A senadora Damares Alves (Republicanos-DF) anunciou em seus perfis em redes digitais, em 24 de outubro passado, estar investindo R$3,6 milhões em obras para viabilizar a construção de um novo Centro de Atenção Psicossocial (Caps) na cidade do Gama, no Distrito Federal. O título da publicação “Damares investe R$3,6 mi e obras de novo Caps no Gama começam em novembro”, leva seguidores da senadora a crerem que o valor aplicado é de cunho pessoal.
Apenas no final da legenda da imagem no perfil de Damares Alves no Instagram, ela explica que esse montante é proveniente de emenda parlamentar individual. “O DF tem altos índices de suicídio e automutilação, especialmente entre adolescentes. Fui eleita prometendo combater isso. Além do Gama, Ceilândia, Guará, Taguatinga e Recanto das Emas também terão novas unidades dos CAPS, construídas com um total de R$ 21 milhões de verba proveniente de emenda individual”, diz o texto.
Imagem: reprodução/Instagram
A notícia também foi divulgada em outros veículos. Os sites DF Mobilidade e Conectado no Poder publicaram, em 23 de outubro, notícias que reproduzem o mesmo título divulgado pela senadora. As publicações indicam que a senadora anunciou investimentos para fortalecer o atendimento da saúde mental no Distrito Federal voltado para jovens.
Os títulos das notícias dão destaque para o início das obras na região do Gama, contudo apontam que haverá a construção de novos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) em outras regiões também, incluindo Ceilândia e Guará. Os textos indicam que foi destinado um orçamento de R$ 21 milhões para as novas unidades, que visam oferecer atendimento especializado para reduzir os índices de suicídio e automutilação entre adolescentes, além de tratar vícios em álcool e drogas.
Imagem: reprodução/Conectado ao Poder
Imagem: reprodução/DF Mobilidade
O site DF Mobilidade já havia divulgado, em 17 de setembro, a notícia “Setembro Amarelo: cinco regiões do DF terão novos CAPs com investimento de R$ 21 milhões de Damares”. Na notícia é detalhado como seria aplicado o investimento de R$ 21 milhões por emenda individual da senadora Damares Alves em quatro das novas unidades do CAPs que tratarão de vício em álcool e drogas, e a unidade de Ceilândia será voltada ao público infantojuvenil.
Bereia checou a informação sobre esta forma de “investimento” com emenda parlamentar e de divulgação que caracteriza autopromoção.
Imagem: reprodução/DF Mobilidade
Qual é o investimento divulgado por Damares Alves ?
Em pesquisa realizada no Portal da Transparência, Bereia levantou as emendas parlamentares individuais relacionadas à senadora Damares Alves. Ao total foram identificados três registros de emendas parlamentares destinadas à saúde na localidade do Distrito Federal, juntas elas somavam mais de 32 milhões de reais – precisamente a quantia de R$32.014.493,00.
Todas as emendas se enquadram no programa orçamentário de atenção especializada à saúde. Dentro desse programa uma delas foi definida como ação orçamentária de Estruturação de Unidades de Atenção Especializada em Saúde, enquanto as outras duas estavam indicadas como Incremento Temporário ao Custeio dos Serviços de Assistência Hospitalar e Ambulatorial para Cumprimento de Metas.
O que são Emendas Parlamentares?
As Emendas Parlamentares são instrumentos utilizados por deputados e senadores para destinar recursos do orçamento federal a áreas específicas, geralmente suas bases eleitorais. Por meio das emendas parlamentares, os deputados e senadores podem opinar ou influir na alocação de recursos públicos em função de compromissos políticos que assumiram durante seu mandato, tanto com estados e municípios quanto a instituições. Elas permitem que cada parlamentar indique como parte do orçamento público deve ser utilizada, comumente em projetos e obras que possam beneficiar diretamente seus eleitores. As emendas podem ser destinadas a diversas áreas, como saúde, educação, infraestrutura, cultura, entre outras.
Tipos de Emendas Parlamentares
Emendas Individuais: Propostas por um único deputado ou senador, com valor limitado por ano. Por serem impositivas, o governo federal é obrigado a executar essas emendas, salvo em casos de restrições financeiras justificadas.
Emendas Coletivas: Apresentadas por um grupo de parlamentares.
