia-aqui-deus-e-amor-e-outros-comentarios-de-roberto-jefferson/

G1-Jornada Mundial da juventude . Disponível em: http://g1.globo.com/jornada-mundial-da-juventude/2013/noticia/2013/07/papa-francisco-chega-ao-brasil-para-jmj-em-sua-1-viagem-internacional.html 

PTB – Roberto Jefferson fala sobre os desafios que aguaram o Papa Francisco . Disponível em: https://ptb.org.br/roberto-jefferson-fala-sobre-desafios-que-aguardam-o-papa-francisco/

Conjur – Roberto Jefferson – Condenados do Mensalão recebem indulto – Disponível em: https://www.conjur.com.br/2016-mar-22/roberto-jefferson-condenados-mensalao-recebem-indulto

Folha de S. Paulo – Após defender Collore delatar Mensalão, Roberto Jefferson veste figurino bolsonarista. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/04/apos-defender-collor-e-delatar-mensalao-roberto-jefferson-veste-figurino-bolsonarista.shtml

Twitter Roberto Jeffersonhttps://twitter.com/blogdojefferson/status/1259080607323340801?ref_src=twsrc^tfw|twcamp^tweetembed|twterm^1259080607323340801&ref_url=https%3A%2F%2Fnoticias.uol.com.br%2Fpolitica%2Fultimas-noticias%2F2020%2F05%2F09%2Fnovo-aliado-roberto-jefferson-pede-a-bolsonaro-golpe-a-constituicao.htm

Folha de S. Paulo – Filha de Roberto Jefferson é alvo de operação contra fraudes em Ministério. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/06/filha-de-roberto-jefferson-e-alvo-de-operacao-contra-fraudes-em-ministerio.shtml

Instagram Roberto Jeffersonhttps://www.instagram.com/p/B_8frrBJU5c/?igshid=5aipy7txsezd

Instagram Roberto Jeffersonhttps://www.instagram.com/p/B_8fyjPJPjx/?igshid=7visucdnl6g1

Youtube – Roberto Jefferson fala da operação da PF – Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=5RtRIRbxJ68&t=440s

Youtube – Pingos nos is- Disponível em: https://www.youtube.com/channel/UCzjtGnD7qqeaHW3nvDVrjQA

Twitter PTB – Nota – Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/05/28/nao-fiz-ameacas-a-ninguem-diz-roberto-jefferson-sobre-apreensao-de-armas.htm

UOL – Não fiz ameaças a ninguém,diz Roberto Jefferson . Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/05/28/nao-fiz-ameacas-a-ninguem-diz-roberto-jefferson-sobre-apreensao-de-armas.htm

Gaucha ZH – Apoiadores de Bolsonaro realizam atos em Brasilia Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/politica/noticia/2020/05/apoiadores-de-bolsonaro-realizam-novo-protesto-em-brasilia-ckavbdehm003q015ndtk14pkk.html

Perfil Allan dos Santos:

Allan dos Santos – Biografia Allan dos Santos –Disponível em: :https://allanlopesdossantos.wordpress.com/about/

Church Militant https://www.churchmilitant.com/

Prometheo Libertohttp://libertoprometheo.blogspot.com/2015/01/o-verdadeiro-ecumenismo-jogado-na-nossa.html

Site “Terça Livre”https://www.tercalivre.com.br/colunista/allandossantos/

Youtube – Entrevista Eduardo Bolsonaro – https://www.youtube.com/watch?v=RUrhnFaxYpo&t=83s

Seminário Olavo de Carvalho https://www.seminariodefilosofia.org/

Twitter – Mídia e os evangélicos –https://twitter.com/allantercalivre/status/1076646540666646528

Twitter https://www.instagram.com/p/B5d0lcGAyof/?igshid=9mnq9blcnhnb&fbclid=IwAR3i3bVM_qGQhKof2seICWE5aS4c4qMNaPXNmQgycXgpXRnczfAgkjdYxT4

Youtube Terça Livre https://www.youtube.com/channel/UC7qK1TCeLAr8qOeclO-s39g

CONIB – Nota – https://www.conib.org.br/conib-denuncia-postagem-antissemita-no-twitter/

Agência Câmara de Notíciashttps://www.camara.leg.br/noticias/622252-joice-hasselmann-denuncia-milicia-e-gabinete-de-odio-na-disseminacao-de-fake-news/

Youtube – Depoimento Alexanre Frota – https://www.youtube.com/watch?v=SdRAmmPvxp8

Senado – Acusado de propagar notícias falsas alega liberdade de expressão – Disponível em: https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/cpmi-que-investiga-noticias-falsas-ouve-o-jornalista-allan-dos-santos

O Globo – Canais no Youtube que atacam STF e pedem intervenção militar receberam verbas estatais. Disponível em: https://blogs.oglobo.globo.com/sonar-a-escuta-das-redes/post/canais-no-youtube-que-atacam-stf-e-pedem-intervencao-militar-receberam-verbas-estatais.html

Istoé – A Mansão de Allan – https://istoe.com.br/a-mansao-de-allan/

Instagram – Allan dos Santos

Piauihttps://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-algoritmo-da-agora/

CNN -Allan dos Santos se defende e comara ministro Alexanre de Moraes com Hitler . Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/2020/05/27/allan-dos-santos-se-defende-e-compara-ministro-alexandre-de-moraes-a-hitler

Perfil Sara Winter

Facebook – foto Perfilhttps://www.facebook.com/oficialsarawinter/photos/a.148917918651997/609573465919771/?type=3&theater

Twitter Sara Winterhttps://twitter.com/_sarawinter

G1– Após romper com Femen da Ucrania , Sara Winter busca grupo antiviolência. Disponível em: http://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/noticia/2013/05/apos-romper-com-femen-da-ucrania-sara-winter-busca-grupo-antiviolencia.html

Site Sara Winter https://www.sarawinter.com.br/

Guiame – Sara Winter declara sua fé em Cristo – https://guiame.com.br/gospel/noticias/ex-feminista-sara-winter-declara-sua-fe-em-cristo-quem-diria-nao-para-jesus.html

Instagram – Sara com o terço – https://www.instagram.com/p/B9DM54hjfmx/?igshid=1qmfdsyb03bdz&fbclid=IwAR1uSXgXBm1CXpWYxASaYQalO-3CUd-gfTsppPWNSPkrN3D5VS1PCJfFZ3Q

G1 – Movimento mais Intolerante que já conheci – Disponível em: http://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/noticia/2016/03/movimento-mais-intolerante-que-ja-conheci-diz-ex-feminista-sara-winter.html

Zenit -Rezo o terço todo o dia que é uma coisa que não abro mão. Disponível em: https://pt.zenit.org/articles/sara-winter-rezo-o-terco-todo-o-dia-que-e-uma-coisa-que-eu-nao-abro-mao/

Istoé – A farsa a Guerrilheira – https://istoe.com.br/a-farsa-da-guerrilheira/

Veja – Ex feminista Saa Winter ganha documentário da própria vida. Disponível em: https://veja.abril.com.br/blog/radar/ex-feminista-sara-winter-ganha-documentario-sobre-propria-vida/

Congresso em Foco – MP pede desmobilização dos “300 do Brasil” e proibição de aglomerações em Brasília. Disponível em: https://congressoemfoco.uol.com.br/justica/ministerio-publico-processa-sara-winter-por-milicia-armada-bolsonarista/

BBC – Milicia Armada –Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52656771

O fator religioso inserido nos processos regionais de crise democrática: desafios e possibilidades

Artigo escrito para a Universidade Rafael Landivar, Guatemala. Traduzido por Ney Mezzadri Junior .

A democracia é um valor que se encontra em crise em níveis globais. Embora alçada como um baluarte político, seus fundamentos mais básicos encontram-se vazios de conteúdo. Os valores democráticos têm se transformado numa pragmática administrativa, com cada vez mais restrição de conteúdos em termos de direitos. Além disso, por momentos parece que a democracia é, inclusive, uma plataforma para apoiar e promover projetos constitutivamente antidemocráticos.

O Latinbarômetro¹ mostra, em suas últimas pesquisas (de 2010 até a presente data), como o apoio à democracia na região como sistema político tem perdido confiança por parte de seus cidadãos. São números que caem de 61% a quase 45%. Há, nesta sociedade, uma ilegitimidade, descrédito e falta de interesse pelos valores democráticos. Por outro lado, diferentes estudos (como o Índice de Transformação da Fundação Alemã Bertelsmann – indo além das diversas tendências ideológicas pelas quais sua ênfase analítica pode mudar) afirmam que nos últimos anos há um severo retrocesso nos indicadores de transparência democrática em muitos países da região (alguns comentam percentuais a partir de 71% dos governos analisados), que se projeta nos mais variados campos: liberdade de expressão e associação, inclusão da sociedade civil nos processos políticos, perseguição de jornalistas e atores sociais, corrupção, entre outros.

Mas o que quero enfatizar é o denominado fechamento do espaço cívico ou ambiente favorável.

“Para aqueles que não estão familiarizados/das com este conceito – diz a analista Gina Romero – o espaço cívico ou ambiente favorável é composto por aqueles fatores que permitem o livre desenvolvimento dos cidadãos e da sociedade civil, relacionando-se diretamente com as liberdades de expressão, manifestação pacífica e as de associação. Uma das características da crise democrática que estamos vivendo se encontra no fechamento do espaço cívico”.

(Romero 2020)

Há uma equipe global que efetua o monitoramento do espaço cívico no mundo, em um projeto chamado Monitor Cívico. O último informativo global emitido pelo CIVICUS, organização que lidera o monitor e do qual fazemos parte, como GEMRIP (Grupo de Estudios Multidisciplinarios sobre Religión e Incidencia Pública), indicava que em 2019, 40% da população mundial estava localizada em países onde seus espaços físicos são severamente reprimidos e perseguidos. O mais alarmante é que em 2018 a porcentagem era de 19%, ou seja, menos da metade.

Dentre as diversas análises que se fazem neste campo, os setores religiosos estão cada vez mais identificados como agentes fundamentais. As dinâmicas de obstrução promovidas por alguns grupos possuem relação com diversas frentes. Por um lado, a mobilização contra outros setores da sociedade civil, em nome da discriminação. Há uma articulação política de vozes religiosas para se oporem a políticas públicas inclusivas e à defesa da diversidade. Também notamos grupos fundamentalistas que através de mobilizações sociais, lobby político e meios de comunicação, promovem discursos de ódio. Por fim, existem práticas explícitas de perseguição a outros coletivos, minorias religiosas e inclusive vozes dissidentes dentro de suas próprias comunidades.

A pregunta é: por que alguns grupos religiosos se transformam em figurantes de tanta relevância neste contexto?

  • Primeiro, porque houve uma mobilização de diversos setores sociais que cresceram regionalmente durante os últimos vinte anos, exigindo agendas de reconhecimento e direitos humanos, atingindo áreas que historicamente se situam sob a égide do cuidado religioso, ou mais concretamente eclesial, no âmbito privado, e que agora são retomados para o espaço público e político. Esta mobilização não produziu um movimento pendular a nível social, mas gerou uma espiral de conflitos pela disputa de significados que historicamente (estamos falando de séculos) permaneciam sob a tutela da igreja como os da sexualidade, da compreensão da família, da administração dos gêneros e dos corpos.
  • Segundo, porque neste processo conflituoso, vários setores religiosos se manifestaram como uma voz de representação sócio-política, num contexto generalizado onde as vozes tradicionais da política (mais ainda, da política conservadora) se encontravam em crise em nível regional. Por fim, a mobilização de setores religiosos capitalizou e catalisou este vazio de representatividade em um ambiente de fortes tensões.
  • Terceiro, porque os grupos religiosos souberam trabalhar com muito mais profundidade os processos de sensibilização popular e assim alcançar as maiores camadas da sociedade do que os setores progressistas que promoveram estas políticas de reconhecimento. Neste sentido, considero que muito do retrocesso que hoje estamos vivendo na matéria de direitos humanos em nível regional é porque não houve, tanto nos movimentos sociais como nos governos que tiveram uma visão crítica e focada nos direitos, um processo de sensibilização, formação e mobilização social amplo, enquanto nos setores religiosos isso ocorreu (junto a outros, obviamente), e nos dias atuais alcançam grande visibilidade.

A presença destes setores religiosos dentro do espaço público democrático, então, ocorre de forma paradoxal, por não dizer contraditória em alguns momentos. Por um lado, apela-se para o discurso democrático para invocar o direito à participação, à legitimação como voz social para as reivindicações por certos projetos de lei ou pedido de anulação de outros. Mas ao mesmo tempo se apela para a liberdade de expressão e crença como desculpa para condicionar os direitos de outros setores da sociedade.

Este paradoxo poderia nos levar a pensar num divórcio ou tensão entre o democrático e o religioso – assim como apresentam alguns analistas políticos ou meios de comunicação – mas a realidade e a história nos mostram muitos outros rostos deste cenário. A história nos mostra que as religiões têm ocupado um lugar fundamental na promoção e defesa dos direitos humanos e civis em nossa região em diversas instâncias. Também sabemos de setores religiosos que têm se mobilizado em casos de violação de direitos humanos e ambientes democráticos, tanto na América Central como na Colômbia, Chile, Argentina, Uruguai, Brasil. Além disso, as próprias dinâmicas de muitas comunidades religiosas – com seus processos de integração, de mobilização comunitária, de articulação política, de reavaliação cultural – são espaços de valorização democrática.

A isto se levanta várias perguntas: os agentes religiosos são mobilizados num público intrinsecamente antidemocrático? Como pensar na relação entre religião e democracia a partir destes cenários paradoxais? Será uma relação em que possibilitará manter pontes de conexão ou o maior distanciamento possível? Como tem reagido os paradigmas de pensamento democrático nesta etapa? É possível pensar em outras formas de vinculação e outras maneiras em que o democrático aborde o tema religioso?

Se fizermos uma análise de como isto tem sido abordado a partir do pensamento democrático moderno, especialmente a partir do século XVII e o impacto da lógica pós-westfaliana e, principalmente, do Estado westfaliano por si (com suas noções de cidadania, territorialidade e nacionalismo), vemos uma série de fenômenos que ainda se mantêm e que continuam provocando certas tensões. É o tempo do afloramento da distinção entre o público e o privado, onde o religioso se confina ao segundo e com isso está fora de qualquer assunto “político”, entendendo por político os assuntos tanto institucionais como também a abordagem “comum”. Também iniciam os debates sobre como compreender o campo religioso como uma figura social e legal e como este se insere num marco constitucional e legal.

A realidade é que aqui se produz uma espécie de esquizofrenia, que carregamos até hoje. Além disso, em níveis político-institucionais e na teoria política moderna até o presente, o religioso é um elemento periférico na reflexão política. Já sobre o público, a realidade é que o religioso e especialmente a igreja nunca deixou de ser um personagem fundamental, tanto nas dinâmicas sociais como políticas. Assim, constitui-se uma espécie de divisão entre caminhos paralelos, que ora se encontram, ora se separam mais, e que também entram em tensão entre um pensamento e a prática política desvinculada do religioso e por um processo onde o pensamento teológico e a incidência eclesial se inscrevem em todas as esferas do público, inclusive na prática política.

Uma de minhas hipóteses é que precisamente a falta de confrontação desta “esquizofrenia” – ou seja, de como abordamos a real incidência do fator religioso no social e político – faz que hoje em dia o religioso seja uma matéria de forte tensão, já que são as forças hegemônicas que sempre tem manuseado essa relação as que tem maior preponderância, incidência e visibilidade, além de existirem poucas ferramentas políticas – tanto institucionais como teóricas – para abordar as problemáticas ora trazidas no momento em que grupos religiosos ferem espaços democráticos.

Quais têm sido e podem ser as respostas das diversas abordagens democráticas a esta problemática? Gostaria de falar de duas e propor uma.

A primeira tem relação com uma visão separatista. Aqui nos referimos à influência, ainda vigente do secularismo francês, que em nosso continente tem muito impacto na tradição política, que consiste na idéia em alcançar uma total separação entre o religioso e o sócio-político, tanto em termos jurídicos como institucionais. Isto se sustenta numa visão que exclui o fator religioso de qualquer incidência pública e o confina no privado.

