No dia 25 de fevereiro de 2020, o site Gospel Prime publicou matéria com o seguinte título: “Após pressão evangélica, Witzel revoga decreto que favorecia ideologia de gênero”.
A matéria do Gospel Prime relata:
O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), afirmou neste domingo que irá revogar o decreto assinado por ele, na semana passada, que pune quem “discriminar pessoas por preconceito de sexo, identidade de gênero ou orientação sexual”.
Witzel afirmou que o texto foi publicado com erros no Diário Oficial e que é necessário fazer alterações e republicar o decreto, protegendo assim a liberdade religiosa e a liberdade de expressão, já que o texto abria brechas para que igrejas fossem punidas por considerar homossexualismo pecado ou quem criticasse a ideologia de gênero.
A decisão foi tomada após a Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional pressionar para que o governador revisasse o texto.
“Eu havia feito correções no decreto que, por equívoco, não foram publicadas. No decreto nós somente vamos aplicar sanções após o julgamento da secretaria de Direitos Humanos conforme determina o artigo terceiro da Constituição, que fala na proibição da discriminação de sexo, raça, cor, etnia, opinião política, opção religiosa”, disse.
Em nota, a Casa Civil do Rio de Janeiro também confirmou o equívoco no decreto publicado e afirmou que na próxima semana o “decreto será tornado sem efeito, para as correções que se fizerem necessárias”.
Bereia checou as informações e verificou que a matéria faz referência ao Decreto nº 46.945, de 18 de fevereiro de 2020. O decreto regulamenta a Lei Estadual nº 7.041, de 15 de julho de 2015, que estabelece penalidades administrativas aos estabelecimentos e agentes públicos ou privados que discriminem pessoas por preconceito de sexo, identidade de gênero ou orientação sexual.
Leia na íntegra o Decreto nº 46.945, de 18 de fevereiro de 2020, publicada no Diário Oficial:
Após a publicação do decreto, membros da bancada evangélica protestaram:
Segundo matéria do Jornal O Globo, o deputado federal Sóstenes Cavalcanti também se manifestou: “queremos que esse decreto seja sustado na íntegra. Caso contrário, o governador pode saber que viverá com os evangélicos e católicos um inferno pós-carnaval”.
Houve também quem celebrasse a regulamentação da lei, como foi o caso do deputado estadual Carlos Minc (PSB-RJ).
Ainda segundo Jornal O Globo, a Lei 7.041, aprovada em 2015, regulamentada pelo decreto do governador, deixa expresso que a norma não se aplica às instituições religiosas. O artigo 6º da lei diz: “esta lei não se aplica às instituições religiosas, templos religiosos, locais de culto, casas paroquiais, seminários religiosos, liturgias, crença, pregações religiosas, publicações e manifestação pacífica de pensamento, fundada na liberdade de consciência, de expressão intelectual, artística, científica, profissional, de imprensa e de religião de que tratam os incisos IV, VI, IX e XIII do art. 5º da constituição federal.”
No dia 20 de fevereiro, dois dias após a publicação do Decreto 46.945/20, ele foi revogado, porém, sua publicação e consequente validade se deram a partir do dia 27 de fevereiro, após o recesso de Carnaval.
De acordo com o comunicado oficial da Secretaria da Casa Civil e Governança: “o Decreto 46.945 foi publicado equivocadamente, sem a correção do governador Wilson Witzel, excluindo fatos não contidos na lei. Na edição da próxima quinta-feira, dia 27/2, do Diário Oficial, o decreto será tornado sem efeito, para as correções que se fizerem necessárias”.
Segundo Gospel Prime, o texto do decreto abria brechas para que igrejas fossem punidas por considerar a homossexualidade pecado, ou punir quem criticasse a chamada “ideologia de gênero”, favorecendo esta ênfase. A matéria repete o alarde do deputado Marco Feliciano, de que se tornaria ilícito um pastor pregar que a homossexualidade é pecado.
Gospel Prime desinforma ao utilizar a expressão “favorecer a ideologia de gênero”, termo criado para desqualificar as demandas por direitos de gênero e desprovido de qualquer base científica, como já abordado em matéria do Coletivo Bereia.
O site de notícias religiosas, Gospel Prime, ainda desinforma quando repete sem avaliação crítica as palavras do deputado Marco Feliciano, que molda seu discurso com conteúdos que confundem e desorientam a população, apelando para uma retórica religiosa ao tratar de um tema do campo político e da luta por direitos humanos.
Bereia apurou que nenhum artigo do Decreto cerceava a liberdade religiosa ou de expressão. Portanto, classificamos a matéria de Gospel Prime como enganosa. Apesar de revogado pelo governador Wilson Witzel, após protestos de políticos e líderes evangélicos, é possível compreender por meio de simples leitura da Lei 7.041/2015 e do Decreto 46.945/2020, que a intenção do poder público era combater e coibir a prática de discriminação, coação ou violência em razão da identidade de gênero ou orientação sexual de qualquer cidadão, além de proteger uma parcela da população que sofre constantemente com preconceito e violência. Não havia no decreto qualquer menção à religião ou ao discurso religioso.
Segundo reportagem do Portal UOL, Brasil registra uma morte por homofobia a cada 16 horas.
Referências de checagem:
Site Gospel Mais. Após pressão evangélica Witzel revoga decreto que favorecia ideologia de gênero. Disponível em: https://www.gospelprime.com.br/apos-pressao-evangelica-witzel-revoga-decreto-que-favorecia-ideologia-de-genero/
Decreto publicado no Diário Oficial. Disponível em: https://bit.ly/2TRasvF
Lei nº 7041 de 15 de julho de 2015. Disponível em: http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/CONTLEI.NSF/b24a2da5a077847c032564f4005d4bf2/0e48c858ff67abf883257e89006b504b?OpenDocument
Revogação do decreto. Disponível em: http://www.ioerj.com.br/portal/modules/conteudoonline/mostra_edicao.php?session=VGpCRmVGSkVaM2xPZWtsMFVWUkZkMDFETURCT01FazFURlJvUms0d1JYUlJlbU4zVVdwVk5GSkVRVE5OUkVwRA==
O Globo. Witzel suspende decreto que punia instituições e pessoas por discriminação de gênero ou orientação sexual. Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/02/28/witzel-suspende-decreto-que-punia-instituicoes-e-pessoas-por-discriminacao-de-genero-ou-orientacao-sexual.ghtml
UOL. Brasil registra uma morte por homofobia a cada 16 horas. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2019/02/20/brasil-matou-8-mil-lgbt-desde-1963-governo-dificulta-divulgacao-de-dados.htm?cmpid