O deputado federal Marco Feliciano (Republicanos-SP), publicou em seu perfil no Twitter no último dia 30 de abril, crítica à matéria de capa do jornal Estado de São Paulo. Segundo reportagem, o presidente Jair Bolsonaro promoveu um encontro entre o secretário especial da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto, e o deputado federal David Soares (DEM-SP), filho do pastor R.R. Soares, da Igreja Internacional da Graça de Deus. Jair Bolsonaro teria pressionado o secretário da Receita Federal para que igrejas evangélicas tivessem suas dívidas com o fisco perdoadas.
No entanto, em 1º de maio, Marco Feliciano fez uma nova publicação com críticas à mesma matéria e levantou quatro pontos que, segundo ele, deveriam ter sido abordados pelo jornal O Estado de São Paulo.
O primeiro ponto levantado por Marco Feliciano faz menção a supostas reuniões entre o então presidente Michel Temer e líderes religiosos para tratar de débitos tributários. No entanto, em outubro de 2017, por interesse do governo Temer, o plenário do Senado Federal retirou do texto da Medida Provisória (MP) do Refis (programa de parcelamento de dívida com a Receita Federal e a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional proposto pelo governo federal) emendas que desagradavam o governo. Entre elas estavam o perdão às dívidas tributárias de entidades religiosas.
A inclusão do perdão a dívida de igrejas no Refis foi feita após o lobby das bancadas religiosas na Câmara dos Deputados (evangélica e católica). A emenda foi incluída no texto da MP enviada pelo governo ao Congresso pelo deputado Alberto Fraga (DEM-DF) e foi aprovada pela Câmara. No entanto, a emenda foi derrubada quando a proposta foi apreciada no Senado e posteriormente seguiu para a sanção de Michel Temer.
Durante seu governo, Michel Temer reuniu-se com políticos ligados a instituições religiosas e também com líderes religiosos, entretanto, não há registros de que o governo Temer tenha perdoado ou refinanciado dívidas de igrejas com a Receita Federal.
Com relação ao segundo ponto levantado, não encontramos registro de carta escrita em conjunto pela igreja católica e igrejas evangélicas requerendo revisão dos atos da Receita. De acordo com informação da Agência Pública, Igrejas e organizações evangélicas são a maioria entre as entidades religiosas que devem à Receita – elas representam mais de 87% do total. Em seguida, vêm grupos católicos, com cerca de 6%.
No terceiro item indicado, Feliciano fala sobre um parecer do jurista católico Ives Gandra. Checamos que o documento foi por Gandra e pela advogada Marilene Talarico Martins Rodrigues, em dezembro de 2017. O documento responde a uma consulta feita pela Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), sobre questões relacionadas com a imunidade tributária concedida aos templos e a sua extensão a remuneração de sacerdotes.
Identificamos que o parecer se posiciona contrário à cobrança de impostos sobre atividades realizadas em templos religiosos e também sobre cobranças trabalhistas a colaboradores destas instituições, tendo em vista que a prestação de serviços eclesiais em cultos religiosos não têm fins econômicos, pois são realizados voluntariamente. No entanto, em alguns casos igrejas querem se utilizar deste recurso para se isentar de serviços de qualquer natureza, como por exemplo, um caso que ocorreu em Manaus, em que uma igreja queria enquadrar como não tributável o serviço de um segurança. Em um outro caso, em São Paulo, a Igreja Universal foi condenada a pagar 170 mil reais e um ex-empregado, que exercia funções além do cunho religioso.
Além destes casos, que demonstram uma tentativa de ludibriar as possibilidades de isenção estabelecidas por lei, o parecer jurídico é a expressão de uma declaração técnico-jurídica emitida por advogados mediante uma solicitação ou uma provocação às autoridades administrativas competentes, porém, não possui valor decisório. Soma-se aí a relação estreita do jurista Ives Gandra com a Igreja Católica.
O último ponto levantado por Marco Feliciano de que existiria por força dos artigos 37 e 84 II da Constituição Federal uma “obrigação do presidente de exigir o cumprimento da lei dentro da Administração” é impreciso.
No caso referente às consequências da reunião com líderes da Igreja Internacional da Graça de Deus, o presidente Jair Bolsonaro pressionou o secretário da Receita Federal por providências que beneficiem igrejas no tocante a dívidas. Este ato não encontra respaldo em qualquer artigo da Constituição Federal. Parece claro que o presidente desrespeitou os mandamentos constitucionais contidos no artigo 37, ferindo os princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade.
Trechos dos artigos da Constituição citados:
Art. 37. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte:
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
I – nomear e exonerar os Ministros de Estado;II – exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da
administração federal;
Conclui-se que os quatro pontos levantados pelo deputado federal Marco Feliciano trazem informações imprecisas com a intenção de desinformar e confundir a população.
Bereia classifica o primeiro ponto mencionado como enganoso. O presidente Michel Temer realmente reuniu-se com lideranças evangélicas, no entanto, nada foi feito por parte do governo para perdoar dívidas tributárias de igrejas. A informação, da maneira como foi apresentada, leva o leitor a conclusões equivocadas.
O segundo item é classificado por Bereia como impreciso, pois não foi encontrado registro de carta ou declaração feita pela Igreja Católica e igrejas evangélicas a respeito de débitos tributários.
Já o parecer do jurista Ives Gandra em parceria com a advogada Marilene Rodrigues possui um caráter interpretativo, não tem valor decisório legal. Existem outros pareceres com posições contrárias. Pelos motivos apresentados, Bereia classifica o terceiro item como impreciso, pois não considera diferentes perspectivas.
Por fim, os artigos da Constituição Federal citados não permitem que o Presidente da República interceda à Receita Federal ou qualquer órgão para beneficiar pessoas ou instituições. Muito pelo contrário, o artigo 37 da Carta Magna apresenta os princípios da Administração Pública que vão de encontro a qualquer tentativa de interferência política. Neste caso, Bereia classifica como enganosa a informação publicada pelo deputado federal Marco Feliciano.
- Para entender um pouco mais sobre isenção tributária de igrejas:
UOL Economia. Por que as igrejas não pagam imposto?
Nexo Jornal. Por que as igrejas não pagam impostos no Brasil e em outros países
Exame. Isenção fiscal a igrejas é maior em estados e municípios
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Referências de Checagem:
Estadão. https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,bolsonaro-pressiona-receita-federal-a-perdoar-dividas-de-igreja-evangelica,70003287839 Acesso em 07 maio
O Globo. https://oglobo.globo.com/economia/senado-retira-do-refis-perdao-as-dividas-de-entidades-religiosas-21911940 Acesso em 07 maio
Jurista Ives Gandra Martins discorrendo sobre o Estado Laico e as religiões.
https://www.facebook.com/jairmessias.bolsonaro/videos/1530947637054217/. Acesso em 07 maio
Senado Federal. https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/10/05/senado-aprova-mp-do-refis-sem-jabutis Acesso em 14 maio
Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_emendasidProposicao=2139981&subst=0 Acesso em 14 maio
Congresso Nacional. https://www.congressonacional.leg.br/materias/medidas-provisorias/-/mpv/129380 Acesso em 14 maio
IG. https://economia.ig.com.br/2018-03-01/indenizacao-igreja-universal.html Acesso em 14 maio
Imunidade Tributária Nos Templos Religiosos: Um Direito Fundamental Em Defesa Da Liberdade Religiosa.
https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/cadernovirtual/article/download/980/663. Acesso em: 07 mai0
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
Imagem de destaque: https://folhagospel.com/marco-feliciano-confirma-que-bolsonaro-exigiu-analise-de-dividas-de-igrejas/