Projeto de Lei aprovado pela Câmara Municipal de Salvador se baseia na falsa ideia de cristofobia no Brasil

A Câmara Municipal de Salvador aprovou, em 24 de setembro passado, o Projeto de Lei Municipal n. 28/2025, intitulado “Programa de Combate a Cristofobia”, que impõe direcionamentos contra o preconceito direcionado às religiões cristãs na capital baiana. O PL foi proposto pelo vereador evangélico, da Igreja Batista,  Cezar Leite (PL). De acordo com Leite, o projeto é uma “demanda da comunidade cristã” e  visa “responsabilizar e punir com multa quem ataca o povo cristão”.

A proposta da lei foi apresentada em fevereiro passado, como resposta ao caso que envolveu a cantora Claúdia Leitte, acusada de intolerância e racismo religioso durante o carnaval. A cantora trocou, em uma apresentação pública,a palavra referente à orixá das religiões de matriz africana “Yemanjá”, citada em uma música popular do carnaval baiano,  por “Yeshua” nome hebraíco para Jesus, referência do Cristianismo.

O PL n°28/2025 acabou se tornando uma nova controvérsia, uma vez que a proposta de lei aprovada na câmara soteropolitana, proíbe a representação de símbolos, temas e personagens do Cristianismo no carnaval da cidade. O texto prevê a punição com taxas e multas de três salários mínimos para pessoas físicas, empresas, eventos ou blocos de carnavais que usarem fantasias que remetem à religião cristã nas ruas da cidade, principalmente durante o carnaval. 

Além disso, o “Programa de Combate a Cristofobia”  tem como diretrizes a criação de um canal de denúncia para cristãos que sofram alguma injúria por exercerem suas religiões, a realização de ações educativas que promovam respeito a fé cristã e a promoção de eventos inter-religiosos que fomentem o diálogo, a tolerância e o respeito entre as diversas crenças. 

“Agora vai se pagar multa se colocar roupa de freira, se colocar roupa de Cristo para ficar sambando no carnaval, vai ter multa. E artistas também que fizerem isso, não vai ter mais contratação da prefeitura de Salvador. Aqui nós defendemos a fé cristã”, disse o vereador Cezar Leite, em vídeo publicado em seu perfil no Instagram, após a aprovação da lei, em 24 de setembro.

A falácia da “cristofobia” no Brasil

A ideia de cristofobia no Brasil passou a ser disseminada a partir de 2018, como pauta da campanha eleitoral que mobilizou intensamente o tema da religião e da “defesa dos valores cristãos”. O vencedor da disputa para a Presidência da República naquele ano, Jair Bolsonaro (à época, do PSL, depois do PL), depois de ocupar o cargo em 2019 passou a lançar mão do assunto como política de Estado. Em 2020, em discurso na abertura da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Bolsonaro defendeu que o Brasil seria um “país cristão e conservador” e que a “cristofobia precisava ser combatida”. 

O Bereia já checou um amplo número de matérias sobre o tema da “cristofobia” desde 2019, quando foi criado e já explicou que se tornou um discurso político alinhado à direita cristã dos EUA, que busca consolidar poder por meio da narrativa de perseguição religiosa. Em texto publicado pelo Bereia, a pesquisadora da Unicamp Brenda Carranza explica que o termo é utilizado como estratégia retórica por políticos para reafirmar a supremacia da maioria cristã e justificar a perseguição contra as minorias sociais.

Além de precário do ponto de vista conceitual, a professora alerta que a expressão também é utilizada para propagar a ideia falsa que essas minorias, entre elas as comunidades LGBTQ+, nutrem ódio contra o cristianismo, com supostas ameaças à moral e costumes cristãos.

Em colaboração para o jornal Correio, sobre a aprovação do projeto de lei “que protege a religião cristã no carnaval”, a pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião (Iser) e editora-geral do Bereia Magali Cunha afirma a inexistência da prática defendida pelo político: “A aprovação dessa lei da Câmara de Salvador faz parte de um contexto do uso desse discurso para captação de apoio por quem entende que há um eleitorado sujeito a esse tipo de abordagem. Não faz sentido que um projeto como esse seja colocado para combater algo que não existe”. 

Cunha reforça: “É uma acusação de que cristãos sofrem perseguição pelo Estado ou por determinados grupos. Isso pode até ocorrer em outros lugares do mundo, mas aqui no Brasil, isso não existe. Os cristãos são uma religião majoritária, e nunca houve perseguição sistemática a cristãos.”

Ao recorrer ao tema da “cristofobia”, o vereador Cezar Leite, do mesmo PL de Bolsonaro, mantém a mobilização política em torno da ideia de perseguição a cristãos e da existência de defensores desta religião nos espaços públicos. A lei aprovada torna-se um instrumento de disputa política pois já existem leis para proteger ataques aos símbolos religiosos no Brasil. 

O Código Penal (artigos 208 e 2012) tipifica o crime de vilipêndio público de ato ou objeto de culto religioso. Para isso é necessário que a conduta recaia sobre ato religioso ou sobre objeto de culto religioso e que ocorra em público. No artigo 208 está explicitado: ““Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso”. A pena é de um mês a um ano de detenção ou multa”. Bereia já checou desinformação sobre isto que explora a inexistente prática de perseguição sistemática a cristãos.

Quem é Cezar Leite?

O autor do PL sobre “cristofobia” em Salvador, é nascido e criado naquela cidade. Ele é médico há cerca de 30 anos.  Cezar Leite é casado e tem seis filhos, sendo, dois deles, portadores de alguma deficiência. Por isso, como vereador, ele tem como pauta de seus principais projetos a inclusão de crianças deficientes ou com algum tipo de transtorno, como a Lei Municipal de Prioridade para Autistas (n°9237). 

Em seus perfis em  redes sociais, Leite se auto intitula como “representante da direita conservadora na Bahia, alinhado com as pautas defendidas pelo presidente Jair Bolsonaro” e afirma que sua atuação no cenário político é “reconhecida pela firme defesa dos valores cristãos, da família, pátria e da liberdade, além do combate à corrupção”.

Nesses perfis, o vereador do Partido Liberal compartilha registros de participação em dezenas de eventos da direita extremista , como a manifestação no Farol da Barra, no Dia 7 de setembro, em prol da aprovação da anistia aos que planejaram e atuaram pelo golpe de Estado em 2022-2023 e da volta do ex-presidente Jair Bolsonaro ao poder. 

Cezar Leite ao lado do ex-presidente Jair Bolsonaro Imagem: Instagram/@cezarleiteoficial

Referências

https://coletivobereia.com.br/cristofobia-nao-existe-no-brasil-aponta-editora-geral-do-bereia/

https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/09/22/em-video-gravado-bolsonaro-faz-discurso-na-abertura-da-assembleia-da-onu.ghtml

https://www.correio24horas.com.br/salvador/o-que-e-cristofobia-entenda-projeto-aprovado-pela-camara-de-salvador-0925

https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2025/09/27/entenda-projeto-de-lei-contra-cristofobia-aprovado-pela-camara-municipal-de-salvador.ghtml

https://www.cms.ba.gov.br/noticias/25-09-2025-camara-de-salvador-aprova-projeto-de-lei-contra-a-cristofobia

Políticos religiosos ressentidos com atos contra PEC da Blindagem e anistia a golpistas retomam engano sobre  Lei Rouanet

Manifestantes em várias cidades do país saíram às ruas no domingo, 21 de setembro, para protestar contra a chamada PEC da Blindagem, aprovada na Câmara dos Deputados na última semana, e contra o projeto que prevê anistia a condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro. Os atos aconteceram em 33 cidades (22 capitais),  foram convocados por movimentos sociais e parlamentares de partidos de esquerda e reuniram também artistas de projeção nacional, como Daniela Mercury, Gilberto Gil, Chico Buarque e Caetano Veloso. 

Durante as manifestações, políticos extremistas da direita política reagiram com críticas e difundiram informações distorcidas que envolvem à Lei de Incentivo à Cultura, conhecida popularmente como Lei Rouanet, ao retomarem conteúdo enganoso recorrente sobre o mecanismo de fomento à cultura. Vários destes políticos têm identidade religiosa evangélica e estão ocupando ambientes digitais religiosos com esta desinformação.

Repercussão nas redes 

O ex-deputado federal evangélico, que teve a candidatura cassada por ilegalidades, Deltan Dallagnol (Novo-PR) utilizou seu perfil na plataforma X para comentar os atos realizados em 21 de setembro. Em suas publicações, ele criticou a participação de artistas nas manifestações, e afirmou que “a esquerda e os artistas que enchem os bolsos com a Lei Rouanet vão às ruas hoje contra a anistia”. Em outra postagem, no mesmo dia, escreveu: “a hipocrisia dos mamadores da Lei Rouanet atacando trabalhadores perseguidos”.

Imagem: Publicação do deputado federal Deltan Dallagnol (Novo-PR) em 21 de setembro. Fonte: X

Imagem: Publicação do deputado federal Deltan Dallagnol (Novo-PR) em 21 de setembro. Fonte: X

O senador evangélico Flávio Bolsonaro (PL-RJ) também se manifestou em seu perfil na plataforma X sobre os atos de 21 de setembro. Em uma postagem no dia anterior, escreveu: “Os poucos milionários mamadores da Rouanet, que ficam com a grana forte, querem que os milhares de artistas que não recebem Rouanet vão para um ato anti-anistia”.

Imagem: Publicação do senador Flávio Bolsonaro em 20 de setembro. Fonte: X

Além disso, o parlamentar compartilhou uma publicação do deputado federal também evangélico Nikolas Ferreira (PL-MG), que usou ironia ressentida sobre o amplo público presente nas manifestações (mais de 100 mil pessoas, somente no Rio de Janeiro, em São Paulo e Salvador, segundo monitoramentos científicos). Em vídeo com imagens dos protestos, ele escreveu: “Nem com a Rouanet vingou”.

Imagem: Publicação compartilhada pelo senador Flávio Bolsonaro em 21 de setembro. Fonte: X

O que diz a lei?

A Lei de Incentivo à Cultura nº 8.313/91, conhecida como Lei Rouanet, é o principal mecanismo de incentivo à cultura no Brasil e tem sido alvo recorrente de desinformação. O nome é uma homenagem ao diplomata autor da lei Sergio Paulo Rouanet, que foi  secretário nacional de Cultura, de 1991 a 1992, no governo de Fernando Henrique Cardoso. 

A norma não retira recursos do orçamento federal que poderiam ser destinados a áreas como saúde ou educação,  como quem distorce o assunto apregoa. O que ela permite é que pessoas físicas e jurídicas destinem parte do imposto de renda a ser pago ao patrocínio de projetos culturais previamente aprovados pelo Ministério da Cultura.

Trata-se de um instrumento de renúncia fiscal: ao apoiar um projeto, empresas e cidadãos podem abater esse valor do imposto a pagar. A decisão sobre quais iniciativas receberão apoio cabe exclusivamente à iniciativa privada, e não ao governo.

Antes de captar recursos, cada projeto precisa passar por análise técnica e receber autorização da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (Cnic), que avalia se atende aos requisitos legais. Somente após essa aprovação a captação junto a patrocinadores é liberada.

Esse processo, que envolve controle técnico e escolha privada, refuta a ideia de que artistas ou políticos tenham acesso direto e ilimitado a recursos públicos por meio da lei.

Histórico de desinformação

Não é a primeira vez que informações falsas ou enganosas circulam sobre a Lei Rouanet. Em setembro de 2022, a Agência Lupa destacou diversas ocasiões em que o mecanismo foi distorcido em discursos políticos de candidatos ligados à direita política, especialmente durante períodos eleitorais. 

O Bereia também identificou o uso frequente da lei como alvo de ataques por personagens de identidade ultraconservadora em ambientes religiosos. Em 2023, duas checagens expuseram conteúdos enganosos que afirmavam, de forma incorreta, que o atual governo teria excluído projetos religiosos do mecanismo e manipulado valores destinados à cultura em detrimento da segurança nas escolas.

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O Bereia verifica que as informações publicadas pelos parlamentares são enganosas. As declarações dos evangélicos Deltan Dallagnol, Flávio Bolsonaro e Nikolas Ferreira distorcem o funcionamento da Lei Rouanet e retomam narrativas já desmentidas em outras ocasiões. O mecanismo não transfere recursos diretamente a artistas, mas autoriza a captação junto à iniciativa privada após avaliação técnica e sob rígidas regras de prestação de contas. Longe de beneficiar apenas grandes nomes, a lei também alcança projetos culturais de médio e pequeno porte em diferentes regiões do país.

Referências:

G1. https://g1.globo.com/politica/noticia/2025/09/17/pec-da-blindagem-centrao-articula-e-camara-retoma-votacao-secreta-para-abertura-de-processos.ghtml. Acesso em 22 de setembro de 2025. 

G1. https://g1.globo.com/politica/noticia/2025/09/21/atos-contra-a-pec-da-blindagem-e-o-pl-da-anistia-reunem-manifestantes-em-brasilia-salvador-e-joao-pessoa.ghtml. Acesso em 22 de setembro de 2025. 

Coletivo Bereia.  https://coletivobereia.com.br/?s=Lei+Rouanet. Acesso em 22 de setembro de 2025. 

Coletivo Bereia. https://coletivobereia.com.br/lei-rouanet-continua-sendo-alvo-de-desinformacao-nas-midias-sociais/. Acesso em 22 de setembro de 2025. 

Coletivo Bereia. https://coletivobereia.com.br/politicos-religiosos-desinformam-sobre-valores-destinados-a-lei-rouanet-e-seguranca-nas-escolas/. Acesso em 22 de setembro de 2025. 

Projuris. https://www.projuris.com.br/blog/lei-rouanet/.  Acesso em 22 de setembro de 2025. 

Agência Lupa. https://lupa.uol.com.br/institucional/2022/09/21/pare-reflita-rouanet.  Acesso em 22 de setembro de 2025. 

Caso Charlie Kirk: mentiras e uso político em torno do atentado circulam em ambientes religiosos

A morte do ativista ultraconservador estadunidense Charlie Kirk, vítima de um atentado, no último 10 de setembro, durante um evento em universidade nos Estados Unidos, gerou reações calorosas do presidente Donald Trump, repetidas por políticos ultraconservadores brasileiros. Eles manifestaram indignação em publicações nas redes digitais e responsabilizaram a violência à esquerda política. Bereia investigou o caso e concluiu, a partir de verificações já realizadas, que essa associação é falsa. 

Quem é Charlie Kirk?

Charlie Kirk foi um evangélico ativista ultraconservador estadunidense, fundador e líder da organização estudantil Turning Point USA [Ponto de Virada EUA], criada em 2012 para difundir pautas ultraconservadoras em universidades dos Estados Unidos. A Turning Point USA tem uma frente cristã denominada TPUSA FAith (Fé TPUSA) para disseminar essas pautas com um público das igrejas.

Aos 18 anos, Kirk iniciou o movimento que hoje conta com forte presença em mídias digitais e eventos voltados a jovens simpatizantes da extrema direita e do ultraconservadorismo. Entre as pautas defendidas por ele estão: 

Fervoroso defensor de Donald Trump: mobilizava eleitores jovens para o movimento “Make America Great Again” e questionava a legitimidade das eleições de 2020, alegando fraudes.

Imigração restritiva: apoiava políticas anti-imigranção para os EUA como construção de muros na fronteira e deportações em massa, enfatizando esta forma de nacionalismo.

Direitos às Armas: Defendia o armamentismo argumentando que o porte de armas de civis é essencial para autodefesa e contra um potencial “governo tirânico” e como uma defesa dos direitos dados por Deus.

Oposição a políticas de inclusão: Criticava iniciativas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI), chamando-as de discriminatórias e contrárias à meritocracia. Era contra o reconhecimento de identidades de gênero fluidas e políticas transgênero.

Defesa da submissão das mulheres: Apregoava que mulheres deveriam renunciar à educação e à carreira de trabalho para se concentrarem em ter uma vida de dona de casa submissa.

Posição radical antiaborto: Defendia restrições ao aborto, alinhado com valores cristãos ultraconservadores, promovendo a proteção da vida desde a concepção, fechando-se a qualquer direito relacionado à interrupção da gravidez, o que comparava ao Holocausto.

Posição racista: era contra o movimento Black Lives Matter, desacreditava a figura de Martin Luther King, negava a atrocidade da escravidão alegando que africanos eram voluntários e fazia pronunciamentos depreciativos de pessoas negras, como seres amaldiçoados por Deus.

Livre mercado e governo limitado: advogava por menos regulamentações governamentais, redução de impostos e promoção do capitalismo de livre mercado.

Negacionismo climático e ideias conspiracionistas: minimizava a crise climática, chamando-a de exagero, e promovia ideias como “marxismo cultural” e “globalismo” como ameaças à cultura americana.

Apoio a Israel: Defendia as ações violentas do Estado Israel, especialmente na tomada da Palestina e se posicionava como pró-sionismo.

Imagem: Kirk pouco antes de ser alvo de tiro mortal na Universidade Utah Valley. Fonte BCC News Brasil.

Kirk apresentava um podcast diário e acumulava milhões de seguidores nas plataformas digitais. Ele ficou conhecido por promover debates públicos em campi universitários e abordar temas como identidade de gênero, mudanças climáticas, fé e valores familiares. O Turning Point teve participação ativa no apoio ao atual presidente dos EUA Donald Trump, e a outros candidatos do partido Republicanos nas eleições de 2024 naquele país.

Imagem: Charlie Kirk ao lado do atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Fonte: BCC News Brasil.

Charlie Kirk era um evangélico vinculado à Dream City Church [Igreja da Cidade do Sonho], localizada em Phoenix, estado Arizona (EUA). A denominação é uma megai­greja do ramo pentecostal das Assembleias de Deus, que pratica ativismo político conservador que dá espaço a eventos com figuras do movimento ultraconservador estadunidense. Um deles é Freedom Night in America [Noite da Liberdade na América], que aborda fé e política, dando voz a ativistas do ultrconservadorismo cristão, como Kirk, e pautas do Partido Republicano. 

A organização Turning Point liderada por Charlie Kirk lançou, em convênio com a Dream City Church, a Academia Turning Point, uma escola particular de linha educacional ultraconservadora que rechaça conteúdo que trate do enfrentamento ao racismo e dos direitos de gênero. Há também parceria na realização da Strong Church Dream Conference [Conferência Sonho Forte da Igreja] voltada para fomação de líderes religiosos e militantes políticos ultraconservadores. 

O que aconteceu?

O ativista foi baleado no último 10 de setembro, enquanto participava de um evento universitário na Utah Valley University (UVU), no estado de Utah. O disparo atingiu seu pescoço durante o evento “The American Comeback Tour”. Ele foi levado em estado crítico para o hospital regional de Timpanogos, onde teve sua morte confirmada.

Logo após o anúncio da morte de Charles Kirk, o presidente dos EUA Donald Trump fez acusações ao que chamou de “esquerda radical” como responsável pela morte do jovem influenciador. Sem provas, Trump estimulou aliados da extrema direita mundial a honrarem  Charlie Kirk, a quem classificou de “mártir da verdade”.

Em entrevista ao programa de TV Fox and Friends, que teve algumas edições apresentadas por Kirk, Trump afirmou: “Vou te dizer algo que vai me deixar encrencado, mas não me importo. Os radicais na direita muitas vezes só são radicais porque não querem ver crimes. (…) Eles estão preocupados com a fronteira, eles não querem toda essa gente entrando e queimando nossos shoppings. Não querem que eles atirem no nosso povo no meio da rua”, disse o presidente, sem esclarecer a que incidentes se referia. “O problema são os radicais da esquerda. Eles são cruéis e terríveis e politicamente astutos, porque embora digam que querem esportes para homens e mulheres, na verdade querem transgêneros para todo mundo, querem fronteiras abertas.”

Ao contrário do que apregoou o presidente Trump, de acordo com as investigações que se sucederam, o suspeito de assassinar Charlie Kirk é Tyler Robinson, de 22 anos, criado em uma família branca, conservadora, cristã e apoiadora do presidente Donald Trump. Entrevistas da CNN com familiares indicam que o jovem teria se envolvido mais recentemente com política, embora não tenham apontado uma ideologia específica. Há indícios de que ele faça parte da comunidade “Exército Groyper”, grupo alternativo de extrema direita ligado a ideias do supremacista branco Nick Fuentes e opositor de Kirk. Os “groypers” consideravam Kirk “moderado demais”. Segundo o escrivão do condado onde Robinson reside, ele nunca votou, não é filiado a qualquer  partido e está atualmente registrado para votar. 

Políticos ultraconservadores brasileiros exploram o caso

O chamado de Donald Trump aos radicais na direita repercutiu entre políticos brasileiros. Alguns manifestaram tristeza e pesar nas redes digitais, enquanto outros exploraram politicamente a situação para acusar opositores.

O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) comentou em uma postagem no X em 10 de setembro: “Mais um conservador vítima do ódio e da intolerância”.

Imagem: Post de Eduardo Bolsonaro sobre a morte de Charlie Kirk. Fonte: X

Em outra publicação mais recente, o deputado compartilhou um vídeo com imagens de atentados e acrescentou a legenda: “(…) E quando não executam seus adversários, botam seus juízes corruptos para prendê-los. Eis alguns exemplos dessa violência, cujas vítimas sempre são de direita”.

Imagem: Post de Eduardo Bolsonaro sobre a morte de Charlie Kirk e de outros políticos conservadores. Fonte: X.

No Instagram, o deputado federal Gustavo Gayer (PL-MG) publicou um vídeo sobre o ativista, com a legenda: “A esquerda mata, a esquerda é doente”.

Imagem: Post do deputado federal Gustavo Gayer sobre a morte de Charlie Kirk. Fonte: Instagram

O professor de Teologia Franklin Ferreira, reitor do Seminário Martin Bucer, afirmou em seu perfil no Instagram que a morte de Kirk teria sido motivada por opositores ideológicos, e acrescentou que grupos de esquerda utilizam métodos para “calar e destruir quem pensa diferente”.

Imagem: Post do professor Franklin Ferreira. Fonte: Instagram

Relações com o ex-presidente Bolsonaro

A atuação de Charlie Kirk, de fato, ultrapassava o cenário estadunidense. Em relação ao Brasil, em 2023, o ativista entrevistou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para o  seu podcast e organizou um evento em Miami no qual o político brasileiro foi palestrante. A aproximação rendeu destaque a Kirk entre conservadores no Brasil, como o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que frequentemente mencionava o trabalho do líder da Turning Point USA em manifestações públicas.

Naquele mesmo período, Jair Bolsonaro permaneceu por três meses na Flórida, após deixar a Presidência do Brasil, entre a virada de 2022 para 2023. Nesse intervalo ocorreram a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os atos violentos contra a democracia ocorridos em 8 de janeiro de 2023, em Brasília.

No começo de fevereiro daquele ano, um mês após a posse de Lula, Bolsonaro participou do evento “Power to the People”, promovido pela Turning Point USA. No discurso, falou sobre sua trajetória política, defendeu pautas ultraconservadoras e destacou o que chamou de realizações de seu governo. Ao final, Kirk fez perguntas sobre os riscos de o Brasil “se tornar uma Venezuela” e sobre os desafios do governo Lula.

Em março de 2025, Kirk utilizou seu programa de rádio para solicitar que o governo de Donald Trump aplicasse sanções e tarifas contra o Brasil, em retaliação à condução do Judiciário brasileiro no julgamento da chamada “trama golpista”, no Supremo Tribunal Federal,  que tinha Jair Bolsonaro como um dos réus.. O ativista classificou o processo contra Bolsonaro como “chocante e horrível”.

A esquerda mata a direita no Brasil? Dados negam esta afirmação

A afirmação da responsabilidade da esquerda política no caso Kirk não se sustentou diante do resultado das investigações nos EUA, que apontaram o suspeito – um jovem branco cristão ligado a um movimento ultraconservador. Além disso, não é preciso pesquisa muito densa para apurar que atentados e episódios de violência política não sao exclusividade da esquerda e não atingem apenas pessoas de direita. Estes casos decorrem do ódio e da intolerância presentes nas relações sociais, independentemente da ideologia. 

Para a psicóloga doutora em Psicologia Social Rebecca Maciel, atentados e episódios de violência política não são fenômenos exclusivos de uma ideologia. Ela explica que emoções como raiva e nojo fazem parte da experiência humana, mas o ódio é algo construído, resultado da combinação de sentimentos com crenças que levam a pessoa a considerar certos grupos ou ideias como repulsivos e passíveis de eliminação. 

Segundo Maciel, embora as emoções sejam majoritariamente reativas (por exemplo, a raiva surge quando algo nos afeta), a forma como transformamos essa energia pode variar: pode gerar agressão ou ser canalizada para mudanças sociais positivas. 

Ela ressalta ainda que a motivação por trás dos ataques é fundamental para compreender se se trata de um atentado, e lembra que a crença no extermínio do diferente e na agressão como opção é mais frequente em determinados grupos, mas não está restrita a uma ideologia. Maciel cita o ativista islâmico negro estadunidense Malcolm X, assassinado em 1965: “Não confundir a reação do oprimido com a violência do opressor”, e reforça a importância de analisar contexto e intenções em episódios de violência política.

Nos Estados Unidos, ao longo da história, diversos presidentes e figuras políticas foram alvo de violência armada. Dos 46 presidentes norte-americanos desde a independência, em 1776, quatro foram assassinados enquanto exerciam o cargo: Abraham Lincoln (1865), James A. Garfield (1881), William McKinley (1901) e John F. Kennedy (1963). Além disso, outros 16 atentados foram registrados contra presidentes e candidatos, incluindo Theodore Roosevelt (1912), Franklin D. Roosevelt (1933), Harry S. Truman (1950), Gerald Ford (1975) e Ronald Reagan (1981). 

Ativistas e líderes políticos daquele país também sofreram violência, como o islâmico negro Malcolm X (1965), Robert F. Kennedy (1968) e Martin Luther King Jr. (1968), que era pastor batista e defensor dos direitos civis dos negros no país. Neste 2025, em 14 de junho, a senadora estadual do Partido Democrata  Melissa Hortman e o marido foram assassinados a tiros na casa em que moravam, no estado de Minnesota.

Um levantamento do Instituto Cato, credenciada organização estadunidense sem filiação partidária, revela que o discurso adotado por Trump de que “lunáticos de esquerda” são os maiores responsáveis por esses crimes não condiz com a realidade dos números. 

De acordo com o estudo, entre 1° de janeiro de 1975 e 10 de setembro de 2025, 620 pessoas foram assassinadas por terrorismo político nos Estados Unidos. Neste período, 391 pessoas foram mortas por grupos ou pessoas ligadas ao terrorismo de direita, e 65 por terroristas de esquerda. Desde 2020, foram 44 mortos por motivações da direita, e 18, da esquerda. Em 2025, foram registradas 24 mortes no total, incluindo a de Charlie Kirk.

Casos recentes no Brasil 

No Brasil, atentados políticos têm ocorrido há séculos e envolvem diferentes motivações. Em 1889, meses antes da Proclamação da República, o imperador D. Pedro II foi alvo de um atentado, sem ser atingido. O terceiro presidente do Brasil, Prudente de Morais, sobreviveu a uma tentativa de assassinato em 1897. 

Um caso muito destacado na história ocorreu 1954, quando o principal opositor do presidente Getúlio Vargas, o jornalista e futuro governador da Guanabara (atual cidade do Rio de Janeiro) foi alvo de um atentado, em 5 de agosto, no bairro de Copacabana. Quem acabou morrendo foi o major da Aeronáutica  Rubens Vaz. O ataque fracassado, cuja investigação levou ao mandante, o chefe da guarda presidencial Gregório Fortunato, provocou a derrocada política de Getúlio Vargas, que cometeu suicídio,  19 dias depois.

Em 25 de julho de 1966 uma bomba explodiu no saguão do Aeroporto de Guararapes, em  Recife (PE), e matou o vice-almirante Nelson Gomes Fernandes, o jornalista e secretário de governo de Pernambuco Edson Régis de Carvalho e deixou 14 feridos. O alvo era o então ministro do Exército e futuro presidente da República, general Artur da Costa e Silva, que não estava no terminal.

Durante a década de 1980, o presidente José Sarney foi alvo de uma tentativa de ataque que envolveu um sequestro de avião, levado a cabo por um homem, isoladamente, para atingir o Palácio do Planalto e “prestar contas” com aquele a quem culpava pela crise econômica em que o país se encontrava.

Atualmente, episódios de violência política também revelam que o ódio e a intolerância não se restringem a um único campo ideológico. Casos emblemáticos ilustram esta realidade.

Em 2018, a vereadora Marielle Franco (PSOL) e o motorista Anderson Gomes foram assassinados no Rio de Janeiro. O crime, de grande repercussão nacional e internacional, atingiu uma liderança reconhecida pela defesa dos direitos humanos e pela luta contra a violência policial. Investigações levaram ao mandante, seis anos depois, o deputado federal Chiquinho Brazão (RJ), vereador à época, que acabou expulso do partido de direita ao qual era filiado, o União Brasil.

Ainda em 2018, ano eleitoral, o então candidato à Presidência Jair Bolsonaro foi alvo de uma facada durante ato de campanha em Juiz de Fora (MG). As investigações apontaram que o agressor Adélio Bispo, preso em seguida, agiu sozinho e foi declarado inimputável pela Justiça por transtorno mental, decisão que não teve contestação da defesa de Bolsonaro. 

No mesmo contexto eleitoral de 2018, em 7 de outubro, o ativista negro e mestre de capoeira Môa do Katendê (Romualdo Rosário da Costa) foi assassinado após uma discussão política. Ele teria defendido o voto no PT e irritou eleitores de Jair Bolsonaro (PSL) em um bar na  periferia de Salvador. Um dos homens desferiu doze facadas no capoeirista.

Quatro anos depois, em  2022, também ano eleitoral, o guarda municipal e tesoureiro do Partido dos Trabalhadores (PT) Marcelo Arruda foi morto a tiros, em Foz do Iguaçu (PR), durante a comemoração de seu aniversário em uma festa dedicada ao candidato do partido Lula. O autor dos disparos, um ex-policial penal, declarado apoiador do então presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro, ficou indignado com o tema da festa, depois de descobrir o evento por meio de câmeras de segurança e ter retornado armado após uma discussão com o aniversariante.

No segundo turno das eleições para presidente e governadores naquele 2022, a deputada federal reeleita Carla Zambelli (PL-SP),  foi filmada ameaçando um homem com uma arma nos Jardins, bairro da zona central de São Paulo. Segundo testemunhas, o homem havia debochado criticamente da deputada, que revidou com a ameaça armada. O Supremo Tribunal Federal (STF) condenou a deputada, em agosto passado, a cinco anos de prisãoe regime semiaberto, por porte ilegal de arma de fogo e constrangimento ilegal com emprego de arma de fogo. Ela já havia sido condenada em outro processo por invasão ao sistema eletrônico do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A deputada esteve foragida na Itália, onde foi presa e terá extradição ao Brasil julgada. 

Neste setembro de 2025, o STF julgou a tentativa de golpe contra o processo eleitoral de 2022 que incluía o plano denominado “Punhal Verde Amarelo”. Nele, o general do Exército Mário Fernandes confessou ter elaborado um esquema para impedir a posse do governo eleito em 2022, que previa o assassinato do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, do vice-presidente na chapa, Geraldo Alckmin, e do ministro Alexandre de Moraes (STF). Fernandes foi condenado junto com outros integrantes do chamado Núcleo 2 da tentativa de golpe de Estado, acusados de redigir a “minuta do golpe”, monitorar autoridades e tentar impedir o voto de eleitores em 2022.

Violência política e eleitoral se agrava no Brasil

Pesquisa desenvolvida pela organização Terra de Direitos, intitulada “Violência Política e Eleitoral no Brasil”, mostra que entre 1° de novembro de 2022 e 27 de outubro de 2024 foram registrados 713 casos de violência política. Somente em 2024, foram 558. Até 2018, uma pessoa era vítima desta violência a cada oito dias. O relatório identifica quea, após as eleições de 2018, com a ocupação de uma direita extremista dos poderes Executivo e Legislativo, o ano de 2022 alcançou o recorde com o registro de um caso a cada 27 horas. 

Nas últimas eleições gerais, 2022, houve pelo menos cinco homicídios motivados por política em um intervalo de quase três meses. Os crimes se intensificaram com a proximidade do primeiro turno. Entre os cinco casos, quatro ocorreram entre 4 de setembro e 4 de outubro de 2022 — média de um assassinato por semana desde a reta final das eleições.

Naquele ano, além do caso tesoureiro do PT no Paraná Marcelo Arruda assassinado por um bolsonarista, em sua festa de aniversário, houve outros casos apontados na pesquisa de Terra de Direitos. Em 7 de setembro, o petista Benedito Cardoso dos Santos foi morto pelo bolsonarista Rafael Silva de Oliveira, em Confresa (MT). Em 24 de setembro, Antônio Carlos Silva de Lima, eleitor de Lula, foi esfaqueado por Edmilson Freire da Silva, em Cascavel (CE), depois de discussão em um bar. Dois dias depois, Ianário Pereira Souza Rocha, motorista da candidata a deputada estadual Sabrina Veras (MDB), foi morto a tiros em evento político em Fortaleza (CE). Em 4 de outubro, o estilista  bolsonarista José Roberto Gomes Mendes foi assassinado pelo amigo, o petista Luiz Antonio Ferreira da Silva, em Itanhaém (SP), depois de discussão e agressões físicas em uma mesa de almoço.

De acordo com informações mais recentes do Grupo de Investigação Eleitoral da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Giel/Unirio), dos 338 casos de violência política no terceiro trimestre de 2024, 76 resultaram em morte.

De acordo com o doutor em Direito Constitucional e professor associado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Rubens Beçak, crimes contra a vida de políticos devem ser punidos “com todas as tintas possíveis, e tudo aquilo que a legislação de cada país permite”.

“É claro que a legislação estadunidense é diferente da brasileira, mas no direito brasileiro, os crimes dessa natureza podem ser entendidos, depois de apurada a fase de inquéritos, e transformados numa ação penal, como crimes hediondos. Assim, eles são punidos e têm um tratamento bastante diferenciado”, afirma.

“A gente muitas vezes acha que esse é um fenômeno do Brasil, dos Estados Unidos, mas nós observamos que isso acontece no mundo todo e em uma intensidade muito grande. E agride o nosso senso moral de ser humano, de que sempre existem possibilidades de tirar as diferenças na discussão, no debate, de formas muito mais inteligentes, sem que nós tenhamos que recorrer à violência, que muitas vezes se dá na intolerância e leva até a morte de pessoas como Charlie Kirk”, conclui.

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De acordo com a checagem do Bereia, é falso afirmar que pessoas de esquerda sejam odientas ou que promovam o ódio. Os exemplos demonstram que atentados e violência política não são exclusivos de um espectro ideológico. Apesar de se acumularem por responderem a estímulos em uma dada atmosfera política, como demonstrado nas pesquisas nos Estados Unidos e no Brasil, estas práticas estão fortemente relacionadas a questões de saúde mental, transtornos psicológicos, ao cultivo do ódio, à intolerância e a conflitos sociais mais amplos. Toda ação violenta e letal é humana e condenável.

Em 18 de julho de 2024, o Bereia já havia checado a afirmação do ex-presidente Jair Bolsonaro de que “só os conservadores sofrem atentados”, feita após o ex-presidente dos EUA Donald Trump ter sido alvo de um atirador em um comício na Pensilvânia, dias antes, em 13 de julho. A verificação já havia demonstrado que atentados contra líderes políticos não são exclusivos de um espectro ideológico.  

Entretanto, chama a atenção e merece reflexão a constatação da pesquisa do Instituto Cato, nos Estados Unidos, onde aconteceu o assassinato de Charlie Kirk, que mostra que metade dos crimes desse tipo foram causados por autores alinhados às direita política. Embora no Brasil não haja pesquisa com a mesma metodologia, o levantamento de Terra de Direitos revela um aumento dos casos de mortes por motivação política depois de 2018, com o fortalecimento do poder político da direita extremista no país. 

Referências: 

BCC News Brasil. https://www.bbc.com/portuguese/articles/cp8wk54nx0go. Acesso em 12 set 2025.

BCC News Brasil. https://www.bbc.com/portuguese/articles/c784wxyxvl6o. Acesso em 12 set 2025.

AP. https://apnews.com/article/charlie-kirk-shooting-utah-university-republicans-8357c3d102de09e3320fde761258131a. Acesso em 12 set  2025.

Agência Brasil. https://agenciabrasil.ebc.com.br/tags/8-de-janeiro. Acesso em 12 set 2025.

Cato Institute https://www.cato.org/blog/politically-motivated-violence-rare-united-states. Acesso em 17 set  2025.

Coletivo Bereia. https://coletivobereia.com.br/atentados-politicos-nao-sao-praticados-apenas-contra-conservadores/. Acesso eset 2025.

CBN

https://cbn.globo.com/brasil/noticia/2024/10/24/violencia-politica-faz-76-mortes-em-2024-aponta-levantamento-casos-batem-recorde.ghtml. Acesso em 17 set  2025

CNN 

https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/quem-e-tyler-robinson-suspeito-de-matar-charlie-kirk/ Acesso em 13 set 2025.

G1. https://g1.globo.com/mundo/noticia/2024/07/13/comicio-de-trump-e-interrompido-apos-supostos-sons-de-tiros-na-pensilvania.ghtml. Acesso em 13 set 2025.

G1. https://g1.globo.com/pr/oeste-sudoeste/noticia/2025/02/13/sentenca-juri-jorge-guaranho-curitiba-morte-marcelo-arruda.ghtml. Acesso em 15 set  2025.

The Guardian 

https://www.theguardian.com/us-news/2025/sep/13/charlie-kirk-killing-alleged-shooter-motivation. Acesso em 14 set  2025.

Agência Brasil. https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/justica/audio/2025-07/general-afirma-que-foi-autor-do-plano-punhal-verde-amarelo. Acesso em 15 set 2025.

New York Times.

https://www.nytimes.com/2025/09/12/us/tyler-robinson-charlie-kirk-shooting-suspect.html . Acesso em 15 set  2025

Uol. https://noticias.uol.com.br/confere/ultimas-noticias/2022/08/17/saiba-o-que-e-verdade-e-o-que-e-falso-sobre-a-facada-em-bolsonaro-em-2018.htm. Acesso em 15 set  2025.

https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2022/10/09/quem-sao-os-suspeitos-de-matar-por-motivacao-politica-no-brasil.htm. Acesso em 17 set 2025

https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2025/09/11/o-que-charles-kirk-defendia-veja-frases-sobre-escravidao-armas-e-aborto.htm Acesso em 18 set 2025

https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2025/09/17/qual-era-a-igreja-de-charlie-kirk-megatemplo-e-palco-conservador-nos-eua.htm?cmpid=copiaecola Acesso em 18 set 2025

Fox News

https://www.foxnews.com/video/6379207542112. Acesso em 18 set 2025

O que é marxismo cultural e como o termo tem sido usado pelo extremismo de direita

Em outra matéria desta série, o Bereia explicou o termo “woke”, seu contexto de surgimento e como foi ressignificado pelo extremismo de direita, passando a ser usado como rótulo pejorativo.

Agora, voltamos a atenção para outra expressão que segue caminho semelhante: o chamado “marxismo cultural”. Assim como woke, o termo ganhou espaço no Brasil em discursos religiosos e políticos, apresentado como explicação rápida para mudanças sociais vistas como ameaças à família, à fé cristã e à moral.

Apesar de ser associado à tradição marxista ou à Escola de Frankfurt, o conceito não tem base acadêmica: trata-se de uma construção conspiratória surgida em ambientes conservadores do século XX. No Brasil, a expressão tornou-se recorrente em sermões pregados em igrejas, debates públicos e campanhas eleitorais, sendo usada para denunciar desde propostas educacionais até manifestações culturais.

Compreender as origens e o percurso desse termo é essencial para desfazer simplificações e mostrar como ele foi transformado em arma retórica, servindo mais ao extremismo político conservador do que ao esclarecimento dos debates públicos.

A origem do termo marxismo cultural

A expressão “marxismo cultural” não aparece em um texto sequer de Karl Marx ou em qualquer das correntes do pensamento marxista. O pensamento do filósofo alemão foi construído com a noção de que a transformação da sociedade viria da luta entre classes sociais e da apropriação dos meios de produção pelo proletariado. Em nenhum de seus textos há referência a um plano de “revolução cultural” ou de infiltração em instituições culturais. A teoria conspiratória do “marxismo cultural” deturpou a obra de Marx ao atribuir a ele e a seus seguidores uma estratégia jamais defendida por esta corrente de pensamento.

O uso atual desta noção remonta aos Estados Unidos dos anos 1990, quando o escritor Michael Minnicino publicou o artigo New Dark Age: Frankfurt School and ‘Political Correctness’ [A nova idade das trevas: a Escola de Frankfurt e o “politicamente correto”], na revista Fidelio, do Instituto Schiller, ligado ao movimento liderado pelo político estadunidense Lyndon LaRouche, conhecido por discursos conspiratórios. 

O texto acusava intelectuais da chamada Escola de Frankfurt (círculo de estudiosos na Alemanha dos anos 1930, criador da Teoria Crítica da Sociedade, que influenciou amplos estudos sociais, políticos e segue como referência até hoje) de serem responsáveis pelo “politicamente correto” e por mudanças culturais que estariam enfraquecendo os valores ocidentais. 

O termo “politicamente correto” apareceu nos Estados Unidos nos anos 1970, em movimentos de esquerda que buscavam evitar expressões e atitudes ofensivas, como linguagem racista ou sexista. Mais tarde, setores da direita passaram a usar a expressão de forma negativa, tratando-a como sinônimo de censura, ataque à liberdade de expressão e vitimismo.

Michael Minnicino escreveu: “Os homens da Escola de Frankfurt desenvolveram a ideia de que não se poderia mais confiar na classe trabalhadora para promover a revolução. A tarefa, então, era subverter a cultura em todos os seus aspectos — literatura, música, arte, filosofia — de modo a criar uma nova base para a transformação social.”

Apesar do tom de denúncia, não há registro comprobatório de que os professores Theodore Adorno, Max Horkheimer e Herbert Marcuse tenham proposto um projeto de “subversão cultural” como descrito por Minnicino. A afirmação é parte de uma narrativa conspiratória que depois se consolidou no termo marxismo cultural.

O texto de Minnicino não foi apenas apropriado por pessoas e grupos conservadores e pela extrema direita política, mas nasceu do ambiente criado por LaRouche, já marcado por visões conspiratórias. Anos mais tarde, Minnicino se afastou do grupo e renegou o artigo, afirmando que seu trabalho havia sido “irremediavelmente deformado” pela necessidade de sustentar a “visão de mundo lunática” de LaRouche. 

Ainda assim, a tese lançada naquele texto já havia se disseminado e acabou sendo incorporada por diferentes setores da direita, até chegar à nova direita e à extrema direita atuais. A ideia ganhou força nos EUA quando grupos da direita religiosa e política passaram a falar em “marxismo cultural” para condenar mudanças sociais como o feminismo, a ampliação dos direitos civis e as políticas de diversidade. 

Raízes antigas de uma “Guerra Cultural”

Segundo o cientista político Jérôme Jamin , a noção de “marxismo cultural” deve ser entendida como um mito político que se apoia em tradições conspiratórias mais antigas, como o “bolchevismo cultural” (como sinônimo de comunismo cultural) propagado pelo nazismo, na Alemanha dos anos 1920 e 1930, que criticava os movimentos modernistas nas artes. Líderes nazistas relacionavam a arte moderna ao marxismo revolucionário russo, classificando-a como uma forma de “arte degenerada”. 

Ao chegar ao poder, o regime nazista promoveu censura às obras modernistas e passou a exaltar a chamada “arte nacional”, com temas propagandísticos que apoiavam o governo de Adolf Hitler e exaltavam a supremacia racial ariana. Pesquisadores indicam que o conceito de bolchevismo cultural funcionava como justificativa para reprimir toda produção intelectual e artística que não se alinhava às diretrizes políticas do regime.

Desta maneira, essas teorias da conspiração de um plano contra a “civilização ocidental” reapareceram mais tarde em outras versões, como o marxismo cultural. Elas sempre servem como rótulo conspiratório para simplificar transformações sociais e atribuí-las a um plano deliberado de subversão. O artigo de Michael Minnicino, em 1992, é visto como o ponto de partida da versão contemporânea deste discurso.

Foi nos anos 2000 que autores conservadores nos Estados Unidos, como William S. Lind, passaram a incluir o nome do pensador marxista italiano Antonio Gramsci na noção. Estes autores tomaram de forma distorcida a noção de hegemonia cultural de Gramsci  como se fosse um plano deliberado de infiltração ideológica: 

“O que chamamos hoje de ‘politicamente correto’ é, de fato, o marxismo cultural: uma tradução de Marx da economia para a cultura, que busca derrubar a civilização ocidental a partir de dentro”, escreve Willian Lind. 

Entretanto, Gramsci desenvolveu o conceito de hegemonia cultural e destacou como as classes dominantes mantêm o poder não só pela economia e pela política, mas também por meio de instituições como a escola, a igreja e a imprensa.

Seu objetivo era compreender como a cultura reforça estruturas de poder. Na versão conspiratória, essa reflexão foi distorcida e apresentada como se fosse um plano secreto da esquerda para controlar a sociedade.

“Marxismo Cultural” no Brasil

No Brasil, a expressão “marxismo cultural” ganhou popularidade sobretudo a partir dos anos 2000, com a atuação do influenciador ultraconservador católico  Olavo de Carvalho. Na linha dos estadunidenses em livros, aulas e vídeos, Carvalho apontava a Escola de Frankfurt e o pensamento de Antonio Gramsci como responsáveis por uma suposta infiltração ideológica em universidades, nas artes e nos meios de comunicação. 

Para ele, esse “plano” visava corromper valores cristãos e dissolver a família tradicional. Essa leitura passou a estruturar a ideia de uma “guerra cultural”, que se tornou marca registrada da nova direita brasileira.

Imagem: Perfil no Twitter (X) @oproprioolavo 

Imagem: Página no Youtube @oproprioolavo

 

Imagem: Página no Youtube @oproprioolavo 

Sob a influência forte de Olavo de Carvalho, políticos ligados ao campo conservador e à extrema direita incorporaram o termo. O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados repetiram diversas vezes a expressão “marxismo cultural” em entrevistas, discursos e postagens em redes sociais. Este grupo sempre associandou a ideia a temas como educação sexual, políticas de gênero, diversidade e direitos humanos. O termo também foi mobilizado em campanhas eleitorais como um “rótulo de alerta” contra adversários progressistas.

O discurso ganhou força adicional no campo religioso. Pastores, padres e lideranças católicas e evangélicas identificadas como conservadoras passaram a denunciar o “marxismo cultural” em sermões e artigos, descrevendo-o como ameaça à fé e à família. 

Imagem: Perfil no Twitter (X) @PastorMalafaia

Nas igrejas, a expressão é frequentemente associada a debates sobre educação escolar, costumes e moralidade, funcionando como explicação rápida para transformações sociais que incomodam setores conservadores.

Pesquisadores destacam que esse uso está alinhado ao que já se observava em outros países. Para o historiador João Cezar de Castro Rocha, o que se convencionou chamar de “bolsonarismo” se organizou em grande medida a partir dessa retórica de guerra cultural. O também historiador Flávio Casimiro identifica o termo como parte do arsenal ideológico da “nova direita” no Brasil Já a filósofa Marcia Tiburi classifica o “marxismo cultural” como um rótulo vazio, usado apenas para criar inimigos e justificar perseguições 

***

O chamado “marxismo cultural” não é uma teoria científica, mas uma construção conspiratória que atravessou diferentes contextos históricos — do nazismo aos Estados Unidos dos anos 1990 — até ser importada e adaptada ao Brasil. Sua função não é explicar a realidade, mas construir um inimigo fácil de identificar, usado como arma retórica por políticos e líderes religiosos para mobilizar apoiadores. Mais do que esclarecer debates, o termo serve à polarização política e à difusão de desinformação.

Assim como aconteceu com woke — uma palavra nascida no movimento negro e esvaziada de seu sentido original ao ser apropriada como insulto pela extrema direita —, o chamado “marxismo cultural” também se transformou em arma retórica. Neste caso, não a partir de uma experiência social legítima, mas como uma teoria conspiratória criada em ambientes ultraconservadores. Hoje, os dois termos circulam lado a lado nos discursos políticos e religiosos, usados não para favorecer debates, mas para simplificá-los e até mesmo para impedi-los.

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Recomendação de leitura:

O fantasma do Marxismo Cultural
https://coletivobereia.com.br/o-fantasma-do-marxismo-cultural/

Comunismo e “ameaça comunista” vs. patriotismo é argumento que embasa temas com mais desinformação em espaços religiosos nas eleições
https://coletivobereia.com.br/comunismo-e-ameaca-comunista-vs-patriotismo-e-argumento-que-embasa-temas-com-mais-desinformacao-em-espacos-religiosos-nas-eleicoes/

O que é woke e por que o termo virou alvo de disputas políticas e religiosas

Woke é uma palavra da língua inglesa: a conjugação do verbo wake, acordar, com o significado de “acordado”. A construção política do termo, nos Estados Unidos, remonta ao século XX, quando ganha significado no vocabulário das pautas afro-americanas. Nesse contexto,  woke tornou-se alerta de vigilância contra a injustiça, hoje o termo é usado em memes, discursos políticos e pregações religiosas de forma bem diferente de sua origem. Importado do debate estadunidense, o termo woke ganhou força no Brasil como rótulo pejorativo.

