Site gospel cria pânico sobre “remoção de nome da mãe” do CPF pela Receita Federal

O site Pleno News publicou, em 17 de fevereiro passado, matéria na qual afirma que a Receita Federal foi obrigada pela Justiça a remover “nome da mãe” do Cadastro de Pessoa Física, para que passe a constar a palavra “filiação”.

Imagem: reprodução Pleno News

Com o mesmo tom negativo do título que diz que a Justiça “obriga”, Pleno News afirma no corpo da matéria que a Justiça Federal de Curitiba “ordenou” a Receita Federal a fazer a alteração nos formulários. O site gospel indica que a determinação “atende a uma ação civil movida por entidades de defesa da diversidade sexual e de gênero, assim como representantes da comunidade LGBTQIAPN+”.

A decisão judicial

A Justiça Federal do Paraná determinou, no prazo de 180 dias, em sentença ainda sujeita a recurso, que a Receita Federal adeque os formulários de cadastramento e retificação do CPF, substituindo o campo “nome da mãe” por “filiação” e incluindo as opções de gênero “não especificado”, “não binário” e “intersexo”. 

A ordem judicial, com base em ação civil movida pela Defensoria Pública da União, pelo Ministério Público Federal e por entidades de defesa da diversidade sexual e de gênero,  tendo em vista o reconhecimento e a valorização da multiplicidade de arranjos familiares e identidades de gênero no Brasil. A ação civil pública buscou garantir a proteção e o reconhecimento legal dos direitos de indivíduos LGBTQIAPN+, com foco em questões como igualdade, não discriminação e respeito à diversidade de gênero.

A ação foi ajuizada em 2021, depois que a Receita Federal sob orientação do Ministério da Economia do mandato do presidente Jair Bolsonaro, não atendeu às demandas coletivas por alteração do relatório.

A juíza Anne Karina Stipp Amador Costa, que assina a decisão, considerou que o STF já reconheceu a união homoafetiva como núcleo familiar e determinou igual tratamento à união heteroafetiva e que a mudança nos formulários do CPF leva a Receita a respeitar a dignidade humana, “reconhecendo a diversidade de arranjos familiares e identidades de gênero em nosso país, bem como a condição de intersexualidade”, conforme os direitos fundamentais de personalidade, igualdade, liberdade, autodeterminação, entre outros.. 

A decisão destaca  ainda que tais adequações já foram realizadas pela Polícia Federal e pelos Cartórios quando da lavratura da certidão de nascimento, o que evidencia a necessidade de adequação do CPF, documento considerado central e de grande importância na vida do cidadão brasileiro. 

A determinação da Justiça Federal admite que a adequação dos formulários de CPF para incluir opções de gênero mais abrangentes e a substituição do termo “nome da mãe” por “filiação” reconhece oficialmente a existência e a legitimidade de arranjos familiares diversos, contribuindo para a redução do estigma e da discriminação. A decisão considera também que o encaminhamento facilita inúmeros processos legais e burocráticos para indivíduos cujas identidades não eram anteriormente reconhecidas e respeitadas. 

Pleno News e desinformação

Bereia classifica a matéria do site Pleno News como enganosa. A notícia oferece conteúdo de substância verdadeira, mas a forma como é apresentada contribui para confundir o leitor.  Dessa forma, representa desinformação e precisa de contextualização e correções. 

Pleno News apresenta a decisão do judiciário em tom que aponta suposta arbitrariedade do Poder Judiciário com o uso de termos “obriga” e “ordena”.  

A matéria também afirma que a Justiça Federal de Curitiba atendeu a uma ação civil movida por entidades de defesa da diversidade sexual e de gênero, bem como de representantes da comunidade LGBTQIAPN+, sem a devida contextualização. Isto pode levar a crer que este grupo é privilegiado pelo Judiciário em decisões, e reforçar a teoria da conspiração que afirma existir uma “ditadura gay” que impõe regras.

Dessa forma, o portal induz uma percepção negativa da decisão, omitindo seu contexto jurídico e social, bem como sua fundamentação constitucional. A escolha vocabular e a disposição dos enunciados no discurso têm por estratégia confundir e polarizar, distraindo o leitor da percepção do avanço significativo na inclusão e no respeito à diversidade.  A determinação não retira o nome da mãe do documento, mas visa garantir o direito de quaisquer interessados à retificação dos dados do CPF, se assim desejarem.

Matérias cujo conteúdo estão relacionados à temática de gênero, podem ser acessados em outras checagens desenvolvidas pelo Bereia

Referências de checagem:

Portal Unificado da Justiça Federal da 4ª Região https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=noticia_visualizar&id_noticia=27870 Acesso em 19 FEV 2024 

Defensoria Pública da União https://direitoshumanos.dpu.def.br/acao-pede-reconhecimento-de-familias-homotransafetivas-no-registro-do-cpf/ Acesso em 19 FEV 2024 

Ação Civil Pública https://www.dpu.def.br/images/stories/foto_noticias/2021/20210913_Peticao_Inicial_CPF_-_final_para_assinaturas_-_COM_TARjA.pdf Acesso em 19 FEV 2024 

Supremo Tribunal Federal.

https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=504856&ori=1#:~:text=Em%20maio%20de%202011%2C%20o,homoafetiva%20como%20um%20n%C3%BAcleo%20familiar. Acesso em 19 FEV 2024 

https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628633 Acesso em  FEV  2024

Superior Tribunal de Justiça https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/29012023-Decisoes-do-STJ-foram-marco-inicial-de-novas-regras-sobre-alteracao-no-registro-civil-de-transgeneros.aspx#:~:text=Decis%C3%B5es%20do%20STJ%20foram%20marco,no%20registro%20civil%20de%20transg%C3%AAneros&text=Atualmente%2C%20%C3%A9%20poss%C3%ADvel%20mudar%20o,realiza%C3%A7%C3%A3o%20de%20cirurgia%20de%20transgenitaliza%C3%A7%C3%A3o. Acesso em 19 FEV 2024 

Bereia. https://coletivobereia.com.br/checagens-feitas-por-bereia-subsidiam-estudo-que-avalia-desinformacao-sobre-genero-e-sexualidade/ Acesso 22 FEV 2024

Metropoles. https://www.metropoles.com/colunas/igor-gadelha/depoimento-bolsonaro-pf-cis Acesso em FEV 2024

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Foto de capa: Agência Brasil

Checagens feitas por Bereia subsidiam estudo que avalia desinformação sobre gênero e sexualidade

A investigação de histórias falsas sobre gênero e sexualidade compartilhadas em 2019 é o foco principal de artigo elaborado pelos pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) Thales Vilela Lelo e Lorena Caminhas e publicado na revista MATRIZes (n. 2, edição de maio/agosto de 2021).

Os autores investigaram fake news e boatos relativos a esses dois aspectos disponíveis em bancos de dados de agências de checagem de notícias e fatos. Eles identificaram pelo menos 65 peças de desinformação focadas em gênero e sexualidade.

Bereia, ao lado de duas importantes agências de fact-checking (Aos Fatos e Pública), foi fonte de informação para a análise realizada pelos pesquisadores, que examinaram, por exemplo, o formato de publicação e os canais de divulgação das fake news, além do apelo moral dirigido ao público receptor. 

Clique aqui e confira o artigo, intitulado “Desinformação sobre gênero e sexualidade e as disputas pelos limites da moralidade”.

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Foto de capa: Alexander Grey/Pexels

Boatos e fake news no tempo do apóstolo Paulo: uma lição para cristãos e cristãs hoje

Podemos nos perguntar se no início do Cristianismo já havia perturbação nas comunidades causada por falsas notícias e documentos apócrifos.

A Segunda Carta de Paulo aos Tessalonicenses dá a entender que esse fenômeno já existia. Paulo alerta:

“A respeito da vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo e de nossa reunião junto a ele, nós vos pedimos, irmãos, não vos perturbeis tão depressa, nem vos alarmeis por causa de uma revelação profética, de uma afirmação ou carta, apresentadas como se procedessem de nós e que vos fariam crer que o dia do Senhor chegou. Que ninguém vos engane, de maneira alguma”. (2 Ts 2,1-3a)

De fato, a comunidade de Tessalônica se situava numa região atravessada por diferentes culturas e religiões, por ser uma cidade portuária, de grande movimento comercial. Havia um ambiente de agitação e conflitos religiosos e políticos, sob o domínio implacável do império romano. Os cristãos, recém convertidos e batizados, sofriam perseguição da Sinagoga local, aliada aos poderosos da cidade, que exploravam os trabalhadores.

Nesse ambiente, a volta do Cristo glorioso e o juízo final apareciam como o restabelecimento da justiça e a conquista da recompensa para os cristãos. Mas, ao mesmo tempo, espalhavam o medo. Então surgiam notícias e falsas profecias sobre o fim do mundo, com fenômenos apocalípticos, que deixavam as pessoas inquietas e ameaçadas. Mais ainda, circulavam falsas cartas atribuídas a Paulo. Por isso, ele vai alertar para que as pessoas não se deixassem levar por essas mentiras e nem dessem crédito às cartas falsamente atribuídas a ele e seus companheiros.

Por esse motivo, Paulo vai terminar sua carta tomando ele mesmo a pena e redigindo do próprio punho a despedida:

“A saudação é de próprio punho, minha, de Paulo. Assim é que assino todas as cartas. Esta letra é minha.

Que a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo esteja com todos vós.” (2Ts 3,17-18)

Lendo a Segunda Carta aos Tessalonicenses podemos ver que, já desde o início do Cristianismo, o fenômeno das falsas notícias, boatos e cartas apócrifas circulavam nas comunidades. A emoção provocada por tais boatos é sobretudo o MEDO, o temor, a inquietação – os mesmos sentimentos que estimulam a propagação de fake news nos dias de hoje.

Paulo vai responder a esse problema alertando para que os cristãos não se deixassem perturbar ou alarmar “tão depressa”. Que não se deixassem enganar de forma nenhuma. E antes de terminar sua carta ele pede: “Que o Senhor da paz vos dê a paz sempre e em tudo” (2 Ts 3,16).

**Os artigos da seção Areópago são de responsabilidade de autores e autoras e não refletem, necessariamente, a opinião do Coletivo Bereia.

***Foto de capa: Peter H/Pixabay

Pastor midiático usa pânico moral para enganar cristãos sobre registro de animais domésticos

O pastor e líder global da Igreja Batista da Lagoinha André Valadão compartilhou em seu perfil no Instagram a imagem de uma mulher segurando um documento ao lado de um cão e o título: ‘Alguns cartórios brasileiros estão fazendo certidão de nascimento para pets com o sobrenome do dono’ acompanhada da legenda: “Daqui a pouco vai ter casamento entre humanos e animais…. Aguardem, e se a “Igreja” não fizer o casamento ela será acusada de alguma fobia. Ou melhor de mais uma fobia”.

A publicação, feita em 27 de outubro, teve mais de 128 mil curtidas e 14 mil comentários até o fechamento desta matéria. O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) comentou a frase “Pura Verdade”, e concordou com a afirmação de Valadão. Bereia checou as informações compartilhadas pelo líder religioso. 

Imagem: reprodução Instagram

A origem da informação divulgada

De acordo com o apurado por Bereia, a página do Instagram ‘alfinetei’ publicou, em 25 de outubro passado, a frase: “Que maravilha! Cartórios brasileiros estão fazendo certidão de nascimento para pets com o sobrenome do dono”. O perfil de fofocas fez uso da mesma imagem utilizada pelo pastor André Valadão na publicação em seu perfil na mesma rede social. Em 27 de outubro, mesma data da publicação de Valadão, a captura de tela dessa publicação foi compartilhada no X/Twitter por alguns usuários apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro. 


Imagem: reprodução X (antigo Twitter)

A imagem com o texto, exatamente da forma como foi divulgada pelo líder global da Igreja Lagoinha, foi publicada por uma página no Facebook intitulada ‘Curiosos’, em 17 de maio deste ano. No entanto, a imagem original corresponde a uma matéria do G1 Roraima, publicada em 21 de julho de 2017. 

Imagem: reprodução do Facebook

A reportagem, com o objetivo de informar sobre a possibilidade de obter um registro de guarda do animal, traz detalhes sobre a documentação que também é conhecida como Identipet e retrata a história do cão Gaspar Lapóla e sua tutora Letícia Lapóla. 

Segundo o texto, o documento emitido é uma espécie de certidão de nascimento do animal e pode ser muito útil na busca por animais perdidos ou roubados e também em casos de disputa judicial da guarda.

O registro de guarda, que pode auxiliar ainda em viagens, se difere do Registro Geral do Animal (RGA), obrigatório em algumas cidades, determinado por lei municipal. O RGA é feito pelos órgãos municipais de controle de zoonoses. 

Recapitulação da medida tomada pelos cartórios brasileiros 

O conteúdo mais antigo encontrado sobre o assunto compartilhado por Valadão foi uma publicação no site do Sindicato dos Oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais do Estado de Minas Gerais (Recivil), datada de 29 de janeiro de 2014. 

O texto explica sobre o serviço disponibilizado por uma empresa virtual e o motivo da procura por parte de famílias que desejam formalizar a adoção dos animais domésticos, inclusive acrescentando o sobrenome ao nome do animal como prova de que este é um integrante da família. 

