O diabo na campanha das eleições municipais no Brasil

* Publicado originalmente no site de CartaCapital em 25 de novembro de 2020.

O diabo é uma figura surgida na tradição cristã, que está relacionada à encarnação do mal. São variadas as interpretações, religiosas e científicas, antigas e modernas, de como a existência deste mal encarnado se dá. Boa parte das vezes, a figura do diabo é reduzida à imagem de uma entidade, representada de muitas formas, dependendo da cultura e do clima social. Por isso, as imagens variam de um homem vermelho, com tridente e rabo, a um galã elegante e sedutor, e são tanto fonte de medo, de narrativas orais, teatrais ou cinematográficas, algumas bem atrativas, como motivo de humor ou de fantasia do Carnaval.

Entretanto, vale refletir que, na teologia cristã, o diabo está para além de uma entidade. A origem do termo explica. No grego, diabolos e no hebraico, satan, o sentido é o mesmo: “aquele que divide”, “provocador de confusão, discórdia”. Isto significa que, enquanto Deus, o Criador, age para transformar o caos, unir, harmonizar, trazer paz, o diabo trabalha no contrário: divide, confunde, mente, causa injustiça, destruição e provoca violência seja ela física, psicológica ou simbólica. Diabolos é, portanto, nas bases da teologia cristã, uma postura, uma força, um caráter, revelados nas pessoas que assumem tais expressões.

Não vamos adiante com discussões teológicas, que são importantes, mas não são objetivo deste artigo. Importa aqui, neste espaço, refletir como o significado de diabolos pode nos ajudar a pensar sobre o que está acontecendo neste exato momento do Brasil, com as expressões de confusão, mentira, injustiça, destruição e violência no processo eleitoral.

É fato que temos o permanente desafio de superarmos os controversos binarismos certo-errado, legal-ilegal, bem-mal, entre outros, que disfarçam as complexidades das relações humanas e de sua extensão na cultura, na economia, na política. No entanto, em nome da promoção da vida em sua plenitude, em todas as suas dimensões, pela causa da paz e da justiça, precisamos chamar o mal pelo nome (como já escrevi em artigo neste espaço) e denunciar ações diabólicas que estão em curso. Algumas delas, para dividir e confundir, usam até mesmo o nome de Deus para seduzir cristãos (coisa que, de acordo com registros da Bíblia cristã, o diabo faz muito bem).

Por isso, Jesus, ao se deparar com as ações antivida, aquelas que instituem privilégios, segregação, desigualdade, que impedem a plenitude e a abundância de vida a todas as pessoas, desejo de Deus, compara estas práticas diabólicas às de um “ladrão”, que surge para roubar, matar e destruir (João 10.10). Ele também identificou disseminadores de mentiras como quem age a partir de desejos diabólicos: “… [no diabolos] não há verdade; quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio; porque é mentiroso, e pai da mentira” (João 8.44).

Neste sentido, podemos classificar como diabólicas as campanhas políticas para eleições municipais no Brasil, que fazem uso de mentiras agressivas para destruir a imagem de concorrentes. Isto acontece principalmente, mas não exclusivamente, nas capitais Rio de Janeiro, Vitória, Recife, Fortaleza e Porto Alegre. Estas ações, que visam convencer eleitores pela confusão que causa medo, partem de candidatos como o bispo da Igreja Universal do Reino de Deus que pleiteia a reeleição como Prefeito do Rio de Janeiro Marcelo Crivella (Republicanos). Em vídeo espalhado pela internet, Crivella afirma que o concorrente Eduardo Paes (DEM), tem apoio do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), pela promessa de ocupar a Secretaria de Educação e introduzir pedofilia nas escolas.

Além da mentira sobre pedofilia nas escolas, o atual prefeito do Rio afirmou, na companhia de deputado federal da Igreja Assembleia de Deus Otoni de Paula (PSC/RJ), que o PSOL é inimigo do Presidente da República e deseja dar uma segunda facada nele (referindo-se ao atentado sofrido por Jair Bolsonaro em 2018). A campanha diabólica de Crivella também distribui panfletos com o mesmo conteúdo na porta de igrejas e em espaços públicos, usando funcionários da Prefeitura.

Pesquisa sobre este discurso acusatório em vídeos de candidatos e apoiadores (inclusive do Presidente da República e seus ministros), folhetos sem identificação e registro (por isso, ilegais) e áudios que circulam por grupos religiosos no WhatsApp, verifica prioritariamente o convencimento com mentiras pela imposição do medo. Há também vídeos com falsidades e pânico moral (terrorismo verbal produzido para criar aversão social a pessoa ou grupo) de contracampanha, ou seja, de influenciadores políticos e religiosos que não apoiam candidatos, mas agem contra outros que querem destruir. Os vídeos do pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia, para interferir em cidades com as quais, curiosamente, ele não tem qualquer relação, são fortes exemplos de contracampanha.

Desde as eleições de 2018, candidatos que buscam apoio de eleitores religiosos recorrem a conteúdo falso e ao pânico moral com base em temas relacionados à sexualidade humana, ao que chamam de “defesa da família tradicional” aliada a “proteção das crianças nas escolas”, e ao enganoso conceito de “ideologia de gênero” (como já tratei neste espaço). Neste 2020, foi acrescentado o tema da “perseguição a cristãos”, criando pânico em torno de candidatos que, se eleitos, atuariam para “fechar igrejas usando como desculpa a prevenção ao coronavírus”.

É fato que qualquer tema que levante o assunto “sexo” e “sexualidade” mexe com o imaginário dos cristãos e provoca muitas emoções (tratei disto também no artigo “Por que os evangélicos só pensam em sexo?”). É de se considerar também que, nos últimos anos, o contexto político brasileiro ressuscitou e realimentou o velho temor do comunismo e do marxismo. Como a maioria nunca leu uma linha das teorias de Karl Marx, acaba acreditando nos irmãos de fé que falam de “doutrinação de mentes”.

É fato ainda que os avanços nas políticas que garantem mais direitos às mulheres e a LGBTI+, e ampliam a participação destas populações no espaço público, causam desconforto às convicções e crenças de grupos que defendem, por meio de leituras religiosas, a submissão das mulheres e a cura dos LGBTI+. Uma moralidade ressentida.

Por isso, para estes grupos, o trabalho das agências de pesquisa e dos sites que promovem a checagem de informações, por mais detalhado e correto que seja, acaba não tendo um efeito suficiente. Não adianta que interlocutores, pacientemente, tentem mostrar que o que se divulga é falsidade e mentira. Isto porque o que sustenta este processo de crença nas mentiras não é apenas a ignorância, mas o fato de que a audiência acredita no que escolhe acreditar.

Quando um grupo se identifica com mentiras, mesmo que elas sejam demolidas em nome da ética e da justiça, permanece com elas e as defende de qualquer jeito. Não importa que seja uma falsidade, o conteúdo não é apagado dos espaços virtuais e continua a ser reproduzido. Mais: aquele que desmascarou a notícia ou a ideia, que pode ser um familiar, amigo ou irmão na fé, chega a ser objeto de desqualificação e rancor.

Eis aí o sentido do diabólico, da imposição de divisão, confusão, de destruição da imagem do outro com mentira.

