Ex-Primeira Dama mente, em evento político, sobre atual governo perseguir comunidade LGBT

Circula em perfis de mídias sociais e sites de notícias trecho de  gravação em vídeo  com discurso da esposa do ex-presidente Jair Bolsonaro,  Michelle Bolsonaro,  no qual ela afirma, em relação ao atual governo federal: “como que uma pessoa gay, apoia um governo que persegue e mata os homossexuais? eu só posso entender que isso é espiritual, que é uma enganação diabólica. E eles vestem a blusa, eles defendem, defendem Hamas…vai pra lá! vai pra lá fazer manifestação LGBT pra ver se sai um vivo”.

Fonte: Canal do Partido Liberal (YouTube)

Michelle Bolsonaro proferiu esta fala em evento, o Encontro Nacional do PL-Mulher, realizado no último 26 de julho, em Campina Grande (PB). O encontro  foi centrado na figura da ex-primeira dama e reuniu vários políticos que renderam homenagens a ela, destacando qualidades, segundo eles, que a colocam como modelo de mulher para o Brasil (mulher guerreira, forte).  

Tais discursos atendiam ao objetivo principal do evento, que foi o lançamento da candidatura de Michelle Bolsonaro ao Senado nas próximas eleições, sob o  perfil da mulher brasileira ideal

O governo federal mata “homossexuais”? 

Bereia checou a fala de Michelle Bolsonaro que atribui ao atual governo federal a responsabilidade pelo Brasil ser considerado um dos países que mais mata pessoas LGBTQIA+.

Esta afirmação, no que diz respeito aos números, é correta. De acordo com o Dossiê Mortes e Violências contra LGBTI+ em 2023, produzido pelo Observatório de Mortes e Violências LGBTI+ no Brasil, 230 pessoas deste segmento social morreram de forma violenta no Brasil (assassinatos, suicídios, outras violências). De acordo com estes dados, em relação ao Censo 2022 (total de 203.080.756 habitantes), a média nacional é de 1,13 mortes a cada milhão de pessoas. O Brasil, de fato,  segue como um dos países com maior índice de mortes violentas de pessoas LGBTI+. 

No entanto, afirmar que o Brasil em “um governo que mata homossexuais” é falso. Bereia levantou que o atual governo recuperou políticas públicas de garantia de direitos da população LGBTQIA+, implementadas nos anos 2000, interrompidas no governo anterior. 

Entre os principais desenvolvimentos desde 2023 estão a formação de uma Secretaria Nacional LGBTQIA+ e a reativação do Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ (desativado em 2019), sob a liderança de Symmy Larrat e Janaína Oliveira, respectivamente.

O presidente da Aliança Nacional LGBTI+ Toni Reis enfatiza, em entrevista, a criação de coordenações de participação social e diversidade em todos os ministérios do atual governo federal. Segundo agentes governamentais, essa iniciativa visa organizar discussões e assegurar a inclusão social na elaboração e implementação de políticas públicas.

De acordo com Reis, os editais de apoio à comunidade LGBTQIA+, lançados ao longo do primeiro ano do governo federal, são resultado dessa abertura para o diálogo. Foram os seguintes:

  • A Serpro, uma empresa pública que fornece soluções em tecnologia da informação para o governo federal, destinou recursos,  por meio de edital, com o objetivo de facilitar a inclusão de pessoas trans no setor tecnológico.
  • O Ministério da Cultura alocou recursos no orçamento para o reconhecimento e a valorização da produção cultural de idosos, pessoas com deficiência, LGBTQIA+ e aqueles que enfrentam sofrimento psíquico, por meio do Prêmio Diversidade Cultural.
  • O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, por meio de editais, destina recursos para projetos que promovam e defendem os direitos da população LGBTQIA+.
  • Esse ministério também divulgou o Prêmio Cidadania na Periferia, que disponibiliza recursos financeiros para projetos comunitários que incentivem a cidadania LGBTQIA+. 