Apesar de ser uma visão irreal – já que o religioso nunca deixou de ter uma importância pública, como pregaram as tradicionais teorias da secularização – implica em algumas dificuldades políticas, já que fecha as portas para a compreensão dos diversos tipos de vinculação entre o religioso e o político. Isto é, deixa livre esta “esquizofrenia” e com ela empodera os grupos hegemônicos de sempre para tomar o controle sobre a arena pública, sem permitir que, através de uma reflexão sobre as possíveis maneiras em que o religioso pode se relacionar com o público, traga consigo outras vozes e perspectivas, sejam conservadoras moderadas, críticas ou progressistas. O heterogêneo é sumamente variado e vai muito mais além de brancos e negros, e mais ainda de supostas posições homogêneas do campo religioso.

A segunda visão eu chamo de pluralismo pragmático. Aqui se reconhece a colaboração do religioso, o lugar central que tem as crenças na sociedade, como se chega a reconhecer a importância de construir certas pontes, a partir da lógica do pluralismo religioso. Mas no fundo, o religioso continua se mantendo com uma figura diferenciada dos demais agentes sociais, com um tipo de discursividade e de configuração identitária, que ao final nunca responderá às regras estabelecidas do debate público. No fundo, é uma visão que ainda mantém um prejuízo com o religioso.

Aqui me recordo do famoso debate entre Jürgem Habermas e Charles Taylor (Habermas y Taylor 2011). Habermas, a partir de sua noção do público como um espaço diferenciado do Estado, a economia e a família de onde se produzem mecanismos comunicacionais entre a cidadania em torno ao bem comum, levanta que as religiões tem muito que colaborar em termos de debates morais, mas devem fazê-lo a partir de um processo de capacidade de tradução, onde as religiões adaptem as mediações da “razão pública”, como uma linguagem que possibilita criar pontes entre a sociedade, os agentes políticos e as religiões a partir de certos consensos discursivos, fundamentados, isso sim, em critérios científicos legitimados socialmente.

Charles Taylor questionará a posição de Habermas em dois sentidos. Primeiro, criticará o certo ar eurocêntrico e racionalista no planejamento do alemão, dizendo que os discursos científicos e políticos são também subjetivos e que formam parte de uma comunidade particular, assim como são os religiosos. Ou seja, há no fundo uma preconcepção irracional sobre o religioso, e, portanto, limitado para participar politicamente. Segundo, também questionará o fato de que um grupo religioso não possa participar a partir de sua especificidade discursiva. Por que uma religião deve atravessar por tal processo de tradução e os demais grupos particulares não? Finalmente, o que afirma Taylor é que o que expõe a presença religiosa no espaço público não é tanto a legitimidade ou não de sua presença, mas a partir de qual chave a ser utilizada para a compreensão de sua participação.

Este debate, em termos teóricos, é muito interessante, e em muitos sentidos estou de acordo, já que o posicionamento de Habermas reflete o típico discurso politicamente correto da elite científica sobre a pluralidade, que ao final se inscreve num marco eurocêntrico e moderno, determinando que tipo de discurso é legítimo e qual não é; ou pior ainda, qual é aceitável por seu nível de “racionalidade”, a partir de uma visão colonialista.

Mas da mesma maneira, às vezes me preocupa que algumas situações cotidianas se desviam destas hipóteses. Os espaços religiosos saberão participar no espaço público a partir de uma chave plural? São conscientes que as demandas que se trabalham no público têm relação com o bem comum, e, portanto, que suas reclamações não apenas devem ser reativas, mas devem atender as demandas públicas? Estão realmente abertas a entender que um debate público parte da premissa da legitimidade do lugar do outro, da relatividade de cada posição e da centralidade do estabelecimento de princípios de governo e não através da imposição, mas do encontro de consensos?

Finalmente, eu gostaria de falar sobre como pensar o fator religioso a partir do conceito de democracia radical. A ideia de democracia radical tem dois objetivos fundamentais:

1) redefinir a distinção entre o público e político.

2) projetar as matrizes inerentes aos processos democráticos à luz dos cenários de mutação e multiplicação das identificações e subjetividades políticas na sociedade.

Uma das principais referências, Chantal Mouffe, destaca que a democracia tem mais uma dimensão de disputa de sentido, que vai mais além dos formalismos institucionais da democracia liberal (2012:36):

  • Precisamente é sobre estes elementos que a democracia liberal–compreendida a partir de suas diversas denominações: democracia constitucional, democracia representativa, democracia parlamentarista,democracia moderna – não implica somente na aplicação de um modelo ou de um conjunto de transformações na esfera empírica, mas também num reordenamento simbólico de como se compreendem as relações sociais. Ou melhor, que lugar ocupam os sentidos de conflito e divisão, de liberdade individual, de igualdade, de busca de consensos, entre outros.
  • Logo, afirma: “O objetivo de uma política democrática, portanto, não erradicar o poder, mas multiplicar os espaços onde as relações de poder estarão abertas à contestação democrática” (Mouffe, 1999:24). Mouffe também levanta que o papel do Estado laico nunca é “neutro”, no sentido que não toma uma única posição. Precisamente, sua neutralidade é desafiada na medida que possibilite a entrada de mais vozes.

Uma democracia radical nos permite pensar os seguintes elementos com respeito ao fator religioso:

1 – Não nega o lugar social das religiões, mas, pelo contrário, compreende as vozes religiosas como uma contribuição fundamental ao debate político dentro de um entendimento plural do espaço público, pelo qual as perspectivas religiosas são aceitas no processo hermenêutico ora formado em qualquer sociedade, neste “reordenamento simbólico”. Doravante, aceita o aporte identitário das religiões ao debate público.

2 – Permite-nos pensar no sentido de pluralidade religiosa como uma maneira de confrontar as vozes e perspectivas hegemônicas dentro do espaço público, e o papel que possuem tanto Estado como os espaços políticos e a sociedade civil em promovê-lo.

Para terminar, e regressando ao que falamos inicialmente sobre as vozes religiosas e as dinâmicas antidemocráticas que vemos hoje em dia, gostaria de finalizar com algumas propostas para refletirmos e debatermos:

1 – A maneira mais estratégica de confrontar as vozes religiosas antidemocráticas não é remover o religioso da cena; pelo contrário, é potencializar sua riqueza. As vozes religiosas antidemocráticas constroem uma imagem falsa da fé, como se os religiosos estivessem ligados a uma agenda valiosa ou a um privilégio que não habilita a diversidade e ao diálogo. Por isso, hoje o desafio se encontra em vislumbrar a pluralidade de nossas religiões; não apenas em termos e expressões identitárias, mas também a mostrar a diversidade dentro de cada expressão.

2 – Temos o grande desafio e um grande caminho por fazer, em torno a uma séria reflexão sobre os padrões e indicadores político-institucionais da laicidade. Hoje os conceitos de estado laico e de liberdade religiosa estão enquadrados num forte processo de disputa por sua definição. Por um lado, setores religiosos o utilizam para empoderar um privilégio e para fechar outros direitos em nome da liberdade de expressão. Por outro lado, algumas vozes políticas tradicionais tentam levar ao extremo de prosseguir em desprezar as religiões como uma voz ilegítima dentro do espaço público, pensando que com isso se solucionam os problemas da presença do fundamentalismo religioso. Para isso, precisamos pensar em leis de liberdade religiosa e em políticas públicas que promovam a pluralidade de crenças e espiritualidades, para fazer de nossos ambientes democráticos espaços onde se reconheçam as vozes e se conteste o sentido além das vozes hegemônicas mais reconhecidas.

3 – Finalmente, devemos promover processos de mobilização e sensibilização em diversas frentes: no próprio campo político e seus reducionismos ou ignorâncias sobre o campo religioso; nos movimentos sociais e nas organizações de sociedade civil, sobre as possibilidades que existem em articular agendas com outras vozes religiosas para contestar olhares antidemocráticos; e nas próprias comunidades religiosas, para que se entenda que uma hermenêutica teológica é intrinsecamente uma hermenêutica política com o intuito de construir mediações teológicas que nos permitam colaborar, não à reação ou defesa de visões particulares, mas à construção de agendas pelo bem comum que convoquem à diversidade de olhares presentes.

Há umas semanas falava sobre estes temas com um cientista político, que me dizia: “neste campo, o problema já não é entre direita e esquerda, progressistas e conservadores, mas da presença da democracia ou da sua ausência”. Oxalá que como espaços religiosos possamos ter sensibilidade suficiente para pensar na chave democrática, em nosso compromisso com a sociedade, como também com a diversidade que nos compõe.

***

Citações:

[1] Trata-se de uma empresa de direito privado sem fins lucrativos, situada em Santiago, Chile, responsável pela realização do estudo Latinbarômetro, tanto na execução do projeto quanto na distribuição de dados. Esta pesquisa em por objetivo a observação do comportamento de democracias, economias e sociedades a partir de métricas como atitude, opinião e comportamento.  < http://www.latinobarometro.org/lat.jsp> Acesso em 16/05/2020.

Habermas, Jürguen e Taylor, Charles (2011) “Diálogo entre Jürguen Habermas y Charles Taylor” En Mendieta, Eduardo y Vanantwerpen, Jonathan, eds. El poder de la religión en la esfera pública. Madrid: Trotta. 61-68

Mouffe, Chantal (1999) El retorno de lo político. Comunidad, ciudadanía, pluralismo, democracia radical. Buenos Aires:Paidós

(2012) La paradoja democrática. El peligro del consenso en la política contemporánea. Buenos Aires: Gedisa

Romero, Gina (2020) “Democracia en América Latina. Descontentos y despertares”. Texto inédito.

Ler a Bíblia em tempos de pandemia

Originalmente publicado na Agência Ecumênica de Comunicação em 14 de Abril de 2020*

Pronunciamento de biblistas argentinos/as em relação à COVID-19

Não há uma organização específica de nossa parte. Somos estudiosos/as da Bíblia que trabalharam juntos em algum momento, que compartilham espaços e preocupações, trocam referências e trabalham espontânea e ecumenicamente. Nessa ocasião, surgiu a preocupação de, juntos, dizermos algo sobre o uso infeliz que alguns fazem da Bíblia.

“Penso novamente em meu coração algo que me dá esperança: que o amor do Senhor não acabou, nem a sua compaixão se esgota.” (Lm 3, 21-22).

Vivemos em tempos sem precedentes. A experiência de vulnerabilidade e contingência passa por nós. Em muitas ocasiões, passamos por nossa vida cotidiana como se esta fosse somente uma sucessão de perdas. O vírus SARS-CoV-2 (coronavírus) nos impôs uma extraordinária percepção e uma experiência da realidade pessoal, comunitária, local e global.

Nesses tempos de pandemia, temos ouvido e assistido reflexões intermináveis vindas de uma ordem diferente em meio à confusão e ao medo. Muitas delas, de natureza religiosa, são atravessadas ​​por visões simplistas, dualistas, espiritualistas e em perspectivas de punição, condenação, mérito e salvação. Elas apresentam versículos bíblicos, independentemente de seus contextos e história, e assim, provocam o que parece mais uma atitude mágica do que uma audição serena à experiência comunitária da palavra de Deus endereçada ao seu povo.

Na qualidade de estudiosos/as da Bíblia, que se reúnem em torno de uma leitura social da Bíblia, não podemos deixar de nos manifestar diante de tais interpretações. Doença e morte fazem parte de nossa condição humana. Uma condição que não pode ser pensada como consequência de qualquer punição, mas sim na recepção aberta ao que é, simplesmente. É sob essa condição que desenvolvemos nossa existência. E sob essa condição nos ligamos aos outros, à divindade, ao cosmos.

De nossa herança cristã, afirmamos ainda que, qualquer discurso que surja em virtude de intervenções milagrosas prometidas em troca de ofertas “voluntárias” contradiz o centro da fé judaico-cristã:

É na humanidade e em seus processos que Deus se manifesta amorosamente, livre e livremente e, ainda, na percepção compreensível de sua ausência nascida da dor. Hoje vale a pergunta, onde está Deus?

A vulnerabilidade de nossa condição exige, então, o fortalecimento daqueles que cuidam daqueles que mais precisam. Nesse sentido, acreditamos que o Estado, como forma de relação social, desempenha papel fundamental, essencial e inalienável. As políticas neoliberais que nos atingiram geraram uma lacuna social insuperável. Sob essa perspectiva, a sobrevivência não é possível. Os exemplos internacionais que temos ao nosso alcance são claros.

Incentivamos qualquer organização social que proteja a vida. Acreditamos que a Ciência, em colaboração entre países e como política estatal de primeira linha, é o caminho que nos levará a superar a situação que nos chama.

Finalmente, teimosamente exercitamos a esperança. Consideramos que a crise causada por essa pandemia, que põe sob questionamento a ordem mundial, nossas relações humanas e nossas interações no meio ambiente, é uma oportunidade de sonhar e se recriar como uma nova humanidade.

Texto assinado por:

Pablo Ferrer
Andrea Hojman
Eduardo de la Serna
Maria Luján Manzotti
Eleuterio R. Ruiz
Pablo Álvarez Liz
Mercedes Garcia Bachmann
Raúl Emilio Vera
Constance Levaggi
Graciela Dibo
Zoraida Carolina Insfrán
Nestor Míguez
Juan José Barreda Toscano
Jerónimo Exposito
Edgar Amado Toledo
Flavia Soldano Deheza
Maria de Los Angeles Roberto

Fonte da imagem: Design vector created by freepik – www.freepik.com

É enganosa a informação do ministro Weintraub de que cientista não teve bolsa cortada

O Ministro da Educação, Abraham Weintraub, publicou em seu perfil no Twitter, em 1° de abril, um print de nota do portal da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), com título – “O estudante Ikaro Alves de Andrade não é bolsista da CAPES”.

A declaração se refere a uma notícia que circula na imprensa sobre o biomédico Ikaro Alves de Andrade, aprovado em 1º lugar para o Doutorado em Biologia Microbiana da Universidade de Brasília (UnB). O estudante corre o risco de não conseguir continuar os estudos por causa dos cortes promovidos pela pasta da educação.

O cientista estudava o sequenciamento genético dos casos de coronavírus no Distrito Federal, mas recentemente ficou sabendo que seus estudos foram ameaçados devido ao fato de o Programa de Pós-Graduação não ser mais contemplado com bolsas para os estudantes.

Isso aconteceu após a publicação da Portaria n° 34, de 18 de março, que altera os critérios de distribuição de bolsas de pós-graduação e permite cortes de até 20% em programas nota 7, e até 50% nos programas nota 3 (nota mínima para o funcionamento de um programa).

O Programa de Pós-graduação em Biologia Microbiana (PGBM), no qual Ikaro é aluno, existe há sete anos, é recente, e só foi avaliado pela Capes uma vez, tendo obtido nota 4.

Em nota, depois que o caso de Ikaro foi noticiado na imprensa, a Capes anunciou uma ação emergencial de combate ao coronavírus – o Programa de Combate às Epidemias, que “concederá adicionalmente 900 bolsas de mestrado e doutorado para os programas com nota 5, 6 e 7”. Por causa da nota 4, o programa de Ikaro e sua pesquisa sobre o Covid-19 não serão beneficiados.

Depois de pressionada pela comunidade acadêmica de todo o país,  a Capes admitiu no Ofício Circular 06/2020 enviado às universidades que um erro no novo modelo de concessão de bolsas ocasionou em cortes de seis mil bolsas no sistema (Portaria 34). Mesmo admitindo o erro, a instituição se negou a apresentar o quadro geral de distribuição das bolsas.

A PORTARIA 34

A Portaria 34 é um documento legislativo instituído pela Capes, publicada dia 9 de março de 2020, que “dispõe sobre as condições para fomento a cursos de pós-graduação stricto sensu pela Diretoria de Programas e Bolsas no País da CAPES”.

