Marcelo Crivella e deputado federal apoiador proferem mentiras na campanha para Prefeitura do Rio

Dois vídeos com conteúdo falso estão sendo utilizados, desde 19 de novembro, em mídias sociais e sites gospel, pela campanha de reeleição do bispo da Igreja Universal do Reino de Deus Marcelo Crivella (Republicanos) à Prefeitura do Rio de Janeiro.

Um deles é a gravação de uma transmissão ao vivo, na manhã de 19 de novembro, na qual Marcelo Crivella aparece sentado a uma mesa, conversando em com o deputado federal, vinculado às Assembleias de Deus, Otoni de Paula (PSC/RJ).

Foto: Reprodução de vídeo/Twitter

Na conversa, o atual prefeito do Rio Marcelo Crivella afirma que se o seu concorrente no segundo turno das eleições, Eduardo Paes (DEM), vencer o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) será responsável pela educação pública e levará “a pedofilia para as escolas infantis da cidade”. A declaração é confirmada por Otoni de Paula, que diz “já está negociando [a secretaria de educação]… é o que a gente está sabendo”.

Na gravação, Crivella cita Jair Bolsonaro, ao afirmar que o presidente tem um inimigo que, se pudesse, lhe daria outra facada. “Tem um inimigo que queria acabar com Bolsonaro, se pudesse dar outra facada no Bolsonaro, que é o PSOL. O PSOL está com Eduardo Paes. O PSOL, dizem, irá tomar conta da secretaria de Educação”, diz Crivella. “Agora você imagina pedofilia nas escolas. Eu fico imaginando um irmão meu, evangélico, batista, metodista, assembleiano, alguém da Universal, um metodista… imaginando… Jesus disse pra nós que o Reino de Deus é das crianças. Deixar vir a mim os pequeninos porque deles é o Reino dos Céus. Quem recebe uma criança recebe a mim. Jesus se comparou às crianças. E nós vamos aceitar pedofilia na escola, no ensino infantil?”, diz o bispo prefeito. “É o risco que nós estamos correndo se o Eduardo for eleito”, conclui o deputado Otoni de Paula no vídeo.

O deputado do PSC no Rio também publicou vídeo com o mesmo conteúdo em suas mídias sociais. “Estou sabendo que eles [políticos do PSOL] estão negociando, quem sabe, a secretaria de educação e você diz ‘meu Deus, que coisa’. Não, você não tem direito de dizer ‘meu Deus, que coisa’ se você vota no Eduardo Paes [enquanto Otoni de Paula fala, entram imagens de notícias do site Metrópoles e da CBN com o título “Pais reclamam e escola tira livro do deputado Chico Alencar da lista” e “Livro é retirado de escola após pais perceberem que obra é de Chico Alencar”]. Se você é conservador, se você é cristão, e acha normal uma aliança destas do Eduardo com o PSOL vota nele. Só não diga que você não foi avisado depois [entra música com som de terror e a frase “Fontes indicam que a secretaria de educação foi negociada com Freixo e PSOL” seguida de imagem do título de notícia do site Gazeta Brasil “Atendendo pedido do PSOL, STF vai julgar ‘ideologia de gênero’ nas escolas na semana que vem” e da frase “Você sabe o risco que isso significa para nossas crianças?]”. Ao final do vídeo aparece gravação de Jair Bolsonaro, com o crédito “Presidente da República”, em que ele afirma: “Eles querem legalizar a pedofilia, eles querem sexualizar as nossas crianças precocemente nós vamos combater, ou melhor, continuaremos a combater esse tipo de material para os nossos filhos, porque as crianças têm que ser respeitadas em sala de aula [o candidato à presidência mostra o livro que havia citado em campanha e em entrevista no Jornal Nacional à Globo News, em 2018].

Foto: Reprodução de vídeo/Facebook

A transmissão ao vivo divulgada pela campanha de Marcelo Crivella foi matéria do site de notícias Pleno News, que reproduziu o conteúdo sem contextualização, e afirmou, ao final, em duas linhas que “por conta do conteúdo, o PSOL decidiu acionar a Justiça Eleitoral contra Crivella, segundo o colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo” [mídia apontada por Crivella na campanha como um desafeto].

