Não existe termo correto – os dois podem ser considerados, tanto “evangélicos” quanto “protestantes”. Ocorre que o termo popularizado é “evangélico”; o outro, “protestante”, raramente foi utilizado para a autoidentificação dos cristãos não católicos e não ortodoxos. “Protestante” acabou sendo mais empregado na academia, por historiadores e estudiosos da Teologia e da Religião, e em alguns espaços formais fora das igrejas.
Vamos entender melhor como isto se configurou.
Ter um nome é ter identidade, é carregar uma marca, uma imagem. Imigrantes ingleses e alemães e missionários dos Estados Unidos trouxeram a fé protestante para o Brasil a partir do século 19. Estas pessoas fundaram congregações e projetos sociais relacionados às igrejas protestantes clássicas: presbiteriana, congregacional, metodista, batista, luterana, episcopal-anglicana. Naquele contexto era importante adotar uma identificação que representasse a nova experiência vivida no país e que demarcasse uma diferença do Catolicismo oficial e hegemônico. Para isso foi popularizada, entre os fiéis, a expressão “crente em nosso Senhor Jesus Cristo”, ou, numa abreviação, “crente”. Este nome demarcava o processo de conversão, que era a pregação central da mensagem missionária: passava-se da incredulidade e desobediência a uma nova vida de crença e obediência. Os convertidos passavam assim a se autoidentificar como “crentes”.
O renomado cientista da religião Antônio Gouvêa Mendonça indicava em seus estudos que, de fora, o nome “crente” era muitas vezes carregado de preconceito e até de depreciação, entretanto, de dentro, era cheio de brio e de responsabilidade. Os crentes, embora compondo um grupo sociologicamente marginal, eram respeitados pelo seu amor à paz, à ordem e ao trabalho. Assim, o nome de crente trazia consigo um compromisso transparente de ser diferente perante a sociedade.
No entanto, os missionários também tinham sua identidade, sua própria forma de se autoidentificarem: eles eram evangelicals [evangélicos], uma vertente conservadora protestante, que desejavam afirmar a sua fidelidade ao Evangelho e não à Ciência ou à razão humana, com as quais protestantes progressistas se afinavam. A corrente dos evangelicals foi a promotora do movimento das Alianças Evangélicas em todo o mundo. Eram associações caracterizadas pela teologia dos movimentos pietistas, fundamentalistas e avivalistas e pela busca da união de todos os protestantes a fim de formar uma frente única de oposição ao Catolicismo – interpretado como grande empecilho ao avanço missionário iniciado no final do século 18.
A influência deste movimento alcançou o Brasil expressivamente no início do século 20, com o avanço dos projetos missionários protestantes em todo o mundo, patrocinados pelas Alianças Evangélicas. Muitas denominações brasileiras acrescentaram aos seus nomes a expressão “evangélica” – Igreja Evangélica X, Igreja Evangélica Y – e o termo “crente”, que já havia ganhado forma pejorativa, foi, paulatinamente substituído, por “evangélico/a” para designar os fiéis e as igrejas não-católicas e não-ortodoxas.
Com o crescimento numérico e geográfico deste segmento, e as tantas transformações vividas, em especial, com a chegada dos pentecostais, no século 20, o termo “evangélico” foi cada vez mais consolidado como a marca do segmento.
A popularização dos grupos e igrejas por meio da ocupação das mídias tradicionais e digitais, da cultura gospel da música, do entretenimento e do mercado de bens e serviço e da participação na política institucional amplificaram isto. Fato é que, fora da academia e de alguns espaços formais fora das igrejas, ninguém usa o termo protestante para identificar este grupo de cristãos e, sim, evangélico.
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