Portal gospel publica matéria enganosa sobre números de violência contra LGBTQIA+

O portal evangélico Pleno News publicou matéria em que afirma que os assassinatos de pessoas LGBTQ+ aumentaram 42% em 2023, primeiro ano do governo Lula, em relação a 2022.  Segundo a publicação, de 21 de julho passado, “o primeiro ano do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teve um aumento de crimes contra pessoas LGBTQ+ de 42% em relação ao ano de 2022, quando foram registradas 151 mortes”. Os dados se referem ao levantamento do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), lançado em 18 de julho.

Imagem: Reprodução Pleno News

Outros veículos alinhados à política extremista de direita, como Conexão Política e Brasil Sem Medo, também abordaram o tema com títulos sensacionalistas. O Brasil Sem Medo, por exemplo, menciona não só o aumento dos assassinatos, mas também o crescimento de lesões e estupros contra a comunidade LGBTQ+, apresentando uma visão alarmista do atual governo federal. 

Imagem: Reprodução: Conexão Política e Brasil Sem Medo

Bereia checou se a informação destas mídias tem procedência: se houve aumento da violência contra pessoas LGBTQIA+, o atual governo federal é responsável por isto?

Os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 

O Anuário, produzido desde 2007, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), é uma das principais fontes de estatísticas sobre  violência e criminalidade no Brasil.  O FBSP é uma organização não governamental, criada em meados da década de 2000, independente de orientações partidárias e sem fins lucrativos. O objetivo principal do Fórum é promover um ambiente de colaboração técnica e referência na área de Segurança Pública, por meio da ação conjunta de pesquisadores, cientistas sociais, gestores públicos, membros das forças policiais (federais, civis e militares), profissionais do sistema judiciário e representantes de organizações da sociedade civil.

A mais recente edição do Anuário, publicada neste julho de 2024, revela um aumento nos homicídios dolosos contra pessoas LGBTQ+, que passaram de 151 casos em 2022 para 214 em 2023, o que representa um crescimento de 41,7% (ajustado para 42% na matéria do Pleno News). 

A série histórica de 2017 a 2023, mostra flutuações significativas nos casos de assassinatos LGBTQ+ no País: 99 casos em 2017, 124 em 2018, 97 em 2019, 167 em 2020, 176 em 2021, 151 em 2022 e 214 em 2023. 

A tabela a seguir compila os dados de homicídios dolosos contra a população LGBTQ+, por estados, publicados no Anuário Brasileiro de Segurança Pública entre os anos de 2018 e 2024.

O FBSP ainda destaca o problema frequente da subnotificação nos casos de violência contra a população LGBTQ+. Os dados são obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI), mas nem todos os estados forneceram dados completos, tais como Rio Grande do Sul, Bahia e Rio de Janeiro. 

Repercussão dos dados

Diferentemente da indiferença a edições anteriores da pesquisa, neste ano, parlamentares e outros políticos de oposição ao atual mandato federal, em especial os alinhados ao extremismo de direita e ao governo anterior, utilizaram o X para comentar os dados. Todos destacaram o aumento da taxa de assassinatos contra a população LGBTQ+ em 2023, com publicações que associam o fenômeno à atual gestão federal. Alguns utilizaram chamadas de mídias de notícias para justificar a crítica.

Imagem: Reprodução X 

Imagem: Reprodução X

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A violência contra pessoas  LGBTQ+ no Brasil

Ao se discutir o aumento dos assassinatos de pessoas LGBTQ+  é preciso considerar a complexidade histórica do problema. Esta parcela da população tem enfrentado décadas de discriminação e violência, em momentos históricos institucionalizadas, quando agravadas pela classificação errônea da orientação sexual homoafetiva como distúrbio mental. 

O Conselho Federal de Medicina (CFM) retirou a homossexualidade da lista de transtornos mentais no Brasil apenas em 1985, mesmo assim, antes da Organização Mundial da Saúde (OMS), que só o fez em 1991. Essa patologização contribuiu com o estigma de que a homossexualidade seria um desvio da norma ou problema mental, que poderia ser revertida e tratada. 

Além disso, a epidemia de Aids, nos anos 1980 e 1990, intensificou a discriminação e a perseguição contra pessoas LGBTQ+. Inicialmente referida como “peste gay”, a doença foi usada por discursos de parlamentares brasileiros, à época das discussões da Assembleia Nacional Constituinte, no final da década de 1980, para equipararem a homossexualidade a práticas criminosas e imorais. 

A combinação de  fatores sociais e políticos, o medo da Aids, o preconceito institucionalizado e a falta de informação adequada, segundo ativistas e especialistas, como os do Observatório de Mortes e Violências LGBT+ no Brasil, foram determinantes para o aumento da violência que se estendeu para além dos homens gays, afetando também lésbicas, bissexuais e, de forma mais proeminente, as pessoas transgênero.

Além desses fatores, há também a condenação de grupos religiosos à homossexualidade, que não se restringe a orientações internas à própria religião, mas acaba, por meio da atuação de lideranças, ganhando propagação para a sociedade mais ampla. 

Em 2024, o Bereia verificou que a cantora e pastora da Igreja Batista da Lagoinha Ana Paula Valadão, foi condenada a pagar uma multa de R$ 25 mil por danos morais coletivos. Ela respondeu a um processo judicial, por conta de discurso homofóbico e discriminatório em relação a pessoas que convivem com o vírus HIV, proferido durante o Congresso Diante do Trono, promovido pela Igreja Batista da Lagoinha em 2016, transmitido pela Rede Super de TV, de propriedade da igreja. 

“(…) Taí a Aids para mostrar que a união sexual entre dois homens causa uma enfermidade que leva à morte, contamina as mulheres, enfim… Não é o ideal de Deus.” declarou a cantora no evento. Na decisão da sentença, o juiz Hilmar Castelo Branco Raposo Filho afirmou que “a manifestação e divulgação da opinião errada atribui à população LGBTQ+ uma responsabilidade inexistente, atingindo a dignidade destas pessoas de modo transindividual, justamente o que caracteriza a lesão apontada pela autora”. 

A teóloga LGBTQIA+ e doutora em Ciências da Religião Ana Esther Freire, em entrevista ao Bereia, destaca que as igrejas cristãs hegemônicas tradicionalmente sempre se opuseram às dissidências sexuais e de gênero. No entanto, ela reconhece uma mudança, a partir da década de 1980, na América Latina, quando surgiram igrejas autodenominadas inclusivas em resposta aos discursos de ódio contra a população LGBTQ+. 

“No Brasil, o crescimento dessas igrejas dá-se, principalmente, a partir da década de 2000, e hoje o que se percebe no campo progressista cristão é uma crescente abertura às discussões sobre a pauta da diversidade sexual.”, afirma a teóloga. 

Ana Esther Freire ressalta o papel do Cristianismo progressista como aliado da comunidade  LGBTQ+, quando afirma: “Nesse contexto, o Cristianismo do campo progressista tem se apresentado como um importante aliado promovendo contra narrativas à crescente manifestação do ódio contra a população LGBTQIAPN+. O que se tem percebido é que, embora o Cristianismo hegemônico esteja envolvido com o crescente número de violência contra essa população por meio de seus discursos de ódio, a resistência a partir das margens do cristianismo também tem aumentado”.

Apesar de avanços em direitos e visibilidade, a partir dos anos 2000, o Brasil ainda carrega o pesado título de país mais homotransfóbico do mundo, de acordo com levantamento realizado pelo Grupo Gay Bahia (GGB), a maior Organização Não Governamental (ONG) LGBTQ+ da América Latina.  Portanto, atribuir a violência e o aumento do índice de assassinatos de indivíduos da  população LGBTQ+ à administração atual, sem considerar as causas profundas e históricas desse problema, gera desinformação. Por isso, Bereia buscou, ainda, levantar quais são as ações em políticas públicas para esta parcela da população brasileira, em especial no atual governo.

Políticas públicas e garantia de direitos à população LGBT

O desenvolvimento de políticas públicas voltadas à população LGBTQ+ no Brasil passou por diversas fases desde a redemocratização. Dois estudos acadêmicos nos ajudam a compreender essa trajetória: o artigo “Por onde andam as políticas públicas para a população LGBT no Brasil” de Luiz Mello, Rezende Bruno de Avelar e Daniela Maroja, publicado em 2012, e o trabalho mais recente de Gimenes e Villela, intitulado “Participação social, Estado e direitos de minorias: a conformação democrática de políticas públicas para a população LGBTI+ no Brasil”.

Mello, Avelar e Maroja, apontam que, até o início dos anos 2000, as iniciativas em prol da comunidade LGBTQ+ eram limitadas. Foi somente a partir de 2001, no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSBD), com o estabelecimento do Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNCD), ligado ao Ministério da Justiça, o governo federal começou a produzir planos, programas e conferências voltados à construção de políticas públicas para a população LGBT no Brasil.  

Gimenes e Villela destacam que os governos do Partido dos Trabalhadores, dois mandatos de Luis Inácio Lula da Silva e mais de um de Dilma Rousseff (2003-2016), proporcionaram significativa abertura ao diálogo com os movimentos LGBTQ+ e expansão das políticas públicas. Este período foi marcado por uma intensificação da participação social na formulação de políticas para a comunidade LGBTQ+.

Segundo o ativista e diretor presidente da Aliança Nacional LGBTQ+ Toni Reis, os editais de apoio à população LGBTQ+, publicados em 2023, são frutos dessa abertura para o diálogo. 

  • O Serpro, Serviço Federal de Processamento de Dados, destinou um milhão de reais para o Edital Agora 3T, visando incluir pessoas trans no mercado de tecnologia; 
  • O Ministério da Cultura dedicou aproximadamente dez milhões ao reconhecimento e valorização da produção cultural feita por pessoas idosas, com deficiência, LGBTQ+ e em sofrimento psíquico, via Prêmio Diversidade Cultural;
  • O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania destinou, por meio do Edital nº 3/2023, pouco mais de 1,2 milhão para o fomento à promoção e defesa de direitos de pessoas LGBTQ+;
  • Em dezembro de 2023, a pasta também anunciou o Prêmio Cidadania na Periferia, que vai reservar um milhão para 20 iniciativas periféricas que promovam a cidadania LGBTQ+. 

Os estudos convergem ao indicar que a criação destes programas e eventos pelo atual governo federal foi fundamental para o avanço dos direitos da população LGBTQ+ no Brasil, com o reforço do compromisso do governo com a proteção e promoção dos direitos humanos para estes cidadãos e cidadãs. 

Há relação entre o aumento dos números da violência e o atual governo?

O doutor em Ciência Política,  professor e pesquisador da PUC-Minas Thiago Coacci, ouvido pelo Bereia, contesta a correlação entre os dados do Anuário e o governo Lula, feita pelo Pleno News e por políticos de oposição em suas mídias. “Não existe relação entre o aumento da violência LGBTIfóbica e as ações do governo Lula”, afirma o pesquisador.

Coacci aponta dois fatores para o aumento registrado. Primeiramente, destaca a progressiva melhora na produção de dados sobre a violência LGBTfóbica, que até pouco tempo não eram coletadas. “Hoje vários estados começam a ter campos nos boletins de ocorrência, para coletar informações como a orientação sexual, identidade de gênero e motivação LGBTIfóbica dos crimes. Além disso, as organizações que produzem os dados de violência, como o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, começaram a se atentar melhor para esse tipo de violência, que antes era ignorada”, explica.

O segundo fator, segundo Coacci, é o aumento generalizado de violência contra grupos oprimidos, o que contribui significativamente para a compreensão desse crescimento. Ele contextualiza: “Esse dado tem que ser entendido em conjunto com o aumento da violência doméstica contra mulheres, com o aumento do discurso de ódio contra pessoas LGBT, com a popularização de um masculinismo extremamente misógino e tantos outros fatores mais abrangentes que terminam por criar uma cultura em que as pessoas lgbti+, e outros grupos oprimidos, são odiadas e matáveis”. 


O doutor em Sociologia e pesquisador do Núcleo de Estudos da Diversidade Sexual e de Gênero Tony Gigliotti Bezerra também foi ouvido por Bereia. Ele afirmou que um governo não pode ser responsabilizado por todos os acontecimentos na sociedade e criticou o material publicado pelo Pleno News como falacioso e sensacionalista.

“O site Pleno News, que é identificado com a extrema-direita bolsonarista, produziu uma manchete sensacionalista que tenta inverter a lógica das ideias e tenta colocar o governo Lula como algoz da população LGBTQIA+, sendo que, na realidade, ele promove políticas de  direitos de LGBTQIA+. Nisso, ele se difere do governo Bolsonaro, que atacava cotidianamente a população LGBTQIA+ e censurava professoras e professores que abordassem esse tema nas salas de aula” explica o doutor. 

Gigliotti comenta que há dados que mostram o investimento em políticas públicas para combater a discriminação e promover os direitos da população LGBTQIA+ durante o governo Lula. “Em países onde a homossexualidade é proibida pelo Estado (em mais de 60 países a homossexualidade ainda é considerada crime), não existem dados sobre a LGBTfobia justamente porque a homofobia é legitimada pelo próprio Estado. Então o Brasil está começando a criar, está ainda engatinhando nessa seara de políticas públicas LGBTQIA+ e está diminuindo a subnotificação. E, com a diminuição da subnotificação, há o aumento de casos registrados de LGBTfobia. Então a manchete deveria ser uma notícia positiva para o governo porque esses casos começam finalmente a serem registrados de maneira formal pelo Estado brasileiro”.

O professor também menciona que é importante lembrar que muitas estatísticas sobre LGBTfobia anteriores vinham do trabalho de ONGs, como o Grupo Gay da Bahia e a Rede Trans, que contavam as mortes de pessoas LGBTQIA+ a partir das notícias de jornal. “O que acontece agora é que as secretarias estaduais de segurança pública estão começando a assumir as suas responsabilidades no sentido de adequar os seus formulários-padrão de boletim de ocorrência para incluir a questão da LGBTfobia. Por isso, o aumento de casos registrados está relacionado à diminuição da subnotificação”. 

Além disso, Gigliotti comenta que a matéria do Pleno News menciona que o aumento no número de homicídios LGBTfóbicos registrados está relacionado à redução da subnotificação. Portanto, houve uma redução na subnotificação, e não um aumento real dos casos de LGBTfobia no primeiro ano do governo.

“A própria reportagem diz também, citando uma especialista do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que diversos estados não informaram os seus dados sobre violência LGBTfóbica. Então, o que acontece é que os estados brasileiros, por meio das Secretarias Estaduais de Segurança Pública, estão começando a colocar em seus formulários de boletim de ocorrência a problemática da LGBTfobia. Assim, é de se esperar que a quantidade de BOs relacionados à LGBTfobia aumente significativamente nos próximos anos, porque cada vez mais estados estão assumindo as suas responsabilidades e colocando esse fator de LGBTfobia dentro dos seus formulários padrão de boletim de ocorrência”. 

Tony Gigliotti também assegura que o que aconteceu, em 2023, foi uma redução da subnotificação e não o aumento da LGBTfobia na sociedade brasileira.

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Bereia classifica como ENGANOSA a afirmação publicada por Pleno News de que o aumento de 42% nos assassinatos de pessoas LGBTQIA+, em 2023, tem relação direta com o governo Lula.

Embora o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024 registre um aumento significativo nos casos de homicídios dolosos contra pessoas LGBTQIA+, de 151, em 2022, para 214, em 2023, não há evidências que sustentem uma relação causal direta entre este aumento e as políticas do atual governo federal.

O veículo gospel evangélico tomou os números sem contextualizá-los. Como especialistas alertam, deve-se considerar a melhoria na coleta e no registro de dados sobre violência LGBTfóbica, o aumento generalizado da violência contra grupos minoritários, o histórico de discriminação e violência institucionalizada contra a população LGBTQI+ no Brasil, e a complexidade das causas da violência contra o grupo, que envolvem fatores sociais, culturais e históricos.

Além disso, como verificado em estudos científicos, o governo atual tem recuperado a implementação de políticas e ações voltadas para a proteção e promoção dos direitos da comunidade LGBTQI+, enfraquecidas no governo anterior, como a criação da Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQI+ e a retomada do Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQI+, entre outras ações.


Bereia alerta leitores e leitores sobre o uso de material noticioso falso e enganoso como campanha política de oposição. Como é sempre enfatizado neste espaço, oposição é uma prática importante e saudável em uma democracia, porém deve ser realizada de forma digna, sem recorrer a mentiras e enganos, como estratégia de destruição de reputações e como convencimento para captação de apoios.

Referências

CNN Brasil.

https://www.cnnbrasil.com.br/saude/ha-40-anos-primeiros-casos-de-aids-eram-relatados-nos-eua/. Acesso em 23 de julho de 2024.

Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 

https://forumseguranca.org.br/ Acesso em 22 de julho de 2024.

G1.

https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2024/01/20/mortes-violentas-de-pessoas-lgbtqia-na-ba-2023.ghtml. Acesso em 23 de julho de 2024.

Senado Federal.

https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/arquivo-s/aids-chegou-ao-brasil-ha-40-anos-e-trouxe-terror-preconceito-e-desinformacao. Acesso em 23 de julho de 2024.

Veja. 

https://veja.abril.com.br/saude/por-que-considerar-a-homossexualidade-um-disturbio-e-errado/. Acesso em 23 de julho de 2024.

Coletivo Bereia.

https://coletivobereia.com.br/pastora-e-cantora-evangelica-ana-paula-valadao-e-condenada-por-falas-publicas-discriminatorias-contra-pessoas-lgbtqia/. Acesso em 23 de julho de 2024.

Revista Sociedade e Estado.

https://www.scielo.br/j/se/a/xZP7MNQxfysrJX53QTdcXsD/#. Acesso em 24 de julho de 2024. 

Diadorim. https://adiadorim.org/reportagens/2024/01/politica-lgbtqia-avanca-em-2023-mas-direitos-trans-e-educacao-patinam/. Acesso em 25 de julho de 2024.

Argumentos – Revista do Departamento de Ciências Sociais da Unimontes.

https://www.periodicos.unimontes.br/index.php/argumentos/article/view/7647. Acesso em 25 de julho de 2024.

Fundação Fernando Henrique Cardoso.

https://fundacaofhc.org.br/linhasdotempo/direitos-lgbtqia/. Acesso em 25 de julho de 2024.

Diadorim. https://adiadorim.org/noticias/2024/01/lula-sanciona-orcamento-com-maior-verba-para-politica-lgbtqia-da-historia/. Acesso em 26 de julho de 2024. 

Observatório de Mortes e Violências LGBTI+ no Brasil, https://observatoriomorteseviolenciaslgbtibrasil.org/dossie/mortes-lgbt-2022/  . Acesso em 26 jul 2024.

Diadorim. https://adiadorim.org/reportagens/2024/01/politica-lgbtqia-avanca-em-2023-mas-direitos-trans-e-educacao-patinam/. Acesso em 26 de julho de 2024. 

Conass Informa. https://www.conass.org.br/conass-informa-n-24-publicado-o-decreto-n-11-371-que-revoga-o-decreto-no-9-759-de-11-de-abril-de-2019-que-extingue-e-estabelece-diretrizes-regras-e-limitacoes-para-colegiados-da-ad/. Acesso em 26 de julho de 2024. 

Foto de Capa: Rovena Rosa/Agência Brasil

Site religioso repercute mentira veiculada pela Folha sobre cobrança de mensalidade em universidades públicas

Em 7 de julho o site religioso Pleno.News publicou matéria com o título “Mensalidade na federal: Governo pensa em cobrar alunos ricos”, na qual afirma que “a equipe econômica do governo Lula (PT) redirecionou as atenções a outras medidas para ajudar nas despesas da Educação; entre elas, cobrar mensalidade de alunos ricos que estudam em universidades públicas”. 

Imagem: reprodução/Pleno.News

As informações foram tiradas de matéria da Folha de S.Paulo, que ainda afirmava que o governo buscaria alterar regras do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação ) para equilibrar as contas públicas.

Imagem: reprodução/Folha de S.Paulo

O título e a abertura da matéria de Pleno.News contradizem o que está no próprio texto: que o Ministério da Fazenda havia se manifestado dizendo que as propostas nunca estiveram nos planos da pasta. Além disso, no seu perfil no X, o Ministério ainda acrescentou “que não foi procurado pelo jornal, o que impediu uma manifestação oficial antes da publicação”.

Imagem: reprodução/X

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Bereia classifica as informações sobre cobrança de mensalidades do governo e de alteração nas regras do Fundeb, repercutida pelo Pleno.News a partir de matéria da Folha de S.Paulo, como falsas. As iniciativas não constam na proposta de reforma tributária enviada ao Congresso e o Ministério da Fazenda não foi ouvido pelo jornal sobre o assunto antes da publicação da matéria. 

Bereia alerta leitores e leitoras a não aceitarem informação publicada, mesmo por grandes mídias, que tenham base em fontes anônimas, sem pesquisa e fundamentação sobre o que dizem tais fontes e sem ouvir a parte citada em declarações. São elementos básicos e fundamentais na construção de uma notícia. 

Referências de checagem:

Folha de S.Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2024/07/governo-cogita-cobrar-de-alunos-ricos-em-federais-e-mudar-fundeb-para-ajustar-contas.shtml Acesso em: 12 jul 2024

Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/noticias/1057389-CONHECA-O-PROJETO-DO-GOVERNO-QUE-REGULAMENTA-A-REFORMA-TRIBUTARIA Acesso em: 12 jul 2024

X. https://twitter.com/MinFazenda/status/1810346843756277834?t=Ee1JdOWB-wFZ66Xfvg2OSw&s=19 Acesso em: 12 jul 2024

Gov.br. https://www.gov.br/secom/pt-br/assuntos/notas/nota-de-esclarecimento-sobre-a-reportagem-governo-cogita-cobrar-de-alunos-ricos-em-federais-e-mudar-fundeb-para-ajustar-contas Acesso em: 12 jul 2024

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Foto de capa: Luis Fortes/MEC

Imprensa e políticos da bancada evangélica no Congresso repercutem decisão da justiça catarinense que obriga pais a vacinar suas filhas

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) manteve, no dia 28 de junho, decisão da 2ª Vara Cível da Comarca de São Bento do Sul, que determinou que um casal providencie, no prazo de 60 dias, a imunização de suas duas filhas de acordo com o esquema vacinal proposto pelo Ministério da Saúde. De acordo com a decisão, se os pais não acatarem a determinação, deverão pagar multa diária, entre R$ 100 e R$ 10 mil, em favor do Fundo de Infância e Adolescência daquele município. A ação foi ajuizada pelo Ministério Público catarinense. A não realização da vacinação das crianças somente seria aceita por meio da apresentação de atestado médico que comprovasse a contraindicação.

A decisão gerou reação crítica de parlamentares cristãos nas mídias sociais que negam a eficácia da vacinação, principalmente, da vacina contra a covid-19. Tal postura é recente no país,  fruto da desinformação que invadiu os espaços digitais ligados à extrema direita. Bereia já checou e refutou os argumentos que são apresentados como supostos motivos para não vacinar crianças e adolescentes

Imagem: reprodução do perfil do senador Cleitinho (REPUBLICANOS-MG)

Imagens: reprodução do perfil do senador Jorge Seif Junior (PL – SC) 

A deputada federal Júlia Zanatta usou a repercussão do caso para publicitar o Projeto de Decreto Legislativo (PDL 486/2023), de sua autoria, que susta a Nota Técnica do Ministério da Saúde que incorpora as vacinas contra a covid-19 no Calendário Nacional de Vacinação Infantil, para crianças de seis meses a cinco anos de idade. 

Imagens: reprodução do perfil da deputada federal Júlia Zanatta (PL – SC) 

Apesar dos parlamentares afirmarem que a determinação serve para forçar a aplicação da vacina contra a covid-19 nas crianças, o processo corre em segredo de justiça e, por isso, o Judiciário não pode informar  sobre a idade dos menores, nem quais vacinas devem ser administradas obrigatoriamente.

O site Pleno.News também repercutiu a decisão do TJSC. 

Imagem: Reprodução do site Pleno.news

Já o jornal Gazeta do Povo publicou uma entrevista em que o deputado Osmar Terra critica a obrigatoriedade da vacinação e que classifica a decisão do TJSC como absurda. 

Imagem: Reprodução do site Gazeta do Povo

Entenda o caso

Em 28 de junho, o site do Poder Judiciário de Santa Catarina divulgou notícia que confirma que o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) manteve a decisão, tomada na 2ª Vara Cível na comarca de São Bento do Sul,que determina que um casal deve realizar a vacinação de suas duas filhas, no prazo de 60 dias, de acordo com o esquema vacinal do Ministério da Saúde.

A notícia destaca que o não cumprimento da determinação acarreta o pagamento de multa diária entre R$ 100 e R$ 10 mil em favor do Fundo de Infância e Adolescência do município. A não vacinação das crianças só será aceita perante apresentação de atestado médico que comprove a contra indicação. A decisão foi tomada devido às infrações administrativas às normas do Estatuto da Criança e do Adolescente.

O site também aponta que a mãe recorreu da decisão e alegou que toma as devidas providências para a saúde das filhas. Ela defendeu que está sendo obrigada a realizar a vacinação sem segurança para tal e assim colocaria em risco a integridade física das filhas. Em contrapartida, o juiz declarou que, segundo o artigo 227 da Constituição da República, é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança o direito à vida, à saúde, à dignidade e ao respeito. A decisão também aborda a importância da vacinação e das vidas que poderiam ter sido poupadas graças às vacinas durante a pandemia de covid-19.

Vacinação infantil e o impacto da determinação

A partir do artigo 227 da Constituição Federal, é possível afirmar que crianças e adolescentes deixam de ser considerados meros objetos de tutela e devem ser considerados sujeitos de direitos, de forma que a ação estatal e familiar deve garantir a realização de todos os seus direitos. Além disso, o primeiro inciso do artigo 14, do Estatuto da Criança e do Adolescente, define que é obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias.

Contudo, a obrigatoriedade da vacinação infantil pela legislação é questionada com frequência no período recente, especialmente após a descredibilização das vacinas durante a pandemia de covid-19. O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), um dos críticos da eficácia das vacinas, anunciou, em 2021, que não vacinaria a filha contra a  covid-19, à época, com 11 anos. 

Sobre a distinção que ocorre entre casos como o do ex-presidente e o que acarretou a decisão do TJSC, a enfermeira pediátrica Juliana Campos, disse, em entrevista ao Bereia, que a decisão judicial, em geral, é resultado de uma série de negligências que a criança pode estar sofrendo.

“Quando chega a ser determinação judicial, provavelmente a criança já vem vivenciando situações de negligência do responsável legal. São crianças que adoecem com mais frequência, que têm números de internações mais elevados e concomitantemente sofrem outras negligências envolvidas relacionadas ao estilo de vida. São casos muito críticos, dentro da unidade de saúde e realidades mais comuns do que imaginamos. As crianças adoecem porque não estão com o esquema vacinal completo e, assim, são mais propensas a desenvolver diversas doenças que são evitáveis pelas vacinas oferecidas pelo próprio governo”, ela afirma.

O que dizem os especialistas?

O advogado especialista em Direito Constitucional Antonio Carlos de Freitas Júnior falou, em entrevista ao site jurídico JusBrasil, que a mera recomendação de vacinação pela autoridade sanitária já a torna obrigatória para as crianças por força normativa do ECA. “A omissão dos pais na vacinação por si só deflagra o sistema de proteção do estatuto, que pode acarretar em diversas sanções aos pais”, afirmou o advogado ao site. Ele ressalta ainda que, criminalmente, os pais poderão, ainda, ser responsabilizados nos termos do artigo 132 do CP: “Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente, com detenção, de três meses a um ano”. O advogado avalia que “em caso de morte ou de lesão corporal os pais podem responder pela modalidade culposa de tais crimes podendo ser aplicado ou não o perdão judicial a depender do caso concreto”..

Na mesma linha de pensamento de Freitas Júnior, o advogado, especialista em Direito e Processo Penal Leonardo Pantaleão entende que os pais são responsáveis por eventual omissão penalmente relevante e que, em razão dela, cause danos à saúde ou à vida de seus filhos menores.l: “nesse sentido, a simples não vacinação das crianças, já os coloca como potencialmente incursos nas penas do artigo 132 do Código Penal”, afirma.

O jurista acrescenta. “Caso, em razão da não imunização, a criança seja contaminada e apresente complicações de saúde, os pais ou representantes omissos responderão criminalmente pelo resultado produzido em decorrência da omissão, ou seja, lesão corporal ou, no pior cenário, pelo resultado da morte”, reforçou.

No mesmo sentido, Julina Campos destaca que a vacinação é um direito que deve ser garantido às crianças e que está explícito na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do adolescente, como citado anteriormente. A enfermeira destaca ainda a importância da vacinação: “entende-se que a vacina é uma forma de prevenção de várias doenças e existem estudos que comprovam isso. O aumento da não vacinação por sua vez vem de movimentos de grupos anti vacina e que não tem nenhuma fundamentação científica para tal”.

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Bereia checou as informações divulgadas nas mídias gospel e avalia que não houve exageros ou inverdades nas publicações. De fato, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina determinou que os pais vacinem suas filhas em 60 dias, caso contrário, estão sujeitos a multa diária de 100 a 10 mil reais. A única ressalva é que, por correr em segredo de justiça, não há informação sobre as idades dos menores e sobre a qual vacina ou vacinas o processo se refere.

Bereia alerta leitores e leitoras quanto ao uso político de parlamentares negacionistas do direito à imunização e da obrigatoriedade dela como recurso de saúde pública que visa à coletividade, especialmente em períodos eleitorais, como 2024.

Referências

G1. https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2024/07/02/justica-obriga-vacinacao-de-filhas-em-sc.ghtml Acesso em: 02 de julho de 2024.

Agência Brasil. https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2024-07/justica-da-60-dias-para-casal-vacinar-filhas-em-santa-catarina Acesso em: 02 de julho de 2024.

https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2022-12/pais-sao-obrigados-vacinar-criancas-o-que-diz-lei. Acesso em: 02 de julho de 2024.

Tribunal de Justiça de Santa Catarina. https://www.tjsc.jus.br/web/imprensa/-/casal-deve-vacinar-filhas-conforme-esquema-vacinal-do-ministerio-da-saude-confirma-tj-?redirect=/ Acesso em: 02 de julho de 2024.

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Folha de São Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2024/07/justica-de-santa-catarina-determina-prazo-para-casal-vacinar-filhas.shtml#:~:text=O Acesso em: 02 de julho de 2024.

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Jus Brasil. https://www.jusbrasil.com.br/artigos/os-pais-sao-obrigados-a-vacinar-seus-filhos/1179178028  Acesso em: 02 de julho de 2024.

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https://www.jusbrasil.com.br/artigos/art-14-1-do-eca-vacinacao-obrigatoria-das-criancas/1360421127 Acesso em: 03 de julho de 2024.

https://www.jusbrasil.com.br/artigos/a-vacina-e-o-eca-estatuto-da-crianca-e-do-adolescente/1353254407 Acesso em: 03 de julho de 2024.

Defensoria do Rio Grande do Sul

https://www.defensoria.rs.def.br/saiba-quais-as-consequencias-legais-caso-pais-maes-ou-responsaveis-legais-nao-vacinem-as-criancas-contra-a-covid-19

https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-com-ciencia/noticias/2024/janeiro/e-falsa-a-informacao-de-que-o-brasil-e-o-unico-pais-que-vacina-criancas-contra-a-covid-19 Acesso em: 03 de julho de 2024.
Migalhas. https://www.migalhas.com.br/depeso/369030/ha-arbitrariedade-na-obrigatoriedade-da-vacinacao-infantil Acesso em: 03 de julho de 2024.

Imagem da Capa: Paulo Pinto/Agência Brasil

Sites religiosos desinformam sobre protestos pró-Palestina em universidades

Os protestos de estudantes que começaram em universidades americanas e se espalham por outras instituições ao redor do mundo, inclusive no Brasil, têm gerado uma onda de notícias enganosas que se alastram tanto nos Estados Unidos quanto em solo brasileiro. Sites evangélicos como Pleno.News, Gazeta do Povo e Gospel Mais classificam os protestos como antissemitas e denunciam suposta ameaça aos judeus que frequentam as universidades em questão. 

O portal evangélico Pleno.News publicou, em 8 de maio, matéria apontando o acampamento de estudantes da USP como “anti-Israel”, já o Gospel Mais repercutiu as falas do Pr. Jack Graham, da Igreja Batista Prestonwood, na cidade de Plano, no Texas (EUA). O pastor acredita que os protestos contra os ataques israelenses fazem parte de uma “batalha espiritual” contra o povo de Deus e que “Satanás odeia o que Deus ama”. Os veículos criticam a ação dos universitários e classificam como uma ameaça aos judeus que estudam ou trabalham nessas instituições. 

De igual modo, o jornal Gazeta do Povo publicou, em 4 de maio, editorial que critica duramente os universitários, alegando um suposto “ódio aos judeus”. No mesmo texto, há relatos de ataque a judeus, exaltação ao terrorismo e crimes de ódios, entretanto sem detalhes que comprovem a denúncia. 

Imagem: Reprodução/Pleno.News

Imagem: Reprodução/Gospel Mais

Imagem: Reprodução/Gazeta do Povo

A disseminação de que os movimentos pró-Palestina são antissemitas é uma construção traduzida no posicionamento de parte de líderes políticos e religiosos brasileiros, que mostram como existe uma visão sionista de parcela da comunidade cristã brasileira, algo que se estruturou nos útlimos anos, conforme Bereia já abordou. Figuras públicas como a deputada federal Carla Zambelli e o Influenciador Guilherme Kitler repercutem e reforçam esses posicionamentos, ao apoiarem as medidas tomadas pelo governo estadunidense em relação aos protestos e declarar a existência de ritos islâmicos entre os estudantes.

Imagem: Reprodução Instagram

Imagem: Reprodução/Instagram

Desde o início do conflito, a Liga Anti-Difamação (ADL, na sigla em inglês) tem sido fonte sobre aumento do número de denúncias de supostos casos de antissemitismo em todo o mundo. O material apresentado pela organização em janeiro aponta que os casos de antissemitismo aumentaram quase 400% nos EUA, contudo os dados apresentados são usados como forma de reprimir os protestos e movimentos pró-Palestina, no que é um modus operandi da ADL. 

Cristãos que se manifestaram pró-Palestina e contra o sionismo

Em contrapartida a essa parcela da população, nos Estados Unidos e ao redor do globo, que acredita que os movimentos em favor da Palestina são antissemitas e anti-sionistas, como mostram os textos publicados nos sites supracitados e as publicações nas mídias sociais, outras instituições religiosas defendem e apoiam os movimentos. As instituições americanas United Methodist Church (UMC), United Church of Christ, Conference of Bishops of the Evangelical Lutheran Church in America (ELCA) e Presbyterian Church (U.S.A.)’s Office of Public Witness não só declararam apoio aos movimentos, mas criticaram o governo israelense e exigiram dos Estados Unidos o desinvestimento na guerra, um cessar fogo e auxílio para as pessoas que estão em condições precárias na Palestina. 

Algumas das ações realizadas pelas organizações citadas repercutiram na mídia. O Escritório de Testemunhas da Igreja Presbiteriana enviou, em conjunto com outras cem instituições, uma carta ao presidente Biden na qual pedem que o governo aprove o restabelecimento do financiamento à Agência de Assistência e Obras das Nações Unidas, organização que realiza serviços sociais para refugiados palestinos. Membros da Igreja Metodista Unida se uniram aos estudantes em protesto pela Palestina e bispos da Igreja Evangélica Luterana na América enviaram ao presidente estadunidense uma carta em que pedem pelo cessar fogo em Gaza.

Imagem: Reprodução United Methodist Church (UMC)

Imagem: reprodução Presbyterian Church (U.S.A.)’s Office of Public Witness

Imagem: Reprodução Conference of Bishops of the Evangelical Lutheran Church in America (ELCA)

Bereia ouviu o professor e atual coordenador do departamento de história e estudos ecumênicos do Princeton Theological Seminary (Seminário Teológico de Princeton), em Nova Jersey, Dr. Raimundo César Barreto, Jr. que tem apoiado os estudantes acampados na Universidade de Princeton nos protestos. “O acampamento de solidariedade à Palestina está acontecendo na universidade, mas conta com a participação de estudantes do seminário. Dentre os estudantes que foram injustamente banidos do campus (de Princeton), dois eram do seminário. Um chegou a ser preso”, conta o professor que participa de um grupo de docentes que apoia as manifestações. 

“Professores também têm se organizado nas diversas universidades para apoiar os estudantes. (Aqui), um grupo de Professores pela Justiça na Palestina (do qual eu e mais dois colegas do seminário também fazemos parte) foi formado. Este grupo vem se reunindo regularmente e participando dos eventos em apoio aos estudantes”, relata Dr. Barreto.

“O movimento é completamente liderado e organizado por estudantes, de caráter não violento, na tradição de outros movimentos anti-guerra e mesmo do movimento pelos direitos civis dos anos 60”, afirma o professor. Ele ressalta ainda que apesar do caráter pacífico das manifestações, a resposta da universidade foi violenta desde o início, com a polícia do campus impedindo a colocação de tendas no acampamento e prendendo dois estudantes nos primeiros 15 minutos do acampamento. 

Barreto acrescenta que “Desde os protestos contra a Guerra no Vietnã, passando pelas manifestações contra o apartheid na África do Sul, a indiferença e dureza encontrada na administração do atual presidente da universidade Christopher L. Eisgruber levou um grupo de estudantes a iniciar uma greve de fome, na tentativa de provocar um diálogo. Apesar da comoção na comunidade, Eisgruber continua resistindo ao diálogo”, lamenta.  

Relação Israel-EUA é motor dos protestos

Para o professor do Princeton Theological Seminary, a resposta de Israel aos ataques do Hamas no dia 7 de outubro foram desproporcionais, ultrapassando em muito o que possa ser considerado um legítimo direito de defesa do Estado de Israel. “Em menos de dois meses de ação militar em Gaza, quase 16.000 palestinos, muitos dos quais crianças e até bebês recém-nascidos tinham sido mortos, 41.000 feridos e a destruição completa de 60% das casas na Faixa de Gaza”. Além disso, continua Barreto, “toda a população de Gaza foi afetada pela falta de água, energia elétrica, e acesso à ajuda humanitária. Tal resposta, não por acaso, foi compreendida como uma política genocida. Estes números foram quase triplicados nos últimos meses”. 

O pastor explica ainda que o apoio financeiro e político dos EUA ao governo israelense tem sido questionado pelos universitários. “Foi esta cumplicidade dos EUA com o massacre da população palestina em Gaza que reativou um movimento já existente no país e em muitas universidades. Os estudantes pedem não apenas o cessar-fogo imediato em Gaza, mas o desinvestimento de suas universidades, ou de qualquer companhia que apoie ou financie (se beneficie) os atos genocidas do Estado de Israel, além de transparência nos investimentos”, alega.  Segundo o professor, algumas universidades e seminários, inclusive o Union Theological Seminary, em Nova Iorque, têm respondido a estas demandas de forma positiva, adotando um compromisso com o desinvestimento. “As universidades de Princeton, Columbia, Harvard e Emory, entre outras, no entanto, adotaram uma resposta dura, com uso da força policial para intimidar os estudantes ou desmantelar os acampamentos, se negando a sequer se sentar com os estudantes para negociar suas demandas”.

Não-violência e multi-etnicidade

O pastor brasileiro radicado nos EUA afirma que tem testemunhado diariamente o compromisso dos estudantes com a ação não-violenta. “Mesmo quando são provocados por grupos de israelitas sionistas que têm sido muito agressivos no contra-protesto, querendo provocar confrontos, ou mesmo diante da violência e provocação por parte de seguranças e policiais. A imprensa tem se calado sobre a participação de muitos estudantes judeus no movimento e do convívio harmonioso entre islâmicos, judeus, cristãos e sem religião nos acampamentos, que inclui o máximo respeito aos atos de devoção de cada grupo”, garante.  

Barreto finaliza exaltando os estudantes que são de origem diversa como Oriente Médio, Índia, México, afro-americana, entre outras “É um despertar para uma injustiça sistêmica que se tornou inaceitável. Um movimento demandando um basta à cumplicidade dos EUA, que sustentam esta violência sistêmica com doações anuais de bilhões de dólares, e das universidades que investem em companhias que têm sangue em suas mãos. Mesmo os estudantes que foram presos, fichados na polícia, criminalizados, não tem se deixado intimidar, demonstrando uma determinação de continuar na luta, mesmo numa situação de tremenda desvantagem”.

Como tudo começou?

No dia 7 de outubro de 2023 o mundo presenciou o ataque que causaria o início do atual conflito. Classificado por diversas autoridades públicas como um ataque terrorista, realizado pelo partido político palestino Hamas (Movimento de Resistência Política). Entretanto, o grupo não é reconhecido como terrorista pela Organização das Nações Unidas). O acontecimento marcou o início de uma guerra na qual Israel está respondendo com uso de força considerada desproporcional pelas autoridades públicas. Bereia checou estes dados. 

O Hamas, por sua vez, alega que os ataques se restringiram a alvos militares. em entrevista ao jornal Correio Braziliense, o Chefe do Departamento Político em Gaza e membro do Comitê Político do Hamas Basem Naim disse que os alvos do grupo eram complexos militares e soldados. “Nós evitamos civis, mulheres, crianças e homens. Ao mesmo tempo, temos dito que estamos prontos para receber qualquer comitê de investigação da ONU ou internacional, a fim de apurar o que ocorreu em 7 de outubro”, assegurou.  

Naim garante que cerca de 70% dos palestinos ainda apoiam a resistência, apesar da agressão e da destruição. “A popularidade do Hamas aumentou depois de 7 de outubro. O Hamas é parte do tecido social e político palestino”, explicou o líder que ocupou o posto de ministro da Saúde entre 2007 e 2012”. 

Desde o início do conflito, o ataque de Israel na Faixa de Gaza foi tão intenso a ponto da guerra ser considerada a mais mortal da história da Palestina desde 2015. Esse posicionamento ofensivo atrelado ao apoio financeiro que Israel recebe por parte dos Estados Unidos foi criticado por autoridades políticas e sociais, inclusive por membros do governo estadunidense, o que culminou para o início dos protestos pró-Palestina em universidades estadunidenses, além do  posicionamento de organizações religiosas a favor do movimento. 

O que está acontecendo nos protestos pró-Palestina nas universidades?

Nos Estados Unidos as tensões se agravaram após a reitora da Universidade de Columbia, Nemat Minouche Shafik, reprimir os protestos que se iniciavam no dia 18 de abril. Após a fala da reitora, os protestos se espalharam por diversos outros campi nos EUA, como o Instituto de Tecnologia de Massachusetts, na Universidade do Texas, na Universidade de Michigan e na Universidade da Califórnia. Os manifestantes exigem que as universidades cortem laços com Israel.

Após a repercussão das manifestações, o presidente estadunidense, Joe Biden, afirmou que a liberdade de expressão e o direito de protestar são válidos, mas condenou a violência e o vandalismo, além de afirmar que os movimentos seriam antissemitas. Contudo os protestos seguem, o número de manifestantes presos já ultrapassa 2 mil e o apoio a eles cresce ao redor do mundo: nos últimos dias foram observados protestos no Reino Unido, França, Índia, Canadá e Brasil. 

No Brasil estudantes organizados pelo Comitê de Estudantes em Solidariedade ao Povo Palestino ocuparam os prédios de História e Geografia da Universidade Estadual de São Paulo (USP). Os manifestantes exigem que a universidade corte relações com as universidades israelenses parceiras, além de mobilizarem um abaixo-assinado para que outras universidades do país realizem as mesmas reivindicações.

Imagem: Reprodução/G1

Contraponto

Apesar do apelo midiático que define os movimentos como antissemitas, estudiosos afirmam que não existem manifestações de ódio entre os estudantes. O professor de História Europeia e Estudos Alemães na Universidade Brown nos EUA Omer Bartov contou em entrevista ao jornal Democracy Now que esteve presente nas manifestações na Universidade da Pensilvânia. 

Bartov, que é israelense, diz ter observado jovens estadunidenses, judeus e árabes pedindo por justiça em um clima agradável, sem violência ou discursos de ódio. “Não houve absolutamente nenhum som – nenhum sinal de qualquer violência, de qualquer anti-semitismo. Havia estudantes judeus lá. Havia estudantes árabes lá. Havia todos os tipos de jovens lá. E a atmosfera era muito boa”, conta o professor. “os numerosos governos sob o comando de Benjamin Netanyahu têm promovido esta agenda argumentando que qualquer crítica às políticas israelitas, às políticas de ocupação israelitas, como antissemita”

Omer Bartov aponta ainda que ouviu entrevistas de estudantes judeus que dizem se sentir ameaçados, mas ele coloca em discussão como não há questões ameaçadoras no ato dos estudantes se oporem à ocupação e opressão causada por Israel. De acordo com o professor, estes estudantes sentem medo, porque aprenderam a se sentir assim diante da bandeira palestina ou de símbolos que representam os muçulmanos. 

“Tenho ouvido algumas entrevistas com estudantes judeus que se sentem ameaçados, parece-me que muitos deles se sentem ameaçados porque veem uma bandeira palestina, porque ouvem pessoas clamando pela intifada. ‘Intifada’ significa ‘sacudir’, sacudir para se livrar da ocupação. Mas não há nada de ameaçador em opor-se à ocupação e à opressão. Isso não é antissemitismo, da mesma forma ser anti-sionista não é ser antissemita”.

Imagem: Reprodução/Democracy Now

Durante a entrevista o professor aborda um pouco sobre o direito que os estudantes têm de se manifestar enquanto cidadãos. Os protestos pelo fim do ataque de Israel ecoam os movimentos que marcaram a história dos EUA nos anos 1960, quando os estudantes estadunidenses se uniram pelo fim da Guerra do Vietnã. Apesar das diferenças entre os dois conflitos, os manifestantes se unem em prol do fim da violência e do fim do financiamento das guerras pelo governo estadunidense.

Imagem: Reprodução/BBC

Bereia ouviu o teólogo pela PUC-Rio, pesquisador, especialista em teologia negra e ativista de direitos humanos Ronilso Pacheco. Para ele, não há nenhuma ação dos manifestantes no intuito de impedir que alunos judeus acessem a universidade. “Eu falo do lugar de quem estudou na Universidade de Colúmbia, de quem mantém vínculos com amigos, com pessoas e professores que estão em Colúmbia e que está acompanhando os protestos de perto. Não tem, nem nunca teve na verdade, esse tipo de ação”, afirma o pesquisador que é mestre em Religião e Sociedade no Union Theological Seminary (Columbia University) em NY e autor de “Ocupa, Resistir, Subverter” (2016) e “Teologia Negra: O sopro antirracista do Espírito” (2019).

Pacheco explica, ainda, que desde o início grupos conservadores de judeus e protestantes estadunidense usaram o suposto antissemitismo para deslegitimar o movimento dos estudantes. “Isso é um debate desde o início. Uma espécie de estratégia de movimentos conservadores tentando emplacar a ideia de que estudantes judeus estão sendo impedidos de professar o seu judaísmo ou de acessar os campos ou de assistir aulas”, lamenta o teólogo que é diretor de programas do Instituto de Estudos da Religião (ISER). 

“Muitos estudantes judeus, anti-sionistas ou mesmo sionistas de esquerda estão ao lado dos estudantes no protesto em defesa da Palestina e contra a resposta cruel e completamente desequilibrada e desigual de Israel. Muitos estudantes do Jewish Theological Seminary, um seminário teológico-judaico, estavam no campus da Columbia nos protestos”, continua Pacheco. 

O pastor ressalta que os críticos do movimento dos universitários tentam transformar as críticas ao sionismo e ao governo de Benjamin Netanyahu, premier israelense, ao ódio à judeus. “Eles pegaram essas falas e essas críticas pontuais como uma forma de intimidação dos estudantes judeus e casos absolutamente isolados de uma outra crítica mais exacerbada virou uma generalização de que isso era uma filosofia do movimento, e não era”. 

Judaísmo e Islamismo

Outro ponto destacado por Pacheco é a suposta conversão dos estudantes ao islamismo como uma forma de lavagem cerebral do movimento. “Não tem nenhum processo de conversão ao islamismo. Eles fizeram um recorte de ocasiões em que estudantes muçulmanos, estavam no seu momento de oração. Não tem nenhuma prova, que houve conversão ao islamismo no campus. O que houve foram as orações dos estudantes muçulmanos, que é uma imagem forte e que é muito simbólica. Afinal de contas, você está falando de uma agressão contra a Palestina”, frisa o pesquisador. 

“(O que acontece em Gaza, hoje) É uma investida direta com relação ao território da Palestina e contra o povo. Estratégias que desconsideram completamente a sociedade civil palestina. Todo o movimento é no sentido de que Israel recue da sua estratégia mal pensada, que tem colocado em risco a vida de milhões, milhares de palestinos, como uma forma de pressionar o Hamas. É Israel que dialoga com o Hamas, não são os protestos”, analisa o pastor.

***

Bereia conclui que as publicações que declaram as manifestações estudantis pró-Palestina como antissemitas são enganosas pois induzem o público a construir uma visão negativa e parcial sobre o posicionamento dos estudantes e todas as organizações que defendem o fim da opressão e ocupação realizada por Israel em Gaza.

Enquanto matérias publicadas em veículos religiosos e reproduzido por figuras públicas nas mídias sociais afirmam que o posicionamento pró-Palestina é antissemita, há organizações religiosas que reconhecem nos movimentos a importância de defender as pessoas que estão sendo oprimidas e em situações precárias na Palestina, como observado nas matérias publicadas pelas próprias organizações. Além disso, estudiosos e membros de instituições religiosas que presenciaram os últimos acontecimentos defendem a legitimidade e o caráter pacífico das manifestações.

Referências de checagem:

BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/articles/cqeplqy3e3eo – Acesso em 8 de maio de 2024.

https://www.bbc.com/portuguese/articles/cgl3jnpz7dyo – Acesso em 8 de maio de 2024.

G1
https://g1.globo.com/mundo/noticia/2023/10/09/conflito-entre-israel-e-hamas-e-o-mais-mortal-em-territorio-israelense-desde-2008-na-palestina-desde-2015.ghtml – Acesso em 8 de maio de 2024.

https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2024/05/07/estudantes-da-usp-se-juntam-a-onda-mundial-de-protestos-e-montam-acampamento-pro-palestina.ghtml – Acesso em 8 de maio de 2024.


Agência Brasil https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/internacional/audio/2024-02/israel-x-hamas-4-meses-de-guerra-quase-29-mil-mortos-e-nenhum-acordo – Acesso em 8 de maio de 2024.

https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2024-04/universidades-dos-eua-tem-protestos-pro-palestina-autoridades-reagem – Acesso em 8 de maio de 2024.

https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2024-04/reitora-de-universidade-dos-eua-sofre-pressao-por-reprimir-protesto – Acesso em 8 de maio de 2024.

The Guardian
https://www.theguardian.com/us-news/2024/apr/27/bernie-sanders-benjamin-netanyahu-israel-gaza-war
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adl.org
https://www.adl.org/resources/blog/global-antisemitic-incidents-wake-hamas-war-israel – Acesso em 8 de maio de 2024.

CNN Brasil
https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/das-manifestacoes-pro-palestina-as-reacoes-judaicas-entenda-os-protestos-em-universidades-dos-eua/ – Acesso em 8 de maio de 2024.

https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/onde-protestos-universitarios-pro-palestina-estao-acontecendo-ao-redor-do-mundo/#:~:text=A – Acesso em 8 de maio de 2024.

https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/protestos-pro-palestina-universidades-estados-unidos-pessoas-presas/ – Acesso em 8 de maio de 2024.

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https://www.unitedmethodistbishops.org/newsdetail/united-methodist-bishops-call-for-ceasefire-in-gaza-18303396 – Acesso em 7 de maio de 2024.


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UCC.ORG https://www.ucc.org/ucc-officers-issue-statement-amid-ongoing-unrest-on-college-campuses/ – Acesso em 7 de maio de 2024.


The New York Times. https://www.nytimes.com/2024/01/28/us/politics/black-pastors-biden-gaza-israel.html?unlocked_article_code=1.ok0.LRap.jtX1qjhT_tCB&smid=wa-share – Acesso em 7 de maio de 2024.

YouTube.
https://www.youtube.com/watch?v=9aTAnFDZSr8 – Acesso em 7 de maio de 2024.

‘Estudantes protestam como contra Guerra do Vietnã’: a crise nas universidades dos EUA por conflito em Gaza. https://www.bbc.com/portuguese/articles/c3gl0w34gx1o – Acesso em 10 de maio de 2024.

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Foto de capa: AI-Monitor

Políticos e sites religiosos desinformam sobre resolução a respeito de atuação religiosa em presídios

O site Pleno.News publicou, em 2 de maio, matéria sobre a nova resolução do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), que supostamente proibiria o evangelismo nos presídios brasileiros, alegando o veto ao proselitismo religioso, ou seja, a prática de conversão ou persuasão religiosa ou de crença. 

A matéria citada destaca que o evangelismo passou a ser proibido dentro das penitenciárias do país e declara que nenhum detento poderá ser obrigado a aderir a determinada linha religiosa como requisito para transferência, admissão ou permanência na cadeia. O texto do site descontextualiza o que afirma o documento oficial de que não se trata de uma resolução do governo Lula (PT), e sim do CNPCP.

Fonte: Reprodução/Pleno.News

Parte dos parlamentares evangélicos no Congresso Nacional reagiu negativamente ao documento e acusou o governo de perseguição religiosa e de afrontar a liberdade das igrejas. O deputado federal Helio Lopes (PL-RJ) reproduziu em seu perfil no X uma imagem remetendo à matéria de Pleno.News. Já o deputado Messias Donato (PP-ES), também no X, publicou texto classificando a Resolução como indício de perseguição religiosa.

Imagem: reprodução do Instagram

Imagem: reprodução do X (Twitter)

O influenciador Guilherme Kilter também repercutiu a resolução como proibição de evangelismo nos presídios por parte do Governo Lula. O site Gospel Prime foi outro veículo que publicou matéria com conteúdo semelhante.

Imagem: reprodução do Instagram

Imagem: reprodução/Gospel Prime

O que diz a nova Resolução

A Resolução nº. 34, de 24 de abril de 2024, citada pela matéria do Pleno.News, e postada nas mídias digitais, estabelece as diretrizes e normas para a assistência religiosa nos estabelecimentos prisionais do país, levando em conta a liberdade religiosa e a laicidade do Estado. Sem caráter de lei, tem como objetivo respeitar a diversidade de crenças e a liberdade de escolha dos detentos, e não indica nenhuma proibição direta ao evangelismo.

O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) é um órgão colegiado formado por juristas, acadêmicos e representantes da sociedade civil criado em 1980 e com atribuições previstas pelo artigo 64 da Lei de Execução Penal – LEP (Lei nº 7.210, 11 de julho de 1984). Embora ele esteja atrelado ao Ministério da Justiça, a atribuição de responsabilidade pela discussão e eventual publicação de resoluções pelo chefe do Poder Executivo não procede. Isso ocorre porque a composição e a definição legal do Conselho impedem a interferência do governo federal nas decisões, conforme foi determinado desde a sua implantação. 

