Site gospel engana sobre suspeita de atentado em incidente em carreata de Pablo Marçal

O site gospel Pleno News publicou, em 1º de agosto de 2024,  matéria sobre um incidente ocorrido durante carreata do candidato autoidentificado como cristão à prefeitura de São Paulo Pablo Marçal (PRTB-SP), no bairro do Tatuapé. O título e o conteúdo da matéria indicam, sem evidências, um suposto envolvimento da candidata a vereadora Carol Iara (PSOL-SP) no episódio.

Imagem: Reprodução/Pleno News

O título da matéria, “Incidente em carreata de Marçal envolveu candidata do PSOL”, sugere uma associação entre a candidata e a ameaça de atentado de morte que o candidato afirma ter recebido. O texto detalha que a polícia foi chamada após a observação de um indivíduo supostamente armado, que fugiu em um veículo com outras pessoas ao ser identificado pelos seguranças. E a matéria insinua um envolvimento da candidata Carol Iara no incidente, com base apenas na presença dela no evento, sem fornecer provas que sustentem tal associação.

Pleno News também não menciona que Marçal, ao prestar depoimento, afirmou não ter visto nenhuma pessoa armada, informação que contradiz a narrativa de ameaça apresentada inicialmente.

O incidente 

O caso ocorreu na Zona Leste de São Paulo, durante um ato de campanha do candidato Pablo Marçal. Vídeos compartilhados nas mídias digitais mostram a movimentação de um veículo, enquanto seguranças do candidato se aproximam, mas não há evidências claras de arma ou ameaça, o que enfraquece a suspeita. 

Como precaução, o candidato se dirigiu a uma padaria para vestir um colete à prova de balas, medida que já havia utilizado anteriormente em sua campanha.

Imagem: Reprodução/X

Reprodução/X

De acordo com a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, a Polícia Militar foi acionada às 15 horas e 18 minutos do dia 30 de agosto, para verificar uma “atitude suspeita”. Policiais do 8º Batalhão foram ao local após receberem relatos de que um indivíduo em um Ford Ka parecia estar armado. 

Viaturas foram enviadas à área, mas não conseguiram localizar o veículo. O Ford Ka foi gravado em um vídeo, por apoiadores de Marçal, que mostra Carol Iara entrando no carro com dois membros de sua equipe. Um homem tentou abordar o veículo, que seguiu seu trajeto.

Versões dos candidatos

Pablo Marçal, em vídeos postados em seu perfil no Instagram, sugere ter sofrido uma ameaça de morte. Ele relata ter percebido, ao chegar ao local, uma tentativa de hostilização e informou ao policial que fazia a segurança do evento que algo estava errado. 

Após o episódio, Marçal foi ao Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) no início da noite para dar prosseguimento ao caso. O candidato prestou depoimento e registrou um boletim de ocorrência por ameaça. Marçal afirmou não ter visto nenhuma pessoa armada e minimizou a repercussão do caso. Seu advogado declarou que a polícia deve ouvir todos os envolvidos.

Apesar disso, o candidato capitalizou o caso em campanha ao mencionar que, em sua comunicação com a polícia, usa a expressão “treze” para se referir a pessoas que causam problemas. “A gente gosta de falar que gente que dá problema é treze, nem imagina o porque né (…) falei ó esse aí é treze, cuidado ai ó, cê já sabe que treze é um número que você não pode cagar na urna eletrônica” declara o candidato em um dos vídeos.

Reprodução/Instagram

Carol Iara apresenta uma versão diferente dos eventos. Em nota divulgada no seu perfil no Instagram, em 30 de agosto, a candidata a vereadora afirma que Marçal utilizou termos enganosos para disseminar desinformação sobre o caso. “As acusações de Marçal são infundadas e completamente falsas”, declara Iara.

No vídeo divulgado junto à nota, Iara se diz “totalmente chocada” com a divulgação de imagens onde aparece sendo perseguida por um segurança de Marçal. Ela afirma: “Não acreditem nessa mentira, gente. Eu passei o dia fazendo campanha eleitoral e vim entregar um presente pro Pablo Marçal, que era esse isoporzinho, um meme de Pinóquio pro candidato mais mentiroso dessa eleição”.

A candidata a vereadora explica que o objeto que Marçal supôs ser uma arma era um boneco de isopor em forma de emoji do Pinóquio, simbolizando, segundo ela, as “mentiras” contadas pelo empresário.

Reprodução/Instagram

Em entrevista ao O Globo, Iara afirmou que o boneco com nariz de Pinóquio foi retirado de suas mãos por apoiadores e seguranças de Marçal antes que ela e seus assessores pudessem se aproximar do candidato. Segundo Iara, a intenção era fazer uma entrega pacífica, mas os seguranças a hostilizaram e a forçaram a se retirar para evitar agressões. 

Ela explicou que o carro usado foi alugado de um militante do PSOL, que não estava presente no local do episódio. Além disso, Iara se mostrou disponível para esclarecer qualquer questão aos órgãos competentes e declarou que está avaliando com sua equipe jurídica a necessidade de se apresentar à polícia.

Apesar do relato da candidata a vereadora, Marçal foi ao Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) no início da noite para dar prosseguimento ao caso. Sua equipe afirmou que “aparentemente os suspeitos foram identificados”, mas essa informação não foi confirmada pelas forças de segurança. 

Repercussão

Veículos de comunicação repercutiram o caso com abordagens diversas. O portal da CBN relatou que o candidato teria sido alvo de uma tentativa de homicídio: “um indivíduo armado e disfarçado tentou assassinar o candidato antes de uma carreata no Tatuapé”, afirma o texto. 

A Gazeta do Povo adotou uma abordagem similar: “Depois da ocorrência, o candidato do PRTB passou a usar um colete à prova de balas e deu continuidade ao evento político”.

A Jovem Pan apenas menciona que a polícia foi acionada após “atitudes suspeitas” e que Marçal adotou o uso do colete.

Imagem: Reprodução/Gazeta do Povo

Imagem: Reprodução/Jovem Pan

Imagem: Reprodução/CBN

Bereia classifica a notícia do Pleno News como enganosa. A matéria do site gospel apresenta o caso e sugere, sem evidências concretas, um envolvimento da candidata Carol Iara (PSOL-SP) em um suposto incidente armado durante a carreata de Pablo Marçal (PRTB-SP).

A checagem revela que não há provas de ameaça armada. O próprio Marçal, em depoimento à polícia, afirmou não ter visto nenhuma pessoa armada, informação omitida pela matéria original.

O portal Pleno News faz associações infundadas e omite informações cruciais, induzindo os leitores a uma interpretação equivocada dos fatos para martirização do candidato. A presença de Carol Iara no local e o acionamento da polícia são usados para construir um discurso que não se sustenta com as evidências disponíveis.