Motivações para o conteúdo

Os dois vídeos da campanha de Marcelo Crivella foram divulgados um dia depois de dois acontecimentos: o primeiro, foi a divulgação, em 18 de novembro, da pesquisa do IBOPE para o segundo turno, que indicou que Eduardo Paes venceria com folga as eleições, com 53% de intenção de votos contra 23% do atual prefeito do Rio.

O segundo foi a nota pública do PSOL, do mesmo 18 de novembro, que proclama “Nenhum voto em Crivella, seguiremos nas ruas e no parlamento defendendo um projeto de esquerda para o povo carioca”. A nota diz que o PSOL, que perdeu o primeiro turno no Rio com a candidata Renata Souza, “não alimenta ilusões com Eduardo Paes” e tece uma série de críticas à gestão dele como prefeito da cidade, por dois mandatos, de 2008 a 2016. O partido afirma, no entanto, que “Marcelo Crivella representa o fundamentalismo religioso o projeto de poder”, portanto, “deve ser derrotado nas urnas”. Nessa posição, o PSOL diz compreender que “o voto em Paes (…) é um veto a Crivella e ao bolsonarismo”.

Reações aos vídeos

Horas depois que os vídeos da campanha de Marcelo Crivella circulavam pelas mídias digitais, o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL/RJ), declarou, em transmissão ao vivo, que o partido entrou com processo contra Marcelo Crivella e Otoni de Paula por acusações caluniosas. Ele nega que haja qualquer negociação com Eduardo Paes por cargos para o partido e fala diretamente a Crivella, a quem classifica como “o pior prefeito do Rio”: “Você vai ser processado, vai responder na Justiça. Isso é o desespero de quem vai tomar uma surra eleitoral. Você vai sair da prefeitura como um ser rastejante. Você é um ser político rastejante, Crivella”.

Foto: Reprodução de vídeo/Instagram

O vereador eleito pelo PSOL Chico Alencar, que aparece como exemplo no vídeo de Otoni de Paula, também denunciou as afirmações do bispo como mentirosas, em seus espaços em mídias sociais.

Foto: Reprodução/Twitter

Já o candidato Eduardo Paes divulgou uma nota em que também afirma que processará o atual prefeito do Rio:

“Na tarde de hoje, o atual prefeito do Rio Marcelo Crivella fez uma declaração pública de que um acordo meu com o Psol, garantiria a eles a secretaria de Educação e que este fato levaria à promoção de pedofilia nas escolas e que por isso, representaria um risco para as nossas crianças. Em primeiro lugar, não há qualquer acordo político, nem troca de cargos com o Psol, nem de minha parte, nem da deles e, esta atitude reflete o desespero dele com a crescente perspectiva de derrota nas urnas, mas não imaginava que seria capaz de ir tão longe na baixeza e na mentira. Ele será processado eleitoral, cível e criminalmente por essa gravíssima e mentirosa acusação”

Eduardo Paes

As mentiras proferidas por Marcelo Crivella e Otoni de Paula

Desde a campanha eleitoral de 2018, candidatos que buscam apoio de eleitores religiosos recorrem a conteúdo falso e ao pânico moral (terrorismo verbal produzido para criar aversão social a pessoa ou grupo) com base em temas relacionados à sexualidade humana, ao que é denominado “defesa da família tradicional” aliado a “proteção das crianças nas escolas”, e ao enganoso conceito de “ideologia de gênero”.

Bereia já publicou matéria sobre debate entre os candidatos à prefeitura do Rio no primeiro turno, quando Crivella já havia usado de conteúdo falso sobre o PSOL ao dirigir-se à candidata do partido, Renata Souza. Naquele debate, Crivella lançou mão do argumento do “kit gay nas escolas” a ser implantado pelo PSOL, caso vencesse a eleição. Foi a repetição da falsidade disseminada pela campanha de Jair Bolsonaro à Presidência, em 2018.

Apesar de recorrentes em discursos de políticos e religiosos bolsonaristas, o chamado “kit gay” nunca existiu, bem como é falsa a noção de “ideologia de gênero”, como já foi tratado em matérias do Coletivo Bereia. O tema da pedofilia também aparece em muitos conteúdos desinformativos dirigidos a grupos religiosos, tendo sido utilizado como pânico moral até mesmo pela ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos Damares Alves. O tema é facilmente assimilado pelo público em geral pois muitas pessoas desconhecem o que é a pedofilia de fato.