Ainda assim, o Ministério da Justiça emitiu nota esclarecendo que a Resolução nº35 visa a garantir a laicidade do Estado e proteger os direitos dos presos, evitando abusos e manipulações. No entanto, líderes evangélicos alegam que ela dificulta o trabalho de ressocialização e recuperação dos detentos por meio da fé. 

Resolução não proíbe evangelização

A Resolução reafirma as cláusulas pétreas da Constituição Federal de 1988, que em seu artigo 5º, inciso VI,  dispõe sobre a inviolabilidade da “liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. O artigo 19, inciso I, também reforça a separação do Estado e da religião. Vale lembrar ainda que a resolução estabelece que os agentes religiosos devem ser credenciados e seguir normas de conduta e segurança. 

O documento do CNPCP não proíbe a evangelização nos presídios, e afirma que  “será assegurado o direito de professar qualquer religião ou crença, bem como, o exercício da liberdade de consciência aos ateus e agnósticos e adeptos de filosofias não religiosas”. Além disso, “será garantido à pessoa privada de liberdade o direito de mudar de religião, consciência ou filosofia a qualquer tempo, sem prejuízo da sua situação de privação de liberdade”.

É importante reforçar que a Resolução  tem o objetivo de garantir todas as práticas religiosas, sem a interferência do Estado, e a autorização para entrada, em estabelecimentos penais, de materiais de cunho religioso para estudo e aperfeiçoamento. De acordo com o documento, a religião não pode ser forçada a ninguém, e nem a participação em cultos deve ser objeto de punição ou benesse. Além disso, oferece a fiéis de outras crenças a garantia do seu direito de culto. 

O presidente do CNPCP, Douglas de Melo, destacou que, ao contrário do que está sendo propagado e divulgado, a resolução não representa perseguição religiosa e reitera seu compromisso com a Constituição Federal e com diretrizes internacionais relativas ao tema. “Aliás, pelo contrário, pois ao longo dos debates realizados no processo de construção do documento, o CNPCP sempre se mostrou atento à necessidade de evidenciar a importância das garantias de liberdade de consciência e de crença e de livre exercício, em igualdade de condições, dos cultos religiosos. Nós reprovamos qualquer tipo de comportamento que coloque esse direito em risco”, declarou.  

A realidade prisional e das capelanias

Bereia ouviu Samuel Lourenço Filho, egresso do sistema prisional e que se converteu ao Cristianismo durante cumprimento de pena. Hoje formado em Gestão Pública para o Desenvolvimento Econômico e Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ele expressou sua incompreensão sobre a alegada perseguição a evangélicos nos presídios. A seu ver, “não há nada na resolução que crie margem para o uso do termo”. Também desconhece “há pelo menos uns 18 anos, alguma medida que aponte para algum traço de perseguição.”. 

Sobre o documento do Conselho, Lourenço Filho, esclareceu que se trata simplesmente de uma recomendação. “Se todas as recomendações do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) fossem seguidas à risca, o cenário prisional seria mais humano e menos populoso. Portanto, não se deve interpretar a resolução de forma tão extremada”, destacou, afirmando “foi mal interpretada em sua  tentativa de aparar arestas”.  

Lourenço Filho afirmou que “quem atua na ponta, na capelania prisional, sabe muito bem que não há perseguição de governo, gestor penitenciário, policial penal, preso ou qualquer outro. A igreja na cadeia é extremamente livre”. Ele enfatizou que não cabe na recomendação a questão do dízimo: “Como dizem por aí, ‘se tem placa, tem história’. Mas eu desconheço qualquer atividade religiosa que subtrai valores da população prisional; ao contrário, ela ajuda e ajuda muito. A igreja é extremamente importante no âmbito da assistência religiosa e material”.

Outro ponto citado foi a importância do papel da igreja no sistema prisional, como “organismo vital no apoio religioso e material”. Ele abordou as críticas sobre o uso do tempo e conversão na prisão, considerando-as desajustes. “Os presos evangélicos organizam-se rapidamente para manter seus espaços de culto e criar um ambiente próprio. É uma questão de respeito mútuo, e a separação por crenças é comum. Se os evangélicos não tivessem seu espaço, a dinâmica prisional, que é complexa, não reconheceria o preso convertido como ‘pastor’. A separação contribui para a conversão, a mudança e a manutenção de uma rotina pacífica”, explicou ao Bereia

Lourenço Filho reconheceu a prática comum do dízimo entre os próprios detentos, usada para manter e melhorar a vida na prisão.  “Já participamos de coletas de dinheiro na cela, em forma de dízimos e ofertas. Isso é parte da nossa dinâmica para conservação e manutenção do ambiente prisional,” explicou. Ele também destaca o uso compartilhado de espaços como capelas ecumênicas. “As igrejas, especialmente as evangélicas, que realizam cultos diários, contribuem com materiais para a construção e manutenção desses locais, que são frequentemente cuidados pelos próprios presos”, explica Lourenço Filho.

Para concluir a entrevista ao Bereia, Lourenço Filho ressalta que a principal questão não é a imposição de crenças, mas a falta de políticas inclusivas para outras atividades religiosas. “Se violões são permitidos nos cultos, por que não atabaques em outras cerimônias? Isso reflete uma falha da administração, não do governo”, argumenta. Para ele, a igreja continua sendo a principal provedora de assistência religiosa nos presídios, um papel frequentemente mal interpretado, visto que a prisão é um espaço público. Ele critica a eficácia da recente recomendação, considerando-a parte de uma controvérsia desnecessária contra o governo. “Quem realmente visita as prisões não se preocupa com essas recomendações e sim com o bem-estar dos detentos”.

Liberdade de culto para todas as religiões  

Bereia entrevistou também Erivelto Melchiades da Silva, pesquisador da área de Direitos e Sistema de Justiça, egresso do sistema prisional e defensor dos direitos religiosos. Segundo ele, a liberdade de culto é restrita em sua maioria aos evangélicos, e o que acompanha com sua visão e experiência “é uma ‘certa’ perseguição a outras denominações religiosas, principalmente as de religiões de matriz africana e, se esta resolução for cumprida a risca, favorece a liberdade de culto e crença de quem está privado do seu direito de ir e vir”.

Silva recorda que, durante sua estadia no sistema carcerário, o “proselitismo religioso” em realidade operava de forma agressiva e opressiva contra as outras religiões.  As de matriz africana eram as mais combatidas, “demonizando, desrespeitando e oprimindo os adeptos, através dos cultos e trabalhos evangelísticos realizados nas galerias das unidades prisionais, além da não permissão a utilização do templo religioso por parte de outras denominações a não ser as evangélicas”, conclui o pesquisador Erivelto Melchiades da Silva ao Bereia.

Lula e perseguição aos cristãos: antiga estratégia de pânico moral 

Desde a redemocratização do país em 1989, circulam especulações de que o PT fecharia igrejas, principalmente evangélicas, ao chegar ao Executivo. Esses rumores acompanharam as candidaturas de Luiz Inácio Lula da Silva (1989, 1994, 1998, 2002, 2006, 2018 e 2022), Dilma Rousseff (2010 e 2014) e  Fernando Haddad (2018). Mesmo com Lula (PT) e Dilma (PT) eleitos e reeleitos, esses boatos nunca cessaram, sendo  exponencialmente escalonados com o uso político-partidário das mídias digitais.  

Na última eleição,  circularam de vídeos e  publicações fora de contexto que insinuavam perseguição aos evangélicos, destruição das instituições da família tradicional heteronormativa e o fechamento de templos. Isso foi  amplamente utilizado para alimentar e monetizar as páginas de opositores, líderes religiosos e empresários  nas mídias digitais.

Veículos de imprensa e portais de  notícias se tornaram vetores de respaldo e apuração, possibilitando que tais tipos de manipulações dos fatos alcançassem diversos públicos. O caráter apelativo e distorcido da realidade, incitando ódio, rancor e medo,  tem sido bem explorado por setores religiosos, especialmente os ligados à extrema-direita brasileira.

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Bereia conclui que a matéria publicada pelo Pleno.News sobre resolução Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) proibindo a evangelização em presídios é enganosa. Ao contrário do que é afirmado pelo site e por políticos evangélicos e influenciadores, a decisão do Conselho não veta a evangelização, apenas reafirma a liberdade religiosa e a diversidade de cultos aos detentos do sistema penitenciário,  já garantidas pela Constituição de 1988. Também é incorreto atribuir a Resolução como ato da Presidência da República. O título distorce o conteúdo da matéria e apresenta fatos fora do contexto com o objetivo de causar comoção, se tornar mais atrativo para ser amplamente compartilhado,  e confundir o leitor. 

Referências de checagem:

BRASIL. Resolução no 34, de 24 de abril de 2024. Estabelece diretrizes para a assistência religiosa no sistema prisional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2024. Disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/resolucao-n-34-de-24-de-abril-de-2024-556521006. Acesso em: 6 maio 2024.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2023]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 7 maio 2024.

BRASIL DE FATO. Lula vai fechar igrejas? Conheça as principais mentiras contra o candidato petista. Brasil de Fato, 1º de outubro de 2022. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2022/10/01/lula-vai-fechar-igrejas-conheca-as-principais-mentiras-contra-o-candidato-petista. Acesso em: 6 maio 2024.

CPAD NEWS. Resolução do governo proíbe conversão religiosa em presídios. CPAD News, [s. l.], 2024. Disponível em: https://www.cpadnews.com.br/resolucao-do-governo-proibe-conversao-religiosa-em-presidios/. Acesso em: 6 maio 2024.

GOV.BR. Resolução de Conselho de política penitenciária garante liberdade religiosa em presídios. Disponível em: https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/resolucao-de-conselho-de-politica-penitenciaria-garante-liberdade-religiosa-em-presidios. Acesso em: 7 maio 2024.

G1. É #FAKE mensagem que diz que Lula declarou que irá fechar igrejas em 2023. Disponível em: https://g1.globo.com/fato-ou-fake/eleicoes/noticia/2022/10/07/e-fake-mensagem-que-diz-que-lula-declarou-que-ira-fechar-igrejas-em-2023.ghtml. Acesso em: 6 maio 2024.

O GLOBO. Bancada evangélica se revolta com resolução do governo Lula que proíbe proselitismo religioso em presídios. Disponível em: https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2024/05/04/bancada-evangelica-se-revolta-com-resolucao-do-governo-lula-que-proibe-proselitismo-religioso-em-presidios.ghtml. Acesso em: 10 maio 2024.

POLITIZE. Liberdade religiosa: o que é e como funciona no Brasil. Politize, [s.d.]. Disponível em: https://www.politize.com.br/artigo-quinto/liberdade-religiosa/#:~:text=O%20artigo%205%C2%BA%2C%20em%20seu,culto%20e%20a%20suas%20liturgias. Acesso em: 7 maio 2024.

VEJA. Governo cria regras para liberdade de culto e apoio espiritual em presídio. Veja, [s. l.], 2024. Disponível em: https://veja.abril.com.br/coluna/maquiavel/governo-cria-regras-para-liberdade-de-culto-e-apoio-espiritual-em-presidio. Acesso em: 6 maio 2024.

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Foto de capa: Ron Loach/Pexels

Site gospel engana sobre ataque a vereador autor de lei que restringe “ensino de gênero”

* Matéria atualizada em 08/05/2024 para ajuste de texto

O portal de notícias Pleno.News publicou, em 29 de abril, matéria apontando que o  vereador Anderson Campos (Republicanos), da cidade de Nilópolis, no Rio de Janeiro, teria sofrido supostos ataques por ter criado uma lei  “que restringe o ensino de assuntos relacionados a gênero em escolas públicas e privadas do município da Baixada Fluminense”.

Ao afirmar que o parlamentar foi alvo de ataques, o texto cita o trecho de uma nota emitida pelo Sindicato dos Profissionais da Educação do Estado do Rio de Janeiro (Sepe), avaliada como  um ataque à lei e ao vereador. 

Bereia verificou a íntegra da nota citada na matéria do Pleno.News e sua repercussão nas mídias sociais.

Imagem: Reprodução / Pleno News

O que diz a lei que quer restringir “ensino de gênero” nas escolas

Promulgada em 9 de abril de 2024, a Lei Ordinária nº 6.813, de autoria de Campos, tem como objetivo “assegurar a pais e responsáveis o direito de vedarem a participação de seus filhos em atividades pedagógicas no âmbito do município Nilópolis”.

A norma também obriga as instituições de ensino do município a informarem os pais sobre quaisquer “atividades pedagógicas de gênero” que possam ser realizadas no ambiente escolar, e define as práticas como “aquelas que abordam temas relacionados à identidade de gênero, orientação sexual, diversidade sexual, igualdade de gênero e outros assuntos similares”. 

Dessa forma, a participação dos alunos ficaria condicionada à prévia autorização dos pais, que devem encaminhar à escola um documento assinado que informe se concordam ou não com a atividade promovida. 

A proposta de Campos prevê, ainda, que as instituições de ensino recebam advertência, multa, suspensão de atividade e até mesmo cassação da autorização de funcionamento se houver descumprimento da lei. Em caso de reincidência, escolas podem ter que pagar de R$ 1 mil a R$ 10 mil por aluno que tenha participado de atividades não aprovadas pelo responsável.

Referência da imagem: Reprodução / Boletim Oficial da Câmara Municipal de Nilópolis

Para entender os impactos da lei na rotina do ambiente escolar, datas comemorativas, como o Dia Internacional da Mulher, podem exigir que as instituições de ensino precisem de autorização dos pais para atividades no dia a dia dos alunos. Isso porque o 8 de março, por exemplo, é marcado pela memória das conquistas femininas na história e pela luta pela igualdade de direitos entre homens e mulheres, o que pode ser entendido como a noção de igualdade de gênero, tal como citada na lei.

A norma foi promulgada pelo presidente da Câmara de Nilópolis, vereador Zé Ribeiro (PL), após o prefeito do município, Abraãnzinho, da mesma legenda que o parlamentar, não ter sancionado e nem vetado a proposta em 15 dias – tempo que o chefe do executivo da cidade tem para a decisão, de acordo com a Lei Orgânica do Município, antes de que ela se dê por sancionada automaticamente. 

Quem é o vereador Anderson Campos 

Campos, 26 anos, é vice-presidente da Câmara de Vereadores de Nilópolis e se apresenta como um líder de jovens apaixonados por Jesus. É vinculado à Igreja Assembleia de Deus Wallace Paes Leme, e foi eleito em 2020 com 1.486 votos. Em 2022, o parlamentar foi candidato a deputado estadual no Rio de Janeiro, pelo Republicanos, com um total de 9.249 votos, número que não foi suficiente para ser eleito.

O vereador ganhou as páginas dos jornais ao ser processado pela apresentadora Xuxa Meneghel, em 2021, após se referir a ela como “assediadora de menores”, em postagens no seu perfil do Instagram. Ao perder a ação por calúnia, injúria e difamação, o vereador teve que apagar o conteúdo ofensivo e publicar pedidos de desculpas.

Nota do SEPE e repercussão

A nota do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (Sepe) em Nilópolis, citada na matéria do Pleno News, foi divulgada pela unidade regional do sindicato em Nilópolis (portanto,não é o parecer da direção estadual) e repudiou a aprovação da Lei 6.813 pela Câmara Municipal.

Publicada na página da organização no Facebook, a única menção do texto ao vereador Anderson Campos diz que ele é “conhecido por seu alinhamento com a extrema direita bolsonarista, tenta impor a ideologia do seu campo política através da coação e da ameaça com multa e fechamento de escolas, caso estas se recusem a cumprir uma lei inconstitucional”. 

O posicionamento da regional do sindicato ainda citou a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de abril de 2020, que declarou ser inconstitucional a Lei 1.516/2015, do Município de Novo Gama (GO), que tinha como objetivo proibir a utilização, em escolas públicas municipais, de material didático que contenha o que chama de “ideologia de gênero”. Bereia já produziu matéria sobre este e outros casos.

A nota da unidade regional do Sepe faz críticas ao conteúdo da lei e ao vereador, mas elas são restritas ao âmbito de sua atuação política:

“A lei 6.813 de 09 de abril de 2024, é um retrocesso na luta dos direitos civis contra o machismo e a Lgbtfobia (ódio contra lésbicas, gays, bissexuais e transsexuais). O Brasil, segundo a ONU, é um dos países mais violentos contra mulheres, lésbicas, gays e transexuais, sendo estes as principais vítimas de homicídio, junto com a população negra, no país. Em defesa da constituição e dos direitos de todos a vida, o Sepe – Nilópolis tomará ações contra a lei do machismo e da  Lgbtfobia aprovada pela Câmara Municipal de Nilópolis”, concluiu o sindicato.

Os comentários na postagem do sindicato carregam o mesmo tom de crítica da nota e não citam o vereador, nem manifestam qualquer hostilidade ao autor da lei. Nas publicações de Campos no Instagram, Twitter e Facebook também não se encontram comentários em tom de ataque a ele, e prevalece a participação de seus apoiadores.

Vereador alinhado à extrema-direita 

O alinhamento com pautas defendidas pela extrema direita e a proximidade com os membros da família Bolsonaro são ostentados com orgulho nos perfis de Campos nas mídias sociais, e o mesmo se declara com um “vereador bolsonarista”.

Em fevereiro deste ano, Campos deu a honraria de cidadão honorário de Nilópolis ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O vereador decidiu entregar pessoalmente o título na casa do capitão reformado do Exército.

Imagem: reprodução do Facebook

Imagens: Reprodução / Instagram

Após a publicação do portal Pleno News, perfis no Instagram repercutiram a informação de que o parlamentar estava sendo alvo de ataques pela criação da lei 6.813/2024, sem informar que tipo de ataques.

Imagens: Reprodução / Instagram

Bereia entrou em contato com a assessoria de imprensa do parlamentar, mas até o fechamento deste texto não recebeu resposta. 

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Bereia classifica como enganosa a notícia publicada pelo site gospel Pleno News, de que o vereador Anderson Campos (Republicanos) tem sido atacado por seu trabalho na Câmara de Nilópolis. A aprovação da lei e a crítica emitida pelo núcleo regional do Sepe são verdadeiras, mas a apresentação dos fatos é feita para confundir e gerar a narrativa de perseguição contra o parlamentar. A matéria do Pleno News, em nenhum trecho, demonstra conteúdo que possa ser classificado como ataque. Apenas cita trechos da nota da unidade municipal do Sepe.

Como Bereia verificou, a nota da unidade municipal do Sindicato dos Profissionais da Educação do Estado do Rio de Janeiro, tem teor e argumentos que desaprovam a lei proposta por Anderson Campos, porém não apresenta palavras que possam ser classificadas como violentas ou de “ataque”. Bereia também não identificou textos ou imagens em forma de ataque nas mídias sociais do parlamentar nem nas do Sepe. Figuras públicas, como um vereador, estão sujeitas a manifestações, também públicas, de opiniões críticas à sua atuação. 

Bereia alerta leitores e leitoras sobre a estratégia de publicação de conteúdo enganoso sobre “ataques”, especialmente em período eleitoral, como forma de campanha baseada no pânico da perseguição religiosa a cristãos, algo inexistente no Brasil, como já verificado em várias matérias. 

Referências da checagem:

Diário Oficial da Câmara Municipal de Nilópolis: https://vozdosmunicipios.com.br/wp-content/atos-oficiais/2024/Abril/26-04-2024/camara3549.pdf Acesso em: 5 mai 2024

Metrópoles: https://www.metropoles.com/brasil/vereador-tera-que-apagar-post-sobre-xuxa-ser-assediadora-de-menores Acesso em 5 mai 2024

Perfil do vereador Anderson Campos: 

https://www.instagram.com/andersoncamposbr/

https://www.instagram.com/p/C6XtKjwrL1j/?igsh=Y3V5c3YxOTFyaDA%3D https://www.instagram.com/p/C6Z3VwQAe08/  Acesso em 5 mai 2024

Núcleo nilopolitano do Sindicato dos Profissionais da Educação do Estado do Rio de Janeiro (Sepe): https://www.facebook.com/permalink.php?story_fbid=pfbid07MppVZx5Y4EHAvTmK52WbT3Ad6pkhHXYCtagXJLZtKDU7ZG4StGFnRMFKLEsHrYgl&id=61557291435048 Acesso em 5 mai 2024
Decisão do Supremo Tribunal Federal (STF): https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=442331&ori=1  Acesso em 5 mai 2024

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Foto de capa: YouTube

Site evangélico desinforma sobre resolução do Conselho Nacional de Assistência Social para comunidades terapêuticas

* Matéria atualizada em 07/05/2024 para ajuste de texto; e em 08/05/2024 para complementação de informações

O site Pleno.news noticiou, em 26 de abril passado, que o governo Lula teria cortado recursos destinados ao tratamento de dependentes químicos, realizado por comunidades terapêuticas (CTs). A matéria, que foi produzida a partir de uma notícia do veículo O Globo, aponta que o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) deixou de reconhecer essas comunidades como organizações de assistência social, portanto, elas deixariam de receber recursos destinados ao setor. Outros sites como a Gazeta do Povo também noticiaram a mesma informação.

Imagem: Reprodução do site Pleno.news

A matéria, que foi produzida a partir de uma notícia do veículo O Globo, aponta que o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) deixou de reconhecer essas comunidades como organizações de assistência social, portanto, elas deixariam de receber recursos destinados ao setor. 

Imagem: Reprodução do site Pleno.news

Além de O Globo, outros veículos de comunicação, como a Gazeta do Povo, também noticiaram a mesma informação de formas semelhantes.

Imagem: Reprodução do site Gazeta do Povo

A matéria do Pleno.news explica que a decisão foi tomada devido à falta de alinhamento dessas comunidades com os requisitos necessários para fazer parte do Sistema Único de Assistência Social (Suas). Assim, governos estaduais e municipais teriam 90 dias para cancelar a inscrição das comunidades para receber apoio governamental.

A manchete utilizada no Pleno.news, “Governo Lula corta recurso de comunidades para dependentes”, sugere que as verbas destinadas ao cuidado de pessoas que necessitam de apoio foram cortadas sem justificativa. Bereia checou esta notícia. 

A matéria de O Globo que foi base para a do Pleno.news é mais completa. Apesar de ter o mesmo título, explica com detalhes e fontes factíveis as pressões que envolveram a decisão do CNAS. Além disso, a matéria realiza um resgate sobre o histórico da relação dos CTs com o governo federal e os investimentos que foram realizados para as comunidades nos últimos anos.

O que são comunidades terapêuticas? E como elas se popularizaram?

De acordo com o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – SISNAD, regulamentado pelo Decreto nº 9.761/2019 e pela Lei nº 13.840/2019,  as comunidades terapêuticas são como entidades privadas e sem fins lucrativos que realizam o acolhimento de pessoas com transtornos decorrentes do uso, do abuso ou da dependência de substâncias psicoativas, em regime residencial transitório e de caráter exclusivamente voluntário (espontâneo).

Essas comunidades não integram o Sistema Único de Saúde (SUS), mas fazem parte do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), como equipamentos da rede suplementar de atenção, recuperação e reinserção social de dependentes de substâncias psicoativas.

Como já abordado pelo Bereia, as CTs têm, desde sua origem, uma ligação com o segmento religioso, denominadas “centros de recuperação”. De acordo com estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea),, a primeira comunidade terapêutica do país surgiu em 1968, mas a prática só se popularizou a partir da década de 80. As CTs apresentam diferentes projetos, mas têm em comum a metodologia de estabelecer espaços de internação de dependentes distantes dos centros urbanos (retiros), baseados em tratamentos via abstinência e “laborterapia” (trabalho forçado) para alcance da “cura”, aliados à pregação da conversão religiosa com exercícios espirituais e catequese. 

A relação das CTs com o governo federal por sua vez se iniciaram ao final do segundo mandato do presidente, Luis Inácio Lula da Silva, com o programa “Crack, é possível vencer”, realizado pelo Ministério da Justiça. Nesse programa, o governo passou a contratar vagas nas CTs e de tal forma financiar as comunidades. Elas  expandiram ainda mais a atuação durante o governo do ex-presidente Bolsonaro, por conta  do Decreto Nº 9.761, referente à Nova Política Nacional de Drogas, assinado em abril de 2019. O decreto preconiza a construção de uma sociedade protegida do uso de drogas, e estabelece o foco na abstinência por meio de ações e programas de cuidados, como as Comunidades Terapêuticas.

Após esse marco, as CTs passaram a ser uma das principais políticas públicas de tratamento para dependentes durante o governo de Bolsonaro. Segundo o estudo “Financiamento público de comunidades terapêuticas brasileiras entre 2017 e 2020”, realizado pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e pela ONG Conectas Direitos Humanos, publicado em abril de 2022, os investimentos federais passaram de R$39,2 milhões em 2018, para R$104,8 milhões em 2019.

Imagem: Reprodução do relatório Financiamento público de comunidades terapêuticas brasileiras entre 2017 e 202

O estudo mostra ainda a distribuição das verbas estaduais e municipais durante o mesmo período. Enquanto o financiamento municipal subiu de R$4 milhões, em 2018, para R$5,3 milhões, em 2019, o financiamento estadual caiu de R$78,3 milhões em 2018 para R$74,6 milhões em 2019. Contudo, o cenário total dos investimentos públicos no período ainda representa aumento significativo.

Imagem: Reprodução Financiamento público de comunidades terapêuticas brasileiras entre 2017 e 2020

Denúncias de maus tratos e violências

Apesar da popularização e investimentos destinados às Comunidades Terapêuticas, nos últimos anos, denúncias sobre o funcionamento destas organizações colocaram em questionamento sua atuação. Denúncias de maus tratos e violência como o caso em que a Polícia Civil de Goiânia resgatou 50 vítimas de cárcere e tortura em uma CT em Anápolis (GO), se tornaram públicas, algumas delas checadas pelo Bereia.

Outros casos também tiveram repercussão nacional, como as queixas de agressão e maus tratos na Comunidade Terapêutica Kairós em São Paulo, divulgada pelo programa de TV Fantástico (Rede Globo), em novembro de 2023. Em 2015, o Ministério Público de São Paulo já havia disponibilizado um roteiro para fiscalização da atuação das CTs ainda assim,  oito anos depois, os casos de maus tratos em CTs ainda são realidade no estado.

Em fevereiro de 2023, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) havia se manifestado  contrário ao recém-criado Departamento de Apoio às Comunidades Terapêuticas, ao alegar que não há comprovações científicas da pertinência e da eficácia do modelo de assistência prestado nas comunidades.

A então coordenadora da Comissão Intersetorial de Saúde Mental (Cism) do CNS, também representante do Conselho Federal de Psicologia Marisa Helena Alves, afirmou que, historicamente, a comissão se posiciona contrária ao financiamento público das comunidades. “Esse posicionamento da comissão é baseado em evidências presentes em relatórios de inspeção do CFP, OAB, Ministério Público dentre outras entidades, que comprovaram a violação de direitos humanos nessas instituições”, declarou a coordenadora da Cism.

O Relatório do Ministério Público Federal (MPF), citado pelo Cism, divulgado em 2018, foi baseado em vistorias realizadas no ano anterior, em 28 comunidades terapêuticas, de 11 estados. De acordo com o documento, em todas as CTs visitadas foram identificadas práticas que configuram violações de direitos humanos, como tortura, sequestro, cárcere privado e trabalho forçado.

Os antropólogos Maurício Fiori (Cebrap) e Taniele Rui (Unicamp), ao organizarem uma coletânea de trabalhos de especialistas dedicados ao estudos das CTs, em 2021, afirmam que:

“Espalhadas pelo país e atingindo força política inédita, as CTs são tão inescapáveis do debate sobre
drogas quanto complexas em sua definição. (…) indeterminações sobre suas características estruturais e sobre seu papel parecem ser parte de sua potência política. As CTs têm como prática o isolamento, mas não podem ser definidas como clínicas nem como hospitais psiquiátricos. Abrigam quem está em situação vulnerável, mas não se confundem com residências terapêuticas nem com equipamentos de assistência social, como abrigos. A prática da religiosidade é cotidiana, normalmente incondicional, mas tais instituições não se apresentam, e nem são vistas, como igrejas. Nessa zona ambígua, as CTs não se limitam mais ao autofinanciamento, estão
fortalecidas em associações próprias e recebem regularmente recursos cada vez mais vultosos de
diferentes esferas do poder público”.

Fiori e Rui reconhecem que “defensores de uma perspectiva de cuidado e de tratamento em liberdade denunciam as CTs como derivações contemporâneas do empreendimento manicomial, pautadas no isolamento
institucional e em códigos de conduta punitivo-autoritários. Defensores das CTs, por sua vez, apontam
para a voluntariedade do atendimento e para sua premissa comunitária, cujo potencial seria o da real
transformação das pessoas atendidas”. Por isso, para os pesquisadores “a discussão sobre a própria definição das CTs está longe, muito longe, de ser a única controvérsia no debate”.

O que diz a resolução do CNAS sobre Comunidades Terapêuticas?

A resolução publicada no Diário Oficial da União, em 23 de abril de 2024, é resultado de reunião realizada pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), em 19 de abril passado. No documento, o CNAS define o que são entidades e organizações de assistência social bem como os critérios obrigatórios para que estas sejam reconhecidas como integrantes da Rede Socioassistencial do Sistema Único de Assistência Social (Suas).

O documento também estabelece que “a certificação e a fiscalização do certificado de entidade beneficente de entidades e organizações de assistência social vinculadas ao SUAS são de responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), por meio da Secretaria Nacional de Assistência Social, nos termos do Decreto nº 11.392, de 20 de janeiro de 2023”. 

Segundo a legislação, o governo federal deve cumprir as resoluções dos Conselhos de Direitos ou Conselhos de Políticas Pública, estabelecidos pela Constituição de 1988, com vistas à participação de cidadãos e cidadãs na formulação, implementação e controle/fiscalização das políticas públicas dos governos nos diferentes níveis – federal, estadual e municipal. Para que superar desinformação e desconhecimento sobre o que isto significa, Bereia recorda que o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) é um desses órgãos com base constitucional, instituído pela Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), em 1993, para “promover o controle social da política pública de assistência social e contribuir para o seu permanente aprimoramento, a partir das necessidades da população brasileira”.

Algumas de suas principais competências são aprovar a Política Nacional de Assistência Social (PNAS), regular a prestação de serviços públicos e privados de assistência social, zelar pela efetivação do sistema descentralizado e participativo de assistência social e convocar ordinariamente a Conferência Nacional de Assistência Social.

 O CNAS é composto por 18 membros, sendo nove representantes governamentais e nove da sociedade civil. O órgão é sempre presidido por um de seus integrantes, eleito pelos próprios membros do Conselho, com mandato de um ano e possibilidade de estendê-lo por mais um. A presidência do CNAS  para o mandato 2022 a 2024 é da assistente social Margareth Dallaruvera.

Na Resolução do CNAS, publicada em abril passado, deixa de haver reconhecimento automático das Comunidades Terapêuticas como entidades e organizações de assistência social, bem como sua vinculação ao Sistema Único de Assistência Social (SUAS). A resolução dispõe que as CTs que não cumprirem os requisitos para atuação no Suas, não poderão ser financiadas com recursos destinados à política de assistência social.

Depois das críticas da parte de lideranças religiosas, promotoras das CTs, o CNAS publicou uma nota de esclarecimento sobre a Resolução, divulgada em 2 de maio. Nela, o conselho afirma que não são todas as CTs que se enquadram nesta resolução. “Qualquer organização da sociedade civil que cumpra as normativas do SUAS quanto às ofertas socioassistenciais realizadas, poderá receber recursos públicos via Fundo de Assistência Social. Os repasses fundo a fundo no âmbito do SUAS destinam-se exclusivamente para ofertas socioassistenciais tipificadas na Resolução CNAS nº 109/2009”. 

Além disso, a nota explica que “os financiamentos às comunidades terapêuticas e/ou entidades de cuidado, prevenção, apoio, de mútua ajuda, atendimento psicossocial e ressocialização de dependentes do álcool e de outras drogas e seus familiares realizados pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) não são via Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS). Portanto, o conteúdo da Resolução CNAS nº 151/2024 não afeta termos de colaboração, convênios e contratos”

Desta forma, de acordo com a nota, as CTs já cadastradas e com contrato em vigor não terão o financiamento alterado. 

Em 29 de abril de 2024, o governo federal, por meio do AVISO Nº 4/2024/MDS/SE/DEPAD, convocou cem comunidades terapêuticas a apresentarem documentação e assinarem o contrato relativo ao Edital de Credenciamento nº 8/2023. Segundo a entidade sem fins lucrativos Cruz Azul, que reúne mais de 20 CTs no Brasil, e tem sede em Blumenau (SC), a convocação comprova a disposição de continuidade do financiamento do acolhimento em comunidades terapêuticas pelo governo federal. O aviso também foi celebrado no perfil da Confederação Nacional de Comunidades Terapêuticas (CONFENACT) no Instagram.

O secretário da Confederação Nacional de Comunidades Terapêuticas (CONFENACT) Egon Schlüter disse, em entrevista ao Bereia, que as comunidades terapêuticas atendem, sim, ao público-alvo da assistência social e que, portanto, têm direito à inscrição nos conselhos de assistência social. “Infelizmente a assistência social tem um viés ideológico de esquerda radical, que não admite os trabalhos das organizações da sociedade civil, sendo este viés ainda mais presente na modalidade de Comunidade Terapêutica”, declarou o secretário que também é presidente da Cruz Azul. 

Ele afirma ainda, acreditar que o financiamento das Comunidades Terapêuticas não será descontinuado. “Como o financiamento é feito via DEPAD/MDS, com uma fonte específica não atrelada ao Fundo Nacional de Assistência Social, mas a recursos do Tesouro Nacional para a área de Redução da Demanda de Drogas, acreditamos que o financiamento continua, pois tem o apoio histórico e atual, do ministro Wellington Dias, que acompanha nosso segmento há mais de 10 anos”, explica o presidente se referindo ao Ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome do Brasil. 

De acordo com Schlüter, esta última Nota (de esclarecimento) do CNS é um reconhecimento do erro que o conselho cometeu. “O CNS erra ao não se submeter à legislação, à política nacional de assistência social. Mesmo com esta última nota, nós apoiamos o PDL 223/2024 da Câmara dos Deputados, para derrubar a Resolução 151/2024 do CNAS”.

O Projeto de Decreto Legislativo de Sustação de Atos Normativos do Poder Executivo (PDL 223/2024), ao qual o secretário se refere, é de autoria do deputado federal  Ricardo Salles (PL/SP), ex-ministro do Meio Ambiente do governo Bolsonaro, alinhado à extrema direita. O Projeto propõe sustar a Resolução do CNAS/MDS, que exclui as comunidades terapêuticas e entidades de atendimento a dependentes do álcool e outras drogas e seus familiares, do rol de entidades que podem ser financiadas com recursos destinados à política de assistência social, por meio dos fundos de assistência social. O documento foi apresentado em 26 de abril de 2024 e está aguardando o despacho do presidente da Câmara Arthur Lira (PP/AL). 

Bereia verificou que, até o fechamento desta matéria, não havia posicionamento público da Confederação Nacional de Comunidades Terapêuticas (CONFENACT) sobre a resolução do CNAS. 

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Bereia verificou as informações publicadas pelo site Pleno.news e identificou que o conteúdo é ENGANOSO, pois leva leitores e leitoras a crerem que o governo federal deixou de financiar entidades que assistem dependentes químicos e seus familiares. A Resolução que regula e limita o reconhecimento e o financiamento de Comunidades Terapêuticas é do Conselho Nacional de Assistência Social, órgão fundamentado na Constituição Federal, que formula, implementa e controla/fiscaliza as políticas públicas do governo federal no tocante à assistência social. O governo federal é instado a cumprir a resolução.

A repercussão da Resolução, com reação negativa, obrigou CNAS  a publicar uma Nota de Esclarecimento sobre o assunto. 

Os títulos alarmistas, de caráter enganoso, publicados na grande mídia e nos sites que reproduziram suas matérias, como o Pleno.news  e acabam sendo usados para reforçar discursos falsos nas mídias sociais sobre a perseguição contra igrejas e contra cristãos, da parte de líderes políticos, como Bereia têm checado.  

Referências de checagem:

COFEN – Conselho Federal de Enfermagem https://www.cofen.gov.br/conselho-nacional-de-assistencia-social-nega-reconhecimento-de-comunidades-terapeuticas/#:~:text=O Acesso em: 1 maio 2024

Governo Federal
https://www.gov.br/pt-br/servicos/acessar-comunidades-terapeuticas – Acesso em: 1 maio 2024

IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada)  https://www.ipea.gov.br/sites/en-GB/comunidades-terapeuticas – Acesso em: 1 maio 2024

Conectas  https://www.conectas.org/noticias/comunidades-terapeuticas-levantamento-inedito-aponta-falta-de-transparencia-e-de-padroes-de-politicas-publicas/ Acesso em: 1 maio 2024

https://www.conectas.org/wp-content/uploads/2022/04/Levantamento-sobre-o-investimento-em-CTs-w5101135-ALT5-1.pdf – Acesso em: 1 maio 2024

Folha https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/11/investimento-federal-em-comunidades-terapeuticas-sobe-95.shtml#:~:text=Esse – Acesso em: 1 maio 2024

G1
https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2023/11/28/em-6-anos-policia-de-sp-recebeu-mais-de-20-denuncias-contra-comunidade-terapeutica-em-que-paciente-morreu.ghtml – Acesso em: 1 maio 2024

https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2023/11/26/agressoes-tortura-e-ate-assassinato-os-crimes-por-tras-das-comunidades-terapeuticas-da-grande-sp.ghtml Acesso em: 3 maio 2024

Terra
https://www.terra.com.br/noticias/brasil/cidades/pacientes-de-comunidades-terapeuticas-em-sao-paulo-denunciam-torturas-e-agressoes,0d3286f03a441970da0f360d3b223947f9putzid.html#:~:text=Entre Acesso em: 3 maio 2024

Presidência da República
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/D9761.html Acesso em: 3 maio 2024

Imprensa Nacional https://www.in.gov.br/web/dou/-/resolucao-cnas/mds-n-151-de-23-de-abril-de-2024-555715305  – Acesso em: 3 maio 2024


Polícia Civil de Goiás
https://www.policiacivil.go.gov.br/delegacias/regionais/policia-civil-resgata-mais-43-pessoas-confinadas-em-clinica-clandestina-de-anapolis/ – Acesso em: 3 maio 2024

https://www.policiacivil.go.gov.br/delegacias/regionais/pcgo-resgata-50-vitimas-de-carcere-privado-e-tortura-em-clinica-clandestina-na-zona-rural-de-anapolis/ – Acesso em: 3 maio 2024

MP-SP (Ministério Público de São Paulo)

https://www.mpsp.mp.br/w/opera%C3%A7%C3%A3o-do-mpsp-em-cajamar-resulta-em-pris%C3%B5es-por-maus-tratos-em-comunidade-terap%C3%AAutica – Acesso em: 3 maio 2024

https://www.mpsp.mp.br/w/mp-sp-disponibiliza-roteiro-para-fiscaliza%C3%A7%C3%A3o-de-comunidades-terap%C3%AAuticas Acesso em: 3 maio 2024

Ministério da Saúde
https://conselho.saude.gov.br/ultimas-noticias-cns/2874-conselho-nacional-de-saude-recomenda-a-extincao-do-departamento-de-apoio-as-comunidades-terapeuticas – Acesso em: 3 maio 2024

Perfil oficial da CONFENACT. https://www.instagram.com/p/C6WOl90M0vO/  – Acesso em: 3 maio 2024

Conselheiros Nacionais são empossados e presidência é escolhida no Conselho Nacional de Assistência. https://www.blogcnas.com/post/conselheiros-nacionais-s%C3%A3o-empossados-e-presid%C3%AAncia-%C3%A9-escolhida-no-conselho-nacional-de-assist%C3%AAncia#:~:text=Foram%20empossados%2018%20conselheiros%20da,Presidente%2C%20representando%20o%20Governo%20Federal. Acesso em: 3 maio 2024

Os Conselhos de Políticas Públicas à luz da Constituição Federal de 1988. https://jus.com.br/artigos/40415/os-conselhos-de-politicas-publicas-a-luz-da-constituicao-federal-de-1988#google_vignette. Acesso em 3 maio 2024

Relatório Anual Denúncias em Serviços de Interesse Para a Saúde. https://www.gov.br/anvisa/pt-br/arquivos-noticias-anvisa/345json-file-1 Acesso em 6 maio 2024

Working Paper Series Comunidades Terapêuticas no Brasil. https://ssrc-cdn1.s3.amazonaws.com/crmuploads/new_publication_3/working-paper-series-comunidades-terapeuticas-no-brasil.pdf Acesso em 6 maio 2024

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Foto de capa: reprodução do site Gov.Br

Sites religiosos disseminam desinformação sobre o enfrentamento da dengue

Os sites religiosos de notícias Pleno News e Gospel Prime publicaram recentemente matérias que acusam o Ministério da Saúde do governo federal de distorcer dados para minimizar o impacto da dengue no Brasil. Em 18 de março, ‘Gospel Prime’ divulgou  texto com o título “Ministério da Saúde distorce dados para minimizar impacto da dengue”. Também no dia 18,  Pleno News publicou críticas à pasta da saúde. Ambos os veículos se basearam em informações extraídas de matéria do jornal Folha de S. Paulo. 

Imagem: reprodução Gospel Prime

Imagem: reprodução Pleno.News 

Gospel Prime aborda críticas direcionadas ao Ministério da Saúde pela divulgação de dados inconsistentes sobre a letalidade da dengue em 2024, e pelo suposto inflacionamento de anúncios de repasses financeiros a estados e municípios para combater emergências sanitárias. Segundo o texto, o ministério utiliza informações preliminares para afirmar que a letalidade da dengue em 2024 é menor que a do ano anterior, mesmo com mais da metade dos óbitos ainda sob investigação. Especialistas citados na matéria questionam a validade dessa comparação, devido à grande quantidade de casos pendentes de conclusão.

O Ministério da Saúde mantém informes periódicos sobre os casos de dengue no Brasil e os números são baseados nas informações registradas por Estados e Municípios, onde o cálculo de índices de letalidade é apresentado.

Imagem: reprodução do Informe Diário COE Dengue nº 18 | 21 de março de 2024

A matéria do Gospel Prime menciona 513 mortes confirmadas e 903 em investigação, sugerindo que a letalidade poderia ser maior que a reportada. Críticas também são levantadas quanto à demora na atualização e liberação de dados e recursos, colocando em xeque a eficiência das ações do governo federal na crise.Porém o texto do site gospel não oferece as fontes para as declarações e dados apresentados. 

O Ministério da Saúde apresentou no Informe Diário todas as informações sobre o monitoramento dos casos de dengue. Bereia verificou que a Folha de S. Paulo publicou parcialmente as informações, sem detalhar os coeficientes de incidência e como as taxas estão sendo calculadas. 

O site Pleno News extraiu informações de matéria do jornal Folha de São Paulo. para discutir o uso de dados preliminares para comparar a letalidade da dengue entre os anos, sem citar as fontes. A matéria da Folha oferece um contexto mais detalhado, citando opiniões de especialistas que discordam da metodologia usada pelo Ministério da Saúde.

A matéria original fornece um panorama mais amplo das críticas, enquanto o resumo de Pleno News enfatiza aspectos negativos da gestão da crise, sem mencionar as complexidades envolvidas no processo de investigação dos óbitos e na liberação dos recursos.

Ambas as matérias mencionam a questão dos recursos financeiros, de que a pasta teria inflado repasses para dengue e estaria distorcendo dados com o objetivo de minimizar o impacto da doença. No entanto, a Portaria GM/MS Nº 3.160, de 9 de fevereiro de 2024 detalha como o repasse será administrado e quais condições vai obedecer para suprir as necessidades. 

Ainda que o recorte apresentado da matéria apresente dados que foram publicados pelo Ministério da Saúde, eles não foram publicados de modo completo pela Folha de S. Paulo e pelo Pleno News.

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Gospel Prime trata as informações sobre a dengue no Brasil de forma seletiva para justificar uma pauta negativa, ignorando dados oficiais que mostram uma redução na taxa de letalidade da dengue em comparação com o ano anterior.

O site sugere que a única maneira de interpretar os dados é admitir falhas do Ministério da Saúde, ignorando outras explicações válidas, como a melhoria nos métodos de diagnóstico e tratamento. 

O Gospel Prime por sua vez, introduz que, por alguns dados ainda estarem sendo investigados, toda a comunicação do Ministério da Saúde é questionável, o que pode semear dúvidas sobre a credibilidade de todas as informações fornecidas.

O resumo do Pleno News, sobre matéria da Folha de S. Paulo, utiliza o mesmo formato de publicação, com a seleção de  informações aleatórias , com ênfase nos aspectos negativos dos trabalhos realizados pela pasta. 

A matéria da Folha de S.Paulo, que serviu como fonte para ambos os sites, apresenta uma análise crítica das ações do Ministério da Saúde, embasada em declarações de especialistas e dados disponíveis, mas não em sua totalidade. 

Dessa maneira, a alegação de que o Ministério está inflando os repasses financeiros é enganosa, uma vez que o argumento utilizado traz dados verdadeiros, mas descontextualizados do panorama de combate à dengue. A análise do Bereia aponta que os valores anunciados são parte de um plano estruturado de assistência, cuja distribuição segue critérios transparentes e necessidades específicas de cada região, conforme documentado oficialmente pelo Ministério da Saúde.

Além destas questões, as matérias publicadas pelos sites religiosos mostram apenas parte dos dados e não citam a fonte de onde eles foram retirados, o que desinforma pois limita a compreensão a respeito do que tem sido feito pela pasta. 

Referências de checagem:

Folha de São Paulo.

https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2024/02/casos-de-dengue-em-sao-paulo-em-2024-ja-ultrapassam-todo-o-ano-de-2023.shtml Acesso em 19 MAR 24

https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2024/03/saude-infla-repasses-para-dengue-e-distorce-dados-para-minimizar-impacto-da-doenca.shtml Acesso em 22 MAR 24

Ministério da Saúde.

https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2024/fevereiro/ministerio-da-saude-anuncia-dia-d-nacional-para-combater-a-dengue Acesso em 19 MAR 24

https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2024/fevereiro/ministerio-da-saude-amplia-para-r-1-5-bilhao-os-recursos-para-emergencias-como-enfrentamento-da-dengue Acesso em 20 MAR 24

https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2024/marco/entenda-o-indicador-de-taxa-de-letalidade-utilizado-para-monitorar-obitos-por-dengue#:~:text=De%20acordo%20com%20o%20informativo,est%C3%A1%20em%203%2C4%25. Acesso em 22 MAR 24

https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2024/marco/ministerio-da-saude-elabora-estrategia-para-redistribuicao-das-vacinas-da-dengue Acesso em 22 MAR 24

https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/a/arboviroses/informe-diario/informe-diario-coe-dengue-no-18/view Acesso em 22 MAR 24

Diário Oficial da União. https://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-gm/ms-n-3.160-de-9-de-fevereiro-de-2024-542590475 Acesso em 24 MAR 24

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Foto de capa: Walterson Rosa/Ministério da Saúde

Site gospel publica notícia imprecisa sobre contrato do governo com empresa ré por garimpo ilegal

* Matéria atualizada em 20/03/2024 às 09:28 para correção de título

O portal de notícias gospel Pleno News publicou, em 11 de março passado, matéria, baseada em reportagem do jornal O Estado de São Paulo, sobre acordos milionários que o governo federal, por meio do Ministério da Saúde, teria firmado em contrato com a empresa Piquiatuba Táxi Aéreo, acusada de envolvimento com garimpo ilegal. A publicação traz imagem do presidente Lula da Silva ao lado da ministra da saúde Nísia Trindade. Bereia checou os fatos.  

Imagem: reprodução Pleno News

Governo Lula, Piquiatuba Táxi Aéreo e o garimpo ilegal no Brasil

Em 11 de março passado, a organização ambiental Greenpeace Brasil divulgou levantamento inédito dos impactos do garimpo nos Territórios Indígenas (TIs) dos povos Kayapó, Munduruku e Yanomami. 

Na mesma data, o jornal o Estado de S.Paulo resgatou, e transformou em notícia, a informação da contratação feita no ano passado, por parte da atual gestão do governo federal, de uma empresa ré por associação ao garimpo ilegal, para atendimento de demandas do Ministério da Saúde. 

Imagem: reprodução O Estado de S.Paulo

Após a publicação do Estadão, veículos noticiosos declaradamente de direita, entre eles o portal de notícias gospel Pleno News, repercutiram a informação de forma sintética.

Contratos vigentes entre Ministério da Saúde e empresa de táxi aéreo

Conforme o painel do Ministério da Saúde, três contratos para prestação de serviço de fretamento de aeronave com a Piquiatuba Táxi Aéreo estão ativos, dois deles iniciados em 2023. Os acordos foram firmados em junho e agosto do ano passado, nos valores de 6,8 milhões e 7,5 milhões, respectivamente, ambos com validade de um ano. 

Os contratos são firmados pelos Distritos Sanitários Especiais Indígena (DSEIs), unidades gestoras do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS). No caso do acordo assinado em 19 de junho de 2023 com a Piquiatuba Táxi Aéreo, o contrato foi fechado com o DSEI Rio Tapajós, já o efetivado em 4 de agosto de 2023, com o DSEI Kaiapó do Pará. 

Os dados informados pelo painel do Ministério da Saúde foram gerados a partir de informações oficiais repassadas pela Secretaria de Saúde Indígena (SESAI). A pasta é responsável por coordenar e executar a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas e todo o processo de gestão do SasiSUS no Sistema Único de Saúde (SUS).

Imagem: reprodução Ministério da Saúde

Acusação de ligações com o garimpo

Segundo informações do jornal Estado de São Paulo, a Justiça Federal aceitou, em maio de 2021, denúncia contra a Piquiatuba Táxi Aéreo, que tem sede em Santarém (PA). De acordo com a Polícia Federal (PF) e o Ministério Público Federal (MPF), a empresa teria utilizado aeronaves em proveito de um garimpo na Reserva Biológica Maicuru, no Pará.

Edson Barros da Silva e Patrick Paiva da Silva, sócios da empresa, são acusados de atuação na extração ilegal de ouro em região conhecida como Garimpo do Limão, localizada próxima a territórios indígenas. O fundador da empresa Armando Amâncio da Silva teria arrecadado R$13,4 milhões com a venda de ouro e em sua casa foram encontrados cerca de 45Kg do ouro ilegal.

Entre 2010 e 2022, a empresa firmou 24 contratos com o governo federal. Em 2023, dois novos contratos foram formalizados entre as partes, em valores que chegam a R$14,4 milhões. Denunciada em 2021, a empresa responde ainda em primeira instância.

Em 2023, uma auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) apontou irregularidades em contratos entre o Distrito Sanitário Especial Indígena Guamá-Tocantins (Dsei-Guatoc) e a Piquiatuba Táxi Aéreo Ltda. De acordo com a CGU, havia evidências de subcontratação irregular de terceiros, uso de aeronaves com capacidade técnica inferior à exigida no contrato, pagamentos sem documentos mínimos e indícios de superfaturamento no quantitativo de horas de voo. 

Posição do governo face às acusações

Em nota ao Estadão, o Ministério da Saúde disse que acompanha atentamente a conclusão dos inquéritos e que suspenderá quaisquer relações com empresas comprovadamente envolvidas em atividades ilegais. A pasta alega que o fretamento de voos é fundamental nas ações de promoção da saúde em territórios indígenas, que são de difícil acesso.

De acordo com a Lei 14.133/2021, que versa sobre licitações e contratos administrativos, a revogação de um processo licitatório deve ser resultante de um fato devidamente comprovado após a realização da licitação. O caso que envolve a empresa contratada ainda está em trâmite na Justiça

As matérias publicadas pelo Estadão e pelo site gospel Pleno News omitem que um dos contratos do governo federal com a Piquiatuba Táxi Aéreo foi feito com o Ministério da Justiça, pasta à qual a Fundação Nacional do Índio (Funai) está subordinada. 

Ao jornal O Globo, o Ministério da Justiça afirmou que realizou todas as diligências devidas, como consulta de todas as certidões públicas ligadas à empresa. A pasta afirma, ainda, que “não compete ao órgão a realização de investigações criminais de empresários supostamente vinculados às empresas contratadas pela Administração Pública”. 

O Ministério da Saúde, por sua vez, informou ao jornal que o contrato com a empresa em questão cumpre todos os requisitos legais e visa a garantir a assistência prestada aos povos indígenas.

Greenpeace e MapBiomas mostram expansão do garimpo no Brasil

De acordo com um recente levantamento da organização ambiental Greenpeace, em 2023, foram devastados 1.410 hectares em terras indígenas, principalmente nos territórios dos povos Kayapó, Munduruku e Yanomami.

A instituição ressalta que a atividade mineradora em território indígena é ilegal e que, desde 2018, o crime tem aumentado em ritmo acelerado. Dados do MapBiomas mostram que 40% das áreas de garimpo na Amazônia foram abertas entre 2018 e 2022.

Imagem: reprodução MapBiomas (expansão do garimpo 2000-2022)

Segundo o Greenpeace, a região com mais avanço garimpeiro é justamente a terra indígena Kayapó, que teve 1.019 hectares devastados. Imagens de satélite mostram que o garimpo na TI Kayapó se concentra na parte leste do território.

Imagem: Google (área de garimpo na terra indígena Kayapó)

Em janeiro passado, a Hutukara Associação Yanomami (HAY) emitiu nota técnica em que apontou a continuidade das atividades garimpeiras ao longo de 2023. A nota diz que apesar de o governo federal ter decretado, em janeiro de 2023, estado de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin), “o caminho para a recuperação territorial e sanitária da TI Yanomami ainda é longo e muitos ajustes precisam ser feitos”.

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Bereia classifica o conteúdo checado como impreciso. A notícia publicada pelo portal gospel Pleno News dispõe de conteúdos verdadeiros, mas não considera diferentes perspectivas. Embasado totalmente na publicação de apuração limitada do jornal O Estado de São Paulo, o texto não apresenta a contextualização necessária. 

Ao contrário de outros veículos de comunicação que buscaram documentação e posição jurídica detalhada – como explicações de que um processo licitatório em plena execução deve ser revogado após comprovação de irregularidades, o que ainda não aconteceu, já que o caso está em andamento na Justiça- a matéria do Pleno News priorizou o ataque ao governo federal, especificamente ao Ministério da Saúde.

Em detrimento de uma apuração minuciosa, a publicação se alinha a um discurso que mira na pasta como alvo de denúncias, pauta proposta e sustentada pelo fisiologismo de partidos do dito Centrão, contra a ministra da saúde Nísia Trindade, desde o ano passado. A publicação constrói um caminho para julgamentos errôneos sobre a atual gestão do Ministério da Saúde. O conteúdo é, portanto, desinformação e carece de complementações.

Bereia incentiva que seus leitores busquem informação de qualidade e estejam sempre atentos à utilização de manchetes acusatórias e a conteúdos que não detalham os fatos transcorridos em sua inteireza. 

