Mídias sociais viralizam desinformação sobre censura da Assembleia de Deus do Brás a conferência

* Matéria atualizada em 03/06/2023 para correção de informações

No último 17 maio, a Igreja Assembleia de Deus Ministério do Brás (AdBras), em Itapevi (SP), liderada pelo pastor presidente Samuel Marques, recebeu a 16ª Conferência Internacional de Pastores e Ministros do Evangelho, com pregações do líder do Ministério de Santidade e Arrependimento, no Quênia, David Owuor. Dois dias depois, as mídias sociais viralizaram postagens com um vídeo da pregação do pastor Owour e informações de que o segundo dia de evento com o queniano teria sido cancelado. O motivo seriam “duras palavras proferidas” sobre a necessidade de as igrejas se separaram “da política e dos falsos profetas”.

Bereia recebeu de leitoras e leitores a sugestão de checagem do vídeo e da informação de que AdBras em Itapevi havia cancelado a conferência.

Imagem: reprodução do Twitter

A 16ª Conferência Internacional de Pastores e Ministros do Evangelho no Brasil

Bereia apurou que o evento intitulado 16ª Conferência Internacional de Pastores e Ministros do Evangelho tinha como objetivo reunir líderes e fiéis para ouvir o pastor queniano David Owuor,., Segundo a seção do Ministério de Santidade e Arrependimento no Brasil, o evento foi estabelecido porque  “a partir de 2004, o Senhor o comissionou e ordenou que começasse a anunciar em todo o Mundo que o TEMPO ACABOU, e que a vinda do Messias é iminente!” A Conferência foi para acontecer entre 11 e 24 de maio no Brasil nas cidades de  Brasília, São Paulo, São Luís e Imperatriz (MA).

As informações divulgadas no canal do Youtube do Ministério de Santidade e Arrependimento, o Repent Brasil sobre a Conferência afirmam que Owuor foi “chamado pessoalmente pelo próprio SENHOR DEUS, que se apresentou a ele na forma de uma Poderosa Nuvem de Glória em 2003 e com mais de 100 profecias fielmente cumpridas – como o Tsunami na Ásia (2004) e o terremoto no Haiti (2010) –  Owuor ficou mundialmente conhecido como ‘‘O Profeta da Chuva’’ quando (em seis ocasiões e locais diferentes) orou ao SENHOR, e Ele lhe respondeu imediatamente com chuva”

Além do poder da chuva, as páginas e perfis do Ministério Santidade e Arrependimento afirmam que nas reuniões promovidas por Owuor, “aleijados se levantam e andam, cegos vêem, surdos ouvem e mudos começam a falar”.

David Owuer recebido pelo Governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB) em 11 de maio de 2023. Imagem: reprodução do Facebook

16° Conferência Internacional de Pastores e Líderes em Imperatriz (MA) em 23 de maio de 2023. Imagem: reprodução do Facebook

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Owuor na Assembleia de Deus no Brás em Itapevi (SP),  em 17 de maio de 2023. Imagem: reprodução do YouTube

A pregação do pastor Owuor na Assembleia de Deus foi transmitida pelo Youtube, realizada em inglês com tradução consecutiva para o português. Nela, ele menciona sonhos com lagartos saindo de pedras, de um grande avivamento que estaria por vir e da volta do Senhor Jesus. Disse que tinha um motivo especial para vir até São Paulo e fazer um alerta, pois “o Brasil deveria abandonar o pecado sexual, abandonar o homossexualismo”.  

O pregador lembra que estava há alguns anos no Rio de Janeiro e avisou:  “se vocês não se arrependerem, eu vejo milhões de mosquitos atacando os brasileiros, pois o Brasil deve abandonar o pecado sexual, abandonar o homossexualismo. O julgamento está chegando e se vocês não se arrependerem, eu vejo milhões de mosquitos atacando”. De acordo com David Owuor essa era a previsão do zika vírus. Ele disse também que profetizou sobre o coronavírus em 1 de dezembro de 2015.

Durante a apresentação, o pastor africano pediu que mostrassem um vídeo no qual fazia “paralíticos” andarem. “A igreja globalmente hoje é uma igreja conectada e é uma igreja moderna onde as mulher andam nuas e não são repreendidas e as igrejas também aceitam o homossexualismo. o homossexualismo é uma abominação”, ressaltou. 

“Hoje um dos senadores falou comigo que entre cinco jovens, três são homossexuais e ele diz, os dois que restam, são simpatizantes. Brasil, arrependa-se, saia do pecado, eu vejo o juízo de Deus vindo. Sodoma e Gomorra. Hoje os direitos humanos entraram no púlpito e trouxeram isso para a igreja”, disse o pregador queniano.

No trecho que viralizou, e teria sido motivo do cancelamento do segundo dia do evento, o pastor David Owour diz: “A igreja no Brasil precisa se separar totalmente da política e focalizar na vinda do messias e preparar a nação para esta vinda. os governos vêm e vão mas o reino de deus dura para sempre a igreja no Brasil deve remover os falsos profetas das igrejas. profetas de dinheiro, profetas do mundo , profetas de profecias doces. corta a cabeça. corta a cabeça. estão mentindo para a igreja. precisamos preparar a nação para o reino de Deus. Devemos dizer que o homossexualismo é pecado. A igreja deve sair e pregar a verdade. Se não, se vocês têm medo de homens, ai de ti, Deus vai te julgar”

No vídeo é possível identificar pessoas da plateia entusiasmadas com a fala, aplaudindo de pé, e líderes que estavam no altar divididos, uns acompanhando a platéia, outros com expressões contidas.

Imagem: reprodução do YouTube

A Conferência em São Paulo, na Assembleia de Deus Brás Itapevi,  aconteceria nos dias 17 e 18, mas no dia seguinte, a pregação de Owour aconteceu em outro local, a igreja Família Cristã Church na cidade de  Hortolândia (SP).

Imagens: reprodução doTwitter 

O Ministério de Arrependimento e Santidade divulgou, posteriormente, imagens de uma reunião em que líderes da Assembleia de Deus Brás Itapevi pediram desculpas pessoalmente ao pastor Owuor pela “interrupção” da sequência de suas pregaçõese m Itapevi. Segundo o grupo, a cidade teria ficado “mundialmente conhecida por desonrar o profeta”. Os líderes asseguram que este pedido de desculpas não era “político, mas sim religioso”. 

Imagem: reprodução do Youtube

Organizadores da conferência consideraram a passagem de Owuor pelo Brasil como um sucesso:

Imagem: reprodução do Twitter

O Ministério de Arrependimento e Santidade 

De acordo com o pesquisador da Universidade Eduardo Mondlane, em Moçambique, Etílio Simião Muchanga,  o Ministério de Arrependimento e Santidade foi criado pelo líder carismático denominado “profeta” David Edward Owuor, no ano de 2004, no Quênia, seu país natal. Esta igreja constitui um dos novos movimentos religiosos derivados do Cristianismo. 

A pesquisadora da Universidade Jaramogi Oginga Odinga Mildred Ndeda, no Quênia, redigiu a biografia do profeta David Owuor. Segundo ela, e o líder religioso  nasceu em maio de 1966, em uma família vinculada à Igreja Anglicana. Owuor realizou estudos universitários na capital, Nairóbi, na área de Ciências, com doutorado em Bioquímica Genética. Posteriormente, se tornou professor e pesquisador da Universidade de Chicago (EUA) e da Universidade de Nova Jersey, onde  atuou em atividades de pesquisa de medicamentos contra o câncer. Em 2003 declarou ter tido visões com um “chamado de Deus” e abandonou a carreira científica para se tornar pastor. 

Ndeda relata que Owuor tentou se aproximar de alguns líderes cristãos nos Estados Unidos, mas nenhum disponibilizou-se como mentor. Foi então que ele decidiu retornar ao Quênia e fundou o Ministério de Arrependimento e Santidade, instituído em 2004. O movimento é fundamentado em uma teologia que prevê a vinda de Jesus Cristo como um evento prestes a acontecer para a salvação ou condenação dos indivíduos.

A pesquisadora queniana explica que a pregação de Owuor explora crises políticas, culturais, sociais e espirituais e oferece visões de mundo atrativas aos seus seguidores. Ndeda identifica que o movimento participa na reconstrução ideológica e de comportamentos dos seus seguidores no Quénia e em outros países, como é o caso de Moçambique, do Brasil, de Angola, de Uganda e da Coreia do Sul. No Brasil, o Ministério tem sede na Rua Santa Bárbara 1577, Vila Rica, Campo Grande (MS), com registro do CNPJ desde 2016.

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Como Bereia verificou, postagens que circulam em mídias sociais sobre o segundo dia de conferências na Assembleia de Deus, com o pastor David Owour, em São Paulo, ter sido cancelado por oposição de líderes ao conteúdo, leva a crer que a igreja promovia o evento e, insatisfeita com o conteúdo do primeiro dia, cancelou a continuação no segundo. Bereia checou que o apelo em torno do ocorrido é enganoso. O evento não foi organizado pela Assembleia de de Deus do Brás em Itapevi. A igreja acolhia os encontros da 16ª Conferência Internacional de Pastores e Ministros do Evangelho no Brasil, previstos para os dias 17 e 18 de maio, em São Paulo. A promoção estava sob a responsabilidade do Ministério de Arrependimento e Santidade, liderado por David Owour, que tem presença no Brasil.

O evento ocorreu como planejado em 17 de maio, mas foi transferido de local no dia 18 de maio. Diferentemente do que foi planejado pela organização, a pregação do segundo dia de conferências acabou ocorrendo em outro local, na igreja Família Cristã Church, na cidade vizinha de Hortolândia (SP). Bereia apurou que líderes da AdBrás reuniram-se com Owour, posteriormente, para se desculparem pelo ocorrido, o que leva à conclusão de que a transferência ocorreu em contexto de tensão.

Não foi possível ao Bereia confirmar o que causou a situação. Porém, não houve o cancelamento da programação como explorado em mídias sociais. A agenda do pastor foi cumprida no Brasil da maneira prevista, segundo divulgação da organização, com o oferecimento de vídeos e fotos das apresentações.

Referências de checagem:

Igreja Assembleia de Deus Ministério do Brás https://www.adbras.com.br/s20/ Acesso em 23 MAI 2023

Ministério de Santidade e Arrependimento

https://www.repentandpreparetheway.org/ Acesso em 23 MAI 2023

16ª conferência internacional de pastores e ministros do evangelho

https://www.youtube.com/watch?v=nKkJd7NgW5c Acesso em 24 MAI 2023 

Monografia. Papel da Igreja Ministério de Arrependimento e Santidade de Moçambique na reconfiguração da vida quotidiana dos seus membros 

http://196.3.97.28/handle/123456789/2994 Acesso em 23 MAI 2023

Facebook.

https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=550550075152679&id=151711858369838&_rdr Acesso em 23 MAI 2023

https://www.facebook.com/PastorMarcoFeliciano/posts/dr-david-owuor-em-visita-a-cidade-missionaria-profetiza-em-2015-sobre-avivamento/1043143372492348/?locale=pt_BR  Acesso em 23 MAI 2023

Ndeda, Mildred. 2013. “The struggles of new movement in the Kenyan religious space: The case of repentance and holiness movement.” The east african review. Vol. 47: 33-56. 

Parsitau, Damaris e Adrian Van Klinken. 2018. “Pentecostal intimacies: women and intimate citizenship in the ministry of repentance and holiness in Kenya”. Citizenship studies. Vol. 22 (6): 589-602. 

Twitter.

https://twitter.com/choquei/status/1659772284045754368?t=mwlpePSHuXCsOBx1YMSy_w&s=19 Acesso em 02 JUN 2023

https://twitter.com/i/broadcasts/1ypKddvpANdKW Acesso em 02 JUN 2023

https://twitter.com/APortaDoCeu Acesso em 02 JUN 2023

Youtube.

https://www.youtube.com/watch?v=nKkJd7NgW5c Acesso em 02 JUN 2023

https://www.youtube.com/watch?v=DoiC9hqcnzo Acesso em 02 JUN 2023

https://www.youtube.com/watch?v=Ji4S2rNc-T4 Acesso em 02 JUN 2023

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Foto de capa: reprodução do Twitter

Mídias viralizam notícia de que capela em cidade de São Paulo foi depredada por terraplanistas

Mídias noticiosas informaram no final deste abril de 2023, que uma igreja foi depredada por intolerantes religiosos e adeptos da teoria “terraplanista”. A notícia rapidamente ocupou grupos de mensagens e mídias sociais religiosas. 

Imagem: reprodução do site Metrópoles

Bereia checou as informações e, de fato, a Capela de Nossa Senhora da Piedade, conhecida como ‘Igrejinha’, localizada na zona rural de Araras (SP), foi alvo de um ato de vandalismo no sábado, 29 de abril. 

Segundo os relatos, um maçarico foi utilizado para destruir  a porta e invadir o local, que fica à Avenida Fábio da Silva Prado, no bairro Elihu Root. Na capela, que pertence ao território da Paróquia São Benedito, da Igreja Católica Romana, imagens de santos foram destruídas e jogadas ao chão, paredes pichadas com dizeres que expressam intolerância religiosa e teoria da conspiração. conhecida como “terraplanismo”.

Imagem: reprodução do G1

“Estas estátuas não tiveram poder algum para me impedir de entrar aqui, de movê-las de lugar e de escrever nestas paredes”. 

“Teriam elas algum poder para ouvir orações ou livrar do mal aqueles que clamam a elas?”

Imagem: reprodução do G1

“Detalhe importante, a Bíblia também diz que a Terra é plana Marcos 13:25”

“A Terra é um círculo plano com uma cúpula acima”. 

Nota da Diocese

A Diocese Católica de Limeira publicou nota em repúdio ao que classifica como ato de intolerância religiosa sofrido: 

A  Diocese de Limeira repudia veementemente a manifestação de intolerância religiosa cometida, no último fim de semana, contra a capela dedicada a Nossa Senhora da Piedade, localizada na zona rural de Araras e que pertence ao território da paróquia São Benedito.

A capela foi invadida e teve imagens retiradas de seus nichos  e pichações nas paredes com dizeres que demonstram o desrespeito religioso.

Em tempos de um comportamento social agressivo, onde destaca-se a violência, o preconceito e a intolerância ao próximo, devemos ressaltar a Carta Magna de 1988, principalmente no tocante da prática da tolerância religiosa e da cultura de paz, respeitando a dignidade e a liberdade de consciência da religião.

Que a bandeira da paz, do respeito às manifestações religiosas e do amor ao próximo seja a bandeira a ser empunhada por todos nós.

Intolerância religiosa no Brasil

Mesmo com as mensagens de ódio religioso e referentes a teorias da conspiração, não é possível afirmar que os praticantes do ato de vandalismo são mesmo seguidores destas teorias ou que este tenha sido um ato pensado para justificar uma prática de cristofobia. 

De acordo com a cientista social Brenda Carranza, o termo cristofobia “se intensificou e consolidou uma narrativa de perseguição e ameaça, centrada no ataque aos cristãos (católicos e evangélicos), vilipendiados por sua fé, moralidade e crenças religiosas, (…) entretanto, uma perseguição religiosa pressupõe ameaça a direitos de expressão e culto religioso (liberdade religiosa) e de ataque físico e simbólico a templos, igrejas, pessoas e até morte. Porém, no Brasil é inexistente a ameaça e/ou ataque à maioria  histórica, demográfica e simbolicamente cristã, portanto, a narrativa parlamentar cristã é construída a partir de um sentimento de perseguição fictício” 

Para a pesquisadora do Instituto Superior de Estudos da Religião (ISER), antropóloga Lívia Reis, Bolsonaro deu legitimidade estatal à falsa trama de que cristãos brasileiros são acossados pelo que creem. “Para comprovar esse ponto, fez-se necessário que o governo estimulasse o uso de canais de denúncia entre pessoas cristãs, de modo que as estatísticas corroborassem essa narrativa”, diz a pesquisadora.

A alta de cristãos que acionam o Disque 100 também está, segundo Reis, “intimamente ligada à forma negacionista como o governo federal [no poder de 2019 a 2022] encarou a pandemia de covid-19, desencorajando medidas sanitárias de prevenção à doença, entre elas o fechamento das igrejas”. Determinações para a suspensão de cultos e missas foram interpretadas por algumas lideranças como um ataque à liberdade religiosa. 

A pesquisa resultante da parceria ISER / Data_Labe  aponta que após anos de protagonismo dos adeptos de religiões de matriz africana entre as vítimas de intolerância religiosa no Brasil, dados do Disque 100 indicam que cristãos passaram a ser maioria entre os denunciantes no canal, a partir do segundo semestre de 2020, quando o instrumento esteve sob o comando da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos Damares Alves. Diante desse quadro, ISER e Data_Labe apresentaram dados e opiniões sobre como a ascensão de fundamentalistas religiosos na política nacional durante o governo de Jair Bolsonaro pode ter contribuído para a mudança nos dados existentes até então.

A média de registros de denúncia de intolerância religiosa entre o segundo semestre de 2020 e o primeiro semestre de 2022 indica 46% de fiéis do segmento cristão católico, 30% de cristãos evangélicos, 12% que apontaram não ter religião, 6% que indicaram a opção “outras”, 3% de espíritas, e 2% de afrorreligiosos. 

O cenário é bem diferente do período compreendido entre 2011 e o primeiro semestre de 2018, como consta na reportagem Terreiros na Mira, lançada, em 2019, pela associação jornalística Gênero e Número e pelo Data_Labe. Naquela análise, cerca de 60% das denúncias sobre intolerância religiosa recebidas pelo Disque 100 eram referentes a seguidores de religiões de matriz africana. 

Cristãos também eram minoria no último levantamento nacional e oficial produzido pelo governo federal. O Relatório sobre Intolerância e Violência Religiosa no Brasil (2011-2015), realizado pela Assessoria de Direitos Humanos e Diversidade Religiosa – ligada à Secretaria Especial de Direitos Humanos do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos – foi lançado em 2017 e apontava que 33% das vítimas não tinham sua religião identificada. Em segundo lugar, com 27%, estavam cidadãos que professam as religiões de matriz africana, seguidos por evangélicos com 16% e católicos com 8%. 

Terraplanismo 

Terraplanismo, segundo o Dicionário dos Negacionismos (2022), é um termo anticientífico e negacionista utilizado para defender a noção de que a Terra é plana. É uma teoria conspiratória baseada em algumas passagens da Bíblia, em dados sem comprovação científica e na imaginação de promotores da noção, cultivada por adeptos.