Esta matéria integra a série especial Bereia Explica sobre termos usados  para desinformação em discursos políticos e religiosos. Nesta primeira parte, são apresentadas  a origem e a trajetória de woke. Na segunda, é introduzido  o conceito de “marxismo cultural”, outro rótulo amplamente difundido em redes religiosas e políticas, também marcado por distorções históricas e ideológicas.

Primeiros registros do termo “Woke”

A National Association for the Advancement of Colored People (NAACP) – maior e mais antigo grupo de direitos civis da América dos Estados Unidos – afirma que, o uso do termo “woke” está documentado desde a década de 1920 e surgiu como um sinal interno ao grupo afro-americano, “incentivando os negros a estarem cientes dos sistemas que os prejudicam e, os colocam em desvantagem”.

O ativista Marcus Garvey, em sua coletânea The Philosophy and Opinions, publicada em 1923, apresenta a inspiradora convocação:

“Wake up Ethiopia! Wake up Africa! Let us work towards the one glorious end of a free, redeemed and mighty nation. Let Africa be a bright star among the constellation of nations.”

Imagem: The Majority Press

Esse apelo pode ser traduzido livremente como: “Acorde, Etiópia! Acorde, África! Trabalhemos em direção ao único e glorioso objetivo de uma nação livre, redimida e poderosa. Que a África seja uma estrela brilhante entre a constelação de nações”. Isto reflete o ideal pan-africanista e o chamado à emancipação coletiva promovido por Garvey, que inspirou o uso do termo woke em outras expressões de busca por justiça para a população negra.

De acordo com o jornalista e escritor Michael Harriot, autor do livro, Black AF History: The Un-Whitewashed Story of America, em 1940, após descobrir que estavam recebendo menos do que seus colegas brancos, o líder de um sindicato de mineiros negros na Virgínia Ocidental, que lançou uma greve contra salários discriminatórios, teria dito, segundo a pesquisa de Harriot: “Estávamos dormindo. Mas continuaremos acordados de agora em diante”

A investigação de Elijah Watson

O jornalista Elijah Watson realizou, em 2017, uma longa pesquisa sobre as origens do termo “woke”. Em uma série de três reportagens, Watson mostrou como o termo nasceu na cultura afro-americana, como sinônimo de estar acordado e atento às injustiças raciais, ganhou nova vida nos anos 2000 nas culturas  hip hop e do soul com artistas como Erykah Badu e Georgia Anne Muldrow Por fim, foi desgastado e transformado em rótulo pejorativo, como sinônimo de radicalismo de esquerda.

📸 Imagem: Disco New Amerykah Part One (4th World War) (2008). Erykah Badu.

Watson analisa que o termo começou a perder força a partir de meados da década de 2010.

Se antes era positivo, sinônimo de consciência crítica, woke passou a ser usado também de forma pejorativa — inclusive por progressistas, que criticavam o uso performático e superficial da palavra. Com o tempo, o termo foi apropriado por influenciadores da extrema direita política como uma caricatura de militância exagerada.

Hoje, assinei um projeto de lei que acaba com a doutrinação woke em nossas escolas e locais de trabalho.
Estamos dando a pais, estudantes e funcionários a capacidade de reagir — Ron DeSantis, 22 de abril de 2022

O percurso do termo woke mostra como uma palavra criada por negros estadunidenses para despertar consciências contra a desigualdade racial foi apropriada pelo público em geral e, depois, distorcida por interesses ideológicos. 

Como lembra o jornalista Elijah Watson, as palavras evoluem rapidamente, e com as redes sociais esse processo se acelera: expressões criadas na comunidade negra logo são absorvidas, diluídas e até caricaturadas. Foi o que aconteceu com “woke”, que deixou de ser alerta contra injustiças para virar rótulo de disputa cultural. O processo teve a colaboração de meios de comunicação tradicionais — que tratam o termo como gíria de moda — e também de políticos interessados em transformá-lo em alvo.

Para especialistas, esse ataque não é apenas a uma palavra, mas à própria possibilidade de ensinar a história e reconhecer a dignidade da população negra. Como resume o escritor Michael Harriot, é mais fácil demonizar uma palavra do que admitir que se está atacando vidas e trajetórias humanas.

Uso político

O uso político do termo woke atingiu seu auge depois dos protestos de 2020 contra o racismo e a violência policial, quando milhões de norte-americanos buscaram aprender mais sobre racismo sistêmico e a história da anti negritude no país. Como resume o NAACP Legal Defense Fund:

“Mas quem é o culpado pela escalada especialmente febril em torno da palavra ‘woke’, que atingiu seu pico após o acerto de contas com a justiça racial de 2020, que na época inspirou uma onda de interesse entre os americanos que buscavam aprender mais sobre o racismo sistêmico e a história da anti-negritude neste país? A resposta, é claro, inclui políticos com motivações políticas e outros atores mal-intencionados que buscam disseminar o medo e impedir o progresso da justiça racial. Mas vai além disso.

Nos Estados Unidos, a disputa em torno da palavra woke chegou à legislação. O exemplo mais emblemático é a Stop WOKE Act , sancionada em 2022 pelo governador da Flórida, Ron DeSantis. A lei apresenta-se como uma defesa da “liberdade contra a doutrinação” nas escolas, proibindo o ensino de princípios associados à Teoria Crítica da Raça (CRT) e classificando treinamentos de diversidade como ilegais no ambiente de trabalho.

À primeira vista, a lei pode soar positiva: afirma incluir a história dos Estados Unidos, do Holocausto, de afro-americanos, hispânicos e mulheres, e se apresenta como proteção contra ideias discriminatórias. No entanto, especialistas e organizações de direitos civis apontam que, na prática, ela funciona como instrumento de censura, restringindo debates sobre racismo estrutural, privilégio e desigualdade. Pesquisadores compararam seus efeitos a antigas leis que proibiam a alfabetização de negros, agora aplicadas à proibição de um ensino crítico sobre raça.

O NAACP Legal Defense Fund alerta que a medida cria um efeito “gélido” nas salas de aula, levando professores e estudantes a se autocensurar por medo de retaliações. Há relatos de docentes que deixaram seus cargos por não terem liberdade de abordar sistemas racistas, além do bloqueio de programas de ensino avançado em estudos afro-americanos. 

Assim, o termo woke, antes usado como alerta contra injustiças, é transformado em inimigo simbólico, mobilizado em políticas públicas que, sob a aparência de neutralidade, promovem o apagamento da história negra e freiam avanços em justiça racial e inclusão.

Como o termo circula em redes religiosas no Brasil

No Brasil, woke se tornou um rótulo genérico, usado em discursos religiosos e políticos como sinônimo de “politicamente correto” (entendido como exagero no ajuste correto da linguagem para evitar discriminações) ou de uma suposta tentativa de “ideologizar” crianças, jovens e até adultos por meio de escolas, universidades, jornais, TVs e filmes. 

Neste enquadramento, praticamente tudo pode ser classificado como woke: desde debates sobre diversidade até produções culturais ou medidas de inclusão social. A palavra funciona, assim, como uma atualização de outros termos já usados no país com o mesmo propósito, como “ideologia de gênero” ou “marxismo cultural”, todos mobilizados para criar a sensação de que valores tradicionais estariam sob ataque.

Além de servir como rótulo genérico, woke foi incorporado às narrativas conspiratórias em redes religiosas no Brasil. Estudos recentes mostram que comunidades no Telegram com agendas anti-woke, anti-gênero e revisionistas formam uma parte central do debate conspiratório nacional. Ao ser usado como “insulto genérico”, “woke” perde seu sentido original de vigilância contra injustiças e passa a operar como arma retórica para controlar a linguagem e limitar os espaços de debate democrático.

Pesquisadores como Isabela Kalil (FESPSP) e Guilherme Casarões (FGV-EAESP) apontam que essa disseminação está ligada à fabricação de discursos polarizados e simplificados, capazes de mobilizar leituras religiosas e conservadoras sobre o presente. 

Em paralelo, trabalhos do Instituto Atlas alertam para o fato de que o discurso político extremista que faz uso da religião para convencer tem reconfigurado o debate público, transformando woke em símbolo — inclusive sob o viés moral — de uma “máxima ameaça” à fé e à família.

A história do termo woke ajuda a entender como as palavras podem atravessar fronteiras culturais e ganhar novos sentidos em contextos distintos. O que nasceu como um chamado afro-americano para vigilância contra a injustiça racial foi absorvido pelo vocabulário popular, diluído pela mídia, apropriado por movimentos políticos e transformado em rótulo pejorativo em disputas ideológicas. 

Nos Estados Unidos, essa transformação chegou ao ponto de orientar legislações que restringem o ensino crítico sobre raça. No Brasil, o termo “woke” circula com força em redes religiosas, apresentados como ameaças à fé e à família, em um processo que mistura moralidade, identidade e política. 

Recuperar a origem e o verdadeiro significado desses termos é, portanto, um passo essencial para evitar simplificações e desinformação e para se compreender como a linguagem pode ser usada tanto para promover consciência quanto para justificar exclusões.

Referências:

A Origem do Woke por Elijah C. Watson. https://www.okayplayer.com/the-origin-of-woke-william-melvin-kelley-is-the-woke-godfather-we-never-acknowledged/698051?utm Acesso em 27 AGO 25

https://www.okayplayer.com/the-origin-of-woke-how-erykah-badu-and-georgia-anne-muldrow-sparked-the-stay-woke-era/451522 Acesso em 27 AGO 25 

https://www.okayplayer.com/the-origin-of-woke-how-the-death-of-woke-led-to-the-birth-of-cancel-culture/411500 Acesso em 27 AGO 25 

Legal Defense Fund (LDF) 

https://www.naacpldf.org/woke-black-bad/

https://www.naacpldf.org/about-us

https://www.naacpldf.org/press-release/florida-educators-and-students-challenge-floridas-discriminatory-stop-woke-act

TIME https://time.com/4830959/oxford-english-dictionary-woke/?utm 

https://time.com/6168753/florida-stop-woke-law/?utm

https://aaregistry.org/story/black-history-and-stay-woke-a-story

http://aaregistry.org/story/the-negro-world-is-published/ 

https://www.amazon.com/Black-AF-History-Whitewashed-America/dp/0358439167

https://www.naacpldf.org/woke-black-bad/?utm_

https://arxiv.org/abs/2409.00325?utm

https://atlasinstitute.org/the-evangelical-populist-nexus-and-democratic-risks-in-brazil/?utm_

https://fundacaofhc.org.br/en/debate/the-far-rights-social-media-strength-ideology-and-strategy/?utm_

https://www.laphamsquarterly.org/migration/manifest-destiny?utm

https://www.jpanafrican.org/ebooks/eBook%20Phil%20and%20Opinions.pdf

Imagem de capa: Freepik

Brasil Paralelo usa falácia de censura para reagir à suspensão vídeo negacionista sobre caso Maria da Penha

Passou a circular nas redes neste agosto de 2025, notícia de que o Ministério Público do Estado do Ceará (MP-CE)  anunciou, em 15 de julho, a determinação da suspensão de todos os episódios da produtora Brasil Paralelo (BP) que tratam do caso Maria da Penha. O parecer é que são “uma campanha de ódio promovida nas redes sociais contra a farmacêutica!”.

A decisão da Justiça diz respeito à terceira temporada do projeto “Investigação Paralela”, publicado pela BP em 10 de julho de 2023,  com o episódio nomeado “O Caso Maria da Penha”; A sinopse afirma:”o documentário vai te surpreender com uma das possíveis maiores reviravoltas do país”´. 

“Investigação Paralela” é uma série do BP que tem como objetivo produzir documentários sobre casos populares e expor, o que a produtora anuncia ser, a veracidade dos fatos. No entanto, no episódio lançado em 10 de julho há uma série de inconsistências. Bereia checou o caso, uma vez que as produções da BP circulam amplamente em ambientes digitais religiosos.

O caso Maria da Penha

Maria da Penha Maia Fernandes foi vítima, em 1983, de dupla tentativa de feminicídio por parte do então marido Marco Antonio Heredia Viveiros. Primeiro, ele deu um tiro nas costas da mulher enquanto ela dormia. Como resultado dessa agressão, Maria da Penha, hoje com 80 anos, farmacêutica bioquímica de Fortaleza (CE)  ficou paraplégica, além de outras complicações físicas e traumas psicológicos.

Após meses de tratamento e diversas cirurgias, Maria da Penha voltou para casa, onde foi posta em cativeiro pelo marido. Viveiros declarou à polícia que tudo não havia passado de uma tentativa de assalto, versão que foi posteriormente desmentida pela perícia. Passados 15 dias, o homem fez nova tentativa de assassinato ao tentar eletrocutá-la durante o banho. Receosa de sair de casa e perder a guarda das filhas pela possível alegação de abandono de lar, Maria da Penha ingressou na Justiça para se afastar legalmente de casa e garantir seus direitos, sendo amparada pela família e por amigos.

Concluídas as investigações, constatou-se que os atentados à vida de Maria da Penha haviam sido planejados e executados por Marco Antônio Viveiros. No entanto, o primeiro julgamento só aconteceu em 1991, oito anos depois dos crimes. Ele foi condenado a 15 anos de prisão, mas pôde recorrer em liberdade. Após muitos recursos, somente em 1996 aconteceu um novo julgamento, que resultou na redução da pena do ex-marido de Maria da Penha, a dez anos e seis meses de reclusão. Porém, por meio de alegações de irregularidades, a defesa conseguiu a anulação do julgamento.

Na busca incessante por reparação, o Centro para a Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM) denunciaram, em 1998, o caso de Maria da Penha para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA).

Mesmo diante de um litígio internacional, o qual trazia uma questão grave de violação de direitos humanos e deveres protegidos por documentos que o próprio Estado assinou, as instituições brasileiras permaneciam omissas e não se pronunciaram em nenhum momento durante o processo. Em 2001, após receber quatro ofícios da CIDH/OEA (1998 a 2001) − silenciado diante das denúncias −, o Estado foi responsabilizado por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica praticada contra as mulheres brasileiras. 

A Lei Maria da Penha foi resultado da ação de um Consórcio de ONGs Feministas, em 2002, motivado pelo que Maria da Penha passou, diante da falta de medidas legais e ações efetivas, como acesso à justiça, proteção e garantia de direitos humanos a mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. em 2002. O consórcio atuou pela elaboração de uma lei, o que, após muitos debates com o Legislativo, o Executivo e a sociedade, resultou em Projetos de Lei na Câmara e no Senado Federal e foi aprovado por unanimidade em ambas as Casas.

Uma das recomendações da CIDH foi reparar Maria da Penha tanto material quanto simbolicamente. O Estado do Ceará pagou a ela uma indenização e o governo federal, por meio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nomeou Lei 11.340/2006 com o nome Lei Maria da Penha, como reconhecimento da luta contra as violações dos direitos humanos das mulheres. 

Maria da Penha no episódio da Brasil Paralelo

O episódio da Brasil Paralelo, publicado em 2023, oferece roteiro de desqualificação da memória de Maria da Penha e da relevância dela nas políticas de enfrentamento da violência contra mulheres. O conteúdo é baseado na tese de defesa do ex-marido e agressor condenado Marco Antonio Heredias Viveiros e dá voz a ele. 

O documentário de 84 minutos recupera um documento que foi usado pela defesa de Viveiros no processo de 25 anos atrás. Foi alegado, à época,  que houve uma troca de laudos periciais durante o processo para que o agressor fosse condenado. Na produção em vídeo é apresentado um suposto laudo de   posse do ex-marido de Maria da Penha, que, sem motivo determinado, não  foi anexado ao processo judicial. 

Na investigação decorrente de denúncia contra a veiculação do documentário, o MP-CE afirma que o referido laudo é resultante de um crime de falsificação de documento público, com irregularidades claras, como baixa qualidade na imagem, diferenças nas assinaturas e até mesmo erros de datilografia. 

Comparação do laudo verdadeiro com o laudo apresentado por Marco Antonio.

Na operação do último 15 de agosto, o MP-CE cumpriu um mandado de busca e apreensão na cidade de Natal, no Rio Grande do Norte, contra um dos suspeitos do envolvimento nas campanhas de ódio promovida nas redes sociais contra a farmacêutica Maria da Penha. Além disso, a 9ª Vara Criminal de Fortaleza determinou a suspensão de todos os episódios do documentário por 90 dias.

Na ação foram apreendidos aparelhos eletrônicos e documentos que seguirão para análise no MP do Ceará. Segundo o órgão, a medida visa aprofundar a investigação de crimes cibernéticos e perseguição virtual praticados nas redes sociais contra Maria da Penha desde o início da investigação, no primeiro semestre de 2024.

Reação da produtora

Em nota à imprensa, a liderança da  Brasil Paralelo alega ser alvo de censura pelo MP-CE, “Trata-se de um ato grave, que fere frontalmente a liberdade de imprensa e o direito constitucional à livre expressão do pensamento. Estamos diante da censura prévia de um conteúdo jornalístico, algo inaceitável em qualquer democracia séria”. 

Como veículo é vinculado e serve a pautas da direita extremista, a reação da Brasil Paralelo tem ampla repercussão nas redes deste grupo político e de apoiadores.

Captura feita do X do perfil “Chequei Ancap”, projeto autodeclarado como contra a censura.

O episódio não foi a última vez que a BP direcionou ataques à integridade de Maria da Penha. Em agosto de 2023, a produtora publicou um artigo com a divulgação de conteúdo que contesta a memória do caso e dá crédito à versão oposta do ex-marido agressor. 

Título do artigo  produzido pela redação da Brasil Paralelo em 2023

É importante mencionar a participação do diretor-presidente do Instituto de Defesa do Direito do Homem (IDDH) Alexandre Paiva no documentário suspenso pelo MP-CE. Paiva cumpre uma medida protetiva, requerida há quase seis anos, por meio da Lei Maria da Penha, pela ex-esposa, que inclui as duas filhas do ex-casal. Desde então, o diretor do IDDH faz uso de seus perfis em redes sociais para propagar discursos contra a principal lei antifeminicídio do país.

Em sua biografia em perfil de mídia social, Paiva afirma estar “alertando sobre o mal uso da Lei Maria da Penha”.

Reprodução do perfil de Alexandre Paiva no Instagram

Alexandre Paiva é um dos principais personagens do documentário produzido pelo Brasil Paralelo, tendo a primeira aparição nos primeiros minutos, com fala em defesa de Viveiros.  

Sobre a Brasil Paralelo

A Brasil Paralelo é uma empresa brasileira, fundada em 2016, que produz conteúdo audiovisual sobre política, história, filosofia e outras áreas do conhecimento afins, sob um viés conservador e alinhado às pautas da extrema direita politica que se intensificou no período.

Na pesquisa de Mestrado em História, pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná,  Mayara Aparecida Machado expõe o objetivo do conteúdo publicado pela Brasil Paralelo. o estudo mostra que a produtora busca apresentar versões paralelas e negacionistas de questões sociais importantes historicamente desenvolvidas entre pesquisadores e jornalistas brasileiros, os quais a organização acusa de serem “esquerdistas”. Além disso, a BP defende explicitamente valores políticos da direita, do ultraconservadorismo moral e do Cristianismo fundamentalista. 

Mayara Machado mostra que o escritor e ativista da direita Olavo de Carvalho é a principal referência da BP, que é 8articulada por pessoas e entidades representativas desse grupo político, como o Instituto Millenium, o Instituto de Estudos Empresariais, o Fórum da Liberdade, o Instituto Liberal, o Instituto Borborema e o Instituto Von Mises Brasil. Os materiais da BP, de acordo com a pesquisa de Machado, são voltados à produção e à disseminação de conteúdos sobre o que seus articuladores consideram ser a “verdadeira” história do país. 

Entre os vários processos judiciais na qual a BP é citada, a produtora foi denunciada na Comissão Parlamentar Mista de  Inquérito sobre a Covid-19 (2021) por conta de conteúdo falso disseminado sobre o tema. Seus articuladores apresentaram queixa ao Supremo Tribunal Federal o que levou à suspensão das investigações naquele momento.

Referências:

https://unrollnow.com/status/1959340207612072118  Acesso em 28 ago 2025

https://apublica.org/2025/07/brasil-paralelo-usou-laudo-falso-para-atacar-maria-da-penha/ Acesso em 28 ago 2025

https://www.gov.br/agu/pt-br/comunicacao/noticias/agu-processa-portal-por-desinformacao-sobre-caso-maria-da-penha/copy_of_ACPmariadapenha.pdf Acesso em 28 ago 2025

https://www.institutomariadapenha.org.br/quem-e-maria-da-penha.html Acesso em 28 ago 2025

https://www.tjdft.jus.br/informacoes/cidadania/nucleo-judiciario-da-mulher/o-nucleo-judiciario-da-mulher/quem-e-maria-da-penha Acesso em 28 ago 2025
https://www.nexojornal.com.br/brasil-paralelo-extrema-direita-ascensao-pesquisa Acesso em 29 ago 2025

Foto de capa: José Cruz/Agência Brasil

Pastor Malafaia usa ideia de perseguição religiosa para questionar inclusão em inquérito da PF 

*Atualizada 26/08/2025 para acréscimo de informações.

“Perseguição religiosa” é a queixa do pastor presidente da Assembleia Vitória em Cristo Silas Malafaia, divulgada em redes digitais e na imprensa, após ele ter sido incluído em inquérito da Polícia Federal (PF).

Como parte das investigações, Malafaia foi alvo de mandado de busca pessoal e de apreensão de celulares pela PF no último dia 20 de agosto. A investigação faz parte de inquérito  que diz respeito a possível coação e obstrução no curso do processo no Supremo Tribunal Federal (STF), no qual o ex-presidente Jair Bolsonaro é réu por tentativa de golpe de Estado em 2022-2023.

Em vídeos publicados em seus perfis em mídias sociais, o pastor Malafaia diz ter tomado conhecimento sobre a inclusão dele no inquérito após notícia exclusiva veiculada pelo canal de TV GloboNews, sem ter sido notificado pela PF. O líder religioso alega censura e relaciona a suposta perseguição religiosa que estaria sofrendo a momentos históricos, como o nazismo de Adolf Hitler.

O Inquérito n. 4.995/DF foi aberto pela PF em maio de 2025, com o objetivo de investigar ações de obstrução da Justiça praticadas pelo deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) a partir dos Estados Unidos. O parlamentar estaria agindo para que o governo daquele país exerça pressões com sanções sobre o comércio com o Brasil e sobre ministros do STF, com o objetivo de  impedir o curso do processo que levará a julgamento o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros seis aliados, em setembro próximo. 

O pastor Malafaia foi incluído no processo com base em “suposta participação em crimes de coação no curso do processo (artigo 344 do Código Penal), obstrução de investigação envolvendo organização criminosa (Lei 12.850/2013) e abolição violenta do Estado Democrático de Direito (artigo 359-L do Código Penal)”, de acordo com informações do Portal do STF. A investigação é um desdobramento do inquérito que apura a conduta de Eduardo Bolsonaro. 

Apoio ao pastor Malafaia

Grupos como a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), o Conselho Interdenominacional de Ministros Evangélicos do Brasil (Cimeb, criado pelo próprio Silas Malafaia) e a Frente Parlamentar Evangélica no Congresso Nacional manifestaram apoio ao pastor por meio de notas públicas, sugerindo, inclusive, que está havendo uma espécie de perseguição religiosa.

A Ordem de Ministros do Evangelho de Palmas e Tocantins (OMEP-TO), como filiação de pastores, bispos e apóstolos de igrejas pentecostais, por outro lado, publicou uma carta de repúdio. O texto não cita nominalmente Silas Malafaia, mas alega que os filiados à OMEP-TO repudiam qualquer forma de perseguição religiosa e censura à manifestação da fé cristã no país. A carta diz, de forma genérica, que está havendo uma perseguição a um pastor evangélico.

Imagem: Reprodução/ANAJURE

O pastor da Igreja da Lagoinha André Valadão, o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) também se posicionaram contra a inclusão de Silas Malafaia no inquérito da PF. As personalidades públicas usaram os argumentos de que Malafaia estaria sendo perseguido por usar seu direito à liberdade de expressão.

Recorrentemente, personalidades que praticam ilegalidades e são investigadas ou condenadas judicialmente por seus atos alegam ser vítimas de perseguição religiosa e censura, em busca de apoio de fiéis. O pastor Silas Malafaia tem declarado  que a suposta perseguição de Alexandre de Moraes não é mais somente política, mas também religiosa.

O pastor e deputado federal Marco Feliciano (PL-SP) e o pastor Cláudio Duarte também defenderam Silas Malafaia sob argumentos de que ele estaria sofrendo suposta perseguição. Em vídeos republicados pelo presidente da Assembleia Vitória em Cristo em suas contas nas mídias sociais, os pastores evangélicos defendem que Malafaia está sendo perseguido por ‘criticar o poder’ e o ‘sistema’.

Não existe perseguição sistemática a cristãos no Brasil

A perseguição religiosa é, em termos simples, a opressão a pessoas com base em suas crenças religiosas. No entanto, a cientista social do Laboratório de Antropologia e Religião da Universidade de Campinas (Unicamp) Brenda Carranza, em artigo publicado pelo Bereia, explica  que  a perseguição voltada a cristãos, que vem sendo chamada de “cristofobia” em campanhas políticas, não se aplica ao Brasil. 

O Brasil é um país com maioria histórica, demográfica e simbolicamente cristã. É o Cristianismo sua matriz cultural, a orientação de seu código de costumes e o horizonte jurídico que impregna direitos fundamentais garantidos por lei na Constituição de 1988. Ainda que por diversos motivos, entre eles de cunho político, tanto no passado remoto quanto no recente, tenham-se registrado perseguições a pessoas que se confessam cristãs, atualmente isso não é um fato. Mesmo assim, no passado essa perseguição não era explicitada como sendo uma perseguição religiosa em massa, nem se colocava o sistema jurídico, policial e/ou militar para a perpetrar. Atualmente o Brasil não pode ser enquadrado entre os países como a Índia e no Oriente Médio, nos quais existe, em diferentes graus, essa perseguição por motivos religiosos. Contudo, dentro do Cistianismo e fora não tem sido referido como cristofobia e sim como perseguição aos cristãos, como o próprio Papa Francisco se referiu no seu discurso à ONU em ocasião do seu 75º aniversário, na mesma data do pronunciamento do Sr. Presidente Bolsonaro.

Não há registros de inquéritos policiais ou processos judiciais no Brasil regido pela Constituição Cidadã de 1988 abertos por conta da vinculação religiosa de alguém. Pelo contrário, a intolerância religiosa é tipificada como crime no país pela Lei nº 7.716/1989, que prevê penas de reclusão e multa. 

No caso do pastor Malafaia, Bereia verificou que o texto do inquérito colocado à disposição do público explicita que ele não é investigado por ser pastor ou ser cristão. Silas Malafaia foi incluído na investigação por suspeitas de coação da Justiça e ações de obstrução do processo contra Jair Bolsonaro.

Declaração com este conteúdo foi dada em entrevista à GloboNews em 22 de agosto, pelo deputado federal e pastor da Assembleia de Deus Otoni de Paula(MDB-RJ) afirmou que não há perseguição religiosa a Malafaia, visto que ele não está no inquérito por pregar a palavra de Deus ou manifestar sua fé.

Reprodução/Mídias sociais

Silas Malafaia e a propagação de falsidades

O pastor Silas Malafaia é notório propagador de desinformação. Bereia já publicou matéria sobre as condenações judiciais do líder religioso por promover calúnia e conteúdo fraudulento. Em novembro de 2024, ele foi condenado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo a publicar uma retratação pública após ser acusado de propagar desinformação contra o Partido dos Trabalhadores (PT), afirmando que o partido invadiu o Congresso Nacional em 2017. 

O pastor também já foi condenado a pagar R$100 mil ao ex-deputado federal Marcelo Freixo (PSB-RJ, então Psol) após promover uma campanha difamatória durante a campanha eleitoral para a Prefeitura do Rio em 2016, dizendo que Freixo apoiava “cartilhas eróticas” e a sexualização de crianças. 

Já em 2022, o líder religioso foi condenado a pagar uma multa à jornalista Vera Magalhães por danos morais, após afirmar que esta recebia R$500 mil por ano do governo João Dória (PSDB-SP) para tecer críticas ao então presidente Jair Bolsonaro. 

O pastor Malafaia tem obtido destaque no noticiário desde 2023 como o organizador de manifestações de rua contra a prisão de condenados pelos atos de atentado ao Estado Democrático de Direito, de 8 de janeiro de 2023, e contra o processo que responsabiliza o ex-presidente Jair Bolsonaro de golpe de Estado.

Desde então, o pastor tem usado seus perfis nas mídias sociais para atacar o STF e o ministro relator dos casos na Corte, Alexandre de Moraes, chamado por ele de “ditador de toga”. Sobretudo desde o anúncio do presidente dos Estados Unidos Donald Trump de imposição de sobretaxação dos produtos importados do Brasil, articulada por Eduardo Bolsonaro, Malafaia passou a defender publicamente o impeachment de Moraes.

Desdobramentos do caso acompanhados pelo Bereia

Apesar da lista de apoios que vem sendo propagada nas redes de Silas Malafaia, é fato que muitos evangélicos destacados não se manifestaram a respeito dos acontecimentos envolvendo o pastor presidente da Assembleia de Deus Vitória em Cristo. Os líderes da Igreja Universal do Reino de Deus, bispo Edir Macedo, o missionário da Igreja Internacional da Graça Romildo Ribeiro Soares (R.R. Soares) e o apóstolo da Igreja Mundial do Poder de Deus Valdemiro Santiago estão entre as personalidades religiosas que não se pronunciaram, seja em seus próprios espaços digitais, seja em listas de assinaturas, conforme verificação do Bereia. 

O silêncio também é a postura das lideranças das Assembleias de Deus do Ministério Belém, com o qual Malafaia tem um histórico de tensões, por conta do desligamento de sua igreja da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB), presidida pelo pastor José Wellington da Costa Júnior.

O cenário controverso no qual Malafaia está inserido, foi agravado após a divulgação de áudios trocados entre ele e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), nos quais Malafaia se utiliza de xingamentos e palavras obscenas, conforme apuração do UOL. Além do deputado federal pastor Otoni de Paula (MDB-RJ), citado nesta matéria, foram muitos os influenciadores evangélicos que criticaram a postura de Malafaia nas redes digitais.

O volume de críticas levou Silas Malafaia a publicar um vídeo, em 23 de agosto, por meio do qual pede desculpas pelos palavrões e xingamentos que apareceram em áudios divulgados pela Polícia Federal nesta semana. 

Imagem: Reprodução de vídeo publicado no perfil de Silas Malafaia no X

No pronunciamento, o pastor reconheceu que muitos fiéis se incomodaram com o que foi divulgado: “Alguns irmãos evangélicos criticaram o meu jeito de falar”, afirmou. O pastor então pediu desculpas, mas defendeu-se citando passagens bíblicas. Entre as citações, Malafaia referiu-se a palavra de Jesus “Quem não tem pecado, atire a primeira pedra”: “Quem é aí que nunca falou uma palavra indevida ou um palavrão ou pensou só em você pensar? Não precisa falar não, você tá pecando”, questionou o pastor.

Porém, o pastor Malafaia, em seguida, passou a condenar os críticos e a Justiça brasileira. “Os que me criticaram não falaram do crime que cometeram. É inviolável a privacidade, artigo 5º, inciso 10º da Constituição, que são as garantias individuais. É crime. É crime manifestar a privacidade de alguém. Eles não criticaram isso, não falaram nada”, condenou, e fez mais menções à Bíblia: “Tipo de hipócritas engolem camelo e se engasgam com os mosquitos”.

No vídeo, Silas Malafaia também buscou se antecipar a possíveis novos escândalos, oriundos de conversas armazenadas em seu aparelho celular apreendido pela PF, em 20 de agosto. Novamente, o conteúdo pode ser tornar público por meio do acesso livre ao inquérito, publicado nos espaços digitais do Judiciário. Por isso ele disse: “Aqueles que ficaram escandalizados com as minhas palavras, me perdoem, porque eu tenho fraquezas. Então me perdoe, mas quero dar um aviso: se essa Gestapo de Alexandre Moraes vazar conversas privadas do meu telefone, deve ter até palavrão”.

Justiça condena ex-procurador evangélico da Lava Jato por danos morais no caso do PowerPoint 

A condenação aplicada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo estipulou o prazo de 15 dias para se cumprir o pagamento da indenização

Decisão foi formulada pelo juiz Carlos Brito, em 25 de julho passado, que decretou que o  ex-procurador da República e ex-deputado federal Deltan Dallagnol indenize, em R$ 135 mil, Luiz Inácio Lula da Silva. A indenização por danos morais é mais um caso judicial que envolve irregularidades e desinformação relacionada à Operação Lava Jato. Nesta caso, está em questão o destacado PowerPoint, apresentação à imprensa sobre a investigação em torno de um triplex no Guarujá (SP), em 14 de setembro de 2016, na qual Dallagnol expôs o hoje presidente da República Lula como “líder de uma organização criminosa”.

A Justiça decidiu pela condenação por entender que o réu extrapolou os limites da sua função como procurador. Segundo o parecer judicial, foram feitas acusações de situações que não estavam entre as denúncias investigadas, foi usada linguagem inapropriada diante de uma exposição da Procuradoria da República e emitido um juízo de culpa precoce a Lula.

Imagem: Reprodução de mídias sociais

O valor da indenização (R$ 135.416,88) inclui correção monetária, juros (já que o caso corre na Justiça desde 2016) e honorários advocatícios. Se Dallagnol não realizar o pagamento no prazo estipulado (15 dias), ele terá que pagar multa de 10% sobre o valor, além de 10% de honorários do advogado.

O ex-deputado pelo Podemos/PR, cuja candidatura foi cassada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por irregularidades nas contas da campanha eleitoral de 2022, ainda pode entrar com uma ação para questionar a correção do valor da indenização. Porém, não cabe mais recurso por já ter tramitado em instâncias superiores.

Políticos e religiosos alinhados ao extremismo de direita requentam mentira sobre deportação de filha de presidente do STF

Na tarde deste 30 de julho, o deputado federal autodeclarado cristão Mário Frias (PL-RJ) republicou em suas redes um conteúdo falso sobre a filha do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, Luna Barroso,  ser escoltada e deportada dos EUA. A mentira circula desde o dia 19 de julho passado, depois do anúncio das ameaças de sanções daquele país contra exportações do Brasil e oito ministros do STF. Grupos alinhados e simpatizantes do extremismo de direita espalharam o conteúdo que foi verificado pelo Bereia e demais agências de checagem. 

A “requentada” na desinformação deu fôlego ao conteúdo, impulsionando milhares de compartilhamentos entre perfis de políticos e religiosos apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro. Estes grupos propagam que o Brasil se renderá diante das ameaças dos EUA pela concessão de anistia dos crimes do militar, que é réu por tentativa de golpe nas eleições de 2022.

Em resposta à agência Reuters, o STF negou que a filha do ministro estude nos Estados Unidos e afirmou que  “também é mentira que ela será deportada. A única filha de Barroso mora no Brasil”.

A desinformação, articulada por perfis de extrema direita, ocorreu um dia após a prisão da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), na Itália, foragida depois de condenada por invadir o sistema digital do STF. A nova circulação também se dá na esteira da imposição formal das tarifas contra exportações brasileiras pelos EUA, acompanhada de sanções mais duras ao ministro do STF Alexandre de Moraes, relator do processo de golpe nas eleições de 2022, anunciadas em 30 de julho.

Como os grupos religiosos avaliam o ataque do governo Trump à economia do Brasil

Uma pesquisa realizada entre 11 e 13 de julho de 2025, pelo instituto Atlas Random Digital Recruitment (RDR) analisou a percepção da população brasileira sobre a taxação de 50% aplicada pelo ex-presidente dos Estados Unidos (EUA) Donald Trump, a produtos brasileiros. O levantamento também detalha como diferentes segmentos religiosos reagiram à medida adotada pelo atual presidente dos Estados Unidos.

Com base nos dados, Bereia realizou um balanço das respostas do público religioso, organizou as informações principais, e ressaltou as diferenças de opinião entre evangélicos, católicos e pessoas de outras religiões. Além disso, Bereia identificou na pesquisa os níveis de aprovação, rejeição e indecisão em relação à política tarifária dos Estados Unidos.

A metodologia utilizada na pesquisa Atlas, conta com uma tecnologia que dispensa contato direto entre entrevistador e entrevistado e garante maior anonimato e neutralidade nas respostas ao recrutar participantes de forma orgânica durante a navegação na internet, em qualquer dispositivo conectado.

Percepção da taxação de Trump por grupo religioso

A pesquisa Atlas, contratada pela empresa global de informações financeiras Bloomberg, foi realizada entre os dias 11 e 13 de julho de 2025 e está estruturada em quatro eixos temáticos: 1. Aprovação presidencial; 2. Política externa do governo Lula; 3. Tarifas de Trump; 4. Imagem dos Estados Unidos e de Donald Trump.

O foco do balanço do Bereia é o terceiro eixo, abordado a partir da página 24 do relatório divulgado. Os entrevistados foram questionados sobre a seguinte questão: “Na sua opinião, a decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de taxar em 50% os produtos brasileiros, é justificada ou injustificada?”

As respostas revelam percepções distintas entre os grupos religiosos, como demonstram os dados a seguir:

Grupo religiosoInjustificada (%)Justificada (%)Não sei (%)
Católicos66,9%32,1%1%
Evangélicos 44,953,12
Outra religião 64,5350,5
Crente sem religião 52,347,60,1
Agnóstico ou ateu78,621,40
Injustificada (%)Justificada (%)Não sei (%)
Dados gerais do total de 2841 respondentes62,236,81

Os dados apresentados acima revelam diferenças marcantes entre os grupos religiosos quanto à percepção da taxação imposta por Donald Trump sobre produtos brasileiros. A maioria de católicos (66,9%), de pessoas com outra religião (64,5%) e especialmente agnósticos ou ateus (78,6%) consideram a medida injustificada, por ampla quantidade de respostas, com média de 70%, somados à maioria dos crentes sem religião que consideram o mesmo, com 52,3%, menor índice em relação aos demais.

Já os evangélicos se destacam como o único grupo em que a maioria (53,1%) considera a taxação justificada. 

Este quadro chama a atenção por evidenciar a construção de uma possível afinidade maior deste grupo religioso, evangélicos, com políticas protecionistas radicais, caso da taxação imposta ao Brasil e outros países, e/ou com a figura do ex-presidente estadunidense. Já o índice de indecisos (os que responderam “Não sei”) foi baixo em todos os segmentos, com destaque para os agnósticos/ateus (0%) e crentes sem religião (0,1%), o que indica que a maioria dos entrevistados sabe do que se trata e tem opinião formada sobre o tema. 

Veja os demais dados de cada pergunta do eixo três:

Na sua opinião, qual foi a principal motivação que levou Donald Trump a anunciar uma taxação de 50% sobre produtos brasileiros?

Grupo religiosoRetaliação contra a participação nos Brasil na Brics (%)Atuação da família Bolsonaro junto a Donald Trump (%)Retaliação contra decisões do STF sobre redes sociais americanas (%)Desejo genuíno de tornar o comércio com o Brasil mais favorável aos EUA (%)Não sei (%)
Católicos33,247,716,62,50
Evangélicos50,915,424,19,40,1
Outra religião3736,212,56,47,8
Crente sem religião59,712,420,20,57,2
Agnóstico ou ateu 36,6549,400
Dados gerais do total de 2841 respondentes40,936,916,83,51,9

A análise dos dados revela percepções bastante distintas entre os grupos religiosos sobre o que teria motivado Donald Trump a anunciar a taxação de 50% sobre produtos brasileiros. Entre católicos, pessoas de outra religião e agnósticos/ateus, prevalece a compreensão enfatizada no noticiário de que a medida foi influenciada pela articulação da família Bolsonaro com o governo dos EUA. O destaque expressivo é da avaliação de agnósticos e ateus (54%), que são seguidos por católicos (47,7%) e pessoas de outra religião (36,2%).

Já evangélicos (50,9%) e crentes sem religião (59,7%) acompanham majoritariamente a avaliação também exposta no noticiário, utilizada em publicações de  políticos e comentaristas críticos ao governo federal, que atribui a taxação a uma retaliação dos EUA contra a participação do Brasil no grupo dos BRICS, foro de cooperação e articulação política de onze países do Sul Global, formado por Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul e seis novos membros

A hipótese de retaliação dos EUA contra decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre responsabilização de redes sociais digitais na propagação de conteúdo ilícito aparece com quantidade de respostas moderada, especialmente entre evangélicos (24,1%) e crentes sem religião (20,2%), o que sugere uma afinidade destes grupos com esta abordagem disseminada nas redes digitais por políticos e comentaristas críticos à atuação da Corte neste quesito.

A opinião relacionada ao “desejo de favorecer os EUA comercialmente” teve poucas respostas em todos os grupos, o que afirma a percepção das pessoas com identidade religiosa entrevistadas de que a medida teve motivações mais políticas do que econômicas. 

O número de indecisos é muito baixo entre a maioria dos grupos, o que demonstra um alto nível de engajamento e opinião formada sobre o tema, com exceção das pessoas das categorias “outra religião” (7,8%) e “crentes sem religião” (7,2%), nas quais a incerteza aparece de forma mais significativa.

Na sua opinião, as justificativas usadas por Donald Trump ao decidir taxar em 50% produtos brasileiros a partir de 1º de agosto podem ser consideradas uma ameaça à soberania brasileira?

Grupo religiosoSim, configuram uma ameaça à soberania brasileira (%)Não, não configuram uma ameaça à soberania brasileira (%)Não sei (%)
Católicos44,6541,4
Evangélicos53,246,70,2
Outra religião5338,48,6
Crente sem religião36,863,20
Agnóstico ou ateu 75,824,20
Dados gerais do total de 2841 respondentes50,347,81,8

Os dados mostram que a percepção sobre a taxação de produtos brasileiros por Donald Trump como uma ameaça à soberania nacional tem uma curiosa variação entre os grupos religiosos. Agnósticos ou ateus são os que mais veem a medida como uma afronta à soberania do Brasil, com 75,8% expressando essa visão, seguidos por pessoas de religiões não cristãs (53%). 

O único grupo religioso destacado com maioria mais expressiva são os crentes sem religião. 63,2% desta categoria consideram que não há ameaça à soberania nacional, uma abordagem assumida por políticos, grupos da direita política e aliados, que procuram colocar a responsabilidade da taxação sobre o governo federal e sobre o STF, como indicado nas questão anterior. 

Neste ponto católicos e evangélicos estão divididos de forma oposta. Entre os primeiros, uma pequena maioria (54%) não considera a taxação uma ameaça à soberania, enquanto evangélicos, também em maioria não muito ampla (53,2%), pensa o contrário, que, sim, representa uma intimidação. Nestes dois grupos a divergência vem de parcelas significativas: 44,6% de católicos acreditam que a soberania brasileira está ameaçada pelas tarifas, ao passo que 46,7% de evangélicos avaliam que não.  

O número de indecisos permanece baixo em todos os grupos, com exceção das pessoas com outra religião (8,6%), o que evidencia que, no geral, os entrevistados têm acompanhado notícias sobre esta disputa. 

Como você avalia a reação do governo brasileiro diante das tarifas aplicadas pelo governo Trump sobre os produtos brasileiros?

Grupo religiosoAdequada (%)Agressiva (%)Fraca (%)Não sei (%)
Católicos41,727,228,22,8
Evangélicos2039,140,10,3
Outra religião76,1174,42,5
Crente sem religião3844,415,62
Agnóstico ou ateu 805,668,4
Dados gerais do total de 2841 respondentes44,827,525,22,5

A avaliação da resposta do governo brasileiro às tarifas impostas por Donald Trump revela uma forte divergência entre os grupos religiosos. Agnósticos ou ateus (80%) e pessoas com outra religião (76,1%) consideram a reação adequada,  demonstram alto grau de aprovação do governo federal e, possivelmente, uma visão mais institucional ou diplomática da postura do governo.

Em contraste, evangélicos se mostram mais críticos, com apenas 20% que consideram a resposta adequada, enquanto a maioria (79,2%) a percebe como fraca (40,1%) e agressiva (39,1%), o que sugere insatisfação com os posicionamentos adotados. 

Entre os crentes sem religião, a avaliação é mais dividida, com 38% que tomam as ações do governo como adequadas, embora 44,4% as consideram agressivas e 15,6%, fracas, dados negativos que somam 60%. De igual modo, católicos se dividem entre 41,7% que veem a reação como adequada, 28,2% como fraca e 27,2% como agressiva, somando 55,4% de indicadores com denotação negativa. 

Os índices de indecisão foram baixos na maioria dos grupos, exceto entre agnósticos ou ateus (8,4%). 

Você acredita que o governo federal será capaz de negociar e chegar a um acordo com os Estados Unidos para reduzir as tarifas aplicadas sobre os produtos brasileiros?

Grupo religiosoSim (%)Não(%)Não sei (%)
Católicos50,234,615,2
Evangélicos18,865,116,1
Outra religião61,4299,6
Crente sem religião43,642,913,4
Agnóstico ou ateu 74,119,86,1
Dados gerais do total de 2841 respondentes44,738,813,3

Os dados demonstram que a confiança na capacidade do governo brasileiro de negociar com os Estados Unidos para reduzir as tarifas varia significativamente entre os grupos religiosos. Agnósticos ou ateus (74,1%) e os com outra religião (61,4%) são os mais otimistas, e indicam maior confiança na atuação diplomática do governo federal. 

Católicos também tendem ao otimismo, com 50,2% que acreditam na possibilidade de um acordo, embora uma parcela considerável (34,6%) demonstre ceticismo, com um número significativo de pessoas nesta categoria que não sabem ou não querem responder, 15%. 

Já entre os crentes sem religião, as opiniões estão divididas, com 43,6% que confiam na negociação e 42,9% que não acredita no sucesso mais uma boa parcela que não sabe responder, 13,4%. 

O grupo mais descrente das ações do governo federal é o dos evangélicos, com expressivos 65,1% que acreditam que o não conseguirá reverter as tarifas, e apenas 18,8% com confiança em um possível acordo, o menor índice entre todos os grupos, que divide a balança com os 16,1% que não sabem ou optaram por não responder. Tais respostas se mostram coerentes com a tendência de crítica ao governo federal presente nas demais registradas por este grupo.

Como você avalia o impacto econômico das tarifas de Trump na economia brasileira?

Grupo religiosoAlto impacto (%)Baixo impacto (%)Muito alto impacto (%)Nenhum impacto (%)Não sei (%)
Católicos43,63514,92,14,4
Evangélicos61,71621,400,9
Outra religião55,132,16,80,45,6
Crente sem religião44,224,217,413,90,3
Agnóstico ou ateu 42,145,29,90,91,9
Dados gerais do total de 2841 respondentes48,630,814,92,43,2

Como você avalia o impacto da política de aumento de tarifas do governo Trump sobre a inflação e o crescimento econômico do Brasil especificamente? 

Grupo religiosoInflação: Vai aumentar? (%)Inflação: Não terá impacto? (%)Inflação: Vai diminuir? (%)Inflação: Não sei (%)
Católicos70,915,35,88,1
Evangélicos85,4111,22,4
Outra religião66,319,310,24,2
Crente sem religião72,517,54,85,5
Agnóstico ou ateu 49,333,514,72,5
Dados gerais do total de 2841 respondente701866
Grupo religiosoCrescimento econômico: Vai aumentar? (%)Crescimento econômico: Não terá impacto?(%)Crescimento econômico: Vai diminuir? (%)Crescimento econômico: Não sei (%)
Católicos6,915,170,18
Evangélicos3,28,985,72,1
Outra religião5,523,364,96,4
Crente sem religião11,97,977,52,7
Agnóstico ou ateu 15,22458,91,9
Dados gerais do total de 2841 respondente815725

Estas respostas foram obtidas de uma mesma pergunta na pesquisa sobre o impacto econômico das tarifas impostas por Donald Trump na economia brasileira. A grande maioria de todos os grupos religiosos avalia que ele existirá e que será alto e muito alto.  

Os evangélicos são os que mais avaliam que a medida impactará a economia, com total de 83,1% entre alto (61,7%) e muito alto (21,4%). O grupo mais dividido é o de agnósticos ou ateus com 52% que acreditam que haverá impacto entre alto, 42,1%, e muito alto, 9,9%, e 45,2% que percebem que ele será baixo. 

De forma geral, os diferentes grupos religiosos veem a política tarifária dos EUA como negativa tanto para a inflação quanto para o crescimento econômico do Brasil, embora existam nuances importantes entre eles. 

A percepção de que a inflação vai aumentar, é majoritária em todos os segmentos, com destaque para evangélicos (85,4%), crentes sem religião (72,5%) e católicos (70,9%), o que sinaliza uma preocupação ampla com o impacto direto nos preços. Já entre agnósticos ou ateus, este índice é bem menor (49,3%), com uma parcela expressiva (33,5%) que afirma que não haverá impacto.

Em relação ao crescimento econômico, o pessimismo é ainda mais acentuado. A avaliação de que ele vai diminuir é predominante em todos os grupos, especialmente entre evangélicos (85,7%), crentes com outra religião (77,5%) e católicos (70,1%). Mesmo entre os agnósticos ou ateus, grupo que mostrou mais moderação quanto à inflação, 58,9% acreditam e retração econômica, embora também sejam os mais propensos a enxergar estabilidade (24%) e crescimento (15,2%). 

As respostas demonstram uma percepção generalizada de que a medida tarifária terá consequências inflacionárias e recessivas, com variações na intensidade da percepção a depender da identidade religiosa. 