Referências da checagem:

Greenpeace Brasil

https://www.greenpeace.org/brasil/blog/4-campos-de-futebol-por-dia-garimpo-avanca-em-terras-indigenas/ Acesso em: 13 mar 2024

https://www.greenpeace.org/brasil/blog/yanomami-levantamento-mostra-que-garimpeiros-continuam-abrindo-novas-areas-dentro-da-terra-indigena/ Acesso em: 14 mar 2024

Instituto Socioambiental

https://acervo.socioambiental.org/acervo/documentos/atualizacoes-sobre-o-garimpo-na-terra-indigena-yanomami-e-seus-impactos-na Acesso em: 14 mar 2024

https://acervo.socioambiental.org/sites/default/files/documents/yad00623.pdf Acesso em: 14 mar 2024

Poder 360

https://www.poder360.com.br/meio-ambiente/40-da-area-de-garimpo-na-amazonia-foi-aberta-em-5-anos/#:~:text=O%20levantamento%20constatou%20ainda%20que,conserva%C3%A7%C3%A3o%20estavam%20ocupados%20pela%20atividade. Acesso em: 14 mar 2024

MapBiomas

https://plataforma.brasil.mapbiomas.org/mineracao?activeBaseMap=9&layersOpacity=100&activeModule=mining Acesso em: 14 mar 2024

UOL

https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2024/03/11/governo-firma-novos-contratos-com-empresa-re-por-garimpo-ilegal.htm#:~:text=O%20Minist%C3%A9rio%20da%20Sa%C3%BAde%20firmou,pelo%20UOL%20no%20ano%20passado. Acesso em: 14 mar 2024

https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2023/05/23/empresa-re-por-garimpo-ilegal-opera-voos-a-terras-indigenas-para-o-governo.htm Acesso em: 14 mar 2024

Estado de SP

https://www.estadao.com.br/politica/governo-lula-fecha-contratos-de-r-14-milhoes-com-empresa-re-por-garimpo-ilegal-na-amazonia/ Acesso em: 14 mar 2024

Lei 14.133/2021

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14133.htm Acesso em: 14 mar 2024

Lei 14.701/2023 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/L14701.htm#:~:text=L14701&text=Regulamenta%20o%20art.,19%20de%20dezembro%20de%201973. Acesso em: 17 mar 2024

Google Maps

https://www.google.com.br/maps/place/Kayap%C3%B3,+PA/@-7.8352259,-51.0000276,4213m/data=!3m1!1e3!4m6!3m5!1s0x92e3aa52ac1eca25:0xda6b626a3d03223b!8m2!3d-7.8558066!4d-51.9815126!16s%2Fm%2F027wn93?entry=ttu Acesso em: 14 mar 2024

O Globo

https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2022/05/empresa-aerea-suspeita-de-prestar-servico-a-garimpos-tem-contrato-com-a-funai.ghtml Acesso em: 14 mar 2024

G1

https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2021/11/01/empresa-de-taxi-aereo-suspende-voos-para-a-terra-yanomami-por-falta-de-pagamento-do-governo-federal.ghtml Acesso em: 14 mar 2024

Ministério Público Federalhttps://drive.google.com/file/d/1EveD5s7NbR9bSkj-3ikI7NfMOhGfJHqa/view Acesso em: 17 mar 2024

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Foto de capa: Agência Senado/Flickr

Site gospel desinforma sobre gastos do governo Lula com viagens em 2023

* Matéria atualizada às 15:37 para correção de título

O portal gospel de notícias Pleno News repercutiu, em matéria publicada em 17 de fevereiro de 2024, que o governo federal gastou a soma de 3,3 bilhões com diárias, passagens e locomoção durante o ano de 2023. 

Pleno News afirma na matéria que obteve a  informação de um relatório do Tesouro Nacional, porém, não oferece link ou referência de validação dos dados descritos na publicação. 

Imagem: reprodução do Pleno News

Bereia verificou a informação e encontrou matéria textualmente similar publicada no site de notícias Poder360, no mesmo dia em horário anterior à do Pleno News.

Imagem: reprodução Poder360

A pesquisa do Bereia nas duas matérias indica que, já na chamada, o Poder360 informa que os gastos em questão, de 2023, dizem respeito aos gastos da União, que totalizam R$ 3,3 bilhões com passagens e diárias. É evidenciado no texto que a quantia em destaque financiou, além das viagens presidenciais, também as dos ministérios que compõem o governo Lula 3, e as de todas as demais instituições e autarquias ligadas ao poder executivo. 

O Poder360 identifica uma alta de 29,2% em relação aos gastos de 2022, da gestão anterior. A explicação é que pandemia de covid-19 resultou em grande redução de fluxo de viagens de avião.

Uma observação importante, evidenciada na matéria do Poder360, são os detalhes com os gastos com passagens e diárias, durante a pandemia e na abertura dos aeroportos, em 2022, sendo R$ 1,2 bilhão em 2020 e R$ 1,3 bilhão em 2021, com um aumento de 96,2% em 2022. 

Já a matéria do Pleno News, ao lançar mão do conteúdo publicado no site Poder360, faz uma chamada em que usa o termo “Governo gastou R$ 3,3 bilhões…” levando leitores à compreensão de que o Executivo Federal é o responsável pelos gastos em destaque. A imagem que ilustra o texto, com o presidente Lula, acompanhado da esposa Rosângela da Silva, à porta do avião presidencial, evidencia a intenção da matéria.

Há diferença entre União e governo federal?

A União é formada pelo poder Executivo Federal, o Congresso Nacional e o Poder Judiciário. A imagem abaixo deixa evidente a relação existente entre os poderes que compõem a União.

Imagem: reprodução Portal da Transparência

O Poder Executivo Federal compreende a Presidência da República, os Ministérios, as Fundações e as Autarquias. Portanto, o Gabinete do Presidente da República está inserido neste contexto. Desta forma, a conclusão é que os gastos com as viagens e diárias do presidente e de pessoas do seu gabinete diferem do conteúdo que o Pleno News oferece.

Como devem ser e como são os gastos governamentais

Sobre os gastos com viagens, Bereia buscou informações  no Sistema de Concessão de Passagens e Diárias (SCPD), mantido pelo Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) e verificou que:

“As viagens correspondem – na Administração Pública Federal Direta, Fundações e Autarquias – aos afastamentos a serviço de servidores, militares, empregados públicos e colaboradores eventuais, em caráter eventual ou transitório, no território nacional ou exterior, período a que fazem jus a passagens e diárias para indenizar as despesas extraordinárias com pousada, alimentação e locomoção urbana, conforme previsto na Lei 8.112, de 1990.” 

O Portal da Transparência, mantido pela Controladoria Geral da União (CGU) oferece relatórios sobre os gastos do governo federal: foram gastos R$ 1,6 bilhão em passagens e diárias em 770 mil viagens no ano de 2023. Segundo os relatórios foram 20 mil viagens internacionais (2,57% do total das viagens), com despesas de R$ 252 milhões.  

É possível acessar nestes relatórios do Portal da Transparência os dados sobre  as localidades e a identificação e a quantidade de missões realizadas com os valores dispendidos.

No que diz respeito à Presidência da República, foco da matéria do Pleno News, o total de gastos com viagens, segundo os dados da CGU, contabiliza R$ 31,2 milhões (1,95% do total geral deste tipo de despesa do governo). Os números, porém, não se referem apenas às viagens do presidente da República nem do quadro do Gabinete Presidencial, mas também a todos os servidores e funcionários da Presidência.

No Portal da Transparência os valores estão atualizados até o final do período do orçamento federal em vigência à época. 

Existe, portanto, uma ampla diferença entre os valores de R$ 3,3 bilhões, publicados tanto no site do Poder360 quanto no site do Pleno News, e o valor de R$ 2,16 de gastos com passagens e diárias publicados no Portal da Transparência mantido pela Controladoria Geral da União. Em ambas as matérias é afirmado que os valores foram retirados de um relatório do Tesouro Nacional, que faz o ajuste com base na inflação, porém, não há link ou endereço para consulta e não foi possível à pesquisa da equipe Bereia encontrar tal informação. 

Imagem: reprodução Portal da Transparência

Foco nas viagens do presidente Lula 

O foco do site gospel Pleno News, diferentemente da matéria do Poder 360, na qual se baseia, são as viagens do presidente Luis Inácio Lula da Silva (PT). 

De fato se observa um aumento de gastos das viagens presidenciais, em comparação com governos anteriores. Conforme as informações do Portal da Transparência do Governo Federal, os gastos com viagens do governo Lula em 2023 somaram R$ 2,16 bilhões.

O valor gasto pelo governo anterior, de Jair Bolsonaro, foi de R$ 1,53 bilhão, segundo o mesmo Portal.  

O aumento dos gastos com viagens no governo Lula, em 2023, em comparação ao governo anterior, na linha destacada na matéria do Pleno News, é explicado pelo cientista político, professor de relações internacionais, colaborador do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Marinha, Maurício Santoro.  

“A diplomacia presidencial tem sido um elemento importante da política externa brasileira desde a redemocratização, com constantes viagens internacionais dos presidentes para participar de reuniões com líderes estrangeiros e em organizações multilaterais. A crise política e a pandemia reduziram bastante esses engajamentos diplomáticos sob Temer e Bolsonaro. Mas Lula retomou essa agenda com força em 2023, inclusive como parte de uma estratégia de reposicionar o Brasil em grandes temas da agenda global, como meio ambiente e mudança climática”, disse Santoro.

A BBC News Brasil ouviu especialistas que avaliaram a quantidade de viagens de Lula ao exterior, no primeiro ano de governo, em  2023, como “resultado de uma soma de fatores que incluem uma espécie de demanda reprimida em relação à atuação do Brasil na esfera internacional durante o mandato do ex-presidente,  Jair Bolsonaro (PL) e o perfil pessoal de Lula, que demonstraria maior interesse no assunto”.

O programa Conversa com o Presidente,  de 5 de dezembro de 2023, abordou este tema. O bate-papo virtual contou com a presença de dez ministros e do presidente do BNDES, Aloizio Mercadante. O assunto em pauta foram  as visitas da comitiva brasileira à Arábia Saudita e ao Catar, além da participação na COP28, nos Emirados Árabes, e de agenda com o governo da Alemanha.

O presidente Lula falou na conversa que, depois da quantidade de contatos que fez durante as viagens, está certo “de que o Brasil voltou a ser um país respeitado”. “Como é bom você perceber que as pessoas querem conversar com o Brasil. Ver como as pessoas querem investir. Elas querem discutir transição ecológica, energética, a questão climática”, resumiu o presidente.

Lula afirmou ainda que o Brasil “não tem de ter medo de expressar, no cenário internacional, a sua grandeza no tabuleiro geopolítico”. “Como é importante essa história de o Brasil conquistar o direito de fazer a COP de 2025 em Belém. Como é importante o Brasil ser presidente do G20. Vai dar trabalho? Vai. Mas é importante que o Brasil aprenda a ser grande. É importante que aprenda a ser importante. É importante que aprenda a ser do tamanho que tem. A gente tem que ter grandeza naquilo que faz em uma relação democrática”, concluiu o presidente.

Resultados das viagens internacionais 

Além das necessárias relações diplomáticas, as viagens praticadas pelo Poder Executivo têm outros resultados. O Portal IG ouviu o Banco Central sobre o tema e mostra que, de janeiro a outubro de 2023,  “entraram US$ 44,9 bilhões no Brasil (mais de 220 bilhões de reais)”.  Somente na viagem à China, de acordo com a matéria do portal, foram fechados 15 acordos de cooperação, da ordem de R$ 50 bilhões. 

A mesma matéria indica que, de acordo com a Secretaria de Comunicação da Presidência, ao longo de 2023, Lula visitou 24 países para 27 agendas, como a COP28, em Dubai, e a participação brasileira em grandes foros multilaterais, como a ONU (Assembleia Geral e Conselho de Segurança), os BRICS, Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), G7 e G20.

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Bereia verificou que a matéria do site gospel Pleno News tem o mesmo conteúdo de matéria do site Poder 360. Pleno News, com foto e chamada, busca atribuir ao governo federal, mais especificamente ao Gabinete do Presidente da República, os gastos totais da União, com passagens e diárias, em 2023.

 Bereia classifica a matéria publicada no Pleno News como enganosa, pois, oferece conteúdos de substância verdadeira mas a apresentação deles é desenvolvida para confundir o público leitor, especialmente a imagem da chamada principal. Esta abordagem não corresponde ao levantamento realizado pelo Bereia, pois expõe teores distorcidos que instigam julgamentos negativos sobre os gastos com as viagens do presidente da República. O conteúdo publicado no Pleno News representa desinformação e necessita de correções, substância e contextualização.

Referências de checagem:

ESTADO DE MINAS. https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2022/01/13/interna_politica,1337375/despesas-com-viagens-e-diarias-pagas-pela-uniao-crescem-35-18.shtml?fbclid=IwAR3tx8CBYkgQfKQBmCCrxx1kvY5ioAfOqQJU-4Lq1hIH3p0abGlRYQnWm70. Acesso em 22 Abri 2024

BBC NEWS BRASIL. https://www.bbc.com/portuguese/articles/clwx9qxgzz7o. Acesso em 22 Abri 2024

CARTA CAPITAL. https://www.cartacapital.com.br/politica/lula-tem-mais-quatro-viagens-internacionais-programadas-em-2023-veja-os-destinos/. Acesso em 22 Abri 2024

CNN. https://www.cnnbrasil.com.br/economia/numero-de-viagens-caiu-41-durante-pandemia-aponta-ibge/. Acesso em 22 Abr 2024

PODER360. https://www.poder360.com.br/economia/uniao-gasta-r-33-bi-com-diarias-e-passagens-maior-valor-desde-2014/. Acesso em 20 Abril 2024

GOV.BR. https://www.gov.br/secom/pt-br/fatos/brasil-contra-fake/noticias/2023/3/desvendando-mitos-sobre-as-viagens-do-governo-federal. Acesso em 20 Abril 2024

PLENO NEWS. https://pleno.news/brasil/politica-nacional/governo-gastou-r-33-bilhoes-com-diarias-e-passagens-em-2023.h. Acesso em 20 Abr 2024

PORTAL DA TRANSPARÊNCIA.

https://portaldatransparencia.gov.br/viagens?ano=2023. Acesso em 20 Abril 2024

https://portaldatransparencia.gov.br/viagens?ano=2020. Acesso em 22 Abr 2024

https://portaldatransparencia.gov.br/viagens?ano=2021. Acesso em 22 Abr 2024

https://portaldatransparencia.gov.br/viagens?ano=2022. Acesso em 22 Abr 2024

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Foto de capa: Pixabay

Site gospel cria pânico sobre “remoção de nome da mãe” do CPF pela Receita Federal

O site Pleno News publicou, em 17 de fevereiro passado, matéria na qual afirma que a Receita Federal foi obrigada pela Justiça a remover “nome da mãe” do Cadastro de Pessoa Física, para que passe a constar a palavra “filiação”.

Imagem: reprodução Pleno News

Com o mesmo tom negativo do título que diz que a Justiça “obriga”, Pleno News afirma no corpo da matéria que a Justiça Federal de Curitiba “ordenou” a Receita Federal a fazer a alteração nos formulários. O site gospel indica que a determinação “atende a uma ação civil movida por entidades de defesa da diversidade sexual e de gênero, assim como representantes da comunidade LGBTQIAPN+”.

A decisão judicial

A Justiça Federal do Paraná determinou, no prazo de 180 dias, em sentença ainda sujeita a recurso, que a Receita Federal adeque os formulários de cadastramento e retificação do CPF, substituindo o campo “nome da mãe” por “filiação” e incluindo as opções de gênero “não especificado”, “não binário” e “intersexo”. 

A ordem judicial, com base em ação civil movida pela Defensoria Pública da União, pelo Ministério Público Federal e por entidades de defesa da diversidade sexual e de gênero,  tendo em vista o reconhecimento e a valorização da multiplicidade de arranjos familiares e identidades de gênero no Brasil. A ação civil pública buscou garantir a proteção e o reconhecimento legal dos direitos de indivíduos LGBTQIAPN+, com foco em questões como igualdade, não discriminação e respeito à diversidade de gênero.

A ação foi ajuizada em 2021, depois que a Receita Federal sob orientação do Ministério da Economia do mandato do presidente Jair Bolsonaro, não atendeu às demandas coletivas por alteração do relatório.

A juíza Anne Karina Stipp Amador Costa, que assina a decisão, considerou que o STF já reconheceu a união homoafetiva como núcleo familiar e determinou igual tratamento à união heteroafetiva e que a mudança nos formulários do CPF leva a Receita a respeitar a dignidade humana, “reconhecendo a diversidade de arranjos familiares e identidades de gênero em nosso país, bem como a condição de intersexualidade”, conforme os direitos fundamentais de personalidade, igualdade, liberdade, autodeterminação, entre outros.. 

A decisão destaca  ainda que tais adequações já foram realizadas pela Polícia Federal e pelos Cartórios quando da lavratura da certidão de nascimento, o que evidencia a necessidade de adequação do CPF, documento considerado central e de grande importância na vida do cidadão brasileiro. 

A determinação da Justiça Federal admite que a adequação dos formulários de CPF para incluir opções de gênero mais abrangentes e a substituição do termo “nome da mãe” por “filiação” reconhece oficialmente a existência e a legitimidade de arranjos familiares diversos, contribuindo para a redução do estigma e da discriminação. A decisão considera também que o encaminhamento facilita inúmeros processos legais e burocráticos para indivíduos cujas identidades não eram anteriormente reconhecidas e respeitadas. 

Pleno News e desinformação

Bereia classifica a matéria do site Pleno News como enganosa. A notícia oferece conteúdo de substância verdadeira, mas a forma como é apresentada contribui para confundir o leitor.  Dessa forma, representa desinformação e precisa de contextualização e correções. 

Pleno News apresenta a decisão do judiciário em tom que aponta suposta arbitrariedade do Poder Judiciário com o uso de termos “obriga” e “ordena”.  

A matéria também afirma que a Justiça Federal de Curitiba atendeu a uma ação civil movida por entidades de defesa da diversidade sexual e de gênero, bem como de representantes da comunidade LGBTQIAPN+, sem a devida contextualização. Isto pode levar a crer que este grupo é privilegiado pelo Judiciário em decisões, e reforçar a teoria da conspiração que afirma existir uma “ditadura gay” que impõe regras.

Dessa forma, o portal induz uma percepção negativa da decisão, omitindo seu contexto jurídico e social, bem como sua fundamentação constitucional. A escolha vocabular e a disposição dos enunciados no discurso têm por estratégia confundir e polarizar, distraindo o leitor da percepção do avanço significativo na inclusão e no respeito à diversidade.  A determinação não retira o nome da mãe do documento, mas visa garantir o direito de quaisquer interessados à retificação dos dados do CPF, se assim desejarem.

Matérias cujo conteúdo estão relacionados à temática de gênero, podem ser acessados em outras checagens desenvolvidas pelo Bereia

Referências de checagem:

Portal Unificado da Justiça Federal da 4ª Região https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=noticia_visualizar&id_noticia=27870 Acesso em 19 FEV 2024 

Defensoria Pública da União https://direitoshumanos.dpu.def.br/acao-pede-reconhecimento-de-familias-homotransafetivas-no-registro-do-cpf/ Acesso em 19 FEV 2024 

Ação Civil Pública https://www.dpu.def.br/images/stories/foto_noticias/2021/20210913_Peticao_Inicial_CPF_-_final_para_assinaturas_-_COM_TARjA.pdf Acesso em 19 FEV 2024 

Supremo Tribunal Federal.

https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=504856&ori=1#:~:text=Em%20maio%20de%202011%2C%20o,homoafetiva%20como%20um%20n%C3%BAcleo%20familiar. Acesso em 19 FEV 2024 

https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628633 Acesso em  FEV  2024

Superior Tribunal de Justiça https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/29012023-Decisoes-do-STJ-foram-marco-inicial-de-novas-regras-sobre-alteracao-no-registro-civil-de-transgeneros.aspx#:~:text=Decis%C3%B5es%20do%20STJ%20foram%20marco,no%20registro%20civil%20de%20transg%C3%AAneros&text=Atualmente%2C%20%C3%A9%20poss%C3%ADvel%20mudar%20o,realiza%C3%A7%C3%A3o%20de%20cirurgia%20de%20transgenitaliza%C3%A7%C3%A3o. Acesso em 19 FEV 2024 

Bereia. https://coletivobereia.com.br/checagens-feitas-por-bereia-subsidiam-estudo-que-avalia-desinformacao-sobre-genero-e-sexualidade/ Acesso 22 FEV 2024

Metropoles. https://www.metropoles.com/colunas/igor-gadelha/depoimento-bolsonaro-pf-cis Acesso em FEV 2024

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Foto de capa: Agência Brasil

Candidato extremista nas eleições argentinas Javier Milei usa falsidades contra o Papa Francisco em campanha

Javier Milei, o economista ultraliberal que lidera a corrida presidencial na Argentina,  concedeu entrevista para Tucker Carlson, jornalista símbolo da extrema-direita estadunidense. Além de apresentar suas polêmicas propostas,  Milei fez duras acusações ao Papa Francisco.

O candidato representante da extrema-direita afirmou: “o Papa faz política. Ele tem uma forte influência política. Ele também mostrou grande afinidade com ditadores como Castro e Maduro. Em outras palavras, ele está do lado de ditaduras sangrentas”.

Milei também disse que o Papa Francisco considera a justiça social um elemento central, e “isso é muito complicado, porque justiça social é roubar o fruto do trabalho de uma pessoa e dar a outra”. 

As críticas ao Papa Francisco, como a “afinidade com comunistas assassinos” receberam destaque na matéria publicada pelo portal gospel Pleno.News, em 15 de setembro passado. O material foi compartilhado centenas de vezes e circulou por diversos grupos de mensagens de igrejas e entre perfis religiosos. 

Imagem: Matéria do Pleno.News checada pelo Bereia

Quem é Javier Milei e por que um site de notícias gospel do Brasil lhe dá destaque

De acordo com o jornal El Observador,  que analisou as dez últimas pesquisas eleitorais, o economista ultraliberal e deputado do parlamento argentino Javier Milei lidera as pesquisas de intenção de voto em todos os cenários para a corrida presidencial no país. 

Segundo os números mais recentes, ele tem entre 36% e 40,4%  dos votos e está à frente do atual ministro da Economia, Sergio Massa, representante do presidente Alberto Fernandez. O candidato do governo tem de 27,4%  a 33%.  Já a  ex-ministra de Segurança Patrícia Bullrich, apoiada pelo ex-presidente Maurício Macri, alcança entre 23,1% a 29,7%. Se os números forem confirmados nas urnas, o candidato da extrema-direita estará no segundo turno.

Milei se autointitula libertário e promete “acabar com a classe política do país”. O livro “La rebeldia se volvió de derecha”, do historiador argentino Pablo Stefanoni,  expõe como a chamada “nova direita” surgiu no cenário político com a apresentação de uma suposta rebeldia contra “o sistema”. O capítulo “o que querem os libertários e por que deram um giro à direita?”  apresenta a trajetória de Milei e mostra como os temas morais que caracterizam a retórica das chamadas “guerras culturais” se conectam e se entrelaçam com o ultraliberalismo econômico. Este mesmo processo ocorreu nos Estados Unidos e no Brasil, com as campanhas vencedoras de Donald Trump (2016) e de Jair Bolsonaro (2018)

O libertarianismo, movimento nascido nos EUA nos anos 1990, estabeleceu pontes entre a direita e à esquerda políticas, pelo viés dos extremos. O Estado é sempre um inimigo que une as correntes libertárias. 

Por isso, o discurso gira em torno do fortalecimento das instituições tradicionais que estimulem a vida pública: a família, a igreja e as empresas, com o descarte do Estado. A autoridade social deve ser representada por essas instituições.

Nessa lógica, explica o livro de Stephanoni, o mercado livre é um imperativo moral e prático. Já o Estado de bem-estar social é um roubo organizado, a ética igualitária é moralmente condenável por ser destrutiva da propriedade e da autoridade social,  qualquer “privilégio” racial e de grupo deve ser os valores judaico-cristãos são essenciais para uma ordem livre e civilizada.

Para chegar ao poder, explica o historiador argentino, estes libertários extremistas abraçaram o populismo de direita com teorias que envolvem satanismo, pedófilos, partidos de esquerda e o Papa, entre outros, todos conspirando, em um “sistema”, contra “o povo”. Nos Estados Unidos, o grupo apresentou um salvador para conter esta trama, Donald Trump, e na Argentina, agora, se apresenta Javier Milei.

No Brasil, Jair Bolsonaro também foi apresentado como um político antissistema que prometia governar sem acordos ou concessões à classe política.  As mídias sociais colaboram para a propagação desse perfil, mesmo tendo o militar ocupado uma cadeira de deputado federal por décadas e passado por diversos partidos políticos.

O professor da Universidade de Buenos Aires, Ariel Goldstein, explica: “enquanto Bolsonaro se apresentava como um representante conservador da família tradicional e tentava o apoio dos mercados com Paulo Guedes, Milei se apresenta, de cara, como um representante dos mercados e que, agora, faz um movimento mais em direção a faixas conservadoras”. 

O portal gospel Pleno News,  alinhado a essas políticas econômicas e pautas conservadoras deu amplo espaço à campanha e às declaração de Jair Bolsonaro e agora dá a mesma visibilidade a Javier Milei.

O que Milei falou em entrevista de campanha contra o Papa

Imagem: Reprodução da entrevista de Carlson com Milei no X

Os temas destacados – ideologia de gênero, aborto, afinidade do Papa com ditadores, entre outros – representam o caminho trilhado por Milei e Tucker Carlson durante a entrevista: pânico moral e teorias da conspiração. 

Estudos mostram que as posturas do Papa Francisco em sua maneira de conduzir a Igreja Católica tem incomodado políticos de direita, em especial extremistas ultraliberais, e personagens da própria igreja. O líder religioso e chefe do Estado do Vaticano  denuncia constantemente as condições precárias dos trabalhadores, o racismo e a liberdade de movimento para os imigrantes. Além disso, “defendendo que a política não deve submeter-se à economia, e esta não deve submeter-se aos ditames e ao paradigma eficientista da tecnocracia’, o bispo de Roma ganhou fama de herege”. Francisco também tem relativizado o direito absoluto à propriedade privada e, por isso, tem sido  chamado de comunista. 

Com estas bases é possível compreender os ataques do candidato argentino ao Papa Francisco, divulgados na matéria do Pleno News. Na entrevista ao jornalista dos Estados Unidos, objeto do texto, ele expôs publicamente que o pontífice é um “representante maligno na terra”, atrelou-o à esquerda e manteve a comum acusação de que o Papa é comunista.

Bereia ouviu o pastor da Igreja Metodista na Argentina, jornalista e presidente da Associação Mundial para a Comunicação Cristã (WACC) Leonardo Felix sobre o ataque público do candidato ao Papa Francisco. Felix explica que “[Jorge Mario] Bergoglio [o Papa Francisco] sempre representou, quando era cardeal da cidade de Buenos Aires, uma abordagem clara na síntese do peronismo [o ex-presidente Juan Domingo Perón procurou avançar através três pilares: justiça social, independência econômica e soberania política. Para alcançar um consenso mais amplo, elaborou propostas relacionadas ao tema da justiça social, na busca da paz baseada no amor ao próximo], com as diversas tendências do peronismo, mais até à direita. Porém, para a ultradireita na Argentina, isto não é bem visto”.

O diretor da WACC informa que como reação ao discurso de ataque de Milei ao Papa, houve missas em desagravo, em “villas”, espaços equivalentes às favelas no Brasil. De acordo com Felix, “Milei acusa o Papa no campo político, já que o conectou imediatamente com o peronismo e com a esquerda e por fim com o comunismo, coisa que não pode ser assim vista de nenhum ponto de vista. No caso de Francisco, não há nenhuma ideia que permita entender isso além da retórica do Evangelho.”

Quem é o entrevistador de Milei, Tucker Carlson

O jornalista Tucker Carlson comandava um dos programas de maior audiência nos EUA, pela rede de TV Fox News, notoriamente  identificada com a direita política. A rede de TV, inclusive, foi acusada de espalhar informações falsas de que as urnas foram manipuladas para impedir a vitória de Trump nas eleições. Carlson já esteve no Brasil para entrevistar o ex-presidente Jair Bolsonaro em junho de 2022.

Reprodução da matéria de O Globo, de 30 de junho de 2022.

A popularidade de Carlson e sua influência definiam a agenda dos conservadores estadunidenses e consequentemente do Partido Republicano. O programa exibido pela Fox News oferecia abordagens conservadoras populistas em questões como imigração, criminalidade, raça, gênero e sexualidade e a chamada ideologia “woke”. 

O termo woke tornou-se sinônimo de políticas liberais ou de esquerda, que defendem temas como igualdade racial e social, feminismo, o movimento LGBTQIA+, o uso de pronomes de gênero neutro, o multiculturalismo, a vacinação, o ativismo ecológico e o direito ao aborto. São políticas associadas, nos Estados Unidos, ao Partido Democrata do presidente Joe Biden e à ala mais liberal.

O analista político Guga Chacra afirma que Carlson só perde em popularidade para Donald Trump, entre eleitores do Partido Republicano. Chacra acrescenta que o papel fo jornalista foi fundamental para moldar a nova ideologia do partido  e “com um discurso isolacionista e focado na classe trabalhadora branca em temas sociais e econômicos, alterou em parte o discurso conservador americano, antes focado mais em questões fiscais na economia e bélico em questões internacionais”. 

Carlson foi demitido da Fox News e passou a atuar nas mídias sociais digitais. Seu último programa na rede TV estadunidense foi transmitido em 21 de abril deste ano. Atualmente tem um programa de entrevistas  independente na plataforma X (antigo Twitter), no qual conta com dez milhões de seguidores. A entrevista concedida por Milei e destacada pelo portal Pleno.News foi concedida no programa de Carlson no Twitter. 

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Bereia avalia que os ataques de Javier Milei ao Papa Francisco se valem de falsidades, estão no campo da política e funcionam como estratégia eleitoral, na direção do que é praticado comumente por lideranças da extrema-direita. 

Ao se apresentar como candidato antipolítico e relacionar o Papa com o peronismo e o comunismo, atrelando-os à esquerda, que busca confrontar, Milei alcança uma grande parcela da população que nega a política e os políticos.

O Papa Francisco, reconhecido por suas posições progressistas na Igreja Católica, está no espectro político oposto ao de Javier Milei, que busca colocar todos os outros políticos e personagens com atuação política como inimigos, na linha das práticas de extrema-direita.

Como não há registros de declarações do Papa sobre apoiar qualquer ditadura, as acusações de Milei podem ser consideradas mais uma teoria da conspiração, ferramenta tão difundida por políticos de extrema-direita em todo o mundo.

Bereia classifica, portanto,  a matéria do site religioso, Pleno News como desinformativa, pois não oferece apuração do que o candidato argentino pronuncia na entrevista a Tucker Carlson, apenas reproduz. Desta forma,  Pleno News atua como promotor da campanha política de Milei.

Referências de checagem:

El Observador https://www.elobservador.com.uy/nota/elecciones-2023-dos-encuestas-dan-ganador-a-milei-en-primera-vuelta-2023923111922 Acesso em 26 SET 23

Resenha do livro: O que querem os libertários e por que deram um giro à extrema-direita?

https://periodicos.ufba.br/index.php/pculturais/article/view/48454 Acesso em 19 SET 23

El País https://brasil.elpais.com/internacional/2021-01-12/teorias-conspiratorias-do-qanon-varrem-o-mundo-e-sao-mais-perigosa-do-que-parecem.html Acesso em 19 SET 23

BBChttps://www.bbc.com/portuguese/internacional-63547369 Acesso em 19 SET 23

https://www.bbc.com/portuguese/articles/c512yk8pl8go Acesso em 26 SET 23 

https://www.bbc.com/portuguese/internacional-63547369 Acesso em 19 SET 23

O Globo https://oglobo.globo.com/blogs/guga-chacra/post/2023/04/demitido-da-fox-carlson-moldou-partido-republicano.ghtml Acesso em 19 SET 23

https://oglobo.globo.com/blogs/blog-do-acervo/noticia/2022/06/thucker-carlson-as-ideias-extremistas-do-jornalista-que-entrevistou-bolsonaro.ghtml Acesso em 26 SET 23 

G1 https://g1.globo.com/mundo/noticia/2023/08/14/quem-e-javier-milei-candidato-presidencia-argentina.ghtml Acesso em 19 SET 23

UOL https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2022/06/30/quem-e-tucker-carlson-jornalista-conservador-que-entrevistou-bolsonaro.htm Acesso em 19 SET 23

https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/ansa/2023/09/05/buenos-aires-celebra-missa-de-desagravo-ao-papa-francisco.htm Acesso em 25 SET 2023

Folha de São Paulo https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2023/09/padres-argentinos-defendem-papa-francisco-contra-ataques-de-javier-milei.shtml Acesso em 19 SET 23 

IHU On Line https://www.ihu.unisinos.br/categorias/631605-preocupacao-na-igreja-pela-ascensao-de-javier-milei-e-seus-ataques-ao-papa Acesso em 19 SET 23 

https://www.ihu.unisinos.br/categorias/592611-francisco-um-papa-que-incomoda-artigo-de-victor-codina Acesso em 26 SET 2023

https://www.ihu.unisinos.br/categorias/603702-herege-e-comunista-a-direita-excomunga-o-papa Acesso em 20 SET 2023

https://www.ihu.unisinos.br/categorias/593752-as-raizes-peronistas-do-papa-bergoglio Acesso em 20 SET 2023

El País https://brasil.elpais.com/internacional/2021-01-12/teorias-conspiratorias-do-qanon-varrem-o-mundo-e-sao-mais-perigosa-do-que-parecem.html Acesso em 19 SET 23 

Aci digitalhttps://www.acidigital.com/noticia/29432/a-resposta-de-francisco-aos-que-o-chamam-de-comunista-antipapa-e-questionam-se-e-catolico Acesso em 21 SET 2023

Sites e políticos religiosos enganam sobre governo federal defender maconha e aborto

No fim do mês de julho, sites de notícias gospel e políticos religiosos compartilharam nas mídias digitais conteúdos relacionados a uma resolução em que o atual governo defenderia a legalização do aborto e da maconha, assim como a transição de gênero aos 14 anos. Bereia recebeu pedido de checagem dos conteúdos. 

O texto sobre o assunto publicado no portal gospel Pleno News tem como título “Nova resolução do governo Lula defende aborto e maconha” e é complementado pelo subtítulo “O documento do CNS [Conselho Nacional de Saúde] também fala em autorizar mudança de gênero a partir dos 14 anos”. O site Gospel Prime deu à matéria o mesmo título, mas alterou o subtítulo, “Durante campanha petista havia mentido que era contra a prática”.

Imagem: reprodução do site Pleno.News

Um dos políticos religiosos que tratou do tema em seu perfil no Instagram foi o deputado distrital (equivalente a estadual, mas do Distrito Federal) Pastor Daniel de Castro (PP). Na publicação, Castro afirma que “Tudo o que avisamos durante a campanha eleitoral está vindo à tona!” e a ilustra com uma imagem do presidente da República Luís Inácio Lula da Silva (PT) com a ministra da Saúde Nísia Trindade em um aperto de mãos. Nela há a afirmativa de que a ministra teria assinado uma “resolução a favor da legalização do aborto e da maconha”.

Imagem: reprodução do Instagram

Difusão de pânico moral como estratégia 

Após a publicação da Resolução n° 715 do CNS, sites e políticos religiosos repercutiram trechos do documento, atribuindo ao governo federal a defesa do aborto, da legalização da maconha e da garantia de direitos sexuais. As críticas concentram-se, principalmente, nos temas relacionados à chamada pauta de costumes.

Sites religiosos destacaram trechos do documento em que se encontram considerações sobre a saúde das populações LGBTIA+, evidenciando aspectos como a redução da idade de início para tratamentos hormonais para 14 anos. Além disso, repercutiram, trechos que tratam do combate às desigualdades estruturais por meio de políticas sociais que considerem transferência de renda, legalização do aborto e legalização da maconha no Brasil.

O site religioso Gospel Prime chegou a afirmar que o presidente Lula mentiu, durante a campanha eleitoral, ao afirmar que era, pessoalmente, contra o aborto. Assim como outros portais fizeram, o site atribui a Lula, em caráter pessoal, as diretrizes emanadas da Resolução nº 715 emitida pelo Conselho Nacional de Saúde.

Outro aspecto do documento veiculado por mídias religiosas em tom crítico, diz respeito à política de vacinação. Percebe-se, na redação final do texto publicado pelo site gospel Pleno News, que houve menção ao texto tratar do acesso facilitado a vacinas e ações que visem à ampliação da cobertura vacinal de modo geral.

Reação parlamentar e nota de repúdio de juristas evangélicos

A Revista Oeste, identificada com o “pensamento liberal-conservador”, informou que o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) protocolou, na Câmara dos Deputados, um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) para sustar a Resolução nº 715 do CNS. O PDL 197/2023 afirma que a resolução do CNS trata de temas “extremamente controversos” e fundamenta-se “a partir de um nítido viés político”.

Em 1º de agosto, a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) divulgou uma nota de repúdio à resolução. No texto, a entidade afirmou que “em seu compromisso em defesa dos direitos fundamentais, manifesta seu repúdio às orientações estratégicas publicadas pelo Conselho Nacional de Saúde através da Resolução nº 715/2023” e pontuou uma “ideologização da saúde”.

Propósito da Resolução 

A Resolução nº 715 foi publicada pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), órgão colegiado do Sistema Único de Saúde (SUS) que fiscaliza e monitora as políticas públicas de saúde, desde 1937. Independente do governo, o Conselho leva as demandas da população ao poder público, e tem função deliberativa. 

A instância é formada por 48 conselheiros titulares, e respectivos primeiros e segundos suplentes, que representam diferentes segmentos da sociedade. Os membros do CNS são escolhidos por eleições a cada três anos, que elegem entre si um representante para a presidência do órgão. Empresas da área da saúde, prestadores de serviço, comunidade científica, usuários, trabalhadores e gestores do SUS e instituições não-governamentais são exemplos de entidades representadas no Conselho. 

O texto foi tornado público em 20 de julho passado, após a realização da 17ª Conferência Nacional de Saúde, no início do mesmo mês. O documento define orientações estratégicas para o Plano Plurianual (PPA) e para o Plano Nacional de Saúde (PNS), ao estabelecer prioridades para a atuação dos serviços públicos de saúde.

Em seu preâmbulo, o documento faz referência aos objetivos da conferência, entre os quais se encontram os de reafirmar a universalidade e integralidade da saúde como direito humano, com a definição de políticas que reduzem as desigualdades sociais e territoriais, conforme previsão na Constituição Federal.

Desta forma, entre as orientações emanadas da conferência estão, além de questões ligadas ao correto financiamento dos serviços públicos de saúde e considerações sobre os diversos aspectos da chamada Atenção Básica (AB) em saúde, apontamentos sobre questões específicas que concernem ao atual quadro da saúde pública no Brasil.

A coordenadora adjunta da Comissão de Relatoria da 17ª Conferência Priscilla Viegas afirma que o conjunto de orientações previstas na Resolução nº 715 baseou-se em 245 diretrizes aprovadas na Conferência. “É um conjunto de proposições que têm a perspectiva de incidir no PPA e no PNS, trazidos de forma ampla para que tragam as prioridades, sem invisibilizar a diversidade e pluralidade refletidas na Conferência”, afirmou Viegas ao portal do Conselho Nacional de Saúde.

Alegações da Resolução

Estão relacionadas na Resolução nº 715  59 orientações a partir das diretrizes aprovadas na 17ª Conferência Nacional de SaúdeA orientação de número 44 propõe a atualização da Política Nacional de Saúde Integral LGBT para LGBTIA+, com definições das linhas de cuidado em cada um dos ciclos de vida, de forma que abranja a diversidade da comunidade, não apenas em orientação sexual e identidade de gênero, mas também a pluralidade de corpos, raças, etnias, classe, e pessoas em restrição de liberdade e situação de rua.

Além disso, a mesma orientação sugere a “revisão da cartilha de pessoas trans, da caderneta de gestante, pré-natal, com foco não binário; com a garantia de acesso e acompanhamento da hormonioterapia em populações de pessoas travestis e transgêneras, pesquisas, atualização dos protocolos e redução da idade de início de hormonização para 14 anos”.

Já a orientação 49, defende a ampliação de políticas sociais e de transferência de renda, como a legalização do aborto e da maconha, e da intersetorialidade nas ações de saúde para combater desigualdades estruturais e históricas da sociedade brasileira.

A Conferência Nacional de Saúde

Estabelecida pela Lei nº 8.142/1990, a Conferência Nacional de Saúde ocorre a cada quatro anos, com o objetivo de avaliar a situação da saúde no país e propor diretrizes e orientações gerais para a formulação de políticas públicas, em caráter não obrigatório. Organizada pelo Ministério da Saúde e pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), a Conferência cria espaço de diálogo entre a sociedade e o governo, de modo que há participação de diversos segmentos sociais ao longo das etapas realizadas. Segundo informações do CNS, estima-se que 2 milhões de pessoas estiveram envolvidas na 17ª Conferência. Pela própria lei que cria a Conferência, os usuários do SUS são representados de forma paritária em relação a outros segmentos.

As primeiras etapas da Conferência foram iniciadas ainda em 2022, com a realização de conferências municipais que envolveram a participação de usuários do SUS, trabalhadores, gestores da saúde e prestadores de serviço. Além das etapas locais, municipais e estaduais, a 17ª Conferência abrigou a realização de conferências livres, que abordaram temas como ‘gestão interfederativa e participativa’, ‘informação, saúde digital e controle social’, ‘atenção especializada’, entre outros.

Com a realização da etapa nacional, no início de julho, conselheiros nacionais da Saúde deliberaram unanimemente pela aprovação da Resolução nº 715, que definiu orientações estratégicas para as políticas públicas de saúde. O documento sintetiza as diretrizes da 17ª Conferência em 59 orientações, que abordam pontos como a defesa do direito universal à saúde, o papel do Brasil na agenda internacional de saúde e diversos aspectos ligados à saúde pública no país.

***

Bereia classifica o conteúdo como enganoso, dada a estratégia de sensacionalismo para atrair atenção. Apesar dos conteúdos publicados por sites e políticos religiosos tratarem de dados reais contidos na Resolução nº 715 do Conselho Nacional de Saúde, também apresentam teor distorcido ao difundir as orientações e o próprio documento como uma determinação, não só do atual governo, mas da pessoa do presidente Luis Inácio Lula da Silva.

O modo como os títulos, as imagens e as informações foram estruturadas estimula julgamentos negativos sobre assuntos como a legalização do aborto, da maconha e a garantia de direitos da comunidade LGBTIA+, que vão contra a pauta de costumes defendidos por políticos e lideres religiosos. Para busca de apoio a estas pautas e argumentos de oposição ao atual governo, os sites e políticos citados nesta matéria recorrem ao pânico moral com informações distorcidas. Desta forma, o conteúdo evidencia o esforço empregado para desinformar e, portanto, carece de substância.

Ao contrário do que grande parte das publicações alega, a Resolução nº 715, emanada da 17ª Conferência Nacional de Saúde, não consiste em um posicionamento de governo, nem configura previsão legal a ser cumprida pelas instituições da Saúde. Trata-se, na verdade, de um conjunto de propostas elaboradas democraticamente, com a participação de diversos setores da sociedade. 

Referências da checagem:

Planalto. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8142.htm Acesso em: 2 ago 2023

Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2302814&filename=PDL%20197/2023 Acesso em: 2 ago 2023

Ministério da Saúde.

https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2023/janeiro/garantir-direitos-e-defender-o-sus-a-vida-e-a-democracia-sera-tema-da-17a-conferencia-nacional-de-saude Acesso em: 2 ago 2023

https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2023/maio/de-forma-inedita-ministerio-da-saude-organiza-etapas-preparatorias-para-a-17a-conferencia-nacional-de-saude Acesso em: 2 ago 2023

https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2023/janeiro/17a-conferencia-nacional-de-saude-etapas-municipais-serao-realizadas-ate-marco Acesso em: 2 ago 2023

Conselho Nacional de Saúde.

https://conselho.saude.gov.br/ultimas-noticias-cns/3046-aberto-credenciamento-de-imprensa-para-a-17-conferencia-nacional-de-saude-2 Acesso em: 2 ago 2023

https://conselho.saude.gov.br/apresentacao-cns Acesso em: 2 ago 2023

https://conselho.saude.gov.br/ultimas-noticias-cns/3091-conselho-nacional-de-saude-publica-resolucao-com-prioridades-para-o-sus-a-partir-das-deliberacoes-da-17-conferencia-nacional-de-saude Acesso em: 2 ago 2023

https://conselho.saude.gov.br/resolucoes-cns/3092-resolucao-n-715-de-20-de-julho-de-2023 Acesso em: 2 ago 2023

https://conselho.saude.gov.br/ultimas-noticias-cns/2697-etapas-municipais-da-17-conferencia-nacional-de-saude-comecam-a-ser-realizadas-em-novembro Acesso em: 2 ago 2023

https://conselho.saude.gov.br/ultimas-noticias-cns/2941-comecam-etapas-estaduais-rumo-a-17-conferencia-nacional-de-saude Acesso em: 2 ago 2023

Revista Oestehttps://revistaoeste.com/politica/deputado-pretende-sustar-resolucao-sobre-legalizacao-do-aborto-e-hormonio-para-adolescentes-trans/ Acesso em: 2 ago 2023

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Foto de capa: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

Portal de notícias gospel desinforma sobre encerramento de escolas cívico-militares

*Matéria atualizada em 27/07/2023 para correção de informações

Nos primeiros dias de julho de 2023, o governo federal anunciou o encerramento do Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares (Pecim). Em ofício às secretarias estaduais, o Ministério da Educação (MEC) informou que o programa chegará ao fim e terá início um período de transição para que as escolas que anteriormente integravam o Pecim sejam reintegradas à redes regulares de ensino. Na sexta-feira, 21, o governo publicou um decreto revogando o Pecim. 

O portal gospel Pleno News, em matéria crítica ao fato, veiculada em 16 de julho, afirma que escolas cívico-militares foram responsáveis pela queda das taxas de evasão e violência escolar, e que a decisão de extinguir o Pecim ignora os “bons resultados apresentados pelo Programa”. Bereia checou esta alegação. 

Imagem: reprodução site Pleno.News

Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares (Pecim)

Em setembro de 2019, o então presidente da República Jair Bolsonaro (PFL, depois PL) criou o Pecim via Decreto, ou seja, sem a necessidade de aprovação pelas casas legislativas. Instituído, então, pelo Decreto nº 10.004/19, o Pecim propunha-se a aplicar, a escolas do ensino regular, práticas pedagógicas ligadas ao ensino dos colégios militares, do Exército, das polícias militares ou dos corpos de bombeiros militares. Ao contrário do que ocorre nas tradicionais escolas militares, subordinadas ao Ministério da Defesa, as escolas cívico-militares permaneceram sob alçada das Secretarias de Educação.

A implementação do modelo cívico-militar, prevista no Decreto nº 10.004/19 é efetivada por meio da contratação de militares inativos para a execução de tarefas disciplinares nas escolas que aderirem ao programa. Tal contratação é feita pelas próprias Forças Armadas, sob coordenação do Ministério da Defesa, e o pagamento dos salários realizado com o orçamento do MEC.

Resultados do Pecim

A afirmativa apresentada pelo portal Pleno News não indica a referência dos bons resultados atribuídos ao programa, apontados no texto, porém o MEC divulgou algumas informações relativas ao Pecim no final de 2022. O Replanejamento Estratégico do Pecim, divulgado em dezembro do último ano, expôs, na seção de Análise dos Resultados, dados do programa colhidos ao longo de 2022, em 117 escolas do Pecim. 

O documento aponta índices de avaliação subdivididos em quatro aspectos: Gestão Escolar (GE), Ambiente Escolar (AE), Práticas Pedagógicas (PP) e Aprendizado e Desempenho Escolar dos Alunos (ADEA). O indicador é medido entre 0 e 1, quanto mais próximo de 1 é a nota, mais perto está de atingir a meta avaliada. 

No contexto deste levantamento a que teve acesso Bereia, o indicador de AE ‘Reduzir os índices de violência na escola’ é apontado com média 0,80 e o indicador de ADEA ‘Diminuir o índice de faltas e reduzir as taxas de abandono e evasão escolar’ com 0,79. Os valores coincidem com os apresentados pelo Portal Pleno News. 

O relatório concluiu que o programa apresentava “necessidade de ações mais intensas dos gestores das Ecims” em estratégias que apresentaram “maiores déficits de atendimento”, entre estas: potencializar o trabalho do supervisor escolar (coordenador pedagógico), envidando esforços para que ele receba apoio de um psicopedagogo (GE) e possuir quantidade suficiente de professores, gestores e funcionários (GE). Além destas medidas também foram citadas como carentes de melhorias: atingir as metas do Ideb para a escola (PP) e definir e respeitar o efetivo máximo de alunos em todas as salas de aula da escola (ADEA), que foram indicadores com nota 0,4. 

Reação dos governos estaduais à decisão do MEC

A decisão do encerramento do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim) pelo MEC foi comunicada por meio do Ofício Circular nº4/2023, emitido em 10 de julho, aos secretários estaduais de educação. O documento informa que a medida foi tomada após avaliação do programa e que a partir deste fato inicia-se um processo de desmobilização do pessoal das Forças Armadas envolvido na implementação e lotado nas unidades educacionais do Pecim. 

O ministro da Educação Camilo Santana garantiu, em entrevista à CNN, em 18 de julho, que nenhuma das escolas cívico-militares será fechada e afirmou que o programa existirá até o fim de 2023, e dentro deste prazo, o MEC irá dialogar com as gestões de educação estadual e municipal a transição para o sistema regular de ensino. Santana frisou ainda que caso haja interesse dos prefeitos e governadores em manter as escolas no formato cívico-militar será uma decisão própria desvinculada do MEC.

Em reação à medida tomada pelo governo federal, alguns governadores ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro manifestaram a intenção de manter o programa com recursos estaduais. Um deles foi Tarcisio de Freitas (Republicanos), à frente do estado de São Paulo, que informou pretender não só continuar, mas ampliar as unidades cívico-militares de ensino. O governador de Santa Catarina Jorginho Mello (PL) também divulgou que irá expandir o programa e afirmou ter pedido à Secretaria de Educação um estudo para determinar quais regiões do estado poderão receber escolas desta modalidade. Líderes dos estados do Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina, Bahia, Goiás, Rondônia e Distrito Federal também se manifestaram com intenção de dar continuidade ao programa. 

Críticas ao Pecim

O diretor da Secretaria-Executiva do Ministério da Educação Gregório Grisa comentou o tema, em seu perfil no Twitter. Grisa afirma que o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares não tem respaldo legal. “Não há base legal na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e no Plano Nacional de Educação (PNE) que ampare o pagamento de militares para exercer funções em escolas, mesmo que administrativas”.

Imagem: reprodução do site UOL

As verbas de manutenção dos colégios militares são provenientes do orçamento do Ministério da Defesa. No modelo cívico-militar, o orçamento vem do Ministério da Educação e remunera militares inativos. Em alguns casos, como nos bônus destinados aos coronéis, o valor chega a R$ 9,1 mil – maior que o piso salarial dos professores, de R$ 4,4 mil.

Para o cientista social e diretor do Instituto Cultiva, ONG dedicada à educação para a cidadania e participação social, Rudá Ricci, o Programa de escolas cívico-militares é “ilegal, equivocado e inócuo”. Em entrevista ao Bereia, Ricci destaca que o Pecim ofende a lei de diretrizes e bases da educação nacional (LDB) e o Programa Nacional da Educação (PNE), instrumentos nacionais que garantem a gestão democrática das escolas brasileiras.

Foi baseado neste entendimento que a  25ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul suspendeu a implementação de novas escolas cívico-militares no estado, em novembro de 2022. A decisão foi tomada depois do Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul e do Sindicato dos Trabalhadores em Educação ajuizarem uma ação civil pública contra o decreto que criou o programa em setembro de 2019.

Em junho de 2022 o Tribunal de Justiça de São Paulo também suspendeu a implantação do Pecim em uma escola de São José do Rio Preto, a decisão atendeu a um pedido de liminar do Sindicato dos Professores da Rede Estadual de Ensino de São Paulo (Apeoesp).  

Ricci afirma, ainda, que “educação é socialização – saber viver em sociedade – e desenvolver a autonomia – autocontrole e definição do papel individual na sociedade. (…) a militarização das escolas não debela a violência e gera instabilidade entre adolescentes. Um erro grosseiro que levará ao desastre as gerações expostas a este modelo”.

Questionado sobre a disposição de governos estaduais darem continuidade ao modelo, o cientista social identifica três blocos distintos. “O primeiro bloco é composto por bolsonaristas. Aqui se trata de um confronto claro com o governo federal, não exatamente de um projeto educacional nítido. O segundo bloco é composto por governos progressistas que perderam uma noção clara de estratégia educacional, abraçando toda sorte de propostas que prometem responder às mazelas de momento. O terceiro bloco – que inclui parte do segundo – é composto por governos cujo foco é atender a demanda imediata do eleitor, descartando projetos de mais longo prazo”.

Ricci correlaciona o que entende ser uma tendência imediatista aos ciclos eleitorais que ocorrem no Brasil a cada dois anos. “Este calendário eleitoral força a obtenção de ações espetaculares ou que parecem atender imediatamente às demandas mais agudas do eleitor, tratando a gestão pública como balcão de atendimento de uma clientela ansiosa”.

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Bereia conclui que o conteúdo checado é impreciso, pois apresenta dados verdadeiros, mas sem amplitude suficiente para serem considerados informação. A maneira seletiva de expor os dados e a condução do conteúdo como uma resposta defensiva a uma medida política revogada, aponta para o uso do produto jornalístico como meio de defesa de interesses e pode levar o público a julgamentos errôneos.

O relatório do fechamento do ano de 2022 do Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares apontou problemas a serem resolvidos em áreas pedagógicas e de aprendizado, o que deu base para a decisão de encerramento do programa pelo Ministério da Educação. Também foram apresentados, como justificativa pela pasta, os altos gastos retirados indiretamente da educação para a remuneração de militares da reserva. 

O texto em questão não contextualiza todos os aspectos desta situação, e com base em dados parciais defende a manutenção do programa, atribuindo uma decisão prejudicial à educação nacional ao governo e não há referência ao documento usado como base para os dados apresentados. O programa não teve ampla adesão e nem elevou os níveis da educação nas escolas contempladas com a metodologia, portanto, não é possível afirmar que houveram “bons resultados” o suficiente para que o programa não fosse descontinuado a partir de uma ótica técnico-pedagógica. 

