Portal gospel repercute declaração crítica sobre sexualidade de boxeadoras nas Olimpíadas e omite informações

O site Pleno.News repercutiu a declaração da Associação Internacional de Boxe (IBA – World Boxing Association) que afirmou, em uma coletiva de imprensa realizada em 5 de agosto, que as lutadoras Imane Khelif, da Argélia, e Lin Yu-ting, de Taiwan não são mulheres. 

A nova reportagem se deu após Khelif ser alvo de notícias falsas e discurso de ódio em ambiente digital, desde o confronto com a italiana Angela Carini em 1 de agosto, dentro das competições dos Jogos Olímpicos de Paris. Bereia já checou as notícias e postagens veiculadas sobre o acontecimento

Apesar disso, o site gospel colocou em destaque a informação da IBA que diz, sem apresentar provas, que realizou testes genéticos nas atletas e estes comprovaram que elas não são mulheres biológicas. 

Durante a polêmica nas mídias sociais, a imprensa reportou amplamente que ambas as boxeadoras participaram das Olimpíadas de Tóquio 2020, não ganharam medalhas e competiram sem polêmicas. 

Imagem: Site Pleno.news

Imagem: Reprodução site da Band

A IBA convocou a coletiva, no contexto da polêmica e das críticas do Comitê Olímpico Internacional (COI) aos critérios que ela aplicou, para explicar o que levou a entidade a desclassificar as atletas no Campeonato Mundial ocorrido em Nova Déli em 2023. A alegação foi de testosterona alta e cromossomos XY como motivo para retirar as boxeadoras da competição. 

De acordo com a IBA, os testes foram realizados após reclamações de vários treinadores. O laboratório System Tip Laboratory, de Istambul, colheu os exames e emitiu os resultados, os quais diziam que “não correspondiam aos critérios de elegibilidade para eventos femininos da IBA”.

Em outra matéria o Pleno News cita como motivo determinante para ambas as pugilistas se tornarem alvo dessas críticas o fato de que foram autorizadas pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) a participar dos Jogos Olímpicos, mesmo após terem sido reprovadas nos testes realizados pela IBA.

Imagem: Site Pleno.news

A repercussão não ficou restrita ao Pleno News, tanto a mídia secular como religiosa abordou o assunto. Entretanto, foi possível observar uma diferença no tratamento dos fatos. O site do Globo Esporte, por exemplo, questionou a falta de provas da Associação Internacional de Boxe (IBA). O GE ressaltou que a IBA foi banida pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) por corrupção, falta de transparência e suspeita de tráfico, e por isso não pode mais organizar eventos de boxe nas Olimpíadas. “A IBA – sem mostrar provas – diz que as lutadoras apresentaram níveis de testosterona alto nos exames de sangue, “testosterona de homem”.

O portal UOL, por sua vez, destacou o quão confusa foi a coletiva de imprensa convocada pela IBA em Paris, para falar sobre o assunto. Segundo o portal, o Comitê Olímpico de Taiwan ameaça fazer uma queixa oficial contra a IBA, sob a acusação de “publicar informações falsas” e “ocultar os fatos”. 

Imagem: Reprodução do site GE

Imagem: reprodução do site Uol

Entenda o caso

A competidora Lin Yu-ting que já foi duas vezes campeã mundial de boxe no peso pena feminino (competição até 57kg), venceu, em 4 de agosto, a búlgara Svetlana Kamenova Staneva, pelas quartas de final no boxe femino nos Jogos Olímpicos de Paris. A vitória de Lin Yu-ting , considerada unânime por todos os árbitros, foi contestada pela rival. Antes da competição, a Federação Búlgara de Boxe já havia demonstrado reprovação quanto à participação da taiwanesa na competição. Em 7 de agosto, a pugilista venceu a turca Esra Yildiz Kahraman e garantiu vaga na final de boxe feminino na categoria até 57kg também por decisão unânime dos juízes.

A polêmica sobre a participação da pugilista asiática é embasada no teste de gênero realizado pela IBA que declarou que a atleta não correspondia aos critérios de elegibilidade para eventos femininos da associação. O mesmo motivo foi usado para embasar as críticas contra a lutadora argelina Imane Khelif. Após a onda de desinformação, o pai de Khelif veio a público apresentar a certidão de nascimento da filha e disse que ela nasceu mulher e foi criada como mulher.

Apesar da reprovação das competidoras no teste de gênero pela IBA no campeonato feminino mundial, o Comitê Olímpico Internacional  (COI) autorizou a participação de ambas as competidoras nos Jogos Olímpicos de Paris. Segundo o COI, a competição de boxe em Paris está sendo conduzida exatamente sob as mesmas regras que as do Rio e de Tóquio, onde o sexo listado no passaporte da atleta é o critério principal. O que define se atletas com variações intersexuais podem ou não participar de competições esportivas são as normas das federações de cada modalidade esportiva. 

O COI acusou a entidade de tomar “uma decisão arbitrária” ao desclassificar as duas boxeadoras do Mundial de 2023, o que contraria o senso de boa governança.”Estamos falando de boxe feminino. Temos duas boxeadoras que nasceram mulheres, foram criadas como mulheres, são designadas como mulheres em seus passaportes e lutaram durante anos como mulheres. Isso é uma definição clara de uma mulher”, declarou o presidente do Comitê Olímpico Internacional, Thomas Bach.

Em junho de 2022, o COI tirou o poder da IBA de organizar as classificatórias para Paris-2024, por corrupção, falta de transparência e suspeita de tráfico. 