Imagem: reprodução do Twitter

O jornalista científico Javier Salas explica que negar o formato esférico da Terra é o caso mais extremo de um fenômeno que define a nossa época: desconfiar dos dados, enaltecer a subjetividade, rejeitar o que nos contradiz e acreditar em falsidades: 

Apenas 66% dos jovens de 18 a 24 anos nos Estados Unidos têm plena certeza de que vivemos em um planeta esférico (76% na faixa de 25 a 34 anos). Trata-se de um fenômeno global, também presente no Brasil, que costuma ser motivo de piada. No entanto, quando observamos os mecanismos psicológicos, sociais e culturais que levam as pessoas a se convencerem dessa gigantesca conspiração, descobrimos uma metáfora perfeita que resume os problemas mais representativos de nossa época. Embora pareça medieval, é muito atual.

Uma pesquisa do Instituto Datafolha, de 2019, mostrou que uma parcela de 7% dos brasileiros acredita que o formato da Terra é plano – cerca de 11 milhões de pessoas.. O levantamento foi realizado com 2.086 entrevistados maiores de 16 anos, em 103 cidades do país. Entre os entrevistados,  90% declararam crer que a Terra seja redonda e o restante disse não saber sua forma. 

Segundo a pesquisa, a crença de que a Terra é plana corresponde à baixa escolaridade: 10% das pessoas que deixaram a escola após o ensino fundamental defendem o chamado terraplanismo. O número diminui entre os que estudaram até concluir o ensino médio (6%) ou superior (3%).

Na pesquisa Datafolha, de forma similar ao que ocorre nos Estados Unidos, o recorte por idade também revelou uma propensão ligeiramente maior à crença entre os jovens no Brasil. Abaixo de 25 anos, 7% creem na Terra plana, e o número cai para 4% na faixa entre 35 e 44 anos. O terraplanismo é mais popular, porém, entre aqueles brasileiros acima dos 60 anos —11% adotam a crença.

No Brasil ainda não há dados sobre quando o terraplanismo surgiu. O desenvolvedor web Danilo Wiener, 43 anos, é um dos coordenadores do movimento Terra Plana Brasil. Matéria da Folha de S. Paulo informou que, como hobby, ele costuma fazer experimentos de observação do oceano buscando mostrar que ele não possui curvatura. 

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Bereia classifica as notícias sobre o vandalismo contra a capela católica em Araras(SP), como imprecisas. A igreja foi, de fato, invadida, depredada e pichada com frases que expressam intolerância religiosa e teorias da conspiração que defendem o formato plano da Terra. Porém, não é possível afirmar que “terraplanistas” foram os responsáveis, tomando por base apenas os textos pichados nas paredes da capela. Apenas a investigação da Polícia Civil de São Paulo poderá apontar o perfil dos autores/as do ataque. 

Além disso, atos de intolerância religiosa contra igrejas,  praticado por “terraplanistas”, ou seja, adeptos de uma teoria da conspiração que tem vínculos com outras noções relacionadas à grupos extremistas são incomuns. Portanto, as ações que envolvem este caso podem ter outros objetivos. 

Bereia também chama a atenção para o transbordamento de teorias da conspiração expostas em mídias sociais digitais e de discursos de ódio para o “mundo real”, transformando retórica, teorias conspiratórias e ideias extremistas em combustível para atos violentos.

Referências de checagem:

Metrópoles. https://www.metropoles.com/sao-paulo/capela-e-invadida-e-pichada-com-frases-terraplanistas-em-sp Acesso em 04 MAI 2023 

El País. 

https://brasil.elpais.com/brasil/2019/02/27/ciencia/1551266455_220666.html Acesso em 04 MAI 2023 

https://brasil.elpais.com/brasil/2018/08/06/opinion/1533562312_266402.html Acesso em 04 MAI 2023 

Diocese de Limeira. https://diocesedelimeira.org.br/publicacoes.php?id=4700 Acesso em 04 MAI 2023 

Outras Palavras. https://outraspalavras.net/crise-civilizatoria/qanon-delirio-como-arma-ideologica-do-capital/ Acesso em 04 MAI 2023 

G1.https://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/noticia/2023/05/02/capela-de-araras-e-vandalizada-e-diocese-repudia-intolerancia-religiosa.ghtml Acesso em 04 MAI 2023  

Religião e Poder. https://religiaoepoder.org.br/artigo/cristofobia/ Acesso em 04 MAI 2023  

Estado de Minas. https://www.em.com.br/app/noticia/diversidade/2023/01/20/noticia-diversidade,1447311/religioes-afro-sao-maior-alvo-de-intolerancia-apesar-de-suposta-cristofobia.shtml Acesso em 04 MAI 2023  

 Data Labe. https://datalabe.org/ Acesso em 04 MAI 2023  

 ISER. https://iser.org.br/ Acesso em 04 MAI 2023   

Genêro e Número https://www.generonumero.media/ Acesso em 04 MAI 2023  

Dicionário dos negacionismos no Brasil. Organização: José Szwako e José Luiz Ratton. Recife, Editora Cepe, 2022. https://www.cepe.com.br/lojacepe/dicionario-dos-negacionismos-no-brasil Acesso em 04 MAI 2023  

Igreja Luterana em Joinville é usada em mentira sobre religião na campanha eleitoral pró-Jair Bolsonaro

* Com colaboração de André Mello. Matéria atualizada às 12:43 e às 15:40 para complementação de informações.

Passou a circular com intensidade nas mídias sociais, na noite deste 18 de outubro, postagens com imagens de suposta invasão de militantes de esquerda ao templo da Paróquia da Paz da Igreja Evangélica de Confissão Luterana (IECLB), em Joinville (SC).

Imagem: reprodução do Twitter
Imagem: reprodução do Twitter

Imagem: Uma das postagens em mídias sociais e os comentários em apoio

O portal evangélico Gospelmente publicou matéria sobre a suposta invasão, com as imagens acusatórias ao Partido dos Trabalhadores (PT) e à Central Única dos Trabalhadores (CUT), com base em postagens em mídias sociais, incluindo menção ao Instagram da igreja, sem apuração.

Imagem: reprodução do site Gospelmente

O site GP1, cuja aparência é semelhante à do portal G1, da Globo, também repercutiu:

Imagem: reprodução site GP1

A notória veiculadora de desinformação, revista Oeste, também publicou matéria, sob a vinheta “Eleições 2022”, com base nas postagens em mídias sociais, incluindo menção ao Instagram da igreja, sem apuração. 

Imagem: reprodução Revista Oeste

Ambas matérias dizem que os militantes invadiram a paróquia, interromperam o culto e tocaram o sino da igreja. Estas matérias estão sendo repercutidas nas mídias sociais com discursos de campanha eleitoral antipetistas, antiesquerda e pró-candidatura do presidente Jair Bolsonaro.

Bereia checou o episódio que gerou as imagens que foram base para tais publicações e ouviu lideranças da paróquia sobre o ocorrido. O presidente (leigo conforme a organização da IECLB)  Álvaro Kleper Filho explicou que a Igreja da Paz e o Instituto Educacional Luterano de Santa Catarina (Faculdades IELUSC) dividem o mesmo espaço, um pátio. Ele conta que houve um protesto de alunos do curso de Jornalismo contra a demissão de uma professora com o apoio de outros grupos da cidade. A manifestação ocorreu no horário das aulas, mesmo momento em que acontecia um culto na igreja. Os discursos por megafone, segundo o presidente da paróquia, de fato, atrapalharam o culto que ocorria e, depois, a saída das pessoas ao término, mas diz que não houve qualquer tipo de invasão à área interna da igreja. As imagens em que aparecem pessoas dentro de um espaço, de acordo com Álvaro Kleper Filho, não são da igreja mas das faculdades, do IELUSC.

O IELUSC, instituição de ensino superior com dez cursos de graduação, mais oito de especialização e um mestrado, é parte da Associação Educacional Luterana Bom Jesus IELUSC, em Joinville, à qual está integrado o Colégio Bonja.  O culto na Igreja da Paz, ao lado da instituição, estava sendo dirigido pela pastora Camila Faber Kerber. O outro pastor da paróquia Cleo Martin declarou:
Não entraram na Igreja. Apenas ficaram do lado de fora durante o culto com megafone, apitos, algazarra. A Pastora Camila conduziu o culto até o fim, mas de fato terminou com 15 minutos, pois as pessoas ficaram apreensivas.  Entraram sim, na Deutscheschulle [termo usado na tradição alemã luterana para “escola alemã~] e obstruiram a saída das pessoas que estavam no culto no portão principal. Os integrantes do coral não puderam entrar no estacionamento. Essa situação durou uns 20 minutos, até a chegada da  Polícia Militar, esta liberou o trânsito. A manifestação foi basicamente contra a demissão de uma docente do Colégio Bom Jesus que se posicionou contra a motociata do presidente em Joinville. A manifestação foi de alunos e de agremiações políticas.

A direção da instituição divulgou esclarecimento sobre o fato para a liderança da igreja:


Interface gráfica do usuário, Texto, Aplicativo

Descrição gerada automaticamente

Mensagem por WhatsApp enviada pela direção do IELUSC à paróquia

Imagens enviadas ao Bereia pela liderança da Paróquia que mostram o momento da manifestação. A concentração de pessoas, na foto à esquerda, está no espaço do IELUSC. A foto à direita mostra a igreja, dividindo o mesmo pátio, sem concentração de pessoas à frente.

Extrato do vídeo enviado pela liderança da paróquia ao Bereia afirmando que esta é uma parte interna do IELUSC e não da igreja

A Paróquia da Paz divulgou nota oficial sobre o assunto afirmando que não houve invasão:

Bereia também ouviu dois professores do IELUSC que não querem ser identificados, por conta da perseguição que está sendo imposta a docentes mais críticos na instituição. Eles declararam ao Bereia

“Eu estava lá ontem à noite e ninguém invadiu nada! Aqui saiu a notícia falsa de que a CUT e o PT haviam invadido a igreja e tocado o sino! Rir para não chorar, pois os sinos aqui são automáticos e tocam a cada meia hora e, também, inteira! É impressionante como mentem. Foi tudo pacífico! A manifestação foi por conta da demissão de uma colega professora que desabafou nas redes sociais contra os bolsonaristas! Foi tudo pacífico! Fizeram a manifestação e depois se aquietaram e foram para as aulas!”

“Eu estava lá… um monte de mentiras está sendo contado. Primeiro que os estudantes não invadiram nada. Eles foram fazer uma manifestação em solidariedade à professora que foi demitida por se posicionar contra o presidente Bolsonaro. Segundo, não invadiram igreja nenhuma, não pararam o culto e não tocaram o sino… o sino toca automaticamente na Paróquia da Paz. Terceiro, a CUT e o PT não ajudaram. Fizeram a manifestação depois se aquietaram e foram para as aulas. Tudo pacífico, ordeiro. Eu estava lá! É rir para não chorar”.

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Bereia classifica como FALSAS as publicações que afirmam que houve uma invasão à Igreja da Paróquia Luterana da Paz em Joinville na noite de 18 de outubro. Como apurado por nossa equipe o que ocorreu foi uma manifestação de estudantes contra a demissão de uma professora por conta de posicionamento político. 

O Estado de Santa Catarina é apontado em pesquisas eleitorais como reduto da campanha pela reeleição do presidente Jair Bolsonaro (alcança 63% de apoio do eleitorado, conforme pesquisa do IPEC divulgada neste  18 de outubro).


Interface gráfica do usuário, Texto, Aplicativo

Descrição gerada automaticamente

Fonte: G1 https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/eleicoes/2022/noticia/2022/10/19/ipec-com-eleitores-de-sc-bolsonaro-tem-63percent-no-estado-e-lula-27percent.ghtml 

As postagens falsas foram produzidas por apoiadores de Jair Bolsonaro para acirrar os medos em torno do fechamento de igrejas, recurso de convencimento com cristãos utilizado nestas eleições, como Bereia já tratou em matéria especial. Este é o tema com mais incidência de mentiras nesta campanha eleitoral. 

Veículos como sites gospel e outros propagadores de desinformação, como o Gospelmente e a revista Oeste têm explorado a temática. Neste caso de Joinville, os dois veículos chegaram a forjar que o caso foi divulgado no Instagram da Igreja da Paz, o que é mentira. Gospelmente, na certeza de que seus leitores não checam desinformação, chegou a indicar um nome de perfil no Instagram, que, checado por Bereia, não existe: 

Imagem da menção ao Instagram da Paróquia da Paz na matéria do site Gospelmente

O site Gospelmente já se declarou apoiador da campanha de Jair Bolsonaro como registrado em matéria publicada pela revista Piauí intitulada “Louvor, fofoca, notícia e fake news”. 

Referências de checagem:

Igreja da Paz no Instagram https://www.instagram.com/paroquiadapazjoinville/ Acesso em 19 out 2022

G1, https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/eleicoes/2022/noticia/2022/10/19/ipec-com-eleitores-de-sc-bolsonaro-tem-63percent-no-estado-e-lula-27percent.ghtml Acesso em 19 out 2022.

Revista Piauí, https://piaui.folha.uol.com.br/eleicoes-2022/louvor-noticia-e-fakenews Acesso em 19 out 2022.

Instagram. https://www.instagram.com/paroquiadapazjoinville/ Acesso em 19 out 2022

Apoiadores da reeleição de Jair Bolsonaro continuam a enganar sobre suposta ameaça do PT às igrejas

* Com colaboração de Heloísa Carvalho e Luis Henrique Vieira

Perfis de mídias sociais em campanha pela reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL) atuam para garantir apoio do segmento cristão evangélico por meio de desinformação baseada em terrorismo verbal (busca de convencimento com imposição do pânico). Um dos temas mais fortes neste sentido nas eleições de 2022 é a ideia de que o Partido dos Trabalhadores (PT), que está à frente nas pesquisas com a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e as esquerdas em geral, ameaçam a existência das igrejas no Brasil. Em várias postagens se propaga que, caso vençam, Lula, o PT, as esquerdas, vão silenciar os cristãos e fechar as igrejas.

A mais recente postagem mostra o vídeo de uma  marcha na qual manifestantes gritam “Igreja fascista tu tá na nossa lista”. Ao vídeo foi adicionado o título “Passeata do PT ameaça igrejas”. Legendas usam do pânico para convencer: “Olha o absurdo que nos espera se, acontecer o inesperado” e “‘Nicaraguar’ o Brasil não é uma opção” (esta última, em referência à perseguição que o atual governo da Nicarágua tem imposto a lideranças da Igreja Católica no país que lhe tem feito críticas).

Imagem: reprodução do Twitter

Origem do vídeo

Bereia checou que este vídeo já havia sido utilizado por apoiadores de Jair Bolsonaro na campanha eleitoral de 2018. Ele foi publicado no Facebook, em 15 outubro de 2018, pelo pastor da Igreja da Trindade Franklin Ferreira, em postagem contra esquerdas e pastores progressistas. No conteúdo, o pastor  critica a disseminação de ódio contida na frase gritada por manifestantes em marcha, diante da Catedral da Fé da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), em Porto Alegre (RS).

Imagem: reprodução do Facebook

A pesquisa que Bereia fez das origens do vídeo indica que ele foi produzido por fiéis da Catedral da Fé, em outubro de 2018, com o registro de um momento em que manifestantes passam em frente ao templo e gritam a frase que classifica a igreja como ” fascista”. 

Em 9 de outubro de 2018, há a publicação de um pastor da IURD em seu perfil pessoal no Facebook, que reproduz o vídeo com a legenda:  

“Estamos sendo CHAMADOS DE FACISTAS!! 

Bispo, por três vezes lá em Porto Alegre, tivemos que fechar a catedral durante passagem de manifestantes da esquerda. Nas três vezes tivemos que pintar de novo a fachada, porque deixaram frases como essa. Podemos usar agora, mostrando o que eles pretendem em relação a nós. Repare que a frase cantada é “igreja fascista, tu tá na nossa lista”.

Imagem: reprodução do Facebook

A manifestação em Porto Alegre ocorreu no contexto das marchas antifascistas, em oposição à candidatura de Jair Bolsonaro (PSL), durante o segundo turno daquele pleito, disputado também por Fernando Haddad (PT). O jornal Sul 21 cobriu uma das marchas, organizada pela Frente Povo Sem Medo para protestar contra os casos de violência verbal e física de apoiadores do candidato dirigida a militantes de esquerda. 

Os gritos contra a IURD, apoiadora de Jair Bolsonaro, registrados em vídeo, ocorreram em uma dessas manifestações. Como o pastor indica na publicação do Facebook, eles passaram a ser usados para contrapor a afirmação de que os discursos de ódio partiam da candidatura de Bolsonaro.

A falsa perseguição a igrejas 

O uso do tema da perseguição a cristãos pelas esquerdas e pelo PT em campanha eleitoral não é novo, remonta às eleições de 1989, quando o PT lançou Lula candidato pela primeira vez, usado por apoiadores de Fernando Collor de Mello. Usava-se o imaginário da ameaça comunista relacionada ao PT e o discurso de que fecharia as igrejas para apoiar Collor, que as protegeria. 

Este tema como campanha não foi tão usado em eleições posteriores e foi retomado com mais força somente mais recentemente, nas eleições municipais de 2020, sob o rótulo do termo “cristofobia”. Bereia publicou material sobre a circulação desta desinformação naquele ano. Como não havia casos a serem explorados no Brasil, onde cristãos livremente professam sua fé, os discursos lançaram mão de casos como o da queima de um templo católico no Chile, em 2020. O fato foi manipulado por candidaturas de direita, como exemplo do que poderia acontecer no Brasil governado por partidos de esquerda. 

Bereia aprofundou a abordagem e publicou artigo que explica que “cristofobia” é tema inventado para explorar o imaginário cristão de perseguição e ganhar com isto adesão a certas causas e extrapolar a liberdade de expressão, uma vez que não existe este tipo de ação sistemática no Brasil. 

O caminho aberto para a abordagem do tema da perseguição a igrejas como estratégia de convencimento de campanhas de direita está sendo trilhado em 2022 com os discursos em torno da reeleição de Jair Bolsonaro. São muitas as postagens de conteúdo em mídias sociais que afirmam que Lula e as esquerdas vão fechar igrejas e perseguir cristãos. 

Mesmo contrapondo tal conteúdo com afirmações de que durante os mandatos do PT não houve qualquer sinal de animosidade contra grupos religiosos, especialmente cristãos, a Coligação Brasil da Esperança, que tem o ex-presidente Lula como candidato, protocolou representação no Tribunal Superior Eleitoral  (TSE) contra materiais publicados pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) com a temática. 

A ministra Carmem Lúcia tratou o caso e determinou, em 5 de setembro de 2022, a remoção dos vídeos nas mídias sociais do deputado nos quais afirmava que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o PT (Partido dos Trabalhadores) “apoiam invasões de igrejas e perseguição de cristãos”.

Tais abordagens também foram disseminadas por personagens públicas como o deputado federal Marco Feliciano (PL-SP), o pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia, entre outras, como pode ser encontrado em várias matérias do Bereia.