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Referências de checagem:

Exame. https://exame.com/brasil/escolas-civico-militares-entenda-por-que-o-ministerio-da-educacao-decidiu-acabar-com-o-programa/ Acesso em: 18 jul 2023

CNN. https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/como-e-uma-escola-civico-militar-entenda/ Acesso em: 18 jul 2023

Twitter. https://twitter.com/grisagregorio/status/1679565755556196352?t=rRYbJ6DVdWMKDKuI8E091w&s=19 Acesso em: 18 jul 2023

Youtube. https://www.youtube.com/watch?v=YVFORuY2lx4&ab_channel=CNNBrasil Acesso em: 19 jul 2023

Agência Brasil. https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2023-07/governo-federal-vai-encerrar-programa-de-escolas-civico-militares Acesso em: 19 jul 2023

MEC. https://www.gov.br/mec/pt-br/assuntos/noticias/ministerio-da-educacao-apresenta-os-resultados-do-programa-nacional-das-escolas-civico-militares Acesso em: 19 jul 2023

Gov.br. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/d10004.htm Acesso em: 19 jul 2023

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm Acesso em: 20 jul 2023

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm Acesso em: 20 jul 2023

MEC.

https://sei.mec.gov.br/sei/controlador_externo.php?acao=documento_conferir&codigo_verificador=4145196&codigo_crc=7485322B&hash_download=968ba7c9e06e3fed837f1369646d668a106561d10a41499049a1f0cb735e9fe90be3875aabf77581e2c9d951613c471330add402057ec1499a8bbe25dbb72846&visualizacao=1&id_orgao_acesso_externo=0 Acesso em: 20 jul 2023

http://ramec.mec.gov.br/component/search/?searchword=PECIM&searchphrase=all&Itemid=8 Acesso em: 20 jul 2023

Uol.

https://educacao.uol.com.br/noticias/2023/07/13/militares-reserva-bonus-escolas-civico-militares.htm Acesso em: 21 jul 2023

https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2022/06/justica-barra-escolas-civico-militares-do-governo-bolsonaro-na-rede-estadual-de-sp.shtml Acesso em: 21 jul 2023

Conjur. https://www.conjur.com.br/2022-nov-17/tj-rs-suspende-programa-nacional-escolas-civico-militares Acesso em: 21 jul 2023

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Foto de capa: Escola Lima Netto/Facebook

Pastor André Valadão profere discurso caracterizado como incitação ao ódio durante culto

* Matéria atualizada às 16:24 para ajuste de texto

No domingo, 2 de julho o pastor da Igreja Batista da Lagoinha em Orlando, nos Estados Unidos, André Valadão discursou, mais uma vez, contra relacionamentos homoafetivos, e alegou o extermínio da humanidade através do dilúvio, descrito na Bíblia, por conta de supostos desvios sexuais. A pregação, que foi transmitida online, gerou grande repercussão negativa nas redes digitais com acusações de crime de homotransfobia, com possível incitação de morte à população LGBTQIA+.

Bereia recebeu de leitores e leitoras pedidos para checagem do ocorrido.

O discurso de André Valadão

No vídeo que viralizou, André Valadão aponta uma associação entre abuso infantil e a normalização de comportamentos supostamente condenados pela Bíblia. “Homens e mulheres nuas, com seus órgãos genitais completamente expostos dançando na frente de crianças. Aí você horroriza. ‘Ah, que absurdo’. Mas essa porta foi aberta quando nós tratamos como normal aquilo que a Bíblia já condena”, disse.

Na pregação, Valadão condena o comportamento homossexual e faz uma associação com a imoralidade sexual, afirmando que esta foi a condição da humanidade que motivou Deus a instaurar o dilúvio. A partir desta alusão, o pastor incita os fiéis a um “reset”, dizendo: “Deus fala: ‘não posso mais, já meti esse arco-íris aí. Se eu pudesse eu matava tudo e começava tudo de novo’”. E continua: “‘então agora está com vocês’. Você não pegou o que que (sic) eu disse. Eu disse, ‘está com você’. Vou falar de novo: ‘está com você’”.

Ao fundo do púlpito de onde o pastor prega havia um telão com a frase “Teoria da Conspiração” e imagens de líderes políticos como Jair Bolsonaro, Donald Trump e Deltan Dallagnol, além de uma bandeira de Israel, o Palácio do Planalto e o edifício do Capitólio, nos Estados Unidos. A pregação faz parte da série ‘Censura Não’ e foi divulgada no perfil do Instagram de Valadão com uma arte publicitária contendo imagens de Hitler e Donald Trump (a postagem não estava mais disponível no perfil do pastor quando esta matéria foi redigida).

Imagem: reprodução O Globo

Reação dos parlamentares 

Políticos religiosos se manifestaram em defesa de André Valadão, entre eles, os deputados federais Nikolas Ferreira (PL-MG) que usou seu discurso para atacar práticas classificadas como “comunistas” de repressão aos cristãos e Pastor Marco Feliciano (PL-SP) que definiu o episódio como uma distorção das falas do pregador evangélico, como ele próprio teria sofrido, em 2013. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) publicou em seu perfil do Twitter sobre o discurso de André Valadão. “Aos que estavam duvidando… a perseguição chegou dentro das igrejas, é o início do fim do resto que ainda tínhamos de liberdade religiosa”. 

Imagem: reprodução do Twitter

De outro lado, a deputada federal Erika Hilton (Psol-SP) denunciou o pastor ao Ministério Público Federal (MPF), a deputada federal Erika Kokay (PT-DF) afirmou na tribuna da Câmara dos Deputados que “discurso vira bala, discurso vira hematoma, discurso se transforma em óbito” e a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) lembrou a alta posição do Brasil no ranking mundial de mortes de pessoas LGBT. 

Violências sofridas pela população LGBTQIA+

Dados de 2022 do Dossiê de Mortes e Violências contra LGBTI+ no Brasil apontam que 228 vítimas LGBT foram assassinadas, 30 cometeram suicídio e  15 morreram por outras causas. No total, 273 pessoas morreram em decorrência do preconceito no país no ano passado, o que equivale a uma pessoa morta a cada 32 horas. 

Segundo a Organização Não Governamental (ONG) que elaborou o relatório Observatório de Mortes e Violências contra LBGTI+, entre 2000 e 2022, mais de cinco mil pessoas morreram por terem esta identidade. De janeiro a abril de 2023 já foram contabilizadas 80 mortes.

Ações do Ministério Público Federal e tentativa de retratação de Valadão

Depois de tomar conhecimento do caso, o Ministério Público Federal (MPF) informou, em 4 de julho, que instaurou procedimento para apurar possível prática de crime de homofobia. A investigação estará a cargo do Procurador Lucas Costa Almeida Dias, responsável pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC), no Acre. Em 6 de julho, o Ministério Público Federal (MPF), em Minas Gerais, solicitou à Justiça a retirada das publicações com discursos de ódio contra a população LGBTQIA+ do pastor André Valadão no YouTube e no Instagram e pede que o pastor pague R$ 5 milhões por danos morais coletivos. 

A Constituição Federal determina que qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais deve ser punida com lei. Desde 2019, a homofobia é considerada crime equiparado ao crime de racismo, sendo imprescritível e inafiançável. Os atos homofóbicos podem gerar pena de um a três anos de prisão e multa, mas, quando cometidos por intermédio de meios de comunicação social, a pena de reclusão pode chegar a cinco anos.

Dada a repercussão do caso, o pastor André Valadão publicou um vídeo em seu perfil no Instagram em que se defende das acusações de homofobia e incitação ao extermínio de pessoas LGBTQIA+, afirmando ter usado o termo ‘resetar’ para se referir à “levar o ser humano ao princípio daquela que é a vontade de Deus”. O pastor continuou: “Quando eu digo puxar as cordas cabe a nós levarmos a oportunidade da mudança de viver o amor de Jesus, vivermos a graça de Jesus. Quero dizer mais uma vez, é tempo de resetar”.

Ontem, 10 de julho, André Valadão publicou uma nota oficial sobre o caso. “Repudio qualquer ataque e uso de vi0lênc1a física e verbal a qualquer pessoa por conta de sua orientação sexual” . Também voltou a se explicar sobre os termos usados na pregação: “Ao me referir à história do dilúvio e de Noé, quis lembrar das consequências que o pecado pode ter sobre todos nós. ‘Porque o salário do pecado é a m0rte’, diz Romanos 3:23. Hoje a m0rte é espiritual, é a 0separação completa de Deus. Cabe a nós cuidarmos para que nossos filhos não caiam em armadilhas que os distanciem de Deus. Foi isso o que eu quis dizer sobre ‘resetar’ a máquina’ e recomeçar”.

Histórico de homotransfobia de André Valadão

Não é a primeira vez que o pastor André Valadão e a Igreja da Lagoinha protagonizam polêmicas envolvendo as populações LGBTQIA+. No mês passado, o pastor divulgou nas redes digitais publicações que afirmavam que “Deus odeia o orgulho”, em referência a essa comunidade. No instagram, o perfil da Igreja Lagoinha em Orlando afirma que “a origem do pecado está no orgulho e Deus abomina isso”.

Reportagem da Agência Pública, publicada há três anos, revelou práticas homofóbicas do Centro de Treinamento Ministerial Diante do Trono (CTMDT), um centro de ensino mantido pela Igreja da Lagoinha, em Belo Horizonte. Segundo relatos de uma ex-aluna, teriam ocorrido sessões de exorcismos e terapia com o objetivo de “curar” sua homossexualidade. Os acontecimentos se desenrolaram em 2009 e o CTMDT deixou de existir em 2018, segundo informação da Pública. O site oficial do Centro de Treinamento encontra-se fora do ar e, seu domínio, à venda.

Os relatos dão conta, ainda, de que a ex-aluna foi orientada a procurar uma “clínica” que funcionava em um dos imóveis da Igreja da Lagoinha, para que pudesse deixar de ser homossexual. Desde 1999, uma resolução do Conselho Federal de Psicologia proíbe que psicólogos “proponham tratamento e cura das homossexualidades”.

Nos perfis de André Valadão nas redes digitais, é frequente o tema da homossexualidade. A irmã do pastor e líder da banda Diante do Trono, Ana Paula Valadão, ligada à Igreja da Lagoinha, também já foi alvo de denúncia aceita pelo MPF. O caso se referia a uma fala de 2016, em que a cantora afirmava que a homossexualidade “não é normal” e que “a união sexual entre os dois homens causa uma enfermidade que leva a morte e contamina as mulheres”, em referência à Aids.

Outros pronunciamentos 

O ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania Sílvio Almeida discursou, no dia seguinte à pregação de Valadão, em 3 de julho, durante cerimônia de entrega do Relatório de Recomendações para o Enfrentamento ao Discurso de Ódio e ao Extremismo no Brasil elaborado por um Grupo de Trabalho, para a proposição de políticas públicas em direitos humanos. 

Na ocasião, o ministro afirmou que o ódio é uma mercadoria e fonte de popularidade. “O ódio, portanto, vira fonte de lucros de empresas, e empresas que inclusive é importante ressaltar, que administram as chamadas redes sociais. Sabemos que o ódio, ele engaja, e isso é fundamental para aquilo que chamamos de economia da tensão. Nós sabemos também que o ódio é fundamental para os mercadores da fé. Para os fariseus que, em cima dos púlpitos, manipulando a fé das pessoas, só servem para destilar o seu ódio”. 

Em nota de repúdio divulgada em 4 de julho, O Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic) declarou: “Discursos falsamente religiosos de incitação ao ódio aprofundam a cultura da violência porque negam a humanidade e o direito à existência de pessoas vulnerabilizadas. O Conic se une a todas as pessoas batizadas, de diferentes denominações, que não aceitam a instrumentalização da fé cristã para a promoção da cultura do ódio e incitação ao crime. Jesus, em Mt 22.33-39, nos compromete com o amor, portanto, não há lugar para o ódio e o crime na Boa Nova do Evangelho”.

A Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito anunciou que “Repudia as violentas falas do pastor André Valadão contra a população LGBTQIAPN+. Nos solidarizamos aos que sofreram com a agressão e lembramos que a Palavra de Deus, ao contrário do que faz parecer André, é uma mensagem de redenção. O reencontro amoroso entre Deus e toda a humanidade. Homofobia é crime, como observa a Lei. Esperamos que André Valadão não fique impune e que, assim como qualquer outro que cometa crimes e ilegalidades, seja responsabilizado por isso. ‘Quem não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor’. 1 João 4:8”.

Por outro lado, em 6 de julho, a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) divulgou em seu site nota pública sobre as acusações contra o discurso de André Valadão. No texto, a associação deu destaque às diferenças entre “a ordem cristã e a ordem do mundo moderno”. A Anajure sustenta que compreendeu como “injustificada a acusação de que este (André Valadão) incorreria na prática de discurso de ódio e incitação ao crime” e “repudia qualquer tentativa de repressão à liberdade religiosa e de expressão do pastor André Valadão”.

Posição hegemônica x teologias inclusivas 

O posicionamento teológico de André Valadão é caracterizado por um discurso tradicional hegemônico das igrejas cristãs que condena historicamente a homossexualidade, diversidade sexual humana e, no mínimo, se abstém diante da  desigualdade de gênero. No entanto, há uma pluralidade teológica no Cristianismo e vertentes inclusivas que lutam contra as idiossincrasias da religião que sedimentam a violência contra mulher, pessoas LGBTQI+ e outras questões inerentes à vida em sociedade. 

A doutora em Teologia e pastora batista Odja Barros prega uma leitura popular e feminista da Bíblia e afirma que o livro sagrado traz a carga de uma cultura patriarcal, machista e limitada no seu tempo e é importante que o leitor se desfaça de uma tradição interpretativa e busque nele a essência da revelação bíblica.

Para o pastor Bob Luiz Botelho, a igreja é uma instituição homofóbica, se for analisada pelo prisma hegemônico, e “muitas pessoas, principalmente muitos dos líderes que estão na mídia, são pessoas violentas intencionalmente”. O doutor em Teologia e estudioso da teologia da libertação e da teologia queer André Musskopf  acredita que o Cristianismo tem a possibilidade de trilhar caminhos libertadores no campo da sexualidade.

Desinformação religiosa como estratégia

O site de notícias Pleno News, afirmou em publicação no perfil oficial do portal no Instagram, que o pastor André Valadão “foi alvo de fake news. Críticos do pastor divulgaram que ele havia incitado os fiéis a matarem homossexuais, mas a informação não procede”. 

O portal, autodeclarado conservador e com histórico de desinformação, utilizou linguagem comum à checagem de fatos para buscar disseminar a ideia de que as falas do líder religioso não ocorreram tal como divulgado. No título também foi incluída a notícia de que o pastor se manifestou após as acusações, como evidência de que o site teria verificado os fatos que envolveram André Valadão, contudo, uma retratação ou tentativa de difundir uma interpretação diferente para situações já consolidadas, não configura checagem de fatos. Checar fatos e conteúdos demandam comparação e pesquisa, por meio de amplas fontes.

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O conteúdo checado é considerado verdadeiro por Bereia. A existência do pronunciamento, alvo desta checagem, feito pelo pastor da Igreja da Lagoinha André Valadão, é coerente com os fatos apurados, sobretudo porque André Valadão se posicionou sobre o caso e em nenhum momento desmentiu que a fala ocorreu.

As atitudes do pastor André Valadão e de outros líderes políticos e religiosos revelam um ciclo cada vez mais comum ao fenômeno da desinformação, em que um discurso polêmico e possivelmente ilegal gera uma forte reação da sociedade, muitas vezes judicializando o caso. Em seguida, o emissor da mensagem divulga um pronunciamento que tenta desmentir as acusações de crime ou discurso de ódio. Por fim, instaura-se um falso enredo de censura e perseguição político-religiosa, apoiado por diversos atores influentes, deste âmbito, nas redes digitais.

Referências da checagem:

Metrópoles

https://www.metropoles.com/celebridades/pastor-volta-atras-apos-discurso-contra-lgbts-nao-e-sobre-matar Acesso em: 5 jul 2023

Estado de Minas

https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2023/07/04/interna_politica,1515915/nikolas-defende-andre-valadao-apos-ataque-a-comunidade-lgbt.shtml Acesso em: 5 jul 2023

Fórum

https://revistaforum.com.br/politica/2023/7/4/marco-feliciano-defende-valado-com-discurso-bizarro-ataca-presidente-lula-canalha-138837.html Acesso em: 6 jul 2023

Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2023/07/5106502-erika-hilton-celebra-investigacao-contra-valadao-lgbtfobia-e-crime.html Acesso em: 6 jul 2023

Twitter

https://twitter.com/erikakokay/status/1676264014467284993?t=rLuBKeE51roRs7lMmHN-fA&s=19 Acesso em: 6 jul 2023

Twitter

https://twitter.com/jandira_feghali/status/1676231637435031552?t=sivkAN1Af9U4qnDCYGb_qQ&s=19 Acesso em: 6 jul 2023

Observatório de Mortes e Violências LGBTI+ no Brasil

https://observatoriomorteseviolenciaslgbtibrasil.org/dossie/mortes-lgbt-2022/ Acesso em: 6 jul 2023

Agência Brasil

https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2023-07/mpf-abre-investigacao-para-apurar-falas-do-pastor-andre-valadao Acesso em: 6 jul 2023

Uol

https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2023/07/06/valadao-mpf-justica-video.htm Acesso em: 6 jul 2023

Agência Pública

https://apublica.org/2020/12/para-curar-a-homossexualidade-jovem-teria-sido-submetida-a-isolamento-exorcismos-e-terapia-em-seminario-evangelico/?amp Acesso em: 5 jul 2023

Youtube

https://www.youtube.com/watch?v=yfx9yflq3b8 Acesso em: 7 jul 2023

Facebook

https://www.facebook.com/photo/?fbid=593290572933290&set=a.300017738927243 Acesso em: 7 jul 2023

Twitter

https://twitter.com/frentevangelica/status/1676553575722303489?s=19 Acesso em: 7 jul 2023

https://twitter.com/andrevaladao/status/1678513484844212227 Acesso em: 11 jul 2023

Anajure

https://anajure.org.br/anajure-emite-nota-publica-sobre-as-acusacoes-contra-o-discurso-religioso-proferido-por-andre-valadao-em-culto-na-cidade-de-orlando-eua/ Acesso em: 7 jul 2023

Brasil247

https://www.brasil247.com/cultura/odja-barros-a-leitura-machista-da-biblia-e-responsavel-pela-cultura-de-violencia-contra-mulheres-e-lgbts Acesso em: 7 jul 2023

Agência Pública

https://apublica.org/2023/05/ex-praticante-da-cura-gay-pastor-lgbtqia-diz-a-igreja-e-uma-instituicao-homofobica/?utm_source=webstories&utm_medium=botao&utm_campaign=bobluiz Acesso em: 7 jul 2023

Revista Mandrágora

https://www.metodista.br/revistas/revistas-metodista/index.php/MA/article/viewFile/3519/3323 Acesso em: 7 jul 2023

G1

https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/09/30/homofobia-entenda-situacoes-que-configuram-crime-e-quais-as-penas.ghtml Acesso em: 10 jul 2023

STF 

https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=414010 Acesso em: 10 jul 2023
Constituição Federal https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm Acesso em: 10 jul 2023

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Foto de capa: reprodução do Instagram

Missionário cearense é morto no Quênia e mídias religiosas precipitam-se em afirmar motivação do crime

A morte do missionário cristão brasileiro Francisco Antônio Chagas Barbosa, de 39 anos, em Nairóbi, no Quênia, ganhou repercussão nos últimos dias. Portais de grande alcance noticiaram o fato e mídias religiosas repercutiram-no com associação ao fenômeno da perseguição contra cristãos.

O portal Pleno News, em matéria sobre a trajetória de Francisco Barbosa, afirmou que a morte do missionário, em 7 de junho, “é reflexo da realidade de milhares de cristãos perseguidos no Quênia, Sudão do Sul e em toda a África Subsaariana”. Bereia buscou informações sobre as motivações do crime.

Imagem: reprodução do site Pleno.News

Francisco Barbosa e a Missão Cristã Mundial

Francisco Antônio Chagas Barbosa, 39 anos, nasceu no município de Varjota (CE), a 220 quilômetros de Fortaleza. De acordo com o portal G1, o missionário morava, desde 2011, no continente africano, onde desenvolvia um trabalho de evangelização cristã dos povos locais. A CNN Brasil afirma que o missionário residia no Quênia desde 2017.

Barbosa atuava para a Missão Cristã Mundial (MCM), organização que se apresenta como uma “instituição sem fins lucrativos”, cujo “principal objetivo é conquistar cidades e nações para Deus em parceria com as igrejas”.

O portal da MCM afirma que desenvolve, no Quênia, “auxílio na educação de crianças nas tribos Turkanas; suporte a viúvas através de cursos de artesanato e corte e costura”. Barbosa operava na Corner Stone Intercommunity Church Utawala, em Nairóbi, capital queniana.

Assassinato em Nairóbi, Quênia

Segundo o portal queniano People Daily, a esposa do missionário, Franciane de Oliveira Barbosa, reportou às autoridades locais o desaparecimento do marido em 7 de junho. No dia seguinte, após a polícia local receber a informação de que havia um carro em chamas nos arredores de Nairóbi, equipes foram destacadas para controlar o fogo e constataram a presença de um corpo carbonizado.

Imagem: reprodução do portal queniano People Daily

O corpo veio a ser identificado como o de Francisco Antônio Chagas Barbosa, o missionário brasileiro até então considerado desaparecido. Testemunhas afirmaram ter visto o carro do pastor sendo conduzido por jovens na região.

O portal People Daily afirma que a Diretoria de Investigações Criminais do Quênia iniciou investigações, mas que a motivação do crime ainda não foi estabelecida. O portal The Star também afirmou que ainda não está claro se o missionário foi morto em razão do seu trabalho ou se há outro motivo.

O chefe da polícia de Nairóbi Adamson Bungei declarou ao The Star que “incidentes como esse geralmente estão ligados a trabalho ou dinheiro” e disse que a polícia entraria em contato com todas as partes envolvidas para “chegar à raiz” do caso. Nenhuma prisão foi efetuada até o momento.

Imagem: reprodução do portal The Star

Repercussão no meio religioso

O site gospel Pleno News, em matéria publicada em 12 de junho, afirmou que o pastor morto no Quênia já tinha sido alvo de ataques anteriormente. O veículo destacou, ainda, a presença do Quênia na Lista de Países em Observação da organização internacional cristã Portas Abertas, que “apoia cristãos perseguidos em países onde não há liberdade para professar a fé em Jesus Cristo”, segundo definição encontrada no site da organização.

O Pleno News afirmou que “o que aconteceu a Francisco é reflexo da realidade de milhares de cristãos perseguidos no Quênia, Sudão do sul e em toda a África Subsaariana”. O site destacou, ainda, a presença do grupo islâmico Al-Shabaab na região.

No início de fevereiro deste ano, Somália, Etiópia, Quênia e Djibouti, países do leste africano, lançaram operações conjuntas contra o grupo armado islâmico, conforme noticiou o portal DW no Brasil. Após encontro de líderes políticos em Mogadíscio, capital da Somália, um comunicado conjunto reafirmou a necessidade de combater o grupo radical e reconheceu a “necessidade de mobilizar apoio para operações oportunas e decisivas”.

Nas informações sobre o caso encontradas em sites locais e mídias noticiosas não foram encontradas evidências de que há associação do crime contra o missionário Francisco Barbosa com grupos radicais islâmicos. As investigações seguem em curso.

Presença missionária em regiões de conflito

Em vídeo, publicado em dezembro de 2022, no canal MCMPovos, mantido pela Missão Cristã Mundial no YouTube, a organização divulga sua presença na região de conflito entre as etnias Pokot e Turkana, no Quênia. Dirigindo um carro, o pastor Francisco Barbosa afirma que a região é palco de um “conflito bem sensível” e narra episódios de violência ocorridos no local.

No artigo Persistent Conflict Between the Pokot and Turkana: Causes and Policy Implications (Conflito Persistente entre Pokot e Turkana: Causas e Implicações Políticas), publicado pela Universidade de Nairóbi, o fundador do Centro Shalom para Resolução de Conflitos e Reconciliação Patrick Devine ressalta que o conflito entre as duas etnias é uma característica que marca suas relações intercomunais há mais de um século.

Em entrevista ao G1, o diretor da MCM Nilson Cezar afirma que a organização tem como trabalho ir aos “confins da Terra”, termo que nomeia um dos programas da instituição. “Temos essa perspectiva de realmente ir em áreas que são conflituosas”, afirmou.

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Após pesquisa em portais quenianos que ouviram autoridades locais, Bereia considera inconclusiva a informação de que o missionário brasileiro Francisco Antônio Chagas Barbosa foi morto em razão de perseguição religiosa.

A região em que o crime ocorreu, no leste africano, é atravessada por conflitos étnicos e perseguições religiosas, conforme é possível comprovar por meio de artigos acadêmicos, informações de organizações internacionais e cobertura pela imprensa.

As informações das autoridades locais, porém, são de que o caso está ainda em fase de investigação, não sendo possível concluir a motivação até o presente momento.

Bereia classifica como inconclusiva a notícia, o pronunciamento ou a declaração que ofereçam conteúdos de substância informativa mas não apresentam todos os elementos necessários para serem classificados como verdadeiros. Neste caso, há uma investigação em curso. Além disso, tais conteúdos trazem evidências na redação para serem avaliados como desinformação. São matérias que demandam cuidado, atenção e acompanhamento em torno da conclusão. Acusar grupos islâmicos, alimentando intolerância religiosa ou advogar perseguição a cristãos são exemplos de uso desinformativo deste tipo de material. 

Referências da Checagem:

G1.

https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2023/06/10/missionario-brasileiro-encontrado-morto-no-quenia-ja-havia-sofrido-sequestro-e-espancamento.ghtml Acesso em: 13 jun 2023

https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2023/06/11/quem-foi-francisco-antonio-chagas-o-missionario-brasileiro-encontrado-carbonizado-no-quenia.ghtml Acesso em: 13 jun 2023

Correio Braziliense. https://www.correiobraziliense.com.br/cidades-df/2023/06/5100907-missionario-morto-a-tiros-na-africa-se-preparou-em-igreja-do-df.html Acesso em: 13 jun 2023

YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=DRrx_FDXfNo Acesso em: 13 jun 2023

Portas Abertas.

https://portasabertas.org.br/lista-mundial/paises-em-observacao Acesso em: 13 jun 2023

https://portasabertas.org.br/lista-mundial/paises-da-lista Acesso em: 13 jun 2023

Missão Cristã Mundial. https://mcmpovos.org/onde-estamos/ Acesso em: 13 jun 2023

Pleno.News

https://pleno.news/fe/pastor-morto-no-quenia-ja-tinha-sido-atacado-em-outras-ocasioes.html Acesso em: 13 jun 2023

https://pleno.news/fe/missionario-brasileiro-no-quenia-foi-executado-confirma-esposa.html Acesso em: 13 jun 2023

People Daily. https://www.pd.co.ke/news/body-of-missing-missionary-found-in-burning-vehicle-184331/ Acesso em: 13 jun 2023

The Star. https://www.the-star.co.ke/news/2023-06-09-body-of-missing-brazilian-missionary-found-burnt-in-abandoned-car-in-mwihoko/ Acesso em: 13 jun 2023

CNN. https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/missionario-brasileiro-e-morto-a-tiros-e-tem-corpo-carbonizado-dentro-de-um-carro-no-quenia/ Acesso em: 13 jun 2023

Shalom Conflict Center. https://shalomconflictcenter.org/devine-p-r-phd-history-of-the-conflict-between-the-pokot-and-the-turkana-in-space-and-time-causes-and-policy-implications/ Acesso em: 13 jun 2023

DW. https://www.dw.com/pt-002/som%C3%A1lia-eti%C3%B3pia-qu%C3%A9nia-e-djibuti-unidos-contra-al-shabaab/a-64584286 Acesso em: 13 jun 2023

*** Foto de capa: Arquivo pessoal

Notícia imprecisa sobre proibição de Bíblias nos EUA gera confusão sobre perseguição religiosa

* Matéria atualizada às 20:30 para correção de redação

De acordo com matéria distribuída por agências internacionais de notícias, e publicada, inicialmente, no Brasil, pelos jornais Estado de Minas e O Estado de São Paulo, no último 2 de junho, o Estado de Utah, nos Estados Unidos, teria retirado a Bíblia de bibliotecas e escolas. A ação teria sido uma resposta a decisões de políticos conservadores de retirar livros que abordassem questões LGBTQIA+ “de prateleiras educacionais”.

O assunto repercutiu fortemente no Brasil, e a decisão foi noticiada por sites religiosos e portais da grande mídia nos dias seguintes. Com algumas divergências, nem todos os conteúdos foram fiéis aos fatos.

Imagem: reprodução do site Pleno.News

Decisão de remover a Bíblia não foi do estado de Utah

Para ouvir uma fonte local, Bereia entrevistou o pastor da Igreja Metodista Unida dos EUA Rev. Jorge Luiz Domingues sobre o caso. Ele explicou que o banimento da Bíblia das bibliotecas de escolas elementares não partiu do Estado de Utah, mas de apenas um distrito escolar. “O estado aprovou a lei, e o distrito escolar está implementando a partir da solicitação [de um pai ou mãe de estudante]”, afirma.

Segundo o jornal The Salt Lake Tribune, de Utah, a decisão de banir a Bíblia em escolas de ensino fundamental foi tomada pelo Distrito Escolar de Davis, e não pelo estado, como dão a entender as matérias que reproduziram o conteúdo internacional. A entidade é responsável pela educação pública na região de mesmo nome, que pertence ao estado de Utah.

A apuração do jornal local estadunidense aponta que a medida não foi tomada por decisão judicial, nem mesmo legislativa, mas se trata de um consenso do comitê de revisão do Distrito Escolar que vem analisando o pedido de um pai desde dezembro de 2022. O site gospel Pleno News afirmou se tratar de uma “ação judicial” movida pelos responsáveis do aluno, mas não há evidências de que o pedido tenha tramitado no sistema de justiça.

A decisão de recolher as Bíblias das bibliotecas escolares ocorreu em 1 de junho, e foi considerada para escolas de ensino fundamental do condado de Davis. A Bíblia não foi banida de todas as escolas de Utah e nem de todas as bibliotecas. O porta-voz do Distrito Escolar de Davis afirmou ao The Salt Lake Tribune que sete ou oito escolas que contavam com exemplares seriam alvo da remoção.

O parâmetro utilizado pelo comitê para o banimento também não foi o de considerar o livro sagrado para o Cristianismo como pornográfico ou indecente, mas por se compreender ser um conteúdo sensível, por abordar temas vulgares e violentos para crianças e adolescentes. Escolas de Ensino Médio continuarão com seus exemplares, outra informação que também foi distorcida nas versões brasileiras sobre o caso. 

Polêmica em torno da Lei que permitiu remoção da Bíblia

Em 2022, o Estado de Utah aprovou uma lei sobre materiais sensíveis nas escolas que permite que pais de alunos opinem sobre o acesso dos filhos a livros nas instituições e que peçam a remoção de determinados conteúdos das prateleiras das bibliotecas.

Imagem: reprodução do site do jornal Salt Lake City Tribune

Incentivada por grupos conservadores, a lei tinha como principal alvo textos sobre a comunidade LGBTQIA+. Assim, o dispositivo legal, aprovado em março de 2022, permitiu a remoção de livros que apresentassem conteúdo “pornográfico ou indecente”. Entre os livros que já foram alvos de remoção está, por exemplo, o romance “O Olho Mais Azul”, da escritora vencedora do prêmio Nobel de Literatura Toni Morrison. O livro aborda questões de raça, padrões de beleza e aceitação social.

Ao final de 2022, porém, a mesma lei ensejou um pedido, apresentado pelo responsável de um aluno, para remoção da Bíblia das escolas, sob o argumento de que o livro sagrado seria um dos que têm mais conteúdo sexual.

O autor do pedido apresentou um documento de oito páginas em que listava passagens da Bíblia consideradas ofensivas e que mereciam uma apreciação. O código 76-10-1227 de Utah apresenta definições do que seriam “exibições públicas indecentes”, entre as quais se encontram, por exemplo, “descrições de sexo ilícito e imoralidade sexual”, e foi utilizado para sustentar a reclamação.

Segundo matéria da BBC News Brasil, o idealizador da lei sobre materiais sensíveis nas escolas Ken Ivory, chegou a se posicionar contrariamente à remoção da Bíblia das prateleiras escolares, mas teria mudado de ideia, sob a justificativa de que “tradicionalmente, na América, a Bíblia é melhor ensinada e compreendida em casa e em família”.

Casos semelhantes em outras regiões dos EUA

O Rev.Jorge Domingues ressaltou ao Bereia a existência de casos semelhantes nos Estados Unidos. “Um outro artigo diz que também há uma solicitação para banir o Livro dos Mórmons, o que é uma ironia pois o Estado de Utah é 68% Mórmom”, destaca. Domingues relembra, ainda, o banimento da Bíblia em escolas no Texas, em 2022, e destaca que “há várias iniciativas para banir a Bíblia em estados que aprovaram o banimento de outros livros considerados inapropriados”.

O portal norte-americano Education Week, que se dedica a publicar informações e notícias sobre o ensino primário nos Estados Unidos, já havia veiculadoartigo sobre a questão dos banimentos da Bíblia das bibliotecas escolares. Publicado antes do recente caso em Utah, o texto cita casos ocorridos na Flórida, no Texas e no Missouri.

Conforme apontado por Jorge Domingues, há notícias de que o Livro dos Mórmons passa pelo mesmo desafio enfrentado pela Bíblia, sendo também alvo de pedido de remoção no distrito escolar de Davis, Utah. O jornal The Salt Lake Tribune aponta o efeito em cascata dessa disputa.

Disputa de censuras

Sobre o fenômeno, o Rev. Jorge Domingues explica: “Várias leis estaduais têm sido aprovadas para banir livros considerados inapropriados por legisladores ou políticos conservadores e livros sobre, ou relacionados a, pessoas ou comunidade LGBT. Em resposta, indivíduos ou organizações têm usado estas leis para banir outros textos que contêm material inapropriado de acordo com a legislação. A Bíblia tem sido um desses livros”.

O diretor do programa Liberdade de Expressão e Educação Jonathan Friedman da PEN America – uma organização em prol da liberdade de expressão que monitora desafios relacionados aos livros – em entrevista ao Education Week,  diz que as recentes objeções à Bíblia “ocorreram como uma reação aos esforços para proibir tantos livros”.

A diretora do Escritório da Associação Americana de Bibliotecas para a Liberdade Intelectual Deborah Caldwell-Stone declarou ao portal que apesar dos desafios esporádicos, as reclamações que dizem respeito à Bíblia são, geralmente, uma tática para ressaltar os potenciais danos da censura.

“Quando você escolhe a censura como sua ferramenta para controlar o acesso à informação e controlar a capacidade dos indivíduos de aprender mais sobre várias ideias, inevitavelmente, isso vai varrer ideias e materiais com os quais você realmente concorda”, afirmou Caldwell-Stone.

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Bereia considera o conteúdo checado impreciso. A notícia veiculada pelos jornais Estado de Minas e O Estado de São Paulo, e repercutida por vários outros veículos, oferece conteúdo verdadeiro, mas carece da amplitude necessária para o completo entendimento dos acontecimentos.

Especialmente, a afirmação de que a remoção de Bíblias de bibliotecas escolares se deu pelo fato de o livro sagrado cristão  conter “sexo e violência”, como aparece na manchete, é imprecisa à luz do contexto mais amplo. Este permite afirmar que o banimento se deu em reação a outras censuras anteriormente implementadas, ainda que a decisão tenha se apoiado na previsão legal para retirada de conteúdos “pornográficos ou indecentes”.

Tais informações estão presentes no interior do texto veiculado pelos jornais Estado de Minas e Estadão. Há que se notar, no entanto, que a manchete, tal como foi apresentada, contribui para uma falsa ideia de perseguição contra cristãos, tanto mais em um contexto de rápido compartilhamento de informações pelas redes digitais, em que muitos leitores propagam manchetes como informações completas.

Não sendo o primeiro nem o último acontecimento relacionado a censura no país em questão, é fundamental o resgate do contexto para o real entendimento dos fatos. Em temas frequentemente utilizados para desinformar e criar pânico moral, como é o caso da falsa ideia de perseguição a cristãos, há de se adotar critérios ainda mais rígidos na elaboração de conteúdo informativo.

Referências de checagem:

Distrito Escolar de Davis, Utah. https://www.davis.k12.ut.us/ Acesso em: 6 jun 2023

H.B. 374. https://openstates.org/ut/bills/2022/HB374/ Acesso em: 6 jun 2023

BBC. https://www.bbc.com/portuguese/articles/c6p34rd5x7po Acesso em: 6 jun 2023

The Guardian. https://amp.theguardian.com/books/2023/jun/03/utah-school-district-book-of-morman-ban Acesso em: 6 jun 2023

npr. https://www.npr.org/2022/08/18/1117708153/bible-anne-frank-books-banned-texas-school-district Acesso em: 6 jun 2023

Vice. https://www.vice.com/en/article/epzv9j/texas-school-bans-the-bible Acesso em: 6 jun 2023

Education Week. https://www.edweek.org/teaching-learning/why-the-bible-is-getting-pulled-off-school-bookshelves/2022/12 Acesso em: 6 jun 2023

The Salt Lake Tribune.

https://www.sltrib.com/news/education/2023/06/01/bible-is-banned-these-utah/ Acesso em: 6 jun 2023

https://www.sltrib.com/religion/2023/06/02/book-mormon-now-challenged-utah/ Acesso em: 7 jun 2023

https://www.sltrib.com/news/education/2023/03/22/utah-parent-says-bible-contains/ Acesso em: 6 jun 2023

Utah Code 76-10-1227. https://law.justia.com/codes/utah/2006/title76/76_0c153.html Acesso em: 6 jun 2023

PEN America. https://pen.org/ Acesso em: 6 jun 2023

Britannica. https://www.britannica.com/topic/The-Bluest-Eye Acesso em: 7 jun 2023

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Foto de capa: Luis Quintero/Pexels

Mídias religiosas repercutem reportagens enganosas sobre compra de insulinas pelo Ministério da Saúde

Acusações de irregularidades em compras do governo federal na área da saúde ganharam repercussão em mídias religiosas nos últimos dias. 

Em 15 de maio o Ministério da Saúde anunciou a compra emergencial de mais de 1,3 milhão de unidades de insulina análoga de ação rápida. Com a notícia, políticos religiosos levantaram questionamento sobre uma possível irregularidade na compra de medicamentos chineses sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), feita pelo governo federal, para abastecer o Sistema Único de Saúde.

Imagem: reprodução Twitter

A atenção para a insulina chinesa sem registro na Anvisa

Sobre a compra de insulina, a Revista Oeste noticiou, na segunda-feira (15),sobre a decisão do governo federal de adquirir medicamentos da empresa chinesa GlobalX Technology Limited, em tom de crítica. O texto inicia com uma acusação à ministra da saúdeNísia Trindade, de estar “deixando os Estados sem estoque de insulina para atender os pacientes” e segue informando que “nos últimos pregões abertos pelo Ministério da Saúde a pasta não conseguiu comprar o medicamento de empresas registradas na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)”.

Segundo a matéria, esta seria a razão do governo optar pela compra emergencial com a empresa chinesa, sem registro na Anvisa e que a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) teria contestado a compra.  Já o portal gospel, Pleno News, e o jornal O Globo, acrescentaram uma afirmação atribuída ao presidente da SBDLevimar Araújo, com questionamento da qualidade do medicamento adquirido.  

Tanto a Revista Oeste como O Globo, trouxeram em seus textos a informação de que o Tribunal de Contas da União (TCU) teria avisado sobre o risco de falta do medicamento, baseado em uma fiscalização requerida pelo Congresso Nacional para averiguar irregularidades nas compras, entregas e armazenamento de insulina. 

A falta de insulina no Brasil

De acordo com notícia veiculada pelo portal Metrópoles, em 12 de abril, a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), sinalizou preocupação com o risco de faltar insulina análoga de ação rápida no Sistema Único de Saúde (SUS) e o Tribunal de Contas da União (TCU) emitiu um relatório que identificou que o estoque duraria apenas até o mês de maio.

O medicamento é essencial para estabilização do índice de glicemia no sangue em pacientes com diabetes tipo 1. De acordo com a SBD, há cerca de 568 mil pessoas com a doença no Brasil, e estima-se que 420 mil pacientes sejam atendidos pelo SUS. 

O MS informou que os mais de 1,3 milhão de canetas de insulina comprados têm capacidade para atender mais de 67 mil pacientes, a SBD acredita que os medicamentos sejam suficientes para no máximo quatro meses. 

Parecer do TCU e SBD sobre a compra

Como base do relatório do TCU está a referida fiscalização, citada nas matérias de O Globo e Revista Oeste. Ambos os veículos de notícia omitiram a informação de que a fiscalização foi solicitada ainda em 2022, através da Proposta de Fiscalização e Controle (PFC) 01/2022, de autoria do deputado Áureo Ribeiro (Solidariedade-RJ), aprovada pela Comissão de Fiscalização Financeira e Controle (CFFC) da Câmara dos Deputados em maio de 2022. 

O relatório do TCU traz ainda, a informação de que o risco de falta de insulina foi identificado principalmente a partir “do fracasso por ausência de propostas dos pregões 99/2022 e 10/2023, para aquisição do medicamento, realizados em 23/8/2022 e 26/1/2023”.

Em março, o portal Metrópoles divulgou que, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, quase um milhão de canetas de insulina de ação rápida foram descartadas por perderem a validade.  Os lotes vencidos causaram um prejuízo de cerca de R$ 15 milhões.

Segundo o documento, o TCU identificou que os fabricantes que forneceram o medicamento anteriormente pediram quase 2,5 vezes mais que a GlobalX ou não tinham condições de atender nem a quantidade nem o prazo pedido pelo Ministério da Saúde (MS).

O parecer da corte de contas descreve ainda que “os produtos a serem importados em caráter de excepcionalidade (produtos sujeitos à vigilância sanitária sem registro na ANVISA), devem possuir registro válido em país cuja autoridade regulatória competente seja membro do Conselho Internacional para Harmonização de Requisitos Técnicos de Produtos Farmacêuticos de Uso Humano (International Council for Harmonisation of Technical Requirements for Pharmaceuticals for Human Use – ICH)”, o que é o caso da China.

Outro trecho importante a ser considerado é o que cita algumas etapas do processo de importação de medicamentos sem registro na Anvisa que, segundo o documento “exige a execução de várias etapas por diferentes atores, entre essas etapas estão a análise de documentação pela Anvisa para concessão de excepcionalidade de importação, obtenção de licença de importação, desembaraço aduaneiro.”  

Durante a pandemia da covid-19, o governo federal fez uma solicitação semelhante para compra de seringas e agulhas na mesma empresa, também sem registro à época. O relatório de análise pode ser encontrado no site da Anvisa. 

O posicionamento da Sociedade Brasileira de Diabetes pode ser encontrado no portal da organização. A manifestação sobre a compra feita pelo Ministério da Saúde foi publicada em 17 de maio, e deixa claro que um dos requisitos para aprovação da Anvisa é a existência de estudos comparativos. A SBD ressalta que não encontrou nenhum estudo com esta finalidade na literatura médica e afirma que o solicitou ao Ministério da Saúde para que haja “tranquilidade científica”.

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Quanto às informações acerca da compra realizada pelo Ministério da Saúde, Bereia checou que se trata de conteúdo enganoso, principalmente por deixar de citar informações sobre medidas, gastos e fiscalização do governo anterior que mostram que a situação atual decorre, entre outras coisas, de decisões anteriores. Assim como por fazer um recorte intencional ao destacar no título e ao longo da matéria palavras associadas negativa  e massivamente à ideais de esquerda por políticos religiosos, como o caso da China e medidas sanitárias. 

A estratégia de desinformação trata o fato como algo errado e perigoso, com o intuito de provocar medo e revolta, e desconsidera que a medida também foi tomada pelo governo anterior, apoiado pelos mesmos políticos religiosos. Bereia reitera aos leitores que é sempre importante verificar a origem das informações, mas quando se trata de conteúdos relacionados à saúde, a atenção deve ser redobrada. 

Referências de checagem:

Metrópoles. https://www.metropoles.com/brasil/cristaos-extremistas-de-direita-atacam-campanha-da-fraternidade-comunismo Acesso em: 17 mai 2023

Terra. https://www.terra.com.br/diversao/gente/bernardo-kuster-tem-redes-sociais-bloqueadas-apos-decisao-do-stf,277837927c9b7e68c0f0fc5d47a65f02x6jmrphx.html Acesso em: 17 mai 2023

Cremeb. https://www.cremeb.org.br/index.php/noticias/resolucao-cfm-que-define-ozonioterapia-como-pratica-experimental-no-pais-e-publicada-no-diario-oficial/ Acesso em: 17 mai 2023

Youtube/CNN. https://www.youtube.com/watch?v=lL-KL_3RWzk&ab_channel=CNNBrasil Acesso em: 17 mai 2023

Instituto Butantan. https://butantan.gov.br/covid/butantan-tira-duvida/tira-duvida-fato-fake Acesso em: 17 mai 2023

Anvisa. https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2022/ozonioterapia-anvisa-esclarece-as-indicacoes-aprovadas-ate-o-momento/sei_anvisa-1922590-nota-tecnica.pdf Acesso em: 17 mai 2023

Instagram. https://www.instagram.com/p/Ch-eJ0KuJMF/?utm_source=ig_embed&ig_rid=388489e6-c7ed-4151-bbeb-a27190e130e8&ig_mid=C86B61A5-1D9E-47A1-9D53-10AB20C89B66 Acesso em: 18 mai 2023

CNN. https://www.cnnbrasil.com.br/saude/saude-compra-insulina-de-fabricante-sem-registro-na-anvisa-para-garantir-tratamento-pelo-sus/ Acesso em: 17 mai 2023

Metrópoles.

https://www.metropoles.com/saude/risco-de-desabastecimento-leva-governo-a-comprar-insulina-sem-registro Acesso em: 17 mai 2023

https://www.metropoles.com/brasil/tcu-denuncia-risco-de-falta-de-insulina-no-sus-a-partir-do-2o-trimestre Acesso em: 17 mai 2023

https://www.metropoles.com/saude/sociedade-de-diabetes-alerta-para-riscos-da-falta-de-insulina-no-sus Acesso em: 17 mai 2023

https://www.metropoles.com/brasil/governo-bolsonaro-deixou-vencer-r-15-milhoes-em-canetas-de-insulina Acesso em: 17 mai 2023

Sociedade Brasileira de Diabetes. https://diabetes.org.br/posicionamento-da-sbd-sobre-a-aquisicao-pelo-ministerio-da-saude-da-insulina-asparte-da-china/ Acesso em: 18 mai 2023

Anvisa. https://www.gov.br/anvisa/pt-br/composicao/diretoria-colegiada/reunioes-da-diretoria/votos-dos-circuitos-deliberativos-1/2022/cd-660-2022-voto.pdf/view Acesso em: 18 mai 2023

Rádio Senado. https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2021/04/05/oms-nao-recomenda-ivermectina-para-tratar-covid-19 Acesso em: 19 mai 2023

Agência Brasil. https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2023-05/saude-anuncia-compra-de-insulina-em-meio-risco-de-desabastecimento Acesso em: 19 mai 2023

*** Foto de capa: Pexels/Nataliya Vaitkevich

Governo Lula não excluiu projetos religiosos da Lei Rouanet

Políticos religiosos compartilharam em seus perfis nas mídias sociais a notícia de que o atual presidente teria excluído a categoria arte sacra de entre os grupos contemplados pela Lei Rouanet. Alguns destes perfis no Twitter publicaram a notícia acompanhada de frases que acusam o atual presidente de perseguição cristã.

As informações foram publicadas pela Revista Oeste e disseminadas por políticos como Marco Feliciano (PL-SP) e Bia Kicis (PL-DF). Sites religiosos como Gospel Mais e Pleno News repercutiram a informação. O discurso concentra-se em alterações na lei promovidas pelos governos de Jair Bolsonaro e de Lula.

Imagem: reprodução Facebook

O que é e como funciona a lei Rouanet

Conhecida popularmente como lei Rouanet, a Lei nº 8313/91 instituiu o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), com a finalidade de captar e canalizar recursos para o setor cultural, fomentando diversas iniciativas ligadas à cultura. A forma mais comum de financiar projetos via Lei Rouanet é o incentivo fiscal, prática que articula setor cultural, governo e setor privado.

Para beneficiarem-se de um incentivo fiscal, os projetos culturais devem, primeiramente, ser submetidos à avaliação de um corpo técnico, que verifica se o projeto se enquadra nos requisitos da lei.

Imagem: reprodução Twitter

Uma vez aprovados pela Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (Cnic), órgão que analisa se os projetos que buscam incentivos fiscais estão em conformidade com a lei, os projetos são autorizados a captar recursos junto ao setor privado. As empresas que investem em projetos culturais recebem descontos em impostos devidos ao governo. Quem decide quais projetos apoiar são as próprias empresas.

Conforme relato da Época Negócios, em 2018, um estudo encomendado pelo Ministério da Educação à Fundação Getúlio Vargas revelou que, a cada R$1,00 em incentivos ligados à Lei Rouanet, gera-se um retorno financeiro de R$1,59.

Lei Rouanet durante o governo de Jair Bolsonaro

Uma vez eleito, Jair Bolsonaro promoveu diversas mudanças na legislação dedicada à cultura, a começar pela alteração do status ministerial da pasta – o antigo Ministério da Cultura passou a ser uma Secretaria Especial ligada, primeiro, ao Ministério da Cidadania (2019) e, depois, ao Ministério do Turismo (2021), conforme explica matéria do Jornal da USP.

Segundo matéria do portal G1, a alteração mais impactante aconteceu ainda em 2019, com a redução do montante máximo de captação por cada projeto, que era de R$60 milhões e passou a ser de R$1 milhão, com limite de R$10 milhões anuais por empresa do setor cultural. O setor audiovisual passou a seguir limites ainda mais rígidos, a depender da categoria contemplada.

Imagem: reprodução Pleno.news

Em outubro de 2021, o governo dispensou 174 profissionais responsáveis pelos pareceres de projetos que se submetiam aos critérios da Lei Rouanet. No ano seguinte, o governo federal promoveu novas mudanças: cortes em cachês artísticos chegaram a 93,4% e o valor máximo de captação encolheu ainda mais, passando de R$1 milhão para R$500 mil, segundo informações do Estado de Minas.

Bolsonaro alterou também a composição da Cnic. A partir de um novo decreto, os membros da comissão deveriam pertencer a cinco áreas: arte sacra, belas artes, arte contemporânea, audiovisual, patrimônio cultural e museus.

Trata-se de uma especificação para a composição do órgão, não havendo, anteriormente, impedimento de que membros dessas áreas integrassem a comissão, fato ignorado pelas recentes narrativas enganosas.

De que trata o decreto assinado por Lula

O atual presidente assinou, em 23 de março de 2023, um decreto que trata especificamente de meios de fomento do sistema de financiamento à cultura e procedimentos padronizados para prestação de contas de recursos ainda não previstos em legislação específica, o Decreto nº 11.453.

De acordo com o decreto, a utilização desses meios de fomento objetiva a implementação do Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), de que trata a Lei nº 8.313, de 1991, conhecida popularmente como Lei Rouanet, e da Política Nacional de Cultura Viva, de que trata a Lei nº 13.018, de 2014.  


Imagem: reprodução Twitter

Em relação ao fomento cultural através de incentivo fiscal, o decreto trata, no artigo 49, da análise técnica a que os projetos culturais devem ser submetidos. O Ministério da Cultura verificará a adequação ao Pronac. Após o parecer técnico, os projetos serão submetidos à Cnic.

Governo Lula não retirou projetos religiosos da lei

A única citação à arte sacra que existia no Decreto (revogado) nº 10.755, de 26 de julho de 2021, assinado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, referia-se à representatividade desta arte através de membros da Cnic. Esta citação explícita não está presente no Decreto nº 11.453, de 23 de março de 2023, assinado pelo atual presidente. 

No entanto, não existe exclusão da arte sacra como uma categoria a ser contemplada pelas leis de fomento à cultura, visto que ela sempre foi considerada dentro de outras categorias artísticas. Na prática, as alterações feitas pelo atual governo na composição da Cnic foram, assim como pelo governo anterior, na forma de categorizar as artes contempladas com possíveis vagas na comissão.

Imagem: reprodução Instagram


O decreto em vigência dividiu os segmentos em artes cênicas, artes visuais, audiovisual, humanidades, música e patrimônio cultural. Outra mudança foi a exigência de, no mínimo, um representante dos povos originários e tradicionais, um da cultura popular, um de instituição que atue com acessibilidades artísticas, um de instituição cultural que atue no combate a discriminações e preconceitos e dois representantes e residentes de cada uma das cinco regiões do Brasil como membros titulares ou suplentes da Cnic.

Lei Rouanet e desinformação política

Nos últimos anos, muita desinformação circunda a Lei Rouanet e supostos artistas ou projetos contemplados pelas políticas de incentivo. Trata-se de uma estratégia política para descredibilizar tanto artistas quanto a própria política cultural brasileira.

Os ex-secretários de cultura Mário Frias e Regina Duarte, críticos da lei, já captaram recursos via Lei Rouanet. Há, ainda, artistas críticos da lei que participam de contratações de grande orçamento diretamente com prefeituras, um processo menos transparente

Em recente reportagem da Agência Lupa, a jornalista Carol Macário mostra que o tema ficou em maior evidência nas plataformas digitais justamente nos momentos de corrida eleitoral, no segundo semestre de 2018 e ao longo de 2022, evidenciando o caráter político das polêmicas fabricadas.

Imagem: reprodução Twitter

As narrativas fabricadas associam os incentivos fiscais à gastança excessiva e famosos estão sempre entre os alvos. Neste mês de março, a artista Ludmilla foi vítima de uma notícia falsa, desmentida pela Secretaria de Comunicação Social.

Conforme Bereia já publicou, a perseguição a cristãos foi um dos temas com mais desinformação nos espaços religiosos durante as eleições de 2022. Na mais recente onda de desinformação, a narrativa da perseguição religiosa funde-se ao espantalho da Lei Rouanet.

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Após realizar pesquisa em leis, documentos e notícias veiculadas em diversos veículos da imprensa nos últimos anos, Bereia apurou ser enganosa alegação de que o presidente Lula excluiu projetos religiosos da Lei Rouanet. A notícia da Revista Oeste distorce os fatos, ao que se segue uma narrativa enganosa de perseguição aos cristãos, encampada por políticos que utilizam a fé como plataforma política.

As alterações na Lei Rouanet efetivadas durante o governo Bolsonaro não inovaram ao contemplar projetos religiosos, visto que esses projetos já poderiam ser beneficiados anteriormente. Da mesma forma, as alterações promovidas pelo governo Lula não diminuem o escopo de projetos contemplados, apenas alteram as denominações de áreas artísticas. A arte sacra continua apta a submeter-se aos critérios da Lei Rouanet.

Referências

Lei 8.313/91. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8313cons.htm Acesso em: 30 mar 2023

Decreto n/] 10.755/21. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Decreto/D10755.htm Acesso em: 30 mar 2023

Decreto nº 11.453/23 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2023/Decreto/D11453.htm#art82 Acesso em: 30 mar 2023

Gazeta do Povo. https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/lula-derruba-versao-de-bolsonaro-da-lei-rouanet-e-retira-citacao-a-arte-sacra/ Acesso em: 30 mar 2023

Revista Oeste. https://revistaoeste.com/politica/lula-exclui-projetos-religiosos-da-lei-rouanet/ Acesso em: 30 mar 2023

Folha de São Paulo.