Outras matérias jornalísticas sobre a decisão dos tutores foram veiculadas em diversos estados brasileiros, entre eles, Rio Grande do Sul e Alagoas, em 2017, Espirito Santo, em 2019 e Mato Grosso e Distrito Federal em 2020. Em março de 2017 o Instituto de Registro de Títulos e Documentos e de Pessoas Jurídicas do Brasil (IRTDPJ Brasil) divulgou a implementação do projeto Identipet.

Imagem: reprodução g1

Ao autorizar o registro de animais por cartórios extrajudiciais em 2020, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios também informou em seu portal oficial que o PetLegal, foi lançado em 2017 para emitir uma certidão de registro para os animais de estimação, e à época já funcionava em sete estados brasileiros, entre eles Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina, Rondônia, Goiás, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso.

A tendência de estabelecimento de políticas públicas de proteção a animais domésticos/de estimação é algo crescente no Brasil. Candidatos a cargos públicos vêm disputando pleitos com esta bandeira, nos últimos anos, e vários Projetos de Lei têm sido aprovados e apresentados nos diferentes âmbitos da administração pública.  A antropóloga coordenadora do SOMAH (Núcleo de Pesquisa em Socialidades mais que Humanas) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro tem se debruçado sobre o tema, como exposto em artigo publicado pelo ISER/Nexo Políticas Públicas.

Resgate de conteúdo com potencial engajante

A publicação do pastor André Valadão sobre registros de animais de estimação em cartórios, um tema retroativo, apresenta a intenção de recriar discurso polêmico, principalmente quando complementado com sugestionamentos conspiratórios que incluem práticas de rejeição moral. Na afirmação do líder religioso, há também a inclusão da instituição igreja (evangélica) como vítima de uma suposta situação de perseguição religiosa,  o que não tem qualquer base substancial para ser afirmada.

O discurso de Valadão, sem a devida contextualização e com a mobilização de uma rejeição social, soma-se aos diversos episódios em que o líder religioso, por meio de polêmicas fabricadas, constrói uma estratégia de pânico moral para ser difundida nas mídias sociais.

Polêmica como estratégia midiática

A família Valadão, responsável pelo sucesso da Igreja da Lagoinha, tem em André seu maior destaque midiático. O pastor da filial de Orlando, nos Estados Unidos, é participante ativo nas redes digitais. Seu perfil no Instagram conta com 5,8 milhões de seguidores e, no Facebook, com 4,9 milhões. 

Nas redes, além de responder diversas perguntas do público, o pastor frequentemente mobiliza o pânico moral em suas publicações e promove discursos desinformativos, muitas vezes classificados como discursos de ódio.

Imagem: reprodução Instagram

Em julho deste ano, em discurso proferido a fiéis, o pastor tentou associar crimes de abuso infantil a orientações sexuais qee ele avalia como condenadas pela Bíblia. Na ocasião, Valadão recorreu a passagens bíblicas em discurso que foi interpretado como incentivo à morte de pessoas da comunidade LGBTQIAP+. Checagem produzida por Bereia trouxe informações relevantes sobre o episódio.

Outra situação célebre do conteúdo desinformativo disseminado pelo pastor se deu em outubro de 2022, quando André Valadão publicou um vídeo em suas mídias sociais fingindo ter sido intimado pelo então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Alexandre de Moraes. Valadão simulou um documento que o intimava a se retratar por ter publicado informações falsas no contexto da campanha presidencial no Brasil.

As alegações contidas no vídeo produzido com a intenção de desinformar foram desmentidas pelo TSE e por diversos veículos da imprensa. Valadão não fora intimado, mas citado em um procedimento de praxe relativo a um pedido de direito de resposta pela Coligação Brasil da Esperança, encabeçada pelo candidato Luís Inácio Lula da Silva, por conta de falsidades que o pastor havia, de fato,  disseminado. Bereia esclareceu, à época, que o vídeo publicado pelo pastor André Valadão era enganoso.

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Bereia avalia o conteúdo compartilhado por líder religioso associado à extrema-direita como enganoso. A informação antiga, republicada pelo pastor André Valadão, sobre registros de animais, tem substância verdadeira. No entanto, a afirmação acrescentada pelo líder global da Igreja Lagoinha não é constituída de fatos, mas de subjetividade conspiratória e faz uso de sensacionalismo para engajar um público e conquistar audiência.

A publicação, formada por título associado à imagem, foi desenvolvida para confundir, ao simular a estrutura de uma chamada jornalística. O discurso construído, principalmente a partir da inclusão da legenda, apresenta teor distorcido da realidade e instiga julgamentos negativos com base na rejeição moral daquilo que Valadão sugestiona existir. 

Há ainda a inclusão de uma suposta perseguição religiosa aos cristãos na afirmação do pastor, estratégia de veiculação de falsidade insistentemente adotada por líderes religiosos apoiadores da política de extrema-direita no país para acionar temores em fiéis das igrejas. Levantamento feito por Bereia apontou o tema como um dos mais desinformativos em espaços religiosos e a falsa afirmativa que perdura por décadas. Portanto, o conteúdo checado caracteriza-se como desinformação e necessita de contextualização para a compreensão dos fatos. 

Referências da checagem: 

G1

https://g1.globo.com/google/amp/rr/roraima/noticia/cartorio-de-rr-passa-a-emitir-registro-de-nascimento-a-animais-de-estimacao-com-sobrenome-do-dono.ghtml Acesso em: 1 nov 2023

https://g1.globo.com/al/alagoas/noticia/registro-de-pets-em-cartorio-comeca-a-se-popularizar-em-maceio.ghtml Acesso em: 1 nov 2023

https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2020/06/23/donos-podem-registrar-animais-de-estimacao-em-cartorios-do-df.ghtml Acesso em: 3 nov 2023

Recivil

https://recivil.com.br/animal-de-estimacao-pode-ter-registro-de-nascimento-e-usar-sobrenome-da-familia/ Acesso em: 1 nov 2023

Anoreg

https://www.anoreg.org.br/site/rs-donos-de-animais-de-estimacao-podem-registrar-guarda-em-cartorio/ Acesso em: 1 nov 2023

Sinoreg https://www.sinoreg-es.org.br/__Documentos/Upload_Conteudo/revistas/100.pdf

Acesso em: 1 nov 2023

TJMT

https://www.tjmt.jus.br/noticias/58635 Acesso em: 1 nov 2023

IRTDPJ Brasil

https://www.irtdpjbrasil.com.br/identipet-cartorios-ja-registram-animais Acesso em: 1 nov 2023

Identipet

https://identipet.com.br/#sobre Acesso em: 3 nov 2023

TJDFT

https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/2020/junho/registro-de-animais-de-estimacao-pode-ser-realizado-nos-cartorios-extrajudiciais Acesso em: 1 nov 2023

Nexo Jornal

https://pp.nexojornal.com.br/linha-do-tempo/2023/Animais-no-Direito-transforma%C3%A7%C3%B5es-morais-e-marcos-regulat%C3%B3rios Acesso em: 7 nov 2023

Controvérsias sobre filme “Som da Liberdade” são transformadas em pânico moral para propagação de desinformação

Além de ocupar muitas salas de cinema, o filme “Som da Liberdade”, cercado de polêmicas , tornou-se objeto de uma intensa discussão nas redes sociais digitais. 

Portais de notícias gospel e perfis de políticos e líderes religiosos nas mídias digitais elogiaram o filme e convocaram o público para comparecer aos cinemas de todo o país. 

Imagens: reprodução do X (antigo Twitter)

Aqueles que criticam “Som da Liberdade” – seja pela qualidade técnica da obra ou supostas ligações com teorias da conspiração – são acusados de apoiarem o abuso infantil e serem contra a família.

Seria o tráfico internacional de crianças uma guerra travada entre esquerda e direita, como afirmam alguns?

A maioria dos abusos infantis acontecem da maneira como o filme aborda?

Quem critica o filme é condescendente com o abuso infantil?

Bereia checou as informações e as informações oficiais sobre o tema abordado na obra.

Do que trata o filme “Som da Liberdade”?

Baseado em relatos de um ex-agente do governo estadunidense, Tim Ballard, o filme conta a história de um homem que decide combater uma rede internacional de tráfico e abuso infantil

O protagonista atua para resgatar um menino hondurenho separado da irmã por  traficantes de crianças. Na trama, o agente federal descobre que a irmã do menino ainda está em cativeiro e decide embarcar em uma missão perigosa para salvá-la. Com o tempo acabando, ele abandona o emprego e viaja para a selva colombiana, colocando sua vida em risco para libertar a menina.

O filme foi escrito e dirigido por Alejandro Monteverde e conta a história real de ex-agente federal norte-americano. A produção foi filmada em 2018, mas só saiu da gaveta cinco anos depois, sendo distribuída, em um primeiro momento, pela subsidiária latino-americana da 20th Century Fox. 

Após  ter sido vendido para a Disney, o projeto parou, mas foi recuperado por Eduardo Verástegui, um dos produtores do filme. Ele readquiriu os direitos do longa e o ofereceu à Angel Studios, distribuidora de produções cristãs, como The Chosen, que acolheu o projeto. 

O lançamento foi acompanhado de críticas ao filme, que, supostamente, seria promotor de  algumas teorias da Conspiração QAnon, que embasam grupos de extrema-direita.

Som da Liberdade e Teoria da Conspiração Qanon

Ao pesquisar sobre a suposta relação dos produtores do filme com teorias da conspiração extremistas, Bereia verificou que o  ator principal Jim Caviezel, que interpreta o papel do ex-agente, Timothy Ballard, tem histórico de afinidade com tais discursos. Caviezel,  que também atuou no filme “A paixão de Cristo”, de Mel Gibson, já participou de uma convenção da extrema direita política nos Estados Unidos, onde promoveu teoria da conspiração sobre suposta drenagem de sangue de crianças para rituais satânicos, tema recorrente nos fóruns de discussão dos adeptos da teoria QAnon.

O grande sucesso do filme entre o público conservador estadunidense, a campanha de compra de ingressos e posterior distribuição gratuita e os elogios recebidos pela obra da parte de personagens da direita americana, gerou análises em torno de “Som da Liberdade”  ser uma propaganda da QAnon.

No Brasil, o filme está lotando as salas de cinemas tendo como público policiais e fiéis cristãos. Os ingressos também estão sendo distribuídos gratuitamente por meio de publicidade em mídidas sociais, associações de policiais estão oferecendo ingressos aos seus filiados, líderes religiosos convocam fiéis para assistirem aos filmes e políticos, como a senadora Damares Alves (Republicanos-DF), fazem publicidade da obra.

O movimento ou teoria da conspiração QAnon surgiu no final de 2017, nos EUA, quando um usuário do fórum da internet que mantém os usuários anônimos , autointitulado “Q”, alegava ter acesso a documentos e informações sigilosas do Governo dos Estados Unidos. “Q” denunciava uma suposta rede mundial de pedófilos formada por políticos do partido democrata, como o ex-presidente Bill Clinton, celebridades de Hollywood, o magnata George Soros, a chanceler alemã Angela Merkel, apontada como neta de Adolf Hitler e até o Papa Francisco. Para os adeptos dessa teoria, a chamada operação STORM, liderada por Donald Trump, estaria em ação por todo o mundo, no combate à exploração sexual infantil. 

Tais teorias que aparentemente parecem piadas restritas a um pequeno número de seguidores sem crédito, atualmente, são difundidas em massa por apoiadores do ex-presidente Trump. Temas como a negação da pandemia de covid-19 ou a derrota de Trump ter sido uma fraude perpetrada pelas elites globalistas para beneficiar Joe Biden, também fazem parte do repertório QAnon. Em maio de 2019, o FBI declarou que o QAnon representa uma ameaça de terrorismo doméstico.

Como se dá a questão do abuso infantil no Brasil?

O anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022 produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) apresenta dados assustadores sobre o abuso infantil no país: ao contrário do que expõem algumas obras de ficção, a maioria dos estupros é cometida por pessoas próximas à família, geralmente no momento em que a mãe sai para trabalhar.

De 2020 para 2021 observa-se um  aumento no número de registros de estupro, que passou de 14.744 para 14.921. Já no que tange ao estupro de vulnerável, este número sobe de 43.427 para 45.994, sendo que, destes, 35.735, ou seja, 61,3%, foram cometidos contra meninas menores de 13 anos (um total de 35.735 vítimas).

As meninas são maioria nesta trágica estatística, mas os meninos também são vítimas. No primeiro caso, o número de registros aumenta conforme a menina cresce, já no caso dos meninos, o número de registros aumenta até os seis anos (com pico entre quatro e seis) e depois começa um processo de queda.

Quanto à característica do criminoso, esta continua a mesma: homem (95,4%) e conhecido da vítima (82,5%), sendo que 40,8% eram pais ou padrastos; 37,2% irmãos, primos ou outro parente e 8,7% avós e 76,5% dos estupros acontecem dentro de casa.

O anuário de Segurança Pública defende a escola como elemento estratégico fundamental para o enfrentamento do estupro de vulnerável. Como a violência acontece dentro de caso e muitas vezes é praticada por um parente,  a escola pode ajudar (e já ajuda) no processo de identificação e denúncia, mas, sobretudo, no processo de prevenção.