Sobre a gravação de Jair Bolsonaro utilizada no vídeo do deputado Otoni de Paula, trata-se de vídeo da campanha à Presidência da República em 2018. Na peça, distribuída em mídias sociais em agosto daquele ano, o discurso é dirigido contra o candidato opositor Fernando Haddad, incluindo crítica ao Partido dos Trabalhadores (PT) e às esquerdas, e não especificamente ao PSOL, como Otoni de Paula quer fazer crer. Isto já caracteriza o vídeo do apoiador de Marcelo Crivella como conteúdo enganoso, pois faz parecer que foi produzido por Jair Bolsonaro neste momento da campanha para Prefeituras.

O livro que Jair Bolsonaro mostra na gravação é “Aparelho Sexual e Cia – Um guia inusitado para crianças descoladas”, publicado no Brasil pela Companhia das Letras, de autoria dos educadores da Suíça e França, Phillipe Chappuis, com o coidinome ZEP e Hélène Bruller. A obra publicada pela Companhia das Letras é destinada à crianças e jovens de 11 a 15 anos, e não para crianças a partir de 6 anos, como circulou nas mídias sociais da época e foi reforçado por Jair Bolsonaro em entrevistas ao Jornal Nacional (Rede Globo) e Globo News, em 28 de agosto de 2018.

Bolsonaro afirmava que o livro foi comprado pelo Ministério da Educação para distribuição em escolas, o que nunca ocorreu, tanto que o PT entrou com representação contra a campanha de Jair Bolsonaro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que resultou na decretação, pelo órgão, de que o “kit gay” não existe e ainda a suspensão de links de sites e mídias sociais com a expressão “kit gay”, usados pela campanha de Bolsonaro para atacar o candidato do PT, Fernando Haddad. 

Bolsonaro foi proibido, de acordo com a sentença, de compartilhar este conteúdo, pois ele foi classificado, pela justiça, como notícia falsa. Nesse quadro, entendem comprovada a difusão de fato sabidamente inverídico, pelo candidato representado e por seus apoiadores, em diversas postagens efetuadas em redes sociais, requerendo liminarmente a remoção de conteúdo. Assim, a difusão da informação equivocada de que o livro em questão teria sido distribuído pelo MEC gera desinformação no período eleitoral, com prejuízo ao debate político”, concluiu o ministro do TSE Carlos Horbach, que assinou a sentença.

Em 2020, a campanha de Marcelo Crivella faz uso do mesmo material proibido pela justiça como se fosse atual. Otoni de Paula, que produziu o novo vídeo, é investigado no inquérito das fake news do Supremo Tribunal Federal (STF), e já foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República pelos crimes de difamação, injúria e coação por ter xingado o ministro do STF Alexandre de Moraes, relator do inquérito.

O prefeito do Rio recorre, ainda, às mentiras que relacionam o PSOL ao atentado a faca sofrido por Jair Bolsonaro em 2018, tema que também já foi tratado em matéria do Coletivo Bereia.

Especialistas avaliam o caso dos vídeos

Por que Marcelo Crivella usa de mentiras para atacar o PSOL que perdeu o primeiro turno das eleições para a Prefeitura do Rio? Bereia ouviu dois especialistas do Rio que estudam a relação entre política e religião.

A antropóloga pesquisadora do ISER (Instituto de Estudos da Religião) e do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional/UFRJ Livia Reis avalia que “por mais que o kit gay seja um projeto relacionado ao PT, como um nome pejorativo do projeto Escola Sem Homofobia ligado ao Fernando Haddad (ex-ministro da educação), o PSOL é um partido que se destaca por defender as pautas identitárias mais incisivamente. A questão da pedofilia é relacionada por estes políticos, que se denominam conservadores, à questão sobre a identidade de gênero, somada à discussão sobre direitos sexuais e reprodutivos. Eles compreendem que tratar destes temas sexualiza as crianças e abre um precedente para a prática de pedofilia”.