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Bereia classifica as postagens com o vídeo intitulado “Passeata do PT ameaça igrejas” como enganosas. O vídeo é de 2018 e registra um ocorrido no contexto das disputas do segundo turno das eleições daquele ano. Representa um ato de intolerância religiosa que é pontual, contextual, referente a uma personagem específica, a IURD, e não a todas as igrejas. 

Quem faz uso deste vídeo em 2022 quer fazer crer que tal manifestação ocorreu neste momento, por isso não indica data e local do ocorrido, muito menos as circunstâncias. Isto é característico da propagação de desinformação. Não há registro de qualquer manifestação organizada contrária a igrejas na campanha eleitoral de 2022. 

Bereia alerta  leitores e leitoras sobre a desinformação sobre perseguição a igrejas e cristãos no Brasil. Tal prática não existe e não é projeto de qualquer partido político. A Constituição do Brasil assegura a liberdade de crença e de culto para todas as religiões. Atos de intolerância contra qualquer grupo religioso devem ser repudiados e denunciados. Afirmações em postagens em mídias sociais sobre a existência de ameaças a igrejas e “cristofobia” (perseguição sistemática) no país não são verdadeiras e são desenvolvidas para campanhas de convencimento por meio do pânico.

Referências de checagem:

Sul 21. https://sul21.com.br/ultimas-noticias-politica-areazero-2/2018/10/marcha-antifascista-reune-milhares-contra-bolsonaro-no-centro-de-porto-alegre/ Acesso em: 7 set 2022.

Tribunal Superior Eleitoral. https://bibliotecadigital.tse.jus.br/xmlui/handle/bdtse/5134 Acesso em: 7 set 2022.

Coletivo Bereia.

https://coletivobereia.com.br/incendio-de-igrejas-no-chile-nao-e-caso-de-perseguicao-a-cristaos/ Acesso em: 7 set 2022.

https://coletivobereia.com.br/cristofobia-uma-estrategia-preocupante/ Acesso em: 7 set 2022.

Poder 360. https://static.poder360.com.br/2022/09/decisao-carmen-lucia-eduardo-bolsonaro.pdf Acesso em: 7 set 2022.

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Foto de capa: Google Street View

Postagem engana com vídeo de pastor fazendo oração por traficantes

Um vídeo que mostra traficantes interrompendo um culto em uma igreja evangélica no Rio de Janeiro para pedirem uma oração antes de saírem para um confronto armado, viralizou em mídias sociais na terça, 5 de julho, e se transformou em notícia até mesmo de grande mídia local.

Imagem: reprodução do Instagram

Imagem: reprodução do jornal O DIA

Alguns perfis e a matéria do jornal O Dia basearam-se em informação da página carioca de mídias sociais “Alerta Informes Rio”. Em publicação, a página dizia que “a filmagem, segundo fontes da polícia, ocorreu na quinta-feira, dia 30 [de junho], na comunidade INPS, na Ilha do Governador, Zona Norte do Rio. O Portal Procurados também confirmou a informação”. 

Imagem: reprodução do Instagram
Imagem: reprodução do Instagram

Após o alto alcance do vídeo e dos inúmeros comentários sobre a relação entre igrejas e o tráfico de drogas, vários deles de cunho preconceituoso e depreciativo de igrejas evangélicas em geral, lideranças de uma pequena igreja evangélica no Morro do Borel (bairro da Tijuca, no Rio) tornaram público o teor da publicação: era uma encenação. 

Uma peça de teatro religiosa

Como é muito comum em igrejas evangélicas, peças são encenadas em cultos para oferecer uma mensagem, um ensino, relacionados à dinâmica da vida, da própria igreja. É muito comum temas como processos de conversão, a volta de Jesus e o Juízo Final, histórias da “igreja perseguida pelo mundo”, por exemplo. Da mesma forma, para comemorar o Dia do Pastor, em 12 de junho, integrantes do Ministério Tempo de Avivar apresentaram uma peça teatral em que dois traficantes (personagem presente no cotidiano de uma comunidade periférica) pediam oração para atuarem em um confronto violento, mas ao final se convertiam ao Evangelho.

A história foi esclarecida pela pastora presidente do Ministério, Isa Cruz, em depoimento ao repórter Igor Melo, do UOL Notícias. Ela disse que o pastor que aparece nas imagens é seu marido, Alan Mendes, também presidente da igreja.   A pastora contou ao repórter que não faz muito uso de mídias sociais, mas acabou tomando conhecimento da repercussão do caso. “A todo momento me mandam o vídeo.” Ela explicou que a congregação não se preocupou com a divulgação das imagens: “Ficamos tranquilos, porque realmente foi uma peça e acho que não foi [divulgado] o vídeo todo”.

O pastor Alan Mendes explicou ao UOL Notícias que a arma exibida no vídeo era de paintball. A pastora admitiu que em sua igreja já houve casos de traficantes que se converteram e largaram o crime e a peça estaria refletindo esta realidade. “A nossa igreja é aberta. Nós não impedimos ninguém de entrar na igreja para receber a palavra de Deus. Temos alguns convertidos que antes foram ex-prostitutas, ex-traficantes. Quando [a pessoa] entra na igreja, na presença de Deus, sua vida é mudada”, disse Isa Cruz à reportagem.

Já o jornal O Globo, publicou o esclarecimento dado pela pessoa que publicou o vídeo. Trata-se do mestre de obras, que é influenciador digital, Rondinele dos Santos, conhecido como Nelinho do Borel. Ele relatou a mesma história contada ao UOL pela pastora Isa Cruz e seu marido pastor Alan Mendes. Com mais de 50 mil seguidores, Nelinho do Borel afirma que postou o vídeo no TikTok com a intenção de mostrar como a igreja atua dentro das comunidades.

Apesar da boa intenção, o influenciador digital teve problemas com a publicação. “A igreja está lá para orar por todo mundo, independente do que a pessoa faz. Eu não achei que iriam apagar meu vídeo. Na primeira vez que publiquei, ele teve 12 milhões de visualizações. Deletaram meu vídeo e eu postei de novo, achando que tinha dado algum erro. Na terceira vez, bloquearam minha conta”, contou Nelinho do Borel à repórter Kathlen Barbosa, de O Globo. Segundo ele, na legenda do vídeo constava a informação de que se tratava de uma peça de teatro, porém desconfia que a plataforma tenha apagado o conteúdo por conta de denúncias de outros usuários.

Nelinho do Borel confirmou o que disse o pastor Alan Mendes, que a encenação usou armas de paintball, e que os personagens que aparecem no vídeo são todos membros da igreja.

A vida como ela é

O conteúdo que fez o vídeo viralizar é enganoso, pois não é um fato ocorrido, mas sim uma encenação. Entretanto, elementos contidos na narrativa que deu forma à representação dos membros da igreja, no Dia do Pastor, são uma realidade presente no cotidiano de muitas igrejas em favelas de grandes cidades do Brasil.

É uma realidade que tem se tornado muito evidente pelo noticiário e acaba sendo julgada e, boa parte das vezes, condenada por pessoas que vivem em bairros das cidades do Brasil e que desconhecem o cotidiano destas comunidades. Por isso, o trabalho de pesquisadoras como a professora da Universidade Federal Fluminense e do Instituto de Estudos da Religião Christina Vital é muito relevante. Ela é autora do livro “Oração de Traficante: uma etnografia (Rio de Janeiro: Garamond, 2015), resultado de pesquisa de campo, como antropóloga, nas favelas de Acari e Santa Marta, no Rio.

Há os casos de traficantes que participam das igrejas e se convertem, e mudam de vida, como relata a pastora Isa Cruz, e há os que não mudam, acomodam as duas identidades, a do tráfico e a religiosa. Por isso a professora Christina Vital afirma que “não se trata de pensarmos esta relação, esta aproximação entre criminosos e redes e códigos evangélicos a partir da ótica da conversão, de uma transformação da vida do indivíduo, mas de uma composição específica que envolve expectativas de transformação, apelos morais, conexão com narrativas locais e uso de uma religião como ícone de dominação. Assim, a religião seria mais uma forma de demonstrar poder”.

A professora ressalta que a intensificação da relação entre igrejas evangélicas e dirigentes do tráfico é mais um sintoma do crescimento evangélico que vem ocorrendo como um todo no Brasil, especialmente nas periferias. Esta presença evangélica se dá pela escuta, pela aproximação e pelas relações de confiança que se estabelecem no que pode ser lido como um vazio nas relações com outras instituições e organizações, como o próprio Estado. “Não acho correto dizermos que a Igreja cresce onde o Estado não está presente. O Estado está presente nessas localidades, mas de modo precário, reforçando sentimentos de desconfiança, elemento corrosivo da vida social”, afirma Christina Vital.

A pesquisadora reconhece a questão da intolerância religiosa que se agrava com esta nova realidade: 

“Há um contexto sociopolítico muito desfavorável à presença de religiosos de matriz africana. Isso nas favelas se tornou mais intenso porque é um local com uma densidade demográfica muito grande, onde esses rituais têm um tipo de sonoridade em que é impossível realizar as celebrações em segredo. Esses vários terreiros que existiam nas favelas foram para a Zona Norte ou para a Baixada Fluminense. Uma mãe de santo falou que esse êxodo se dá em parte pela intolerância religiosa e em parte pelo aumento da violência nas favelas, o que pôde ser percebido no trabalho de campo em Acari desde a década de 1990. O crescimento do tráfico e o superarmamento do tráfico traziam uma condição muito instável para os moradores e para os filhos de santo que iam à favela.

Ainda na década de 1990 houve a “gratificação faroeste”, em que vimos a violência crescer no estado e na cidade do Rio de Janeiro. Resumindo, há duas ocorrências. O movimento da intolerância religiosa praticada por moradores e a questão que diz respeito à violência estrutural, que se apresenta deste modo em razão do crescimento do tráfico e que dificulta a ida dos filhos de santo para a favela”.

O tráfico e as igrejas

Sobre o caso específico da gravação da encenação pelo Ministério Tempo de Avivar, Bereia ouviu a mestre em Ciências da Religião, do Instituto de Estudos da Religião  (ISER), Viviane Costa, que é pastora pentecostal, da Igreja Assembleia de Deus. Ela explica que em favelas em que há a presença de traficantes que se identificam como evangélicos (e faz sentido o caso do Morro do Borel, pois está neste contexto), há igrejas que acabam participando da dinâmica em torno desta realidade, o que não quer dizer que tenham associação com o tráfico. 

“Quando um traficante pede para o pastor fazer uma oração, porque ele vai para um enfrentamento, para um confronto, ou para se defender ou para lutar por um novo território, ou eles “convidam” o pastor para ir até a boca de fumo ou eles vão até a igreja e pedem oração, ou ainda um pastor passando pela rua é chamado e ora por eles. Isto é diferente daquela outra oração que o pastor faz como um apelo à conversão, por exemplo. A primeira seria uma oração voltada para uma dinâmica de guerra do tráfico, o que faz parte deste contexto representado na peça”, explica Viviane Costa.

A pastora e pesquisadora ressalta que

“De qualquer forma, esta participação do pastor em oração representada na peça não representaria uma necessária associação dele com o tráfico de drogas, até porque se ele está dentro de um território dominando pelo movimento, ele não tem muita liberdade para dizer ‘não quero orar por você. Há aqueles, sim, que se envolvem com o movimento, fazem parte dele, recebem dinheiro, verba desviada, tem festas patrocinadas pelo movimento, mas há pastores nestes locais que só tem aproximação com o pessoal do tráfico quando é para fazer oração, para cumprir algum compromisso mais ministerial. Nestes casos eles mantêm um distanciamento, uma blindagem. A professora Christina Vital chama isto de blindagem moral. Eles têm a prática do bom testemunho porque, ao não se envolverem, eles continuam a manter a postura e a autoridade de um pastor sério, homem de Deus, reconhecido pela comunidade e pelo tráfico de drogas também”.

Retificação nas mídias

No mesmo dia em que publicou ser verdadeiro o vídeo com a oração, a página Alerta Rio Informa no Instagram apagou a postagem e publicou uma nova em que afirma ser o caso uma história “Fake”. Nela, o grupo reproduz trechos publicados pelo projeto de fact-checking Fato ou Fake, do Portal G1, sobre o caso, sem dar o devido crédito.

Imagem: reprodução do Instagram

O jornal O Dia também publicou matéria que informa que o vídeo é uma peça de teatro. 

Imagem: reprodução do jornal O Dia

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Bereia classifica as postagens e matérias que divulgaram um vídeo com traficantes recebendo oração antes de um confronto violento como enganosas. O vídeo é verdadeiro, mas é a gravação de uma encenação, uma peça de teatro comum em igrejas evangélicas para a transmissão de uma mensagem. Bereia alerta leitores e leitoras para conteúdos desta natureza que em nada contribuem para a reflexão sobre a complexa dinâmica da presença evangélica no Brasil e acabam por alimentar preconceito e intolerância. 

Referências de checagem:

UOL. https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2022/07/05/video-de-traficante-em-igreja-no-rio-e-peca-de-teatro-dizem-pastores.htm Acesso em: 06 jul 2022

Instituto Humanitas Unisinos. https://www.ihu.unisinos.br/categorias/159-entrevistas/606272-a-religiao-como-simbolo-de-dominacao-nas-periferias-entrevista-especial-com-christina-vital Acesso em: 06 jul 2022

G1. https://g1.globo.com/fato-ou-fake/post/2022/07/05/e-fake-video-que-mostra-traficantes-armados-pedindo-oracao-em-igreja-no-rio.ghtml Acesso em: 06 jul 2022

Imagem de casal em suposto ato sexual em altar de igreja é enganosa

Circula nas mídias sociais uma imagem de um casal que supostamente pratica relação sexual no altar de uma igreja com características de uma congregação evangélica. O ato foi justificado, em legendas, como uma bênção para a superação da  impossibilidade de um casal para gerar filhos. Além das muitas curtidas e compartilhamentos em mídias sociais, foram observadas opiniões nos comentários que se revelaram divididas: de um lado, religiosos que colocam em dúvida tal situação. Do outro, alegações de que situações como essas não seriam de todo inesperadas, considerando certa banalização do Cristianismo nos últimos anos, reiterada por frequentes casos de escândalo que envolvem lideranças evangélicas.

Imagem: reprodução do Twitter

A publicação nas mídias sociais tem data de 22 de maio, mas não foram encontrados dados fundamentais sobre a imagem, como nome da igreja, cidade em que está localizada e a data do evento. Também não há registro da fonte de onde partiram as informações. Tampouco as pessoas que aparecem nas imagens foram identificadas. Estas são características básicas de fake news, como Bereia vem explicitando a leitores e leitoras, ao lado de outras agências de checagem e projetos de enfrentamento da desinformação.

Com base nessas características, Bereia estava com pesquisa e apuração de informações em curso quando recebeu a publicação do site de checagem de conteúdo E-Farsas. Segundo Gilmar Lopes, que assina a matéria, a imagem que viralizou não era uma foto, mas a reprodução de cena da gravação de transmissão no Facebook, de um culto da Igreja Aliança Restaurada, em Fortaleza (CE). O culto, realizado em 17 de maio passado, e transmitido ao vivo, foi intitulado “Terça dos Provocadores e Milagres”. A cena foi retirada do trecho a 1h19min do vídeo, quando a pedido do pastor, uma mulher que passou mal foi levada ao altar para ser curada. No ritual, a esposa do pastor se deitou sobre a fiel para transferir saúde para ela, sob e sobre um pano vermelho como símbolo do ato.

Nesta cena da gravação, omitida na divulgação enganosa, pode-se identificar a fiel que recebeu a oração sendo conduzida ao altar para o ritual, acolhida pela esposa do pastor.

Imagem: reprodução do Facebook

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Bereia classifica como enganosa a imagem de um casal supostamente praticando relação sexual no altar de uma igreja. Cena atípica de um culto religioso foi identificada, retirada do contexto e transformada em fotografia com o objetivo de desinformar. Foi feita divulgação para levar a crer que foi realizado ato sexual em um culto, com base na omissão de informações fundamentais sobre qualquer episódio como a identificação do local e das pessoas envolvidas. Em nenhum espaço digital religioso sob monitoramento constaram dados sobre o caso, nem a fonte da informação ou da autoria da suposta foto. 

Bereia alerta leitores e leitoras para a circulação de conteúdo que busque engajamento em mídias sociais para 1) provocar mais polêmicas e debates em relação a práticas controversas de grupos religiosos, principalmente evangélicos, por meio de confusão, promoção da ignorância e reforço a preconceitos, com base em desinformação;  2) gerar engajamento para a promoção de certos perfis em mídias sociais com temas que geram cliques em curtidas e compartilhamentos por meio do uso de conteúdo apelativo.

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Referências de checagem:

E-farsas. https://www.e-farsas.com/casal-que-nao-pode-ter-filhos-transa-em-culto-por-milagre-sera-verdade.html Acesso em: 23 mai 2022.

Facebook. https://www.facebook.com/alianc.restaurada/videos/689122442369702/?sfnsn=wiwspmo Acesso em: 23 mai 2022.

Templos, igrejas e protestos

Nesses dias, a imprensa ávida por qualquer notícia sensacionalista que legitime denúncias contra movimentos populares e partidos considerados de esquerda, se deleitou com imagens e narrativas do que chamaram de invasão de uma igreja em Curitiba. Autoridades eclesiásticas e civis protestaram contra o desrespeito ao lugar sagrado e o assunto está sendo debatido na própria câmara de vereadores da cidade. 

O debate se dá sobre o fato de os manifestantes terem entrado na igreja depois da missa e terem expressado dentro do templo a denúncia contra o assassinato truculento e cruel de Moïse, jovem congolês, barbaramente torturado e assassinado, em um quiosque na Barra da Tijuca, e também da morte de outro negro, baleado por vizinho policial, que o confundiu com um ladrão. Naquele final de semana, em diversas regiões do Brasil, ocorreram manifestações de protestos contra esses atos extremos de racismo contra negros. Em Curitiba, no centro histórico da cidade, o ato se reuniu em frente a uma Igreja, que foi historicamente de confraria negra. Depois do horário da missa, no final da tarde, os manifestantes entraram na Igreja e encerraram ali o seu protesto pacífico. 

Sobre o fato, podem se fazer várias considerações. Antes de tudo, em termos metodológicos e estratégicos, organizações populares e partidos progressistas tomaram posições críticas em relação ao ocorrido. De fato, o grupo que fazia a manifestação não sofreu nenhuma perseguição. Não fugia de nenhuma repressão e não precisava ter ocupado a igreja, sem permissão dos responsáveis pelo templo. 

Do ponto de vista institucional, todos sabem que a maioria dos eclesiásticos católicos concorda que igrejas sejam usadas para missas de posse de governadores ou prefeitos de direita. No entanto, considera desrespeito ao lugar sagrado qualquer manifestação de categorias populares que possa ser vista como de esquerda. 