Muitas vezes o abusador se aproveita da ignorância da criança e, se ela tiver consciência, dependendo da situação, pode mesmo evitar que o abuso ocorra e denunciar o criminoso. Para aqueles que acham que o ambiente escolar é um risco para os filhos, vale lembrar que apenas 1% dos casos registrados ocorreu em estabelecimento de ensino.

Além dos dados sobre o abuso infantil, o relatóriochama atenção para os casos de exploração sexual e pornografia infantil na internet. Um mapeamento feito em 2020 pela Polícia Rodoviária Federal com a Childhood Brasil aponta que, só nas rodovias federais, há 3.651 pontos de exploração sexual infantil. Mesmo com o problema da subnotificação, este dado aponta que essa é uma questão a ser debatida no Brasil. 

O que se sabe sobre o tráfico internacional de pessoas?

O Relatório Global sobre o Tráfico de Pessoas produzido pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNDOC) explica que os alvos preferenciais dos traficantes são os mais vulneráveis, como migrantes que fogem de países em guerra, em grave crise econômica ou climática. Países em guerra, democracia precária e sem recursos para enfrentar o crime proporcionam aos traficantes um terreno propício para suas operações.

Isso é exacerbado por um maior número de pessoas em uma situação desesperadora, sem acesso às necessidades básicas. Em todos os conflitos analisados, populações deslocadas à força têm sido alvo de traficantes: habitantes de assentamentos de refugiados sírios e iraquianos a afegãos e rohingyas que fogem de conflitos e perseguições. 

A publicação alerta para milhões de mulheres, crianças e homens em todo o mundo que estão sem trabalho, fora da escola e sem apoio social. A previsão é que o risco de tráfico venha a piorar. 

O número de crianças vítimas deste crime triplicou nos últimos 15 anos. A proporção de meninos aumentou cinco vezes. Este grupo é o mais usado para trabalhos forçados. As meninas são mais traficadas para exploração sexual. 

As vítimas do sexo feminino continuam sendo os alvos principais. Quase metade delas identificadas em nível global eram mulheres adultas e 20% meninas. Outros cerca de 20% eram homens adultos e 15% meninos. Em geral, metade das vítimas detectadas foi traficada para a exploração sexual, 38% para trabalhos forçados e 6% envolvidas em atividades criminosas forçadas.

Os dados recolhidos em 148 países identificam 534 tipos de tráfico diferentes e cerca de 50 mil vítimas, embora as vítimas sejam normalmente traficadas dentro de áreas geograficamente próximas.

Num desses exemplos, meninas recrutadas em uma área urbana podem ser exploradas em motéis e bares próximos. Globalmente, a maioria das vítimas é resgatada no próprio país de origem. 

O Relatório aponta que o tráfico de crianças ‒ em especial de meninas ‒ continua sendo uma preocupação fundamental. Desta maneira, o texto indica que as escolas e os professores precisam fazer parte de uma abordagem holística para prevenir o tráfico e reduzir a vulnerabilidade das crianças a ficarem presas em padrões de exploração. 

Segundo o estudo, as intervenções contra o tráfico de crianças podem ser mais eficazes se forem incluídas em programas destinados a proporcionar educação de qualidade a todos, especialmente em contextos com risco acrescido de tráfico, como os campos de refugiados.

A apropriação da pauta da proteção a crianças por extremistas

No Brasil, o filme “Som da Liberdade” tem rendido polêmicas, uma vez lideranças políticas e grupos extremistas têm se apropriado do tema do tráfico infantil para criar pânico moral. Com a abordagem de que “algo está acontecendo sob os olhos das pessoas e nada está sendo feito”, a mensagem do filme é utilizada para alimentar práticas comuns da extrema direita, como a desinformação e o discurso de ódio. 

Para a pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião (ISER ) Magali Cunha, “há bastante repercussão sobre o filme nas redes sociais por causa das ações de líderes políticos e religiosos com identidade cristã afinada com a ideologia da extrema-direita”. Os portais de notícias gospel que se identificam com a linha ideológica tem repercutido os assuntos relacionados ao filme. “Todos enfatizam não só a importância de assistir ao filme mas também a conspiração em torno dela”, produzindo a ideia de que as esquerdas políticas se dedicam contra o filme, o que incita a indignação do público alinhado à lideranças que difundem conteúdos desinformativos. 

Para a pesquisadora, “Esse grupo político é notório por lançar mão de pautas relacionadas à defesa da família, das crianças e de jovens para promover pânico moral e teorias da conspiração sobre interesses de ‘um sistema’ que envolveria esquerdas políticas, o comunismo, alguns nomes de empresários, políticos e religiosos interessados na destruição das famílias, na depravação sexual e na exploração de crianças e jovens, inclusive com interesses políticos e financeiros.”

No Brasil, aponta Cunha, a distribuição do filme teve características semelhantes ao que ocorreu nos Estados Unidos. “Toda a publicidade do filme nos Estados Unidos foi construída com essas bases e a defesa dos heróis relacionados à extrema-direita. Nessa propaganda, esses seriam os únicos que estariam, de fato, empenhados em colocar um fim nesse mal.” Com isto, a propaganda omite as ações realizadas no Brasil em diversas frentes, governamentais e não-governamentais.

Bereia classifica como falsas as postagens que atribuem a críticos do filme “Som da Liberdade” uma atuação para que pessoas sejam impedidas de assistir à obra, não gostar de crianças ou comprometimento com pedofilia e tráfico de crianças. As críticas que vêm sendo publicadas ao filme dizem respeito à propaganda conspiracionista em torno dos temas trabalhados pelo filme e às suspeitas em torno dos objetivos da ampla distribuição gratuita de ingressos e da característica dos financiadores.

Bereia alerta leitores e leitoras para o conhecimento dos dados referentes à violência contra crianças e adolescentes no Brasil, na forma de abuso sexual e tráfico humano, e à necessidade de reconhecer as ameaças que existem no âmbito das próprias famílias. É um tema que deve ser tratado com responsabilidade.

Referências de checagem:

UOL.

https://www.google.com/amp/s/www.uol.com.br/splash/noticias/2023/09/22/angel-studios-a-plataforma-crista-por-tras-do-polemico-som-da-liberdade.amp.htm Acesso em 03 OUT 2023

https://cinebuzz.uol.com.br/noticias/cinema/som-da-liberdade-saiba-como-conseguir-ingressos-gratuitos-para-o-filme-mais-polemico-do-ano.phtml Acesso em 05 OUT 2023

Relatório  Global do UNODC de 2022 sobre o Tráfico de Pessoas. https://www.unodc.org/documents/data-and-analysis/tip/2021/GLOTiP_2020_15jan_web.pdf  Acesso em 02 OUT 2023

Relatório Nacional sobre Tráfico de Pessoas. https://www.unodc.org/documents/lpo-brazil/Topics_TIP/Publicacoes/relatorio-de-dados-2017-2020.pdf  Acesso em 02 OUT 2023

Fórum Brasileiro de Segurança Pública. https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2022/07/14-anuario-2022-violencia-sexual-infantil-os-dados-estao-aqui-para-quem-quiser-ver.pdf  Acesso em 02 OUT 2023

Childhood Brasil. https://www.childhood.org.br/pesquisa-mapear/ Acesso em 02 OUT 2023

Movimento QAnon e a religiosidade hackeada: big data, algoritmos e a captura da razão. https://pt.scribd.com/document/576925278/Apresentacao-Anais-Do-VIII-Seminario-Internacional-de-Pesquisas-Em-Midia-e-Cotidiano Acesso em 02 OUT 2023

Folha de São Paulo.

https://f5.folha.uol.com.br/colunistas/tonygoes/2023/09/a-quem-interessa-que-voce-veja-som-da-liberdade-de-graca.shtml  Acesso em 02 OUT 2023

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2023/09/som-da-liberdade-e-comercial-meloso-contra-a-sordidez-humana.shtml?pwgt=l4b44773r72po3ukeby0xu4q1l20v6cgcnvm79ngs2mx0b9e&utm_source=whatsapp&utm_medium=social&utm_campaign=compwagift Acesso em 03 OUT 2023

https://f5.folha.uol.com.br/colunistas/tonygoes/2023/09/a-quem-interessa-que-voce-veja-som-da-liberdade-de-graca.shtml?utm_source=whatsapp&utm_medium=social&utm_campaign=compwa Acesso em 03 OUT 2023

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2023/09/som-da-liberdade-e-comercial-meloso-contra-a-sordidez-humana.shtml  Acesso em 02 OUT 2023

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2023/09/filhos-de-bolsonaro-damares-e-aliados-exaltam-filme-queridinho-do-qanon.shtml Acesso em 04 OUT 23

https://cinebuzz.uol.com.br/noticias/cinebuzzjaviu/som-da-liberdade-cinebuzz-ja-viu-critica.phtml  Acesso em 02 OUT 2023

Angel Studios. https://www.angel.com/pt-BR Acesso em 02 OUT 2023

Brasil Paralelo. https://www.brasilparalelo.com.br/ Acesso em 02 OUT 2023

Plano Crítico. https://www.planocritico.com/critica-som-da-liberdade/ Acesso em 03 OUT 2023 

Rotten Tomatoes. https://www.rottentomatoes.com/m/sound_of_freedom  Acesso em 03 OUT 2023

Brasil de Fato. https://www.brasildefato.com.br/2021/03/03/qanon-a-teoria-conspiratoria-que-mirou-a-politica-e-acertou-as-relacoes-pessoais Acesso em 03 OUT 2023

El País. https://brasil.elpais.com/internacional/2021-01-12/teorias-conspiratorias-do-qanon-varrem-o-mundo-e-sao-mais-perigosa-do-que-parecem.html Acesso em 03 OUT 2023

Observatório Evangélico. https://www.observatorioevangelico.org/som-da-liberdade-a-estreia-tao-aguardada/ Acesso em 04 OUT 2023

BBC. https://www.bbc.com/portuguese/articles/cxx6kl13w7po?ref=observatorioevangelico.org Acesso em 04 OUT 2023

Escreva Lola Escreva. https://escrevalolaescreva.blogspot.com/2023/09/o-som-das-teorias-da-conspiracao.html Acesso em 04 OUT 2023

Portal Making Of. https://portalmakingof.com.br/brasil-paralelo-fecha-parceria-para-o-lancamento-de-som-da-liberdade-no-brasil/ Acesso em 04 OUT 2023

Omelete. https://www.omelete.com.br/filmes/sound-of-freedom-entenda-a-polemica-do-filme#13 Acesso em 05 OUT 2023

Portal G1. https://g1.globo.com/mundo/noticia/2023/09/28/som-da-liberdade-a-mobilizacao-de-evangelicos-e-bolsonaristas-para-filme-ser-lider-de-bilheteria-no-brasil.ghtml Acesso em 05 OUT 2023

Twitter. https://twitter.com/DamaresAlves/status/1708266584437850222 Acesso em 05 OUT 2023

Coletivo Bereia. https://coletivobereia.com.br/q-anon-ou-o-novo-discurso-desinformativo/ Acesso em 05 OUT 2023

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Foto de capa: divulgação

Vídeo divulga informações falsas sobre educação sexual em escola pública de  Maricá (RJ)

Vídeo divulgado na página do Facebook do “Movimento de Mulheres juntas por Maricá”  em 12 de agosto, afirmou que crianças de sete e oito anos estariam recebendo, sem autorização dos pais, aulas de “ideologia de gênero” e “orientação sexual”, nas quais aprenderiam como se masturbar e fazer sexo oral. O vídeo tem a imagem de uma mulher que expõe as supostas denúncias e se apresenta como líder do Movimento de Mulheres Juntas por Maricá (MJM).

O material foi compartilhado centenas de vezes e circulou por diversos grupos de mensagens de igrejas e entre perfis religiosos. Bereia recebeu o pedido de checagem de pessoas que tiveram acesso em um desses espaços. 

Imagem: Reprodução do Facebook

O que diz o vídeo

A mulher se apresenta como “doutora” com um assunto “bombástico” e “absurdo” e convoca todas mães para se “inteirarem”. Segundo ela, denúncias de alguns pais alertam que, a escola João Pedro Machado, do município de Maricá (RJ)  estaria oferecendo aulas de “ideologia de gênero” e “orientação sexual” e ensinaria crianças de sete e oito anos como se masturbar e fazer sexo oral.

A locutora  continua e acusa: “agora tudo bem pro PT se elas souberem fazer sexo oral ou se masturbar. O que importa pra eles é que as crianças tenham uma orientação sexual precoce”.

Ela afirma que o “objetivo principal das escolas de Maricá é ensinar isso” – masturbação e sexo oral – e que “o caso já foi registrado na oitenta e duas DP” e oferece auxílio para qualquer mãe que queira comparecer à delegacia. 

Ao final, a denunciante diz que está horrorizada e pede que compartilhem o vídeo ao máximo. 

Bereia teve acesso a outro vídeo produzido pela mesma pessoa. Ela argumenta que os professores são vítimas do governo municipal liderado pelo Partido dos Trabalhadores. Divulga também imagens de outro vídeo, publicado originalmente pelo vereador Netuno (Republicanos) que envolve outra escola do município. 