Livia Reis recorda que o PSOL foi o autor da ação no Supremo Tribunal Federal (ADI 5668) sobre a garantia de que o enfrentamento da homofobia aconteça nas escolas, com base no Plano Nacional de Educação [tema de matéria do Coletivo Bereia]. O que se soma à nota do PSOL chamando ao “não voto em Crivella.

A pesquisadora avalia que “como o PSOL foi o partido de esquerda que mais cresceu na Câmara Municipal do Rio nestas eleições, passa a ter sete vereadores, deverá ter uma atuação contundente na próxima gestão e se torna, então, um partido a ser atacado mesmo. Apesar de todos estes temas estarem relacionados ao PT também, é possível inferir que o PSOL se torna alvo de ataques porque cresceu em visibilidade e aumentou o número de vereadores na Câmara”.

Já o sociólogo pesquisador do Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde da UFRJ Alexandre Brasil Fonseca avalia que “com alto nível de rejeição, parece que a campanha de Crivella optou por entrar na linha do tudo ou nada. A estratégia escolhida tem parentesco com muitas dos conteúdos e dos imaginários utilizados na campanha de Bolsonaro de 2018. Com isso sela-se uma união e uma estratégia de fazer política compartilhada por ambos. Provavelmente teremos intensa disseminação desse conteúdo por diversos meios e formatos nos próximos dias”.

O sociólogo reconhece que “é lamentável que a estratégia de campanha do prefeito tenha como um dos focos principais a propagação de mentiras que não possuem nem possibilidade causal”. Ele diz não duvidar “da força de uma campanha intensa como parece estar dispostos a fazer, mas imagino que o pouco tempo, a alta rejeição e o acumulado do eleitorado geral, como também do evangélico, em relação ao que foi visto na eleição anterior, devem levar a pouca reverberação disso”. “Por outro lado, a alcunha de “pai da mentira” dada por Paes a Crivella [no debate promovido na noite 19 de novembro pela Rede Bandeirantes] me parece ter muito mais chances de emplacar nessa reta final da campanha”, afirma Alexandre Brasil.

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Bereia classifica os conteúdos dos vídeos da campanha de Marcelo Crivella que circulam em mídias sociais e sites de notícias ligados a pessoas e grupos religiosos como falsos. São ainda caluniosos no tocante ao PSOL ser inimigo de Jair Bolsonaro e desejoso de dar outra facada no presidente. O vídeo publicado por Otoni de Paula é também enganoso pois usa material de campanha de Jair Bolsonaro, de 2018, proibido pelo TSE de ser utilizado à época, fazendo parecer a seguidores que foi produzido em 2020 pelo, hoje, presidente da República.

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Referências

Pleno News https://pleno.news/brasil/politica-nacional/crivella-diz-que-eleicao-de-paes-vai-levar-pedofilia-para-escolas.html. Acesso em 20 nov 2020.

Poder 360, https://www.youtube.com/watch?v=U62sXCaYy6E&t=1s

Otoni de Paula, Facebook, https://www.facebook.com/watch/?v=373286383929708

Marcelo Freixo, Instagram, https://www.instagram.com/tv/CHyg0KsDHaS/?igshid=18sux68egn4px

Notícias UOL, https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2020/11/18/ibope-rio-de-janeiro-18-de-novembro.htm

Nota Pública do PSOL, https://psolcarioca.com.br/2020/11/18/nota-do-psol-carioca-sobre-o-2o-turno-no-rio-de-janeiro/

Jus Brasil, https://lobo.jusbrasil.com.br/artigos/533694953/pedofilia-e-crime

Joice Hasselmann, Facebook, https://www.facebook.com/watch/?v=1847830375307146

Jornal Nacional, https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/noticia/2018/08/28/bolsonaro-diz-ao-jn-que-criminoso-nao-e-ser-humano-normal-e-defende-policial-que-matar-10-15-ou-20.ghtml

Globo News, https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/noticia/2018/08/28/bolsonaro-diz-que-se-eleito-extinguira-ministerio-das-cidades-e-mandara-dinheiro-diretamente-para-prefeituras.ghtml

Congresso em Foco, https://congressoemfoco.uol.com.br/eleicoes/tse-diz-que-kit-gay-nao-existiu-e-proibe-bolsonaro-de-disseminar-noticia-falsa/

Correio Braziliense, https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/07/14/interna_politica,872147/pgr-denuncia-deputado-otoni-de-paula-por-ameacas-contra-alexandre-de-m.shtml

Deputado Pastor Marco Feliciano reproduz informações imprecisas sobre liberdade religiosa na China

O deputado federal Pastor Marco Feliciano (Republicanos-SP) postou no Twitter um questionamento quanto ao posicionamento da Organização das Nações Unidas a respeito de uma denúncia publicada pelo site Conexão Política.