Entre as implementações chanceladas na Portaria destaca-se o artigo 5º no qual fica vedado o fomento aos cursos que estão no primeiro ano de seu funcionamento; no mesmo ano da homologação de alteração da modalidade profissional para acadêmico presencial; cujas as três últimas notas da Avaliação forem iguais a 3 (três); ou  partir do momento em que for deferido pedido de alteração da modalidade do curso de acadêmico para profissional presencial ou à distância. E o artigo 8º, que apresenta as questões que se se referem a movimentação nas distribuições de bolsas que acarretou situação apresentada neste artigo, e será apresentado à seguir:

Art. 8º Fica determinada a revisão dos pisos e dos tetos da redistribuição de bolsas definida pelas Portarias nº 18, nº 20 e nº 21, de fevereiro de 2020, de modo a conferir maior concretude à avaliação da pós-graduação e maior prioridade aos cursos mais bem avaliados, cujo resultado final deverá obedecer aos seguintes limites:

I – diminuição não superior a 50% (cinquenta por cento), para cursos cujas duas últimas notas forem iguais a 3 (três), vedado qualquer acréscimo;

II – diminuição não superior a 45% (quarenta e cinco por cento), para cursos cuja nota atual for igual a 3, vedado qualquer acréscimo;

III – diminuição não superior a 40% (quarenta por cento) ou acréscimo limitado a 10% (dez por cento), para cursos cuja nota atual for igual a 4;

IV – diminuição não superior 35% (trinta e cinco por cento) ou acréscimo limitado a 30% (trinta por cento), para cursos cuja nota atual for igual a 5;

V – diminuição ou acréscimo a 10% (dez por cento), para cursos de nota A ou de nota 3 ainda não submetidos a processo de avaliação de permanência;

VI – diminuição superior a 30% (trinta por cento) ou acréscimo a 70% (setenta por cento), para cursos cuja nota atual for igual a 6;

VII – diminuição não superior 20% (vinte por cento), para cursos cuja nota atual for igual a 7, sem limitação de teto.

As informações apresentadas acima demonstram as possibilidades de remanejamento de recursos nos programas de pós-graduação baseados na pontuação atual ou agregada durante os últimos anos. Cabe ressaltar que a avaliação que origina tal pontuação acontece a cada quatro anos.

Esta Portaria tem sido veementemente rechaçada pelos reitores das universidades do País, o que ocasionou uma ação no dia 03 de abril, do Ministério Público para que a Capes a suspenda. A Procuradoria da República argumenta que o ato mudou “de forma abrupta” processos de concessão em andamento e que há danos para projetos de pesquisa e também para inúmeros estudantes.

Em 6 de abril o Fórum Nacional de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação (FOPROP) divulgou uma nota manifestando-se contra as ações de cortes de bolsas da Capes, “realizadas sem diálogo e sem transparência”. O Fórum declara ainda que “não houve qualquer consulta aos reitores sobre a concessão de bolsas em caráter emergencial para a área de saúde em combate à pandemia do coronavírus“. Segundo os reitores, “falta transparência “para explicar à comunidade acadêmica os critérios de distribuição dessas bolsas ‘emergenciais”.

Declaração da CAPES sobre o caso Ikaro Alves de Andrade

A nota publicada pela CAPES, em 1 de abril, compartilhada pelo ministro Weintraub, no Twitter, diz o seguinte:

“O estudante Ikaro Alves de Andrade não é bolsista da CAPES

Sobre a informação que está circulando na imprensa e nas redes sociais, a CAPES esclarece que:

O estudante Ikaro Alves de Andrade não é bolsista da Coordenação. Portanto, não teve sua bolsa “cortada”. Ele pode ter sido selecionado pelo programa de Biologia Microbiana da Universidade de Brasília (UnB), mas o curso, pelos critérios do Modelo de Distribuição de Bolsas, teve redução do quantitativo de benefícios.

O curso tem nota 4 – numa escala de 3 a 7 – na avaliação da CAPES e seu nível de titulação está abaixo da média nacional. Mesmo sem a edição da portaria 34, pelos critérios do Modelo ele não poderia incluir novos bolsistas.

O Programa de Combate às Epidemias, que será lançado pela CAPES em uma das ações emergenciais, concederá adicionalmente 900 bolsas de mestrado e doutorado para os programas com nota 5, 6 e 7, dentro da grande área de conhecimento do Colégio da Vida. Outra ação do Programa é o lançamento de um edital para submissão de projetos que não restringirá a nota dos cursos proponentes uma vez que a aprovação será por análise de mérito.

Reforçamos que não houve cortes de benefícios no total geral da concessão de 2020, mas sim um aumento de 3.386 bolsas na pós-graduação brasileira. A Portaria 34 não mudou os indicadores do Modelo publicados anteriormente e o estudante que tem bolsa continuará recebendo normalmente o recurso até o final de sua vigência.”

O que os fatos demonstram é que, apesar de não ter havido redução da quantidade total de bolsas de pesquisa concedidas pela Capes, houve remanejamentos dos benefícios entre os cursos, baseando seus novos critérios de distribuição implantados pela Portaria 34. Em uma dessas movimentações, a bolsa que estava aprovada para o estudante Ikaro Alves de Andrade no Programa de Pós-Graduação em Biologia Microbiana da UnB foi cortada pela Capes, como ação da Portaria 34, e a pesquisa sobre o novo coronavírus que ele desenvolvia foi afetada.

O Coletivo Bereia conclui que a nota da Capes divulgada pelo ministro Weintraub é enganosa pois não admite que Ikaro Alves de Andrade fosse bolsista da Capes, quando, de fato, o estudante teve a bolsa que lhe foi concedida para as pesquisas no Programa da UNB cortada, por aplicação da Portaria 34, publicada em março, quando os Programas de Pós-Graduação já haviam distribuído as bolsas disponíveis e o semestre letivo estava em andamento.

Referências de Checagem:

BBC – O cientista que perdeu a bolsa de pesquisa enquanto estudava o novo coronavírus. Disponível em: https://bbc.in/39PST5k

CAPES – O estudante Ikaro Alves de Andrade não é bolsista da CAPES. Disponível em: http://capes.gov.br/36-noticias/10240-o-estudante-ikaro-alves-de-andrade-nao-e-bolsista-da-capes

CORREIO BRASILIENSE – Cancelamento de bolsas afeta doutorando da UnB que estuda coronavírus. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/eu-estudante/ensino_posgraduacao/2020/04/01/interna-posgraduacao-2019,841272/cancelamento-de-bolsas-afeta-doutorando-da-unb-que-estuda-coronavirus.shtml

TERRA – O cientista que perdeu a bolsa de pesquisa enquanto estudava o novo coronavírus. Disponível em: https://www.terra.com.br/noticias/coronavirus/o-cientista-que-perdeu-a-bolsa-de-pesquisa-enquanto-estudava-o-novo-coronavirus,b99ac48f16df90d2dc3be45a1e3d505em90noh4m.html

CAPES – Programa de Combate às Epidemias. Disponível em: https://www.capes.gov.br/bolsas/programas-estrategicos/programas-emergenciais/programa-de-combate-as-epidemias 

FOLHA – Capes admite erro que cortou 6.000 bolsas após criar novo modelo de concessão. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2020/04/capes-admite-erro-que-cortou-6000-bolsas-apos-criar-novo-modelo-de-concessao.shtml

CAPES – Portaria nº 34, de 9 de Março de 2020. Disponível em: http://cad.capes.gov.br/ato-administrativo-detalhar?idAtoAdmElastic=3443

FOLHA – Procuradoria entra na Justiça para Capes revogar portaria que levou a corte de bolsas de pesquisa. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2020/04/procuradoria-entra-na-justica-para-capes-revogar-portaria-que-levou-a-corte-de-bolsas-de-pesquisa.shtml 

O jejum como mal estar

A “santa convocação” para um jejum nacional no próximo domingo, 5 de abril, tem um caráter político e religioso. Óbvio. A figura que ocupa a Presidência da República aparece no cartaz de divulgação como aquele que convocou a jejuada santa.

Parece-nos que essa figura se colocou – ou foi colocado – como líder dos evangélicos que ainda o apoiam. E inaugura, desse modo, uma novidade em sua catastrófica gestão: a de um “sacerdote em chefe”. Ou seja, a síntese ideal de um líder ao mesmo tempo político, militar e religioso. Um quase semi deus fake.

 A questão não é o jejum em si. Muito menos a oração. Estas são práticas permanentes da espiritualidade cristã. Não precisa nem convocar, pois a oração é como a própria respiração. E não são somente cristãs. Evangélicos, católicos e fiéis de outros credos, certamente, nesse momento em que passamos, estão buscando forças, conforto e sentido a partir de suas crenças e convicções. E, se há uma palavra pastoral para esse momento em que vivemos é esta: Deus está falando à humanidade e também está ouvindo e agindo. A homilia de Francisco nos disse que Ele está no barco conosco.

A mobilização religiosa de amanhã se dá em um momento em que o apoio dos evangélicos ao atual (des)governo está tecnicamente empatado em 37% de aprovação e 35% de desaprovação. O que indica uma acentuada queda deste segmento religioso que já chegou aos 60% de aprovação! Ou seja: parte dos evangélicos também têm bom senso.

O estulto presidente – estulto no sentido bíblico que a literatura sapiencial nas escrituras atribui1 –, busca garantir o que lhe resta de apoio, valendo-se do velho artifício de apropriar-se da religião como instrumento de legitimação. Ou de sobrevivência de um poder em declínio e descrédito.

Sem partido, sem congresso, sem STF, sem boa parte dos ministros, sem os militares, sem boa parte da classe média e sem a mídia de peso. Resta-lhe o grande capital, os bancos, os 1% mais ricos em bilhões de reais e as lideranças religiosas eticamente ambíguas e avarentas. Ele pode ter uma religião ao seu lado, mas não a verdade do que é sagrado.

Fiquemos com Isaías, profeta do século VIII a. C. Os profetas são como os historiadores, incômodos demais, falam coisas que ninguém quer se lembrar e falar, causam mal-estar. Pois Isaías apregoou um tipo de anti jejum que ultrapassava a mera performance religiosa de uso político. É esse o jejum que cristãos deveriam convocar, e não uma demonstração religiosa de exteriorização ou cooptação política. Assim nos diz esse profeta no capítulo 58, versos 5 a 7:

“Será esse o jejum que escolhi, que apenas um dia o homem se humilhe, incline a cabeça como o junco e se deite sobre pano de saco e cinzas? É isso que vocês chamam jejum, um dia aceitável ao Senhor? O jejum que desejo não é este: soltar as correntes da injustiça, desatar as cordas do jugo, pôr em liberdade os oprimidos e romper todo jugo? Não é partilhar sua comida com o faminto, abrigar o pobre desamparado, vestir o nu que você encontrou, e não recusar ajuda ao próximo?”

Prefiro ficar com Jesus, outro a causar mal-estar nos religiosos. Ele sugere que o jejum seja sem propaganda e sem manipulação estética de uma espiritualidade que não existe. Vejamos Mateus 6.16 a 18:

“Quando jejuarem, não mostrem uma aparência triste como os hipócritas, pois eles mudam a aparência do rosto a fim de que os homens vejam que eles estão jejuando. Eu lhes digo verdadeiramente que eles já receberam sua plena recompensa.
Ao jejuar, ponha óleo sobre a cabeça e lave o rosto,
para que não pareça aos outros que você está jejuando, mas apenas a seu Pai, que vê no secreto. E seu Pai, que vê no secreto, o recompensará.”

Assim, propomos um anti jejum no domingo próximo. Vamos orar e até ficar sem comer se assim optarmos, mas sem nada dizer, demonstrar, simular e insinuar. Ninguém tem o direito de se apropriar e manipular a espiritualidade.

Vamos nos solidarizar com os que pisam nos esgotos e ficam infectados, com os idosos que são preciosos em suas experiências de vida, com os profissionais de saúde que lidam diretamente com o vírus, com muitas pessoas que estão sós no isolamento, com o meio ambiente que está descansando da humanidade nessa quarentena ecológica, com a família de Zezico Rodrigues Guajajara um líder indígena assassinado essa semana no interior do Maranhão.

Jejum, nesse momento, chama-se solidariedade, distribuição de renda, sistema de saúde digno e recursos para pesquisa científica.

E ficar em casa!

1. Insensato, tolo, néscio, não sabe escutar, fala sem respeito e bom senso, de ateísmo prático, não aprende provocando danos, calúnias e prejuízos. Ec 2.15; Pv 10.13,14,18,23; 13.16; 15.7,21; 17.10,21; 18.13; 19.29; 26.11; 27.22; 29.20; Sl 14.1; 92.6. Ver tb: Eclesiástico 22.14; Mt 7.26, Lc 12.16.

Fonte imagem em destaque: https://bit.ly/348lCRm

Coronavírus e igreja: uma dupla que não é fantasia

Diante do quadro de pandemia do coronavírus, bispos católicos e pastores/as de várias igrejas ao redor do Brasil recomendam medidas de prevenção para evitar a proliferação do vírus.

Os bispos do Paraná publicaram uma nota com várias orientações de prevenção ao coronavírus, que já possui 6 casos confirmados no Estado. Os casos da dengue já ultrapassaram 50 mil, com 7 mortes desde julho de 2019.

Leia a nota na íntegra:

ORIENTAÇÃO DOS BISPOS PARA A PREVENÇÃO DA DENGUE E DO NOVO CORONAVÍRUS

“Viu, sentiu compaixão e cuidou dele” (Cf. Lc 10, 33-34)

O estado do Paraná está enfrentando o grave problema da epidemia da Dengue. A situação, especialmente na região Norte e Noroeste do estado é grave e preocupante. O verão e a chuva favorecem o desenvolvimento do mosquito Aedes Aegypti, transmissor da doença.

Como Igreja, comprometida com a Vida, que é “Dom e compromisso”, nós, bispos do Paraná, queremos convocar todo o povo para adotar medidas de prevenção e combate a essa grave doença. Estudos já revelaram que o modo mais eficaz de combater a Dengue é eliminar os criadouros do mosquito.

Diante dessa realidade, pedimos a colaboração dos sacerdotes, lideranças, fieis e de todas as pessoas de boa vontade que valorizam a vida, para combater os focos de acúmulo de água parada. Para isso, vamos eliminar qualquer recipiente de potencial criadouro do mosquito, como: latas, embalagens, copos, plásticos, tampinhas de refrigerante, pneus, vasos de plantas, jarros de flores, garrafas, tambores, latões, sacos plásticos e lixeiras, entre outros. Verifique sempre, especialmente após a chuva, locais como: quintais, calhas, ralos, poços, fossas, caixas d’água, entre outros.

Cerca de 98% dos focos do mosquito Aedes Aegypti estão nos quintais, pátios e ambientes internos das casas e empresas. A Dengue é uma doença que pode matar, por isso é preciso que cada um faça a sua parte, assumindo a atitude evangélica do Bom Samaritano, que cuidou daquela vida que encontrava-se ameaçada. 

Além dessa realidade que tem afetado diretamente nosso povo, o mundo enfrenta mais um desafio: a difusão do novo CORONAVÍRUS (COVID-19). Assim como no caso da Dengue, todos têm responsabilidade de evitar as situações e circunstâncias que possibilitam o contágio. Por isso, recomendamos algumas medidas às paróquias e comunidades do Paraná:

1. Evitar o aperto de mãos durante a acolhida aos fiéis;

2. Não dar as mãos durante a oração do Pai nosso;

3. Omitir o abraço da paz;

4. Distribuir a comunhão somente sob uma espécie, exclusivamente, na mão, garantindo que o fiel comungue diante do ministro;

Acrescentamos, ainda, as “medidas de prevenção”, recomendadas pelas autoridades sanitárias:

1. Higienizar as mãos, muitas vezes, com água e sabão ou álcool em gel;

2. Utilizar lenço descartável para higiene nasal;

3. Proteger com lenços (preferencialmente descartáveis a cada uso) a boca e o nariz ao tossir ou espirrar;

4. Evitar tocar no nariz ou boca, após o contato com superfícies;

5. Manter os ambientes bem ventilados;

6. Repouso, alimentação balanceada e ingestão de líquidos.

Vivendo a Campanha da Fraternidade deste ano, Fraternidade e Vida: Dom e Compromisso, contamos com a ajuda de todos no combate e prevenção dessas doenças. Que essa Quaresma nos inspire a ser uma Igreja cada vez mais samaritana, misericordiosa e que cuida da vida. Rogamos para todos a bênção e a proteção de Nossa Senhora do Rosário do Rocio, padroeira do estado do Paraná.