A despeito de tudo isto, sempre há chance de exorcizar o diabo: expeli-lo do processo. Por isso há que se ter esperança da presença pública de cidadãos e grupos, religiosos ou não, que atuam pela superação das ações diabólicas em nome da paz e da justiça. Eles/as estão por aí, pessoas eticamente responsáveis, agências de checagem de notícias, como fermento na massa, tentando juntar e não dividir, construir e não destruir. Como disse Jesus, “pelos frutos os conhecereis” (Mateus 7.20).

Foto de capa: iStock/Reprodução

Marcelo Crivella e deputado federal apoiador proferem mentiras na campanha para Prefeitura do Rio

Dois vídeos com conteúdo falso estão sendo utilizados, desde 19 de novembro, em mídias sociais e sites gospel, pela campanha de reeleição do bispo da Igreja Universal do Reino de Deus Marcelo Crivella (Republicanos) à Prefeitura do Rio de Janeiro.

Um deles é a gravação de uma transmissão ao vivo, na manhã de 19 de novembro, na qual Marcelo Crivella aparece sentado a uma mesa, conversando em com o deputado federal, vinculado às Assembleias de Deus, Otoni de Paula (PSC/RJ).

Foto: Reprodução de vídeo/Twitter

Na conversa, o atual prefeito do Rio Marcelo Crivella afirma que se o seu concorrente no segundo turno das eleições, Eduardo Paes (DEM), vencer o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) será responsável pela educação pública e levará “a pedofilia para as escolas infantis da cidade”. A declaração é confirmada por Otoni de Paula, que diz “já está negociando [a secretaria de educação]… é o que a gente está sabendo”.

Na gravação, Crivella cita Jair Bolsonaro, ao afirmar que o presidente tem um inimigo que, se pudesse, lhe daria outra facada. “Tem um inimigo que queria acabar com Bolsonaro, se pudesse dar outra facada no Bolsonaro, que é o PSOL. O PSOL está com Eduardo Paes. O PSOL, dizem, irá tomar conta da secretaria de Educação”, diz Crivella. “Agora você imagina pedofilia nas escolas. Eu fico imaginando um irmão meu, evangélico, batista, metodista, assembleiano, alguém da Universal, um metodista… imaginando… Jesus disse pra nós que o Reino de Deus é das crianças. Deixar vir a mim os pequeninos porque deles é o Reino dos Céus. Quem recebe uma criança recebe a mim. Jesus se comparou às crianças. E nós vamos aceitar pedofilia na escola, no ensino infantil?”, diz o bispo prefeito. “É o risco que nós estamos correndo se o Eduardo for eleito”, conclui o deputado Otoni de Paula no vídeo.

O deputado do PSC no Rio também publicou vídeo com o mesmo conteúdo em suas mídias sociais. “Estou sabendo que eles [políticos do PSOL] estão negociando, quem sabe, a secretaria de educação e você diz ‘meu Deus, que coisa’. Não, você não tem direito de dizer ‘meu Deus, que coisa’ se você vota no Eduardo Paes [enquanto Otoni de Paula fala, entram imagens de notícias do site Metrópoles e da CBN com o título “Pais reclamam e escola tira livro do deputado Chico Alencar da lista” e “Livro é retirado de escola após pais perceberem que obra é de Chico Alencar”]. Se você é conservador, se você é cristão, e acha normal uma aliança destas do Eduardo com o PSOL vota nele. Só não diga que você não foi avisado depois [entra música com som de terror e a frase “Fontes indicam que a secretaria de educação foi negociada com Freixo e PSOL” seguida de imagem do título de notícia do site Gazeta Brasil “Atendendo pedido do PSOL, STF vai julgar ‘ideologia de gênero’ nas escolas na semana que vem” e da frase “Você sabe o risco que isso significa para nossas crianças?]”. Ao final do vídeo aparece gravação de Jair Bolsonaro, com o crédito “Presidente da República”, em que ele afirma: “Eles querem legalizar a pedofilia, eles querem sexualizar as nossas crianças precocemente nós vamos combater, ou melhor, continuaremos a combater esse tipo de material para os nossos filhos, porque as crianças têm que ser respeitadas em sala de aula [o candidato à presidência mostra o livro que havia citado em campanha e em entrevista no Jornal Nacional à Globo News, em 2018].

Foto: Reprodução de vídeo/Facebook

A transmissão ao vivo divulgada pela campanha de Marcelo Crivella foi matéria do site de notícias Pleno News, que reproduziu o conteúdo sem contextualização, e afirmou, ao final, em duas linhas que “por conta do conteúdo, o PSOL decidiu acionar a Justiça Eleitoral contra Crivella, segundo o colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo” [mídia apontada por Crivella na campanha como um desafeto].

Motivações para o conteúdo

Os dois vídeos da campanha de Marcelo Crivella foram divulgados um dia depois de dois acontecimentos: o primeiro, foi a divulgação, em 18 de novembro, da pesquisa do IBOPE para o segundo turno, que indicou que Eduardo Paes venceria com folga as eleições, com 53% de intenção de votos contra 23% do atual prefeito do Rio.

O segundo foi a nota pública do PSOL, do mesmo 18 de novembro, que proclama “Nenhum voto em Crivella, seguiremos nas ruas e no parlamento defendendo um projeto de esquerda para o povo carioca”. A nota diz que o PSOL, que perdeu o primeiro turno no Rio com a candidata Renata Souza, “não alimenta ilusões com Eduardo Paes” e tece uma série de críticas à gestão dele como prefeito da cidade, por dois mandatos, de 2008 a 2016. O partido afirma, no entanto, que “Marcelo Crivella representa o fundamentalismo religioso o projeto de poder”, portanto, “deve ser derrotado nas urnas”. Nessa posição, o PSOL diz compreender que “o voto em Paes (…) é um veto a Crivella e ao bolsonarismo”.

Reações aos vídeos

Horas depois que os vídeos da campanha de Marcelo Crivella circulavam pelas mídias digitais, o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL/RJ), declarou, em transmissão ao vivo, que o partido entrou com processo contra Marcelo Crivella e Otoni de Paula por acusações caluniosas. Ele nega que haja qualquer negociação com Eduardo Paes por cargos para o partido e fala diretamente a Crivella, a quem classifica como “o pior prefeito do Rio”: “Você vai ser processado, vai responder na Justiça. Isso é o desespero de quem vai tomar uma surra eleitoral. Você vai sair da prefeitura como um ser rastejante. Você é um ser político rastejante, Crivella”.

Foto: Reprodução de vídeo/Instagram

O vereador eleito pelo PSOL Chico Alencar, que aparece como exemplo no vídeo de Otoni de Paula, também denunciou as afirmações do bispo como mentirosas, em seus espaços em mídias sociais.

Foto: Reprodução/Twitter

Já o candidato Eduardo Paes divulgou uma nota em que também afirma que processará o atual prefeito do Rio:

“Na tarde de hoje, o atual prefeito do Rio Marcelo Crivella fez uma declaração pública de que um acordo meu com o Psol, garantiria a eles a secretaria de Educação e que este fato levaria à promoção de pedofilia nas escolas e que por isso, representaria um risco para as nossas crianças. Em primeiro lugar, não há qualquer acordo político, nem troca de cargos com o Psol, nem de minha parte, nem da deles e, esta atitude reflete o desespero dele com a crescente perspectiva de derrota nas urnas, mas não imaginava que seria capaz de ir tão longe na baixeza e na mentira. Ele será processado eleitoral, cível e criminalmente por essa gravíssima e mentirosa acusação”

Eduardo Paes

As mentiras proferidas por Marcelo Crivella e Otoni de Paula

Desde a campanha eleitoral de 2018, candidatos que buscam apoio de eleitores religiosos recorrem a conteúdo falso e ao pânico moral (terrorismo verbal produzido para criar aversão social a pessoa ou grupo) com base em temas relacionados à sexualidade humana, ao que é denominado “defesa da família tradicional” aliado a “proteção das crianças nas escolas”, e ao enganoso conceito de “ideologia de gênero”.