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2023/03/governo-diz-que-mantem-arte-sacra-na-lista-de-projetos-que-podem-usar-rouanet.shtml Acesso em: 30 mar 2023

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2022/07/mario-frias-captou-recursos-com-a-mesma-lei-rouanet-que-ele-criticou-no-governo.shtml Acesso em: 31 mar 2023

Secom. https://www.gov.br/secom/pt-br/fatos/brasil-contra-fake/noticias/2023/3/ludmilla-nao-captou-r-5-milhoes-via-lei-rouanet Acesso em: 30 mar 2023

G1.

https://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2021/10/06/lei-rouanet-entenda-como-funciona-lei-e-o-que-mudou-nos-ultimos-meses.ghtml Acesso em: 27 mar 2023

https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/eleicoes/2018/noticia/2018/09/03/bolsonaro-defende-mudancas-na-lei-rouanet-e-diz-que-se-eleito-vai-tirar-status-de-ministerio-da-cultura.ghtml Acesso em: 27 mar 2023

Diário Oficial da União. https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=05/10/2021&jornal=515&pagina=50&totalArquivos=425 Acesso em: 29 mar 2023

Estado de Minas. https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2022/02/08/interna_politica,1343394/governo-bolsonaro-altera-a-lei-rouanet-confira-o-que-mudou.shtml Acesso em: 29 mar 2023

Agência Lupa. https://lupa.uol.com.br/jornalismo/2023/03/01/como-funciona-lei-rouanet Acesso em: 30 mar 2023

Estado de São Paulo. https://estadodaarte.estadao.com.br/lei-de-incentivo-a-cultura-qual-deveria-ser-a-sua-funcao-e-quais-oportunidades-ela-poderia-gerar-para-o-brasil/ Acesso em: 30 mar 2023

Bereia. https://coletivobereia.com.br/cristofobia-perseguicao-a-cristaos-e-fechamento-de-igrejas-estao-entre-os-temas-com-mais-desinformacao-em-espacos-religiosos-nestas-eleicoes/ Acesso em: 30 mar 2023

Época Negócios. https://epocanegocios.globo.com/Brasil/noticia/2018/12/fgv-lei-rouanet-da-retorno-59-maior-do-que-o-valor-financiado.html Acesso em: 30 mar 2023

O Globo. https://oglobo.globo.com/cultura/noticia/2022/06/e-tudo-dinheiro-publico-entenda-a-diferenca-entre-os-recursos-da-lei-rouanet-e-das-prefeituras.ghtml Acesso em: 30 mar 2023

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Foto de capa: Rafael Machado / Pixabay

Políticos religiosos repercutem suposto abuso de quantidade de voos pela FAB no início do governo Lula

A deputada federal Carla Zambelli (PL) repercutiu em seu perfil no Twitter  matéria do UOL sobre voos com aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) no governo Lula. No post, além de  um card afirmando que “a mamata voltou”, Zambelli acrescenta que “Além de gastarem mais, segundo levantamento do UOL, a média de passageiros foi menor neste desgoverno”. Sua postagem teve 63,7  mil visualizações e compartilhada em espaços digitais religiosos.

Imagem: reprodução do Twitter

O site evangélico Pleno News também publicou matéria que citou a informação publicada no site UOL e deu destaque para o fato de que os ministros da Infraestrutura e da Cidadania no governo Bolsonaro, Tarcísio de Freitas e Osmar Terra foram os que mais utilizaram aviões da FAB durante o início do governo. Nesta comparação, que durante o atual governo Lula, “Fernando Haddad, ministro da Fazenda e Nísia Trindade, ministra da Saúde, são os atuais ‘campeões’.”

Imagem: reprodução do site Pleno.News

O que diz a matéria do UOL

No texto, o UOL afirma que “a equipe do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) superou a de seu antecessor, Jair Bolsonaro (PL), em viagens com aeronaves da FAB (Força Aérea Brasileira)”. Segundo o levantamento feito pelo portal de notícias, nos primeiros 40 dias de governo do atual presidente do Brasil, foram realizados 89 voos com aviões da FAB , o que representa 46% a mais do que a gestão do ex-presidente, que, nos primeiros 40 dias de 2019, utilizou as aeronaves em 61 viagens.

A assessoria do ministro da Fazenda Fernando Haddad, respondeu ao site UOL e explicou “que as viagens a São Paulo se justificam pelo fato de haver escritório do Ministério da Fazenda na cidade, o maior centro financeiro da América Latina”. Também em resposta ao site, a ministra da Saúde Nísia Trindade disse “que as viagens ao Rio eram necessárias porque é o estado que mais possui unidades de saúde vinculadas ao ministério”.  Os ministros Haddad e Nísia, e o atual governador do estado de São Paulo Tarcísio de Freitas, disseram ao UOL que respeitam o decreto que regula voos da FAB.

Legislação que regula voos da FAB

De acordo com matéria publicada pelo UOL “desde 1999, decretos regulam o uso de voos da FAB por autoridades, ministros, comandantes de Forças Armadas e presidentes de Casas do Congresso e do Supremo Tribunal Federal”. Em 2020 o ex-presidente Jair Bolsonaro sancionou novo decreto que manteve a permissão do uso de voos da FAB por motivos de emergência médica, de segurança e a serviço e o voo deve ser compartilhado “sempre que possível” quando o intervalo entre os voos para o mesmo destino for “inferior a duas horas”. Para alegar necessidade de segurança, é preciso uma “justificativa que fundamente a necessidade”, afirma a regra. Segundo o site UOL, o decreto 10.267 de 05/03/2020, editado por Jair Bolsonaro, “ainda diz que essa justificativa é presumida quando os viajantes são os presidentes das Casas do Congresso e do Supremo e se dirijam a ‘local de residência permanente’.”

Também a matéria do UOL diz que “a versão anterior do decreto, baixada por Dilma Rousseff em 2015, proibia o trajeto para residência dos ministros. O texto foi revogado por Bolsonaro. Agora, o decreto estabelece que o registro em agenda oficial é a comprovação de que a viagem é para serviço”, informa o site.

Motivos para a realização dos voos

Para uma informação corretamente oferecida ao público, pelo UOL e por quem repercute o conteúdo, é preciso levantar, na avaliação dos números de voos da FAB,os respectivos propósitos para as viagens.

Bereia oferece como exemplo, a tragédia humanitária sofrida pelo povo Yanomami, que demandou ações emergenciais  durante o primeiro mês do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. As ações resultaram em mais de 1.200 horas de voos da FAB para o território indígena conforme relatório da instituição divulgado em 4 de março deste ano. Além de levar autoridades e agentes públicos para atuarem no local, “a Força  Aérea Brasileira (FAB) já entregou mais de 400 toneladas de mantimentos e medicamentos à população da Terra Indigena Yanomami em um mês de operação da instituição no território […] O transporte de suprimentos faz parte de uma das frentes de atuação das Forças Armadas na crise sanitária no território. As entregas tem sido feitas pelo Comando Operacional Conjunto Amazônia (Cmdo Op Cj Amz).”

Imagem: Divulgação Ministério da Defesa

Por outro lado, no final de fevereiro de 2023, a imprensa publicou denúncia sobre utilização de um voo da FAB, pelo ministro das Comunicações Juscelino Filho, do atual governo, para participar de um leilão de cavalos. A denúncia foi recebida pela Presidência da República.

Na linha da comparação proposta pelo UOL e repercutida nas mídias religiosas,  há exemplos no final do primeiro ano do governo Bolsonaro. De um lado, a tentativa de regular a prática das viagens com a FAB para evitar excessos. De outro, casos como o do secretário-executivo da Casa Civil Vicente Santini, exonerado por ter utilizado um voo da FAB com somente três passageiros para ir de Brasília à Suíça, e, em seguida, à Índia. Outros casos críticos ocorreram nos anos seguintes, como viagens de autoridades com um passageiro apenas para trajetos nacionais, transporte de cocaína e uso para campanha de reeleição do então presidente e de ministros, culminando com a viagem de Bolsonaro para os Estados Unidos, sem agenda pública, após entregar o cargo, tendo perdido as eleições.

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Bereia avalia como IMPRECISA a notícia que o governo Lula usou voos da FAB quase 50 por cento a mais do que o ex-governo Bolsonaro em seus primeiros 40 dias de trabalho. A notícia do site UOL repercutida por políticos religiosos, em crítica ao atual governo, checada oferece conteúdo verdadeiro, com base em números, mas não contextualiza as demandas em que geraram a quantidade de voos da FAB. Isto pode levar o público a julgamentos errôneos sobre o uso de recursos governamentais do Poder Executivo. É desinformação e necessita de complementações e contextualização.

Referências de checagem:

UOL.

https://cultura.uol.com.br/noticias/56675_aviao-da-fab-transportou-mais-de-400-toneladas-de-mantimentos-para-a-terra-yanomami.html. Acesso em 17 mar 2023

https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2023/03/08/gastos-voo-fab-lula-bolsonaro-ranking-ministros-farra-passagens.htm?fbclid=IwAR0TaYqzHrdzziQMNcHaK02TmwL83jiMmQ-ZPwbGSMif-MsPLWXgn8qn358&cmpid=copiaecola . Acesso em 17 mar 2023

YOUTUBE. https://www.youtube.com/watch?v=8dy6cm0bMZQ. Acesso em 17 mar 2023


PLANALTO. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/decreto/D10267.htm. Acesso em 17 mar 2023

PLENO NEWS. https://pleno.news/brasil/politica-nacional/governo-lula-supera-em-50-gestao-bolsonaro-em-voos-da-fab.html. Acesso em 17 mar 2023

FORÇA ÁEREA BRASILEIRA.

https://www.fab.mil.br/noticias/mostra/40438/OPERA%C3%87%C3%83O%20YANOMAMI%20%20-%20Comando%20Operacional%20Conjunto%20Amaz%C3%B4nia%20divulga%20balan%C3%A7o%20de%2030%20dias%20de%20opera%C3%A7%C3%A3o Acesso em 23 mar 2023

https://www.fab.mil.br/noticias/tag/YANOMAMI Acesso em 23 mar 2023

ESTADÃO. https://www.estadao.com.br/politica/ministro-de-lula-usou-voo-da-fab-e-diarias-para-ir-a-leilao-de-cavalos-de-raca/ Acesso em 23 mar 2023

EXAME. https://exame.com/brasil/viagem-de-bolsonaro-sem-agenda-publica-para-florida-custou-ao-menos-r-110-mil-aos-cofres-publicos/ Acesso em 23 mar 2023

METROPOLES. https://www.metropoles.com/colunas/rodrigo-rangel/os-voos-de-campanha-de-bolsonaro-que-a-fab-nao-cobrou?amp Acesso em 23 mar 2023

CONGRESSO EM FOCO. https://congressoemfoco.uol.com.br/amp/area/governo/autoridades-planejaram-64-voos-da-fab-com-no-maximo-3-passageiros-em-2019/ Acesso em 23 mar 2023

AGÊNCIA BRASIL. https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/politica/audio/2023-03/lula-vai-ouvir-ministro-das-comunicacoes-sobre-uso-de-aviao-da-fab%3famp Acesso em 23 mar 2023

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Foto de capa: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Matérias da Folha de S. Paulo e de O Globo alimentam desinformação sobre perseguição a igrejas no período pós-eleitoral

Matéria publicada pela Folha de S. Paulo, em 24 de novembro passado, com o título “Lula diz que vai cobrar apoio de evangélicos a vacinas ou responsabilizar igrejas por mortes” foi fonte para uma série de publicações críticas ao presidente eleito em mídias digitais religiosas. 

Imagem: Reprodução do site do jornal Folha de S. Paulo

As publicações, como as reproduzidas a seguir, em sites de notícias gospel e mídias sociais de apoiadores religiosos do atual governo, ganharam tom de terror verbal e deram fôlego ao tema desinformativo mais disseminado durante as eleições, segundo levantamento do Bereia, a “perseguição a cristãos e a igrejas”. 

Imagem: reprodução site Pleno.News

Interface gráfica do usuário, Texto, Aplicativo
Descrição gerada automaticamente
Imagem: reprodução do Twitter, perfil de Damares Alves, 24 nov 2022

Imagem: reprodução do Instagram do senador eleito Magno Malta (PL/ES), 26 nov 2022

A matéria da Folha de S. Paulo

A matéria que serviu de base para nova safra de publicações sobre “perseguição a igrejas”, relata reunião fechada da equipe de saúde do governo de transição com representantes de várias áreas da saúde, em 24 de novembro, em Brasília. Segundo o jornal, a reunião teve formato híbrido e a participação do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se deu por vídeo. 

No relato da Folha de S. Paulo, Lula teria afirmou aos participantes da reunião: “Eu pretendo procurar várias igrejas evangélicas e discutir com o chefe delas: ‘Olha, qual é o comportamento de vocês nessa questão das vacinas?’”. Ele teria dito ainda, segundo o texto: “Ou vamos responsabilizar vocês pela morte das pessoas”.

O presidente eleito ainda teria dito, de acordo com a matéria, que os primeiros cem dias de seu governo terão como foco a recuperação do PNI (Programa Nacional de Imunizações), o aumento da cobertura vacinal e a restauração da confiança da população, que, segundo a avaliação de Lula, foi afetada por fake news sobre o tema. “Vamos ter de agora pegar muita gente que combateu a vacina que vai ter de pedir desculpa”, teria dito o presidente eleito.

A matéria da Folha de S. Paulo relatou ainda que Lula se comprometeu a “enfrentar a burocracia da máquina pública” diante do sofrimento da população na busca de atendimento médico e atender demandas com a questão do autismo. Além destes temas e o da cobertura vacinal, o fortalecimento do Serviço Único de Saúde (SUS) também foi pauta do diálogo com o presidente eleito, segundo o jornal.

A reportagem cita a participação de ex-ministros da Saúde na reunião (Alexandre Padilha, Arthur Chioro, José Gomes Temporão, José Agenor e Humberto Costa, bem como de representantes do Instituto Butantan, da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, da Opas (Organização Pan-Americana da Saúde), da Fiocruz, do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde), do Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde) e ex-chefes de PNI, entre outros órgãos. 

A fala do presidente eleito na reunião fechada durou cinco minutos, foi assistida por algum interlocutor em um notebook, gravada em telefone celular e publicada em link da TV UOL. O link está inserido na matéria da Folha de S. Paulo. A menção às igrejas evangélicas foi uma parcela do total da exposição de Lula que durou 38 segundos.

Reações e novo destaque no noticiário

O destaque do jornal Folha de S. Paulo à parcela da fala do presidente que mencionou as igrejas provocou publicações críticas, como as citadas acima, e notas públicas de organizações evangélicas. A Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) publicou nota de repúdio à fala de Lula na reunião fechada, em 25 de novembro, com base na matéria do jornal. 

Segundo a nota da Anajure, o repúdio refere-se ao fato de Lula, “ao generalizar o segmento evangélico, desconsidera os múltiplos exemplos de colaboração de interesse público ocorridos na pandemia e na sociedade brasileira, afastando-se da via adequada para os debates acerca da vacinação com as entidades religiosas e o público em geral, qual seja, o do consentimento informado”. 

A Anajure afirma na nota que “tal perspectiva, que aposta num consentimento informado, colide com discursos excludentes que, próximos da ameaça, terminam por se mostrar contraproducentes”.

A Frente Parlamentar Evangélica também publicou nota de repúdio, assinada pelo presidente, o deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL/RJ), também em 25 de novembro. No texto, a FPE se coloca “em defesa de todos os Evangélicos do Brasil” para repudiar a fala de Lula. Segundo o texto, “ao complementar a fala LULA disse que vai ‘pegar muita gente’ demonstrando claro intuito de perseguir preconceituosamente à comunidade Evangélica, visto que não se referiu a nenhuma outra organização religiosa, sindical e ou a qualquer outro segmento da sociedade que defende a ampla liberdade de escolha de seus integrantes”.

A FPE, mantendo a postura de oposição ao presidente eleito com uso do terror verbal, ainda afirma na nota que: “Discursos como esse reforçam a necessidade de continuarmos conclamando nossa sociedade a refletir sobre os fundamentos e os princípios que nortearão a República, caso Lula assuma e permaneça na presidente, eis que tal fala conduz o país ao temeroso caminho da discriminação, preconceito e intolerância religiosa, especificamente contra os Evangélicos”.

O jornal O Globo repercutiu o caso, na mesma direção da Folha de S. Paulo, e publicou, em 26 de novembro, matéria com o título “Pastores e bancada evangélica reagem a cobrança de Lula sobre vacina”. 

Imagem: reprodução de O Globo, 26 nov 2022

Para o conteúdo, o jornal fez uso de um vídeo publicado em mídias sociais, pelo pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia, no qual ele critica o Partido dos Trabalhadores (PT) e afirma que o presidente eleito tem “preconceito com a igreja evangélica”.

O Globo ainda transforma em notícia um extrato da gravação do pastor Malafaia em que ele ataca o presidente eleito e o Supremo Tribunal Federal de forma grosseira: “Que moral o Lula tem para cobrar alguma coisa? Vai lavar essa sua boca de cachaça. você só está aí porque tem amiguinho no STF (Supremo Tribunal Federal) que liberou você. Você foi condenado em todas as instâncias por corrupção. Quero ver que líder evangélico que vai receber esse crápula”.

Além de Silas Malafaia, os pastores ouvidos por O Globo, críticos à fala de Lula, foram os deputados federais vinculados às Assembleias de Deus, apoiadores da reeleição de Jair Bolsonaro, Sóstenes Cavalcate, Otoni de Paula (MDB/RJ) e Marco Feliciano (PL/SP). Um deputado federal pastor foi ouvido “em contraponto”, Davi Soares (União/SP), da Igreja Internacional da Graça de Deus, que, segundo a matéria, afirmou que “sua igreja ‘é 100% a favor da imunização’ e que tomou quatro doses da vacina contra a Covid-19”. O pastor e deputado apoiador do atual governo, declarou à reportagem ter as portas abertas ao diálogo com Lula: “O presidente, tendo contato com as lideranças das igrejas, verá que apoiamos a vacinação por completo. Tomara que ele as procure”.

O tom da reunião da equipe de transição 

Para compreender o contexto da fala do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva na reunião com o Grupo de Trabalho em Saúde da equipe de transição para o novo governo, Bereia ouviu a pesquisadora da Fiocruz e ex-presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS) Dra. Socorro Souza. Ela integra o GT como representante da diversidade regional, racial e de gênero na área da saúde. 

Socorro Souza avalia que a matéria da Folha de S. Paulo cobre “incorretamente ou insuficientemente alguns dos importantes pontos abordados na reunião; que não somente a fala do presidente eleito”.   A ex-presidente da CNS relata que foi tratado o relevante tema da defasagem no orçamento da saúde decorrente do teto de gastos, superior aos 22,7 bilhões  anunciados. Segundo ela “este valor a ser recomposto resulta da aplicação da Lei 141/2012, que determina à União aplicar o valor do ano anterior somado à variação do PIB. Algo que se aproxima de 10% da receita corrente líquida da União”. 

Sobre a vacina e o Plano Nacional de Imunização (PNI), Socorro Souza explica que “o presidente iniciou sua fala referindo-se à importância de se falar com a sociedade, as famílias e o povo (e não somente os evangélicos) para que possam voltar a acreditar na eficácia das vacinas, e não mais nas ‘brincadeiras’ ditas pelo atual governo”.  

A pesquisadora acrescenta que Lula “fez elogios aos trabalhadores da saúde e afirmou que quer que o trabalhador tenha qualidade de vida. Que vai procurar conversar com líderes religiosos (das igrejas)”. Socorro Souza acrescenta que o presidente eleito “mencionou, neste contexto, a responsabilidade sanitária de autoridades. Sobre responsabilidade por mortes, a referência foi feita a Bolsonaro, atual Presidente da República”.

A ex-presidente do CNS ouvida pelo Bereia, reitera a fala do ex-ministro da Saúde Arthur Chioro, citada na matéria da Folha de S. Paulo, que, segundo ela, “contextualiza e usa palavras que retraram o exato sentido dos conteúdos abordados na reunião”. Ela se refere ao trecho da reportagem que cita a afirmação de Chioro: “Muito bom saber que nós temos um presidente que participa da reunião com a sociedade de especialistas e que se compromete [com a pauta]. O Brasil vai contar com o presidente da República liderando a retomada do nosso Programa Nacional de Imunização e do enfrentamento da pandemia”.

A fala de Lula na reunião (transcrição em blocos de assuntos):

00:00 a 1:30 (um minuto e meio): Primeiro, eu estou muito feliz com a reunião. Era exatamente este tipo de discussão que eu queria ouvir. E estou mais preocupado é como vocês vão sistematizar toda esta história. O dado concreto, gente, é que vou sair agora e só queria dizer o seguinte. Nós vamos ter que tratar neste mandato na saúde tentando vencer um pouco a burocracia na máquina pública. Você foi ministro, Padilha foi ministro, Humberto foi ministro, Temporão foi ministro, e sabe como às vezes a máquina emperra, a máquina não anda. Às vezes um burocrata faz e não faz, nós vamos ter que tentar lidar com isto porque todo o nosso lema, além da saúde de qualidade é a gente tentar atender este povo, povo está muito sofrido. Consegue até ir a Upa depois não consegue mais nada. O povo fica esperando, esperando e a gente não pode deixar isto. 

1:31-2:09 (38 segundos): A gente não pode, de forma precipitada, achar que a gente anunciar vacina, o povo vai tomar. Não. O povo tem que ser convencido outra vez da eficácia da vacina, e nós vamos ter agora que pegar muita gente que combateu a vacina, que vai ter que pedir desculpa. Eu, pelo menos, pretendo procurar várias igrejas evangélicas e discutir com o chefe deles o seguinte: ‘Qual é o comportamento de vocês nessa questão da vacina?’ Ou nós vamos responsabilizar vocês pelas mortes das pessoas.

2:10-2:19 (nove segundos): Outra coisa que me preocupa é que temos que levar médicos para o interior longínquo, para aqueles lugares que ninguém quer ir.

2:20-2:49 (29 segundos):  Estamos com um desafio muito grande. Nós temos que tentar fazer. Neste ano, eu tenho desejo de fazer neste ano tudo o que eu não fiz em oito anos. A gente não conseguiu fazer porque não conseguiu, não tinha expertise para fazer. Hoje nós temos muita gente com expertise, temos aí cinco ministros, muita gente com expertise para ajudar. 

2:50-3:00 (10 segundos): Nos próximos dias eu vou passar a escolher o ministério e qualquer ministro da saúde, da educação, vai ter uma gama de gente para ajudar, não para atrapalhar. 

3:01-3:36 (35 segundos): A saúde para mim é uma coisa muito dura porque a gente ouve no palanque, quando a gente desce do palanque, as pessoas que vêm abraçar a gente, muitas vezes, vêm pedir coisas, e uma coisa que me assusta é a preocupação com o autismo. Você não tem noção, Chioro, quantas pessoas no palanque falavam ‘Lula, faz alguma coisa pelo autismo, eu tenho um filho autista”. É uma coisa que eu nem me dava conta. 

3:37-4:16 (39 segundos): nós precisamos voltar a ter uma medicina humanizada, qualificada e funcional. Esta é a ideia básica e por isso é que eu estou gostando da reunião. Esta reunião serve de base para a gente ter um bom começo de mandato. Eu não posso estar anunciando algumas coisas e esperar três meses para começar. Tem que ser logo. Por exemplo, farmácia Popular, estas coisas, nós vamos ter que dar de bico, e começar a ganhar este jogo. 

4:17-5:00 (43 segundos): eu queria só agradecer. Padilha, a Janja acha que eu estou falando demais, eu queria agradecer [comentários]. Espero que vocês vão ter um relatório disto que eu gostaria de receber – está gravando, né Padilha? Eu quero receber tudo. Vocês vão ficar até que horas? [comentários]. Se eu puder eu entro um pouco à noite. Muito obrigado.

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Bereia classifica as matérias da Folha de S. Paulo e de O Globo como imprecisas. Os veículos de notícias desinformam com imprecisão em vários elementos.

A Folha de S. Paulo promove desinformação ao dar destaque à menção de 38 segundos sobre as igrejas evangélicas na fala do presidente eleito, sem contextualizá-la, no que dizia respeito ao tratamento do tema do Plano Nacional de Imunização, colocado na reunião como uma das prioridades para o novo governo na área da saúde.  O papel das igrejas evangélicas não foi o tema central da reunião e nem da fala de cinco minutos de Lula, que teve oito blocos temáticos, como se pode observar na transcrição oferecida pelo Bereia nesta matéria. 

A desinformação, produzida por extrato de material de reunião fechada da equipe com a participação do presidente eleito, destacada no título da matéria (muitas vezes, o único conteúdo lido pelo público), induz à compreensão de um destaque às igrejas evangélicas que não ocorreu. A opção do jornal por uma hierarquização temática, que provocou reações entre os evangélicos, citados brevemente na reunião, leva à conclusão de ter ocorrido uma deliberada alimentação da tensão já existente com o presidente eleito desde o período eleitoral, com a suposta ameaça de perseguição a igrejas em futuro governo de esquerda.

Isto se reflete na forma como as reações se deram em publicações de indivíduos e de mídias religiosas apoiadores do atual governo e nas notas públicas de organizações ligadas ao segmento evangélico. Elas reacenderam o tema desinformativo da “perseguição a igrejas” como usado na campanha eleitoral de oposição à candidatura de Lula. 

A ação desinformativa da Folha de S. Paulo se estende na matéria de O Globo, que repercute várias reações críticas de líderes evangélicos, a maioria políticos de oposição ao presidente eleito. O jornal chega a publicar um ataque grosseiro a Lula, em vídeo publicado na internet, que atinge também o STF e faz uso de mentiras, sem informação que ofereça contraposição. 

A reportagem de O Globo ouviu apenas um deputado federal pastor “em contraponto” e desconsiderou outros que teriam relevância para o tema, como lideranças fora do campo político, que pudessem opinar sobre uma possível cobrança de apoio das igrejas em relação à vacinação.

A desinformação se configura ainda no fato de que nem a Folha de S. Paulo nem O Globo recuperaram o papel exercido por diferentes lideranças evangélicas no contexto da pandemia de covid-19 para se verificar a pertinência de uma “responsabilização” em relação a “comportamento em relação a vacinas” da parte do futuro governo. Estes veículos de notícias também não buscaram informação dos participantes da equipe de transição sobre o porquê da menção de igrejas evangélicas pelo presidente eleito quando o tema tratado foram as vacinas.

Referências de checagem:

TV UOL. https://tvuol.uol.com.br/video/lula-participa-de-reuniao-online-com-grupo-tematico-de-saude-na-transicao-04028C183072C4897326. Acesso em 28 nov 2022.

Anajure. https://anajure.org.br/nota-publica-sobre-fala-de-lula-quanto-a-responsabilizacao-de-igrejas-evangelicas-em-relacao-a-vacinacao/. Acesso em 28 nov 2022.

Frente Parlamentar Evangélica. https://www.facebook.com/fparlamentarevangelica/posts/pfbid02uft5L2zjkaTD9fnfgS95NdKuxrvPFssrqVBsRQ4xJA9jJaX3uqDEKonbdya3cJ8Vl. Acesso em 28 nov 2022.

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Foto de capa: Pexels

Montagem em vídeo sustenta pânico sobre perseguição a igrejas com base em entrevista de ex-presidente do PT

Na primeira semana do período pós-eleitoral passou a circular, especialmente pelo Twitter e pelo WhatsApp, um vídeo de dois minutos em que o ex-deputado federal e ex-presidente do Partido dos Trabalhadores (PT) José Genoino, em entrevista, explicaria como partido irá “combater” e “confrontar” as igrejas.

Imagem: reprodução do canal “Católicos de Verdade” no YouTube

Imagem: reprodução do canal “Melodia News” no YouTube

O conteúdo foi transformado em matéria de sites de notícias ligados à extrema-direita política como o evangélico Pleno News e a revista Oeste, sob os títulos: “José Genoino promete retaliação contra igrejas no governo do PT” e “Genoino revela plano do PT para ‘confrontar’ igrejas evangélicas”. 

A origem do vídeo

O vídeo com a entrevista de José Genoino é um extrato da participação do político no  programa Sabadão, do Diário do Centro do Mundo (DCM), transmitido pelo Youtube. O programa teve a duração de três horas e Genoino foi entrevistado pelo jornalista Kiko Nogueira e pela advogada Sara Vivacqua  por uma hora e 55 minutos de duração. A entrevista versou sobre uma avaliação do político do processo eleitoral concluído em 30 de outubro. 

Por volta dos 50 minutos de entrevista, Nogueira e Vivacqua questionaram José Genoino sobre o sentimento de ódio disseminado durante e depois das eleições contra o candidato Lula (PT), seu partido e as esquerdas. Para isso, fizeram uso de um vídeo que mostra um pastor batista falando do púlpito contra membros da igreja que votaram no PT e contra pessoas do Nordeste que ajudaram a derrotar o presidente Jair Bolsonaro (PL). A partir desse caso os entrevistadores perguntaram qual deve ser a política do novo governo em relação às igrejas orientadas pela extrema-direita e se haverá alguma postura diferenciada sobre impostos. A contextualização dos entrevistados tem a duração de três minutos e a resposta do ex-presidente do PT dura dois minutos.

Na resposta, Genoino não fala em nome do PT sobre qualquer plano do partido para retaliar ou confrontar igrejas no Brasil. O ex-parlamentar inicia com a afirmação de que é preciso tratar “institucionalmente, com muita habilidade” para não haver acusações de que se está perseguindo as igrejas. 

Para Genoino é preciso abordar o tema de maneira equilibrada e começar com a mudança do sistema tributário pois “não só as igrejas que não pagam imposto no Brasil, os meios de comunicação também (…), [com] as isenções, o papel, rádio”. A partir disto o ex-presidente do PT afirma: “é preciso fazer uma reforma agrária no ar para depois fazer na terra (…) e colocar num conjunto mais amplo porque senão vão dizer que a gente está perseguindo as igrejas, numa guerra santa (…) portanto temos que ter cuidado, o que vai exigir uma habilidade muito grande”.

Genoino considerou ainda que a medida que se vão criando melhorias nas condições de vida se vai formando uma “massa crítica a este fundamentalismo, estas figuras toscas, a estas figuras fundamentalistas”, referindo-se a líderes religiosos como o pastor batista do vídeo apresentado. Para o político, será preciso uma batalha no campo das ideias com muito cuidado para não ser vítimas do que “eles mesmos pregam que é o maniqueísmo”. Nesse sentido, ele afirma ser fundamental que se organize pela base, como foi no segundo turno das eleições, quando as igrejas tiveram “limitação política para atuar” porque foram organizados coletivos de religiosos que apoiaram Lula e foram realizados atos com religiosos em cidades. Genoino destacou ainda que há lideranças religiosas que atuam nos meios de comunicação e “prestam péssimo serviço com este tipo de coisa” (referindo-se ao vídeo exibido com o pastor batista), por isso será preciso “ver o melhor caminho para enfrentar”.

Montagem grosseira

O vídeo que circula nas redes para reacender o pânico da perseguição às igrejas, tema frequente de falsidades checadas pelo Bereia, tem a duração de dois minutos e é uma montagem do total de cinco minutos em que o tema foi tratado na entrevista. Os cortes grosseiros incluem trechos das questões dos entrevistadores sobre o relacionamento com as igrejas e outros da resposta de José Genoino, com a exclusão do contexto exposto com o vídeo do pastor batista de Piabetá (RJ). As falas foram selecionadas para dar o tom do suposto combate às igrejas.

O Pleno News chegou a usar um subtítulo na pequena matéria: “Ele fala em combater os evangélicos no campo das ideias e acabar com ‘figuras toscas fundamentalistas”.

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Bereia avalia como enganosas a montagem em vídeo com trechos da entrevista de José Genoino ao programa Sabadão do DCM e as matérias publicadas sobre ele.  Tais conteúdos compõem o acervo de material desinformativo criado com o objetivo de manter o pânico entre fiéis cristãos no tocante ao tema da perseguição a igrejas que permeou toda a campanha eleitoral de 2022.

Referências de checagem:

Pleno News. https://pleno.news/brasil/jose-genoino-promete-retaliacao-contra-igrejas-no-governo-do-pt.html?fbclid=IwAR2e8dfPE7bOwJUU37-uxwTmQYjQyN4uL5Tgh8g4MixafnlZyHn0UXyE0I8 Acesso em:  12 nov 2022

Revista Oeste. https://revistaoeste.com/politica/genoino-revela-plano-do-pt-para-confrontar-igrejas-evangelicas/?fbclid=IwAR0QK1mIkOc_NcIk09gnc30mwwvdwWrfBJGggvnqDiwFXLze_D5VuzW95nE Acesso em: 12 nov 2022

YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=Dk7OfasAQ0w Acesso em:  14 nov 2022

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Imagem de capa: frame de vídeo no YouTube

Site gospel publica pesquisa eleitoral com metodologia contestada e financiamento criticado

O site evangélico  Pleno News publicou, em 29 de setembro de 2022, pesquisa de intenção de votos realizada pelo Instituto Equilíbrio Brasil.  Nos dados oferecidos na matéria “Bolsonaro lidera em pesquisa mais ampla que Ipec e Datafolha”, Jair Bolsonaro teria 44% da preferência do eleitorado, contra 39% de Lula.

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Imagem: reprodução do site Pleno News

Equilíbrio Brasil: metodologia contestada 

Pleno News destaca que o levantamento realizado é mais amplo do que aquelas que têm sido apresentadas por institutos credenciados como o Ipec (formado por ex-executivos do Ibope) e o Datafolha. A matéria diz que o instituto Equilíbrio Brasil, ouviu 11.500 pessoas em 1.286 cidades, entre os dias 20 e 22 de setembro, com margem de erro de três pontos percentuais. 

Entretanto, a publicação não destaca a metodologia utilizada: a aplicação de questionário estruturado por meio de ligações automatizadas para telefones fixos e celulares. Esta metodologia é criticada pelo Conselho Federal de Estatística e por diversos institutos de pesquisa do país. Datafolha e Ipec abordam presencialmente seus entrevistados. 

O desconhecido Equilíbrio Brasil se coloca ao lado de outro, o controverso Brasmarket, até então o único instituto de pesquisa do país a apresentar Jair Bolsonaro na liderança da corrida presidencial. Brasmarket e seus métodos foram alvo de checagem do Bereia. 

Assim como Brasmarket, Equilíbrio Brasil não é filiada à Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa e não apresenta histórico de pesquisas eleitorais: apenas seis levantamentos estão disponíveis no site da instituição, todos no ano de 2022.

Pesquisa eleitoral: o que diz a legislação?

De acordo com o Art. 33 da Lei nº 9.504/1997 as entidades e empresas que realizarem pesquisas de opinião pública relativas às eleições ou aos candidatos, para conhecimento público, são obrigadas, a registrar na Justiça Eleitoral, para cada pesquisa, até cinco dias antes da divulgação, as seguintes informações:

I –  quem contratou a pesquisa;

II –  valor e origem dos recursos despendidos no trabalho;

III – metodologia e período de realização da pesquisa;

IV – plano amostral e ponderação quanto a sexo, idade, grau de instrução, nível econômico e área física de realização do trabalho a ser executado, intervalo de confiança e margem de erro; 

V – sistema interno de controle e verificação, conferência e fiscalização da coleta de dados e do trabalho de campo;

VI – questionário completo aplicado ou a ser aplicado;

VII – nome de quem pagou pela realização do trabalho e cópia da respectiva nota fiscal. 

Equilíbrio Brasil ou Multi Mercado LTDA: financiamento criticado

A pesquisa do Instituto Equilibrio Brasil está disponível no site do TSE, registrada sob o número BR-02018/2022, mas o nome da empresa no registro é Multi Mercado LTDA. Os dados da pesquisa foram divulgados também no próprio site do instituto, mas algumas informações foram omitidas. 

Numa pesquisa mais detalhada no site do Tribunal Superior Eleitoral, verificamos que o próprio instituto foi o “contratante” da pesquisa. e mesmo com elevado número de entrevistas feitas por telefone, 11.500 contatos, o levantamento custou R$ 28.000,00. 

Esta modalidade de financiamento, o “autofinanciamento” de pesquisas eleitorais, mesmo permitida por lei, levanta suspeitas, pois permite que institutos não divulguem a origem dinheiro que pagou as sondagens e a divulgação da nota fiscal não é obrigatória. Todas as pesquisas realizadas por Equilíbrio Brasil foram “autofinanciadas”.

Equilíbrio Brasil X Datafolha

Tomando-se um dos institutos citados pelo Pleno News em comparação, o levantamento do Instituto Datafolha realizou 6.800 entrevistas presenciais e o valor da foi de R$ 473.780,00. Quase dez vezes o custo da pesquisa do Instituto Equilíbrio Brasil (Multi Mercado LTDA)

A pesquisa Datafolha divulgada em 29 de setembro, está disponível para consulta no site do próprio instituto e no site do TSE, registrada  sob número BR-09479/2022. 

Seguindo a tendência dos principais institutos do país, o Datafolha mostra o ex-presidente na liderança. Lula oscilou de 45% para 47% das intenções de voto na disputa pela Presidência da República e ampliou a liderança sobre o segundo colocado, Jair Bolsonaro, que se manteve com a preferência por 33% dos eleitores brasileiros.

Este resultado se aproxima dos números do agregador de pesquisas do jornal Estado de São Paulo que leva em conta pesquisas sobre a corrida presidencial divulgadas nos últimos seis meses e tem atualização diária. O cálculo considera as linhas de tendência de cada candidato (se estão estáveis, subindo ou caindo) e atribui pesos diferentes às pesquisas segundo sua “idade” (a data de realização) e metodologia (na média, os resultados são mais precisos quando os eleitores são entrevistados de forma presencial, em vez de por telefone).

Imagem: reprodução site TSE

Bereia conclui que a pesquisa divulgada pelo portal Pleno News não pode ter seus dados corroborados, por isso a matéria desinforma por ser imprecisa. A metodologia utilizada no levantamento é contestada e o financiamento, mesmo não sendo ilegal, levanta dúvidas quanto à isenção dos dados.  

Um trabalho que envolve mais de 11 mil contatos com eleitores, mesmo por telefone, apresentaria um custo muito elevado. Já os institutos desqualificados pela matéria Pleno News, Ipec e Datafolha oferecem todas as informações exigidas para o credenciamento de uma pesquisa e têm os levantamentos registrados no TSE, como exigido por lei, além de executivos respeitados e histórico confiável de pesquisas eleitorais.

Referências de checagem: 

Equilíbrio Brasil.

https://www.equilibriobrasil.com/l/presidente-20-a-22-de-setembro-de-2022/ Acesso em 29 set 2022

https://www.equilibriobrasil.com/l/presidente-20-a-22-de-setembro-de-2022/ Acesso: em 29 set 2022

https://www.equilibriobrasil.com/pesquisas/ Acesso em: 29 set 2022

TSE.

https://www.tse.jus.br/eleicoes/pesquisa-eleitorais/consulta-as-pesquisas-registradas Acesso em: 29 set 2022

https://www.tse.jus.br/legislacao/codigo-eleitoral/lei-das-eleicoes/lei-das-eleicoes-lei-nb0-9.504-de-30-de-setembro-de-1997#art33-35 Acesso em: 29 set 2022

Coletivo Bereia. https://coletivobereia.com.br/pesquisa-compartilhada-em-midias-e-sites-evangelicos-tem-metodologia-questionavel/ Acesso em: 29 set 2022

O Estado de São Paulo. https://www.estadao.com.br/politica/com-novas-pesquisas-media-estadao-dados-mostra-lula-com-52-dos-votos-validos-bolsonaro-tem-35/ Acesso em: 29 set 2022

Ipec. https://www.ipec-inteligencia.com.br/ Acesso em: 29 set 2022   

Datafolha. https://datafolha.folha.uol.com.br/ Acesso em: 29 set 2022   

Conselho Federal de Estatística. https://www.confe.org.br/pesquisa_eleitoral_por_telefone.pdf Acesso em: 29 set 2022   

Valor Econômico. https://valor.globo.com/politica/noticia/2018/06/04/pesquisas-por-telefone-despertam-polemica.ghtml Acesso em: 29 set 2022  

Terra. https://www.terra.com.br/noticias/eleicoes/mpf-investiga-fraudes-em-pesquisas-autofinanciadas-quase-23-das-registradas-no-tse,bda3ba07bb0878fd43a8582f16a5434ce95odsiy.html Acesso em: 29 set 2022    

ABEP. https://www.abep.org/diretorio-dos-filiados-abep Acesso em: 29 set 2022  

Imagem de capa: reprodução Pleno News

Sites religiosos e políticos exploram caso de suposto afastamento de diretor de escola de Sorocaba por transfobia

Circula em mídias sociais e sites religiosos a informação que o diretor da Escola Estadual Antônio Padilha, em Sorocaba (SP), foi afastado temporariamente de suas funções após barrar a entrada de uma aluna transexual no banheiro feminino.

De acordo com a publicação, duas alunas teriam reclamado da presença da estudante no banheiro. Após a intervenção, um grupo de alunos acusou o diretor de transfobia e a decisão de afastar o diretor partiu da Secretaria Estadual de Educação (Seduc-SP), que vai apurar a conduta do docente. 

Imagem: reprodução do site Pleno News

A notícia divulgada se repete da mesma forma em todos os sites, seguida de uma suposta nota oficial da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, dizendo que o desfecho do caso acontecerá após uma decisão do Conselho Escolar. Segundo o texto reproduzido, o órgão teria ressaltado que “repudia todo e qualquer tipo de discriminação, racismo ou LGBTQIAP+fobia dentro ou fora da escola”. Em todos os sites e portais não é indicada a fonte para a nota oficial , o nome de algum profissional da Secretaria de Educação ou mesmo da escola estadual. 

A nota também não se encontra no site da Secretaria de Educação. Por telefone, fomos orientados a entrar em contato com a Assessoria de Imprensa da Seduc-SP, que por sua vez respondeu ao e-mail pedindo um telefone para contato. Até o fechamento da matéria, não obtivemos resposta. 

Manifestações de apoio ao diretor

Nas mídias sociais, parlamentares se manifestaram contra o afastamento do docente. O vereador de Sorocaba Dylan Dantas (PSC) defendeu que o diretor não pode ser penalizado. O deputado estadual Douglas Garcia (Republicanos) também se pronunciou.

Douglas Garcia, representante do Movimento Conservador na Assembleia Legislativa de São Paulo (ALESP), publicou no Twitter trecho de seu discurso em plenário sobre a notícia do afastamento do diretor da escola: 

Imagem: reprodução do Twitter

Em seguida, o vereador Dylan Dantas (PSC), Representante do Movimento Conservador em Sorocaba fez duas publicações em seu perfil no Twitter

Imagem: reprodução do Twitter

Os parlamentares reproduzem apenas as notícias divulgadas pelos sites religiosos e não apresentam qualquer fonte ou informação nova que possa ser verificada. 

Homo/Transfobia nas escolas  escolas de Sorocaba e região e resistências 

O artigo “Ensinando a diversidade ou a transfobia. Um panorama da educação sobre diversidade sexual e de gênero nas escolas e sua intersecção com saúde mental”, publicado por Sara Laham Sonetti e Marcos Roberto Vieira Garcia, discute esse tema  no  panorama  nacional de forma mais ampla e na região de Sorocaba, em particular.

Segundo os autores, “a cidade de Sorocaba, embora seja sede de uma região metropolitana e esteja localizada próxima a São Paulo, se configura como um local de intensa propagação de discursos e práticas homo/transfóbicas”. 

Sara Laham e Marcos Roberto Vieira afirmam que: “As  escolas  de  Sorocaba,  infelizmente,  reproduzem  a  falta  de  aceitação  do  respeito  à  diversidade.  Como  veremos  mais  adiante  esse  processo  é  relacionado  à  presença  de  leis  municipais  que  implementam  normas  que  vão  no  sentido  contrário  das  medidas  protetivas,  sendo  em  si, medidas de dano e injúria às pessoas homossexuais e trans, além de reproduzirem erros conceituais, deixando claro o desconhecimento quanto a assuntos relacionados à identidade de gênero e sexualidade dos envolvidos na elaboração e aprovação das mesmas”.

Um exemplo disso, segundo os autores,“é a lei municipal nº 11.185 (SOROCABA, 2015), de 28 de setembro de 2015, que proíbe que o uso do banheiro ou vestiários nas escolas seja de acordo com o gênero com o qual a pessoa se identifica. Essa lei se aplica às escolas que atendem ao ensino fundamental, sejam elas públicas ou privadas. A aprovação desta lei municipal se deu no mesmo ano em que o Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoções dos Direitos de Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, aprovou uma Resolução versando o contrário, ou seja, garantindo o direito da pessoa frequentar o banheiro referente à sua identidade de gênero. Aprovada  por  15  votos  a  favor  e  03  contrários,  a  referida  lei  é  de  autoria  do  vereador  Irineu  Toleto  (PRB). Pastor da Igreja Universal do Reino de Deus, o vereador disse que o objetivo da Lei era o de proteger “o psicológico das crianças, já que o ensino fundamental abrange alunos com idade entre 7 a 14 anos”.

O artigo esclarece que, “no mesmo discurso de que não considerar a identidade da pessoa para o uso do banheiro é considerado uma  “proteção”, o “não-falar” sobre  gênero  nas  escolas  também  é  colocado  como  uma  proteção, ao contrário do que apontam os estudos que afirmam a necessidade de se falar sobre gênero justamente para  possibilitar  a  proteção  para  as  crianças  e  adolescentes  que  sejam  ou  virão  a  ser  LGBTs  e  sofrem preconceitos diversos em função disso. Instituir uma lei que negue acesso ao banheiro segundo o gênero com que a pessoa se identifica acaba funcionando como uma educação subliminar contrária ao ensino do respeito, uma vez que é passada a mensagem de que ser trans é algo errado e que deve ser ignorado, corrigido ou punido.”

A respeito de identidade de gênero e a reação popular contra a lei, os autores explicam que, “cabe ressaltar que a expressão “identidade de gênero” foi definida de forma equivocada na referida lei, que afirma que “considera-se identidade de gênero o conceito pessoal, individual, psíquico e subjetivo, divergente  do  sexo  biológico,  adotado  pela  pessoa”.  Ou  seja,  presume-se  que  só  “teria”  identidade  de gênero quem fosse trans e não as pessoas cis. Essa falta de entendimento conceitual chegou aos olhos da Defensoria  Pública  de  São  Paulo,  que  enviou  ao  prefeito  de  Sorocaba  um  ofício solicitando  o  veto à lei  sancionada.  A polêmica acerca da referida lei se iniciou ainda durante a tramitação do projeto, que foi acusado de ser transfóbico e excludente. Houve manifestações populares na Câmara dos Vereadores em Sorocaba, com os movimentos LGBT se posicionando contra tal lei”.

“O prefeito da cidade vetou a lei recém-aprovada em  29/08/2015,  alegando  que  os  órgãos  da  Prefeitura  envolvidos  com  a  análise  do  projeto  foram procurados por segmentos sociais que pediram o veto do texto e que  a Secretaria da Educação local se manifestou sobre o assunto, lembrando que a Constituição prevê que o ensino deve ter como fundamento a igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola. No entanto, esses esforços não foram suficientes e o veto foi derrubado em nova votação na Câmara dos vereadores em 22/09/2015, por 16 x 0. Os 3 vereadores que seriam a favor de manter o veto (do PT e PV) não votaram e não se manifestaram a respeito”

“Há  ainda  a  associação  feita  entre  o  acesso  ao  banheiro  a  pessoas  trans  e  possíveis  “abusos” decorrentes disso, no sentido de homens se “aproveitarem” da situação para assediar mulheres, como podemos ver no discurso do autor da referida lei, vereador Irineu Toledo: “O ensino fundamental, que está a cargo do município, vai do 1º ao 9º ano, com crianças de 6 anos a adolescentes de 14 anos. Isso significa que uma menina de 6, 7 ou 8 anos, de  acordo  com  a  portaria  do  governo  federal,  será  obrigada  a  conviver  no  banheiro feminino com um adolescente de 14 anos, bastando que ele, mesmo tendo um aparelho reprodutor masculino, se considere mulher. Como cerca de um em cada cinco estudantes brasileiros,  segundo  dados  oficiais,  estão  atrasados  na  escola  e  muitos  só  concluem o  ensino  fundamental  aos  16  anos,  a  situação  se  torna  ainda  mais  grave:  vamos  ter verdadeiros rapagões usando o banheiro das meninas”.  

“Observa-se que esse discurso inverte radicalmente o que tem sido denunciado por pesquisas e pela militância LGBT, acerca do frequente abuso direcionado às pessoas trans (em especial mulheres) quando são obrigadas a usarem o banheiro de acordo com o gênero que lhes foi designado ao nascerem”.

O que diz o Ministério da Educação

Existem projetos de lei no Congresso que buscam tratar destes temas, como o de nro. 5008/20 que proíbe expressamente a discriminação baseada na orientação sexual ou identidade de gênero em banheiros, vestiários e assemelhados, nos espaços públicos, estabelecimentos comerciais e demais ambientes de trabalho. 

O projeto tramita conjuntamente com outros que tratam de temas semelhantes e aguardam apreciação do Congresso Nacional, portanto, não existe obrigatoriedade do MEC se manifestar sobre o tema.

O processo que está sendo julgado no STF , recurso contra decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que negou indenização por danos morais a uma transexual que foi impedida de usar o banheiro feminino de um shopping center em 2008, teve o voto dos ministros Luís Roberto Barroso e Luiz Edson Fachin a favor do direito de transexuais usarem banheiros conforme sua “identidade de gênero”, ou seja, como se percebem, (homem ou mulher), independentemente do sexo a que pertencem.

Desta forma, como não existe lei específica do Congresso Nacional ou decisão do Supremo Tribunal Federal, portanto o Ministério da Educação ou a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, não estão obrigados legalmente a manifestar-se sobre a questão. 

O que é transfobia? 

Cotidianamente as pessoas transgênero são alvos de preconceito, desatendimento de direitos fundamentais (como a utilização de nomes sociais e também não conseguem adequar seus registros civis na Justiça), exclusão estrutural (dificuldade ou impedimento à educação, ao mercado de trabalho qualificado e até mesmo ao uso de banheiros) e de violências variadas, de ameaças a agressões e homicídios, o que configura a extensa série de percepções estereotipadas negativas e de atos discriminatórios contra homens e mulheres transexuais e travestis denominada transfobia, diz a Doutora em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações, pela Universidade de Brasília, Jaqueline Gomes de Jesus, em seu artigo “Transfobia e crimes de ódio: Assassinatos de pessoas transgênero como genocídio”.

A transfobia é caracterizada pelo ódio orientado aos transexuais, às pessoas que não se identificam com o seu gênero de nascimento. Tal comportamento pode ser manifestado pela violência física ou verbal contra essas pessoas. 

Em 2019, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara aprovou o projeto que criminaliza a homofobia e a transfobia (PL 7582/14). O texto pontua crime hediondo o homicídio cometido contra lésbica, gay, bissexual, travesti, transexual, intersexo e demais pessoas trans. 

A proposta inclui no Código Penal o aumento da pena de um a dois terços no caso de o crime ser cometido em razão de homofobia ou transfobia. No entanto, esse aumento de pena só é empregado se a lesão for praticada contra autoridade ou agente público, integrantes do sistema prisional e seus respectivos cônjuges e parentes até terceiro grau.

De acordo com o texto, a ofensa à dignidade e ao decoro em razão de homofobia e transfobia também é considerada crime de injúria. A pena prevista nesse caso é a mesma de ofensa por questões de raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência, com reclusão de um a três anos e multa.

Deve-se considerar que a proposta não prevê injúria punível no caso de homofobia e transfobia quando houver manifestação de crença em locais de culto religioso, salvo quando houver incitação à violência. Portanto, não se sustenta a tese comum alegada por religiosos de que seria cerceamento do direito de crença ou perseguição religiosa, como aparece em postagens em mídias sociais:

Imagem: reprodução do Twitter

Transexuais no Brasil: violência e baixa expectativa de vida

De acordo com levantamento realizado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (Antra) e pelo Instituto Brasileiro Trans de Educação (IBTE), somente em 2020 foram assassinadas 175 pessoas trans, o que representa o segundo maior número de toda a série histórica, pouco abaixo dos 179 registrados em 2017. Os dados constam no Dossiê: Assassinatos e Violência Contra Travestis e Transexuais Brasileiras, 

Os números do levantamento nacional são corroborados pelo relatório do Trans Murder Monitoring de 2019 que apontam o Brasil como o país que mais mata transexuais no mundo. No ano de 2020 o número de assassinatos apontou crescimento e em 2021, como mostra o mesmo relatório, pode-se perceber uma leve diminuição. No entanto, é possível observar diferentes percalços que a população trans atravessa nos diversos espaços da sociedade.

Com o recrudescimento do conservadorismo no espaço público nos últimos anos, uma das esferas que mais se colocou resistente em favor das pautas conservadoras, foi a religiosa. A negação de direitos básicos como saúde e educação continuam sendo tônicas em favor de uma única política de governo que não contempla a todos.

No entanto, também é possível perceber que movimentos de afirmação religiosa e sexual têm procurado se estabelecer na sociedade, com o objetivo de além de servir de lugar de acolhimento, busca também ser um lugar de atuação política, mesmo sob ataques e ameaças, como os sofridos pela pastora e teóloga feminista Odja Barros, da Igreja Batista do Pinheiro, Maceió-AL. A religiosa faz uma leitura popular e feminista da Bíblia e é autora de diversos artigos sobre estes temas. As ameaças de morte vieram após a Odja Barros celebrar, em sua Igreja, a união de duas mulheres.  As ameaças foram prontamente repudiadas pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil – CONIC. 

Igrejas inclusivas e um novo olhar sobre as minorias

Imagens: divulgação

As chamadas igrejas inclusivas, que hoje no Brasil não se configuram mais como uma novidade, vêm abrindo as portas com uma nova proposta de igreja. Revisitando as Escrituras, a teologia inclusiva busca lançar luz sobre as minorias descritas nos textos bíblicos, ao passo que enfatiza o amor como ordenamento divino principal. De acordo com o pastor Marcos Gladstone, advogado, teólogo e também fundador da Igreja Cristã Contemporânea, “Jesus acolheu o leproso, acolheu o pecador, amou incondicionalmente pessoas que a religião descartava e hoje a gente vive isso dentro da Igreja Cristã Contemporânea. A gente vem para o nosso templo viver aquilo que Jesus também viveu ao pregar e acolher aquele que era excluído pela sociedade e, principalmente, pela Igreja. Na ICC não repetimos discursos de ódio e intolerância.” 

Igrejas inclusivas no Brasil como a Igreja Cristã Contemporânea – pioneira no Brasil – , a Cidade de Refúgio, Igreja da Comunidade Metropolitana, Congregação Cristã Nova Esperança, Arena Church Apostólica, Congregação Diante do Senhor, Igreja Apostólica Avivamento Incluso, Igreja Apostólica Novo Templo Internacional, Igreja Deus Vivo InclusivoIgreja Todos Iguais, em sua maioria localizadas no Estado de São Paulo e Rio de Janeiro evocam a diversidade e a liberdade de culto como premissas de suas denominações. 