Dom Geremias Steinmetz
(Arcebispo de Londrina e Presidente do Regional Sul 2 da CNBB)

Dom José Antônio Peruzzo
(Arcebispo de Curitiba e Vice-Presidente do Regional Sul 2 da CNBB)

Dom Amilton Manoel da Silva
(Bispo Auxiliar de Curitiba e Secretário do Regional Sul 2 da CNBB)

Padre Valdecir Badzinski
(Secretário executivo do Regional Sul 2 da CNBB)

O pastor Ed René Kivitz da Igreja Batista de Água Branca, localizada em São Paulo, anunciou na noite da última quinta, 12, que a igreja iria atender as orientações das autoridades do país e em especial as orientações dos profissionais da saúde, infectologistas, especialistas, no esforço global de contenção da disseminação do vírus.

Leia o comunicado:

COMUNICADO

Em atenção às notícias a respeito da proliferação do novo coronavírus e às orientações dos especialistas e das autoridades competentes, comunicamos que no período de 13 a 19 de março todas as programações presenciais, inclusive as celebrações do domingo, 15 de março, estão canceladas.

Somamos esforços na contenção da disseminação do vírus, em razão do nosso compromisso de cuidado, não apenas com nossos membros e frequentadores, como também com nossa cidade e sociedade.

Carlos Bezerra

Coletivo Bereia conversou com o médico e pastor, Carlos Bezerra, atualmente secretário executivo do Programa Mãe Paulistana, sobre o cenário da doença no país.

Confira:

1 – Quais as consequências que a igreja deve sofrer caso não adote as orientações dos profissionais da saúde?

Carlos Bezerra – O dever da igreja é orientar, usando as informações oficiais das autoridades de saúde. Ao não fazer isso coloca em risco a saúde do seu rebanho. O coronavírus já matou mais de 5 mil pessoas ao redor do mundo. Ele é altamente transmissível e a igreja precisa fazer seu papel de prevenção. Quanto maior o número de pessoas que não estão cientes e informadas sobre os cuidados que devem ter, maior o risco.

2 – Como pastor e médico, qual sua orientação frente à epidemia?

Carlos Bezerra – Eu tenho falado sobre o assunto tanto dentro da igreja como em minhas redes sociais, sempre com a responsabilidade de mencionar apenas dados confirmados pelas autoridades nacionais e internacionais. Em casos assim, devemos trabalhar para evitar o pânico e a disseminação de notícias falsas, mas sem deixar de levar, com serenidade, os cuidados que devemos ter para prevenir a doença.

Ministra afirma em entrevista que há risco de legalização da pedofilia no Brasil

Em entrevista ao Correio Braziliense/Estado de Minas, a Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, defendeu que a nova campanha do governo pela abstinência sexual na adolescência é uma tentativa de combater a ”legalização da pedofilia”.

A entrevista abordou outros temas referentes à sexualidade, aos direitos de imigrantes e de idosos, bem como o futuro político da ministra. No entanto, o tema da pedofilia foi o mais enfatizado por Damares Alves nas respostas, como indicam os trechos a seguir:

CB – A senhora pretende mudar o comportamento sexual dos brasileiros?

Damares Alves – … O Unicef apresenta o relatório da idade média de iniciação do sexo no Brasil: menina está com 13,9 anos, e menino, 12,4 anos. Imaginem comigo: o Código Penal Brasileiro fala que é estupro transar com uma criança com menos de 14 anos. A idade média do sexo caiu para 12. Aí, nós temos uma proposta no Senado, o PLS 236/2012, para diminuir, no Código Penal, a idade do consentimento para 12. E, isso, quando a idade (média de iniciação do sexo) ainda era 13. Já caiu para 12. Está lá no relatório do projeto de lei. O relator rejeitou, manteve 14. Mas nem foi apreciado o voto do relator nem foi apreciado o projeto inicial. Eu saí do Senado em dezembro de 2018. Nos corredores, já se falava, entre assessores, da possibilidade de apresentar uma emenda para diminuir para 10 (a idade do consentimento). O que se faz com isso? Legaliza-se a pedofilia. Então, eu preciso reagir.

CB – Por que a senhora discorda da crítica? 

Damares Alves – Chega a ser hipócrita dizer que isso é assunto de família. Com a família desfuncional que nós temos aí, gente! Com a família que não fala. Nós vamos ter que conversar com os adolescentes. Não é uma imposição. Talvez, a resistência a essa minha proposta seja por eu ser pastora. Talvez, se estivesse sentada aqui no meu lugar uma médica ginecologista falando “nós vamos conversar com os meninos para retardar a idade da iniciação sexual”, todo mundo estivesse aplaudindo. Mas, o problema é que acham que eu quero impor uma conduta moral religiosa. Longe disso. Estou falando de biologia. Estou falando de saúde pública. Estou falando do risco que está por trás de tudo isso: a legalização da pedofilia no Brasil.

CB – Qual a saída para esse cenário?

Damares Alves – O que eu quero dizer é o seguinte: ou me apresentem outra alternativa e eu esqueço de falar em retardar a relação sexual, ou me deixem tentar. Outros países estão tendo esse diálogo com os meninos. Já existem nações onde isso é política pública. “No Brasil, a senhora vai instituir política pública?”. Não precisa ser política pública. É convidar os professores para acrescentarem uma frase ao que eles já estão fazendo. É só isso. Não sei para que tanto barulho. Na verdade, acho que sei. Se as meninas começarem a ter as relações sexuais mais tarde, nós teremos menos aborto no Brasil também. Aí a indústria do aborto, que tanto quer aprovar o aborto no Brasil, vai ter menos número para apresentar. Nós temos outros agentes por trás de tudo isso, inclusive o movimento pró-pedofilia. Esse movimento é forte. Na Holanda, tentaram montar um partido de pedófilos. Esse movimento é mundial.

CB – Como a indústria do aborto e grupos ligados à pedofilia agem no Brasil?

Damares Alves – Somos o maior produtor de imagens com pornografia infantil. São 17 mil sites produzidos no Brasil, alimentando o mundo com pedofilia. Tem muito dinheiro envolvido. Não pensem que pedofilia é um abusador da esquina que está bêbado, um vovô-gagá que está ali pegando a menina. É um mercado. Tem crime organizado, poderoso.

CB – O ministério está em cooperação com a PF para esse tipo de crime?

Damares Alves – Vinte e quatro horas. E neguinho que se cuide. A gente vai pegar todo mundo. Não sei se vocês acompanham o meu Instagram, por favor, me acompanhem. Eu sou a ministra pop… Postei uma mensagem sobre uma menina de 14 dias estuprada no hospital de Breves (PA).  Antes, tinha postado uma matéria a respeito de uma menina de 9 dias. Nunca se falou tanto de estupro de bebês no Brasil como hoje. Alguém teve que romper o silêncio. Eu rompi. Lido com isso todo dia, há 30 anos. Liberar o sexo no Brasil para meninas de 12 anos… Beleza, a gente vai ter imagens legais. Ninguém vai dizer que é pedofilia.

Bereia checou as afirmações da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do governo Bolsonaro sobre “legalização da pedofilia”, e identificou conteúdo desinformativo.

  1. PLS 236/2012

Damares Alves – … nós temos uma proposta no Senado, o PLS 236/2012, para diminuir, no Código Penal, a idade do consentimento para 12. E, isso, quando a idade (média de iniciação do sexo) ainda era 13. Já caiu para 12. Está lá no relatório do projeto de lei. O relator rejeitou, manteve 14. Mas nem foi apreciado o voto do relator nem foi apreciado o projeto inicial. Eu saí do Senado em dezembro de 2018. Nos corredores, já se falava, entre assessores, da possibilidade de apresentar uma emenda para diminuir para 10 (a idade do consentimento). O que se faz com isso? Legaliza-se a pedofilia. Então, eu preciso reagir. (…) Estou falando de biologia. Estou falando de saúde pública. Estou falando do risco que está por trás de tudo isso: a legalização da pedofilia no Brasil.

O Projeto de Lei do Senado (PLS) 2362/2012 não é uma proposta para diminuir a idade do consentimento sexual. O PLS é a proposta de reforma do Código Penal Brasileiro, de autoria do então senador José Sarney (MDB-AP), que tramita no Senado há sete anos. O projeto foi desenvolvido por uma comissão especial formada por 15 juristas e altera alguns dos artigos do código atual e inclui outros, totalizando quase 500 artigos. Alguns artigos do novo código tratam de crime sexual contra vulneráveis, mas não existe qualquer indicação de legalização da pedofilia.

Em 2018 já circulava pela internet material falso, durante a campanha eleitoral, atribuindo ao PT e ao seu candidato Fernando Haddad a autoria do PLS 2362 para legalização da pedofilia. Na ocasião, o site de checagem de notícias Aos Fatos já havia classificado este conteúdo, agora repetido pela ministra Damares Alves, como “Falso”:

Aos Fatos explicou:

… alguns artigos do novo código dizem respeito ao crime sexual contra vulneráveis, mas em nenhuma parte do texto há menção à legalização da pedofilia. No artigo 186 do novo Código Penal está escrito que:

Art.186. Manter relação sexual vaginal, anal ou oral com pessoa que tenha até doze anos: Pena — prisão, de oito a doze anos.

§ Incide nas mesmas penas quem pratica a conduta abusando de pessoa portadora de enfermidade ou deficiência mental, ou de quem, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência ou não possui o necessário discernimento.

Em relação ao Código Penal vigente (o artigo que trata do mesmo crime é no atual texto legal é o 217-A), há algumas mudanças: o novo código prevê aumento da pena em casos de gravidez ou doença sexualmente transmissível, tipifica como crime a manipulação ou introdução de objetos em vulnerável e altera a idade máxima para que um menor seja considerado vulnerável. Essa última provavelmente foi a que gerou a informação falsa: enquanto no texto atual essa idade é de 14 anos, no Novo Código Penal, ele passa a ser 12 anos.

A comissão responsável pela redação do código levou em conta o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), segundo o qual criança é a pessoa de até 12 anos de idade incompletos e os adolescentes a pessoa de 12 a 18 anos de idade. A medida não foi consenso entre os juristas: o relator do projeto em 2012 e, na época, procurador da República, Luiz Carlos Gonçalves, disse que “estamos concordando em parte com essa crítica e reduzindo a idade de consentimento para 12 anos. O problema atual é a idade. Eu particularmente concordo com os 14 anos, mas a comissão entendeu que o limite deve ser de 12. A intenção foi compatibilizar com o Estatuto da Criança e do Adolescente”.

Isso não significa, no entanto, que o projeto legaliza a pedofilia. O novo texto diminui a idade máxima de 14 para 12 anos para que haja a presunção da violência no ato sexual: em casos nos quais as vítimas são mais novas que a idade máxima, a relação é tipificada como crime, não permitindo prova em contrário. Ou seja, mesmo que a criança alegue consentimento, o ato é considerado estupro de vulnerável.

Vale lembrar que o ECA também criminaliza a produção, registro, venda, armazenagem ou até simulação de cena de sexo explícito envolvendo crianças e adolescentes. A pena varia de um a oito anos de reclusão, dependendo do caso, e o pagamento de multa. Além disso, também é importante lembrar que pedofilia não é o nome dado ao ato mas sim à parafilia (distúrbio sexual) na qual um adulto sente atração sexual por crianças.

A única emenda ao PLS que sugere uma mudança na legislação dos crimes sexuais contra vulneráveis é da senadora Ana Rita (PT-ES), que pediu a inclusão de um aumento da pena caso o agente seja algum parente ou tenha alguma autoridade sobre a criança por qualquer motivo.

O IPCO (Instituto Plínio Corrêa de Oliveira) entregou, no dia 17 de maio de 2013, um abaixo-assinado para que o Senado rejeitasse todo ou em parte o PLS. Um dos pontos criticado pelos membros do instituto foi essa nova legislação: “no caso de crimes sexuais contra vulneráveis, reduziu-se a menoridade do ofendido para até 12 anos. Todas as perversões sexuais contidas nos tipos penais referentes a ações praticadas por um indivíduo adulto contra adolescente de mais de 12 anos de idade, com o seu consentimento, não mais serão punidas. Essa aberração fica liberada”.

Houve também três pareceres que defenderam que a idade máxima de 14 anos deveria ser mantida, mas que não chegaram a serem votados: o do ex-senador Pedro Taques (PDT-MT), o da ex-senadora Ana Rita (PT-ES) e do ex-senador Vital do Rêgo (MDB-PB).

Além de não haver qualquer indicativo de processos de legalização da pedofilia no Brasil, que é considerada no país, seguindo posições assumidas internacionalmente, sob dois vieses:

1) transtorno da sexualidade (perversão, desvio), reconhecido pela Organização Mundial de Saúde como doença, que consiste na preferência sexual por crianças ou por adolescentes. Segundo a Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial da Saúde, item F65.4, pedofilia é preferência sexual por crianças, quer se trate de meninos, meninas ou de crianças de um ou do outro sexo, geralmente pré-púberes ou no início da puberdade. Este tipo de comportamento não é considerado uma orientação sexual como a heterossexualidade, homossexualidade e a bissexualidade;

2) crime, quando se torna prática de abuso ou exploração sexual contra crianças e adolescentes. Há capítulo específico acerca dos crimes sexuais contra vulneráveis no Código Penal: art. 217-A – estupro de vulnerável; art. 218 do CP – mediação de menor de 14 anos para satisfazer a lascívia de outrem; art. 218-A do CP – satisfação da lascívia mediante a presença de menor de 14 anos; 218-B do CP – favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de criança, adolescente ou vulnerável. O Estatuto da Criança e do Adolescente também trata de crimes envolvendo a pedofilia: art. 240 – utilização de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica; art. 241 – comércio de material pedófilo; art. 241-A – difusão de pedofilia; art. 241-B – posse de material pedófilo; art. 241-C  – simulacro de pedofilia; art. 241-D  – aliciamento de crianças.

Está em tramitação no Senado o PLS 496/2018, de autoria da Comissão Parlamentar de Inquérito dos Maus-tratos, de 2017, que altera a Lei nº 8.072/1990, para incluir a pedofilia no rol dos crimes hediondos.

Especialistas alertam para a necessidade de superação do equívoco conceitual – confundir pedofilia (doença) com abuso ou exploração sexual (tipificados como crime). Tratar todos os indivíduos que abusam ou exploram sexualmente de uma criança como se fossem pedófilos é, do ponto de vista clínico e legal, reconhecer que todos são portadores desse transtorno e que, nessa condição, podem ter uma punição atenuada. Esta tem sido uma prática recorrentemente utilizada pela mídia e até mesmo por profissionais que atuam na área da infância. O mais grave, ainda, é apontar muitas vezes de forma “espetacular” o problema, sem indicar soluções ou caminhos que possam fazer cessar essas graves modalidades de violência sexual cometida contra crianças e adolescentes. Denunciar o caso utilizando o Disque 100 para notificação ao Conselho Tutelar ou ainda informar às demais instâncias previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente são ações essenciais tanto para proteção da vítima quanto para responsabilização dos autores da violência.

Esta afirmação da ministra Damares Alves sobre o PLS 2362/2012 como legalização da pedofilia, é, portanto, falsa.

2. Movimentos e partido pró-pedofilia: pânico moral

Damares Alves – … Nós temos outros agentes por trás de tudo isso, inclusive o movimento pró-pedofilia. Esse movimento é forte. Na Holanda, tentaram montar um partido de pedófilos. Esse movimento é mundial.

A existência de movimentos pró-pedofilia é um fato. Eles emergiram com força na Holanda, nos anos 1950, e ampliaram apoios pela Europa Ocidental nos anos 1970, no entanto, a partir dos anos 80, cresceu uma forte oposição moral e política tanto na Europa como nos Estados Unidos que vai orientar as décadas seguintes. As mídias tiveram papel fundamental na divulgação de pesquisas científicas, legislação e políticas públicas no enfrentamento da pedofilia, enfraquecendo a ideia de movimento e fortalecendo a noção de transtorno e possível consequente abuso.