Você acha que o governo federal deveria retaliar os Estados Unidos diante da decisão de Trump de taxar os produtos do Brasil?

Grupo religiosoSim (%)Não (%)Não sei (%)
Católicos58,739,71,6
Evangélicos16,263,220,6
Outra religião64,324,910,8
Crente sem religião34,448,217,4
Agnóstico ou ateu 78,520,90,6
Dados gerais do total de 2841 respondentes51,240,97,9

Os dados revelam posições contrastantes entre os grupos religiosos quanto à ideia de o governo federal retaliar os EUA após a taxação dos produtos brasileiros por Donald Trump. Agnósticos ou ateus são os mais favoráveis à retaliação, com expressivos 78,5% que defendem essa postura, seguidos por pessoas de outras religiões (64,3%) e católicos (58,7%), o que demonstra uma forte adesão à ideia de uma resposta firme e simétrica. 

Em contraposição, os evangélicos são majoritariamente contrários à retaliação, com 63,2% que rejeitam a medida e apenas 16,2% favoráveis, o menor índice entre todos os grupos analisados. Tal posição é coerente com a questão em que a maioria deste grupo respondeu que as medidas impostas pelos EUA se justificam. 

Os crentes sem religião também tendem a ser mais contrários à retaliação (48,2%), embora com uma divisão mais equilibrada. O alto índice de indecisos entre evangélicos (20,6%) e crentes sem religião (17,4%) é significativo, indicando, possivelmente, dúvidas sobre as consequências de tal ação. 

Como você acha que o governo deveria retaliar os Estados Unidos? Escolha a opção que você considera mais adequada.

Grupo religiosoAumentar tarifas sobre produtos americanos (%)Reforçar relações diplomáticas e comerciais com rivais dos EUA,  como a China (%)Reduzir a dependência do dólar americano (%)Suspender pagamentos de direitos autorais e patentes de medicamentos americanos (%)Impor restrições a investimentos norte- americanos (%)Outra medida (%)
Católicos51,833,99,71,90,82
Evangélicos56,114,129,10,100,2
Outra religião51,825,316,11,13,62,1
Crente sem religião35,833,718,71,75,84,3
Agnóstico ou ateu 54,819,119,46,30,30
Dados gerais do total de 2841 respondentes51,228,614,52,41,51,8

Os dados indicam que, entre os diferentes grupos religiosos, há uma preferência clara por medidas econômicas diretas como forma de retaliação à taxação imposta pelos Estados Unidos. A opção mais escolhida por todos os grupos foi “aumentar tarifas sobre produtos americanos”, com destaque entre evangélicos (56,1%), agnósticos ou ateus (54,8%), católicos (51,8%) e pessoas de outras religiões (51,8%), o que revela um consenso em torno de uma resposta comercial simétrica. 

Posteriormente, aparece a estratégia de reforçar relações com rivais dos EUA, como a China, com maior adesão entre católicos (33,9%) e crentes sem religião (33,7%).

Chama a atenção que os evangélicos tenham sido os que mais rejeitaram esta opção, com apenas 14,1% de escolhas dela no grupo.

A proposta de reduzir a dependência do dólar americano também tem algum apelo, especialmente entre evangélicos (29,1%) e crentes sem religião (18,7%), o que sugere coerência com as respostas relacionadas à defesa da soberania nacional. Medidas mais radicais, como suspender o pagamento de patentes de medicamentos e de impor restrições a investimentos estadunidenses tiveram baixíssima adesão. 

As relações entre Brasil e Estados Unidos ficarão mais fortes ou mais fracas com a política de aumento de tarifas do governo Trump?

Grupo religiosoFicarão mais fracas (%)Ficarão iguais (%)Ficarão mais fortes (%)Não sei (%)
Católicos74,617,61,56,2
Evangélicos86,110,13,20,6
Outra religião80,419,200,4
Crente sem religião67,127,60,15,3
Agnóstico ou ateu 67,522,60,79,3
Dados gerais do total de 2841 respondentes75,718,21,54,7

A percepção geral entre os grupos religiosos é de que a política de aumento de tarifas implementada por Donald Trump fragilizou as relações entre Brasil e Estados Unidos. A maioria em todos os segmentos acredita que os laços diplomáticos e comerciais ficaram mais fracos, com destaque para os evangélicos (86,1%) e pessoas de outras religiões (80,4%), seguidos por católicos (74,6%). 

Mesmo entre os mais críticos a medidas de retaliação, como os crentes sem religião (67,1%) e agnósticos ou ateus (67,5%), essa percepção de enfraquecimento das relações também predomina. 

A parcela que considera as relações inalteradas é minoritária, variando de 10,1% (evangélicos) a 27,6% (crentes sem religião). Já a ideia de que os laços tenham se fortalecido após a medida tarifária é praticamente inexistente, com índices residuais em todos os grupos. 

Para buscar compreender este quadro   

A forma como a resposta de grupos religiosos, em especial de evangélicos, aparece neste levantamento da pesquisa Atlas/Bloomberg reflete mais conteúdos circulantes em redes sociais digitais do que o noticiário, seja para justificar a tarifação imposta pelos EUA ao Brasil, seja para responsabilizar o governo federal por esta ação… (as conclusões que elenquei acima). 

Esta constatação retoma o dado já levantado em pesquisa de que as pessoas se informam mais pelas redes digitais do que por meios tradicionais. De acordo com o Relatório Desigualdades Informativas: Entendendo os caminhos informativos dos brasileiros na internet 2024, de autoria da Aláfia Lab, mais da metade da população brasileira (51,6%) recorre às redes sociais como principal fonte de informação. Entre as plataformas, o Instagram lidera com 68,8% dos entrevistados afirmando utilizá-lo para se manter informados. Na sequência, aparecem o YouTube (55,9%) e o Facebook (43,7%).

Isto significa que o que as pessoas consomem nas redes digitais é fundamental para a formação da opinião que elas têm sobre determinados assuntos, entre eles, o caso da taxação do Brasil pelos EUA. A questão é que entre estes conteúdos, como o Bereia mostra, está uma considerável parcela de desinformação, parte dela embasada no medo.

Bereia buscou referências para apontar caminhos de compreensão deste quadro. A doutora em Comunicação e Informação Sandra Bitencourt, que também é jornalista e atua como coordenadora da Região Sul da Rede Nacional de Combate à Desinformação (RNCD), indica: “As agendas geopolíticas têm funcionado como espelho ideológico e vêm posicionando grupos no debate interno do país. Há questões práticas que afetam cotidianos, como a imigração, o emprego e as consequências de uma chantagem comercial, mas também há preocupações que unificam segmentos, como a liberdade religiosa e o sempre acionado tema do aborto.”

Sandra Bittencourt ainda observa que a extrema-direita, tanto nos EUA quanto no Brasil, tem explorado essas pautas com eficiência. “A extrema-direita, mundialmente, tem sido muito hábil em colocar essas posições como uma luta ‘civilizatória’ em defesa da família e dos seus valores, o que acaba por direcionar, mesmo com contradições, percepções e escolhas. É uma estratégia, obviamente, que cria divisões, não apenas na sociedade, mas no interior das denominações religiosas, pois muitos fundamentam sua fé e seus valores religiosos com uma missão política.”

Em artigo sobre a relação de evangélicos com os governos Lula 1, 2 e 3, a cientista política diretora-executiva do Instituto de Estudos da Religião (ISER) Ana Carolina Evangelista reflete que a parcela da população identificada como evangélica tem sido mais blindada por mensagens diárias, dentro e fora dos templos, e se tornado refratária a tudo que venha da política no espectro progressista. “O bolsonarismo se amalgamou com o campo evangélico nos territórios, não apenas na política palaciana”, avalia e acrescenta: “quem está falando sistematicamente e com muita desenvoltura [com este grupo] são lideranças religiosas e comunitárias bolsonarizadas. Tudo isso imerso num ambiente político mais violento e intolerante, como um todo, na sociedade”.

Referências: 

BBC News Brasil. https://www.bbc.com/portuguese/articles/c1k8lp00xe4o. Acesso em 18 de julho de 2025.

BRICS Brasil 2025. https://brics.br/pt-br/sobre-o-brics. Acesso em 18 de julho de 2025. 

Revista Forum. https://revistaforum.com.br/u/archivos/2025/7/15/Pesquisa%20Atlas_Bloomberg%20-%20Tarifas%20de%20Trump%20sobre%20o%20Brasil.pdf. Acesso em 17 de julho de 2025.Uol. https://noticias.uol.com.br/opiniao/coluna/2024/03/13/evangelicos-e-os-governos-lula-o-que-mudou.htm. Acesso em 18 de julho de 2025.

Justiça condena deputado Nikolas Ferreira por desinformação difamatória em campanha nas eleições de 2024

A Justiça do Rio de Janeiro condenou, em 22 de julho, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) a pagar R$ 10 mil de indenização por danos morais à ilustradora e cartunista Cecília Siqueira Neres Ramos, conhecida como Cartumante. Na campanha das eleições municipais em 2024, o parlamentar mineiro divulgou um vídeo considerado difamatório e desinformativo contra a influenciadora. A sentença foi proferida no 27º Juizado Especial Cível da Capital e ainda cabe recurso. A decisão também determina a retirada do vídeo, que permanece no canal de Telegram do parlamentar, em até dez dias úteis, sob pena de multa diária de R$ 1 mil, limitada a R$ 30 mil. Ainda cabe recurso.

O vídeo, divulgado por Nikolas Ferreira e aliados, às vésperas do segundo turno das eleições municipais de 2024, associa indevidamente a cartunista a condutas criminosas, ao associá-la a um suposto “conteúdo sexual para crianças” exposto na 12ª edição do Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte. 

O deputado expõe no vídeo o nome e a imagem da artista Cecília Ramos, que participava do festival, associando-a diretamente a condutas criminosas. A cartunista afirmou que se tornou alvo de ataques virtuais, perdeu patrocínios e contratos. Sua defesa  alega que o vídeo teve claro intuito de manipular o eleitorado e demonizar os artistas do evento, reforçando estigmas contra os quadrinhos, como se fossem exclusivamente conteúdos infantis. Cartumante produz quadrinhos direcionados para o público adulto.

Imagem: Reprodução de um dos cartuns da artista Cecília Ramos exposto em seu perfil no Instagram

O deputado federal justificou que suas ações estavam amparadas por imunidade parlamentar. A juíza leiga Maria Fernanda de Mattos Calil, que redigiu o projeto de sentença, no entanto, não acolheu o argumento. Segundo a decisão da magistrada, “a imunidade parlamentar não é absoluta” e “não se aplica a manifestações desvinculadas das atribuições legislativas”. Ela destacou ainda que o vídeo foi produzido fora do ambiente institucional e continha ataques diretos e sem base fática à honra da artista — o que configura ato ilícito. O projeto de sentença foi homologado pela juíza de Direito Sonia Maria Monteiro. 

O mesmo material já havia sido alvo de decisão da Justiça Eleitoral de Minas Gerais, que ordenou sua remoção por conter informações “falsas, descontextualizadas e com o claro intuito de prejudicar a imagem” do então prefeito e candidato à reeleição Fuad Jorge Noman Filho (PSD-MG), como Bereia checou. Nikolas Ferreiraignorou a decisão e manteve o vídeo no ar, o que levou o Ministério Público Eleitoral (MPE-MG) a denunciá-lo por difamação, propaganda irregular e descumprimento de ordem judicial, no último dia 8 de julho. O prefeito, que venceu as eleições, faleceu em março deste ano, vítima de um câncer. 

Essa denúncia do MPE por desinformação inclui outros parlamentares do PL de MG, como Bruno Engler, Coronel Cláudia e Delegada Sheila, todos acusados de replicar o mesmo conteúdo falso. Os ataques envolviam ainda acusações contra o livro “Cobiça”, escrito por Noman Filho em 2020. A obra de ficção, que trata de temas sensíveis como abuso sexual infantil, foi usada por Nikolas Ferreira para sugerir que o então prefeito endossava os crimes descritos no romance — o que o MP classificou como desinformação com “dolo intenso e persistente”. O texto aponta, ainda, que o grupo disseminou intencionalmente informações que sabia ser inverídicas “com o claro intuito de prejudicar a imagem do candidato à reeleição”. 

O MPE pede a suspensão dos direitos políticos de Nikolas Ferreira e o pagamento de indenização por danos morais, a ser destinada a instituições de caridade indicadas pela família de Fuad Noman.

Na publicação, Nikolas faz referências ao livro “Cobiça” (2020), escrito pelo ex-prefeito de Belo Horizonte, à época candidato à reeleição, Fuad Jorge Noman Filho (PSD-MG). Noman faleceu em março deste ano, vítima de um câncer. A Justiça Eleitoral determinou a remoção do vídeo publicado por Nikolas Ferreira nas redes sociais e concedeu direito de resposta a Fuad durante o tempo de propaganda eleitoral reservado para Engler. O deputado federal, no entanto, não apagou a gravação de suas redes sociais, no que o MP classificou como “um crime de desobediência”.

Referências

CNN

https://www.cnnbrasil.com.br/politica/nikolas-ferreira-e-condenado-a-indenizar-artista-por-video-difamatorio/?utm_source=whatsapp&utm_medium=whatsapp-link&utm_content=canal – Acesso 24 jul 25

https://www.cnnbrasil.com.br/politica/entenda-denuncia-envolvendo-nikolas-e-engler-por-difamacao-contra-fuad/ – Acesso 24 jul 25

Estado de Minas

https://www.em.com.br/politica/2025/07/7208158-nikolas-e-condenado-a-indenizar-artista-em-rs-10-mil-por-video-difamatorio.html – Acesso 24 jul 25

Migalhas

https://www.migalhas.com.br/quentes/435248/justica-condena-nikolas-ferreira-por-video-difamatorio-contra-artista – Acesso 24 jul 25 

Uol

https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2025/07/23/nikolas-e-condenado-a-pagar-r-10-mil-a-cartunista-por-video-difamatorio.htm – Acesso 24 jul 25 

MPMG

https://www.mpmg.mp.br/portal/menu/comunicacao/noticias/mp-eleitoral-denuncia-deputados-e-ex-candidata-por-crimes-eleitorais.shtml – Acesso 24 jul 25 

RTB 

https://rtbrasil.com/noticias/16025-nikolas-ferreira-sentenca-indenizar-artista/ – Acesso 24 jul 25

Infomoney

https://www.infomoney.com.br/politica/mpe-pede-cassacao-dos-direitos-politicos-de-nikolas-por-caso-do-livro-pornografico/ – Acesso 24 jul 25

G1

https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2024/10/25/justica-eleitoral-remocao-video-nikolas-ferreira-livro-fuad-noman.ghtml – Acesso 24 jul 25

https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2024/10/25/justica-eleitoral-remocao-video-nikolas-ferreira-livro-fuad-noman.ghtml – Acesso 24 jul 25

https://g1.globo.com/politica/blog/julia-duailibi/post/2024/10/23/queda-de-fuad-entre-eleitores-mais-pobres-pode-ter-relacao-com-versao-descontextualizada-de-livro-do-prefeito.ghtml – Acesso 24 jul 25

Veja

https://veja.abril.com.br/coluna/maquiavel/como-uma-acusacao-de-fake-news-colocou-nikolas-ferreira-na-mira-da-justica/ – Acesso 24 jul 25

Jurinews

https://jurinews.com.br/mg/justica-eleitoral-determina-remocao-de-video-em-que-nikolas-ferreira-associa-livro-de-fuad-noman-a-pedofilia/ – Acesso 24 jul 25

Blog Shoujo Café

http://www.shoujo-cafe.com/2025/07/nikolas-ferreira-e-condenado-pagar.html – Acesso 24 jul 25

Carta Capital

https://www.cartacapital.com.br/justica/cartunista-processa-nikolas-ferreira-apos-virar-alvo-de-campanha-de-odio-nas-redes/ – Acesso 24 jul 25

Extremistas da direita e religiosos alinhados enganam sobre culpa do governo federal nas sanções dos EUA contra o Brasil 

Uma tarifa de 50% será aplicada sobre as exportações brasileiras para os EUA, a partir de 1º de agosto, de acordo com anúncio do presidente daquele país Donald Trump. Ele afirmou que a medida não se baseia exclusivamente em fatores econômicos, mas é uma resposta direta ao julgamento de Jair Bolsonaro (PL), réu em ação penal que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado em 2022. Ao abordar as “questões econômicas”, o presidente estadunidense não apresentou dados que justificassem a nova alíquota, uma vez que não há déficit na balança comercial entre os dois países ou comprovadas ilegalidades.

O líder estadunidense divulgou a decisão em sua rede digital, Truth Social, por meio de uma carta endereçada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). No documento, comunicou a imposição da tarifa e afirmou que a medida foi adotada em resposta a “ataques insidiosos” contra as eleições livres no Brasil. O documento, enviado poucos dias após a realização da cúpula do Brics, no Rio de Janeiro, traz ainda críticas ao julgamento de Jair Bolsonaro e defende a suspensão da ação penal que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). 

Conheci e tive contato com o ex-presidente Jair Bolsonaro, e o respeitei profundamente, assim como a maioria dos outros líderes mundiais. A maneira como o Brasil tem tratado o ex-presidente Bolsonaro, um líder altamente respeitado em todo o mundo durante seu mandato — inclusive pelos Estados Unidos —, é uma desgraça internacional. Este julgamento não deveria estar acontecendo. Trata-se de uma caça às bruxas que deve acabar IMEDIATAMENTE!“, escreveu Trump.

O filho do ex-presidente Bolsonaro, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL – SP), cuja licença terminou no último 20 de julho, segue nos EUA e tem atuado de forma ostensiva junto ao governo estadunidense, na tentativa de livrar o pai do processo judicial que está enfrentando. 

Diante da repercussão das tarifas entre os brasileiros, a oposição tem se empenhado em culpabilizar o presidente Lula e o governo federal pelo chamado “Tarifaço”. A notícia reverbera nas redes digitais de líderes e políticos religiosos, por isso, Bereia analisa e checa as informações atreladas ao caso divulgadas na rede.

O Contexto

A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu em 14 de julho ao STF a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro e  a expectativa é de que o julgamento seja realizado em setembro de 2025. Apesar de a defesa da liberação de Bolsonaro do processo ser apresentada na carta de Trump, analistas alertam para um contexto mais denso no qual o caso se insere.

Enquanto lideranças do BRICS (bloco econômico e político formado por economias emergentes – Brasil, Rússia. Índia, China e África do Sul) participavam de sua 17ª Cúpula anual, realizada no Rio de Janeiro entre 6 e 7 de julho, o presidente dos Estados Unidos fez sua primeira ameaça indireta ao Brasil. Em publicação na rede social Truth Social, declarou que pretendia aplicar tarifas de 10% a países que, segundo ele, adotem “políticas antiamericanas”, entretanto, não detalhou o que seriam essas práticas consideradas antiamericanas. 

De acordo com o professor e economista da Universidade George Washington, em Washington, capital estadunidense, Maurício Moura, o que deu o impulso para o presidente Trump impor o “tarifaço” foi basicamente o protagonismo do Brasil na articulação dos Brics. “O Trump ficou bem atento à reunião, por um motivo bastante óbvio, é que ele fica bem atento ao noticiário, basicamente ele tem o ímpeto de tentar comandar o noticiário local e todas as emissoras americanas deram relevância ao encontro”, explicou. O economista apontou também, em entrevista ao jornal gaúcho Zero Hora, outra preocupação de Donald Trump: a manutenção da relevância do dólar no cenário mundial, que têm sido posta em xeque, além do temor de uma possível moeda concorrente do bloco. 

A jornalista Míriam Leitão refuta um dos argumentos usados pelo governo dos EUA no campo comercial,  de que há um déficit com o Brasil. “Isso não se aplica à realidade. Segundo dados de diversas representações, a balança comercial entre Brasil e Estados Unidos é favorável ao governo americano”, aponta a analista com base nos próprios relatórios do governo brasileiro 

Resposta do governo brasileiro

O Itamaraty e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços encaminharam uma carta ao governo dos Estados Unidos manifestando “indignação” diante da decisão de impor tarifas de 50% sobre produtos brasileiros exportados ao país. 

“O governo brasileiro manifesta sua indignação com o anúncio, feito em 9 de julho, da imposição de tarifas de importação de 50% sobre todos os produtos exportados pelo Brasil para os Estados Unidos, a partir de 1° de agosto”, ressalta a carta.

No documento, o governo brasileiro argumenta ainda que a imposição das tarifas terá um “impacto muito negativo em setores importantes de ambas as economias”, colocando em risco a histórica parceria econômica entre os dois países. “Nos dois séculos de relacionamento bilateral entre o Brasil e os Estados Unidos, o comércio provou ser um dos alicerces mais importantes da cooperação e da prosperidade entre as duas maiores economias das Américas”. 

O texto também contesta a alegação de que o Brasil prejudica os EUA nas transações comerciais, uma vez que aquele país apresenta superávit.

O governo brasileiro tem atuado para minimizar os efeitos negativos da ação dos EUA. Uma das medidas é a criação de um fundo privado temporário para dar crédito a empresas ou setores afetados pelo tarifaço. O fundo deve ser criado por Medida Provisória (MP) e capitalizado pelo Tesouro Nacional por meio de crédito extraordinário, instrumento que permite abrir espaço no Orçamento sem esbarrar no limite de despesas do arcabouço fiscal.

O vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Geraldo Alckmin estuda organizar uma comitiva interministerial para negociar em Washington a retirada das tarifas dos EUA sobre produtos brasileiros. A proposta é apresentar medidas de interesse comercial para os norte-americanos, como o fim de barreiras a produtos dos EUA, com o objetivo de afastar o viés político da discussão. As informações foram dadas por empresários que participaram das conversas com Alckmin.

O ministro da Casa Civil Rui Costa defendeu o fortalecimento das relações comerciais do Brasil com outros países em resposta às retaliações dos Estados Unidos. Ele destacou o interesse do Canadá e do México em estreitar laços com o Mercosul e reafirmou a meta de assinar, até dezembro, o acordo de livre comércio entre União Europeia e Mercosul. Segundo auxiliares do Planalto, a ampliação dessa base comercial já estava nos planos do governo diante das sanções impostas por Donald Trump.

Além do “tarifaço”, o governo dos EUA anunciou, em uma segunda carta, de 17 de julho passado,  que irá investigar se políticas e práticas adotadas pelo Brasil têm restringido ou prejudicado o comércio estadunidense. O documento que formaliza a investigação menciona temas que representam prejuízos à relações econômicas com empresas daquele país como comércio ilegal na  Rua 25 de Março, em São Paulo, e o sistema de pagamentos eletrônicos Pix, livre de taxas.

Campanha nas redes

O governo lançou uma campanha nas redes digitais com o slogan “Brasil Soberano”. Em um vídeo da campanha há uma narração que diz “O Brasil é um país soberano. E um país soberano é um país independente, que respeita suas leis. Um país soberano protege seu povo e sua democracia. Um país soberano não baixa sua cabeça para outros países”.

Em contrapartida, figuras político-religiosas têm usado as mídias sociais para propagar informações e campanhas que culpabilizam Lula e o Partido dos Trabalhadores(PT) das tarifas de Trump.

Propagadores e repercussão

O presidente da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia, que acumula quase 4,3 milhões de seguidores no Instagram, postou, até o fechamento desta matéria, 19 vídeos sobre o assunto. Ele ainda defende a rendição do país à pressão dos EUA, ao afirmar que se houver anistia ampla, as taxas não existirão. “A questão não é econômica. A questão é de justiça, liberdade e anistia”, diz o pastor em trecho de vídeo no qual credita a culpa pela taxação ao presidente Lula e ao ministro do STF Alexandre de Moraes. 

A hashtag “Defenda o Brasil do PT”, utilizada por apoiadores de Jair Bolsonaro em resposta à campanha oficial do governo, chegou ao topo dos assuntos mais comentados do X (antigo Twitter) em 11 de julho, ultrapassando 255 mil publicações. O deputado federal evangélico Nikolas Ferreira (PL-MG) participou do movimento nas mídias sociais. 

Já o deputado federal e pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Sóstenes Cavalcante(PL-RJ), líder do Partido Liberal (PL) na Câmara, usou sua conta no X para rebater a campanha do governo federal. Ele usou uma arte: “Defenda o Brasil de Moraes”, em referência ao ministro do STF Alexandre de Moraes e o slogan que circulou na rede e foi divulgado por diversas figuras políticas (“Defenda o Brasil do PT”).

É fundamental destacar que, embora figuras públicas que endossam a narrativa do ex-presidente Jair Bolsonaro responsabilizem o presidente Lula e o ministro Alexandre de Moraes pela crise, é imprescindível compreender o amplo contexto geopolítico que motiva as tarifas impostas por Donald Trump. 

Desde seu retorno à Casa Branca, Trump adotou uma nova política externa — marcada por um afastamento do multilateralismo (diálogo e cooperação entre países) e uma orientação estritamente nacionalista (exclusivista e isolacionismo do próprio país).

Nesse cenário, o presidente estadunidense engajou-se em uma guerra comercial que afeta diversos países, tendo o Brasil sido o mais impactado, até o momento, pelas medidas tarifárias que alcançam 50%. Analistas de Relações Internacionais apontam que tais políticas podem estar delineando uma Nova Ordem Mundial, conforme refletido em relatórios da BBC News.

Nesse contexto, a pesquisa AtlasIntel/Bloomberg divulgada entre 11 e 13 de julho de 2025 revela que 61,1% dos brasileiros consideram que Lula representa o país no exterior de forma mais eficaz do que Jair Bolsonaro, enquanto 38,8% discordam. A aprovação ao governo petista cresceu no período, passando de 47,3% em junho para 49,7% em julho, ao passo que a desaprovação diminuiu de 51,8% para 50,3% 

A pesquisa, entretanto, destaca um contraste religioso marcante: os evangélicos continuam sendo o grupo mais crítico ao governo Lula, com 66,9% de desaprovação, enquanto a taxa entre católicos é de 48,2%. Entre os evangélicos, cresceu também a percepção de que a tarifa de Trump é justificada (53,1%). Este índice contrasta com a maioria nacional, 62,2%, que vê a medida como injusta e motivada politicamente. Apesar de concordar com as tarifas, a maioria dos evangélicos entende que a ação de Trump é uma ameaça à soberania brasileira (53,2%).

A resistência dos evangélicos nesse cenário pode sugerir uma adesão a lideranças conservadoras que influenciam percepções religiosas e políticas. Esse posicionamento contrasta com a maioria dos brasileiros, que enxergam a reação oficial de Lula às tarifas como proporcional e responsável, especialmente no plano da política externa .

***

Embora críticos do governo atribuam ao PT e a Lula a origem da crise, análises indicam que a escalada tarifária de Trump é fruto de uma estratégia externa com motivações políticas. O impacto desse conflito transcende a política doméstica, reforçando o debate sobre soberania, alinhamentos globais e a representação do Brasil no panorama internacional. A aparente polarização religiosa evidencia tensões internas que se intensificaram com a imposição das tarifas, apontando para um eleitorado fragmentado diante das pressões externas.

Bereia classifica a tentativa de culpar o governo federal e o presidente Lula pelo chamado tarifaço de Trump como conteúdo desinformativo enganoso. Extremistas da direita no Brasil, que defendem que Jair Bolsonaro não seja julgado pelos crimes pelos quais é acusado pela Justiça brasileira (tentativa de golpe nas eleições de 2022, entre outros), usam o caso para impedir o processo e fazer oposição política ao governo federal. Farto número de informações e análises expõe que o ataque partiu do governo dos EUA, a despeito das históricas boas relações comerciais com o Brasil, também lucrativas para aquele país. Há vasta informação disponível sobre possíveis reais motivações do governo dos EUA que passam pelas políticas nacionalistas extremistas do presidente Trump e a busca de reversão do enfraquecimento da posição país no quadro geopolítico mundial. 

Bereia chama a atenção de leitores e leitoras para não assimilarem ou compartilharem informações que chegam em suas redes sem verificar a procedência e a veracidade.  Caso contrário, passam a ser usados como instrumentos de campanhas políticas que usam de falsidades e enganosos.

Referências 

CNN
https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/leia-integra-da-carta-de-donald-trump-que-anuncia-taxa-de-50-para-o-brasil/ Acesso 20 jul 2025

https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/trump-anuncia-tarifa-de-50-para-brasil/ Acesso 21 jul 2025

https://www.cnnbrasil.com.br/politica/atlas-381-acredita-que-brasil-deveria-se-alinhar-mais-ao-brics/ Acesso 21 jul 2025

Agência Brasil

https://agenciabrasil.ebc.com.br/es/node/1650817 Acesso 20 jul 2025

https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2025-07/eua-abrem-investigacao-sobre-praticas-comerciais-do-brasil Acesso 22 jul 2025

Instagram

https://www.instagram.com/p/DMB2CWlRbbI/ Acesso 20 jul 2025

BBC

https://www.bbc.com/portuguese/articles/cj68rxg28j1o Acesso 20 jul 2025

Uol

https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2025/07/15/aprovacao-de-lula-cresce-acima-da-margem-atlas.htm Acesso 20 jul 2025

Metrópoles
https://www.metropoles.com/mundo/trump-x-lula-entenda-cronologia-da-crise-entre-eua-e-brasil Acesso 20 jul 2025

CBN

https://cbn.globo.com/politica/noticia/2025/07/21/comunicacao-formal-de-brasil-com-os-eua-esta-sendo-feita-revela-haddad.ghtml Acesso 22 jul 2025

https://cbn.globo.com/podcasts/dia-a-dia-da-economia-miriam-leitao/analise/2025/07/10/e-uma-interferencia-em-favor-da-direita-brasileira-diz-miriam-leitao-sobre-taxacao-de-trump.ghtml Acesso 22 jul 2025

Zero Hora

https://gauchazh.clicrbs.com.br/mundo/noticia/2025/07/ele-praticamente-nao-tem-freios-na-casa-branca-diz-economista-sobre-trump-cmcxdzoz6012701687il93tlu.html Acesso 22 jul 2025

Revista Piauí

https://piaui.folha.uol.com.br/o-brasil-e-a-encruzilhada-da-hegemonia-americana/ Acesso 22 jul 2025

Folha

https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2025/07/conheca-medidas-que-o-brasil-estuda-para-fazer-frente-ao-tarifaco-de-trump.shtml Acesso 22 jul 2025

Carta Capital

https://www.cartacapital.com.br/economia/a-estrategia-diplomatica-do-brasil-para-o-tarifaco-de-trump-segundo-haddad/ Acesso 22 jul 2025 

Intercept Brasil

https://www.intercept.com.br/2025/07/15/tarifaco-trump-eua-atacam-ameaca-poder-imperialista/ Acesso 22 jul 2025

EUA-Brasil: Mentira sobre filha de presidente do STF ser deportada dos EUA é usada para campanha contra a Corte

Após a notícia da revogação de vistos de ministros do STF e seus familiares pelos EUA, passou a circular nas redes sociais digitais a alegação de que a filha do presidente do STF, Luís Roberto Barroso, Luna Barroso, que estuda nos EUA, seria deportada. 

Tal situação se colocaria no contexto da retaliação dos EUA ao governo federal e ao STF por terem não apenas respondido às exigências ao Brasil, em carta divulgada na internet pelo presidente dos EUA Donald Trump, dirigida ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 9 de julho passado, como também imposto medidas cautelares sobre o ex-presidente Jair Bolsonaro, com tornozeleira eletrônica. Entre as exigências consta, principalmente, a anistia a Bolsonaro dos crimes relacionados à tentativa de golpe de Estado em 2022 e 2023, que lhe foram atribuídos por investigação da Polícia Federal do Brasil e estão em processo de julgamento pelo STF.

Essa informação é falsa.

Luna Barroso não mora nos Estados Unidos e não será deportada. De fato, ela estudou na prestigiada Yale Law School nos anos de 2022 e 2023. Contudo, atualmente vive no Brasil, onde cursa um mestrado na Universidade de São Paulo (USP) e atua como advogada no escritório Barroso Fontelles, Barcellos, Mendonça Advogados, no Rio de Janeiro — conforme consta em seu perfil no LinkedIn e no site do próprio escritório.

Estratégia

Esta mentira integra uma campanha de desinformação coordenada, que tenta explorar a tensão entre o Brasil e os Estados Unidos para desacreditar o STF e inflamar setores da sociedade com mentiras sobre perseguições e retaliações.

Apesar deste conteúdo ser falso, ele se articula com uma conspiração política que tem se configurado, segundo várias análises, e envolve influenciadores brasileiros e interesses estrangeiros. 

As recentes ameaças e sanções dos EUA fazem parte de um movimento mais profundo de pressão geopolítica, segundo estas avaliações mais amplas do caso. O governo Trump estaria usando o caso do julgamento de Jair Bolsonaro para buscar interferir nas eleições de 2026, favorecer candidatos alinhados aos interesses estratégicos estadunidenses e pressionar as instituições brasileiras por um alinhamento às políticas de controle econômico-financeiro daquele país.

Leitura recomendadas:

Linkedin

https://www.linkedin.com/in/luna-van-brussel-barroso-30816417a/?originalSubdomain=br

UOL

https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2025/07/19/e-fake-filha-de-barroso-mora-no-brasil-e-nao-sera-deportada-dos-eua.htm

Sobre escritório Barroso Fontelles, Barcellos, Mendonça & Associados

https://www.migalhas.com.br/catalogo/barroso-fontelles-barcellos-mendonca-associados

Terra https://www.terra.com.br/noticias/ameaca-de-tarifas-acende-alerta-sobre-interferencia-dos-eua-nas-eleicoes-de-2026,c252120b783a1be2ef8c639af130bf9f176pvwus.html#google_vignette 

https://www.terra.com.br/noticias/ameaca-de-tarifas-acende-alerta-sobre-interferencia-dos-eua-nas-eleicoes-de-2026,c252120b783a1be2ef8c639af130bf9f176pvwus.html#google_vignette 

The Intercept Brasil https://www.intercept.com.br/2025/07/15/tarifaco-trump-eua-atacam-ameaca-poder-imperialista/

Vídeos manipulados com Inteligência Artificial exploram imagens dos padres Júlio Lancellotti e Marcelo Rossi



Circulam nas mídias sociais dois vídeos manipulados utilizando imagens indevidas dos padres Júlio Lancellotti e Marcelo Rossi. As peças de desinformação foram denunciadas por leitores ao Bereia. Assim como já ocorrido com o pastor Cláudio Duarte, as imagens são alteradas com uso de inteligência artificial para induzir o público ao erro.

Vídeo manipulado do Padre Júlio Lancellotti

No vídeo denunciado, imagens do padre Júlio Lancellotti são usadas para supostamente promover um pedido de doações em benefício de uma criança. Bereia realizou uma busca reversa das imagens utilizadas no vídeo utilizando o Google Lens e constatou que a criança apresentada como beneficiária é, na realidade, uma criança africana cuja imagem já foi utilizada em outras campanhas falsas na internet.

Esta manipulação reforça um padrão recorrente de ataques contra o padre Júlio Lancellotti, amplamente conhecido por seu trabalho social em defesa dos direitos de pessoas em situação de rua e combate à fome. Bereia já havia identificado e desmentido anteriormente outras tentativas de desinformação relacionadas ao líder religioso, sempre com teor difamatório ou para exploração financeira indevida da imagem pública do padre. Além disso devido seu posicionamento político em favor de causas sociais, o padre enfrenta uma campanha difamatória produzida por atores ligados à extrema-direita politica.

Bereia solicitou a remoção do vídeo na plataforma, porém a Meta informou que apesar do conteúdo não seguir os padrões da comunidade ele não foi removido.

Vídeo manipulado do Padre Marcelo Rossi

Outro vídeo denunciado envolve o Padre Marcelo Rossi e apresenta uma suposta oração para eliminar dívidas em três dias e ficar rico. A manipulação utiliza uma participação do padre no programa de auditório The Noite, apresentado pelo humorista e apresentador Danilo Gentili. Com o auxílio da ferramenta InVID-WeVerify, Bereia identificou indícios nítidos de manipulação por IA, tais como cortes abruptos, evidente descompasso entre o áudio e a movimentação labial do religioso. O intuito do produtor da peça seria convencer as pessoas para clicar em um link para direcionar pessoas a aquisição de guias e e-books. O vídeo postado como não listado no Youtube era compartilhado via WhatApp com link para sites fraudulentos.

As técnicas de edição do vídeo são semelhantes às já observadas em outras fraudes analisadas pelo Bereia, nas quais figuras religiosas são utilizadas indevidamente para promover produtos falsos e sem eficácia comprovada. Casos como estes dos padres Júlio Lancellotti e Marcelo Rossi e o do pastor Cláudio Duarte (para vender produto para tratamento de diabetes, que Bereia já checou) são explorados com uso de inteligência artificial para promover produtos e causas falsas explorando a credibilidade pública desses religiosos para atingir objetivos comerciais ilícitos ou causar danos reputacionais.

***

Bereia alerta para que leitores e leitoras tenham atenção ao uso de Inteligência Artificial para a elaboração de vídeos com todo tipo de mensagens.  Nem toda produção com IA deve ser rechaçada, pois há usos corretos e dignos deste recurso, que favorecem o acesso a informações necessárias e o debate público. Tecnologia pode ser sempre utilizada a favor do direito à comunicação e à informação. O problema é o uso fraudulento!

Leitoras e leitores do Bereia: sempre que receber um vídeo que trate de destruir a imagem de alguma pessoa ou grupo, peça doações, ofereça produtos à venda ou indique cliques em algum site comercial utilizando a imagem de alguma liderança religiosa ou mesmo alguma pessoa de destaque público, não responda ou compartilhe: verifique antes a veracidade do material.  

Qualquer dúvida, chame o Bereia! Envie o material que gerou desconfiança para o WhatsApp: 21-978842525.

Como os cristãos devem agir nas redes sociais?

Como cristãos, devemos ser coerentes na vida on-line, agindo de acordo com os valores da fé que professamos. Compartilhar conteúdo edificante, combater a desinformação e promover a justiça e o amor são ações que refletem a pessoa de Cristo no mundo digital. Essa foi a conclusão apresentada pela professora de Teologia e integrante da equipe de jornalistas do Coletivo Bereia no trabalho de checagem de conteúdos Rafaely Camilo. Ela dirigiu um estudo voltado a adolescentes e jovens durante a Escola Bíblica Dominical da Igreja Batista Pentecostal Mundial, no Rio de Janeiro, em 22 de junho.

Sob o tema “Sendo cristão nas redes sociais”, Rafaely Camilo, que é doutoranda em Sociologia, tratou a respeito das mídias sociais e igreja, e alertou sobre as fake news. Segundo destacou, é muito importante estar atento ao que elas significam e as consequências que provocam, como pânico, medo, divisão e xenofobia. “Mentira não se propaga”, reforçou.

A professora também chamou a atenção para alguns aspectos que devem fazer parte da postura cristã, como coerência em todos os ambientes e domínio para se expressar e discernir sobre o que é correto. “Temos que lembrar também dos papéis do cristão na sociedade, e entre eles estão o de refletir a pessoa de Jesus Cristo e o de servir”.

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Imagem de capa: acervo pessoal

Justiça decide sobre responsabilidade das plataformas de mídias com publicação de conteúdo ilícito 

O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no último 26 de junho, que o artigo 19 do Marco Civil da Internet (MCI), trecho sobre a responsabilidade das plataformas digitais por conteúdos publicados na internet, é parcialmente inconstitucional. Até então, essas empresas – como o Google e a Meta – somente poderiam ser responsabilizadas por conteúdos de terceiros, que tomam a forma de crimes (crimes sexuais, racismo, indução ao suicídio, entre outros), após desobedecer uma ordem judicial para remover o conteúdo. 

Por maioria de votos (8 contra 3), o entendimento foi de que “há um estado de omissão parcial que decorre do fato de que a regra geral do art. 19 não confere proteção suficiente a bens jurídicos constitucionais de alta relevância (proteção de direitos fundamentais e da democracia)”. 

A partir de agora, com a tese de repercussão geral, determinados conteúdos poderão ser retirados do ar sem decisão judicial. Bereia chama a atenção para que se rechace a desinformação de que tal decisão significa censura. Há, sim, um avanço em novas possibilidades para a construção de um cenário digital mais favorável à preservação da democracia e ao combate à desinformação, aos crimes virtuais e aos discursos de ódio. Confira:

Marco Civil da internet e o julgamento do artigo 19

O Marco Civil da Internet (MCI) sancionado como a Lei n° 12.965, de 2014, é a principal legislação brasileira no estabelecimento de direitos e deveres de usuários, empresas e Estado no uso da internet. Ele foi elaborado em um contexto de crescente preocupação com a privacidade, a liberdade de expressão e a neutralidade das redes, e se destacou internacionalmente por ser uma das primeiras legislações a garantir princípios democráticos no ambiente digital, tornando-se referência global em regulação da internet.

O julgamento da constitucionalidade do artigo 19 do MCI tem sido um dos debates jurídicos mais importantes no Brasil sobre liberdade de expressão, responsabilidade das plataformas e combate à desinformação. A lei é atualmente a principal fonte para julgamento de casos ocorridos nos espaços das mídias sociais e serviços de mensagens, uma vez que ainda não há regulamentação específica sobre as plataformas digitais no Brasil

O modelo em vigor desde 2014 foi duramente criticado por setores da sociedade civil e por acadêmicos, os quais defendem que a exigência de ordem judicial torna o processo de remoção lento e ineficaz. Isso permite que conteúdos ofensivos ou criminosos continuem circulando por muito tempo e colaborem com a proliferação de desinformação, discursos de ódio e crimes virtuais.

A votação no STF

A votação, ocorrida em 26 de junho, decorre de casos concretos recebidos pelo colegiado, como os Recursos Extraordinários (RE) 1037396 e 1057258, contra o Facebook e o Google, respectivamente. O julgamento sobre o artigo 19 do MCI começou em 2023, tendo como relator o ministro Dias Toffoli, que entendeu ser constitucional o entendimento do texto original. O julgamento foi interrompido quando o ministro Luís Roberto Barroso pediu vistas ao processo – ou seja, solicitou mais tempo para analisar o caso – e foi retomado em junho de 2025.

No placar de votos, apenas três dos onze ministros se manifestaram a favor da constitucionalidade do artigo 19, ou seja, tomaram a posição contrária à possibilidade de responsabilização das plataformas sem a devida decisão judicial. 

Reprodução: Portal Migalhas

O ministro André Mendonça foi o primeiro a se posicionar favoravelmente às empresas de tecnologia conhecidas como big techs, no voto feito no último 5 de junho. Ele afirmou que, ao seu ver, as medidas mais endurecidas podem inibir a participação cidadã nos espaços digitais e que “pelo simples fato de ser mentiroso, o discurso não deve ser censurado. Mentir é errado, mas não necessariamente é crime”

O ministro Edson Fachin também se manifestou de forma contrária à decisão do colegiado. Para ele, a regulação das plataformas precisa ser estruturada e sistêmica, e preferentemente não via Poder Judiciário. Ele entende que o remédio empregado ainda não é suficiente para enfrentar os problemas analisados nas plataformas. 

Da mesma forma, o ministro Kassio Nunes Marques acompanhou o posicionamento para manter a interpretação de constitucionalidade do artigo 19 do MCI. Para ele, “o Congresso Nacional é o ambiente mais apropriado para conduzir essa discussão”. 

Em posicionamento de acordo com a maioria, a ministra Carmen Lúcia sintetizou que a interpretação pela inconstitucionalidade do artigo julgado busca preservar o direito, como em casos de crimes contra a honra e contra o Estado Democrático de Direito. 

Em seu voto, a ministra afirmou que o tempo tecnológico de 2014 é muito diferente do ano atual. “A lei é feita baseada na realidade para a qual ela se volta”, disse, e questionou também sobre a atuação da inteligência artificial nas próximas eleições presidenciais ao discorrer sobre os interesses econômicos e políticos das plataformas.

O que muda com a decisão? 

Com a tese de repercussão geral elaborada com o término do julgamento, Bereia explica as principais mudanças que ocorrerão.

Regra geral de responsabilização civil das plataformas

AGORAANTES
Provedores podem ser responsabilizados mesmo sem ordem judicial em casos de conteúdos notoriamente ilícitos.Plataformas só eram responsabilizadas se descumprissem ordem judicial para remoção de conteúdo.
Passam a ter dever de cuidado ativo quando o conteúdo for grave ou de alta circulação.A responsabilidade era condicionada à inércia judicialmente comprovada.

Aplicação do Art. 21 (responsabilidade subsidiária por notificação)

AGORAANTES
Provedores passam a ser responsabilizados civilmente pelos danos causados por qualquer conteúdo ilícito de terceiros após notificação.
Casos como contas falsas (inautênticas) também entram nesse regime.
Aplicado apenas em casos específicos, como nudez não consentida, mediante notificação extrajudicial.

Crimes contra a honra

AGORAANTES
Aplica-se o art. 19 do MCI, sem prejuízo da possibilidade de remoção por notificação extrajudicial.Remoção de conteúdo mediante decisão judicial.

Impulsionamento e anúncios pagos (incluindo robôs/chatbots)

AGORAANTES
Redes sociais presumem responsabilidade direta por impulsionamento de conteúdos ilícitos (mesmo por robôs/inteligência artificial).A responsabilidade era definida conforme o caso concreto.
Plataformas devem agir preventivamente ou demonstrar que agiram em tempo hábil para evitar a disseminação.Não havia exigência de ação proativa.

Plataformas isentas da nova interpretação

Os seguintes serviços continuam seguindo a regra original do art. 19 (responsabilidade apenas após ordem judicial):

  • Provedores de email
  • Plataformas de videoconferência fechada
  • Mensageria instantânea (como WhatsApp)
  • Marketplaces (como Mercado Livre, Shopee e Amazon. Agora também respondem conforme o Código de Defesa do Consumidor)

Rol taxativo de crimes com responsabilidade imediata

Segundo o STF, as plataformas devem agir imediatamente quando se tratar dos seguintes crimes elencados, conforme o princípio do dever de cuidado inaugurado pela legislação europeia:

  • Crimes contra instituições democráticas;
  • Terrorismo e atos preparatórios;
  • Indução ao suicídio e automutilação;
  • Racismo e discriminação (raça, etnia, sexualidade, identidade de gênero);
  • Violência contra a mulher;
  • Crimes sexuais contra vulneráveis (como pornografia infantil);
  • Tráfico de pessoas

Critérios para ausência de responsabilidade 

O STF declarou que a existência de conteúdo ilícito isolado não gera automaticamente responsabilidade. A responsabilização só se aplica quando há inércia (omissão das plataformas) diante de ilícitos graves e com circulação massiva. Nestes casos, vale o regime do Art. 21 (no modelo retirada após notificação).

As plataformas também deverão cumprir deveres como autorregulação obrigatória, que deverá ser composta por:

  • Sistema de notificações e canais de atendimento acessíveis e disponíveis para usuários e não usuários;
  • Devido processo de moderação de conteúdo;
  • Divulgação anual de relatórios de transparência (sobre anúncios, impulsionamentos e remoções de conteúdos);
  • Revisão periódica e transparente das políticas de moderação.

Além disso, vale a regra que os provedores devem ter sede e representante no Brasil.

Novas regras favorecem a democracia e ajudam a combater a desinformação

Dentre os vários discursos desinformativos que perpassam as discussões sobre a responsabilização e a regulamentação das plataformas no Brasil, é comum deparar com abordagens que sugerem que essas medidas são uma forma de censura e que cerceiam a liberdade de expressão.

Bereia entrevistou especialistas que destacam a importância do julgamento em questão para o fortalecimento da democracia e o enfrentamento à desinformação. O professor pesquisador do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict) e coordenador da Rede Nacional de Combate à Desinformação (RNCD) Marco Schneider, afirma que com a legislação anterior, não era possível dar conta do volume, da velocidade, nem do alcance da desinformação. Por isso, a atualização no entendimento do STF é importante para se adequar à realidade atual.

O pesquisador explica que o questionamento sobre as medidas serem uma forma de censura traz desafios quanto ao peso histórico vivido no Brasil, e diferencia a censura que houve no Brasil no século passado do estabelecimento de regras para os ambientes virtuais: 

“Uma coisa é um governo se arvorar, como no caso da ditadura militar, no direito de estabelecer de cima para baixo o que pode ou não ser produzido no âmbito da da arte, da ciência, do jornalismo, com base em valores morais, conservadores, e com base numa blindagem da sua própria prática política.

Outra coisa é estabelecermos que nem tudo pode ser dito o tempo inteiro, e em todas as ocasiões, para todas as pessoas. Nesse segundo sentido, a noção de censura não é aplicável, pois tem a ver com a noção de escolha e a imposição de limites”, comenta. 

Para o coordenador da RNCD, muitos dos que acusam a regulação de censura se colocam como defensores da liberdade de expressão, “mas me parece muitas vezes cínico e oportunista, porque são muitas vezes as mesmas pessoas que defendiam a censura da ditadura militar. “A liberdade de expressão como um valor absoluto aparece como uma panaceia, que não pode ser limitada por nada. Ela é um direito fundamental, mas se ela agride outros, ela tem que ser limitada. Isso não é censura”. 

O pesquisador de direitos digitais e professor de Políticas de Comunicação na Universidade de Brasília Marcos Urupá complementa que é equivocado afirmar que a regulamentação de plataformas digitais incorre em censura. “Basta fazer uma analogia com os meios de comunicação. Rádio e televisão têm uma série de compromissos que devem ser cumpridos. Você pode questionar se eles cumprem ou não, mas tem todo um regramento aí, por exemplo, como é o caso da publicidade”. Quanto ao tema, conclui: “não se trata de censura, trata-se de garantir um ambiente digital que respeite a cidadania, os direitos humanos e, acima de tudo, o Estado Democrático de Direito”.

