Site de extrema direita dissemina desinformação e pânico sobre intervenção militar nas eleições 2022 – PARTE 2

O site de extrema direita Gente Decente, publicou uma série de informações falsas a respeito de uma suposta intervenção militar nas eleições deste ano. Bereia checou as informações em duas partes. (Leia aqui a parte 1)

A matéria de Gente Decente desinforma e propaga pânico neste já conturbado período pré-eleitoral.  O site afirma que todas as preocupações com o que pode acontecer com o Brasil em caso da derrota eleitoral do atual presidente estão sendo intensamente discutidas pelas FFAAs, como visto no Projeto de Nação – 2035. 

O encerramento da matéria “tranquiliza” os leitores, pois, segundo Gente Decente, “nossas FFAAs estão muito atentas e sabem, exatamente, o que deve ser feito para livrar o Brasil de uma desgraça chamada Lula”.

Governo Bolsonaro e Forças Armadas – Militarização da Burocracia

O conteúdo da publicação do site Gente Decente fomenta a ideia de um projeto de nação, no qual as Forças Armadas atuariam aparelhando o governo atual, militarizando a burocracia..

A suposta preocupação das Forças Armadas com o andamento do processo eleitoral é constantemente propagada por apoiadores do atual governo. A presença de militares no Executivo Federal aumentou desde o início do atual governo, como mostra a nota técnica divulgada em maio de 2022 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Com o objetivo de apresentar dados sobre a presença de militares na ocupação de cargos em comissão no Poder Executivo Federal Brasileiro, o Ipea apresenta estatísticas descritivas que permitem, de forma inédita, até onde foi possível ter conhecimento, observar longitudinalmente a trajetória da presença desse grupo especial de servidores na ocupação de cargos no Executivo Federal, entre os anos de 2013 e 2021. 

Constatou-se que a presença agregada de militares em cargos e funções comissionadas teve trajetória de aumento de 59% no período analisado, tanto pelo aumento do número de cargos e funções militares em si como pelo aumento da presença de militares em cargos e funções civis. Consideradas apenas funções de natureza civil, o número de militares nesses postos aumentou 193% no período analisado. 

No caso dos cargos de Natureza Especial os percentuais de militares no total de cargos são mais proeminentes, saindo de 6,3% em 2013 para quase 16% em 2021. A composição dos cargos ocupados se alterou no período, cabendo destaque para os níveis 5 e 6, de mais alto poder decisório, que passaram a ter percentuais mais significativos no conjunto de cargos ocupados a partir de 2019. 

A autora do estudo, a Técnica de Planejamento e Pesquisa em exercício na Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia do Ipea (Diest) Flávia de Holanda Schmidt, foi exonerada da Direção em março de 2022, pouco antes da publicação da nota técnica. Nessa oportunidade, além de Flávia de Holanda, o presidente do Instituto e outros seis diretores também perderam seus cargos. 

Militares e seu Projeto de Poder – Brasil 2035

O documento Projeto de Nação – O Brasil em 2035, citado na matéria de Gente Decente, foi apresentado em fevereiro de 2022 e produzido pelo Instituto SAGRES – Política e Gestão Estratégica Aplicadas com a participação do Instituto Federalista e do Instituto General Villas Boas, think tanks conservadores e com diversos militares da reserva em seus quadros. 

O documento apresenta uma situação hipotética e desafios a serem vencidos no Brasil de 2035. De acordo com o Projeto de Nação, o Brasil de 2035 é ocupado por novas lideranças políticas surgidas dos movimentos de pressão popular das décadas anteriores. Estas lideranças ocuparam espaços onde antes “prevaleciam as antigas lideranças patrimonialistas e fisiológicas, em grande medida envolvidas em corrupção”. E mesmo que existam nichos onde estas nefastas antigas lideranças ainda tenham influência, o sistema democrático de 2035 está fortalecido. Muito deste avanço democrático se deve aos currículos da educação “desideologizados” durante os últimos anos. 

Dentre os cenários previstos, a influência do Movimento Globalista Mundial  nas decisões do Estado brasileiro aparece com um grande desafio ainda a ser vencido em 2035. O documento caracteriza o  globalismo como “um movimento internacionalista, cujo objetivo é massificar a humanidade, progressivamente, para dominá-la; determinar, dirigir e controlar, tanto as relações internacionais, quanto as dos cidadãos entre si, por meio de intervenções e decretos autoritários. No centro do movimento estaria a Elite Financeira Mundial, ator não estatal constituído por mega investidores, bancos transnacionais e outros entes mega capitalistas, com extraordinários recursos financeiros e econômicos.

Além disso, seria visível a união de esforços entre determinadas entidades brasileiras e o movimento globalista, inclusive com o apoio de relevantes atores internacionais, visando interferir nas decisões de governantes e legisladores, especialmente em pautas destinadas a conceder benesses a determinadas minorias, em detrimento da maioria da população, a exercer ingerência em nosso desenvolvimento econômico, usando pautas ambientalistas a reboque de seus interesses e não pela necessária preservação da natureza, e a provocar crises que enfraquecem a Nação em sua busca pelo desenvolvimento.

E ainda, o globalismo teria uma outra face, mais sofisticada, que, segundo o Projeto de Nação, pode ser caracterizada como “o ativismo judicial político-partidário”, pelo qual parcela do Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública atuam sob um prisma exclusivamente ideológico reinterpretando e agredindo o arcabouço legal vigente, a começar pela Constituição brasileira. 

Alguns conflitos que no “Entorno Estratégico” abalariam o Brasil, como a “predatória” exploração de minerais na Guiana, que causará um conflito com os EUA após “forte reação de entidades ambientalistas internacionais e de direitos humanos, tendo em vista as condições degradantes dos empregados” . Uma nova pandemia, desta vez do “Xvírus” também seria, segundo o site,  um desafio logo superado entre 2027 e 2028. 

Globalismo

A teoria da conspiração conhecida como Globalismo e apresentada no Projeto de Nação é uma das bandeiras do atual governo e seus apoiadores. O documento segue a mesma linha dos pensamentos do guru conservador Olavo de Carvalho e do ex-chanceler Ernesto Araújo, “olavista” convicto. 

Olavo de Carvalho sempre teve um bom trânsito nos meios militares e suas teorias foram transmitidas de geração para geração. Piero Leirner conta em sua obra “ O Brasil no Espectro de uma Guerra Híbrida” como Carvalho, em grande medida, subsidiou as teses sustentadas pelos militares nos dias atuais, dentre estas, o Globalismo. 

O documento cita ainda “o ativismo judicial”, como uma outra face do Globalismo. Esta passagem serve de munição para os ataques ao judiciário brasileiro e alimenta falsas informações com as apresentadas pelo site Gente Decente. 

A referência à China como um fator de desestabilização da região com a “exploração predatório” na Guiana e maus tratos aos empregados durante este processo chama atenção pois, segundo Plano de Nação, a forte reação das “entidades ambientalistas internacionais e de direitos humanos” provocaram a intervenção dos EUA e aliados na região. De acordo com o Globalismo, estas entidades são ligadas aos metacapitalistas e elites mundiais na cruzada para estabelecer um governo mundial.  

