Deputado capixaba católico desferiu ataques a padre nas redes digitais com acusações falsas

*matéria atualizada às 13:31 para ajuste de título e classificação
Circula nas redes digitais uma série de publicações feitas pelo deputado estadual católico, do Espírito Santo Lucas Polese (PL) contra o coordenador geral do Vicariato para a Ação Social, Política e Ecumênica da Arquidiocese de Vitória, padre Kelder José Brandão Figueira. As postagens, de forte apelo religioso, acusam o sacerdote de “militância ideológica” e de “ensino de ideologia de gênero” e promove um linchamento virtual do religioso. Bereia recebeu o pedido de checagem de um leitor e verificou o conteúdo.
O que foi publicado
O deputado Lucas Polese publicou em seu perfil no Instagram, em 20 de outubro passado, um vídeo pelo qual afirmava que enviaria ao Vaticano um suposto abaixo-assinado “com milhares de assinaturas” contra o padre Kelder Brandão.

Imagem: Postagem do deputado em 20 de outubro de 2025. Fonte: Instagram.
Na gravação, o parlamentar declarou já ter feito duas denúncias formais contra o sacerdote, uma à Cúria Metropolitana de Vitória e outra à Embaixada da Santa Sé, em Brasília. Ele prometeu encaminhar nova comunicação à embaixada “em nome dos católicos do Espírito Santo que exigem respeito ao Evangelho e à integridade doutrinária da Igreja”.

Imagem: Captura de tela do suposto abaixo assinado. Fonte: Instagram.
Polese também disponibilizou em sua biografia do Instagram, um documento intitulado “Modelo de denúncia pessoal”, no qual acusa o padre Kelder Brandão de “atos e pregação de doutrina em desconformidade com os dogmas estabelecidos pelo Magistério da Igreja e pelos Papados”. Com o “modelo de denúncia” o deputado estimula que outras pessoas compartilhem das críticas ao padre.
No texto, Polese afirma que o sacerdote “utiliza o altar e a Santa Missa para exercer militância político-partidária e defender ideologia de gênero nas escolas do Espírito Santo”, o que, conforme ele, “contraria a doutrina e causa escândalo aos fiéis”.
Outros ataques
Em 28 de agosto passado, o deputado também publicou em seu perfil no Instagram o vídeo “No tribunal eclesiástico, contra a ideologia de gênero”. Na legenda, escreveu: “Denúncia aberta, na Cúria Metropolitana de Vitória, contra o padre Kelder e os bispos que se posicionaram publicamente a favor do ensino obrigatório de ideologia de gênero para crianças nas escolas do Espírito Santo. Passados 30 dias, sem a instauração de um processo, o direito canônico me garante a oportunidade de peticionar diretamente ao Núncio Apostólico, em Brasília.”

Imagem: Post do deputado em 28 de agosto de 2025. Fonte: Instagram.
Na mesma publicação, o parlamentar também afirmou: “Antes de tentar se impor contra votações democráticas da política, o sacerdote precisa, primeiro, respeitar a doutrina da própria instituição que jurou servir. Ou então, melhor se assumir militante do PSOL, e não padre.”
Cerca de um mês depois, em 1º de outubro, Polese voltou a atacar o religioso, e publicou outro vídeo: “Denunciei o ‘padre’ Kelder ao Vaticano. Mais uma etapa da nossa denúncia contra as heresias de Kelder: desta vez, no Núncio Apostólico, em Brasília, levando ao conhecimento da Embaixada da Santa Sé o caso abominável que ocorre em um Vicariato de Vitória (ES).”

Imagem: Post do deputado em 1 de outubro de 2025. Fonte: Instagram.
Na gravação, o deputado aparece em frente à sede do Núncio Apostólico, em Brasília. E afirma que, “há muitos anos”, o padre Kelder “milita politicamente dentro da Igreja”, utilizando o altar da instituição “para fazer doutrinação ideológica”.
Em nenhum dos materiais o deputado oferece elementos concretos, factuais, que corroborem as acusações de desvios de função.
Quem é o padre que é alvo das acusações
O padre Kelder José Brandão Figueira, de 58 anos, é vigário episcopal e coordenador do Vicariato para a Ação Social, Política e Ecumênica da Arquidiocese de Vitória. Natural de Buenos Aires, o sacerdote é formado em Filosofia e Teologia, além de graduado em Ciências Contábeis e Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
A trajetória do religioso católico é marcada pela defesa da justiça social, da dignidade humana e da preservação do meio ambiente. Em suas falas públicas, o padre costuma enfatizar que a Igreja tem papel essencial no combate à exclusão, à discriminação e às desigualdades.