Nas imagens, sem data ou identificação de local, crianças, segundo ele, de 11 e 12 anos, são, supostamente, abordadas nas escolas e questionadas a respeito de sua sexualidade. Não é possível verificar quem faz as perguntas e nem mesmo verificar autenticidade do áudio.

O vereador não apresenta o nome de pessoas ou instituições responsáveis pelas perguntas, nem o motivo das abordagens. Netuno também não relata  qualquer denúncia formal ou ação de órgãos públicos contra o que pudesse ser uma irregularidade.

Imagem: reprodução do Instagram

Bereia entrou em contato com a advogada que fala no vídeo. De acordo com ela, as reclamações dos pais sobre o ensino na escola citada é recorrente. No entanto, não apresentou documentos que corroboram sua afirmação.

O conteúdo denunciado na publicação do vereador – aulas de masturbação e sexo oral – é o mesmo apresentado pela mulher do primeiro vídeo e replicado por diversos outros sites, sempre da mesma maneira: sem referências, fontes ou denúncias formais.

Educação pública em Maricá 

A locutora dos vídeos checados por Bereia afirma que há diversos relatos de professores da rede pública que afirmam a má qualidade do ensino na cidade de Maricá e que crianças de 9 e 10 anos de idade matriculadas nas escolas da cidade não sabem ler e escrever. 

Ela não apresenta fontes com dados, referências formais  ou depoimentos de professores, educadores ou especialistas na área. 

Bereia apurou que tais afirmações não correspondem aos dados oficiais, estes sim com medição específica, dados comprobatórios, abertos e amplamente divulgados.

Maricá passou a ocupar a 10ª posição entre os 92 municípios do Estado do Rio de Janeiro, no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) nos anos finais (para alunos do 9º ano do ensino fundamental). 

Imagem: reprodução do site QEdu, que registra dados educacionais como o Ideb

O resultado, que mostra a qualidade da educação básica na cidade, foi divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

Nos anos finais, a cidade avançou de 4,8, em 2019, para 5,4, em 2021; números que fizeram o município subir três posições no ranking entre as cidades do Rio, do 13º para o 10º.

Em 2015, Maricá ocupava a 50ª colocação, o que representa um salto de 40 posições no período.

Já nos anos iniciais – Ensino Fundamental, o município avançou no índice de 5,4, em 2019, para 5,6, em 2021; subindo 17 posições entre as cidades do Estado do Rio, de 47º para 30º. Considerando os dados desde 2015, a cidade subiu da 59ª posição para a 30ª, um avanço de 29 posições.

Movimento de Mulheres Juntas por Maricá (MJM): comércio e polêmica 

O MJM tem páginas no Facebook e no Instagram, e, pelos registros, foi criado com a intenção de divulgar pequenos negócios de mulheres da cidade. 

A página do Facebook está repleta de anúncios de pequenos comércios e serviços da região. O principal do projeto do movimento aparenta ser o casamento comunitário, trabalho muito divulgado com diversas fotos. 

De acordo com matéria do portal G1, em maio de 2022, 45 casais de Maricá, disseram ter sido vítimas de um golpe aplicado pela advogada que se apresenta como líder do MJM.

Imagem: reprodução do G1

De acordo com as denúncias, a advogada organizou um casamento comunitário e convenceu o grupo que todos sairiam casados da cerimônia. Contudo a união dos casais nunca foi oficializada e a cerimônia não teve valor legal. A advogada ainda foi acusada de usar o nome da Associação de Mulheres de Maricá (outra organização) de forma ilegal para dar credibilidade ã cerimônia coletiva. Segundo as fundadoras da associação, a advogada nunca fez parte do grupo.

A página do Instagram do MJM não conta com muitas denúncias, apenas fotos dos casamentos comunitários e a divulgação de alguns serviços e produtos. Porém, no Facebook, alguns casos controversos são apresentados, como um senhor acusado de zoofilia contra um pitbull e alguns casos de violência contra mulheres. 

O caso de maior notoriedade entre as postagens foi a recente denúncia, gravada em vídeo pela advogada.  contra a escola  de Maricá que, supostamente, teria aulas de ensino de “masturbação” e “sexo oral”.

Repercussão do vídeo 

Um comentário na publicação pede que a advogada divulgue o número da ocorrência contra a escola na delegacia. Ela não divulga, mas diz que três pais já foram à delegacia e outros estariam sofrendo represália. A mulher não afirma da parte de quem seria a suposta represália. Afirma que em breve divulgará um vídeo com o “flagrante”. 

Imagem: reprodução do Facebook

Até o fechamento desta matéria o vídeo do suposto flagrante não foi divulgado e nenhuma prova ou denúncia de alguma família foi apresentada. 

O vídeo divulgado pela advogada líder do MJM , sem provas, referências ou informações precisas, além do engajamento buscado – amplo número de curtidas e compartilhamentos da página – gerou comentários de ódio e incitação à violência.

Imagem: reprodução do Facebook

O secretário municipal de Educação de Maricá publicou uma nota negando as afirmações do vídeo:

“Sobre vídeo que circula em grupos de Zap de uma suposta “Dra Ingrid” com supostas denúncias sobre o ensino nas escolas de Maricá/RJ, afirmo: não existe nenhuma queixa na delegacia da cidade. Por um motivo simples: nas escolas NUNCA se praticou o que ela diz.

Nas escolas de Maricá, ensinamos às nossas crianças os valores do respeito, tolerância, da ciência, do amor e da verdade. Basta de discurso de ódio e tentativa de criminalizar a educação pública. Entendam que os professores também são pais e mães e merecem respeito” 

Imagem: reprodução do X (antigo Twitter)

A agência de checagem de conteúdo Aos Fatos, já havia detectado um incremento da disseminação de postagens de material desinformativo em mídias sociais nas últimas quatro semanas. Isto após o Ministério da Saúde ter anunciado,  no último 25 de julho, a retomada do ensino da educação sexual e reprodutiva e da prevenção de ISTs (infecções sexualmente transmissíveis) como parte do programa Saúde na Escola. 

Aos Fatos verificou que peças desinformativas começaram a circular, como um vídeo de uma demonstração sobre uso de preservativo em uma universidade, compartilhado como se mostrasse estudantes menores de idade, o que é mentira. Também,  em uma ofensiva liderada por políticos de oposição e pessoas contrárias ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), as alegações são de que o programa vai sexualizar crianças, o que também não é verdade. O vídeo da líder do movimento MJM, checado por Bereia, é propagado neste contexto.

A matéria de Aos Fatos relata ainda o lugar da educação sexual nas políticas públicas de educação e saúde, com a indicação dos documentos que fundamentam as práticas. 

***

Bereia classifica o conteúdo no vídeo divulgado pela líder do Movimento de Mulheres Juntas por Maricá como falso. A locutora expõe acusações sobre sexualização de crianças em escolas do município de Maricá, sem apresentar provas ou quaisquer elementos que corroborem suas afirmações. 

Também não  apresentou qualquer  medida legal como advogada, ou pelo menos não informa quais medidas tomou, como registro de ocorrência policial ou denúncia a órgãos públicos.

O mesmo conteúdo sem provas ou elementos concretos foi publicado pelo vereador Netuno, o que foi replicado por pequenos sites tendenciosos e espalhados por grupos de mensagens, principalmente religiosos.

Estas características são comuns a publicações de conteúdo desinformativo, de cunho falso e enganoso.

Bereia vem desmentindo informações falsas e enganosas sobre o tema da “ideologia de gênero”, como pode ser visto em outras matérias. O tema é comumente explorado politicamente, com relatos alarmantes, para captar apoios a certos personagens e partidos ou para promover rejeição e ódio a outros. A educação sexual, tema relevante para contribuir com a superação de abusos e violências sofridas por crianças e adolescentes, tem sido alvo frequente de mentiras, como as que foram encontradas neste vídeo sobre Maricá.  

É possível também afirmar que, de acordo com as checagens do Bereia e de outras agências, como a que foi produzida pelo Aos Fatos, referenciada acima, realizadas nas últimas quatro semanas, a exposição deste vídeo não é ação isolada de um movimento em Maricá. Configura-se uma estratégia articulada de ataque a políticas públicas pró-avanços em torno da temática da sexualidade.

Referências de checagem:

G1. https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2022/05/27/casamento-coletivo-sem-valor-legal-frustra-45-casais-em-marica-me-senti-enganada-diz-vitima.ghtml Acesso em 29 AGO 23

MJM. https://www.facebook.com/mmjmarica?mibextid=ZbWKwL Acesso em 29 AGO 23

Bereia.

https://coletivobereia.com.br/panico-moral-sobre-ideologia-de-genero-aborto-erotizacao-de-criancas-e-defesa-da-familia-e-usado-para-disputa-eleitoral-com-base-em-desinformacao/ Acesso em 29 AGO 23

https://coletivobereia.com.br/bancada-evangelica-ataca-governo-federal-com-enfase-em-falsidades-que-bereia-ja-checou/ Acesso em 29 AGO 23

Aos Fatos.

https://www.aosfatos.org/noticias/retomada-educacao-sexual-desinformacao/ Acesso em 29 AGO 23

https://www.aosfatos.org/noticias/retomada-educacao-sexual-desinformacao/, acesso em 29 ago 2023

Governo Federal. https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2023/julho/com-recorde-de-adesao-ministerio-da-saude-retoma-programa-saude-na-escola-com-investimento-de-r-90-milhoes-para-municipios Acesso em 29 AGO 23 

Instagram. https://www.instagram.com/reel/Cv3Se5_ARYS/?utm_source=ig_web_copy_link&igshid=MzRlODBiNWFlZA== Acesso em 29 AGO 23

Facebook.

https://www.facebook.com/mmjmarica?mibextid=ZbWKwL Acesso em 29 AGO 23

QEdu. https://qedu.org.br/municipio/3302700-marica/ideb Acesso em 29 AGO 23

X.

https://twitter.com/marciobjardim/status/1693649640246161772. Acesso em 29 AGO 23

https://twitter.com/marciobjardim/status/1693650167029772770 Acesso em 29 AGO 23

Pânico moral sobre “ideologia de gênero”, aborto, erotização de crianças e defesa da família é usado para disputa eleitoral com base em desinformação

Na disputa político-eleitoral de 2022, o principal embate é travado no território da da linguagem. Uma das estratégias mais utilizadas neste conflito informacional é o pânico moral e o ataque à cognição (a forma de raciocínio e assimilação de conteúdo) dos eleitores via mídias sociais. Nas diversas declarações e notícias checadas pelo Bereia em processos eleitorais, temas como “ideologia de gênero”, aborto, erotização de crianças e defesa da “família tradicional” são temas recorrentes. 

O pânico moral pode ser compreendido “numa acepção mais abrangente, como o consenso, partilhado por um número substancial de membros de uma sociedade, de que determinada categoria de indivíduos estaria ameaçando a estrutura social e a ordem moral”. Esta ideia é explicada pelo professor associado de Direito Civil da UFMG César Fiúza e da doutora em Direito Privado pela PUC-MG, Luciana Poli.

Na guerra de discursos pela internet, este estado de pânico é desencadeado com terror verbal com falsas acusações a líderes políticos, partidos e formadores de opinião que não partilham das mesmas opiniões ou são uma ameaça à hegemonia dos grupos que estão atualmente no poder. 

A recente declaração em vídeo da ex-ministra de Estado e senadora eleita  Damares Alves sobre as criancinhas que teriam seus dentes arrancados por pedófilos, sob investigação do Ministério Público, segue uma cartilha já conhecida e bastante utilizada pela senadora eleita: falta de fontes ou provas; combinação e reconfiguração de temas anteriormente explorados; forte apelo à emoção e a fé; discurso exaltado; inimigo a ser combatido.

Segue uma seleção as checagens do Bereia sobre  declarações, publicações e mensagens que exploraram o pânico moral e  “viralizaram” nas mídias sociais religiosas:

Fake news sobre livro de educação sexual infantil nas escolas volta a circular – https://coletivobereia.com.br/fake-news-sobre-livro-de-educacao-sexual-infantil-nas-escolas-volta-a-circular/ 

Em vídeo que volta a circular, ministra propaga pânico sobre erotização em desenhos animados e universidades  – https://coletivobereia.com.br/em-video-que-volta-a-circular-ministra-propaga-panico-sobre-erotizacao-em-desenhos-animados-e-universidades/ 

Ministra Cármen Lucia é acusada em mídias digitais de assinar carta pró-aborto  – https://coletivobereia.com.br/ministra-carmen-lucia-teria-assinado-carta-pro-aborto/

Site religioso afirma que LEGO vai lançar brinquedos com “ideologia de gênero” – https://coletivobereia.com.br/site-religioso-afirma-que-lego-vai-lancar-brinquedos-com-ideologia-de-genero/ 

Site gospel repercute afirmação falsa de Bolsonaro contra STF e ministro Barroso – https://coletivobereia.com.br/site-gospel-repercute-afirmacao-falsa-de-bolsonaro-contra-stf-e-ministro-barroso/ 

Site evangélico diz que pediatra defende masturbação infantil – https://coletivobereia.com.br/site-evangelico-diz-que-pediatra-defende-masturbacao-infantil/ 

Deputado afirma que cartilha de escola em Palmas promove “ideologia de gênero” – https://coletivobereia.com.br/deputado-afirma-que-cartilha-de-escola-em-palmas-promove-ideologia-de-genero/ 

Unicef é contra pornografia para crianças: portais desinformam com interpretação distorcida de estudo do organismo – https://coletivobereia.com.br/unicef-e-contra-pornografia-para-criancas-portais-desinformam-com-interpretacao-distorcida-de-estudo-do-organismo/ 

Portais de notícias religiosas desinformam quanto a suposto projeto comunista para crianças.
https://coletivobereia.com.br/portais-de-noticias-religiosas-desinformam-quanto-a-suposto-projeto-comunista-para-criancas/

Mensagem anônima que circula em mídias sociais usa pânico moral contra partidos de esquerda
https://coletivobereia.com.br/mensagem-anonima-panicomoral/

As mentiras que circulam em ambientes religiosos no Brasil
https://coletivobereia.com.br/as-mentiras-que-circulam-em-ambientes-religiosos-no-brasil/

Referências de checagem:

CUNHA, Magali do Nascimento. Do púlpito às mídias sociais: Evangélicos na política e ativismo digital. Curitiba: Prismas, 2017.

