Levantamento realizado pela Agência Pública, em 25 de setembro passado, indica que Pablo Marçal (PRTB), candidato à Prefeitura de São Paulo, apresentou o maior número de citações na cobertura da imprensa após as convenções partidárias, realizadas no final de julho. Marçal, que antes deste período tinha menor visibilidade, viu suas menções em reportagens quase quadruplicarem, o que corresponde ao maior crescimento de abordagens em relação aos demais candidatos. Este aumento pode estar ligado ao jornalismo declaratório, prática em que a imprensa reproduz e dá destaque a declarações de certas personagens públicas, muitas vezes em detrimento de outras ou da irrelevância de determinadas abordagens, aumentando a visibilidade de pessoas. O jornalismo declaratório, por dar ênfase às afirmações em vez de à relevância dos assuntos e à apuração e à checagem dos fatos, pode levar à desinformação e à simplificação de temas complexos bem como à imposição de pautas tendenciosas.
Imagem: reprodução/Folha de São Paulo
Marçal, que tinha 14% das intenções de voto no início de agosto de 2024, segundo pesquisa Datafolha, obteve 28,14% dos votos no primeiro turno, embora não tenha avançado para o segundo. A maior cobertura do noticiário foi um fator que contribuiu para o crescimento de sua popularidade.
Em entrevista à Agência Pública, o cientista político Fábio Vasconcellos, afirma que Marçal rompeu a bolha do digital ao transferir sua popularidade do meio online para o ambiente institucional da política. “É aquela velha máxima: falem mal, mas falem de mim. (…) Ao invés da imprensa estar falando das propostas de Nunes, Boulos, de Tábata, a imprensa está ocupando energia e espaço para falar de Pablo Marçal”, declarou.
Jornalismo Declaratório: o que é?
Para o autor do livro “Jornalismo Declaratório”, Israel Oliveira, este estilo de reportagem é caracterizado pela ênfase em declarações. O termo ganhou destaque em 2011, quando o jornalista Caco Barcelos criticou essa prática no programa “Em Pauta”, da GloboNews, quando expressou preocupação com a imprensa brasileira, ao pontuar que muitas críticas à mídia, que eram proferidas à época, pareciam baseadas em declarações de certas fontes.
Esse modelo foca em declarações e opiniões, em vez de análises ou investigações. Reproduz falas de figuras públicas, como políticos, muitas vezes sem contexto ou checagem, simplificando temas e contribuindo para a desinformação. Prioriza citações em detrimento da investigação. Muitas vezes tais declarações são proferidas por figuras irrelevantes na cena pública ou dizem respeito a assuntos irrelevantes ou tendenciosos no debate público.
Imagem: reprodução/X
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Impacto do Jornalismo Declaratório
A professora e pesquisadora de Jornalismo Marli dos Santos, consultada pelo Bereia, destacou que a prática é comum nas redações pela agilidade na publicação. Segundo Santos, “As declarações, quando antagonizam pontos de vista, são mais atraentes, geram cliques ao serem utilizadas em títulos, especialmente se forem polêmicas (durante a pandemia, muitas declarações de Bolsonaro estiveram presentes em títulos)”. Ela observa que o jornalismo declaratório gera superficialidade pela falta de contexto e checagem.
Jornalismo Declaratório em sites gospel durante as eleições
Conforme a Resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nº 23.738, de 27 de fevereiro de 2024, o período de campanha para as eleições municipais de 2024 começou em 16 de agosto. A partir dessa data, os candidatos puderam solicitar votos de forma explícita e realizar propaganda eleitoral.
Nesse contexto, Bereia realizou um levantamento de dados em portais de notícia gospel, com dados sobre a cobertura dos três candidatos mais votados no primeiro turno no pleito à prefeitura de São Paulo. O objetivo foi verificar o recurso ao jornalismo declaratório por esses veículos na cobertura das eleições para a Prefeitura de São Paulo.
O levantamento foi conduzido por meio de busca direta, tomando-se os nomes dos candidatos como palavras-chave. Os dados foram compilados e categorizados por data, tema e candidato. No total, foram 96 menções a Ricardo Nunes (MDB), Guilherme Boulos (PSOL) e Pablo Marçal (PRTB) nos sites Gospel Mais, Pleno News, Conexão Política e Gospel Prime, no período entre 1º de julho e 15 de outubro, que compreendeu as convenções partidárias, o início da campanha e o decorrer do segundo turno.
O gráfico “Evolução Temporal das Menções por Candidato” mostra a variação das citações aos nomes. As menções a Pablo Marçal, Guilherme Boulos e Ricardo Nunes aumentaram com a aproximação do primeiro turno, realizado em 6 de outubro.
O gráfico “Tópicos Principais por Candidato” destaca os temas mais frequentes de cada candidato. Para Ricardo Nunes, os tópicos mais abordados são “Pesquisa eleitoral” e “Apoio político”. No caso de Pablo Marçal, predominam os temas “Acusações” e “Evangélico”. Já para Guilherme Boulos, os principais tópicos são “Acusações” e “Embate político”.
O gráfico “Menções de Cada Candidato por Site” mostra a distribuição das menções entre os candidatos. No site Pleno News, as menções a Pablo Marçal e Guilherme Boulos foram as mais numerosas e praticamente iguais, enquanto Ricardo Nunes teve menos destaque. No Conexão Política, as menções a todos os três candidatos foram bastante equilibradas, com Guilherme Boulos recebendo um pouco mais de atenção. Já nos sites Gospel Prime e Gospel Mais, Pablo Marçal se destacou como o candidato com mais menções.
O gráfico de “Menções Positivas e Negativas por Candidato nos Sites” revela que, no Conexão Política, Guilherme Boulos teve o maior número de menções negativas, com oito citações, enquanto Pablo Marçal se destacou com oito menções positivas. No Gospel Mais, Boulos e Marçal receberam sete menções negativas cada. No Gospel Prime, Marçal teve cinco menções positivas, o maior valor entre os candidatos. No Pleno News, tanto Nunes quanto Marçal foram mencionados positivamente oito vezes cada, enquanto Boulos e Nunes receberam três menções negativas.
Com base no levantamento realizado pelo Bereia sobre o recurso ao jornalismo declaratório em sites gospel, foi identificado que os portais Gospel Mais, Pleno News, Conexão Política e Gospel Prime, durante a corrida eleitoral para a Prefeitura de São Paulo, dedicaram níveis distintos de atenção aos principais candidatos, com diferenças na cobertura mais evidentes à medida que se aproximava a data da eleição.
Além disso, a análise aponta para possíveis preferências editoriais ou alinhamentos políticos desses sites, com o oferecimento de mais espaço a determinados candidatos por alguns em relação a outros. Tal cenário ressalta o papel significativo que esses portais desempenham na formação da opinião pública do segmento evangélico durante campanhas eleitorais, podendo influenciar a visibilidade e a percepção dos eleitores sobre os candidatos em disputa.
Bereia alerta leitores e leitoras para que permaneçam atentos ao uso do jornalismo declaratório nesses portais. É fundamental que o público faça a leitura as informações de forma cuidadosa e crítica, e questione a imparcialidade e a falta de profundidade do conteúdo apresentado. Essa conscientização é essencial para garantir que o consumo de notícias se dê de maneira digna e responsável, para assim promover um entendimento mais claro e equilibrado sobre os temas abordados no contexto religioso.
Publicações com informações imprecisas sobre as queimadas que atingem diversas regiões do país, incluindo a Amazônia Legal e o Estado de São Paulo, circulam nas redes digitais. Postagens de líderes políticos e religiosos questionam, sem evidências, a atuação do governo federal no controle dos incêndios e atribuem responsabilidade pelos focos de fogo a grupos como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) revelam aumento de 78% no número de queimadas em relação a 2023, com mais de 109 mil focos registrados até 26 de agosto.
Situação atual das queimadas no Brasil
De acordo com o Inpe, até 26 de agosto passado, o Brasil tinha registrado 109.943 focos de queimadas em 2024. Esse valor representa 178,11% do ano de 2023, um aumento de 78,13%.
Os estados mais atingidos foram Mato Grosso com 21.694, Pará com 14.794 e Amazonas com 12.696. Somente em agosto, esses três estados registraram 27.838 focos de incêndio, o que corresponde a aproximadamente 25% do total registrado no país em 2024.
O Estado de São Paulo também enfrenta uma situação crítica. Entre os dias 23 e 25 de agosto, quase 30 cidades paulistas estavam em alerta devido às queimadas. Segundo o governo estadual, os incêndios consumiram mais de 20 mil hectares e obrigaram mais de 800 pessoas a abandonar suas residências.
Imagem: Reprodução: Brasil de Fato
Segundo o Inpe, a Amazônia e o Cerrado são os biomas mais afetados pelas queimadas em 2024. Até julho, a Amazônia Legal registrou o maior número de focos de fogo em 19 anos, representando 47,4% do total de ocorrências no país. O Cerrado, por sua vez, correspondeu a 31,9% dos focos registrados.
Porém, investigações recentes sobre incêndios em São Paulo sugerem ações criminosas coordenadas. Análises do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) revelaram um aumento dramático de focos de calor em um único dia, com 81,29% concentrados em áreas agropecuárias. A simultaneidade dos focos é considerada pelos especialistas indício de interferência humana, levando à prisão de cinco pessoas até 27 de agosto. Os incêndios consumiram mais de 20 mil hectares e deslocaram mais de 800 pessoas, reforçando as suspeitas de atividade criminosa.
Repercussão nas redes de religiosos
Nas redes digitais, informações imprecisas sobre as queimadas no país estão sendo publicadas por parlamentares e líderes religiosos. O deputado federal presbiteriano José Medeiros (PL-MT) utilizou seu perfil no X para sugerir, sem provas, que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) seria responsável pelos focos de incêndio.
Imagem: Reprodução: X
Em 26 de agosto, o MST publicou uma série de postagens em seu perfil oficial no X para afirmar que a notícia sobre sua responsabilidade pelas queimadas no interior de São Paulo, especificamente na região de Ribeirão Preto, é falsa.
O movimento afirmou que as queimadas são reflexo dos problemas do modelo de agronegócio, que envolve concentração de terras, uso excessivo de agrotóxicos e degradação ambiental. Ademais, reafirma seu compromisso com uma Reforma Agrária Popular focada na agroecologia, com o objetivo de converter latifúndios improdutivos e áreas impactadas por crimes ambientais em terras para trabalhadores sem terra.
Imagem: Reprodução: X
O deputado federal cristão evangélico Helio Lopes (PL-RJ) também utilizou seu perfil no X para questionar a atuação do governo federal e da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, em relação às queimadas. Em 26 de agosto, o parlamentar fez duas publicações sobre o tema.
Na primeira postagem, Lopes compartilhou uma notícia do Correio Braziliense sobre a declaração de Marina Silva a respeito da origem da fumaça no Distrito Federal. O deputado sugeriu, em tom crítico, que a pauta ambiental foi utilizada apenas como discurso eleitoreiro.
Imagem: Reprodução: X
Em uma segunda publicação no mesmo dia, o parlamentar compartilhou uma manchete da Revista Oeste que reproduz um editorial do jornal O Estado de São Paulo, publicado em 26 de agosto, que questiona a capacidade do governo Lula de lidar com as queimadas na Amazônia.
O editorial do Estadão, opinião dos proprietários do veículo, compartilhado pelo deputado, reflete uma tendência observada nos posicionamentos do jornal em 2023. Segundo levantamento realizado pelo Ranking dos Políticos, dos 152 editoriais do Estado de São Paulo analisados naquele ano, 75,6% foram críticos ao governo Lula.
Imagem: Reprodução: X
Em 26 de agosto, a deputada federal católica Carla Zambelli (PL) usou o caso das queimadas na publicação de seu perfil no X para criticar o governo federal.
Ela afirmou que o governo Lula deveria aprender com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, a melhorar as ações de combate a esses incêndios e punição dos responsáveis.