De acordo com a matéria de Conexão Política, replicada pelo Deputado Pastor Marco Feliciano, a organização estadunidense Jubilee Campaign que promove os direitos humanos e a liberdade religiosa, organizou um evento paralelo à 45ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, intitulado “China Proíbe a Fé para Todas as Crianças”.

Sites como Gospel Mais , Gazeta Brasil e o portal de notícias R7, do grupo Record, publicaram o mesmo conteúdo.

O evento na prática consiste em um vídeo publicado, em 06 de outubro, no canal da organização Jubilee Campaign no Youtube. O canal conta com apenas 16 inscritos e o vídeo tinha 324 visualizações e cinco curtidas até o fechamento desta matéria em 09/10/2020 às 11:43. O canal está inscrito no Youtube desde 10 de novembro de 2011 e tem apenas 22 vídeos publicados num total de 2.166 visualizações em quase nove anos de existência.

A página da organização no Facebook conta com 825 seguidores e escassas interações em suas publicações.

O perfil no Twitter tem pouco mais de 480 seguidores e assim como no Facebook e Youtube, não tem grande interação em suas publicações.

O evento virtual foi a exposição de sete depoimentos, que, segundo a descrição no vídeo, seriam de “especialistas e testemunhas, consistindo de sobreviventes e representantes de quatro grupos religiosos diferentes na China: Cristãos, Muçulmanos Uigur, Falun Gong e tibetanos”.

Segundo relatos de alguns dos participantes, reproduzidos por Conexão Política:

“O Partido Comunista Chinês (PCC) tem violado consistentemente os direitos das crianças à liberdade de religião ou crença, e as crianças cristãs, budistas tibetanas, uigures e Falun Gong continuam a enfrentar perseguição e assédio em praticamente todos os aspectos de suas vidas” e “O presidente Xi Jinping e seu Partido Comunista Chinês realmente começaram uma guerra contra a fé das crianças. Desde que assumiu o poder, ele abriu pelo menos três frentes nesta guerra contra a fé das crianças e o acesso das crianças à educação religiosa e materiais religiosos”, observou Bob Fu, da organização não governamental de defesa de direitos humanos, ChinaAid”.

Assim como em outras matérias do Coletivo Bereia a respeito da perseguição religiosa na China, a matéria de Conexão Política, replicada pelo Deputado Pastor Marco Feliciano (Republicanos-SP), não apresenta fontes credenciadas e consistentes para verificação das informações que são registradas no texto veiculado. A matéria transmite a ideia de um grande evento paralelo à 45ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, no entanto, o que está disponível é um vídeo no Youtube de uma hora e 30 minutos com sete depoimentos, em um canal com apenas 16 inscritos e pouco mais de 300 visualizações.

Conexão Política, os demais veículos que circularam a notícia e o deputado Pastor Marco Feliciano, divulgam uma fonte que não oferece dados que corroborem o que se afirma em ternos acusatórios à China.

Além disso, o evento “China Proíbe a Fé para Todas as Crianças” não foi mencionado por qualquer agência de notícias internacional ou pela mídia noticiosa no Brasil (com exceção do Portal R7).

Portanto, Bereia avalia que a matéria de Conexão Política, também publicada em outros veículos ligados a grupos religiosos, e divulgada pelo deputado federal Pastor Marco Feliciano é imprecisa. Ela pode ser colocada no conjunto de matérias veiculadas intensamente, em 2020, para alimentar rejeição da opinião pública à China, país com qual os Estados Unidos encontram-se em guerra comercial. A submissão da política externa do atual governo do Brasil aos Estados Unidos, o coloca como aliado em ataques à China, centrados em desinformação disseminada em.diversos níveis. Influenciadores digitais e sites de notícias com identidade religiosa têm se alinhado a esta prática. Isto pode ser identificador em outras matérias do Coletivo Bereia sobre a China:

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Foto de Capa: Youtube/Reprodução

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Referências

Twitter Marco Feliciano, https://twitter.com/marcofeliciano/status/1314293004174340102 Acesso em 09/10/2020.