Em Roma, o Papa Francisco pode considerar prioritário dialogar com movimentos populares e defender a vida de migrantes africanos, mas essa ainda não é a sensibilidade de muitos ministros e fiéis católicos no Brasil. As pastorais sociais da CNBB e muitos padres e agentes de pastoral participaram dos atos de protesto e de denúncia contra o racismo. Muitos religiosos gritaram com as organizações populares que “vidas negras importam”, mas para muitos cristãos, esse assunto parece não fazer ainda parte do anúncio da fé e da missão da Igreja.  

Na época da ditadura militar brasileira, em Recife, estudantes que protestavam contra a repressão ocuparam uma igreja no centro da cidade. Assim que soube, o próprio arcebispo Dom Helder Câmara foi para a igreja e se colocou lá ao lado dos estudantes até conseguir que eles pudessem sair do templo em segurança. O mesmo ocorreu em Salvador (BA) onde a igreja ocupada pelos rapazes e moças foi a basílica do Mosteiro de São Bento. O abade Dom Timóteo Anastácio não somente abriu as portas da igreja como declarou o Mosteiro como espaço de abrigo e santuário de proteção da juventude. Do mesmo modo, em São Bernardo do Campo (SP), em 1980, a Igreja Matriz foi abrigo para assembleias dos metalúrgicos em greve perseguidos pela ditadura. 

Atualmente, embora em outro contexto político, a sociedade tem direito de cobrar dos responsáveis das igrejas a coerência profética com o evangelho de libertação. Originalmente, o Cristianismo não tinha templos e sim igrejas. Enquanto os santuários se colocam como locais sagrados, igrejas significam espaços de assembleia. 

Quando o apóstolo Paulo chamou as comunidades sobre às quais escrevia como “igrejas”, estava afirmando que eram assembleias de pessoas não reconhecidas como cidadãs pelo império, mas que, nas comunidades cristãs, podiam se reunir e se manifestar como assembleias de cidadãos e cidadãs do reinado divino no mundo. Ainda hoje, quando manifestantes ocupam uma Igreja, de alguma forma, interpelam aos senhores do templo: Qual é o sentido e a missão da Igreja? 

Ao mesmo tempo que desejamos que os movimentos populares sempre se esmerem por respeitar educadamente a todos os ambientes e deem exemplo de diálogo com todas as pessoas com as quais se encontram, pedimos a Deus que os discípulos de Jesus aceitem retomar o caráter profético da fé cristã. 

Mesmo sabendo que a postura do arcebispo e da Arquidiocese de Curitiba tem sido, em geral, mais aberta e solidária, sonhamos com tempos nos quais padres e bispos não somente não se oponham, como fiquem felizes quando suas igrejas forem ocupadas pacificamente por grupos populares que defendem a justiça e a vida para todas as pessoas humanas e na comunhão com todos os seres vivos.

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Foto de capa: Fotografia Curitiba

Deputado Feliciano publica mensagem sobre suposta abolição das Forças Armadas, da família e da igreja no Chile

* Matéria atualizada às 11:50

O deputado federal Pastor Marco Feliciano (PL-SP) publicou em seu perfil no Twitter, em 4 de fevereiro passado, uma mensagem com discurso criando pânico em seus seguidores sobre o fim da família e da igreja com base na atual conjuntura política do Chile:

Por que o foco no Chile?

Em dezembro de 2021 foram realizadas eleições presidenciais no Chile que levaram à vitória, com 56% dos votos, Gabriel Boric, ex-líder estudantil, de 35 anos, por meio da frente ampla de esquerda Apruebo Dignidad. A eleição de Boric à Presidência da República foi a culminância de um processo iniciado em outubro de 2020, quando 78% dos chilenos foram às urnas para decidir que uma nova Constituição deveria ser elaborada por uma Assembleia Constituinte. 

O processo eleitoral para escolher os membros da Assembleia Constituinte realizou-se no Chile entre 15 e 16 de maio de 2021. O início dos trabalhos ocorreu ainda em 2021, durante o governo de centro-direita de Sebastian Pinera.O Chile havia sido palco de intensos protestos a partir de outubro de 2019, durante o governo Pinera. As manifestações começaram depois de uma alta na tarifa do metrô de Santiago, posteriormente revogada, mas que foi o estopim para reivindicações mais amplas, como a melhoria no acesso à saúde, e à educação,além de reformas no sistema previdenciário.

Segundo um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE),, as famílias chilenas gastam em torno de 35,1% e a educação é praticamente dominada pelo setor privado que detém o maior número de matrículas e mesmo as universidades públicas cobram mensalidades. Já o sistema previdenciário é administrado por organizações privadas e penaliza os trabalhadores mais vulneráveis.

Durante os protestos de 2019, e após intensas negociações entre o governo e a oposição,  foi alcançado um acordo, aprovado pelo Congresso Nacional na forma do documento “Acordo pela Paz e uma Nova Constituição”

O documento estabeleceu o compromisso de restaurar a paz e a ordem pública no Chile e convocar um plebiscito para perguntar à população se o país deveria elaborar uma nova Constituição, para substituir a Carta da época da ditadura de Augusto Pinochet. No plebiscito, os eleitores responderiam se desejariam ou não uma nova Constituição e qual tipo de órgão deveria ficar responsável por redigi-la: uma comissão mista ou uma Assembleia Constituinte.

A comissão mista seria formada por parlamentares no cargo naquele momento e por pessoas eleitas para escrever a nova Carta. No modelo de Constituinte, todos os autores do documento seriam eleitos apenas para esse trabalho.

A eleição da Constituinte Chilena e início dos trabalhos

Os chilenos decidiram por uma nova Constituição e por uma Assembleia Constituinte. A votação que elegeu os membros constituintes, em maio de 2021, representou uma derrota para a coalizão de centro-direita que sustentava o então presidente Sebastián Piñera. Os representantes da direita governista ficaram com apenas 37 das 155 cadeiras (24%), enquanto a centro-esquerda obteve 53 assentos (34%), e os independentes, 65 (42%), dentre estes últimos estão representantes dos povos originários do Chile. A Constituinte chilena é presidida por uma líder indígena e tem quantidade igual de cadeiras para homens e mulheres. 

As propostas apresentadas precisam de dois terços para aprovação e inclusão na nova Constituição, e além disso, ao final da redação, a nova Carta Magna será apresentada à população e sua aprovação passará por votação popular. 

Sobre a abolição das Forças Armadas 

“Abolir” as forças armadas foi uma dentre milhares de propostas encaminhadas pela população à Assembleia Constituinte. A proposta foi feita por um cidadão chileno e não obteve sequer o mínimo de assinaturas necessárias para ser apreciada pela Constituinte: foram 461 apoios, longe dos 15 mil condicionados por lei.  Desta maneira, a proposta não foi apreciada ou discutida pela Constituinte. 

A Assembleia Constituinte Chilena está deliberando sobre 78 iniciativas populares aprovadas. Entre estas, apenas uma diz respeito às Forças Armadas mas não sobre sua extinção e sim sobre garantirem a democracia, a segurança nacional e a defesa da pátria. 

Sobre “acabar com a família e a igreja”

Entre as propostas em discussão na Assembleia Constituinte do Chile não há qualquer referência ao que o Pastor Marco Feliciano alardeia para seus seguidores sobre o fim da família e da igreja, uma vez que ele relacionou estes temas à extinção das Forças Armadas, o que é falso.

Os temas também não se referem à eleição do presidente Gabriel Boric, que não apresentou como plataforma de campanha qualquer projeto que embase a afirmação do deputado.

Conclusão

Bereia conclui que a postagem do deputado Marco Feliciano é falsa. Gabriel Boric conquistou a Presidência do Chile, em dezembro de 2021, assumirá o mandato em março de 2022 e não tem poderes sobre a Assembleia Constituinte. Ele  foi eleito como candidato de uma frente ampla que inclui socialistas e partidários de várias tendências de esquerda. No entanto, os trabalhos da Assembleia Constituinte são independentes, seus representantes foram eleitos pelo povo chileno em maio de 2021, sua composição é plural e qualquer cidadão pode propor mudanças, desde que apresentasse um número mínimo de assinaturas de apoio. Foram aprovadas, a partir dos critérios por lei, 78 propostas e nenhuma delas diz respeito à extinção das Forças Armadas.

Não existe menção a propostas desta natureza no programa de governo de Gabriel Boric, o que também não foi discutido pela coalização política do presidente eleito e. Da mesma forma o que diz respeito ao fim da família e da igreja.

A relação que o deputado Pastor Marco Feliciano estabelece entre a eleição de Gabriel Boric, a falsa afirmação de que constituintes do Chile querem abolir as Forças Armadas e a destruição da família e da igreja com uma possível eleição do ex-presidente Lula em 2022, está dentro da pauta desinformativa que o Coletivo Bereia tem coberto desde 2019. Uma análise sobre isto pode ser lida aqui

Foto de capa: Jose Pereira

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Referências de checagem: 

Twitter. https://twitter.com/convencioncl. Acesso em: 11 fev 2022.

Folha de São Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2019/11/em-resposta-a-protestos-chile-fara-plebiscito-sobre-nova-constituicao.shtml Acesso em: 11 fev 2022.

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021/07/chile-inicia-reformulacao-da-constituicao-em-meio-a-turbulento-ano-eleitoral.shtml Acesso em: 11 fev 2022.

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2019/11/chile-confirma-inicio-de-processo-para-mudar-constituicao-e-acalmar-protestos.shtml Acesso em: 11 fev 2022.

Acuerdo Por la Paz Social y la Nueva Constitución. https://obtienearchivo.bcn.cl/obtienearchivo?id=documentos/10221.1/76280/1/Acuerdo_por_la_Paz.pdf Acesso em: 11 fev 2022.

Assembleia Constituinte do Chile – Plataforma Digital de Participação Popular. https://plataforma.chileconvencion.cl/  Acesso em: 11 fev 2022.

https://perma.cc/L9PA-29FX. Acesso em: 11 fev 2022.

https://perma.cc/78GQ-KTU2. Acesso em: 11 fev 2022.

Congresso Nacional do Chile – Acordo pela Paz e uma Nova Constituição – https://obtienearchivo.bcn.cl/obtienearchivo?id=documentos/10221.1/76280/1/Acuerdo_por_la_Paz.pdf 

Outras Palavras. https://outraspalavras.net/outrasmidias/para-entender-os-porques-da-revolta-chilena/ Acesso em: 11 fev 2022.

BBC Brasil. https://www.bbc.com/portuguese/internacional-59701412 Acesso em: 11 fev 2022.Bereia. https://coletivobereia.com.br/as-mentiras-que-circulam-em-ambientes-religiosos-no-brasil/ Acesso em: 11 fev 2022.

“Quem dentre vós não tiver pecado, publique a primeira agressão”: a leitura de um “apedrejamento virtual” na controvérsia com o Pr. Ed René Kivitz

* Texto publicado originalmente no Medium.

Introdução

A primeira programação de início do meu feriadão de Finados foi assistir ao vídeo da pregação de Ed René Kivitz1, pastor presidente da Igreja Batista de Água Branca (IBAB) desde 1989, durante o culto online do dia 25 de outubro de 2020. Caso você ainda não tenha assistido ao vídeo inteiro, clique aqui. Só registrando que, no dia em que assisti ao vídeo, que tem por título “Cartas vivas contra letras mortas”, a quantidade de visualizações já tinha ultrapassado a marca de 260 mil. Uma coisa a observar nessa questão numérica destacada pelo YouTube é que, até o momento em que assisti, 9,9 mil pessoas informaram que gostaram do vídeo enquanto que 9,2 mil clicaram em “não gostei”.

Minha programação, no entanto, não se encerrou com os 49 minutos do vídeo. Acrescentando mais 50 minutos, eu também assisti ao vídeo que o próprio Ed René gravou na quinta-feira, dia 29 de outubro, a partir da produção de um projeto conhecido como “Movimento Casa”, projeto esse que fomenta a igreja como uma casa que se chama encontro. O “Movimento Casa” vai ao ar todas as quintas-feiras, às 20h30min, no canal do YouTube da denominação. Por conta da repercussão do primeiro vídeo, Ed René Kivitz apresentou os pontos explicativos de sua mensagem anterior. Veja aqui.

Fiz questão de assistir aos dois vídeos em sua inteireza porque acredito que, em tempos de consumidores de 30 segundos de vídeo e leitores de manchete nas mídias sociais, o contexto comunicativo fala muito mais do que a literalidade da palavra. E para quem já assistiu a mensagem do pastor Ed percebe que ele trata justamente dessa questão de literalidade e profundidade ao falar das linhas e entrelinhas da Bíblia.

Em números de comentários, em uma das postagens no perfil de Ed René Kivitz no Instagram, até o momento da escrita desse parágrafo, já tinha sido registrado 5.785 comentários. Não conseguimos informar o número do YouTube, pois os comentários dos vídeos foram desativados. Vale observar que esse número de comentários no Instagram é de apenas uma postagem no perfil oficial do pastor, mas imagina a quantidade se conseguíssemos somar os comentários publicados em todas as postagens de quem compartilhou o fragmento ou até mesmo o vídeo inteiro! Mas vamos lá! Confesso que escrevo este texto para que possamos pensar acerca dos atravessamentos sociais, digitais e religiosos que entram em cena quando um pastor ou qualquer pessoa publica seu discurso na internet. E apresento, como consideração, o meu posicionamento diante do lamentável fato.

A sociedade em rede e o apedrejamento virtual

O primeiro ponto que destaco aqui, enquanto pesquisador de Comunicação, precisamente dedicado a analisar os fenômenos gerados a partir da articulação entre mídia e religião, é que com o desenvolvimento das tecnologias sociodigitais, a pregação não se encerra na hora do “Amém”. Pensa comigo! Antes da cultura digital, o pastor pregava no templo e, em determinado horário, encerrava o culto e todo mundo ia embora para suas casas. O exemplo a que me refiro pode ser derrubado por vários outros pesquisadores e professores que trabalham com o conceito de Mediação, pois não necessariamente a pregação e o culto se encerravam, de fato, no templo. Bastava uma conversa de um fiel com seus familiares em casa sobre a mensagem que ele ouviu de seu pastor no templo.

É importante afirmar que não foi a internet quem inaugurou o contexto de circulação discursiva, porém é mais do que consenso entre os pesquisadores da área que a internet potencializou essa circulação. No contexto de uma pregação no ambiente digital, outras variáveis se apresentam como moduladoras de produção de sentido. Dentre elas, apresentamos algumas características potencializadas pelo ambiente digital:

  • Na internet, a mensagem religiosa sempre está disponível (on-line) e você pode assisti-la em loop infinito, ou seja, pode ver e rever quantas vezes quiser e no horário que puder;
  • Antes das mídias de gravação, toda e qualquer mensagem era datada, pois, se você perdesse o momento de ouvi-la naquele local e horário, era impossível ter acesso a ela novamente;
  • Outra característica com o advento da internet é que o vídeo da pregação pode ser compartilhado para mais e mais pessoas, justamente por ser operacionalizado em fluxo de rede;
  • O fato do “Amém” do pastor, hoje em dia, já não é mais suficiente para encerrar a pregação, pois a mensagem incorpora um status de circulação discursiva quando é publicada e compartilhada em rede e na rede;
  • O próprio pastor Ed René percebeu isso a ponto de dizer, no segundo vídeo que indico acima, que o modo de fazer Teologia em rede é reconfigurado pelo processo de edição. E aqui é onde mora o perigo, pois a interpretação e reinterpretação de quem assiste ganha materialidade e força a partir do momento em que uma pregação de 49 minutos é ressignificada em apenas 1 minuto, por exemplo.

No caso de Ed René Kivitz, ele não é considerado apenas o pastor e influenciador de sua comunidade (IBAB). O motivo é que, em tempos de tecnologias de mídias digitais, um líder religioso não conta apenas com a audiência restrita dos fiéis dentro de um templo. No contexto de midiatização da cultura e da sociedade, a produção discursiva da liderança religiosa rompe as paredes do domínio exclusivo da igreja e atinge os níveis de audiência da sociedade conectada e interconectada por meio da internet.

O que percebemos na primeira semana em que o vídeo foi publicado tratou-se de um “apedrejamento virtual” em massa ao pastor Kivitz. E quando falamos em apedrejamento nos lembramos da mulher adúltera, fato narrado no capítulo 8 do Evangelho de João. Esse texto bíblico é um dos mais citados quando nos referimos a apedrejamento. No entanto, já destaco que a minha proposta aqui não é captar a literalidade do texto, até porque a tentativa de apedrejamento descrita em João 8 não tem nada a ver com o que estamos chamando aqui de “apedrejamento virtual”. Nossa apropriação é dialogar com o sentido das palavras em analogia com um ambiente no qual os protagonistas de agressões, conhecidos como “justiceiros digitais”, estão sempre de plantão para “linchar” ou até mesmo “cancelar” qualquer pessoa. Inclusive você e eu não estamos livres de sermos “queimados na praça digital” ao publicar algum pensamento que não atenda ao crivo dos justiceiros.

Figura 1 – Comentários na postagem do Instagram do Pr. Ed René Kivitz

Esse tipo de comentários se configura como “apedrejamento virtual” pela falta de capacidade argumentativa, a qual é muito diferente de uma opinião. O direito à opinião e à argumentação é saudável para todo e qualquer debate. Se eu discordo de algum pensamento seu exposto publicamente, eu preciso fundamentar minha opinião no respeito, nos fatos levantados e no reconhecimento do contexto que envolve a nossa comunicação. Mas antes de falar sobre isso, vamos entender, resumidamente, o contexto cultural em que vivemos nessa pós-modernidade.

O teólogo de internet

Enquanto a internet nos proporcionou aquilo que podemos entender como um dos saltos qualitativos de nossa história humana, ao aproximar e conectar pessoas dos mais variados lugares do planeta, possibilitando uma conexão não só entre iguais, mas também entre plurais, ela também, enquanto ambiente, escancarou o pior e mais degradável comportamento humano: a agressão e o ódio.

No século XX, com a predominância do jornal impresso, do rádio e da TV, o polo produtivo da cultura midiática estava concentrado nos que detinham o poder midiático enquanto que a massa consumia passivamente suas informações e produtos. Com a democratização da internet, mesmo que o poder ainda esteja concentrado nas grandes empresas de tecnologia, a exemplo do Google e Facebook, a audiência agora conta com possibilidades de produção e reprodução, além do consumo.