Bereia já publicou matéria sobre debate entre os candidatos à prefeitura do Rio no primeiro turno, quando Crivella já havia usado de conteúdo falso sobre o PSOL ao dirigir-se à candidata do partido, Renata Souza. Naquele debate, Crivella lançou mão do argumento do “kit gay nas escolas” a ser implantado pelo PSOL, caso vencesse a eleição. Foi a repetição da falsidade disseminada pela campanha de Jair Bolsonaro à Presidência, em 2018.

Apesar de recorrentes em discursos de políticos e religiosos bolsonaristas, o chamado “kit gay” nunca existiu, bem como é falsa a noção de “ideologia de gênero”, como já foi tratado em matérias do Coletivo Bereia. O tema da pedofilia também aparece em muitos conteúdos desinformativos dirigidos a grupos religiosos, tendo sido utilizado como pânico moral até mesmo pela ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos Damares Alves. O tema é facilmente assimilado pelo público em geral pois muitas pessoas desconhecem o que é a pedofilia de fato.

Sobre a gravação de Jair Bolsonaro utilizada no vídeo do deputado Otoni de Paula, trata-se de vídeo da campanha à Presidência da República em 2018. Na peça, distribuída em mídias sociais em agosto daquele ano, o discurso é dirigido contra o candidato opositor Fernando Haddad, incluindo crítica ao Partido dos Trabalhadores (PT) e às esquerdas, e não especificamente ao PSOL, como Otoni de Paula quer fazer crer. Isto já caracteriza o vídeo do apoiador de Marcelo Crivella como conteúdo enganoso, pois faz parecer que foi produzido por Jair Bolsonaro neste momento da campanha para Prefeituras.

O livro que Jair Bolsonaro mostra na gravação é “Aparelho Sexual e Cia – Um guia inusitado para crianças descoladas”, publicado no Brasil pela Companhia das Letras, de autoria dos educadores da Suíça e França, Phillipe Chappuis, com o coidinome ZEP e Hélène Bruller. A obra publicada pela Companhia das Letras é destinada à crianças e jovens de 11 a 15 anos, e não para crianças a partir de 6 anos, como circulou nas mídias sociais da época e foi reforçado por Jair Bolsonaro em entrevistas ao Jornal Nacional (Rede Globo) e Globo News, em 28 de agosto de 2018.

Bolsonaro afirmava que o livro foi comprado pelo Ministério da Educação para distribuição em escolas, o que nunca ocorreu, tanto que o PT entrou com representação contra a campanha de Jair Bolsonaro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que resultou na decretação, pelo órgão, de que o “kit gay” não existe e ainda a suspensão de links de sites e mídias sociais com a expressão “kit gay”, usados pela campanha de Bolsonaro para atacar o candidato do PT, Fernando Haddad. 

Bolsonaro foi proibido, de acordo com a sentença, de compartilhar este conteúdo, pois ele foi classificado, pela justiça, como notícia falsa. Nesse quadro, entendem comprovada a difusão de fato sabidamente inverídico, pelo candidato representado e por seus apoiadores, em diversas postagens efetuadas em redes sociais, requerendo liminarmente a remoção de conteúdo. Assim, a difusão da informação equivocada de que o livro em questão teria sido distribuído pelo MEC gera desinformação no período eleitoral, com prejuízo ao debate político”, concluiu o ministro do TSE Carlos Horbach, que assinou a sentença.

Em 2020, a campanha de Marcelo Crivella faz uso do mesmo material proibido pela justiça como se fosse atual. Otoni de Paula, que produziu o novo vídeo, é investigado no inquérito das fake news do Supremo Tribunal Federal (STF), e já foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República pelos crimes de difamação, injúria e coação por ter xingado o ministro do STF Alexandre de Moraes, relator do inquérito.

O prefeito do Rio recorre, ainda, às mentiras que relacionam o PSOL ao atentado a faca sofrido por Jair Bolsonaro em 2018, tema que também já foi tratado em matéria do Coletivo Bereia.

Especialistas avaliam o caso dos vídeos

Por que Marcelo Crivella usa de mentiras para atacar o PSOL que perdeu o primeiro turno das eleições para a Prefeitura do Rio? Bereia ouviu dois especialistas do Rio que estudam a relação entre política e religião.

A antropóloga pesquisadora do ISER (Instituto de Estudos da Religião) e do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional/UFRJ Livia Reis avalia que “por mais que o kit gay seja um projeto relacionado ao PT, como um nome pejorativo do projeto Escola Sem Homofobia ligado ao Fernando Haddad (ex-ministro da educação), o PSOL é um partido que se destaca por defender as pautas identitárias mais incisivamente. A questão da pedofilia é relacionada por estes políticos, que se denominam conservadores, à questão sobre a identidade de gênero, somada à discussão sobre direitos sexuais e reprodutivos. Eles compreendem que tratar destes temas sexualiza as crianças e abre um precedente para a prática de pedofilia”.

Livia Reis recorda que o PSOL foi o autor da ação no Supremo Tribunal Federal (ADI 5668) sobre a garantia de que o enfrentamento da homofobia aconteça nas escolas, com base no Plano Nacional de Educação [tema de matéria do Coletivo Bereia]. O que se soma à nota do PSOL chamando ao “não voto em Crivella.

A pesquisadora avalia que “como o PSOL foi o partido de esquerda que mais cresceu na Câmara Municipal do Rio nestas eleições, passa a ter sete vereadores, deverá ter uma atuação contundente na próxima gestão e se torna, então, um partido a ser atacado mesmo. Apesar de todos estes temas estarem relacionados ao PT também, é possível inferir que o PSOL se torna alvo de ataques porque cresceu em visibilidade e aumentou o número de vereadores na Câmara”.

Já o sociólogo pesquisador do Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde da UFRJ Alexandre Brasil Fonseca avalia que “com alto nível de rejeição, parece que a campanha de Crivella optou por entrar na linha do tudo ou nada. A estratégia escolhida tem parentesco com muitas dos conteúdos e dos imaginários utilizados na campanha de Bolsonaro de 2018. Com isso sela-se uma união e uma estratégia de fazer política compartilhada por ambos. Provavelmente teremos intensa disseminação desse conteúdo por diversos meios e formatos nos próximos dias”.

O sociólogo reconhece que “é lamentável que a estratégia de campanha do prefeito tenha como um dos focos principais a propagação de mentiras que não possuem nem possibilidade causal”. Ele diz não duvidar “da força de uma campanha intensa como parece estar dispostos a fazer, mas imagino que o pouco tempo, a alta rejeição e o acumulado do eleitorado geral, como também do evangélico, em relação ao que foi visto na eleição anterior, devem levar a pouca reverberação disso”. “Por outro lado, a alcunha de “pai da mentira” dada por Paes a Crivella [no debate promovido na noite 19 de novembro pela Rede Bandeirantes] me parece ter muito mais chances de emplacar nessa reta final da campanha”, afirma Alexandre Brasil.