Conexão Política, https://conexaopolitica.com.br/ultimas/evento-china-proibe-a-fe-para-todas-as-criancas-leva-a-onu-denuncia-de-violacao-dos-direitos-da-crianca-a-liberdade-religiosa/ Acesso em 09/10/2020

Jubilee Campaign, https://jubileecampaign.org/ Acesso em 09/10/2020.

Gospel Mais, https://noticias.gospelmais.com.br/cristas-criancas-perseguicao-escolas-china-140636.html Acesso em 09/10/2020.

Gazeta Brasil, https://gazetabrasil.com.br/mundo/china-coordena-perseguicao-contra-criancas-cristas-diz-testemunha/ Acesso em 09/10/2020

Portal de notícias R7, https://noticias.r7.com/internacional/criancas-cristas-na-china-sofrem-bullying-e-proibicao-de-praticar-a-fe-06102020 Acesso em 09/10/2020.

Facebook Jubille Campaign, https://www.facebook.com/JubileeCampaignUSA/ Acesso em 09/10/2020.

Quando o bem cede ao mal… mesmo que um pouquinho

*Publicado originalmente no Portal das CEBs

Nossos filhos sempre nos ensinam

Em qualquer tempo e idade.

Esse foi soprado pela nossa Clara.

*Este texto que me tirou da cama na madrugada trata de um olhar muito particular sobre a pandemia que assola nosso mundo, mas que nessa abordagem se restringirá à realidade que me rodeia se estendendo ao máximo ao nosso país.

A pandemia que vivemos é uma experiência única para os que atualmente vivem na terra. A pandemia anterior a essa é datada de 1918, há 102 anos atrás,  impossibilitando termos em nosso meio alguém que tenha sobrevivido a ela. Mesmo que tenhamos pessoas com essa idade ou alguns anos a mais, esses seriam recém-nascidos ou bem pequeninos na época, e talvez tenham vivido em lugares que sequer a pandemia tenha passado.

Meus pais, cuja a idade é de 94 anos, dizem a todo momento que nunca viveram ou viram falar de algo parecido. Isso se explica pela idade, mas também pelo local onde viveram a infância, interior da Bahia, e pela falta de acesso as notícias, sejam elas escritas ou via rádios.

Podemos dizer então, que estamos vivendo o que costumamos chamar, popularmente, de experiência ímpar, para qual não existe um par ou semelhança com outra.

Tendo dito sobre a singularidade dessa experiência vivida por nós nesse momento pandêmico, outras singularidades se apresentam derivadas da complexidade dessa realidade. Uma das singularidades é a forma como tem sido tratada a pandemia no nosso país e, por conseguinte, nos estados e municípios.

Nesse tempo específico vivemos um momento de reabertura das atividades econômicas e sociais.  Lembrando, entretanto, que nunca tivemos fechados totalmente. Mas o que é importante tratar nesse aspecto específico é como a população e as instituições  se comportam diante desse novo cenário de retorno à chamada vida “normal”. E é sobre esse ponto que me é sugerido escrever esse texto.

Nosso comportamento é regido por leis visíveis, palpáveis e com certa logicidade, mas também por outras que aparentemente nos são invisíveis, inexistentes e, em alguns casos, incompreensíveis. Longe de querer afirmar aqui algo do campo de alguma sobrenaturalidade. Pelo contrário, trato aqui de algo muito natural.

Antes de continuar falando sobre o que chamo de leis naturais, quero trazer um exemplo de infância que me veio quando ainda lutava entre o sono e a provocação de escrever esse texto.  Quando criança num bairro pobre da periferia da cidade onde moro, costumávamos ter poucos brinquedos. Um brinquedo muito presente era a bola de plástico. Objeto barato e de fácil acesso.  Quando, porventura a bola furava, colocávamos uma fita adesiva ou, na maioria das vezes, um esparadrapo.  Isso acontecia dezenas de vezes com a mesma bola. Outros furos e o alargamento do furo anterior, mesmo tendo sido tapado, o que dizia da ineficácia do “curativo”. Até que a bola não resistia, murchava de tal forma que nada mais podia ser feito. Havíamos perdido o brinquedo e a brincadeira tão importante para nós naquelas pequenas possibilidades de diversão e lazer.