Emendas de Bancada: Apresentadas por bancadas estaduais ou de um conjunto de parlamentares de um mesmo estado, servem para destinar recursos a demandas específicas de determinada região ou grupo.
Emendas de Comissão: São apresentadas pelas comissões permanentes do Congresso, voltadas a setores específicos, como educação ou saúde, por exemplo.
Emendas de Relator: São propostas pelo relator-geral do orçamento e servem para ajustes mais amplos. Essas são mais polêmicas, pois envolvem altos valores e, muitas vezes, destinam recursos de maneira concentrada, dependendo da articulação política.
Imagem: reprodução/Portal da Transparência
As emendas parlamentares são um recurso importante para atender demandas regionais e específicas, que nem sempre são priorizadas no orçamento geral. No entanto, podem ser usadas como moeda de troca política entre o Executivo e o Legislativo, além de não garantirem sempre uma alocação eficiente dos recursos.
Por conta disto, as emendas parlamentares têm sido alvo de recentes debates e críticas, principalmente no que diz respeito à transparência e à possibilidade de desvio de recursos. Isto se dá devido a uma transformação no processo, promovida durante a legislatura passada (2019-2022), em acordo entre o governo do então presidente Jair Bolsonaro (PL), interessado no apoio da Câmara Federal a suas políticas, e o presidente da casa deputado Arthur Lira (PP-AL), líder do conhecido bloco parlamentar fisiológico denominado “Centrão”. O acordo ficou conhecido como “orçamento secreto”.
Emendas parlamentares e o orçamento secreto
O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu, em julgamento de dezembro de 2022, o chamado “orçamento secreto”, como foram apelidadas as emendas feitas pelo relator-geral do projeto de Lei Orçamentária Anual, justamente por falta de transparência sobre a utilização delas. Esse tipo de emenda não permite identificar o congressista que definiu a destinação da verba federal.
Após o STF ter imposto restrições, os congressistas passaram a utilizar outros tipos de emendas, como as individuais e as apresentadas pelas comissões permanentes da Câmara e do Senado, para continuar a avançar no controle do orçamento público de forma pouco transparente. Os parlamentares recorrem às chamadas “emendas Pix”, individuais e de bancada, que permitem repasses diretos a estados e municípios, sem que seja necessário indicar onde ou como o dinheiro vai ser gasto, o que dificulta o rastreamento da verba pelos órgãos de fiscalização.
Nas avaliações de especialistas, tal política tirou o controle de parte significativa da gestão de políticas públicas do governo federal, como garante a Constituição, e o passou ao Congresso, com o estabelecimento da ideia de “donos” das verbas, o que compromete princípios republicanos.
A reeleição para cargos executivos no Brasil, permitida desde 1997, tem mostrado uma tendência de alta, acompanhada por mudanças nas dinâmicas políticas. Dados de 2020 apontam um aumento significativo na taxa de reeleição, em parte impulsionado pelas emendas parlamentares impositivas, que cresceram substancialmente nos últimos anos. Essas emendas, direcionadas diretamente aos municípios por parlamentares, têm fortalecido prefeitos em seus redutos eleitorais, como indicam os estudos recentes da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Até o fechamento desta matéria, o atual modelo de “emendas pix” seguia suspenso por decisão do ministro do STF Flávio Dino, em agosto passado. O ministro é relator de ação protocolada na Corte pelo PSOL. O partido alegou ao Supremo que o modelo de emendas impositivas individuais e de bancada de deputados federais e senadores torna “impossível” o controle preventivo dos gastos.
Flávio Dino frisou em sua decisão a necessidade de que haja maior transparência e rastreabilidade na liberação das verbas, conforme determina a Constituição, não permitindo que as práticas do orçamento secreto continuem a ser empregadas. O entendimento foi referendado por unanimidade pelos outros dez ministros da Corte.
Por conta da suspensão, um projeto de lei que regulamenta novas normas para essas emendas foi protocolado no último 31 de outubro, na Câmara dos Deputados, e deve ser votado em breve. O texto é resultado de um acordo entre os ministros do STF, o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL) e outros parlamentares.
O que diz a Constituição sobre autopromoção de agentes públicos?