Imagem: Reprodução: X
O vídeo é um trecho do noticiário Edição do Meio Dia, da GloboNews, de 25 de agosto, no qual o governador de São Paulo, no exercício de suas responsabilidades, afirma que as forças de segurança pública estão mobilizadas para investigar os incêndios no estado. Ele enfatizou que os responsáveis pelos crimes relacionados aos focos de incêndio serão punidos e levados à justiça.
Bereia verificou que a responsabilidade pela proteção e preservação do meio ambiente no Brasil é compartilhada por todos os níveis de administração pública: municipal, estadual e federal. De acordo com o Art. 225 da Constituição Federal de 1988, todos têm direito a um meio ambiente saudável e equilibrado, e é dever do governo e da sociedade protegê-lo para o bem de todos agora e no futuro. Segundo a doutora em Gestão Sustentável/Ambiental, Márcia Dieguez e o doutor em Políticas Públicas Marcelo Varella, a Constituição de 1988 criou a função ambiental para obrigar o Estado e a sociedade a preservar o meio ambiente. “O Art. 225, como meio de assegurar a efetividade do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, exige prestações materiais e atuação legislativa que envolvem os três entes federativos, no âmbito de suas respectivas competências”.
De acordo com o Art. 2, da Lei nº 6.938, a Política Nacional do Meio Ambiente visa garantir a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental necessária para a vida, promovendo o desenvolvimento socioeconômico, a segurança nacional e a dignidade humana. O Artigo 23 da Constituição estabelece que a responsabilidade pela gestão ambiental é compartilhada entre a União, os Estados e o Distrito Federal. Cada estado e município no Brasil tem seus próprios órgãos ambientais, que criam políticas, resoluções, licenciam e fiscalizam questões ambientais. Estes órgãos podem criar leis e normas mais rigorosas do que as federais, desde que estejam dentro da Constituição.
Os estados escolhem a estrutura de gestão ambiental mais adequada, como departamentos, fundações ou secretarias, enquanto os municípios seguem os padrões estabelecidos em nível federal e estadual. Assim, todos os níveis de governo devem trabalhar para reduzir os danos ambientais.
No nível estadual, a responsabilidade inclui coordenar com os municípios e implementar políticas para combater crimes ambientais e proteger os recursos naturais. Nessa esfera, os estados contam com corpos de bombeiros e polícias especializadas. No nível federal, ministérios como o Ministério do Meio Ambiente e a Polícia Federal lidam com políticas nacionais e investigam crimes ambientais de maior escala. Além disso, a proteção do meio ambiente é responsabilidade não apenas do governo, mas também de indivíduos e das empresas.
Órgão Superior: O Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que auxilia o Presidente na formulação das diretrizes ambientais.
Órgão Central: A Secretaria Especial do Meio Ambiente (Sema), vinculada ao Ministério do Interior, responsável por promover e avaliar a Política Nacional do Meio Ambiente.
Órgãos Setoriais: Agências e fundações federais associadas à preservação ambiental e ao uso dos recursos naturais.
Órgãos Seccionais: Órgãos estaduais que executam programas, projetos e fiscalização ambiental.
Órgãos Locais: Órgãos municipais que controlam e fiscalizam atividades ambientais em suas áreas.
Além disso, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) do governo federal, tem formado, ao longo dos anos, brigadistas florestais para ajudar na atuação durante o período seco. O Programa Brigadas Federais protege diretamente cerca de 14 milhões de hectares de Terras Indígenas e 153 mil hectares de territórios quilombolas, enquanto o Prevfogo cuida de aproximadamente 19,1 milhões de hectares em Unidades de Conservação em todo o Brasil. As Brigadas Indígenas desempenham um papel crucial na prevenção e combate a incêndios florestais na Amazônia, combinando conhecimentos tradicionais indígenas com técnicas modernas de manejo do fogo, conforme o acordo entre a Funai e o Ibama.
Desde 2013, o acordo prevê a seleção, capacitação e contratação de brigadistas indígenas, além do fornecimento de equipamentos e veículos. Em 2014, foram estabelecidas 30 brigadas com 519 brigadistas, e em 2015 o número de brigadistas aumentou para 608, expandindo a área coberta para 17,126 milhões de hectares.
Atualmente, há 39 brigadas em operação. A Associação dos Brigadistas Akwe Xerente, uma das mais ativas, desenvolve um viveiro para reflorestamento e plantio de árvores frutíferas e teve papel importante no combate ao incêndio da Serra do Lajeado em 2017.
Ações públicas em curso
A diretora do Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador Agnes Soares detalhou medidas em andamento para reduzir os impactos causados pelo aumento dos focos de incêndio. Ela destacou que, desde 26 de julho, o Ministério da Saúde criou a Sala de Situação Nacional de Emergências Climáticas em Saúde, um mecanismo para coordenar a resposta a emergências climáticas como queimadas, enchentes e secas.
“O monitoramento visa identificar as populações mais vulneráveis e orientar as secretarias estaduais e municipais de saúde, que relatam periodicamente a situação e ajudam no preparo e na mitigação dos efeitos conhecidos, como a inalação de fumaça” , informou a diretora.
O governo federal, por meio do Ministério do Meio Ambiente, está apoiando o combate e monitoramento das áreas atingidas pelas queimadas com seis aeronaves, incluindo um avião KC-390 com sistema para lançamento de água. Além disso, o Ministério da Defesa mobilizou 600 militares para auxiliar nos esforços.
A ministra do Meio Ambiente Marina Silva ressaltou que ações criminosas serão punidas com rigor e que é preciso parar de atear fogo, mesmo com todos os recursos disponíveis, dado o período de alta temperatura, baixa umidade e ventos fortes.
Segundo a ministra, a situação de fumaça na capital federal é atribuída a dois fatores: incêndios nas proximidades de Brasília e fumaça proveniente de outras regiões. Equipes técnicas estão avaliando as correntes de ar para identificar a origem exata da fumaça.
A ministra ressaltou que a preparação iniciada em 2023 foi fundamental para o enfrentamento da situação atual. Ela também destacou que a redução do desmatamento na Amazônia, de 50% em 2023 e 45% em 2024, evitou um cenário ainda mais crítico para o país.
De acordo com dados do sistema Deter-B do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a taxa consolidada de desmatamento na Amazônia caiu 45,7% entre agosto de 2023 e julho de 2024, somando 4.315 km², em comparação com 7.952 km² no período anterior. Essa redução representa a maior queda proporcional histórica já registrada.
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Bereia observa que a série de postagens feitas por líderes políticos nas redes apresenta informações falsas e enganosas sobre a atuação do governo no combate aos incêndios. A disseminação de alegações falsas, como a responsabilização do MST pelos incêndios e críticas infundadas à gestão do governo federal e da ministra do Meio Ambiente, contribui para uma percepção negativa e distorcida das ações governamentais e dos deveres das diferentes instâncias da administração pública. O uso do vídeo do pastor Silas Malafaia para acusar apoiadores da extrema direita de terem incentivado os incêndios também se caracteriza como especulação e fonte de engano.
Bereia reforça aos leitores sobre a importância de verificar a veracidade das informações antes de compartilhá-las. Recomenda-se consultar fontes oficiais e confiáveis, como o site do Inpe e os canais oficiais dos órgãos governamentais responsáveis pelo meio ambiente. Além disso, é fundamental questionar conteúdos que pareçam sensacionalistas ou que atribuam culpa a opositores sem evidências explícitas. Ao se deparar com informações duvidosas sobre queimadas ou outros temas ambientais, busque a confirmação em agências de checagem de fatos e evite compartilhar conteúdos não verificados.
Veículos de jornalismo publicaram, no final de julho passado, matérias positivas sobre evangélicos, a propósito da pesquisa do Instituto Datafolha sobre eleições na cidade de São Paulo. As matérias apresentam tom que se coloca em direção contrária ao que é predominante, como Bereia já publicou em outras checagens, com troca do pejorativo para o valorativo.
O jornal O Globo afirmou, em 22 de julho, que “evangélicos se contrapõem ao bolsonarismo”. O Mídia Ninja publicou, na mesma data, matéria sob o título “Evangélicos abandonam agenda bolsonarista; maioria é contra prisão de mulheres que abortam”. A revista Fórum divulgou, em 20 de julho, que “evangélicos de São Paulo rejeitam bolsonarismo”. Bereia checou estas formas de chamar para o tema e a origem dos dados apontados pelos veículos de imprensa.
A pesquisa traz informações como o partido político de preferência do grupo em tela: entre os evangélicos, 15% preferem o PT (Partido dos Trabalhadores) e 7% preferem o PL (Partido Liberal); enquanto 40% dos católicos preferem o PT, contra 4% que preferem o PL. Estes dados contrariam a visão predominante nas mídias, segundo a qual haveria um alinhamento político-ideológico dos evangélicos com a extrema direita.
A composição da renda familiar e o vínculo a diferentes denominações – classificadas entre pentecostal, neopentecostal e histórico/protestante – são apresentadas no início do relatório, que é dividido nas seções: perfil religioso, pauta de valores, igreja e política, eleições em São Paulo e perfil ideológico; cada uma trazendo dados pormenorizados da pesquisa feita a partir de 613 entrevistas.
Imagem: reprodução Folha de S.Paulo
Nas mídias digitais, o Instituto Datafolha destacou a informação de que “para 78% dos evangélicos, é fundamental que seu candidato acredite em Deus, mas apenas 22% consideram muito importante que o escolhido seja da mesma religião que a sua”. A pesquisa também foi divulgada na íntegra, com possibilidade de download e detalhamento em texto.
Participaram da concepção e desenvolvimento da pesquisa, como consultores, o antropólogo Juliano Spyer, a professora associada do Departamento de Sociologia e Metodologia das Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense (UFF) Christina Vital, o professor de Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Rodrigo Toniol, o doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) Vinicius S. M. do Valle e a repórter especial da Folha de S. Paulo e autora de “O Púlpito – Fé, Poder e o Brasil dos Evangélicos” (Todavia), Anna Virginia Balloussier.
Imagem: reprodução Datafolha
Abordagem por veículos de jornalismo
O portal de notícias Mídia Ninja, a revista Fórum e o jornal O Globo divulgaram recortes da pesquisa relacionados às pautas defendidas pelo bloco político liderado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Estes veículos optaram por adotar títulos que relacionam os segmento evangélico ao chamado “bolsonarismo”, porém deixaram de apresentar outros dados relevantes sobre o perfil do grupo religioso.
A revista Fórum publicou, ainda em 20 de julho, texto em que afirma que dois temas são determinantes para a “rejeição” dos eleitores evangélicos dos candidatos ligados ao “bolsonarismo”: armas e “homeschooling” (educação escolar em casa). Na chamada, a revista apresenta a conclusão de que o evangélico paulistano “não concorda com a extrema-direita”.
Imagem: reprodução Revista Fórum
Os jornais O Globo e Mídia Ninja destacaram outros temas relacionados à extrema direita, abordados pela pesquisa. No título, O Globo também chamou a atenção para “armas” e ‘homeschooling’ e apresentou os dados da opinião de evangélicos de São Paulo sobre aborto, educação sexual e acolhimento a homossexuais.
Imagem: reprodução O Globo
Mídia Ninja, por sua vez, abordou os mesmos temas que O Globo, e acrescentou a opinião do segmento cristão sobre o Brasil apoiar todas as guerras de Israel. Em seu portal digital, porém, o Mídia Ninja utilizou como chamada os dizeres “Evangélicos abandonam agenda bolsonarista”.
Outros veículos de imprensa também repercutiram a pesquisa Datafolha. Entre eles, CNN, Metrópoles, Carta Capital, com diferentes abordagens da mesma pesquisa.
Enquanto o canal de notícias CNN divulgou que a maioria dos evangélicos da capital do estado de São Paulo é contra porte de arma e ‘homeschooling’, o portal Metrópoles, a revista Carta Capital deram destaque à opinião do grupo religioso sobre pastores indicarem votos para fiéis.