O caso demonstra como fatos isolados podem ser manipulados para criar uma impressão enganosa, especialmente em contextos eleitorais. A omissão de detalhes importantes e a sugestão de conexões não comprovadas são táticas comuns em conteúdos desinformativos.

Bereia alerta leitores e leitoras sobre a importância da busca de múltiplas fontes ao se deparar com notícias sobre incidentes políticos. É fundamental verificar se as alegações são respaldadas por evidências concretas e se todas as partes envolvidas tiveram a oportunidade de se manifestar.

Referências:

O Globo

.https://oglobo.globo.com/politica/eleicoes-2024/noticia/2024/08/30/pm-e-acionada-apos-campanha-de-marcal-relatar-presenca-de-homem-armado-em-ato.ghtml. Acesso: 2 set 2024

CBN.
https://www.cbnrecife.com/artigo/pm-e-acionada-apos-campanha-de-marcal-relatar-presenca-de-homem-armado-em-ato. Acesso: 3 set 2024

https://cbn.globo.com/politica/noticia/2024/08/30/pm-e-acionada-apos-campanha-de-marcal-relatar-presenca-de-homem-armado-em-ato.ghtml

Jovem Pan.
https://jovempan.com.br/noticias/politica/eleicoes-2024/pablo-marcal-usa-colete-a-prova-de-balas-durante-ato-em-sao-paulo.html. Acesso: 4 set 2024

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Foto de capa: reprodução/Pleno.News

A “Teologia Coach” pede voto

Personagens surgidos na cena gospel acabaram por trazer visibilidade para um novo fenômeno traduzido em estratégia política. A chamada “Teologia Coach”, que seria herdeira da antiga “Teologia da Prosperidade”, com eficiência máxima diante de uma sociedade consumista e cada vez mais midiatizada. Um de seus expoentes mais famosos é o candidato a prefeito de São Paulo Pablo Marçal (PRTB).

Em artigo para o site Meio, a pesquisadora e diretora-executiva do Instituto de Estudos da Religião discorre sobre o conceito e as manifestações da “Teologia Coach”, abordando seu contexto, suas práticas e como reverberam no cenário brasileiro. Confira o texto completo (para assinantes) aqui.

** Os artigos da seção Areópago são de responsabilidade de autores e autoras e não refletem, necessariamente, a opinião do Coletivo Bereia.

*** Foto de capa: reprodução/YouTube

Eleições 2024: Nos primeiros dias da campanha, religiosos repetem mentiras e pedem favores para igrejas

* Matéria atualizada às 16:17 para ajuste de informações

O início das eleições municipais deste ano já está marcado por uma onda de desinformação e tentativas de obtenção de favores para igrejas, que envolvem candidatos com identidade religiosa cristã. O candidato a prefeito na cidade de São Paulo Pablo Marçal (PRTB-SP) e o deputado federal evangélico Eli Borges (PL-TO), pastor da Assembleia de Deus, estão entre os principais nomes em destaque. Marçal enfrenta investigações após insinuar o uso de drogas pelo seu adversário, enquanto Borges, em apoio a uma candidatura, propagou informações falsas e pediu facilitações para igrejas evangélicas em sua cidade.

Pablo Marçal

O ex-coach, empresário e influenciador digital, que se tornou político, Pablo Marçal passa por uma investigação solicitada pela Justiça Eleitoral à Polícia Federal (PF) por insinuar o uso de substâncias ilícitas pelo também candidato à Prefeitura de São Paulo Guilherme Boulos (PSOL) durante debate eleitoral transmitido na emissora Bandeirantes, em 8 de agosto. Na ocasião, Marçal simulou com as mãos o ato de cheirar cocaína e divulgou vídeos no Youtube  que insinuam o uso de drogas pelo candidato psolista. 

Imagem: reprodução/UOL

A campanha de Guilherme Boulos acionou a Justiça Eleitoral e, no domingo, 18 de agosto, o Tribunal Regional Eleitoral de SP (TRE-SP) concedeu a Boulos três direitos de resposta nas redes sociais do adversário do PRTB por difamação. A decisão atende ao pedido do promotor eleitoral Nelson dos Santos Pereira Júnior que solicitou investigação pelos crimes de calúnia, difamação e divulgação de fatos inverídicos, além da remoção dos vídeos das mídias sociais de Marçal. Em 22 de agosto, entretanto, o TRE-SP suspendeu temporariamente os três direitos de resposta concedidos anteriormente a Boulos. De acordo com o desembargador Encinas Manfré, o efeito suspensivo foi concedido à Marçal até que o mérito da ação de difamação movida por Boulos seja apreciado pelo tribunal

Uma outra ação contra Marçal foi movida pelo Ministério Público Eleitoral de São Paulo (MPE-SP), com base no pedido inicial de impugnação que havia sido apresentado pelo PSB de São Paulo, da adversária no pleito, Tábata Amaral. Os advogados do PSB alegaram que o estatuto do partido de Pablo Marçal determina que postulantes interessados em representar o partido em uma eleição devem estar filiados há pelo menos seis meses na data da convenção. Marçal se filiou ao PRTB em 5 de abril e a convenção aconteceu em 4 de agosto. 

O secretário-geral do PRTB Marcos André de Andrade, e a empresária filiada Lilian Costa Farias também ingressaram com uma ação de impugnação da candidatura de Pablo Marçal, com a denúncia de outras questões relativas à convenção. Andrade alegava que a convenção partidária que oficializou o candidato, no início do mês, teria ocorrido de forma irregular. Este pedido foi negado, em 21 de agosto passado. 

Na decisão, o juiz eleitoral Antonio Maria Patiño Zorz afirmou que não pode suspender a candidatura até a análise do mérito. “Desse modo, desrespeitar o rito do registro de candidatura previsto na legislação supramencionada violaria o princípio do devido processo legal previsto na Constituição”. A ação de impugnação prossegue imposta pelo MPE-SP, aguarda julgamento.

Outro revés enfrentado pela campanha do candidato do PRTB ocorreu em 22 de agosto. A Justiça Eleitoral determinou a suspensão temporária dos perfis de Marçal nas redes sociais usados para monetização. A ação foi movida pelo PSB, partido da candidata Tabata Amaral. A legenda solicitou a abertura de um inquérito contra Marçal por pagar seguidores para que estes distribuam cortes de seus vídeos nas redes sociais. A campanha de Marçal criou, então, contas reservas no Instagram, TikTok, Youtube, Whatsapp, Telegram e Gettr. De acordo com a nota divulgada pelo candidato no dia 25, a liminar não “impede a presença do candidato nas plataformas digitais”.