O governo federal estabeleceu ainda um orçamento recorde de aproximadamente R$ 27,2 milhões para a promoção e defesa dos direitos LGBTQIA+, gerenciado pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. A maior parte desse valor é composta por emendas parlamentares, enquanto uma parcela significativa é destinada a despesas discricionárias, sob controle do gestor. 

As limitações das ações governamentais

Apesar do avanço, representantes como a secretária nacional dos Direitos LGBTQIA+ Symmy Larrat e a presidente do Conselho Nacional LGBTQIA+ Janaina Oliveira afirmam que os valores orçamentários ainda são insuficientes para enfrentar o histórico de violência e promover efetivamente os direitos dessa população. 

Essas lideranças reconhecem que há necessidade de aumentar o orçamento discricionário e de garantir maior transparência e acompanhamento dos recursos destinados a ações específicas, sobretudo considerando a vulnerabilidade de muitos indivíduos LGBTQIA+. Elas avaliam que a criação e a gestão de políticas públicas específicas são essenciais para assegurar a efetividade dos recursos e ações neste setor, que ainda enfrenta desafios na alocação de recursos devido à falta de previsão orçamentária dedicada na LOA.

Um exemplificar é que a  Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2023, formulada no último ano do mandato do governo anterior,  previa R$ 325.841 para ações de prevenção e enfrentamento à violência LGBTfóbica, administrados pelo extinto Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Contudo, a secretaria responsável pelas políticas LGBTQIA+ gastou R$ 11.748.341,46, em 2023, primeiro ano do atual governo  aproximadamente 96% a mais do que o valor inicialmente previsto na Lei Orçamentária Anual.

A 4ª Conferência Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, que acontecerá de 21 a 25 de outubro de 2025, em Brasília, buscará avançar na discussão sobre a Política Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ e na ampliação da participação social em torno da agenda LGBTQIA+.​​

O evento contará com 1.212 delegados, conselheiros e convidados, visando institucionalizar políticas públicas para a proteção e promoção dos direitos LGBTQIA+, refletindo a diversidade da comunidade.

Quem ameaça os direitos LGBTQIA+?

Um estudo da Aliança Nacional LGBTI+ identificou 437 Projetos de Lei, tanto na Câmara dos Deputados quanto nas Assembleias Legislativas dos estados, que seriam prejudiciais à população LGBTQIAPN+. A maioria dessas propostas, segundo o relatório, usa o pretexto de “proteger a infância” para esconder motivações ideológicas contra direitos deste grupo.

O estudo aponta que esses PLs, muitos facilmente identificados como inconstitucionais, são influenciados por grupos de extrema direita e conservadores religiosos que atuam nos parlamentos e seguem um padrão. Entre as propostas mencionadas, estão a proibição de símbolos religiosos em Paradas LGBTQIAPN+ e a restrição da presença de menores nesses eventos. Outros projetos visam impedir a participação de atletas trans em competições e proibir publicidade com crianças em contextos LGBTQIAPN+.

Em contrapartida, parlamentares progressistas estão propondo leis para proteger a comunidade, como na Câmara Federal, com a criação do Estatuto da Diversidade, que trata de temas como o reconhecimento de identidade de gênero e o acesso a serviços públicos. Há também uma proposta de cotas de 2% em concursos para pessoas trans. No Senado, um projeto busca garantir direitos básicos para pessoas trans e travestis que estão presas.

Apesar dos esforços legislativos de proteção, a violência contra a população LGBTQIAPN+ continua a ser um problema grave. Um relatório recente do Grupo Gay da Bahia (GGB) mostrou que o Brasil registrou 291 mortes violentas em 2024, um aumento de 8% em relação ao ano anterior, mantendo o país como líder global nesta categoria.

Os estudos do Observatório mostram que as causas desta violência estão diretamente relacionadas à intolerância, ao preconceito e à discriminação contra a diversidade de orientação sexual. Muitas práticas de agressão são estimuladas discursos de ódio em diferentes espaços presenciais e digitais, entre eles os religiosos. É o caso de falas discriminatórias como as da pastora e artista da Igreja da Lagoinha Ana Paula Valadão e do pastor da mesma igreja André Valadão, ambas checadas pelo Bereia.  