Mídia religiosa
O site Folha Gospel também repercutiu os resultados da pesquisa e destacou, em título de matéria, que a maioria dos evangélicos de São Paulo é contra a indicação de voto por líderes religiosos. O portal abordou informações correlatas, como a importância de candidatos serem também evangélicos, mas omitiu os dados de opinião sobre porte de armas e aborto.
E abordagem semelhante, o portal O Fuxico Gospel não mencionou os achados da pesquisa que dizem respeito à opinião sobre aborto e sobre porte de armas. Já o portal Guiame enfatizou os dados sobre idade de conversão. O site Pleno News, que faz um grande volume de publicações diárias, ignorou a pesquisa.
Políticos com identidade religiosa, ativos nas mídias digitais e que costumam repercutir discursos religiosos, não repercutiram a pesquisa.
A pesquisa, feita com 613 entrevistados, traz números que não permitem concluir posicionamentos “dos” evangélicos enquanto grupo homogêneo, o que não se constitui. O uso de expressões como “rejeitam o bolsonarismo” e “abandonam o bolsonarismo” é, portanto, exagerado e e enganoso, como revelam os próprios dados da pesquisa.
Os resultados apresentados dão conta de que algumas parcelas do grupo pesquisado pensam de uma forma, e outras pensam de outra, tal como se desenha na própria sociedade brasileira. É um erro retratar qualquer grupo religioso como bloco indissociável, sobretudo quando questões de natureza político-ideológica são consideradas.
A correta veiculação de informações não permite disseminar a ideia de que evangélicos “abandonam” ou “rejeitam” o chamado bolsonarismo. O apoio e o alinhamento político ao bloco extremista existem de forma parcial, ao lado da rejeição e da dissidência que também são fato. O que a pesquisa revela, como bem expresso pela Folha de S. Paulo e pelo jornal O Globo, é uma dada maioria desse grupo religioso tem se afastado de um determinado conjunto de ideias defendidas pelo chamado “bolsonarismo”.
A relevância disso é comprovada, por exemplo, pelo fato de veículos relacionados à extrema direita não terem publicado sobre os números da pesquisa.
O uso de termos absolutos e chamativos por alguns veículos acaba por expressar um discurso participante de disputas na arena política que varia conforme a atmosfera que se deseja ressaltar. É preciso rever as abordagens sobre evangélicos que ora exageram no sensacionalismo negativista, ora exageram com pauta “positiva”, e não favorecem processos informativos necessários na superação de polarizações nocivas.
Informação digna é um direito humano e distorções como as que são observadas na repercussão publicada não colaboram na construção de um jornalismo a serviço dos cidadãos brasileiros.
*Matéria atualizada em 07/05/2024 às 17:40 para correção de título.
O portal evangélico digital Guiame publicou, em 22 de abril, matéria que divulga decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo. Com o título “Justiça proíbe uso de ‘sob a proteção de Deus’ em abertura de sessões da Câmara de Bauru”, a matéria relata a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que declarou inconstitucional as práticas de ler a Bíblia e de usar a frase “sob a proteção de Deus” antes de cada reunião da Câmara de Vereadores da cidade de Bauru (SP). O texto do portal Guiame usa uma nota da Câmara de Bauru que justifica que tais práticas são uma tradição local e por isso deverá recorrer à decisão.
Imagem: Reprodução do site Guiame
A ação judicial contra a Câmara Municipal de Bauru – SP
A Câmara Municipal de Bauru foi alvo de uma decisão do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), publicada em 23 de abril de 2024. A Justiça declarou inconstitucional a prática determinada pelo Regimento Interno da casa de fazer a leitura da Bíblia e usar a frase “sob a proteção de Deus” na abertura das sessões legislativas. A decisão, baseada em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, movida pela Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo, argumenta que tais práticas violam o princípio da laicidade do Estado, favorecendo uma religião em detrimento de outras.
Além da leitura da Bíblia no momento de abertura das sessões, a decisão judicial derruba também a determinação do regimento para que a Bíblia fique sobre a Mesa Diretora da Casa durante as sessões.
O Regimento Interno da Câmara Municipal de Bauru foi aprovado em 1990, e alterado, por meio de resoluções, em diversos períodos das décadas seguintes. O artigo 76, inserido pela Resolução n. 475, de 26 de junho de 2007, determina que:
No início da sessão os membros da Mesa e os Vereadores ocuparão os seus respectivos lugares.
§ 1º. A Bíblia Sagrada ficará sobre a Mesa, durante todo o tempo da sessão, à disposição de quem dela quiser fazer uso.
I – Antes de iniciar o Expediente, após a declaração Sob a proteção de Deus, iniciamos os nossos trabalhos, o Secretário fará a leitura de um versículo da Bíblia Sagrada; […]
§ 3º. Havendo quórum regimental, o Presidente declarará aberta a sessão e a instalará solenemente, com as seguintes palavras: INVOCANDO A PROTEÇÃO DE DEUS, OS VEREADORES À CÂMARA MUNICIPAL DE BAURU, INICIAM SEUS TRABALHOS.
A Procuradoria Geral do Estado de São Paulo sustenta que essas práticas violam o princípio da laicidade estatal, assim como os princípios de igualdade, finalidade e interesse público, conforme estabelecidos na Constituição Federal e na Constituição Estadual.
Desta maneira, o TJ-SP acolheu o pedido da Procuradoria Geral e decidiu que essas práticas previstas no Regimento Interno da Câmara de Bauru são inconstitucionais. A decisão destaca que o estado deve manter neutralidade em questões confessionais para garantir a liberdade religiosa e o tratamento isonômico entre todas as religiões.
A decisão judicial aponta que o regimento interno da Câmara de Bauru favorece uma crença específica em detrimento das demais, violando assim o direito à liberdade religiosa e reforça a separação entre estado e religião, assegurada pela Constituição, e ressalta a importância de manter o caráter laico do estado, permitindo a liberdade de crença e culto de forma equânime e isonômica.
Bereia classifica a matéria publicada pelo portal Guiame como enganosa. O Tribunal de Justiça não proibiu o uso da expressão “sob a proteção de Deus”, mas declarou a inconstitucionalidade da obrigatoriedade da leitura da Bíblia e do pronunciamento de saudação cristã inseridas no Regimento Interno da Câmara.
Qualquer vereador pode proferir palavras de cunho religioso ou citar provérbios em suas falas e discursos, o que fica vedada é a obrigatoriedade de práticas religiosas cristãs durante a abertura das sessões legislativas.
A matéria do portal Guiame adota as mesmas estratégias de desinformação observadas em outras checagens do Bereia sobre ações de Inconstitucionalidade, praticadas por instituições públicas. Como em outros casos, Guiame também silencia sobre fatos relevantes a respeito da decisão proferida, e oferece informação insuficiente sobre a situação, o que induz leitores e leitoras a crerem que cristãos sofrem perseguição da Justiça no Brasil.
*Matéria atualizada em 19/02 para complementação de informações
O desfile da escola de samba Vai Vai, de São Paulo, que trouxe em uma de suas alas pessoas fantasiadas de policiais militares com chifres e asas, gerou reações negativas de políticos ligados à extrema-direita, com notas de repúdio e pedidos de suspensão do repasse de recursos públicos à escola.
Entre os insatisfeitos com a apresentação do último 10 de fevereiro, sábado de Carnaval,, que exaltou a cultura Hip Hop no Brasil, estava o deputado federal evangélico Sóstenes Cavalcanti (PL-RJ), pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo liderada pelo pastor Silas Malafaia.
O parlamentar publicou, em 15 de fevereiro passado, em suas contas oficiais no Instagram e Facebook, uma montagem com a chamada: “Aberração patrocinada”, seguida de manchete do portal de notícias Metrópoles. O jornal havia publicado matéria, em reforço às críticas da extrema-direita à Vai-Vai, sobre uma autorização do Ministério da Cultura para a escola de samba captar, via Lei Rouanet, cerca de dois milhões de reais. A montagem do deputado recebeu a legenda “No DESgoverno Lula o que não falta é dinheiro público para bancar aberrações”.
Bereia, então, checou o conteúdo publicado.
Imagem: reprodução Instagram/Facebook
A Vai-Vai, maior campeã do Carnaval de São Paulo, foi autorizada pela Secretaria Economia Criativa e de Fomento Cultural, do Ministério da Cultura, a captar R$ 2,1 milhões de reais, por meio da Rouanet. É o que informa a Portaria nº416, publicada em 25 de julho de 2023.
Contudo, a escola não utilizou o recurso. Segundo a matéria do Metrópoles, a agremiação não conseguiu captar o mínimo de 20% do valor autorizado, estabelecido na Portaria. Na época da homologação do projeto, a Vai-Vai informou ao governo apenas o nome do projeto chamado “Capítulo 4, Versículo 3 – Da rua e do povo, o HipHop: Um Manifesto Paulistano”. Até então, a escola não tinha nem mesmo o samba-enredo, que veio a ser composto no final de 2023, conforme o site da agremiação. Este fato foi omitido pelo deputado em sua montagem, que fez uso do título explorado pelo jornal.
A Lei Rouanet é frequentemente alvo de desinformação. Conforme Bereiaexplica em diversas checagens, a forma mais comum de financiar projetos pela Rouanet é o incentivo fiscal, prática que articula setor cultural, governo e setor privado. Para beneficiarem-se de um incentivo fiscal, os projetos culturais devem, primeiramente, ser submetidos à avaliação de um corpo técnico, que verifica se o projeto se enquadra nos requisitos da lei.
Dessa forma, o projeto que é homologado não recebe do Governo a quantia, em espécie, como se pensa, mas recebe a autorização para captar a quantia de empresas dispostas a doar, como é o caso da Vai-Vai, que buscou esse patrocínio, porém não conseguiu, como descrito na matéria.
O deputado federal, entretanto, não está só na divulgação da desinformação. Na competição por views e cliques no X/Twitter, veículos de notícias utilizam, com frequência, manchetes sensacionalistas, que incorrem em desinformação. A chamada do site Metrópoles para este caso, por exemplo, também desinforma. Em sua conta no Twitter, o portal divulgou na primeira linha uma falsidade — o recebimento de R$2,1 milhões pela escola de samba — e depois a informação correta. Um artifício que prioriza o alcance da publicação na plataforma, mas que prejudica a qualidade do conteúdo jornalístico.
Imagem: reprodução X/Twitter
Historicamente, as escolas de samba produzem desfiles cujos enredos expressam abordagens críticas à realidade do país. Mesmo no período da ditadura militar, as escolas de samba tiveram papel destacado na crítica ao Estado de exceção. O enredo da Vai-Vai, em 2024, abordou o lugar do Hip Hop na cultura popular, em especial, no que toca o empoderamento das periferias e o repúdio à forma como agentes do Estado praticam arbitrariedades violentas a estas populações. Daí a composição da ala que denuncia o papel da polícia militar na violência contra habitantes das periferias, em especial negros e negras.
Em 2024, o desfile crítico se deu em um contexto dramático, sob a Operação Escudo, da Polícia Militar Paulista, na Baixada Santista. Moradores da região denunciam a prática de execuções, tortura e abordagens violentas por policiais militares contra a população local e egressos do sistema prisional, depois que um policial foi morto em uma das ações repressivas ao crime.
O presidente da Vai-Vai Clarício Gonçalves, explicou à imprensa que o enredo é baseado em livros e fatos: “Aquela ala que foi polêmica é uma coisa que estava dentro do enredo. Não é possível você falar de um enredo e você ocultar a história. Mas, em momento algum, a gente tem alguma coisa contra a organização que realmente protege São Paulo”.
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Após a apuração, Bereia considera como enganosa a publicação do deputado evangélico Sóstenes Cavalcanti. Apesar de trazer a informação verdadeira — que a escola foi autorizada a captar recursos — o deputado engana seguidores ao colocar em destaque a expressão “Aberração patrocinada”, junto com a legenda.