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Bereia classifica os conteúdos dos vídeos da campanha de Marcelo Crivella que circulam em mídias sociais e sites de notícias ligados a pessoas e grupos religiosos como falsos. São ainda caluniosos no tocante ao PSOL ser inimigo de Jair Bolsonaro e desejoso de dar outra facada no presidente. O vídeo publicado por Otoni de Paula é também enganoso pois usa material de campanha de Jair Bolsonaro, de 2018, proibido pelo TSE de ser utilizado à época, fazendo parecer a seguidores que foi produzido em 2020 pelo, hoje, presidente da República.

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Referências

Pleno News https://pleno.news/brasil/politica-nacional/crivella-diz-que-eleicao-de-paes-vai-levar-pedofilia-para-escolas.html. Acesso em 20 nov 2020.

Poder 360, https://www.youtube.com/watch?v=U62sXCaYy6E&t=1s

Otoni de Paula, Facebook, https://www.facebook.com/watch/?v=373286383929708

Marcelo Freixo, Instagram, https://www.instagram.com/tv/CHyg0KsDHaS/?igshid=18sux68egn4px

Notícias UOL, https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2020/11/18/ibope-rio-de-janeiro-18-de-novembro.htm

Nota Pública do PSOL, https://psolcarioca.com.br/2020/11/18/nota-do-psol-carioca-sobre-o-2o-turno-no-rio-de-janeiro/

Jus Brasil, https://lobo.jusbrasil.com.br/artigos/533694953/pedofilia-e-crime

Joice Hasselmann, Facebook, https://www.facebook.com/watch/?v=1847830375307146

Jornal Nacional, https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/noticia/2018/08/28/bolsonaro-diz-ao-jn-que-criminoso-nao-e-ser-humano-normal-e-defende-policial-que-matar-10-15-ou-20.ghtml

Globo News, https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/noticia/2018/08/28/bolsonaro-diz-que-se-eleito-extinguira-ministerio-das-cidades-e-mandara-dinheiro-diretamente-para-prefeituras.ghtml

Congresso em Foco, https://congressoemfoco.uol.com.br/eleicoes/tse-diz-que-kit-gay-nao-existiu-e-proibe-bolsonaro-de-disseminar-noticia-falsa/

Correio Braziliense, https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/07/14/interna_politica,872147/pgr-denuncia-deputado-otoni-de-paula-por-ameacas-contra-alexandre-de-m.shtml

Mensagem anônima que circula em mídias sociais usa pânico moral contra partidos de esquerda

A seguinte mensagem circula por diversos grupos de evangélicos no WhatsApp:

A mensagem não tem autoria, não apresenta fontes, e não esclarece os motivos pelos quais defende que os candidatos dos partidos supostamente coligados com o “PT e a Esquerda” não devam receber votos. Apenas lista 16 partidos com a indicação de que “não podemos deixá-los vencer e tomar os municípios”. O texto chama para a divulgação e para o esclarecimento dos “cidadãos de bem” que ainda estariam “desinformados”.

O Coletivo Bereia recebeu de leitores/as a indicação para verificação desta mensagem de contracampanha política e encontrou alguns pontos que a classificam como desinformação.

1. “Partidos coligados com o PT e a Esquerda”

Nestas eleições municipais de 2020 no Brasil, pela primeira vez, candidatos ao cargo de vereador não poderão concorrer por meio de coligações. O Congresso Nacional, por meio da reforma eleitoral de 2017, aprovou diversas modificações na legislação eleitoral, dentre elas, o fim das coligações na eleição proporcional. Com isso, o candidato a uma cadeira na câmara municipal somente poderá participar do pleito em chapa única dentro do partido ao qual é filiado. Para o cargo de prefeito, continua sendo possível a união de diferentes partidos em apoio a um candidato.

As coligações formadas em todos os municípios do país podem ser consultadas no site do Tribunal Superior Eleitoral. A postagem que circula em mídias sociais verificada pelo Coletivo Bereia não informa quais coligações para Prefeituras envolveriam estes partidos com “o PT e a esquerda” e ainda inseriu o Partido dos Trabalhadores (PT) na própria lista.

Curiosamente, o PT e o Partido Social Liberal (PSL), expoentes da atual polarização política no país em nível nacional, fazem parte da mesma coligação em 136 municípios. O PSL não consta nesta lista alarmista divulgada contra o “PT e a esquerda”.

2. Partidos de direita e de centro classificados como esquerda

Entre os 16 partidos listados na postagem que circula entre grupos religiosos, estão um que não existe mais, o PPL (Partido Pátria Livre) e o PPS (Partido Popular Socialista, vertente do antigo PCB – Partido Comunista do Brasil), que também não existe mais como tal, pois alterou o nome para Cidadania. Só este tipo de erro já descredencia a lista.

Há ainda, na postagem, um partido que não têm qualquer identidade com a esquerda, o DEM (Democráticos), que tem raízes na direita brasileira sustentadora da ditadura militar (originalmente ARENA – Aliança Renovadora Nacional, depois PFL – Partido da Frente Liberal) Também constam na lista apócrifa, dois que são identificados com o centro: PSDB (Partido Social Democrático Brasileiro) e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro).

O jornal O Estado de São Paulo publicou matéria, em 2019, sobre a classificação dos partidos no Brasil, depois de ouvir como cada um se autoidentifica, tendo publicado o seguinte gráfico-síntese:

Para o cientista político da FGV Cláudio Couto, a autodenominação de centro é uma tentativa retórica dos partidos se mostrarem mais moderados. “Alguns que se definem como centro são claramente partidos de direita, o que não quer dizer que seja uma direita radical. Já o PSL a gente não sabe o que é, ainda mais depois dessas confusões que ele se meteu, mas se a gente for tomar pelo bolsonarismo ele seria uma extrema-direita, não uma direita moderada”, afirmou Couto.

Ainda que se tome por base nesta autoidentificação, a mensagem que circula nas mídias sociais desinforma e confunde ao listar como “coligados”, no sentido de alinhados, partidos que de forma alguma se enquadrariam na esfera ideológica da esquerda.

3. Pânico moral

Bereia já tratou em matéria anterior sobre o uso do pânico moral em conteúdos desinformativos que circulam em espaços digitais. Ao usar o termo “não podemos deixá-los vencer e tomar os municípios”, a mensagem induz à noção de um perigo, com base em ideia construída no Brasil por campanhas de direita, de que governos de esquerda representam uma ameaça, atrelando-a a temas como “corrupção”, “destruição das famílias”, “comunismo”.

Segundo o pesquisador Richard Miskolci no artigo “Pânicos morais e controle social – reflexões sobre o casamento gay”, a construção de bases políticas conservadoras e de extrema direita, e a adesão a elas, têm sido conquistadas por meio do pânico moral, da retórica do medo, para gerar insegurança e promover afetos.

Pânicos morais são fenômenos que emergem em situações nas quais sociedades reagem a determinadas circunstâncias e a identidades sociais que presumem representarem alguma forma de perigo. São a forma como as mídias, a opinião pública e os agentes de controle social reagem a determinados rompimentos de padrões normativos e, ao se sentirem ameaçados, tendem a concordar que “algo deveria ser feito” a respeito dessas circunstâncias e dessas identidades sociais ameaçadoras. O pânico moral fica plenamente caracterizado quando a preocupação aumenta em desproporção ao perigo real e geral. O que foi construído no Brasil em relação à esquerda política, a partir de 2014, como base para o processo de impeachment de Dilma Rousseff, e que alimentou a campanha eleitoral de 2018, reverbera ainda em 2020 nesta contracampanha que circula nas redes.