Carta Capital. Artigo: Evangélicos foram alvo privilegiado de mentiras na campanha do 1º turno; veja as principais. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/blogs/dialogos-da-fe/evangelicos-foram-alvo-privilegiado-de-mentiras-na-campanha-do-1o-turno-veja-as-principais/ Acesso em 17 OUT 2022

Artigo. Direitos políticos, liberdade de expressão e discurso de ódio. Volume V – organização de Rodolfo Viana Pereira – Brasília: IBRADEP, 2022. Disponível em: https://abradep.org/wp-content/uploads/2022/06/Direitos-Politicos-Liberdade-de-Expressao-e-Discurso-de-Odio-volume-V.pdf#page=171 Acesso em 17 OUT 2022

Artigo. FIÚZA, Cesar e POLI, Luciana Costa. Famílias Plurais o Direito Fundamental à Família. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, n. 67, 2015, p. 151-180. Disponível em: https://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/1730-3302-1-sm.pdf Acesso em 17 OUT 2022

G1. https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2022/10/17/termina-nesta-segunda-feira-prazo-para-ministerio-dar-explicacoes-a-procuradoria-do-mpf-apos-relatos-de-damares-sobre-supostas-torturas-contra-criancas-no-marajo.ghtml Acesso em 17 OUT 2022

Revista Questão de Ciência. 

https://revistaquestaodeciencia.com.br/index.php/apocalipse-now/2018/12/05/ameaca-nossos-filhos-cuidado-com-o-panico-moral Acesso em 17 OUT 2022

JN.

https://www.jn.pt/opiniao/david-pontes/panico-moral-6234400.html Acesso em 17 OUT 2022

Uol.

https://noticias.uol.com.br/colunas/carlos-madeiro/2022/08/29/panico-moral-como-ala-evangelica-pro-bolsonaro-cresce-e-domina-as-redes.htm Acesso em 17 OUT 2022

Poder 360.

https://www.poder360.com.br/poderdata/poderdatacast-29-bolsonaro-deve-acionar-panico-moral-em-eleicoes/ Acesso em 17 OUT 2022

Ponte.

https://ponte.org/artigo-bolsonaro-e-o-panico-moral/ Acesso em 17 OUT 2022

Revista Eletrônica Internacional de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura.

https://brapci.inf.br/index.php/res/v/158606 Acesso em 17 OUT 2022

Fundação Maurício Grabois.https://grabois.org.br/2022/08/26/o-retorno-do-panico-moral-na-disputa-pelo-voto-evangelico/ Acesso em 17 OUT 2022

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Foto de capa: Pexels/Samer Daboul

Bereia participa de reportagem sobre fake news produzidas por evangélicos

O jornal Folha de S. Paulo elaborou reportagem a respeito das fake news que estão sendo elaboradas por redes de apoiadores evangélicos do presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ) sobre seus virtuais opositores nas eleições deste ano. A repórter Anna Virginia Baloussier listou uma série de conteúdos que estão circulando nas mídias sociais envolvendo montagens e declarações fora de contexto de Luis Inácio Lula da Silva e Sergio Moro. A maioria evocando o pânico moral e a cristofobia. A editora-geral do Bereia, Magali Cunha, contribuiu com uma análise do cenário:

“Historicamente, as desinformações relacionadas à moralidade religiosa “afetam fortemente ambientes religiosos”, diz Magali Cunha, editora-geral do Bereia, coletivo que analisa potenciais inverdades que abordem conteúdos sobre religião —em pouco mais de dois anos, foram 285 checagens. Vide a mamadeira com bico em formato de pênis supostamente distribuída em creches paulistanas, mais infame notícia falsa a atingir a campanha do presidenciável Fernando Haddad (PT) em 2018.

Cunha aposta, contudo, que em tempos de crise econômica, quando a população se vê às voltas com fome e desemprego, “estas pautas perdem força de afetação”. Nas eleições municipais de 2020, por exemplo, já arrefeceram um bocado. “Neste caso, o acionamento do imaginário do inimigo e da perseguição a cristãos, como o tema da cristofobia, tende a ser mais explorado.”

O tema ainda repercutiu no podcast Café da Manhã, também da Folha, no qual o Bereia foi citado como referência na checagem de desinformação em mídias religiosas.

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Imagem de capa: reprodução da Folha de S. Paulo. Fotos de Ueslei Marcelino/Reuters, Marlene Bergamo/Folhapress e Evaristo Sá/AFP

Ministra Cármen Lucia é acusada em mídias digitais de assinar carta pró-aborto

* Matéria atualizada às 11:31

Circulou nas mídias sociais e portais de notícias gospel a notícia de que ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármem Lúcia Rocha, participou de uma reunião fechada com ativistas feministas e assinou carta pró-aborto. Nas matérias vinculadas ao tema é apontado ainda que a reunião realizada pela ministra em seu gabinete contou com cerca de 30 mulheres ligadas a partidos de esquerda progressistas, como a ex-senadora Marta Suplicy, resultando em uma carta pública em defesa do aborto. 

Imagem: Reprodução portal Gospel Prime

De acordo com os sites de notícias, a reunião aconteceu em ambiente fechado e houve, por parte da ministra e de Marta Suplicy, a tentativa de “disfarçar” a defesa do aborto usando o termo “direitos sexuais e reprodutivos das mulheres”, criando assim uma “carta pró-aborto”, que legalizaria e incentivaria o procedimento.

Imagem: reprodução Twitter Gazeta do Povo

Bereia checou as informações. A carta assinada pela ministra se refere à Carta Aberta Brasil Mulheres, texto publicado pelo portal Brasil mulheres, fruto da reunião realizada em 28 de janeiro de 2022, organizada pela ex-senadora Marta Suplicy em sua casa. O encontro contou com a participação de 28 mulheres convidadas, dentre elas a ministra Cármen Lúcia, a escritora e filósofa Djamila Ribeiro, a líder do movimento Sem-Teto do Centro Carmem Silva e a secretária municipal de Cultura de São Paulo Aline Torres, além de outras. O debate durou pouco mais de dez horas, e aprovou 19 tópicos com demandas dirigidas aos futuros presidenciáveis. 

O texto final intitulado “Carta Aberta Brasil Mulheres” tem temas variados que se estendem, desde o pedido por políticas públicas para mulheres negras, afirmação de direitos à população LGBTQ+, direito à saúde reprodutiva feminina até propostas em prol dos direitos de mulheres sob custódia do sistema prisional. Em entrevista à Folha de São Paulo, Suplicy afirma que “são propostas para que a sociedade reflita sobre essas demandas que essas mulheres têm. Aqui são mulheres de várias áreas, de várias condições, com muito sofrimento, muita dor, muita alegria, muita superação, muito sucesso. Tem de tudo. É uma somatória de bagagens mil”, afirmou. A ministra Carmém Lúcia estava presente durante o processo de debate e escrita da carta, chegando a discursar durante a reunião. 

Pautas sobre a legalização e regulamentação do aborto foram apresentadas e dabatidas na reunião, e, por opção das mulheres presentes, o termo “aborto” foi tratado como tema geral referente à saúde reprodutiva feminina, não havendo nenhuma inferência direta na criação de um projeto pró-abortivo. 

Fonte: Captura de tela canal Brasil Mulheres no Youtube 

A carta 

A carta aberta dirige-se ao público geral e também aos futuros presidenciáveis, contando com 19 pontos. Leia na íntegra:

  1. Não aceitar qualquer retrocesso nas leis que garantam os direitos das mulheres. Não vetar avanços oriundos do Congresso Nacional aos direitos das mulheres;
  2. Paridade transversal de gênero e equidade de raça nas instituições públicas, políticas e privadas;
  3. Estímulo e facilitação de candidaturas femininas competitivas. Garantia de cumprimento da legislação eleitoral em relação às mulheres;
  4. Garantia da alocação de recursos para políticas públicas destinadas a meninas e mulheres nas leis orçamentárias (plano plurianual, lei de diretrizes orçamentárias e lei do orçamento anual) e ferramentas efetivas para acompanhamento da execução desses gastos;
  5. Desenvolvimento de macropolíticas econômicas e sociais com vistas à geração e manutenção de empregos e renda para mulheres. Acesso a crédito para mulheres empreendedoras; conexão com inovação, programas de educação empreendedora para geração de renda; acesso ao mercado por meio de cotas de compras de empresas públicas e privadas. Qualificação profissional, para autonomia financeira, de mulheres negras, indígenas, quilombolas e em situação de vulnerabilidade social;
  6. Implementação de uma política de renda básica universal capaz de mitigar a pobreza, a fome, as desigualdades socioeconômicas e violências decorrentes;
  7. Universalização da educação infantil, garantindo o atendimento aos indicadores nacionais de qualidade para esta etapa de ensino. Promoção da oferta educacional laica e gratuita e a ampliação da escolaridade. Cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação. Incentivo à educação em ciência, tecnologia e empreendedorismo para meninas e mulheres, com atenção à juventude negra. Priorização na educação em geral e na educação de jovens e adultos (EJA), possibilitando que as mães estudem no mesmo período que os filhos e/ou criando espaços de cuidado para crianças no local de estudo da mãe;
  8. Construção de um programa nacional de incentivo a formação de novas gerações de atletas femininas (cis e trans) em diversas modalidades, incentivando o investimento na manutenção das potências esportivas que atuam e representam o Brasil.
  9. Ampliação de políticas de ações afirmativas étnico-raciais reparatórias – educacionais, de paridade econômica e memória – visando a erradicação das desigualdades socioeconômicas existentes na sociedade;
  10. Promoção da saúde integral da mulher ao longo de todo o ciclo de vida, com especial atenção à mulher idosa. Manutenção e expansão dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Investimento em pesquisas científicas, campanhas preventivas e de estímulo à vacinação. Valorização e defesa do Sistema Único de Saúde (SUS);
  11. Reconhecimento do trabalho doméstico e de cuidados, como centrais à vida; reengenharia do tempo e fortalecimento da economia dos cuidados para melhoria das condições de vida e bem-estar das mulheres. Atenção ao tema da economia do cuidado (ou do trabalho reprodutivo) por meio de políticas públicas e arcabouço normativo que valorizem o trabalho, remunerado ou não, das mulheres que cuidam;
  12. Respeito e preservação dos direitos de todas as famílias em suas múltiplas manifestações. Ampliação da licença parental com equidade de gênero. Educação masculina para os cuidados. Políticas públicas que se guiem pela proteção das mulheres nas violências intrafamiliares. Garantia de vagas em creches de forma contínua, em período integral, para todas as crianças na condição de serviço público essencial. Iniciativas de amparo às crianças e adolescentes com mães presas, órfãos do feminicídio ou mães em situação de extrema vulnerabilidade;
  13. Enfrentamento ao discurso de ódio, violência política e institucional e cerceamento da liberdade de expressão de todas as mulheres, em especial proteção contra os ataques às mulheres jornalistas, políticas, artistas e defensoras de direitos humanos;
  14. Defesa da vida de meninas e mulheres, cis, trans e travestis. Enfrentamento ao feminicídio, às violências doméstica, política, física, psicológica, obstétrica, simbólica, moral e patrimonial. Estabelecimento de uma política integral de acolhimento e cuidado de mulheres e crianças em situação de violência. Desenvolvimento de um programa nacional de prevenção à violência sexual e de acolhimento às vítimas e às famílias de vítimas. Formulação de um marco civil de gênero;
  15. Adoção de uma abordagem pacífica para a reforma da política de drogas, com atenção às mulheres que respondem por delitos relacionados a drogas, cuidado pautado na redução de danos. Garantia de direitos e incentivo a produção de dados sobre o tema;
  16. Reforma no modelo de segurança pública – enfrentamento ao encarceramento em massa, aos índices de homicídio da população negra, efetiva implementação da lei de execuções penais (acesso aos autos do processo, remissão pela leitura e cultura, garantia de direitos sexuais, reprodutivos e saúde menstrual, trabalho decente, educação nas áreas tecnológicas e de cultura, estrutura adequada das cadeias e prisões, acesso ao direito de defesa), garantia de saúde mental para pessoas presas e seus familiares. Consulta a pessoas trans, travestis, não-binárias ou intersexo sobre a preferência pela custódia em unidade masculina, feminina ou específica, se houver, com a devida garantia de proteção em qualquer das unidades. Envolvimento dos três entes federados na inclusão e garantia de direitos de adolescentes em conflito com a lei, pessoas encarceradas e seus familiares e egressas;
  17. Recriação do Ministério da Cultura. Desenho e implementação de políticas de memória que valorizem as mulheres. Fomento à cadeia produtiva cultural nacional (leis de incentivo). Políticas de incentivo ao livro e à leitura, com formação de público leitor. Valorização de artistas e sua produção. Criação e manutenção de aparelhos de cultura. Retomada do vale cultura. Respeito à liberdade de expressão artística e cultural;
  18. Valorização dos saberes de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, na garantia da justiça climática e enfrentamento ao racismo ambiental, com implementação e cumprimento das normas ambientais de espectro local e global;
  19. Garantia da implementação de políticas intersetoriais para a proteção integral de mulheres refugiadas, migrantes legais e ilegais.