Com o intuito de ampliar a rejeição à expressão crítica da Vai-Vai sobre a violência em São Paulo praticada pela PM, a montagem do deputado Sóstenes Cavalcanti usa a desinformação sobre o direito aos recursos da Lei Rouanet, frequentemente atacada com falsidades pela extrema-direita. Com isto, tenta fazer crer que o desfile se utilizou de recursos federais para a sua produção, o que é falso, para classificar como “aberração” e gerar repúdio a uma expressão crítica da qual o parlamentar tem discordância.
Atualização: A Escola emitiu a seguinte nota dia 16 de fevereiro, em sua conta no X/Twitter: NOTA DE ESCLARECIMENTO GRCSES VAI-VAI Em resposta às manifestações de repúdio contra o desfile 2024 Em 2024, a escola de samba Vai-Vai levou para a avenida o enredo Capitulo 4, Versículo 3 – Da rua e do povo, o Hip Hop – Um manifesto paulistano.
Como o próprio nome diz, tratou-se de um manifesto, uma crítica ao que se entende por cultura na cidade de São Paulo, que exclui manifestações culturais como o hip hop. O desfile homenageou artistas excluídos, que nunca tiveram seu talento e notadamente reconhecido. Neste contexto, foram feitos, ao longo do desfile, uma série de recortes históricos, como a semana de arte de 1922 e o lançamento do álbum “Sobrevivendo no Inferno”, dos Racionais MCs, em 1997.
“Sobrevivendo no Inferno” é considerado o álbum mais importante do rap brasileiro. Em 2007, figurou na 14ª posição da lista dos 100 melhores discos da música brasileira pela Rolling Stone Brasil. Em 2018, na lista de obras de leitura obrigatória para o vestibular da Unicamp.
Racismo, miséria e desigualdade social — temas cutucados nos discos anteriores — foram expostos como uma grande ferida aberta, vide ‘Diário de um Detento’, inspirada na grande chacina do Carandiru”. Ou seja, a ala retratada no desfile de sábado, à luz da liberdade e ludicidade que o carnaval permite, fez uma justa homenagem ao álbum e ao próprio Racionais Mcs, sem a intenção de promover qualquer tipo de ataque individualizado ou provocação.
Vale ressaltar que, neste recorte histórico da década de 90, a segurança pública no estado de São Paulo era uma questão importante e latente, com índices altíssimos de mortalidade da população preta e periférica.
Além disso, é de conhecimento público que os precursores do movimento hip hop no Brasil eram marginalizados e tratados como vagabundos, sofrendo repressão e, sendo presos, muitas vezes, apenas por dançarem e adotarem um estilo de vestimenta considerado inadequado pra época. O que a escola fez, na avenida, foi inserir o álbum e os acontecimentos históricos no contexto que eles ocorreram, no enredo do desfile. Existimos. Resistimos. E seguimos fazendo carnaval!
No início de janeiro, o vereador Rubinho Nunes (União-SP), oriundo da articulação de extrema-direita, Movimento Brasil Livre (MBL), reuniu apoio de seus pares na Câmara Municipal de São Paulo para instaurar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) a fim de investigar o trabalho de entidades que se dedicam ao trabalho comunitário em ajuda à população de rua e aos dependentes químicos.
Diante do cenário de mobilizações contra e a favor da “CPI das ONGs”, como ficou conhecida, veio à tona o nome e a atuação do padre Júlio Lancellotti, líder religioso conhecido pelo trabalho de assistência aos mais necessitados. O propositor da CPI, Rubinho Nunes, acusa o pároco de “explorar a miséria” e diz, em vídeo veiculado no TikTok, que irá fazer “um exame nas entranhas desse sujeito”. “Vou arrastar esse sujeito na coercitiva, nem que seja algemado”, diz.
O embate acalorado entre detratores e defensores da atuação do padre culminou na exposição de um vídeo, já utilizado em outras ocasiões, que, supostamente, mostra Lancellotti em uma chamada de vídeo com um adolescente, com conteúdo sexual e atos libidinosos. O vídeo teria sido divulgado, inicialmente, por um perfil na rede social X (antigo Twitter). Após a repercussão negativa do caso e uma onda de apoio ao padre, dez vereadores retiraram assinaturas da proposta de CPI.
Imagem: reprodução GShow/AgNews
Repercussão e “guerra” de perícias
A repercussão do caso – da proposta de CPI à circulação do vídeo – gerou intensa mobilização nas mídias sociais. Em linhas gerais, houve uma reprodução do racha ideológico nas posições sobre a CPI e sobre o padre: perfis ligados à direita atacaram o suposto comportamento do religioso, acusando-o de pedofilia, enquanto perfis progressistas defendiam Lancellotti dos ataques.
Em contrapartida, o perito Mário Gazziro, da Universidade Federal do ABC (UFABC), produziu vídeo em que rebate as alegações periciais de Tirotti. Segundo Gazziro, que também produziu laudo técnico relativo ao caso, as técnicas utilizadas na análise de Tirotti seriam insuficientes para determinar a veracidade do conteúdo.
Diante da repercussão e do envolvimento de diversas figuras públicas no embate instaurado, a BBC News Brasil destacou o fator político-eleitoral do caso. Matéria intitulada “Como CPI contra padre Júlio Lancellotti dá a largada na disputa eleitoral em São Paulo” mostra que a repercussão do caso pode ter impactos na disputa para ocupar a Câmara dos Vereadores de São Paulo.
Perseguição antiga e pânico moral como estratégia política
O jornalista Alexandre Putti afirmou, em seu perfil do X, ter tido acesso ao vídeo ainda em 2019, depois de tê-lo recebido como denúncia contra o padre Júlio Lancellotti. Putti relata que, à época, o vídeo foi submetido a uma avaliação técnica que o considerou falso. Análise na esfera judicial também teria chegado à mesma conclusão.
Reportagem da revista Piauí, publicada em 2022, apontou que em 2020, depois de receber denúncia do MBL, a polícia civil investigou suposto envolvimento de Júlio Lancellotti com um adolescente. O caso foi arquivado em 2021, porque o suposto adolescente, que teria trocado mensagens com o padre, nunca foi localizado.
O texto aponta ainda que, durante o ano eleitoral de 2020, o ex-deputado estadual ligado ao MBL – que teve o mandato cassado em maio de 2022 – Arthur do Val afirmava que iria desmascarar Lancellotti, enquanto seu assessor parlamentar Guto Zacarias produzia provas falsas contra o padre. Zacarias, que é também é membro do MBL , teria criado conta falsa no Facebook e se passado por Matheus Rocha Nunes, um personagem de 16 anos.
Segundo a reportagem, os detalhes do caso foram dados por dois ex-integrantes do MBL Um deles, Fernando Dainese, foi dirigente da campanha de Rubinho Nunes (que agora propõe investigações sobre Lancellotti) à Câmara dos Vereadores de São Paulo. Dainese afirma que Guto Zacarias realizou a operação dentro do escritório de advocacia de Rubinho Nunes e atribui a estratégia ao fundador do MBL, Renan Santos.
Falsidades
A Agência Lupa identificou uma “corrente de informações falsas e descontextualizadas” que, sem provas, acusam o padre de pedofilia e abuso sexual. Segundo a Lupa, as acusações contra Júlio Lancellotti são “antigas e sem contexto” e não há comprovação para nenhuma das acusações contra o pároco.
O deputado federal de extrema-direita Gustavo Gayer (PL-GO), compartilhou em seu perfil no X, um vídeo em que reproduz acusações antigas e recentes contra padre, todas sem comprovação. Em tom crítico, Gayer afirma, sem provas, que Lancellotti “é chefe de muitas ONGs, movimentos sociais” e que “recebe dinheiro de muita gente”.
Imagem: reprodução X
O serviço de checagem da agência de notícias francesa AFP destacou que, durante a repercussão do caso, o vídeo, de 2020, de uma ligação do Papa Francisco a Júlio Lancellotti,estava sendo divulgado sem contexto, provocando uma falsa associação da ligação, que de fato ocorreu, ao caso recente.
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Bereia considera falsas as acusações de pedofilia e assédio sexual atribuídas ao padre Júlio Lancellotti, em razão, não apenas da falta de provas críveis e verdadeiras, mas também do histórico de tentativas frustradas de utilização desse tipo de ataque em benefício eleitoral.
A ampla divulgação do caso, com acusações sem provas, por veículos de mídia ditos conservadores, religiosos ou ligados à extrema-direita, assim como o resgate de casos no passado recente que revelam atuação coordenada para acusar o padre Júlio Lancellotti, demonstram o interesse político-eleitoral de alguns grupos no ataque à imagem e honra do pároco.
A intenção de divulgar imagens com conteúdo sexual vai na contramão do que dizem as diretrizes sobre compartilhamento de imagem nas mídias sociais e não é oficialmente uma denúncia, o que demonstra, indiretamente, a intenção de violar a imagem do padre, neste caso específico.
Bereia encoraja que o público busque informações comprovadas antes de compartilhar qualquer conteúdo nas mídias sociais. A divulgação de informações não verificadas pode resultar em falsa imputação de crime e não contribui para a construção de uma esfera pública construtiva e democrática.
Segundo a publicação, o governador João Doria (PSDB) teria mantido a proibição dos cultos presenciais, acatando recomendação do Ministério Público local, o que, na prática, representaria um “cerceamento à liberdade religiosa”.
Na sequência, o conteúdo de Gospel Prime traz o suposto contexto em outros estados. “A situação em outros estados tem suas particularidades, mas em nenhum deles há a proibição aos fiéis de se reunirem nos templos para cultuarem a Deus. Até o último domingo, o Ceará era o único que mantinha proibição parecida, mas o governador Camilo Santana (PT) anunciou em 10 de abril que as igrejas poderão ser reabertas gradualmente, inicialmente com 10% da capacidade de lotação”, diz a matéria.
Por que os cultos foram liberados no Ceará?
Em 04 de abril, missas e cultos foram liberados para funcionar de forma presencial no Ceará, conforme o decreto de isolamento social rígido, prorrogado até 11 de abril, por decisão do governador Camilo Santana (PT). Tal decisão foi justificada mediante determinação do STF, em caráter provisório, de que estados, municípios e o Distrito Federal não poderiam editar normas de combate à pandemia que proibissem integralmente celebrações religiosas presenciais. Contudo, mesmo com o decreto, a recomendação às instituições religiosas era para que continuassem procedendo com as liturgias de forma on-line.
Sobre a decisão do STF e o contexto paulistano
Em 04 de abril, o ministro do STF Kassio Nunes Marques, liberou missas e cultos religiosos em todo o Brasil, derrubando decretos de governadores e prefeitos que haviam vetado a reunião de fiéis como forma de minimizar a contaminação por covid-19. A iniciativa foi mobilizada a partir de uma ação da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure).
Em nota, a associação defendeu que “no que diz respeito ao funcionamento das igrejas durante a pandemia, ressaltamos o entendimento sustentado pela ANAJURE em outras ocasiões, no sentido da importância da adoção de uma postura colaborativa por parte das instituições eclesiásticas, modo como muitas têm procedido. Ao longo de todo o período, diversas igrejas têm contribuído através do fornecimento de cestas básicas, itens de higiene, roupas e, em alguns casos, até mesmo na aquisição e envio de cilindros de oxigênio a regiões que sofreram com o esgotamento de seus estoques. Além disso, frisamos que, naqueles locais onde se observa um quadro de saúde pública mais delicado, a postura colaborativa a ser adotada pelas igrejas seja a suspensão temporária de suas atividades coletivas presenciais, até que haja uma melhora no quadro de ocupação das UTIs e seja possível, então, uma retomada gradual”.
Já no dia 05, foi a vez do STF, de forma liminar, voltar a proibir as missas e cultos, contudo, apenas no estado de São Paulo. A decisão foi tomada pelo ministro Gilmar Mendes, a partir de ações do Conselho Nacional de Pastores do Brasil e do PSD (Partido Social Democrático) movidas contra o decreto do governador João Doria (PSDB).