Urupá destaca a responsabilização das plataformas como um avanço na aplicação de freios ao poder que elas exercem. “Hoje elas são configuradas como grandes meios de comunicação e, sem critério nenhum, determinados conteúdos ofensivos, inclusive ao próprio Estado Democrático de Direito, circulam sem ressalvas, sendo que são condutas tipicamente qualificadas como criminosas. Então, sem dúvidas, há um avanço mediante ao cenário anterior”, aponta.

O papel do STF na decisão extrapola a função do Judiciário?

Diante das decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal quanto aos usos e abusos das plataformas digitais, o papel do Poder Judiciário tem sido criticado por certos grupos, que julgam uma atuação excedente às competências dos ministros da Suprema Corte. No entanto, Marco Schneider reafirma que o órgão máximo do Judiciário age, nesse caso, de acordo com a previsão constitucional de assegurar o cumprimento e interpretar a legislação conforme a Constituição Federal. “Nesse caso, em particular, eles estão com a razão e agem em favor do interesse público, pois estão cobrindo com urgência uma lacuna legislativa. Quando houver uma lei aprovada no Congresso Nacional que regule o assunto, ela passará a valer”.

*****

Bereia avalia que a decisão do Supremo Tribunal Federal age de acordo com a previsão legal e é favorável ao enfrentamento da desinformação, de forma que abre novos caminhos para um cenário regulatório das plataformas e ressalta a urgência de responsabilizar as grandes empresas de tecnologia por conteúdos que causam danos reais aos cidadãos e ainda lhes rende lucros com a monetização de ilícitos. 

Referências:

CNN Brasil

https://www.cnnbrasil.com.br/politica/stf-forma-tese-para-responsabilizar-big-techs-por-conteudos-de-terceiros/. Acesso em 27/06/25

Planalto (Lei Nº 12.965, de 23 de abril de 2014 – Marco Civil da Internet) https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm 

Portal Migalhas 

https://www.migalhas.com.br/amp/quentes/433462/com-8-votos-a-3-stf-amplia-responsabilidade-de-big-techs-por-conteudo. Acesso em: 27/06/25

Supremo Tribunal Federal – Notícias

https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/stf-define-parametros-para-responsabilizacao-de-plataformas-por-conteudos-de-terceiros/. Acesso em: 27/06/25

Teletime

https://teletime.com.br/26/06/2025/art-19-stf-concilia-votos-e-plataformas-terao-responsabilizacao-parcial/ . Acesso em 27/06/25

Desinformação sobre translado de Juliana Marins circula entre líderes religiosos e portais gospel

A morte da jovem brasileira Juliana Marins, de 26 anos, em 24 de junho, durante uma trilha no Monte Rinjani, na Indonésia, gerou comoção nacional e uma onda de desinformação sobre o traslado de brasileiros mortos no exterior. Opositores do governo federal passaram a compartilhar conteúdos enganosos com alegação de que o Estado teria se recusado a cumprir uma “obrigação” de repatriar o corpo, o que não corresponde à legislação vigente até então.

Bereia identificou que essas mentiras passaram a circular também em grupos de WhatsApp com pastores evangélicos e em portais de notícias gospel.

Entenda o caso

O Decreto nº 9.199/2017, assinado pelo então presidente da República Michel Temer (MDB) e a Lei nº 9.199/2019, aprovada aprovada no primeiro ano do mandato de Jair Bolsonaro (PL) estabelecem que o governo federal não poderia custear sepultamentos ou translado de corpos de brasileiros falecidos no exterior, salvo em situações excepcionais, como missões oficiais. 

Diante dessa limitação jurídica, em 25 de junho, o Itamaraty informou à família da jovem morta na trilha do vulcão que prestaria assistência consular, mas não poderia arcar com as despesas do traslado.

Diante da repercussão e comoção com o caso e do apelo da família, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva telefonou ao pai de Juliana Marins e anunciou a mudança da norma.

O Decreto nº 12.535, publicado neste 27 de junho, prevê agora a possibilidade de o governo federal custear, em caráter excepcional, o traslado de brasileiros falecidos no exterior, desde que haja comoção pública, comprovação de vulnerabilidade econômica da família, inexistência de seguro ou vínculo com missões oficiais.

Apesar da mudança legal, o monitoramento do Bereia aponta que vídeos, postagens e matérias de viés religioso têm atribuído falsamente ao governo uma omissão deliberada, sem contextualizar o marco legal anterior nem a alteração feita por decreto.

Para a editora-geral do Bereia Magali Cunha, o episódio revela como tragédias podem ser instrumentalizadas politicamente: “Há um uso recorrente de desinformação em ambientes religiosos digitais para reforçar discurso de oposição ao governo federal. Mesmo em momentos de luto, a verdade é sacrificada em nome de disputas ideológicas. A oposição é saudável e necessária em uma democracia, porém tal estratégia precisa ser refutada”.

O novo decreto ainda dependerá de regulamentação do Ministério das Relações Exteriores e da disponibilidade orçamentária para ser aplicado a outros casos. Enquanto isso, a família de Juliana Marins aguarda a chegada do corpo e segue em luto, agora com o apoio oficial do Estado brasileiro para que a jovem seja sepultada no país.

Relembre o caso

Juliana Marins, moradora de Niterói, Rio de Janeiro, desapareceu no sábado, 21 de junho, após escorregar de um penhasco durante uma escalada no segundo maior vulcão da Indonésia. Seu corpo foi localizado por um drone dois dias depois e resgatado apenas na quarta, 25 de junho, após sucessivos atrasos causados por terreno íngreme e mau tempo. 

A família afirmou que houve negligência das autoridades locais no resgate, pois a jovem teria sido ouvida com vida horas após o acidente. A tragédia mobilizou apoio popular nas redes e gerou uma campanha pública para financiar o retorno do corpo ao Brasil.

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Imagem de capa: reprodução da internet

Religião e Bets – Parte 1: Discursos cristãos no palco da CPI fracassada no Senado 

Depois de sete meses, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Bets do Senado Federal foi encerrada, no último 12 de junho, com a rejeição do relatório final elaborado pela senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS). A CPI foi palco de debates calorosos e dividiu opiniões em relação às intenções que motivaram as discussões e à forma em que as sessões foram conduzidas. A comissão pode ser considerada histórica, pois foi a primeira vez, em dez anos, que o documento final de uma Comissão de Inquérito no Congresso Nacional não foi aprovado. 

As audiências da CPI das Bets tiveram ampla repercussão midiática: menos pela relevância da investigação e mais por conta da convocação de testemunhas e da presença de convidados que são celebridades do universo digital. Bereia verificou que depoentes e outros atores lançaram mão do discurso religioso cristão para chamar a atenção para si ou para o tema.

O parecer do relatório final

A CPI das Bets foi instalada no Senado Federal em 12 de novembro de 2024, sob a presidência do Dr. Hiran (PP-RR) e relatoria de Soraya Thronicke. A comissão tinha o objetivo de investigar a influência dos jogos virtuais de apostas online no orçamento das famílias brasileiras e apurar a possível associação dessas plataformas com organizações criminosas envolvidas em lavagem de dinheiro. Havia expectativa de que os resultados contribuíssem para o estabelecimento de regras para o funcionamento das casas de apostas digitais e de assegurar a proteção dos consumidores-jogadores diante delas. 

A CPI foi criada com um prazo inicial de 130 dias, com término previsto para 30 de abril de 2025, e um orçamento de R$ 110 mil. Em abril de 2025, foi prorrogada por 45 dias, até 14 de junho de 2025. Além do processo de levantamento de documentos, a CPI colheu o depoimento de testemunhas e convidados, em um total de 19 pessoas, entre elas influenciadores digitais como Virgínia Fonseca, Rico Melquíades, Deolane Bezerra e o padre Patrick Fernandes. A presença destas celebridades colocou foco na comissão e acendeu o interesse público nas discussões acerca das plataformas de jogos de azar. 

O relatório final, da senadora Thronicke, afirma que a CPI constatou “a existência de um crescimento descontrolado e desregulado das bets”, com a identificação de “abusos claros, com influenciadores simulando apostas falsas, propagandas apresentando as apostas como meio de investimento ou de ficar rico facilmente”. Segundo as provas levantadas, as plataformas de apostas digitais teriam movimentado até R$ 129 bilhões em 2024, tendo como alvo os recursos da população das classes mais baixas. O parecer pedia o indiciamento de 16 pessoas, pela contravenção penal de jogos de azar e pelos crimes de lavagem de dinheiro, propaganda enganosa, entre outros. 

Na lista de pessoas a serem indiciadas estavam empresários e influenciadores digitais, como Virgínia Fonseca e Deolane Bezerra. Fonseca foi acusada de ter induzido seguidores a realizar apostas com simulações irreais de ganhos. Bezerra, que é advogada, foi apontada como sócia oculta de uma bet e também como autora de propagandas irregulares. 

O relatório final, rejeitado em sessão esvaziada, por quatro votos a três, também propôs 20 Projetos de Lei, dentre os quais estão propostas de proibição de jogos como o Tigrinho e a restrição de apostas online por pessoas inscritas no CadÚnico.

Religião no palco da CPI

A convocação de celebridades digitais, como Virgínia Fonseca, para deporem na CPI foi bastante explorada pelo jornalismo e em diferentes perfis de mídias sociais. A chegada da empresária, que acumula cerca de 53 milhões de seguidores no Instagram, ao plenário da comissão, causou tumulto nos corredores por conta do assédio de fãs. Fonseca, que se declara católica, começou suas declarações, na condição de testemunha, fazendo uso da expressão “que Deus abençoe nossa audiência”. 

Na inquirição da influenciadora digital, o senador evangélico Cleitinho (Assembleia de Deus, Republicanos-MG) fez um apelo à moral cristã. “Eu queria falar para você, se tocar seu coração, como cristão: você não precisa mais disso. Acaba com isso, não faz mais esse tipo de propaganda”, disse Cleitinho à Virgínia Fonseca, com quem posou para uma selfie. O número de visualizações desse depoimento ultrapassava 1,2 milhão no canal da TV Senado no YouTube, no fechamento desta matéria.

Virgínia foi tietada pelo senador Cleitinho (Republicanos). — Foto: Reprodução/TV Senado

Um dos depoimentos que chamou a atenção pelo destaque à religião foi o do padre Patrick Fernandes, que também é influenciador digital e pediu para depor na CPI. O pároco na cidade de Parauapebas (PA), 37 anos, tem mais de 6,5 milhões de seguidores e é sucesso entre os jovens por uma presença “descolada” nas mídias sociais. 

Fernandes acabou convidado depois de publicar um vídeo, no período da realização das audiências, afirmando que gostaria de contribuir com o processo, porque conhecia muitas famílias endividadas por conta das apostas. “Eu sei o estrago que isso está fazendo na vida de tantas pessoas e famílias. Esse negócio de jogar com responsabilidade, pelo amor de Deus, não existe isso não”, Fernandes comentou no vídeo. Ele ainda relatou na publicação que já havia recusado pedidos de divulgação de sites de apostas em seus espaços digitais.

No depoimento, que se deu em 21 de maio passado, ele tratou abertamente dos problemas familiares e financeiros de fiéis que chegam até ele como líder eclesiástico. Patrick Fernandes fez referência a uma frase célebre de Santo Agostinho para afirmar que as bets tentam “saciar uma sede que não é saciada nunca”, e que, para ele, essa incompletude revela uma falta no ser humano da compreensão de Deus. 

No último 20 de maio, antes do comparecimento à comissão, o padre havia afirmado que poderia “ser uma voz profética” no Senado Federal ao alertar acerca dos perigos provocados pelas plataformas de apostas online. O depoimento dele à CPI foi mais um momento com ênfase religiosa que teve forte repercussão midiática.

Reprodução: X

Reprodução: X

Bets: uma lacuna conveniente de direitos e obrigações

Nome popularizado em inglês, bets é um termo em português que quer dizer jogos de apostas ou de azar on line (digitais). Estas atividades têm um histórico de proibição no Brasil que remonta a 1946, quando o Decreto-Lei nº 9.215, assinado pelo presidente da República Eurico Gaspar Dutra, baniu cassinos e outros jogos de azar no país. 

No entanto, as apostas e jogos online começaram a ganhar espaço no Brasil em um contexto de vácuo regulatório, durante o governo do ex-presidente Michel Temer (MDB). Isso quer dizer que o sistema começou a funcionar em um período em que não existia uma legislação ou norma clara e específica para regular a atividade. Nesse caso, havia uma lacuna nas regras jurídicas sobre apostas online.

Em 2018, a Lei nº 13.756 foi sancionada, legalizando as apostas esportivas de cota fixa (onde o apostador sabe previamente o retorno potencial). Essa legislação surgiu como resposta ao crescimento exponencial dessas plataformas, muitas vezes sediadas no exterior. A lei determinou que o Ministério da Fazenda deveria regulamentar o setor em até dois anos, prazo que poderia ser prorrogado por mais dois.

Durante esse período, a ausência de regras claras possibilitou a proliferação de plataformas que atraíram milhões de brasileiros às casas de apostas virtuais. Porém não assegurou a proteção ao consumidor nem viabilizou a fiscalização contra práticas abusivas. Embora a lei também previsse a tributação das operadoras, a falta de regulamentação detalhada impediu que questões como publicidade, proteção de crianças e adolescentes, e a prevenção ao vício fossem incluídas inicialmente. 

O atual Ministério da Fazenda publicou a Portaria nº 1.207/2024, que estabelece os requisitos técnicos dos jogos online, com as regras para apostas. Segundo a normativa, a partir de 2025, foi liberada a atuação de plataformas de apostas online sediadas no Brasil, que deverão ser certificadas para oferecer os jogos no mercado, como o Tigrinho e o Aviãozinho. Os jogos por meio de equipamentos em estabelecimentos físicos seguem continuam proibidos.

O relatório da CPI das Bets estima que a atividade movimentou, no Brasil, entre R$ 89 bilhões e R$ 129 bilhões só no ano passado. Como comparação, o orçamento do Ministério da Educação (MEC) previsto para 2025 é de R$ 187,2 bilhões. “Com crescimento de 1.300% desde 2018, parece-nos que é o melhor negócio que existe nesse momento no nosso país. O consumo das famílias brasileiras diminuiu e empregos da economia real foram destruídos em benefício do lucro astronômico de poucos”, disse a relatora da CPI, senadora Soraya Thronicke.

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Bereia avalia que, embora o relatório final tenha sido rejeitado pela maioria dos membros da CPI, os debates promovidos na comissão trouxeram à tona questões fundamentais sobre os impactos sociais, econômicos, emocionais e espirituais das plataformas virtuais de jogos de azar. A coleta de material da CPI revelou que o vício em jogos online não é apenas uma questão individual, mas um fenômeno que afeta famílias, comunidades e valores coletivos, exigindo respostas que articulem diferentes esferas da sociedade.

Bereia alerta que com o encerramento o trabalho da Comissão do Senado, existe o risco de que a desinformação ganhe espaço, seja em relação às figuras públicas envolvidas nas discussões, seja com a distorção do papel desempenhado pela religião no acolhimento e na prevenção dos malefícios causados pelo uso dessas plataformas de jogos. 

A relatora da CPI, senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), afirmou que continuará o trabalho de investigação e encaminhará o conteúdo do parecer a autoridades como o procurador-geral da República Paulo Gonet e o ministro da Justiça Ricardo Lewandowski. “Saio feliz, com a missão cumprida, e todos os brasileiros saberão que não terminou e não terminará em pizza. Eu não sou a pizzaiola”, declarou à TV Senado após o encerramento da CPI. Ela também prometeu apresentar projetos de lei com base nas descobertas da comissão.

Bereia chama a atenção de leitores e leitoras para o fato de a religião cristã ter estado no palco da CPI por meio de discurso defensivo de personagem acusada de exploração ilegal da atividade, apelativo de político a uma moral individual e de articulador de religoso em busca de propagação de suas ações. Descartada a efemeridade e a fragilidade desta presença da religião nas discussões das CPI, ela tem outras dimensões na relação com o tema que são tratadas na parte 2 desta reportagem. 

Referências:

Agência Brasil 

https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/economia/audio/2025-01/varejo-brasileiro-perdeu-r-103-bilhoes-por-causa-das-bets-em-2024. Acesso em 21 MAI 25.

Agência Senado de Notícias

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2025/06/12/cpi-das-bets-rejeita-relatorio-final. Acesso em 13 JUN 25.

Associação dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo

Artigo sobre a ludopatia. https://cdn.afpesp.org.br/images/arquivos/Noticias/2023/0314_Arquivo-interno_Estacao-Psi.pdf  Acesso em 21 MAI 25

Banco Central do Brasil

https://www.bcb.gov.br/conteudo/relatorioinflacao/EstudosEspeciais/EE119_Analise_tecnica_sobre_o_mercado_de_apostas_online_no_Brasil_e_o_perfil_dos_apostadores.pdf. Acesso em 21 MAI 25.

Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP)

https://www.fecomercio.com.br/noticia/pesquisa-da-fecomerciosp-para-9-dos-apostadores-bet-e-investimento . Acesso em 21 MAI 25.

Folha de São Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2024/11/bets-chegam-as-igrejas-evangelicas-e-preocupam-pastores.shtml Acesso em 31 MAI 25.

Poder 360

https://www.poder360.com.br/poderdata/29-dos-evangelicos-apostam-nas-bets-catolicos-22/. Acesso em 15 JUN 25.

Senado

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2025/06/12/cpi-das-bets-rejeita-relatorio-final Acesso em 15 JUN 25

Instituto de Estudos da Religião

https://religiaoepoder.org.br/artigo/jogos-de-apostas-protecao-ambiental-e-calendario-oficial-sao-destaques-dos-pls-apresentados-em-setembro 15 JUN 25

MP pede inelegibilidade de Carlos Jordy por instrumentalizar jornal O Fluminense nas eleições

Como Bereia já havia levantado, Promotoria afirma agora que jornal atuou como ferramenta de campanha e desequilibrou o pleito em Niterói. Caso pode tornar deputado inelegível por oito anos.

A Procuradoria Regional Eleitoral do Rio de Janeiro pediu, no início de junho, a declaração de inelegibilidade do deputado federal de identidade cristã não determinada Carlos Jordy (PL-RJ) e do empresário Lindomar Alves Lima, proprietário do jornal O Fluminense. O parecer, enviado ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RJ), sustenta que ambos cometeram abuso de meios de comunicação ao instrumentalizarem o veículo para atacar o então candidato Rodrigo Neves (PDT) e enaltecer Jordy durante as eleições municipais de 2024 em Niterói.

Bereia já havia publicado sobre o caso, em novembro passado, e apontado um padrão de publicações com forte viés editorial partidário e manipulação informativa na cobertura do histórico jornal de Niterói, O Fluminense. Segundo o levantamento feito pelo jornalista Daniel Reis, foram 23 matérias negativas contra Rodrigo Neves e 14 favoráveis a Jordy, sem qualquer conteúdo crítico sobre o então candidato do PL.

Agora, o Ministério Público Eleitoral (MPE) corrobora esse diagnóstico e afirma que o jornal atuou de forma sistemática para desequilibrar a disputa. O parecer descreve uma “veiculação massiva e reiterada de matérias positivas a Carlos Jordy e negativas a Rodrigo Neves”, em formatos impresso e digital, e também em redes sociais, às vésperas do segundo turno da eleição.

“As fartas provas coligidas aos autos demonstram a veiculação sistemática e massiva, durante todo o período eleitoral, pelo Jornal O Fluminense, de matérias desfavoráveis apenas ao então candidato Rodrigo Neves”, afirma o procurador Flávio Paixão de Moura Júnior no parecer oficial.

Conluio e conteúdo antecipado

Um dos elementos mais graves destacados pelo MPE é a existência de conluio entre Carlos Jordy e a direção do jornal. O procurador cita como indício o fato de Jordy ter publicado em suas redes sociais uma matéria do jornal antes mesmo de ela ser divulgada oficialmente. Segundo o parecer, a prática revela acesso prévio ao conteúdo e coordenação direta.

A Procuradoria conclui que Jordy não foi apenas beneficiado, mas contribuiu ativamente para a prática ilícita, o que justifica a aplicação da pena de inelegibilidade por oito anos conforme a Lei Complementar nº 64/1990.

Apoio religioso como estratégia de campanha

Durante a campanha eleitoral de 2024, o deputado federal Carlos Jordy fortaleceu sua imagem junto ao eleitorado evangélico. Ele se declara cristão e manteve uma relação próxima e estratégica com líderes religiosos, com destaque para encontros e alianças firmadas com pastores influentes. Um dos principais episódios ocorreu em outubro de 2024, quando Jordy reuniu cerca de 250 pastores evangélicos em um evento de apoio à sua candidatura, em Niterói. Na ocasião, ele reforçou seu compromisso com “valores cristãos”, criticou o que denomina “comunismo” e fez uso da menção à importância da fé em Deus como parte de sua plataforma política.

Imagem: reprodução / O Fluminense

Além disso, Jordy assinou uma carta-compromisso proposta pelo pastor da Igreja Batista da Lagoinha Felippe Valadão, que exigia dos candidatos à Prefeitura o compromisso de “respeitar valores cristãos”, se posicionar contra a chamada “ideologia de gênero” e “tomar medidas contra atos que atentem contra esses princípios, especialmente nas escolas públicas”. Jordy assinou prontamente o documento e criticou seu adversário Rodrigo Neves por, segundo ele, “agir com oportunismo” em relação ao apoio evangélico.

Distribuição gratuita e estratégia de última hora

O documento do MPE também reforça que, às vésperas do segundo turno, O Fluminense intensificou a distribuição de edições impressas gratuitamente pela cidade, com matérias que associavam Rodrigo Neves à corrupção e à compra de votos, sem provas ou direito de resposta.

Esse tipo de ação, segundo o parecer, “tem aptidão para desequilibrar a disputa eleitoral e comprometer a normalidade e a legitimidade do pleito”. Apesar de Jordy não ter vencido as eleições, o procurador destaca que a sanção de inelegibilidade independe do resultado final.

O parecer foi encaminhado ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE), que deve julgar o recurso nas próximas semanas. A ação é movida pela coligação “Por Amor a Niterói”, encabeçada por Rodrigo Neves, reeleito prefeito com 57,20% dos votos válidos.

A sentença de primeira instância havia julgado improcedente a ação, mas o Ministério Público e os autores do processo recorreram. Para o MPE, a decisão anterior falhou ao ignorar a gravidade das circunstâncias e o impacto da cobertura enviesada do jornal.

Caso o TRE aceite o recurso, Carlos Jordy poderá ficar inelegível até 2032, o que inviabilizaria uma possível candidatura à Prefeitura de Niterói ou à reeleição para deputado federal em 2026.

Atualmente, Jordy, 43 anos, é vice-líder da minoria na Câmara, conhecido  deputado da “tropa de choque” da direita extremista e um dos mais aguerridos aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Notório propagador de conteúdo falso e enganoso, é citado em várias matérias do Bereia.

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Imagem de Capa: Bruno Spada/Câmara dos Deputados

Vídeo crítico ao deputado Nikolas Ferreira o associa ao tráfico de drogas com apelo a desinformação sobre “narcopentecostalismo”

Um vídeo com críticas ao deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) e os recentes casos de ilegalidades  envolvendo a família do político foi publicado em mídias sociais pelo vereador de Belo Horizonte Pedro Rousseff (PT-MG), em 1 de junho passado. O conteúdo traça uma relação entre o deputado federal e o crime organizado na comunidade “Cabana do Pai Tomás”, em Belo Horizonte (MG). São usadas as noções de  “facção evangélica” e “narcopentecostalismo” para  criticar o vínculo de Nikolas Ferreira com pessoas ligadas ao crime organizado na região, uma vez que ele é declaradamente evangélico. 


Fonte: Reprodução perfil do vereador Pedro Rousseff no Instagram

O que Bereia checou no vídeo de Pedro Rousseff?

No vídeo, o vereador mineiro relaciona Nikolas Ferreira, que é membro da Comunidade Evangélica Graça e Paz em Belo Horizonte (MG), à facção criminosa do Rio de Janeiro, Terceiro Comando Puro (TCP), que usa símbolos cristãos e cujos membros se autointitulam evangélicos. Rousseff se baseia na informação de que os narcotraficantes cariocas passaram a dominar a comunidade “Cabana do Pai Tomás”, na capital mineira, reduto eleitoral do deputado do PL, logo depois de ele ter sido eleito.

Imagem: reprodução do site do deputado federal Nikolas Ferreira

De fato, nos últimos anos, o Terceiro Comando Puro (TCP) assumiu o controle da comunidade “Cabana do Pai Tomás” e assumiu o tráfico de drogas na região. Entretanto, não há nenhuma prova que ligue os criminosos cariocas a Nikolas Ferreira ou à sua família.  

Fonte: Reprodução site jornal O Tempo

O vídeo é um dos muitos conteúdos publicados depois da  prisão de Glaycon Raniere de Oliveira Fernandes, primo de Nikolas Ferreira, por tráfico de drogas. Ele foi detido com 30kg de maconha e quatro gramas de cocaína, em 30 de maio passado. 

As críticas emergiram nas redes digitais pois, além da relação de parentesco, há um vínculo político  do deputado mineiro com o traficante preso. Glaycon Fernandes é filho do ex-candidato a prefeito de Nova Serrana (MG)  Enéas Fernandes (PL), tio de Nikolas Ferreira. O município foi beneficiado com R$ 1,5 milhão em verbas de emenda parlamentar de Ferreira, conforme  ele mesmo divulgou em sua conta no X. Em depoimento, o primo do deputado do PL disse que estava levando a droga para Nova Serrana. 


Fonte: Reprodução do perfil de Nikolas Ferreira no X

Os conteúdos críticos, como o vídeo de Pedro Rousseff, têm como alvo também o fato de o deputado do PL e seus  aliados do partido, como o tio de Nova Serrana, fazerem uso de discursos morais contra drogas. Neste contexto há ainda as situações em que estes políticos propagam falsidades relacionadas ao tema para atacar opositores, como ocorreu na campanha eleitoral de 2022. Na ocasião, Nikolas Ferreira acusou publicamente o então candidato a presidente da República Lula de incentivar o uso de drogas por crianças e adolescentes.

Imagem: Reprodução de notícia no site UOL, publicada em 10 out 2022

Na checagem do vídeo de Pedro Rousseff, Bereia se deteve no apelo às noções de “facção evangélica” e “narcopentecostalismo”, que caracterizam desinformação relacionada à religião. Bereia já publicou matérias que refutam e explicam porque o uso de expressões como estas, que relacionam o tráfico à religião evangélica, são equivocadas. 

Traficante evangélico?

Várias mídias noticiosas estão revendo a forma de apresentar o tema da instrumentalização da fé cristã por criminosos. Matérias jornalísticas recentes abordaram o chamado Complexo de Israel – conjunto de comunidades do Rio de Janeiro comandadas por traficantes autointitulados evangélicos. Porém, apesar de continuarem a usar o termo “traficante evangélico”, portais noticiosos como o G1, Brasil de Fato, entre outros, não mencionaram o termo “narcopentecostalismo” nos textos. 

A Folha de S. Paulo, por sua vez, não rotula os criminosos como evangélicos, usa o termo mais apropriado, “autointitulados evangélicos”. Já o jornal Extra, que circula na capital fluminense, nem sequer cita a filiação religiosa dos traficantes do Complexo de Israel, envolvidos em confronto com a polícia, ocorrido neste 10 de junho. 

Imagem: Reprodução do site da Folha de São Paulo

Em artigo para a Folha de S. Paulo, o doutor em Teologia pela Universidade de Aberdeen, pastor presbiteriano, psicólogo e líder do movimento Pastores pela Vida (Visão Mundial) Daniel Guanaes critica a forma como a relação entre o crime e a fé evangélica tem sido tratada na imprensa. “Como líder religioso, o tema me sensibiliza. Mas minha angústia é pastoral. Como uma pessoa pode estar na igreja e no tráfico? (…) A conversão a um novo tipo de vida é mais importante do que a adesão ao seu grupo social. Não é possível separar uma religião de sua ética”, ressalta o pastor. 

Guanaes recorre a dois personagens da Bíblia para exemplificar o que diz. “Quando um traficante se declara evangélico, a primeira pergunta entre os fiéis é se ele abandonou o tráfico. Essa é a prova de que ele se converteu. Na Bíblia, seria como Saulo de Tarso virando o apóstolo Paulo. Ou como Zaqueu, um coletor de impostos corrupto dizendo, depois de se encontrar com Jesus, que restituiria as pessoas que lesou”. 

Para o pastor e teólogo, o crescimento evangélico acelerado na sociedade brasileira pode explicar em parte essa relação nada ortodoxa. “Tudo indica que esse fenômeno ‘narcorreligioso’ seguirá existindo. Não há na religião evangélica uma fiscalização que decide o que ou quem faz parte dela. Ainda que não frequente uma igreja, se um traficante se diz evangélico, quem o proibirá? Seria o mesmo caso ele se apresentasse como praticante de qualquer outra religião. Qualquer tarefa de controle nesse sentido é ineficaz”, argumenta.

Imagem: Reprodução do site da Folha de São Paulo

Bereia já tinha ouvido a doutora em Ciências Sociais, antropóloga, professora da Universidade Federal Fluminense e integrante da equipe do Instituto de Estudos da Religião (ISER) Christina Vital sobre o tema. A pesquisadora, pioneira no estudo sobre a relação entre lideranças do tráfico de drogas e igrejas evangélicas nas periferias do Rio de Janeiro, identificou nos seus estudos, ainda no limiar dos anos 2000, que, na virada dos anos 1990 para os anos 2000 houve uma mudança radical da sociabilidade nas favelas do Rio de Janeiro, no que diz respeito à relação entre religiosidade e tráfico.

“O que acontece em Acari, como em outras favelas, é o crescimento do número de igrejas formando um público cada vez mais numeroso de pessoas que estão nas igrejas. E mesmo aquelas que não estão começam a partilhar daquilo que poderíamos chamar de ‘cultura pentecostal’. Isso é uma marca estética e uma gramática utilizada pelos moradores de modo que os traficantes são influenciados por essas perspectivas compartilhadas de modo mais geral”, explica a doutora. 

Ainda de acordo com Vital, não há base concreta para se denominar tal fenômeno como “narcopentecostalismo”, na atualidade. “Não sabemos do futuro, mas, hoje, não temos uma igreja liderada por alguém que está deliberadamente no crime e que tenha uma liturgia ou teologia voltada somente a esta atividade criminosa. Se é isso que o termo supõe, não se sustenta. A aproximação entre criminosos e redes religiosas não é nova, não foi inventada por evangélicos e nem acontece exclusivamente em torno desta religião”, salienta.

Para a antropóloga, no entanto, a expressão “traficantes evangélicos” tem base concreta para se sustentar, mas deve ser usada com cuidado e ética. “Lancei este termo em 2006 para descrever um fenômeno identificado nas favelas cariocas em que eu pesquisava, e o fiz entre aspas, explicando que não era uma autorreferência dos traficantes em relação a eles mesmos. O termo incomodava muitos evangélicos e evangélicas que se sentiam estigmatizados pelo uso descuidado desta expressão que fazia parecer que sua religião era permissiva em relação ao crime e eles afirmam que não”. 

A pesquisadora alertou: “No entanto, usei esta terminologia pioneira e cuidadosamente para descrever um fenômeno que chamava atenção: a emergência de traficantes que atuavam em favelas e faziam orações publicamente, participavam de cultos, alguns eram dizimistas em grandes denominações, falavam sobre a redução de práticas violentas em seu cotidiano. Além dos pedidos de oração facilmente identificados pela mídia, esses traficantes apoiavam a divulgação da Palavra e a faziam de forma direta, eventualmente”, explica. 

Christina Vital afirmou, entretanto, que ainda não existem dados que comprovem a existência de “narcopentecostalismo” ou “narcorreligião” no Brasil hoje. “Vemos pessoas que estão no crime e se aproximam de religiões, não só evangélicas, mas com isso não podemos dizer que há uma teologia criminal específica, que haja uma igreja de traficantes, para traficantes, propagando valores criminosos, violentos e o uso de drogas à luz da Bíblia ou de qualquer livro sagrado”. 

Vital faz um alerta para a desinformação carregada pelo uso desses termos. “Estes termos atendem mais a um anseio sensacionalista de uma mídia e de pesquisadores mal-intencionados ou não tão bem informados”, pontua a professora que coordena o Laboratório de Estudos Sócio Antropológicos em Política, Arte e Religião (Lepar/UFF).

Na mesma reportagem do Bereia, a teóloga, pastora e autora do livro “Traficantes evangélicos: Quem são e a quem servem os novos bandidos de Deus”, Viviane Costa, aborda o aspecto preconceituoso que essas expressões carregam. “O termo ‘narcopentecostalismo’ é equivocado e vem se revelando como parte de um alinhamento preconceituoso midiático contra evangélicos pentecostais. ‘Narcopentecostalismo’ força a ideia de exclusividade e até de ineditismo da presença de religiões em dinâmicas do crime”, enfatiza. 

Ainda sobre o tema, em outro veículo, Costa fala sobre as relações religiosas que sempre se deram entre criminosos. “Religião e o crime sempre se entrelaçaram no Brasil. No passado, traficantes pediam proteção a entidades afro-brasileiras e santos católicos. Se olharmos para o nascimento do Comando Vermelho e depois do Terceiro Comando e do TCP, a presença do catolicismo e das religiosidades afro estão ali desde a sua gênese”, descreve a pastora.

Viviane Costa pondera que  “vamos ver a presença de São Jorge, a presença de Ogum, os corpos fechados, as tatuagens, as guias, os crucifixos, os cultos, as velas, as oferendas. Por isso, chamar de narcopentecostalismo é reduzir essa relação tão presente, tão sólida, tão histórica e tradicional do crime com a religião”, analisa a teóloga que prefere falar em uma “narcorreligiosidade”. A teóloga explica que isto tem ligação com “uma relação entre religião e tráfico que sempre existiu e agora se reconfigurou para abarcar a crença evangélica, reflexo do espaço e expressão que esta ganhou na sociedade”.

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Bereia checou o vídeo divulgado nas mídias sociais pelo vereador de Belo Horizonte Pedro Rousseff, pelo qual faz críticas à política do deputado federal Nikolas Ferreira e da ligação dos parentes dele, do interior de Minas Gerais, também políticos, com o tráfico de drogas. Apesar de considerar que as suspeitas de que o parlamentar teria relações com novos narcotraficantes na capital daquele estado são lançadas sem indicação de comprovação, Bereia se deteve no uso de desinformação como apelo no vídeo. O vereador mineiro da esquerda fez uso das noções de “facção evangélica” e “narcopentecostalismo”, em contraposição ao fato de Nikolas Ferreira ser evangélico, e elas representam desinformação promotora de intolerância.

Como esta matéria recupera, diante das evidências apresentadas por pesquisadores e analisadas por Bereia, fica nítido que o termo “narcopentecostalismo” — assim como suas variações, como “narcopastor” e “traficantes evangélicos” — carece de base teológica e sociológica. Sua utilização pelas mídias distorcem realidades complexas vividas nas favelas brasileiras, onde há uma coabitação tensa entre igrejas e o tráfico de drogas, mas não uma fusão entre fé e crime. 

Chamar esse fenômeno de “narcopentecostalismo” é sensacionalismo. É espalhar uma ideia deturpada que prejudica a compreensão do que realmente acontece nesses territórios. Bereia alerta leitores e leitoras que esta expressão simplifica uma realidade complexa e contribui para reforçar preconceitos contra os evangélicos, alimentando a intolerância religiosa. 

Abordagens críticas no espaço político são importantes, bem como a denúncia de instrumentalização da religião para campanhas, mas é preciso rever argumentos que, ao invés  de ajudarem a sociedade a entender os desafios enfrentados por igrejas nas periferias, espalham desinformação e fortalecem julgamentos contra um grupo religioso que também é alvo de intolerância.  

Referências de checagem:

BBC. 

https://www.bbc.com/portuguese/articles/cj5ej64934mo  Acesso em: 10 JUN 2025

https://www.bbc.com/portuguese/articles/ce8nwrp253jo Acesso em: 10 JUN 2025

G1

https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2025/06/10/policia-encontra-base-no-complexo-de-israel.ghtml Acesso em: 10 JUN 2025

https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2025/06/10/avenida-brasil-fechada.ghtml

Folha de SP

https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2025/06/falsa-igreja-no-complexo-de-israel-era-usada-como-fortaleza-de-traficantes-diz-policia.shtml Acesso em: 10 JUN 2025

https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2025/06/conheca-o-tcp-faccao-que-domina-o-complexo-de-israel-e-alvo-de-operacao-policial-no-rj.shtml Acesso em: 11 JUN 2025

https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2024/07/evangelico-pode-ser-traficante.shtml Acesso em: 11 JUN 2025

https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2024/11/faccao-carioca-que-usa-simbolos-de-israel-e-alvo-de-operacao-em-comunidade-de-bh.shtml Acesso em: 11 JUN 2025

CNN

https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/sudeste/rj/traficante-gospel-torturador-e-alvo-de-operacao-no-rj-veja-quem-e-peixao/ Acesso em: 11 JUN 2025

https://www.cnnbrasil.com.br/politica/nikolas-apos-prisao-de-primo-quem-e-preso-com-drogas-merece-cadeia/ Acesso em: 10 JUN 2025

https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/sudeste/mg/primo-de-nikolas-ferreira-e-preso-com-30-kg-de-maconha-no-porta-malas/ Acesso em: 10 JUN 2025

Revista Fórum

https://revistaforum.com.br/politica/2025/6/2/nikolas-ferreira-tem-que-explicar-uso-de-r-15-mi-que-enviou-pelo-pai-do-primo-preso-180564.html Acesso em: 10 JUN 2025 

Jornal Extra

https://extra.globo.com/rio/casos-de-policia/noticia/2025/06/complexo-de-israel-veja-como-atuavam-os-nucleos-liderados-por-peixao-contra-as-forcas-de-seguranca-do-rio.ghtml Acesso em: 11 JUN 2025

O Tempo

https://www.otempo.com.br/cidades/2024/11/27/conheca-a-faccao-criminosa-que-se-intitula-crista-e-domina-o-tra Acesso em: 11 JUN 2025

Estado de Minas

https://www.em.com.br/politica/2025/05/7160645-primo-de-nikolas-e-preso-com-30kg-de-maconha-e-janones-levanta-suspeitas.html Acesso em: 11 JUN 2025

Ataques a Marina Silva em comissão do Senado partiram de senadores com identidade cristã 

Bereia levantou os perfis dos dois agressores e da ministra do Meio Ambiente e Mudança no Clima 

No final de maio de 2025, a  ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima Marina Silva, foi alvo de ataques verbais por parte dos senadores Plínio Valério (PSDB-AM) e Marcos Rogério (PL-RO) durante uma sessão da Comissão de Infraestrutura do Senado. 

Os episódios, marcados por misoginia e desrespeito, não são casos isolados, mas expressam uma escalada do tensionamento político em torno das pautas ambientais no Congresso. Os dois senadores, ligados à bancada ruralista, têm histórico de confrontos com movimentos socioambientais e reforçam, em seus discursos, uma retórica hostil às políticas de preservação ambiental e de defesa dos povos da floresta.

O convite para participação da ministra Marina Silva na comissão do Senado partiu, formalmente, de um requerimento do senador Lucas Barreto (PSD-AP), sob o argumento de discutir a criação de unidades de conservação marinha na região Norte e seus possíveis impactos sobre a prospecção de petróleo na Margem Equatorial do Amapá. A audiência, rapidamente, deixou de ser um debate técnico e transformou-se em uma armadilha discursiva para desferir ataques pessoais à ministra. 

Como parte do compromisso do Bereia com a circulação de informação qualificada sobre religião, foram levantados os perfis dos dois senadores e da ministra envolvidos no caso, diante da repercussão que ele ganhou nas mídias digitais, uma vez que os três têm identidade religiosa. 

Marcos Rogério: a face legalista do ruralismo radical

O presidente da Comissão de Infraestrutura do Senado Marcos Rogério iniciou sua trajetória política no PDT. Eleito vereador em Ji-Paraná (RO) em 2008, logo despontou na política estadual. Foi eleito deputado federal, em 2010, e, em 2014, foi o segundo mais votado no estado. Em 2016, trocou o PDT pelo DEM. Em 2018, com a alavancada da extrema direita no processo eleitoral, Rogério alcançou o topo das urnas: foi o senador mais votado de Rondônia, com 324.939 votos (24,06%). Em 2020, ingressou no PL,como fizeram vários apoiadores de Jair Bolsonaro, quando o então presidente da República migrou do PFL para este partido.

Jornalista e radialista, formado evangélico nas Assembleias de Deus, Marcos Rogério construiu sua carreira sobre pautas conservadoras, especialmente ligadas à segurança pública, religião e defesa do agronegócio. Ele integra a Frente Parlamentar Evangélica no Senado Federal.

Durante os primeiros anos de mandato no Senado, foi vice-líder do governo Jair Bolsonaro e um dos principais articuladores da base bolsonarista. Em 2021, notabilizou-se como um dos defensores mais aguerridos do governo na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Pandemia, na tentativa de blindar o presidente da República em meio às denúncias de negligência e corrupção. Já propôs projetos de endurecimento penal, como o Projeto de Lei que trata invasões de terra como terrorismo, e defendeu a flexibilização do armamento no campo.

Em 2022, foi candidato ao governo de Rondônia e chegou ao segundo turno, mas acabou derrotado por Marcos Rocha (União Brasil). Atualmente, preside a Comissão de Infraestrutura do Senado, cargo que já havia ocupado entre 2019 e 2020.

Marcos Rogério é membro da Frente Parlamentar da Agropecuária e relator de projetos polêmicos, como o PL do Marco Temporal, que busca limitar a demarcação de terras indígenas — proposta considerada inconstitucional pelo STF, mas amplamente defendida por ruralistas. Também articula medidas para flexibilizar normas ambientais, incluindo a tentativa de anular decretos antifogo do governo federal em meio aos recordes de queimadas na Amazônia e no Pantanal.

Articulado com as estratégias políticas que caracterizam a direita extremista no Brasil e em outras partes do mundo, o  senador do PL é notório propagador de desinformação em mídias digitais. Bereia já checou declarações de Marcos Rogério durante a CPI da Pandemia, como uso de vídeos fora de contexto sobre cloroquina, alegação enganosa sobre repasses federais, falsa narrativa sobre interferência do STF e manipulação de fala de médicos e governadores. 

Plínio Valério: o antiambientalismo que se veste de soberania

Plínio Valério teve uma trajetória política marcada por instabilidade e sucessivas derrotas até conquistar o Senado em 2018. Passou por cinco partidos ao longo da carreira: PDT (1979–2001), PV (2001–2007), PTB (2007–2009), DEM (2009–2011) e, desde então, está filiado ao PSDB. Foi vereador em Manaus por dois mandatos, mas enfrentou diversos fracassos eleitorais: foi derrotado nas disputas para o Senado (2002 e 2006), para a Prefeitura de Manaus (2004), para deputado federal (2010) e para deputado estadual (2014). 

Em 2010, assumiu, por nove meses, o mandato de deputado federal como suplente. Sua primeira vitória só veio em 2018, quando, na esteira da consolidação da extrema direita e do discurso antipetista, foi eleito senador pelo Amazonas com mais de 834 mil votos. 

Plínio Valério expõe publicamente sua fé como cristão católico:

Imagem: Reprodução de publicação no perfil do X do senador Plínio Valério

Imagem: Reprodução de publicação no perfil do Instagram do senador Plínio Valério

Após sua eleição ao Senado, Valério aprofundou o alinhamento com as políticas do  presidente Jair Bolsonaro e com as bandeiras da extrema direita. Defendeu abertamente os acampamentos golpistas em frente a quarteis e manifestou apoio à tese do impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal. Também posicionou-se em favor da flexibilização do porte e posse de armas no país. 

A atuação política do senador é marcada pela articulação de um discurso nacionalista, com críticas contundentes a organizações não governamentais (ONGs) que atuam na Amazônia. Em 2023, presidiu a Comissão Parlamentar de Inquérito das ONGs, pela qual acusou essas entidades de operarem como “poder paralelo” na região.

O colunista da Agêncioa Pública Rubens Valente explica que a chamada CPI das ONGs, instalada no Senado sob forte influência da direita, foi criticada por não apresentar um fato determinado — requisito básico para sua legalidade — e por ter um escopo tão amplo (21 anos de repasses a centenas de milhares de entidades) que se torna ineficaz e impossível de investigar de forma séria. 

A iniciativa, liderada pelo senador Plínio Valério (PSDB-AM), resgatou teorias conspiratórias antigas sobre ONGs na Amazônia e ignorou o papel já desempenhado por órgãos oficiais de fiscalização, como o TCU e a CGU. 

Com requerimentos genéricos e convites a figuras negacionistas e ex-gestores ligados ao governo Bolsonaro, a CPI se desenhou como um palco de desinformação, mais preocupada em desgastar adversários do que em apurar irregularidades reais. Dois senadores membros da CPI  deviam, à época, R$ 548 mil em multas ao Ibama. 

Charge: marioadolfo.com 

Entre as principais bandeiras de Plínio Valério está a defesa da pavimentação da BR-319, rodovia que liga Manaus a Porto Velho, projeto criticado por ambientalistas devido ao potencial impacto destrutivo na região. Plínio Valério é também proprietário de um imóvel irregular em área de proteção ambiental. 

Além disso, segundo investigação da Agência Pública, Valério apresentou, em 1983, cinco requerimentos para pesquisa de ouro em uma área de 5 mil hectares no município de São Gabriel da Cachoeira (AM), região com presença de povos indígenas e reservas ambientais. Todos os pedidos foram rejeitados pela Agência Nacional de Mineração (à época, DNPM) por sobreposição com áreas protegidas. Questionado sobre o caso, o atual senador alegou que os requerimentos teriam sido feitos com “interesse jornalístico”, com o intuito de investigar a atuação de ONGs na Amazônia. 

Charge: https://marioadolfo.com/ 

Um relatório do projeto Amazônia Livre de Fake, coordenado pelo Intervozes e outras 14 organizações, apontou o senador Plínio Valério como um dos principais propagadores de desinformação socioambiental na Amazônia Legal. 

Ao lado de outros políticos, Valério disseminou conteúdos negacionistas sobre a crise climática, atacou ONGs e defendeu obras como a BR-319, minimizando seus impactos ambientais. Parte dessas postagens foi impulsionada com dinheiro público, ampliando seu alcance nas redes.

Imagem: https://amazoniareal.com.br/ 

O antropólogo e professor universitário José Ribamar Bessa Freire, pesquisador renomado da cultura amazônica e das populações indígenas, já foi professor de Plínio Valério e da ministra Marina Silva nos anos 1970 e escreveu duas crônicas contundentes sobre o senador. 

Em Carta fechada ao senador Plínio Valério e Enforcando o senador Plínio Valério, meu ex-aluno, publicadas no site Taquiprati, Bessa Freire resgata com ironia e pesar a trajetória de seu ex-aluno — hoje, em suas palavras, um político que “transformou o mandato em arma contra a floresta e os povos que nela vivem”.

Nas crônicas, o professor critica a atuação de Valério na CPI das ONGs, sua retórica agressiva contra ambientalistas e a defesa da pavimentação da BR-319 a qualquer custo. Segundo Bessa, o senador se tornou símbolo de um antiambientalismo que fala em nome da soberania nacional enquanto, na prática, abre caminho para a grilagem, o desmatamento e o lucro fácil de poucos. Ele acusa Valério de ignorar os saberes tradicionais e a ciência, e de promover uma guerra cultural contra a floresta em nome de uma ideia distorcida de “progresso”.

Marina Silva: uma vida entre a floresta, a fé e o fogo cruzado político

Filha de seringueiros do Acre, alfabetizada apenas aos 16 anos e sobrevivente de malária, hepatite e mercúrio, Marina Silva construiu uma das trajetórias mais respeitadas na política ambiental global. Ex-seringueira, formou-se em História, tornou-se vereadora, deputada estadual, senadora e ministra do Meio Ambiente no primeiro governo Lula.

Desde o início, atuou em defesa dos povos tradicionais da floresta e da preservação da Amazônia — enfrentou interesses econômicos poderosos e o escárnio de adversários políticos de todos os espectros.

Durante sua primeira passagem pelo Ministério do Meio Ambiente (2003–2008), no primeiro mandato de Lula na Presidência da República, Marina Silva implementou a mais bem-sucedida política de combate ao desmatamento da história brasileira, derrubando os índices de destruição da floresta com medidas estruturais e articulações interministeriais. 

No entanto, deixou o cargo após embates com a então ministra-chefe da Casa Civil Dilma Rousseff. Um dos estopins foi o projeto da usina hidrelétrica de Belo Monte, que Marina Silva sempre considerou um desastre socioambiental — noção, confirmada por estudos e reportagens, como o livro Brasil, construtor de ruínas, de Eliane Brum que descreve a devastação, os conflitos, as violações de direitos humanos e o colapso social deixado pela obra.

Ao deixar o governo em 2008, Marina Silva desvinculou-se do PT e fundou, em 2015,  o partido sob sua liderança, a Rede Sustentabilidade. Foi pela Rede que ela se candidatou a presidente da República em três pleitos, o que lhe gerou ataques intensos. Eles ocorreram quando se lançou como candidata em 2010 e, especialmente, em 2014, quando foi alvo de campanhas difamatórias da direita e da esquerda.  Em 2018, o próprio PT conduziu uma campanha marcada por desinformação, como a ideia de que Marina acabaria com o Bolsa Família ou entregaria o Brasil aos bancos. 