Vamos criar aqui uma pequena linha do tempo para que sua compreensão faça conexão com o meu pensamento. Por ocasião dos 503 anos da Reforma Protestante, comemorado no dia 31 de outubro de 2020, nos tempos de Martinho Lutero, a Bíblia era uma mídia exclusiva do clero da Igreja Católica. O povo não tinha acesso a ela e a interpretação era mediada pela Igreja. Com a invenção da prensa pelo alemão Gutenberg, no século XV, e posteriormente apropriada pelas estratégias dos reformadores, o povo teve a possibilidade, após ser alfabetizado, de interpretar a Bíblia pessoalmente ao longo da história, porque agora “a mídia” estava em sua mão. É óbvio que a igreja continuava a ter a sua importância no campo da religião e continuou sendo uma forte mediadora do processo de interpretação bíblica no contexto social. No entanto, o transbordamento da interpretação pessoal não acontecia na potencialização social, pois a relação era de um para um, ou seja, não existia mídia alguma para as pessoas produzirem conteúdo teológico, apenas a igreja tinha esse poder. É a internet quem potencializa a força produtiva de sua audiência na relação todos-todos. De acordo com o professor André Lemos, a cibercultura liberou a emissão da palavra. É como se tudo que consumimos tivéssemos a obrigação de compartilhar, opinar, sugerir, criticar e hoje, ao percebemos tais fatos, eu acrescento mais um verbo a essa lista: agredir.

A internet também possibilitou que ao lado do reino dos especialistas esteja o reino dos amadores. São pessoas que nunca fizeram um curso teológico, por exemplo, mas ao participar de grupos na internet que discutem Teologia, já se autodenominam teólogos e debatem assuntos teológicos. Sobre isso, no trabalho de conclusão de curso, a jornalista Manuela Maria Patrício Cunha afirma que “a facilidade em obter informação não é proporcional à aquisição do conhecimento por parte dos usuários das mídias sociais, na medida em que, por vezes, valoriza-se a opinião acima da informação. Isto, consequentemente, gera a superficialização dos conteúdos disseminados no ciberespaço, fazendo surgir o teólogo de internet” (CUNHA, 2017, p. 57).

Considerações finais

Se convém ao servo do Senhor ensinar com mansidão, e não contender, por que estamos fazendo da internet uma máquina de ódio, conforme destacou a jornalista Patrícia Campos Mello? É óbvio que isso não é um comportamento exclusivo dos religiosos e nem muito menos dos cristãos. Mas é um comportamento próprio do (des)humano, pois o linchamento não escolhe suas vítimas. Toda semana estamos presenciando alguém sofrendo com a violência digital.

Ao compartilhar nos meus stories sobre a minha postura em relação ao Ed René Kivitz, recebi a seguinte mensagem: “não se trata de debate teológico, se trata de pura heresia, doutrina de demônio como disse Paulo e que deve ser reprovada com toda a veemência”. Pergunto: quais são os critérios que alguém estabelece para condenar o seu irmão ao inferno? Quem sou eu para dizer que o outro está condenado ao inferno? O Evangelho que conheço não me permite isso porque a mensagem pelo qual fui ensinado é uma mensagem de vida, de perdão, de amor, de estender a mão. É muito triste ver que Ed René Kivitz foi entregue a Satanás pelos próprios irmãos na fé.

O ambiente digital é plural e por isso a respeitosa discordância é sempre bem-vinda. Com exceção das pessoas que usaram da argumentação para discordar do pastor Ed René Kivitz, incluindo aí os especialistas teólogos, muitas outras, em nome de uma falsa defesa do texto bíblico, condenaram o pastor ao inferno. Isso, na mais simples palavra que podemos imaginar, é conhecida como hipocrisia, porque, enquanto condena um, outros são endeusados. Nas palavras do próprio pastor, a maior tristeza é perceber que a “igreja” é capaz de proferir tantas palavras de mortes e ainda possuir no seu seio muitos atores e promotores da condenação ao inferno.

Que o Senhor, na sua infinita bondade, nos livre das agressões dos justiceiros digitais! Pois eles não discordam, eles agridem.

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Referências

1 Ed René Kivitz é teólogo, conferencista e escritor. Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo. Idealizador do Fórum Cristão de Profissionais. Possui uma conta no Instagram com 222 mil seguidores, um canal no YouTube com 114 mil inscritos, um perfil no Twitter com 102 mil seguidores e uma conta no Spotify em que mantém um podcast chamado “Qohélet”.

Site gospel divulga atitude desrespeitosa em cidade de Santa Catarina como ato de intolerância religiosa

Em 22 de outubro de 2020 o portal evangélico Gospel Prime publicou matéria intitulada “Trio sobe em cruz e postam fotos com mensagens ofensivas”.

De acordo com o texto, três pessoas, dentre elas um adolescente, subiram em uma cruz em frente à Igreja Matriz Puríssimo Coração de Maria, situada no centro da cidade de São Bento do Sul, no norte de Santa Catarina, na manhã de 20 de outubro. O momento teria sido registrado, e um dos envolvidos divulgou nas mídias sociais as fotos com palavras de baixo calão na legenda. A publicação teria sido excluída do perfil do participante naquele mesmo dia. 

A matéria afirma que a Polícia Civil começou a investigar o caso depois que as imagens chegaram aos agentes por intermédio da imprensa local. O pároco da igreja registrou boletim de ocorrência contra os jovens, classificados na matéria do Gospel Prime como “vândalos”, apesar de o texto original, do qual o site faz uso, afirmar que “os jovens subiram na cruz” e “a cruz não chegou a ser vandalizada”. 

Em entrevista ao site NSC Total, o delegado Lucas Mendonça afirmou que com a identificação dos envolvidos, o primeiro passo será acioná-los para depor. “Quando isso for feito, eles poderão responder pelo artigo 208 do Código Penal, que trata de vilipendiar publicamente um ato ou objeto de culto religioso”, explicou. O portal G1 também reportou o assunto.

Nenhuma das publicações-fonte do Gospel Prime menciona a palavra “ofensa” ou indica que tipo de ofensa teria proferida ou a quem os jovens teriam ofendido nas publicações em suas mídias sociais. A menção do NSC Total, de onde Gospel Prime tirou a informação, é da publicação de “palavrões” na legenda das fotos, mas não há detalhes sobre a que ou a quem estas expressões estavam vinculadas.

A conclusão da matéria de Gospel Prime relaciona o caso de São Bento do Sul com “cenas de intolerância religiosa contra igrejas cristãs que têm sido frequente (sic) no mundo”. Apresenta o caso de um jovem que arrancou a cruz de uma igreja em Londres e o caso do incêndio de igrejas no Chile, há duas semanas.

Vilipêndio e violação do sentimento religioso coletivo

A matéria do NSC Total diz que os jovens podem ser enquadrados em crime de vilipêndio. Ele está previsto no Código Penal, nos artigos 208 e 2012 como:

“o ato de vilipendiar, sinônimo de desrespeitar, ultrajar, menosprezar, sendo admitido através de qualquer meio de execução (palavras, gestos, escritos). O Código Penal tipifica o crime de vilipêndio público de ato ou objeto de culto religioso, sendo necessário que a conduta recaia sobre ato religioso ou sobre objeto de culto religioso e que ocorra em público; e também o crime de vilipêndio a cadáver, sendo necessário que o ato seja praticado na presença do cadáver ou de suas cinzas, com a específica intenção de ultrajar o cadáver e de que seu gesto seja visto por testemunhas, hipóteses em que o crime normalmente é praticado no próprio velório ou enterro”.

O artigo 208, que trata especificamente do vilipêndio religioso, diz:

“Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso”. A pena é de um mês a um ano de detenção ou multa. 

No caso em questão, apesar de a cruz não ter sido danificada, o ato foi interpretado pelo delegado, depois da queixa do padre, como desrespeito público à crença de terceiros.

O termo vilipêndio religioso foi destaque no episódio que envolveu o especial de Natal da produtora de vídeos de comédia Porta dos Fundos, em dezembro de 2019. Na ocasião, o filme “A primeira tentação de Cristo” foi criticado por grupos religiosos por retratar um Jesus homossexual e um Deus mentiroso. A sede da produtora chegou a ser atacada por grupos extremistas. Um exemplo foi o vídeo do pastor evangélico Silas Malafaia, no qual cita o artigo 208 do Código Penal, mas também critica o ataque à sede da produtora.

Diante da repercussão, um grupo de deputados estaduais de São Paulo chegou a pedir a criação da CPI do Porta dos Fundos na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), o que não teve prosseguimento.

Em março de 2020, o caso em torno da Escola de Samba Águia de Ouro (São Paulo) alcançou repercussão na mídia . A Justiça proibiu a agremiação de apresentar ao público a escultura da Virgem Maria, baseada na “Pietá” de Michelangelo. A alegoria mostrava Maria segurando no colo um indígena, com sinais de crucificação, no lugar de Jesus. Ao tomar a decisão, o desembargador José Luiz Fonseca Tavares citou o artigo 208 do Código Penal, a fim de justificá-la.

Estes são casos mais recentes mas há muitas outras expressões culturais  classificadas ou não como vilipendiosas, a partir de queixas estabelecidas.

O uso do tema da intolerância religiosa

Gospel Prime publica sobre a brincadeira de mau gosto de três jovens, desrespeitosa com símbolo religioso público da cidade de São Bento do Sul, em momento em que há clima no noticiário religioso em torno do tema da intolerância religiosa. 

O site relaciona ao caso ocorrido de Londres, capital da Inglaterra, que já havia noticiado, em que um jovem decidiu arrancar a cruz da Chadwell Heath Baptist Church, conforme noticiou o londrino The Sun. Outro veículo, Mirror, relatou a prisão do homem por danificação criminosa.

Gospel Prime também cita as  igrejas incendiadas no Chile, em meio às manifestações que lembraram um ano dos protestos contra a política anti-direitos do governo daquele país. O site diz que os atos geraram “muita preocupação quanto a liberdade religiosa no país”. Mídias e personagens religiosos no Brasil classificaram o ato “cristofobia”, perseguição a cristãos.

Bereia verificou as informações a respeito desses atos de intolerância religiosa no país sul-americano, contextualizou a situação política do país e esclareceu que não se trata de perseguição religiosa e que não há preocupação quanto à liberdade religiosa no Chile, um país predominantemente cristão.

Importa registrar que vilipêndio, como explicado acima, não é sinônimo de intolerância religiosa. Segundo o Relatório sobre Intolerância e Violência Religiosa no Brasil (2011 – 2015): Resultados Preliminares, publicado pelo governo federal em 2016, é considerado intolerância e violência religiosa (p. 8):

o conjunto de ideologias e atitudes ofensivas a diferentes crenças e religiões, podendo em casos extremos tornar-se uma perseguição. Entende-se intolerância religiosa como crime de ódio que fere a liberdade e a dignidade humana, a violência e a perseguição por motivo religioso, são práticas de extrema gravidade e costumam ser caracterizadas pela ofensa, discriminação e até mesmo por atos que atentam à vida
Asseguradas pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e pela Constituição Federal (BRASIL, 1988), temos as liberdades de expressão e de culto, onde a religião e a crença dos cidadãos não devem constituir barreiras a fraternais e melhores relações humanas. Portanto, as pessoas devem ser respeitadas e tratadas de maneira igual perante a lei, independente da orientação religiosa. Acrescenta-se que pela Constituição Federal, o Brasil é um Estado laico, onde não há uma religião oficial brasileira, garantindo uma separação entre Estado e religiões, onde se espera do Estado que se mantenha neutro e imparcial às diferentes religiões, assegurando o tratamento igualitário aos cidadãos e as cidadãs, quaisquer que sejam suas crenças ou não crenças, de conformidade que a liberdade religiosa seja protegida, e sob nenhuma hipótese, deva ser desrespeitada.

Bereia conclui que a matéria de Gospel Prime é enganosa. O  possível vilipêndio, ou desrespeito, público (ainda será julgado), ocorrido em São Bento do Sul, praticado por três jovens, que subiram na cruz histórica da cidade, tiraram fotos e as publicaram legendas com palavrões em mídias sociais, é verdadeiro,. No entanto, a forma como a matéria é construída faz parecer que a provável atitude desrespeitosa dos jovens foi um ato de intolerância religiosa, no contexto de perseguição a cristãos no mundo. Gospel Prime faz uso da expressão “mensagens ofensivas” no título, sem explicar a quê ou a quem foram dirigidas ofensas. O termo não é mencionado na matéria original que o site utilizou como fonte; esta cita apenas o uso de palavrões na legenda das fotos sem explicitar a quem foram dirigidos. Gospel Prime também usa o termo “jovens vândalos”, o que não condiz com o relato da fonte, o NSC Total, que afirma que a cruz não foi vandalizada, os jovens apenas “subiram nela” para tirar as fotos, o que provocou a queixa do padre local, que considerou desrespeitosa a atitude. 

Bereia lembra ainda a necessidade de se contextualizar atos contra templos ou símbolos religiosos e a fiéis e identificar as diferenças entre os casos de desrespeito, de vandalismo, de intolerância e situações de perseguição em que a liberdade religiosa é de fato tolhida, conforme já realçado pelo Coletivo em outras matérias.

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Foto de Capa: NSC Total/Reprodução

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Referências de checagem

Constituição Federal, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em: 23 out 2020. 

Portal G1, https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2020/10/22/policia-tenta-identificar-trio-que-escalou-cruz-de-igreja-em-sc.ghtml Acesso em: 23 out 2020.

Site NSC Total, https://www.nsctotal.com.br/noticias/identificado-trio-que-subiu-em-cruz-da-igreja-matriz-de-sao-bento-do-sul Acesso em: 23 out 2020.

Site NSC Total, https://www.nsctotal.com.br/noticias/trio-que-subiu-em-cruz-da-igreja-matriz-de-sao-bento-do-sul-sera-investigado-pela-policia Acesso em: 24 out 2020.

DireitoNet, https://www.direitonet.com.br/dicionario/exibir/1312/Vilipendio. Acesso em: 27 out. 2020.

Portal JusBrasil, https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10612290/artigo-208-do-decreto-lei-n-2848-de-07-de-dezembro-de-1940 Acesso em: 24 out 2020.

Portal G1, https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/01/06/acusado-de-participar-de-ataque-ao-porta-dos-fundos-e-expulso-do-psl.ghtml. Acesso em: 27 out. 2020.

Observatório G, https://observatoriog.bol.uol.com.br/noticias/silas-malafaia-se-revolta-com-jesus-gay-e-afirma-que-porta-dos-fundos-cometeu-crime Acesso em: 26 de out 2020.

Congresso em Foco, https://congressoemfoco.uol.com.br/legislativo/deputados-tentam-criar-cpi-do-porta-dos-fundos-na-alesp/ Acesso em: 24 out 2020.

Folha de S. Paulo, https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0403200004.htm Acesso em: 24 out 2020.

Gospel Prime, https://www.gospelprime.com.br/homem-e-preso-apos-subir-no-telhado-para-arrancar-a-cruz-da-igreja/. Acesso em: 25 out. 2020.

The Sun, https://www.thesun.co.uk/news/12961676/romford-baptist-church-man-rip-cross-roof/ Acesso em: 25 out 2020.

Mirror, https://www.mirror.co.uk/news/uk-news/vandal-filmed-trying-rip-wooden-22867811 Acesso em: 25 out 2020.

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/incendio-de-igrejas-no-chile-nao-e-caso-de-perseguicao-a-cristaos/ Acesso em: 25 out 2020.

Relatório sobre Intolerância e Violência Religiosa no Brasil, https://direito.mppr.mp.br/arquivos/File/RelatorioIntoleranciaViolenciaReligiosaBrasil.pdf. Acesso em: 27 out. 2020.

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/noticias-sobre-cristofobia-em-portais-gospel-nao-contextualizam-questao-ao-redor-do-mundo/ Acesso em: 25 out 2020.

Padre desejou a morte de fiéis que não vão à igreja durante a pandemia e se retratou

Em uma celebração neste último domingo (24/8), o padre Antônio Firmino da paróquia São João Batista, em Visconde do Rio Branco, Minas Gerais, desejou a morte dos fiéis que não estão indo à igreja durante a pandemia. O caso se tornou matéria publicada pelo portal de notícias evangélico Pleno News, em 25 de agosto de 2020, com o título “Padre deseja morte a fiéis que não vão à igreja na pandemia”.

No vídeo que circulou nas mídias sociais, o pároco dizia que os fiéis que não estão no grupo de risco e optaram por sair só quando houvesse a vacina deviam “morrer antes” que ela fosse entregue à população. Ele também relacionou a falta de presença na igreja como falta de fé dos fiéis.

“Aí a gente vai vendo quem realmente ama a eucaristia… Porque tem alguns católicos, engraçado, que têm saúde, têm tudo e dizem: ‘Eu só vou na Igreja quando tiver a vacina’. Tomara que não apareça vacina para essas pessoas. Ou que morram antes de a vacina chegar, não é?”, disse Antônio Firmino Lana, pároco da igreja.

Retratação

Em um vídeo publicado na terça-feira (25) no Instagram, o padre Antônio Firmino pediu desculpas pelo comentário, que classificou como “infeliz”, e disse que é conhecido por ser uma pessoa que “luta pela vida”. Ao final da fala, ele pediu orações e reconheceu o erro. Segue o link pelo Instagram:

“Eu venho pedir desculpas para aquelas pessoas que se sentiram ofendidas pelas minhas palavras. Espero que fique claro isto e tenho certeza que vocês, que tem o coração bom, hão de reconhecer o meu erro e me perdoar por isso, rezem por mim, também sou pecador”, finalizou.

A Diocese de Leopoldina (MG), republicou, em sua página no Facebook, o vídeo de retratação do reverendo.

O padre Antônio Aparecido Alves, da Diocese de São José dos Campos (SP), pároco da Paróquia São Benedito do Alto da Ponte, em declaração ao Bereia, afirmou “Essa é uma fala infeliz e moralista, que não representa o que pensa a Igreja sobre essa situação.”

Comentários nas mídias sociais

Alguns comentários dos usuários de mídias digitais sobre o ocorrido mostraram indignação perante a opinião do pároco.

“Não irei sair da minha casa pra ir ouvir uma barbaridade dessas. Ao invés de prosperar, evangelizar, pregar a palavra fica desejando morte das pessoas que ele nem sabe o motivo de não ir […] mas se ele me deseja isso eu desejo o bem pra ele e ele foi infeliz nesse comentário espero que ele reconheça e estude mais sobre a palavra de Deus porque tem muito a aprender. A gente só pode ensinar quando sabe”, escreveu uma usuária.

“Então eu vou morrer. Sou católico e por fobia não estou saindo da minha casa, medo de pegar essa doença e passar para os idosos ou familiares da minha casa (faço somente mandatos no meu bairro para familiares idosos). Não há importância padre!”, publicou outro.

No Twitter também houve repercussão.