Segundo as informações apresentadas , é possível caracterizar estes “acontecimentos” que fazem parte do “Projeto de Nação”, como uma “Grande Inversão”. O antropólogo Piero Leirner explica que se trata de um método dialético: uma constante projeção que certos agentes realizam nos seus inimigos invertendo suas posições. A ideologia, neste caso, que assume um tom de conspiração e pertence aos outros, revela mais sobre o documento produzido do que os processos e projeções que descreve. “Ela revela um uso consciente dessas inversões de realidade visando provocar reações inconscientes que afetam o real de forma programada. Militares chamam isso de “operações de bandeira falsa”. (O Brasil no Espectro de uma Guerra Híbrida. p.19) 

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Bereia concluiu na primeira parte da checagem que as informações apresentadas por Gente Decente não eram verdadeiras. Porém, reconhece que ao citar o Plano de Nação – Brasil 2035, o site buscou subsídios em um documento real, mas que faz exatamente o que afirma criticar: uma “ideologização” da visão de país, a construção de inimigos (China, Rússia e antigas lideranças políticas nacionais), teorias da conspiração (Globalismo) e uma retórica que captura termos como “democracia”e “liberdade de expressão” e as utiliza num contexto que quer dizer exatamente o contrário. No momento de publicação desta checagem, o site Gente Decente, bem como o canal de YouTube, encontram-se fora do ar.

Referências de checagem:

Coletivo Bereia.

https://coletivobereia.com.br/site-de-extrema-direita-dissemina-desinformacao-e-panico-sobre-intervencao-militar-nas-eleicoes/  Acesso em: 02 ago 2022

https://coletivobereia.com.br/e-alta-a-confianca-da-amostra-de-urnas-que-compoem-o-teste-de-integridade-do-tse/ Acesso em: 19 jul 2022

Folha de São Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/07/bolsonaro-repete-teorias-da-conspiracao-e-ataca-urnas-stf-e-tse-a-embaixadores.shtml Acesso em: 19 jul 2022

Ipea. Nota Técnica. https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/pubpreliminar/220530_publicacao_preliminar_presenca_de_militares_em_cargos_novo.pdf Acesso em: 19 jul 2022

Projeto de Nação. https://sagres.org.br/artigos/ebooks/PROJETO%20DE%20NA%C3%87%C3%83O%20-%20Vers%C3%A3o%20Digital%2019Mai2022.pdf  Acesso em: 02 ago 2022

Youtube. https://www.youtube.com/watch?v=ERvuSep8Ric  Acesso em: 02 ago 2022 

Instituto Sagres. https://sagres.org.br/ Acesso em: 02 ago 2022 

Instituto Federalista. https://if.org.br/home-1/ Acesso em: 02 ago 2022

Instituto General Villas Boas. https://igvb.org/ Acesso em: 02 ago 2022

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Foto de capa: Flickr Palácio do Planalto

Direita e esquerda no Brasil: o imaginário, o digital, o caos

Novas formas de ativismo passaram a compor o cenário político brasileiro, traduzindo as mudanças significativas na organização e mobilização política  na era das novas tecnologias, mídias sociais, influenciadores digitais, disparos de mensagens em massa etc, conferindo à esfera pública digital e à opinião pública um papel fundamental sobre as mediações que realiza entre os cidadãos e o Estado. 

A pesquisa “Cara da Democracia no Brasil” realizada pelo Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação fornece algumas pistas para tentar compreender estas e outras  importantes mudanças no comportamento, nas atitudes, nas crenças e valores dos cidadãos brasileiros com relação à democracia, temas que dominam o debate público desde a eleição de Jair Bolsonaro, como legalização do aborto, descriminalização das drogas e direitos das chamadas minorias. 

De acordo com a pesquisa, o dobro dos brasileiros se diz mais à direita do que  à esquerda no espectro político. Entretanto, devemos levar em conta que a compreensão do significado do que é pertencer à direita ou esquerda não alcança a maioria da população, e muitas percepções mudam ao longo do tempo. 

Direita e esquerda

Os termos direita e esquerda no campo político surgiram no turbulento período da Revolução Francesa de 1789. Durante os acalorados debates na Assembleia Constituinte a respeito do poder que o rei Luís 16 deveria ter a partir daquele momento, o grupo conservador, favorável à manutenção dos poderes da monarquia, ficaram à direita; enquanto os progressistas ou revolucionários, que defendiam diminuir os poderes do rei, sentaram-se à esquerda. 

Com o passar dos anos, as diferenças entre os grupos evoluíram para outros temas, além dos poderes da monarquia, que pouco tempo depois chegou ao fim. Com a direita em busca de uma república vinculada à Igreja e um Estado com mercado liberal e a esquerda lutando por um Estado laico e regulador na economia. Em alguns países os termos progressistas e reacionários, conservadores e liberais ou democratas e republicanos nomeiam esses espectros políticos opostos. No Brasil, mais de 200 anos depois das discussões na França,  os campos da esquerda e direita, com diversos tons entre os extremos de cada lado, continuam polarizando o debate político. 

A pesquisa “A Cara da Democracia”, para tentar compreender onde cada brasileira está posicionado neste debate, apresentou um questionário no qual os entrevistados deveriam marcar de 1 a 10, sendo 1 o máximo à esquerda e 10 o máximo à direita. 

Imagem: reprodução de O Globo

Entretanto, chama atenção na pesquisa – para além de uma direita sedimentada que convive com algumas opiniões progressistas pontuais – o grande número de brasileiros que acreditam em teorias da conspiração. Apresenta-se como um desafio compreender de que maneira essas bizarras teorias ocuparam o imaginário social, o conjunto de crenças, de parte da população.

É espantoso que 20% dos entrevistados acreditam que a Terra é plana, 21% que a cloroquina cura a covid-19, e 27%  não acreditam que o ser humano pisou na lua. No aspecto “ideológico” das conspirações, os números são ainda maiores,  49% acreditam que a China criou a covid-19 e uma das teorias mais difundidas pelo bolsonarismo, o globalismo (ideia de que  a globalização econômica passou a ser controlada pelo “marxismo cultural”), é acolhida por 44% dos entrevistados, que acreditam em uma conspiração global da esquerda para tomar o poder no mundo. O falecido guru do bolsonarismo, Olavo de Carvalho e o ex chanceler Ernesto Araújo difundiram o globalismo incansavelmente. 

Imagem: reprodução de O Globo

Como explica a jornalista e doutora em Ciências da Comunicação Magali Cunha, em seu artigo O lugar das mídias no processo de construção imaginária do “inimigo” no caso Marco Feliciano, “os seres humanos vivem de imagens, vivem de imaginação socialmente construída, o que forma e reforma suas crenças, sua linguagem e suas atitudes frente às demandas da vida e do outro”. 

Desta maneira, “o imaginário é, portanto, um componente da existência humana como experiência marcadamente social, que dá sentido à vida coletiva e é ressignificado por ela. Imaginário é a elaboração coletiva da coleção de imagens formada pelo ser humano, de tudo o que ele apreende visualmente e experencialmente do mundo.” 