Por que me veio essa história de tempos tão passados? Acredito que porque ela nos guia para uma boa analogia que deixe mais claro o que estou chamando de “lei invisível”. É como o ar na bola escapando da bola. Era um pequeno furinho que um pedaço de esparadrapo dava conta. Mas o uso insistente nas brincadeiras vai fazendo surgir novos furinhos e alargando os furos anteriormente tamponados.  Ninguém via como acontecia. Só víamos o acontecimento. E, muitas vezes, só nos dávamos conta quando a bola estava totalmente vazia e sem possibilidades de regeneração, tão entretidos que estávamos na brincadeira.

O fato das normas de isolamento social estarem sendo flexibilizadas, os estabelecimentos abertos e a vida social  retornando às atividades, são furos nessa bola, sem que, assim como as crianças, se perceba logo o dano.  Possivelmente, só poderá ser visto quando a bola estiver totalmente vazia.

Onde poderia estar a invisibilidade desses furos, já que é noticiado em ampla rede de comunicação as decisões de cada abertura e flexibilização? Está no ar saindo da bola sem que a gente veja. Na medida em que a aparência de “normalidade“ vai sendo construída com as reaberturas, ao mesmo tempo vai sendo construído dentro de mim, sem que eu perceba, um certo atenuar da realidade, dos riscos da doença e de sua contaminação e, talvez o mais forte em nós, o desejo de retornar a vida como era antes.

Os governantes, quando por uma imensa irresponsabilidade decidem permitir a reabertura do comércio, voltar às atividades produtivas, sociais, de lazer e religiosas, eles estão mandando um recado para esse desejo. Eles estão fazendo o furinho na bola.  E todos nós somos atingidos por esse recado “não dito”.

Fico olhando para os jovens, incluindo meus filhos, e me perguntando: quantos bois são necessários matar para resistir aos encontros dos amigos, a ida aos bares, ao futebol, aos churrascos e festas? Todas essas atividades já estão acontecendo e os chamando para participar. Falo isso dos que estavam ou estão em isolamento. Porque existe um grupo que nunca fez isolamento algum, burlou o que pode e com muita maestria, diga-se de passagem, todas essas normas. E muitos desses não desenvolveram a doença (o que não significa que não ajudaram a espalhar a doença). Este fato acabou colaborando na crença de que eles, os jovens, são “imunes” e a que essa doença tem baixa letalidade.

Penso agora no vídeo que circulou esses dias dos “inocentes do Leblon”.

Imagens da reabertura dos bares no Leblon, RJ.

Entre as falas captadas estavam a pouca importância com essa doença, sua disseminação e letalidade. Aparentemente, nada diferente dos outros lugares que abriram seus bares para a garotada. Mas, a diferença existe não  quanto ao comportamento e sim quanto às consequências.

Para onde vai essa garotada do Leblon caso seja infectada? E a quem contaminará? E para onde vão os jovens da Baixada, por exemplo, caso ocorra o mesmo? Que tipo de assistência terão? E ainda, quantos serão os contaminados por eles caso fiquem doentes?

Dizia o rapper Emicida em uma entrevista, o que já era percebido por nós: a grande letalidade desse vírus é a desigualdade social.

Existe um inconsciente operando e regendo a população, tornando muito difícil para todos resistir ao seu encanto. Quem tem conseguido se manter consciente tem sido como o personagem Ulisses, amarrado no mastro de seu navio, pelos seus marinheiros. Por sinal, essa analogia serve também para dizer que é a vida comunitária e fraterna, mesmo que à distância, que tem sido para nós, os marinheiros  de Ulisses, a corda que nos amarra ao mastro desse navio que navegamos.

Quando o bem cede ao mal, mesmo que um pouquinho como disse no título desse texto, esse inconsciente ganha muita força e as cordas se tornam fracas e a bola murcha.