Em oito minutos, deputado evangélico faz inúmeros pedidos e espalha mentiras

Bereia recebeu, por seu grupo de Correspondentes, um vídeo em que o deputado federal Eli Borges (PL-TO), pastor das Assembleias de Deus, fez diversas afirmações falsas e enganosas durante um evento de apoio à candidatura à Prefeitura de Palmas (TO) de Janad Valcari (PL), deputada estadual em Tocantins. O parlamentar presidiu a Frente Parlamentar Evangélica nos últimos meses, mas deixou o cargo, logo após assinar o polêmico Projeto de Lei que equipara o aborto em casos de estupro a homicídio.

Imagem: Reprodução/Youtube

Logo no início do discurso, o deputado mentiu ao mencionar o Projeto de Lei 2630/2020, que propõe responsabilização das plataformas de mídias quanto ao conteúdo que publicam. O deputado federal pastor se referiu à proposta que veio do Senado Federal para a Câmara, como um projeto cujo objetivo é  “instalar o comunismo no Brasil”. Borges, para inflamar a audiência, faz uso de um tema comumente utilizado em campanhas eleitorais por religiosos da direita: o fantasma do comunismo.

Além disso, ao abordar o tema da liberdade religiosa em seu discurso, Eli Borges afirmou que a Resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que regulamenta a atuação religiosa em presídios, impediria que evangélicos fizessem apelos para que os presos “aceitem a Jesus”. O deputado enganou a audiência com a distorção do conteúdo da Resolução, publicada em abril, desinformação que tem sido usada pela Bancada Evangélica, e já foi checada pelo Bereia

Ao final do discurso, o deputado do PL por Tocantins, mencionou um terceiro tema de desinformação bastante acionado em espaços religiosos: a “doutrinação ideológica dentro das escolas”. Ele elegeu esta suposta ação como “pior inimigo”, porque acredita que educadores estão ensinando ideologias contra a “família judaico-patriarcal”. Bereia também já checou vários conteúdos em torno desta temática explorada em tempos de campanha eleitoral.

Além dessas declarações, Eli Borges também fez uma série de pedidos à candidata a prefeita, caso eleita. Entre eles, solicitou que a Prefeitura facilite a regularização de igrejas evangélicas instaladas em terrenos públicos e que sejam eliminadas as medidas de ordenamento urbano, como a limitação de decibéis, sob o argumento de preservar a “liberdade religiosa”.

Janad Valcari é evangélica, sem explicitar a igreja da qual faz parte, conforme Bereia apurou a partir de levantamento da identidade confessional dos candidatos/as às Prefeituras das 26 capitais. Mídias locais já haviam noticiado, meses atrás, o apoio declarado das Assembleias de Deus em Palmas à candidata do PL.



Imagem: Reprodução/ Palmas aqui

Janad trava uma briga na Justiça com as mídias noticiosas. Em 7 de agosto, o Tribunal de Justiça do Tocantins determinou a retirada do ar do site de notícias Diário do Centro do Mundo (DCM) após um processo movido pela deputada. A ação foi motivada por uma reportagem publicada em novembro de 2023, que alegava que Janad teria faturado R$ 23 milhões em um esquema envolvendo prefeituras e a banda Barões da Pisadinha. A Justiça mencionou “tentativas infrutíferas” de contato com o DCM e uma “impossibilidade técnica” de suspender apenas o link da matéria como razões para a derrubada completa do site.

Em nota, a Coalizão em Defesa do Jornalismo classificou a decisão como uma violação à liberdade de imprensa e pediu o restabelecimento do site. “A decisão que levou o site inteiro do DCM a sair do ar expõe a situação precária de segurança jurídica a que estão submetidos jornalistas e meios de imprensa. A decisão tem também um efeito intimidatório e inibe o trabalho da imprensa em todo o país”.

Atento à propagação de informações falsas no meio religioso, o Coletivo Bereia participa da campanha de combate à desinformação nas igrejas durante o período eleitoral, chamada “Bote fé no Voto! Votar bem importa”, realizada em parceria com a Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), o Centro de Estudos Bíblicos (CEBI) e o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC).

Referências:

Veja https://veja.abril.com.br/coluna/maquiavel/justica-nega-pedido-de-ala-do-prtb-que-queria-barrar-candidatura-de-marcal/  Acesso 23 de agosto 2024

Bereia

https://veja.abril.com.br/coluna/maquiavel/justica-nega-pedido-de-ala-do-prtb-que-queria-barrar-candidatura-de-marcal/  Acesso 23 de agosto 2024

BOL

https://www.bol.uol.com.br/noticias/2024/06/19/silas-camara-assume-comando-bancada-evangelica-e-diz-que-continuara-sem-alinhamento-ao-governo.htm  Acesso 23 de agosto 2024

UOL https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2024/08/20/justica-manda-pf-abrir-inquerito-contra-pablo-marcal-por-calunia-a-guilherme-boulos.htm  Acesso 23 de agosto 2024

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Foto de capa: montagem a partir de reprodução de YouTube, Câmara dos Deputados e Facebook

Eleições 2024: Bereia dedica atenção à campanha de candidatos/as com identidade religiosa para as Prefeituras das 26 capitais

O início oficial do período de propaganda eleitoral  para Prefeituras e Câmaras de Vereadores, em todo o país, ocorreu em 16 de agosto. Durante as sete semanas deste período de campanha por votos, Bereia vai acompanhar a forma como as religiões e temas religiosos são propagados, para verificar se há uso de desinformação. Em 2020 e 2022, Bereia identificou farta utilização de conteúdo falso, enganoso e impreciso como estratégia de campanha de candidatos e seus apoiadores para convencer eleitores ou para destruir a imagem de opositores e de partidos.

Aumento de candidaturas religiosas

Segundo pesquisas realizadas pelo Instituto de Pesquisa e Reputação de Imagem (IPRI), da FSB Holding, as candidaturas com Identidades Religiosas aumentaram 225% nas últimas sete eleições municipais. Os dados foram coletados a partir de um levantamento com dados disponíveis no portal do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ao qual Bereia também recorreu. A análise realizada pelo IPRI aponta que o número de candidaturas com identidade religiosas saltou de 2.215 em 2000 para 7.206 em 2024.

Em entrevista para a plataforma Agência Brasil, o sócio-diretor do IRPI Marcelo Tokarski afirma que o aumento apresentado nos últimos 24 anos demonstra também um crescimento do apelo da religião na política. Sobre o tema, a Agência Brasil também ouviu a coordenadora da área de Religião e Política do Instituto de Estudos da Religião (ISER) Lívia Reis, que indica existirem candidatos não religiosos que passam a se declarar como cristãos de modo genérico para comunicar um conjunto de valores ou pedir por voto em instituições religiosas.