A Igreja Cristã Contemporânea, ao listar os valores que regem a instituição, afirma que o Evangelho não mudou. A diferença desta igreja em relação às demais evangélicas é o acolhimento à comunidade LGBTQIA+. Quanto às demais doutrinas que regem a fé cristã, existem muitas semelhanças.

A Igreja da Comunidade Metropolitana  afirma ser de tradição protestante, ecumênica e inclusiva. o caráter inclusivo da igreja significa compreender a mensagem de Jesus Cristo de maneira não-fundamentalista, abrindo-se aos estudos e aos conhecimentos sobre a diversidade sexual e de gênero. 

A Arena Church Apostólica se define como uma igreja cristã afirmativa, que acolhe todas as pessoas. Defende que Deus não faz acepção de pessoas, e por isso crê que o amor de Cristo é incondicional e independe de sexualidade ou identidade de gênero.

***

De acordo com as informações apresentadas, Bereia conclui que é imprecisa a informação que o diretor da escola estadual foi afastado preventivamente. Não foi obtida, até o fechamento desta matéria, resposta da Secretaria de Educação de São Paulo ao contato feito pelo Bereia, uma vez que a nota oficial não foi encontrada nos espaços digitais disponíveis. Todos os sites religiosos que publicaram sobre o caso divulgam exatamente as mesmas informações, sem fontes ou menções a funcionários públicos e profissionais da Seduc-SP ouvidos ou contatados. 

Embora não exista nenhuma lei ou decisão judicial, ou mesmo portaria do Ministério da Educação ou da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo com referência ao uso de banheiros por alunos e alunas transexuais, o respeito aos direitos das minorias é fundamental para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa, igualitária e democrática e tem sido buscado em várias políticas públicas.

Referências de checagem: 

Ministério da Educação. https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/1932471/do1-2018-01-18-portaria-no-33-de-17-de-janeiro-de-2018-1932467 Acesso em: 11 abr 2022.

Jusbrasil. https://nicolarj.jusbrasil.com.br/artigos/662330526/aluno-transgenero-podera-escolher-o-banheiro  Acesso em: 11 abr 2022.

Transrespect. https://transrespect.org/en/ Acesso em: 11 abr 2022.

Câmara dos Deputados.

https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2264620 Acesso em: 11 abr 2022.  

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=616270 Acesso em: 11 abr 2022.

https://www.camara.leg.br/noticias/703034-projeto-proibe-discriminacao-ao-uso-de-banheiros-publicos-de-acordo-com-a-identidade-de-genero/   Acesso em: 11 abr 2022.

https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2255157 Acesso em: 11 abr 2022.

Politize. https://www.politize.com.br/equidade/blogpost/o-que-e-transfobia/ Acesso em: 12 abr 2022.

Igreja Contemporânea. https://www.igrejacontemporanea.com.br/sobre Acesso em: 18 abr 2022.

Igreja da Comunidade Metropolitana. https://www.icmrio.com/a-igreja/quem-somos/ Acesso em: 18 abr 2022.

Arena Church Apostólica http://arenachurch.com.br/ Acesso em: 18 abr 2022.

Catraca Livre. https://catracalivre.com.br/cidadania/marcos-gladstone/ Acesso em: 18 abr 2022.

Artigo. Escola e infância: a transfobia rememorada. https://www.scielo.br/j/cpa/a/xCs6X8XvktzLTCzDFsVygqR/?lang=pt&format=pdf Acesso em: 18 abr 2022.

Artigo. Os cães do inferno se alimentam de blasfêmcia https://econtents.bc.unicamp.br/inpec/index.php/csr/article/view/12598/7974  Acesso em: 18 abr 2022. 

Artigo Ensinando a diversidade ou a transfobia. Um panorama da educação sobre diversidade sexual e de gênero nas escolas e sua intersecção com saúde mental. https://periodicos.feevale.br/seer/index.php/revistapraksis/article/view/1913/2505 Acesso em: 18 abr 2022. 

Glossário de Gênero. https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2018/03/19/glossario-de-genero-entenda-o-que-significam-os-termos-cis-trans-binario.htm Acesso em: 18 abr 2022.

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Imagem de capa: reprodução do site Pleno News

Sites e líderes religiosos apontam suposta perseguição em decreto sobre comprovante vacinal

Os sites Gospel Mais e Pleno News noticiaram recentemente a obrigatoriedade de apresentação do comprovante de esquema vacinal completo ou teste negativo de COVID-19 em igrejas e templos do estado de Pernambuco. Ambos os portais destacaram a aplicação desta exigência somente na entrada de tais estabelecimentos, apontando para uma possível perseguição religiosa. 

Imagem: reprodução Gospel Mais
Imagem: reprodução Pleno News

Em seu perfil oficial no Twitter, o pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia compartilhou um vídeo em que manifesta descontentamento quanto à medida, afirmando ser uma “maneira de perseguir cristãos burlando a Constituição”. O pastor Renato Vargens, da Igreja Cristã da Aliança, afirmou que a decisão do governador de Pernambuco “viola a liberdade religiosa e de culto, proporcionando ao Estado uma clara intervenção nas igrejas”.

Imagem: reprodução do Twitter
Imagem: reprodução do Facebook

O que diz o Decreto

Publicado em edição extra do Diário Oficial do Estado, o Decreto nº 51.460 exige a apresentação do comprovante de vacinação completo ou teste negativo para a realização de diversas atividades em Pernambuco, não somente as religiosas.

A nova regra é válida desde o dia 27 de setembro (segunda-feira) e vai ao encontro dos cuidados tomados contra a COVID-19 em outras cidades brasileiras e até mesmo países.

Assinada pelo governador Paulo Câmara (PSB-PE), a portaria determina que “celebrações religiosas com mais de 300 (trezentas) pessoas devem observar os limites de capacidade do ambiente e número máximo de pessoas estabelecidos em Portaria Conjunta da Secretaria de Saúde e da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, que também disciplinará a exigência da apresentação dos comprovantes do esquema vacinal completo e/ou dos resultados negativos dos testes para a Covid 19.”

Porém, o decreto também prevê a apresentação de comprovante de vacinação completo ou teste negativo para a prática de atividades esportivas em quadras e campos, inclusive nos jogos profissionais de futebol, como também em eventos culturais, shows e bailes. 

Imagem: reprodução do Diário Oficial do Estado de Pernambuco

A exigência já está em vigor, mas ainda será regulamentada em portaria do Secretário Estadual de Saúde, André Longo, e do Secretário Estadual de Desenvolvimento Econômico, Geraldo Júlio (PSB).

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Com o Decreto, os limites de capacidade estabelecidos para igrejas e templos passa de 300 pessoas para até 2.500 ou 80% da capacidade do local, prevalecendo o menor número. O horário para realização de celebrações religiosas presenciais também foi estendido, podendo ocorrer das 5h à 1h, em qualquer dia da semana.

As igrejas e templos religiosos foram consideradas atividades essenciais pelo governo do estado em maio deste ano, em lei sancionada também pelo governador Paulo Câmara .

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Bereia classifica como enganosa a afirmação sobre a obrigatoriedade de apresentação do comprovante de vacinação completo ou teste negativo de COVID-19 somente na entrada de igrejas e templos religiosos em Pernambuco. Além dos locais de culto, o Decreto abarca também estabelecimentos comerciais, culturais e esportivos localizados no estado. Destacar que apenas as igrejas deverão adotar a medida, insinuando uma suposta perseguição religiosa, reflete uma estratégia em torno da ideologia em defesa da liberdade de religião, propagada por grupos fundamentalistas religiosos-políticos e adotada por diversos apoiadores do Governo Federal.

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Referências: 

Diário Oficial de Pernambuco. https://diariooficial.cepe.com.br/diariooficialweb/#/home?diario=MQ%3D%3D  Acesso em: 28 set 2021

Folha de S. Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2021/09/pernambuco-passa-a-exigir-comprovante-de-vacinacao-em-igreja.shtml Acesso em: 28 set 2021

G1. https://g1.globo.com/pe/pernambuco/noticia/2021/05/10/governo-de-pe-sanciona-lei-que-transforma-igrejas-e-templos-religiosos-em-atividade-essenciais-na-pandemia.ghtml Acesso em: 28 set 2021

G1. https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/08/23/saiba-como-funciona-o-comprovante-de-vacina-em-outros-lugares-do-mundo.ghtml Acesso em: 29 set 2021

CNN. https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/cresce-adesao-de-municipios-ao-passaporte-da-vacina-aponta-levantamento-da-cnm/ Acesso em: 29 set 2021

Coletivo Bereia. https://coletivobereia.com.br/cristofobia-uma-estrategia-preocupante/ Acesso em: 30 set 2021

Fundamentalismos, crise da democracia e ameaça aos direitos humanos na América do Sul: tendências e desafios para a ação. https://kn.org.br/wp-content/uploads/2020/10/FundamentalismosPT-1.pdf Acesso em: 1º out 2021

Site religioso repercute carta sobre suposta morte decorrente da vacina AstraZeneca

O site Pleno.News divulgou a seguinte matéria, em 19 de setembro: “Mãe que perdeu o filho após vacina escreve carta a Queiroga”. A mãe em questão é Arlene Ferrari Graf, e a carta que foi destinada ao Ministro da Saúde Marcelo Queiroga, chama atenção para os supostos perigos da vacinação contra a covid-19. Bruno Oscar Graf, 28 anos, faleceu no dia 24 de agosto deste ano, vítima de um Acidente Vascular Cerebral (AVC) decorrente de uma trombose. 

Reprodução da internet

Na carta, Arlene Graf acredita que a vacina da AstraZeneca, que combate a covid-19, é que pode ter causado o óbito do filho. Ele foi vacinado em 14 de agosto – dez dias antes da morte – no Centro de Vacinação do Parque Vila Germânica, Blumenau-SC. 

Arlene Ferrari publicou em sua conta no Twitter, em 14 de setembro, uma carta aberta endereçada ao Ministro da Saúde Marcelo Queiroga.  Arlene afirma que exames enviados à Espanha foram conclusivos ao afirmar que seu filho faleceu em decorrência da vacina AstraZeneca. O site Pleno News reproduziu o conteúdo publicado por Ferrari sem apuração do conteúdo. 

Reprodução da internet

Produção no Brasil e estudos científicos 

A vacina Oxford/AstraZeneca contra a covid-19  foi lançada no Brasil em 17 de janeiro de 2021, após aprovação de uso emergencial autorizado pela  da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A Agência concedeu o registro definitivo em 12 de março e é a vacina produzida no país pela Fundação Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro (Fiocruz). Entre os efeitos colaterais previstos e disponíveis para consulta no site da Fundação, estão dores de cabeça, enjoos (náuseas), dores nas articulações ou dores musculares. 

O imunizante não aumenta o risco de um distúrbio raro de coagulação sanguínea após a segunda dose, conforme mostra estudo publicado na revista científica Lancet

O estudo afirma que o distúrbio é raro e ocorreu em 2,3 por milhão em pessoas que receberam uma segunda dose da vacina, segundo a pesquisa, liderada e financiada pela própria AstraZeneca. O número é comparável ao que é encontrado em uma população não vacinada. O resultado do estudo foi amplamente divulgado nas mídias noticiosas como BBC, CNN Brasil, O Globo e Agência Brasil.e até pelo próprio Pleno.News, em matéria de 28 de julho de 2021. 

De acordo com a Fundação Oswaldo Cruz,  um estudo de pesquisadores da Universidade de Oxford indica que o risco de ocorrer trombose venosa cerebral (CVT, no acrônimo em inglês) em pessoas contaminadas com Covid-19 é consideravelmente maior do que nas que receberam vacinas baseadas na tecnologia de RNA mensageiro (mRNA), como os imunizantes da Pfizer, Moderna e Oxford/AstraZeneca, produzida no Brasil pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). 

A Fiocruz – produziu um série de vídeos tirando dúvidas sobre a vacina contra covid-19 São perguntas e respostas a partir das principais questões recebidas nas redes. As dúvidas são respondidas pela pesquisadora da instituição Margareth Dalcolmo. 

Movimentos antivacina e teorias da conspiração

Movimentos organizados antivacina e grupos adeptos a teorias das conspiração têm se aproveitado de casos semelhantes para propagar a desinformação e gerar pânico. Sites sensacionalistas e “blogueiros” em busca de cliques e alcance embarcam em temas que possam gerar o maior engajamento possível. Desde o início da pandemia de covid-19, uma profusão de notícias falsas tomou conta das redes sociais digitais. 

Arlene Ferrari compartilhou diversas informações sem fontes ou sem qualquer embasamento científico, e suas publicações também foram reproduzidas milhares de vezes. Arlene participou de audiência pública na Câmara de vereadores de Goiânia  e lives em redes sociais digitais e o caso de Bruno Graf foi tema do  programas de debate 4 por 4, pró-governo federal brasileiro, comandado por Luís Ernesto Lacombe e participação de Guilherme Fiuza, Rodrigo Constantino e Ana Paula Henkel.

Reprodução do Twitter
Reprodução do Twitter
Reprodução do Twitter

Uma das pautas da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 no Senado Federal é a investigação da negação da eficácia de vacinas presente entre autoridades federais, como o Presidente da República, que levou a políticas como o retardo na aquisição de imunizantes e compras em número insuficiente.  

Pleno.News, mídia digital religiosa que atua no apoio ao governo federal,  produziu a matéria sem recorrer a qualquer estudo científico, declaração de especialista da área ou nota oficial de órgãos de saúde que sustentem as afirmações de Arlene Graf. O site gospel apenas reproduziu a carta aberta e utilizou de título para induzir leitores/as a concluírem que a vacina Oxford/AstraZeneca foi a responsável pela morte do jovem Bruno Graf. O fato do mesmo veículo já ter publicado matéria sobre o estudo que desconstrói a versão  de mortes decorrentes da vacina reforça a intencionalidade em desinformar no tocante a este caso. 

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Bereia classifica a matéria do site Pleno. News como imprecisa. O site toma como verdade o conteúdo divulgado pela mãe do jovem falecido sem realizar a básica demanda de apurar dados para dar forma à notícia. Além disso, faz uso de título que leva leitores/as a crerem que mãe perdeu filho após ele ter tomado a vacina contra covid-19 e cria pânico em torno da vacinação, sem oferecer dados comprovados, o que pode gerar rejeição à imunização da população. A pesquisa empreendida pelo Bereia leva em conta a dor da mãe que perdeu o filho e busca explicações, mas não encontrou elementos científicos que comprovem que um indivíduo tenha morrido em decorrência da vacina. Bilhões de pessoas já receberam vacinas pelo mundo e os casos de covid-19 têm caído drasticamente, demonstrando a eficácia esperada.

Referências:

Fiocruz. https://agencia.fiocruz.br/anvisa-autoriza-uso-emergencial-da-vacina-da-fiocruz Acesso em: 26 set 2021.

Agência Brasil. https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/saude/audio/2021-03/anvisa-aprova-registro-definitivo-da-vacina-de-oxford Acesso em: 26 set 2021.

Fiocruz. https://portal.fiocruz.br/sites/portal.fiocruz.br/files/documentos/bula-vacina-covid19_bio.pdf Acesso em: 26 set 2021.

YouTube. https://www.youtube.com/playlist?list=PLQ_83_lsoGE6c2nkBKSCJhGpha6FDaYTs Acesso em: 26 set 2021.

The Lancet. https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(21)01693-7/fulltext Acesso em: 23 set 2021. 

Fiocruz. https://portal.fiocruz.br/noticia/risco-de-trombose-por-covid-19-e-maior-do-que-por-vacinas Acesso em: 23 set 2021.  

BBC. https://www.bbc.com/portuguese/internacional-56671034 Acesso em: 22 set 2021.

CNN. https://www.cnnbrasil.com.br/saude/segunda-dose-da-astrazeneca-nao-aumenta-risco-de-coagulos-sanguineos-diz-estudo/ Acesso em: 22 set 2021.

O Globo. https://oglobo.globo.com/saude/segunda-dose-de-vacina-da-astrazeneca-nao-aumenta-risco-de-trombose-mostra-estudo-25129939  Acesso em: 22 set 2021.

Agência Brasil. https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/saude/audio/2021-07/estudo-aponta-que-2a-dose-da-astrazeneca-nao-aumenta-risco-de-trombose Acesso em: 22 set 2021.

El Pais. https://brasil.elpais.com/brasil/2021-05-13/diretor-da-pfizer-escancara-atraso-letal-do-governo-bolsonaro-na-compra-de-vacinas.html Acesso em: 27 set 2021.

Pleno.News. https://pleno.news/saude/coronavirus/estudo-2a-dose-da-astrazeneca-nao-aumenta-risco-de-trombose.html Acesso em: 22 set 2021.

Programa 4 por 4. https://twitter.com/vejaocentro/status/1437404416752111623 Acesso em: 22 set 2021. 

Site gospel divulga que expressão “Glória a Deus! Aleluia” é censurada pelo Facebook

Em 19 de agosto passado, o site gospel de notícias Pleno News repercutiu um post de mídias sociais do Pastor Lucinho Barreto, segundo o qual a expressão religiosa “Glória a Deus! Aleluia” estaria sendo censurada pelo Facebook por ser classificada como discurso de ódio. Em sua postagem, o pastor da Igreja Batista da Lagoinha (Belo Horizonte/MG) reproduziu um print de um vídeo do youtuber Gustavo Gayer, empresário ligado à extrema direita política, que consta entre os investigados no inquérito sobre fake news do Supremo Tribunal Federal.

Reprodução: internet

O vídeo de Gustavo Gayer era uma denuncia de uma mensagem do Facebook que aparecia após usuários registrarem o comentário “Glória a Deus! Aleluia”. Segundo o youtuber, a plataforma registrava: : “É possível que este comentário não siga nossos Padrões de Comunidade – Seu comentário está no Facebook, mas é similar a outros comentários removidos por não seguirem nossos padrões sobre discurso de ódio”. Abaixo aparecem duas opções: “Excluir comentário” ou “Ignorar”. No vídeo, depois de mostrar como outros usuários recebiam a mesma mensagem, Gayer passa a concluir que o Facebook promove perseguição religiosa. Foi esta conclusão de o pastor Lucinho e, depois, o site gospel Pleno News repercutiram.

Fragilidade do sistema de algoritmos

A reportagem do Bereia fez  testes de registro da expressão religiosa em perfis  de outras pessoas que relataram receber a mesma notificação do Facebook que aparece no post de Lucinho. Não foi recebida a notificação em qualquer dos testes de notificação. Ainda assim, Bereia entrou em contato com pessoas quais comentários de “Glória a Deus! Aleluia” foram classificados como discurso de ódio e confirmou que tal restrição da plataforma de fato ocorreu. Portanto, a restrição do Facebook com a classificação de “discurso de ódio” ocorreu para alguns usuários e não para outros, indicando que não havia um padrão definitivo aplicado para a expressão.

Para entender melhor o que pode ter levado a essa classificação, Bereia entrevistou o doutorando em Ciências Humanas e Sociais na Universidade Federal do ABC (UFABC) Tarcízio da Silva, cuja pesquisa tem como título “Dados, Algoritmos e Racialização em Plataformas Digitais”. Para ele, o caso é mais um exemplo da fragilidade dos sistema de moderação do Facebook. A empresa de Mark Zuckerberg não é a única a sofrer críticas a respeito de erros em seu sistema. O Twitter, por exemplo, já foi criticado (e confirmou as suspeitas de usuários) de que seu algoritmo privilegia pessoas brancas nos recortes de fotografias. “Seja realizado por algoritmos, por moderação individual humana ou por táticas comuns mistas, a moderação pode errar de diferentes modos.  O ponto chave da questão parece ser a falta de transparência do Facebook que permite este tipo de interpretação do problema realizada pelo pastor em questão.”

O pesquisador esclarece que, para se ter certeza do porquê e como os algoritmos do Facebook erraram a classificação em questão, a empresa deveria dar aos usuários acesso aos dados e decisões sobre o assunto. “Porém, estes dados e decisões não são fornecidos à sociedade civil e são usados argumentos de ‘segredo de negócio’ e similares. Na prática, significa que grupos como Facebook (que também detém Instagram e Whatsapp), Google e outras possuem discricionariedade para modular a esfera pública de debate de acordo com seus objetivos de negócio.”

Nesse sentido, poderiam ser feitas diversas questões sobre a moderação. “Qual a composição demográfica de moderadores humanos? Qual o percentual de moderação realizada semi-automaticamente por algoritmos e manualmente por humanos? Qual o percentual de cada tipo de discurso de ódio entre as publicações deletadas ou restringidas? Quais termos e categorias influenciam positivamente ou negativamente a circulação de conteúdos na plataforma? Qual o peso de ações passadas dos usuários para que um conteúdo seja bloqueado? Poderia aqui listar dezenas de questões similares que influenciam práticas de moderação e não são respondidas pela empresa.”, explica o pesquisador.

Tarcízio da Silva comenta que novas iniciativas de transparência por parte do Facebook apresentaram, limitações e contradições. Um exemplo são os relatórios da rede sobre conteúdos mais compartilhados. Em 18 de agosto passado, o Facebook tinha disponibilizado um relatório argumentando que memes eram os conteúdos mais populares na rede. No entanto,dois dias depois o jornal New York Times publicou uma matéria afirmando que um relatório anterior da empresa apontava outras tendências – de que desinformação sobre a pandemia e conteúdos polêmicos sobre políticas eram a principal fonte de interação na rede. A veracidade do relatório anterior (que não estava público antes da matéria do Times) foi confirmada pelo Facebook.

“Então destaco que é um risco enorme não supervisionar socialmente o Facebook, pois a falta de informações e transparência abre um leque de interpretações possíveis sobre inclinações políticas ou ideológicas da empresa que são ainda mais nocivas e radicalizam alguns grupos. O poder concentrado pelo oligopólio das grandes empresas globais de tecnologia (Facebook, Google, Apple, Amazon, Microsoft) ameaça a própria democracia e avanços humanísticos do último século”, afirma Tarcízio da Silva.

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Bereia reconhece como verdadeira a existência da classificação por parte do Facebook, no entanto classifica como enganoso afirmar que esse caso seja uma “prova” de perseguição religiosa pela plataforma. Três motivos levam à avaliação do Bereia: a classificação não impediu o comentário religioso de ser postado; nem todos os usuários receberam a notificação ao publicar a mesma frase; a falta de transparência do Facebook torna impossível identificar qual é exatamente o motivo pela qual a rede fez essa classificação errada (afinal, uma expressão religiosa de louvor à divindade sem juízo de valor não é discurso de ódio. Sem esta última evidência, não é possível concluir que haja uma perseguição religiosa intencional por parte da empresa como a matéria do Pleno News quer fazer crer. Pleno News simplesmente reproduz o que o Pastor Lucinho diz sem produzir uma verificação, o que fere os princípios do jornalismo que se propõe a informar. O Pastor Lucinho, por sua vez, reproduziu sem conferir, o que o youtuber Gustavo Gayer divulgou, mesmo sabendo que este dissemina fake news, estando entre investigados por estes atos. 

Como Bereia observa em várias matérias que produziu, este tipo de publicação serve para alimentar pânico entre religiosos, com a ideia de que existe uma perseguição articulada contra cristãos. Isto é falso e tem sido usado como arma política.

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Referências:

Aos Fatos. https://www.aosfatos.org/noticias/canais-de-youtube-alvos-do-stf-estao-entre-os-mais-compartilhados-em-grupos-bolsonaristas-no-whatsapp/. Acesso em: [30 ago 2021].

UOL. https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2021/05/20/twitter-detalha-como-seu-algoritmo-privilegia-pessoas-brancas-em-fotos.htm. Acesso em: [26 ago 2021].

UOL. https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2021/03/11/apos-ter-algoritmo-acusado-de-racismo-twitter-muda-recorte-de-fotos.htm. Acesso em: [26 ago 2021].

Engadget. https://www.engadget.com/facebook-q-1-widely-viewed-content-report-175024538.html. Acesso em: [26 ago 2021].

Engadget. https://www.engadget.com/facebook-widely-viewed-content-170843073.html. Acesso em: [28 ago 2021].NY Times. https://www.nytimes.com/2021/08/20/technology/facebook-popular-posts.html. Acesso em: [28 ago 2021].

Site gospel repercute afirmação falsa de Bolsonaro contra STF e ministro Barroso

O site de notícias do Grupo MK Comunicação, Pleno News, repercutiu em matéria uma fala do presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido), que levanta acusações contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e o ministro do órgão Luis Roberto Barroso. Durante evento com empresários em Joinville (SC), em 6 de agosto, Bolsonaro afirmou: “Barroso quer que nossas filhas e netas de 12 anos tenham relações sexuais”, aludindo a uma possível posição do ministro pela redução da idade para se considerar estupro de vulnerável.  

Reprodução da internet

Na matéria, Pleno News reporta que Bolsonaro criticou o presidente do STF, Luis Fux, estaria desinformado ao acompanhar notícias do governo pela mídia; e que o ministro da corte Luis Roberto Barroso seria favorável ao aborto, à legalização das drogas e à redução da idade para estupro de vulnerável, supostamente permitindo que jovens de 12 anos pudessem fazer sexo com adultos sem ser configurado crime. A matéria não apresenta a versão de Barroso ou do STF para as afirmações de Bolsonaro, nem indica que procurou os envolvidos para isso.

O contexto da fala do presidente

Esta fala de Bolsonaro se dá num momento de tensão com o STF e com o Tribunal Superior Eleitoral. Em 2 de agosto, O TSE havia aprovado, por unanimidade, duas medidas decorrentes dos ataques recentes do presidente Jair Bolsonaro ao sistema eleitoral brasileiro. A corte decidiu enviar ao STF notícia-crime contra o presidente por divulgação de fake news. Também encaminhou a instauração de inquérito administrativo para investigar ataques contra o sistema eletrônico de votação e à legitimidade das eleições em 2022.

A notícia-crime foi proposta ao TSE pelo presidente da corte, ministro Luís Roberto Barroso, alvo de Bolsonaro nas semanas anteriores. A peça é baseada na live feita pelo presidente dias antes, em que prometeu apresentar provas sobre a insegurança do sistema eleitoral brasileiro, mas limitou-se a ilações desmentidas em tempo real pelo TSE.

No pedido, Barroso sugere ao STF a apuração de possível conduta criminosa relacionada ao objeto do Inquérito 4.781, que investiga fake news e ameaças ao Supremo Tribunal Federal. A relatoria deste procedimento é do ministro Alexandre de Moraes, que também integra o TSE e presidirá a corte durante as Eleições de 2022. 

Já o inquérito administrativo foi proposto em portaria assinada pelo ministro corregedor-geral da Justiça Eleitoral Luís Felipe Salomão, e tem o objetivo de apurar fatos que possam configurar crimes eleitorais relativos aos ataques contra o sistema eletrônico de votação e à legitimidade das eleições em 2022.

Afirmação já desmentida

Não foi a primeira vez que Bolsonaro fez afirmação com este conteúdo contra o ministro Luis Roberto Barroso. O STF já havia publicado matéria em seu site, em julho, como parte da série #VerdadesdoSTF”, intitulada “É falso que Barroso defenda redução da maioridade para estupro de vulnerável”. No texto, o STF expõe que o presidente da República afirmou, erroneamente, que ministro defende a redução da maioridade para estupro de vulneráveis e que isso beira a defesa da pedofilia. O texto explica que, em julgamento de três anos atrás, 2017, Barroso fez justamente o contrário: votou para manter ação penal contra jovem de 18 anos acusado de manter relações com menina de 13 anos. “Em seu voto, o ministro considerou que, embora os autos trouxessem elementos de consentimento da suposta vítima, o fato de ela ser menor de 14 anos justificava a continuidade do processo, em nome da proteção da infância e da adolescência”, diz o texto. 

A estratégia do pânico moral

A fala de Bolsonaro e sua consequente repercussão em mídias evangélicas em tom fundamentalista não é novidade. A prática de levantar um tema relativo à sexualidade como forma de desqualificar alguém que é apontado como opositor não é gratuita. 

Conforme o coordenador do Grupo de Pesquisa Corpo, Identidade Social e Estética da Existência da Universidade Federal de São Carlos-SP Ricardo Miskolci, a estratégia do pânico moral e de permanente enfrentamento de com inimigos, é comum em embates políticos. Serve a “gerar insegurança e promover afetos. Pânicos morais são fenômenos que emergem em situações nas quais sociedades reagem a determinadas circunstâncias e a identidades sociais que presumem representarem alguma forma de perigo. São a forma como a mídia, a opinião pública e os agentes de controle social reagem a determinados rompimentos de padrões normativos e, ao se sentirem ameaçados, tendem a concordar que ‘algo deveria ser feito’ a respeito dessas circunstâncias e dessas identidades sociais ameaçadoras. O pânico moral fica plenamente caracterizado quando a preocupação aumenta em desproporção ao perigo real e geral.” 

O pesquisador de Literatura Americana e Religião da Universidade de Victoria (Inglaterra) Christopher Douglas  complementa: “Para isso movimentos fundamentalistas articulam amplo recurso às mídias em todos os formatos, tradicionais e digitais, com farto uso de desinformação, em especial de fake news, para alimentação do pânico moral e para interferência nas pautas políticas”

A partir da aglutinação da base em torno do voto impresso, associar o oponente da vez (o ministro do Tribunal Superior Eleitoral, responsável pelas eleições) a uma tentativa de afronta à família seria mais um exemplo da utilização do pânico moral com fins materiais – e políticos.

A tensão com o STF

Para além da mobilização de sua base, os pronunciamentos do presidente da República provocam tensionamento entre os poderes Executivo e Judiciário. Bereia ouviu o jurista, professor de Direito Internacional da Universidade de Brasília e ex-Ministro da Justiça Eugênio Aragão para avaliar tal cenário e suas possíveis consequências para o país. 

“O país está vivenciando um clima de esgarçamento de seu tecido institucional. Bolsonaro é mera consequência. Ele usa a agressão às instituições como método de governo”. Ainda segundo Aragão, “Bolsonaro usa a técnica de choque para atrair atenção. Está em evidente desespero diante das pífias perspectivas eleitorais. Entrar nesse conflito só atende aos objetivos dele. Por isso se explica a relativa timidez das reações. Ao mesmo tempo, ao subir o tom, Bolsonaro não pode achar que ficará sem resposta. Essa foi dada de forma institucional. O pedido para investigá-lo pelas agressões foi feito pela unanimidade dos ministros do TSE”.

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Com base nas apurações, Bereia conclui que a matéria do site Pleno News é falsa. Apesar de ser fiel ao que o presidente da República proferiu em evento, as declarações proferidas por Bolsonaro são falsas. Se o site gospel optou por construir matéria com a fala do presidente, o compromisso com a informação deveria ter levado o veículo a reportar que não era a primeira vez que ele se referia ao ministro do STF com tal conteúdo e que o STF já havia publicado um desmentido oficial no mês anterior.   Com esta prática, Pleno News apenas reproduz o conteúdo falso, fabricado pelo presidente, portanto desinforma, e ainda denota propaganda contrária ao STF em formato de notícia.

Referências:

Youtube. https://youtu.be/l_ItjPbqX-Y?t=25 Acesso em: [11 ago 2021]

Consultor Jurídico. https://www.conjur.com.br/2021-ago-02/tse-instaura-inquerito-envia-noticia-crime-stf-bolsonaro Acesso em: [13 ago 2021]

Consultor Jurídico. https://www.conjur.com.br/2021-ago-02/barroso-alerta-clima-antidemocratico-defende-urna-eletronica Acesso em: [13 ago 2021]

Consultor Jurídico. https://www.conjur.com.br/2021-jul-29/tse-desmente-tempo-real-teorias-conspiracao-bolsonaro Acesso em: [13 ago 2021]

Supremo Tribunal Federal. http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=469135&ori=1 Acesso em: [11 ago 2021]

Fundamentalismo, crise da democracia e ameaças aos direitos humanos na América do Sul: tendências e desafios para a ação. https://kn.org.br/wp-content/uploads/2020/10/FundamentalismosPT-1.pdf Acesso em: [11 ago 2021]

Pleno News desinforma sobre pobreza no Brasil

O portal de notícias Pleno News indicou em texto de 23 de maio de 2021, que “Brasil e Panamá são únicos (países) latinos a reduzir pobreza”. 

A informação se valia de uma suposta notícia do portal da BBC de Londres. A matéria, na verdade, estava no portal “BBC News Mundo”, divisão em espanhol do portal BBC, e se valia de um estudo da Comissão Econômica Para a América Latina (CEPAL). No entanto, o estudo não apresenta dados sobre 2020-2021, apenas projeções.

O Estudo Original

A notícia do Pleno News se baseia em uma notícia veiculada pela BBC News Mundo, publicada no dia 20 de maio de 2021. O texto usava como dados estudo publicado pelo CEPAL em que se analisava os índices de pobreza, extrema pobreza, mercado de trabalho e outras variantes para a América Latina. A informação de que Brasil e Panamá reduziram pobreza foi exibida da seguinte maneira:

“O paradoxo do Brasil e Panamá – os únicos países onde se diminuiu a extrema pobreza foram Brasil e Panamá. Enquanto no Brasil a extrema pobreza caiu de 5,5% para 1,4%, no Panamá se registrou uma diminuição de 6,6% para 6,4%. Fonte: Projeção Cepal (Comparação 2029-2020).”

Há dois problemas na notícia original. O primeiro é a data de comparação: o estudo original compara de 2019-2020 (na notícia se escreveu 2029-2020, o que provavelmente constitui erro de digitação). O segundo diz respeito ao caráter do estudo: originalmente oi publicado no site do CEPAL em março de 2021, porém foi finalizado em 2020, usando dados de 2014-2019. Logo, não haviam dados sobre a situação da pandemia no mundo, uma vez que esta acometeu o país a partir de março de 2020, período não contabilizado no levantamento.

Quadro original que indica as projeções de pobreza e extrema pobreza em 2020, com base em 2019. Página 85 do estudo.

Um comunicado à imprensa no site do CEPAL, em 4 de março, no entanto, desfaz as projeções iniciais: no informe nota-se que a pobreza e a pobreza extrema aumentaram na América Latina como um todo e não é feita nenhuma menção em particular ao Brasil. 

Pobreza no Brasil

Diferentemente do que a notícia do Pleno News afirma em seu primeiro parágrafo, a extrema pobreza no Brasil aumentou durante a pandemia. Dados recentes, divulgados pela FGV Social, informam o aumento da pobreza e da desigualdade nos últimos quatro anos (2018 – 2021). O estudo “Qual foi o impacto da crise sobre a pobreza e a distribuição de renda?”, baseado em dados do IBGE, mostra que 23,3 milhões de pessoas vivem abaixo da linha de pobreza (R$ 232,00 por mês), equivalente a 11,2% da população. “A miséria subiu 33% nos últimos 4 anos. Foram 6,3 milhões de novos pobres”, relata a FGV Social.

Outros portais compartilharam a informação enganosa

A pesquisa do Bereia para esta matéria levantou que a notícia de que Brasil e Panamá reduziram a extrema pobreza foi replicada em outros portais, como o Terra Brasil Notícias, A Província do Pará, ContraFatos e o Focus.Jor – as referências usadas eram a notícia da BBC News Mundo, o estudo do CEPAL ou o próprio Pleno News. Todos, no entanto, seguiam a mesma lógica de tratar como realidade a projeção do CEPAL. A notícia dada pela Agência Brasil no dia 4 de março se destaca como cobertura jornalística que não corroborou a desinformação.

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Bereia classifica a notícia publicada pelo Pleno News como enganosa, a fim de levar leitores e leitoras a crerem que há políticas bem sucedidas na área da economia pelo governo do Brasil. O dado que embasa a matéria não diz respeito a uma queda na extrema pobreza, mas a uma projeção feita a partir de dados anteriores à pandemia, o que não foi contextualizado pelo portal de notícias. A desinformação encontra terreno mais fértil para proliferar com a ausência de estudos robustos como o do IBGE, cujo corte no orçamento inviabilizou a realização plena de pesquisas atualizadas sobre o dado.

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Referências

BBC,

https://www.bbc.com/mundo/noticias-57165791. Acesso em 27 de maio de 2021. 

CEPAL, https://www.cepal.org/sites/default/files/publication/files/46687/S2100150_es.pdf. Acesso em 1º de junho de 2021.

CEPAL, https://www.cepal.org/es/publicaciones/46687-panorama-social-america-latina-2020. Acesso em 27 de maio de 2021.

CEPAL, https://www.cepal.org/pt-br/comunicados/pandemia-provoca-aumento-niveis-pobreza-sem-precedentes-ultimas-decadas-tem-forte. Acesso em 1º de junho de 2021.

FGV Social, https://cps.fgv.br/. Acesso em 1º de junho 2021.

FGV Social, https://cps.fgv.br/fgv-social-divulga-dados-ineditos-sobre-o-aumento-da-pobreza-e-da-desigualdade. Acesso em 1º de junho de 2021.


Agência Brasil, https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2021-03/pandemia-de-covid-19-eleva-indices-de-pobreza-na-america-latina. Acesso em 1º de junho de 2021.

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Foto de Capa: Cristiano Mariz

Discurso de Damares à ONU engana a respeito de ações do Governo na pandemia

Por meio de um pronunciamento gravado, a Ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos Damares Alves participou da reunião do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU) em 22 de fevereiro. O portal gospel Pleno News noticiou o evento e destacou a afirmação da ministra em defesa da família. No entanto, a matéria não aponta a desinformação contida no discurso de Damares Alves, que abordou desde o combate à pandemia até o orçamento para os direitos das mulheres.

O governo não apresentou planos estruturados contra da covid-19

Logo na abertura de seu discurso, a ministra afirmou: “A Covid-19 impôs ao mundo inteiro grandes desafios na área dos direitos humanos, especialmente entre os grupos mais vulneráveis. Para enfrentar essa realidade, o governo brasileiro apresentou planos de contingência estruturados nos eixos saúde, proteção social e proteção econômica.”

De fato, a pandemia atinge com maior gravidade grupos mais vulneráveis. Uma nota técnica publicada em maio de 2020 pelo Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde (NOIS), que reúne acadêmicos da PUC-Rio, FioCruz, USP e IDOR,  concluiu que a taxa de letalidade da covid-19 é maior entre pretos e pardos em relação aos brancos. O estudo levou em conta cerca de 30 mil casos encerrados, ou seja, que já tiveram desfecho: óbito ou recuperação (alta). Destes, 37,9% dos brancos faleceram. Essa taxa sobe para 54,7% entre pretos e pardos. Essa taxa também é maior conforme o grau de escolaridade das pessoas diminui. Cerca de sete em cada dez dos casos daqueles sem escolaridade terminaram em óbitos. Entre aqueles com Ensino Superior, o índice cai para 22,5%. .

No entanto, apesar do Governo Federal ter custeado até dezembro de 2020 o Auxílio Emergencial, promovido o Programa de Manutenção do Emprego e Renda, não houve um plano estruturado para o combate à pandemia. Pelo contrário, o presidente Jair Bolsonaro minimizou diversas vezes a gravidade da doença em prol da prioridade às  atividades econômicas. Além disso, o presidente também agiu contra a vacinação no país.. 

Bereia já havia verificado como falsa a afirmação – repetida pelo próprio presidente – de que o Supremo Tribunal Federal teria impedido o Governo Federal de agir contra a pandemia. O STF determinou que União, Estados e Municípios têm responsabilidade concorrente diante da crise sanitária.

Cestas básicas citadas pela ministra são cumprimento de obrigação (e não iniciativa) do Governo

No pronunciamento à reunião da ONU, Damares Alves citou que mais de 700 mil cestas básicas foram distribuídas para indígenas e quilombolas. Entretanto, em setembro de 2020, a Justiça Federal exigiu do Governo a distribuição de cestas básicas e kits de higene para indígenas do médio do Xingu, no Pará, por parte da Fundação Nacional do Índio (Funai) e Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) enquanto durar a pandemia. 

À reportagem da Rádio Agência, a Funai esclareceu que cumpriria a decisão depois da apresentação de alguns critérios de identificação pelo juiz federal. A Fundação afirmou que já faz ações do tipo. De fato, entregas de cestas básicas e kits de higiene fazem parte do Plano de Enfrentamento e Monitoramento da Covid-19. O plano revisado foi entregue em setembro ao STF por determinação do ministro Luís Roberto Barroso. A versão, no entanto, não foi homologada por Barroso, que demandou um novo plano. Entre os argumentos da negativa está a consideração, por parte do ministro, que a redação foi genérica e vaga. 

Apenas 2,7% do valor empenhado às políticas para mulheres foi gasto

Damares Alves também disse à ONU que o orçamento de 2020 para os direitos das mulheres foi o maior dos últimos cinco anos. É o que divulga o site do Governo Federal sobre o trabalho da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres (SNPM). No entanto, um levantamento da agência Gênero e Número aponta que apenas 2,7% do valor empenhado para o Direitos das Mulheres foram gastos pelo governo.

Nesse sentido, destaca-se o baixo investimento na Casa da Mulher Brasileira. O levantamento da Gênero e Número mostra que de R$ 61 milhões de reais empenhados foram gastos apenas R$ 66 mil, pouco mais de 0,1% Em junho de 2020, um pronunciamento do Governo Federal explicou que a execução de verba só tinha sido autorizada em maio daquele ano por conta da pandemia.

Um estudo da consultoria da Câmara dos Deputados, divulgado em junho, apontou que o Governo tinha gastado, até aquele momento, apenas R$ 5,6 milhões dos R$ 126,4 milhões previstos para políticas direcionadas aos direitos das mulheres, menos de 5%. A situação estava no contexto de um aumento de denúncias de violência contra mulher. Abril de 2020 apresentou um aumento de 35% dessas denúncias em relação ao mesmo mês do ano anterior.

Defesa dos idosos e vacinação

A matéria do site gospel Pleno News ainda relata que a ministra destacou ações pelos idosos, como combate à violência e prioridade na vacinação no contra covid-19. É verdade que os números de denúncias de violência a idosos aumentaram. Dados obtidos via Lei de Acesso à Informação demonstram que foram feitas 25.533 denúncias ao Disque 100 entre março e junho de 2020. Esse número representa um aumento de 59% em relação ao mesmo período do ano passado. 

Além disso, é também verdadeiro que o Governo Federal agiu para investigar e punir a violência contra idosos. A fala da ministra se refere à Operação Vetus, uma cooperação do Ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos e do Ministério da Justiça e Segurança Pública. A ação aconteceu no DF e nos 26 estados e desde o início, em 1 de outubro, até 4 de dezembro, 567 pessoas foram detidas.

Já sobre a prioridade na vacinação contra a covid-19, idosos, de fato, fazem parte dos grupos prioritários, como divulgou o Ministério da Saúde, seguindo as orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS). A ordem pela qual os diferentes perfis de idosos (por idade, por exemplo) serão imunizados fica a cargo de estados e municípios. 

A prioridade aos idosos tem sido padrão em outros países que já iniciaram a vacinação. No Reino Unido, profissionais de casas de cuidados com este grupo de pessoas são a primeira prioridade, seguidos daqueles com 80 anos ou mais e os profissionais de saúde e assistência social. Os próximos da fila são outros grupos de idosos. Israel também priorizou idosos, como mostram os dados coletados pelo Our World In Data.

O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos recomenda que profissionais de saúde e de asilos sejam a primeira prioridade, seguidos de profissionais de atividades essenciais e pessoas com 75 anos ou mais. Nos EUA, cada estados define seu próprio plano de vacinação. Fica não-dito no pronunciamento da ministra, a não priorização da compra de vacinas por parte do governo do Brasil, que centralizou o processo e não tem um plano efetivo, diferentemente de outros países

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Bereia conclui que a matéria do site Pleno News é enganosa ao tratar do discurso da ministra Damares Alves. O texto apenas reproduz o que disse a ministra sem verificar se o pronunciamento condiz com as ações do governo federal. É verdadeiro que tem havido combate à violência contra idosos e que há prioridade a essa parcela da população na campanha de vacinação, o que significa seguir as orientações da Organização Mundial de Saúde, o que tem já sido feito por muitos países.

Por outro lado, é impreciso afirmar que o governo federal foi responsável pela distribuição de kits de higiene e cestas básicas para indígenas, sem considerar que uma parcela dessas ações estiveram negligenciadas e, por isso, foram determinadas pela Justiça. Além disso, o plano da Funai para combate à covid foi mal elaborado e não foi homologado pelo STF.

De igual forma, as afirmações de Damares Alves quanto ao investimento pelos direitos das mulheres e sobre a iniciativa estruturada do Governo Federal contra a pandemia não se sustentam – a primeira pode ser confrontada com dados oficiais do próprio Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos  e a segunda, pela postura do presidente Jair Bolsonaro, que minimiza permanentemente a gravidade da situação e tem agido contra a vacinação.

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Foto de Capa: Print do vídeo/Reprodução

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Referências

Carla Zambelli (Youtube), https://www.youtube.com/watch?v=DQAeheOMDFA&feature=emb_logo. Acesso em: 25 de fevereiro de 2021.

Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde (NOIS), https://drive.google.com/file/d/1tSU7mV4OPnLRFMMY47JIXZgzkklvkydO/view. Acesso em: 25 de fevereiro de 2021.

Caixa Econômica Federal, https://www.caixa.gov.br/auxilio/PAGINAS/DEFAULT2.ASPX. Acesso em: 25 de fevereiro de 2021.

Ministério da Economia, https://servicos.mte.gov.br/bem/. Acesso em: 25 de fevereiro de 2021.

O Estado de São Paulo, https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,maricas-histeria-nao-sou-coveiro-relembre-frases-de-bolsonaro-sobre-a-covid-19,70003509925. Acesso em: 25 de fevereiro de 2021.

Revista Piauí, https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-sabotador/. Acesso em: 25 de fevereiro de 2021.

Bereia, https://coletivobereia.com.br/site-gospel-desinforma-ao-noticiar-que-cidades-ignoram-decreto-presidencial-sobre-abertura-de-igrejas/. Acesso em: 25 de fevereiro de 2021.

Agência Brasil, https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/geral/audio/2020-09/justica-determina-distribuicao-de-cestas-basicas-indigenas-no-para. Acesso em: 25 de fevereiro de 2021.

Governo Federal, https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2020-2/setembro/PlanoREVISADO1.pdf. Acesso em: 25 de fevereiro de 2021.

STF, http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=453860. Acesso em: 25 de fevereiro de 2021.

Governo Federal, https://www.gov.br/pt-br/noticias/assistencia-social/2021/01/atual-gestao-investe-em-politicas-para-as-mulheres-mais-do-que-os-cinco-anos-anteriores. Acesso em: 25 de fevereiro de 2021.

Gênero e Número, http://www.generonumero.media/orcamento-damares-2020-mulheres-lgbt/. Acesso em: 25 de fevereiro de 2021.

Governo Federal, https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2020-2/junho/orcamento-destinado-a-casa-da-mulher-brasileira-cresce-mais-de-200-em-2020. Acesso em 25 de fevereiro de 2021.

Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira, https://www2.camara.leg.br/orcamento-da-uniao/estudos/2020/ET16_Violncia_MUlher.pdf. Acesso em: 25 de fevereiro de 2021.

G1, https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/10/29/cresce-59percent-o-numero-de-denuncias-de-violencia-contra-o-idoso-no-brasil-durante-a-pandemia-da-covid-19.ghtml. Acesso em: 01 de março de 2021.

G1, https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2020/12/04/operacao-combate-crimes-de-violencia-contra-idosos-em-todo-pais.ghtml. Acesso em: 01 de março de 2021.

Governo Federal, https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/entenda-a-ordem-de-vacinacao-contra-a-covid-19-entre-os-grupos-prioritarios. Acesso em: 01 de março de 2021.

Nações Unidas, https://news.un.org/pt/story/2020/12/1735372. Aceso em: 02 de março de 2021.

Gov. UK, https://www.gov.uk/government/publications/covid-19-vaccination-care-home-and-healthcare-settings-posters/covid-19-vaccination-first-phase-priority-groups. Acesso em: 01 de março de 2021.

Our World In Data, https://ourworldindata.org/vaccination-israel-impact. Acesso em: 01 de março de 2021.

CDC, https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/vaccines/recommendations.html. 01 de março de 2021.

Marcelo Crivella e deputado federal apoiador proferem mentiras na campanha para Prefeitura do Rio

Dois vídeos com conteúdo falso estão sendo utilizados, desde 19 de novembro, em mídias sociais e sites gospel, pela campanha de reeleição do bispo da Igreja Universal do Reino de Deus Marcelo Crivella (Republicanos) à Prefeitura do Rio de Janeiro.

Um deles é a gravação de uma transmissão ao vivo, na manhã de 19 de novembro, na qual Marcelo Crivella aparece sentado a uma mesa, conversando em com o deputado federal, vinculado às Assembleias de Deus, Otoni de Paula (PSC/RJ).

Foto: Reprodução de vídeo/Twitter

Na conversa, o atual prefeito do Rio Marcelo Crivella afirma que se o seu concorrente no segundo turno das eleições, Eduardo Paes (DEM), vencer o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) será responsável pela educação pública e levará “a pedofilia para as escolas infantis da cidade”. A declaração é confirmada por Otoni de Paula, que diz “já está negociando [a secretaria de educação]… é o que a gente está sabendo”.

Na gravação, Crivella cita Jair Bolsonaro, ao afirmar que o presidente tem um inimigo que, se pudesse, lhe daria outra facada. “Tem um inimigo que queria acabar com Bolsonaro, se pudesse dar outra facada no Bolsonaro, que é o PSOL. O PSOL está com Eduardo Paes. O PSOL, dizem, irá tomar conta da secretaria de Educação”, diz Crivella. “Agora você imagina pedofilia nas escolas. Eu fico imaginando um irmão meu, evangélico, batista, metodista, assembleiano, alguém da Universal, um metodista… imaginando… Jesus disse pra nós que o Reino de Deus é das crianças. Deixar vir a mim os pequeninos porque deles é o Reino dos Céus. Quem recebe uma criança recebe a mim. Jesus se comparou às crianças. E nós vamos aceitar pedofilia na escola, no ensino infantil?”, diz o bispo prefeito. “É o risco que nós estamos correndo se o Eduardo for eleito”, conclui o deputado Otoni de Paula no vídeo.

O deputado do PSC no Rio também publicou vídeo com o mesmo conteúdo em suas mídias sociais. “Estou sabendo que eles [políticos do PSOL] estão negociando, quem sabe, a secretaria de educação e você diz ‘meu Deus, que coisa’. Não, você não tem direito de dizer ‘meu Deus, que coisa’ se você vota no Eduardo Paes [enquanto Otoni de Paula fala, entram imagens de notícias do site Metrópoles e da CBN com o título “Pais reclamam e escola tira livro do deputado Chico Alencar da lista” e “Livro é retirado de escola após pais perceberem que obra é de Chico Alencar”]. Se você é conservador, se você é cristão, e acha normal uma aliança destas do Eduardo com o PSOL vota nele. Só não diga que você não foi avisado depois [entra música com som de terror e a frase “Fontes indicam que a secretaria de educação foi negociada com Freixo e PSOL” seguida de imagem do título de notícia do site Gazeta Brasil “Atendendo pedido do PSOL, STF vai julgar ‘ideologia de gênero’ nas escolas na semana que vem” e da frase “Você sabe o risco que isso significa para nossas crianças?]”. Ao final do vídeo aparece gravação de Jair Bolsonaro, com o crédito “Presidente da República”, em que ele afirma: “Eles querem legalizar a pedofilia, eles querem sexualizar as nossas crianças precocemente nós vamos combater, ou melhor, continuaremos a combater esse tipo de material para os nossos filhos, porque as crianças têm que ser respeitadas em sala de aula [o candidato à presidência mostra o livro que havia citado em campanha e em entrevista no Jornal Nacional à Globo News, em 2018].

Foto: Reprodução de vídeo/Facebook

A transmissão ao vivo divulgada pela campanha de Marcelo Crivella foi matéria do site de notícias Pleno News, que reproduziu o conteúdo sem contextualização, e afirmou, ao final, em duas linhas que “por conta do conteúdo, o PSOL decidiu acionar a Justiça Eleitoral contra Crivella, segundo o colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo” [mídia apontada por Crivella na campanha como um desafeto].

Motivações para o conteúdo

Os dois vídeos da campanha de Marcelo Crivella foram divulgados um dia depois de dois acontecimentos: o primeiro, foi a divulgação, em 18 de novembro, da pesquisa do IBOPE para o segundo turno, que indicou que Eduardo Paes venceria com folga as eleições, com 53% de intenção de votos contra 23% do atual prefeito do Rio.

O segundo foi a nota pública do PSOL, do mesmo 18 de novembro, que proclama “Nenhum voto em Crivella, seguiremos nas ruas e no parlamento defendendo um projeto de esquerda para o povo carioca”. A nota diz que o PSOL, que perdeu o primeiro turno no Rio com a candidata Renata Souza, “não alimenta ilusões com Eduardo Paes” e tece uma série de críticas à gestão dele como prefeito da cidade, por dois mandatos, de 2008 a 2016. O partido afirma, no entanto, que “Marcelo Crivella representa o fundamentalismo religioso o projeto de poder”, portanto, “deve ser derrotado nas urnas”. Nessa posição, o PSOL diz compreender que “o voto em Paes (…) é um veto a Crivella e ao bolsonarismo”.

Reações aos vídeos

Horas depois que os vídeos da campanha de Marcelo Crivella circulavam pelas mídias digitais, o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL/RJ), declarou, em transmissão ao vivo, que o partido entrou com processo contra Marcelo Crivella e Otoni de Paula por acusações caluniosas. Ele nega que haja qualquer negociação com Eduardo Paes por cargos para o partido e fala diretamente a Crivella, a quem classifica como “o pior prefeito do Rio”: “Você vai ser processado, vai responder na Justiça. Isso é o desespero de quem vai tomar uma surra eleitoral. Você vai sair da prefeitura como um ser rastejante. Você é um ser político rastejante, Crivella”.

Foto: Reprodução de vídeo/Instagram

O vereador eleito pelo PSOL Chico Alencar, que aparece como exemplo no vídeo de Otoni de Paula, também denunciou as afirmações do bispo como mentirosas, em seus espaços em mídias sociais.

Foto: Reprodução/Twitter

Já o candidato Eduardo Paes divulgou uma nota em que também afirma que processará o atual prefeito do Rio:

“Na tarde de hoje, o atual prefeito do Rio Marcelo Crivella fez uma declaração pública de que um acordo meu com o Psol, garantiria a eles a secretaria de Educação e que este fato levaria à promoção de pedofilia nas escolas e que por isso, representaria um risco para as nossas crianças. Em primeiro lugar, não há qualquer acordo político, nem troca de cargos com o Psol, nem de minha parte, nem da deles e, esta atitude reflete o desespero dele com a crescente perspectiva de derrota nas urnas, mas não imaginava que seria capaz de ir tão longe na baixeza e na mentira. Ele será processado eleitoral, cível e criminalmente por essa gravíssima e mentirosa acusação”

Eduardo Paes

As mentiras proferidas por Marcelo Crivella e Otoni de Paula

Desde a campanha eleitoral de 2018, candidatos que buscam apoio de eleitores religiosos recorrem a conteúdo falso e ao pânico moral (terrorismo verbal produzido para criar aversão social a pessoa ou grupo) com base em temas relacionados à sexualidade humana, ao que é denominado “defesa da família tradicional” aliado a “proteção das crianças nas escolas”, e ao enganoso conceito de “ideologia de gênero”.