Pesquisas científicas, como a de Richard Miskolci, indicam a circulação de intensa quantidade de material desinformativo, baseado em pânico moral e medo para disseminação de conteúdos que se revertem em apoio a grupos políticos de extrema direita.

4. O clima anti-campanha entre cristãos

Lideranças religiosas alinhadas com o pensamento progressista se uniram e lançaram o Movimento pela Bancada Evangélica Popular nas eleições de 2020. O mesmo ocorreu com o grupo Cristãos contra o Fascismo. Este movimentos lançaram dezenas de candidatos por partidos identificados com a esquerda para o pleito de 2020.

A Bancada Evangélica Popular define a iniciativa como um movimento que deseja participar de forma direta na política e à luz da Palavra de Deus, promover políticas públicas concretas que cessem com a desigualdade social e promover justiça, paz e dignidade para todas e todos.

Seu propósito é ocupar as câmaras e assembleias com uma Bancada Evangélica Popular, indicando e apoiando irmãos e irmãs que se dispõem a esta luta nas candidaturas, de forma pluripartidária. Não há intenção de promover um pensamento único, mas parte do princípio que o papel dos cristãos evangélicos, como agentes do Reino de Deus, é promover a transformação social.

A campanha do Movimento pela Bancada Evangélica Popular e de Cristãos contra o Fascismo tem alcançado grande repercussão nas mídias noticiosas. UOL, Folha de São Paulo e Yahoo Notícias, por exemplo, deram espaço ao grupo evangélico progressista.

A visibilidade desta iniciativa vem provocando reações negativas de atores importantes do cenário político-religioso, como a Igreja Universal do Reino de Deus, que em seu site e no jornal Folha Universal, fez a seguinte publicação: “O que está por trás da Bancada Evangélica Popular. Grupo de esquerda deseja criar uma bancada socialista voltada para cristãos”.

De acordo com a matéria, partidos de esquerda apresentam um discurso de justiça social e apoio aos direitos do povo, no entanto, quando chegam ao poder, restringem a liberdade individual e perseguem o cristianismo. Além disso, defendem os ideais do comunismo e do socialismo, como o Partido dos Trabalhadores, que governou o país por treze anos. Por fim, a publicação afirma que “a ideia não é defender a direita política, apesar de esta ser mais coerente com a necessidade das pessoas”.

Já o Deputado Pastor Marco Feliciano (Republicanos -SP) publicou em seu Twitter um vídeo pedindo aos “cristãos católicos e evangélicos e ateus que são de bem” para não votarem em candidatos do PT, PC do B e PSOL , pois estes partidos defendem a “chamada ideologia de gênero” e “atacam políticos conservadores”, além de não concordarem com o pensamento cristão. Fazendo uso do pânico moral no ataque aos candidatos de esquerda, o deputado diz que cristãos devem votar nos políticos que defendem a “família tradicional” e a “família civilizatória”.

O Coletivo Bereia publicou diversas matérias sobre divulgação de pânico moral em relação a “ideologia de gênero” e “proteção à família”: São falsos vídeos sobre suposta Operação Storm no Brasil, É verdadeiro que Disney tem protagonista bissexual em série, mas portal evangélico faz apelo enganoso, É impreciso que Xuxa lançará livro sobre homoafetividade para público infantil, Presidente Bolsonaro mente ao dizer que “esquerda” quer descriminalizar pedofilia e O Presidente do Brasil e a falaciosa ideologia de gênero. A mais recente verificação do Bereia sobre a temática identifica o uso eleitoral do pânico moral em torno da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5668, de 2017, ajuizada pelo partido de esquerda Socialismo e Liberdade (PSOL), que visa garantir que escolas previnam e coíbam práticas de homofobia em seus espaços. Bereia mostrou como são enganosos conteúdos que afirmam que a ação foi movida pelo PSOL, “para tornar obrigatória a ideologia de gênero nas escolas públicas e privadas”.O Movimento pela Bancada Popular fez uma transmissão ao vivo em sua página no Facebook, em 6 de outubro, para acusações feitas pela Igreja Universal do Reino Deus .

A partir desta verificação, o Coletivo Bereia classifica a mensagem que circula em mídias sociais de grupos evangélicos como falsa. Além de apresentar características recorrentes de material desinformativo (não contém autoria, registra informações equivocadas, faz uso de pânico moral e de tom alarmista e convoca ao compartilhamento imediato), o conteúdo se soma à contracampanha empreendida por algumas lideranças religiosas que se autoidentificam como “conservadoras” ou “de direita”, como reação à ampliação da visibilidade da atuação política de esquerda neste período eleitoral, em especial de grupos cristãos.

A desinformação, sobretudo para desqualificar a articulação política de movimentos progressistas evangélicos, está sendo utilizada como ferramenta político-eleitoral e como contracampanha, desinformando, confundido e impondo medo sobre eleitores.

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Referências

Twitter Marco Feliciano, https://twitter.com/marcofeliciano/status/1314255134503960577 Acesso em 13/10/2020.

Site Bancada Evangélica Popular, https://www.bancadaevangelicapopular.com/ Acesso em 09/10/2020.

Página no Facebook Bancada Evangélica Popular, https://www.facebook.com/BancadaEvangelicaPopular/?ref=page_internal Acesso em 09/10/2020.

Live Resposta às Fake news da Igreja Universal Contra a Bancada Evangélica Popular https://www.facebook.com/BancadaEvangelicaPopular/videos/636527180343176 Acesso em 15/10/2020.

Yahoo – Igreja Universal lança ofensiva contra Bancada Evangélica Popular por ser considerada de “esquerda”, https://bit.ly/3lNqFhY Acesso em 13/10/2020.

UOL, https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2020/09/09/contra-neopentecostais-1-bancada-evangelica-de-esquerda-se-lanca-em-2020.htm Acesso em 14/10/2020.

Igreja Universal, https://www.universal.org/noticias/post/bancada-evangelica-popular/ Acesso em 15/10/2020.

Coletivo Bereia https://coletivobereia.com.br/sao-falsos-videos-sobre-suposta-operacao-storm-no-brasil/ Acesso em 30/10/2020.

Coletivo Bereia https://coletivobereia.com.br/e-verdadeiro-que-disney-tem-protagonista-bissexual-em-serie-mas-portal-evangelico-faz-apelo-enganoso/ Acesso em 30/03/2020.