“Se, por um lado, as candidaturas oficiais apoiadas por igrejas evangélicas continuam tendo bons resultados nas urnas, nem sempre elas mobilizam nome religioso nas urnas. Por outro lado, candidatos que não são religiosos passaram a se identificar como cristãos – assim, de modo genérico –, para comunicar ao eleitorado o conjunto de valores com os quais ele se identifica ou então para pedir voto em igrejas de pequeno e médio portes, que não têm suas candidaturas oficiais. Também é importante lembrar que, nas eleições municipais, as dinâmicas locais nos territórios são muito valorizadas e, muitas vezes, precisam ser combinadas com uma identidade religiosa para que aquela candidatura seja vencedora no pleito”, Lívia Reis disse à Agência Brasil.

O avanço do segmento evangélico no cenário político brasileiro tem raízes históricas, intensificada após a redemocratização e a Constituição de 1988, como aponta o estudo da pesquisadora da Religião e editora-geral do Bereia Magali Cunha. Outro fato significativo é o sucesso da campanha de religiosos nas eleições. A pesquisa do IPRI indica que candidaturas que mobilizam a religiosidade tendem a ser mais bem-sucedidas nas urnas, e ocupam, em média, mais de 51% das cadeiras nas Câmaras Municipais nas eleições de 2020.

Candidaturas com identidade religiosa nas capitais do Brasil 

O levantamento do Bereia sobre as candidaturas com identidade confessional para as Prefeituras das 26 capitais brasileiras, em 2024, levou em conta os dados fornecidos pelo TSE. Foi contabilizado um total de 192 candidatos e candidatas, de 28 partidos. Para verificar quais deles têm identidade confessional, foi utilizada a base de dados do Instituto de Estudos da Religião (ISER) sobre as eleições de 2020 e 2022,  para obter dados de candidaturas à reeleição e outras reapresentadas. Para as novas candidaturas, a equipe Bereia seguiu a metodologia do ISER de tomar por base as mídias sociais dos candidatos para conhecer como se autoidentificam e como expõem, ou não, uma confessionalidade, além da consulta a outros registros públicos.  

Os dados levantados pelo Bereia mostram que 84 candidatos/as a prefeitos/as de capitais do país expõem publicamente sua confissão religiosa: 46 são católicos, 21 se identificam como cristãos de forma não determinada, 16 são evangélicos e um é espírita. 

Este grupo que pleiteia as Prefeituras das capitais está dividido em 19 partidos: a maioria é da direita, com 41 candidatos, sendo 14 do PL, oito do União Brasil e 29 de outros nove partidos; são 21 candidatos com identidade confessional em cinco partidos ao centro. Já a esquerda tem 19 candidatos entre PT, PDT, PSB e PSOL. 

Entre estas candidaturas, 13 tentam a reeleição e dois são vereadores que almejam Prefeituras. Há 15 deputados federais que se licenciaram para concorrer, dois senadores e 17 deputados estaduais.    

Destaca-se o dado de que 25% dos candidatos às Prefeituras das capitais se identificam como cristãos de forma não determinada. As pesquisas do ISER mostram que a exposição de uma identidade cristã não determinada tem sido uma prática expressiva em campanhas eleitorais desde 2020. 

Porém, 38% deste grupo de cristãos não determinados têm algum tipo de vínculo com uma igreja (dois católicos e cinco evangélicos) e até mesmo com uma outra religião. Como já citado na análise de Lívia Reis, estes candidatos optam por comunicar certos valores cristãos às suas bases eleitorais. 

Chama a atenção o caso do candidato a prefeito de Fortaleza (CE) senador Eduardo Girão (Novo), conhecido por sua vinculação ao Espiritismo Kardecista, e por ações em torno desta religião, se apresentar nestas eleições como um cristão não determinado.

Imagem: Perfil de Eduardo Girão no Instagram

Um exemplo destacado neste grupo é o do candidato na cidade de São Paulo Pablo Marçal (PRTB). Em entrevista ao canal Antagonista, Marçal diz ser cristão, mas não se considera evangélico nem católico. Para ele o Cristianismo é um estilo de vida (lifestyle), não uma religião. Porém, mesmo negando um vínculo confessional, o acionamento de símbolos e discursos evangélicos e a aproximação do influenciador com pastores do segmento é bastante visibilizado.

Ex-coach, o influenciador digital atraiu uma legião de seguidores ao falar sobre fé, pensamento positivo e prosperidade financeira, marcas relevantes do discurso da Teologia da Prosperidade, bem conhecido entre os evangélicos brasileiros. Isto proporcionou que ele participasse de conferências e cultos ao lado dos pastores midiáticos Claudio Duarte, Josué Valandro Junior e André Valadão.

Imagem: reprodução/Youtube

Imagem: reprodução/Youtube 

Imagem: reprodução/Facebook

Em uma palestra voltada para pastores, Pablo Marçal cita a frase “Um monte de gente vai te criticar em nome de Jesus, manda esse povo se f*”, arrancando risos do público.

Durante a pandemia, o candidato paulistano participou de live com o também pastor midiático Caio Fábio, que é reconhecido no cenário do evangelicalismo brasileiro como progressista. Sobre a live, o pastor se diz crítico do ex-coach e explicou que se tratou de um pedido feito por amigos próximos e que não o conhecia previamente.

Acesse aqui a lista dos candidatos com identidade religiosa

Propagadores de desinformação 

Além da identidade religiosa e do vínculo confessional, também foi verificado pelo Bereia se os candidatos já foram checados por terem propagado desinformação.

Dos 84 candidatos às Prefeituras das 26 capitais, quatro já foram checados pelo Bereia por propagarem desinformação. São eles, Cristina Graeml (PMB, Curitiba/PR, cristã não determinada), Assumção (PL, Vitória/ES, evangélico da Igreja Maranata), Pablo Marçal (PRTB, São Paulo/SP, cristão não determinado) e Eduardo Girão (Novo, Fortaleza/CE, cristão com vínculo espírita kardecista). Girão, que é senador da República (Novo-CE), teve várias verificações do Bereia, com destaque para a atuação dele com falsidades na CPMI da Covid e contra a política de vacinação, também na divulgação de conteúdos falsos sobre o Q-Anon e de informações falsas sobre o aborto legal.

Imagem: reprodução/site Bereia

Entre os 84 candidatos/as às Prefeituras das capitais com confissão religiosa identificada pelo Bereia, alguns também se destacam por menções negativas no noticiário, seja por checagens de mentiras divulgadas, seja por discurso de ódio ou por corrupção. É o caso do deputado federal licenciado para concorrer à Prefeitura de Cuiabá Abílio Brunini (PL-MT), conhecido como “Rei das Fake News”.