A fala de Michelle Bolsonaro, no  evento PL Mulheres, realizado na Paraíba, em julho passado, reforça esta violência verbal. No discurso ela recorre à noção demonização de LGBTQIA+, atribuindo a postura política mais à esquerda desta população como “algo diabólico”.

***

Bereia chama a atenção de leitores e leitoras para discursos genéricos da parte de pessoas públicas em campanha política, baseados em falsidades, desprovidos de dados comprobatórios, que servem para reforçar intolerâncias.

Referências

CNN Brasil

https://www.cnnbrasil.com.br/politica/eleicoes-2026-bolsonaro-quer-michelle-flavio-e-eduardo-no-senado/ Acesso em 30 de JUL 25

 Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania  

https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/lgbt#:~:text=%C3%89%20miss%C3%A3o%20do%20Minist%C3%A9rio%20dos,%2C%20(LGBTQIA+)%20e%20outras. Acesso em 30 de JUL 25

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https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2023/marco/mapeamento-das-politicas-publicas-para-a-populacao-lgbtqia-lancado-no-mdhc-reune-dados-das-27-unidades-federativas#:~:text=Tamb%C3%A9m%20apoiam%20o%20programa%20a,Brasileiro%20de%20Transmasculinidade%20(Ibrat).&text=Foram%20criados%20indicadores%20a%20fim,hist%C3%B3ricas%20no%20enfrentamento%20da%20LGBTIfobia Acesso em 30 de JUL 25

https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/lgbt Acesso em 30 de JUL 25

Ministério da Saúde

https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/saps/equidade-em-saude/populacao-lgbtqiapn#:~:text=cuidado%20%C3%A0%20sa%C3%BAde.-,Servi%C3%A7os,Conecte%20SUS%20(cidad%C3%A3o)%E2%80%9D. Acesso em 30 de JUL 25

https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_saude_lesbicas_gays.pdf Acesso em 30 de JUL 25

Presidência da República

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/decreto/d11471.htm#:~:text=DECRETO%20N%C2%BA%2011.471%2C%20DE%206,%E2%80%9Ca%E2%80%9D%2C%20da%20Constitui%C3%A7%C3%A3o%2C Acesso em 30 de JUL 25

Observatório de Mortes e Violências LGBTI+ no Brasil

https://observatoriomorteseviolenciaslgbtibrasil.org/wp-content/uploads/2024/05/Dossie-de-Mortes-e-Violencias-Contra-LGBTI-no-Brasil-2023-ACONTECE-ANTRA-ABGLT.pdf Acesso em 07 AGO 25

https://observatoriomorteseviolenciaslgbtibrasil.org/dossie/mortes-lgbt-2023/ Acesso em 07 AGO 25

Coletivo Bereia

https://coletivobereia.com.br/pastora-e-cantora-evangelica-ana-paula-valadao-e-condenada-por-falas-publicas-discriminatorias-contra-pessoas-lgbtqia/ Acesso em 07 AGO 25

https://coletivobereia.com.br/pastor-andre-valadao-profere-possivel-discurso-de-odio-durante-culto/ Acesso em 07 AGO 25

Diadorim

https://adiadorim.org/reportagens/2024/01/politica-lgbtqia-avanca-em-2023-mas-direitos-trans-e-educacao-patinam/ Acesso em 07 AGO 25

4ª Conferência Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+

https://www.conflgbtqia.org/_files/ugd/c6872b_23212d20990b43d290eb3dca8c3a4635.pdf  Acesso em 07 AGO 25

https://www.conflgbtqia.org/ Acesso em 07 AGO 25

Manual de Direitos e LGBTI+

https://aliancalgbti.org.br/wp-content/uploads/2024/05/Manual-Direitos-LGBTI.pdf Acesso em 07 AGO 25

Senado Federal

https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=7651070&disposition=inline Acesso em 07 AGO 25

Focus Brasil (Fundação Perseu Abramo)https://fpabramo.org.br/focusbrasil/2025/06/24/direitos-lgbtqiapn-sob-ataque-no-congresso/ Acesso em 07 AGO 25

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