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Bereia conclui que o conteúdo da matéria é verdadeiro, pois de fato, a declaração do padre existiu, assim como sua retratação após o ocorrido. A matéria de Pleno News destacou ambas as circunstâncias, incluindo espaço para os dois vídeos. O Coletivo Bereia reforça aos leitores que é importante ir além do título para ter compreensão geral do assunto abordado em qualquer matéria, bem como para compreender os vários posicionamentos e pontos de vista acerca de um determinado assunto.

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Referências

PLENO NEWS. Padre deseja morte a fiéis que não vão à igreja na pandemia. Disponível em: https://pleno.news/brasil/cidades/padre-deseja-morte-a-fieis-que-nao-vao-a-igreja-na-pandemia.html

CORREIO BRAZILIENSE. VÍDEO: Padre deseja morte de fiéis que não vão à missa por causa da pandemia. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2020/08/4870766-video–padre-deseja-morte-de-fieis-que-nao-vao-a-missa-por-causa-da-pandemia.html.

UOL. Padre deseja morte a fiéis que não vão à igreja na pandemia. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2020/08/24/padre-deseja-morte-a-fieis-que-nao-vao-a-igreja-na-pandemia-confira-video.htm

Cultos online e as fissuras do fundamentalismo religioso no Brasil – Parte I

Por Delana Corazza, Angelica Tostes e Marco Fernandes¹

Conteúdo originalmente publicado no site www.thetricontinental.org

Nos últimos meses, temos presenciado o desespero de diversos pastores midiáticos insistindo na reabertura das Igrejas, fechadas por conta da pandemia da Covid-19. E também uma aproximação, cada vez mais estreita, desse grupo com o governo federal – que frente à crise política que se encontra, aposta em sua base evangélica como uma das estratégias para se manter no poder. O iminente golpe financeiro nas igrejas, resultado da não arrecadação presencial dos dízimos, pode ser a razão desse desespero das portas fechadas. No entanto, a questão econômica como parte em destaque nas disputas políticas não é o único problema enfrentado pelos pastores midiáticos que hegemonizaram a visão de quem seriam os evangélicos nesse país. É importante aprofundarmos o problema para compreender que o risco ultrapassa os dízimos perdidos nos cultos não presenciais.

Para o Pastor Ricardo Gondim, da Igreja Betesda de São Paulo, muitos destes pastores têm sua teologia edificada no fundamentalismo, que enxerga na Bíblia uma verdade absoluta, fetichizada, não crítica e não contextualizada: “usa-se os versículos sem contexto para justificar qualquer pauta moral que se julgue necessária. Insistir no discurso é necessário para esses pastores porque se não insistirem, vão ter que assumir que o que sempre pregaram estava errado”, afirma o pastor. Falaremos mais adiante sobre as contradições entre as falas fundamentalistas dos pastores – que tem apostado na fé como principal forma de cura e prevenção – e a realidade em tempos de Covid-19. 

Do outro lado estão os evangélicos frequentadores das igrejinhas neopentecostais que vão se multiplicando como o milagre dos pães nas periferias das cidades e nos cantos deste país. Periferias e cantos esquecidos pelo Estado, abandonados à própria sorte, onde, apesar das inúmeras tentativas de imersão dos diversos setores do campo popular, ainda não foi possível consolidar um trabalho de base e uma organização que desse conta dos anseios e necessidades de nossa classe. Não é mais tão novo no nosso campo falarmos da importância que as igrejas têm cumprido nos territórios periféricos; são elas que constroem cotidianamente uma visão de mundo para a classe trabalhadora. Essa visão vai para além das interpretações bíblicas, se constrói com uma metodologia que nos últimos 30 anos têm ganhado corações e mentes de parte significativa da classe trabalhadora, dando respostas concretas, subjetivas e objetivas para nosso povo.

nesses espaços o povo encontra respostas que, no fundo, não dizem respeito somente à Deus ou à Palavra, mas também às demandas demasiadamente humanas, concretas, essenciais, como o desejo de fazer parte de grupos ou coletivos que nos acolham (sentimento de pertencimento), de ter acesso a bens simbólicos, ao belo e ao lazer (rituais festivos e catárticos), a esperança de melhorias materiais e financeiras, bem como a urgência em obter tratamentos para o corpo e a alma (curas “milagrosas”), demandas que nos são cada dia mais negadas pelo capitalismo periférico contemporâneo e por um sistema de saúde falido. Sem o atendimento a tais demandas, sentimo-nos frágeis e desesperados, entregues a uma vida despedaçada. (…)

FERNANDES, 106

É na Igreja também que os jovens têm a possibilidade de aprender a tocar um instrumento musical e vivenciar um espaço de sociabilidade no inacabável tempo de ociosidade que o desemprego proporciona para grande parte desse segmento da sociedade. As histórias de superação testemunhadas diariamente nas igrejas dão forças para que outros fiéis possam mudar a própria vida, já que enxergam no pastor e nos irmãos e irmãs de fé alguém como eles próprios. É nessas igrejas que a classe trabalhadora empobrecida tem alguma chance de elaborar o trauma da humilhação dos patrões, da mídia e do Estado e, quem sabe, recuperar algo da dignidade que lhe é roubada numa sociedade marcada por quase quatro séculos de escravidão, agravados pela precarização da vida em tempos neoliberais.

A mulher negra e pobre que passou o dia lavando o banheiro do seu patrão, e gastou horas intermináveis nos precários meios de transportes públicos, pode cantar e encantar a sua comunidade levando “a palavra” por meio de uma música, deixando ali de ser invisível². “Durante a semana, elas (as mulheres trabalhadoras frequentadoras das igrejas) não têm um emprego executivo, a mulher é empregada doméstica, mas no domingo ela se arruma, porque o melhor lugar que ela vai durante a semana é a igreja (…) é um espaço de solidariedade, mas também de ascensão social”, completa o pesquisador e frequentador da Igreja Betesda, Gedeon Alencar.

Em tempos de pandemia em que a crise sanitária e econômica acertam bem no meio do peito a vida dos trabalhadores periféricos, as igrejas cumprem o papel de preencher esse vazio nos corações e mentes das pessoas. “Sinto depressão, a igreja é o alimento da alma”, nos conta Cleonice Vitor, trabalhadora doméstica e moradora do bairro Peri Alto, periferia da Zona Norte da cidade de São Paulo, onde os casos de morte por coronavírus aumentam assustadoramente. Simone Stoco, dona de casa, moradora do mesmo bairro, vive a angústia de ficar em casa: “para nós foi um choque porque antes a gente vivia dentro de casa, não tinha contato com muitas pessoas, então conforme a gente foi para a igreja a gente começou a se relacionar bastante, ter muitas amizades, nós temos muitas amizades na igreja, minha casa estava sempre cheia, é muito estranho não encontrar, não poder abraçar, a gente saía com eles (membros da igreja), o isolamento para nós foi um choque”.

O culto online foi a resposta possível que as igrejas evangélicas construíram para manter a relação entre pastores e comunidade, mas é possível perceber que a necessidade da igreja para os trabalhadores periféricos vai além das palavras pregadas no culto. Para boa parte destes trabalhadores, os cultos online aparecem como uma tentativa de continuidade de um trabalho consolidado das igrejas, mas que na realidade não é tão efetivo, pois não dá conta de abarcar as demandas subjetivas da classe empobrecida. Enquanto a classe média tem a opção de elaborar seu sofrimento por meio de inúmeras terapias disponíveis, para a classe trabalhadora, esse é mais um alimento que irá faltar na mesa.

Culto online: alternativas teotecnológicas de espiritualidade

Com as novas demandas de um mundo vivenciando o CoronaChoque³, as igrejas também estão em processos de adaptação. O culto online é uma tentativa de resposta, já conhecida de grandes igrejas, para a espiritualidade em tempos de pandemia. Em um levantamento de dados realizado pelo pesquisador Livan Chiroma (UNICAMP), entre janeiro e abril de 2020, no mês de março a busca pelo termo “culto online” aumentou 10.000% no buscador Google. Um aumento exponencial que reflete a busca de respostas da fé para o enfrentamento do vírus. E isso significou uma mudança no cotidiano de muitas igrejas e fiéis que tiveram que se adaptar a essa nova forma de culto e ação pastoral.

A pastora batista Odja Barros conta como foi a experiência desse novo formato na Igreja Batista do Pinheiro, em Maceió (AL). “A primeira vez fizemos uma live de uma das salas da igreja, somente eu, Wellington e mais três pessoas do louvor. E foi bastante estranha para nós, eu me senti perdida porque foi a primeira experiência que a gente tinha feito. Nossos cultos são gravados normalmente e depois editados a partir da mensagem e colocado no blog da igreja, mas nunca tínhamos feito lives de culto. Ninguém sabia direito como fazer, foi bem tenso, bem diferente a experiência. Eu que preguei e foi a primeira vez que tive que fazer um sermão para um público que não existia na minha frente, sem as respostas dos olhares, da presença da comunidade. Foi um aprendizado.”

O desafio que a pandemia impôs às igrejas evangélicas fez com que pastores e pastoras rompessem algumas barreiras pessoais. O pastor Rosivaldo da Catedral da Adoração – Igreja com Propósito, de Goiás (GO), não gosta de redes sociais, mas a demanda do momento o fez iniciar os trabalhos com as transmissões ao vivo: “Por um lado, nós tivemos que nos revelar. Isso trouxe para mim pessoalmente, e outros pastores do ministério, um desconforto. […] Aqui desde o começo da quarentena fizemos lives. É uma forma de você manter a igreja integrada e alimentar as pessoas com as pregações, cultos, hinos.”

Claudio Ferreira de França, da Igreja Visão Plena, aponta o constrangimento em relação ao dízimo: “No começo deu certo receio, um certo constrangimento na verdade […] para a gente era meio constrangedor: na nossa igreja, nós ficamos aqui, não está tendo culto presencial, mas as contas precisam ser pagas, aí você pede ou não pede a oferta? Nós precisamos quebrar essa barreira”. Um outro desconforto ocorreu com o Pastor Felipe dos Anjos, da Igreja Batista da Água Branca, na Zona Oeste de São Paulo. “Fazer o louvor entre cadeiras vazias foi assustador! Louvor com o templo vazio é quase uma impossibilidade da experiência, ela retarda em acontecer porque falta o outro. Fica um mal-estar, mesmo que o desejo seja em servir os outros.”

Além da estranheza da ausência dos fiéis, a pastora Odja compartilha os percalços com as plataformas e maneiras de realizar o culto online. Após a primeira experiência, a igreja não fez mais cultos dentro do templo, mas cada um em sua casa explorando outras tecnologias. “Fomos nos tateando e sofrendo com isso. Foi a assessoria da igreja e da juventude que foi descobrindo por onde a gente devia ir”, relata Odja. Além dos processos de adaptação há um novo mercado em ascensão que tem lucrado nesse período: plataformas de reuniões online. Os serviços gratuitos para encontros onlines tem suas limitações, seja de ferramentas ou tempo disponível, por isso é necessário fazer as assinaturas desses serviços para obter uma melhor transmissão. Odja Barros nos conta que “foi preciso um investimento em tecnologia que a gente não tinha. Por exemplo, tivemos que comprar uma assinatura de um programa que possibilitasse as entradas do pessoal de onde estiver participando ao vivo.”

O pastor metodista André Guimarães, que pastoreia uma pequena comunidade em Engelho Velho da Federação, em Salvador (BA) – uma igreja em meio a um território de disputa de facções -, compartilha a experiência inicial do culto online. “Antes eu estava gravando áudios pelo Whatsapp. Fazia um culto sozinho. Algo como meio rádio, entendendo que o povo tem dificuldade com Facebook e Instagram. Mas uma irmã veio com a assinatura do Zoom e colocou à disposição da igreja. E viabilizou a participação dos membros nos momentos de louvor, intercessão…”. A plataforma Zoom possibilita conferências remotas com múltiplos participantes, o serviço gratuito é limitado a 40 minutos por sessão e restringe outras ferramentas. A assinatura é um investimento para que os usuários consigam utilizar em sua plenitude o que o aplicativo oferece.

As igrejas que não possuem acesso às plataformas similares de interação, seja pelo tamanho da igreja ou por condições financeiras, acabam limitando ainda mais a experiência do culto. Para Ronaldo Oliveira, membro da Assembleia de Deus Ministério Madureira e policial militar, “o culto online não tem a mesma dimensão do estar presente, por mais que ele alcance mais pessoas”. Para muitas igrejas evangélicas o ato do culto é muito mais do que apenas ouvir o sermão, mas sim todas as trocas simbólicas que a experiência cúltica proporciona. Para o pastor pentecostal Francisco Veras, da Igreja Torre Forte, na Zona Leste de São Paulo, o “culto não é uma palestra ou reunião, é necessário a participação da comunidade”. Porém, a igreja tem transmitido seus cultos pelo Facebook, o que tem limitado essa experiência, assim como transmitir as letras dos hinos e louvores para sua comunidade, que expressou ser uma dificuldade no período do louvor e adoração. Nas palavras de Gedeon Alencar, o culto online “vira quase um espetáculo que você está assistindo, uma pessoa falando, uma pessoa cantando, são pessoas que você conhece, mas fica distante…”. O pastor André Guimarães relata as diferenças após a utilização da plataforma Zoom: “Por que a gente aderiu ao Zoom e não ao Facebook ou Instagram? Porque a live acaba restringindo a participação e fica apenas os que estão na transmissão, ou os que comentam. No zoom, há interação. Pessoas podem interceder, orar, é mais participativo. Zoom dá um ambiente de reunião.”

Mesmo com esses limites, pastores e fiéis têm compreendido a necessidade de continuar o culto online no pós-pandemia. A pastora Odja relata que o retorno de sua comunidade em Maceió tem sido positivo e os fiéis têm partilhado suas experiências: “Escutar algumas experiências está mostrando que é possível romper a barreira do espaço, e sentir toque da presença do Espírito, mesmo online. Não é possível reproduzir a celebração presencial, mas é possível viver um tipo de sensação cúltica de espírito comunitário, dessa maneira.”. O pastor Silvio dos Anjos, da Igreja Sara Nossa Terra é enfático: “esse culto online não vai mais poder parar de acontecer.” Embora as experiências sociais online não sejam comparadas a experiências presenciais, muitos tem gostado da praticidade do encontro virtual. Além de cultos online, as igrejas têm realizado outras programações do cotidiano da igreja de maneira virtual, como os estudos bíblicos à distância. Na Igreja Batista do Pinheiro a resposta tem sido positiva. “Tem gente pedindo que quando tudo normalizar continue fazendo online porque não consegue ir aos estudos bíblicos no domingo”, relata a pastora Odja Barros.

As igrejas têm outra tarefa além da transmissão online, o acompanhamento de participação dos membros em seus cultos. O que em grandes igrejas representa algo que foge do controle, mas em pequenas e médias igrejas é possível notar a participação de membros de outras congregações. O jovem militante Jackson Augusto disse que está vendo cultos de outras igrejas, assim como o pastor André Guimarães notou novos visitantes em sua pequena comunidade em Salvador. Pastora Odja Barros salientou que membros de igrejas mais conservadoras tem visto os cultos e reuniões das igrejas, coisa que não acontecia no presencial por conta do envolvimento da Igreja Batista do Pinheiro com causas sociais e de direitos humanos. O pastor Fellipe dos Anjos constatou que “nas primeiras celebrações, quase quintuplicou. A média de acompanhamento ao vivo da IBAB era 3 mil, porém, em um domingo chegou a 30 mil. Uma celebração de sábado 8 mil. Agora chegamos a um platô porque agora você tem muitas opções de ao vivo, lives, cultos, pequenas e médias igrejas”.

A realização da Santa Ceia, a partilha do pão e vinho como forma de comunhão da igreja como Corpo de Cristo, tem sido uma questão emblemática a muitas igrejas. A pesquisadora Magali Cunha pontua que atualmente “as mídias são como mediadoras do sacramento. Coisas que eram barreiras, agora se liberam”. O pastor André Guimarães acompanhou algumas dessas discussões em grupos no Facebook, que alguns pastores/as colocavam como uma heresia a ceia nos lares. “Eu não preciso estar, literalmente, de corpo presente para estar em comunhão contigo, ou para reunir em nome de alguém. Não há nada que impeça a gente de celebrar e interceder pelos outros, e sermos comunidade fora do templo. Não há nenhum problema. Agora é necessário superar os sectarismos! Superar as ideias que foram impostas de uma lógica de templo, e não comunitária”, diz o pastor.

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¹ Nos meses de abril e maio realizamos 21 entrevistas com membros das igrejas evangélicas, frequentadores e pesquisadores do tema. As entrevistas foram realizadas por telefone e vídeo e duraram em média 30 minutos. O assunto inicial era sobre as mudanças da vivência da espiritualidade dos evangélicos por conta dos fechamentos das igrejas e da possibilidade de assistirem aos cultos virtualmente. As conversas ultrapassaram o tema proposto inicialmente e se tornaram material precioso para nossa pesquisa. Este texto, portanto, busca trazer as reflexões dessas conversas e apontar as novas possibilidades de contra-narrativas nas brechas do fundamentalismo religioso e os avanços da luta nos espaços progressistas liderados por evangélicos. Os autores são pesquisadores do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social

² A reflexão sobre o papel psicossocial das igrejas evangélicas neste parágrafo e que permeiam esse texto tem como fonte o artigo “Psicoterapia Popular do Espírito Santo: hipóteses sobre o sucesso pentecostal na periferia de metrópolis periféricas”, de Marco Fernandes, publicado originalmente na revista Margem Esquerda n° 29 (2017), da Boitempo Editorial. 

³ CoronaChoque é um termo que se refere à forma como o vírus atingiu o mundo com uma força avassaladora e como a ordem social do Estado burguês desmoronou diante dele, enquanto a ordem socialista pareceu mais resiliente.

Foto de Capa: Pixabay/Reprodução

Áudio falso com apoio do Padre Marcelo Rossi a Jair Bolsonaro volta a circular

Voltou a circular nas mídias sociais de grupos católicos e evangélicos, um áudio atribuído ao Padre Marcelo Rossi, no qual ele declara apoio ao governo Jair Bolsonaro. O áudio é antigo, circulou durante a campanha eleitoral de 2018, e foi desmentido pelo próprio Padre Marcelo e verificado como falso por várias agências de checagem de notícias.

O Projeto Comprova publicou, em 15 de setembro de 2018, matéria sobre o áudio que o Coletivo Bereia reproduz aqui com adaptações.

Comprova: Padre Marcelo Rossi não divulgou áudio com apoio a Bolsonaro

É falsa a informação de que o padre Marcelo Rossi apoia o candidato à Presidência pelo PSL, Jair Bolsonaro. Um áudio atribuído ao religioso que circula no WhatsApp e no YouTube diz que o candidato do PSL é “pró-família, pró-Deus e pró-valores”. “E quando vejo quem são os inimigos do Bolsonaro, eu falo ‘eu to escolhendo o cara certo para votar’”, diz o homem em trecho final do áudio. O padre Marcelo Rossi negou que a voz na gravação seja dele.