Bereia classifica a notícia como imprecisa, com título enganoso. A carta em questão existe e foi assinada pela ministra, porém o documento trata de um esforço coletivo de mulheres em prol de melhores condições de vida para este segmento da população, não havendo incentivo ou sinalização de legalizar o aborto, mas sim a defesa da manutenção e expansão dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. A ministra Cármen Lúcia é uma das mulheres que participaram do projeto, mas não sua principal argumentadora ou organizadora. A abordagem dada pelos veículos busca atribuir a ela um expressivo poder sobre a redação final do manifesto, não levando em consideração outras mulheres e pautas envolvidas no processo. 

Bereia avalia que este tipo de desinformação faz parte de um repertório que busca: 1) alimentar pânico moral em torno da afirmação de que grupos de esquerda e progressistas são defensores do aborto com vistas ao processo eleitoral 2022, repetindo o que ocorreu em pleitos anteriores para conquista de público religioso para propostas de cunho conservador, negadoras da manutenção e da ampliação de direitos para mulheres; 2) sustentar discursos anti-STF, que têm sido pauta de grupos bolsonaristas em mídias sociais, desde o primeiro ano do mandato do atual governo. Estes dois repertórios desinformativos vêm sendo verificados pelo Bereia e por outros projetos de checagem de conteúdo.

Foto de capa: Nelson Jr./SCO/STF

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Referências: 

Brasil Mulher. https://brasilmulheres.com.br/ Acesso em: 07 de fev. de 2022

Youtube. https://www.youtube.com/watch?v=5D81js5L-K8&t=3s Acesso em: 07 de fev. de 2022

Folha de São Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2022/01/grupo-liderado-por-marta-suplicy-pede-direitos-as-mulheres-cis-e-trans-em-carta-a-nacao.shtml acesso em: 07 de fev. de 2022

Geledés. https://www.geledes.org.br/carta-aberta-brasil-mulheres/ Acesso em: 07 de fev. de 2022 

Twitter. https://twitter.com/gazetadopovo/status/1489294791397552133?s=20&t=mAgEwleRRGTOjzRVWVYI0Q cesso em: 07 de fev. de 2022

Deputado Feliciano publica mensagem sobre suposta abolição das Forças Armadas, da família e da igreja no Chile

* Matéria atualizada às 11:50

O deputado federal Pastor Marco Feliciano (PL-SP) publicou em seu perfil no Twitter, em 4 de fevereiro passado, uma mensagem com discurso criando pânico em seus seguidores sobre o fim da família e da igreja com base na atual conjuntura política do Chile:

Por que o foco no Chile?

Em dezembro de 2021 foram realizadas eleições presidenciais no Chile que levaram à vitória, com 56% dos votos, Gabriel Boric, ex-líder estudantil, de 35 anos, por meio da frente ampla de esquerda Apruebo Dignidad. A eleição de Boric à Presidência da República foi a culminância de um processo iniciado em outubro de 2020, quando 78% dos chilenos foram às urnas para decidir que uma nova Constituição deveria ser elaborada por uma Assembleia Constituinte. 

O processo eleitoral para escolher os membros da Assembleia Constituinte realizou-se no Chile entre 15 e 16 de maio de 2021. O início dos trabalhos ocorreu ainda em 2021, durante o governo de centro-direita de Sebastian Pinera.O Chile havia sido palco de intensos protestos a partir de outubro de 2019, durante o governo Pinera. As manifestações começaram depois de uma alta na tarifa do metrô de Santiago, posteriormente revogada, mas que foi o estopim para reivindicações mais amplas, como a melhoria no acesso à saúde, e à educação,além de reformas no sistema previdenciário.

Segundo um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE),, as famílias chilenas gastam em torno de 35,1% e a educação é praticamente dominada pelo setor privado que detém o maior número de matrículas e mesmo as universidades públicas cobram mensalidades. Já o sistema previdenciário é administrado por organizações privadas e penaliza os trabalhadores mais vulneráveis.

Durante os protestos de 2019, e após intensas negociações entre o governo e a oposição,  foi alcançado um acordo, aprovado pelo Congresso Nacional na forma do documento “Acordo pela Paz e uma Nova Constituição”

O documento estabeleceu o compromisso de restaurar a paz e a ordem pública no Chile e convocar um plebiscito para perguntar à população se o país deveria elaborar uma nova Constituição, para substituir a Carta da época da ditadura de Augusto Pinochet. No plebiscito, os eleitores responderiam se desejariam ou não uma nova Constituição e qual tipo de órgão deveria ficar responsável por redigi-la: uma comissão mista ou uma Assembleia Constituinte.

A comissão mista seria formada por parlamentares no cargo naquele momento e por pessoas eleitas para escrever a nova Carta. No modelo de Constituinte, todos os autores do documento seriam eleitos apenas para esse trabalho.

A eleição da Constituinte Chilena e início dos trabalhos

Os chilenos decidiram por uma nova Constituição e por uma Assembleia Constituinte. A votação que elegeu os membros constituintes, em maio de 2021, representou uma derrota para a coalizão de centro-direita que sustentava o então presidente Sebastián Piñera. Os representantes da direita governista ficaram com apenas 37 das 155 cadeiras (24%), enquanto a centro-esquerda obteve 53 assentos (34%), e os independentes, 65 (42%), dentre estes últimos estão representantes dos povos originários do Chile. A Constituinte chilena é presidida por uma líder indígena e tem quantidade igual de cadeiras para homens e mulheres. 

As propostas apresentadas precisam de dois terços para aprovação e inclusão na nova Constituição, e além disso, ao final da redação, a nova Carta Magna será apresentada à população e sua aprovação passará por votação popular. 

Sobre a abolição das Forças Armadas 

“Abolir” as forças armadas foi uma dentre milhares de propostas encaminhadas pela população à Assembleia Constituinte. A proposta foi feita por um cidadão chileno e não obteve sequer o mínimo de assinaturas necessárias para ser apreciada pela Constituinte: foram 461 apoios, longe dos 15 mil condicionados por lei.  Desta maneira, a proposta não foi apreciada ou discutida pela Constituinte. 

A Assembleia Constituinte Chilena está deliberando sobre 78 iniciativas populares aprovadas. Entre estas, apenas uma diz respeito às Forças Armadas mas não sobre sua extinção e sim sobre garantirem a democracia, a segurança nacional e a defesa da pátria. 

Sobre “acabar com a família e a igreja”

Entre as propostas em discussão na Assembleia Constituinte do Chile não há qualquer referência ao que o Pastor Marco Feliciano alardeia para seus seguidores sobre o fim da família e da igreja, uma vez que ele relacionou estes temas à extinção das Forças Armadas, o que é falso.

Os temas também não se referem à eleição do presidente Gabriel Boric, que não apresentou como plataforma de campanha qualquer projeto que embase a afirmação do deputado.

Conclusão

Bereia conclui que a postagem do deputado Marco Feliciano é falsa. Gabriel Boric conquistou a Presidência do Chile, em dezembro de 2021, assumirá o mandato em março de 2022 e não tem poderes sobre a Assembleia Constituinte. Ele  foi eleito como candidato de uma frente ampla que inclui socialistas e partidários de várias tendências de esquerda. No entanto, os trabalhos da Assembleia Constituinte são independentes, seus representantes foram eleitos pelo povo chileno em maio de 2021, sua composição é plural e qualquer cidadão pode propor mudanças, desde que apresentasse um número mínimo de assinaturas de apoio. Foram aprovadas, a partir dos critérios por lei, 78 propostas e nenhuma delas diz respeito à extinção das Forças Armadas.

Não existe menção a propostas desta natureza no programa de governo de Gabriel Boric, o que também não foi discutido pela coalização política do presidente eleito e. Da mesma forma o que diz respeito ao fim da família e da igreja.

A relação que o deputado Pastor Marco Feliciano estabelece entre a eleição de Gabriel Boric, a falsa afirmação de que constituintes do Chile querem abolir as Forças Armadas e a destruição da família e da igreja com uma possível eleição do ex-presidente Lula em 2022, está dentro da pauta desinformativa que o Coletivo Bereia tem coberto desde 2019. Uma análise sobre isto pode ser lida aqui

Foto de capa: Jose Pereira

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Referências de checagem: 

Twitter. https://twitter.com/convencioncl. Acesso em: 11 fev 2022.

Folha de São Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2019/11/em-resposta-a-protestos-chile-fara-plebiscito-sobre-nova-constituicao.shtml Acesso em: 11 fev 2022.

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021/07/chile-inicia-reformulacao-da-constituicao-em-meio-a-turbulento-ano-eleitoral.shtml Acesso em: 11 fev 2022.

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2019/11/chile-confirma-inicio-de-processo-para-mudar-constituicao-e-acalmar-protestos.shtml Acesso em: 11 fev 2022.

Acuerdo Por la Paz Social y la Nueva Constitución. https://obtienearchivo.bcn.cl/obtienearchivo?id=documentos/10221.1/76280/1/Acuerdo_por_la_Paz.pdf Acesso em: 11 fev 2022.

Assembleia Constituinte do Chile – Plataforma Digital de Participação Popular. https://plataforma.chileconvencion.cl/  Acesso em: 11 fev 2022.

https://perma.cc/L9PA-29FX. Acesso em: 11 fev 2022.

https://perma.cc/78GQ-KTU2. Acesso em: 11 fev 2022.

Congresso Nacional do Chile – Acordo pela Paz e uma Nova Constituição – https://obtienearchivo.bcn.cl/obtienearchivo?id=documentos/10221.1/76280/1/Acuerdo_por_la_Paz.pdf 

Outras Palavras. https://outraspalavras.net/outrasmidias/para-entender-os-porques-da-revolta-chilena/ Acesso em: 11 fev 2022.

BBC Brasil. https://www.bbc.com/portuguese/internacional-59701412 Acesso em: 11 fev 2022.Bereia. https://coletivobereia.com.br/as-mentiras-que-circulam-em-ambientes-religiosos-no-brasil/ Acesso em: 11 fev 2022.

Arcebispo de Aparecida é chamado de comunista em mídias sociais

A missa solene, realizada em 12 de outubro pelo arcebispo do Santuário de Aparecida (SP) D. Orlando Brandes, foi um dos assuntos mais comentados na última semana em mídias sociais. Durante a homilia, na manhã do dia consagrado à santa padroeira do Brasil, segundo a tradição católica romana, que é feriado nacional, o arcebispo pregou contra o armamento, o ódio e a propagação de fake news. Já na parte da tarde, outra missa contou com a presença do presidente da República Jair Bolsonaro, defensor de políticas pró-armamentistas, que recentemente, mais uma vez, criou controvérsia, ao expôr uma criança fardada portando uma arma de brinquedo durante evento oficial.

”Para ser pátria amada, seja uma pátria sem ódio. Para ser pátria amada, uma República sem mentira e sem fake news. Pátria amada sem corrupção”. Após a declaração gravada em vídeo amplamente compartilhada nas mídias sociais, o arcebispo de Aparecida foi acusado de ser comunista, por apoiadores do presidente, que se saíram a público em sua defesa.

Reprodução do Twitter

Contudo, não é a primeira vez que isso acontece. Em 2019, após o Sínodo da Amazônia, convocado pelo Papa Francisco, arcebispo D. Orlando Brandes virou alvo de ataques  após criticar o “dragão do conservadorismo” e acusar a direita de “violenta” e “injusta”. No ano seguinte, durante missa com templo vazio, por conta das medidas de prevenção da covid-19, voltou a citar os “dragões” e criticou as fake news. “Vamos usar a veste da verdade, não de fake news, não de mentiras, a couraça é nossa justiça”, convocou Brandes. 

Apesar do ambiente de intolerância, o sacerdote não abre mão de exercer o “profetismo”. Em entrevista concedida à Band Vale, na época das eleições de 2020, ele foi categórico: “Não podemos deixar de falar pela defesa dos Direitos Humanos, da dignidade da vida, e de salvarmos o mundo através da Amazônia.” Sobre a sua compreensão política afirma que não se deve ver o mundo através das ideologias que, segundo ele, tendem aos interesses pessoais, mas defende que “nós temos um compromisso com a verdade, com aquele que é a Verdade: Jesus, verdade, caminho e vida.”