Imagem: reprodução/Diário de Cuiabá 

Evangélico e neto de pastor das Assembleias de Deus, Abílio Brunini ganhou notoriedade durante a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Atos Golpistas, em 2023, de onde teve, por várias vezes, a saída ordenada pela presidência da Comissão por conta de atitudes indecorosas. Eleito vereador de Cuiabá, pelo PSC, em 2016, ele teve o mandato cassado por quebra de decoro parlamentar, e naquele mesmo ano concorreu à Prefeitura da cidade, saindo derrotado no segundo turno.

A campanha de Abílio Brunini já foi multada na primeira semana do período eleitoral de 2024, por propagação de mentiras contra o candidato concorrente. 

Imagem: reprodução/Diário de Cuiabá 

Outro destaque no quesito desinformação é Janad Valcari (PL, Palmas/TO, evangélica de vinculação não identificada), com caso recente reportado pela plataforma Conjur. O veículo aponta que a candidata, licenciada como deputada estadual para concorrer à Prefeitura de Palmas (TO), moveu um processo para a retirada do site Diário do Centro do Mundo (DCM) do ar, que publicou reportagem que expunha ganhos milionários da deputada em contratos com Prefeituras para shows musicais. A juíza Edssandra Barbosa da Silva Lourenço, da 4ª Vara Cível da Comarca de Palmas, determinou o cumprimento do processo e o site foi suspenso. A medida foi criticada por juristas, lideranças políticas e jornalistas como censura prévia e um grave atentado à liberdade de imprensa e ao direito à informação.

Em eleições anteriores, Bereia identificou que candidatos propagaram desinformação de forma deliberada como estratégia de campanha, com imposição de medo, pânico moral, mentiras sobre opositores e partidos. Os temas mais explorados foram a falsa perseguição sistemática a cristãos no Brasil (“cristofobia”)sexualidade/ideologia de gênero, o fantasma do comunismo, negacionismo sobre vacinas e outros temas de saúde.

Imagem: reprodução/Bereia

Bereia seguirá no acompanhamento destas candidaturas com identidade religiosa confessional e de outras que acionarem temas religiosos como estratégia. Leitores e leitoras podem contribuir com o envio de materiais para checagem por meio dos canais de contato indicados no site Bereia.

A partir deste compromisso, foi lançada pelo Bereia em parceria com a CESE – Coordenadoria Ecumênica de Serviço, o CEBI – Centro de Estudos Bíblicos e o CONIC – Conselho Nacional de Igrejas Cristãs a campanha “Bote fé no Voto! Votar é um direito!” , com o objetivo de combater a desinformação nos meios e mídias religiosos durante as eleições municipais de 2024. A campanha ocorre ao longo de sete semanas e apresentará reflexões e dicas para ajudar os eleitores a fazer valer seu voto de forma consciente.

Referências de checagem:

Diário de Cuiabá

https://www.diariodecuiaba.com.br/cuiaba-urgente/rei-das-fake-news-abilio-e-condenado-por-chamar-fiscais-de-corruptos/681289 Acesso 26 Agosto 2024

https://www.diariodecuiaba.com.br/politica/justica-multa-assessor-de-abilio-acusado-de-produzir-fake-news/688996 Acesso 26 Agosto 2024

G1
https://g1.globo.com/politica/noticia/2023/09/26/sessao-da-cpi-e-suspensa-apos-deputado-se-recusar-a-se-retirar-da-sala.ghtml Acesso 26 Agosto 2024

UOL

https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2024/05/23/abilio-brunini-quem-e-deputado-que-discutiu-com-haddad.htm  Acesso 26 Agosto 2024

Conjur

https://www.conjur.com.br/2024-ago-07/especialistas-criticam-decisao-de-juiza-do-to-que-tirou-site-dcm-do-ar/ Acesso 26 Agosto 2024

Agência Brasil

https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2024-08/candidaturas-com-identidade-religiosa-crescem-225-em-24-anos Acesso 26 Agosto 2024

Revista FAMECOS – PUCRS

https://revistaseletronicas.pucrs.br/revistafamecos/article/view/30691 Acesso 26 Agosto 2024

Lideranças religiosas mentem e enganam sobre as enchentes que atingem o RS

Com colaboração de Magali Cunha, André Mello, Naira Diniz, Gabriella Vicente e João Pedro Capobianco

* Matéria atualizada em 21/05/2024 para ajuste de título, texto e acréscimo e correção de informações

As fortes chuvas que atingem o Estado do Rio Grande do Sul desde o 27 de abril passado causaram um verdadeiro cenário de destruição, marcado por um  aumento no número de pessoas desabrigadas, de desaparecidas e mortas. Ao contrário dos temporais ocorridos no ano de 2023, que atingiram áreas isoladas, desta vez mais de 80% dos municípios do estado gaúcho foram afetados.

Os dados são preocupantes: até o fechamento desta matéria, 161 pessoas foram encontradas mortas, e 85 estão desaparecidas. Além disso, dezenas de milhares de pessoas estão desalojadas ou desabrigadas, com 1,5 milhão de pessoas afetadas pelo que o governador Eduardo Leite (PSDB) chamou de “uma catástrofe”. Em 1º de maio, o governo local decretou estado de calamidade em uma edição extra do Diário Oficial do Estado.

O governo federal criou um gabinete de crise para operar com as frentes de ação constituídas pelo Poder Executivo do Estado do Rio Grande do Sul no enfrentamento da tragédia. Em quatro viagens aos locais atingidos, o presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) esteve acompanhado de mais de uma dezena de ministros de pastas-chave para o socorro humanitário.

Na segunda comitiva, Lula levou o presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira (PL-AL), o ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin e o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas, já que os três poderes devem agir conjuntamente na aprovação de medidas necessárias para a superação da tragédia vivida pelo estado gaúcho.

Em 15 de maio o governo criou a Secretaria Extraordinária da Presidência da República de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul, com status de ministério. O secretário de Comunicação do Governo Paulo Pimenta foi nomeado o titular da pasta.