Mediante as divergências, um julgamento foi marcado para 08 de abril com o objetivo de acabar com o conflito, por meio do posicionamento dos 11 ministros do tribunal sobre o tema. Na ocasião, por nove votos a dois, o STF decidiu que estados e municípios podem impor restrições a celebrações religiosas presenciais, como cultos e missas, em templos e igrejas durante a pandemia de covid-19.
Bereia entrou em contato com o pesquisador em Religião e Política João Luiz Moura, que é coordenador de projetos no Instituto Vladimir Herzog e pesquisador visitante no Instituto de Estudos da Religião (ISER), para indagar se o que está ocorrendo por meio das decisões do STF poderia ser caracterizado como perseguição religiosa.
“Quanto ao questionamento via Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 811, ingressada pelo PSD, como a própria corte julgou, trata-se de matéria constitucional. O decreto do governo de SP, objeto da ADPF em referência, não restringia apenas igrejas, caso contrário poderia caracterizar “perseguição religiosa”. O decreto restringia reuniões diversas, entre elas, cultos e missas. Além disso, não se trata de suspensão de liberdades, o decreto tinha início e término, cuja finalidade era somar esforços na contenção do contágio. Portanto, constitucional”, explicou Moura.
A cronologia das informações
Um detalhe importante: a matéria do portal R7, de 12 de abril, na qual o texto do Gospel Prime se baseia, apresenta um quadro mais completo, comparando com outros estados da federação (embora não dê voz a lados religiosos favoráveis à proibição, como o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil, entre outros) .
Já a entrevista coletiva do governo de São Paulo anunciando a abertura gradual dos templos a partir de 18 de abril foi realizada em 16 de abril . No entanto,a matéria do Gospel Prime, publicada no dia anterior, 15 de abril, não foi atualizada com essas informações, continuando a circular com o mesmo texto, reproduzida em mídias digitais religiosas, mesmo depois da coletiva.
Com base na verificação, Bereia classifica a matéria de Gospel Prime como enganosa. De fato, São Paulo, até 17 de abril, chegou a ser o único estado da federação a manter proibição de celebrações religiosas presenciais. Porém, além de não dar voz a outros lados sobre a questão, a matéria do site não foi atualizada com as informações mais recentes sobre a mudança nas medidas municipais Com isso, o site de notícias religiosas induz seus leitores à desinformação por meio de texto enganoso, fazendo-os pensar que as medidas são “extremistas” (palavra usada na matéria) e de perseguição às igrejas.
Quando o assunto é igreja evangélica brasileira, o que pensam as pessoas que estão fora dela? E de quem elas lembram? Bispo Edir Macedo (Igreja Universal), Apóstolo Valdemiro Santiago (Igreja Mundial) e Pastor Silas Malafaia (Assembleia de Deus Vitória em Cristo) certamente estão entre as pessoas que vêm à mente de muita gente devido ao poder midiático de suas igrejas.
Sou filho de uma família pastoral com raízes na Igreja Batista Independente (de vertente pentecostal) e passagem pela Renascer em Cristo (uma das maiores promotoras da cultura gospel nos anos 1990 e 2000). Hoje frequento uma Igreja Batista. E fora do que via pela TV, eu conhecia pouco sobre outras denominações com grande poder midiático.
Mas por que as pessoas vão a essas igrejas? Em 2019, foi com essa pergunta que decidi fazer uma pesquisa de iniciação científica cujo objetivo era entrevistar fiéis de três igrejas neopentecostais (Mundial, Universal e Plenitude) e uma pentecostal (Assembleia de Deus do Brás). A maioria delas fica no “Corredor da Fé”, na Avenida Celso Garcia, no bairro do Brás, zona leste de São Paulo. Na época da pesquisa, eram 26 igrejas só naquele endereço. Baseado nas entrevistas que fiz naquele ano, produzi o podcast Histórias de Fé.
A compreensiva resistência ao jornalismo
As reações à chegada de um jornalista variaram. Na igreja do Apóstolo Valdemiro, ter me apresentado como jornalista evangélico fez os fiéis se abrirem mais. Numa entrevista até escutei que, se eu não fosse crente, uma pessoa teria tentado me confrontar e evangelizar. Já nas outras, precisei convencer autoridades religiosas de que não procurava prejudicar as igrejas com as entrevistas.
A resistência é compreensível. As igrejas evangélicas brasileiras saltaram de 5% a 22% da população entre 1970 e 2010, de acordo os dados do Censo Demográfico do IBGE. Essa é uma grande e rápida mudança em um país de histórica hegemonia Católica Romana. Além disso, a representação desse grupo religioso ainda é carregada de estereótipos (ou até mesmo imprecisões) que eram bem mais fortes em décadas passadas.
É verdade que isso tem sido superado. Exemplo disso é que a Folha de S. Paulo dedicou, em 2019, matéria para os resultados de uma pesquisa do DataFolha. O levantamento concluiu que a “cara típica” do evangélico brasileiro é feminina e negra. Nas igrejas neopentecostais, elas representam 69% dos fiéis.
Mesmo assim, visitar essas igrejas – em especial as neopentecostais – foi confrontar-me com meus próprios preconceitos. Entrevistar fiéis enquanto mantinha opinião crítica à teologia da prosperidade e considerar que, às vezes, as chamadas experiências de avivamento com o Espírito Santo eram exageradas, me obrigou a entender as suas crenças em seus próprios termos.
Entender a fé do outro muda perspectivas
Essa chave muda tudo. Se olharmos apenas para o que acontece nos púlpitos sem acreditar nos programas de TV, a imagem que fica é de bispos e apóstolos que exploram a fé de pessoas pobres e com pouca instrução. Mas se o foco são as pessoas sentadas nos bancos – não meros cases de sucesso que dão testemunho – a situação muda.
No primeiro episódio, conto um diálogo que tive com uma fiel da Universal fora da igreja. Ela diz acreditar que pode obrigar Deus a fazer um milagre acontecer e até me citou que declarou que teria um emprego e conseguiu-o de um dia para outro. Essa crença entra em choque com a tradicional doutrina da soberania de Deus. Mas se oração, dízimos e ofertas não resultarem no milagre, para ela, é porque Deus faz o que quer. Então, o debate que importa não é se uma doutrina clássica e cara a outras tradições evangélicas está em jogo ou não, mas se a fé pregada pela igreja dá resultados.
Mas não só de resultados vive a fé desses evangélicos. O maior exemplo que tive foi minha última entrevistada, na Igreja Plenitude. Elissandra contou que retornou ao evangelho pela Plenitude depois de 22 anos “desviada” (gíria crente que designa quem se converteu e posteriormente deixou a igreja). Pouco depois de ter se batizado, sua filha teve uma doença que afetou toda a pele. Os médicos não achavam solução. A cura veio depois que ela comprou frascos com o sangue do cordeiro e azeite e passou no corpo da filha. “Então, eu não tenho motivo pra sair da igreja. Eu tenho motivo pra permanecer. Pra ficar. Pra ser fiel a Ele. Eu não tenho motivo pra sair. Porque ele me provou quem Ele é na minha vida. Ele me provou que Ele está comigo. E que Ele ouviu o meu clamor, a minha oração, porque eu ajoelhei e pedi pra Ele. E Ele me ouviu e Ele me respondeu no mesmo dia”, explicou Elissandra.
Apesar disso, toda a sua família questiona sua fé e a chama de macumbeira – um termo muito ofensivo, já que essas igrejas entendem os cultos afro-brasileiros como demoníacos. Mas quando o assunto era o que a mantinha na Plenitude, ela atribuiu sua persistência ao avivamento com o Espírito Santo. Mesmo que a cura da filha tenha sido um sinal de Deus, me pareceu que Elissandra quer bem mais respeito da família do que negociar bênçãos materiais com Deus.
Compreender não significa fechar os olhos para os problemas
Ao final de toda a pesquisa, não deixei de ter sérias divergências com as pregações das igrejas as quais visitei. Discordo da Teologia da Prosperidade e da Guerra Espiritual, defendidas pelas igrejas neopentecostais. Às vezes, a admiração aos líderes das denominações me parece exagero.
Além disso, há um alinhamento institucional e quase acrítico ao Presidente da República Bolsonaro, para dizer o mínimo. Não é por acaso que o voto evangélico foi forte fator para a eleição do capitão. É claro que isso não é exclusividade das igrejas que visitei e os efeitos são prejudiciais tanto para quem é da igreja quanto para quem é de fora dela.
Em poucos meses como repórter verificador no Bereia cheguei à triste conclusão que, não raramente, líderes evangélicos importantes desistem da verdade para espalhar desinformação, seja para criticar opositores do presidente ou defender o governo. Isso se tornou mais dramático com a pandemia de covid-19. O grande problema disso tudo é: se a igreja evangélica se associar tão fortemente ao governo Bolsonaro, como as pessoas de fora da igreja conseguirão distinguir a diferença entre ser evangélico e ser bolsonarista?
Reconheço que essas igrejas não se encerram nos programas de TV e que chegam nas vidas das pessoas. E mesmo quando discordo, eu entendo os pontos de vista desses fiéis. Qualquer diálogo sério com evangélicos depende de tentar compreendê-los.
No sábado de Carnaval, 13 de fevereiro de 2021, o recém-empossado Ministro do Turismo Gilson Machado Neto publicou no Twitter uma montagem de fotos relacionando o adiamento dos desfiles das escolas de samba de 2021 à cena da apresentação de um samba-enredo na avenida que mostra Jesus Cristo sendo arrastado pelo diabo.
A montagem tem duas imagens: o trecho da apresentação em que o diabo arrasta Jesus pelo chão, com a legenda “2020”; e outra do Sambódromo do Anhembi, em São Paulo, vazio, com a legenda “2021” e a frase “Dá para entender quem manda? Ou tem que desenhar?”. Com a postagem o ministro de Estado, relaciona o adiamento dos desfiles de 2021, causado pela pandemia de covid-19, a um “castigo divino” por conta do “desrespeito a Jesus” que teria sido praticado no ano anterior.
Até a data da produção desta matéria a postagem havia sido curtida por quase 50 mil pessoas e reproduzida por quase 20 mil.
Data mudada
Para divulgar sua avaliação sobre o adiamento dos desfiles de Carnaval, Gilson Machado mudou a data de uma das fotos. A primeira imagem a que atribui a suposto desrespeito em 2020, é da apresentação da comissão de frente da Escola de Samba Gaviões em 2019, que reeditou o enredo de 1994 “A saliva do santo e o veneno da serpente” que conta a história, lendas, benefícios e malefícios do tabaco. Na apresentação a Comissão de Frente da escola encenou uma disputa entre Jesus e as forças do mal, incluindo o diabo. Após a repercussão com críticas de religiosos, inclusive da Banda Evangélica no Congresso Nacional que acusou a Gaviões da Fiel de desrespeito, a escola publicou fotos em suas mídias sociais de momentos do desfile em que Jesus sai vitorioso na disputa com os dizeres “Jesus venceu o mal”.
A Comissão de Frente da Gaviões encenava a história de Santo Antão, que, segundo a tradição católica, deparou-se com uma serpente debilitada durante peregrinação pelo deserto. Apesar de ter salvo a cobra, Antão acabou picado por ela. A narrativa afirma que o peregrino arrancou o veneno com a boca e cuspiu no chão, e ali nasceu um ramo do que veio a ser o tabaco. A comissão da escola narrava essa crença: Santo Antão foi representado por uma escultura que cuspia fumaça quando se livrava do veneno. A mesma apresentação mostrava um anjo e Jesus derrotando o diabo em uma batalha.