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/e-impreciso-que-xuxa-lancara-livro-sobre-homoafetividade-para-publico-infantil/ Acesso em 29/10/2020

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/presidente-bolsonaro-mente-ao-dizer-que-esquerda-quer-descriminalizar-pedofilia/ Acesso em 30/10/2020

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/o-presidente-do-brasil-e-a-falaciosa-ideologia-de-genero/ Acesso em 30/10/2020

Portal UOL, https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2020/09/09/contra-neopentecostais-1-bancada-evangelica-de-esquerda-se-lanca-em-2020.htm Acesso em 03/11/2020

Folha de São Paulo, https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2020/07/liderancas-religiosas-lancam-bancada-evangelica-popular-para-lancar-candidaturas.shtml Acesso em 03/11/2020

Yahoo Notícias, https://br.noticias.yahoo.com/igreja-universal-lanca-ofensiva-contra-bancada-evangelica-popular-por-ser-considerada-de-esquerda-150741391.html Acesso em 02/11/2020

Jornal O Estado de São Paulo, https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,maioria-dos-partidos-se-identifica-como-de-centro,70003135964 Acesso em 02/11/2020

Presidência da República, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13488.htm Acesso em 05/11/2020

Congresso em Foco, https://congressoemfoco.uol.com.br/eleicoes/coligacoes-pt-e-psl-eleicoes-2020/ Acesso em 01/11/2020

TSE, https://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/repositorio-de-dados-eleitorais-1/repositorio-de-dados-eleitorais Acesso em 01/11/2020

Não é possível afirmar que o coronel Brilhante Ustra tenha sido membro da Igreja Presbiteriana do Brasil

* Com a colaboração de André Mello

Neste outubro de 2020, depois de mais uma declaração pública de exaltação ao destacado comandante da tortura de presos da ditadura militar brasileira, o coronel do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, passou a circular em mídias sociais de perfil evangélico a afirmação de que o militar teria sido uma liderança da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB).

As postagens, com tom crítico à existência de torturadores entre evangélicos históricos, surgiram nas redes digitais, depois da divulgação da declaração do vice-presidente da República General Hamilton Mourão, em entrevista ao jornal alemão Deutsche Welle, em 7 de outubro, de que o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, condenado por tortura na ditadura militar, foi um homem de “honra”, “que respeitava os direitos humanos de seus subordinados”.

Uma das postagens críticas mais compartilhadas nas mídias sociais dizia que Ustra fazia parte do “quarteto de ferro” de militares presbiterianos, que perseguia subversivos na igreja.

Fonte: Reprodução do Twitter

O conteúdo foi propagado de várias formas:

Depois de comentários feitos nas postagens, indagando sobre fontes desta informação, emergiram desdobramentos:

Sobre o coronel Ustra ter sido presbiteriano

Para verificar a informação sobre a vinculação de Carlos Alberto Brilhante Ustra à fé evangélica presbiteriana, Bereia contatou o autor de um dos conteúdos mais compartilhados sobre o tema nas mídias sociais em outubro, postado no Twitter. Ele relatou que tomou como fonte duas informações: uma notícia no website da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), a respeito de uma palestra do Prof. Zwinglio Motta Dias, em que foi indicada a vinculação de Ustra à Igreja Presbiteriana do Brasil, e o livro “Cristo e o Processo Revolucionário Brasileiro”, que tem um capítulo de Dias, em que é mencionada a relação do coronel com a igreja.

Bereia verificou estas fontes. De fato, foi publicada matéria no site da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), intitulada “Protestantismo ignorou característica brasileira, lamenta professor sobre golpe militar”, com o relato de palestra oferecida pelo teólogo Prof. Zwinglio Motta Dias, também pastor da Igreja Presbiteriana Unida (IPU). A palestra foi realizada em 23 de setembro de 2014, na XVIII Semana de Estudos da Religião, daquela universidade, sob o tema “Religião e Poder: Os 50 anos do Golpe Militar”. A coordenação da mesa foi feita pelo professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da UMESP, à época, Leonildo Silveira Campos. Diz a matéria:

“Foi esse distanciamento das marcas culturais e políticas brasileiras que teria influenciado a pronta adesão das igrejas evangélicas ao golpe de 1964, com a presbiteriana à frente devido à preponderância que detinha sobre a classe média da época e ao prestígio nos meios militares. ‘Oficiais de alta patente eram presbíteros, entre os quais Carlos Alberto Brilhante Ustra’, citou Zwinglio sobre o chefe do aparelho repressor DOI-CODI entre 1970-74”.

Já o livro “Cristo e o Processo Revolucionário Brasileiro”, publicado dois anos antes, organizado por Wanderley Rosa e José Adriano Filho [Editora Mauad, 2012), tem um capítulo de autoria de Zwinglio Dias, com o título “O Protagonismo dos Evangélicos durante os ‘Anos de Chumbo’ e a busca incessante por uma ‘Ecclesia Reformata’” (p. 55-73). Nela, o teólogo afirma na página 59:

“[A dissertação] relaciona os nomes de quatro oficiais militares de alta patente, presbiterianos, com funções de importância no seio do regime: cel. Renato Guimarães, presbítero, que na década seguinte se tornou vice-presidente da IPB, cel. Teodoro de Almeida, cel. Walter Faustini e o major Carlos Alberto Brilhante Ustra, que foi comandante do DOI de São Paulo”.

Esta é a única menção no livro publicado em 2012, e foi repetida por Zwinglio Dias na palestra de 2014, como relatado no site da UMESP. A matéria diz que Zwinglio Dias afirmou que “oficiais de alta patente eram presbíteros”, o que indica ser uma incompreensão da pessoa responsável pela redação, que deveria ter escrito “presbiterianos”. Segundo afirma Zwinglio Dias no livro, presbítero (cargo de liderança na IPB) era apenas um, o coronel Renato Guimarães. Esta desinformação acabou reproduzida pelo autor da postagem no Twitter, que afirmou ser o coronel Ustra um presbítero da IPB.

Bereia também verificou a fonte utilizada por Zwinglio Dias para afirmar a vinculação religiosa de Ustra, no capítulo e na palestra. Foi a dissertação de Mestrado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Programa de Pós-Graduação em História, por Eduardo Paegle, intitulada “A posição política da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) nos anos de chumbo (1964-1985)”, defendida e aprovada em 2006. A informação, referenciada por Zwinglio Dias, consta na p. 82 da dissertação: “A participação no Golpe de 1964, contou com algumas personalidades presbiterianas, entre elas, de Eraldo Gueiros Leite, Evandro Gueiros, Nehemias Gueiros, Renato Guimarães, Teodoro de Almeida, Walter Faustini e Carlos Alberto Brilhante Ustra”.

No trabalho acadêmico, há referências para a vinculação dos Gueiros, de Guimarães e de Almeida, porém não constam fontes para afirmar a vinculação de Faustini e Ustra. O autor da dissertação afirmou ao Coletivo Bereia que não lhe é possível retomar a origem da informação da qual se valeu.

Bereia ouviu lideranças presbiterianas e buscou levantar possível vinculação do coronel Ustra com a igreja em São Paulo, durante o período que atuou no DOI-CODI, ou a partir dos anos 1986, quando se estabeleceu em Brasília e não obteve qualquer dado sobre isto. Uma das fontes levantou a possibilidade de amizade entre os coronéis Ustra e José Walter Faustini (este membro da Igreja Presbiteriana Independente). Faustino poderia ter levado o primeiro para a IPI. Esta hipótese foi rechaçada por três lideranças da IPI em São Paulo ouvidas pelo Coletivo Bereia.

Desta forma, permaneceu a dúvida, o que levou a novas buscas do Coletivo Bereia, que recorreu aos registros da Comissão Nacional da Verdade, a fonte oficial do país quanto aos fatos e às personagens que dizem respeito à ditadura militar de 1964 a 1985.

A Comissão Nacional da Verdade e o levantamento sobre igrejas na ditadura

A Comissão Nacional da Verdade (CNV) foi criada pela Lei 12.528/2011 e instituída em 16 de maio de 2012 com a finalidade de “apurar (examinar e esclarecer) as graves violações de direitos humanos ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional”.

