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Durante o Fórum Econômico Mundial, realizado em Davos, na Suíça, entre 20 a 24 de janeiro de 2025, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e a multinacional brasileira Ambipar firmaram um protocolo de intenções voltado às emergências climáticas e o desenvolvimento sustentável em terras indígenas. A empresa, especializada em soluções ambientais, para governos, empresas e organizações da sociedade civil, anunciou o acordo para a mídia especializada na cobertura de economia e negócios como um trunfo recém adquirido.
De imediato, uma enxurrada de publicações da oposição, de políticos religiosos, e até mesmo de veículos não classificados como extremistas, disseminaram informação falsa, com a noção de que o governo federal havia repassado a administração das terras indígenas, 14% do território nacional, à iniciativa privada. Se tal procedimento tivesse acontecido de fato, seria uma ilegalidade pois contrariaria a Constituição Federal.
Uma das figuras públicas que ainda propaga mentiras sobre o assunto é o ex-candidato à presidência da República em 2022, o religioso Kelmon L. Souza, filiado ao Partido Liberal. O autointitulado padre insistiu na divulgação das falsidades mesmo após a nota de esclarecimento do MPI e de matérias da imprensa explicarem a natureza do acordo. Até o fechamento desta matéria, o político havia publicado mais de cinco vídeos com conteúdo falso sobre o acordo.
Kelmon argumenta que a comprovadamente falsa “transferência da administração” representaria uma ameaça à soberania nacional, pois mais de um milhão de quilômetros quadrados de territórios indígenas passariam a ser controlados por uma empresa privada. O primeiro vídeo foi publicado em 24 de janeiro, foi denunciado e não está mais no ar.
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Imagem reprodução do Instagram
O deputado federal evangélico Filipe Barros (PL-PR), ex-líder da oposição na Câmara, também fez uma série de publicações em seus perfis de mídias sociais com falsidades sobre o tema. Ele disse ainda que iria protocolar pedido de explicações ao governo e ao MPI sobre a parceria.
Além de Barros, o senador Plínio Valério (PSDB-AM) tem propagado a ideia de que há algo irregular na parceria.
Imagem: Reprodução Instagram Filipe Barros
Não foram apenas políticos da extrema direita que propagaram e amplificaram a divulgação do conteúdo enganoso, sites de notícias como Metrópoles e O Antagonista também criaram chamadas sensacionalistas sobre o acordo firmado entre o MPI e a Ambipar.
“Acordo secreto do governo com multinacional envolve 1,4 milhão de km² de terras indígenas”, dizia a manchete de O Antagonista. Entretanto, é notório que a parceria não foi secreta, pelo contrário, foi amplamente divulgada, inclusive em entrevistas com executivos da Ambipar, como a concedida à CNN Brasil, pela diretora de Carbon Solutions da empresa Soraya Pires.
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Imagem: Reprodução do perfil no Instagram do portal Metrópoles
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Imagem: Reprodução site O Antagonista
O que é um Protocolo de Intenções?
De acordo com o site do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, órgão do governo federal, o Protocolo de Intenções “é o instrumento formal utilizado por entes públicos para se estabelecer um vínculo cooperativo ou de parceria entre si, que tenham interesses e condições recíprocas ou equivalentes, de modo a realizar um propósito comum (…) se diferencia de convênios, contratos de repasse e termos de execução descentralizada pelo simples fato de não existir a possibilidade de transferência de recursos entre os partícipes”.
“(É) um ajuste genérico, sem obrigações imediatas. Trata-se de um documento sucinto, que não necessariamente exige um plano de trabalho ou um projeto específico para lhe dar causa, sendo visto como um mero consenso entre seus partícipes, a fim de, no futuro, estabelecerem instrumentos específicos acerca de projetos que pretendem firmar, se for o caso”, explica o site.
Entenda o caso do protocolo do MPI
A parceria firmada entre o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e a Ambipar, durante o Fórum Econômico Mundial em Davos, trata-se de um compromisso preliminar estabelecido por meio de um Protocolo de Intenções. “Esse instrumento, amplamente utilizado na gestão pública, não implica transferência de verbas públicas ou de responsabilidades do Estado. Diferentemente do que peças de desinformação propagam, o acordo não configura concessão de terras indígenas, não dependendo de licitação ou concorrência para tal”, esclarece a nota divulgada pelo governo acerca do acordo.