O cientista político da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Leonardo Avritzer, afirma que Bolsonaro adota uma tática para (des)governar que está relacionada à ampla base constituída nas redes sociais e degrada as instituições a partir de uma rede impressionante de geração de fake news.   Especificamente a respeito da pesquisa “A Cara da Democracia” e número de brasileiros que acreditam em teorias da conspiração, Leonardo Avritzer destaca que há os dois caminhos para entender a adesão de brasileiros aos apelos conspiratórios: “Há, primeiramente, o nível baixo de escolaridade, especialmente em questões como se a terra é plana. Em outros temas, há um amplo processo de desinformação nas redes sociais, especialmente quando recebem informações das estruturas de confiança delas, como instituições religiosas, família, ou local de trabalho. 

Na campanha eleitoral de 2018, Jair Messias Bolsonaro reuniu os discursos conservador tradicional, neoliberal, populista e religioso em uma nova combinação e elaborou uma retórica sem precedentes no Brasil. Tal rearticulação discursiva materializa um projeto hegemônico para a constituição de uma nova base e agenda política, liberal na economia e conservadora nos costumes, que é uma das facetas de um projeto político mais amplo de reestruturação da hegemonia do bloco centrado na elite econômica e financeira do país em novas condições. 

De acordo com o sociólogo Jessé Souza, “distorcer o mundo social é parte do projeto das classes dominantes para subjugar os demais segmentos da sociedade e se apropriar da riqueza nacional e só a percepção adequada da dimensão cultural e simbólica da vida social nos permite uma compreensão mais profunda e verdadeira da vida que levamos como indivíduos”.  No Brasil de Bolsonaro, as pautas morais e o inimigo comunista alimentam o imaginário de grande parte da população. As mídias sociais são o caminho.

“Engenheiros do Caos”

Na obra “Os Engenheiros do Caos: Como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições, Giuliano da Empoli (2019) refaz os caminhos percorridos por figuras como Gianroberto Casaleggio _ cofundador do partido italiano Movimento Cinco Estrelas e um dos primeiros a utilizar a internet e as redes sociais para fazer política, Steve Bannon – guru de Donald Trump e um dos principais nomes da ultradireita no mundo, Milo Yiannopoulos – comunicador e “blogueiro” inglês, apoiador convicto da “liberdade de expressão” e crítico feroz do “politicamente correto” e Arthur Finkelstein – conselheiro de Viktor Orban, presidente ultraconservador da Hungria, que juntos “estão em vias de reinventar uma propaganda adaptada à era das selfies e das redes sociais, e, como consequência, transformar a própria natureza do jogo democrático”. Esses são os Engenheiros do Caos. 

O engajamento técnico: curtidas, comentários e compartilhamentos, tão buscados pelos executivos de marketing e publicidade das grandes empresas, é também o objetivo desses “profissionais” da esfera pública digital. Assim, colocam os algoritmos das redes sociais digitais ao seu favor, pois se os programadores do Facebook ou Instagram, por exemplo, trabalham para atrair e prender a atenção dos usuários pelo maior tempo possível, os algoritmos e ferramentas dos Engenheiros do Caos têm a mesma finalidade, capturar a razão dos indivíduos, neste caso, através da emoção, com iniciativas como o projeto Brasil Paralelo, produtora de conteúdo de extrema-direita, inspirado nas ideias de figuras como Olavo de Carvalho. Buscam “recontar” a História do Brasil,  e as teorias da conspiração são a matéria prima de suas produções e documentários. Um projeto que à primeira vista pode parecer independente e feito por alguns jovens conservadores com “uma ideia na cabeça”, é parte de um movimento bem orquestrado, organizado e muito bem financiado.                          

Não importa se as posições apresentadas são absurdas, mentirosas ou fantasiosas, pois estão pautadas em uma questão numérica de engajamento e não são baseadas em valores éticos. A meta é identificar e hackear as aspirações e os temores dos usuários das mídias sociais digitais e fazer com que interajam com outros que defendem as mesmas posições e com as páginas ou perfis que apresentam estes conteúdos.

Magali Cunha explica que exércitos precisam de inimigos e a Teologia de um Deus guerreiro e belicoso sempre esteve presente na formação fundamentalista dos evangélicos brasileiros, compondo o seu imaginário e criando a necessidade de identificação de inimigos a serem combatidos, através dos tempos estes inimigos foram, em maior ou menor grau, a Igreja Católica, as religiões afro-brasileiras, os comunistas e mais recentemente, a população LGBTQIA+. Parte das estratégias no quadro das disputas político-ideológicas baseadas no enfrentamento de inimigos estabelecidos simbolicamente é criar uma “guerra” pela visibilidade, que comumente envolve números e exposição nas mídias. 

As consequências na política nacional

 Jair Bolsonaro e os seus próprios Engenheiros do Caos deram ainda uma nova roupagem a esse discurso, unindo a ameaça aos valores tradicionais da família e da ameaça comunista. Esses temas não são novos, mas a utilização das redes sociais digitais é a novidade.

Jessé Souza afirma que “colonizar o espírito e as ideias de alguém é o primeiro passo para controlar seu corpo e seu bolso”.  De nada adianta os Engenheiros do Caos proclamarem as virtudes do governo atual e demonizar os governos de esquerda se ninguém acreditar nisso. E essa lavagem cerebral, ou melhor, privação sensorial, é turbinada pelas notícias falsas, teorias da conspiração, manipulação de dados e desinformação, turbinados pelas mídias sociais digitais e legitimadas por políticos, religiosos e influenciadores digitais. Algumas vezes, um indivíduo representa tudo isso, como o pastor presidente da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia. 

Nessa bolha sinistra que comporta as mais inusitadas ideias e conspirações, os indivíduos em busca de acolhimento, reconhecimento e alguma explicação para seus anseios, parecem cada vez mais presos e hipnotizados. As teorias da conspiração, preconceitos e ódio sempre estiveram entre nós, no entanto, as redes sociais digitais conectaram pessoas com interesses em comum, inclusive os mais negativos. Os Engenheiros do Caos perceberam este poder das mídias sociais digitais e a utilizaram para manipulação da informação com fins políticos. 

Derrotar Jair Bolsonaro é, para muitos analistas, fundamental para estancar esse processo do que podemos chamar de privação sensorial. Temos o componente religioso e conservador, um grande número de evangélicos e católicos representados por líderes políticos e influenciadores digitais nada cristãos, além de um grande contingente, independentemente de classe social ou nível de escolaridade, que lê cada vez menos, escreve cada vez menos, interpreta cada vez menos e tem nas mídias sociais digitais sua única fonte de informação. 

Contudo, mesmo derrotando o atual presidente nas urnas, esse grupo extremista e seus métodos continuarão em atuação na esfera pública, buscando provocar uma ruptura no sistema democrático. Estes seres não estão mais nas sombras, são métodos e táticas são debatidos em artigos, livros e documentários, mas como um espectro sinistro, são difíceis de abalar ou capturar.