No WhatsApp, uma corrente com o áudio é compartilhada seguida de um texto que chama Marcelo Rossi de porta-voz da igreja.

O Comprova localizou versões do áudio que variam de 9 a 18 minutos —é possível ouvir aplausos em determinados momentos. A informação falsa da peça está no texto que acompanha o áudio, atribuindo o discurso a Marcelo Rossi. Em nenhum momento do áudio viral o dono da voz, também vítima da informação falsa, diz seu nome.

Nas suas mídias sociais, Marcelo Rossi pediu ajuda aos seus seguidores para encontrar o responsável por criar o boato. “Um áudio que está viralizando no WhatsApp, e eu nem tenho WhatsApp, com a minha voz falando sobre política, falando absurdos. Além de ser uma notícia mentirosa, eu jamais me meto em política, vocês me conhecem”, disse o sacerdote.

“Além do que não é a minha voz. Infelizmente foi viralizado. Eu não me meto em política. A minha função é orar pelo Brasil”

Padre Marcelo Rossi

Em comentários nas mídias sociais, internautas afirmaram que o autor da voz é Rinaldo Seixas Pereira, o Apóstolo Rina, da igreja Bola de Neve, que não faz imitações de Marcelo Rossi e que seria tão vítima do boato falso quanto Marcelo Rossi. O Comprova tentou contato com Rina pelo telefone da igreja, sem sucesso. Até a publicação deste texto, Rina também não tinha respondido às solicitações feitas por e-mail pelo Comprova.

O site Aos Fatos também fez a verificação deste boato.

O Projeto Comprova é uma coalizão de 24 veículos de imprensa que visa combater a desinformação durante as eleições presidenciais.

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Bereia alerta leitoras/es: não compartilhem conteúdo que chegue por Whatsapp e peça a quem recebe: “Repasse para seus contatos”, “Compartilhe, o país está nas nossas mãos”. Este tipo de mensagem é, frequentemente, falsa e o apelo é feito justamente para usar as pessoas como propagadoras de material falso.

Sempre desconfie; antes de compartilhar, verifique a veracidade do conteúdo. As agências e projetos de checagem de conteúdos como o Comprova, Aos Fatos, Lupa, Fato ou Fake?, Boatos.org, E-Farsas e o Coletivo Bereia, com sua especialidade em verificar conteúdo de cunho religioso ou que circula em mídias religiosas, fazem verificações de boatos que circulam na internet. Nosso WhatsApp está disponível para receber indicações de checagem: (38) 98418-6691.

Assembleia de Deus perde muitos líderes no Mato Grosso mortos pela Covid-19

Uma publicação no Twitter, em 22 de julho, motivou mais uma checagem do Coletivo Bereia: “Aqui em Mato Grosso morreram toda a alta cúpula da Igreja Assembleia de Deus. Morreram 5 pastores que comandavam a igreja em todo estado. Todos morreram por coronavírus”.

Com 5,2 mil curtidas, 414 comentários e 1,1 mil retuítes, até 27 de julho, quando esta matéria foi redigida, a mensagem gerou embates e divergiu as opiniões dos usuários engajados na postagem. Alguns solicitaram ao autor que inserisse o link dos sites e notas oficiais que confirmassem as mortes (o que foi feito), outros questionaram o número de óbitos, enquanto alguns atribuíram os falecimentos ao fato de que muitas igrejas evangélicas boicotaram as medidas de prevenção e decretos de restrições impostas ao estado desde o início da pandemia no país.

Segundo matéria publicada no portal UOL, a Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB) não informou o número exato de mortes, mas teria dito que entre dezenas de líderes mortos estariam pessoas de idades variadas. A instituição é a maior organização de igrejas evangélicas, com mais de 100 mil pastores associados e cerca de 25 milhões de fiéis.

Ao site Hipernotícias, do Mato Grosso, o secretário-geral da Convenção dos Ministros das Assembleias de Deus naquele estado, Pastor Juvanir de Oliveira, informou, em 21 de julho, que seis líderes da igreja faleceram no estado com a Covid-19, confirmando, com um registro a mais, a postagem do Twitter que motivou esta matéria do Coletivo Bereia. O Pastor Juvanir de Oliveira citou que os mortos foram: o presidente da Convenção Local, Pastor Sebastião Rodrigues de Souza, 89 anos, o filho dele, vice-presidente da Convenção, Pastor Rubens Siro de Souza, 68 anos, os Pastores José Geraldo dos Anjos, 76 anos, Jânio Corrêa Leite, 66 anos, Pedro Ezídio (idade não identificada), e Reginaldo Pereira de Jesus, 53 anos.

O Pastor Sebastião Rodrigues de Souza faleceu cinco dias depois do filho, Rubens Siro de Souza, morto pela Covid-19, em 3 de julho. O Pastor Sebastião Souza era também vice-presidente da CGADB desde 1995. Souza ficou reconhecido por ter construído em Cuiabá um dos maiores templos evangélicos do país, com capacidade para 20 mil fiéis.

Na ocasião, o presidente Jair Bolsonaro publicou uma nota de pesar pela morte de Souza, mas sem citar a Covid-19. A mensagem, originalmente disponibilizada no perfil da rede social do Planalto foi repostada no perfil do Instagram da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil. O texto diz:

No Salmo 116:15 lemos que “Preciosa é à vista do SENHOR a morte dos seus santos”. Hoje, mais uma vez, isto ocorreu com a partida para o Senhor do saudoso pastor Sebastião Rodrigues, da Igreja Assembleia de Deus. A terra perde valoroso obreiro, mas o Senhor abraça um filho que venceu!
Meus sinceros sentimentos a toda a comunidade cristã e à família do querido pastor Sebastião! Oremos pelo conforto do Senhor na vida dos familiares!
Em Cristo,
Jair Messias Bolsonaro
Presidente da República Federativa do Brasil.

Nota de pesar pela morte de pastor com Covid-19 em Mato Grosso

Caso destacado foi também o do pastor José Geraldo dos Anjos, 76 anos, que faleceu no dia 21 de julho, após uma semana internado no hospital Santa Rita, no município de Várzea Grande, no Mato Grosso. Ele liderava a Assembleia de Deus, no Parque do Lago, no município varzea-grandense, onde estava há 36 anos. Segundo matéria do G1 publicada no dia da morte, ele era casado e deixou filhos, netos e bisnetos.


Foto: Facebook/Reprodução

No dia seguinte à declaração do secretário-geral das Assembleias de Deus no Mato Grosso, Juvanir de Oliveira, houve a sétima morte de liderança da Assembleia de Deus no mesmo mês. Ela se deu em Nobres (MT), a 151 km de Cuiabá. A vítima foi o pastor José Damasceno de Castro, 60 anos. Ele era casado e tinha quatro filhos.


Foto: Instagram | Reprodução

A Secretaria de Estado de Saúde (SES) do Mato Grosso registrou, até a tarde de 27 de julho, 45.155 casos confirmados da Covid-19 no estado, sendo registrados 1.664 óbitos em razão da pandemia. Havia ocorrido 48 mortes e 1.518 novas confirmações nas 24 horas anteriores ao relatório. Dentre os dez municípios com maior número de casos de Covid-19, estão Cuiabá (9.940), Várzea Grande (3.466), Rondonópolis (2.949), Lucas do Rio Verde (2.560), Tangará da Serra (1.899), Sorriso (1.775), Primavera do Leste (1.652), Sinop (1.627), Nova Mutum (1.257) e Pontes e Lacerda (875). Os pastores das Assembleias de Deus que perderam a vida pela doença eram da capital Cuiabá, de Várzea Grande, Tangará da Serra, Barão de Melgaço e Nobres.

O Coletivo Bereia contatou a sede da Convenção dos Ministros da Assembleia de Deus no Mato Grosso. A Convenção preferiu destacar o falecimento do Pastor Presidente, Sebastião Souza, pois era liderança da igreja no estado e na Convenção Geral e foi a perda mais repercutida de líderes das Assembleia de Deus por Covid-19.

A rejeição à gravidade da pandemia por parte de evangélicos

Desde o início daquilo que se transformaria em uma pandemia mundial, em consequência do novo coronavírus, grupos evangélicos têm colaborado a diminuir, deturpar e enganar a população através de inúmeras fake news sobre a pandemia. O Coletivo Bereia tem trabalhado intensamente com verificações dos sites de notícias religiosos e com perfis de lideranças vinculadas às igrejas, além de atender a diversos pedidos de checagem de notícias encaminhados por leitores/as.

Pastores evangélicos já prometeram unção imunizadora contra o coronavírus e já houve casos líderes políticos e religiosos minimizando e espiritualizando ação do coronavírus por meio das quais, matérias com títulos como “Goiânia é protegida por Deus e não será atingida pelo coronavírus”, eram propagadas pela própria prefeitura de Goiânia.

A cantora gospel Fabiana Anastácio publicou: “o coronavírus não atingirá a sua casa, porque quem guarda a sua casa é Jesus”. Infelizmente, Anastácio acabou falecendo por complicações devidas ao novo vírus. Houve desinformação atrelada à cantora, sobre ela ter revisto sua posição enquanto estava internada. O Coletivo Bereia apurou e explicou a verdadeira situação.

Em vários conteúdos desinformativos disseminados por grupos religiosos havia interesse em mostrar que as estatísticas eram falseadas, como a de que um borracheiro tinha morrido em um acidente com pneu, mas foi diagnosticado com Covid-19. Ainda nesse sentido, conteúdos falsos foram criados afirmando que a Polícia Federal e o Ministério da Saúde estariam auditando o número de óbitos por Covid-19 e, como consequência dessas ações, o número de óbitos teria caído.

Bereia também identificou conteúdo enganoso que dizia que “o Sol forte poderia matar coronavírus em 34 minutos”.

Toda esta desinformação foi produzida e compartilhada por grupos evangélicos, inclusive lideranças. O Coletivo Bereia produziu matéria para explicitar de onde partem as notícias falsas que circulam em grupos religiosos. Neste levantamento tornou-se nítida uma certa resistência por parte destes grupos religiosos, não apenas em admitir a gravidade da pandemia, mas, também, em seguir os protocolos internacionais de prevenção. Além do dogmatismo religioso, há o aspecto político que motiva essa postura. Muitos desses grupos e líderes apoiam irrestritamente o governo federal na liderança do Presidente Jair Bolsonaro e terminam por seguir sua postura relativizadora da doença e negadora das orientações da Organização Mundial de Saúde e de outras autoridades da área no país.

A situação entre católicos romanos

O novo coronavírus também fez vítimas no cenário católico. Segundo informações da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) cresceu também o número de padres do Brasil acometidos pela Covid-19. O último levantamento realizado pela Comissão Nacional de Presbíteros (CNP), divulgado em 29 de maio no portal da CNBB, apresenta a confirmação de 117 infectados e 14 mortes. Um novo relatório está sendo produzido pela Comissão e deverá ser divulgado em breve.

Com base nesta verificação, o Coletivo Bereia afirma ser verdadeira a informação divulgada por postagem no Twitter sobre alto número de mortos por Covid-19 entre lideranças das Assembleias de Deus em Mato Grosso. No levantamento, Bereia atualizou o número divulgado na postagem, de cinco para sete mortes até 27 de julho. O Coletivo reafirma a importância de as igrejas assumirem sua responsabilidade cristã com as medidas de prevenção e orientação de sua membresia quanto aos riscos impostos pela pandemia, que permanece grave no país dados os altos índices de infectados e mortes que vigoram.

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Foto de Capa: Reprodução/Convenção das Assembleias de Deus Mato Grosso

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Referências de checagem

Igrejas perdem pastores e padres para covid-19 e divergem sobre estratégias de reabertura. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/07/igrejas-perdem-pastores-e-padres-para-covid-19-e-divergem-sobre-estrategias-de-reabertura.shtml. Acesso em 27 de julho de 2020.

Morre mais um pastor da Assembleia de Deus vítima de covid-19. Disponível em: https://www.hnt.com.br/cidades/morre-mais-um-pastor-da-assembleia-de-deus-vitima-de-covid-19-sexto-obito-em-um-mes/178348 Acesso em 27 de julho de 2020.

Pastor da Assembleia de Deus morre quatro dias após ter recebido diagnóstico da Covid-19 em MT. Disponível em: https://g1.globo.com/mt/mato-grosso/noticia/2020/07/21/pastor-da-assembleia-de-deus-morre-4-dias-apos-ter-recebido-diagnostico-da-covid-19-em-mt.ghtml Acesso em 27 de julho de 2020.

Pastor da Assembleia de Deus de Nobres morre por Covid-19. Disponível em:

https://www.hnt.com.br/cidades/pastor-da-assembleia-de-deus-de-nobres-morre-por-covid-19/178532 Acesso em 27 de julho de 2020.

É verdade que apóstolo de igreja em Porto Alegre promete unção imunizadora contra o coronavírus. Disponível em: https://coletivobereia.com.br/e-verdade-que-apostolo-de-igreja-em-porto-alegre-promete-uncao-imunizadora-contra-o-coronavirus/ Acesso em 27 de julho de 2020.

É verdade que líderes políticos e religiosos minimizam e espiritualizam ação do coronavírus. Disponível em: https://coletivobereia.com.br/e-verdade-que-lideres-politicos-e-religiosos-minimizam-e-espiritualizam-acao-do-coronavirus/ Acesso em 28 de julho de 2020.

É verdade que Fabiana Anastácio negou o risco de ser infectada pela Covid-19. Disponível em: https://coletivobereia.com.br/e-verdade-que-fabiana-anastacio-negou-o-risco-de-ser-infectada-pela-Covid-19 Acesso em 28 de julho de 2020.

É falsa a notícia que borracheiro morreu em acidente com pneu mas foi diagnosticado com Covid-19 para inflar estatísticas do coronavírus. Disponível em: https://coletivobereia.com.br/e-falsa-a-noticia-que-borracheiro-morreu-em-acidente-com-pneu-mas-foi-diagnosticado-com-Covid-19-para-inflar-estatisticas-do-coronavirus Acesso em 28 de julho de 2020.

É falso que números por Covid-19 caem no Brasil por ações da Polícia Federal e do Ministro da Saúde. Disponível em: https://coletivobereia.com.br/e-falso-que-numeros-por-Covid-19-caem-no-brasil-por-acoes-da-policia-federal-e-do-ministro-da-saude/ Acesso em 28 de julho de 2020.

É enganoso que sol forte pode matar coronavírus em 34 minutos. Disponível em: https://coletivobereia.com.br/e-enganoso-que-sol-forte-pode-matar-coronavirus-em-34-minutos/ Acesso em 28 de julho de 2020.

Sites religiosos e ativistas digitais que propagam desinformação. Disponível em: https://coletivobereia.com.br/sites-religiosos-e-ativistas-digitais-que-propagam-desinformacao/ Acesso em 28 de julho de 2020.

Covid-19: “a Igreja, como um todo, se entristece com cada morte: de bispos, padres, diáconos e de cada batizado”, afirma dom Joel. Disponível em: https://www.cnbb.org.br/Covid-19-a-igreja-como-um-todo-se-entristece-com-cada-morte-de-bispos-padres-diaconos-e-de-cada-batizado-afirma-dom-joel Acesso em 27 de julho de 2020.

Um olhar comunicacional sobre os cultos “online”

Reflexões e desafios pastorais durante e pós-pandemia

Publicado no Medium por Ramon Nascimento* dia 27/04/2020

Templos vazios e a liderança precisou se reinventar na internet. Foto: IBAB, 2020.

Estamos vivendo um momento em que nunca antes na história da igreja cristã, principalmente no que diz respeito a igreja evangélica brasileira, se viu tantas estratégias por parte dos líderes das instituições religiosas. De cultos online a cultos no formato “drive-in”.

É importante destacar que o nosso intuito ao escrever este artigo é lançar luz sobre as estratégias que estão em prática no contexto atual das igrejas evangélicas no Brasil, precisamente no que tange ao culto onlineNão objetivamos suscitar aqui o debate teológico daquilo que entendemos como culto público cristão. Como também tentamos evitar aqui o debate polarizador sobre o que é e o que não é culto, mesmo que possamos tangenciar em nosso olhar comunicacional.

A partir do que presenciávamos no contexto da igreja evangélica brasileira, antes da pandemia, poucas instituições evangélicas no Brasil, de fato, produziam conteúdo exclusivo no ambiente digital. A atuação digital da maioria das instituições era apenas transmitir seus respectivos cultos realizados no templo. Com a publicação dos decretos governamentais, impedindo o funcionamento de celebrações religiosas a fim de evitar a aglomeração de pessoas no templo, só restou o ambiente digital como o único possível a reunir pessoas para realizar as celebrações à distância.

Logo, as mídias sociais digitais deixaram de ser apenas o ambiente de transmissão de cultos e passaram a ser o espaço exclusivo de comunicação, relação, participação, presença e produção em rede. A questão é que muitos pastores tiveram de iniciar um processo produtivo com geração de conteúdo bíblico e social, como foi o caso, de pastores que começaram a fazer um bate-papo em lives do Instagram, por exemplo, com os fiéis-profissionais de outros campos do saber, não necessariamente o teológico. No entanto, é preciso levar em conta que o grande desafio de muitos líderes não se restringe apenas à produção de conteúdo, mas também a limitação tecnológica no uso das plataformas digitais e no próprio acesso à uma boa conexão de internet.

Em relação ao culto, evento semanal das igrejas evangélicas, podemos entender comunicacionalmente que as nossas práticas religiosas são desterritorializadas. O ambiente digital provoca a (re)construção de nossas religiosidades, das quais há muito tempo já não estão restritas ao templo. Comunicacionalmente falando, a experiência do virtual é real e, por ser virtual, não significa que o culto deixe de ser culto. Compreendemos que o culto a Deus não emana do local em que estamos, mas torna-se um vínculo do “Eu sou” com o “eu interior”.

Para você entender melhor essa questão da virtualidade do culto, vamos exemplificar com a prática universal da oração. Em Mateus, capítulo 6, versículo 6 diz o seguinte: “Mas tu, quando orares, entra no teu quarto e, fechando a tua porta, ora a teu Pai, que vê o que está oculto”. É bom deixar claro que, quando Jesus falou essas palavras, ele não estava sacralizando o quarto como o lugar exclusivo da oração. O contexto de Mateus 6 refere-se ao exibicionismo religioso e social que Jesus condenou e chamou de hipócritas os que agiam daquela maneira descrita no texto. Entendendo que não existe um lugar sagrado da oração, a própria oração já é esse lugar.

No contexto da pandemia do novo coronavírus, em que os templos estão fechados, uma igreja evangélica convocou sua comunidade a orar todos os dias com a seguinte frase publicada nas mídias sociais: “todo dia, ao meio dia, a IBAB reunida nesse lugar chamado oração”. O lugar da oração é simbólico. Não existem lugares físicos específicos de oração.

