ELEIÇÕES 2024: Sites gospel desinformam com jornalismo declaratório partidário no conteúdo sobre eleições 

Levantamento realizado pela Agência Pública, em 25 de setembro passado, indica que Pablo Marçal (PRTB), candidato à Prefeitura de São Paulo, apresentou o maior número de citações  na cobertura da imprensa após as convenções partidárias, realizadas no final de julho. Marçal, que antes deste período tinha menor visibilidade, viu suas menções em reportagens quase quadruplicarem, o que corresponde ao maior crescimento de abordagens em relação aos demais candidatos. Este aumento pode estar ligado ao jornalismo declaratório, prática em que a imprensa reproduz e dá destaque a declarações de certas personagens públicas, muitas vezes em detrimento de outras ou da irrelevância de determinadas abordagens, aumentando a visibilidade de pessoas. O jornalismo declaratório, por dar ênfase às afirmações em vez de à relevância dos assuntos e à apuração e à checagem dos fatos, pode levar à desinformação e à simplificação de temas complexos bem como à imposição de pautas tendenciosas.

Imagem: reprodução/Folha de São Paulo

Marçal, que tinha 14% das intenções de voto no início de agosto de 2024, segundo pesquisa Datafolha, obteve 28,14% dos votos no primeiro turno, embora não tenha avançado para o segundo. A maior cobertura do noticiário  foi um fator que contribuiu para o crescimento de sua popularidade.

Em entrevista à Agência Pública, o cientista político Fábio Vasconcellos, afirma que Marçal rompeu a bolha do digital ao transferir sua popularidade do meio online para o ambiente institucional da política. “É aquela velha máxima: falem mal, mas falem de mim. (…) Ao invés da imprensa estar falando das propostas de Nunes, Boulos, de Tábata, a imprensa está ocupando energia e espaço para falar de Pablo Marçal”, declarou.

Jornalismo Declaratório: o que é?

Para o autor do livro “Jornalismo Declaratório”, Israel Oliveira, este estilo de reportagem é caracterizado pela ênfase em declarações. O termo ganhou destaque em 2011, quando o jornalista Caco Barcelos criticou essa prática no programa “Em Pauta”, da GloboNews, quando expressou preocupação com a imprensa brasileira, ao pontuar que muitas críticas à mídia, que eram proferidas à época, pareciam baseadas em declarações de certas fontes.

Esse modelo foca em declarações e opiniões, em vez de análises ou investigações. Reproduz falas de figuras públicas, como políticos, muitas vezes sem contexto ou checagem, simplificando temas e contribuindo para a desinformação. Prioriza citações em detrimento da investigação. Muitas vezes tais declarações são proferidas por figuras irrelevantes na cena pública ou dizem respeito a assuntos irrelevantes ou tendenciosos no debate público. 

Imagem: reprodução/X

Imagem: reprodução/X

Impacto do Jornalismo Declaratório

A professora e pesquisadora de Jornalismo Marli dos Santos, consultada pelo Bereia, destacou que a prática é comum nas redações pela agilidade na publicação. Segundo Santos,  “As declarações,  quando antagonizam pontos de vista, são mais atraentes, geram cliques ao serem utilizadas em títulos, especialmente se forem polêmicas (durante a pandemia, muitas declarações de Bolsonaro estiveram presentes em títulos)”. Ela observa que o jornalismo declaratório gera superficialidade pela falta de contexto e checagem.

Jornalismo Declaratório em sites gospel durante as eleições

Conforme a Resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)  nº 23.738, de 27 de fevereiro de 2024, o período de campanha para as eleições municipais de 2024 começou em 16 de agosto. A partir dessa data, os candidatos puderam solicitar votos de forma explícita e realizar propaganda eleitoral. 

Nesse contexto, Bereia realizou um levantamento de dados em portais de notícia gospel, com dados sobre a cobertura dos três candidatos mais votados no primeiro turno no pleito à prefeitura de São Paulo. O objetivo foi verificar o recurso ao jornalismo declaratório por esses veículos na cobertura das eleições para a Prefeitura de São Paulo.