Imagem de capa: Gerd Altmann por Pixabay

Blogueiro católico Allan dos Santos mente mais uma vez ao usar drama de jogador dinamarquês contra vacina da covid-19

O blogueiro católico, criador do canal do Youtube Terça Livre, Allan dos Santos, conhecido como comunicador apoiador do governo Jair Bolsonaro, causou reação indignada nas mídias sociais neste domingo, 13 de junho. Ele usou o caso do jogador de futebol da seleção da Dinamarca Christian Eriksen, 29 anos, que sofreu um mal súbito durante jogo contra a Finlândia pela Eurocopa, no sábado, 12 de junho, para propagar desinformação sobre a vacinação contra a covid-19.

A parada cardíaca que jogou Eriksen ao chão foi assistida ao vivo pelos espectadores da partida e causou comoção por conta do demorado processo de reanimação realizado ainda no gramado sob as lentes das câmeras.  A equipe médica usou um desfibrilador para reanimar o atleta. “Ele se foi. Fizemos ressuscitação cardíaca, foi uma parada cardíaca. Quão perto estávamos? Não sei. Nós o trouxemos de volta depois de uma desfibrilação”, disse o médico da Dinamarca, Morten Boesen em entrevista coletiva horas depois, informando que o jogador permanecia no hospital para mais exames.“Os exames que foram feitos até agora parecem bons”, acrescentou o médico. “Não temos uma explicação de por que isso aconteceu.”

A mentira

Na postagem que fez no Twitter, Allan dos Santos afirma que o médico da Inter de Milão, time onde Eriksen atua, na Itália, havia confirmado em rádio daquele país que o jogador havia tomado a vacina do laboratório Pfizer contra a covid-19, em 31 de maio. Santosreproduz insinuações que emergiram nas mídias sociais depois do caso, de que o mal súbito sofrido pelo dinamarquês, que teria sido contaminado de covid-19, seria uma reação à vacina. O blogueiro católico lançou o conteúdo para alimentar grupos negacionistas e conspiratórios contra vacinas, em especial contra o processo de vacinação no enfrentamento da pandemia.

Procurado pela imprensa, o diretor da Inter de Milão Giuseppe Marotta desmentiu que Eriksen tivesse contraído covid-19 em algum momento e afirmou que ele nunca apresentou sinais de problemas de saúde.“Ele não teve Covid nem foi vacinado”, afirmou Marotta à rede de TV italianaRAI, o que desmente a informação falsa espalhada por Allan dos Santos.

Contas suspensas depois recuperadas e drible no Twitter

Allan dos Santos está sendo investigado no inquérito das fake news, instrumentos de ataques antidemocráticos contra o Supremo Tribunal Federal (STF), desde 2020, como Bereia já publicou. Ele teve sua conta oficial no Twitter retirada, em 2020, por conta do processo, mas criou um perfil alternativo, onde continua postando desinformação, a exemplo desta última do caso Eriksen.

Em fevereiro de 2021, o YouTube desativou os canais do blogueiro,por avaliar que os conteúdos veiculados não seguiam as diretrizes da plataforma, que dizem respeito a não oferecer desinformação e promoção de ódio. O recurso de Allan dos Santos na Justiça de São Paulo, com o apoio de políticos governistas, inclusive o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), obteve a reversão da desativação. Na decisão, o juiz Mathias Coltro afirma que “a remoção das contas da agravante na plataforma YouTube se mostra desproporcional, violando a garantia constitucional da liberdade de expressão e de informação”.

Notório disseminador de fake news

Em fevereiro de 2021, em mandado de busca e apreensão, a Polícia Federal encontrou na casa de Allan dos Santos, material que fazia referência à deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), governista, também destacada disseminadora de desinformação, que se tornou presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a mais importante da Câmara dos Deputados.

No material encontrado na casa do blogueiro,comprovou-se que Kicis se reunia com o ele para discutir, de forma regular, pautas para a promoção de intervenção militar no Brasil. Além disso, a deputada prestou informações inverídicas para a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito das Fake News, que atuou em 2020, e designou um assessor para acompanhar e auxiliar os organizadores do acampamento conhecido como “300 do Brasil”, que pedia o fechamento do Congresso Nacional e do STF. 

A investigação da PF aponta ainda formação de rede com empresas sediadas no exterior, suspeita de tráfico de influência, lavagem de dinheiro e até de desvio de recursos públicos por meio de funcionários fantasmas (a chamada “rachadinha”).O relatório foi encaminhado à Procuradoria Geral da República (PGR) e em seguida para o ministro do STF Alexandre de Moraes, que abriu o inquérito.

Sobre o blogueiro

De origem protestante, batista, Allan Lopes dos Santos se converteu ao Catolicismo, tendo-se tornado seminarista pelo Seminário Maria Mater Ecclesiae do Brasil. Depois de formado, nos anos 2000, ingressou na Fraternidade Sacerdotal de São Pedro, tendo servido a este grupo nos Estados Unidos, onde atuou como jornalista no Portal de notícias católico Church Militant, com sede no Estado de Michigan. Depois de voltar ao Brasil, em 2014, fundou, ao lado de amigos da igreja, o portal multiplataforma “Terça Livre”,um canal de notícias que tinha como objetivo “não apenas falar com o público católico, mas com o público conservador em geral”.

Ainda durante o período no seminário, Allan dos Santos passou a estudar com o escritor e astrólogo Olavo de Carvalho. Ele se declara formado no Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho, um fiel seguidor do escritor considerado o guru do bolsonarismo.

Allan dos Santos deixou a batina em 2017, casou-se e é pai de três filhos.O site e o canal de vídeos Terça Livre ganharam notoriedade durante as eleições de 2018, quando, o blogueiro passou a atuar próximo à família Bolsonaro, tendo livre acesso a áreas vedadas a repórteres de jornais e revistas.

Considerado um dos líderes do esquema de divulgação de notícias falsas e de ataques a adversários do presidente Jair Bolsonaro, estimulado pelo próprio Palácio do Planalto, Allan dos Santos estaria inserido no chamado “Gabinete do Ódio”, como reconheceu o ministro do STF Alexandre de Moraes.

Neste domingo, 13 de junho, em que Allan dos Santos publicou a mentira contra vacinas, usando o drama do jogador Eriksen, o jornal O Globo publicou conteúdo exclusivo sobre mensagens de WhatsApp colhidas pela Polícia Federal ao longo do inquérito dos atos antidemocráticos. Nelas, Fabio Wajngarten, então chefe da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do governo Bolsonaro, defendeu a liberação de verba publicitária da Caixa Econômica Federal para veículos de comunicação classificados por ele como “mídia aliada”.

Segundo relatório da PF, em abril de 2019 Wajngarten assumiu o comando da Secom e se aproximou de Allan dos Santos, dizendo ser um empresário de mídia “muito” próximo de executivos de emissoras de TV. Afirmou ainda que poderia aproximar o blogueiro desses veículos e que, naquela semana, já havia promovido encontros de parlamentares com a cúpula do SBT, da Band e que iria se encontrar com “bispos da Record”. Em nota, Wajngarten diz que atuação na Secom foi ‘técnica e profissional’, e emissoras negam privilégio e reafirmam isenção.