Nas eleições de 2022, rompeu anos de silêncio e se aproximou novamente do então candidato Lula. A ambientalista candidatou-se pela Rede a deputada federal por São Paulo, tendo sido eleita com 237.526 votos.Com a vitória de Lula e a construção do novo governo, Marina Silva aceitou retornar ao governo federal e assumir o Ministério do  Meio Ambiente e Mudança do Clima. 

Marina Silva durante campanha eleitoral de 2022. Foto: Ricardo Stuckert

Apesar de sua trajetória reconhecida internacionalmente — com prêmios como o Goldman Environmental Prize e convites para palestrar em fóruns mundiais de ampla repercussão —, Marina Silva segue sendo alvo frequente de desqualificação no Brasil, da parte de lideranças políticas e outras personagens ligadas ao agronegócio, a hidrelétricas, a mineradoras e outros grupos interessados na exploração predatória do meio ambiente. 

A ministra é tratada com frequência como “empecilho ao progresso”, numa inversão retórica que revela a profunda resistência a modelos de desenvolvimento que incluam justiça socioambiental. A Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas, por exemplo, aprovou moção de repúdio a Marina Silva, projeto do deputado estadual Delegado Péricles (PL), que a criticou por considerar que ela representa um empecilho ao desenvolvimento da região.

Marina Silva foi formada nas comunidades de base da Igreja Católica no Acre, tendo se tornado, depois, evangélica, membro da Assembleia de Deus — uma dimensão por vezes esquecida em sua figura pública. Na identidade cristã ela afirma fazer uma síntese da primeira formação com a experiência da conversão a outra confissão de fé. 

O episódio na Comissão de Infraestrutura: ataques à Marina Silva e omissão institucional

A audiência da Comissão de Infraestrutura do Senado foi presidida pelo senador Marcos Rogério (PL-RO), em 27 de maio, e o tom do debate escalou rapidamente para a hostilidade quando o senador Plínio Valério (PSDB-AM) passou a questionar duramente a ministra. 

Depois de discordar dos dados e argumentos apresentados por Marina Silva, com referência a suposta demora em conceder licenças ambientais, e ouvir da ministra que demandava respeito dos senadores, Valério afirmou: “A mulher merece respeito, a ministra, não”. A frase foi proferida com ironia, num tom acusatório e desdenhoso, o que levou a ministra a pedir a palavra e se retirar da audiência, dizendo: “Eu sou uma mulher, e não admito ser desrespeitada”.

Antes disso, Valério já havia proferido, em 13 de março, durante evento na Federação do Comércio do Amazonas, a seguinte frase: “Tolerar Marina por 6 horas e 10 minutos sem enforcá-la é muito”. Como Bereia checou e alertou leitores e leitoras, o acúmulo de declarações agressivas revela não apenas uma estratégia de desestabilização da interlocutora, mas também uma prática contínua de violência política de gênero.

Durante o episódio na Comissão de Infraestrutura, o presidente da sessão, senador Marcos Rogério, se absteve de intervir para garantir a ordem ou mediar o respeito entre os parlamentares. Ao contrário, reforçou o tom agressivo ao não permitir que a ministra contradissesse afirmações questionáveis dos senadores, ao dizer a ela que“deveria se pôr no seu lugar”. A declaração, amplamente criticada por movimentos sociais e parlamentares progressistas, depois de propagada no noticiário, foi vista como um endosso à violência verbal praticada por Valério.

O líder do governo no Senado Rogério Carvalho (SE) e parlamentares da base, como a senadora Eliziane Gama (PSD-MA) e o senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), se pronunciaram tanto durante a sessão quanto fizeram publicações, em mídias sociais, em repúdio ao episódio. O presidente Luis Inácio Lula da Silva ligou para a ministra para manifestar apoio e condenar a agressão praticada contra ela. 

A sessão evidenciou, mais uma vez, como a pauta ambiental se tornou campo de batalha ideológica no Congresso Nacional — onde o debate técnico é frequentemente substituído por ataques pessoais, negacionismo climático e misoginia explícita. O Código de Ética do Senado prevê sanções para condutas desrespeitosas entre parlamentares — algo que não foi sequer cogitado pela Presidência da Casa, em relação a este caso.

Marina Silva, que já havia sido alvo de campanhas difamatórias em outras gestões, na atual segue como um dos principais focos de hostilidade por parte de parlamentares ligados ao agronegócio, como Bereia já informou. 

Referências: 

De Olho nos Ruralistas – https://deolhonosruralistas.com.br/   Acesso em: 28 Mai 2025 

Senado Federal – https://www25.senado.leg.br   Acesso em: 28 Mai 2025 

BBC Brasil – https://www.bbc.com/portuguese   Acesso em: 28 Mai 2025 

O Globo – https://oglobo.globo.com   Acesso em: 28 Mai 2025 

Folha de S. Paulo – https://www1.folha.uol.com.br   Acesso em: 28 Mai 2025 

Livro: BRUM, Eliane. *Brasil, construtor de ruínas*. Companhia das Letras, 2019. 

Senado

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2025/05/27/marina-silva-abandona-audiencia-na-ci-apos-discussao-com-senadores Acesso em: 28 Mai 2025 

Agência Brasil

https://agenciabrasil.ebc.com.br/meio-ambiente/noticia/2025-05/saiba-como-se-formaram-margem-equatorial-e-o-petroleo-da-regiao Acesso em: 28 Mai 2025 

Site taquiprati

https://www.taquiprati.com.br/ Acesso em: 28 Mai 2025 

https://www.taquiprati.com.br/cronica/1766-enforcando-o-senador-plinio-valerio-meu-exaluno  Acesso em: 28 Mai 2025 

https://www.taquiprati.com.br/cronica/1679-carta-fechada-ao-senador-plinio-valerio?utm_source=chatgpt.com Acesso em: 28 Mai 2025 

Revista Cenarium

https://revistacenarium.com.br/cientista-rebate-senador-do-amazonas-sobre-br-319-um-negacionista/?utm_source=chatgpt.com Acesso em: 28 Mai 2025 

https://marioadolfo.com/ditoefeito/ Acesso em: 28 Mai 2025 

De olho nos ruralistas

https://deolhonosruralistas.com.br/2023/12/06/senadores-da-cpi-das-ongs-devem-r-548-mil-em-multas-ao-ibama/ Acesso em: 28 Mai 2025 

https://deolhonosruralistas.com.br/2023/12/05/presidente-da-cpi-das-ongs-possui-imovel-irregular-em-reserva-ambiental-na-amazonia/ Acesso em: 28 Mai 2025 

https://agenciacenarium.com.br/longe-dos-holofotes-senador-plinio-valerio-reaparece-para-defender-atos-golpistas-e-impeachment-de-ministro-do-stf/?utm_source=chatgpt.com Acesso em: 28 Mai 2025 

Amazonia Real

https://amazoniareal.com.br/ Acesso em: 28 Mai 2025 

 https://amazonialivredefake.intervozes.org.br/ Acesso em: 28 Mai 2025 

Coletivo Intervozes 

https://intervozes.org.br/publicacoes/relatorio-amazonia-livre-de-fake-2024/ Acesso em: 28 Mai 2025 

Governo Federal

https://www.gov.br/povosindigenas/pt-br/assuntos/noticias/2023/09/senado-federal-aprova-o-inconstitucional-pl-do-marco-temporal-contrariando-recente-decisao-do-stf Acesso em: 28 Mai 2025 

Agência Pública 

https://apublica.org/2023/11/presidente-de-cpi-das-ongs-tentou-licenciar-exploracao-de-ouro-na-amazonia/ Acesso em: 28 Mai 2025 

https://mailchi.mp/apublica/newsletter-brasilia-a-quente-020?e=3bb95a6af0 Acesso em: 28 Mai 2025  

 https://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1405200802.htm Acesso em: 28 Mai 2025 

https://brasil.elpais.com/brasil/2014/09/22/politica/1411413204_446746.html Acesso em: 28 Mai 2025 

https://bdm.unb.br/bitstream/10483/22549/1/2017_SabrinaBomtempoRodrigues_tcc.pdf Acesso em: 28 Mai 2025 

Estado de Minas

https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2021/06/25/interna_politica,1280650/rolando-lero-na-cpi-personagem-viraliza-apos-fala-de-marcos-rogerio.shtml Acesso em: 28 Mai 2025 

https://www.goldmanprize.org/recipient/marina-silva/ Acesso em: 28 Mai 2025 

Revista Exame

https://exame.com/mundo/marina-silva-defende-adiamento-leilao-belo-monte-548550/ Acesso em: 28 Mai 2025 

Revista Época

https://epoca.globo.com/brasil/noticia/2018/03/o-legado-de-violencia-deixado-pela-usina-de-belo-monte.html Acesso em: 28 Mai 2025 

Senado

https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/148850#:~:text=Projeto%20de%20Lei%20n%C2%B0%202250%2C%20de%202021&text=2021%20Descri%C3%A7%C3%A3o%2FEmenta-,Altera%20o%20art.,p%C3%BAblica%2C%20como%20ato%20de%20terrorismo. Acesso em: 28 Mai 2025 

 https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/06/12/ccj-derruba-decreto-que-flexibiliza-porte-de-arma-materia-segue-para-o-plenario Acesso em: 28 Mai 2025  

Interferência de religiosos na educação: professor perseguido por aula com mitologias africana e grega pede demissão de escola municipal

Um professor de história pediu desligamento de uma escola municipal em Ilhabela (Litoral de São Paulo), que segue o modelo cívico-militar. Ele alega  ter adoecido por conta do constrangimento público que sofreu por ter usado símbolos da mitologia africana e grega em aula sobre o conceito de tempo. A atividade em questão foi ministrada para turmas do sexto ano do ensino fundamental, questionada por responsáveis de alunos ligados a grupos religiosos e criticada publicamente por um vereador, durante sessão plenária da Câmara Municipal da cidade. 

Bereia teve acesso à matéria do UOL sobre o caso e buscou aprofundar as informações, para que não seja tomado como algo isolado, como se pode observar por conta de outras checagens e reportagens.

Entenda o caso

O doutorando em História, professor César Augusto Mendes Cruz, ministrou, na primeira quinzena de fevereiro passado, aula sobre o conceito de tempo sob diferentes perspectivas culturais, para turmas do sexto ano da Escola Municipal (Cívico-Militar) Major Olímpio, em Ilhabela (SP). Segundo o professor, o objetivo era mostrar como diferentes civilizações compreendem e representam o tempo, utilizando referências da mitologia africana e grega. 

O mito iorubá de Irokô foi usado para apresentar o tempo como uma entidade simbólica nas culturas de matriz africana; e a figura do titã Cronos, na grega. A aula foi ilustrada por três obras de arte europeias que representam o tempo como um homem idoso: uma pintura de Francisco Goya, uma de Peter Paul Rubens e uma de Jacopo del Sellaio; a canção “Oração ao Tempo”, de Caetano Veloso, foi usada para concluir a reflexão.

O conteúdo, no entanto, foi alvo de críticas de natureza religiosa e ideológica da parte de responsáveis pelos estudantes e da direção da escola, o que gerou forte repercussão. Ainda em fevereiro, o professor foi convocado para uma reunião com integrantes do alto escalão da Secretaria Municipal de Educação (SME) de Ilhabela. De acordo com ele, o encontro, com a presença do secretário adjunto de Educação, um assessor jurídico, coordenadoras pedagógicas e membros da gestão escolar da unidade onde lecionava, ocorreu sem aviso prévio.

“Entrei na sala sem celular, sem testemunhas, sem saber do que se tratava. Fui surpreendido e inquirido por seis pessoas”, declarou. Ainda de acordo com Cruz, os questionamentos giraram em torno de reclamações feitas por pais inconformados com o conteúdo da aula sobre o conceito de tempo, que incluía referências afro-brasileiras.

Posteriormente, César Cruz buscou acesso aos registros da reunião, sem sucesso. Ele afirma ter protocolado três solicitações formais com base na Lei de Acesso à Informação (LAI), pedindo cópia da ata da reunião e das reclamações feitas por familiares. No entanto, segundo o professor, a SME não respondeu dentro dos prazos legais, nem forneceu os documentos requisitados.

Além disso, o educador solicitou por escrito uma retificação da ata da reunião e orientações específicas da secretaria sobre como abordar conteúdos afro-brasileiros no currículo escolar, como exige a Lei 10.639/03, que torna obrigatório o ensino da história e da cultura africana e afro-brasileira. A resposta, segundo ele, só veio parcialmente, semanas depois, sem atender integralmente às demandas.

Vereador do Partido Liberal desinforma em plenário

O caso foi politizado e chegou à Câmara Municipal de Ilhabela. A aula foi alvo de críticas em discurso do vereador Gabriel Rocha (PL) na tribuna da Câmara Municipal de Ilhabela. O parlamentar concentrou sua fala na pintura de Francisco Goya, que representa o deus grego Cronos, também conhecido como Saturno, entre romanos, devorando um filho. O quadro foi uma das imagens apresentadas durante a atividade voltada ao conceito de tempo em diferentes culturas. 

“Essa aula foi dada para crianças de dez anos. O que estão aprendendo é sobre um quadro libidinoso e perturbador”, afirmou na tribuna e ainda disponibilizou o discurso em vídeo divulgado em seu perfil no Instagram. Rocha leu trechos de uma análise psicanalítica que interpretava a obra com referências à “impotência sexual” e “horror canibal”. Ele também admitiu não compreender o assunto abordado em aula. “Talvez eu não entenda muito de história”, disse o vereador que é formado em Fisioterapia e Medicina Chinesa (Acupuntura) e expõe em mídias sociais uma identidade católica.

Além deste vídeo nas mídias sociais, o político de extrema direita publicou outros quatro sobre o professor Cruz e a denúncia. Gabriel Rocha foi o mais votado da legenda nas últimas eleições e foi o idealizador da implantação das escolas cívico-militares no município que é administrado pelo prefeito Toninho Colucci, também do PL. A plataforma das escolas cívico-militares vem sendo implementada no estado pelo governador de São Paulo, o capitão do Exército Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Imagem: Reprodução/Instagram


A obra do pintor e escultor espanhol Francisco Goya, produzida em 1819, representa o mito grego de Cronos — ou Saturno, na mitologia romana — que devora os próprios filhos ao saber, por profecia, que seria destronado por um deles. A pintura é conhecida por seus traços sombrios e foi utilizada como um dos exemplos visuais para discutir como diferentes culturas representam o tempo.

Reprodução: quadro “Saturno devorando um filho” de Francisco Goya

Adoecimento

Após as denúncias do vereador Gabriel Rocha e a repercussão do caso, o professor de história César Augusto Mendes Cruz passou a ser perseguido nas redes digitais e em grupos ligados a lideranças religiosas. “Meu nome circulou em grupos de WhatsApp de pastores, e minhas redes sociais foram vasculhadas por familiares de alunos”, afirma.

Cruz atribui ao pronunciamento do parlamentar o agravamento do clima de hostilidade. “Ele ignorou todo o conteúdo plural da aula e reduziu a atividade a uma única imagem, retirada de contexto, como se meu objetivo fosse chocar ou causar perturbação”, diz. Para o docente, a crítica não teve base pedagógica, mas sim caráter político e ideológico. “Essa fala serviu como combustível para os ataques e reforçou minha sensação de isolamento.”

Após ser exposto e atacado, o professor se sentiu acuado e afirmou que não tinha mais condições de permanecer em sala de aula e pediu demissão. “Fiquei doente. E não queria ser mais um educador adoecido num ambiente que normaliza o assédio”, disse.

O que diz a lei?

A Lei nº 11.645/2008 alterou o artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), tornando obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena em todas as escolas de ensino fundamental e médio, públicas e privadas. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. (Nesta alteração de 2008, foi incluída a cultura indígena ao texto de 2003).

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), homologada em 2017, estabelece diretrizes para a educação básica no Brasil e reforça a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena, conforme previsto nas Leis nº 10.639/2003 e nº 11.645/2008.

No componente curricular de História, a BNCC propõe que os estudantes desenvolvam a habilidade de: “Identificar diferentes formas de compreensão da noção de tempo e de periodização dos processos históricos (continuidades e rupturas) ”. (Página 421 da BNCC – EF06HI01)

Entidades acadêmicas, sindicatos de professores e movimentos educacionais divulgaram notas de repúdio, acusando a Prefeitura de Ilhabela de omissão diante do que consideram um caso de censura pedagógica.

O conteúdo apresentado em sala de aula foi respaldado publicamente pela seção paulista da Associação Nacional de História (ANPUH-SP), entidade que representa historiadores no estado. Em nota divulgada nas redes sociais, a organização afirmou que a atividade estava de acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o Currículo Paulista e a Lei 10.639/2003, que trata da obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas. A ANPUH-SP também manifestou repúdio ao que classificou como “obstrução do trabalho como historiador” e “interferência irregular da administração escolar”.

O Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (APEOESP), também publicou nota criticando a postura da gestão escolar diante da pressão exercida por grupos externos. A entidade apontou que o episódio se assemelha à lógica de propostas como a do projeto “Escola Sem Partido” e defendeu a autonomia docente, destacando que o conteúdo fazia parte do currículo oficial e que a liberdade de cátedra deve ser preservada.


Imagem: Reprodução Instagram


Imagem: Reprodução Instagram

Pressões ideológicas na educação

O caso do professor César Augusto Mendes Cruz não é isolado. Nos últimos anos, a educação brasileira tem sido palco de embates ideológicos protagonizados por setores da extrema direita política e religiosa que buscam limitar a autonomia docente e reconfigurar o currículo escolar com base em agendas conservadoras. Essas investidas têm gerado denúncias de censura pedagógica, perseguição a professores e o enfraquecimento de políticas de valorização da diversidade cultural.

Entre os principais instrumentos dessa ofensiva está o Projeto Escola Sem Partido (ESP), apresentado em diversas casas legislativas do país desde 2004. Com o argumento de combater a “doutrinação ideológica”, o projeto, que nasceu no contexto católico romano,  propõe limitar a atuação dos professores, proibindo que expressem opiniões pessoais e tratando temas como gênero, sexualidade, raça e política como potenciais formas de “influência ideológica”.

Embora o ESP nunca tenha sido aprovado em nível federal, diversas versões municipais e estaduais foram propostas ou implementadas. Em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que propostas do tipo violam a liberdade de cátedra e o pluralismo de ideias, princípios constitucionais garantidos pelo artigo 206 da Constituição Federal. Ainda assim, iniciativas informais de fiscalização de professores continuaram ocorrendo. Mesmo sem aprovação legal, ações de intimidação e pressão política foram incentivadas por apoiadores da pauta, levando ao cerceamento informal da prática pedagógica.

Segundo o Mapeamento Educação Sob Ataque, realizado pela Campanha Nacional Pelo Direito à Educação, houve ao menos 201 casos entre 2013 e 2023 envolvendo intimidação a docentes por conteúdo abordado em sala de aula. Um dos episódios relatados ocorreu em Jaguariúna (SP), em 2022, quando um professor foi ameaçado após abordar diversidade sexual e de gênero em aula — o caso ganhou repercussão nacional após ser compartilhado por figuras públicas nas redes sociais, resultando em ataques diretos ao docente e à sua família.

O relatório da Human Rights Watch (HRW), de 2022, também documenta como o clima de censura impulsionado por iniciativas como o projeto “Escola Sem Partido” tem restringido a liberdade de ensinar. A organização relata o caso da professora Sayonara Nogueira, de Uberlândia (MG), que passou a evitar certos temas em aula após sofrer perseguições e vigilância por parte de grupos organizados. O documento aponta que esse tipo de pressão tem levado professores a se autocensurar, com receio de retaliações por parte de famílias, gestores e políticos locais.

Esses episódios exemplificam um cenário mais amplo de hostilidade à autonomia docente e à diversidade de pensamento no ambiente escolar — fenômeno que tem crescido paralelamente ao avanço de pautas ultraconservadoras na política e na educação brasileira.

O que dizem especialistas?

Bereia ouviu a doutora em Ciência da Religião pela Universidade Federal de Juíz de Fora, pesquisadora na área de religião, política, educação, fundamentalismo religioso e ensino religioso, e professora da educação básica Andréa Silveira de Souza. Ela aponta que casos como o do professor de História de Ilhabela revelam o protagonismo da religião cristã conservadora na perseguição a docentes. Segundo ela, essa influência se manifesta tanto de forma explícita, como na polêmica envolvendo o uso de mitos iorubás em sala de aula, quanto de forma implícita, ao estruturar um projeto de controle moral baseado na lógica do “Escola Sem Partido”. 

Para a pesquisadora, o discurso que defende o direito dos pais garantirem uma educação religiosa e moral compatível com suas crenças, mesmo em escolas públicas e laicas, é a base ideológica de uma agenda fundamentalista que busca suprimir a pluralidade e o pensamento crítico no ambiente escolar. 

“Fato é que a religião, na sua forma cristã e conservadora, se tornou eixo estruturante e organizador de programas, projetos, discursos e iniciativas que diuturnamente vigiam e perseguem professoras e professores com o objetivo de silenciá-los e destituir do espaço escolar qualquer traço de pluralidade e valorização da diversidade de ideias, formas de pensar, crer, ser, viver e estar no mundo”, explica a doutora em Ciência da Religião. 

Andréa Silveira também alerta para a institucionalização da perseguição a professores, intensificada com a ascensão da extrema direita ao poder desde 2018. Ela ressalta que, embora o discurso de vigilância a educadores esteja presente desde 2003, com o surgimento do “Escola Sem Partido”, a atuação direta de gestores escolares e políticos conservadores têm tornado a autocensura uma realidade comum entre docentes. “A autocensura tem se tornado uma forma de autopreservação”, lamenta. 

A professora destaca ainda que esse cenário se agrava com a desvalorização histórica da carreira docente no Brasil, levando muitos educadores ao adoecimento emocional e profissional, como no caso do professor de Ilhabela, que pediu demissão após sofrer pressão política e religiosa. 

“Esse caso é importante porque ilustra não apenas o modo como a religião na sua perspectiva cristã foi capturada pelo conservadorismo alinhado à extrema direita, mas também, o método de instrumentalização da religião por parte desses grupos, que conta com a atuação direta de famílias, gestores escolares, poder executivo e legisladores municipais, articulados para vigiar e impedir o que deve ou não ser ensinado na escola, bem como o que deve ou não ser utilizado como recurso didático-pedagógico”, frisa Andrea Silveira. 

Na avaliação da pesquisadora, o modelo das escolas cívico-militares, como a unidade em que ocorreu o episódio, é emblemático desse projeto conservador. Essas instituições, segundo ela, combinam militarismo e moral religiosa para impor um controle rígido sobre currículos e práticas pedagógicas, sem que isso necessariamente traga benefícios à aprendizagem. “Nesses espaços, a religião assume um papel essencial de controle moral”, observa. Para Andréa Silveira, esse controle, somado ao clima de desconfiança e hostilidade cultivado por discursos da extrema direita, tem rompido os vínculos fundamentais entre professores e estudantes, minando a confiança necessária para um processo educativo pleno. “Sem diálogo e respeito à alteridade, nós caminhamos a passos largos para a barbárie”, conclui.

Bereia ouviu também o doutor em Ciência da Religião pela Universidade Federal de Juíz de Fora, professor e pastor Sérgio Ricardo Gonçalves Dusilek. Para o pesquisador, o caso do professor perseguido em Ilhabela é mais um reflexo da desvalorização da liberdade de cátedra no Brasil. Ele critica o fato de educadores altamente preparados terem seus conteúdos questionados por setores políticos que demonstram desconhecimento e desprezo pelo saber acadêmico. “Mesmo diante de uma discordância, o caminho é o diálogo, e não o constrangimento inquisitorial”, defende. 

Dusilek destaca ainda que não apenas professores, mas também pastores, ao considerar o contexto das igrejas evangélicas, têm sofrido com a pressão de grupos religiosos capturados por um fundamentalismo com motivação política. Este movimento utiliza as igrejas como plataformas para reverberar ideologias de extrema direita mascaradas de doutrina religiosa. “As igrejas, via de regra, se tornaram em espaço de reverberação do fundamentalismo, que nada mais é que uma ideologia política de extrema direita com verniz religioso”, aponta o doutor em Ciência da Religião. 

Segundo o pesquisador, esse movimento tem impactos diretos sobre a educação, como a censura seletiva de conteúdos, o aumento da vigilância sobre docentes e a demonização do ensino público, especialmente das universidades federais. Dusilek aponta ainda o desprezo generalizado pela figura do professor, o que, além de incentivar a violência contra esses profissionais, contribui para a precarização da carreira docente. “Parece que parte das igrejas passou a agir como meio de pressão, reagindo a espantalhos criados por discursos ideológicos”, afirma.

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Bereia ressalta o caráter alarmante da escalada da violência e da desvalorização da educação no Brasil diante dos fatos supracitados. A apuração desta reportagem revelou algo maior do que um caso isolado: trata-se de uma engrenagem articulada entre política, religião e desinformação, que tem mirado diretamente no coração da educação no país, seus professores. O que é observado em Ilhabela, e em tantos outros episódios recentes, é a tentativa de silenciar a formação ampla, o pensamento crítico, que inclui a arte e a articulação de diversas perspectivas da vida, submetendo a escola a interesses ideológicos que nada têm a ver com o direito à educação garantido pela Constituição do País. 

Chama a atenção do Bereia a ausência de notícias sobre o caso do professor César Augusto Mendes Cruz em veículos da imprensa tradicional – apenas o site UOL repercutiu nacionalmente o caso. Além dele, apenas sites locais e de viés progressista relataram e alertaram sobre o ocorrido. 

Referências

UOL

https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2025/05/14/aula-com-mitologia-gera-demissao-de-professor-em-sp-fui-acuado-e-exposto.htm – Acesso em 24 MAI 2025

Jornal do Litoral

https://jornaldolitoral.com/index.php/2025/05/15/professor-de-ilhabela-pede-demissao-apos-polemica-com-mitologia-em-aula-para-adolescentes/ – Acesso em 24 MAI 2025

Portal6

https://portal6.com.br/2025/05/19/professor-pede-demissao-de-colegio-militar-apos-pais-nao-gostarem-do-conteudo-que-ele-passou-para-os-alunos/ – Acesso em 24 MAI 2025

Tribuna de Minas

https://tribunademinas.com.br/colunas/maistendencias/professor-e-demitido-apos-dar-aula-com-mitologia-para-alunos/ – Acesso em 24 MAI 2025

Revista Fórum

https://revistaforum.com.br/brasil/2025/5/14/professor-atacado-em-sp-apos-dar-aula-sobre-mitologia-africana-grega-179329.html – Acesso em 24 MAI 2025

Educação Sob Ataque

https://educacaosobataque.org/ – Acesso em 30 MAI 2025

Human Rights Watch

https://www.hrw.org/pt/report/2022/05/12/381942  – Acesso em 30 MAI 2025

STF

https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=450392  – Acesso em 30 MAI 2025

Instagram

https://www.instagram.com/p/DG1Dy64PT5p/?utm_source=ig_embed&ig_rid=017aee5e-44c4-4d60-b6a0-8972ef53d339   – Acesso em 30 MAI 2025

https://www.instagram.com/p/DGnt-2uuhhs/?utm_source=ig_embed&ig_rid=81ef9642-e8f9-412f-add3-77f395e28bdb  – Acesso em 30 MAI 2025

CONJUR

https://www.conjur.com.br/2021-jun-20/constituicao-stf-inconstitucionalidade-escola-partido/#:~:text=A%20suposta%20neutralidade%20pretendida%20pelo,o%20Estado%20Democr%C3%A1tico%20de%20Direito.  – Acesso em 30 MAI 2025

Camara

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1707037&filename=PL+246/2019#:~:text=PROJETO%20DE%20LEI%20N%C2%BA%20DE%202019%20Institui%20o%20%E2%80%9CPrograma%20Escola%20sem%20Partido%E2%80%9D.&text=Por%20isso%2C%20o%20fato%20de%20o%20estudante,prefer%C3%AAncias%20religiosas%2C%20morais%2C%20ideol%C3%B3gicas%2C%20pol%C3%ADticas%20e%20partid%C3%A1rias.  – Acesso em 30 MAI 2025

Leis

https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2008/lei-11645-10-marco-2008-572787-publicacaooriginal-96087-pl.html#:~:text=Altera%20a%20Lei%20n%C2%BA%209.394,Afro%2DBrasileira%20e%20Ind%C3%ADgena%22.  – Acesso em 30 MAI 2025

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm#:~:text=L10639&text=LEI%20No%2010.639%2C%20DE%209%20DE%20JANEIRO%20DE%202003.&text=Altera%20a%20Lei%20no,%22%2C%20e%20d%C3%A1%20outras%20provid%C3%AAncias.  – Acesso em 30 MAI 2025

https://basenacionalcomum.mec.gov.br/  – Acesso em 30 MAI 2025

Governo SP

https://efape.educacao.sp.gov.br/curriculopaulista/wp-content/uploads/downloads/Anos%20iniciais%20EM/Habilidades%20essenciais_Anos%20Iniciais_Historia.pdf  – Acesso em 30 MAI 2025

Agência Brasil

https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2023-07/fim-das-escolas-civico-militares-repercute-entre-estudantes-e-escolas  – Acesso em 30 MAI 2025

Carta Capital
https://www.cartacapital.com.br/politica/governo-tarcisio-volta-atras-e-quer-implementar-escolas-civico-militares-em-sp-ainda-em-2025/  – Acesso em 2 JUN 2025

Religião e Poder

https://religiaoepoder.org.br/artigo/escola-sem-partido – Acesso em 2 JUN 2025

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Foto de capa: Paulo Stefani / PMI

Desinformação sobre religiões é recorrente nos perfis de mídias sociais mais diversos

*Publicado originalmente no perfil do Koinonia no LinkedIn.

Recebemos no Coletivo Bereia conteúdo publicado em newsletter e em mídias sociais de uma empresa de pesquisa, marketing e consultoria para o mercado de nome Casa Mundo, em 15 de maio de 2025. Sob o título “Deus já é filho do algoritmo. A religião e seu rebranding. A fé virou palco — e o púlpito, ring light”, o texto defende o fenômeno da “convivência do sagrado com a estética do marketing digital”, com “a religião” assumindo “novas roupagens”. Com título tão chamativo e imagem impactante, a publicação se mostra com amplo alcance.

Imagem: reprodução/Instagram

Nada do que é indicado aí em termos de novas tendências religiosas na relação da fé com o mercado é falso: igrejas que adotam rebranding, cultos-show, intenso consumo digital de conteúdo religioso, viralização de casos como o do “pastor-mirim”, o mercado e o consumo evangélico, o movimento evangélico Legendários como produto, a estética de startup de igrejas, a fé como autoajuda via coaches evangélicos, lives e outros produtos digitais evangélicos para consumo de público amplo.

Temos, de fato, um fenômeno religioso aí identificado! Como quem leu até aqui este texto deve ter visto, os termos “igrejas” e “evangélicos” dominam o objeto de análise da pesquisa. Porém, o que este material comunica? É uma avaliação generalizada, a partir do que é listado, da fé, da espiritualidade e da “religião”, para tratar de um fenômeno específico que envolve, na realidade, uma parcela de evangélicos, seja das chamadas “igrejas descoladas/cool”, do coaching religioso, dos profetas pentecostais, da reação às pautas identitárias, ou do mercado da religião.

Porém, longe de especificar o fenômeno, como é feito aqui (e vale repetir, que é fato e pode ser comprovado em pesquisas científicas), a publicação generaliza os casos levantados como se pertencessem a todas as religiões, fés, espiritualidades.

Sobre a fé, de forma genérica, a mensagem faz uso da expressão: “A fé já não habita apenas os templos. Ela migrou para os palcos, para os stories, para os feeds”.

Sobre religião, como um termo amplo, é dito: “No Brasil contemporâneo, onde o sagrado convive com a estética do marketing digital, vemos a religião assumir novas roupagens — mais performáticas, mais rentáveis, mais instagramáveis”.

Sobre a espiritualidade, no singular, se afirma “que um dia foi território de silêncio e interioridade, hoje disputa atenção com outras ofertas da economia da experiência. E para se manter relevante, ela também aprendeu a se vender”.

Sobre as igrejas, descartadas as particularidades do mosaico que compõem, a publicação diz que “deixaram de ser apenas comunidades de fé e passaram a operar como startups do espírito: com lançamentos, eventos imersivos, planos de engajamento e produtos exclusivos que prometem uma conexão premium com o divino”.

Além de compreender as religiões e as igrejas como elementos homogêneos, desconsiderando a diversidade que as caracteriza internamente e entre elas, o texto expõe uma noção equivocada da fé e da espiritualidade como elementos interiorizados e estáticos (“dentro dos templos”, “silêncio” e “interioridade”). Nesse sentido, na pesquisa da Casa Mundo não há pluralidade de experiências religiosas, não há fé e espiritualidade dinâmica, ativa, para fora, relacional, nas ações múltiplas, como qualquer observação para além dos perfis de mídias sociais é capaz de revelar. O destaque da midiatização mercantilizada da fé por uma parcela de evangélicos é apresentada como um todo para se estimular o consumo de bens e serviços de etiqueta religiosa.

Eis como se constrói nas mídias digitais desinformação sobre religiões e suas dinâmicas. E assim a instrumentalização política e mercadológica da religião, com estímulo a intolerâncias, vai se aprofundando.

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Foto: Unplash

Desinformação e violência de gênero é tema de cartilha à disposição do público

Desinformação: uma das dimensões da violência de gênero é o título da cartilha lançada, em março passado, em uma parceria entre o Supremo Tribunal Federal e InternetLab, por meio do Programa de Combate à Desinformação.

O conteúdo do material tem como foco dois temas urgentes: a violência de gênero e a desinformação. O esforço se dá diante da escalada de ataques contra parlamentares mulheres que se potencializou nos processos eleitorais a partir de 2018, registrando ataques sistemáticos no ambiente digital. 

Ainda que a cartilha não trate da necessidade de regulamentação das redes digitais no Brasil como um caminho para a solução do problema e dos abusos em torno da “liberdade de expressão”, usada como artifício para um “passe livre” na prática de crimes na internet, o material tem conteúdo bastante relevante. A cartilha oferece um amplo espectro de informações que mostra o caminho que os violadores têm percorrido contra mulheres e pessoas LGBTQIA+ e como reagir às violações. 

Violência de gênero a desinformação

Em 1993, a ONU aprovou a Declaração para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres durante a sua Convenção sobre Direitos Humanos. No primeiro artigo, essa declaração define o que é a violência de gênero como “qualquer ato violento ligado ao gênero que cause ou possa causar dor ou sofrimento físico, sexual ou psicológico às mulheres, englobando ameaças, coerção ou a privação de liberdade de forma arbitrária, tanto na esfera pública quanto na privada”.

O documento foi criado com o intuito de esclarecer os mecanismos do antigo – porém persistente e arraigado – desafio da violência de gênero, que afeta mulheres e outros grupos que exercem autoridade nas arenas públicas. As campanhas de desinformação, bem como o sexismo e a misoginia direcionados contra as mulheres, normalmente ocorrem em oposição à atuação das representantes políticas. Embora a agressão contra as mulheres seja reconhecida globalmente como uma infração aos direitos humanos, os desafios enfrentados por este grupo continuam a ser uma reação a suas opiniões, resultando em ataques que colocam suas vozes e integridade em risco.

No cenário da desinformação, essa dinâmica se torna ainda mais intrincada, pois quando combinados, a desinformação e a violência de gênero manifestam diversas formas de discriminação que mulheres e indivíduos com outras identidades de gênero enfrentam diariamente.

Com a difusão do uso da Internet, as violências de gênero passaram a ter um novo espaço e se transformaram. Embora esses comportamentos online estejam enraizados em convicções da vida real, o ambiente digital possui elementos que tendem a intensificar atitudes machistas, como o afastamento da vítima, o uso do anonimato e a escassa possibilidade de punição legal.

Bereia já checou muito conteúdo sobre o tema. Lideranças políticas como a ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas Marina Silva, que recentemente sofreu ataques dentro do próprio Senado Federal, e ainda ouviu do presidente da comissão com quem dividia a bancada, que deveria “se pôr no seu lugar”, é alvo frequente. 

Além da ministra, são recorrentes os ataques à ex-presidente Dilma Housseff, seja através de memes na internet, recortes de entrevistas ou falas descontextualizadas, colocam a ex-presidente como uma mulher irascível, emocionalmente descontrolada e intelectualmente incapaz. Agressões a outras lideranças políticas também se tornaram conhecidos, como os contra a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), a ex-deputada federal Manuela D’Ávila, a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), a deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP), e a vereadora Marielle Franco

A título de exemplo, essas parlamentares mostram que tipo de perfil atrai os agressores: mulheres em espaços de poder. Quando não foram atacadas com desinformações relacionadas à pauta moral, foram acusadas  de serem anticristãs – no caso das que já assumiram uma confissão religiosa evangélica. 

Este cenário aponta para um retrocesso em relação à Lei nº 14.192, que trata da violência política de gênero, aprovada no Congresso Nacional, em 2021. A lei busca “prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher; e altera a Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral), a Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995 (Lei dos Partidos Políticos), e a Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997 (Lei Eleitoral), para dispor sobre os crimes de divulgação de fato ou vídeo com conteúdo inverídico no período de campanha eleitoral, para criminalizar a violência política contra a mulher e para assegurar a participação de mulheres em debates eleitorais proporcionalmente ao número de candidatas às eleições proporcionais”.

Mas afinal, qual a relação entre a desinformação e a violência de gênero?

Em um cenário onde qualquer pessoa online pode enviar mensagens a um vasto público, as plataformas digitais ficam saturadas com conteúdos que não são submetidos a algum tipo de “filtro” avaliativo. A variedade de informações deixa de se preocupar com a imparcialidade, sendo largamente influenciada por perspectivas de indivíduos guiados por interesses políticos ou econômicos. É nesse contexto, que em certas situações, a comunicação nas mídias digitais ainda é afetada por técnicas de publicidade e métodos de manipulação diversas.

A desinformação pode se manifestar de diversas maneiras. Quando se espalham histórias, dados falsos ou enganosos com o intuito de prejudicar mulheres ou discriminar indivíduos com base na sua identidade de gênero. Esse tipo de desinformação pode ser direcionado também contra homens e pessoas de outras identidades de gênero, já que seu objetivo é diminuir a participação na esfera pública e restringir a variedade de vozes e perspectivas, reforçando papeis que historicamente foram atribuídos a homens e/ou mulheres. Assim, qualquer pessoa que se desvie desses estereótipos pode se tornar um alvo desse fenômeno.

A instrumentalização da violência de gênero online

Outro lado da violência de gênero é a divulgação não autorizada de fotos íntimas de mulheres. Embora essa questão não seja recente, sua visibilidade na mídia e sua extensão aumentaram com a capacidade de compartilhamento via internet, e atualmente, se tornaram ainda mais complexas com o uso cada vez maior da inteligência artificial (IA). 

Com a popularização do uso da IA, a criação e modificação de imagens ficou mais fácil, resultando em novos episódios de divulgação não consentida de imagens íntimas, frequentemente chamadas de “deepfakes”. A produção e a distribuição de imagens e vídeos íntimos de mulheres são consideradas uma forma de violência de gênero, pois são utilizadas para promover o constrangimento, envergonhando e reafirmando o poder em cenários que ameaçam identidades e papeis tradicionais.

Diante da complexidade do quadro, a desinformação pode ser empregada como um meio para restringir as conquistas alcançadas por mulheres e outros grupos que historicamente enfrentam marginalização dentro da política formal, em diversos locais de influência. Assim, a desinformação pode potencializar a maneira como a propagação de informações falsas impacta negativamente a atividade política e profissional das mulheres, afetando seu bem-estar mental e físico, além de pôr em perigo a segurança de suas famílias. 

As várias formas de violência não se restringem apenas a ataques de natureza de gênero, mas também se interligam a outros marcadores sociais da diferença, como etnia, classe social e orientação sexual. Nesse contexto, os conteúdos desinformativos são utilizados como uma tática para deslegitimar as mulheres, colocando direitos já garantidos pela Constituição em questão. 

Bereia recomenda a leitura e a aplicação da Cartilha Desinformação: uma das dimensões da violência de gênero e coloca seus canais de contato à disposição para o envio de materiais que leitores e leitoras tenham acesso e devam ser confrontados com checagem e denúncia.

Referências:

Notícias Supremo Tribunal Federal – Guia Desinformação: uma das dimensões da violência de gênero

https://noticias-stf-wp-prd.s3.sa-east-1.amazonaws.com/wp-content/uploads/wpallimport/uploads/2025/04/07204652/guia_desinformacao_versao3_25032025-1.pdf Acesso em 29 MAI 25

InternetLab

https://internetlab.org.br/wp-content/uploads/2021/03/5P_Relatorio_MonitorA-PT.pdf Acesso em 29 MAI 25

Fundação Getúlio Vargas – Mídia e Democracia

https://midiademocracia.fgv.br/estudos/ataques-violencia-de-genero-online-e-desinformacao-na-pre-campanha-prefeitura-de-sao-paulo Acesso em 29 MAI 25

ONU – Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres

https://www.ohchr.org/sites/default/files/eliminationvaw.pdf Acesso em 29 MAI 25

Coletivo Bereia

https://coletivobereia.com.br/liberdade-de-expressao-a-brasileira-desinformacao-de-genero-e-a-ofensiva-as-mulheres/ Acesso em 29 MAI 25

https://coletivobereia.com.br/as-faces-da-desinformacao-de-genero/ Acesso em 29 MAI 25

https://coletivobereia.com.br/desinformacao-de-genero-violencia-politica-em-perspectiva/  Acesso em 29 MAI 25

https://coletivobereia.com.br/genero-politica-e-desinformacao-as-mulheres-sob-ataque/ Acesso em 29 MAI 25

https://coletivobereia.com.br/senador-do-amazonas-declara-desejo-de-enforcar-ministra-marina-silva/ Acesso em 29 MAI 25

Senado

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2025/05/27/marina-silva-abandona-audiencia-na-ci-apos-discussao-com-senadores Acesso em 29 MAI 25

Lei nº 14.192/2021

https://legislacao.presidencia.gov.br/atos/?tipo=LEI&numero=14192&ano=2021&ato=e5dkXVq5UMZpWT04e Acesso em 29 MAI 25

Imagem de capa: Divulgação/STF

Crise dos Correios é o novo tema usado para defesa de interesses políticos e econômicos com mentiras nas mídias

*com informações da Lupa (Ebulição)

Como parte da Rede Nacional de Combate à Desinformação (RNCD), Bereia acompanha o serviço “Ebulição”, da agência de checagem de conteúdo Lupa, que acompanha, por meio da tecnologia de monitoramento da empresa Palver, o que circula pelos aplicativos WhatsApp e Telegram. O serviço é de grande importância para o Bereia porque, de acordo com a pesquisa do Instituto Nutes/UFRJ, concluída em 2021, que deu origem a este projeto de checagem em ambientes religiosos, o uso intenso do Whatsapp para a prática religiosa fortalece redes de desinformação no segmento religioso. A investigação mostrou que 92% de evangélicos participam de grupos ligados à sua religião no aplicativo, enquanto 71% dos católicos, 57% dos espíritas e 66,7% dos fiéis entrevistados, de outras religiões, disseram fazer o mesmo.

Uma explosão de mensagens sobre os Correios

O Ebulição deste 22 de maio mostra que em apenas sete dias (de 15 a 22 de maio de 2025), mais de 830 mil usuários de WhatsApp e Telegram foram expostos a conteúdos negativos sobre os Correios — a maioria deles em formato de vídeo. Dados da Palver mostram que 689 postagens únicas sobre o assunto circularam em pelo menos 209 canais abertos nas duas plataformas, atingindo grupos públicos que cobrem todos os estados do Brasil. O serviço Ebulição explica que se trata do maior volume já registrado neste ano, o que levanta suspeitas de uma possível campanha coordenada envolvendo o nome da estatal.

O que está acontecendo com os Correios

Em meio a uma grave crise financeira, os Correios entraram ao centro do noticiário, em 12 de maio, ao anunciar um pacote de medidas drásticas para cortar custos e tentar economizar R$1,5 bilhão ainda neste ano.

Entre as propostas estão a redução de jornada e de salários, suspensão temporária de férias, fim do trabalho remoto e o retorno obrigatório de todos os funcionários aos escritórios até junho de 2025. A estatal também lançou um plano de demissão voluntária (PDV) e passou a incentivar a transferência temporária de pessoal.

A situação fiscal da empresa é crítica: só em 2024, os Correios reportaram um déficit de 2,6 bilhões de reais — valor bem acima do registrado em anos anteriores. A direção da estatal atribui o rombo principalmente ao aumento das despesas com pessoal e afirma contar com o engajamento dos empregados para superar o momento.

O que está circulando nos aplicativos de mensagens

Entre as 689 mensagens únicas sobre os Correios que circularam por WhatsApp e Telegram em uma semana, há um discurso repetido: o prejuízo da estatal é culpa direta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). As postagens associam problemas de gestão e infraestrutura à suposta incapacidade do governo federal de manter o serviço postal em ordem — e, em alguns casos, sugerem até que Lula estaria intencionalmente enfraquecendo a empresa para favorecer interesses da China.

O serviço Ebulição, da Lupa, aponta que três vídeos, em especial, ganharam ampla repercussão nos aplicativos de mensagens nesses dias. O primeiro deles, postado originalmente no perfil do ex-deputado federal evangélico, atual deputado estadual Ricardo Arruda (PL-PR), membro da Igreja Mundial do Poder de Deus. A gravação no TikTok, acusa a esquerda política, sem apresentação de provas, de transformar os Correios em um instrumento de roubo sistemático. Na gravação, Arruda dispara ataques a Lula, ao Supremo Tribunal Federal (STF) e a outros políticos, usando termos como “corrupto”, “canalha” e “incompetente”.

O segundo vídeo viral, com narração anônima (própria de conteúdo desinformativo) comenta o comunicado dos Correios pedindo aos funcionários que renunciem às férias e aceitem redução de salário, enquanto denuncia supostos gastos excessivos com patrocínios culturais. Já o terceiro, mostra centros de distribuição superlotados, caminhões parados e pacotes acumulados — cenário atribuído ao que seria uma greve de transportadores por falta de pagamento.

Desinformação em nome de interesses políticos e econômicos

Os Correios, uma das instituições mais tradicionais do Brasil, enfrentam, de fato, uma crise – os dados podem ser encontrados em canais oficiais do governo federal. Porém, o tom das publicações que circulam indica que a empresa pública pode estar sendo usada como peça simbólica em uma campanha mais ampla de desgaste do governo federal.

Os vídeos que circulam em massa por WhatsApp e Telegram, de acordo com o levantamento do Ebulição, fazem uso de escândalos antigos e exploram repetições estratégicas de acusações para reforçar uma imagem de decadência, ineficiência e saque da estatal.

Por isso, Bereia classifica tais conteúdos como enganosos. Eles lançam mão de uma situação verdadeira, a crise dos Correios, mas exageram na exposição dela e a distorcem para alimentar uma noção de colapso da empresa, especialmente entre o público com estreita relação com o WhatsApp e o Telegram. Esta prática se apresenta como captação de apoios para 1) política de oposição ao governo federal, nesse caso, com acusações para além do que os dados indicam; 2) campanha pró-privatização dos Correios como “salvação” do serviço.

Esta conclusão emerge da informação da Ebulição de que os dados extraídos da Palver apontam indícios de uma atuação coordenada por parte de usuários desses aplicativos de mensagem, com distribuição sistemática de vídeos muito semelhantes em dezenas de grupos públicos abertos em todo o país. Esta prática já é conhecida de quem atua no enfrentamento da desinformação, em especial em períodos eleitorais.

Referências

Ebulição, Lupa

Disponível em: https://lupanewsletter.substack.com/p/crise-dos-correios-vira-politica Acesso em 22 mai 2025

Agência Brasil

https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2025-05/correios-empregados-pedem-dialogo-sobre-medidas-para-reduzir-despesas Acesso em 22 mai 2025

Nada será como antes: os desafios da era digital a uma pastoral libertadora

*Artigo publicado originalmente pelo Instituto Humanitas da Unisinos

A era digital – um tempo revolucionário marcado por realizações tecnológicas que, há poucas décadas, eram imagináveis apenas em desenhos animados, como o dos Jetsons, e em filmes de ficção – transformou não só a nossa capacidade de comunicar e de acessar informação.

Este tempo transformou muito fortemente os relacionamentos, o transporte, a medicina, a economia, o trabalho, o lazer, o consumo, a política, as religiões, a educação! Cada vez mais é preciso assumir a consciência de que nada será como antes depois da era digital!

Tivemos a comprovação do que é possível com estas tecnologias digitais no período da pandemia da covid-19, agora vivemos um tempo de euforia e perplexidade diante das novas modalidades de inteligência artificial (IA).

Nada será como antes! Isto significa buscar capacidade, condições de viver estas transformações sem abdicar de elementos fundamentais que formam os valores cristãos, para a coexistência humana e para a sobrevivência também.

Se não podemos negar a contribuição da cultura digital na agilização e na facilitação de várias frentes da cotidiana, ao mesmo tempo, temos densas dimensões críticas do ponto de vista social. Entre elas está a intensa redução dos postos de trabalho que são ocupados por máquinas, gerando alta no desemprego e consequências graves, e o fenômeno da “uberização” – o trabalho por aplicativos explorado ao máximo. Também, o aumento das desigualdades sociais, a partir da distinção entre as pessoas mais e menos qualificadas tecnologicamente, e a fixação das pessoas nas telas com o tempo livre sendo preenchido com conteúdo informativo, de trabalho, de entretenimento.