Imagem: Reprodução do G1

Imagem: Site do Comitê Olímpico internacional

Critérios de Testes de Gênero e embasamento científico

O teste realizado pela IBA, que desclassificou as atletas em 2023, faz parte de um conjunto de procedimentos que compõem o Exame Médico pré-Luta e avaliam lesões, infecções e outras condições.

O teste de gênero pode ser um teste de dosagem de testosterona, hormônio sexual masculino e produzido em baixas quantidades pelas mulheres, ou o exame de DNA que mostra se os genes são XX (feminino) ou XY (masculino). Contudo, os testes não são mais considerados pelo COI desde os anos 2000, uma vez que boa parte do mundo não se baseia mais no binarismo de gênero.

Outro ponto decisivo para a compreensão da decisão do COI é que os testes genéticos podem definir o sexo de atletas, mas não o gênero. Como afirma o professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Rogério Friedman, em entrevista à Folha de S. Paulo: “Testes genéticos podem definir o sexo genético do(a) atleta, mas não definem gênero. Há décadas se faziam esses testes como critério, mas, já tem uns 20 anos ou mais, as regras descartaram esses testes. Até me surpreendi ao saber que a IBA ainda exigia isso”.

Contudo, na mesma matéria publicada pela Folha de S. Paulo, o professor de ginecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro Raphael Câmara, disse que os testes são importantes para garantir os direitos de atletas, mas que acredita que esse não seria o caso de Imane Khelif. 

Em meio aos debates que se estabeleceram, a credibilidade dos testes de gênero realizados pela IBA foi questionada, ao mesmo tempo em que o COI criticou a falta de transparência e a natureza arbitrária dos exames. Essa controvérsia influenciou a percepção pública, e dividiu opiniões sobre a participação de Yu-ting  e Khelif. Este debate pode levar a mudanças nas políticas de elegibilidade de gênero para equilibrar os direitos dos atletas e a integridade das competições.

***

Bereia classifica a matéria publicada pelo Pleno News como imprecisa. Embora contenha fatos verificáveis sobre a nova polêmica, criada em torno da vitória de Lin Yu-ting e sua progressão para as semifinais, apresenta as controvérsias sobre os testes de gênero de forma distorcida. A matéria sugere uma desqualificação moral das atletas, sem oferecer contexto completo sobre as decisões do COI e as dúvidas sobre os testes da IBA. Além disso, o título e a menção de figuras públicas como Donald Trump e J.K. Rowling, faz parecer um credenciamento às críticas, sem o registro de outros posicionamentos, e instigam julgamentos negativos.

Além disso, não é realizada uma análise detalhada sobre a elegibilidade de atletas transgêneros ou intersexuais. O conteúdo publicado no site religioso faz referências confusas aos cromossomos XY(conteúdo que não é dominado por boa parte do público) que contribuem para conclusões erradas sobre o assunto, o que pode provocar sensacionalismo e desinformação. 

Bereia têm checado outros conteúdos sobre o tema e destaca a importância de se compreender a fundo temas relacionados à sexualidade para evitar a exploração política do pânico moral.

Referências de checagem:

Folha de São Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/esporte/2024/08/teste-de-genero-como-o-feito-por-imane-khelif-nao-serve-como-parametro-dizem-especialistas.shtml. Acesso: 7 ago 24.

DW. https://www.dw.com/pt-br/pol%C3%AAmica-sobre-g%C3%AAnero-no-boxe-exp%C3%B5e-rixa-entre-organiza%C3%A7%C3%B5es-esportivas/a-69858571 Acesso: 7 ago 24.

CNN. https://www.cnnbrasil.com.br/esportes/olimpiadas/boxeadora-taiwanesa-envolvida-em-polemica-de-genero-garante-medalha-em-paris/ Acesso: 7 ago 24.

Agência Brasil. https://agenciabrasil.ebc.com.br/esportes/noticia/2024-08/nao-ha-duvida-que-boxeadoras-sao-mulheres-diz-presidente-do-coi. Acesso: 7 ago 24.

Zero Hora. https://gauchazh.clicrbs.com.br/esportes/noticia/2024/08/taiwan-apoia-fielmente-sua-boxeadora-lin-yu-ting-diante-da-controversia-de-genero-clzeb6v71008t01e9fgp0twdf.html. Acesso: 7 ago 24.

Comitê Olímpico Internacional. https://olympics.com/ioc/news/joint-paris-2024-boxing-unit-ioc-statement.Acesso: 7 ago 24.

GE

https://ge.globo.com/olimpiadas/noticia/2024/08/06/argelina-vitima-de-polemica-vai-a-final-do-boxe-nas-olimpiadas-de-paris.ghtml  Acesso: 7 ago 24.

https://ge.globo.com/olimpiadas/noticia/2024/08/05/sem-mostrar-provas-iba-da-sua-versao-para-caso-de-lutadoras-e-critica-o-coi.ghtml Acesso: 7 ago 24.

Uol

https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/rfi/2024/08/06/taiwan-rebate-associacao-internacional-de-boxe-apos-lutadoras-terem-genero-feminino-contestado.htm Acesso: 7 ago 24

Band

https://www.band.uol.com.br/esportes/olimpiadas/noticias/quem-sao-as-boxeadoras-em-paris-2024-expulsas-de-campeonato-por-motivo-de-genero-202408011651 Acesso: 7 ago 24

***

Foto de capa: andreas160578 / Pixabay

Compartilhe!
WhatsApp
Facebook
Twitter
Email