Bereia já publicou matéria sobre debate entre os candidatos à prefeitura do Rio no primeiro turno, quando Crivella já havia usado de conteúdo falso sobre o PSOL ao dirigir-se à candidata do partido, Renata Souza. Naquele debate, Crivella lançou mão do argumento do “kit gay nas escolas” a ser implantado pelo PSOL, caso vencesse a eleição. Foi a repetição da falsidade disseminada pela campanha de Jair Bolsonaro à Presidência, em 2018.

Apesar de recorrentes em discursos de políticos e religiosos bolsonaristas, o chamado “kit gay” nunca existiu, bem como é falsa a noção de “ideologia de gênero”, como já foi tratado em matérias do Coletivo Bereia. O tema da pedofilia também aparece em muitos conteúdos desinformativos dirigidos a grupos religiosos, tendo sido utilizado como pânico moral até mesmo pela ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos Damares Alves. O tema é facilmente assimilado pelo público em geral pois muitas pessoas desconhecem o que é a pedofilia de fato.

Sobre a gravação de Jair Bolsonaro utilizada no vídeo do deputado Otoni de Paula, trata-se de vídeo da campanha à Presidência da República em 2018. Na peça, distribuída em mídias sociais em agosto daquele ano, o discurso é dirigido contra o candidato opositor Fernando Haddad, incluindo crítica ao Partido dos Trabalhadores (PT) e às esquerdas, e não especificamente ao PSOL, como Otoni de Paula quer fazer crer. Isto já caracteriza o vídeo do apoiador de Marcelo Crivella como conteúdo enganoso, pois faz parecer que foi produzido por Jair Bolsonaro neste momento da campanha para Prefeituras.

O livro que Jair Bolsonaro mostra na gravação é “Aparelho Sexual e Cia – Um guia inusitado para crianças descoladas”, publicado no Brasil pela Companhia das Letras, de autoria dos educadores da Suíça e França, Phillipe Chappuis, com o coidinome ZEP e Hélène Bruller. A obra publicada pela Companhia das Letras é destinada à crianças e jovens de 11 a 15 anos, e não para crianças a partir de 6 anos, como circulou nas mídias sociais da época e foi reforçado por Jair Bolsonaro em entrevistas ao Jornal Nacional (Rede Globo) e Globo News, em 28 de agosto de 2018.

Bolsonaro afirmava que o livro foi comprado pelo Ministério da Educação para distribuição em escolas, o que nunca ocorreu, tanto que o PT entrou com representação contra a campanha de Jair Bolsonaro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que resultou na decretação, pelo órgão, de que o “kit gay” não existe e ainda a suspensão de links de sites e mídias sociais com a expressão “kit gay”, usados pela campanha de Bolsonaro para atacar o candidato do PT, Fernando Haddad. 

Bolsonaro foi proibido, de acordo com a sentença, de compartilhar este conteúdo, pois ele foi classificado, pela justiça, como notícia falsa. Nesse quadro, entendem comprovada a difusão de fato sabidamente inverídico, pelo candidato representado e por seus apoiadores, em diversas postagens efetuadas em redes sociais, requerendo liminarmente a remoção de conteúdo. Assim, a difusão da informação equivocada de que o livro em questão teria sido distribuído pelo MEC gera desinformação no período eleitoral, com prejuízo ao debate político”, concluiu o ministro do TSE Carlos Horbach, que assinou a sentença.

Em 2020, a campanha de Marcelo Crivella faz uso do mesmo material proibido pela justiça como se fosse atual. Otoni de Paula, que produziu o novo vídeo, é investigado no inquérito das fake news do Supremo Tribunal Federal (STF), e já foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República pelos crimes de difamação, injúria e coação por ter xingado o ministro do STF Alexandre de Moraes, relator do inquérito.

O prefeito do Rio recorre, ainda, às mentiras que relacionam o PSOL ao atentado a faca sofrido por Jair Bolsonaro em 2018, tema que também já foi tratado em matéria do Coletivo Bereia.

Especialistas avaliam o caso dos vídeos

Por que Marcelo Crivella usa de mentiras para atacar o PSOL que perdeu o primeiro turno das eleições para a Prefeitura do Rio? Bereia ouviu dois especialistas do Rio que estudam a relação entre política e religião.

A antropóloga pesquisadora do ISER (Instituto de Estudos da Religião) e do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional/UFRJ Livia Reis avalia que “por mais que o kit gay seja um projeto relacionado ao PT, como um nome pejorativo do projeto Escola Sem Homofobia ligado ao Fernando Haddad (ex-ministro da educação), o PSOL é um partido que se destaca por defender as pautas identitárias mais incisivamente. A questão da pedofilia é relacionada por estes políticos, que se denominam conservadores, à questão sobre a identidade de gênero, somada à discussão sobre direitos sexuais e reprodutivos. Eles compreendem que tratar destes temas sexualiza as crianças e abre um precedente para a prática de pedofilia”.

Livia Reis recorda que o PSOL foi o autor da ação no Supremo Tribunal Federal (ADI 5668) sobre a garantia de que o enfrentamento da homofobia aconteça nas escolas, com base no Plano Nacional de Educação [tema de matéria do Coletivo Bereia]. O que se soma à nota do PSOL chamando ao “não voto em Crivella.

A pesquisadora avalia que “como o PSOL foi o partido de esquerda que mais cresceu na Câmara Municipal do Rio nestas eleições, passa a ter sete vereadores, deverá ter uma atuação contundente na próxima gestão e se torna, então, um partido a ser atacado mesmo. Apesar de todos estes temas estarem relacionados ao PT também, é possível inferir que o PSOL se torna alvo de ataques porque cresceu em visibilidade e aumentou o número de vereadores na Câmara”.

Já o sociólogo pesquisador do Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde da UFRJ Alexandre Brasil Fonseca avalia que “com alto nível de rejeição, parece que a campanha de Crivella optou por entrar na linha do tudo ou nada. A estratégia escolhida tem parentesco com muitas dos conteúdos e dos imaginários utilizados na campanha de Bolsonaro de 2018. Com isso sela-se uma união e uma estratégia de fazer política compartilhada por ambos. Provavelmente teremos intensa disseminação desse conteúdo por diversos meios e formatos nos próximos dias”.

O sociólogo reconhece que “é lamentável que a estratégia de campanha do prefeito tenha como um dos focos principais a propagação de mentiras que não possuem nem possibilidade causal”. Ele diz não duvidar “da força de uma campanha intensa como parece estar dispostos a fazer, mas imagino que o pouco tempo, a alta rejeição e o acumulado do eleitorado geral, como também do evangélico, em relação ao que foi visto na eleição anterior, devem levar a pouca reverberação disso”. “Por outro lado, a alcunha de “pai da mentira” dada por Paes a Crivella [no debate promovido na noite 19 de novembro pela Rede Bandeirantes] me parece ter muito mais chances de emplacar nessa reta final da campanha”, afirma Alexandre Brasil.

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Bereia classifica os conteúdos dos vídeos da campanha de Marcelo Crivella que circulam em mídias sociais e sites de notícias ligados a pessoas e grupos religiosos como falsos. São ainda caluniosos no tocante ao PSOL ser inimigo de Jair Bolsonaro e desejoso de dar outra facada no presidente. O vídeo publicado por Otoni de Paula é também enganoso pois usa material de campanha de Jair Bolsonaro, de 2018, proibido pelo TSE de ser utilizado à época, fazendo parecer a seguidores que foi produzido em 2020 pelo, hoje, presidente da República.

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Referências

Pleno News https://pleno.news/brasil/politica-nacional/crivella-diz-que-eleicao-de-paes-vai-levar-pedofilia-para-escolas.html. Acesso em 20 nov 2020.

Poder 360, https://www.youtube.com/watch?v=U62sXCaYy6E&t=1s

Otoni de Paula, Facebook, https://www.facebook.com/watch/?v=373286383929708

Marcelo Freixo, Instagram, https://www.instagram.com/tv/CHyg0KsDHaS/?igshid=18sux68egn4px

Notícias UOL, https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2020/11/18/ibope-rio-de-janeiro-18-de-novembro.htm

Nota Pública do PSOL, https://psolcarioca.com.br/2020/11/18/nota-do-psol-carioca-sobre-o-2o-turno-no-rio-de-janeiro/

Jus Brasil, https://lobo.jusbrasil.com.br/artigos/533694953/pedofilia-e-crime

Joice Hasselmann, Facebook, https://www.facebook.com/watch/?v=1847830375307146

Jornal Nacional, https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/noticia/2018/08/28/bolsonaro-diz-ao-jn-que-criminoso-nao-e-ser-humano-normal-e-defende-policial-que-matar-10-15-ou-20.ghtml

Globo News, https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/noticia/2018/08/28/bolsonaro-diz-que-se-eleito-extinguira-ministerio-das-cidades-e-mandara-dinheiro-diretamente-para-prefeituras.ghtml

Congresso em Foco, https://congressoemfoco.uol.com.br/eleicoes/tse-diz-que-kit-gay-nao-existiu-e-proibe-bolsonaro-de-disseminar-noticia-falsa/

Correio Braziliense, https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/07/14/interna_politica,872147/pgr-denuncia-deputado-otoni-de-paula-por-ameacas-contra-alexandre-de-m.shtml

Site evangélico divulga notícia de teor enganoso sobre campanha de candidato à prefeitura de São Paulo

No último dia 11 de novembro (quarta-feira), o portal evangélico de notícias Pleno News publicou matéria destacando a repercussão nas mídias sociais da hashtag #LaranjalDoBoulos. 

A hashtag foi levantada a partir de suspeita de lavagem de dinheiro que surgiu de um vídeo em que o blogueiro Oswaldo Eustáquio denuncia a suposta inexistência de duas empresas contratadas pela campanha de Guilherme Boulos (Partido Socialismo e Liberdade-PSOL) à prefeitura de São Paulo. O conteúdo foi usado pelo candidato ao executivo da capital paulista Celso Russomano (Republicanos), em argumentação contra Boulos, durante um debate realizado pelo jornal Folha de São Paulo e o Portal UOL na manhã de 11 de novembro.

No mesmo dia, mais cedo, Pleno News já havia publicado matéria sobre o caso, reproduzindo o conteúdo divulgado por Eustáquio e Russomano. 

“A fake news lançada por Celso Russomanno comprova, de uma vez por todas, que o gabinete do ódio de Bolsonaro quer espalhar mentiras e influenciar no resultado das eleições. A nossa campanha vai tomar as medidas jurídicas cabíveis”, disse o PSOL em nota após o debate. O juiz eleitoral Emílio Migliano Neto acolheu a reclamação da candidatura de Guilherme Boulos, no mesmo dia 11 de novembro, e determinou ao Google Brasil a imediata retirada de vídeo com as acusações contra a campanha do PSOL por Oswaldo Eustáquio.

O blogueiro Oswaldo Eustáquio

Em sua fanpage Eustáquio se apresenta como jornalista, especialista em Gestão Pública e Gerenciamento de Cidades, coordenador de jornalismo da TVCI e repórter especial do Agora Paraná. Entretanto, o jornalista não menciona ter sido assessor voluntário da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos Damares Alves, durante o governo de transição, conforme registra nota do Ministério ao jornal Valor Econômico.

Em junho deste ano, o blogueiro foi preso pela Polícia Federal (PF) em Campo Grande (MS), devido às investigações da Operação Lume, inquérito que apura financiamento e organização de atos antidemocráticos para a volta da ditadura militar e o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF).

Inicialmente, a Polícia Federal localizou o blogueiro em Ponta Porã (MS), na divisa com o Paraguai. Ele vinha sendo monitorado pois havia o risco que ele deixasse o Brasil. Posteriormente Eustáquio fez uma transmissão ao vivo afirmando estar em Brasília. Porém, de acordo com os investigadores, ele estava em Ponta Porã.

Para os investigadores, Eustáquio estava usando táticas de contrainformação para não ser localizado e poder transitar à vontade, ou talvez, fugir. Por esta razão os policiais pediram a prisão dele temendo risco de fuga.

Eustáquio defendeu em suas redes a soltura da ativista Sara Fernanda “Winter” Giromini, presa pela PF no decorrer das investigações da mesma operação. Após a prisão de Eustáquio, Winter se manifestou a favor do blogueiro, afirmando que ele foi preso “arbitrariamente” e que “é o oitavo preso político do Brasil”.

O nome do jornalista esteve envolvido em outros episódios controversos, conforme verificado por Bereia. O mais recente foi o vídeo no qual aponta para um suposto “laranjal” de Boulos para favorecer a campanha de Celso Russomano, que obteve o conteúdo do vídeo antes mesmo que ele fosse publicado.

“O esquema foi montado para fraudar a campanha [de Boulos] em 2020. Uma empresa foi aberta apenas para receber R$ 500 mil e desviar o dinheiro público. Nossa equipe foi até o local em que deveria funcionar a empresa e explodiu o esquema”, escreveu Oswaldo no Youtube.

Russomano usou das informações para acusar Boulos de ter pagado R$ 528 mil a “produtoras fantasmas”. A acusação foi reafirmada ao fim do debate da manhã de 11 de novembro.

Desdobramento da publicação do vídeo

De acordo com Folha de São Paulo, a Justiça Eleitoral determinou a retirada do vídeo após pedido da campanha de Boulos. O pedido foi acolhido pelo juiz eleitoral Emílio Migliano. Segundo a reportagem, a postagem do vídeo por Eustáquio e a citação da suspeita de lavagem de dinheiro foram mencionados no debate. A matéria informa ainda que Russomano já sabia do conteúdo na manhã da terça-feira e a publicação veio durante o evento do jornal. 

As acusações de Oswaldo Eustáquio à campanha de Boulos são baseadas na inexistência das empresas nos endereços registrados nas contas de campanha. 

A reportagem da Folha de S. Paulo visitou os locais citados no vídeo, como endereço das supostas empresas inexistentes. Em um deles, ninguém atendeu. Em outro, uma pessoa que não quis se identificar respondeu que a empresa havia mudado de endereço. Além disso, em outro endereço comercial de uma das empresas, o porteiro disse já ter recebido correspondência da organização, mas não conhecia a sócia da instituição citada. 

Responsáveis pela campanha de Guilherme Boulos declararam que uma das empresas trabalha remotamente e outra mudou de endereço, mas não atualizou essa informação na Junta Comercial. Em entrevista à TV Democracia em 12 de novembro, o publicitário Chico Malfitani, que atua na campanha de Guilherme Boulos, deduz que Oswaldo Eustáquio teve acesso às contas da campanha de Boulos e pegou o endereço de uma das empresas contratadas para produzir vídeos para a internet.  Ao chegar ao local, o blogueiro percebeu se tratar de um endereço residencial e, com base nisso, alegou que um crime havia sido cometido sem ter exposto a informação correta. Malfitani é categórico ao afirmar que Eustáquio é financiado pelo “Gabinete do Ódio”, para disseminar conteúdo falso.

Para Malfitani, a campanha do candidato do PSOL não foi prejudicada com a divulgação de fake news. “Não penso que a campanha foi prejudicada eleitoralmente. Primeiro porque ele (Russomanno), não tem credibilidade alguma. Ganhamos diversos direitos de resposta dele no horário nobre na televisão. Através do monitoramento nas redes sociais, percebemos que a estratégia de Russomanno não funcionou”.

Por meio de nota publicada no portal do partido, Boulos se manifestou acerca do episódio. O candidato afirmou que a produtora Filmes de Vagabundo pertence à cineasta Amina Jorge, diretora de audiovisual da comunicação digital da campanha. Como freelancer registrou a empresa em seu endereço residencial. No entanto, a diretora se mudou de residência em dezembro de 2018 e não atualizou o endereço jurídico na Junta Comercial.

Quanto à Kyrion, Boulos disse que em razão da pandemia, a empresa permite que os serviços sejam prestados remotamente pela equipe, razão pela qual não há atividade de campanha na sede administrativa da empresa. 

O PSOL encerra a nota argumentando que as fake news lançadas pelo candidato Celso Russomano são a prova definitiva que o “Gabinete do Ódio” capitaneado por Bolsonaro quer espalhar mentiras e influenciar no resultado das eleições e que a campanha tomará as medidas jurídicas cabíveis em relação ao caso.

Essa não é a primeira vez que Boulos é alvo de desinformação em pleitos eleitorais. Em 2018, um conteúdo falso dizia que o então candidato à presidência seria funcionário fantasma da Universidade de São Paulo (USP). O jornal Folha de São Paulo verificou como falsa essa informação.

A matéria do Pleno News

O texto do site evangélico reforça críticas de “internautas” de que Boulos é incoerente ao denunciar opositores por corrupção quando “comete o mesmo crime”. De fato, o candidato do PSOL critica casos de corrupção, em especial aqueles que envolveram o PSDB, partido de seu concorrente no segundo turno, Bruno Covas. Além disso, ele também reconhece que houve corrupção na gestão federal do Partido dos Trabalhadores (PT), apesar de criticar a Lava Jato. No entanto, Pleno News afirma que Guilherme Boulos “recai em crimes” unicamente com base no conteúdo enganoso de Oswaldo Eustáquio sem apresentar outros elementos que justifiquem tal acusação.

De acordo com o site Divulga Contas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), as empresas citadas por Eustáquio constam nas despesas do psolista. No entanto, a matéria do Pleno News erra ao afirmar que, segundo o PSOL, os funcionários da Kyrion e da Filmes de Vagabundo não foram encontrados nos locais pois devido à pandemia, estariam trabalhando em casa. Este um elemento comprovável por jornalismo responsável.

De última hora

Quando Bereia se preparava para publicar esta matéria, surgiu a notícia, na manhã desta
terça-feira (17), que Oswaldo Eustáquio voltou a ser preso pela PF. A prisão foi determinada
pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, que entendeu que Eustáquio descumpriu
medidas cautelares determinadas pelo STF.

Ao ser liberado em julho, o STF determinou que o blogueiro não podia sair de Brasília sem
autorização judicial. Ele também não poderia usar as mídias sociais. No entanto, nas
últimas semanas, ele publicou os vídeos em favor de Celso Russomano (Republicanos),
candidato a prefeito em São Paulo, como o suposto “laranjal do Boulos” e com a repetição
de práticas de desinformação que o levaram ao processo judicial.

De acordo com a nova decisão do ministro, Eustáquio deverá usar tornozeleira eletrônica e
cumprir prisão domiciliar. No Twitter o blogueiro comentou a decisão do STF, com mais
desinformação. Eustáquio omite as razões formais de sua prisão e afirma que ela foi
motivada pelas “denúncias da trama do golpe de Luciano Bivar (PSL) e o laranjal de
Guilherme Boulos” que ele fez nas redes, buscando fazer seus seguidores/as crerem que
está sendo perseguido por conta de denúncias contra a candidatura desses políticos.

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Diante dos dados apresentados e analisados, Bereia conclui que embora seja verdadeira a repercussão que alcançou a suposta contratação de “empresas fantasmas” para a campanha do psolista Guilherme Boulos, a notícia é enganosa. Pleno News não verifica o conteúdo apresentado pelo vídeo de Oswaldo Eustáquio e produz matéria reforçando-o como verdade credenciada por hashtag de mídias sociais, impossibilitando outras interpretações do fato aos/às leitores/as, omitindo as diferentes perspectivas em jogo em momento crucial da campanha eleitoral.

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Foto de Capa: Guilherme Boulos/Reprodução

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Referências de checagem

Pleno News: https://pleno.news/brasil/politica-nacional/celso-russomanno-acusa-boulos-de-contratar-empresa-fantasma.html. Acesso em: 16 nov. 2020

Folha de São Paulo: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/11/covas-vira-alvo-preferencial-e-rivaliza-com-boulos-no-debate-folhauol.shtml. Acesso em: 16 nov. 2020.

Folha de S. Paulo: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/11/apos-pedido-de-boulos-justica-determina-retirada-de-video-com-acusacao-citada-por-russomano.shtml. Acesso em: 13 nov. 2020.

Oswaldo Eustáquio (Facebook): https://m.facebook.com/oswaldojornalista/about/?ref=page_internal&mt_nav=0&locale2=pt_BR. Acesso em: 14 nov. 2020.

Valor Econômico: https://valor.globo.com/politica/noticia/2020/06/26/blogueiro-preso-participou-de-equipe-de-transio-em-2018-e-casado-com-secretria-de-damares.ghtml. Acesso em: 16 nov. 2020.

Coletivo Bereia: https://coletivobereia.com.br/novos-conteudos-que-ligam-o-ex-deputado-jean-wyllys-a-atentado-a-bolsonaro-sao-falsos-parte-1/?amp=1. Acesso em: 14 nov. 2020.

TV Democracia (Youtube): https://youtu.be/6N-mq5WrTLg. Acesso em: 13 nov. 2020.

Portal PSOL: https://psol50.org.br/compartilhe-a-verdade-guilherme-boulos-desmente-fake-news-espalhada-por-russomanno-e-o-gabinete-do-odio/. Acesso em: 13 nov. 2020.

Jovem Pan: https://jovempan.com.br/programas/jornal-da-manha/em-debate-covas-rivaliza-com-guilherme-boulos-e-dispara-nao-conhece-a-cidade.html. Acesso em: 16 nov. 2020.

Exame: https://exame.com/brasil/boulos-critica-a-lava-jato-mas-reconhece-corrupcao-em-governos-do-pt/. Acesso em: 16 nov. 2020.

Divulga Contas – TSE: https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/71072/250000746936/eleicoes. Acesso em: 16 nov. 2020.

Folha de São Paulo: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/08/falso-boulos-nao-e-funcionario-fantasma-da-usp.shtml. Acesso em: 16 nov. 2020.

IstoÉ, https://istoe.com.br/pf-volta-a-prender-blogueiro-bolsonarista-oswaldo-eustaquio/.
Acesso em: 17 nov. 2020.

Incêndio de Igrejas no Chile não é caso de perseguição a cristãos

* Matéria atualizada em 23 de outubro de 2020, às 00h07, para acréscimo de informações

Uma imagem de igrejas em chamas no Chile viralizou nas mídias sociais nos últimos dias. A notícia foi reproduzida em portais religiosos como Pleno News com manchete “Duas igrejas são incendiadas em protestos esquerdistas no Chile” e Gospel Prime “Em imagens tristes, cúpula de igreja desaba no Chile e vândalos comemoram”.

Em um tuíte, o pastor da Igreja Batista da Lagoinha (Belo Horizonte) Lucinho Barreto afirmou que 70 igrejas foram atacadas no Chile.

Todas as abordagens ressaltaram os temas da “cristofobia”, atrelando os atos vândalos a uma perseguição ao Cristianismo, e de serem ações “esquerdistas”.

Chile realizará plebiscito para decidir sobre nova constituição

Desde 18 de outubro, o Chile vive uma onda de manifestações que marca o aniversário de umano da explosão social de 2019 (Estallido Social en Chile), as maiores desde a ditadura de Pinochet. Os protestos na época começaram com reivindicações contra o aumento do preço de passagem do metrô e ampliaram para pautas ligadas aos direitos sociais, como água, saúde e educação, em oposição às políticas neoliberais. Os manifestantes sofreram com a extrema violência por parte dos Carabineros (Polícia Militar do país) e do Exército. 

Os protestos desta semana foram menores do que os de 2019, mas, segundo, a polícia atingiram a marca de 25 mil manifestantes que clamavam por reformas sociais. O ato antecede um momento importante da história do Chile, pois no dia 25 de outubro o país passará por um plebiscito para votar se deve haver mudanças na Constituição. A legislação atual foi herdada da ditadura de Pinochet, com grande inspiração neoliberal, e não garante direitos essenciais como saúde, educação e previdência. O país não tem um sistema público de saúde como SUS, os valores de aposentadoria são muito baixos e muitos idosos passam necessidades, a educação básica pública é de má qualidade e a educação superior, mesmo em universidades públicas, é paga. A pandemia de covid-19 colaborou para ressaltar as desigualdades e as deficiências do Estado chileno no cuidado com seus cidadãos e cidadãs.

A realização do plebiscito foi uma conquista dos protestos do ano passado. Os chilenos poderão votar sobre duas questões, a primeira se aprovam ou não a construção de uma nova constituição e a segunda se preferem convenção constitucional, formada integralmente por representantes do povo, ou convenção constitucional mista, formada por representantes da população e também por parlamentares chilenos. A maioria dos manifestantes nos atos desse ano portavam bandeiras com a palavra “apruebo”, ou aprovo, reivindicando uma nova constituição e que sejam feitas mudanças em favor da população.

Segundo informações do jornal chileno La Nación, duas igrejas foram vandalizadas durante os protestos do último domingo, 18 de outubro. Uma delas foi a capela San Francisco de Borja, conhecida como igreja dos Carabineiros, que foi renomeada, remodelada e assumida pela capelania militar durante o governo da junta militar, em 1973. O templo foi saqueado, teve objetos queimados em barricadas e dependências incendiadas, mas os bombeiros conseguiram impedir a propagação das chamas. 

Já a Paróquia Asunción, construída há 144 anos, foi completamente incendiada e teve a torre principal consumida pelas chamas, como mostram vídeos e imagens que repercutiram nas mídias sociais. 

Ainda não há certezas sobre as motivações e autoria dos incêndios. 

Um militar da Marinha chilena foi detido por participar do incêndio da igreja dos Carabineiros. Em nota, a Marinha afirmou que o oficial agiu sozinho, não estava infiltrado nem realizava serviço de inteligência. A instituição afirma que “se for comprovada a participação deste membro da Instituição, tomará as medidas disciplinares correspondentes”. O marinheiro foi liberado, com a obrigação de fazer assinaturas bimestrais na delegacia. 

Um jornal local investigou a participação de um policial infiltrado nas manifestações. Segundo provas obtidas pelo veículo, o carabineiro participava de diversos grupos de manifestantes no WhatsApp e incentivava o uso de violência por parte dos ativistas. Em um dos áudios, ele defendia “queimar todos os policiais”.

O sanitarista chileno e pesquisador na Universidade Federal da Integração Latino Americana (Unila) Juan Bacigalupo, ouvido pelo Coletivo Bereia, vê com suspeitas a promoção  dos incêndios, principalmente por não terem encontrado filmagens dos atos ou de culpados, levando-se em consideração que a igreja dos Carabineiros conta com intensa presença policial no entorno. “Estão tentando criminalizar o movimento social porque o povo chileno ainda é muito cristão”, avalia. 

Bereia colheu o depoimento da cristã evangélica Silvana Frontier, integrante da diretoria da organização Paz y Esperanza Chile, que atribui o caso à antipatia de grupos isolados, especialmente anarquistas, em relação a instituições religiosas. “Há muito tempo existe um grupo de anarquistas que vai contra tudo o que é uma instituição: Estado, Igreja e qualquer outra. Várias vezes houve ataques contra igrejas, tanto católicas quanto evangélicas: roubos, destruição e incêndio criminoso. Desta vez, o fogo foi muito maior”, explica. A cristã chilena não acredita, no entanto, que se trate de perseguição aos cristãos ou cristofobia. 

Uma declaração sobre os atos graves de violência contra os plebiscitos, assinada pela Associação Chilena de Diálogo Interreligioso para o Desenvolvimento Humano (ADIR), Comunidade Teológica Evangélica do Chile (CTE), Grupo de Estudos Multidisciplinares sobre Religião e Advocacia Pública (GEMRIP), Serviço Evangélico para o Desenvolvimento (SEPADE),  Amerindia Chile, Igreja Evangélica Luterana do Chile, Coalizão Ecumênica para o Cuidado da Criação e Rede Ecumênica de Direitos Humanos e Estado Laico (REDHEL), afirma o seguinte:

Rejeitamos e condenamos qualquer ato de intimidação exercido contra comunidades de fé para desencorajar a participação no processo plebiscito. Denunciamos que os recentes ataques contra igrejas católicas cristãs representam uma grave violação da liberdade de religião e expressão, mas da mesma forma rejeitamos a instrumentalização desses eventos para enfraquecer o processo constituinte, instalar medo e legitimar posições específicas, por meio da vitimização de grupos específicos. (…) Exigimos que o Estado cumpra sua função protetora de cidadania. Consideramos extremamente alarmante a violência desencadeada e a ineficácia do aparelho de Estado para proteger a integridade da sociedade e o exercício saudável da liberdade de expressão.

Igreja incendiada foi local de tortura na ditadura?

Não há suspeitos da autoria do incêndio da Paróquia Asunción. Circula nas mídias sociais a informação de que a igreja teria sido local de torturas durante a ditadura, e essa seria a motivação do incêndio por parte dos manifestantes.

Bereia verificou que, de fato, a casa paroquial da paróquia Asunción, localizada no mesmo terreno do templo, serviu como um centro de tortura durante o regime militar de Pinochet, de acordo com o investigador Dr. José Santos Herceg no documentário “Lugares desaparecidos – rastros dos centros de tortura e extermínio em Santiago”. Segundo o projeto Memória Viva, que investigou os crimes da ditadura militar no Chile, o endereço da casa paroquial, identificado como Vicuña Mackenna No 69, foi também uma base de computação central do Centro Nacional de Informações (CNI) comandada pelo General Odlanier Mena, que reunia arquivos de vítimas perseguidas pelo regime e comandava operações de inteligência para destruir oponentes. Não há, entretanto, confirmação de que a ligação com a ditadura seja a motivação dos manifestantes para causar incêndio, uma vez que não foram identificados suspeitos. 

O contexto histórico dos ataques e das igrejas no Chile

Em entrevista ao Coletivo Bereia, o bispo Vicário Apostólico de Aysén, no Chile, Luiz Infanti De La Mora, afirmou que essa explosão  social é “resultado de longos anos de abusos de poder e corrupção, que produziram crescentes desigualdades, injustiças e empobrecimento em grandes setores da sociedade”.  

As manifestações ocuparam todas as cidades chilenas e duraram até março de 2020, quando teve início o isolamento social devido ao coronavírus. O bispo considera a explosão como uma expressão de indignação e rejeição, que estava contida, em relação a qualquer instituição, sob o lema “Deixem ir todos” (políticos, governo, empresários, juízes, bispos, ministros etc).

A Conferência Episcopal do Chile emitiu declaração sobre o ocorrido. O texto, assinado pelo presidente, o bispo de castrense do Chile Santiago Silva Retamales, e pelo secretário-geral, o arcebispo de Porto Montt Fernando Ramos Pérez, expressa solidariedade com aqueles que foram vítimas de atos de violência que, contrasta com as expressões de quem se manifestou pacificamente. Na declaração, eles afirmam que:

A grande maioria do Chile anseia por justiça e medidas eficazes que ajudem a superar as lacunas de desigualdade; eles não querem mais corrupção ou abuso, eles esperam um tratamento digno, respeitoso e justo. Acreditamos que esta maioria não apoia ou justifica ações violentas que causam dor a indivíduos e famílias, prejudicando comunidades que não conseguem viver em paz em suas casas ou no trabalho, amedrontadas por aqueles que não buscam construir nada, mas antes destruir tudo.

A chilena doutora em Teologia Sandra Arenas, ouvida pelo Coletivo Bereia, reitera que o contexto do incêndio nas igrejas é decorrente de uma histórica crise sociopolítica no país. “É uma acumulação de inquietação social devido às desigualdades sociais no Chile, que tem muitas arestas”, explica. Sandra Arenas afirma que, no geral, são manifestações pacíficas, mas existem focos de violência que são difíceis de atribuir a determinados setores da sociedade. Para a pesquisadora, não está explícita a autoria dos ataques. “Há civis e, aparentemente, alguns infiltrados uniformizados também, mas está sendo investigado”, pontua. 

“As manifestações (ocorridas desde outubro de 2019) não tiveram lideranças visíveis, nem políticas nem sociais, foram espontâneas”, salienta o bispo Infanti. Ele também reforça que a grande maioria dos manifestantes são pacíficos, mas há grupos violentos. Inclusive, ele destaca que o número de carabineiros mortos, feridos e detidos também foi alto. “Os violentos foram identificados mais como anarquistas e traficantes de drogas, que deram mostras de ter mais poder do que as forças do Estado”, explica o bispo.

Sobre a possibilidade de haver perseguição a cristãos no Chile, ela afirma que existem segmentos da sociedade que reagem à crise provocada pelos abusos de poder e pela consciência dos abusos sexuais em um contexto eclesial. “Há uma crise de credibilidade e confiança nas instituições (em geral), também nas instituições religiosas”, afirma. No entanto, para a teóloga, a violência não se justifica em nenhum caso. “A agitação social levou as pessoas às ruas e a se organizarem territorialmente. A violência injustificada foi usada contra civis pelas forças da ordem (carabineros)”, analisa, e acrescenta que “uma das demandas sociais levantadas é que a instituição dos carabineros passe por uma reforma”. 

A também chilena Rocío Cortés-Rodríguez, que realiza pós-doutorado em Teologia na Universidade de Notre Dame (EUA) e é pesquisadora do Centro UC de Estudos da Religião da PUC do Chile, em depoimento ao Bereia, partilha da opinião de Sandra Arenas ao reiterar que um grupo minoritário queima templos católicos, em meio a uma manifestação pacífica. Ela atribui os ataques ao descontentamento social geral no qual a Igreja Católica simboliza uma instituição de poder. “As igrejas são também um símbolo do Cristianismo trazido pelos espanhóis há séculos atrás, são também símbolos da época colonial e, por isso, tenho notado que muitos desses grupos buscam trazer à tona o que lembra os tempos da Espanha no país”, declara. 

O bispo Infanti conta que a Plaza Itália, em Santiago,  foi “rebatizada” de Plaza da Dignidade. O espaço é um ponto central de encontro das manifestações. No dia 18 de outubro deste ano cerca de 30 mil pessoas reuniram no local. Entre os manifestantes, estavam os “barra bravas” (torcedores de times de futebol) que se enfrentaram violentamente, e grupos violentos, especialmente anarquistas, que também queimaram e destruíram  os dois templos perto da Plaza Itália. 

Também houve danos a negócios, supermercados, templos, exceto as estações de metrô porque  todas as estações foram fechadas, em Santiago ou em outras cidades do Chile (La Serena, Antofagasta, Melipilla, Valparaíso, Concepción, Temuco etc.). “Toda esta violência foi condenada pelo governo e por todas as forças sociais, culturais, religiosas e quase todas as forças políticas”, assegura o bispo Luiz Infanti.

Segundo Rocío, há um desejo, por parte de algumas pessoas, de reivindicar o lugar dos povos originários. “E isso é muito bom, pois estamos em dívida com eles. Mas, infelizmente, essa reivindicação opera em oposição ao crioulo/espanhol, que embora represente os processos de colonização e evangelização vividos no continente, é hoje uma parte importante da nossa cultura, idiossincrasia e religião”, explica Rocío Cortés-Rodríguez. 

Ataques e acusações de perseguição religiosa aos cristãos

Rocío aponta que, em um país que se torna cada vez mais secular, talvez haja uma certa hostilidade à religião e, em particular, ao cristão católico, por se tratar de uma das denominações cristãs ainda mais predominantes no país. “Porém, ouso dizer, não vai além da hostilidade social. Lembremos também que a Igreja Católica chilena vive uma profunda crise interna e externa em consequência dos casos de abuso sexual conhecidos há alguns anos, o que contribui para este ambiente hostil na sociedade para com católicos”, avalia a pesquisadora, que descarta a possibilidade de perseguição religiosa.

Rocío destaca, ainda, que líderes religiosos das comunidades judaica e muçulmana do Chile expressaram, publicamente, solidariedade com a Igreja Católica, rejeitando os atos de violência, com destaque para os ocorridos nas igrejas do Centro de Santiago.

Carmen Castillo Felber, da equipe da Comunidade Internacional de Estudantes Evangélicos (CIEE ou IFES, sigla em inglês) para América Latina, sinaliza ao Coletivo Bereia que não há perseguição ao Cristianismo no Chile, nos moldes do que ocorre em países islâmicos, por exemplo. Entretanto, ela alerta que existe “uma certa perseguição da mídia com informações que geram notícias contra os cristãos”. Ela cita os relatos no início da pandemia de covid-19, de espaços geridos por igrejas evangélicas que estavam recebendo pessoas desabrigadas e não para celebrar cultos, ao contrário do que se noticiava.  

Na opinião de Felber, as duas igrejas atacadas foram “autorizadas a serem queimadas”. “É estranho que uma delas fosse uma igreja que pertence à polícia; por que foi tão negligenciada? Por que os manifestantes foram autorizados a chegar lá?” Para Carmen, os ataques foram uma contrapropaganda para a opção de aprovação do plebiscito do dia 25 de outubro, que vai definir se haverá mudanças na Constituição do Chile, que permanece a mesma da ditadura de Pinochet. Segundo ela, muitos católicos que estavam pensando em votar pela “aprovação” as mudanças constitucionais, hoje podem optar por um voto de punição, e fazê-lo pela rejeição a essa possibilidade histórica  de assegurar direitos sociais, hoje negligenciados, com base na própria constituição do país. 

O bispo Luiz Infanti, ouvido por Bereia, também confirma que não há perseguição religiosa aos cristãos no Chile. No entanto, as mídias sociais têm uma mensagem permanente de questionamento à Igreja sobre a questão dos abusos e silenciamento total dos trabalhos pastorais sociais e solidários. “Há uma invisibilidade das pessoas da igreja (até o Papa Francisco), mas dando amplo espaço para Trump, Bolsonaro e propaganda consumista. Isso tem intencionalidades e cria mentalidades”, alerta o bispo. 

O religioso acredita que o plebiscito deve resultar no apoio à elaboração de uma nova constituição. Mas também pondera que existem forças poderosas que rejeitam esta possibilidade, incluindo alguns setores das comunidades evangélicas, que a manifestaram publicamente.

“Como Igreja Católica, temos apelado insistentemente à participação nas eleições (sem defender uma ou outra opção), apelamos a uma maior justiça e rejeição da violência e das causas que a provocam”, defende o bispo Infanti. “A violência ao longo do ano, certamente terá influência em setores que rejeitam uma nova carta institucional. Os resultados da votação são incertos. Essa incerteza também se deve ao fato se o isolamento social vai influenciar na participação social”, complementa.

O discurso da cristofobia

Imagens e vídeos das igrejas em chamas foram reproduzida por autoridades brasileiras como o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), o Ministro das Comunicações Fábio Faria e o deputado e pastor Marco Feliciano (PSC-SP). Todos alegam em suas postagens que o incêndio é um caso de “cristofobia”.

Para o teólogo e cientista social chileno Nicolas Panotto, entrevistado por Bereia, não existe cristofobia no Chile. “Olhando para os eventos da queima de igrejas, acho que seria insensato não reconhecer que esses atos respondem a uma atitude estereotipada contra a religião e implicam um ato de violação da liberdade religiosa. Mas a partir daí supor um tipo de ação sistemática, não é correto”, avalia. 

Em coluna no Aerópago do Coletivo Bereia, a professora e cientista social Brenda Carranza comenta sobre a estratégia preocupante do discurso sobre cristofobia, que ela considera perigoso. “Ele justifica ameaçar, atacar e criminalizar aqueles que são alvo de sua perseguição em nome de uma inversão criada por esses grupos que reverberam o termo. Dito de outra forma: cristofobia é um álibi para perseguir a quem se disse perseguido. Álibi que historicamente sempre foi nefasto para a sociedade e a religião, basta lembrar a Inquisição e ler a História”, afirma. 

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Bereia conclui que as informações que circulam no Brasil, em sites gospel e em mídias sociais de lideranças cristãs, sobre a queima de igrejas no Chile são enganosas. As postagens apresentam fatos ocorridos de forma distorcida, e com omissão de informações, para levar leitores/as a pensarem que são casos de perseguição a cristãos naquele país. Verificou-se que apenas a Paróquia Asunción foi incendiada completamente, uma vez que a Igreja dos Carabineros (da Polícia Militar) foi saqueada e barricadas foram feitas, mas o fogo não se alastrou. Já declaração do pastor da Igreja Batista da Lagoinha Lucinho Barreto sobre 70 igrejas queimadas no país é falsa.

Ressalta-se também que, mesmo entre chilenos, não há certezas sobre as intenções e autorias dos ataques, suspeitando-se tanto de insatisfação dos manifestantes com a instituição Igreja Católica quanto de sabotagem dos movimentos sociais por parte da força militar. É fato que um militar da Marinha foi preso depois de identificado envolvimento com o incêndio à Igreja dos Carabineiros. Confirma-se, também, que a casa paroquial da Paróquia Asunción foi utilizada como local de tortura durante a ditadura militar de Pinochet, embora não haja confirmação de que esse foi o motivo dos ataques. 

O contexto das manifestações é o plebiscito que acontecerá no próximo dia 25 e ampla parcela da população chilena reivindica uma nova Constituição com garantia de direitos que têm sido negados.

Bereia conclui, ainda que, de acordo com a avaliação de diversos especialistas, é falso afirmar que existe “cristofobia” (rejeição e perseguição sistemática ao Cristianismo) no Chile, um país majoritariamente cristão. O que se pode classificar, com os episódios evidenciados, são situações de intolerância religiosa experimentadas ao extremo (com violência)  

Referências

Pleno News. https://pleno.news/mundo/politica-internacional/duas-igrejas-sao-incendiadas-em-protestos-esquerdistas-no-chile.html. Acesso em 20 out 2020. 

Gospel Prime. https://www.gospelprime.com.br/em-imagens-tristes-cupula-de-igreja-desaba-no-chile-e-vandalos-comemoram/. Acesso em 20 out 2020. 

UOL. https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2019/10/22/videos-mostram-humilhacoes-torturas-e-tiros-atribuidos-a-policia-no-chile.htm. Acesso em 20 out 2020. 

G1. https://g1.globo.com/mundo/noticia/2019/10/20/entenda-a-onda-de-protestos-no-chile.ghtml. Acesso em 20 out 2020. 

Yahoo. https://br.noticias.yahoo.com/amphtml/um-ano-apos-a-maior-revolta-social-do-pais-chile-decide-se-tera-ou-nao-nova-constituicao-070050083.html?__twitter_impression=true. Acesso em 21 out 2020. 

Cadernos de Saúde Pública. https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-311X2002000400010&script=sci_arttext. Acesso em 2020.

Tu decides. https://www.t13.cl/noticia/plebiscito-2020/politica/plebiscito-convencion-constituyente-diferencias-convencion-mixta-constitucional-20-10-2020. Acesso em 21 out 2020. 

Apruebo Chile Digno. https://apruebochiledigno.cl/. Acesso em 21 out 2020. 

La Nación. http://www.lanacion.cl/saquean-e-incendian-iglesia-institucional-de-carabineros/. Acesso em 20 out 2020. 

El Mostrador. https://www.elmostrador.cl/dia/2020/10/19/miembro-de-la-armada-fue-detenido-por-participar-en-desordenes-que-terminaron-con-incendio-a-iglesia-de-carabineros/. Acesso em 20 out 2020. 

Soy Chile. https://www.soychile.cl/Santiago/Sociedad/2020/10/19/678091/Defensa-dijo-que-marino-detenido-por-quema-de-iglesia-no-estaba-infiltrado-ni-cumplia-labores-de-inteligencia.aspx. Acesso em 20 out 2020. 

Fortin Mapocho. https://www.fortinmapocho.cl/2020/10/19/marino-detenido-en-incendio-a-iglesia-de-carabineros-quedo-solo-con-firma-bimensual/. Acesso em 20 out 2020. 

Infobae. https://www.infobae.com/america/america-latina/2020/10/16/un-nuevo-escandalo-sacude-a-los-carabineros-chilenos-descubrieron-a-un-policia-infiltrado-en-las-protestas-que-alentaba-la-violencia/?outputType=amp-type&__twitter_impression=true&s=08. Acesso em 20 out 2020. 

“Lugares desaparecidos. Rastros de los centros de tortura y exterminio en Santiago”. https://www.elmostrador.cl/cultura/2017/07/05/documental-retrata-el-olvido-y-desaparicion-de-los-centros-de-tortura-de-pinochet/. Acesso em 20 out 2020. 

Memoria Viva. http://www.memoriaviva.com/Centros/00Metropolitana/Recinto_CNI_unidad_de_computacion_vicuna_mackenna_n69.htm. Acesso em 20 out 2020. 

Coletivo Bereia. https://coletivobereia.com.br/cristofobia-uma-estrategia-preocupante/. Acesso em 20 out 2020. 

Padre desejou a morte de fiéis que não vão à igreja durante a pandemia e se retratou

Em uma celebração neste último domingo (24/8), o padre Antônio Firmino da paróquia São João Batista, em Visconde do Rio Branco, Minas Gerais, desejou a morte dos fiéis que não estão indo à igreja durante a pandemia. O caso se tornou matéria publicada pelo portal de notícias evangélico Pleno News, em 25 de agosto de 2020, com o título “Padre deseja morte a fiéis que não vão à igreja na pandemia”.

No vídeo que circulou nas mídias sociais, o pároco dizia que os fiéis que não estão no grupo de risco e optaram por sair só quando houvesse a vacina deviam “morrer antes” que ela fosse entregue à população. Ele também relacionou a falta de presença na igreja como falta de fé dos fiéis.

“Aí a gente vai vendo quem realmente ama a eucaristia… Porque tem alguns católicos, engraçado, que têm saúde, têm tudo e dizem: ‘Eu só vou na Igreja quando tiver a vacina’. Tomara que não apareça vacina para essas pessoas. Ou que morram antes de a vacina chegar, não é?”, disse Antônio Firmino Lana, pároco da igreja.

Retratação

Em um vídeo publicado na terça-feira (25) no Instagram, o padre Antônio Firmino pediu desculpas pelo comentário, que classificou como “infeliz”, e disse que é conhecido por ser uma pessoa que “luta pela vida”. Ao final da fala, ele pediu orações e reconheceu o erro. Segue o link pelo Instagram:

“Eu venho pedir desculpas para aquelas pessoas que se sentiram ofendidas pelas minhas palavras. Espero que fique claro isto e tenho certeza que vocês, que tem o coração bom, hão de reconhecer o meu erro e me perdoar por isso, rezem por mim, também sou pecador”, finalizou.

A Diocese de Leopoldina (MG), republicou, em sua página no Facebook, o vídeo de retratação do reverendo.

O padre Antônio Aparecido Alves, da Diocese de São José dos Campos (SP), pároco da Paróquia São Benedito do Alto da Ponte, em declaração ao Bereia, afirmou “Essa é uma fala infeliz e moralista, que não representa o que pensa a Igreja sobre essa situação.”

Comentários nas mídias sociais

Alguns comentários dos usuários de mídias digitais sobre o ocorrido mostraram indignação perante a opinião do pároco.

“Não irei sair da minha casa pra ir ouvir uma barbaridade dessas. Ao invés de prosperar, evangelizar, pregar a palavra fica desejando morte das pessoas que ele nem sabe o motivo de não ir […] mas se ele me deseja isso eu desejo o bem pra ele e ele foi infeliz nesse comentário espero que ele reconheça e estude mais sobre a palavra de Deus porque tem muito a aprender. A gente só pode ensinar quando sabe”, escreveu uma usuária.

“Então eu vou morrer. Sou católico e por fobia não estou saindo da minha casa, medo de pegar essa doença e passar para os idosos ou familiares da minha casa (faço somente mandatos no meu bairro para familiares idosos). Não há importância padre!”, publicou outro.

No Twitter também houve repercussão.

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Bereia conclui que o conteúdo da matéria é verdadeiro, pois de fato, a declaração do padre existiu, assim como sua retratação após o ocorrido. A matéria de Pleno News destacou ambas as circunstâncias, incluindo espaço para os dois vídeos. O Coletivo Bereia reforça aos leitores que é importante ir além do título para ter compreensão geral do assunto abordado em qualquer matéria, bem como para compreender os vários posicionamentos e pontos de vista acerca de um determinado assunto.

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Referências

PLENO NEWS. Padre deseja morte a fiéis que não vão à igreja na pandemia. Disponível em: https://pleno.news/brasil/cidades/padre-deseja-morte-a-fieis-que-nao-vao-a-igreja-na-pandemia.html

CORREIO BRAZILIENSE. VÍDEO: Padre deseja morte de fiéis que não vão à missa por causa da pandemia. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2020/08/4870766-video–padre-deseja-morte-de-fieis-que-nao-vao-a-missa-por-causa-da-pandemia.html.

UOL. Padre deseja morte a fiéis que não vão à igreja na pandemia. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2020/08/24/padre-deseja-morte-a-fieis-que-nao-vao-a-igreja-na-pandemia-confira-video.htm

É impreciso que Xuxa lançará livro sobre homoafetividade para público infantil

O site Pleno News publicou, em 22 de julho de 2020, a matéria “Xuxa é criticada ao anunciar livro LGBT para crianças”.

Pleno News afirma que a apresentadora se tornou centro de polêmica ao anunciar em live que pretende lançar um livro com conteúdo LGBT para o público infantil. A obra a ser lançada pela Editora Globo seria baseada na história de uma personagem chamada Maia. A garota seria uma menina arco-íris, que tem duas mães, afilhada da personagem de Meneghel.

De acordo com o Pleno News, o conteúdo pretende pautar o assunto de forma lúdica. Segundo Xuxa, sua intenção ao fazer o livro foi refletir sobre o preconceito, a discriminação e o julgamento social perante as escolhas, condições ou vontades das pessoas. “Aí eu tentei colocar de uma maneira lúdica, bonita. Para que as crianças possam entender que o amor é mais importante do que qualquer coisa”.

Pleno News se refere a críticas de conservadores a Xuxa sobre o caso e publicou uma, do vereador do Rio de Janeiro Alexandre Isquierdo (DEM), partido do proprietário do portal de notícias, Senador Arolde de Oliveira. Isquierdo classifica a ação da apresentadora como “ridícula” e “absurda” e se diz preocupado com a “doutrinação de crianças”.

Sobre a apresentadora

Maria da Graça Meneghel, nasceu em 27 de março de 1963 na cidade de Santa Rosa, Rio Grande do Sul, onde morou até os 7 anos, quando se mudou com a família para o Rio de Janeiro. Aos 16 anos começou a atuar como modelo, sendo capa de diversas revistas no Brasil e no exterior.

Um ano após posar nua para a Playboy, em 1983, Xuxa Meneghel foi convidada para comandar o programa “Clube da Criança”, na extinta TV Manchete. Sua carreira passou a se alternar entre desfilar durante a semana e apresentar o programa aos finais de semana.

Devido ao seu carisma, a TV Globo a convidou para apresentar o que viria a ser seu maior sucesso. O “Xou da Xuxa” era outro programa voltado para o público infantil e foi o pontapé para a fama da apresentadora, já que com ele, lançou músicas, clipes e álbuns musicais.

Em 1992, ela encerrou as apresentações no “Xou da Xuxa” e foi trabalhar no exterior. Apresentou três programas, um argentino, um espanhol e um americano, alcançando muito sucesso. Em 1994 voltou à televisão brasileira com “Xuxa Parque”. Em 1997, passou a apresentar o programa “Planeta Xuxa”, voltado para o público adolescente. Ficou grávida de Sasha, que nasceu em 1998 e retornou da licença maternidade em 2001.

Em 2002, após um incêndio nos estúdios do “Xuxa Parque”, passou a apresentar “Xuxa no Mundo da Imaginação”, que depois de alguns anos, em 2005, passou a se chamar “TV Xuxa” , o que durou até 2015, quando, em seguida, assinou contrato com a TV Record, consequentemente, saindo da TV Globo.

A apresentadora está sempre em evidência por participar de discussões políticas. Em 2013, Meneghel se uniu a diversos segmentos sociais contra o então presidente eleito da Comissão dos Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados; Marco Feliciano (PSC-SP). Na época, o deputado pastor da Assembleia de Deus indicado para presidir a comissão, era conhecido por declarações racistas e homofóbicas nas mídias sociais, por isso houve intenso movimento social contra a posse dele, que acabou ocorrendo. Entre as declarações de Marco Feliciano, estavam as no Twitter, em 2011:

Em 2014, Xuxa depôs na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, na discussão do projeto que proíbe pais e responsáveis legais por crianças e adolescentes de lhes imporem castigos físicos ou tratamentos cruéis ou degradantes,, a chamada Lei da Palmada.

Recentemente Xuxa foi atacada nas mídias sociais por ter defendido o youtuber Felipe Neto. A apresentadora, em sua conta do Instagram, elogiou a atitude do youtuber, que apoiou a empresa de cosméticos Natura, por colocar um homem trans como personagem da campanha do Dia do Pais, , e havia sido alvo de críticas de grupos conservadores. A postagem de Xuxa alcançou alta repercussão e gerou reprovação, especialmente, por parte de bolsonaristas, como a atriz Antonia Fontenelle.

A Máquina Soluções, empresa que colaborou com a CPI das Fake News no Congresso, identificou uma mudança de foco em redes bolsonaristas no WhatsApp a partir do mês passado. Os grupos passaram a destacar, compartilhar e desenvolver mensagens voltadas para o combate à pedofilia, ao mesmo tempo que atacam, com falsas alegações, personalidades como Felipe Neto e Xuxa.

A excursão pelo universo das letras é uma experiência inédita na carreira de Xuxa. Além de preparar o lançamento de dois livros infantis e de uma autobiografia pela Editora Globo, para o segundo semestre deste ano, a apresentadora pretende lançar dois livros em 2021. É também a primeira vez que a apresentadora produz material com conteúdo LGBT.

Sobre controvérsias em torno da temática LGBT, o Coletivo Bereia realizou verificações anteriores, já que o assunto é constantemente pautado, em especial, por mídias religiosas.

Sobre o livro que Xuxa deve publicar

A notícia do Pleno News foi republicada em diversos blogs e portais de notícias, principalmente aqueles que integram o segmento religioso, a exemplo de Exibir Gospel, Portal do Trono, Folha Gospel e Gospel Mais.

A divulgação do livro a ser lançado foi feita no programa “OtaLab”, apresentado por Otaviano Costa. O programa aborda conteúdos informativos, celebridades, entretenimento, humor e música através de entrevistas no site UOL, perfis de Twitter, Facebook e Youtube do UOL. O programa no qual foi feita a entrevista com Xuxa, foi disponibilizado em 17 de julho de 2020, no Youtube.

Além da temática LGBT, a divulgação indica que o livro abordará de forma lúdica o amor aos animais e os valores do veganismo. Para Xuxa o livro demonstra “a importância da criança olhar para o bichinho e não ser aquela coisa especista ‘eu gosto de cachorro e gato, mas não tô nem aí para a vaca, para a galinha ou para o peixinho’. E aí também botei dessa maneira e acho que eu vou conseguir chegar onde eu quero”, conclui.

Em entrevista a Revista Veja Rio, a deputada estadual e presidente da Comissão dos Direitos da Criança, Adolescente e Idoso na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) Rosane Felix (PSD) repudiou a intenção da apresentadora escrever o livro com conteúdo LGBT para crianças. Rosane está avaliando quais providências serão tomadas para evitar que o público infantil leia a obra.

Também se manifestaram a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) e o vereador Fred Mota (Republicanos). Zambelli utilizou suas mídias sociais para divulgar vídeo com críticas à apresentadora.