Em uma live com apoiadores do governo federal em 2020, Allan dos Santos afirmou ter deixado o Brasil. De fato, não há mandado de prisão em abertoou proibição de viajar contra o blogueiro. No entanto, muitos países estão com as fronteiras fechadas para brasileiros, em razão da pandemia de coronavírus. O Brasil é o segundo país em número de infectados e mortes no mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. Apenas portadores de passaportes diplomáticos podem ingressar em nações que aplicaram o bloqueio da entrada de brasileiros. Não se sabe, portanto, se a afirmação de que o blogueiro está fora do país é verdadeira.

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Bereia classifica a postagem de Allan dos Santos sobre o mal súbito do jogador Eriksen como falsa. O blogueiro católico é notório disseminador de desinformação, por meio de conteúdos falsos e enganosos em seus veículos de mídias (Canais Terça Livre, site Terça Live e perfis em mídias sociais) e promotores de dissenso e ódio. Bereia alerta leitores e leitoras que o blogueiro é alvo de investigações da Polícia Federal por conta do inquérito do STF e os conteúdos que dissemina não devem ser curtidos ou compartilhados e precisa ser sempre tratados com desconfiança por meio de verificação.

Referências

Jornal de Brasília, https://jornaldebrasilia.com.br/torcida/eriksen-nao-teve-covid-nem-foi-vacinado-diz-diretor-da-inter-de-milao/. Acesso em 14 jun 2021.

Congresso em Foco, https://congressoemfoco.uol.com.br/justica/justica-determina-reativacao-de-canais-do-bolsonarista-allan-dos-santos/. Acesso em 14 jun 2021.

Correio Braziliense, https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/02/4904769-pf-apreende-na-casa-de-allan-dos-santos-material-referente-a-bia-kicis.html.  Acesso em 14 jun 2021.

Youtube, Terça Livre, https://www.youtube.com/watch?v=RUrhnFaxYpo&t=83s. Acesso em 14 jun 2021.

Supremo Tribunal Federal, http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/mandado27maio.pdf. Acesso em 14 jun 2021.

O Globo, https://oglobo.globo.com/brasil/exclusivo-dialogos-de-inquerito-da-pf-mostram-que-secom-privilegiou-midia-aliada-25059119. Acesso em 14 jun 2021.

Correio Braziliense, https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/07/31/interna_politica,877154/investigado-no-stf-allan-dos-santos-diz-que-deixou-o-brasil.shtml Acesso 14 jun 2021.

Influenciador católico desinforma em entrevista para jornal

No último dia 8 de maio, o youtuber católico e editor de opinião do site Brasil Sem Medo (BSM) Bernardo P. Küster teve uma entrevista publicada no jornal Folha de São Paulo. Suas declarações, no entanto, disseminam desinformações a respeito de opositores e questões ligadas ao combate à pandemia de covid-19 no Brasil.

Decisão do STF e medidas restritivas por governadores e prefeitos

Ao ser questionado sobre a condução do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) nno enfrentamento da pandemia, Küster afirma: “Na condução geral da pandemia, qual é a síntese? STF amarra, na prática, as mãos do presidente, permitindo que ele somente pague a conta e que os governantes locais tomem todas as decisões”.

No entanto, a decisão do STF não “amarrou” as mãos do presidente no combate à pandemia. Em agosto de 2020, Bereia verificou que o Supremo Tribunal Federal decidiu em 15 de abril daquele ano que União, Estados e Municípios têm competência concorrente para determinar o funcionamento de atividades essenciais. A decisão da corte veio em resposta à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6341 protocolada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) para questionar a MP 926, que concentrava no Presidente da República a competência para dispor, por decretos, sobre atividades e serviços essenciais. Foi a partir dessa decisão que o Presidente e seus apoiadores passaram a propagar a tese falsa de que o Governo Federal ficou de mãos atadas pelo STF em relação à condução da pandemia.

Em outro momento, a respeito do governador de São Paulo João Dória (PSDB), ele diz: 

“Se Bolsonaro faz A, ele decide B. Quase me esqueço: toque de recolher, restrição de ir e vir e impedir o direito de reunião da população são medidas absolutamente ilegais tomadas por prefeitos e governadores. Segundo nossa Constituição, somente o presidente, com aprovação do Congresso, pode determiná-las unicamente em estado de sítio ou de guerra. Portanto, Doria e outros tiranetes claramente desobedeceram nossas leis.”

O argumento de que só o Presidente poderia estabelecer medidas restritivas no Brasil e de que isso aconteceria apenas mediante do estado de sítio pelo Congresso Nacional também já foi verificado pelo Bereia. Apoiadores desse argumento, incluindo líderes religiosos, sustentam sua visão em alguns artigos da Constituição Federal que tratam de direitos fundamentais e dos estados de sítio e de defesa. Alguns apoiadores chegam a até pedir que o Presidente convoque as Forças Armadas contra as medidas restritivas.

No entanto, além da decisão do STF, a Lei 13.979 sancionada pelo Presidente Bolsonaro prevê aplicação de isolamento e quarentena para combater a pandemia. É também enganoso comparar estados de sítio e de defesa com lockdown. Em linhas gerais, enquanto o último coloca em prática punições administrativas (como multas), os anteriores geram restrições a uma série de direitos fundamentais e podem levar à prisão.

Isolamento vertical e protocolo precoce 

O youtuber também sugere que o governador de São Paulo João Dória considere o “isolamento vertical ou a mera avaliação de protocolos precoces contra o vírus chinês”. Ambas as medidas são comprovadamente ineficazes e foram defendidas pelo presidente Jair Bolsonaro publicamente, como forma de supostamente conter a pandemia. 

Isolamento vertical é a teoria de que isolando pessoas idosas e com comorbidades, o vírus circularia entre mais jovens e o país atingiria a imunidade de rebanho. A estratégia foi amplamente defendida pelo Governo Federal na campanha “O Brasil não pode parar”, e é desaconselhada pela OMS, uma vez que jovens são importantes vetores da doença e o número de contaminados poderia aumentar rapidamente, segundo a Fiocruz.  Em live no dia 26 de março de 2020, o presidente Bolsonaro afirmou “O que nós estamos conversando para redirecionar é o isolamento vertical, é você pegar a pessoa idosa e isolar, bota num hotel”. Segundo a Fiocruz, a morte de jovens até 29 anos por covid aumentou 1.081% entre janeiro e abril, entretanto Bolsonaro voltou a defender a tática de isolamento de idosos e pessoas com comorbidades em 11 de março de 2021. O ministro da saúde Marcelo Queiroga afirmou em depoimento da CPI da Covid em 06 de maio de 2021 que o Governo Federal não defende mais o isolamento vertical. “Isolamento vertical é algo do início da pandemia, mas isso foi abandonado”, disse Queiroga à comissão. 