Dada a complexidade das pesquisas e do relatório que deveria ser apresentado, o mandato da Comissão foi prorrogado até dezembro de 2014 (Medida Provisória nº 632/dez 2013). A criação e o trabalho da CNV se inspiraram em outras mais de 20 CNVs instaladas em outros países desde 1974, as quais viveram circunstâncias semelhantes à da ditadura militar brasileira. A CNV da África do Sul, por exemplo, ajudou a esclarecer violações de direitos humanos ocorridas sob o regime do apartheid. Também foram instaladas comissões em países latino–americanos como Argentina, Chile, Peru, Guatemala, El Salvador e Colômbia.

Já havia iniciativas desde o final dos anos de 1970, como o Projeto Brasil Nunca mais, a Rede Tortura Nunca Mais, a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, cuja atuação levou ao reconhecimento formal pelo Estado da figura dos “desaparecidos políticos, com a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (governo Fernando Henrique Cardoso, 1995).

A CNV foi composta por sete membros nomeados pela Presidência da República: Gilson Dipp, José Carlos Dias, José Paulo Cavalcanti Filho, Maria Rita Kehl, Paulo Sérgio Pinheiro, Pedro Dallari e Rosa Maria Cardoso da Cunha. Eles/as coordenaram 13 grupos de trabalho temáticos, entre eles, o “Papel das Igrejas durante a ditadura”. As atividades da CNV consistiram em: pesquisa documental, realização de entrevistas e coletas de depoimentos de vítimas da repressão, agentes do Estado, parentes de vítimas e testemunhas, visitas para reconhecimento de locais que serviram como base para a violação de direitos de vítimas da repressão, diligências e audiências públicas.

No website da CNV é possível acessar o relatório final, publicado em 2014, no ano 50 do golpe militar de 1964. No Volume II consta o relatório do GT Papel das Igrejas durante a ditadura, intitulado “Violação de Direitos Humanos nas Igrejas Cristãs”. Foram levantados casos de prisões arbitrárias, sequestros, tortura, desaparecimentos, assassinatos, expulsões e exílio de católicos e evangélicos que atuaram em oposição à ditadura militar. Não há menção ao nome de Carlos Alberto Brilhante Ustra entre os cristãos colaboradores da repressão, delatores e perpetradores das violações de direitos, citados no relatório.

Ouvido pelo Coletivo Bereia, o coordenador do GT Papel das Igrejas durante a ditadura Anivaldo Pereira Padilha, explicou que uma expressiva parte do conteúdo reunido durante a pesquisa não consta no relatório e foi encaminhado para o Arquivo Nacional. Ele afirma que o nome de Carlos Alberto Brilhante Ustra apareceu em depoimento colhido pelo GT, nas dependências do Escritório Regional da Presidência da República em São Paulo, em 3 de maio de 2013.

Uma das torturadas pelo regime, Ana Maria Ramos Estêvão, que era membro da Igreja Metodista, presa em 1970, em 1972 e 1973, relatou ter sido interrogada pelo coronel Ustra em julho de 1973. Ela contou que, ao ver na ficha dela que ela tinha estudado no Instituto Metodista (em São Paulo), o militar lhe disse “Eu também sou metodista!” e a partir daí passou a dizer que ia lhe favorecer, deu o número do telefone dele, caso precisasse quando saísse da prisão, pois dizia acreditar que “o seu compromisso com a fé é maior do que o compromisso com a política”.

A afirmação de Ana Maria Ramos Estêvão consta na Tese de Doutorado, defendida na Universidade de São Paulo, Programa de Pós-Graduação em História, em 2015, por Leandro Seawright, com o título “Ritos da oralidade: a tradição messiânica de protestantes no Regime Militar Brasileiro”. O autor havia atuado como pesquisador da CNV, por um período, e também entrevistou a ex-presa política. O relato do encontro de Ana Maria Ramos com o coronel Ustra, quando ele lhe afirma que “também era metodista” consta na página 282 da tese.

Bereia localizou Ana Maria Ramos Estêvão, que confirmou o depoimento à CNV e a Leandro Seawright. Perguntada se haveria possibilidade de o coronel Ustra ter sido presbiteriano, ela afirmou:

“Presbiteriano ele não era, com certeza. Ele era metodista, originalmente da Igreja de Santa Maria no Rio Grande do Sul. E ele frequentava a Igreja Metodista Central quando estava em São Paulo. Tenho amigos em Santa Maria que foram na Igreja Metodista pedir a declaração de que ele era membro lá, mas o pastor, o povo lá, não se manifesta sobre isto e se recusa a falar qualquer coisa. Eu tenho muito claro na memória que ele se declarou ser da Igreja Metodista. Ele conhecia várias coisas. Disse para mim e para a minha amiga, que também era do Instituto Metodista e foi presa junto comigo. A Igreja de onde ele veio era a Metodista Santa Maria, Rio Grande do Sul. Estou repetindo porque isto eu repito até morrer. Nós só não conseguimos o documento da Igreja Metodista, do registro dele como membro. Mas a família dele ainda é de lá”.

Ana Maria Ramos Estêvão

O coordenador do GT da CNV Anivaldo Padilha afirmou ao Coletivo Bereia que foi feito contato formal com a Igreja Metodista em Santa Maria, em 2013, e o nome de Carlos Alberto Brilhante Ustra não foi encontrado no rol de membros da igreja.

Sobre a vinculação do coronel Ustra à Igreja Metodista

Bereia fez contato com a Igreja Metodista em Santa Maria, pastoreada pela Revda. Lediane Dias de Almeida Mello, que forneceu todas as informações disponíveis e confirmou o que foi levantado pela CNV, em 2013. O pai do Coronel Ustra, sr. Celio Martins Ustra, era membro da Igreja Metodista, tendo sido recebido em 1927, junto com a irmã Serafina. A esposa, Cacilda Brilhante Ustra, não foi localizada no rol de membros. Dois dos quatro filhos do casal constam nos registros da Igreja Metodista: Glaucia Brilhante Ustra (a terceira filha, que depois de casada, adotou o nome Glaucia Ustra Soares) e o caçula, José Augusto Brilhante Ustra, este falecido em 1982 (com registro de morte na igreja). Os irmãos Carlos Alberto, o mais velho, e Renato, o segundo filho, não foram batizados ou recebidos como membros da Igreja Metodista, de acordo com os registros.

A Revda. Lediane Mello ainda ofereceu informações que colheu com um dos membros mais antigos da igreja, uma senhora de 99 anos, em plena lucidez, que tem boa memória da atuação do sr. Celio Ustra, o pai, como líder na igreja (dirigente da Escola Dominical e da associação de homens), bem como da esposa que o acompanhava em algumas atividades. Ela não se recorda da presença Carlos Alberto Ustra na igreja, apesar de ter forte lembrança dos episódios em torno da morte do irmão José Augusto, por acidente de carro. Essa senhora disse ser vizinha de Glaucia Ustra, mas orientou que ela não fosse procurada porque se recusa a falar sobre o irmão.