Os movimentos pró-pedofilia entraram em declínio e se tornam isolados nos anos 2000, especialmente por conta do avanço da internet e dos crimes cibernéticos de abuso sexual de crianças e adolescentes tornados públicos. Vários dos movimentos pró-pedofilia e até tentativas de criação de partidos políticos foram reprimidas nestas últimas décadas, tanto por ações populares de pressão sobre governos e suas políticas políticas quanto por ações judiciais. Por causa deste contexto sociopolítico e legislativo do tempo presente, são muito poucos os que ousam expressar público apoio a pedófilos ou a movimentos pedófilos. Algumas se restringem à internet.

Em 2006, três defensores da pedofilia fundaram, na Holanda, o Partido da Caridade, da Liberdade e da Diversidade (PNVD, sigla na língua original). O PNVD ganhou repercussão mundial por conta de sua plataforma polêmica (redução progressiva da idade de consentimento, legalização da pornografia infantil, de sexo com animais e transporte de trem gratuito para todos) mas não conseguiu participar nas eleições daquele ano, pois não coletou o número mínimo de assinaturas exigido pela legislação eleitoral holandesa para poder apresentar candidatos. O partido foi extinto em 2010. Além disso, a Associação Martijn, pró-pedofilia, que existiu por 30 anos, pertencente a um dos fundadores do PNVD, foi proibida e dissolvida pelo Supremo Tribunal da Holanda, em 2014. Na Holanda tem crescido o número de denúncias de abuso sexual de crianças e de ações de prevenção nas escolas.

Com base nestes dados, é possível afirmar que, ao dizer que o movimento pró-pedofilia é mundial e forte, e mencionar a criação do partido da Holanda, sem dizer que isto ocorreu em 2006 (treze anos atrás) e o partido e o movimento que o gerou estão extintos (o primeiro em 2010 e o segundo em 2014, respectivamente, nove anos atrás e cinco anos atrás), Damares Alves desinforma com conteúdo enganoso (omite a extinção de movimentos e partido por ações do Estado Holandês).

Estudos apontam que os usos de conteúdo enganoso em assuntos de cunho moral têm sido promovidos em diferentes sociedades para estabelecer pânico moral como estratégia de controle social.

“Erich Goode e Nachman Ben-Yehuda definem pânico moral como o consenso, partilhado por um número substancial de membros de uma sociedade, de que determinada categoria de indivíduos ameaça a sociedade e a ordem moral. Portanto, esse número considerável de pessoas que se sentem ameaçadas tende a concordar que ‘algo deveria ser feito’ a respeito desses indivíduos e seu comportamento. O algo a ser feito aponta para o fortalecimento do aparato de controle social, ou seja, novas leis ou até mesmo maior e mais intensa hostilidade e condenação pública a determinado estilo de vida” (…) “Muitos acham que uma sociedade ameaçada moralmente necessita de um renascimento dos valores tradicionais, o que os leva a defender uma forma idealizada do que teria sido a ordem social do passado. Para além da retórica do renascimento dos valores morais do passado, o que se constata é a tendência contemporânea a pensar a sociedade como se estivesse sob ameaça constante”. (…) “Os pânicos morais são fenômenos privilegiados nessa nova ordem do poder, pois levam sempre à discussão sobre o controle social e legal apropriado de uma forma de comportamento. Os empreendedores morais, ao invés de propor a criminalização e o aprisionamento tendem a sugerir medidas educacionais, de prevenção e regulamentação legal” (extraído do artigo de Richard Miskolci, Pânicos morais e controle social – reflexões sobre o casamento gay).

A ideia de pânico moral se relaciona à fala da ministra na entrevista: “O que se faz com isso? Legaliza-se a pedofilia. Então, eu preciso reagir”. Isto também torna possível a proliferação de material enganoso publicado em sites especializados em material desinformativo como o “Terça Livre”, dirigido por Allan dos Santos, que publicou matéria sob o título “Pedofilia, ideologia de gênero e feminismo? Especialista explica como se relacionam”.

Na matéria do Terça Livre, que é de 2018, há várias expressões que são repetidas por Damares Alves na entrevista ao Correio Braziliense/Estado de Minas, deste 26 de janeiro de 2020: movimentos pró-pedofilia e criação de partido pedófilo na Holanda, sem datar os casos ou mencionar que foram extintos por força judicial, levando leitores a crerem que estão em vigor influenciando o Brasil.

Material enganoso referente a movimentos e partidos pro-pedofilia aparecem exclusivamente em outros sites de conteúdo conservador e de extrema direita como Gazeta do Povo, Estudos Nacionais em 2015 e em 2019, Instituto Santo Anastásio, Guia-me, Brasil sem Medo, Olavo de Carvalho, Medium, Renova Mídia, Conexão Política.

Na pesquisa, promovida pelo Coletivo Bereia, não foram encontrados conteúdos desta natureza em outras fontes.

3. O perfil do abusador e o mercado da pedofilia

Damares alves – Não pensem que pedofilia é um abusador da esquina que está bêbado, um vovô-gagá que está ali pegando a menina. É um mercado. Tem crime organizado, poderoso.

A afirmação da ministra na entrevista quanto ao perfil de pedófilos abusadores é imprecisa. É fato que não se trata de bêbados ou de “vovôs-gagás, conforme pesquisas de diferentes fontes e regiões do país, no entanto, a ministra da Família omitiu o dado importante de que número significativo dos abusadores de crianças encontra-se no círculo familiar. Uma das pesquisas, realizada com crianças abusadas atendidas em unidade pública de saúde, indica que 85,6% agressores são conhecidos da criança ou da família; 28,7% são parentes, sendo os pais os principais, com uma taxa de 12,5%, os primos, 5,55%; e, dos 71,3% não parentes, 14,83% eram padrastos, 14,83% vizinhos; 73,9% ocorreram na casa da criança ou do agressor; em 66% houve intimidação com o uso de força e de ameaças, 2,8% com arma; em 36,6% houve penetração e em 46,3% manipulação; houve relação sexual só anal em 13,9%, só vaginal 44,9%, só oral em 3,74%.        

A afirmação da existência de um mercado da pedofilia é verdadeira, com a alta incidência de produção de material pornográfico envolvendo crianças, e a própria veiculação de conteúdo abusivo pelas mídias, com a erotização infanto-juvenil. A ministra afirma isto em outro trecho na entrevista ao Correio Braziliense/Estado de Minas:

CB – Ao mesmo tempo, fala-se que o Brasil é um país conservador. Não há contradição na ideia de que um país conservador tenha uma sexualização tão precoce?

Damares alves – A gente trabalhou muito o combate à exploração sexual, mas não combateu a erotização. Estamos diante de uma indústria forte de pornografia no Brasil. Na minha idade, qual era o acesso que a gente tinha à pornografia? Era um aluno conseguir uma revista na escola, e a gente ia para o banheiro escondido para olhar. Se pegassem, estava todo mundo suspenso. Hoje, criança de 4 anos tem acesso à pornografia. Mesmo a criança que não sabe ler, ela tem o Google, que ela fala e está lá a mensagem para ela de volta. Então, o que acontece, nossas crianças estão tendo mais acesso à erotização.

CB – Há uma erotização massificada?

Damares Alves – Minha geração fechou os olhos para a erotização infantil. Vamos lembrar do concurso “na boquinha da garrafa”? Vamos lembrar o concurso Carla Perez? A mini-Carla Perez, eram menininhas rebolando e menininhos acoxando elas por trás, e o Brasil inteiro aplaudindo aquilo. Vamos lembrar da Piscina do Gugu? Em pleno domingo à tarde, as crianças vendo bundas expostas daquele jeito. A gente não percebeu que estava fechando os olhos e até incentivando a erotização. Essa geração que hoje está abusando foi uma geração fruto de muita erotização.

  • Estupro de bebês

Damares Alves – Postei uma mensagem sobre uma menina de 14 dias estuprada no hospital de Breves (PA).  Antes, tinha postado uma matéria a respeito de uma menina de 9 dias. Nunca se falou tanto de estupro de bebês no Brasil como hoje. Alguém teve que romper o silêncio. Eu rompi. Lido com isso todo dia, há 30 anos.

Neste trecho da entrevista ao Correio Braziliense/Estado de Minas, a ministra Damares Alves menciona duas postagens que fez no Twitter sobre o estupro de dois bebês. A postagem sobre uma menina de 14 dias estuprada em Breves (PA) não consta na conta do Twitter da ministra, apesar de o caso ter sido noticiado, no Pará, não em Breves, mas em Santana do Araguaia.

A postagem sobre a menina de nove dias ocorreu no dia 22 de janeiro passado. Outro caso no Pará (Marajó), noticiada pelo site Roma News.

Bereia localizou ainda uma postagem da ministra no Twitter, no dia 4 de junho de 2019, sobre o tema de estupros de bebês. É um vídeo que reproduz entrevista da ministra à atriz e youtuber Antonia Fontenelle, canal “Na Lata”, programa de entrevistas com celebridades, publicado em 3 de junho de 2019.

No vídeo de 48 minutos, Damares Alves afirma que “a pedofilia no Brasil já atingiu a seara do “crime organizado”, que “além de colocarem preço em fotos de crianças, variando entre R$ 2 mil e R$ 50 mil, os criminosos vendem também estupro de bebês”. Ela conclui o vídeo dizendo: “É bom entender que os corruptos não querem essa ministra, por que ela vai abrir a caixinha e contar o que está no segredo”. 

Damares Alves falou sobre o tema dos estupros de bebês em evento do BNDES sobre saneamento básico em 6 de dezembro de 2019. “A ministra do MMFDH destacou a parceria do Governo com o BNDES no projeto Abrace o Marajó. ‘Começamos a trabalhar no Marajó primeiro pelo enfrentamento à violência sexual contra crianças naquela região. A violência sexual no Brasil é de verdade, ouviram senhores? Milhões de crianças nesta nação são vítimas da violência sexual. E não só crianças, mas bebês também. Estamos diante de uma tragédia no Brasil que se chama ‘estupro de bebês’’, lamentou”. (Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Notícias)

“Nunca se falou tanto”, têm sido, de fato, falas exclusivas da ministra, relacionadas a casos noticiados em site de notícias do Pará que ela reproduz no Twitter, a citações em entrevista a atriz youtuber e em evento do BNDES sobre os quais não são oferecidas fontes.

A pesquisa de Bereia para esta matéria não identificou fontes oficiais, do próprio Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos ou de institutos credenciados, que apresentem dados precisos sobre casos de estupro de bebês no Brasil, relacionando-os aos crimes de pedofilia ou a legalização de pedofilia no país. Não há também dados sobre o comércio de vídeos de estupros de bebês.

A pesquisa identificou apenas uma notícia sobre vídeo que mostra bebê sendo estuprado, veiculado em mídias sociais em agosto de 2019. A matéria do site Fato Amazônico  traz um alerta da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas de que o crime registrado em vídeo não foi cometido no país e indica que o compartilhamento de pornografia infantil é crime. Segundo a notícia, a Delegacia Especializada em Proteção à Criança e ao Adolescente, da Polícia Civil do Amazonas, afirma que o estupro do recém-nascido foi registrado em La Paz/Bolívia e que não foi a primeira vez que o vídeo foi compartilhado como tendo ocorrido no Brasil.

Na forma como o tratamento da questão é impreciso, na entrevista, é possível relacioná-lo a mais uma expressão de pânico moral, até que sejam expostos pelo ministério elementos mais precisos quanto a esta situação que não configurem casos isolados.

Bereia avalia que as diversas abordagens da ministra Damares Alves, na entrevista ao Correio Braziliense/Estado de Minas, relacionadas às políticas públicas em torno da sexualidade adolescente, que enfatizam o risco de legalização da pedofilia no país, apresentam, em síntese, desinformação, com conteúdo falso.

Referências de Checagem:

Projeto de Lei do Senado (PLS) 2362/2012 https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/106404 

Aos Fatos, por Luiz Fernando Menezes. Não há projeto de lei para legalização pedofilia; imagem distorce projeto de Novo Código Penal, 15 de outubro de 2018. https://aosfatos.org/noticias/nao-ha-projeto-de-lei-para-legalizar-pedofilia-imagem-distorce-projeto-de-novo-codigo-penal/

Equipe Andi. Pedofilia é Crime? https://blog.andi.org.br/pedofilia-e-crime

Anne-Claude Ambroise-Rendu. Un siècle de pédophilie dans la presse (1880-2000): accusation, plaidoirie, condamnation. Le Temps des médias n°1, automne 2003, p.31-41. http://www.histoiredesmedias.com/Un-siecle-de-pedophilie-dans-la.html

Geraldine Coughlan. Grupo que defende pedofilia cria partido na Holanda. BBC Brasil.com, 1 jun 2006. https://www.bbc.com/portuguese/reporterbbc/story/2006/06/060601_leiholandamp.shtml

Lusa. Supremo Tribunal da Holanda proíbe grupo defensor de pedofilia. TSF Rádio Notícias, 18 de abril de 2014. https://www.tsf.pt/internacional/europa/supremo-tribunal-da-holanda-proibe-grupo-defensor-de-pedofilia-3819604.html

EFE. Na Holanda, até jogo de tabuleiro vira arma contra pedofilia. Exame, 28 de dezembro de 2016. https://exame.abril.com.br/mundo/na-holanda-ate-jogo-de-tabuleiro-vira-arma-contra-pedofilia/

Richard Miskolci. Pânicos morais e controle social – reflexões sobre o casamento gay. Cadernos Pagu, n. 28, Janeiro/Junho de 2007. Dossiê Sexualidades Disparatadas. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-83332007000100006  

Ana Esther Carvalho Gomes Fukumoto, Juliana Maria Corvino, Jaime Olbrich Neto. Perfil dos agressores e das crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. Ciência em Extensão, v. 7, n. 2, 2011. https://ojs.unesp.br/index.php/revista_proex/article/view/475

Jane Felipe. Afinal, quem é mesmo pedófilo? Cadernos Pagu, n. 26, Janeiro/Junho de 2006. Dossiê Repensando a Infância. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-83332006000100009  

PIB não cresceu 20% em 2019 e fala de Senador Humberto Costa ainda será avaliada

No domingo 1 de dezembro de 2019, o vice-líder do Governo no Congresso Deputado Federal Marco Feliciano (PODEMOS/SP), comentou a entrevista que a Senadora Simone Tebet (MDB/MS) deu ao programa de entrevistas da Folha de S. Paulo e do UOL, em 28 de novembro de 2019, publicada pela Folha no mesmo 1 de dezembro.

O jornal destacou dois pontos da entrevista: a crítica ao Ministro Paulo Guedes e ao deputado federal Eduardo Bolsonaro, que, recentemente, em declarações públicas, ameaçaram a imposição de um AI-5 (Ato Institucional nº 5, experiência de fechamento do Congresso e censura durante a ditadura militar) diante de uma eventual radicalização de protestos de rua no Brasil. Outro destaque foi a crítica à condução da economia pelo governo Bolsonaro.

Tebet, que é presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado, apoia que a o Conselho de Ética da Câmara julgue Eduardo Bolsonaro. A senadora defende o processo não por ser o filho do presidente, mas por ser um deputado federal. “A democracia é, dentre os sistemas, mais frágil justamente porque permite esse tipo de manifestação de qualquer pessoa. Mas não de parlamentares que juraram defender a Constituição”, disse a senadora na entrevista.

A Folha de S. Paulo destacou na publicação da entrevista, a avaliação negativa que Tebet tem da condução da economia pelo governo: “Se a economia não reagir até o ano que vem, se nós continuarmos com esse PIB pífio e não voltarmos a gerar emprego e renda, se continuamos tendo esses números vergonhosos de desemprego, se voltarmos a ver pessoas voltando para as ruas porque não têm um teto para morar, esse governo não consegue se sustentar”.

Ao comentar a entrevista da senadora em sua conta no Twitter, Marco Feliciano abordou os dois destaques da Folha de S. Paulo:

Bereia checou as afirmações de Marco Feliciano em defesa do filho do Presidente da República e da governança em relação à economia.

O PIB deste ano aumentou 20% e crescerá 100% em 2020?