A concorrência de mercado pelo controle das mídias digitais e para extrair delas mais estímulos para o consumismo, coloca a privacidade em questão. É a algoritmização da relação empresas digitais-usuários, com amplo uso dos nossos dados pessoais – registros, fotos. E isto mexe com um fenômeno que é a sobrecarga de escolhas – nunca fomos submetidos a um cardápio tão grande de opções: de informação, de entretenimento, de serviços. Gasta-se um tempo considerável diante da tela escolhendo – um clique leva a outro, mas ao mesmo tempo temos a demanda da rapidez. Isto mexe com o processo cognitivo e gera incômodos, especialmente para quem não tem recursos financeiros para dar um clique rápido.

É fato que o digital aproximou pessoas e contribuiu com a superação de isolamentos sociais. Porém, ele provocou distanciamentos e novos isolamentos com o fortalecimento da aproximação entre iguais e rejeição dos diferentes – a ideia de bolhas digitais. Resultado disto é o aumento de expressões de violência, com o uso das tecnologias para atacar, ofender, agredir, caluniar, ameaçar. Algumas pessoas se expõem e outras fazem uso de perfis anônimos.

A facilidade do acesso às plataformas digitais se tornou livre acesso para articulações extremistas, em torno do ódio: desde disputas pessoais, grupais, linchamentos públicos, até mesmo grupos nazistas estão ganhando força no país!

A agressividade também se manifesta de outras formas: os cancelamentos. Em questão de minutos, a partir de uma divergência, uma discordância, um desafeto, alguém pode ser exposto negativamente e ser submetido ou submetido a um boicote virtual. Isto é uma punição e pode levar a pessoa julgada ao esquecimento social, ao isolamento forçado. Essa cultura tem provocado impactos significativos, como expressivo número de casos de suicídio.

Isto acontece no Brasil em diversos níveis, sob a capa de “liberdade de expressão”, a ponto de emergirem personalidades do cenário político e cultural, como representantes de quem defende estas expressões abertas de ódio. São fartamente vivenciadas também divisões entre famílias, círculos de amigos e nas igrejas e comunidades religiosas por conta da ampla assimilação desta cultura de violência.

Este tema nos leva à questão da desinformação – o que é popularmente denominado fake news. Mentir em público para defender interesses, sempre existiu, mas a cultura digital intensificou isto. Porém, a grupos cristãos interessa que pesquisadores mostram que são os que parecem ser os mais propensos à propagação. A passionalidade e a propaganda que atingem estes grupos religiosos são intensamente desenvolvidas por meio do pânico moral e da retórica do medo para gerar insegurança.

A gravidade destas situações ocorre também por carência de legislação para regular tais práticas das plataformas, o que avaliza a soberania das empresas de mídias (big techs) que agem livremente. Elas não oferecem transparência e ganham muito dinheiro com engajamento em violência e desinformação. Não são responsabilizadas até por atos de violência física e patrimonial, como os ataques de 8 de janeiro de 2023, por exemplo.

Tudo isto desafia muito a prática pastoral que se pretende libertadora! Já que a cultura digital é um caminho sem volta, é cada vez mais ampliada, e nada será como antes, não nos cabe o simplismo de tão só demonizar este processo, mas trabalhar por processos críticos, educativos e humanizadores.

Uma pastoral libertadora no contexto da cultura digital pode priorizar alguns caminhos:

1 – enfatizar e recuperar o valor da cultura do diálogo, que é parte do sentido do “ser” humano. Isto significa reconhecer os tempos de amplas possibilidades de comunicação, viabilizadas pelas tecnologias digitais, que faz emergir, porém, a incomunicação que alimenta a cultura do ódio.

2 – oferecer educação midiática digital – compreender não apenas como usar as mídias mas como funcionam, como operam as tecnologias.

3 – Orientar sobre a ética de quem se afirma cristão e cristã e da postura teológica para que haja atitudes compatíveis na ocupação das mídias digitais: não ser fonte de desinformação, não contribuir com polarizações e muito menos com o ódio, pacificar, humanizar, evangelizar as redes e não só nas redes. Questionar o isolamento em bolhas, a negação da diferença e da diversidade, o ódio, a violência, a superficialidade, a exacerbação da aparência (o que se quer mostrar ao invés do que se é de fato) e a religião da aparência e do sensacionalismo “caça-cliques”.

Assumir, portanto, a fé cristã em espaços digitais significa evocar uma compreensão de comunicação que seja plena, abrangente, ecumênica, e que vise à inserção cristã nos espaços públicos plurais, o que implica participação de cada cristão/cristã como cidadão.

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Imagem de capa: Unplash

Os dez mandamentos para não se espalhar falsidades pelas redes

Brasil analfabeto midiático crê em tudo o que vem do zap e compartilha fake

por Leonardo Sakamoto

Ao mesmo tempo, muita gente compartilha um conteúdo sem checar a fonte da informação ou a sua veracidade não apenas porque concorda com ela (mesmo que esteja errado), mas porque sabe que ele vai lhe garantir simpatia de amigos, colegas, familiares e conhecidos. O “like” é um lugar quentinho. Quem não gosta de uma chuva de likes? Mas uma tempestade de endosso público por vezes ocorre às custas dos impactos negativos de uma mentira viralizada.

Leia o texto de Leonardo Sakamoto, com colaboração de Artur Vieira, que elenca “dez mandamentos” para usuários das mídias sociais não espalharem desinformação, publicado no portal Uol.

A propósito do 13 de maio, Dia da Denúncia Contra o Racismo:  Preconceito nas igrejas evangélicas precisa ser enfrentado

O 13 de maio passou a ser conhecido no Brasil como o Dia Nacional de Denúncia Contra o Racismo. É uma data de profunda reflexão e luta, que ressignifica o histórico dia de 1888, quando a Lei Áurea foi assinada, abolindo formalmente a escravidão no país. 

Esta mudança de perspectiva foi promovida por movimentos negros, como o Movimento Negro Unificado (MNU), que contestam a narrativa oficial de que a assinatura da Lei Áurea representou a plena liberdade para a população negra. Em vez disso, destacam que a abolição não foi acompanhada de políticas públicas eficazes, o quen resultou em marginalização e exclusão social dos negros no país.

Dentro deste contexto, surge uma questão muito relevante: como o racismo se manifesta nas instituições religiosas, especialmente nas igrejas evangélicas? Apesar dos princípios cristãos de igualdade e amor ao próximo, relatos indicam que o preconceito racial persiste de forma velada nesses espaços.

Para aprofundar essa discussão, são entrevistadas neste espaço duas pessoas de fé evangélica, ativistas pela justiça racial. Uma delas é Alan Rodrigues, mineiro com pós-graduação em Gestão de Negócios e Marketing e especialização em Diversidades e Inclusão Social em Direitos Humanos pela USP. Rodrigues é coordenador do Movimento Negro Evangélico (MNE) em Minas Gerais e idealizador do projeto Negritude em Cores, que promove reflexões sobre teologia negra. 

A outra entrevistada é a teóloga da Igreja Metodista Marilia Schuller. Já, em seus primeiros anos como pastora, foi indicada para trabalhar no programa de Combate ao Racismo do Conselho Mundial de Igrejas. Este programa teve importante papel no enfrentamento do apartheid na Africa do Sul, entre outras situações-limite. Por seu compromisso com a luta pelos direitos do povo negro, Schuller acabou por ser enviada como missionária, pela Junta de Ministérios Globais da Igreja Metodista Unida (EUA),  para os programas de combate ao racismo e defesa dos direitos das mulheres dessa igreja. Ela hoje está aposentada, de volta ao Brasil, mas segue engajada nos movimentos por justiça racial.

Racismo nas igrejas é parte da estrutura brasileira 

A luta antirracista nas igrejas evangélicas brasileiras começou a ganhar força na década de 1980, impulsionada por discussões sobre a redemocratização e o fortalecimento dos movimentos sociais. No entanto, Alan Rodrigues observa que, apesar dos avanços, a resistência interna ao trato desta questão ainda é significativa. “Se formos olhar para um país como o nosso, que é majoritariamente negro e cristão, a gente deveria entender que o Cristianismo vê o racismo como pecado; porém, a conta não bate! Porque o racismo não tem diminuído, pelo contrário”, conclui.

O ativista do MNE destaca: “Quando tentamos falar de negritude ou teologia negra, o primeiro ponto que as pessoas dizem é que estamos tentando separar, estamos tentando criar mais uma teologia que separa as pessoas”.

Segundo Rodrigues, é desafiador para muitos reconhecerem o racismo estrutural presente nas igrejas, que frequentemente permanece encoberto e silenciado. “Precisamos levar informação para as pessoas, só assim vamos conseguir progredir ainda mais educando e ensinando sobre essas vivências”.

Uma perspectiva teológica

A Igreja Metodista iniciou um movimento significativo de combate ao racismo nos anos 1980, fundamentado em princípios teológicos e sociais.  Marilia Schuller destaca, nesta memória, a importância do versículo de Gálatas 3:26-28, que afirma: “Pois todos vocês são filhos de Deus mediante a fé em Cristo Jesus; porque todos vocês que foram batizados em Cristo Jesus se revestiram. Assim sendo, não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos são um em Cristo Jesus”. 

Segundo a teóloga, este trecho da Bíblia enfatiza a unidade e a igualdade de todos os cristãos em Cristo, independentemente de etnia, status social ou gênero. Ela observa que, para a Igreja Metodista, isso implica a necessidade de refletir sobre as desigualdades presentes dentro da própria comunidade de fé e no contexto social mais amplo.

Ao questioná-la sobre a falta de memória histórica em alguns movimentos antirracistas nas igrejas hoje, Marilia Schuller aponta que a memória só é possível quando há conhecimento da história. Ela acredita que um dos principais obstáculos é o desconhecimento e a desinformação sobre os movimentos de diálogo, reflexão e ação antirracismo que já ocorreram.

Outro desafio destacado pela teóloga metodista é a escassez de recursos financeiros para implementar ações eficazes e para divulgar essas iniciativas. Ela enfatiza a necessidade de diálogo, partilha e trabalho conjunto entre as igrejas que estão mobilizadas nesta crucial tarefa de combate ao racismo.

13 de maio deve ser motivação 

Neste espaço de enfrentamento da desinformação, que é o Bereia, vale destacar o 13 de maio como motivação para denunciar o racismo estrutural, promover o encorajamento a denúncias, reivindicar políticas públicas.

Além de tudo isto, importa que se alie informação e memória e se celebre a resistência negra nos espaços evangélicos que ainda precisam entender e promover pautas como estas.

Deputado evangélico Nikolas Ferreira publica mais um vídeo enganoso como estratégia política de oposição

Um vídeo sobre a crise das fraudes no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) foi a mais recente publicação enganosa de grande alcance produzida pelo deputado evangélico Nikolas Ferreira (PL-MG). Bereia verificou que o vídeo publicado no último 6 de maio, além de distorcer informações sobre o caso e de afirmar como verdade que a falsa informação de que o escândalo é “o maior da história do Brasil”, também utiliza as mesmas estratégias adotadas em vídeo anterior de autoria do deputado sobre a taxação do Pix. A publicação viralizou rapidamente e conta com mais de uma centena de milhões de visualizações em apenas uma plataforma. 

No vídeo, Nikolas Ferreira mantém o tom alarmista e usa recursos como envelhecimento de sua imagem, cortes e zoom rápidos, e música dramática ao fundo na edição do vídeo para comover e persuadir os espectadores. Ainda, são projetados gráficos e trechos de notícias de veículos jornalísticos para reforçar e legitimar o discurso do deputado acerca da urgência e da gravidade do conteúdo divulgado

A técnica captura a audiência por mais de seis minutos de duração, acelerando a viralização do conteúdo e gerando engajamento ao solicitar que o público interaja nos perfis dos presidentes das Casas Legislativas federais a favor da instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar os roubos dos aposentados e pensionistas vitimizados.

Deputado chamou cristãos de “frouxos” 

Na mesma data da publicação, Nikolas Ferreira havia afirmado, em outra plataforma, que as lideranças cristãs foram “frouxas” e sem compaixão por não se manifestarem “frente a todos os escândalos desse Governo”. No texto, o deputado federal apela para a religiosidade como mecanismo para promover a mobilização de seus apoiadores, em especial aqueles que seguem os valores cristãos.

Reprodução: X

Mídias evangélicas demostraram apoio ao pronunciamento viral de Nikolas Ferreira. Como já havia feito em relação ao vídeo sobre o Pix, publicado em janeiro pasado, o site evangélico Pleno.News, por exemplo, enalteceu o novo conteúdo ao utilizar adjetivos como “didático” e  afirmar que o parlamentar explica o escândalo do INSS “com riqueza de detalhes”. 

Imagem: Reprodução Pleno.News

O escândalo no INSS

O escândalo no INSS, veio à tona em 23 de abril deste 2025, em operação deflagrada pela Controladoria-Geral da União (CGU) e a Polícia Federal, denominada “Operação Sem Desconto”. O caso envolve milhares de aposentados e pensionistas, que tiveram parte de seus benefícios descontados sem consentimento, o que levou a Polícia Federal e a CGU a iniciarem a investigação para apurar o caso.

Os órgãos do governo federal levantaram a prática sistemática de desconto de mensalidades associativas sem autorização de aposentados e pensionistas ou sem o seu conhecimento. Segundo a denúncia, algumas associações eram responsáveis pela filiação automática dos beneficiários do INSS. 

Foi descoberto que havia pagamento de propina a servidores, uso de associações de fachada e lobistas. Na investigação, foi demonstrado que o INSS autorizou desbloqueios em lote de descontos em diversos benefícios, sem registros de autorização prévia. Todos os desvios estão registrados em extratos bancários.

A investigação revela que o esquema teria sido possivelmente iniciado em 2019, primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro, facilitado por políticas como o desmonte da empresa pública DataPrev, que dá suporte tecnológico à Previdência Social, com o objetivo de privatizá-la e a concessão de empréstimos consignados a aposentados e pensionistas geridos pelo próprio INSS. O relatório da investigação mostra que as fraudes tiveram continuidade durante o governo Lula, e que foi dada ciência de denúncias ao ministro da Previdência Carlos Lupi (PDT/RJ). Pressionado por ter sido responsabilizado pela extensão das fraudes até 2024, Lupi pediu demissão do cargo, em 2 de maio. 

Segundo relatório da investigação, de 2019 a 2024, o esquema de fraudes no INSS envolveu cerca de 6,3 bilhões de reais, com práticas de corrupção, lavagem de dinheiro e falsificação. Além de cinco servidores da alta cúpula do INSS, pelo menos 11 entidades estão diretamente envolvidas na fraude.

Até a publicação desta matéria, como resultado da Operação, por meio da CGU, do Tribunal de Contas da União e da Advocacia Geral da União, o governo federal havia suspendido todos os descontos associativos na folha do INSS;  estruturado um plano de devolução de valores que alcance pessoas lesadas também durante o governo anterior; afastado os servidores envolvidos; criado uma força-tarefa para realizar auditorias internas, reestruturar os procedimentos de autorização, garantir transparência e segurança aos segurados; pedido à Justiça o bloqueio de bens das associações envolvidas para serem usados no pagamento das indenizações.

Governo federal se pronuncia contra a publicação do deputado

O governo federal se pronunciou contra o conteúdo do vídeo de Nikolas Ferreira, por meio da CGU. O órgão publicou um vídeo nas mídias sociais para contrapor este conteúdo, no qual o ministro do órgão Vinicius Marques de Carvalho explica o caso e as providências. Carvalho afirmou nesse pronunciamento, que “não é hora de espalhar medo ou mentira” e “é muito grave usar a mentira ou truques de contexto para enganar o povo ou politizar um tema tão importante para o país, que é o combate à corrupção”. 

Imagem: Reprodução de vídeo publicado pela Controladoria-Geral da União no X

Além do vídeo, o ministro da CGU tem feito vários pronunciamentos e participado de entrevistas para esclarecer a população e evitar enganos e pânico em torno do caso. Ele tem enfatizado que a Operação Sem Desconto buscou defender os aposentados de “uma fraude que acontecia há muitos anos e que as entidades envolvidas fecharam acordos antes de 2023”.

A ministra-chefe da Secretaria de Relações Institucionais Gleisi Hoffmann publicou texto em seus perfis de mídias sociais em contraposição ao vídeo do deputado evangélico. Ela afirmou que nada foi feito pelo governo anterior para investigar ou coibir os roubos aos aposentados, o que foi investigado e encaminhado no atual governo. Ela também mencionou que a Medida Provisória (MP) que eliminou a necessidade de autorização individual e confirmada para descontos foi aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro em 2022. Ela disse ainda que “o governo está trabalhando para que o mais rápido possível essas entidades respondam pelo que fizeram e façam o ressarcimento devido aos aposentados. As quadrilhas e as associações fraudulentas terão de devolver tudo que roubaram”. 

Imagem: Reprodução de publicação da Ministra Gleisi Hoffmann, perfil no X

O líder do Partido dos Trabalhadores na Câmara dos Deputados, deputado Lindbergh Farias (PT-RJ), rebateu o vídeo de Nikolas Ferreira com produção própria em que afirma que “Nikolas mente” e anuncia “jogar luz nessa história”. “Bolsonaro foi avisado da fraude. Por que não agiu? Por que não colocou a CGU? Por que não chamou uma investigação da Polícia Federal?”, questionou. 

Imagem: vídeo do deputado Lindbergh Farias (PT/RJ), perfil do X

Outras lideranças da base do governo federal, como os deputados Paulo Pimenta (PT/RS) e André Janones (Avante/MG) também publicaram conteúdo em contraposição ao material viralizado.

Imagem: Vídeo do deputado Paulo Pimenta (PT/RS), Perfil do X

Vídeo engana ao distorcer, exagerar e omitir dados sobre fraudes no INSS para responsabilizar o atual governo

Bereia verificou que de fato, no novo vídeo, o deputado Nikolas Ferreira, engana com distorções, exageros e omissões sobre o caso das fraudes no INSS.

O deputado engana ao afirmar que um novo relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) teria apurado a movimentação de R$90 bilhões, em 2023, pelo INSS. A CGU explica  e o relatório da investigação demonstra que este valor é o total que a população que aderiu ao crédito consignado movimentou em 2023, e que ele não tem qualquer relação com os descontos associativos que envolveram as fraudes em questão. O ministro da CGU alerta que esta é a manipulação indevida de um número que não consta no relatório sobre as fraudes do INSS. Segundo o ministro da CGU, em entrevista, “quem faz este tipo de caixa não está querendo informar a população, está querendo enganar a população”.i

O deputado federal cria falso alarde com o exagero de tratar das fraudes no INSS como “o maior escândalo da história do Brasil”. Na realidade, esta posição é ocupada pelo chamado “Orçamento Secreto”, instituído em 2020, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) com o então presidente da Câmara Federal Arthur Lira (PP/AL). O mecanismo de emendas de relatoria designou mais de R$46  bilhões até 2022 para gastos indicados por parlamentares, sem transparência sobre autoria ou finalidade. De acordo com a  Transparência Internacional Brasil, o “Orçamento Secreto” é considerado o maior processo de “institucionalização da corrupção” no Brasil, devido à sua escala, falta de fiscalização e impacto nos cofres públicos.

O deputado, ao usar o conteúdo como campanha de oposição ao governo Lula, omite que a fraude tenha tido início, segundo as investigações, como já registrado nesta matéria, durante o governo de Jair Bolsonaro. Nikolas Ferreira faz crer que as fraudes, que envolvem servidores públicos e associações prestadoras de serviços a aposentados, teriam sido planejadas e executadas pelo atual governo. As ações fraudulentas, de fato, se estenderam neste mandato, como mostram as investigações, o que causou a demissão do ministro da Previdência Social, por inação, porém foram iniciadas muito antes, pelo menos, desde 2019.

Além das afirmações enganosas, o deputado evangélico faz uso de imagens com fundo preto, expressões faciais e simulação de sua face envelhecida para apelar às emoções. Tais recursos embalam as distorções de informações verdadeiras com descontextualização e omissões.  

***

Bereia classifica o vídeo do deputado evangélico Nikolas Ferreira como enganoso. Ferreira faz uso de um fato existente – o esquema de fraudes no INSS – tornado público por investigação iniciada pelo atual governo, para distorcer e exagerar conteúdo que tem como objetivo responsabilizar unicamente este mesmo governo pelo caso. Além disso, o deputado usa de discurso e imagens promotoras de pânico para captar atenção à sua campanha de oposição. Na linha de ações frequentemente checadas pelo Bereia, este parlamentar tem feito uso de desinfomação (falsidades, mentiras, enganos) como estratégia política, o que é altamente nocivo à democracia.

Bereia alerta: diante de um contexto democrático, é fundamental se informar por meio de fontes variadas antes de concluir que uma informação é totalmente confiável. Figuras políticas que fazem oposição ao governo vigente são necessárias para a manutenção de debates saudáveis e fiscalização dos governantes. No entanto, a oposição deve ser feita de forma digna e não com base em mentiras e terror verbal.

Por isso, é necessário observar de maneira crítica o conteúdo produzido e divulgado pelos representantes da população no Parlamento, pois podem manipular conteúdos a fim de captar apoio às suas pautas e convencer na destruição de reputações que promovem. É recomendável verificar a procedência das informações antes de compartilhá-las ou criticá-las. Algumas dicas essenciais são:

  • Não acredite automaticamente nas informações utilizadas em vídeos de atores políticos: busque as fontes originais, verifique os fundamentos propagados e mantenha o olhar crítico.
  • Esteja atento aos recursos de cunho emotivo, utilizados para provocar sentimentos como indignação, raiva e medo para gerar engajamento.
  • Pesquise antes de compartilhar: uma busca rápida sobre o que é fato pode evitar a propagação de desinformação.

Referências

Controladoria- Geral da União, Perfil no Instagram https://www.instagram.com/reel/DJZEmGPRCc5/?igsh=MXV3bHRpcXZxMm4zMg== acesso 15 mai 2025

Controladoria-Geral da União, Perfil no Instagram

https://www.instagram.com/reel/DJZEmGPRCc5/?igsh=MXV3bHRpcXZxMm4zMg%3D%3D
acesso 15 mai 2025

G1

https://g1.globo.com/economia/noticia/2019/08/21/governo-anuncia-plano-para-privatizar-nove-empresas-estatais.ghtml acesso 15 mai 2025

Valor Econômico

https://valor.globo.com/brasil/noticia/2025/05/12/inss-pode-perder-papel-de-intermediacao-de-descontos-e-emprestimos-consignados.ghtml acesso 15 mai 2025

Agência Brasil

https://agenciagov.ebc.com.br/noticias/202504/ministro-da-cgu-detalha-acoes-do-governo-sobre-fraude-contra-o-inss acesso 15 mai 2025

EBC na Rede

https://twitter.com/ebcnarede/status/1920258796573634619
acesso 15 mai 2025

Gleisi Hoffmann, perfil X

https://twitter.com/gleisi/status/1920186238444708072
acesso 15 mai 2025

Lindbergh Farias, perfil X

https://twitter.com/lindberghfarias/status/1920231253254557969
acesso 15 mai 2025

Paulo Pimenta, perfil X

https://twitter.com/Pimenta13Br/status/1920869536196424061
acesso 15 mai 2025

Canal Gov

https://twitter.com/canalgov/status/1920265518444912981
acesso 15 mai 2025

Noticias UOL

https://noticias.uol.com.br/confere/ultimas-noticias/2025/05/08/pf-nao-disse-que-fraude-no-inss-chega-a-r-90-bi.htm acesso 15 mai 2025

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/blogs/hashtag/2025/05/nikolas-ferreira-repete-formula-e-viraliza-acusando-governo-em-escandalo-do-inss.shtml acesso 15 mai 2025

Congresso em Foco

https://www.congressoemfoco.com.br/coluna/29748/orcamento-secreto-e-o-maior-esquema-de-corrupcao-institucionalizada-da-historia-diz-diretor-da-transparencia-internacional acesso 15 mai 2025

G1

https://g1.globo.com/politica/noticia/2025/05/07/fraude-no-inss-gera-onda-de-desinformacao-nas-redes-governo-alerta-para-golpes.ghtml acesso 15 mai 2025

Morte do Papa e Conclave para eleição do novo líder católico geram uma onda de desinformação massiva 

Uma onda de teorias conspiratórias, interpretações simbólicas e místicas e paralelos proféticos, relacionada à morte do Papa Francisco chegou à equipe do Bereia nas últimas semanas. A ela se soma um intenso debate nas mídias digitais, com especial enfoque em círculos religiosos.

Francisco, líder da Igreja Católica Romana desde 2013, faleceu no dia 21 de abril de 2025, em sua residência na Casa Santa Marta, no Vaticano. De acordo com o comunicado oficial da Santa Sé, a causa da morte foi um acidente vascular cerebral fulminante, seguido de colapso cardíaco.  Apesar da clareza do comunicado e da cobertura televisiva dos ritos fúnebres, o fato do falecimento do pontífice, embora esperado após semanas de internações e histórico médico, gerou esta massa de desinformação. Bereia reune nesta matéria uma parcela do que foi coletado e pesquisado pela equipe. 

A data, a hora da morte e o clube do coração 

Um dos detalhes que mais gerou repercussão nas redes foi a divulgação de uma “numerologia” que representava a idade e o horário da morte do Papa: 88 anos e 2h35, horário argentino de seu falecimento. A união dos números coincide com os dígitos finais da credencial de sócio do clube de futebol San Lorenzo de Almagro, pelo qual Francisco era apaixonado: 88235. O clube divulgou no perfil oficial no X um vídeo em homenagem ao seu mais ilustre torcedor, com a imagem da carteirinha de Bergoglio. 

Imagem: Reprodução X

De fato, os números coincidem, o que não significa uma correlação direta entre um clube de futebol e a morte de um Papa. Porém, a constatação acionou uma série de suposições publicadas em mídias sociais.  

Imagem: Reprodução de publicação que ressalta a coincidência numérica
Imagem: Reprodução de publicação no X

Bergoglio é o “Anticristo” e o “Último Papa”?

A morte do Papa Francisco reacendeu debates sobre profecias que circulam há décadas, especialmente, em ambientes evangélicos, que supostamente preveem  o fim dos tempos. Entre elas, destaca-se a chamada Profecia de São Malaquias, ou a “Profecia dos Papas”, uma lista de 112 ou 113 frases em latim, que descreve os papas da Igreja Católica, começando com Celestino II até o último papa (Petrus Romanus). 

A lista teria sido escrita pelo arcebispo de Armagh (Irlanda), no século 12, Máel Máedóc Ua Morgair, que foi canonizado como São Malaquias, no final daquele século. O texto ganhou notoriedade com a publicação do historiador e monge beneditino francês Arnold de Wion, na obra Lignum Vitae (1595). Na lista, cada papa é representado por um lema em latim, que poderia refletir sua personalidade ou o contexto histórico do seu pontificado. De acordo com a teoria, o arcebispo irlandês teria descrito os papas que liderariam a Igreja Católica até o Juízo Final.​ O manuscrito de 900 anos diz que o ‘Apocalipse’ viria após a consagração do 112º Papa, que foi Francisco.

Segundo interpretações populares, o Papa Francisco corresponderia ao penúltimo lema, que antecede o “Petrus Romanus” (“Pedro Romano”), o último papa que governaria durante grandes tribulações. A inscrição de São Malaquias sobre “Pedro Romano” diz: “Na extrema perseguição da Santa Igreja Romana, sentar-se-á Pedro Romano, que apascentará as ovelhas em muitas tribulações; e quando estas coisas terminarem, a cidade das sete colinas será destruída, e o Juiz terrível julgará o seu povo. Fim.” 

A rede de teorias baseadas nessa suposta profecia viralizou na última semana. Entre os evangélicos, a morte e a escolha de um novo líder para a Igreja Romana reacenderam as teorias apocalípticas divulgadas, em especial, por  grupos adventistas,  pela editora “Chamada da Meia-Noite” e pela teologia  dispensacionalista — uma interpretação da bíblica que divide a história da humanidade em diferentes “dispensações” ou períodos, nos quais Deus interage com o homem de maneiras distintas. Este sistema teológico enfatiza a separação entre Israel e a Igreja, com cada um tendo um papel único no plano de Deus. Tal noção foi reforçada, mais recentemente,  pelo sucesso editorial do best seller “Deixados Para Trás”, sucesso nos Estados Unidos no começo dos anos 2000 (simbolicamente, a virada do segundo milênio) e foi produzida em filme.

Na leitura dispensacionista do Apocalipse, no fim do mundo há uma guerra em Israel, a morte do papa e uma crise civilizatória. Evidentemente, os três eventos acompanham a história da humanidade desde 1054 – data em que o Bispo de Roma e o Patriarca de Constantinopla se excomungaram mutuamente. 

Teses semelhantes já haviam circulado durante os pontificados de Pio XII (contemporâneo de Adolf Hitler) e de João Paulo II (contemporâneo da Queda do Muro de Berlim). Para ampliar as teses macabras e acionar os buscadores de presságios, foi propagada a história de que, em 1958, o cadáver de Pio XII, saturado de gases internos, após longo velório, teria se rompido. 

Bereia levantou publicações que divulgam  o resumo das “profecias dos papas”, relacionados ao capítulo 17 de Apocalipse. Elas apresentam uma leitura tradicionalista e conservadora sobre o lugar e do poder da Igreja Católica, como se pode identificar: 

1. Pio XII (1939–1958) Último pilar da tradição católica. Seu “reinado” marca o início da preparação do ciclo profético, antes da grande ruptura.

2. João XXIII (1958–1963) Convocou o Concílio Vaticano II. Foi o iniciador da “transformação espiritual da Igreja”, abrindo caminho para mudanças profundas.

3. Paulo VI (1963–1978) Implementou as reformas do Concílio. Seu “reinado” consolidou a “perda das tradições milenares e acelerou a crise interna da fé”.

4. João Paulo I (1978) “Reinou” apenas 33 dias. Cumpriu o sinal do “reinado breve”, previsto na profecia, e simbolizou a “fragilidade do tempo”.

5. João Paulo II (1978–2005) Liderança mundial carismática. Promoveu a “expansão espiritual da Igreja, mas também cedeu ao espírito do mundo moderno”.

6. Bento XVI (2005–2013) Lutou pela “defesa da tradição em meio ao isolamento”. Seu papado representou a “última grande resistência antes da divisão aberta”.

7. Francisco (2013–2025) Promoveu uma “abertura extrema e favoreceu o cisma interno”. Sua morte “marca o fim dos sete reis e o encerramento da era”.

8. O Futuro Papa  Será o “oitavo rei”. O seu surgimento representa o “fechamento do ciclo profético e a manifestação da besta que caminha para a perdição”.

Profecia de São Malaquias

A pesquisa sobre este assunto indica que estudiosos questionam a autenticidade e a interpretação dessa profecia; entre eles está o escritor  Anura Guruge. Ele afirma que, apesar de a profecia usar o nome de São Malaquias, não vale a pena prestar atenção nela. “O fato é que Malaquias é um santo católico, então alguns católicos atribuem qualidades mágicas ou espirituais à visão. O que eles tendem a não entender é que, muito provavelmente, tudo isso é uma falsificação”.

Para a maioria dos teólogos e historiadores eclesiásticos, a chamada “Profecia dos Papas”, atribuída a São Malaquias, é considerada uma falsificação. Para o professor do departamento de Teologia da PUC-SP Dayvid da Silva, a “profecia” usou o nome de São Malaquias para ganhar relevância. “Esse texto é aquilo que nós chamamos de pseudoepígrafo, que é quando você escreve um texto e para obter relevância você coloca o nome de alguém famoso ou de um santo famoso, alguém com uma certa autoridade”, explicou. Não existem registros contemporâneos que comprovem que São Malaquias tenha escrito essa profecia durante a  vida.

O intervalo entre a morte de São Malaquias, em 1148, e a primeira publicação da suposta profecia, em 1595, é de mais de 400 anos. O texto foi divulgado pela primeira vez pelo beneditino Arnold de Wion, como já indicado nesta matéria. Além disso, não há qualquer menção a essa profecia nos escritos de São Bernardo de Claraval, biógrafo e amigo pessoal de São Malaquias. Como aponta o  pesquisador em História e Filosofia Medieval Dr. Luis Alberto De Boni, São Bernardo descreve Malaquias como um “homem de espírito profético”, mas sem citar qualquer obra. Dado o relacionamento próximo entre os dois, seria improvável que Bernardo desconhecesse tal documento caso ele realmente existisse.

Diante disso, muitos teólogos e historiadores consideram a Profecia de São Malaquias como uma desinformação do século 16, possivelmente elaborada para influenciar eleições papais da época. Assim, não há embasamento teológico ou histórico sério que ligue Francisco a um suposto “último Papa”.

Imagem: Reprodução Instagram

Imagem: Reprodução Instagram


O fim do mundo, mais uma vez…

No prefácio da obra “Visions of the End, Apocalyptic Traditions in the Middle Ages” [Visõesdo Fim, Tradições Apocalípticas na Idade Média”, em 1979, o historiador Bernard McGinn afirma,, que o apocalipticismo faz parte das três religiões monoteístas: Judaísmo, Cristianismo e Islamismo. Todavia, a literatura apocalíptica ganhou impulso na Idade Média entre os cristãos – especialmente por conta da virada do milênio e das guerras religiosas promovidas pelas Cruzadas e após a Reforma Protestante do século 16. Viradas de milênio e movimentos de mudança cultural, tecnológica ou transformação geopolítica também são apontadas como “catalizadores” de movimentos milenaristas e de propagação de  seitas apocalípticas.

Estudiosos da Bíblia no Brasil compartilham da mesma compreensão. O professor e pesquisador em Cristianismo Primitivo Paulo Augusto de Souza Nogueira afirma que o Apocalipse de João, na Bíblia, é um texto que fascina a humanidade. “Suas imagens misteriosas e sua narrativa surpreendente nos causam admiração, encanto, mas também pavor. Devido a seu potencial simbólico tem sido travada na cultura ocidental uma batalha de interpretação em torno desse texto. O Apocalipse tem sido, dessa forma, atualizado e recriado para expressar as angústias, temores e anseios mais profundos da sociedade”, explica Nogueira, que integra Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da PUC-Campinas. Ele indica que “apocalipse” quer dizer “revelação”, isto é “desvelamento da experiência profunda do mundo, do encontro do ser humano com o Cristo, para muitas gerações”.

O prof. Paulo Nogueira alerta que, por outro lado, “o Apocalipse também tem sido domesticado, quando não calado”. Por isso, o pesquisador acrescenta: “Ele foi transformado em mapa de fim de mundo, em previsão de notícias de jornais, um horóscopo tão impreciso quanto assustador. Não é à toa que diferentes discursos fundamentalistas cristãos buscam construir suas visões de mundo a partir desse livro”. 

Nos livros que escreve e nos cursos que oferece sobre o Apocalipse, Nogueira propõe: “Podemos superar esses medos paralisantes por meio da redescoberta desse texto fundante de nossa cultura, adentrando em seus misteriosos jogos de interpretação, jogos que não se resumem a prever eventos isolados, ao contrário, inserem nossa realidade numa narrativa total e multifacetada, integradora e radical”.

Os cardeais e o Conclave

A morte de Francisco, que alimentou discussões escatológicas sobre o “fim dos tempos”, num contexto de crescente instabilidade global — guerras, crises ambientais e tensões religiosas, também alimentou uma enxurrada de desinformação sobre os cardeais e o Conclave.

O lançamento de um filme homônimo, que concorreu ao Oscar em 2025, Conclave,  aumentou a imaginação em torno da eleição do novo pontífice. Publicações em  grupos de Telegram e Whatsapp relacionados à própria Igreja Católica e a igrejas evangélicas relacionaram a morte do Papa Francisco com os enredos conspiratórios do filme – e especialmente com “informações secretas” sobre os candidatos. Para complicar a propagação de desinformação , imagens do filme (uma obra de ficção) estão sendo discutidas e tratadas como “documentário”.

No filme, as diversas alas políticas e teológicas disputam a votação do sucessor do papa falecido. A pressão política vazou para as mídias.  Conclave é um thriller político dirigido por Edward Berger – o mesmo diretor de “Nada de Novo no Front” (2022). Ele captura o suspense que surge quando o Vaticano atrai o interesse da cobertura internacional. 

Em meio às teorias, coincidências e interpretações simbólicas, o fato é que a morte de Francisco marcou o fim de um papado transformador e divide opiniões dentro e fora da Igreja Católica.

Para muitos, Francisco deixa um legado de engajamento, mobilização ambiental, diálogo inter-religioso e defesa da paz e justiça social, bem como atenção aos mais vulneráveis. Para seus admiradores, seu maior sinal profético não foi a data de sua morte, mas a vida que escolheu viver — desafiando estruturas de poder e chamando a Igreja a uma conversão pastoral em tempos conturbados. Para os que são contrários às suas ações enquanto Papa, Francisco dividiu a Igreja Católica e foi por demais permissivo com questões morais destrutivas da fé cristã. 

O mundo aguarda agora o próximo capítulo da história. Com Francisco, uma era se encerra; o futuro ainda está por ser escrito. 

Referências:

O Estado de São Paulo

https://www.estadao.com.br/estadao-verifica/profecia-de-sao-malaquias-proximo-papa-fim-do-mundo-enganoso/#:~:text=O%20que%20est%C3%A3o%20compartilhando:%20que,e%20concluiu%20que:%20%C3%A9%20enganoso. Acesso em 25 abr 2025

Extra

https://extra.globo.com/blogs/page-not-found/post/2025/04/morte-do-papa-francisco-reacende-crenca-na-profecia-de-sao-malaquias-argentino-seria-o-ultimo-pontifice-antes-do-fim-do-mundo.ghtml?utm_source=chatgpt.com Acesso em 25 abr 2025

Extra

https://extra.globo.com/mundo/noticia/2025/04/morre-papa-francisco-o-reformista-da-igreja-catolica.ghtml Acesso em 25 abr 2025

CNN

https://www.cnnbrasil.com.br/lifestyle/profecia-de-nostradamus-vem-a-tona-apos-morte-do-papa-francisco-entenda/ Acesso em 25 abr 2025

CNN

https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/entenda-as-coincidencias-em-torno-da-data-da-morte-do-papa-francisco/ Acesso em 25 abr 2025

CNN

https://www.cnnbrasil.com.br/esportes/futebol/idade-e-hora-da-morte-do-papa-e-igual-ao-dado-de-socio-dele-no-san-lorenzo/  Acesso em 25 abr 2025

G1

https://g1.globo.com/fato-ou-fake/noticia/2025/04/21/e-fato-idade-e-hora-da-morte-do-papa-francisco-coincidem-com-numero-da-carteirinha-dele-de-socio-do-san-lorenzo.ghtml Acesso em 25 abr 2025

G1

https://g1.globo.com/mundo/noticia/2025/04/21/time-do-papa-francisco-faz-homenagem-emocionante.ghtml  Acesso em 25 abr 2025

PUC-RS

https://revistaseletronicas.pucrs.br/teo/article/view/1689  Acesso em 25 abr 2025

New Advent

https://www.newadvent.org/cathen/12473a.htm  Acesso em 25 abr 2025

O Estado de São Paulo

https://www.estadao.com.br/estadao-verifica/profecia-de-sao-malaquias-proximo-papa-fim-do-mundo-enganoso/#:~:text=O%20que%20est%C3%A3o%20compartilhando:%20que,e%20concluiu%20que:%20%C3%A9%20enganoso. Acesso em 25 abr 2025

Vatican News

https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2025-04/papa-francisco-causa-morte-21-04-25.html Acesso em 25 abr 2025

Prof. Paulo Nogueira

https://www.profpaulonogueira.com.br/sobre/. Acesso em 7 mai 2025

Revista Fronteiras – Revista de Teologia da UnicapXAVIER, Liniker Henrique. Fundamentalismo e Dispensacionalismo: evangélicos e o engajamento contra a Modernidade. Fronteiras – , Recife, PE, Brasil, v. 6, n. 2, p. 267–286, 2023. https://www1.unicap.br/ojs/index.php/fronteiras/article/view/2519.. Acesso em 7 mai 2025.

Jornalismo declaratório repercute conteúdo disseminado por Eduardo Bolsonaro desmentido depois pelo governo Trump e por seu irmão

O início da primeira semana útil de maio de 2025 foi agitado por notícia disseminada pelo deputado federal licenciado evangélico Eduardo Bolsonaro (PL-SP): o funcionário do governo estadunidense, chefe interino da coordenação de sanções internacionais, David Gamble estaria a caminho do Brasil, em 5 de maio, para tratar de punições contra o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes por promoção de censura e perseguição política.

A notícia havia sido publicada inicialmente pelo portal Metrópoles, em 2 de maio, com base em declarações de Eduardo Bolsonaro, que teria “costurado a visita de membros do governo Trump a solo brasileiro”. Fiel ao conteúdo oferecido pelo filho do ex-presidente Jair Bolsonaro, que se licenciou do mandato como parlamentar para fazer política a partir dos EUA, o Metrópoles informou que David Gamble se reuniria com o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que levaria o funcionário do governo Trump para um encontro com Jair Bolsonaro.

Com o credenciamento da informação pelo Metrópoles, o deputado licenciado, que se autodeclara batista, reproduziu o conteúdo em seus perfis de mídias sociais e emplacou repercussão em mídias da direita estadunidenses e brasileiras.

Outras mídias de notícias no Brasil transformaram as declarações de Eduardo Bolsonaro em notícia.

Informação desmentida pelo governo dos EUA

A primeira matéria jornalística com informação qualificada sobre a anunciada visita de David Gamble ao Brasil foi produzida pelo jornalista do UOL Jamil Chade, publicada no domingo, 4 de maio. Chade informou que o governo de Donald Trump havia desmentido a versão dada por Eduardo Bolsonaro quanto ao objetivo de sanções contra autoridades brasileiras. A apuração do jornalista confirmou que a viagem ocorreria, de fato, a partir da segunda-feira, 5 de maio, mas a embaixada dos EUA no Brasil indicou outros temas a serem tratados com o governo brasileiro.

Segundo Jamil Chade, a apuração do UOL já havia confirmado que a viagem anunciada por Eduardo Bolsonaro de um funcionário do governo Trump já havia sido organizada pelo próprio governo brasileiro e tem como objetivo estabelecer uma cooperação entre os dois países no combate ao crime organizado.

Em nota ao UOL a Assessoria de Imprensa da Embaixada dos EUA no Brasil declarou que “O Departamento de Estado dos Estados Unidos enviará uma delegação a Brasília, chefiada por David Gamble, chefe interino da Coordenação de Sanções. Ele participará de uma série de reuniões bilaterais sobre organizações criminosas transnacionais e discutirá os programas de sanções dos EUA voltados ao combate ao terrorismo e ao tráfico de drogas”. 

Nas declarações de Eduardo Bolsonaro repercutidas em diversas mídias não foi mencionado que a viagem já fazia parte de uma agenda oficial de cooperação entre Brasil e EUA. David Gamble veio ao país em uma comitiva que tem agendas no Itamaraty, no Ministério da Justiça e com outros órgãos federais, deputados e senadores. Jamil Chade apurou que a cooperação Brasil-EUA foi intensificada com contatos entre ministérios e até uma missão da Polícia Federal, relacionada a ações do governo Trump contra gangues estrangeiras.

Em abril passado a direção internacional da PF havia viajado até Washington e assinado um acordo para ampliar a luta contra o crime organizado, com previsão de troca de informações entre os dois países. O anúncio foi feito com destaque pelo próprio governo Trump. No mês anterior, março, a polícia estadunidense havia anunciado a prisão de 18 brasileiros, suspeitos de participarem de ações do Primeiro Comando da Capital (PCC) em território americano.

Na apuração do UOL, Jamil Chade acrescenta que, mesmo neste contexto, o governo brasileiro viu com desconfiança o anúncio de Bolsonaro e procurou o Departamento de Estado dos EUA para saber se a visita oficial teria desdobramentos para além da agenda que estabelecida com o governo. Residindo nos EUA nos últimos meses, Eduardo Bolsonaro tem liderado uma campanha para que haja uma ação do governo Trump contra autoridades brasileiras e contribua com a oposição nas eleições que ocorrerão em 2026.

Estas informações foram confirmadas em matérias publicadas nos jornais O Globo, Folha de S. Paulo, Estado de Minas, no portal G1, entre outras mídias.

Flávio Bolsonaro desmente o suposto objetivo

O senador Flávio Bolsonaro confirmou à imprensa, em 6 de maio, que se reuniu com um assessor do Departamento de Estado dos EUA mas não tratou de sanções contra o STF, como havia anunciado o irmão Eduardo Bolsonaro. “Não foi tratado”, afirmou o senador, ao final do encontro, e acrescentou: “quem trata desse tema é o Eduardo”. Segundo o parlamentar, o tema da reunião foi o enfrentamento do crime organizado.

“Eu, na qualidade de presidente da Comissão de Segurança do Senado, havia pedido já há alguns dias, via embaixada, uma reunião aqui no Brasil com alguma autoridade do governo americano para que a gente pudesse tratar dessa pauta de segurança pública. Então, o assunto aqui não tem nada a ver com sanções, com relação a quem quer que seja, como foi tratado aí por parte da imprensa”, disse o senador ao jornal O Globo, após o término do encontro.

Em nova apuração de Jamil Chade para o UOL, foi informado que o chefe da delegação estadunidense David Gamble não esteve com Flávio Bolsonaro. De fato, uma reunião foi realizada entre o senador e um integrante da delegação americana, o funcionário Ricardo Pita. Ele é nascido na Venezuela e integra o terceiro escalão do Departamento de Estado dos EUA, sem experiência prévia na diplomacia. O cargo de Pita leva o nome de “Conselheiro sênior para assuntos do Hemisfério Ocidental.

Antes de entrar para o governo, em janeiro de 2025, Ricardo Pita era assistente do senador republicano Ted Cruz, que dialoga com membros da família Bolsonaro e do PL. No mesmo dia em que se reuniu com Flávio Bolsonaro, Pita visitou Jair Bolsonaro em casa. O conteúdo da conversa foi divulgado por Eduardo Bolsonaro em mídias sociais e teria sido marcado por denúncia das “ameaças à democracia brasileira e aos interesses dos EUA na região”. O deputado licenciado afirma que Ricardo Pita se comprometeu em levar a mensagem do ex-presidente aos EUA.

Novas afirmações de Eduardo Bolsonaro

Eduardo Bolsonaro rebateu o desmentido sobre a agenda da equipe de Trump e atribuiu a divergência a integrantes do governo Biden, que ainda estariam representando os EUA no Brasil. “Os Estados Unidos já enviaram um novo embaixador para o Brasil? Não. Então, o corpo diplomático do governo americano no Brasil ainda é da administração Biden? Sim. Então, morreu já por aqui essa história” disse o deputado licenciado, em entrevista ao canal do YouTube Programa 4 por 4, conforme matéria do jornal O Globo.

***
Bereia alerta leitores e leitoras sobre o papel desinformativo do jornalismo declaratório praticado intensamente pela grande imprensa no Brasil e também por outras mídias. Este tipo de fazer jornalístico é caracterizado pela publicação de declarações de personagens da cena pública em matérias que a elas se restringem, ou seja, em que não é praticado o essencial no processo informativo do jornalismo que é a apuração, o oferecimento de dados, de elementos factuais, de comprovações, de outras perspectivas sobre o tema.

Tal prática tem por objetivos: 1) a defesa de assuntos que são os temas tratados por personagens em suas declarações ou a crítica a eles, de forma que público seja levado a acatar ou a rejeitar o que se diz; 2) a simples captura de público – no caso das mídias digitais, os chamados caça-cliques – uma vez que muitas declarações são vazias de informação e não poderiam ser transformadas em notícia.

No caso destacado nesta matéria do Bereia, há uma prática recorrente de personagens identificadas com a extrema direita política:

– uma afirmação “bombástica”, ancorada em alguma situação verdadeira – uma visita de delegação dos EUA ao Brasil, por exemplo -, é lançada para publicação na imprensa;

– a declaração não tem base factual (não tem fontes, nomes, dados, pautas, datas, elementos comprováveis) – “EUA envia delegação para impor sanções ao STF”, por exemplo ;

– veículos da imprensa, seja por alinhamento ao que é dito (desejar sanções para o STF, o que traria danos à diplomacia do atual governo, por exemplo), seja por avidez por cliques e público (sensacionalismo que capta audiência), não apuram o conteúdo e simplesmente o reproduzem;

– o que é vazio de informação vira notícia (“o deputado disse” ou “foi confirmado pelo deputado”, por exemplo).

– as personagens que propagam tais declarações lançam mão da notícia, unicamente ancorada no que disseram ou confirmaram, para credenciar e validar suas próprias afirmações (“saiu na imprensa”).

Bereia chama a atenção para matérias fundamentadas apenas em “Fulano disse” ou “Beltrano anuncia” ou “Cicrano confirma”, que não oferecerem conteúdo próprio do jornalismo comprometido com a informação – apuração de dados, fatos, ocorrências, fontes, nomes, datas, pautas, elementos comprováveis. Não compartilhe este tipo de conteúdo! Pesquise o que outros veículos dizem sobre o caso para não se tornar “isca” para captura de apoio político ou para alavanca de audiência.