No acompanhamento das publicações sobre o tema em ambientes digitais religiosos, Bereia verifica três posturas: 

  • Amplas manifestações de empatia com a população atingida e o estado, com orações pelo fim das chuvas e pelo alívio do sofrimento, além de chamados às ações de solidariedade (recolhimento de alimentos, água, roupas);
  • Classificações da tragédia como castigo de Deus por conta de o estado ter baixo número de evangélicos contrapondo o alto número de expressões afro religiosas (viralização do vídeo de uma influenciadora) e  por conta de o Rio Grande do Sul ter dado ampla votação a Jair Bolsonaro – em relação aos compartilhamentos e comentários dos dois conteúdos, há apoio e reforço (em menor número) e crítica e reprovação (em maior número); 
  • Uso político da tragédia, por parte de lideranças religiosas e políticos com identidade religiosa, para criticar o governo federal, as esquerdas, o presidente da República e sua esposa Rosângela (Janja) da Silva, com muito uso de conteúdo falso, enganoso e impreciso.

Nesta matéria, Bereia dedica atenção à desinformação circulante promovida por lideranças e políticos religiosos para uso político da tragédia. 

Júlia Zanatta

A deputada federal católica Júlia Zanatta (PL-SC) publicou em seu perfil no Instagram, em 3 de maio, um vídeo que mostra o presidente Lula, ao chegar ao Rio Grande do Sul, respondendo a um pedido de aceno e dizendo que vai torcer pelos times gaúchos de futebol, Grêmio e Internacional.

Em seguida, são exibidas imagens de cidades inundadas e pessoas em telhados de casas esperando por resgate. O narrador do vídeo traz dados referentes ao desastre e afirma que “o descaso de Lula foi além da declaração futebolística”. Diz, também, que o governo manteria o Concurso Nacional Unificado, adiado pelo governo federal na sexta-feira, 3 de maio. O vídeo termina com informações para quem quiser ajudar e com a declaração: “Lula não tem condições mínimas de ser chefe da nação”.

Imagem: reprodução/Instagram

Este vídeo foi explorado por várias personagens que fazem oposição ao governo federal e repercutido em veículos que divulgam notícias produzidas pela extrema direita. O trecho é uma gravação das imagens da chegada do presidente Lula em sua primeira visita ao Rio Grande do Sul inundado, em 3 de maio. No recorte, ao desembarcar na cidade de Santa Maria, uma das mais atingidas, após ouvir o pedido de homem não identificado “Acena pra gente aí”, o presidente diz “Estou torcendo pelo Grêmio e pelo Internacional”. Críticos alegaram que Lula debochou do povo gaúcho no seu sofrimento. Já a presidente do Partido dos Trabalhadores (PT) Gleisi Hoffmann, ao comentar a crítica sobre o tema publicada pelo deputado federal Nikolas Ferreira (PL/MG) disse que a fala de Lula foi “uma clara metáfora ao lema ‘todos somos um’, mostrando que era um momento de união do povo gaúcho para enfrentar a tragédia que aconteceu”.

Imagem: reprodução/X

Um outro vídeo publicado por Zanatta exibe, na parte superior da tela, u a deputada afirma que a primeira-dama, Janja, “estava ansiosa” para se encontrar com a cantora e que a atitude da primeira-dama demonstra falta de preocupação para com a situação do povo gaúcho.

Um outro vídeo publicado por Zanatta, em 5 de maio, exibe, na parte superior da tela, um trecho do Jornal Nacional com cenas da apresentação da cantora Madonna na praia de Copacabana e, na parte inferior, pessoas sendo resgatadas de inundações. Na descrição da postagem,a deputada afirma que a esposa do presidente Janja da Silva “estava ansiosa” para se encontrar com a cantora e que a atitude dela demonstraria falta de preocupação para com a situação do povo gaúcho.

A divulgação de que Janja estaria no show da cantora Madonna, no Rio de Janeiro, em 4 de maio, partiu do colunista do jornal O Globo, Lauro Jardim, e foi tema bastante explorado para críticas de descaso com a tragédia no sul, do presidente da República e sua esposa. O secretário-executivo do Ministério da Cultura publicou no X, na tarde do dia do show de Madonna, que Janja da Silva, esteve com a ministra Margareth Menezes cumprindo agendas para ações de cultura do G-20 no Rio de Janeiro e que já se encontrava de volta em Brasília após os compromissos.

Imagem: reprodução/X

Os deputados federais e senadores gaúchos destinaram quase R$ 1,6 bilhão em emendas individuais e de bancada para o estado em 2024, fazendo 408 aportes diferentes. Todavia, apenas três deputadas enviaram recursos relacionados às enchentes: Fernanda Melchionna (PSOL-RS) fez duas emendas, num total de R$ 1,7 milhão, para a elaboração de projetos de prevenção à erosão costeira e para gestão socioambiental. Maria do Rosário (PT-RS) e Reginete Bispo (PT-RS) disponibilizaram, respectivamente, R$ 500 mil e R$ 300 mil para ações de educação ambiental. 

Luís Carlos Heinze 

Em meio à comoção nacional gerada pelo desastre climático, repercutiu nas redes um vídeo no qual o senador Luís Carlos Heinze (PP/RS) defende o produtor rural e argumenta que os produtores não podem ser culpados pelas chuvas volumosas que atingiram o Rio Grande do Sul. 

O senador disse que Organizações Não-Governamentais deveriam arcar com os custos do desastre e alegou não acreditar no aquecimento global: “Eu não acredito [em aquecimento global]. (…) Quero que as ONGS, aqueles que defendem, ponham a mão no bolso, não eu e os produtores”, conclui Heinze.

Imagem: reprodução/X

O vídeo foi gravado em 29 de novembro de 2016, quando o senador Heinze deu entrevista à imprensa após um almoço da Frente Parlamentar da Agropecuária, realizada semanalmente em uma mansão no Lago Sul, Brasília.

Lucas Redecker

Circulou pelas mídias sociais uma publicação do jornalista André Trigueiro, da Rede Globo, que afirma que o deputado federal evangélico (Luterano) Lucas Redecker (PSDB – RS) foi o relator do projeto aprovado, em março passado, pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O jornalista informa que o projeto autoriza o desmatamento de 48 hectares de “campos nativos”.

Imagem: reprodução/X

Em resposta ao conteúdo da publicação, o parlamentar postou em seu perfil no Instagram, na terça-feira 7, um vídeo no qual afirma que em meio à grave situação ocasionada pelas chuvas no Rio Grande do Sul há pessoas divulgando fake news sobre deputados e governos, especificamente sobre o Projeto de Lei 364, de autoria do deputado Alceu Moreira, do qual Redecker é o relator.

Em resposta ao conteúdo da publicação, o parlamentar postou em seu perfil no Instagram, em  7 de maio, um vídeo em que tenta se desvincular do projeto destrutivo do meio ambiente, para o qual deu parecer de aprovação .  Ele atribui a informação a “fake news das esquerdas”.