Em depoimento na CPI da Covid, ex-secretário de Comunicação Social Fabio Wajngarten negou a responsabilidade do governo pela campanha “Brasil não pode parar”, mas foi desmentido por gravação apresentada à CPI. Conforme Bereia já verificou depois de falas de outros apoiadores de Bolsonaro e membros do governo, também é falso que o tratamento precoce deve ser considerado, visto que não há tratamento precoce contra a Covid-19, e apenas a vacinação em massa é capaz de conter o vírus.

Investigação no STF e condenação por danos morais

Bernardo Küster é investigado no inquérito das fake news do STF. Protocolado em 2019 e sob a condução do ministro Alexandre de Moraes, o processo está sob sigilo. Em maio de 2020, Küster foi condenado em segunda instância por danos morais ao teólogo Leonardo Boff. Quando teve equipamentos apreendidos pela Polícia Federal no âmbito do inquérito das fake news, o youtuber afirmou que o processo prejudica a liberdade de expressão e a respeito do processo relacionado a Boff disse que teve seu direito de defesa cerceado.

***

Bereia conclui que são enganosas as afirmações de Bernardo Küster sobre a conduta do Governo Federal em relação à pandemia da Covid-19. O STF não impediu o Governo Federal de agir no combate à pandemia, mas reconheceu a competência concorrente de União, Estados e Municípios para essas ações. Também não é verdade que medidas restritivas só poderiam ser tomadas em estados de defesa e de sítio. Além disso, enquanto a ideia de isolamento vertical já foi desconsiderada pelo Ministro da Saúde, medicamentos usados no tratamento precoce são comprovadamente ineficazes (como a cloroquina) ou não têm eficácia comprovada (como a ivermectina) no combate à covid-19. 

Referências

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/site-gospel-desinforma-ao-noticiar-que-cidades-ignoram-decreto-presidencial-sobre-abertura-de-igrejas/. Acesso em: 12 de maio de 2021.

STF, http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5880765. Acesso em: 12 de maio de 2021.

Planalto, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Mpv/mpv926.htm#art1. Acesso em: 12 de maio de 2021.

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/lideres-religiosos-pedem-que-bolsonaro-acione-forcas-armadas-contra-medidas-de-combate-a-pandemia/. Acesso em: 12 de maio de 2021.

Planalto, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 12 de maio de 2021.

Planalto, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l13979.htm. Acesso em: 12 de maio de 2021.

Fiocruz. https://portal.fiocruz.br/es/node/79344 . Acesso em 14 de maio de 2021.

UOL, https://economia.uol.com.br/noticias/reuters/2020/03/26/governo-bolsonaro-lanca-campanha-de-isolamento-vertical-em-coronavirus.htm . Acesso em 14 de maio de 2021.

Valor Econômico, https://valor.globo.com/brasil/noticia/2021/04/23/fiocruz-relata-aumento-de-casos-e-mortes-entre-mais-jovens.ghtml. Acesso em 14 de maio de 2021.

R7, https://noticias.r7.com/brasil/cpi-queiroga-diz-que-isolamento-vertical-e-uma-tatica-ultrapassada-12052021. Acesso em 14 de maio de 2021.

Senado Federal, https://www12.senado.leg.br/noticias/videos/2021/05/ex-secretario-fabio-wajngarten-nega-responsabilidade-sobre-campanha-o-brasil-nao-pode-parar. Acesso em 14 de maio de 2021.

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/tweets-de-onyx-lorenzoni-enganam-sobre-enfrentamento-da-pandemia-e-cpi-da-covid-19/. Acesso em 14 de maio de 2021.

Comprova, https://projetocomprova.com.br/publica%C3%A7%C3%B5es/nao-ha-tratamento-previo-para-covid-19-ao-contrario-do-que-sugere-medica-no-instagram/. Acesso em 14 de maio de 2021.

G1, https://g1.globo.com/pr/norte-noroeste/noticia/2020/05/27/alvo-de-mandado-no-inquerito-que-apura-producao-de-noticias-falsas-diz-que-liberdade-de-expressao-esta-sendo-cerceada.ghtml. Acesso em 17 de maio de 2021.

STF, https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5651823. Acesso em 17 de maio de 2021.

O Estado de São Paulo, https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,justica-mantem-condenacao-a-youtuber-bolsonarista-que-atacou-leonardo-boff,70003294747. Acesso em 17 de maio de 2021.

Crédito da Imagem: Bruno Santos/Folhapress (Reprodução)

O caso do assessor internacional do Planalto que negou ter feito gesto racista que foi agora confirmado em investigação

Durante sessão técnica do Senado em 24 de março passado, para apurar a atuação do Ministério das Relações Exteriores na compra de vacinas, o assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência da República Filipe Martins, fez um gesto que foi interpretado como um utilizado por supremacistas brancos, como neonazistas. Martins negou, informando que estava ajeitando a lapela e se afirmou como judeu

O que é o gesto?

Enquanto o presidente do Senado Rodrigo Pacheco falava, Filipe Martins estava sentado atrás dele. As imagens mostram Martins juntando as pontas dos dedos polegar e indicador e esticando os demais dedos. Popularmente o gesto costuma ser identificado como obsceno ou como “OK”, mas desde 2017 começou a ser associado a movimentos de supremacismo branco a partir de uma campanha no site 4chan, frequentemente reduto de campanhas de extrema-direita. Essa ressignificação do gesto foi apontado pela Liga Antidifamação (ADL, do inglês Anti-Defamation League), entidade que lista símbolos de ódio usados por extremistas em todo o mundo. 

O terrorista que assassinou 51 pessoas numa mesquita na Nova Zelândia repetiu o gesto durante seu julgamento. O grupo supremacista Proud Boys, que invadiu o Capitólio em janeiro deste ano, também fez o mesmo em manifestação nos Estados Unidos. Um apoiador do presidente Jair Bolsonaro, ao posar para uma foto, fez o sinal e foi repreendido por ele, que disse “pega mal pra mim se isso aí aparecer”.

A Liga Antidifamação ressalta que o gesto ainda é utilizado com seu sentido original pela maioria das pessoas.

Gilberto Casarões, professor de Relações Internacionais da FGV-SP, publicou em seu perfil no Twitter uma explicação sobre a estratégia chamada dog whistle (apito de cachorro), na qual grupos extremistas se apropriam de símbolos comuns e lhes dão conotações específicas. Com isso, criam uma identidade de grupo e irritam adversários políticos que, ao denunciarem as referências da reapropriação dos gestos, são acusados de censores ou paranoicos. Ao final, segundo Casarões, a narrativa extremista acaba sendo reforçada e popularizada.  

Quem é Filipe Martins?

Filipe Gomes Martins é graduado em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília. Foi editor-assistente do site conservador Senso Incomum, secretário de Assuntos Internacionais do PSL e desde janeiro de 2019 é assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência da República. É ex-aluno de Olavo de Carvalho, ideólogo influente no governo atual.

Ao se defender, Martins se declarou judeu em publicação em seu perfil no Twitter.

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Fonte: Reprodução | Twitter

 Contudo, em outra postagem respondeu que sua família é judaica, e ele, cristão. 