Em entrevista à revista Veja, em março de 2019, o coreógrafo da escola Edgar Júnior explicou:
“O personagem do diabo está ali para testar a fé do Santo Antão. O enredo mostra que o diabo perde a batalha para os anjos do bem diversas vezes. Depois disso, ele coordena com as forças do mal e batalha com Jesus, que realmente sofre. Mas, no final, os anjos protegem Jesus e ele aparece forte, abençoa a plateia, os anjos do bem e do mal e até o diabo, porque ele é uma pessoa de luz. Acaba a guerra e ele fala com Santo Antão como a dizer: ‘Não perca a sua fé, sempre vão testá-la, mas estou aqui contigo’. O bem vence no final”.
Edgar Júnior em entrevista à Revista Veja em março de 2019
Em 2019, a escola campeã de São Paulo foi a Mancha Verde, com desfile sobre a princesa africana Aqualtune, avó de Zumbi dos Palmares, e discutiu escravidão, direitos de negros e mulheres e intolerância religiosa na avenida. Em 2020, aconteceram desfiles em várias cidades do Brasil, normalmente, inclusive em São Paulo. No Anhembi, a escola Águia de Ouro, foi a campeã, com enredo sobre a evolução do conhecimento humano, da Idade da Pedra à esperança nos robôs. A Gaviões da Fiel desfilou com um enredo sobre o amor.
Portanto, o Ministro do Turismo publicou um trecho da encenação de 2019 em que o diabo parecia vencer, com a legenda “2020”, levando seguidores à noção enganosa de que foi o ocorrido no ano anterior que teria provocado a ira de Deus com o envio da pandemia de covid-19 sobre o mundo. Na compreensão de Gilson Machado, por causa da encenação na pista, Deus teria agido imediatamente com o coronavírus para fechar sambódromos, contaminando 109 milhões de pessoas e matando quase 2,5 milhões em 192 países/regiões (dados até o fechamento desta matéria).
O não-dito que fala
Confrontado por quem viu a postagem enganosa, Gilson Machado Neto respondeu: “Não sou contra o carnaval, sou músico. Sou contra tripudiar e blasfemar o nosso Pai!”, disse o ministro de fé católica romana, nomeado durante as negociações do governo com o chamado Centrão, em troca de apoio na eleição para a presidência da Câmara dos Deputados. Ele era presidente da Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur) e passa a ocupar a pasta responsável por promover o turismo do Brasil, que tem o Carnaval como evento historicamente atrativo.
A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) estima que os setores de transportes, hospedagem e alimentação serão os mais afetados com o cancelamento do carnaval no Brasil, em 2021, por conta da pandemia do novo coronavírus. No ano passado, a data movimentou aproximadamente R$ 8 bilhões e gerou cerca de 25 mil empregos. Excepcionalmente neste ano, a CNC não fez projeções concretas sobre o carnaval, sobretudo por conta das diferentes decisões de estados e municípios em relação ao feriado.
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O Coletivo Bereia classifica como enganosa a postagem do Ministro do Turismo Gilson Machado Neto, que fez uso de montagem de fotos com alteração de data, para reforçar a crença em um Deus violento e vingativo, que teria se sentido ofendido com um desfile de carnaval no Brasil, e por isso contaminou dezenas de milhões de pessoas com vírus, matou outros milhões em todo o planeta, e tornou mais pobres pessoas que dependem do turismo para sobreviver.
* Investigado por Luciana Petersen e Juliana Dias, do Coletivo Bereia, em parceria com Coletivo Niara, Marco Zero Conteúdo e A Gazeta. Verificado por Jornal do Commercio, Correio 24 horas, NSC Comunicação, Folha, UOL, Estadão e GZH. Publicado originalmente no Projeto Comprova.
É falso que a CoronaVac teria causado a morte de um homem e que o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), tenha anunciado a aplicação das primeiras doses da vacina para 20 de novembro. A afirmação consta em um texto do site Estudos Nacionais publicado em 10 de novembro, dia seguinte ao da suspensão dos testes do imunizante pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
A interrupção realizada pela Anvisa aconteceu por causa de um evento adverso grave, que depois ficou claro ser um óbito ocorrido no final de outubro, em decorrência de uma morte que está sendo investigada como suicídio por intoxicação de um dos voluntários da vacina. Nenhuma outra morte foi verificada. A paralisação durou dois dias e os testes no Brasil já foram retomados, após ficar comprovado que o óbito não tinha relação com a CoronaVac. Apesar disso, a Anvisa informou que seguirá acompanhando o desfecho do caso “para que seja definida a possível relação de causalidade entre o EAG [evento adverso grave] inesperado e a vacina”.
Nesse período, a Anvisa e o Instituto Butantan concederam entrevistas coletivas e documentos oficiais da Polícia Militar e da Polícia Civil vieram a público com esclarecimentos sobre o caso. O episódio se tornou mais um da politização da pandemia, inclusive com o presidente Jair Bolsonaro comemorando que “teria ganhado mais uma”.
Reportagens que cobriram o avanço da vacina no Brasil e o próprio Instituto Butantan afirmaram que, por enquanto, apenas a compra das doses do imunizante foi realizada e que a aplicação depende da aprovação da Anvisa, que ainda está em análise e sem data para ocorrer. O acordo é entre o Governo de São Paulo e o laboratório Sinovac.
Como verificamos?
Para verificar a causa da morte do voluntário da CoronaVac e elucidar a suspensão feita pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, o Comprova procurou no Google por notícias divulgadas em veículos de imprensa que acompanharam o caso de perto. Também procuramos as notas oficiais publicadas pela Anvisa e acionamos o Instituto Butantan.
Com o objetivo de esclarecer se a interrupção dos testes da vacina teria se dado de maneira correta e entender como funcionam as etapas anteriores à aprovação e à comercialização de imunizantes no Brasil, a equipe também entrevistou Valéria Vianna, coordenadora de Pesquisa Clínica na Universidade Federal do Rio de Janeiro (URFJ), por telefone.
Por fim, para analisar o autor e a página do texto verificado, o Comprova recorreu às informações que constam no próprio site que publicou o conteúdo, às reportagens de outros veículos, encontradas por meio de uma pesquisa no Google com os respectivos nomes, e à consulta da lista de mestres da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 16 de novembro de 2020.
Suspensão dos testes da CoronaVac: causas e desdobramentos
Em nota publicada no dia 9 de novembro, a Anvisa informou ter interrompido os estudos clínicos da CoronaVac “após a ocorrência de um evento adverso grave” em 29 de outubro. O objetivoera “avaliar os dados observados até o momento e julgar o risco/benefício da continuidade do estudo”. Por medidas de segurança, durante esse período, nenhum voluntário novo poderia ser vacinado.
De acordo com a Resolução da Diretoria Colegiada nº 9 de 2015 do Ministério da Saúde, são considerados eventos adversos graves: óbito, evento potencialmente fatal, incapacidade ou invalidez persistente ou significativa, exigência de internação hospitalar ou prolongamento da internação, anomalia congênita ou defeito de nascimento, suspeita de transmissão de agente infeccioso por meio de dispositivo médico e evento clinicamente significante.
Neste caso específico, trata-se da morte de um voluntário de 32 anos. Durante a manhã do dia 10 de novembro, Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan, parceiro da fabricante chinesa Sinovac para produzir o imunizante no Brasil, afirmou, em entrevista coletiva, que era “impossível que haja relacionamento desse evento com a vacina”, sem detalhar por qual motivo ou qual havia sido a causa do óbito.
Já na manhã do dia 11 de novembro, menos de 48 horas depois do anúncio da suspensão, a Anvisa autorizou a retomada dos estudos da CoronaVac. De acordo com a agência, a mudança foi possível graças a novas informações enviadas pelo Instituto Butantan, como a provável causa da morte, o boletim de ocorrência e o parecer do Comitê Independente de Monitoramento de Segurança.
“Após avaliar os novos dados apresentados pelos patrocinador depois da suspensão do estudo, a Anvisa entende que tem subsídios suficientes para permitir a retomada da vacinação (…) É importante esclarecer que uma suspensão não significa necessariamente que o produto sob investigação não tenha qualidade, segurança ou eficácia”, afirma o texto.
Depois, no dia 12 de novembro, a GloboNews teve acesso ao laudo do exame toxicológico do Instituto Médico Legal (IML), no qual consta que o voluntário morreu por intoxicação aguda causada por agentes químicos. Foi detectada a presença de álcool, grande quantidade de sedativos e um analgésico cirúrgico cem vezes mais potente que a morfina
CoronaVac não matou voluntário e Doria não anunciou a aplicação da vacina
Diferentemente do que afirma o título do texto “Vacina chinesa mata homem após Doria gastar meio milhão em doses”, não é possível afirmar que a CoronaVac foi a causa da morte do voluntário e nenhuma autoridade chegou a dizer isso. Pelo contrário, as informações indicam que não há relação.
Publicado no dia 10 de novembro, dia da suspensão dos testes da CoronaVac pela Anvisa, o texto verificado até cita que as causas da morte ainda eram investigadas e que o Instituto Butantan afirmou que não era um óbito relacionado à vacina. No entanto, nas publicações nas redes sociais da página, apenas o título fica disponível para os internautas, que acabam recebendo uma informação distorcida.
Aliás, no post no Facebook, o único trecho citado do texto diz respeito a um anúncio que teria sido feito pelo governador João Doria da “aplicação do primeiro lote de 120 mil doses, que são parte de um acordo firmado pelo governador com o governo chinês, em 2019”. Essa informação também está incorreta.
Por meio de nota, o Instituto Butantan reforçou que é “totalmente inverídica a informação de óbito de voluntário em decorrência da vacina CoronaVac” e que “em nenhum momento o Governo de São Paulo ou o Instituto Butantan confirmaram a vacinação sem a aprovação e registro da Anvisa”. Assim como detalhou os eventos adversos leves mais comuns e esclareceu que “a parceria efetiva para produção e testes em estágio avançado de uma vacina contra o coronavírus foi firmada somente em junho de 2020, entre o Governo de São Paulo, por meio do Instituto Butantan, e a farmacêutica chinesa Sinovac”.
O Comprova enviou questionamentos sobre o conteúdo ao site Estudos Nacionais no dia 12 de novembro pelo e-mail disponível na página de contato. Embora não tenha obtido retorno, parte do texto passou a ficar disponível apenas para assinantes. Até a data, ele não havia sido atualizado nenhuma vez com as novas informações. No período, o site apenas publicou novos textos relacionados ao caso, mas ainda tratando a morte como “misteriosa”.
Em entrevista à Folha de S.Paulo em julho do ano passado, Cristian Derosa afirmou que a editora catarinense foi criada em 2016 e “tem como como principal foco a produção de pensamentos alinhados a valores conservadores”.
Na mesma época, ele publicou um texto que leva a um documento com produções que receberam recurso da Agência Nacional do Cinema (Ancine), mas que “não deviam ter sido aprovadas”. Dois dias depois, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) declarou o desejo de mudar a política do patrocínio federal.
Desde o início, com a recomendação do uso de máscara e do distanciamento social até a defesa ou não de remédios como cloroquina e ivermectina, a pandemia passou por um processo de politização no Brasil, dos quais os protagonistas foram o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o governador de São Paulo, João Doria. No próprio dia da suspensão dos testes da CoronaVac pela Anvisa, o presidente escreveu no Facebook que “ganhou mais uma”.
Apesar de fazer a ressalva de que a emergência sanitária global obriga os pesquisadores a abrirem mão de parte das exigências científicas – como encurtamento de prazos e aceleração de análises, por exemplo, Valéria Vianna, coordenadora de Pesquisa Clínica na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), acredita que a interrupção dos estudos decretada pela agência se deu dentro deste cenário politizado.
“Eu entendo que o Butantan, com o respeito e prática que eles têm, tenha reportado dentro do intervalo de tempo exigido para o laboratório; e não acredito. Ao longo de todos os meus anos de pesquisa clínica, nunca passei pela situação da Anvisa suspender um estudo por conta de um evento, até porque esse evento, pelo que a mídia publicou, foi um suicídio”, comentou.