Referências

Metrópoles

https://www.metropoles.com/colunas/paulo-cappelli/governo-trump-chega-ao-brasil-para-tratar-de-sancoes-a-moraes Acesso em 06 mai 2025

UOL

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2025/05/04/visita-de-americano-anunciada-por-eduardo-ja-estava-na-agenda-do-planalto.htm Acesso em 06 mai 2025

UOL

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2025/05/05/flavio-diz-que-nao-tratou-de-sancoes-contra-stf-com-americano-de-3-escalao.htm Acesso em 06 mai 2025

O Globo

https://oglobo.globo.com/blogs/sonar-a-escuta-das-redes/post/2025/05/bolsonaro-encontra-enviado-de-trump-e-eduardo-diz-que-alerta-sobre-ameaca-a-democracia-brasileira-sera-levado-aos-eua.ghtml Acesso em 06 mai 2025

Boletim de Fé: iniciativa de Belo Horizonte une Bíblia e checagem para combater fake news em grupos religiosos

Um boletim de áudio semanal, lido por lideranças comunitárias das periferias de Belo Horizonte (MG), vem se tornando uma ferramenta inovadora no enfrentamento à desinformação em ambientes religiosos. O Boletim de Fé é uma iniciativa do Observatório Participativo da Desinformação, da ONG Agência de Iniciativas Cidadãs (AIC), em parceria com o Coletivo Bereia, especializado em checagens de conteúdo religioso.

O programa traz uma reflexão bíblica seguida de uma checagem de informação que circulou nos grupos religiosos. O conteúdo é produzido pela equipe da AIC e veiculado em uma lista de WhatsApp, além de ser disponibilizado em plataformas digitais. Junto ao áudio, os ouvintes recebem um resumo escrito e o link para a fonte confiável da informação. 

A ideia nasceu a partir da percepção, relatada por lideranças ouvidas pelo Observatório, de que a desinformação muitas vezes se apoia em interpretações distorcidas da Bíblia para se espalhar nas comunidades de fé. Na visão do coordenador de projetos Juliano Antunes, se a desinformação muitas vezes chega amparada por uma reflexão teológica, a estratégia de enfrentamento também precisa oferecer esse mesmo suporte.

“No Observatório, temos cada vez mais entendido que a desinformação está sempre muito relacionada a um contexto de ideias e discursos. Em nossa escuta com 21 lideranças evangélicas, muitos apontaram que uma leitura fundamentalista e distorcida da Bíblia tem favorecido a promoção de desinformações sobre várias questões — desde políticas públicas, como a Lei Maria da Penha, até temas relacionados à comunidade LGBTQIA+ e às religiões de matriz africana”, detalha Antunes.

O episódio de estreia do Boletim de Fé tratou de uma checagem do Bereia sobre vídeos e mensagens que alegavam perseguição e mortes em massa de cristãos na Síria. O conteúdo que citava um suposto massacre de 1.800 cristãos foi classificado como enganoso. As informações não foram confirmadas por agências internacionais como ONU, BBC e CNN, e os relatos indicam que os ataques recentes atingiram majoritariamente a minoria alauita e não cristãos.

Imagem: acervo/AIC

A escolha de uma liderança local como a voz do boletim é estratégica: ao reconhecer a força dos laços comunitários, o projeto busca tornar o porta-voz da verdade alguém em quem a audiência já confia. O objetivo é nítido — reduzir o impacto das fake news nas comunidades de fé, muitas vezes mais suscetíveis à desinformação pela própria lógica de confiança e compartilhamento nos grupos religiosos. Para a diretora da AIC e coordenadora do Observatório, Emanuela São Pedro, o engajamento das lideranças religiosas é fundamental nesse processo.

“As lideranças estão próximas das pessoas, convivem com seus desafios e são referências de confiança. Quando falamos de lideranças religiosas, essa relação é ainda mais forte, pois lidamos com as crenças e a fé. Por isso, é fundamental que essas lideranças se comprometam em orientar de forma crítica e segura sobre as informações que circulam, e promovam o crescimento das pessoas, não alimentando informações enganosas ou distorcidas. Achamos que esse é um caminho coerente com a mensagem cristã”, afirma a diretora.

Criado pela AIC em 2022, o Observatório Participativo da Desinformação tem como missão fomentar formas coletivas, colaborativas e criativas de combate às fake news, sempre a partir da escuta e articulação com iniciativas locais. “A partir dessa escuta, temos desenvolvido campanhas que respondem demandas trazidas por lideranças comunitárias no enfrentamento à desinformação. Além disso, já realizamos campanhas sobre o direito à moradia, golpes cibernéticos, eleições municipais, dentre outras”, afirma Emanuela São Pedro. O projeto atua hoje na região Metropolitana da capital mineira e em territórios como o Morro do Papagaio, o Aglomerado da Serra, a Pedreira Prado Lopes e Ribeirão das Neves, mobilizando jovens, coletivos e lideranças comunitárias.

A proposta do Observatório parte da premissa de que a desinformação é uma ameaça concreta ao Estado de Direito, às instituições democráticas e à formulação de políticas públicas. Por isso, aposta em ações enraizadas na comunicação comunitária, buscando enfrentar a desinformação com estratégias próximas, afetivas e de pertencimento.

Quando fé vira alvo da mentira

A relação entre desinformação e religião tem sido objeto de diversas pesquisas. Durante a pandemia, o uso de aplicativos de mensagens por igrejas e comunidades de fé se intensificou. Estudo do Grupo de Estudos sobre Desigualdades na Educação e na Saúde (Gedes) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) mostrou que 49% dos entrevistados afirmaram ter recebido conteúdos enganosos em grupos religiosos. Quase 30% admitiram ter repassado esses conteúdos, mesmo sabendo que eram falsos, por concordarem com a mensagem.

Outro levantamento, realizado pela Universidade de Brasília, revelou em 2023 que o perfil mais associado à disseminação de fake news sobre vacinas no Brasil é formado por pessoas evangélicas, com idade entre 35 e 44 anos, escolaridade até o ensino médio e pertencentes às classes D e E. Os principais canais utilizados foram o Telegram, o TikTok e o Jornal da Record.

Desinformação: um risco em escala global

A urgência do enfrentamento à desinformação não se restringe às comunidades locais. De acordo com o Relatório de Riscos Globais 2025, publicado durante o Fórum Econômico Mundial, a desinformação está entre as maiores ameaças à estabilidade democrática, à saúde pública e à convivência social no mundo.

Estudos do projeto Cybersecurity for Democracy, da Universidade de Nova York (NYU), mostram que perfis de extrema-direita têm maior alcance nas redes e raramente são penalizados, mesmo propagando informações falsas. Nesse cenário, cresce a importância de iniciativas educativas e de checagem acessíveis à população.

Com iniciativas como o Boletim de Fé, o Observatório aposta na reversão desse quadro. A ideia é simples, mas potente: promover informação de qualidade por meio de vozes em quem as comunidades já confiam — e assim, criar um elo entre fé, cidadania e verdade.

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Religiosos e perfis de extrema direta divulgam manchete falsa sobre sucessão do papa Francisco


Páginas ligadas à extrema direita e perfis religiosos nas redes sociais seguem propagando desinformação sobre a sucessão do papa Francisco, mesmo após o conteúdo ter sido desmentido por agências de checagem. O conteúdo foi compartilhado pelo perfil no Instagram “Evangelização para Todos”, autodenominado católico, e por um dos apresentadores da produtora de conteúdo Brasil Paralelo.

Imagem: reprodução/Instagram

Após o anúncio da morte do papa Francisco, em 21 de abril de 2025, começou a circular nas redes sociais uma imagem falsamente atribuída à Folha de S. Paulo, sugerindo que entre os favoritos para suceder o pontífice haveria “apenas dois negros e nenhum LGBTQIA+”. A montagem, que imitava a identidade visual do jornal, foi espalhada em plataformas como X, Threads, Instagram e Facebook. O Bereia também identificou centenas de conteúdos enganosos semelhantes sendo compartilhados em grupos religiosos digitais, ampliando a desinformação no ambiente de fé.

Conforme checagem realizada pela AFP, o título original da reportagem da Folha de S. Paulo foi manipulado digitalmente. A manchete real dizia: “Saiba quem são cardeais apontados como favoritos para suceder papa Francisco; não há brasileiros na lista”. Além da alteração no conteúdo, foram observadas inconsistências gráficas na imagem falsa: a palavra “Papa” aparece com inicial maiúscula (o que contraria o padrão editorial da Folha, que escreve “papa” com minúscula) e há um ponto final no título, algo que o jornal não utiliza em suas manchetes.

A adulteração foi feita por meio de alteração no código HTML da página — técnica que modifica apenas a visualização local do texto, permitindo ao usuário capturar a imagem adulterada. À AFP, a Folha de S. Paulo confirmou que não publicou a manchete falsificada.

Apesar dos desmentidos, Bereia identificou que até o fechamento desta matéria, os perfis e influenciadores seguem mantendo o conteúdo falso no ar.

Deputada federal católica compartilha informação enganosa sobre série Adolescência 

Série da Netflix “Adolescência” criminaliza jovens brancos conservadores: esta é a ideia transmitida pela  deputada federal Bia Kicis (PL-DF) em publicação no Instagram, em 24 de março último. O texto da deputada católica cita os casos que vitimaram as jovens inglesas Ava White e Elianne Andam, em 2021 e 2023, respectivamente, como inspirações para a série e acusa a produção de ter alterado a identidade do assassino de Elianne Andam. Segundo Kicis, era um homem negro e usuário de drogas que foi trocado na série por um adolescente branco de perfil conservador, propositalmente, “para encaixá-lo em uma narrativa específica”.

Imagem: reprodução Instagram

O texto publicado por Bia Kicis questiona “a conexão da trama com a cultura incel” e afirma que a produção audiovisual faz uma “tentativa de encaixar o crime dentro de um discurso ideológico”. Além do texto, a publicação da deputada contém uma imagem manipulada com as fotos de Hassan Sentamu, jovem negro acusado de assassinato, e Owen Cooper, o jovem ator do seriado da Netflix. 

A deputada federal do PL atribuiu os créditos da informação compartilhada ao perfil do programa Informação e Liberdade no Instagram. O programa é apresentado em canal do YouTube, por Lidiane Pacheco. Entre as publicações do perfil está a que foi reproduzida por Bia Kicis. 

Imagem: reprodução YouTube

Em perfil no Instagram, Lidiane Pacheco se define como “americana, brasileira, Relações Públicas e comunicação política”. Há várias publicações elogiosas ao ex-presidente Jair Messias Bolsonaro e ao deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP).

Imagem: reprodução Instagram

Imagem: reprodução Instagram

Publicações como a do canal do YouTube, replicadas pela deputada, foram motivadas pela reação do proprietário da rede X Elon Musk a uma informação sobre a série “Adolescência” publicada na plataforma. Musk reagiu com uma expressão de surpresa à publicação, feita em 20 de março, por Ian Miles Chong, “o comentarista de direita preferido do Twitter”, segundo apuração do jornal indiano em língua inglesa The Times of India

Na informação publicada no X, Chong diz que os autores da série trocaram “a raça do verdadeiro assassino de um homem negro/imigrante para um garoto branco”.

Imagem: reprodução X

A Revista Oeste também fez coro ao discurso com uma publicação ainda em 20 de março, e compartilhou interações de outras contas sobre o assunto na plataforma de mídia social X.

Imagem: reprodução Revista Oeste

Ao verificar o caso, Bereia teve acesso à publicação do núcleo de checagem de fatos do jornal O Estado de S. Paulo, Estadão Verifica, que classificou as informações como enganosas

Do que trata a série Adolescência?

A produção audiovisual da Netflix Adolescência conta a história da investigação de um crime, na qual um garoto de 13 anos é acusado de assassinar uma colega de classe. A série de quatro episódios estreou em 13 de março passado e se mantém como a mais assistida da plataforma de streaming até o fechamento desta matéria. 

Um dos personagens da trama orienta o detetive responsável pelo caso sobre a linguagem das culturas Incel e Redpill nas mídias digitais, e ajuda a elucidar o crime.

O que são as culturas Incel e Redpill?

O termo “Incel” começou a ser usado na década de 1990, e nos dias de hoje se tornou popular em comunidades online. “Incel” é a combinação das palavras involuntário e celibatário, utilizada para indicar um homem que sente insatisfação sexual. Frequentemente, essa expressão é empregada de maneira negativa.

Além do significado direto, este termo traz como partes de sua própria constituição, os debates acerca de gênero, misoginia, agressão e extremismo. Embora esteja associado à misoginia e a grupos majoritariamente masculinos, a origem da palavra “incel” pertence a uma mulher: Alana, que é conhecida apenas pelo primeiro nome.

O termo se tornou mais conhecido nos anos 1990, ao se integrar ao vocabulário que Alana utilizava em seu site, chamado Projeto de Celibato Involuntário de Alana. A jovem se dirigia aos seguidores enquanto compartilhavam mensagens sobre sentimentos de timidez e dificuldades sociais. Atualmente, o termo se popularizou, e adquiriu novos significados.

De acordo com o psicólogo e pesquisador Manoel Antônio dos Santos, o termo designa os homens que se sentem rejeitados por mulheres e acabam assumindo posturas misóginas e atitudes hostis contra elas, utilizando principalmente as comunidades on-line para disseminar seu ódio generalizado e purgar seu ressentimento. 

É no ambiente virtual que se sentem acolhidos em sua vulnerabilidade e usam esse espaço para se manterem anônimos. O espaço virtual viabiliza o encontro entre os pares, que se identificam por meio da troca de mensagens e potencializam sua atuação.

Na série Adolescência, os termos redpill e incel são citados no contexto da trama ao tratar sobre a misoginia. Os redpills são os homens que “acordaram” para a realidade na qual as mulheres são de fato interesseiras, injustas e cruéis com a classe masculina. 

Adolescentes brancos estão sendo criminalizados na série no lugar de negros?

O núcleo de checagem de fatos do Estadão concluiu que publicações como a da deputada federal Bia Kicis, que alegam que a produção da série Adolescência teria optado por um ator branco para retratar um criminoso negro e imigrante são enganosas. 

Na verdade, a produção não teria sido baseada em um único caso, mas a partir de diferentes crimes que circularam nos noticiários, incluindo um cometido por um jovem negro. Tanto o roteirista Stephen Graham como o co-criador da série Jack Thorne já haviam refutado tais acusações e reiteraram que a obra tem como assunto principal a masculinidade. 

Incels e redpills no Brasil

O “Relatório de recomendações para o enfrentamento ao discurso de ódio e ao extremismo no Brasil”, elaborado por um Grupo de Trabalho criado pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, em 2023, alerta que a misoginia e o discurso de ódio contra as mulheres deve ser visto como um processo que está naturalizado no âmbito das relações, e no ambiente virtual o impacto acaba sendo muito maior. 

De acordo com o relatório, “o discurso de ódio contra as mulheres está associado às desigualdades de gênero historicamente observadas no Brasil e no mundo, elemento fundante da opressão dirigida às mulheres, que resulta na disseminação e contágio de práticas e crenças misóginas, tratamento violento e indigno às mulheres.” 

É nesse contexto que as comunidades masculinistas – composta pelos denominados incels e redpills – surgem com força violenta e opressora, disseminando discursos misóginos dentro e fora do ambiente virtual.

Para a pesquisadora e editora-geral do Coletivo Bereia Magali Cunha, que fez parte da equipe de pesquisadores para elaboração do relatório, o fato de o MDHC ter criado este grupo e produzido o relatório significa muito. Afinal, a cultura de ódio e os extremismos políticos ferem vários direitos cidadãos: o direito de ser e de existir com liberdade e segurança, que desafia a coexistência pacífica em meio às diferenças, à liberdade de opinião e de expressão, que deve ser garantido, mas não significa um direito de ofender e incitar violência; de não haver ataque à honra e à reputação; à liberdade de pensamento, de consciência e de religião, entre outros. 

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Bereia classifica as informações publicadas pela deputada federal Bia Kicis como enganosas, visto que tem elementos factuais, mas a apresentação deles é feita de forma distorcida para levar as pessoas a crerem que existe um discurso construído que criminaliza jovens brancos conservadores por crimes de violência de gênero. 

A peça desinformativa foi construída para ofuscar dados reais e afastar uma discussão pertinente sobre os efeitos danosos de um discurso conservador misógino e focar, de maneira estrategicamente enganosa, na questão de raça, o que não é o foco do material original.

A deputada federal Bia Kicis (PL-DF) está entre os perfis religiosos mais checados da política brasileira pelo Bereia. Kicis já compartilhou informações falsas e enganosas sobre diversos assuntos, entre eles, presos do 8 de janeiro, combate ao vírus da covid-19, lei de incentivo à cultura, desmatamento na Amazônia, enchentes que assolaram o Rio Grande do Sul, em maio de 2024, perseguição cristã no Brasil e antissemitismo.  

Referências

BBC
https://www.bbc.com/news/articles/c2exnexw2gvo Acesso em 07 ABR 25

https://www.bbc.com/news/articles/ckg8ly1wr8ro Acesso em 07 ABR 25

https://www.bbc.com/news/uk-england-merseyside-62119537 Acesso em 07 ABR 25

Times of India
https://timesofindia.indiatimes.com/world/us/who-is-ian-miles-cheong-meet-twitters-favourite-right-wing-commentator/articleshow/111606114.cms Acesso em 07 ABR 25

CNN Brasil
https://www.cnnbrasil.com.br/lifestyle/o-que-e-incel-termo-citado-na-serie-adolescencia/ Acesso em 07 ABR 25

Incels e Misoginia On-line em Tempos de Cultura Digital – Periódicos de Psicologia
https://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-428120220 00301081 Acesso em 07 ABR 25

Netflix
https://about.netflix.com/en/news/netflix-reveals-upcoming-us-series-films-and-games-for-2025 Acesso em 08 ABR 25

https://about.netflix.com/en/news/netflix-makes-adolescence-available-to-all-secondary-schools-across-the-uk Acesso em 08 ABR 25

Carta Capital

https://www.cartacapital.com.br/blogs/dialogos-da-fe/sobre-a-imperativa-tarefa-de-enfrentar-a-cultura-de-odio-e-os-extremismos/ Acesso em 07 ABR 25

Estadão Verificahttps://www.estadao.com.br/estadao-verifica/serie-adolescencia-netflix-protagonista-branco-criminoso-negro-enganso/ Acesso em 09 ABR 25

Programa da rede de notícias DW repete teorias da conspiração sobre chegada de evangélicos na América Latina


“Os evangélicos apareceram pela primeira vez na América Latina nos anos 70, nada mais nada menos trazidos pela CIA”. Esta frase é parte do conteúdo que circula nos perfis de mídias sociais da rede de notícias DW-Espanhol, desde 28 de março passado, com ampla recepção no Brasil, entre muitas curtidas, compartilhamentos e comentários, em especial nos perfis de pessoas e grupos da esquerda política, críticos à presença de evangélicos na cena pública.

Imagens: reprodução redes sociais DW

Ao ter acesso às postagens e ao vídeo, Bereia identificou de imediato que o material da DW-Espanhol destacado propaga conteúdo desinformativo, marcado por erros crassos, que revelam problemas de apuração jornalística. O programa ignora dados históricos sobre a presença dos evangélicos na América Latina e privilegia teorias da conspiração que há algum tempo circulam no continente, em especial entre pessoas e grupos críticos à figura dos evangélicos. A checagem mostra detalhes deste equívoco de conteúdo.

O vídeo do DW-Espanhol

Deutsche Welle (DW) [na tradução para o português, “Onda alemã”] é uma empresa pública de comunicação da Alemanha, que transmite para vários continentes, em 30 línguas, programação de TV e rádio e oferece conteúdo digital em um portal e mídias sociais. Pode-se afirmar que a DW é uma mídia alemã similar a redes de notícias como a BBC World, por exemplo.

Desde 2024, a DW-Espanhol criou um programa em seu canal do Youtube denominado “Como te afeta?” Segundo a empresa, o programa “visa atingir novas gerações com temas, notícias, problemas e soluções que afetam jovens e adolescentes na América Latina. Com uma linguagem nova e dinâmica, ‘Como isso afeta você?” analisa e contextualiza temas com a ajuda de jovens e especialistas, buscando soluções para oferecer um jornalismo construtivo!”.

Desde que foi criado, o programa tem mais de três dezenas de edições, com cerca de 25 minutos de duração, com temas como “por que viver na casa dos pais?”, “por que não é tua culpa ser pobre?”, “por que os salários são tão baixos na América Latina?”, “Que impacto a colonização espanhola teve nas sociedades, economias e culturas da América Latina?”, “Por que vemos tanta pornografia e como ela nos impacta?”, “Por que a linguagem inclusiva é tão polêmica e divide a sociedade?” entre vários outros.

O episódio veiculado em 28 de março passado tem como título (aqui trazido para o português) “Por que alguns pastores fazem sucesso no YouTube, Instagram e TikTok”. O vídeo tem sete capítulos, além de uma introdução e de uma conclusão, intitulados: Os latino-americanos somos muitos religiosos; Os evangélicos avançam; Os evangélicos se tornam virais; O famoso dízimo; Igrejas mafiosas?; Quando igrejas se metem em política; Comunidade e apoio aos necessitados.

O conteúdo é ancorado em dados numéricos sobre a população evangélica em diferentes países da América Latina, oferece a avaliação de especialistas de antropologia, ciência política, direito e economia e destaca a palavra de jovens, também de distintos países do continente sobre suas experiências com as igrejas.

A maior parte do que é apresentado é resultado de apuração e pesquisa coerente com o que vem sendo abordado sobre a presença de evangélicos na América Latina. O programa expõe o que tem se destacado negativamente sobre a presença de certas igrejas e personagens religiosas nas mídias, no ultraconservadorismo político, como corporações empresariais, no crime organizado (como os chamados “traficantes de Jesus”), nas expressões de intolerância (com outras religiões, a homofobia e a misoginia). Todos estes pontos tratados são factuais e aparecem em checagens e reportagens no acervo do Bereia, com possibilidade de comprovação. O programa não deixa de apontar o lugar da Igreja Católica no ultraconservadorismo político e nas expressões de intolerância.

Ao mesmo tempo, o vídeo da DW-Espanhol reconhece os elementos positivos da atuação de evangélicos nos países latino-americanos, que pode explicar o crescimento deste grupo religioso, e encerra o episódio com eles.

São destacados impactos que vão do “mais pessoal aos mais estrutural”: as igrejas como comunidades de apoio, em especial nas localidades empobrecidas; como fonte de valores (aprendizado para jovens crescerem como pessoas); lugares para se ter amigos e compartilhar; espaço de igualdade onde há muito racismo e classismo; vivência comunitária em que pessoas são irmãos e irmãs, com solidariedade nas dificuldades; reabilitação em algumas áreas críticas como dependência de drogas pesadas e do alcoolismo; possibilidade do desenvolvimento d liderança e participação em atividades sociais; sentido de identidade, disciplina, ética no trabalho – estes dois últimos pontos são reconhecidos como atraentes para empregadores, que valorizam a responsabilidade de jovens formados nestas bases.

O que desinforma no vídeo?

Dois pontos foram identificados pelo Bereia como desinformativos no conteúdo do vídeo e representam um problema para um material que se dispõe informativo e formativo, como é a proposta do DW-Espanhol.

No capítulo “Os evangélicos avançam” é reportado o que o DW decidiu destacar nas mídias sociais para chamar público para o vídeo: a afirmação de que “Os evangélicos apareceram pela primeira vez na América Latina nos anos 70, nada mais nada menos trazidos pela CIA”. Bereia checou as duas afirmações.

Primeira checagem: os evangélicos chegaram na América Latina muito antes dos anos 70 do século 20. Qualquer livro de história do tempo passado e presente que trate sobre Evangélicos na América Latina (um compêndio importante é o de GUADALUPE, José L. P., GRUNDBERGER, Sebastian nas referências ao final) expõe que os evangélicos chegaram ao continente mais definitivamente (houve experiências mal sucedidas de ocupação europeia nos séculos 16 e 17) a partir do século 19, tanto com a imigração ingleses e alemães quanto, fundamentalmente, com o trabalho de missionários originados dos Estados Unidos. Foram estabelecidas por missionários diferentes igrejas dos ramos congregacional, presbiteriano, metodista, batista, episcopal, luterano. Os grupos pentecostais se estabelecem no continente a partir do início do século 20 (Assembleia de Deus, por exemplo, entre muitos outros).

Imagens: Trecho do vídeo “Por que alguns pastores fazem sucesso no YouTube, Instagram e TikTok”, DW-Espanhol, Youtube.

Segunda checagem: A Central Inteligence Agency (CIA) dos Estados Unidos, criada em 1947, não existia quando os missionários dos EUA aportaram com suas missões protestantes na América Latina no século 19. Muito menos é possível dizer que a CIA enviou para o continente igrejas pentecostais para contrapor as ações católicas progressistas. Além de as igrejas pentecostais terem chegado às terras latino-americanas décadas antes da CIA ser criada, afirmar que elas enviaram estas igrejas para frear o Catolicismo considerado progressista é teoria da conspiração com bases enganosas.

Não há qualquer pesquisa de historiadores, cientistas da religião, antropólogos da religião, sociólogos da religião que mencionem que a inserção e o crescimento pentecostal se deva a um trabalho da CIA no continente latino-americano. É fato que há históricas evidências de intervenções do governo dos Estados Unidos em questões políticas na América Latina, em especial na promoção e no apoio a ditaduras, e houve e ainda há o apoio governamental e não-governamental estadunidense a grupos conservadores em reação a avanços sociais e ações progressistas, incluídas certas igrejas e seus projetos (ver também referências ao final da matéria do jornalista Délcio Monteiro de Lima). No entanto, afirmar que entre estas estratégias políticas está a produção do crescimento evangélico é um exagero que reforça o desconhecimento e ignorância sobre as transformações do campo religioso latino-americano relacionadas às mudanças socioculturais, políticas e econômicas do continente.

Atualização:
Após a publicação da checagem, a rede DW Español enviou mensagem ao Bereia, por meio do seu perfil no Instagram, com pedido de desculpas pelo erro de conteúdo, confira:

Queridos usuarios, como afirma esta publicación, los primeros “protestantes” no llegaron a América Latina por primera vez en los años 70, como afirmamos en el video, sino mucho antes.

No obstante, el objetivo de este análisis es la influencia que estos grupos religiosos tienen hoy en día en la sociedad de la región. Disculpen el error.

Deutsche Welle se esfuerza en ofrecer un contenido de calidad, pero somos humanos y hubo un error de lectura de una fuente en el trabajo de investigación de este vídeo. Un sincero saludo desde Berlín.

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Bereia avalia que uma parte do material em vídeo produzido pela DW-Espanhol sobre Evangélicos na mídias na América Latina propaga erros crassos e reproduz teorias da conspiração que desinformam e contribuem com o desconhecimento e a ignorância sobre o lugar deste grupo religioso no cenário latino-americano. Oferecer tal conteúdo desinformativo no início do vídeo compromete toda a produção. Pesquisa e apuração jornalística responsáveis são imprescindíveis para a garantia do direito humano à informação.

Referências

GUADALUPE, José L. P., GRUNDBERGER, Sebastian (Eds.). (2019). Evangélicos y Poder en America Latina (2 ed.) Instituto de Estudios Social Cristianos (IESC)/ Konrad Adenauer Stiftung (KAS). Disponível em https://www.kas.de/c/document_library/get_file?uuid=35e0675a-5108-856c-c821-c5e1725a64b7&groupId=269552 Acesso em 3 abr 2025

CIA

https://www.cia.gov/legacy/cia-history/ Acesso em 3 abr 2025

JOFFILY, Mariana. A política externa dos EUA, os golpes no Brasil, no Chile e na Argentina e os direitos humanos. Revista de História. Disponível emhttps://www.scielo.br/j/topoi/a/MPKnBvVZMspJCSTL7xnWTkS/# Acesso em 3 abr 2025

CUNHA, Magali. Fundamentalismos, crise na democracia e ameaça aos direitos humanos na América Latina: tendências e desafios para a ação. Disponível em https://koinonia.org.br/wp-content/uploads/2020/10/FundamentalismosPT.pdf

Imagem de capa: reprodução/Youtube

1º de abril: Como notícias falsas alimentam o caos e a violência

Nesse primeiro de abril, dia popularizado como “Dia da Mentira”, Bereia traz um alerta: além de ter se tornado estratégia política na captação de apoios e interferência em temas de interesse público, a mentira pode ter consequências trágicas e irreversíveis. 

O caso mais recente que ocorreu no Acre ilustra isso. Yara Paulino da Silva foi assassinada, em 24 de março passado, após um boato afirmar que ela havia matado sua filha de três meses. A ossada que supostamente pertencia à bebê foi analisada e identificada como sendo de um animal, mas a verdade chegou tarde demais. Seus dois filhos mais velhos, de dez e dois anos, presenciaram o crime, e agora recebem apoio psicológico para lidar com o trauma. 

O Ministério Público do Acre (MP-AC) alertou para os riscos da disseminação de notícias falsas e enfatizou a importância de checar informações antes de compartilhá-las. “Fake news mata”, destacou a instituição em comunicado. O promotor Thalles Ferreira reforçou que a propagação irresponsável de boatos tem gerado uma onda de ódio, linchamentos e execuções injustificadas, comprometendo a segurança e a justiça no país.

A história de Yara, infelizmente, não é um caso isolado. A desinformação tem impactos devastadores na sociedade, levando a linchamentos, morte, impactos na saúde coletiva e até mesmo conflitos étnicos. Bereia fez um levantamento de 13 casos que repercutiram na imprensa no Brasil e no mundo:

Linchamentos baseados em mentiras

  • O caso da “Bruxa do Guarujá” (2014): Fabiane Maria de Jesus foi espancada até a morte por cerca de 100 pessoas após ser falsamente acusada de sequestrar crianças. O boato, originado de uma fake news compartilhada nas redes sociais, desencadeou uma onda de violência.
  • O caso de Las Colonias de Hidalgo, México (2022): Um advogado de 31 anos, Picazo González, foi linchado e queimado vivo por uma multidão após rumores falsos de que forasteiros estavam sequestrando crianças para o tráfico de órgãos. Seu único “erro” foi ter um carro com placa de outra cidade.
  • O caso de Araruama, RJ (2017): Um casal foi atacado por 200 pessoas após serem acusados, sem provas, de sequestrar uma criança. O boato viralizou pelo WhatsApp e, sem a intervenção da polícia, o desfecho poderia ter sido fatal.
  • O caso de Rafael dos Santos Silva (2024): Rafael, de 22 anos, foi espancado até a morte em Suzano, SP, após circular a falsa alegação de que ele matava cães. Sete homens foram presos pelo crime, e investigações mostraram que o boato começou a partir de um vereador local, que insinuou a acusação sem provas.

Mentiras sobre desastres naturais

Durante as recentes enchentes no Rio Grande do Sul, a disseminação de informações falsas complicou os esforços de resgate e causou pânico desnecessário. Circularam mensagens mentirosas sobre “crianças boiando nos rios do Sinos e Gravataí por falta de socorro das autoridades” e sobre o retorno da água em bairros afetados de Porto Alegre, levando moradores a saírem de suas casas antes do momento seguro.

Mentiras sobre saúde pública

  • A desinformação sobre vacinas e a covid-19: Durante a pandemia, notícias falsas sobre a ineficácia das vacinas e teorias conspiratórias sobre o coronavírus resultaram na hesitação vacinal e em milhares de mortes evitáveis. De supostos medicamentos que atenuariam os efeitos do vírus a narrativas negacionistas que minimizaram a gravidade da doença, a desinformação retardou as medidas de contenção e agravou ainda mais a crise sanitária. 
  • Estigmas sobre o HIV: bem antes da pandemia de Covid, a desinformação sobre a Aids resultou em preconceito e estigmas que até hoje são associados à doença causada pelo vírus HIV. Relacionada à “punição divina pela devassidão” e intitulada de “câncer gay” na década de 1980, a doença até hoje é vista como motivo de vergonha para algumas pessoas soropositivas, retardando diagnósticos e o tratamento.
  • Chás milagrosos: a ingestão de chás que prometem desinchar e resultar na rápida perda de peso é frequentemente difundida na internet como alternativa ágil e saudável a medicamentos autorizados e a processos longos de emagrecimento. No entanto, o uso de determinados “chás milagrosos”, que misturam ervas, pode resultar em morte por insuficiência hepática. Foi esse o caso que resultou no óbito de Mara Abreu, em 2022, que faleceu após ingerir cápsulas cuja venda é proibida no Brasil.

Mentiras em casos de repercussão mundial: conflitos e guerras

  • Guerra civil em Mianmar: A guerra no país do sudeste asiático, que completou quatro anos em fevereiro de 2025, teve apoio em notícias falsas e boatos veiculados nas mídias sociais. Segundo um relatório produzido pelo Facebook em 2018, publicações e contas na plataforma incentivaram e ampliaram o tensionamento entre o grupo minoritário rohingya, muçulmano, e a maioria budista do país. De acordo com o documento, isso colaborou com o aumento dos casos de violência no país.  
  • O genocídio dos Tutsi em Ruanda:  impulsionado por teorias da conspiração propagadas por uma emissora de rádio – principal meio de comunicação do país no início da década de 1990 -, o genocídio do grupo étnico Tutsi revela a influência da desinformação e do discurso de ódio para a deflagração de conflitos sangrentos. 

Mentiras que geram danos psicológicos

Para além das consequências físicas imediatas, as vítimas de informações falsas frequentemente enfrentam traumas psicológicos duradouros e transformações significativas em suas vidas cotidianas. O caso da carioca Adriana Rodrigues representa nitidamente esse impacto. Falsamente apontada como a mulher que aparecia em um vídeo portando um fuzil, a dona de casa enfrenta uma rotina de medo e dificuldade para dormir há mais de um ano, apesar de uma investigação da Polícia Civil do RJ ter concluído que a mulher na imagem não era ela.

O impacto na vida de Adriana foi devastador: além de lidar com a morte do filho – morto pela Polícia na chacina do Jacarezinho em 2021, ela teve que mudar de casa quatro vezes devido à repercussão da história, passou a tomar remédios controlados e tentou mudar sua aparência para não ser reconhecida. “Tem chacota na rua, ‘vamos tirar foto comigo, vovó do fuzil?'”, relatou Adriana.

As vítimas de notícias falsas frequentemente enfrentam uma espécie de “morte social” – mesmo quando não há consequências físicas diretas, há uma perda profunda da reputação, da privacidade e da sensação de segurança. Isso pode levar a problemas de saúde mental como ansiedade, depressão e transtorno de estresse pós-traumático.

Há consequências trágicas como os dois casos a seguir:

  • O caso Jéssica Canedo (2023): A jovem de 22 anos tirou a própria vida após ser alvo de ataques nas redes sociais, relacionados a uma fake news que afirmava que ela teria um relacionamento com o humorista Whindersson Nunes. A notícia falsa foi repercutida sem apuração por perfis de fofoca, como a página Choquei. Canedo, que passava por tratamento psicológico antes do ocorrido, não resistiu aos ataques de ódio, alguns deles com incitação ao suícidio.
  • O caso de Mia Janin (2021): a estudante do Jewish Free School, em Kenton, Londres, foi encontrada morta em sua casa em Harrow em 12 de março de 2021. A investigação concluiu que Mia tomou sua própria vida após ser vítima de bullying por parte de outros estudantes. Um grupo formado principalmente por meninos, usava aplicativo de compartilhamento de  mensagens para espalhar fotos manipuladas de meninas, colocando suas faces em corpos de estrelas do pornô.

Referências:

Kenan Institute

https://kenan.ethics.duke.edu/media-manipulation-suppression-and-the-rwandan-genocide/

BBC

https://www.bbc.com/portuguese/geral-43895609


G1

https://g1.globo.com/ac/acre/noticia/2025/03/27/apos-mae-ser-morta-por-conta-de-boato-no-ac-mp-alerta-para-o-perigo-das-noticias-falsas-fake-news-mata.ghtml

https://g1.globo.com/rj/regiao-dos-lagos/noticia/2017/04/multidao-cerca-carro-e-tenta-linchar-casal-suspeito-de-sequestrar-crianca.html

SECOM GOV

https://www.gov.br/secom/pt-br/assuntos/noticias/2023/03/tragica-historia-no-guaruja-e-retratada-em-novo-episodio-da-campanha-brasil-contra-fake

Uol

https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2022/06/15/o-chocante-linchamento-de-mexicano-alvo-de-multidao-enfurecida-por-boatos-de-whatsapp.htm

Brasil de Fato

https://www.brasildefato.com.br/2024/05/08/30-noticias-falsas-golpes-e-fraudes-em-andamento-no-meio-das-enchentes-no-rs

Imagem de capa: awmleer/Unplash

Página gospel manipula imagem para associar falsamente Aline Barros a desfile de escola de samba

Bereia recebeu de leitores o pedido de checagem de uma imagem que mostra a cantora gospel Aline Barros caracterizada para um desfile de escola de samba. A publicação circula nas mídias sociais com o título de uma matéria do portal de notícias G1 sobre a participação da cantora no carnaval de Palmas (TO). Bereia checou informações sobre a participação de Aline Barros no carnaval e a veracidade das imagens divulgadas.

Imagem manipulada de Aline Barros em desfile de carnaval

A página Gospel Brasil, no TikTok, descrita como página de notícias da música gospel, publicou em 3 de março último, uma imagem que mostra a cantora evangélica Aline Barros fantasiada, em um desfile carnavalesco. Na foto, Barros aparece com as coxas e a barriga à mostra, em uma fantasia com detalhes em preto e dourado.

A publicação inclui o título de uma matéria atribuída ao Portal G1, em que se lê: “Aline Barros abre programação de carnaval na Praça dos Girassóis nesta sexta-feira, em Palmas”. A postagem também exibe um recorte do rosto da cantora e a legenda: “Cantora gospel Aline Barros abre Carnaval em Tocantins e choca a internet”, com  trecho de uma das canções gravadas pela cantora gospel.  

Entre os 3.698 comentários – até o momento da publicação desta matéria – algumas pessoas criticam a cantora e outras afirmam se tratar de uma montagem. A publicação também registrou mais de 12,5 mil curtidas.

Imagem: reprodução TikTok

A partir de ferramentas de busca de imagens, Bereia identificou que houve manipulação do conteúdo. A fotografia original retrata a atriz Paolla Oliveira, rainha de bateria da escola de samba Acadêmicos do Grande Rio, durante desfile no carnaval de 2024, no sambódromo Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro. 

Imagem: reprodução Instagram

Cantores gospel em programação de carnaval em Palmas 

Conforme foi, de fato, noticiado pelo Portal G1, o show de Aline Barros foi a atração principal do primeiro dia da programação do Carnaval 2025, em Palmas, Tocantins – 28 de fevereiro. 

No mesmo dia, outros cantores evangélicos como Moyses Di Carvalho e Sandro Nazireu também se apresentaram. Já no sábado, 1º de março, a programação incluiu shows dos cantores católicos Padre Fábio de Melo, Adriana Arydes e Turma do Padre Dudu.

Imagem: reprodução G1

A programação, organizada excepcionalmente pelo Governo do Estado do Tocantins, depois do prefeito do município Eduardo Siqueira Campos (Podemos) ter anunciado a suspensão de qualquer programação de Carnaval para 2025, seguiu até terça-feira, 4 de março último, com apresentações de cantores de outros gêneros musicais. 

A Prefeitura de Palmas realiza, tradicionalmente, desde 2015, o evento gospel Capital da Fé, durante os dias do feriado de carnaval. No entanto, em 2025, conforme divulgado pelo portal de notícias regional Gazeta do Cerrado, a Prefeitura cancelou a realização das festividades, em decorrência de uma dívida estimada em R$ 300 milhões.

Desinformação de gênero em um contexto religioso

Apesar de algumas páginas de apoio à Aline Barros terem publicado notas sobre a divulgação de falsas informações e uso indevido de sua imagem, a cantora não se pronunciou oficialmente sobre a peça desinformativa envolvendo seu nome.

Barros fez uma publicação em sua página oficial no Instagram, em 6 de março, sobre a participação no evento. Nos comentários, algumas pessoas levantaram temas como mentira no meio religioso, desinformação e processo judicial em razão da difamação, enquanto outras publicaram mensagens de apoio. 

Imagem: reprodução Instagram

No entanto, além de julgamentos acerca da conduta cristã e do comportamento moral da cantora, surgiram também discussões sobre sua participação, enquanto cantora gospel – em um evento no período de carnaval. Também há registros de acusações de realizar shows por interesse financeiro, em detrimento do propósito religioso, que renderam comentários como “pastora de satanás”.

Para a doutoranda em Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, pesquisadora do Núcleo de Estudos sobre Desigualdades Contemporâneas e Relações de Gênero (NUDERG) e integrante da equipe Bereia Rafaely Camilo, a adulteração na imagem teve o objetivo de expor a cantora gospel pelo viés da sensualidade, um tema valioso para o público evangélico por se tratar de uma pauta que trata da moral e de costumes.

“A imagem parece ter como objetivo causar escândalo no meio cristão evangélico, ao colocar uma figura conhecida do meio, numa posição de constrangimento, ridicularizando sua trajetória”, aponta Camilo.

Segundo a pesquisadora, nesse caso, a desinformação de gênero está assentada na exposição do corpo, algo que não é esperado para uma mulher na posição de Aline Barros, o que provavelmente a cantora não faria. 

“Por muitos anos, Aline Barros foi uma artista que caminhou entre os mundos secular e gospel e recebeu críticas por isso. O uso dessa imagem atende, para o efeito da viralização (caça-cliques), como afirmação de que ela estaria participando da festa ‘do mundo’, caracterizada como tal”, explica a doutoranda em Ciências Sociais.

Carnaval e manifestações religiosas

A atriz Paolla Oliveira é rainha de bateria da Grande Rio desde 2009. Após um hiato de dez anos, voltou a desfilar para a escola em 2020. Em 2022, Paolla Oliveira esteve na Marquês de Sapucaí fantasiada de Pombagira, e em 2023, sua fantasia representou as armas de Ogum. Pombagira e Ogum são entidades espirituais presentes nas religiões de matriz africana umbanda e candomblé. 

Em 2022, a escola de samba Acadêmicos do Grande Rio também foi a campeã do carnaval do Rio de Janeiro, com o samba-enredo que homenageou Exu, outra divindade das religiões de matriz africana.

O jornalista, escritor e pesquisador do carnaval carioca Aydano André Motta, em entrevista ao Instituto Humanitas Unisinos (IHU), afirmou que a visão de que o carnaval é uma festa pagã está equivocada. 

“O carnaval é uma festa completamente religiosa. Na fundação de todas as escolas de samba sempre houve presente um pai de santo ou uma mãe de santo. Várias escolas de samba estão assentadas, nas suas quadras e sedes, em antigos terreiros de candomblé e umbanda, então é uma festa que se move a partir da religião, não existiria sem os preceitos religiosos”, declara o pesquisador. 

Motta esclarece que o carnaval é uma festa extremamente religiosa e que no Brasil tem manifestações do sincretismo religioso. “As baterias das escolas e suas formas de execução estão ligadas a orixás, são batidas escolhidas para reverenciar orixás. A umbanda conecta santos católicos a orixás, então no Rio de Janeiro, Oxóssi é São Sebastião, Oxum se junta a Nossa Senhora da Conceição, São Jorge a Ogum, por exemplo”.

Entretanto, o Carnaval tem origem no Catolicismo ibérico que veio para o Brasil com os colonizadores. No artigo A fé como expressão da vida que pulsa no Carnaval, a pesquisadora da Religião e editora-geral do Bereia Magali Cunha indica a origem cristã da festa na Idade Média. “O Carnaval, criado na Europa medieval pela Igreja Católica, foi uma forma de controlar antigas festas populares, condenadas por ela por representarem uma entrega aos prazeres mundanos”.

Segundo a pesquisadora, a ideia do Carnaval (carnis levale, ou, “retirar a carne”), como um período para cometer todos os “excessos da carne”, surge da tentativa de dar um sentido cristão às festividades. “Com isto foi criado, também, o período da Quaresma, um tempo de 40 dias antes da Páscoa, logo depois do Carnaval, caracterizado pelo arrependimento dos excessos cometidos e pelo jejum (purificação)”.

Outros grupos religiosos, como os evangélicos – tradicionalmente opostos às festividades do Carnaval e habituados ao afastamento dos retiros – intensificaram nos últimos anos, marcados pela polarização política no Brasil, a desqualificação da cultura “secular ou mundana” e, ao mesmo tempo, a disputa pela noção de cultura, conforme apresenta a antropóloga, pesquisadora e coordenadora de religião e política no Instituto de Estudos da Religião (ISER) Lívia Reis, em artigo intitulado Religião como forma de “proteção da cultura”: manifestações culturais e artísticas como campo de disputa.

“Não se trata de um paradoxo, estes segmentos religiosos passaram, também, a disputar a noção de cultura, tentando definir o que seria ou não legítimo de ser considerado como parte dela. Parte desse movimento consiste em promover arte e cultura. Para além da consolidação do segmento gospel, houve um vasto investimento em outras formas de se experimentar a religião através da arte, tais como filmes, teatros, novelas, plataformas de streaming, programas de rádio e mega eventos em espaços públicos”, destaca Reis.

Carnaval, diversidade e tolerância religiosa

A organização do evento Capital da Fé, realizado pelo Estado do Tocantins, reflete estes elementos. O governo destacou as atividades como “uma experiência inclusiva e democrática aos foliões” e que “celebrou a diversidade musical e reforçou o compromisso com uma programação acessível a todos os públicos”. 

Apesar de cancelado em 2025, o evento gospel Capital da Fé, descrito no portal da Prefeitura de Palmas como “o maior evento Gospel do Brasil realizado no período de Carnaval”, ocorre há nove anos e já reuniu em torno de 200 mil pessoas, segundo a organização.

A programação de cinco noites com apresentações de nomes do segmento no cenário nacional é voltada para católicos, evangélicos e apreciadores do estilo musical. O portal afirma que o gospel detém o segundo lugar na preferência musical nacional, atrás apenas do sertanejo.

Imagem: Prefeitura de Sobral

Além de Palmas, outras cidades pelo Brasil também realizam eventos gospel durante o período de carnaval, como Sobral (CE) e Arraial do Cabo (RJ). As iniciativas apontam para uma mudança na participação deste grupo religioso nas comemorações do carnaval.  

A tendência em consolidação é parte do que já ocorre em outras esferas da sociedade. Aline Barros, por exemplo, é considerada a precursora da participação de cantores gospel em canais televisivos não segmentados para este público, por sua participação em atrações como a de Xuxa Meneghel, a partir da década de 90, e que trouxeram maior diversidade à televisão brasileira. 

O artigo de Lívia Reis também mostra que a disputa dos evangélicos pelo espaço público avança até a ocupação da festa de caráter profano e a apropriação de elementos de outras culturas demonizadas por eles. “Apesar de criminalizar o carnaval como uma prática demoníaca, alguns grupos passaram a mobilizar instrumentos musicais, danças e corporeidades de matriz africana, em suas tentativas de disputar a festa”. 

A antropóloga assinala que um movimento semelhante aconteceu com a capoeira, com a festa de Cosme e Damião e com bolinhos de acarajé, que se tornaram “capoeira de jesus”, “saquinhos de jesus” e “acarajé de jesus”, respectivamente. “Em comum a todos esses casos é o fato de que segmentos evangélicos apagam o que seria percebido como o sinal negativo dessas práticas tradicionais e populares, isto é, a ligação com tradições africanas”.

***

Após checar informações sobre o conteúdo que circulou nas redes digitais, Bereia classifica o conteúdo como falso. A imagem que mostra a cantora Aline Barros em uma fantasia de carnaval foi adulterada a partir da imagem original da atriz Paolla Oliveira, rainha de bateria da escola de samba Grande Rio, no carnaval carioca.

Apesar de conter elementos factuais e verdadeiros, como a participação de Aline Barros no carnaval de Palmas, foi feito uso de imagem que não corresponde ao que foi noticiado. É clara a intenção de distorcer a informação para instigar julgamentos negativos sobre a cantora – o que poderia ser considerado enganoso – a fim de se alcançar cliques,  portanto audiência. A imagem foi fabricada e é, portanto, falsa.

O sensacionalismo também foi utilizado como estratégia para captar audiência, por meio da sensação de escândalo, provocada pela falsa associação da mulher evangélica ao corpo sensual e à mostra, como forma de difamação e desvio de conduta esperada pelo meio religioso, o que se classifica como desinformação de gênero. 

Outro elemento falso presente na estratégia desinformativa, e que contribui para o sensacionalismo, é a caracterização de festividade carnavalesca que se relaciona com culturas e religiões de matriz africana – como os desfiles de escolas de samba no Rio de Janeiro, associado à imagem da cantora e que nada se assemelha ao evento do qual Aline Barros participou.

A disseminação de falsidades relacionadas a situações que envolvem temas referentes a gênero são frequentemente observadas nas redes digitais. Bereia alerta para publicações que se valham do sensacionalismo, do pânico moral e da intolerância religiosa como arma de violência contra mulher no contexto digital. No caso em questão, as imagens de duas mulheres foram utilizadas – e manipuladas – para provocar uma reação de indignação que não se sustenta na realidade.