Imagem: Kelder José Brandão Figueira. Fonte: Arquidiocese de Vitória.
Em 2020, entidades e movimentos sociais publicaram cartas de apoio ao sacerdote em resposta às acusações que ele já sofria na época. A Comissão de Promoção da Dignidade Humana e outras organizações locais destacaram a coerência da trajetória do padre e o compromisso dele com ações em defesa dos empobrecidos. Em manifestação pública, as entidades afirmaram que as reações contra o sacerdote eram “desproporcionais e injustas” e reforçaram a importância da doutrina social da Igreja na participação política responsável.
Outro documento, assinado por mais de 50 entidades do Espírito Santo e coordenado pelo Fórum Capixaba de Lutas Sociais, afirma que a defesa da vida exige posicionamento diante de projetos que aprofundam desigualdades. O texto declara apoio explícito ao padre e critica discursos que estimulam obscurantismo e violência, e ressalta o dever ético de proteger os mais vulneráveis.
O Vicariato para Ação Social, Política e Ecumênica foi criado para fortalecer a dimensão social da Arquidiocese de Vitória, orientado pelas diretrizes do Papa Francisco, que unificou diversos organismos de justiça e solidariedade no Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral. O Vicariato mantém seis estruturas e desenvolve quatro ações permanentes, como a Campanha Permanente de Combate à Fome e o Programa de Intercâmbio de Jovens.
A atuação pública do padre também inclui produção intelectual. Em agosto deste ano, ele lançou o livro Evangelização nas periferias geográficas e existenciais, obra com 11 capítulos, de 294 páginas. O livro reúne homilias que refletem a realidade das comunidades marginalizadas e propõe diálogo entre fé e vida concreta. A renda da publicação foi destinada à Campanha Contra a Fome e aos trabalhos da Pastoral do Povo de Rua.
A reação da Igreja Católica
As declarações do deputado capixaba provocaram resposta da Arquidiocese de Vitória, que, neste 10 de novembro, divulgou uma Nota Oficial assinada pelo arcebispo Dom Ângelo Mezzari. Sem citar nomes, o documento condena “publicações em redes sociais, inclusive oriundas de agentes que ocupam cargos públicos, que têm deturpado a verdade, difamado pessoas de reconhecida idoneidade e buscado deslegitimar o trabalho da dimensão social e política da Igreja”.
O arcebispo reafirmou o apoio irrestrito ao Vicariato para a Ação Social, Política e Ecumênica e à sua equipe, e destacou que “ataques injustos a este trabalho transcendem opiniões pessoais e configuram afronta direta à missão evangelizadora da Igreja Católica”. Dom Ângelo Mezzari também lembrou que a tradição canônica prevê sanções para “aqueles que ultrajam a Igreja e seus ministros”, além das medidas legais cabíveis na esfera civil e criminal.
A nota, intitulada “Vicariato para a Ação Social, Política e Ecumênica: um sinal de esperança”, ressalta que o organismo eclesial “atua junto às minorias, aos pobres, aos excluídos e aos que se encontram em situação de vulnerabilidade, nas periferias geográficas e existenciais da realidade”. De acordo com o arcebispo, o Vicariato não se pauta por ideologias partidárias e suas ações “são inspiradas pela fé, pela fraternidade e pela dignidade inviolável da vida”.

Imagem: Nota Oficial assinada pelo arcebispo Dom Ângelo Mezzari. Fonte: Whatsapp.
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Bereia classifica as acusações feitas pelo deputado Lucas Polese contra o padre Kelder José Brandão Figueira como falsas. Elas carecem de fundamento e distorcem a natureza do trabalho pastoral desenvolvido pelo sacerdote e pela Arquidiocese de Vitória, atestado oficialmente pelo arcebispo local. A tentativa de associar a atuação social do religioso a uma suposta “militância anticatólica” constitui manipulação e instrumentalização da fé e exemplo de desinformação, que tem sido usada para atacar pautas de ação da Igreja Católica no Espírito Santo.
Bereia chama a atenção de leitores e leitoras sobre lideranças que usam sua capacidade de influir no espaço público para propagar ódio e linchamentos virtuais contra outras, das quais discordam ou desenvolvem desafetos, com uso de falsidades, sem base factual. Tal atitude pode gerar consequências graves para vida de quem se torna alvo deste tipo de abordagem
Referências:
Laboratório de Comunicação e mercado. https://lacosfaesa.com.br/2024/06/24/uma-vida-de-fe-caridade-e-compromisso-com-a-comunidade/. Acesso em 13 de outubro de 2025.
Plenária Capixaba. https://plenariacapixaba.com.br/arcebispo-de-vitoria-sai-em-defesa-de-padre-contra-ataques-de-deputado/. Acesso em 13 de outubro de 2025.
Arquidiocese de Vitória. https://www.aves.org.br/kelder-jose-brandao-figueira-pe/. Acesso em 13 de outubro de 2025.
Nota da Arquidiocese de Vitória. https://www.aves.org.br/wp-content/uploads/2025/11/Nota-Oficial-Dom-Angelo-.pdf. Acesso em 13 de outubro de 2025.
Arquidiocese de Vitória. https://www.aves.org.br/vicariato-para-a-acao-social-politica-e-ecumenica/. Acesso em 13 de outubro de 2025.
Arquidiocese de Vitória. https://www.aves.org.br/livro-de-pe-kelder-brandao-traz-homilias-que-ligam-fe-e-periferia/. Acesso em 13 de outubro de 2025. Arquidiocese de Vitória. https://www.aves.org.br/entidades-e-movimentos-sociais-se-manifestam-em-apoio-a-padre-kelder-brandao/. Acesso em 13 de outubro de 2025.
























