Entendendo o lugar simbólico da oração, também podemos compreender que a virtualidade do culto, em sua natureza, permite que o culto online seja culto a Deus. Aliás, não existe lugar sagrado para cultuar, podemos assim fazer no templo, na rua ou na rede. Lógico que a virtualidade das práticas religiosas não deve substituir a essência da comunidade cristã. Acredito que a igreja é uma comunidade em ação e sem a interação física dos membros e do cuidado pastoral não é possível, de fato, sermos uma igreja.

Mas o nosso olhar comunicacional do fenômeno em questão não chama atenção para o que é igreja e o que não é. Objetivamos aqui no texto a nos limitar ao culto online. Apenas para deixar registrado como exemplo, a igreja Verbo da Vida, com templo sediado em Campina Grande/PB, realizou um culto a Deus no estilo Drive-In. As pessoas não podiam descer do carro, apenas os diáconos transitavam ao levar os elementos da ceia aos que estavam presentes nos seus veículos.

Então, quais são os desafios dos líderes evangélicos pós-pandemia?

O retorno das atividades religiosas nos templos será readequado. É fato que o normal que vivíamos até 15 março de 2020 não viveremos mais. No entanto, com relação ao ambiente digital, os líderes das grandes igrejas continuarão produzindo conteúdo como sempre fizeram. Esses não tiveram dificuldades com os desafios impostos pela quarentena.

Já os líderes de médias e pequenas igrejas espalhadas por todo o Brasil terão vários desafios pela frente. O caminho entre esses deve ser o do aprendizado, ou seja, sugiro aqui que tais líderes voltem seus olhares ao que as grandes igrejas no Brasil e no mundo estão fazendo e a forma como eles produzem conteúdos no ambiente digital. Se faz necessário deixar de apenas transmitir cultos para produzir conteúdo religioso! Por que não aprender com os líderes que produzem bons conteúdos bíblicos e midiáticos? No ambiente digital, o isolamento individual entre cada igreja não é uma estratégia inteligente. É preciso termos uma inteligência coletiva religiosa, ou seja, um aprender com o outro.

É fato que o pastor que iniciou suas respectivas lives no Instagram durante a quarentena, abordando vários assuntos praticamente todos os dias, é o mesmo pastor que será cobrado por sua audiência. Então por que deixar de produzir conteúdo para o seu público?

Essa “assistência” digital não pode morrer com o fim da quarentena. E se morrer, o líder deixa de lado uma grande oportunidade de posição privilegiada em cumprir o próprio Ide de Jesus. Saiba que ignorar a internet hoje em dia é também ignorar pessoas, porque internet não é apenas uma relação de máquinas, mas também de humanos.

Portanto, o salto que o contexto da pandemia permitiu foi de que a transmissão por si só não se sustenta mais. O ambiente online não existe para que a religião seja transmitida, mas para que ela seja produzida. E quando tratamos de produção estamos nos referindo a produzir conteúdos religiosos, não só o culto, mas entrevistas, palestras, aulas, musicais… É preciso também que o pastor não apenas pregue, no sentido da transmissão unilateral da Palavra, mas também dialogue com seu público! Lembre-se que do outro lado da tela existem pessoas que estão lhe ouvindo, mas que também querem ser ouvidas!

Já está mais do que na hora da liderança evangélica se reinventar no ambiente digital. Por fim, peço aos “apocalípticos” que não ignorem a internet! Aos “apaixonados”, peço que tenham cautela! Entendam que a internet é uma morada. Nela habitamos. Internet deixou há muito tempo de ser ferramenta de divulgação do Evangelho. Hoje internet é ambiente de relações humanas. E para que a mensagem alcance essas relações é preciso também conhecer as estratégicas midiáticas. Produção de conteúdo não é coisa de amadores, mas é estratégia de quem quer aprender fazendo.

Todo líder religioso, quando a quarentena acabar, terá duas igrejas para liderar: a física e a digital.

*Ramon Nascimento é doutorando em Estudos da Mídia e pesquisador na área de Mídia e Religião, além de palestrante sobre a temática da cultura digital.

Igreja e (IR)responsabilidade social – os paradoxos da pandemia de 2020

Paradoxos de Origem

Rubem Alves sintetizou no livro “Protestantismo e Repressão” (1979) o paradoxo das igrejas evangélicas brasileiras. Um paradoxo de formação, revisitado na pandemia de 2020.  

Nós, evangélicos/as, temos uma moeda de duas faces: ao mesmo tempo, pregamos uma mensagem de amor ao próximo e de individualismo sectário. E não é só um conflito entre fé e vida. Os fundadores das igrejas cultivaram forças modernizadoras, libertadoras e comunitárias e, simultaneamente, incentivaram padrões individualistas, desencarnados, quanto aos costumes. Não desenvolvemos uma ética da liberdade, solidariedade e comunidade. Em nome de uma salvação individual, dinamitamos pontes e cortamos laços.

Isso pode mudar?

Balança Enganosa

Em primeiro lugar, para mudar, precisamos enxergar essa balança enganosa, sempre pendendo para os interesses pessoais, imobilizando colheitas e fazendo secar sementes da transformação… Há muitos exemplos de tensão entre a responsabilidade social e sectarismos na história.

Secaram e murcharam instituições que reuniam as muitas denominações e missões brasileiras para uma ação social. Sucumbiram a Liga Evangélica (1890), a Aliança Evangélica (1902), a Confederação Evangélica do Brasil (CEB, 1934) e a Associação Evangélica Brasileira (1991). Restaram o CONIC (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs, membro do Conselho Mundial de Igrejas) e a Aliança Cristã Evangélica Brasileira (membro da World Evangelical Alliance). A lição histórica é escandalosa: mesmo perante crises, epidemias ou conflitos mundiais, somos incapazes de unir forças. Sectarismos são egoísmos aumentados.

“Social Branding”

Sintomaticamente, o tema da “Responsabilidade Social” – nome de um dos setores da Confederação Evangélica do Brasil – é, para os sectários, o assunto mais espinhoso. São duas palavras enormes, que se tornam explosivas quando faladas no ambiente eclesiástico. E só lá.

Até empresas, imersas na concorrência comercial, têm setores de Responsabilidade Social. Publicitários apelam ao conceito para ganhar simpatia – isto é, como estratégia de marketing. Como exemplo, nestes tempos de Pandemia, empresas de telefonia e streaming media liberaram acessos gratuitos. A Burger King está doando receitas para a saúde. Porém, as igrejas têm alergia ao binômio: “responsabilidade social”.

Imagine, porém, se as igrejas suprissem as necessidades dos moradores de rua? Ou se fizessem uma arrecadação para o SUS? Assustou-se?  Essa era a prática dos cristãos do passado.

Em nossos dias, a balança da Responsabilidade Social desequilibra-se sob a mão pesada do sectarismo, do egocentrismo, do consumismo, da prosperidade econômica e da lógica de mercado.  Posturas irresponsáveis como as de Malafaia e Macedo afetam não apenas seu rebanho, precarizado, socialmente vulnerável e passível de enfermidades, elas mancham a Cruz e o Evangelho.

Em resumo, a igreja peca socialmente pelo que faz, mas também pelo que deixa de fazer. Erra no atacado e no varejo, peca no “Social Branding” (e até o Google é mais bem quisto por fazê-lo).

“TRISTEMUNHO”

Ao invés de ganhar simpatia, as lideranças que desafiam a quarentena e insultam as autoridades sinalizam às comunidades e aos vizinhos que não se importam devidamente com a saúde coletiva.

Médicos cristãos sofrem duas vezes por isso. O Dr. Wilson Bonfim, médico e cristão, utilizou suas redes sociais para orientar as pessoas, mas os comentários dos seus irmãos/ãs evangélicos/as, disponíveis em sua página do facebook, são um “tristemunho” (mau testemunho). Lembre-se porém, ao ler, que a fé, sem obras, é morta. Uma fé viva é socialmente responsável.

Tal fé moveu, em 1864, Jean-Henri Dunant, calvinista. Ele convenceu católicos e protestantes a adotarem a primeira Convenção de Genebra, obrigando exércitos a cuidarem dos feridos, independente do uniforme. Graças a Dunant, o emblema padronizado foi a Cruz Vermelha. Mas, agora, filantropia e saúde desligam-se cada vez mais da Cruz. Na Coréia do Sul, uma mega igreja foi a grande responsável pela expansão da pandemia. No Brasil, em 2020, líderes utilizam o discurso da fé contra a saúde. Silas Malafaia e Edir Macedo, por exemplo, destacaram-se em suas posturas diante das quarentenas, insistindo em manter cultos e reuniões.

Seria louvável, socialmente responsável, se mantivessem templos abertos para tratamento ou cuidado dos enfermos. Infelizmente não é. Para piorar, o discurso dos cristãos evangélicos nas redes sociais oscila entre o “destemor” e a defesa de que a pandemia faz parte de uma conspiração “comunista de origem chinesa”. A xenofobia apelidou a COVID-19 de “chinavírus”. Enquanto isso, médicos chineses são aplaudidos ao chegarem na Itália, e a OMS (Organização Mundial de Saúde) lembra que vírus e vacinas não têm bandeira ou partido político. Um dia, esse foi o discurso da Igreja de Cristo.

COMO OS PAGÃOS?

O contraste com as origens cristãs foi notado por Moses Lee (do site Coalizão pelo Evangelho) que recordou a solidariedade dos primeiros cristãos com os doentes e o cuidado com a coletividade como marcas sociais dos primeiros cristãos. Lee relembra que com o risco da própria vida, os “santos”, ofereciam apoio aos vizinhos e, no limite, iam a locais que estavam sendo evitados.

Hoje, ao desafiar as quarentenas para abrir suas igrejas para cultos egocêntricos e incentivar práticas de irresponsabilidade social, os evangélicos não estão cuidando do próximo. E, ainda por cima, passam a mensagem de que estão mais preocupados consigo mesmos, como os antigos sacerdotes dos templos pagãos. Cheios de pompa e riqueza, seguiam celebrando aos seus deuses nos tempos da peste. Atualmente, os ícones do sacrifício são cientistas, pesquisadores, médicos, enfermeiros e profissionais de saúde.

Ou seja, se a história mantiver o seu ritmo, o que é certo, os templos ficarão vazios e os consultórios lotados. Não é apenas um conflito entre a vacina e a prece.  A Covid-19 (doença causada pelo coronavírus) é mais do que um conflito entre fé e ciência, é um conflito ético, entre posturas coletivas e individualistas.

O que podemos fazer?

  • Auxiliar nossos vizinhos que têm dificuldade de locomoção, ou avançada idade;
  • Manter os vínculos comunitários, através das redes sociais e telefone;
  • Doar sangue – porque os doentes continuam precisando disso (vá ao hemocentro);
  • Oferecer suporte e cestas de alimentos e recursos para os mais pobres;
  • Orar pelas autoridades, pesquisadores, cientistas e profissionais de saúde;
  • Combater o preconceito, a xenofobia e as fake news;
  • Ver um filme: “Até o Último Homem”(2016). Veja e entenda que se sua oração não tem ação social, você está deixando pessoas feridas e enfermas pelo caminho…

EM TEMPO 1 (Atualizado em 19/03/2020)

Recebemos, com alegria, as informações e testemunhos de que algumas Igrejas estão distribuindo cestas básicas, que comunidades estão dando apoio a asilos de idosos e que grupos de jovens cristãos estão organizando doações para os bancos de sangue. Que Deus os(as) abençoe. Sejamos sal e luz!

EM TEMPO 2 – Segundo a BBC e o Jornal New York Times, Lee Man-Hee, líder da Shincheonji Churh of Jesus ajoelhou-se e pediu perdão pela sua postura durante da Pandemia, na Coréia do Sul. Em média, 60% dos casos confirmados no país são dos fiéis de sua denominação. Soube-se disso porque a Coréia do Sul fez testes em massa. Pastores coreanos de outras denominações criticaram a Shincheonji Church.

No Brasil, depois de ter dito que “governador algum fecha meu culto”, Silas Malafaia postou em suas redes sociais o aviso: “Atenção, pastores! Qualquer estado ou cidade que decreta estado de emergência, independente se tem ônibus circulando ou não, tem que parar o culto”… Em 20/03, Malafaia anunciou que vai suspender cultos, a conferir…

EM TEMPO 3 – Oremos pelos profissionais de saúde e também pelos jornalistas. Todos estão sobrecarregados. Muitos, dobrando escala.

Fonte imagem: kindpng.com

Coronavírus e igreja: uma dupla que não é fantasia

Diante do quadro de pandemia do coronavírus, bispos católicos e pastores/as de várias igrejas ao redor do Brasil recomendam medidas de prevenção para evitar a proliferação do vírus.

Os bispos do Paraná publicaram uma nota com várias orientações de prevenção ao coronavírus, que já possui 6 casos confirmados no Estado. Os casos da dengue já ultrapassaram 50 mil, com 7 mortes desde julho de 2019.

Leia a nota na íntegra:

ORIENTAÇÃO DOS BISPOS PARA A PREVENÇÃO DA DENGUE E DO NOVO CORONAVÍRUS

“Viu, sentiu compaixão e cuidou dele” (Cf. Lc 10, 33-34)

O estado do Paraná está enfrentando o grave problema da epidemia da Dengue. A situação, especialmente na região Norte e Noroeste do estado é grave e preocupante. O verão e a chuva favorecem o desenvolvimento do mosquito Aedes Aegypti, transmissor da doença.

Como Igreja, comprometida com a Vida, que é “Dom e compromisso”, nós, bispos do Paraná, queremos convocar todo o povo para adotar medidas de prevenção e combate a essa grave doença. Estudos já revelaram que o modo mais eficaz de combater a Dengue é eliminar os criadouros do mosquito.

Diante dessa realidade, pedimos a colaboração dos sacerdotes, lideranças, fieis e de todas as pessoas de boa vontade que valorizam a vida, para combater os focos de acúmulo de água parada. Para isso, vamos eliminar qualquer recipiente de potencial criadouro do mosquito, como: latas, embalagens, copos, plásticos, tampinhas de refrigerante, pneus, vasos de plantas, jarros de flores, garrafas, tambores, latões, sacos plásticos e lixeiras, entre outros. Verifique sempre, especialmente após a chuva, locais como: quintais, calhas, ralos, poços, fossas, caixas d’água, entre outros.

Cerca de 98% dos focos do mosquito Aedes Aegypti estão nos quintais, pátios e ambientes internos das casas e empresas. A Dengue é uma doença que pode matar, por isso é preciso que cada um faça a sua parte, assumindo a atitude evangélica do Bom Samaritano, que cuidou daquela vida que encontrava-se ameaçada. 

Além dessa realidade que tem afetado diretamente nosso povo, o mundo enfrenta mais um desafio: a difusão do novo CORONAVÍRUS (COVID-19). Assim como no caso da Dengue, todos têm responsabilidade de evitar as situações e circunstâncias que possibilitam o contágio. Por isso, recomendamos algumas medidas às paróquias e comunidades do Paraná:

1. Evitar o aperto de mãos durante a acolhida aos fiéis;

2. Não dar as mãos durante a oração do Pai nosso;

3. Omitir o abraço da paz;

4. Distribuir a comunhão somente sob uma espécie, exclusivamente, na mão, garantindo que o fiel comungue diante do ministro;

Acrescentamos, ainda, as “medidas de prevenção”, recomendadas pelas autoridades sanitárias:

1. Higienizar as mãos, muitas vezes, com água e sabão ou álcool em gel;

2. Utilizar lenço descartável para higiene nasal;

3. Proteger com lenços (preferencialmente descartáveis a cada uso) a boca e o nariz ao tossir ou espirrar;

4. Evitar tocar no nariz ou boca, após o contato com superfícies;

5. Manter os ambientes bem ventilados;

6. Repouso, alimentação balanceada e ingestão de líquidos.

Vivendo a Campanha da Fraternidade deste ano, Fraternidade e Vida: Dom e Compromisso, contamos com a ajuda de todos no combate e prevenção dessas doenças. Que essa Quaresma nos inspire a ser uma Igreja cada vez mais samaritana, misericordiosa e que cuida da vida. Rogamos para todos a bênção e a proteção de Nossa Senhora do Rosário do Rocio, padroeira do estado do Paraná.

Dom Geremias Steinmetz
(Arcebispo de Londrina e Presidente do Regional Sul 2 da CNBB)

Dom José Antônio Peruzzo
(Arcebispo de Curitiba e Vice-Presidente do Regional Sul 2 da CNBB)

Dom Amilton Manoel da Silva
(Bispo Auxiliar de Curitiba e Secretário do Regional Sul 2 da CNBB)

Padre Valdecir Badzinski
(Secretário executivo do Regional Sul 2 da CNBB)

O pastor Ed René Kivitz da Igreja Batista de Água Branca, localizada em São Paulo, anunciou na noite da última quinta, 12, que a igreja iria atender as orientações das autoridades do país e em especial as orientações dos profissionais da saúde, infectologistas, especialistas, no esforço global de contenção da disseminação do vírus.

Leia o comunicado:

COMUNICADO

Em atenção às notícias a respeito da proliferação do novo coronavírus e às orientações dos especialistas e das autoridades competentes, comunicamos que no período de 13 a 19 de março todas as programações presenciais, inclusive as celebrações do domingo, 15 de março, estão canceladas.

Somamos esforços na contenção da disseminação do vírus, em razão do nosso compromisso de cuidado, não apenas com nossos membros e frequentadores, como também com nossa cidade e sociedade.

Carlos Bezerra

Coletivo Bereia conversou com o médico e pastor, Carlos Bezerra, atualmente secretário executivo do Programa Mãe Paulistana, sobre o cenário da doença no país.

Confira:

1 – Quais as consequências que a igreja deve sofrer caso não adote as orientações dos profissionais da saúde?

Carlos Bezerra – O dever da igreja é orientar, usando as informações oficiais das autoridades de saúde. Ao não fazer isso coloca em risco a saúde do seu rebanho. O coronavírus já matou mais de 5 mil pessoas ao redor do mundo. Ele é altamente transmissível e a igreja precisa fazer seu papel de prevenção. Quanto maior o número de pessoas que não estão cientes e informadas sobre os cuidados que devem ter, maior o risco.

2 – Como pastor e médico, qual sua orientação frente à epidemia?

Carlos Bezerra – Eu tenho falado sobre o assunto tanto dentro da igreja como em minhas redes sociais, sempre com a responsabilidade de mencionar apenas dados confirmados pelas autoridades nacionais e internacionais. Em casos assim, devemos trabalhar para evitar o pânico e a disseminação de notícias falsas, mas sem deixar de levar, com serenidade, os cuidados que devemos ter para prevenir a doença.