Repercussão do caso

O caso foi amplamente repercutido em diversas redes sociais, e movimentos da comunidade judaica se manifestaram contra Filipe Martins. No Twitter, o Museu do Holocausto, entidade judaica com sede em Curitiba, condenou o gesto do assessor especial de Jair Bolsonaro. “É estarrecedor que não haja uma semana que o Museu do Holocausto de Curitiba não tenha que denunciar, reprovar ou repudiar um discurso antissemita, um símbolo nazista ou ato supremacista. No Brasil, em pleno 2021. São atos que ultrapassam qualquer limite de liberdade de expressão”, afirmou a instituição.

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Martins recebeu a solidariedade de expoentes da comunidade judaica com histórico de alinhamento com o governo, como a Associação Sionista Brasil-Israel, que manifestou apoio ao então candidato à presidência Jair Bolsonaro. Também saíram em defesa do assessor a presidente da Comunidade Internacional Brasil & Israel, Jane Silva, que foi secretária-adjunta da Secretaria Especial de Cultura na gestão de Regina Duarte, e o ex-embaixador de Israel no Brasil, Yossi Shelley, presente em um almoço com o presidente que viralizou pela ocultação de um prato de lagostim, alimento proibido pelo judaísmo ortodoxo.

O Sleeping Giants Brasil, movimento de consumidores contra o financiamento do discurso de ódio e das fake news, que contabiliza mais de 430 mil seguidores no Twitter, também se manifestou contra o gesto. O grupo lembrou que em 2019 o assessor de Jair Bolsonaro publicou em sua conta no Twitter um poema que abre o manifesto de Brenton Tarrant, que em meados de março de 2019 realizou ataques a tiros em uma mesquita em Nova Zelândia e matou 50 pessoas.

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De forma simbólica, em 31 de março o plenário do Senado aprovou o “voto de censura” ao assessor especial da Presidência da República, solicitado sob o requerimento RQS 1.238/2021, apresentado pelo senador Fabiano Contarato (Rede-ES). Ao justificar o pedido, o parlamentar disse que Martins teria feito “gestos racistas e preconceituosos” no Senado durante sessão com a presença do então ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, em 24 de março. 

O requerimento, assinado por mais de 30 senadores, afirma que o assessor se comportou de maneira “completamente inadequada, desrespeitosa e quiçá criminosa” enquanto o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, discursava na abertura da sessão.

Segundo informações disponibilizadas no site do Senado Federal, Contarato também reivindicou uma investigação “pronta e exaustiva”. No mesmo dia em que ocorreu o episódio, Rodrigo Pacheco determinou a abertura de investigação pela Polícia Legislativa do Senado e pela Secretaria-Geral da Mesa do Senado. Para o senador, o gesto de Filipe Martins pode representar “um convite à manifestação e à ação de grupos supremacistas brancos, tradicionalmente conhecidos por sua violência e virulência”. Contarato também ressalta que o ato poderia estar associado ao crime de incitamento à discriminação com base em raça e etnia, previsto no artigo 20 da Lei 7.716, de 1989.

A investigação do caso

A investigação conduzida pela Polícia Legislativa do Senado, por demanda do presidente da Casa Senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) concluiu que o gesto de Filipe Martins teve conotação racista, segundo relatório divulgado em 4 de maio. O documento foi encaminhado ao Ministério Público Federal, que deverá decidir pela denúncia contra Filipe Martins ou pelo arquivamento.  

Martins havia sido indiciado pela Polícia Legislativa com base no artigo 20 da lei 7.716/1989, que fala em pena de reclusão de uma a três anos e multa para quem “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.”

O que prega a supremacia branca?

A supremacia branca é uma ideologia racista que prega a superioridade do indivíduo branco, utilizando, para tanto, evidências científicas deturpadas para comprovar sua veracidade. Os neonazistas e a Ku Klux Klan são dois grupos que acreditam nessa concepção.

As manifestações podem ocorrer de duas formas: por meio mais radical ou de maneira mais branda. Na forma radicalizada, organizações extremistas defendem lemas como “poder branco”, usando a violência para perseguir aqueles que não são brancos. Assim, muitas vezes, se reúnem em grupos secretos para difundir teorias racistas e discursos de ódio, explorando ainda locais como a internet. Especialistas que acompanham a atuação de grupos extremistas de supremacistas percebem a forte atuação também em fóruns e ambientes de jogos on-line.

A existência de leis e governos que promovem certo segregacionismo, assim como de grupos extremistas que perseguem não brancos de maneiras violentas, é entendida como manifestação da branquitude. Esse conceito das ciências sociais é usado para definir um lugar estrutural que sustenta privilégios das pessoas brancas, enxergando-as como o modelo padrão de ser humano.

Muitos desses grupos têm relação direta com ideais neonazistas e forte atuação em locais como Europa e América do Norte. Caracterizam-se também como contrários a políticas que promovem a inclusão social de grupos marginalizados e se posicionam contra a imigração, por considerarem a miscigenação como um grande mal. Isso porque muitos entendem a “pureza racial” como um fator relacionado à identidade nacional. Assim, alemães supremacistas, por exemplo, defendem que a cidadania alemã é algo que pertence exclusivamente aos brancos.

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Foto de capa: Reprodução: TV Senado/Jovem Pan

Referências

YouTube, https://www.youtube.com/watch?v=rMg6gCgmhCA Acesso em: 29 mar 2021.

Twitter Filipe Martins, https://twitter.com/filgmartin/status/1374872631942344708?s=20 Acesso em: 29 mar 2021.

Mashable, https://mashable.com/article/ok-hand-gesture-hate-symbol-anti-defamation-league-white-sumpremacy/ Acesso em: 29 mar 2021.

Southern Poverty Law Center, https://www.splcenter.org/files/4chan-operationokkkjpg Acesso em: 29 mar 2021.

Anti-Defamation League (ADL), https://www.adl.org/education/references/hate-symbols/okay-hand-gesture Acesso em: 29 mar 2021.

Hypeness, https://www.hypeness.com.br/2021/03/supremacista-branco-preso-na-nova-zelandia-fez-mesmo-gesto-de-assessor-de-bolsonaro/ Acesso em: 29 mar 2021.

Twitter Bia Ferreira, https://twitter.com/iglesbiteriana/status/1375072660510609413?s=20 Acesso em: 29 mar 2021.

Twitter Gilberto Casarões, https://twitter.com/GCasaroes/status/1375103512246419468 Acesso em: 29 mar 2021.

Linkedin Filipe Martins, https://www.linkedin.com/in/figmp/?originalSubdomain=br Acesso em: 29 mar 2021.

Facebook Embaixador Yossi Shelley, https://www.facebook.com/yossishelley/posts/859094554671698 Acesso em: 29 mar 2021.

Twitter Embaixada de Israel no Brasil, https://twitter.com/IsraelinBrazil/status/1147931268337819651 Acesso em: 07 abr 2021.

Twitter Eduardo Bolsonaro, https://twitter.com/BolsonaroSP/status/1376840848864854018?s=20 Acesso em: 29 mar 2021.