D. Orlando Brandes integra o quadro da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que congrega bispos da Igreja Católica em todo país, e foi nomeado arcebispo de Aparecida pelo Papa Francisco, em novembro de 2016. Durante sua trajetória eclesiástica exerceu diversas funções, de professor a reitor de seminário teológico, e ocupou cargos de presidência dentro da própria CNBB, inclusive. Não existe na biografia recente do religioso associações a partidos ou declarações de preferências políticas. Ademais, a CNBB, em seu canal oficial, afirma que “não se identifica com nenhuma ideologia ou partido político.” 

Comunismo e pânico moral

Os termos “comunismo” e “comunista” têm sido frequentemente usados em postagens de mídias sociais, desde os movimentos reacionários que emergiram no Brasil em 2013, relacionados ao termo “esquerda”. Segundo a pesquisadora e editora-geral do Bereia Magali Cunha (“Do púlpito às mídias sociais”, livro de 2019) é “um termômetro da atmosfera do tempo presente em que o imaginário do ‘perigo comunista’, da ‘ameaça vermelha’, presente historicamente na cultura brasileira é reavivado nos discursos da direita conservadora”.

Esta direita, a partir dos movimentos de junho de 2013, consolidando nos atos pró-impeachment da Presidente Dilma Rousseff (PT), em 2015 e 2016, evocou para si, segundo a pesquisadora, a simbologia das cores verde e amarela da identidade brasileira contra o vermelho da esquerda progressista. Os grupos religiosos conservadores, católico-romanos e evangélicos, se identificaram com tais discursos, como pode ser verificado em várias postagens em mídias sociais no período. 

O comunismo, segundo o “Dicionário de Política” é um ideal político que tem origem na Grécia Antiga, na qual o filósofo Platão, traça um modelo da cidade ideal, que prevê “a supressão da propriedade privada, a fim de que desapareça qualquer conflito entre o interesse privado e o Estado, e a supressão da família, a fim de que os afetos não diminuam a devoção para o bem público” ( Dicionário, p. 204). 

No verbete do “Dicionário de Política” sobre “comunismo”, é explicado que foi no âmbito da civilização cristã que floresceram os primeiros ideais comunistas, por conta da pregação dos Evangelhos sobre a partilha de bens, o despojamento, o valor dos pobres, os cristãos que tinham tudo em comum, e outras orientações encontradas no Novo Testamento e nos escritos dos Pais da Igreja. O texto explica que as utopias comunistas entraram pela Idade Moderna, se concretizaram na Revolução Inglesa do século 15 e emergiram no seio da grande Revolução Francesa, no século 18, a partir da qual floresceram escolas comunistas e socialistas na Europa.

Entretanto, foi com a concepção comunista dos pensadores Karl Marx e Fredrich Engels,  no século 19, com o Manifesto Comunista (1848), que o período contemporâneo passa a discutir o tema. Marx e Engels fazem uma leitura do papel da burguesia, classe dominante, das minorias, na consolidação do capitalismo, critica a exploração da classe proletária, classe dominada, das maiorias. Para superação deste quadro, os pensadores pregam a revolução do proletariado para transformar a sociedade capitalista em sociedade comunista, na qual “o augusto direito burguês será  superado e cada um dará segundo as próprias capacidades e receberá segundo suas necessidades. Para atingir este objetivo é, porém, necessário que as forças produtivas atinjam o máximo desenvolvimento e as fontes da riqueza social produzam com toda sua plenitude (Dicionário, p. 210).

A revolução russa (1917), com a liderança de Vladimir Ilyich Ulianov (conhecido como Lenin), tornou-se símbolo da aplicação dos ideais comunistas, gerando a União Soviética. A partir do governo de Joseph Stalin, encaminhamentos políticos deram destinos dramáticos a uma parcela do movimento comunista, com governos que impuseram a restrição de liberdades civis e a negação de regras sociais pluralistas. 

Por isso, uma diversidade de expressões de partidos e regimes comunistas emergiram na Europa e em outros lugares do mundo, alinhados ou não com a dominante União Soviética. A Guerra Fria, tensão política que colocou Estados Unidos e União Soviética, e seus respectivos aliados, em concorrência, depois da Segunda Guerra Mundial (anos 1950 em diante), passou a alimentar uma disputa ideológica entre capitalistas e comunistas e a ideia de uma divisão dos países em Primeiro, Segundo Mundos, ficando no Terceiro Mundo aqueles considerados subdesenvolvidos. Na América Latina (parte do então Terceiro Mundo), partidos políticos com identidade comunista emergiram ao longo do século 20 e a Revolução Cubana (1956) tornou-se símbolo do movimento comunista no continente.

É neste período da Guerra Fria que emerge um forte sentimento anticomunista (que também é um verbete do “Dicionário de Política”). O termo ”comunista” passa a ser usado de forma pejorativa e acusatória, distante do sentido original da palavra relacionada ao movimento político que representava o comunismo. Partidários ou simpatizantes de regimes comunistas ou do ideal comunista passaram a ser tratados como inimigos da democracia. 

O “inimigo das religiões”

Este sentimento foi alimentado de forma ameaçadora entre grupos religiosos, que eram apresentados como alvos do regime comunista, defensor da “religião como ópio do povo” (uma leitura reducionista de um dos escritos de Marx e Engels) e atuaria para pôr fim a todas as religiões.

Vários estudos indicam o lugar das mídias na demonização do comunismo e dos comunistas, em alinhamento com os Estados Unidos em seus aliados durante a Guerra Fria. No Brasil, segundo os estudos de Bethania Mariani, esta representação negativa se fixa no noticiário no Brasil dos anos 1930. Ela diz que as matérias jornalísticas da época não assinadas apresentavam o comunismo como uma “doutrina ou ideologia perigosa para o Brasil” e “os comunistas como inimigos astuciosos – os maus cidadãos ou como alguns brasileiros ingênuos que se deixaram levar por ideias falsas”. Por outro lado, os demais brasileiros, os não-comunistas, eram representados como patriotas e democratas. 

Esta noção alcançou seu auge no período pré-ditadura civil-militar e alimentou o golpe de 1964 e os 21 anos do regime. A partir dos anos 80, com os processos de redemocratização do país, houve momentos de enfraquecimento desta compreensão (com a queda dos regimes socialistas no Leste Europeu e o fim da União Soviética) mas surgiram novos significados dados a elas, com a atribuição da noção de “ameaça vermelha” às esquerdas. 

No entanto, é com o surgimento de militâncias de direita e extrema-direita, a partir de 2013, que levaram à eleição de Jair Bolsonaro à Presidência, que apareceu o significado da salvação do Brasil de uma ditadura comunista que estava em processo de consolidação, como afirma a pesquisadora Helcimara Telles.

Nos discursos das manifestações de rua e de perfis em mídias sociais, uma nova configuração do anticomunismo se materializava: comunistas seriam todos os que propagam justiça econômica (defesa de programas de distribuição de renda, por exemplo), advogam os direitos humanos, em particular os das minorias, e reivindicam e atuam na superação de violência racial, cultural, de gênero, de classe.  As esquerdas, em consonância com os governos do PT, são identificadas como as defensoras destas “políticas comunistas” e seus militantes classificados como anomalias sociais: “esquerdopatas”. Emerge uma nova face do anticomunismo: o antipetismo. Este discurso está intensamente presente nas postagens de perfis relacionados à direita e à extrema-direita em mídias sociais e são alimentadas por muitos grupos religiosos.


É neste contexto que emergem as acusações do tipo que foram publicadas contra D. Orlando Brades e circulam amplamente em espaços digitais contra opositores do governo de Jair Bolsonaro. Conforme os estudos aqui apresentados, elas servem para alimentar o pânico moral contra pessoas críticas da conjuntura política do país, especialmente entre grupos cristãos. Segundo tais (antigos) conteúdos, até os dias de hoje comunistas atuam para “fechar as igrejas” e proibir as religiões, o que se configura uma falsidade na forma como o movimento comunista historicamente se expressa no Brasil. São vários os historiadores que comprovam em pesquisas que nunca houve nem existe possibilidade de um regime comunista no Brasil.

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Bereia classifica como falsa a afirmação de que o arcebispo de Aparecida D. Orlando Brandes seja comunista.  Não há registros da ligação do arcebispo católico com esta tendência política ou com partidos identificados como comunistas. O termo comunista tem sido utilizado de forma pejorativa, como falsa acusação que surge da intolerância a posições políticas divergentes e é uma ameaça à liberdade de expressão, alimentando medo na população através da sustentação de “bichos-papões” que buscam impedir o desenvolvimento de consciências e posturas críticas.

Referências:

Sermão 2020. ​​https://www.youtube.com/watch?v=wjeXyW4qVZ8 Acesso 15: Out 2021.

Biografia. https://arqaparecida.org.br/Arquidiocese/Arcebispo Acesso 15: Out 2021.

Entrevista https://www.youtube.com/watch?v=e8IhyUtNQqQ Acesso 15: Out 2021.

Mensagem CNBB. https://www.cnbb.org.br/mensagem-da-cnbb-ao-povo-de-deus-aprovada-na-56a-ag/. Acesso em:  15 Out 2021.

Magali N. Cunha. Do púlpito às mídias sociais. Evangélicos na Política e ativismo digital. Curitiba, Appris, 2019.

Norberto Bobbio, Nicola Matteucci, Gianfranco Pasquino. Dicionário de Política. Brasília: Universidade de Brasília, 1998. http://professor.pucgoias.edu.br/SiteDocente/admin/arquivosUpload/17973/material/Norberto-Bobbio-Dicionario-de-Politica.pdf  Acesso em: 18 out 2021.

Bethania Sampaio Correa Mariani. O comunismo imaginário. Práticas discursivas da imprensa sobre o PCB (1922-1989). Tese de Doutorado (Curso de Linguística). Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 1996. http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/270690 Acesso em: 18 out 2021.

Helcimara Telles. A Direita Vai às Ruas: o antipetismo, a corrupção e democracia nos protestos antigoverno. Ponto e Vírgula, 2016. https://revistas.pucsp.br/index.php/pontoevirgula/article/view/29895 Acesso em: 18 out 2021.

Correio do Povo, 8 nov. 2014. Disponível em: http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/2014/11/6646/a-psicologia-do-anticomunista-pos-tudo/ Acesso em 18 out 2021

Agência Pública, https://apublica.org/2019/04/1964-o-brasil-nao-estava-a-beira-do-comunismo-diz-historiador/ Acesso em: 18 out 2021.

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Foto de capa: Thiago Leon / Santuário Nacional de Aparecida/Divulgação

Site gospel repercute afirmação falsa de Bolsonaro contra STF e ministro Barroso

O site de notícias do Grupo MK Comunicação, Pleno News, repercutiu em matéria uma fala do presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido), que levanta acusações contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e o ministro do órgão Luis Roberto Barroso. Durante evento com empresários em Joinville (SC), em 6 de agosto, Bolsonaro afirmou: “Barroso quer que nossas filhas e netas de 12 anos tenham relações sexuais”, aludindo a uma possível posição do ministro pela redução da idade para se considerar estupro de vulnerável.  

Reprodução da internet

Na matéria, Pleno News reporta que Bolsonaro criticou o presidente do STF, Luis Fux, estaria desinformado ao acompanhar notícias do governo pela mídia; e que o ministro da corte Luis Roberto Barroso seria favorável ao aborto, à legalização das drogas e à redução da idade para estupro de vulnerável, supostamente permitindo que jovens de 12 anos pudessem fazer sexo com adultos sem ser configurado crime. A matéria não apresenta a versão de Barroso ou do STF para as afirmações de Bolsonaro, nem indica que procurou os envolvidos para isso.

O contexto da fala do presidente

Esta fala de Bolsonaro se dá num momento de tensão com o STF e com o Tribunal Superior Eleitoral. Em 2 de agosto, O TSE havia aprovado, por unanimidade, duas medidas decorrentes dos ataques recentes do presidente Jair Bolsonaro ao sistema eleitoral brasileiro. A corte decidiu enviar ao STF notícia-crime contra o presidente por divulgação de fake news. Também encaminhou a instauração de inquérito administrativo para investigar ataques contra o sistema eletrônico de votação e à legitimidade das eleições em 2022.

A notícia-crime foi proposta ao TSE pelo presidente da corte, ministro Luís Roberto Barroso, alvo de Bolsonaro nas semanas anteriores. A peça é baseada na live feita pelo presidente dias antes, em que prometeu apresentar provas sobre a insegurança do sistema eleitoral brasileiro, mas limitou-se a ilações desmentidas em tempo real pelo TSE.

No pedido, Barroso sugere ao STF a apuração de possível conduta criminosa relacionada ao objeto do Inquérito 4.781, que investiga fake news e ameaças ao Supremo Tribunal Federal. A relatoria deste procedimento é do ministro Alexandre de Moraes, que também integra o TSE e presidirá a corte durante as Eleições de 2022. 

Já o inquérito administrativo foi proposto em portaria assinada pelo ministro corregedor-geral da Justiça Eleitoral Luís Felipe Salomão, e tem o objetivo de apurar fatos que possam configurar crimes eleitorais relativos aos ataques contra o sistema eletrônico de votação e à legitimidade das eleições em 2022.