Imagem: reprodução/Instagram

Bereia checou que Lucas Redecker deu parecer de aprovação ao projeto do deputado Alceu Moreira (MDB/RS). O texto trata, de fato, como denuncia André Trigueiro, da liberação da utilização da vegetação nativa dos Campos de Altitude associados ou abrangidos pelo bioma Mata Atlântica para ampliação das áreas plantio do agronegócio.

Vídeo de Pablo Marçal: desinformação compartilhada por congressistas

Em 6 de maio, o senador Cleitinho (Republicanos-MG) compartilhou em suas páginas, nas redes digitais, um vídeo no qual afirma que a Secretaria de Estado da Fazenda do Rio Grande do Sul estaria impedindo a entrada de caminhões com doações porque os produtos não tinham nota fiscal. O senador reforça o conteúdo do vídeo com seus próprios comentários e ainda questiona a ação do governo federal para ajudar a população castigada pelo evento climático extremo. 

O vídeo foi divulgado originalmente pelo influenciador digital Pablo Marçal, que conta com mais de cinco milhões de seguidores no Instagram. Ele é reincidente na prática de disseminar notícias falsas e é alvo de investigação da Polícia Federal por disseminar afirmações que as urnas eletrônicas foram fraudadas nas eleições de 2022, repercussão ao discurso do ex-presidente e candidato à reeleição na época, Jair Bolsonaro (PL). As informações postadas por Marçal também foram compartilhadas pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP).

Imagem: reprodução X

Diante da ampla disseminação desta mentira, a Secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul emitiu nota, em 6 de maio, para afirmar que os veículos que transportam doações não estavam sendo retidos.  O órgão público chamou as publicações de “informação incorreta” e disse que os servidores estavam orientados pela Receita Estadual a liberarem todas as cargas com donativos nos postos fiscais.

Pablo Marçal, Cleitinho e Eduardo Bolsonaro foram citados em um ofício enviado pelo ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom) Paulo Pimenta ao ministro da Justiça e Segurança Pública Ricardo Lewandowski.

No documento, encaminhado à Polícia Federal (PF), o governo aponta onze publicações desinformativas sobre a tragédia no Rio Grande do Sul e afirma que elas estão atrapalhando as operações de salvamento e acolhimento, causando transtornos a uma população já fragilizada. Além disso, a Secom também divulgou as medidas adotadas pelos órgãos de transporte para agilizar o fluxo de doações para o estado gaúcho.

Show da Madonna e dinheiro público: outro tema de desinformação

Uma outra tática política de desinformação é destacar um tema comportamental – no caso, o show da cantora estadunidense Madonna no Rio de Janeiro, em 4 de maio, como já mencionado nesta matéria.

O senador Jorge Seif (PL-SC) também criticou o show de Madonna, mas somente após ter sido flagrado na área VIP do evento. Vale lembrar que Santa Catarina, seu estado, faz fronteira com o Rio Grande do Sul e também foi afetado pelas chuvas intensas.

Em um estado que recebeu centenas de migrantes gaúchos, o deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO) também criticou o show da cantora pop. Ele repostou uma publicação que afirma haver “dois países diferentes” no Brasil: um que enfrenta as enchentes e está “abandonado pelo governo”, e outro que assiste ao que chamou de “espetáculo de chorume moral protagonizado por uma depravada decadente”.

Imagem: reprodução X 

O deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) seguiu a mesma linha, atacando a ministra do Meio Ambiente Marina Silva, por agradecer a Madonna pelas mídias digitais. A ministra foi homenageada pela cantora no telão do show em Copacabana. “No dia em que bebês estavam boiando mortos no RS”, disparou o deputado. Nikolas também tem usado as mídias para pedir apoio e doações para as vítimas da tragédia.

Outro episódio que ganhou destaque em grupos de WhatsApp foi um print falso de uma suposta conversa entre a primeira-dama Janja da Silva e a cantora Madonna.

Bereia verificou ser falsa a conversa entre ambas, uma vez que, além de ser ficção flagrante (Madonna ter um Pix, por exemplo), é nítida a montagem feita para difamar a imagem da esposa do presidente da República e utilizar como prática de desinformação o show que reuniu mais 1,6 milhões de espectadores no Rio de Janeiro.

Imagem: reprodução/WhatsApp

Além disso, informações falsas de que o Governo Federal teria gasto R$ 50 milhões no show da cantora, repercutiram também na rede digital X (antigo Twitter). A agência Lupa verificou o fato e publicou ser falsa a informação. Em nota, o governo Federal lamenta a “falsa narrativa” e reforça a necessidade de uma abordagem mais responsável:

“Este episódio serve como um lembrete crítico da necessidade de uma abordagem mais rigorosa e responsável no combate à desinformação. Informações falsas não apenas distorcem a realidade, mas podem ter consequências diretas sobre as vidas e a segurança das pessoas. Em tempos de crise, a verdade e a integridade da informação não são apenas uma necessidade cívica, mas uma questão de sobrevivência. Como sociedade, devemos exigir responsabilidade daqueles que divulgam informações e trabalhar juntos para promover uma cultura de integridade e precisão informativa”.

A turnê “The Celebration Tour”, que comemorou os 40 anos de carreira de Madonna, e terminou para um público de mais de um milhão e meio de pessoas na Praia de Copacabana, custou cerca de R$ 60 milhões. Este valor foi pago pelo banco Itaú (R$ 40 milhões) e por patrocinadores como a cervejaria Heineken e o aplicativo de reprodução musical Deezer. De acordo com dados do estudo realizado pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Econômico (SMDUE), o Governo do Estado do Rio de Janeiro investiu R$ 10 milhões no evento, e a prefeitura do Rio arcou com mais de R$ 10 milhões.

O impacto da desinformação no Rio Grande do Sul

Bereia entrevistou a pastora da Igreja Metodista em Santa Maria (RS) Margarida Ribeiro. Ela afirma que as mentiras e os enganos não têm colaborado para a ação solidária que está ocorrendo e enfatiza que a prática de desinformar está crescendo a cada dia.

A pastora Margarida Ribeiro ainda complementa que toda má informação não ajuda ninguém, só atrapalha. “E atrapalha às vezes ao ponto de socorrer vidas e faltar o que é essencial para as pessoas nesse momento.” Ela reforça que toda ação tem uma intenção, mas que agora não é tempo de julgar, pois o foco é a vida, e finaliza declarando:  “Que esse tempo proporcione uma nova fraternidade, mais fraterna”.

A disseminação de desinformação em meio a eventos trágicos, como as recentes enchentes no Rio Grande do Sul, é um fenômeno preocupante. Isso pode desencadear uma série de graves consequências. Enquanto as autoridades e voluntários se esforçam para ajudar as vítimas, informações falsas circulam, dificultando as ações de resgate e apoio. 