Abaixo-assinado “Judeus, cristãos, ateus e sionistas apoiam Bolsonaro”, https://www.change.org/p/asbi-associa%C3%A7%C3%A3o-sionista-brasil-israel-judeus-crist%C3%A3os-ateus-e-sionistas-apoiam-bolsonaro?recruiter=59358315&utm_source=share_petition&utm_medium=copylink&utm_campaign=share_petition. Acesso em: 07 abr 2021.

R7, https://noticias.r7.com/brasil/comunidade-brasil-israel-defende-filipe-martins-e-faz-apelo-ao-senado-26032021 Acesso em: 07 abr 2021.

Jovem Pan, https://jovempan.com.br/noticias/brasil/quem-e-reverenda-jane-silva.html Acesso em: 07 abr 2021.

Requerimento de voto de censura a Filipe Martins, https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/147809 Acesso em: 07 abr 2021.

Brasil Escola, https://brasilescola.uol.com.br/historia/supremacia-branca.htm Acesso em: 05 abr 2021.

O Globo, https://oglobo.globo.com/mundo/senado-aprova-voto-de-censura-filipe-martins-assessor-do-governo-que-fez-gesto-associado-supremacistas-brancos-1-24950868 Acesso em: 05 abr 2021.

Senado Federal, https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/03/31/senado-aprova-voto-de-censura-a-assessor-da-presidencia-da-republica Acesso em: 06 abr 2021.

Ciência Hoje, https://cienciahoje.org.br/artigo/a-relacao-entre-branquitude-e-privilegio/ Acesso em: 06 abr 2021.

Folha de S. Paulo, https://www1.folha.uol.com.br/colunas/painel/2021/05/investigacao-conclui-que-filipe-martins-assessor-de-bolsonaro-fez-gesto-racista-no-senado.shtml?utm_source=twitter&utm_medium=social&utm_campaign=twfolha Acesso em: 04 mai 2021.

Q-Anon, ou o novo discurso desinformativo

Na última sexta-feira (28) o Bereia realizou verificação sobre a Operação Storm. A suposta Operação (da qual não há registro, processo, prisões ou indiciados) visaria desbaratar uma rede de pedofilia e cultos satânicos no país. A premissa parece absurda: poderosos influenciadores da mídia, do Legislativo e Judiciário do país consumiriam em rituais satânicos fetos abortados para perpetuar sua influência e poder. Algo digno de um filme de terror.

Porém muitos não consideram esse discurso absurdo. E no momento não falo de brasileiros (embora tenhamos indícios de que sim, já há crença nessa realidade em solo nacional), mas de estadunidenses. Mais especificamente os Q-Anon.

O nome, que mais parece um filho ou sobrinho de Elon Musk (CEO da Tesla Motors e da SpaceX), tem agitado tanto os mais irreverentes quanto os mais sérios. O “grupo”, que começou como uma teoria da conspiração no 4chan, como explicou muito bem a matéria da Vice, veicula a mesma matriz discursiva da Operação Storm: o presidente da República é um guerreiro que luta secretamente para desmontar um esquema perverso no qual estão envolvidas as elites do país. Aliados a ele estão seus ministros que defendem a família e a tradição – afinal, por que outro motivo seriam eles tão atacados pela imprensa?

Mas onde está o indício de que esse discurso encontra solo fértil no Brasil? Podemos ver traços desse comportamento na matéria mencionada acima. Para isso, vamos revisitar como funcionam as agências de checagem.

Há algumas maneiras pelas quais as agências de checagem podem receber informações a serem verificadas. Uma comum e quase unânime entre as agências são os mensageiros virtuais: quase toda agência de checagem recebe mensagens com informações que levantaram a suspeita de alguém. Seja um número de WhatsApp para o qual você encaminhe um áudio do grupo da família até um perfil no Facebook para onde pode colar um link suspeito, é a partir daí que se constrói a checagem, partindo-se do pressuposto de que há interesse público para checar a informação (afinal, alguém pediu).

Mas o que é o interesse público para que haja a checagem? Significa que alguém recebeu uma informação que considerou suspeita. Passível de ser checada. Isso demanda dúvida. Vamos nos imaginar como a pessoa que encaminhou a mensagem da Operação Storm: estamos em um grupo, seja de família ou de amigos, da igreja ou do trabalho, e a mensagem chega por um colega engraçado, mas um pouco paranoico.

Dois ou três falam que é um absurdo tudo isso e esperam que a operação tenha sucesso. Um pergunta de onde veio isso, alguém fala que não acredita. Mas está ali. Alguém leu, alguém concordou, alguém encaminhou. Esse ciclo pode continuar infinitamente, mas nós paramos e nos perguntamos se faz algum sentido. E encaminhamos para a agência. Embora a mensagem tenha morrido conosco, ela continuou se espalhando com todos aqueles que concordaram, exponencialmente de modo alarmante.

Basicamente toda desinformação que chega a uma agência chega atrasada. Não conseguimos cortar a raiz, mas apenas podar a árvore. E essa árvore, que começa a esticar seus galhos, tem as raízes profundas e já quebrando o piso de casa. São raízes um pouco mais preocupantes – e é o que vamos investigar a seguir.

O bolsonarismo se apoia em embates contra inimigos. É esta ideia que mantém aceso o movimento, o que se concretiza em denúncias contra. Seu discurso, como muito bem explicitado pelo pesquisador e professor João Cezar de Castro Rocha, consiste em se colocar como bastião contra o inimigo vermelho, que permeia todas as instituições culturais do país: desde a pedagogia freiriana até o progressismo da classe artística brasileira, todos são coniventes com essa deterioração dos valores e da cultura. É nesse ponto que a importação Q-Anon vem a calhar para o discurso: os professores e artistas não estão mais “só” atacando nossa cultura, mas nossos filhos e sua ingenuidade.

Se antes o combate era cultural – e para isso nomes como Olavo de Carvalho aparecem como filósofos “de direita” e produtoras como Brasil Paralelo lançam documentários que se propõem a um revisionismo histórico – agora a o inimigo “esquerda” estaria levando o combate para outro âmbito: o físico. Esse inimigo que antes molestava a mente de nossos jovens agora molestam o corpo. E como antes se reagia com gritos e ofensas, pois a disputa era do discurso, agora a disputa é a do corpo.

A inserção dessa rede de desinformação, dessa narrativa que afirma que influenciadores da opinião pública atacam fisicamente os jovens acaba implicando numa reação igualmente física. Em seu livro “A Ditadura Envergonhada”, Elio Gaspari expõe como na história do Brasil o argumento de uma resistência armada e organizada de esquerda durante a ditadura justificou o fechamento do Congresso e 21 anos de ditadura.

Não acredito em uma ditadura militar agora. Porém, essa mudança no discurso desinformativo implica na necessidade de reações mais agressivas por parte daqueles que acreditam embates contra inimigos. É esta ideia que mantém aceso o movimento, o que se concretiza em denúncias contra nos absurdos do Q-Anon. O pizzagate já comprova o efeito dessas narrativas nos Estados Unidos. Resta vermos os efeitos de narrativas assim em um Estado desigual como o Brasil.

Foto de Capa: Pixabay/Reprodução