O Produto Interno Bruto (PIB) é a soma de todos os bens e serviços finais produzidos no país em um período determinado (nesta conta entram o que produzem indústria, serviços e agropecuária). É um dos indicadores mais utilizados para quantificar a atividade econômica do país. No Brasil, o cálculo do PIB é feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), instituição federal subordinada ao Ministério da Economia. “Se um país produz 100 reais de trigo, 200 reais de farinha de trigo e 300 reais de pão, seu PIB será de 300 reais, pois o valor da farinha e do trigo estão embutidos no valor do pão”, exemplifica o IBGE. O PIB não é o total de riqueza existente no país, mas sim um indicador de fluxo de novos bens e serviços finais produzidos durante um período. Se um país não produzir nada em um ano, seu PIB será nulo.

Em 2018, o PIB fechou o ano em R$ 6,9 trilhões com expansão de 1,3% frente a 2017. O mesmo índice de crescimento havia sido registrado 1,3% em 2017, marca positiva diante do recuo nos anos anteriores: 3,5% em 2015, e 3,3% em 2016.

No primeiro trimestre de 2019, o valor do PIB não cresceu em relação ao trimestre anterior e a taxa de expansão registrada foi 0%. O PIB do segundo trimestre de 2019 teve uma alta de 0,5% na comparação com o primeiro trimestre do ano. No terceiro trimestre de 2019 o PIB totalizou 1,842 trilhão de Reais, um aumento de 0,6% na comparação com o segundo trimestre. A estimativa é de que o PIB de 2019 chegue a uma expansão de 1.0%.

Neste 2 de dezembro de 2019, o Banco Central do Brasil divulgou o Relatório de Mercado Focus, utilizado para controle da inflação, divulgado toda primeira segunda-feira de cada mês, que mostra a evolução das distribuições de frequência das medianas das expectativas de mercado para o IPCA do ano corrente e três anos subsequentes, a taxa Selic (juros), o crescimento do PIB e a taxa de câmbio para o ano corrente e próximo ano. Nessa edição do Focus, a expectativa de crescimento do PIB em 2019 permaneceu em 0,99% (abaixo do 1,1% de 2018). Para 2020, o mercado financeiro alterou a previsão do PIB, de 2,20% para 2,22%.

Ao dizer que o PIB teve “aumento de 20% este ano”, o Deputado Marco Feliciano apresenta número que não reflete os indicadores do IBGE e as projeções do Banco Central, como Bereia levantou. Considerando que o deputado estivesse se referindo a uma comparação com o segundo trimestre do ano anterior (os resultados do terceiro trimestre ainda não haviam sido divulgados quando da postagem de Marco Feliciano), a verificação também não encontrou correspondência, pois o PIB do segundo trimestre de 2018 foi superior ao de 2019 no mesmo período, com 1.6% de crescimento. Nesse sentido, a afirmação do vice-líder do governo no Congresso é falsa: o PIB teve crescimento de um trimestre para outro de 0,6% e permanece em baixa em relação a 2018.

Já a afirmação de que o PIB crescerá 100% em 2020 provavelmente se baseie no Relatório Focus do Banco Central que trabalha com previsões. É uma afirmação categórica de Marco Feliciano baseada em otimismo não compartilhado pela Senadora Simone Tebet.

O Senador Humberto Costa/PT pregou a “violência/subversão que ocorre no Chile para o Brasil”?

Para a defesa da crítica de Simone Tebet ao Deputado Eduardo Bolsonaro (PSL/SP), o Deputado Marco Feliciano demanda coerência da Senadora a fim de que exija que a Comissão de Ética do Senado julgue também o líder do PT no Senado Humberto Costa (PE) que teria incitado violência e subversão.

Marco Feliciano se refere à postagem de Humberto Costa em sua conta no Twitter, em 19 de outubro de 2019, período de auge dos protestos no Chile contra o governo do presidente Sebastián Piñera. Na ocasião da postagem, o Deputado Marco Feliciano enviou à Procuradoria-Geral da República (PGR), uma acusação formal contra Humberto Costa por “conclamar a população a derrubar o presidente”.

Feliciano alega que o Senador incitou a subversão da ordem política ou social e a luta violenta entre a população, as Forças Armadas e o governo. De acordo com a representação do deputado à PGR, a tentativa de subversão já configura crime e é passível de punição com pena de um a quatro anos de reclusão. Caberá ao procurador-geral da República, Augusto Aras, aceitar ou arquivar o pedido.

O ato de Marco Feliciano é uma contraposição à abertura de processos na Comissão de Ética da Câmara Federal contra Eduardo Bolsonaro, por ter defendido publicamente a volta do Ato Institucional 5 (AI-5), em entrevista à jornalista Leda Nagle, em 31 de outubro de 2019.

Lideranças da oposição também solicitaram no Supremo Tribunal Federal (STF) que Eduardo Bolsonaro seja processado por improbidade, incitação e apologia ao crime, além da cassação de seu mandato pela Câmara.  A queixa-crime foi aceita pelo STF e está nas mãos do Ministro Gilmar Mendes.

Em 2 de novembro, o Deputado Marco Feliciano publicou em seu perfil no Twitter: “Se Eduardo Bolsonaro tem que ser cassado, senador Humberto Costa também tem! Defesa da democracia não pode ser seletiva, caros Davi Alcolumbre e Rodrigo Maia, pois senão é demagogia pura”.

Agora, ao rebater as críticas da Senadora do MDB/MS a Eduardo Bolsonaro, Marco Feliciano retoma a acusação a Humberto Costa.

A representação de Marco Feliciano está com a PGR. No espaço público, não alcançou o nível de repercussão que teve a declaração de Eduardo Bolsonaro, dada a gravidade da afirmação do deputado que pertence à família presidencial. A fala do deputado em entrevista a Leda Nagle acabou sendo agravada por outra declaração, a do Ministro da Economia, também citada por Simone Tebet na entrevista à Folha. Guedes reforçou a ameaça de um “AI-5” se houver protestos contra as políticas do governo, em coletiva de imprensa em Washington (EUA), em 25 de novembro. “Não se assustem se alguém pedir o AI-5”, disse ministro ao comentar possibilidade de protestos de rua no Brasil.

O senador Humberto Costa, por seu lado, não comentou a queixa de Marco Feliciano à PGR e fez discurso no Plenário do Senado, em 6 de novembro, contra a atitude de Eduardo Bolsonaro. Costa disse ser inaceitável que um membro do Congresso Nacional defenda a reinstituição do AI-5, considerado o ato de maior repressão adotado no regime militar. Representantes que foram eleitos pela legitimidade do voto popular e que defendem a ditadura, avalia o senador, não podem ficar impunes.

Bereia avalia que a afirmação do Deputado Marco Feliciano, com acusação a Humberto Costa, em defesa de Eduardo Bolsonaro, é uma posição subjetiva, interpretativa das palavras postadas pelo Senador. A interpretação ganhou a forma de queixa entregue à PGR e ainda não teve parecer. A afirmação é, portanto, inconclusiva. A Senadora Simone Tibet referiu-se, na entrevista em questão, aos processos contra Eduardo Bolsonaro, que, de fato, estão em curso na Comissão de Ética da Câmara e no STF.

Referências de Checagem:

CARVALHO, Daniel, ANDRADE, Hanrrikson. Se economia não reagir, governo não se sustenta, diz senadora Simone Tebet. Folha de S. Paulo, 1 dez 2019. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/12/se-economia-nao-reagir-governo-nao-se-sustenta-diz-senadora-simone-tebet.shtml.

PRODUTO Interno Bruto. – PIB. IBGE. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/explica/pib.php

O QUE é PIB: entenda como é calculado o principal indicador da economia. Veja, 29 ago 2019. Disponível em: https://veja.abril.com.br/economia/o-que-e-pib-entenda-como-e-calculado-o-principal-indicador-da-economia/

IBGE.  Sistema de Contas Nacionais Trimestrais – SCNT. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/contas-nacionais/9300-contas-nacionais-trimestrais.html?edicao=24645&t=destaques

BANCO CENTRAL DO BRASIL. Relatório de Mercado Focus. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/controleinflacao/relatoriofocus

SARDNHA, Edson. Marco Feliciano quer processar Humberto Costa por “incitar golpe” contra Bolsonaro. Congresso em Foco, 3 nov 2019. Disponível em: https://congressoemfoco.uol.com.br/legislativo/marco-feliciano-quer-processar-humberto-costa-por-incitar-golpe-contra-bolsonaro/

BOLDRINI, Angela. Conselho de Ética abre processo contra Eduardo Bolsonaro por fala sobre AI-5. Folha de S. Paulo, 26 nov 2019. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/11/conselho-de-etica-abre-processo-contra-eduardo-bolsonaro-por-fala-sobre-ai-5.shtml

ENTREVISTA com Eduardo Bolsonaro. Youtube, Canal de Leda Nagle, 31 out 2019. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=m_cyKtlTpL4

PAULO Guedes reaviva polêmica sobre AI-5. DW, 25 nov 2019. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/paulo-guedes-reaviva-pol%C3%AAmica-sobre-ai-5/a-51423303

‘É INACEITÁVEL que membro do Congresso defenda o AI-5’, diz Humberto Costa. https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/11/06/2018e-inaceitavel-que-membro-do-congresso-defenda-o-ai-52019-diz-humberto-costa

Universidades públicas não produzem drogas em suas dependências

Em entrevista ao programa “7 Minutos com a Verdade”, da TV Jornal da Cidade On Line, baseada em críticas ao trabalho das universidades públicas, o Ministro da Educação Abraham Weintraub acusou estas instituições de produzirem drogas em suas dependências. Durante a entrevista de 36 minutos dada à jornalista Camila Xavier, veiculada no site do Jornal da Cidade, em 23 de novembro, o ministro criticou a autonomia das universidades. Ele chama a autonomia universitária de “falácia” pois, na sua avaliação, teria se transformado em “soberania”.  Para exemplificar a crítica, Weintraub afirmou:

Você tem plantações de maconha, não plantações de três pés de maconha, mas plantações de extensivas de maconha em algumas universidades, a ponto de ter borrifador de agrotóxico. Porque orgânico é bom contra a soja, para não ter agroindústria no Brasil, mas a maconha é deles e eles querem tudo que a tecnologia tem à disposição. Ou coisas piores: você pega laboratórios de química (uma Faculdade de Química não era um centro de doutrinação), desenvolvendo laboratório de droga sintética, de metanfetamina, porque a polícia não pode entrar nos campi. Então o desafio é este. Foi criada uma estrutura muito bem pensada durante muito tempo. E a verdade é que a gente aterrissou aqui há um ano, nem um ano ainda, e estamos começando a descobrir um monte de detalhes.” [7 Minutos com a Verdade, 23 nov 2019, minutos 12´23 a 13´30]

O Ministro da Educação não explicitou a quais universidades se referia, não apresentou casos específicos e também não recebeu questionamento da entrevistadora quanto estas informações.

O Jornal da Cidade On Line, publicação do Rio Grande do Sul identificada em pesquisas como disseminadora de notícias falsas, transformou o pouco mais de um minuto e meio do trecho da fala de Abraham Weintraub em chamada para a entrevista completa, divulgada em 21 de novembro. Na chamada, o Jornal da Cidade On Line afirma: “Foi isso que o ministro da Educação, Abraham Weintraub, encontrou em algumas universidades quando assumiu a pasta! E isso é apenas uma gota no oceano!”.

A acusação do ministro teve ampla repercussão nas mídias noticiosas e em alguns veículos, como o blog BRPolítico do jornal O Estado de São Paulo, que replicou a divulgação do Jornal da Cidade tal como se deu, sem tratamento da informação.

A fala de Weintraub causou indignação em educadores ligados às universidades que produziram notas de repúdio. A Associação dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES) afirma em nota que o ministro ultrapassou todos os limites da ética pública ao “fazer tais acusações para detratar e ofender as universidades federais perante a opinião pública, mimetizando-as com organizações criminosas”. A ANDIFES classifica a fala de Weintraub como “um absurdo sem precedentes” e o desafia:

… se o Sr. Ministro, enquanto autoridade pública, efetivamente sabe de fatos concretos, sem todavia apontar e denunciar às autoridades competentes de modo específico onde e como ocorrem, preferindo antes usá-los como instrumento de difamação genérica contra todas as universidades federais brasileiras, poderá estar cometendo crime de prevaricação. Assim, diante dessas declarações desconcertantes, a ANDIFES está tomando as providências jurídicas cabíveis para apurar eventual cometimento de crime de responsabilidade, improbidade, difamação ou prevaricação.

Já a Sociedade Brasileira de Química (SBQ) publicou nota em que afirma ser “absolutamente estarrecedor e incompreensível a sequência de ataques que o Sr. Ministro vem proferindo contra as Universidades Federais, usando de dados infundados ou algum problema pontual, numa tentativa aparentemente premeditada de macular a imagem de nossas Universidades”. A SBQ também desafia Abraham Weintraub:

Se o Sr. Ministro possui dados que comprovem alguma ação isolada relacionada as suas declarações, se tem conhecimento de algum caso pontual de desvio de conduta, que aponte, nomeie os responsáveis, denuncie à Polícia Federal, como é sua obrigação. Caso contrário, estará prevaricando e poderá responder por isto.

Diante das críticas que também se estenderam pelas mídias sociais, o ministro Abraham Weitraub divulgou duas notícias em seu perfil no Twitter para fundamentar o que falou na entrevista. A primeira é o compartilhamento de uma postagem no Twitter do grupo de estudantes conservadores UNB Livre que diz apresentar uma prova de que há plantações de maconha na própria Universidade de Brasília.

O que se apresenta como prova é uma reportagem produzida pelo Jornal de Brasília On Line, em abril de 2017, intitulada “Falhas na segurança da UnB facilitam crimes dentro da instituição”.

A matéria mostra a descoberta de uma área vizinha a um dos campi da UNB com vasos com plantação de maconha. Houve intervenção policial no local e é apresentada entrevista com o delegado responsável pelo caso Rodrigo Bonach. Ele diz que investigações seriam conduzidas para determinar se a maconha era produzida para consumo pessoal ou para venda para terceiros, o que caracterizaria tráfico.

O Ministério Público do Distrito Federal informou ao portal de notícias G1 que o caso foi encerrado depois de um acordo com cada um dos três envolvidos (dois estudantes de engenharia e outro jovem formado em administração, todos maiores de idade). Os acusados concordaram em pagar R$ 1.874 (dois salários mínimos) a uma escola da rede pública, como pena alternativa. O processo foi encerrado “sem análise da questão” (“não há condenação e o acusado continua sem registros criminais”, conforme a na Lei nº 9099/95). Esta informação não foi divulgada pelo Ministro da Educação.

A UnB esclareceu em nota de repúdio à fala de Weintraub, que o terreno onde a plantação de maconha foi encontrada não pertence à universidade:

A referida operação foi realizada em abril de 2017, em uma área não localizada na UnB. Trata-se de área de Cerrado próxima ao campus Darcy Ribeiro. Foram apreendidos vasos com maconha no local. Segundo as primeiras impressões da polícia, as plantas eram mantidas por um grupo, sendo dois estudantes da Universidade e uma terceira pessoa não pertencente à comunidade acadêmica. Na ocasião, as forças de segurança da Universidade deram todo o apoio à polícia.

A segunda postagem de Abraham Weintraub no Twitter para fundamentar o que disse na entrevista ao Jornal da Cidade On Line, sobre drogas sintéticas, indica um link de buscas no Google que leva para matéria do portal de notícias R7.

A matéria, de 23 de maio de 2019, intitulada “Polícia apura se insumos da UFMG são usados para fabricar drogas”, refere-se a uma investigação da Polícia Civil de Minas Gerais sobre pessoas que usariam materiais da própria Universidade Federal de Minas Gerais para fabricar e vender drogas. O resultado foi a prisão de cinco homens em flagrante portando maconha e haxixe.

À época, o delegado responsável Rodolpho Machado identificou os homens e disse que eles não eram alunos da universidade, tendo afirmado que “usavam aquele espaço público como finalidade para práticas ilícitas”.