Influenciadores digitais, entre eles os que possuem o selo de verificação de plataformas de mídias, promovem teorias da conspiração sobre eventos climáticos, que são classificados como artificiais, fictícios e superdimensionados.  Por mais que haja um esforço para restringir e remover esses conteúdos, ainda não é o suficiente, dada a quantidade de publicações com as mesmas informações e a ramificação para as outras plataformas como TikTok, X (antigo Twitter), Instagram, WhatsApp, Telegram etc.

Bereia alerta que, por mais que o conteúdo circule em grande escala e seja encaminhado por pessoas conhecidas, leitores e leitoras devem sempre desconfiar de material alarmante e contraditório das informações oficiais. Também é preciso atentar ao fato de que o consenso científico reconhece  a influência humana nas mudanças climáticas e esta responsabilidade deve ser assumida por governantes e por quem os elege.

Diante do alto volume de desinformação que prejudica o socorro às vítimas, Bereia indica a iniciativa Verifica RS, que tem o propósito distribuir conteúdo verificado nas mídias sociais e em grupos de moradores do Rio Grande do Sul. A iniciativa conta com os canais no Instagram (@rsverifica) e no TikTok (@rsverifica).

Referências de checagem:

AGÊNCIA LUPA. É falso que governo Lula patrocinou show da Madonna e deixou de enviar recursos para as vítimas das tragédias no RS. Agência Lupa, 07 maio 2024. Disponível em: https://lupa.uol.com.br/jornalismo/2024/05/07/e-falso-que-governo-lula-patrocinou-show-da-madonna-e-deixou-de-enviar-recursos-para-as-vitimas-das-tragedias-no-rs . Acesso em: 13 maio 2024.

CNN BRASIL. Fake news sobre tragédias no RS: Governo pede que PF investigue postagens de Eduardo Bolsonaro, senador Cleitinho e Pablo Marçal. CNN Brasil, Política, 2024. Disponível em: https://cnnbrasil.com.br/politica/fake-news-sobre-tragedias-no-rs-governo-pede-que-pf-investigue-postagens-de-eduardo-bolsonaro-senador-cleitinho-e-pablo-marcal . Acesso em: 13 maio 2024.

DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. União de todos os lados pela reconstrução do Rio Grande do Sul. Diário Oficial do Estado do Rio Grande do Sul, 2024. Disponível em: https://diariooficial.rs.gov.br/materia?id=997980 . Acesso em: 13 maio 2024.

G1. Enem dos Concursos: Governo fala sobre o Concurso Nacional Unificado (CNU). G1, Trabalho e Carreira, 17 jan. 2023. Disponível em: https://g1.globo.com/trabalho-e-carreira/concursos/ao-vivo/enem-dos-concursos-governo-fala-sobre-o-concurso-nacional-unificado-cnu . Acesso em: 13 maio 2024.

G1. PF faz operação contra coach investigado por divulgar fake news sobre urnas. G1, Política, 17 jan. 2023. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2023/01/17/pf-faz-operacao-contra-coach-investigado-por-divulgar-fake-news-sobre-urnas . Acesso em: 13 maio 2024.

G1. Temporais no RS: veja cronologia de desastre. G1, Rio Grande do Sul, 05 maio 2024. Disponível em: https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2024/05/05/temporais-no-rs-veja-cronologia-de-desastre . Acesso em: 13 maio 2024.

GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Governo do Estado destaca resultado positivo das ações realizadas para o show da Madonna. Governo do Estado do Rio de Janeiro, 2024. Disponível em: https://rj.gov.br/noticias/governo-do-estado-destaca-resultado-positivo-das-acoes-realizadas-para-o-show-da-madonna1347 . Acesso em: 13 maio 2024.

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MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL. União de todos os lados pela reconstrução do Rio Grande do Sul. Governo Federal, 2024. Disponível em: https://gov.br/mdr/pt-br/noticias/uniao-de-todos-os-lados-pela-reconstrucao-do-rio-grande-do-sul . Acesso em: 13 maio 2024.

O GLOBO. Bolsonarista Jorge Seif pede desculpas por ter ido ao show da Madonna: “Decepcionei meu eleitorado”. O Globo, Política, 07 maio 2024. Disponível em: https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2024/05/07/bolsonarista-jorge-seif-pede-desculpas-por-ter-ido-ao-show-da-madonna-decepcionei-meu-eleitorado . Acesso em: 13 maio 2024.

O GLOBO. Chega a 145 o número de mortos pelas chuvas no Rio Grande do Sul. O Globo, Brasil, 12 maio 2024. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/sos-rio-grande-do-sul/noticia/2024/05/12/chega-a-145-o-numero-de-mortos-pelas-chuvas-no-rio-grande-do-sul-e-cresce-numero-de-desaparecidos . Acesso em: 13 maio 2024.

O SUL. Bolsonaristas criticam Janja por suposta ida ao show de Madonna em meio à tragédia no Rio Grande do Sul; secretaria de governo negou. O Sul, 2024. Disponível em: https://osul.com.br/bolsonaristas-criticam-janja-por-suposta-ida-ao-show-de-madonna-em-meio-a-tragedia-no-rio-grande-do-sul-secretaria-de-governo-negou . Acesso em: 13 maio 2024.

PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO. Estudo de Impacto: Show Madonna. Prefeitura do Rio de Janeiro, 2024. Disponível em: https://prefeitura.rio/wp-content/uploads/2024/04/Estudo-Impacto-Show-Madonna.pdf . Acesso em: 13 maio 2024.SECRETARIA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Governo Federal aciona PF para punir quem propaga fake news sobre catástrofe no Rio Grande do Sul. Secom, 2024. Disponível em: https://gov.br/secom/pt-br/assuntos/noticias/2024/05/governo-federal-aciona-pf-para-punir-quem-propaga-fake-news-s . Acesso em: 13 maio 2024.

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CORREIO BRAZILIENSE. Pablo Marçal é alvo de operação da PF que investiga crimes eleitorais https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2023/07/5106830-pablo-marcal-e-alvo-de-operacao-da-pf-que-investiga-crimes-eleitorais.html Acesso em: 20 maio 2024.

O SUL. Bolsonaristas criticam Janja por suposta ida ao show de Madonna em meio a tragédia no Rio Grande do Sul; Secretaria de Governo negou. https://www.osul.com.br/bolsonaristas-criticam-janja-por-suposta-ida-ao-show-de-madonna-em-meio-a-tragedia-no-rio-grande-do-sul-secretaria-de-governo-negou/ Acesso em: 20 maio 2024.

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Foto de capa: Imagem: Lauro Alves /Governo RS