Bereia checou sobre o tom de autopromoção da senadora Damares Alves em seus perfis de mídias sociais na forma da aplicação de emendas individuais em projetos de saúde no Distrito Federal. A chamada, reproduzida em mídias de notícias, não destaca que a senadora lança mão do orçamento público, por meio de emenda parlamentar, e coloca o peso da ação na figura da parlamentar, como se a realização do projeto partisse de verbas próprias. O texto diz: “Damares investe R$3,6 mi e obras de novo Caps no Gama começam em novembro”.
De acordo com o art. 37, § 1º, da Constituição Federal, a propaganda institucional deve exclusivamente promover atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos e entidades públicos, ter caráter educativo, informativo ou de orientação social. É ressaltado na legislação que não podem constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos. Portanto, é vedada a autopromoção na utilização de dinheiro público.
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Bereia classifica a publicação da senadora Damares Alves como enganosa. A forma como a parlamentar propaga a aplicação de recursos públicos, via emendas parlamentares, garantidas na Constituição Federal como recurso para o trabalho destes agentes eleitos pela população, leva a crer que os valores empenhados na construção e melhoria das unidades dos Caps na região do Gama são de sua propriedade.
O termo “Damares investe” é enganoso porque os investimentos são promovidos pelo Estado brasileiro, com recursos levantados com impostos e com outras fontes públicas de receita. Todas as emendas parlamentares são pagas com os recursos da União, dos cofres públicos, e parlamentares são agentes nas diferentes aplicações destes recursos. Deputados e senadores não podem anunciar obras e benesses executadas com verba pública, como uma realização pessoal.
De acordo com os princípios do Congresso Nacional, a senadora tem o dever de prestar contas dos seus feitos a eleitores, e pode fazê-lo por meio de seus perfis em mídias digitais, porém, de acordo com o protocolo seguido, seja com a apresentação de projetos de lei, seja com o recurso a emendas parlamentares. A promoção pessoal com uso de recursos públicos – “Damares investe”, quando quem investe é o Estado brasileiro, com a concessão das emendas – é vedada pelo art. 37, § 1º, da Constituição Federal, como verificado pelo Bereia.
Referências de checagem:
Governo DF
https://www.saude.df.gov.br/diretoria-saude-mental Acesso em 31 OUT 24
https://www.saude.df.gov.br/web/guest/w/depressao-e-tema-do-dia-mundial-da-saude#:~:text=Estima%2Dse%20que%20no%20Distrito,psicoterapia%20em%20um%20atendimento%20prim%C3%A1rio Acesso em 31 OUT 24
https://www.saude.df.gov.br/documents/37101/0/BOLETIM+EPIDEMIOLOGICO+autoprovocada+2022_Revis%C3%A3o+final.pdf/7a0e0a6e-0bb7-74da-d055-b17a4fe6e953?t=1674472097876 Acesso em 31 OUT 24
https://www.saude.df.gov.br/carta-caps#:~:text=Atualmente%2C%20s%C3%A3o%2018%20CAPS%20de,Regi%C3%B5es%20de%20Sa%C3%BAde%20do%20DF. Acesso em 31 OUT 24
Radar DF
https://radardf.com.br/politica/damares-alves-destina-r-36-milhoes-para-novo-caps-no-gama/ Acesso em 31 OUT 24
Conectado ao poder
https://conectadoaopoder.com.br/damares-investe-r-36-mi-e-obras-de-novo-caps-no-gama-comecam-em-novembro/ Acesso em 31 OUT 24
Republicanos
https://republicanos10.org.br/mulheres-republicanas/damares-alves-destina-r-54-milhoes-em-emendas-para-instituicoes-de-assistencia-social-no-df/ Acesso em 31 OUT 24
JUS Brasil
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10711186/paragrafo-1-artigo-37-da-constituicao-federal-de-1988 Acesso em 31 OUT 24
Nexo
https://pp.nexojornal.com.br/ponto-de-vista/2024/08/28/o-que-e-o-centrao-na-politica-brasileira. Acesso em 03 NOV 24
Conjur
https://www.conjur.com.br/2024-jul-30/novidades-sobre-o-orcamento-quase-secreto-das-emendas-parlamentares/ Acesso em 03 NOV 24
Agencia Brasil
https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2024-08/dino-diz-que-acordo-sobre-emendas-ainda-passara-pelo-plenario-do-stf Acesso em 03 NOV 24
BBC
https://www.bbc.com/portuguese/articles/cj9nnkl1mpyo Acesso em 03 NOV 24
Foto de capa: Marcos Oliveira/Agência Senado