Para Valéria Vianna, “a gente ficou no meio de uma briga política, porque a vacina deixou de ser contra a covid-19, deixou de ser uma vacina conduzida por pesquisadores, por um instituto muito sério, que é o Butantan, e outros hospitais da rede, para se tornar a vacina do governador X que é contra o presidente Y. Eu vejo muito mais como uma questão política”, opinou.
Por que investigamos?
Na terceira fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos relacionados a políticas públicas do governo federal ou à pandemia. Neste caso, a divulgação de informações enganosas ou falsas é ainda mais grave, porque pode colocar a saúde das pessoas em risco. Nesta verificação, o texto falso contribui para o descrédito das vacinas contra a covid-19, apontadas por especialistas como o meio mais promissor controlar à doença que já tirou a vida de mais de 165 mil brasileiros, de acordo com os dados do Ministério da Saúde.
Até o dia 13 de novembro, o texto publicado no site Estudos Nacionais tinha mais de 47 mil interações no Facebook e mais de 1.500 compartilhamentos, principalmente em grupos ou páginas de apoio ao presidente Jair Bolsonaro. De acordo com a ferramenta CrowdTangle, também tiveram compartilhamentos menos numerosos no Twitter e na rede social Reddit.
Falso, para o Comprova, é qualquer conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.
Alguns veículos como o G1, Noca portal de credibilidade e o portal evangélico CPAD News publicaram manchetes semelhantes à “Assembleia Legislativa do MA aprova projeto que diminui pena de presos que lerem livros da Bíblia”. Os sites não esclareceram, porém, se essa leitura era obrigatória ou se havia outros livros passíveis de ser escolhidos pelos detentos.
Originalmente, o projeto oferece ao detento a oportunidade de reduzir parte da pena pela leitura mensal de uma obra literária, clássica, científica ou filosófica, entre outras, que são previamente escolhidas pela Comissão de Remição pela Leitura, e pela elaboração de relatório ou resenha. Em artigo intitulado “Projeto Remição pela Leitura: atuação das bibliotecárias da Universidade Federal do Maranhão – Campus Grajaú na Unidade Prisional de Ressocialização”, Jaciara Marques Galvão Silva e Francinete Costa Primo comentam que o acervo é composto por livros didáticos, Bíblias e outras obras religiosas, da área de educação, dicionários e muitos paradidáticos, a maioria literatura brasileira. Isto é, não é apenas a Bíblia que está disponível para a remição de pena, e sim também a Bíblia.
Além disso, de acordo com o artigo décimo do documento do PL de origem, de 2017, “A participação do interno custodiado alfabetizado no Projeto Remição pela Leitura será voluntária, mediante inscrição no setor pedagógico ou social do Estabelecimento Penal”. O artigo 12 acrescenta: “O interno custodiado alfabetizado poderá escolher somente uma obra literária dentre os títulos selecionados para leitura e elaboração de um relatório de leitura ou resenha, a cada trinta dias”. Portanto, a proposta de leitura aos detentos, além de voluntária, é opcional, o acréscimo da Bíblia no acervo não induz a obrigatoriedade da leitura, e sim disponibiliza a opção de escolhê-la.
O PL 281/2019 não foi disponibilizado na plataforma de leis e projetos em votação da Assembleia Legislativa do Maranhão até o fechamento desta matéria. O Coletivo Bereia entrou em contato com o gabinete da deputada Mical Damasceno e conseguiu acesso à íntegra do documento aprovado recentemente. De acordo com o texto, não há indício algum de que a Bíblia seja o único livro que pode ser lido para reduzir a pena. É possível conferir o documento abaixo.
“É importante ressaltar, ainda, que o presente projeto não fere o Estado Laico, pois a leitura da Bíblia não está sendo imposta. O que se pretende aqui é garantir o direito de leitura deste livro tão importante. A Bíblia, além de ser o livro mais lido no mundo, tem sido agente transformador e possui maior influência do que qualquer outro semelhante”, explica a deputada Mical Damasceno, autora e precursora do projeto. Não consta no PL imposição da Bíblia aos detentos, no entanto pode haver interesse em estimular a leitura, considerando que o projeto prevê a obrigatoriedade no acervo.
No fim do documento do PL 281/2019, na seção de justificativa, pode-se notar que a deputada Mical Damasceno trouxe uma explicação compatível com a sua crença: “A Bíblia é a única Escritura sagrada que oferece salvação eterna como um dom totalmente gratuito da graça e da misericórdia de Deus. Contém os mais elevados padrões morais dentre todos os livros. Somente a Bíblia apresenta o mais realístico ponto de vista sobre a natureza humana, tem o poder de convencer as pessoas de seus pecados e a habilidade de transformar a natureza humana. Ela oferece uma solução realística e permanente para o problema do mal e do pecado humano”, justifica ela.
De acordo com o dispositivo legal, sendo a Bíblia a obra literária escolhida, esta será dividida em 39 livros (Velho Testamento) e 27 livros (Novo Testamento), considerando-se assim a leitura de cada um deles como uma obra concluída.
Medida similar em São Paulo
Na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) foi adotada medida similar. Segundo o Projeto de Lei n. 390/2017, as Escrituras também seriam divididas em 66 livros – 39 do Velho Testamento e 27 do Novo Testamento. Porém, o projeto foi vetado em fevereiro deste ano por ser considerado inconstitucional sob o argumento de que legislação penal é de competência do Senado e da Câmara, e não da Alesp como prevê a Constituição.
Em São Paulo, na época da aprovação do PL, em meados de 2018, houve um questionamento sobre a laicidade. O professor do Instituto de Direito Público de São Paulo (IDPSP), Conrado Gontijo, relatou que o projeto esbarra na escolha da recomendação da Bíblia como livro indicado para leitura. “O Estado brasileiro é laico. Você não pode beneficiar alguém por ler a Bíblia e tirar o benefício de outra pessoa ler outro livro de sua religião”, diz ele.
Por outro lado, a Bíblia é uma coleção de livros religiosos de aproximadamente 1.500 páginas. Se for considerá-la como uma obra literária só, seria de fato muito grande em comparação com outras. Dada a extensão, a já comum divisão em livros com quantidades menores de páginas é um facilitador para que os detentos possam escolher o livro religioso.
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Bereia classifica as matérias que divulgam o PL 281/2019 como imprecisas por oferecerem conteúdos verdadeiros, porém sem considerar as diferentes perspectivas e não contextualizar a situação explicando que os livros da Bíblia são apenas parte do acervo que pode ser lido pelos detentos em progressão de pena.
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Foto de capa: Pixabay/Reprodução
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Referências de checagem
ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO MARANHÃO. Aprovado PL que insere a Bíblia como livro obrigatório na remição de pena. Disponível em: https://www.al.ma.leg.br/noticias/40250. Acesso em: 13 ago 2020.
ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO MARANHÃO. Deputada Mical apresenta projeto que inclui a Bíblia no acervo bibliográfico do projeto “Remissão pela Leitura”. Disponível em: https://www.al.ma.leg.br/noticias/38497. Acesso em: 13 ago 2020.
PROJETO REMIÇÃO PELA LEITURA: atuação das bibliotecárias da Universidade Federal do Maranhão – Campus Grajaú na Unidade Prisional de Ressocialização. Disponível em: https://portal.febab.org.br/anais/article/download/2192/2193. Acesso em: 13 ago 2020.
Nos últimos meses, temos presenciado o desespero de diversos pastores midiáticos insistindo na reabertura das Igrejas, fechadas por conta da pandemia da Covid-19. E também uma aproximação, cada vez mais estreita, desse grupo com o governo federal – que frente à crise política que se encontra, aposta em sua base evangélica como uma das estratégias para se manter no poder. O iminente golpe financeiro nas igrejas, resultado da não arrecadação presencial dos dízimos, pode ser a razão desse desespero das portas fechadas. No entanto, a questão econômica como parte em destaque nas disputas políticas não é o único problema enfrentado pelos pastores midiáticos que hegemonizaram a visão de quem seriam os evangélicos nesse país. É importante aprofundarmos o problema para compreender que o risco ultrapassa os dízimos perdidos nos cultos não presenciais.
Para o Pastor Ricardo Gondim, da Igreja Betesda de São Paulo, muitos destes pastores têm sua teologia edificada no fundamentalismo, que enxerga na Bíblia uma verdade absoluta, fetichizada, não crítica e não contextualizada: “usa-se os versículos sem contexto para justificar qualquer pauta moral que se julgue necessária. Insistir no discurso é necessário para esses pastores porque se não insistirem, vão ter que assumir que o que sempre pregaram estava errado”, afirma o pastor. Falaremos mais adiante sobre as contradições entre as falas fundamentalistas dos pastores – que tem apostado na fé como principal forma de cura e prevenção – e a realidade em tempos de Covid-19.
Do outro lado estão os evangélicos frequentadores das igrejinhas neopentecostais que vão se multiplicando como o milagre dos pães nas periferias das cidades e nos cantos deste país. Periferias e cantos esquecidos pelo Estado, abandonados à própria sorte, onde, apesar das inúmeras tentativas de imersão dos diversos setores do campo popular, ainda não foi possível consolidar um trabalho de base e uma organização que desse conta dos anseios e necessidades de nossa classe. Não é mais tão novo no nosso campo falarmos da importância que as igrejas têm cumprido nos territórios periféricos; são elas que constroem cotidianamente uma visão de mundo para a classe trabalhadora. Essa visão vai para além das interpretações bíblicas, se constrói com uma metodologia que nos últimos 30 anos têm ganhado corações e mentes de parte significativa da classe trabalhadora, dando respostas concretas, subjetivas e objetivas para nosso povo.
nesses espaços o povo encontra respostas que, no fundo, não dizem respeito somente à Deus ou à Palavra, mas também às demandas demasiadamente humanas, concretas, essenciais, como o desejo de fazer parte de grupos ou coletivos que nos acolham (sentimento de pertencimento), de ter acesso a bens simbólicos, ao belo e ao lazer (rituais festivos e catárticos), a esperança de melhorias materiais e financeiras, bem como a urgência em obter tratamentos para o corpo e a alma (curas “milagrosas”), demandas que nos são cada dia mais negadas pelo capitalismo periférico contemporâneo e por um sistema de saúde falido. Sem o atendimento a tais demandas, sentimo-nos frágeis e desesperados, entregues a uma vida despedaçada. (…)
FERNANDES, 106
É na Igreja também que os jovens têm a possibilidade de aprender a tocar um instrumento musical e vivenciar um espaço de sociabilidade no inacabável tempo de ociosidade que o desemprego proporciona para grande parte desse segmento da sociedade. As histórias de superação testemunhadas diariamente nas igrejas dão forças para que outros fiéis possam mudar a própria vida, já que enxergam no pastor e nos irmãos e irmãs de fé alguém como eles próprios. É nessas igrejas que a classe trabalhadora empobrecida tem alguma chance de elaborar o trauma da humilhação dos patrões, da mídia e do Estado e, quem sabe, recuperar algo da dignidade que lhe é roubada numa sociedade marcada por quase quatro séculos de escravidão, agravados pela precarização da vida em tempos neoliberais.
A mulher negra e pobre que passou o dia lavando o banheiro do seu patrão, e gastou horas intermináveis nos precários meios de transportes públicos, pode cantar e encantar a sua comunidade levando “a palavra” por meio de uma música, deixando ali de ser invisível². “Durante a semana, elas (as mulheres trabalhadoras frequentadoras das igrejas) não têm um emprego executivo, a mulher é empregada doméstica, mas no domingo ela se arruma, porque o melhor lugar que ela vai durante a semana é a igreja (…) é um espaço de solidariedade, mas também de ascensão social”, completa o pesquisador e frequentador da Igreja Betesda, Gedeon Alencar.