Em nota ao portal de notícias G1 a UFMG declarou que uma sentença para o caso foi pronunciada em 24 de outubro de 2019, em uma ação penal conduzida pelo Ministério Público de Minas Gerais. “Restou comprovado que nenhum dos indiciados é estudante ou servidor da UFMG ou tem qualquer relação formal ou informal com a instituição”, afirma a nota oficial. No texto também consta a declaração de que “Não há também no documento indícios ou qualquer prova de que laboratórios de química da UFMG foram utilizados para a fabricação de drogas. Segundo o Juiz de Direito, responsável pela ação, Thiago Colnago Cabral, ‘deve ser frisado, que não existe nenhuma prova de que a direção das faculdades que serviram de palco para o delito tenham, de algum modo, concorrido para o fato criminoso ou mesmo tenham oficialmente sido cientificados da ocorrência’”.

A nota da UFMG informa que o Conselho Universitário estaria reunido em 25 de novembro para um posicionamento oficial referente à acusação do Ministro da Educação.

Bereia enviou mensagens à Assessoria de Imprensa do Ministério da Educação solicitando esclarecimentos sobre as acusações do ministro Abraham Weintraub e não obteve respostas.

Ao acusar as universidades federais de produzirem drogas em seus espaços (“plantações extensas de maconha” e “drogas sintéticas”) o Ministro da Educação desinforma o público pois trata as instituições de forma genérica e não apresenta conteúdo comprobatório das acusações. Da mesma forma o Jornal da Cidade On Line não cumpriu o papel de um órgão informativo e não indagou o ministro quanto a elementos concretos das graves denúncias proferidas. O jornal ainda alimenta a desinformação dizendo que este foi o quadro que “o ministro encontrou em algumas universidades quando assumiu”, o que não corresponde ao que Weitraub apresentou em mídias sociais como “provas”.

Nessas postagens no Twiiter, posteriores à entrevista, Abraham Weintraub demonstra que não teve contato direto com as universidades ou com os possíveis casos a que se referiu pois compartilhou como provas reportagens inconclusivas, com histórias tratadas ainda como suspeitas e de forma preliminar. Fato é que os casos a que recorreu já haviam sido encerrados sem qualquer referência ao envolvimento das universidades citadas.

Bereia conclui, portanto, que a entrevista e as postagens do ministro oferecem conteúdo enganoso pois induzem o público a construir uma visão negativa sobre as universidades públicas ao enquadrá-las em crimes relacionados a drogas. O ministro, pressionado por provas, fez uso de informações preliminares sobre casos isolados, já encerrados pelo Judiciário que, nas sentenças, isentou as universidades de participação nas ilegalidades.

Referências de checagem:

Weintraub quer acabar com a escravidão intelectual existente no país (veja o vídeo). TV JCO, 23 nov. 2019. Disponível em: https://www.jornaldacidadeonline.com.br/noticias/17454/weintraub-quer-acabar-com-a-escravidao-intelectual-existente-no-pais-veja-o-video

GALHARDI, Raul. Brasil é terreno fértil para fake news. Observatório da Imprensa, 20 ago 2019. Disponível em: http://observatoriodaimprensa.com.br/crise-na-imprensa/brasil-e-terreno-fertil-para-fake-news/

A “soberania” das Universidades escondeu “plantações extensivas de pés de maconha”, revela Weintraub (Veja o vídeo). TV JCO, 21 nov 2019. Disponível em: https://www.jornaldacidadeonline.com.br/noticias/17424/a-soberania-das-universidades-escondeu-plantacoes-extensivas-de-pes-de-maconha-revela-weintraub-veja-o-video

Wentraub cita plantações “extensivas” de maconha em federais. BRPolítico, O Estado de São Paulo, 21 nov 2019. Disponível em: https://brpolitico.com.br/noticias/weintraub-cita-plantacoes-extensivas-de-maconha-em-federais/?utm_source=twitter:newsfeed&utm_medium=social-organic&utm_campaign=redes-sociais:112019:e&utm_content=:::&utm_term=

ANDIFES. Declarações do Ministro da Educação sobre as Universidades Federais. ANDIFES, 22 nov 2019. Disponível em: http://www.andifes.org.br/declaracoes-do-ministro-da-educacao-sobre-as/

Nota pública SBQ. Boletim Eletrônico da SBQ, 22 nov 2019. Disponível em: http://boletim.sbq.org.br/boletim/2019/especial-nota-publica-sbq221119.php

GARCIA, Keven. Falhas na segurança da UnB facilitam crimes dentro da instituição. Jornal de Brasília On Line, 20 abr 2017. Disponível em: https://jornaldebrasilia.com.br/cidades/policia-civil-encontra-plantacao-de-maconha-dentro-da-unb/

Desfechos de casos citados por ministro isentam universidades de ligação com drogas em campi. G1, 25 nov 2019. Disponível em: https://g1.globo.com/educacao/noticia/2019/11/25/desfecho-de-casos-citados-por-ministro-isentam-universidades-de-ligacao-com-drogas-em-campi.ghtml

SOARES, Ingrid. UnB repudia post de ministro Weintraub sobre maconha na universidade. Correio Brasiliense, 24 nov 2019. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2019/11/24/interna-brasil,808874/unb-repudia-post-de-ministro-weintraub-sobre-maconha-na-universidade.shtml

OLIVEIRA, Matheus Renato, MOREIRA, Regiane Moreira. Polícia apura se insumos da UFMG são usados para fabricar drogas. R7, 23 mai 2019. Disponível em:  https://noticias.r7.com/minas-gerais/policia-apura-se-insumos-da-ufmg-sao-usados-para-fabricar-drogas-23052019?amp

Fake god… Fake news!

Um povo nunca vai além do seu Deus. Ou, para ser mais honesto, nunca vai além dos discursos sobre o seu Deus, pois de Deus não sabemos quase nada, a não ser os discursos que sobre Ele propomos.

Um deus fake, que ama a violência, não vê a hora de vingar os seus inimigos, aqueles que não acreditam nEle e nem fazem o que ordena, ou o que “achamos” que Ele ordena.

Esse deus fake odeia homoafetivos, oprime mulheres e escraviza negros. 

Certamente, sua legião de seguidores imprimirá esse mesmo ódio por onde passar.

E, já que esse deus é um simulacro, uma piada sem graça, uma “mentira santa”, legitimará em seu exército quaisquer mentiras outras que façam valer o seu poder, todo baseado na ausência de verdade.

Por essas e outras, em nada me espanta a quantidade de fake news abraçada, infelizmente, por parte de muitos que se reconhecem como “Igrejas do Senhor”.  Eles apenas propagam aquilo do que seu coração está cheio: ódio e mentira. Nada novo para Jesus, que foi assertivo: “a boca fala do que o coração está cheio”. Na Bíblia, em linguagem “internética”, poderíamos afirmar: “os dedos teclam do que está cheio o coração.”

É necessária uma conversão coletiva. Um arrependimento em massa, pois muitos dos que se apresentam como cristãos têm servido o pai da mentira, um deus fake, que tem um evangelho fake, que nada se parece com a boa nova de Cristo. É, no máximo, um “jornalismo marrom” sobre um deus tirano, branco, hétero, macho e sem graça alguma. Nada de Evangelho, tudo de Fake News.

Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo, tende piedade de nós!

Abraços,

Zé Barbosa Junior

Damares Alves usa delação sobre Lula no caso Celso Daniel para acusar mídia de conspiração contra Jair Bolsonaro e defende “novo Brasil”

Em discurso na cerimônia em que recebeu a Medalha Tiradentes, na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ), em 30 de outubro, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos Damares Alves concentrou-se na defesa do presidente Jair Bolsonaro, que teve o nome envolvido nas investigações do assassinato da vereadora do Rio Marielle Franco (PSOL). As informações foram divulgadas pelo Jornal Nacional na noite anterior, 29 de outubro. 

O registro em vídeo (veja abaixo) pela TV ALERJ mostra a cerimônia de duas horas de duração, com outras premiações com a Medalha Tiradentes, culminando na homenagem à ministra. A proposta da homenagem partiu dos deputados estaduais Rosane Felix (PSD) e Rodrigo Amorim (PSL), “por conta dos relevantes serviços de Damares Alves em defesa da vida e da família, no combate à pedofilia e a violência contra a mulher”.

O discurso da ministra, em agradecimento à homenagem, durou três minutos (no vídeo, de 1.54:15 a 1.57:26). A fala dedicou-se à defesa do presidente Jair Bolsonaro e de seu governo. Depois de uma breve introdução de agradecimento, Damares Alves afirma:


“… Depois que um bandido disse que um ex-Presidente da República mandou matar um prefeito, a mídia não podia ficar quieta, e inventou que o meu presidente… ah, mídia, por favor, foca em mim…com o meu presidente, não! Yes! Com Jair Bolsonaro, não! Chega! Basta! Basta! Com o meu presidente, não! Esta nação está sendo governada por um homem digno, por um homem justo, e um homem que está lá porque foi Deus que o colocou lá. E para os pessimista (sic) vai aí um recado: divido a minha homenagem com ele porque esta nação já é outra. Chora pessimista! 24% a menos de homicídios no Brasil em oito meses de governo. São mais de sete mil famílias que não estão chorando. Mães que não perderam filhos, maridos que não perderam esposa, porque a violência está diminuindo no Brasil. O abuso sexual está acabando. A nossa economia está crescendo. Somos uma grande nação. Somos uma nova nação. Porque temos um líder. Vou dizer uma coisa para vocês: ninguém consegue entender humanamente o que está acontecendo aqui no Brasil. Eu tenho andado por todos os países, e quando eu estou lá fora eu tenho reuniões bilaterais, e os outros ministros me perguntam assim: “o que está acontecendo no Brasil, ministra? Não existe uma experiência no mundo em que o homicídio tenha caído 24% em 8 meses. O que vocês estão fazendo lá?” Eu fico quieta. “Explica ministra!” Eu fico quieta. “Diz!” Temos um homem que disse ao crime organizado: “chega de impunidade”. Temos um homem que disse aos nossos policiais: “vocês são nossos heróis e vocês serão respeitados”. Temos um homem que disse ao Brasil: “chega de violência”. Mas também tem uma coisa que o mundo não sabe. Concordam comigo, pastores, agora? A glória de Deus está sobre esta nação… Ah, eu sou ministra e tenho que falar como ministra porque o Estado é laico. O Estado é laico mas eu sou terrivelmente cristã! [Seguem promessas para fim da violência com crianças e com mulheres e o testemunho pessoal de ter sofrido estupro e visto Jesus no pé de goiabeira, a afirmação de que zombam da ministra e de sua família e a demanda de não negar a própria fé frente a zombaria e ameaça de morte e agradecimento a políticos parceiros com quem divide a medalha e destaque final para a primeira dama que abre o palácio para surdos, crianças e não lobistas. Bênçãos partilhadas com a afirmação de que a igreja é a agência que vai mudar este país e a frase “Brasil acima de tudo, Deus acima de Tudo.”


Bereia checou as cinco informações contidas no discurso de Damares Alves.

1 – “…um bandido disse que um ex-Presidente da República mandou matar um prefeito”. Aqui a ministra credencia as mídias pois reproduz em sua fala a matéria de capa da revista Veja, de 25 de outubro de 2019. A revista expõe que o publicitário Marcos Valério, preso por envolvimento no caso “Mensalão”, em depoimento ao Ministério Público de São Paulo, prestado no Departamento de Investigação de Homicídios de Minas Gerais, disse ter ouvido do empresário Ronan Maria Pinto, que participava de um esquema de cobrança de propina na prefeitura de Santo André, que o ex-presidente Lula foi o mandante do assassinato do prefeito Celso Daniel.

No dia seguinte, o promotor do Ministério Público de São Paulo Roberto Wider Filho que, segundo Veja teria acompanhado o depoimento de Marcos Valério, foi categórico em afirmar ao jornal El País que, de fato, tomou depoimento de Valério em outubro de 2018, mas que jamais ouviu essa versão que implica Lula como mandante do crime. “Na minha frente, ele não falou isso. Depois, teve um outro depoimento que ele prestou só para o delegado do DHPP (Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa) de Minas Gerais. Não sei se para esse delegado ele falou alguma coisa”, afirmou o promotor ao El País. A revista Veja não contestou a matéria de El País ou corrigiu sua própria matéria. A informação sobre a acusação do delator Marcos Valério é inconclusiva e não pode ser afirmada como verdadeira.

2 – “… Depois que um bandido disse que um ex-Presidente da República mandou matar um prefeito, a mídia não podia ficar quieta, e inventou que o meu presidente…” A ministra não conclui a frase mas credencia a matéria de Veja e afirma que ela foi motivadora para uma revanche da própria mídia contra Jair Bolsonaro, com a “invenção” das notícias que eram manchete do noticiário de 30 de outubro, dia da homenagem na ALERJ. O Jornal Nacional teve que rever a notícia do dia anterior, depois das rápidas investigações da Polícia Federal e a conclusão da procuradora do MP-Rio Simone Síbilo de que o porteiro que havia citado Jair Bolsonaro em depoimento mentiu, o que ainda está envolto em suspeita.

Ainda assim, é falso que o JN “inventou” que o presidente Jair Bolsonaro tivesse nome envolvido no assassinato de Marielle Franco. Bereia concorda com o jornalista Kennedy Alencar que classificou a matéria do JN como “jornalisticamente impecável”. A matéria é correta do ponto de vista jornalístico ao dar o furo de que o suspeito de matar Marielle entrou no condomínio no dia do crime para encontrar o outro suspeito dizendo que iria à casa de Jair Bolsonaro (nº 58), conforme depoimento do porteiro do residencial ao qual a reportagem teve acesso.

O JN deixou claro na matéria que registros da Câmara Federal apontavam a presença do então deputado Bolsonaro em Brasília, o que expunha uma possível contradição no depoimento do porteiro. Não há “invenção”, houve apuração de dados, inclusive de que foi anotado no livro de visitantes do condomínio que o suspeito Élcio se dirigia à casa 58. Dados sobre o carro usado estão também anotados. Quando isto é questionado, ao mesmo tempo se afirma a curiosa existência de uma trama contra Jair Bolsonaro no dia da morte de Marielle, quando ele ainda era deputado federal. É, portanto, falso atribuir o que foi apresentado pelo JN como “invenção” e também que a matéria seja uma reação contra Jair Bolsonaro por conta de Lula ter sido acusado em uma suposta delação sem a apresentação de dados que substancial tais afirmações.

3 – “24% a menos de homicídios no Brasil em oito meses de governo”. O dado é parcialmente verdadeiro pois diz respeito ao primeiro trimestre de 2019 em relação ao mesmo período em 2018, segundo os dados do Monitor da Violência (uma parceria do G1 com o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública).

O levantamento divulgado em setembro passado, com sete meses de pesquisa, indica um índice um pouco menor: 22,6%, em relação ao mesmo período em 2018, mas mantém a tendência de queda. É verdade que a informação, é algo a ser celebrado, e, como disse a ministra, são menos famílias chorando perdas. No entanto, a afirmação da ministra Damares Alves é enganosa em dois aspectos:

  • Não é possível atribuir a queda do número de homicídios tão-somente a uma ação do governo federal. O declínio vem sendo observado há 15 meses, portanto, anteriormente ao governo Bolsonaro. Segundo pesquisadores são vários os elementos responsáveis pela redução : o ano de 2017 tinha sido extraordinariamente violento com ações de facções dentro de fora de presídios e os especialistas afirmam que quando uma facção como o PCC consolida poder alcança-se um certo equilíbrio; ações de prevenção a crimes dos governos estaduais; criação do Ministério da Segurança Pública, com o Sistema Único de Segurança Pública, sob o governo Michel Temer (com injeção de recursos financeiros nos estados e presídios); o envelhecimento da população (aumenta-se os índices de vivos).
  • Estes números não incluem o aumento do número de mortes provocadas ação policial, não caracterizadas como homicídios. Houve um aumento de 18% no uso letal da força pela polícia entre 2017 e 2018. Em alguns estados é alto o aumento das mortes por policiais: Pará, 68%, Rio de Janeiro e Ceará, 36%, Rio Grande do Norte, 29%, Santa Catarina, 27%, e Minas Gerais, 24%. Não há dados de 2019 mas a aplicação de políticas de eliminação de supostos criminosos indica que serão maiores. O índice de suicídios de policiais também aumentou quase 50% em 2018. O Brasil ainda é um dos países mais violentos do mundo, com taxas de assassinatos muito maiores que a de países como México, Argentina, Estados Unidos e Portugal. Os dados completos de 2018 podem ser encontrados aqui: http://www.forumseguranca.org.br/publicacoes/13-anuario-brasileiro-de-seguranca-publica/

4 – “O abuso sexual está acabando”. A ministra Damares Alves não apresentou dados que comprovem a afirmação de que o abuso sexual esteja acabando por meio do governo Jair Bolsonaro. Ao pesquisar nos dados do Ministério de Direitos Humanos, Mulheres e Família, Bereia encontrou o balanço anual em relação a crianças e adolescentes, por meio das denúncias do Disque 100, de 2018. Em comparação com os dados levantados da mesma fonte a partir de 2011, há oscilações no número de denúncias de violência sexual com crianças e adolescentes, entre altas e quedas: 2011 = 34,73%; 2012 = 28,91%; 2013 = 25,71%; 2014 = 25%; 2015 = 21,86%; 2016 = 20,62%; 2017 = 24,19%; 2018 = 22,40%.