O levantamento foi conduzido por meio de busca direta, tomando-se os nomes dos candidatos como palavras-chave. Os dados foram compilados e categorizados por data, tema e candidato. No total, foram 96 menções a Ricardo Nunes (MDB), Guilherme Boulos (PSOL) e Pablo Marçal (PRTB) nos sites Gospel Mais, Pleno News, Conexão Política e Gospel Prime, no período entre 1º de julho e 15 de outubro, que compreendeu as convenções partidárias, o início da campanha e o decorrer do segundo turno.   


O gráfico “Evolução Temporal das Menções por Candidato” mostra a variação das citações aos nomes. As menções a Pablo Marçal, Guilherme Boulos e Ricardo Nunes aumentaram com a aproximação do primeiro turno, realizado em 6 de outubro.

O gráfico “Tópicos Principais por Candidato” destaca os temas mais frequentes de cada candidato. Para Ricardo Nunes, os tópicos mais abordados são “Pesquisa eleitoral” e “Apoio político”. No caso de Pablo Marçal, predominam os temas “Acusações” e “Evangélico”. Já para Guilherme Boulos, os principais tópicos são “Acusações” e “Embate político”.

O gráfico “Menções de Cada Candidato por Site” mostra a distribuição das menções entre os candidatos. No site Pleno News, as menções a Pablo Marçal e Guilherme Boulos foram as mais numerosas e praticamente iguais, enquanto Ricardo Nunes teve menos destaque. No Conexão Política, as menções a todos os três candidatos foram bastante equilibradas, com Guilherme Boulos recebendo um pouco mais de atenção. Já nos sites Gospel Prime e Gospel Mais, Pablo Marçal se destacou como o candidato com mais menções.

O gráfico de “Menções Positivas e Negativas por Candidato nos Sites” revela que, no Conexão Política, Guilherme Boulos teve o maior número de menções negativas, com oito citações, enquanto Pablo Marçal se destacou com oito menções positivas. No Gospel Mais, Boulos e Marçal receberam sete menções negativas cada. No Gospel Prime, Marçal teve cinco menções positivas, o maior valor entre os candidatos. No Pleno News, tanto Nunes quanto Marçal foram mencionados positivamente oito vezes cada, enquanto Boulos e Nunes receberam três menções negativas.

Com base no levantamento realizado pelo Bereia sobre o recurso ao jornalismo declaratório em sites gospel, foi identificado que os portais Gospel Mais, Pleno News, Conexão Política e Gospel Prime, durante a corrida eleitoral para a Prefeitura de São Paulo, dedicaram níveis distintos de atenção aos principais candidatos, com diferenças na cobertura mais evidentes à medida que se aproximava a data da eleição. 

Além disso, a análise aponta para possíveis preferências editoriais ou alinhamentos políticos desses sites, com o oferecimento de mais espaço a determinados candidatos por alguns em relação a outros. Tal cenário ressalta o papel significativo que esses portais desempenham na formação da opinião pública do segmento evangélico durante campanhas eleitorais, podendo influenciar a visibilidade e a percepção dos eleitores sobre os candidatos em disputa.

Bereia alerta leitores e leitoras para que permaneçam atentos ao uso do jornalismo declaratório nesses portais. É fundamental que o público faça a leitura as informações de forma cuidadosa e crítica, e questione a imparcialidade e a falta de profundidade do conteúdo apresentado. Essa conscientização é essencial para garantir que o consumo de notícias se dê de maneira digna e responsável, para assim promover um entendimento mais claro e equilibrado sobre os temas abordados no contexto religioso.

Referências:

Agência Pública. https://apublica.org/nota/levantamentos-indicam-que-jornalismo-declaratorio-beneficia-marcal/. Acesso em: 14 de outubro de 2024. 

Jornalismo declaratório. https://livro-reportagem.com.br/o-que-e-jornalismo-declaratorio/.  Acesso em: 14 de outubro de 2024. 

Tribunal Superior Eleitoral. https://www.tse.jus.br/legislacao/compilada/res/2024/resolucao-no-23-738-de-27-de-fevereiro-de-2024.  Acesso em: 14 de outubro de 2024. 

g1. https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/eleicoes/2024/noticia/2024/08/08/eleicoes-2024-em-sao-paulo-nunes-tem-23percent-e-boulos-22percent-diz-datafolha-numeros-indicam-empate-tecnico.ghtml.  Acesso em: 16 de outubro de 2024. 

Foto de capa: Mohamed Hassan / Pixabay

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