Afirmação já desmentida

Não foi a primeira vez que Bolsonaro fez afirmação com este conteúdo contra o ministro Luis Roberto Barroso. O STF já havia publicado matéria em seu site, em julho, como parte da série #VerdadesdoSTF”, intitulada “É falso que Barroso defenda redução da maioridade para estupro de vulnerável”. No texto, o STF expõe que o presidente da República afirmou, erroneamente, que ministro defende a redução da maioridade para estupro de vulneráveis e que isso beira a defesa da pedofilia. O texto explica que, em julgamento de três anos atrás, 2017, Barroso fez justamente o contrário: votou para manter ação penal contra jovem de 18 anos acusado de manter relações com menina de 13 anos. “Em seu voto, o ministro considerou que, embora os autos trouxessem elementos de consentimento da suposta vítima, o fato de ela ser menor de 14 anos justificava a continuidade do processo, em nome da proteção da infância e da adolescência”, diz o texto. 

A estratégia do pânico moral

A fala de Bolsonaro e sua consequente repercussão em mídias evangélicas em tom fundamentalista não é novidade. A prática de levantar um tema relativo à sexualidade como forma de desqualificar alguém que é apontado como opositor não é gratuita. 

Conforme o coordenador do Grupo de Pesquisa Corpo, Identidade Social e Estética da Existência da Universidade Federal de São Carlos-SP Ricardo Miskolci, a estratégia do pânico moral e de permanente enfrentamento de com inimigos, é comum em embates políticos. Serve a “gerar insegurança e promover afetos. Pânicos morais são fenômenos que emergem em situações nas quais sociedades reagem a determinadas circunstâncias e a identidades sociais que presumem representarem alguma forma de perigo. São a forma como a mídia, a opinião pública e os agentes de controle social reagem a determinados rompimentos de padrões normativos e, ao se sentirem ameaçados, tendem a concordar que ‘algo deveria ser feito’ a respeito dessas circunstâncias e dessas identidades sociais ameaçadoras. O pânico moral fica plenamente caracterizado quando a preocupação aumenta em desproporção ao perigo real e geral.” 

O pesquisador de Literatura Americana e Religião da Universidade de Victoria (Inglaterra) Christopher Douglas  complementa: “Para isso movimentos fundamentalistas articulam amplo recurso às mídias em todos os formatos, tradicionais e digitais, com farto uso de desinformação, em especial de fake news, para alimentação do pânico moral e para interferência nas pautas políticas”

A partir da aglutinação da base em torno do voto impresso, associar o oponente da vez (o ministro do Tribunal Superior Eleitoral, responsável pelas eleições) a uma tentativa de afronta à família seria mais um exemplo da utilização do pânico moral com fins materiais – e políticos.

A tensão com o STF

Para além da mobilização de sua base, os pronunciamentos do presidente da República provocam tensionamento entre os poderes Executivo e Judiciário. Bereia ouviu o jurista, professor de Direito Internacional da Universidade de Brasília e ex-Ministro da Justiça Eugênio Aragão para avaliar tal cenário e suas possíveis consequências para o país. 

“O país está vivenciando um clima de esgarçamento de seu tecido institucional. Bolsonaro é mera consequência. Ele usa a agressão às instituições como método de governo”. Ainda segundo Aragão, “Bolsonaro usa a técnica de choque para atrair atenção. Está em evidente desespero diante das pífias perspectivas eleitorais. Entrar nesse conflito só atende aos objetivos dele. Por isso se explica a relativa timidez das reações. Ao mesmo tempo, ao subir o tom, Bolsonaro não pode achar que ficará sem resposta. Essa foi dada de forma institucional. O pedido para investigá-lo pelas agressões foi feito pela unanimidade dos ministros do TSE”.

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Com base nas apurações, Bereia conclui que a matéria do site Pleno News é falsa. Apesar de ser fiel ao que o presidente da República proferiu em evento, as declarações proferidas por Bolsonaro são falsas. Se o site gospel optou por construir matéria com a fala do presidente, o compromisso com a informação deveria ter levado o veículo a reportar que não era a primeira vez que ele se referia ao ministro do STF com tal conteúdo e que o STF já havia publicado um desmentido oficial no mês anterior.   Com esta prática, Pleno News apenas reproduz o conteúdo falso, fabricado pelo presidente, portanto desinforma, e ainda denota propaganda contrária ao STF em formato de notícia.

Referências:

Youtube. https://youtu.be/l_ItjPbqX-Y?t=25 Acesso em: [11 ago 2021]

Consultor Jurídico. https://www.conjur.com.br/2021-ago-02/tse-instaura-inquerito-envia-noticia-crime-stf-bolsonaro Acesso em: [13 ago 2021]

Consultor Jurídico. https://www.conjur.com.br/2021-ago-02/barroso-alerta-clima-antidemocratico-defende-urna-eletronica Acesso em: [13 ago 2021]

Consultor Jurídico. https://www.conjur.com.br/2021-jul-29/tse-desmente-tempo-real-teorias-conspiracao-bolsonaro Acesso em: [13 ago 2021]

Supremo Tribunal Federal. http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=469135&ori=1 Acesso em: [11 ago 2021]

Fundamentalismo, crise da democracia e ameaças aos direitos humanos na América do Sul: tendências e desafios para a ação. https://kn.org.br/wp-content/uploads/2020/10/FundamentalismosPT-1.pdf Acesso em: [11 ago 2021]

Site evangélico diz que pediatra defende masturbação infantil

Em 11 de junho, o portal Gospel Prime publicou a matéria intitulada “Médica diz que ‘é normal crianças de 4 anos se masturbarem’”. O texto repercutiu uma postagem da médica pediátrica e comentarista das organizações Globo Ana Escobar sobre masturbação infantil. Sem ouví-la, Gospel Prime baseou a matéria apenas nas críticas feitas por usuários de mídias sociais.

Gospel Prime omitiu a diferenciação entre masturbução infantil e adulta

De acordo com o portal evangélico, a colunista da revista Crescer, que trata de temas ligados à infância, teria dito que “a masturbação aos quatro anos é natural e saudável”. De fato, a postagem contém essa afirmação. No entanto,o texto da médica diferencia a masturbação infantil e a vida sexual adulta.

Em torno dos 4 anos de idade as crianças começam a descobrir que têm prazer em tocar os seus órgãos genitais. A masturbação infantil é feita sem malícia e é muito diferente da vida sexual do adulto. A masturbação infantil é natural e saudável. Os pais não devem inibir nem reprimir, mas é claro, que vivemos em um mundo com regras de convivência social. Se os pais percebem que a criança está se masturbando em público devem distrair a atenção da criança para outro fato sem reprimi-la fazendo com que pare espontaneamente. Em uma outra ocasião, podem conversar com o filho e deixar claro que pode se masturbar, mas de preferência em seu quarto. A conversa deve ser tranquila e não deve taxar a masturbação como um ato proibido”, diz Ana Escobar em seu post no Instagram.

Vídeo em resposta às críticas

Além do Gospel Prime, outros sites religiosos como Guia-me e Cristianismo Global também ressaltaram a indignação de muitos seguidores da médica com a postagem. Diante da repercussão negativa, a médica gravou um vídeo no qual se diz espantada com a desinformação sobre o tema. Ela reafirma o caráter educativo da primeira postagem. Sua intenção, afirmou, era levar os pais a orientarem seus filhos a não se masturbarem em locais públicos de forma que elas não sofressem repreensão, bullying ou agressão.

 “Vocês fizeram uma salada mista. Uma criança pequenininha que se masturba ela nem sabe o que é sexo. Não tem conotação sexual nenhuma, isso está na cabeça dos adultos, mas não está no mundo infantil, a criança nem sabe o que é sexo. (…) A gente tem que tirar esse pensamento sujo dessa coisa, não tem nada a ver. (…) Esse post serve simplesmente para orientar os pais, em um ato natural de muitas crianças que descobrem sozinhas o prazer de se masturbar. Simples assim”, explicou Ana Escobar.  

Diferença entre a masturbação infantil e a vida sexual do adulto

Bereia ouviu especialistas cristãos sobre o assunto. A psicóloga e psicopedagoga Cassiane Tardivo explica que há diferença entre a masturbação infantil e o mesmo ato na vida sexual do adulto. “Quando falamos de masturbação infantil, a criança manipula seus genitais e muitas vezes por prazer. Algumas crianças até dizem ‘é porque faz uma cosquinha’[. A questão é que o sentido, o significado, que isso tem são diferentes. A masturbação adulta faz parte da sua vida sexual, está relacionada a um prazer com envolvimento de outros aspectos além do físico. Na criança é pura descoberta do corpo e de regiões que dão prazer.”

De acordo com a psicóloga e missionária da Igreja Evangélica Pentecostal Cristã (IEPC – Rio de Janeiro), Sandra Bivar Neves, a opinião da Drª. Ana Escobar está correta. “A criança entre 3 e 5 anos está descobrindo o seu corpo e naturalmente toca nas partes genitais que evidentemente faz ela sentir prazer. Então, tende a repetir esse comportamento”, afirma Sandra Neves que também é psicopedagoga e trabalhou por anos em escolas com crianças dessa faixa etária.

Orientação aos pais sobre o assunto

A missionária orienta que os pais não devem chamar a atenção, nem ter espanto dando uma conotação de pecado ou de que a criança está fazendo algo errado. “Nesta idade, não é pecado e nem errado. Se os pais observam que a criança está por muito tempo se tocando, deve distraí-la com algum brinquedo ou propor alguma outra atividade. E se ela fizer em público, os pais devem dizer que aquelas partes de seu corpo são íntimas e que não devem ser tocadas em público, assim como tirar a roupa só deve ser feito em sua própria casa. Mas tudo com naturalidade, sem chamar grande atenção para o fato”, explica.

No entanto, Sandra Neves explica que discorda de que pais digam aos seus filhos que podem masturbar-se no quarto, como orientou Ana Escobar. “Não gosto desta postura de mandar para o quarto e incentivar, como é algo natural, deve ser tratado desta forma. Normalmente, quando a criança começa a ler, entre cinco e seis anos, elas param naturalmente”.

Atenção com sexualização infantil

Alguns dos comentários críticos ao post da médica Ana Escobar diziam que seu texto promovia abuso ou sexualização infantil. Por isso, Bereia perguntou às entrevistadas qual é a diferença entre compreender que a masturbação infantil acontece (sem a conotação sexual) e a sexualização infantil.

Sandra Neves conta que ficou espantada com o teor dos comentários e a falta de informação sobre o assunto.”Pedofilia é o adulto mandar a criança tocar nele e ele tocar na criança. Não tem nada a ver com a naturalidade da masturbação infantil que é a criança conhecendo o seu próprio corpo.”

Cassiane Tardivo diz que seria reducionista ver a masturbação infantil sempre só como descoberta do corpo e assim, afirma, é importante ter atenção. “Em muitos casos de abuso, a masturbação é a porta de entrada, quando a criança é estimulada por alguém. E não basta explicar a criança que não pode mexer, porque se há prazer envolvido, como prever a força de ação dessa criança? Muitas não resistem a um chocolate”, afirma.

Ela explica que o termo ‘infantil’  diz respeito às crianças entre 2 a 12 anos e que a masturbação tem sentidos e implicações diferentes para cada faixa etária. Enquanto a masturbação das mais novas tem a ver com a descoberta do corpo após o desfralde, as mais velhas o fazem em relação ao prazer.

No entanto, ela ainda destaca que masturbação infantil e sexualização são questões diferentes. “A masturbação é a manipulação dos órgãos genitais. A sexualização infantil diz respeito ao contexto cultural, educacional, de vivência dessa criança que sexualiza seu comportamento. A sexualidade, a sensualidade, está presente nas relações, no comportamento, nas vestimentas, nas danças. Sexualização infantil é quando todos esses aspectos estão envolvidos na educação ou comportamento da criança. Quando ela mesma associa alguns comportamentos, vestimentas, etc, com sua autoestima e o fato de ser desejada e coloca seu corpo como objeto de desejo de outro. Aqui escancara-se uma porta explicita para o abuso sexual, expondo a criança e, sim, abrindo precedentes para descumprimento inclusive do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Se a criança não se masturba por prazer com conotação sexual como o adulto, sexualizá-la é revesti-la dessa conotação, eis o perigo.”

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Bereia conclui que a matéria do Gospel Prime é enganosa porque omite que a médica Ana Escobar diferenciou masturbação infantil e vida sexual adulta. Ao descontextualizar a fala da pediatra, o portal deu a entender ao seu público que a médica defende a sexualização infantil. Como as especialistas consultadas pelo Bereia explicam, a masturbação infantil não tem conotação sexual. E devido o desconhecimento a respeito do sexo, a orientação é explicar à criança que as partes íntimas não devem ser tocadas em público e distraí-la para outra atividade até que ela pare naturalmente. Isso não exclui a atenção de pais e responsáveis com possíveis abusos a menores. Este é mais um caso de pânico moral já verificado em outras matérias pelo Bereia.

Referências

Ana Escobar (Instagram), https://www.instagram.com/p/CP4HxKRMpDD/. Acesso em 20 de junho de 2021.

Ana Escobar (Instagram), https://www.instagram.com/p/CP6fQCtnw2u/. Acesso em 22 de junho de 2021.Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/sao-falsos-videos-sobre-suposta-operacao-storm-no-brasil/. Acesso em 28 de junho de 2021.

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Foto de capa: Unsplash/Michał Parzuchowski