Não há outros registros de dados oferecidos pelo MDHMF tornem possível uma comparação. Os dados oficiais mais recentes sobre esta situação são de 2017, do Ministério da Saúde, indicando que 2011 a 2017 houve aumento de 83% nas notificações de violência sexual contra crianças e adolescentes nas unidades de saúde.  Foi destacado que maioria dessas ocorrências foi praticada mais de uma vez e dentro de casa, sendo os agressores pessoas do convívio, em geral familiares da vítima. Não foram identificadas pesquisas sobre o tema por outras fontes que indiquem números que corroborem a afirmação da ministra de que estes números estejam se extinguindo.  

5 – “A nossa economia está crescendo”. Damares Alves também não apresentou dados sobre esta afirmação. Pode ser que tenha se valido das informações do Monitor do PIB-FGV em relação ao segundo trimestre de 2019: crescimento de 0,2% do PIB no segundo trimestre, na comparação com o primeiro, revertendo a queda de 0,1% observada no primeiro trimestre.

No mês de junho, o indicador aponta crescimento de 0,7% da economia, em comparação a maio. Para o coordenador do Monitor do PIB-FGV Claudio Considera, “O crescimento de 0,2% da economia neste segundo trimestre, segundo o Monitor do PIB-FGV, põe a economia de volta a trajetória de crescimento que havia se perdido no primeiro trimestre. Entre os três grandes setores, a agropecuária e a indústria apresentam taxas negativas, salvando-se os serviços que já apresenta taxas positivas há dez trimestres. Na comparação contra o mesmo trimestre do ano anterior, o crescimento é fraco, mas positivo como já ocorre desde o quarto trimestre de 2016. Os dados mostram que, apesar do crescimento, a economia ainda não consegue se expandir a taxas mais robustas”.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) calcula que o crescimento do Brasil este ano seja de 0,9%, o que colocaria o país no 58º lugar globalmente, junto com Bahamas, Japão e Suécia. O FMI prevê que a economia global cresça 3% em 2019; as economias desenvolvidas se expandiriam em 1,7% e as emergentes, 3,9%. Em 2018, o FMI crescimento de 1,1% no PIB brasileiro.

A checagem de Bereia conclui que as informações dadas pela ministra Damares Alves em discurso na ALERJ são enganosas pois a apresentação delas é baseada em inconclusões, não é substanciada em dados e é desenvolvida para instigar julgamentos negativos a outrem e para manutenção ou conquista de apoio público.

Referência de Checagem:

ALENCAR, Kennedy. Twitter, 30 out 2019. Disponível em: https://twitter.com/KennedyAlencar/status/1189501965698551808?s=20

CARVALHO, Ilona Szabó. Explicando a queda nos homicídios. Folha de S. Paulo, 24 abr 2019. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ilona-szabo/2019/04/explicando-a-queda-nos-homicidios.shtml?loggedpaywall

FORUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. 13º Anuário de Segurança Pública. Disponível em: http://www.forumseguranca.org.br/publicacoes/13-anuario-brasileiro-de-seguranca-publica/

G1. Assassinatos caem 24% no 1º trimestre do ano no Brasil (Monitor da Violência). G1, 13 mai 2019. Disponível em: https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2019/05/13/assassinatos-caem-24percent-no-1o-trimestre-do-ano-no-brasil.ghtml

G1. Em sete meses, Brasil registra 24,4 mil mortes violentas; queda é de 22,6% em relação ao ano passado (Monitor da Violência). G1, 3 out 2019. Disponível em: https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2019/10/03/em-sete-meses-brasil-registra-244-mil-mortes-violentas-queda-e-de-226percent-em-relacao-ao-ano-passado.ghtml

GUIMARÃES, Arthur, FREIRE, Felipe, LEITÃO, Leslie, MARTINS, Marco Antônio, MENEZES, Tyndaro, Jornal Nacional, G1 Rio. Suspeito da morte de Marielle se reuniu com outro acusado no condomínio de Bolsonaro antes do crime; ao entrar, alegou que ia para a casa do presidente, segundo porteiro. G1 Rio, 29 out 2019. Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2019/10/29/suspeito-da-morte-de-marielle-se-reuniu-com-outro-acusado-no-condominio-de-bolsonaro-antes-do-crime-ao-entrar-alegou-que-ia-para-a-casa-do-presidente-segundo-porteiro.ghtml

HAIDAR, Daniel. MP de SP não recebeu depoimento de Marcos Valério que implicaria Lula no caso Celso Daniel. El País, 26 out 2019. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/10/26/politica/1572050707_197593.html

JORNAL NACIONAL. MP diz que depoimentos do porteiro do condomínio de Bolsonaro não condizem com a realidade. Jornal Nacional, 30 out 2019. Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2019/10/30/mp-diz-que-depoimentos-do-porteiro-do-condominio-de-bolsonaro-nao-condizem-com-a-realidade.ghtml.

MARQUES, Hugo. Marcos Valério cita Lula como um dos mandantes da morte de Celso Daniel. Veja, 25 out 2019. Disponível em: https://veja.abril.com.br/politica/marcos-valerio-cita-lula-como-um-dos-mandantes-da-morte-de-celso-daniel/

MINISTÉRIO DA MULHER, FAMÍLIA E DIREITOS HUMANOS. Crianças e adolescentes: Balanço do Disque 100 aponta mais de 76 mil vítimas, 14 jun 2019. https://www.mdh.gov.br/todas-as-noticias/2019/junho/criancas-e-adolescentes-balanco-do-disque-100-aponta-mais-de-76-mil-vitimas

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Vigilância em Saúde. Análise epidemiológica da violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil, 2011 a 2017. Boletim Epidemiológico, n. 27, v. 49, jun 2018. Disponível em: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2018/junho/25/2018-024.pdf

MONITOR DO PIB. Monitor do PIB: a economia volta a crescer lentamente no segundo trimestre. FGV-IBRE, 14 ago 2019. Disponível em: https://portalibre.fgv.br/navegacao-superior/noticias/monitor-do-pib-a-economia-volta-a-crescer-lentamente-no-segundo-trimestre.htm

TV ALERJ. Youtube, 30 out 2019. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=6_fzOH_zNyM

UOL. Meme confunde ao destacar Brasil em ranking de crescimento econômico, 1 nov 2019. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/comprova/ultimas-noticias/2019/11/01/meme-confunde-ao-destacar-brasil-em-ranking-de-crescimento-economico.htm?cmpid=copiaecola&cmpid=copiaecola

Sóstenes Cavalvante retuíta postagem com declaração falsa atribuída à ONG Greenpeace

A postagem retuitada é do Pastor Silas Malafaia (Assembleia de Deus Vitória em Cristo, Rio de Janeiro), padrinho de Sóstenes Cavalcante.  

Sóstenes Cavalcante credenciou e passou adiante o conteúdo que atribui à ONG Greenpeace a declaração de que não poderia ajudar a remover o óleo que contaminou o litoral do Nordeste do Brasil porque lhe faltariam conhecimento e equipamentos. 

A afirmação atribuída ao Greenpeace é conteúdo de um vídeo falso – uma versão editada que usa parte de vídeo publicado pela ONG de defesa do meio ambiente nas redes sociais. Na gravação original completa, com 03 minutos e 07 segundos, Thiago Almeida, da Campanha de Clima e Energia do Greenpeace, tira dúvidas sobre o derramamento de óleo no litoral do Nordeste e confirma a atuação de voluntários da ONG na limpeza de regiões afetadas, apesar de reconhecer e reivindicar que o trabalho de combate ao óleo derramado exige equipamentos e conhecimentos técnicos específicos e deve ser feito por instituições especializadas. 

O ativista Thiago Almeida também afirma no vídeo: “os nossos grupos de voluntários do Maranhão e do Ceará também visitaram os locais impactados, conversaram com a população, colheram depoimentos, fizeram imagens, justamente para documentar tudo aquilo que está sendo afetado, do meio ambiente às pessoas, à economia das regiões”, afirma. 

O Greenpeace publicou fotos de seus voluntários na limpeza das praias no Twitter

O vídeo com conteúdo falso, tem 1 minuto e 11 segundos e usa 20 segundos do vídeo original para acusar o Greenpeace de ter recusado a ajuda na limpeza do óleo nas praias do Nordeste. A montagem foi reproduzida em postagem do Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, no Twitter.  

No tuíte, Salles ironiza que o Greenpeace não tenha se disposto a ajudar na limpeza de praias e ilustra a afirmação com o vídeo editado. O trecho original que relata o trabalho dos voluntários e a coleta de depoimentos da população no Maranhão e no Ceará não foi incluído na versão publicada pelo Ministro do Meio Ambiente. 

O Greenpeace teve sua conta do Twitter bloqueada pelo Ministro Ricardo Salles mas publicou uma resposta contestando a versão falsa de sua declaração no Instragram.  

A plataforma multimídia brasileira de cobertura diária dedicada à verificação do discurso público Aos Fatos publicou matéria  classificando como falso o conteúdo do vídeo publicado pelo Ministro Ricardo Salles.  

Projeto de Lei rejeitado pela Comissão de Educação da Câmara Federal não pretende fortalecer “ideologia de gênero”

Duas postagens do Deputado Federal Diego Garcia, uma pelo Twitter outra pelo Facebook, em 23 de outubro, aclamam uma “grande vitória” na Comissão de Educação da Câmara Federal, da qual é integrante. O deputado informa que participou da votação que “barrou” o PL 9762/2018, “de autoria de parlamentares do PT e PSOL, que queria fortalecer a Ideologia de Gênero”. 

As postagens de Diego Garcia apresentam evidências de desinformação de viés enganoso por abordarem duas situações de fato ocorridas, mas expõem-nas com dados distorcidos e falsos que instigam julgamentos negativos a dois partidos políticos e ao próprio PL. 

As situações de fato ocorridas foram a discussão do PL 9762/2018  na Comissão de Educação da Câmara Federal e a rejeição do PL na Comissão por 17 votos contra 13 (apesar de os números serem apresentados erroneamente na postagem do Twitter do deputado, “17 votos a 3”, sem terem sido corrigidos até a data de redação desta checagem)  

Os dados distorcidos são a atribuição da autoria do PL a parlamentares do PT e do PSOL. Os autores são, na verdade, um grupo de cinco deputados e uma deputada federais, todos do PSOL, encabeçados pelo Deputado Ivan Valente (PSOL-RJ). Um deputado federal do PT, Pedro Uczai (SC), foi o Relator do PL  na Comissão de Educação.  

A informação falsa é a de que o PL 9762/2018 quer “fortalecer a ideologia de gênero”.  

O teor da proposição é a “implementação de Programa Social de Intervenção Social para Prevenção à Violência – PISPV, pela União, em parceria com as demais Unidades da Federação, nos territórios que registrarem altos índices de violência ou que sejam objeto de operações de segurança resultantes de intervenção federal ou de operações voltadas para a Garantia de Lei e Ordem” (Ementa). Ou seja, é uma proposta para uma parceria da União com Estados e Municípios para o enfretamento preventivo da violência. 

Há apenas duas menções à expressão “gênero” e estão no artigo Art. 4º do PL: “O PISPV tem por objetivo prevenir a violência por meio da promoção da superação da pobreza e da inclusão social e da redução das desigualdades sociais, inclusive as de gênero, raça e etnia, por meio de estratégia de desenvolvimento local que contemple… IX – violência e criminalidade, especificando a violência em razão de gênero, raça ou contra a população LGBT; …”  

Fica explicitado no projeto o objetivo de prevenir a violência por meio da promoção da superação da pobreza e da inclusão social e da redução das desigualdades sociais. Nesse caso, o termo “gênero” refere-se apenas à lista de desigualdades sociais destacadas (juntamente com raça e etnia), o que reflete a realidade do país (ver relatório do IPEA/Ministério da Economia).

“Gênero” refere-se também, no texto do PL, a alvo da violência e da criminalidade, da mesma forma que raça e a população LGBTI+, o que também condiz com dados nacionais sobre violência (conforme o Atlas da Violência do IPEA/Ministério da Economia).

O deputado Diego Garcia apresentou emenda ao PL para que se retirasse o termo “gênero” do PL para que fossem inseridos outros termos. A emenda foi rejeitada pelo relator.  

A atitude de Diego Garcia corresponde à postura de uma parcela de líderes religiosos no Brasil, em torno da ideia “Ideologia de gênero”. Ela tem sido considerada por educadores e pesquisadores uma das mais bem sucedidas noções criadas e propagadas no ambiente religioso para desinformar a opinião pública.

Surgido no ambiente católico e abraçado por grupos evangélicos distintos, o termo trata de forma depreciativa a categoria científica “gênero”, que emergiu de estudos acadêmicos sobre questões relativas a gênero e sexualidade na sociedade, nos EUA, a partir dos anos 1970. O uso da ideia de “ideologia de gênero” desqualifica as lutas por justiça de gênero, pela busca da igualdade de condições entre homens e mulheres e ampliação de direitos para LGBTI+. 

Atrela-se, portanto, a categoria científica e as lutas por justiça à noção de “ideologia”, no sentido banalizado de “ideia que manipula, que cria ilusão”. Em oposição à ciência e às causas, defensores do termo propagaram a ideia de que “gênero” seria um instrumento político da esquerda para impor uma sexualidade libertada do que dita a natureza, para permitir que as mulheres tenham liberdade total com seus corpos e para promover o matrimônio homossexual.   

A plataforma multimídia brasileira de cobertura diária dedicada à verificação do discurso público Aos Fatos publicou a matéria “Desenhamos fatos sobre a ‘ideologia de gênero’” com esclarecimentos sobre esta desinformação. 

Ao relacionar o PL 9762/2018 “ao fortalecimento da ideologia de gênero”, Diego Garcia faz uso da desinformação que o termo representa e oferece conteúdo enganoso. As postagens do deputado induzem o público a rejeitar também o PL (que ainda será discutido em outras Comissões da Câmara) com base em informações distorcidas sobre a autoria da proposta e falsas sobre o conteúdo do projeto. 

Referências da checagem: 

Página do PL 9762/2018:  https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2169256

Inteiro teor do PL 9762/2018:  https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=30C1A0B0FB7FBACEEDEF9F490EE4DD6F.proposicoesWebExterno2?codteor=1643916&filename=PL+9762/2018

Parecer do Relator do PL 9762/2018:  https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1756077

RETRATO das Desigualdades de Gênero e Raça. Brasília: Ministério da Economia/Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 2017. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/retrato/ 

ATLAS da Violência 2019. Brasília/São Paulo: Ministério da Economia/Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)/ Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2019. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/arquivos/downloads/6593-190605atlasdaviolencia2019.pdf  

MISKOLCI, Richard, CAMPANA, Maximiliano. Revista Sociedade e Estado, Volume 32, Número 3, p. 725-747, Setembro/Dezembro 2017. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/se/v32n3/0102-6992-se-32-03-725.pdf  

MENEZES, Luiz Fernando. Desenhamos fatos sobre a ‘ideologia de gênero’. Aos Fatos, 6 set 2019. Disponível em: https://aosfatos.org/noticias/desenhamos-fatos-sobre-ideologia-de-genero/