Em tempos de pandemia em que a crise sanitária e econômica acertam bem no meio do peito a vida dos trabalhadores periféricos, as igrejas cumprem o papel de preencher esse vazio nos corações e mentes das pessoas. “Sinto depressão, a igreja é o alimento da alma”, nos conta Cleonice Vitor, trabalhadora doméstica e moradora do bairro Peri Alto, periferia da Zona Norte da cidade de São Paulo, onde os casos de morte por coronavírus aumentam assustadoramente. Simone Stoco, dona de casa, moradora do mesmo bairro, vive a angústia de ficar em casa: “para nós foi um choque porque antes a gente vivia dentro de casa, não tinha contato com muitas pessoas, então conforme a gente foi para a igreja a gente começou a se relacionar bastante, ter muitas amizades, nós temos muitas amizades na igreja, minha casa estava sempre cheia, é muito estranho não encontrar, não poder abraçar, a gente saía com eles (membros da igreja), o isolamento para nós foi um choque”.
O culto online foi a resposta possível que as igrejas evangélicas construíram para manter a relação entre pastores e comunidade, mas é possível perceber que a necessidade da igreja para os trabalhadores periféricos vai além das palavras pregadas no culto. Para boa parte destes trabalhadores, os cultos online aparecem como uma tentativa de continuidade de um trabalho consolidado das igrejas, mas que na realidade não é tão efetivo, pois não dá conta de abarcar as demandas subjetivas da classe empobrecida. Enquanto a classe média tem a opção de elaborar seu sofrimento por meio de inúmeras terapias disponíveis, para a classe trabalhadora, esse é mais um alimento que irá faltar na mesa.
Culto online: alternativas teotecnológicas de espiritualidade
Com as novas demandas de um mundo vivenciando o CoronaChoque³, as igrejas também estão em processos de adaptação. O culto online é uma tentativa de resposta, já conhecida de grandes igrejas, para a espiritualidade em tempos de pandemia. Em um levantamento de dados realizado pelo pesquisador Livan Chiroma (UNICAMP), entre janeiro e abril de 2020, no mês de março a busca pelo termo “culto online” aumentou 10.000% no buscador Google. Um aumento exponencial que reflete a busca de respostas da fé para o enfrentamento do vírus. E isso significou uma mudança no cotidiano de muitas igrejas e fiéis que tiveram que se adaptar a essa nova forma de culto e ação pastoral.
A pastora batista Odja Barros conta como foi a experiência desse novo formato na Igreja Batista do Pinheiro, em Maceió (AL). “A primeira vez fizemos uma live de uma das salas da igreja, somente eu, Wellington e mais três pessoas do louvor. E foi bastante estranha para nós, eu me senti perdida porque foi a primeira experiência que a gente tinha feito. Nossos cultos são gravados normalmente e depois editados a partir da mensagem e colocado no blog da igreja, mas nunca tínhamos feito lives de culto. Ninguém sabia direito como fazer, foi bem tenso, bem diferente a experiência. Eu que preguei e foi a primeira vez que tive que fazer um sermão para um público que não existia na minha frente, sem as respostas dos olhares, da presença da comunidade. Foi um aprendizado.”
O desafio que a pandemia impôs às igrejas evangélicas fez com que pastores e pastoras rompessem algumas barreiras pessoais. O pastor Rosivaldo da Catedral da Adoração – Igreja com Propósito, de Goiás (GO), não gosta de redes sociais, mas a demanda do momento o fez iniciar os trabalhos com as transmissões ao vivo: “Por um lado, nós tivemos que nos revelar. Isso trouxe para mim pessoalmente, e outros pastores do ministério, um desconforto. […] Aqui desde o começo da quarentena fizemos lives. É uma forma de você manter a igreja integrada e alimentar as pessoas com as pregações, cultos, hinos.”
Claudio Ferreira de França, da Igreja Visão Plena, aponta o constrangimento em relação ao dízimo: “No começo deu certo receio, um certo constrangimento na verdade […] para a gente era meio constrangedor: na nossa igreja, nós ficamos aqui, não está tendo culto presencial, mas as contas precisam ser pagas, aí você pede ou não pede a oferta? Nós precisamos quebrar essa barreira”. Um outro desconforto ocorreu com o Pastor Felipe dos Anjos, da Igreja Batista da Água Branca, na Zona Oeste de São Paulo. “Fazer o louvor entre cadeiras vazias foi assustador! Louvor com o templo vazio é quase uma impossibilidade da experiência, ela retarda em acontecer porque falta o outro. Fica um mal-estar, mesmo que o desejo seja em servir os outros.”
Além da estranheza da ausência dos fiéis, a pastora Odja compartilha os percalços com as plataformas e maneiras de realizar o culto online. Após a primeira experiência, a igreja não fez mais cultos dentro do templo, mas cada um em sua casa explorando outras tecnologias. “Fomos nos tateando e sofrendo com isso. Foi a assessoria da igreja e da juventude que foi descobrindo por onde a gente devia ir”, relata Odja. Além dos processos de adaptação há um novo mercado em ascensão que tem lucrado nesse período: plataformas de reuniões online. Os serviços gratuitos para encontros onlines tem suas limitações, seja de ferramentas ou tempo disponível, por isso é necessário fazer as assinaturas desses serviços para obter uma melhor transmissão. Odja Barros nos conta que “foi preciso um investimento em tecnologia que a gente não tinha. Por exemplo, tivemos que comprar uma assinatura de um programa que possibilitasse as entradas do pessoal de onde estiver participando ao vivo.”
O pastor metodista André Guimarães, que pastoreia uma pequena comunidade em Engelho Velho da Federação, em Salvador (BA) – uma igreja em meio a um território de disputa de facções -, compartilha a experiência inicial do culto online. “Antes eu estava gravando áudios pelo Whatsapp. Fazia um culto sozinho. Algo como meio rádio, entendendo que o povo tem dificuldade com Facebook e Instagram. Mas uma irmã veio com a assinatura do Zoom e colocou à disposição da igreja. E viabilizou a participação dos membros nos momentos de louvor, intercessão…”. A plataforma Zoom possibilita conferências remotas com múltiplos participantes, o serviço gratuito é limitado a 40 minutos por sessão e restringe outras ferramentas. A assinatura é um investimento para que os usuários consigam utilizar em sua plenitude o que o aplicativo oferece.
As igrejas que não possuem acesso às plataformas similares de interação, seja pelo tamanho da igreja ou por condições financeiras, acabam limitando ainda mais a experiência do culto. Para Ronaldo Oliveira, membro da Assembleia de Deus Ministério Madureira e policial militar, “o culto online não tem a mesma dimensão do estar presente, por mais que ele alcance mais pessoas”. Para muitas igrejas evangélicas o ato do culto é muito mais do que apenas ouvir o sermão, mas sim todas as trocas simbólicas que a experiência cúltica proporciona. Para o pastor pentecostal Francisco Veras, da Igreja Torre Forte, na Zona Leste de São Paulo, o “culto não é uma palestra ou reunião, é necessário a participação da comunidade”. Porém, a igreja tem transmitido seus cultos pelo Facebook, o que tem limitado essa experiência, assim como transmitir as letras dos hinos e louvores para sua comunidade, que expressou ser uma dificuldade no período do louvor e adoração. Nas palavras de Gedeon Alencar, o culto online “vira quase um espetáculo que você está assistindo, uma pessoa falando, uma pessoa cantando, são pessoas que você conhece, mas fica distante…”. O pastor André Guimarães relata as diferenças após a utilização da plataforma Zoom: “Por que a gente aderiu ao Zoom e não ao Facebook ou Instagram? Porque a live acaba restringindo a participação e fica apenas os que estão na transmissão, ou os que comentam. No zoom, há interação. Pessoas podem interceder, orar, é mais participativo. Zoom dá um ambiente de reunião.”
Mesmo com esses limites, pastores e fiéis têm compreendido a necessidade de continuar o culto online no pós-pandemia. A pastora Odja relata que o retorno de sua comunidade em Maceió tem sido positivo e os fiéis têm partilhado suas experiências: “Escutar algumas experiências está mostrando que é possível romper a barreira do espaço, e sentir toque da presença do Espírito, mesmo online. Não é possível reproduzir a celebração presencial, mas é possível viver um tipo de sensação cúltica de espírito comunitário, dessa maneira.”. O pastor Silvio dos Anjos, da Igreja Sara Nossa Terra é enfático: “esse culto online não vai mais poder parar de acontecer.” Embora as experiências sociais online não sejam comparadas a experiências presenciais, muitos tem gostado da praticidade do encontro virtual. Além de cultos online, as igrejas têm realizado outras programações do cotidiano da igreja de maneira virtual, como os estudos bíblicos à distância. Na Igreja Batista do Pinheiro a resposta tem sido positiva. “Tem gente pedindo que quando tudo normalizar continue fazendo online porque não consegue ir aos estudos bíblicos no domingo”, relata a pastora Odja Barros.
As igrejas têm outra tarefa além da transmissão online, o acompanhamento de participação dos membros em seus cultos. O que em grandes igrejas representa algo que foge do controle, mas em pequenas e médias igrejas é possível notar a participação de membros de outras congregações. O jovem militante Jackson Augusto disse que está vendo cultos de outras igrejas, assim como o pastor André Guimarães notou novos visitantes em sua pequena comunidade em Salvador. Pastora Odja Barros salientou que membros de igrejas mais conservadoras tem visto os cultos e reuniões das igrejas, coisa que não acontecia no presencial por conta do envolvimento da Igreja Batista do Pinheiro com causas sociais e de direitos humanos. O pastor Fellipe dos Anjos constatou que “nas primeiras celebrações, quase quintuplicou. A média de acompanhamento ao vivo da IBAB era 3 mil, porém, em um domingo chegou a 30 mil. Uma celebração de sábado 8 mil. Agora chegamos a um platô porque agora você tem muitas opções de ao vivo, lives, cultos, pequenas e médias igrejas”.
A realização da Santa Ceia, a partilha do pão e vinho como forma de comunhão da igreja como Corpo de Cristo, tem sido uma questão emblemática a muitas igrejas. A pesquisadora Magali Cunha pontua que atualmente “as mídias são como mediadoras do sacramento. Coisas que eram barreiras, agora se liberam”. O pastor André Guimarães acompanhou algumas dessas discussões em grupos no Facebook, que alguns pastores/as colocavam como uma heresia a ceia nos lares. “Eu não preciso estar, literalmente, de corpo presente para estar em comunhão contigo, ou para reunir em nome de alguém. Não há nada que impeça a gente de celebrar e interceder pelos outros, e sermos comunidade fora do templo. Não há nenhum problema. Agora é necessário superar os sectarismos! Superar as ideias que foram impostas de uma lógica de templo, e não comunitária”, diz o pastor.
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¹ Nos meses de abril e maio realizamos 21 entrevistas com membros das igrejas evangélicas, frequentadores e pesquisadores do tema. As entrevistas foram realizadas por telefone e vídeo e duraram em média 30 minutos. O assunto inicial era sobre as mudanças da vivência da espiritualidade dos evangélicos por conta dos fechamentos das igrejas e da possibilidade de assistirem aos cultos virtualmente. As conversas ultrapassaram o tema proposto inicialmente e se tornaram material precioso para nossa pesquisa. Este texto, portanto, busca trazer as reflexões dessas conversas e apontar as novas possibilidades de contra-narrativas nas brechas do fundamentalismo religioso e os avanços da luta nos espaços progressistas liderados por evangélicos. Os autores são pesquisadores do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.
² A reflexão sobre o papel psicossocial das igrejas evangélicas neste parágrafo e que permeiam esse texto tem como fonte o artigo “Psicoterapia Popular do Espírito Santo: hipóteses sobre o sucesso pentecostal na periferia de metrópolis periféricas”, de Marco Fernandes, publicado originalmente na revista Margem Esquerda n° 29 (2017), da Boitempo Editorial.
³ CoronaChoque é um termo que se refere à forma como o vírus atingiu o mundo com uma força avassaladora e como a ordem social do Estado burguês desmoronou diante dele, enquanto a ordem socialista pareceu mais resiliente.