De acordo com o MPI, esta parceria faz parte da estratégia do ministério de incluir o setor privado na responsabilização global da preservação das terras indígenas Ele abrange iniciativas que incluem suporte técnico para capacitação em prevenção e resposta a eventos extremos, desastres e combate a incêndios, reflorestamento de áreas desmatadas, desenvolvimento de projetos de bioeconomia, conservação e educação ambiental, além da promoção da economia circular e da gestão eficiente de resíduos sólidos.
“O protocolo em questão tem como foco a assunção de compromissos e iniciativas, e representa um caminho para qualificar e fortalecer a gestão territorial indígena, oferecendo serviços e tecnologias de mais qualidade que só serão utilizados se estiverem previstos nos Planos de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PGTAs) e contarem com o consentimento dos povos de cada território, respeitando a consulta livre, prévia e informada”, informa a nota.
Algumas ações previstas:
- Projetos de conservação e recuperação ambiental;
- Promoção da economia circular;
- Gestão, destinação e disposição de resíduos sólidos;
- Suporte técnico para prevenção e respostas a eventos extremos e desastres como incêndios, enchentes, entre outros;
- Reflorestamento de áreas desmatadas e projetos de bioeconomia e serviços ecossistêmicos.
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Bereia classifica o conteúdo dos vídeos divulgados por políticos cristãos como falso, pois há um protocolo de intenções, porém com termos deliberadamente distorcidos para criar alarde sobre alienação inexistente de terras indígenas.
Bereia chama a atenção para a insistência destas personagens de continuar produzindo e publicando sequencialmente conteúdos sobre o tema com mais falsidades, ainda que haja amplo esclarecimento oficial disponível sobre o tema.
Além disso, esse conteúdo desinformativo já checado e amplamente divulgado como falso por diferentes portais de checagem é mantido e reverberado por essas lideranças , o que configura falta de compromisso com a verdade dos fatos
Como verificado pelo Bereia, o acordo firmado pelo MPI com a empresa Ambipar trata de um compromisso preliminar estabelecido por meio de um Protocolo de Intenções. Esse instrumento, amplamente utilizado na gestão pública, não implica transferência de verbas públicas ou de responsabilidades do Estado. Ninguém vendeu, alugou ou cedeu as terras indígenas brasileiras para uma empresa privada. Não é verdade que o governo federal, por meio do Ministério dos Povos Indígenas, tenha transferido a gestão dessas terras para a iniciativa privada.
É importante lembrar que a Constituição Federal determina que as terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas são imprescritíveis. Portanto, além de falsa, a informação que circula desde do fim de janeiro, não tem qualquer respaldo jurídico.
Referências:
EBC
https://www.gov.br/secom/pt-br/fatos/brasil-contra-fake/noticias/2025/01/governo-federal-nao-esta-transferindo-gestao-de-terras-indigenas-para-iniciativa-privada – Acesso em 12-2-25
https://agenciagov.ebc.com.br/noticias/202501/governo-federal-nao-transfere-gestao-de-terras-indigenas-para-iniciativa-privada – Acesso em 12-2-25
Planalto
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/decreto/d7747.htm – Acesso em 12-2-25
MPI
https://www.gov.br/povosindigenas/pt-br/assuntos/noticias/2025/nota-fake-news-sobre-parceria-firmada-pelo-ministerio-dos-povos-indigenas – Acesso em 12-2-25
CNPQ
https://www.gov.br/cnpq/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/parcerias/nacionais-1/protocolo-de-intencoes – Acesso em 12-2-25
CNN
https://www.cnnbrasil.com.br/economia/negocios/ambipar-firma-acordo-com-governo-para-acoes-em-territorios-indigenas/ – Acesso em 12-2-25
Estadão
Fato ou Fake
https://www.aosfatos.org/noticias/governo-privatizacao-terras-indigenas-grupo-bilionario/ Acesso em 12-2-25
Veja
https://veja.abril.com.br/brasil/ambipar-e-ministerio-fecham-parceria-para-apoiar-povos-indigenas-no-brasil – Acesso em 12-2-25
Uol
https://noticias.uol.com.br/comprova/ultimas-noticias/2025/02/03/video-engana-ao-afirmar-que-ministerio-entregou-terras-indigenas-a-empresa.htm – Acesso em 12-2-25
Lupa https://lupa.uol.com.br/jornalismo/2025/02/04/governo-nao-cedeu-controle-de-terras-indigenas-para-empresa-privada – Acesso em 12-2-25