Herbert James Draper: ‘Ulisses e as sereias’, pintura de 1909 (Reprodução)

Na dedicação de evitar qualquer tipo de julgamento, olhemos. Quando os pais cedem aos filhos suas brincadeiras na rua, quando os jovens cedem ao desejo de se encontrar, quando as famílias cedem às festividades, quando as escolas cedem às aulas presenciais,  quando os templos religiosos cedem a abertura de suas celebrações,  permitimos que os furinhos se alarguem e que a anormalidade tome lugar na realidade. E, em última instância, vamos abrindo mão do bem.

Quero me ater nesse momento à possível abertura dos templos religiosos, especificamente na igreja católica, na qual pratico a minha fé.  Em alguns lugares já reabriram, mas em outros, como em minha cidade, ainda permanecem fechadas em via de reabertura a partir de um protocolo.

As religiões, e digo especificamente da minha, são espaços de cultivo e preservação da vida, dom maior que Deus nos deu: vai e escolhe a Vida.  Somos guardiões da vida. Por ela devemos lutar e defendê-la de qualquer ameaça. Seja ela do campo objetivo e material, ou seja em sua imaterialidade e sacralidade

Nada justifica se abrir para o mal, mesmo que seja um pouquinho. Mesmo que este esteja revestido de bem. O Bem é Deus e se estamos ao seu lado é a esse Bem que devemos servir. São 67.113 pessoas, com nome e sobrenome, criaturas do Altíssimo que foram ao seu encontro precocemente.  São milhares de pessoas e famílias enlutadas, chorando seus mortos ou lutando pela vida em um hospital. É a Páscoa de Nosso Senhor vivida na nossa gente e de forma mais cruel nos pobres e pequeninos, os por Ele amados.

É a Páscoa de Nosso Senhor vivida na nossa gente e de forma mais cruel nos pobres e pequeninos, os por Ele amados.

A hora é de defender a vida, de lutar por ela, de denunciar o que vem acontecendo como nosso povo diante desses governantes. É hora de gastar toda nossa energia lutando pelo Reino e amparando os sofredores, amarrando nosso povo ao mastro para livrá-lo do canto da sereia da dita normalidade, indo contra a maré nesse mar nebuloso que envolve os fiéis em outra fidelidade apenas com a aparência de boa.

INEXISTE protocolo algum que possa proteger nosso povo indo às celebrações. Isso é uma ilusão e faz parte da sustentação da anormalidade como realidade.  É um reforço nesse inconsciente coletivo, nessas trevas que se abateram sobre nós e que agora se disfarça de luz. 

No entanto, não devemos nos deixar enganar. Precisamos ser luz de verdade.  Nos manter acordados e de olhos bem abertos diante da noite escura,  mesmos que nossos olhos pesem clamando pelo sono. Precisamos ajudar nosso povo a entender a gravidade do momento, que nada passou e que vai demorar a passar. Se flexibilizamos, a mensagem que estamos enviando, mesmo com as melhores intenções, é que o pior passou e que a gravidade arrefeceu.

Entendo as dificuldades de natureza econômica de manutenção da instituição e de todos que ganham seu pão trabalhando nas atividades da igreja. Mas assim como tem sido com o povo mais pobre, a instituição haverá de encontrar caminhos de solidariedade que possam permitir a sua subsistência.

É possível que haja também algo de natureza religiosa que nos diz respeito às outras denominações cristãs que já estão realizando seus cultos, e, algumas, diga-se de passagem, sem nenhum protocolo, e outras ainda, que sequer fecharam. Mas isso não pode nos fazer sair do caminho da verdade. Lamentamos por esses irmãos e pelo mal que possam ter realizado, mesmo querendo e pregando o bem.  E, se ao final desse tempo formos poucos, temos o consolo e a força de Nosso Senhor: não tenham medo pequeno rebanho.

O momento ainda é de manter a bola fechada, sem furos ou com estes bem pequeninos, que possam ser tamponados. Podem me dizer: tudo já está aberto. Mas nós não somos esse tudo. Nós fomos chamados a ser a voz que clama no deserto. É no deserto o nosso chamado. É na contramão que Jesus foi chamado para ser fiel à escolha pela Vida e, por isso, atravessou seu deserto com altivez. Em fidelidade àquele que seguimos mantenhamos nossos corações abertos e nossas portas fechadas até que tenhamos um pouco mais de segurança para nos encontrarmos em nossos templos, igrejas e capelas.

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