Referências da checagem 

G1

https://g1.globo.com/to/tocantins/noticia/2025/02/28/aline-barros-abre-programacao-de-carnaval-na-praca-dos-girassois-nesta-sexta-feira-em-palmas.ghtml Acesso em: 09 mar 2025

https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/carnaval/2024/noticia/2024/02/16/paolla-oliveira-renova-com-a-grande-rio.ghtml Acesso em: 09 mar 2025

https://g1.globo.com/rj/regiao-dos-lagos/noticia/2023/02/17/festival-de-musica-gospel-esta-entre-as-atracoes-do-carnaval-de-arraial-do-cabo-no-rj.ghtml Acesso em: 11 mar 2025

https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/carnaval/2022/noticia/2022/04/26/grande-rio-e-a-campea-do-carnaval-2022-do-rio.ghtml Acesso em: 11 mar 2025

Gshow

https://gshow.globo.com/carnaval/2024/noticia/paolla-oliveira-vira-onca-na-sapucai-em-desfile-da-grande-rio.ghtml Acesso em: 11 mar 2025

https://gshow.globo.com/carnaval/2024/noticia/de-cleopatra-a-pombagira-relembre-as-fantasias-de-paolla-oliveira-como-rainha-de-bateria.ghtml Acesso em: 11 mar 2025

Instagram

https://www.instagram.com/p/DGyc1m4yOYs/?igsh=Nm55dWo3YTN1Y3Ri Acesso em: 09 mar 2025

https://www.instagram.com/paollaoliveirareal/ Acesso em: 09 mar 2025

Instituto Humanitas Unisinos

https://www.ihu.unisinos.br/categorias/159-entrevistas/596668-a-festa-religiosa-do-carnaval-a-resistencia-alegre-dos-povos-perifericos-contra-o-conservadorismo-elitista-entrevista-especial-com-aydano-andre-motta Acesso em: 10 mar 2025

https://www.ihu.unisinos.br/categorias/159-entrevistas/619912-a-falta-que-a-festa-faz-a-religiosidade-afro-brasileira-e-os-enredos-das-escolas-de-samba-a-dimensao-utopica-de-como-o-mundo-deveria-ser-entrevista-especial-com-renata-de-castro-menezes-e-lucas-bartolo Acesso em: 10 mar 2025

Facebook

https://www.facebook.com/PalmasShowsGospel/photos/est%C3%A1-chegando-a-hora-o-maior-evento-crist%C3%A3o-do-pa%C3%ADs-faltam-apenas-07-dias-para-o/362152127242859/?_rdr Acesso em: 10 mar 2025

Gazeta do Cerrado

https://gazetadocerrado.com.br/tocantins/palmas/dividas-herdadas-podem-chegar-a-r-300-milhoes-em-palmas-e-eduardo-decide-cancelar-capital-da-fe-e-carnaval-este-ano/ Acesso em: 10 mar 2025

https://gazetadocerrado.com.br/tocantins/palmas/palmas-capital-da-fe-tera-este-ano-varias-atracoes-nacionais-e-novidades-veja-quem-ja-esta-confirmado/ Acesso em: 10 mar 2025

Jornal Opção

https://www.jornalopcao.com.br/tocantins/capital-da-fe-chega-a-quinta-edicao-com-atracoes-religiosas-durante-o-carnaval-167826/ Acesso em: 10 mar 2025

YouTube

https://www.youtube.com/watch?v=DQz_reGSOCI Acesso em: 10 mar 2025

https://www.youtube.com/watch?v=Jtr6g_ohJcg Acesso em: 10 mar 2025

Governo do Tocantins

https://www.to.gov.br/secom/noticias/em-palmas-governo-do-tocantins-promove-carnaval-da-diversidade-musical/2yn3nsnqr9ku#:~:text=Em%20Palmas%2C%20Governo%20do%20Tocantins%20promove%20Carnaval%20da%20diversidade%20musical,-Carnaval%202025%20celebrou&text=Uma%20programa%C3%A7%C3%A3o%20para%20atender%20todos,2025%20na%20Pra%C3%A7a%20dos%20Girass%C3%B3is. Acesso em: 09 mar 2025

Prefeitura de Palmas

https://portal2013.palmas.to.gov.br/conheca_palmas/grandes-eventos/capital-da-fe/ Acesso em: 09 mar 2025

Prefeitura de Sobral

https://www.sobral.ce.gov.br/informes/principais/sobral-de-fe-prefeitura-de-sobral-promove-evento-cristao-no-periodo-de-carnaval Acesso em: 11 mar 2025

Carta Capital

https://www.cartacapital.com.br/blogs/dialogos-da-fe/a-fe-como-expressao-da-vida-que-pulsa-no-carnaval/ Acesso em: 12 mar 2025

Religião e Poder

https://religiaoepoder.org.br/artigo/religiao-como-forma-de-protecao-da-cultura-manifestacoes-culturais-e-artisticas-como-campo-de-disputa Acesso em: 12 mar 2025

Mulheres no Jornalismo: Bereia em meio aos desafios e avanços em um cenário de desigualdade

Enquanto a presença feminina no jornalismo avança em algumas frentes, a desigualdade de gênero ainda persiste, especialmente em cargos de liderança. Dados recentes do Reuters Institute for the Study of Journalism, publicados em 2024, revelam que apenas 24% dos editores-chefes em 240 veículos de notícias ao redor do mundo são mulheres, mesmo que, em média, 40% dos jornalistas nesses mercados sejam do sexo feminino. No entanto, iniciativas como o Coletivo Bereia provam que é possível construir um ambiente mais justo e inclusivo, com presença feminina em posições-chave.

A pesquisa do Instituto Reuters, que analisou 12 mercados em cinco continentes, incluindo países como Estados Unidos, Reino Unido, Brasil e Japão, aponta que a desigualdade de gênero no jornalismo é um problema global. Em todos os mercados estudados, a maioria dos editores-chefes são homens, mesmo em países onde as mulheres representam uma parcela significativa dos jornalistas. Por exemplo, no Japão, nenhuma mulher ocupa o cargo de editora-chefe nos veículos analisados, enquanto nos Estados Unidos, o país com a maior representação feminina, menos da metade, apenas 43% dos editores-chefes, são mulheres.

A pesquisa Reuters também destaca que não há correlação entre a igualdade de gênero na sociedade e a representação de mulheres em cargos de liderança no jornalismo. Isso sugere que as barreiras à ascensão das mulheres na indústria de notícias são específicas do setor e não refletem necessariamente as tendências sociais mais amplas.

Bereia: um raro exemplo de equilíbrio e representatividade

Em contraste com esse cenário global, o Coletivo Bereia se destaca como um exemplo positivo de representatividade feminina no jornalismo. Com 19 integrantes, o grupo conta com dez mulheres, representando 52,6% do total. A editoria-geral é ocupada por uma mulher, Magali Cunha, o que já coloca o Bereia à frente de muitos veículos de notícias no mundo, onde a liderança feminina ainda é uma exceção.

Além disso, a Equipe de Checagem do Bereia é majoritariamente feminina, com cinco mulheres em um total de seis integrantes. Essa forte presença feminina na verificação de fatos, área que exige alta assertividade em meio a velocidade da produção de matérias, demonstra que é possível construir equipes diversas, inclusivas e eficientes, mesmo em setores tradicionalmente dominados por homens.

A editora-geral do Bereia Magali Cunha vê a experiência do projeto como uma inspiração: “Como se diz na linguagem da religião cristã, a equidade de gênero na equipe Bereia é um testemunho importante. É uma inspiração para que veículos que, como o Bereia, que defendem o direto humano à informação digna e coerente com os valores da justiça, honrem sua vocação na forma como desenvolvem o trabalho”, afirma a jornalista.

Quem são as mulheres que fazem o Bereia

O Bereia é formado por um coletivo de mulheres talentosas, formadas em diversas áreas do conhecimento, unidas pela paixão pelo jornalismo e pela missão de levar mais verdade nos ambientes religiosos. Conheça um pouco mais sobre elas:

Representatividade é também qualidade

A presença de mulheres em cargos de liderança e em equipes técnicas não é apenas uma questão de igualdade, mas também de qualidade do jornalismo. O estudo intitulado “The Impact of Sexual Harassment on Job Satisfaction in Newsrooms” (O Impacto do Assédio Sexual na Satisfação no Trabalho em Redações), da Universidade de Londres, publicado em 2023, demonstra que a diversidade de gênero nas redações contribui para uma cobertura mais abrangente e sensível a questões que afetam as mulheres e outros grupos sub-representados. 

No caso do Bereia, a forte presença feminina na equipe de checagem pode trazer perspectivas únicas e necessárias para a análise de informações, especialmente em um contexto onde a desinformação afeta desproporcionalmente as mulheres.

Referências:

Blumell, L., Mulupi, D. & Arafat, R. (2023). The Impact of Sexual Harassment on Job Satisfaction in Newsrooms. Journalism Practice, pp. 1-20. doi: 10.1080/17512786.2023.2227613 Disponível em https://openaccess.city.ac.uk/id/eprint/30825/1/The%20Impact%20of%20Sexual%20Harassment%20on%20Job%20Satisfaction%20in%20Newsrooms.pdf 

Intervozes

https://intervozes.org.br/publicacoes/desinformacao-direitos-humanos-contribuicao-onu/#:~:text=Al%C3%A9m%20disso%2C%20a%20desinforma%C3%A7%C3%A3o%20afeta,em%20pa%C3%ADses%20como%20o%20Brasil.

Grupos e políticos extremistas de direita disseminam nova confusão em torno do  Pix. Agora, contra regras antigolpes

Circulam novamente nas redes digitais informações enganosas sobre o Pix. Nesta quinta-feira (6), o Banco Central anunciou mudanças no regulamento do sistema de pagamentos para evitar fraudes, e determinou que instituições financeiras e de pagamento garantam a conformidade dos nomes vinculados às chaves Pix com os registros de CPF e CNPJ da Receita Federal. No entanto, a informação tem sido compartilhada de forma incorreta. O Bereia verificou os dados para esclarecer a questão.

O ex-presidente católico Jair Bolsonaro (PL) e o deputado federal evangélico Nikolas Ferreira (PL-MG) comentaram ironicamente, em seus perfis pessoais do X, a decisão do Banco Central sobre a verificação de conformidade das chaves Pix. As publicações geraram repercussão e levaram, mais uma vez, a interpretações equivocadas por parte dos leitores. Postagens miram o Pix para criar pânico e fazer crer que o governo federal e o presidente da República (que não são responsáveis pela gestão deste sistema, mas, sim, o Banco Central) colocam este recurso financeiro popular em risco.

Imagem: Reprodução X. 

Banco Central estabelece novas regras para chaves Pix

O Banco Central determinou que a verificação de conformidade das chaves Pix será obrigatória em operações como registro, alteração, portabilidade e reivindicação de posse. Chaves associadas a CPFs ou CNPJs com situação irregular na Receita Federal deverão ser excluídas, uma vez que foi identificado pelo órgão que registros pertencentes a pessoas falecidas e empresas encerradas vêm sendo utilizados por golpistas.

Imagem: Reprodução: X

A medida busca dificultar fraudes ao impedir que golpistas usem nomes diferentes dos registrados na Receita. O Banco Central realizará monitoramento contínuo e poderá aplicar penalidades às instituições que não cumprirem as regras.

Também foi proibida a alteração de dados vinculados a chaves aleatórias e a reivindicação de posse de chaves do tipo e-mail. Apenas chaves associadas a números de celular poderão continuar sendo transferidas para novos titulares.

As novas medidas aprovadas pelo Banco Central não alteram a forma como pessoas e empresas realizam ou recebem transferências via Pix. As mudanças são operacionais e visam aumentar a segurança para os participantes do sistema, o que reduz riscos de fraude.

Bereia verificou que as falsidades sobre o Pix circularam novamente nas redes digitais após o anúncio de novas regras pelo Banco Central. Ao contrário do que foi divulgado, as mudanças não envolvem uma fiscalização maior sobre as transações financeiras. A norma apenas exige que as chaves Pix estejam em conformidade com os registros de CPF e CNPJ da Receita Federal, com o objetivo de combater fraudes. 

As chaves associadas a documentos irregulares serão excluídas, e a alteração de dados em chaves aleatórias foi proibida. Essas medidas operacionais não afetam o uso do Pix para os usuários. Apesar de não apresentarem afirmações diretas, os conteúdos publicados por Nikolas Ferreira e Jair Bolsonaro induzem de forma enganosa a uma visão negativa sobre o atual governo, que não é responsável pela gestão do Pix, e as novas regras implementadas pelo Banco Central.

É a segunda vez neste ano que políticos de oposição ao governo federal, vinculados ao extremismo de direita, disseminam falsidades sobre o Pix, entre eles o próprio deputado Nikolas Ferreira (PL-MG)

Referências: 

Banco Central do Brasil. https://www.bcb.gov.br/detalhenoticia/20568/nota. Acesso em 07 de março de 2025. Coletivo Bereia. https://coletivobereia.com.br/balanco-janeiro-2024-mentiras-sobre-o-pix-como-estrategia-de-oposicao-politica/. Acesso em 07 de março de 2025.

Coletivo Bereia

https://coletivobereia.com.br/balanco-janeiro-2024-mentiras-sobre-o-pix-como-estrategia-de-oposicao-politica/

Produtora Brasil Paralelo instrumentaliza obra de C.S. Lewis em agenda política 

 “Oficina do Diabo” é o título do filme lançado pela produtora Brasil Paralelo, neste início de 2025, que tem sido promovido como uma obra original de ficção. No entanto, o longa guarda fortes semelhanças com a obra “Cartas de um Diabo a seu Aprendiz”, do escritor britânico C. S. Lewis. O caso tem sido debatido nas redes digitais a partir das questões sobre direitos autorais e transparência na produção cultural.

Inicialmente anunciado como a primeira adaptação cinematográfica de “Cartas de um Diabo a seu Aprendiz”, o filme teve o requerimento dos direitos de C. S Lewis negados e ganhou outro título, sendo e divulgado como uma produção original.

Atualmente, os direitos sobre as obras de C.S. Lewis são geridos pela C.S. Lewis Company Ltd. Esta organização é responsável por administrar os direitos autorais e licenciamentos relacionados às publicações e adaptações das obras do renomado escritor. No entanto, a Brasil Paralelo manteve publicações que afirmam a conexão com a obra de Lewis, o que sinaliza  contradição.

A reportagem da Revista Piauí, intitulada “A operação abafa da Brasil Paralelo”, expõe as estratégias da produtora para moldar narrativas históricas e culturais, com muitas  negações de evidências históricas consolidadas. A reportagem destaca como a produtora Brasil Paralelo utiliza um discurso de suposta neutralidade enquanto promove uma agenda revisionista voltada a um público conservador extremista.

O caso do filme “Oficina do Diabo” tem esse padrão: apresentado primeiro como adaptação fiel da obra de Lewis, o projeto foi reformulado para evitar problemas legais, mas manteve elementos  evidentes do livro original.

Origens do projeto e controvérsia sobre direitos autorais

Em 2023, materiais promocionais da Brasil Paralelo referiam-se ao filme como uma adaptação da obra de Lewis, o que alimentou expectativas entre os fãs do autor e seguidores da produtora. Com a negativa dos direitos, a produção foi reformulada. Apesar da nova abordagem, a Brasil Paralelo mantém ativa uma publicação de 2023, na qual afirma que o filme é baseado na obra de C.S. Lewis, o que contradiz sua atual divulgação.

Imagem: Página da produtora Brasil Paralelo no Facebook. Publicado em 04/01/2023

Imagem: Página da produtora Brasil Paralelo no Facebook. Publicado em 04/01/2023.

A alegação da produtora Brasil Paralelo de que ‘Oficina do Diabo’ seria a primeira adaptação cinematográfica da obra de C.S. Lewis é falsa.

Imagem: Página da produtora Brasil Paralelo no Facebook. Publicado em 04/01/2023

Ouvida pelo Bereia, a professora e pesquisadora , do Departamento de História da UFPR Karina Kosicki Bellotti recorda que, entre 1960 e 1962, o Centro Audiovisual Evangélico (CAVE) produziu uma animação de 20 minutos inspirada no livro Cartas de um Diabo a seu Aprendiz. A professora, que estudou o CAVE para a dissertação de Mestrado em História, esclarece que a animação buscava adaptar trechos da obra original à realidade brasileira, utilizando humor e elementos visuais semelhantes aos do livro, como a representação do demônio influenciando o protagonista.

O enredo abordava questões morais e sociais, como a transformação do personagem principal, que se envolvia na construção de uma escola para alfabetização de crianças e adultos, e sua jornada ao lado de uma esposa cristã engajada na distribuição de Bíblias. 

Segundo Karina Kosicki, o filme incorporava elementos centrais da obra de Lewis, incluindo a dinâmica entre o demônio e o protagonista. “O desenho, de 20 minutos, feito por Alcidio da Quinta, não trazia o diálogo entre Screwtape e seu chefe, mas o demoninho era muito parecido com o desenho feito por Lewis publicado no original em inglês”, observa a pesquisadora.

Além disso, “a animação refletia questões sociais brasileiras da época, alinhando-se ao conceito do Evangelho Social. No filme, a protagonista feminina trabalhava com a Sociedade Auxiliadora Feminina, um grupo engajado na assistência social, e enfrentava resistência de um pastor que acreditava que a igreja não deveria se envolver com causas educacionais”. Essas adaptações reforçam que Tonico e o Demônio foi uma adaptação direta do livro de Lewis, o que contrapõe  a alegação da Brasil Paralelo de que Oficina do Diabo seria a primeira adaptação da obra no país 

C.S. Lewis, sua visão e a recepção de sua obra

Clive Staples Lewis (1898–1963) foi um escritor, professor britânico amplamente conhecido por suas obras de ficção e ensaios cristãos, dados os seus conhecimentos de teologia. Convertido ao Cristianismo após um período de ateísmo, Lewis tornou-se um dos mais influentes apologistas cristãos do século XX. Sua obra “Cartas de um Diabo a seu Aprendiz” foi publicada em 1942 e recebeu aclamação pela abordagem satírica sobre a moralidade, o livre-arbítrio e a luta espiritual, explorando a perspectiva de um demônio tentando desviar um humano da fé.

Politicamente, Lewis não se envolvia diretamente em debates partidários, mas mantinha um posicionamento crítico ao autoritarismo e à manipulação ideológica da fé. Ele próprio declarou que sua obra não deveria ser usada como ferramenta para agendas políticas, enfatizando sua intenção de provocar reflexões sobre a condição humana e a espiritualidade cristã. Nesta direção, é possível avaliar que a apropriação indevida de sua obra por grupos com intenções revisionistas, como é o caso da produtora Brasil Paralelo, distorce sua mensagem original e ignora seu contexto histórico e filosófico.

Estudos acadêmicos reforçam essa perspectiva. O artigo “C.S. Lewis e a Política”, publicado pela revista evangélica  Ultimato, destaca que Lewis rejeitava o uso da fé como instrumento ideológico e criticava qualquer forma de autoritarismo. 

Da mesma forma, o estudo acadêmico “As Alegorias Religiosas de C.S. Lewis nas Crônicas de Nárnia”, de Heraldo Aparecido Silva , ressalta que a obra de britânico não tinha a intenção de promover uma agenda política específica, mas sim estimular reflexões morais e espirituais. Já o artigo “Era C.S. Lewis um Inclusivista?, do pesquisador da PUC-MG Carlos Caldas , aponta que o autor tinha uma visão ampla do Cristianismo e rejeitava exclusivismos religiosos.

Além disso, a pesquisa de Jorge Henrique Tenório dos Santos, Dhiane Lorrany Soares Lope e Moisés Monteiro de Melo Neto, intituladaO Fantástico e o Cristianismo em O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa”, analisa como Lewis utilizava a literatura fantástica para transmitir ensinamentos cristãos sem dogmatismo, deixando espaço para interpretações diversas. 

O Livro de Lewis e o conteúdo do filme de 2025

Embora apresentado como uma obra inédita, “Oficina do Diabo”, produzido pela Brasil Paralelo, traz elementos narrativos que remetem à estrutura de “Cartas de um Diabo a seu Aprendiz”. O livro de Lewis é composto por uma série de cartas em que um demônio experiente instrui um novato sobre como corromper uma alma humana. O filme da Brasil Paralelo também apresenta um protagonista influenciado por forças demoníacas e explora a luta entre o bem e o mal por meio do diálogo entre essas entidades

Embora adote premissas semelhantes, se distancia da proposta original ao inserir uma leitura política alinhada a uma perspectiva conservadora e anticomunista. A narrativa explora a luta entre o bem e o mal de maneira a reforçar discursos ideológicos contemporâneos, transformando o embate espiritual em uma metáfora para disputas políticas, o que desvirtua a abordagem universal de Lewis e instrumentaliza a história para reforçar uma agenda específica.

Principais Semelhanças:

  • Estrutura Narrativa: O filme segue o mesmo formato epistolar do livro, com diálogos entre forças demoníacas;
  • O dilema moral do protagonista também se assemelha ao desenvolvido por Lewis, explorando temas como a tentação, o livre-arbítrio e a manipulação das fraquezas humanas, mas atualizados para 2025 com ênfase em pautas contemporâneas como a suposta polarização política, o conteúdo que a direita política classifica como “fake news” e o combate às chamadas “ameaças ideológicas” atribuídas às pautas de direitos humanos, sociais, econômicos, culturais e sexuais;
  • Diálogos e Desenvolvimento: A relação entre o personagem demoníaco e sua vítima remete à escrita original de Lewis.

Diante das críticas, a Brasil Paralelo reiterou que “Oficina do Diabo” é uma produção original, sem ligação oficial com a obra de Lewis. A produtora afirmou que o filme foi inspirado por reflexões sobre moralidade e a natureza do mal, mas não constitui uma adaptação.

Sobre as ações da Brasil Paralelo

A tentativa da produtora Brasil Paralelo de apresentar Oficina do Diabo como uma obra original, apesar de suas evidentes semelhanças com Cartas de um Diabo a seu Aprendiz, segue um padrão já identificado em diversas análises acadêmicas sobre a produtora.

Segundo a pesquisa O revisionismo histórico da Brasil Paralelo”, de Daniela Silva Martins, a produtora frequentemente altera a narrativa original de fatos e personagens históricos para promover sua visão política alinhada ao extremismo de direita. 

Já o estudo “O projeto de nação brasileira entre a ‘Cruz e a Espada'”, de João Paulo Charrobe, destaca como a Brasil Paralelo idealiza figuras e conceitos históricos para reforçar uma agenda conservadora, estratégia que pode ser vista na utilização da obra de C.S. Lewis. 

Em artigo publicado no IHU On Line,  o cientista político Luis Felipe Miguel aponta que a Brasil Paralelo utiliza a estética documental para conferir credibilidade a conteúdos politicamente enviesados. Isto se reflete na maneira como a produtora reformulou a adaptação do livro de Lewis para evitar questões de direitos autorais, sem abrir mão do prestígio da obra original.

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A verificação do Coletivo Bereia sobre a polêmica em torno de “Oficina do Diabo” reforça a importância da transparência na produção cultural, especialmente quando se trata de obras inspiradas em clássicos literários. Também é um alerta a leitores e leitoras sobre o uso do formato de documentário, praticado por projetos como o Brasil Paralelo, para gerar credibilidade e audiência para conteúdos de teor político revisionista e negacionista.

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💡O que foi o Centro Audiovisual Evangélico (CAVE)?

O Centro Audiovisual Evangélico (CAVE) foi uma organização interdenominacional criada em 1952 por missionários presbiterianos, com apoio da Radio Audio-Visual Education and Mass Communication Comission Overseas (RAVEMCCO). Os pesquisadores Márcio T. D´Amaral e Prisicila Vieira Souza explicam que a RAVEMCCO  era  o  departamento  de  comunicação  do  Conselho  Nacional  de Igrejas em Cristo dos EUA. No contexto americano de “fundamentalistas versus liberais”, esse Conselho representava os cristãos liberais, aproximava-se do Evangelho Social e incorporava as agendas do ecumenismo e diálogo inter-religioso.

Sediado inicialmente na cidade de São Paulo e depois na de Campinas (SP), o CAVE foi um dos pioneiros no uso da comunicação audiovisual para a evangelização. Produziu programas de rádio, filmes, diafilmes (slides) e impressos para diversas denominações protestantes.

Entre suas produções destacam-se O Punhal (1961), um filme de 45 minutos sobre missionários no Brasil, e Tonico e o Demônio (1963), um desenho animado inspirado no livro Cartas de um Diabo a seu Aprendiz, de C.S. Lewis. Este último contrapõe a alegação da Brasil Paralelo de que sua adaptação seria a primeira baseada na obra do autor.

Diferente da produtora Brasil Paralelo, o CAVE não tinha fins lucrativos nem uma agenda política, e buscava adaptar conteúdos religiosos à realidade brasileira para oferecer material educativo para igrejas evangélicas. Seu legado na comunicação evangélica no Brasil ainda é pouco conhecido pelo público, mas sua contribuição foi significativa para a produção de mídia cristã no país. O CAVE foi desativado nos anos 80 e o acervo integral está sob a guarda da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista, no campus em São Bernardo do Campo.

Referências de checagem 

www.cslewis.com Acesso em: 25 Fev 2025

https://www.instagram.com/cslewis_official/ Acesso em: 25 Fev 2025

https://www.ultimato.com.br/conteudo/c-s-lewis-e-a-politica#:~:text=Lewis%20adverte%20a%20Igreja%20da,protege%20o%20reino%20da%20pol%C3%ADtica. Acesso em: 25 Fev 2025

https://revistas.pucsp.br/index.php/rever/article/view/51868 Acesso em: 25 Fev 2025

https://www.scielo.br/j/pteo/a/DQKRxSRqvTHS9zvQ8YhJQJq/#:~:text=Considerando%20que%20a%20tese%20que,que%20se%20tornou%20bastante%20conhecida. Acesso em: 25 Fev 2025

https://ojs.revistacontribuciones.com/ojs/index.php/clcs/article/view/12362 Acesso em: 25 Fev 2025

https://revistas.usp.br/ran/article/view/220575 Acesso em: 25 Fev 2025

https://www.scielo.br/j/his/a/7HNkFdGXc3HQ9SzsKQqdxDq/ Acesso em: 25 Fev 2025

https://www.researchgate.net/publication/348754597_A_participacao_dos_evangelicos_na_midia Acesso em: 25 Fev 2025

 https://www.youtube.com/watch?v=PuTdfa2-O3g Acesso em: 25 Fev 2025

https://revista.pubalaic.org/index.php/alaic/article/view/589/592 Acesso em: 25 Fev 2025

https://ihu.unisinos.br/categorias/643742-brasil-paralelo-artigo-de-luis-felipe-miguel Acesso em: 25 Fev 2025

Revista Piauí https://piaui.folha.uol.com.br/operacao-abafa-da-brasil-paralelo/  Acesso em: 25 Fev 2025

https://piaui.folha.uol.com.br/brasil-paralelo-suspende-estreia-de-primeiro-longa-de-ficcao/ Acesso em: 25 Fev 2025

https://guiame.com.br/gospel/mundo-cristao/centro-audiovisual-evangelico-ganha-destaque-em-revista-crista.html Acesso em: 25 Fev 2025

https://www.researchgate.net/publication/348755152_MONOGRAFIA_UMA_IGREJA_INVISIVEL_-_PROTESTANTES_HISTORICOS_E_MEIOS_DE_COMUNICACAO_DE_MASSA_NO_BRASIL_ANOS_50_a_80 Acesso em: 25 Fev 2025

Brasil Paralelo https://www.brasilparalelo.com.br/noticias/nota-oficina-do-diabo#:~:text=A%20BRASIL%20PARALELO%20informa%20que,de%20qualquer%20outra%20obra%20precedente Acesso em: 25 Fev 2025

Áudios falsos sobre vacinas e surto de doenças voltam a circular em grupos de igrejas

Áudios enganosos publicados em grupos de WhatsApp de igrejas voltaram a circular, neste fevereiro, para espalhar pânico e desinformação sobre saúde pública. Bereia recebeu alerta de checagem de dois áudios, por leitores que desconfiaram do material que chegou aos grupos dos quais participam. 

O primeiro áudio fala sobre uma suposta vacina bivalente que misturaria as imunizações contra gripe e Covid-19, enquanto o segundo alerta para um falso surto de covid-19, dengue, chikungunya e zika que estaria sendo “escondido” pela mídia até o término do Carnaval. Ambas as mensagens são falsas e foram amplamente verificadas pelo Boatos.org e demais agências de checagens. 

O que dizem os áudios?

No primeiro, uma voz de mulher que não se identifica, gravado em local e data não registrados, afirma a alguém que a vacina bivalente contra covid-19 estaria sendo aplicada para “exterminar 50% da população mundial”. A mensagem também sugere que o laboratório Pfizer estaria envolvido nesse suposto plano e que a vacina da covid-19 estaria sendo “escondida” na vacina da gripe que deve ser aplicada em breve no Brasil. O áudio também menciona que um médico teria relatado um aumento de pacientes com sequelas causadas pelas vacinas, em contraste com a eficácia do chamado “tratamento precoce”. A gravação traz uma chamada específica para que não se permita que nenhum idoso seja vacinado contra a gripe e não informa a fonte de tais informações oferecidas.

Já no segundo áudio, uma mulher, também não identificada, que alega trabalhar em um hospital não determinado,diz que os casos de covid-19, dengue, chikungunya e zika estão em alta no Brasil, mas que essas informações estariam sendo ocultadas pela mídia até o fim do Carnaval. A gravação, igualmente, não tem local e data registrados e não indica de onde são originadas as informações em questão. Esta gravação também traz apelo específico para que pessoas voltem a usar máscaras.

Sobre as vacinas

A verdade é que não existe vacina bivalente que combine o vírus influenza (gripe) e  Sars-CoV-2 (covid-19). As vacinas bivalentes contra covid-19 (como as da Pfizer e da Moderna) protegem contra duas variantes do coronavírus (a cepa original e a Ômicron), e não contra o vírus da gripe. 

Vale lembrar que embora as vacinas sejam aplicadas separadamente, elas podem ser administradas no mesmo momento. De acordo com a Câmara Técnica de Assessoramento em Imunização (CTAI) do Ministério da Saúde, “não há nenhum risco em tomar as duas vacinas ao mesmo tempo. A possibilidade de ofertar estes imunizantes na mesma oportunidade é benéfica para a população, por promover uma proteção mais eficiente”.

Sobre o surto de doenças

Embora os áudios tentem causar pânico, os dados do Ministério da Saúde indicam uma estabilidade nos casos de covid-19, dengue, chikungunya e zika desde o início de 2024. Não há evidências de um aumento alarmante em 2025 e que seja ocultado pela mídia devido ao Carnaval. Além disso, o mesmo áudio já foi compartilhado em outros anos próximo a data da festa popular, o que revela se tratar da disseminação recorrente destas mentiras.

De fato, a positividade para o vírus da covid-19 subiu de 17,1% para 24,1% entre 25 de janeiro e 15 de fevereiro, o maior índice do ano até o momento, de acordo com um levantamento do Instituto Todos pela Saúde (ITpS). Porém, dentro de índices normais, o que não justifica o alarde dos áudios. O aumento está relacionado à circulação de uma nova variante, a JN.1, considerada pela OMS como “digna de monitoramento”, mas com risco global baixo.

Além da covid-19, houve aumento na positividade de testes para influenza A (gripe) e vírus sincicial respiratório (VSR), que afeta principalmente crianças. Esse crescimento é atribuído a uma mudança na sazonalidade desses vírus, causada pelo isolamento social durante a pandemia. É importante, ainda, lembrar que o período do verão é, historicamente, um tempo de propagação de doenças, seja relacionado a períodos de seca como os de muitas chuvas (caso também da dengue).

Em entrevista ao jornal Estado de S.Paulo, o infectologista Igor Thiago Queiroz, membro da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), reforça a importância da vacinação e dos cuidados durante o Carnaval.

“Caso a pessoa tenha sintomas, ela não deve ir para aglomerações. É necessário utilizar máscara e lavar as mãos. Também não deve compartilhar objetos que possam ser colocados nas mãos, no nariz, nos olhos ou na boca. São medidas preventivas”, alerta.

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Bereia classifica como falsas as informações divulgadas nos áudios que circulam em grupos de WhatsApp de igrejas. Não há vacina bivalente que mistura gripe e covid-19, e não há evidências de um surto de doenças ocultado pela mídia. Embora haja um aumento na positividade de casos de covid-19 e outras doenças respiratórias, as informações estão sendo divulgadas amplamente, e as vacinas continuam sendo a melhor forma de proteção.

As vacinas contra covid-19 e gripe são seguras e eficazes, e a aplicação simultânea é recomendada pelo Ministério da Saúde para garantir proteção ampla e oportuna, especialmente para idosos, gestantes e pessoas com comorbidades.

Bereia alerta para conteúdos que chegam em grupos de WhatsApp por áudios que não têm identificação de quem fala, do local e da data de origem e da fonte das informações oferecidas , pedem compartilhamento indiscriminado, propagam ideias sem fundamento científico ou até mesmo bizarras. Esses elementos são comuns em materiais desinformativos (forjados com falsidades e mentiras), criados deliberadamente para enganar e causar medo.

Pessoas que receberem mensagens como essas, não devem compartilhá-las, e, sim, buscar verificação em veículos de checagem e outras fontes de informação credenciadas. 

Vale lembrar que mentiras sobre temas de saúde e vacinas são um dos conteúdos mais checados pelo Bereia desde sua fundação e observados, inclusive, em períodos eleitorais.

Referências:

Ministério da Saúde https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-com-ciencia/noticias/2023/outubro/posso-tomar-bivalente-e-influenza-no-mesmo-dia 

https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2023/fevereiro/determinadas-doencas-sao-mais-comuns-durante-o-verao-saiba-quais-sao-e-como-prevenir

Acesso 26-02-25

Boatos.Org

https://www.boatos.org/saude/estao-dando-vacina-bivalente-gripe-e-covid-para-matar-as-pessoas-em-2025.html Acesso 26-02-25

https://www.boatos.org/saude/vacina-bivalente-pfizer-aplicada-junto-vacina-da-gripe-matar-populacao-conta-medica-belo-horizonte.html Acesso 26-02-25

https://www.boatos.org/saude/brasil-esta-com-covid-19-em-alta-que-esta-sendo-escondida-por-causa-do-carnaval.html Acesso 26-02-25

Instituto Todos pela Saúde

https://www.itps.org.br/comunicacao/positividade-para-covid-19-cresce-sete-pontos-percentuais-em-um-mes-e-chega-a-24-a-poucos-dias-do-carnaval Acesso 26-02-25

Estado de S. Paulo

https://www.estadao.com.br/saude/positividade-para-covid-19-aumenta-a-poucos-dias-do-carnaval-indica-levantamento-nprm/ Acesso 26-02-25

Foto de capa: Camilo Jimenez/Unplash

Desinformação é apontada como maior risco global para 2025

A desinformação está se consolidando como uma das maiores ameaças à humanidade, com projeções alarmantes para os próximos anos. Segundo o Relatório de Riscos Globais 2025, publicado durante a reunião do Fórum Econômico Mundial, em janeiro passado, a disseminação de notícias falsas e informações manipuladas pode comprometer a democracia, a saúde pública e a estabilidade global.

Tratando-se do ambiente digital, estudos científicos internacionais, apresentados pelo projeto Cybersecurity for Democracy, da New York University (NYU), revelaram que perfis de notícias de extrema-direita, além de engajarem mais, não são penalizadas pela propagação de desinformação dentro das plataformas sociais.

Diante desse cenário crítico, o Relatório descreve algumas medidas práticas para combater o problema, entre elas, a promoção de educação midiática, apontada como uma das principais soluções para ensinar as pessoas a identificar fontes confiáveis de informação.

Leia o artigo completo no The Conversation.

Foto de capa: Robin Worrall/Unplash

Bereia participa de mesa-redonda sobre mitigação da desinformação

Como é possível enfrentar a desinformação, que provoca efeitos danosos à sociedade? Essa foi a tônica da mesa-redonda promovida pela Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadores de Ciência (RedeComCiência) realizada em 10 de dezembro e que teve a participação da editora-geral do Bereia Magali Cunha.

O debate fez parte da programação que marcou os cinco anos da organização e tratou do papel das associações de ciência, da checagem de fatos, da relação entre religião e ciência e da percepção pública de ciência.

Em sua apresentação, Magali Cunha destacou a importância do evento e lembrou que o Coletivo Bereia nasceu no contexto de uma pesquisa científica realizada no Instituto Nutes de Educação em Ciências e Saúde, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “O estudo ‘Caminhos da desinformação’ foi o nosso ponto de partida e desde então temos a preocupação de sempre valorizar a pesquisa e ouvir especialistas, além de oferecer um diferencial em relação a outros projetos de checagem, que é dialogar com estudiosos em religião”.

A editora-geral explicou que o Bereia conta em sua equipe com especialistas nessa área e que busca ampliar o leque ao estreitar o contato com pesquisadores de ciências da religião, da sociologia da religião e da antropologia da religião. Há também a participação de pastores e pastoras, biblistas e pessoas que estão imersas no universo religioso, tanto no contexto cristão quanto em outros como Espiritismo e Islã, “que nos auxiliam a qualificar o conteúdo que é checado”.

Ela lembrou que o trabalho de fact-checking feito no coletivo inclui bibliografia científica e outros materiais que balizam aquilo que é analisado para além dos fatos e do caráter meramente informativo.

Preconceito e sensacionalismo

Outra preocupação da pesquisadora se refere ao preconceito e ao sensacionalismo em torno do protagonismo de grupos religiosos no momento atual, especialmente os evangélicos. “Infelizmente isso ocorre dentro do próprio ambiente acadêmico, e representa um grande desafio a ser superado”. Magali Cunha argumentou que há muita precipitação no trato de alguns temas, e dentro da academia não se valoriza o que é desenvolvido cientificamente sobre religião.

A editora-geral do Bereia destacou ainda que, além dos ambientes digitais religiosos, o trabalho do coletivo alcança a grande mídia, identificando seus equívocos, incorreções, exageros e o credenciamento de personagens do mundo religioso como se fossem porta-vozes da religião.

Pastor Silas Malafaia é, mais uma vez, condenado por calúnia

O presidente da Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo pastor Silas Malafaia, foi condenado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo a publicar uma retratação pública após ser acusado de propagar desinformação contra o Partido dos Trabalhadores (PT). A decisão, proferida pela 9ª Vara Cível de São Paulo, em 18 de novembro, está relacionada a declarações feitas por ele durante a manifestação convocada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, na Avenida Paulista, em fevereiro deste ano.

Malafaia e apoiadores do ex-presidente na Avenida Paulista, em fevereiro de 2024. Imagem: Reprodução/Youtube.

No evento, que ocorreu em meio às investigações sobre a participação de Bolsonaro em uma tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023, Malafaia acusou o PT de ter invadido o Congresso Nacional em 2017 com o objetivo de derrubar o então presidente Michel Temer. 

“Em 2017, o PT invadiu o Congresso Nacional. Quebra-quebra. Sabe por que eles invadiram? Para derrubar o presidente Temer. Não foram chamados de golpistas, mas de manifestantes. Em 2017, tacaram fogo no Ministério da Agricultura, ninguém chamou de golpista”, declarou o pastor.

O juiz Valdir da Silva Queiroz Junior concluiu que as declarações de Malafaia configuraram desinformação (conteúdo falso), já que o pastor divulgou as afirmações sem verificar a veracidade dos fatos. 

A decisão judicial determina que Malafaia publique, em até 30 dias após o trânsito em julgado, uma retratação em suas redes sociais, que corrija as informações falsas, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00, limitada a R$ 100.000,00.

Histórico de condenações por desinformação

A condenação recente de Silas Malafaia em São Paulo não é um caso isolado. O pastor já acumulou outras penalidades judiciais por ultrapassar os limites (abusar) da liberdade de expressão e por utilizar falsidades e enganos  como estratégia de captação de apoio em suas manifestações públicas, tendo como alvo adversários políticos e profissionais da imprensa.

Em um caso emblemático, a 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro aumentou para R$ 100 mil a indenização que Malafaia foi condenado a pagar ao ex-deputado federal Marcelo Freixo (PSB, então Psol) após promover uma campanha difamatória durante a campanha eleitoral para a Prefeitura do Rio em 2016. Malafaia mentiu ao dizer que Freixo apoiava “cartilhas eróticas” e a sexualização de crianças, além de proferir ataques pessoais. O Tribunal entendeu que as declarações excederam o direito de crítica e configuraram abuso da liberdade de expressão com o intuito de prejudicar a campanha do parlamentar.

Outro caso de grande repercussão envolveu a jornalista Vera Magalhães. Em 2022, Malafaia foi novamente condenado a pagar R$ 15 mil por danos morais após afirmar falsamente, em seus perfis em redes sociais, que a jornalista recebia R$ 500 mil por ano do governo João Doria para criticar o então presidente Jair Bolsonaro (PL). A Justiça determinou que Malafaia removesse as postagens ofensivas e se abstivesse de novas declarações similares, além reforçar que suas afirmações violaram a honra e reputação da jornalista.

O contexto da manifestação repudiada desta vez

A manifestação na Avenida Paulista, em fevereiro passado, ocorreu em meio às investigações sobre a participação de Bolsonaro nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023. Na ocasião, apoiadores do ex-presidente negavam os resultados das eleições, com alegações infundadas de fraude nas urnas eletrônicas. 

Segundo pesquisa do Monitor do Debate Político no Meio Digital, da USP, 88% dos participantes do evento acreditavam que Bolsonaro foi o verdadeiro vencedor da eleição, enquanto 94% consideram que há “excessos e perseguições da Justiça” que configuram uma “ditadura”.

Nos últimos dias deste mês de novembro, a Polícia Federal divulgou um relatório final de investigação no qual aponta Jair Bolsonaro como líder de uma organização criminosa que teria planejado um golpe de Estado para mantê-lo no poder após a derrota para a reeleição nas eleições de 2022. O documento, entregue ao Supremo Tribunal Federal (STF), indicia Bolsonaro e outras 36 pessoas por crimes como tentativa de golpe, abolição do Estado democrático de direito e organização criminosa.

O relatório também detalha o uso de discursos falsos sobre fraudes no sistema eleitoral para justificar as ações do grupo. O texto aponta ainda planos mais extremos, como a  “Operação Punhal Verde e Amarelo”, que previa atentados contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o vice-presidente Geraldo Alckmin.

Desinformação, especialmente a que interfere no interesse público, é ‘nociva’, alerta editora-geral do Bereia

A editora-geral do Coletivo Bereia Magali Cunha definiu como algo “muito nocivo” a propagação de mentiras e inverdades, principalmente aquelas que afetam o interesse público. Ela participou, em 5 de agosto de 2024, do programa “Espiritualidade na Ação”, apresentado por Frei David, no canal do Instituto Conhecimento Liberta (ICL), que tratou das fake news nas igrejas católicas, evangélicas e as de matriz africana.

Em diálogo do qual também fez parte o pesquisador do Instituto de Estudos da Religião (ISER) e que atua na área de articulação do Projeto Fé no Clima Paulo Sampaio, ela comentou sobre o período de pandemia da COVID-19, em que pessoas deixaram tomar os cuidados com a saúde e até se recusaram a se vacinar por causa de informações falsas que recebiam.

Esse tipo de comportamento, conforme avalia, se baseia em pelo menos dois fatores. O primeiro tem a ver com o que ela chama do lado humano que caracteriza as pessoas, que a fazem acreditar naquilo que provoca medo e riscos, paralisando-as e impedindo-as de pensarem adequadamente.

O segundo se refere à tendência de elas quererem acreditar naquilo que têm como crenças. Nesse caso, conteúdos falsos são aceitos e passados adiante como verdadeiros, sem sequer ter sido checados, pois desejam que assim sejam.

“Nesse raciocínio, grupos religiosos, que são formados por pessoas, estabelecem entre seus integrantes laços comunitários muito intensos, e o senso de pertença é tão forte que quando chega alguma coisa pelo grupo de WhatsApp da igreja, pelo pastor, pelo padre, aquilo bate como verdade. Afinal, como uma comunidade de fé vai apresentar um conteúdo que não é verdadeiro”, analisa Magali Cunha.

A pesquisadora lembra que estudo realizado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) nos anos de 2019 e 2020 para pesquisar como isso ocorre em ambientes religiosos digitais evidenciou isso não apenas no âmbito cristão, mas no de todas as religiões. Como participante do trabalho, ela percebeu que as igrejas são o grupo mais vulnerável.

Magali comenta que dessa pesquisa nasceu o Coletivo Bereia, hoje o único projeto no Brasil e na América Latina que faz uma checagem daquilo que circula nos ambientes digitais religiosos, com prioridade aos grupos cristãos.

A íntegra do programa, que aprofundou esses e outros temas, está disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=tcKzQSSfrkk

Relatórios apontam censura de plataformas digitais a conteúdos sobre Palestina e divulgação de desinformação

Existe um amplo uso da tecnologia voltado à prática e ao agravamento de violações dos direitos humanos em Israel por parte de empresas de tecnologia, como a Meta (que controla Facebook, WhatsApp e Instagram), no sentido de promover a censura, reter informações e indiretamente favorecer as estratégias do governo israelense no contexto das operações militares em Gaza no último ano.

A denúncia é do Centro Árabe para o Avanço das Mídias Sociais (7amleh) e aparece no relatório “Direitos digitais palestinos, genocídio e responsabilização das grandes tecnologias”, divulgado no mês de setembro pela organização. O documento aponta a Meta como uma das mais atuantes. O Observatório Palestino de Violações dos Direitos Digitais, ligado à 7amleh, identificou mais de 5.100 casos de censura digital e veiculação de conteúdo enganoso em plataformas como a de Mark Zuckerberg no período de 7 de outubro de 2023 a setembro de 2024.

O relatório também destacou a disseminação de campanhas com conteúdo desinformativo, com danos à liberdade de expressão, ao acesso à informação e ao direito à segurança. Vale lembrar que conteúdos falsos têm sido usados até para prejudicar as ações de ajuda humanitária em Gaza, segundo revela o documento.

A Human Rights Watch já havia denunciado em dezembro de 2023 graves violações aos direitos humanos aos palestinos de Gaza e também a censura imposta. Em um comunicado para apresentar o relatório que elaborou, a organização apontou a atuação da Meta ao dizer que as políticas e práticas da empresa “têm silenciado vozes em apoio à Palestina e aos direitos humanos palestinos no Instagram e no Facebook em uma onda de censura intensificada nas redes sociais“.

Na mesma nota, a Human Rights Watch destacou que no período de outubro a novembro do ano passado mais de 1.050 postagens foram removidas ou conteúdos suprimidos no Instagram e no Facebook, todas feitas por palestinos e apoiadores, incluindo aquelas que tratavam de abusos de direitos humanos.

A Federação Árabe Palestina do Brasil (Fepal Brasil), em postagem nas mídias digitais, reforçou o conteúdo da 7amleh ao dizer que a Meta mantém “laços profundos com o apartheid israelense e promove censura sistêmica e global de conteúdo sobre a Palestina e de denúncia do genocídio”. Outra acusação contra a Meta é que ela estaria subsidiando os israelenses com dados de WhatsApp de palestinos de Gaza que seriam usados nas ações de ataques e bombardeios, apontou a Fepal Brasil.

‘Uma vez mais, numa democracia, a desinformação venceu’

O candidato republicano à Presidência dos Estados Unidos Donald Trump conhece profundamente o funcionamento da imprensa, e isso o tornou um dos maiores influenciadores da opinião norte-americana. Mas o que está em jogo agora é a democracia daquele país, com base em uma campanha de desinformação que não obedece a fronteiras nem provoca constrangimentos. O alerta é do jornalista e correspondente internacional Jamil Chade em artigo publicado no UOL em 20 de outubro.

Chade acompanha as eleições nos Estados Unidos e decidiu conhecer bem de perto o que os canais de comunicação de extrema direita, que não escondem a preferência por  Trump, estão noticiando. “O que eu descobri é que, para milhões de americanos, o que existe é uma realidade paralela, sem qualquer compromisso com os fatos”.

Segundo o correspondente, “o resultado é uma mistura de deboche contra opositores, difusão de teorias da conspiração, mentiras explícitas, ofensas e um princípio: jamais verificar com os atores envolvidos se aquela suposta notícia é verdadeira ou não”.

Nesse ambiente, ainda se mantém, por parte da campanha de Trump e alimentada por esse setor da mídia, a dúvida se a invasão do Capitólio por parte de apoiadores do republicano, em 6 de janeiro de 2021, após a decisão da vitória de Joe Biden, foi de fato uma tentativa de golpe. “Uma vez mais, numa democracia, a desinformação venceu”, comentou Chade.

Confira a íntegra do artigo no UOL.

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Foto de capa: Sinisa Maric / Pixabay


Mídias digitais são terra sem lei e precisam ser reguladas, defende editora-geral de Bereia

Em entrevista ao programa de rádio Papo de Crente, iniciativa da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, em 16 de setembro, a editora-geral do Coletivo Bereia Magali Cunha defendeu a regulação das mídias digitais. Segundo ela, o que se vê hoje é “uma terra sem lei”, em que as plataformas são soberanas para veicular “o que bem entendem”.

A pesquisadora chamou a atenção para a importância de haver o controle do que é veiculado nessas plataformas, com legislação a respeito. E faz a ressalva: não se trata de censura, mas de regular o que é difundido no espaço público para que haja dignidade e direitos. “A acusação de censura é uma balela”, acrescentou.

Magali Cunha defende que com a regulamentação das mídias digitais é possível garantir liberdade de expressão, e argumenta que esse é um direito previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Constituição Federal. O que está em jogo, segundo ela, é o fato de que a liberdade de expressão se dá no espaço público, e isso implica que ela seja assegurada em todas as instâncias, tanto aquelas do mundo off-line como as do on-line.

“Assim como ninguém pode tirar alguma coisa que pertence a outra pessoa ou tirar a vida de alguém – temos leis sobre isso que garantem a nossa convivência –, a coexistência no espaço digital também precisa ser regulada”, declarou a editora-geral de Bereia. Na sua opinião, isso significa prevenir e coibir os ataques, as ameaças, as perseguições, o machismo, o racismo e toda sorte de intolerância praticada no ambiente on-line.

Confira a íntegra da entrevista em:

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