O vereador Fred Mota, que faz parte da bancada evangélica da Câmara Municipal de Manaus (CMM), teve uma moção de repúdio aprovada na CMM contra a apresentadora. O parlamentar argumentou que “não podemos deixar que nossas crianças sejam doutrinadas dessa forma. Deixo registrado o meu repúdio contra qualquer tipo de afronta aos nossos pequenos”.

Nas mídias sociais, a apresentadora recebeu críticas, mas também foi apoiada. Em uma das mensagens de apoio recebidas um seguidor disse: “Se Jesus voltasse agora, ele estaria muito triste com vários daqueles que se dizem cristãos. Viva o amor, tenha ele qualquer forma”. Xuxa compartilhou em sua conta no Instagram, em 23 de julho de 2020, um texto enviado ao companheiro, Juno, dizendo “olha que lindo o texto que o Ju recebeu de uma seguidora. Serve bem para a polêmica do livro que escrevi e que ainda nem saiu”. O texto fala da importância de perceber que a culpa pode ser verdadeira inimiga daqueles que querem liberdade para viver sua orientação sexual. O texto é atribuído a Renata Cortezac.

Em entrevista ao Metrópoles, a apresentadora afirmou que a renda obtida com a obra será revertida em doações para instituições que cuidam de animais no Brasil, para a Aldeia Nissi, na África e para uma organização não governamental (ONG) evangélica, que cuida de crianças, adolescentes e idosos.

Mediante a apuração feita, Bereia conclui que a notícia publicada por Pleno News é IMPRECISA. Embora ofereça conteúdo verdadeiro, já que realmente Xuxa Meneghel recebeu diversas críticas pelo livro que ainda lançará, a matéria de Pleno News não considera os diferentes olhares sobre a questão, ficando somente com o viés crítico à apresentadora, e induz leitores e leitoras a reprovarem o lançamento da publicação . Desta forma, o público fica impossibilitado de fazer o seu próprio julgamento acerca do caso e dos atores envolvidos, algo sintomático no contexto atual, construir opinião em alicerces informacionais sólidos, contribui com o fortalecimento da democracia.

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Referências de checagem

Xuxa é criticada ao anunciar livro LGBT para crianças. Portal Pleno News: https://pleno.news/entretenimento/tv/xuxa-e-criticada-ao-anunciar-livro-lgbt-para-criancas.html. Acesso em: 02 de agosto 2020

Deputada repudia livro infantil LGBT de Xuxa: ‘Deixem as crianças em paz!’. Revista Veja Rio: https://vejario.abril.com.br/beira-mar/deputada-livro-infantil-lgbt-xuxa-repudia/. Acesso em 02 de agosto 2020

Xuxa lançará livro para crianças com temática LGBT+: “O amor é mais importante”. Portal Gaúcha ZH: https://gauchazh.clicrbs.com.br/cultura-e-lazer/livros/noticia/2020/07/xuxa-lancara-livro-para-criancas-com-tematica-lgbt-o-amor-e-mais-importante-ckd0bp0kg000c0147pvsdydxp.html. Acesso em: 02 de agosto 2020

Engajada, Xuxa lançará livro com conteúdo LGBT para crianças. Jornal Estadão: https://emais.estadao.com.br/noticias/gente,engajada-xuxa-lancaralivro-com-conteudo-lgbt-para-criancas,70003374748. Acesso em: 02 de agosto 2020

Xuxa é acusada de sexualizar crianças e rebate: ‘Sai da minha página’. Notícias da TV: https://noticiasdatv.uol.com.br/noticia/celebridades/xuxa-e-acusada-de-sexualizar-criancas-e-rebate-sai-da-minha-pagina-40162. Acesso em: 02 de agosto 2020

Antonia Fontenelle detona Xuxa por apoiar Felipe Neto: ‘Imoralidade sem fim’. Notícias da TV: https://noticiasdatv.uol.com.br/mobile/noticia/celebridades/antonia-fontenelle-detona-xuxa-por-apoiar-felipe-neto-imoralidade-sem-fim-40091. Acesso em: 02 de agosto 2020

Xuxa irá doar renda de livro infantil com a temática LGBTQ+ a ONG evangélica. Portal Metrópoles: https://www.metropoles.com/colunas-blogs/leo-dias/xuxa-ira-doar-renda-de-livro-infantil-com-tematica-lgbtq-a-ong-evangelica. Acesso em: 02 de agosto 2020

Bolsonarista, Antonia Fontenelle ataca Xuxa por apoio a Felipe Neto. Revista Fórum: https://revistaforum.com.br/. Acesso em: 07 de agosto 2020

Grupos bolsonaristas miram pedofilia e põem Damares como saída, diz empresa. Coluna Rubens Valente: https://noticias.uol.com.br/colunas/rubens-valente/2020/08/06/redes-sociais-bolsonaristas-estrategia.h/. Acesso em: 07 de agosto 2020

Xuxa Meneghel está escrevendo autobiografia durante a quarentena. Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br//entretenimento/noticia/06/2020/xuxa-meneghel-esta-escrevendo-autobiografia-durante-a-quarentena. Acesso em: 07 de agosto 2020

Portal Pleno News:
https://pleno.news/brasil/politica-nacional/zambelli-pede-a-xuxa-que-deixe-nossas-criancas-em-paz.html. Acesso em: 07 de agosto 2020

A Crítica, https://www.acritica.com/opinions/repudio-contra-xuxa-na-cmm. Acesso em: 07 de agosto 2020.

UOL Notícias, https://noticias.uol.com.br/colunas/rubens-valente/2020/08/06/redes-sociais-bolsonaristas-estrategia.htm Acesso em 9 ago 2020.

A Crítica, https://www.acritica.com/opinions/repudio-contra-xuxa-na-cmm Acesso em 9 ago 2020

É falso que médica foi afastada do Hospital Albert Eisntein por defender cloroquina

Circulam pelas mídias sociais de apoiadores do Presidente Jair Bolsonaro e de relativistas da gravidade da pandemia do novo coronavírus conteúdos em tom de denúncia, de que a médica Nise Yamagushi teria sido afastada do Hospital Albert Einsten por defender a cloroquina na cura da Covid-19, como nos exemplos a seguir:

Reprodução/ Twitter

A partir do fato, o site evangélico de notícias Pleno News publicou uma matéria intitulada: “Nise Yamaguchi é afastada por apoiar a hidroxicloroquina”. Além do título, o subtítulo também atrela a suspensão da médica ao suposto apoio da profissional ao uso da hidroxicloroquina: “”Tenho a certeza que ela cura os pacientes nas etapas iniciais”, disse a imunologista”. 

Pesquisadora científica, imunologista e oncologista, a médica Nise Hitomi Yamagushi tornou-se uma das principais defensoras do uso da hidroxicloroquina como tratamento precoce ao novo coronavírus. Ela foi convidada pelo presidente Jair Bolsonaro, em abril, a integrar o comitê de crise ainda na gestão de Luiz Henrique Mandetta no Ministério da Saúde e chegou a ser cotada como ministra quando ele pediu demissão, o que ocorreu novamente quando Nelson Teich se demitiu em maio. Em abril e maio, esteve em diversas agendas com ministros.

Dessa vez, o nome de Nise Yamagushi ganha destaque no cenário nacional mediante seu afastamento do Hospital Israelita Albert Einstein.  De acordo com o Pleno News, a médica concedeu uma entrevista ao jornalista Roberto Cabrini, que foi ao ar na sexta-feira, 10 de julho no programa SBT Brasil, por meio da qual ela teria revelado que foi afastada do hospital. O aviso teria vindo através de uma ligação do diretor clínico da instituição, que acreditaria que o apoio de Nise Yamaguchi ao uso da hidroxicloroquina “denigre o hospital”. 

Matéria Pleno News/ Reprodução

O portal, que na seção “Quem somos” afirma ser uma “referência segura de conteúdo, principalmente no momento de profusão das fake News”, traz a afirmação de que a médica garantiu que grande parte da comunidade médica defende o uso do medicamento.

O Pleno News se baseou na matéria do SBT Brasil publicada no portal da emissora no dia 10 de julho, que registra que Nise Yamaguchi afirmou ter sido afastada do hospital por defender o uso da hidroxicloroquina, ao ser entrevistada exclusivamente pelo jornalista da emissora Roberto Cabrini para o programa Conexão Repórter, que iria ao ar em 13 de julho. 

“Eu recebi uma ligação do diretor clínico do hospital me informando que, a partir deste momento, eu não poderia estar exercendo as minhas funções no hospital, não poderia estar prescrevendo e nem atendendo meus pacientes que já estão internados. (…) Eles acreditam que a minha fala, sempre em prol da hidroxicloroquina, que eles consideram que não tenha fundo científico, denigre o hospital“, afirmou a médica ao jornalista Roberto Cabrini.

Entretanto, o programa também incluiu entrevista exclusiva com o presidente do Hospital Israelita Albert Einstein Sidney Klajner, que confirmou a suspensão de Nise, mas deu outra explicação:

Em entrevista recente a médica teria feito uma comparação infeliz entre o pânico provocado pela pandemia e a postura das vítimas do holocausto, denominada por ela “massa de rebanho de judeus famintos” incontrolável. 

A entrevista à TV Brasil

Nise Yamaguchi concedeu entrevista à emissora pública TV Brasil, programa Impressões, transmitida no domingo, 2 de julho de 2020

Yamaguchi descreveu no programa como deve ser o tratamento com cloroquina, e não mencionou o fato de não haver comprovação científica de sua eficácia, o que vem agradando o governo federal, que tem indicado o medicamento.

“O tratamento é de cinco dias, de hidroxicloroquina. Isso eu posso falar, porque normalmente médico não pode falar receita de bolo na… Mas como ninguém vai conseguir se automedicar, porque precisa de receituário, de controle…”. 

A médica também recomendou o uso preventivo da ivermectina, o que tampouco é embasado categoricamente por estudos clínicos.

“Você pode usar na primeira fase hidroxicloroquina ou ivermectina, ou os dois, com azitromicina e zinco. Porque essa composição é a melhor coisa”.

A apresentadora do programa da TV Brasil Katiuscia Neri, reforçou o que disse a médica:

“Se você não traz essa informação para a gente de que há um tratamento, eu vou continuar com pânico em casa. Não é que a gente está pregando que as pessoas saiam de casa, mas que entendam que tem um tratamento. Esse medo também é muito prejudicial, né?”. 

Neise Yamaguchi respondeu: 

“O medo é prejudicial para tudo. Em primeiro lugar, te paralisa, te deixa massa de manobra. Qualquer pessoa, você pega… Você acha que alguns poucos militares nazistas conseguiriam controlar aquela massa de rebanho de judeus famintos se não submetessem diariamente a humilhações, humilhações e humilhações, tirando deles todas as iniciativas?”.

Ao repórter do SBT, Roberto Cabrini, dias depois, e já suspensa do Albert Einstein, a médica reconheceu que sua fala, comparando o medo do uso da hidroxicloroquina com o nazismo, foi uma das justificativas dadas pelo hospital para sua suspensão.

“Eles [direção do hospital] se referiram também a uma fala que eu teria dito na semana passada, que foi interpretada de uma forma errônea. Eu falei que existia uma situação muito grave no mundo com o pânico que foi instalado, com o medo que levava as pessoas a ficarem reféns de seus algozes”, explicou.

Questionada por Cabrini sobre a relação entre medo, nazismo e uso de hidroxicloroquina, Nise Yamaguchi disse que:

“Todo mundo fala que não tem cura, que não tem tratamento, que você vai morrer. Toda noite tem uma série de campanhas pra pessoa ficar cada vez mais amedrontada e achar que vai entrar em um aparelho de respiração imediatamente. Eu estou dizendo para o público que existe tratamento, sim. Principalmente na fase precoce, que se a pessoa se tratar na fase inicial, ela não vai ter a fase grave”, finalizou. 

Questionada ainda sobre manter um posicionamento contrário ao da maioria da comunidade científica, a médica afirma não saber se este é, de fato, um consenso. “Não acredito que a comunidade inteira pense assim“, diz a médica. Ela ainda afirma que há uma “grande maioria silenciosa” que defende o uso do medicamento.

Depois da divulgação, pelo SBT Notícias, em 10 de julho, de que Nise Yamaguchi teria sido afastada por ser defensora do medicamento hidroxicloroquina para a cura da Covid-19, o Hospital Israelita Albert Einstein divulgou nota à imprensa:

Íntegra da nota do hospital Albert Einstein:

“Com relação a declarações prestadas pela Dra. Nise Yamagushi, o Hospital Israelita Albert Einstein tem a esclarecer o seguinte:

1. O hospital respeita a autonomia inerente ao exercício profissional de todos os médicos, jamais permitindo restrições ou imposições que possam impedir a sua liberdade ou possam prejudicar a eficiência e a correção de seu trabalho.

2. A Dra. Nise Yamagushi faz parte do corpo clínico do Hospital, sendo admissível que perfilhe entendimento próprio com relação ao atendimento de seus pacientes ou à sua postura em face da pandemia ora combatida, desde que observe as regras relacionadas ao uso da sua condição de integrante do Corpo Clínico em sua comunicação.

3. Trata-se, contudo, de hospital israelita e a Dra. Nise Yamagushi, em entrevista recente, estabeleceu analogia infeliz e infundada entre o pânico provocado pela pandemia e a postura de vítimas do holocausto ao declarar que “você acha que alguns poucos militares nazistas conseguiriam controlar aquela MASSA DE REBANHO de judeus famintos se não os submetessem diariamente a humilhações, humilhações, humilhações…”.

4. Como se trata de manifestação insólita, o hospital houve por bem averiguar se houve mero despropósito destituído de intuito ofensivo ou manifestação de desapreço motivada por algum conflito. Durante essa averiguação, que deve ser breve, o hospital não esperava que o fato viesse a público.

A expectativa do hospital é a de que o incidente tenha a melhor e mais célere resolução, de modo a arredar dúvidas e remover desconfortos”.

Pedido de desculpas

Após ter sido afastada das atividades do Hospital Israelita Albert Einstein e procurado o SBT para criticar a medida, atribuindo-a ao fato de ser defensora da hidroxicloroquina, a médica Nise Yamaguchi divulgou nota, por meio de sua assessoria jurídica, em 12 de julho de 2020, se desculpando por qualquer comentário ofensivo à comunidade judaica, ainda que, segundo ela, seja proveniente de uma “interpretação errônea”. 

Íntegra da nota de Nise Yamaguchi:

“Dra. Nise Yamaguchi, por meio de sua assessoria jurídica, manifesta este esclarecimento: 

Têm orgulho de ser membro do Corpo Clínico do Hospital Israelita Albert Einstein por mais de 30 (trinta) anos, possibilitando ajudar e atender inúmeros pacientes. Agradece de forma especial todo o apoio por cartas, e-mails e ligações de diversos membros da Comunidade Judaica, que compreenderam que jamais seria ela anti-semita, já que foi ela a maior apoiadora do processo de conversão da sua irmã para o Judaísmo (Greice Naomi Yamaguchi).

Homenageia os brilhantes cientistas judeus na pessoa do seu mentor, o Professor Doutor Reuben Lotan (Z”L) do M.D. Anderson Cancer Center e previamente do Instituto Weizmann de Israel, que muito a apoiou na sua tese de doutorado na Universidade de São Paulo.

Por tudo aqui já relatado, é cristalino o entendimento de que nunca foi ela antisemita, ao contrário, expressa verdadeira e irrestrita admiração ao conhecimento e toda a contribuição que o povo judeu deu ao planeta, quer por suas percepções cientificas, quer pela sua convivência mais íntima.

Por fim, manifesta o pedido de desculpas por expressões outras e interpretações errôneas sobre assuntos sensíveis ao grande sofrimento judaico que envolveram seu nome, pois é solidária à dor dessa ilustre comunidade como a maior das atrocidades de nossa história ocidental.

Suas palavras, objeto de interpretações não condizentes com suas convicções, foram manifestadas no intuito de expressar a maior dor que ela conhece.”

Apesar do pedido de desculpas, no portal UOL, em matéria de 12 de julho, traz o título: Albert Einstein não descarta demissão de médica após fala sobre holocausto” .

Ao UOL, o presidente do hospital explicou:

“A doutora Nise teve uma suspensão provisória enquanto o nosso comitê de ética apura o que norteou os comentários relativos à comparação do medo da pandemia ao holocausto, um momento extremamente importante, onde 6 milhões de judeus foram mortos, e vários sobreviventes contribuíram inclusive com a fundação do próprio Israelita Albert Einstein”. Ele reiterou que a médica foi chamada para conversar com a diretoria clínica a respeito da utilização do nome Albert Einstein ou contra ou favor de qualquer tratamento promovido por ela. “E não pesa, neste momento, a prescrição ou não da hidroxicloroquina na decisão de sua suspensão”, acrescentou. 

Questionado sobre a possibilidade de demissão, Klajner afirmou. “Aí nós temos que consultar quais as consequências que podem haver porque nunca, na história do Albert Einstein, houve uma situação igual a essa”, finalizou o presidente.

Repúdio de entidades judaicas

A Confederação Israelita do Brasil (Conib) e a Federação Israelita do Estado de São Paulo (Fisesp) emitiram nota conjunta, em 11 de julho, condenando as declarações da médica Nise Yamaguchi comparando a tragédia do Holocausto com a pandemia do coronavírus. Diz a nota:

“São deploráveis as declarações da médica Nise Yamaguchi comparando a tragédia do Holocausto, que causou a morte de 6 milhões de judeus inocentes, além de outras minorias, com a atual pandemia do coronavírus. Comparações desse tipo não têm qualquer fundamento, minimizam os horrores do nazismo e ofendem a memória das vítimas, dos sobreviventes e de suas famílias.

A politização da medicina só contribui para a disseminação desta pandemia. Nosso total apoio ao Hospital Israelita Albert Einstein, referência médico-hospitalar de nosso país e orgulho da comunidade judaica”.

Perda de prestígio com o governo

Reportagem de O Globo, de 3 de julho, já indicava que Nise Yamaguchi havia dito a pessoas próximas que não é mais ouvida pelo Palácio do Planalto ou pelo Ministério da Saúde  estaria escanteada pelo governo federal desde que o General Eduardo Pazuello assumiu o Ministério da Saúde. 

A reportagem de O Globo diz que evidências científicas mostram que o uso da cloroquina não tem efeito sobre pacientes de coronavírus. Mesmo sem uma comprovação da eficácia do remédio, porém, o Ministério da Saúde mantém a orientação de que o medicamento deve ser usado em casos leves, desde que observada a dosagem. Hospitais têm descartado a cloroquina no tratamento do coronavírus. O Hospital Albert Einstein, por exemplo, recomenda que médicos não receitem a substância no tratamento dao Covid. A recomendação ocorreu após a agência norte-americana que regula alimentos e medicamentos, FDA, equivalente à Anvisa brasileira, ter revogado a autorização do uso da cloroquina no tratamento da Covid-19.

Com a perda do protagonismo da medicação no tratamento do coronavírus, Nise Yamaguchi vinha passando mais tempo em São Paulo, onde tem consultório. Procurada pela reportagem de O Globo, a médica negou que tenha havido qualquer estranhamento entre ela e o governo federal, mas reconheceu que estaria trabalhando mais diretamente com o governo de São Paulo: “Sou uma consultora científica independente, o que faço é um trabalho de levantamento da literatura, trabalho com as sociedades médicas. Nunca existiu um vínculo formal”.

Bereia conclui que o conteúdo de postagens e matéria site do site Pleno News, em tom de denúncia, sobre o afastamento da médica Nise Yamaguchi do Hospital Israelita Albert Einstein são falsas. Elas foram induzidas por chamada enganosa da matéria do SBT, de 10 de julho, baseada na fala da médica, sobre ter sido afastada por ser defensora da cloroquina, desconsiderando a afirmação do hospital à própria emissora, de que a ação deveu-se à declaração indevida sobre judeus e o holocausto, uma vez ser funcionária de uma instituição israelita. 

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Referências 

SBT Notícias, 10 de julho de 2020, https://www.sbt.com.br/jornalismo/sbt-brasil/noticia/144931-medica-diz-ter-sido-afastada-de-hospital-por-defender-uso-da-hidroxicloroquina.  Acesso em 14 de julho de 2020

Pleno News, 11 de julho 2020, https://pleno.news/saude/coronavirus/nise-yamaguchi-e-afastada-por-apoiar-a-hidroxicloroquina.html Acesso em 14 de julho de 2020

Conexão Repórter, 13 de julho de 2020, https://www.sbt.com.br/jornalismo/conexao-reporter/noticia/144998-exclusivo-roberto-cabrini-entrevista-medica-nise-yamaguchi Acesso em 14 de julho de 2020

 TV Brasil, Impressões, 2 de julho de 2020, https://www.youtube.com/watch?v=Hi-KDKCRQXs. Acesso em 14 de julho de 2020

Hospital Israelita Albert Einstein, Imprensa: https://www.einstein.br/sobre-einstein/imprensa/press-release/nota-a-imprensa-13072020  Acesso em 14 de julho de 2020 

G1, 12 de julho de 2020, https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/07/12/medica-afastada-por-hospital-albert-einstein-apos-declaracao-sobre-nazismo-pede-desculpas-por-expressoes-e-interpretacoes-erroneas.ghtml Acesso em 14 de julho de 2020

UOL Notícias, 12 de julho de 2020, https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/07/12/albert-einstein-nao-descarta-demissao-de-medica-apos-fala-sobre-holocausto.htm. Acesso em 14 de julho de 2020

CONIB, https://www.conib.org.br/conib-e-fisesp-condenam-comparacao-do-holocausto-com-o-coronavirus/ Acesso em 14 de julho de 2020 

O Globo, 3 de julho de 2020, https://oglobo.globo.com/sociedade/nise-yamaguchi-defensora-da-cloroquina-escanteada-pelo-governo-24514102 Acesso em 14 de julho de 2020

Ministro do Supremo Tribunal Eleitoral não promove perseguição religiosa

O site Pleno News publicou dia 28 de junho a seguinte notícia Pr. Silas Malafaia acusa Fachin de perseguição religiosa: ministro do Supremo propôs cassação do mandato por abuso de poder religioso”.

Reprodução/ Pleno News

Pleno News destacou a proposta de cassação de mandato de candidatos, já nas eleições de 2020, por abuso de poder religioso, feita pelo ministro do Tribunal Superior Eleitoral e também membro do Tribunal Superior Federal, Edson Fachin. Como contraposição ao pronunciamento do ministro, a matéria destaca a opinião de Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, que fez um pronunciamento em seu canal do Youtube acusando o ministro Edson Fachin de preconceito e perseguição religiosa. 

O pastor afirmou que “o Estado é laico, mas não é laicista, ou seja, ele não é contra a religião”. Segundo o pastor, a proposta do Ministro Edson Fachin é “uma tentativa de cerceamento do pensamento conservador” e “é um jogo nojento e inescrupuloso”.

Por fim, fez um apelo aos ministros do Tribunal Superior Eleitoral para que “rejeitem essa aberração que não passa de um preconceito e perseguição religiosa. que Deus nos livre desses conceitos esquerdopatas que estão na nossa nação e que venham tempos de liberdade, bênção, paz e prosperidade para o Brasil”.

Pleno News não apresenta a fonte da declaração do ministro Fachin e muito menos o contexto em que tal declaração foi feita.

Bereia checou as informações. O pastor Silas Malafaia faz referência à declaração feita pelo ministro Edson Fachin, durante sessão virtual do Tribunal Superior Eleitoral no dia 25 de junho.

O TSE discutia o processo de cassação do mandato da vereadora Valdirene Tavares dos Santos, eleita em 2016 no município de Luziânia (GO). Valdirene é acusada de praticar abuso de poder religioso durante a campanha. Foi condenada nas instâncias inferiores e agora há o Recurso Especial nº 000008285, da parte da vereadora, em julgamento no TSE.

Durante a campanha eleitoral de 2016, a então candidata teria se reunido na catedral da Assembleia de Deus em Luziânia e pedido votos aos membros da igreja. Pastores de outros bairros teriam sido chamados para a reunião, pelo pai da candidata, pastor Sebastião Tavares. Para o Ministério Público Eleitoral, Valdirene Tavares utilizou de sua condição de autoridade religiosa, uma vez que também atuava como pastora, para influenciar a escolha dos eleitores e intervir no direito constitucional da liberdade de voto.

Valdirene morou em Santo Antonio quando seu pai pastoreou a igreja Assembleia de Deus. Sebastião Tavares, pai da vereadora (à direita) é presidente do campo da Assembleia de Deus, ministério Madureira, em Luziânia. (Reprodução/ Folha da Copaiba)

Após perder nas instâncias inferiores, que julgaram pela cassação do mandato, o recurso pela não cassação chegou ao TSE. O julgamento foi suspenso por um pedido de vista ministro Tarcísio Vieira de Carvalho Neto.

Até o pedido de vista, apenas o relator do caso, ministro Edson Fachin havia proferido seu voto, seguido pelo ministro Alexandre de Moraes. Ambos optaram pela não cassação do mandato. Segundo Fachin, a única prova apresentada, um vídeo de três minutos em que a então candidata pede votos dentro da igreja, não seria suficiente para a cassação do mandato.

No entanto, Edson Fachin ressaltou a necessidade da separação entre Estado e religião para garantir ao cidadão autonomia para escolher seus representantes políticos. O ministro propôs ao Plenário do TSE que, a partir das Eleições de 2020, seja possível incluir a investigação do abuso de poder de autoridade religiosa no âmbito das Ações de Investigação Judicial Eleitoral (Aijes).

O ministro afirmou durante seu voto que “a imposição de limites às atividades eclesiásticas representa uma medida necessária à proteção da liberdade de voto e da própria legitimidade do processo eleitoral, dada a ascendência incorporada pelos expoentes das igrejas em setores específicos da comunidade”.

O ministro Alexandre de Moraes seguiu o voto do relator e optou pela não cassação do mandato, no entanto, divergiu na questão do abuso de poder religioso. Moraes afirmou que, considerando a inviolabilidade de crença, não parece ser possível, em virtude do princípio da legalidade, adotar uma espécie não prevista em lei, que é o abuso de poder religioso, sem que a questão religiosa seja instrumento para se chegar ao abuso de poder econômico.

“Não se pode transformar religiões em movimentos absolutamente neutros sem participação política e sem legítimos interesses políticos na defesa de seus interesses assim como os demais grupos que atuam nas eleições”, disse ele, ao destacar que, se assim o entendesse, a legislação abordaria também o abuso do poder sindical, o abuso do poder empresarial e o abuso do poder corporativo.

Moraes conclui que “Qualquer atitude abusiva que acabe comprometendo ou gerando abuso de poder político e econômico deve ser sancionado pela legislação eleitoral, nem mais nem menos”, A corte eleitoral aguarda a decisão do ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto.

Diante da crítica exposta na matéria do site Pleno News, é importante recuperar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos garante que:

Todo ser humano tem direito a liberdade de pensamento, consciência e religião; esse direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto em público ou em particular” (art. 18).

E a Constituição Brasileira afirma:

“É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias” (art. 5, VI).

No entanto, a mesma Constituição, no artigo 19, I, estabelece a cláusula geral da separação Estado-igreja (Estado laico, a que se refere o pastor Silas Malafaia na matéria do Pleno News), dispondo que vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”.

O advogado especialista em Direito Criminal e Direito Público e professor na Escola Paulista de Direito Marcelo Adith afirma sobre isto: .“A liberdade religiosa não constitui direito absoluto. Não há direito absoluto. O ministro Henrique Neves destacou, com acerto, que a liberdade de pregar a religião, essencialmente relacionada com a manifestação da fé e da crença, não pode ser invocada como escudo para a prática de atos vedados pela legislação (TSE, RO 265308, j. 7/3/2017, DJe 5/4/2017, p. 2).

Já o advogado, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político – ABRADEP e professor de cursos jurídicos Amilton Augusto Kufa afirma que 

“O abuso do poder religioso, pode ser considerado como o desvirtuamento das práticas e crenças religiosas, visando influenciar ilicitamente a vontade dos fiéis para a obtenção do voto, para a própria autoridade religiosa ou terceiro, seja através da pregação direta, da distribuição de propaganda eleitoral, ou, ainda, outro meio qualquer de intimidação carismática ou ideológica, casos que extrapolam os atos considerados como de condutas vedadas, previstos no art. 37, § 4º, da Lei nº 9.504/97. E os abusos vão desde o registro de candidatura até o dia das eleições, configurados por inúmeros atos, entre eles: registro de números de candidaturas que possuam identificação com números bíblicos; criação de células dentro do seio da entidade religiosa com o intuito de arregimentar os discípulos como cabos eleitorais; pedidos de votos na porta das igrejas e até mesmo apelos mais enfáticos e impositivos vindos do altar, durante os cultos de celebração, tudo amparado na crença e, por vezes, na ignorância e inocência dos fiéis seguidores.7 Divergências e polêmicas a parte, o que a Constituição Federal de 1988 busca, em especial pelo que descreve no § 9º, do artigo 14, é que as eleições sejam um campo de oportunidades iguais aos postulantes, a possibilitar que o vencedor seja o mais preparado na preferência do eleitorado, em face de suas propostas e realizações, tudo isso exercido de forma livre, sem qualquer tipo de influência, fraude ou desvirtuamento, garantindo-se, assim, “a normalidade e a legitimidade das eleições, em respeito à própria soberania popular.”

Com base nesta verificação, Bereia conclui que a notícia do site Pleno News, baseada na palavra do pastor evangélico, Silas Malafaia é enganosa. O ministro Edson Fachin propôs  propôs ao plenário do TSE a possibilidade de incluir a investigação do abuso de poder de autoridade religiosa no âmbito das Ações de Investigação Judicial Eleitoral (Aijes).

Fachin fez apenas uma proposta ao plenário da corte eleitoral e dentro do debate, sua proposta foi refutada pelo ministro Alexandre de Moraes. Além disso, durante a sessão, o ministro Fachin votou pela não cassação do mandato da vereadora Valdirene Tavares, pois no caso concreto em análise, observou que não houve abuso de poder. 

Sua proposta foi feita em sessão do Tribunal Superior Eleitoral, portanto órgão mais do que apropriado para este tipo de debate. A sessão era pública e todas as opiniões e votos são passíveis de análise pelos veículos de comunicação e analistas políticos. Muito longe de uma perseguição religiosa,  a proposta do ministro parece uma tentativa de aprimorar a democracia e corrigir possíveis distorções do processo eleitoral.

Além disso, o veículo noticioso não contextualizou o caso e transformou a opinião de um único líder religioso em notícia, com palavra definitiva, sem ouvir o pensamento de outras lideranças sobre a situação.

Dica para o leitor:

As eleições se aproximam e o Tribunal Superior Eleitoral têm uma seção exclusiva para esclarecer fatos e boatos eleitorais: Fato ou Boato?

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Referências de Checagem:
Pleno News. Pr. Silas Malafaia acusa Fachin de perseguição religiosa. Disponível em: https://pleno.news/brasil/politica-nacional/pr-silas-malafaia-acusa-fachin-de-perseguicao-religiosa.html Consulta em 30/06/2020https://youtu.be/H7SFtuTwQJY
Youtube. Silas Malafaia Oficial. O Preconceito e a perseguição Religiosa do Ministro Fachin. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=H7SFtuTwQJY#action=share Consulta em 30/06/2020
Tribunal Superior Eleitoral. TSE inicia debate sobre a possibilidade de reconhecer abuso de poder religioso. Disponível em: http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2020/Junho/tse-inicia-debate-sobre-a-possibilidade-de-reconhecer-abuso-de-poder-religioso Consulta em 30/06/2020
TSE. Íntegra do voto do ministro Edson Fachin. Disponível em: http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/arquivos/tse-respe-8285-luziania-go-voto-ministro-edson-fachin-em-25-06-2020/rybena_pdf?file=http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/arquivos/tse-respe-8285-luziania-go-voto-ministro-edson-fachin-em-25-06-2020/at_download/file Consulta em 30/06/2020. 

Novos conteúdos que ligam o ex-deputado Jean Wyllys a atentado a Bolsonaro são falsos – Parte 1

Parte 1: Alvo Preferido

Postagem publicada pelo deputado federal Marco Feliciano (Podemos/SP), em 27 de abril, traz mais uma acusação que liga o ex-deputado federal Jean Wyllys (PSOL/RJ) ao autor da facada no então candidato Jair Bolsonaro, em 2018.

O conteúdo da postagem é matéria assinada pelo jornalista Oswaldo Eustáquio e publicada no site renews, no mesmo 27 de abril de 2020, com o título “Exclusivo: Em depoimento à PF, testemunha revela que Adélio Bispo esteve no gabinete Jean Wyllys” (sic). O texto afirma que um homem chamado Luciano Carvalho de Sá contou que o autor do atentado à facada, em setembro de 2018, contra o então candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro, foi Adélio Bispo, e que ele mantinha ligações com o ex-deputado federal do PSOL, Jean Wyllys. A matéria ainda afirma que Adélio disse a Luciano:

“Já estive com Jean Wyllys no Anexo 4 da Câmara dos deputados por duas vezes. Você precisa conhecer ele, nem todos os políticos são inúteis. Se quiser te levo lá” (sic).

Essa frase foi dita, segundo o jornalista, após Adélio ver Luciano segurando uma placa com os dizeres “Fora Temer” e “Contra Políticos Inúteis”, em uma manifestação na paralização dos caminhoneiros, em 2017. O jornalista Oswaldo Eustáquio conclui, a partir disso, que “a informação mostra fortes indícios de um braço político do esquema que tentou assassinar o então candidato Jair Bolsonaro”. Oswaldo também conclui que o depoimento de Luciano pode colocar Jean Wyllys e o PSOL como suspeitos de serem os mandantes do crime contra Jair Bolsonaro.

A matéria foi compartilhada por outros influenciadores digitais religiosos, como a católica Sara Winter, e reproduzida pelo site de notícias evangélicas Pleno News, além de diversos sites apoiadores de Jair Bolsonaro como TV Gente Brasil, Real News Notícias, REDDIT.

O caso Adélio Bispo de Oliveira

Desde que o homem de nome Adélio Bispo de Oliveira desferiu uma facada no então candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro, em Juiz Fora/MG, em setembro de 2018, foi preso em flagrante e confessou o crime, dois inquéritos foram instaurados pela Polícia Federal. Uma primeira investigação foi concluída pouco tempo depois do atentado, em 28 de setembro de 2018, e definiu que o agressor do candidato Jair Bolsonaro agiu sozinho. A investigação analisou imagens de câmeras de segurança de lojas e de bancos do local do crime e também verificou que Adélio Bispo tentou atacar Bolsonaro antes, menos de um minuto depois do começo da passeata em Juiz de Fora. A PF constatou ainda que as quebras de sigilo bancário do autor não indicaram repasses suspeitos e análises de celulares e chips mostraram informações irrelevantes. As provas reforçaram os indícios de que ele agiu sozinho, e que a motivação foi “indubitavelmente política”.

No relatório do inquérito, a PF registrou como Adélio Bispo agiu:

Fotografou previamente alguns locais onde Bolsonaro estaria na cidade. Em outras fotos e imagens encontradas em seu celular, ficou evidenciado que esteve acompanhando o candidato durante todo o dia,tendo tido inclusive acesso ao hotel em que estava programado um almoço com empresários. Configuram-se, portanto, elementos robustos de que houve uma decisão prévia, reflexiva e arquitetada por parte de Adélio para atentar contra a vida de Bolsonaro.

Um segundo inquérito foi aberto pela PF, em 25 de setembro de 2018, para investigar a participação de terceiros no atentado e apurar quem financiou a defesa de Adélio Bispo de Oliveira. O advogado responsável, Zanone Manuel de Oliveira Júnior, havia declarado que o nome de quem o contratou era sigiloso.

Em 2 de outubro, o autor do atentado foi denunciado pelo MPF por prática de atentado pessoal por inconformismo político, crime previsto na Lei de Segurança Nacional. Dias após o indiciamento, ele se tornou réu no processo.

O segundo inquérito foi prorrogado e encontra-se ainda em curso e, segundo a PF, está em fase final de conclusão. Nele, foram analisados os registros telefônicos, todas as informações bancárias, milhares de e-mails e todas as publicações em redes sociais. Também foram realizadas pesquisas na internet e em todos os documentos apreendidos com Adélio Bispo. A perícia não encontrou indícios da participação de terceiros no crime.

Exames psiquiátricos e psicológicos, solicitados pela defesa de Adélio Bispo, levaram a laudos concluídos em fevereiro de 2019. Eles apontaram que o agressor tem transtorno delirante permanente paranoide e, por isso, foi considerado inimputável. Diz ainda que, em entrevistas com psicólogos e psiquiatras, Bispo afirmou que não cumpriu sua missão, e que saindo da cadeia iria matar o presidente.

Em 14 de julho de 2019 foi emitida a sentença pelo juiz Bruno Savino, da 3ª Vara Federal de Juiz de Fora (MG). Ele converteu a prisão preventiva em internação por tempo indeterminado com permanência no presídio de segurança máxima de Campo Grande (MS), onde o autor do atentado estava preso desde dois dias depois do caso. Na sentença, o juiz determinou a “absolvição imprópria”, na qual uma pessoa não pode ser condenada, pois ficou constatado que Adélio Bispo é inimputável, não pode ser punido por ter doença mental.

Nem os advogados de Jair Bolsonaro nem o Ministério Público recorreram da decisão da Justiça Federal, por isso, foram esgotados os prazos para recursos e a sentença transitou julgado. O escritório Moraes Pitombo, pelo presidente Jair Bolsonaro, afirmou em nota:

“Os advogados do sr. presidente preferiram adotar nova estratégia jurídica, em razão da persecução penal evidenciar que o condenado se apresentou como instrumento, ou parte de uma engrenagem, para a prática do grave crime.”

Como parte do segundo inquérito, ainda em dezembro de 2019, Adélio Bispo recusou-se a fechar acordo de delação premiada proposto pela PF, alegando não ter nada a falar além do que já disse à polícia. Ao ser ouvido pelo delegado Rodrigo Morais, da superintendência da PF em Belo Horizonte, na prisão em Campo Grande (MS), Adélio manteve a afirmação de que agiu sozinho e negou que o atentado tenha sido encomendado

No final de 2019, Adélio pediu à Justiça que seus atuais advogados fossem destituídos e que ele passasse a ser representado pela DPU (Defensoria Pública da União) na ação penal originária, que corre em Juiz de Fora. A solicitação estava em análise. O advogado Zanone confirmou que deixaria de atuar no caso pois a representação tinha se tornado muito trabalhosa e onerosa e que continuaria como curador.

Já neste março de 2020, o caso teve novo capítulo: o juiz Dalton Igor Kita Conrado, da 5ª Vara Federal Criminal de Campo Grande (MS), determinou a transferência em até 30 dias de Adélio Bispo para seu juízo de origem, a 3ª Vara Criminal Federal da Subseção Judiciária de Juiz de Fora, em Minas Gerais. A decisão foi justificada pela necessidade de o preso ser internado em local apropriado ao cumprimento da medida de segurança, com aparatos e medicamentos necessários. Segundo a decisão do juiz Conrado, a permanência em presídio federal poderia, ainda, acarretar o agravamento do quadro de saúde de Adélio Bispo.

Procuradores do Ministério Público Federal (MPF) do Mato Grosso do Sul já vinham defendendo a transferência de Adélio Bispo para presídio especializado de Minas Gerais, para que sua doença mental e periculosidade pudessem ser avaliadas continuamente por profissionais de saúde, impedindo desinternação antecipada.

Teorias da conspiração e fake news

O caso da facada em Jair Bolsonaro gerou um número extenso de publicações com teorias conspiratórias e fake news. Vídeos no Youtube em forma de documentário, questionando a versão da Polícia Federal, que estaria prejudicando Bolsonaro, mas também colocando o atentado em suspeita, como estratégia de campanha, foram, e ainda são fartamente acessados.

Pessoas passaram a ser acusadas de cumplicidade com Adélio Bispo e foram agredidas em mídias sociais, bem como o próprio autor do atentado foi alvo de vários perfis fake.

Entre os acusados de cúmplices de Adélio Bispo, por meio de fake news, estiveram os ex-presidentes Lula e Dilma, e os então deputados federais Manuela Dávila (candidata a Vice-Presidente da República) e Jean Wyllys do PSOL.

Foi apurado que Adélio Bispo foi filiado ao PSOL, entre 2007 e 2014 e visitou a Câmara dos Deputados em 2013, mas não foi possível identificar com quem ele esteve nesta visita. Conteúdos desinformativos que ligam o PSOL à ação de Adélio no atentado surgiram e ainda existem, mas foram checados e desqualificados em 2018 por várias agências informativas.

Jean Wyllys: alvo recorrente de fake news

O ex-deputado federal Jean Wyllys (PSOL/RJ) tem sido, entre personagens da política nacional, alvo recorrente de fake news sobre vários assuntos há algum tempo. Em 2015, ele foi acusado de usar dinheiro público para produzir documentário sobre sua vida:

Em 2018, Wyllys foi acusado de ser diretor de filme que retrata Jesus Cristo como homossexual:

O nome de Jean Wyllys foi usado durante a campanha eleitoral em 2018, como tendo sido convidado para ser ministro da Educação de Fernando Haddad, por meio de falsa composição de matéria do G1.

Print de matéria do G1 sobre convite a Wyllys para ser ministro da Educação é falso. — Foto: Alexandre Mauro/Arte

Assumidamente homossexual, Jean Wyllys defende os movimentos LGBTI+, negro e de mulheres, no enfrentamento da homofobia, da intolerância e de fundamentalismos religiosos. Por seu caráter aguerrido e pelos processos contra autores de fake news, Jean Wyllys tornou-se alvo de difamações e ameaças de morte, bem como sua família. Ele foi ameaçado a ponto de abrir mão da carreira na política em janeiro de 2019 (tinha acabado de ser reeleito deputado federal para novo mandato) e deixou o país.

Em entrevista à Folha de S. Paulo no dia 24 de janeiro de 2019, o parlamentar, que estava em férias fora do Brasil, informou que abriria mão do mandato, mediante a intensificação das ameaças de morte, prática comum mesmo antes do assassinato da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco (PSOL), em março de 2018. Segundo Wyllys, na matéria da Folha, também pesaram em sua resolução de deixar o país as recentes informações de que familiares de um ex-PM, suspeito de chefiar milícia investigada pela morte de Marielle, trabalharam para o senador Flávio Bolsonaro ao longo do seu mandato como deputado estadual pelo Rio de Janeiro.

Em dezembro de 2018, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, vinculada à Organização dos Estados Americanos (OEA), demandou do governo brasileiro proteção ao parlamentar e que essas ameaças fossemapuradas. À época o ex-deputado declarou ao jornal El País:

“Desde o início do primeiro mandato, sou alvo de fake news e campanhas difamatórias que tentam me associar à pedofilia e me colocar como ameaça para as famílias e inimigo de parte da população, particularmente dos cristãos.
Para isso, atribuem a mim projetos de lei inexistentes e declarações que nunca fiz, usando vídeos editados, montagens de fotos, notícias falsas e deturpação de informações.

As fake news têm por objetivo não apenas a destruição da minha imagem e o ataque a uma agenda de direitos humanos e liberdades individuais, como também a invenção de falsas justificativas para espalhar ódio contra mim e contra minha família e promover atos de violência que possam me atingir.

As constantes ameaças de morte que recebo há anos, e que passaram a incluir referências explícitas à minha família, se intensificaram especialmente durante o processo de impeachment da presidenta Dilma e depois do assassinato da Marielle, minha colega e amiga, me obrigando a pedir escolta oficial e circular em carro blindado, restringindo meus movimentos inclusive durante a última campanha. Não posso ir a lugar nenhum sem a escolta, porque essas são as condições para me proteger, de modo que é como se eu estivesse em cárcere privado sem ter praticado crime nenhum, sendo eu a vítima. Isso tem afetado muito minha saúde física e emocional. ”

Jean Wyllys nas fake news do caso da facada

Logo após o ex-deputado Jean Wyllys (PSol) renunciar ao cargo de deputado federal, em 24 de janeiro de 2019, diversas acusações, desinformações e fake news começaram a circular nas mídias sociais, ligando-o ao caso Adélio Bispo. Com o anúncio da desistência do mandato por Wyllys, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro, postou em sua conta no Twitter: “Vá com Deus e seja feliz!”

Antes disso, no perfil de Jair Bolsonaro, foi evidenciado o seguinte post:

Apesar do presidente ter informado que a publicação dizia respeito à missão cumprida no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, muitos internautas atribuíram o post como referência a Wyllys.

A matéria de Bruno Fonseca, da Agência Pública, de 11 de fevereiro, trouxe a informação de que, entre as ameaças denunciadas por Wyllys antes de deixar o país, havia avisos sobre um atentado com explosivos e advertências de que seus familiares seriam estuprados e esquartejados, incluindo dados pessoais de parentes, como endereços e placa de carro.

Paralelamente, nos dias 24 e 25 de janeiro, as versões insinuavam ou afirmavam que o ex-deputado estaria envolvido no atentado contra o presidente Jair Bolsonaro (PSL) cometido por Adélio Bispo.

Já no site boatos.org, uma reportagem apresentou e desmentiu a seguinte manchete: “Jean Wllys é namorado de Adélio Bispo que esfaqueou Bolsonaro”. Segundo a publicação, circulavam conteúdos que afirmavam que, antes de deixar o Brasil, o parlamentar teria pagado R$54 mil a advogados para defender o suspeito Adélio Bispo.

Os rumores sobre o suposto envolvimento do parlamentar com Adélio tomaram grandes proporções na internet nos dias 24 e 25 de janeiro do ano passado. Alguns sugeriam que, no dia da facada, Adélio teria sido registrado no Congresso pela equipe de Wyllys para criar um álibi caso conseguisse escapar; com o aprofundamento das investigações sobre o atentado, o parlamentar, que seria suspeito, teria decidido fugir do país. Contudo, a PF descobriu que o registro foi um erro de um atendente ao fazer uma pesquisa para saber se Adélio já tinha estado no Congresso.

No Facebook, uma publicação no perfil MBR – Movimento Brasil Ribeirão Preto, que contabilizou cerca de 6,3 mil compartilhamentos, acendeu ainda mais a polêmica. Contudo, também foi desmentida por meio da atuação da Agência Lupa.

Na ocasião, algumas agências de checagem de notícias apuraram os rumores sobre o repasse bancário no valor de R$54 mil feito pelo deputado federal Jean Wyllys ao advogado de Adélio Bispo. Segundo a Agência Lupa, a informação é falsa. Em nota, o Ministério Público Federal informou que não havia identificado nenhum repasse bancário do deputado federal Jean Wyllys para o advogado Zanone Manuel de Oliveira, que defendeu Adélio. O mesmo conteúdo também foi desmentido pela Procuradoria da República de Minas Gerais.

O vídeo da jornalista Regina Vilella, publicado na noite do dia 24 no canal de Youtube Cabra da Peste TV e reproduzido em outros canais, inflamou ainda mais os boatos sobre a saída do deputado federal do parlamento. No vídeo, ela lista diversas razões para a partida de Wyllys do país, relacionando ainda um suposto fim da imunidade parlamentar, a investigação da Polícia Federal e os vínculos de Adélio com o PSOL e Jean Wyllys. Sobre isso, a agência Aos Fatos realizou a checagem e definiu como falsas as informações apresentadas por Regina Villela.

De acordo com reportagem publicada no site do jornal O Estado de São Paulo, a jornalista Regina Villela, candidata a deputada federal derrotada do PSL-CE, tentou ligar o Adélio a Wyllys, pelo fato de o suspeito de esfaquear Jair Bolsonaro ter visitado a Câmara dos Deputados no início de agosto de 2013. Para o Estadão Verifica, tal conteúdo foi considerado como enganoso e viral.

Aos Fatos checou um texto que dizia que o deputado estaria fugindo de uma investigação da Polícia Federal envolvendo desvio de verbas de movimentos sociais. Segundo a matéria, publicada em 25 de janeiro de 2019, essa não foi a primeira informação falsa referente a Wyllys divulgada após sua renúncia.

Na madrugada do dia 25 de janeiro de 2019, foi a vez de Olavo de Carvalho publicar: “… a perseguição ao Flávio Bolsonaro, a fuga de Jean Wyllys e a tentativa de assassinato de Jair Bolsonaro, por um ex-membro do PSOL, estão ligados de alguma forma bem bizarra”. A postagem, com mais de 2,1 mil compartilhamentos, ainda trouxe um vídeo que acusa o PSOL de ter origens terroristas.

Todas as insinuações e desinformações apontadas foram desmentidas por meio das checagens das agências Lupa, Aos Fatos, Boatos.org e E-Farsas. Além disso, muitas testemunhas dizendo-se ligadas a Adélio Bispo ou que teriam ouvido Adélio Bispo falar dos laços com mandantes do atentado (até na prisão) se apresentaram à PF, mas foram descartadas depois de investigações que indicavam falso testemunho.

A segunda parte da checagem será postada amanhã, com a conclusão da história.

AGUARDE!!!

***

Referências de Checagem:

Exclusivo: Em depoimento à PF, testemunha revela que Adélio Bispo esteve no gabinete Jean Wyllys. Disponível em:https://www.renews.com.br/noticia/exclusivo-em-depoimento-a-pf-testemunha-revela-que-adelio-bispo-esteve-no-gabinete-jean-wyllys#.XqciLoIO5Mw.twitter. Acesso em 30 abr 2020.

Relatório Conclusivo da Prisão em Flagrante de Adélio Bispo – Disponível em :https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/wp-content/uploads/sites/41/2020/04/relatorio-final-pf-adelio_280420201356.pdf. Acesso em 30 abr 2020.

Inquérito que apura quem financiou defesa do agressor de Bolsonaro é prorrogado. Disponível em:: https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/01/23/justica-prorroga-segundo- inquerito-sobre-ataque-a-bolsonaro.ghtml. Acesso em 30 abr 2020.

Caso Adélio: Polícia Federal diz que inquérito que Bolsonaro pede para reabrir nunca foi fechado. Disponível em:
https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2020/04/29/caso-adelio-policia-federal-diz-que-inquerito-que-bolsonaro-pede-para-reabrir-segue-aberto.ghtml. Acesso em 30 abr 2020.

Agressor de Bolsonaro tem doença mental e é inimputável, diz juiz – Disponível em: https://g1.globo.com/mg/zona-da-mata/noticia/2019/05/27/juiz-federal-diz-que-agressor-de-bolsonaro-tem-doenca-mental-e-e-inimputavel.ghtml Acesso em
30 abr 2020.

Sentença de Adélio Bispo emitida pela Justiça Federal. Disponível em: http://estaticog1.globo.com/2019/06/14/Sentenca4600152018.pdf?_ga=2.155048241.88333041.1588272588-7815a143-64c7-2b92-03c5-ab24beac8613. Acesso em 30 abr 2020.

Julho/2019: Bolsonaro não recorre contra Adélio, e caso é encerrado. Disponível em: https://exame.abril.com.br/brasil/bolsonaro-nao-recorre-em-processo-contra-adelio-e-caso-e-encerrado/ Acesso em 30 abr 2020.

Adélio recusa delação, repete que agiu sozinho e insiste em transferência de presídio – Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/11/adelio-recusa-delacao-repete-que-agiu-sozinho-e-insiste-em-transferencia-de-presidio.shtml

Vídeo: A facada permanente de Adélio. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=efWxO2br4Fo. Acesso em 30 abr 2020.

Vídeo: A facada no mito – Documentário / *Assista o novo vídeo:”Inconsistências”. Disponível em: https://youtu.be/8hv1D6EgWfc Acesso em 30 abr 2020.

Facebook é inundado de perfis fake do suspeito de esfaquear Bolsonaro – Disponível em: https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2018/09/06/facebook-e-inundado-de-perfis-fake-do-suspeito-de-esfaquear-bolsonaro.htm. Acesso em 30 abr 2020.

Adélio esteve na Câmara em 2013, mas ainda não se sabe se visitou deputados do PSOL. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/blogs/estadao-verifica/adelio-esteve-na-camara-em-2013-mas-ainda-nao-se-sabe-se-visitou-deputados-do-psol/. Acesso em 30 abr 2020.

O Governo liberou 843 mil para filme sobre Jean Wyllys? Disponível em: https://www.e-farsas.com/o-governo-liberou-843-mil-para-filme-de-jean-wyllys.html Acesso em 30 abr 2020.

Jean Wyllys não fará filme com Jesus Cristo gay nem foi atacado por Ratinho. Disponível em:https://noticias.uol.com.br/confere/ultimas-noticias/2018/08/24/jean-wyllys-nao-fara-filme-com-jesus-cristo-gay-nem-foi-atacado-por-ratinho.htm. Acesso em 30 abr 2020.

Jean Wyllys não recebeu convite para ser Ministro da Educação de Haddad. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2018/09/24/verificamos-jean-wyllys-ministro-educacao-haddad/ Acesso em 30 abr 2020.

Com medo de ameaças, Jean Wyllys, do PSOL, desiste de mandato e deixa o Brasil. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/01/com-medo-de-ameacas-jean-wyllys-do-psol-desiste-de-mandato-e-deixa-o-brasil.shtml Acesso em 30 abril 2020.

Jean Wyllys: “As fake news promovem atos de violência que podem me atingir”. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/12/14/politica/1544825670_895192.html. Acesso em 30 abr 2020.

Rastreamos a hashtag que espalhou fake news sobre Jean Wyllys. Disponível em: https://apublica.org/2019/02/rastreamos-a-hashtag-que-espalhou-fake-news- jean-wyllys/ Acesso em 30 abr 2020.

Jean Wyllys é namorado de Adélio Bispo, homem que esfaqueou Bolsonaro. Disponível em:https://www.boatos.org/brasil/jean-wyllys-namorado-adelio-bispo.html Acesso em 30 abr 2020.

Verificamos: É falso que Jean Wyllys repassou R$ 50 mil a advogado deAdélio Bispo. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2019/01/29/verificamos-jean-wyllys-adelio/Acesso em 30 abr 2020.

Vídeo: Por que Jean Willis está fugindo do Brasil? Disponível em: https://youtu.be/ujcZEVu7mkw Acesso em 30 abr 2020.

Vídeo e posts tentam vincular Jean Wyllys a Adélio usando informações falsas Disponível em: https://aosfatos.org/noticias/video-e-posts-tentam-vincular-jean-wyllys-adelio-usando-informacoes-falsas/ Acesso em 30 abr 2020.

Após ameaças de morte contra Jean Wyllys, boatos tentam ligar parlamentar a Adélio. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/blogs/estadao-verifica/apos-ameacas-de-morte-contra-jean-wyllys-boatos-tentam-ligar-parlamentar-a-adelio/ Acesso em 30 abril 2020.

Vídeo e posts tentam vincular Jean Wyllys a Adélio usando informações falsas. Disponível em: https://aosfatos.org/noticias/video-e-posts-tentam-vincular-jean-wyllys-adelio-usando-informacoes-falsas/ Acesso em 30 abr 2020.

Adélio recusa delação, repete que agiu sozinho e insiste em transferência de presídio. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/11/adelio-recusa-delacao-repete-que-agiu-sozinho-e-insiste-em-transferencia-de-presidio.shtml Acesso em 30 abr 2020.