Bereia ouviu também uma pessoa que foi membro da Igreja em Santa Maria nos anos 1960 e se tornou muito amiga da irmã do coronel Ustra, Glaucia Ustra. Ela diz que “a família era cristã, a mãe uma pessoa muito católica, praticante, e muito respeitada na cidade, bem como o marido”. Ela confirma que Célio Ustra era metodista, “muito ativo na igreja local e na organização regional da Igreja Metodista”. A amiga de Glaucia Ustra se recorda que nos cultos de 31 de dezembro, naqueles anos 60, “todos os membros da família, inclusive Carlos Alberto, participavam”. Ela confirma que Gláucia Ustra evita falar sobre o coronel Ustra e desrecomendou contato. Ainda assim, intermediários do Coletivo Bereia buscaram dialogar com a sra. Glaucia Ustra, em Santa Maria, e não obtiveram resposta.

Outra pessoa que participou da Igreja Metodista em Santa Maria nos anos 70, declarou ao Coletivo Bereia que os pais do coronel Ustra eram acompanhados pastoralmente, pois sofriam com as histórias que envolviam o filho. O pai seguia metodista e a mãe, católica.

Sobre o coronel ter frequentado a Igreja Metodista Central de São Paulo (hoje Catedral Metodista de São Paulo), quando atuou pelo DOI-CODI, nos anos 70, Bereia procurou uma liderança da igreja, a Revda. Ana Carolina Chizzolini Alves. Ela não localizou qualquer registro de que o coronel tenha se vinculado formalmente àquela congregação. Sobre a possibilidade de ele ter sido um frequentador, um membro dessa igreja, que participava dela ativamente nos anos 1970, o procurador da República aposentado Antonio Carlos Rodrigues Ramozzi, declarou:

“Naqueles anos agitados, inclusive com o fechamento da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista [por conta da repressão interna que as igrejas viveram], nunca ouvi referências de que o referido militar frequentasse alguma de nossas igrejas protestantes. Tivemos jovens amigos presos na ocasião e, por certo, saberíamos de ‘milicos’ que frequentassem nossas igrejas. A única vez que vimos agentes policiais na [Igreja Metodista] Central foi quando levaram o Fernando [Cardoso] preso [um líderes de jovens metodistas, preso e torturado com o irmão Celso segundo o relatório da CNV], para que apontasse quem era o Domingos [Alves de Lima] que procuravam [outra liderança de juventude]. Era um sábado e se dirigiram ao pátio, onde havia um jogo na quadra. Domingos fugiu pelo portão, o que deve ter enfurecido os agentes”.

Antonio Carlos Rodrigues Ramozzi

Para Anivaldo Padilha, o coronel Ustra, como experiente torturador, pode ter “jogado com a informação de que seria metodista (de fato tinha raízes com o pai e irmãos metodistas em Santa Maria) para obter a confiança de Ana Maria Ramos, dando-lhe seu telefone, a fim de obter delação, ou, em outro sentido, torturá-la psicologicamente, como sendo alguém da sua igreja, que lhe estava causando mal”.

A mesma opinião é partilhada pelo cientista da religião prof. Leonildo Silveira Campos, também pastor da Igreja Presbiteriana Independente (IPI), que foi preso pelos órgãos da ditadura em São Paulo, quando era seminarista da igreja, entre 21 de julho e 4 de agosto de 1969. Ouvido pelo Coletivo Bereia ele declarou:

“Também acho que alguns torturadores poderiam assumir identidades falsas para conseguir suposta ‘intimidade’ com os torturados. Como diria Hamlet ‘mesmo na loucura há uma lógica’. No meu caso fui torturado por um jovem, pela voz podia-se perceber que não seria uma pessoa de mais idade. Ele dizia que estava penalizado em interrogar um jovem com a idade de seu filho com 22 anos. Por isso ele esperava que eu deixasse de mentir e oferecer informações falsas. O problema é que eu não tinha o que informar. Nesse caso os que não sabem de nada são os que mais sofriam e as vezes morriam! Fui salvo do ciclo de torturas pela intervenção de um coronel a pedido de meu pai.”

Leonildo Silveira Campos

Bereia levantou que o prof. Leonildo Silveira Campos se referiu, quanto à sua soltura, ao coronel José Walter Faustini, presbítero da IPI, destacado agente do serviço de inteligência militar no Estado de São Paulo, nomeado pelo Ministério do Exército para o Serviço Nacional de Informações mobilizado em 1968, aposentado em 1972. Em entrevista para a tese de Leandro Seawright, ele relata, nas p. 261 a 263, como, a pedido do pai, o coronel membro da IPI foi acionado para retirá-lo da prisão do DOI-CODI, e, consequentemente, das torturas. O prof. Leonildo Campos já havia registrado esta memória em artigo acadêmico (Estudos de Religião, n. 23, Universidade Metodista de São Paulo, dez. 2002).

A religião de Ustra

Nos livro de memórias de Carlos Alberto Ustra, “Rompendo o silêncio” (Editerra, 1987) e “Verdade Sufocada” (Editora Ser, 2013), não há qualquer menção a uma vinculação religiosa. Ele diz que viveu em Santa Maria até os 16 anos (1949), quando foi para um Colégio Militar em Porto Alegre, de lá foi para Resende (RJ), na Academia Militar e, em 1954, retornou para Santa Maria, para servir naquele regimento. De 1970 a 1974 foi comandante do DOI-CODI em São Paulo, órgão da repressão. Em 1974 foi para Brasília, como instrutor da Escola Nacional de Informações (ESNI). Em 1978 foi destacado para São Leopoldo (RS) e, com o fim do governo militar, virou adido militar no Uruguai, em 1985, quando foi reconhecido pela atriz Bete Mendes como o homem que a torturou. Com o escândalo, foi aposentado e passou a morar em Brasília. Carlos Alberto Brilhante Ustra depôs em Audiência Pública realizada pela CNV, em 10 de maio de 2013. Morreu em 2015, aos 83 anos.

Bereia verificou que foi realizada missa de 7º dia pela alma do coronel Ustra, em 21 de outubro de 2015, com convite aberto pela esposa Maria Joselita, por meio da página na internet que ela mantém. Houve também missa por um ano da morte dele. Todas as lideranças presbiterianas ouvidas pelo Coletivo Bereia consideram incomum que alguém ligado ao presbiterianismo tivesse missa de sétimo dia, ainda que a esposa fosse vinculada à Igreja Católica.

Bereia também submeteu a essas pessoas um trecho do livro “Rompendo o silêncio”, em que Ustra afirma:

Nunca tomei conhecimento de que os setores progressistas da Igreja, os mesmos que defendem com tanto ardor os subversivos e os terroristas, tenham, como Pastores da Igreja, subido aos púlpitos para condenar, veementemente, as organizações terroristas que fizeram muitas vítimas, na sua quase totalidade católicos praticantes”.

Rompendo o Silêncio, sem página, versão on line

Todas as pessoas consultadas, incluindo Anivaldo Padilha e o prof. Leonildo Silveira Campos, avaliam que um evangélico não usaria a linguagem do senso comum católico de se referir à Igreja Católica como “A Igreja’ e a seus padres e bispos como “Pastores da Igreja”. Portanto, o coronel usa a linguagem de um católico ao se referir à Igreja Católica.

Com base nesta avaliação e no levantamento da não-vinculação de Ustra ao presbiterianismo e ao metodismo, o Coletivo Bereia verificou a possibilidade de Carlos Alberto Brilhante Ustra ter seguido a mãe e ter-se feito católico.

Na recusa de contato da parte da irmã e de outros familiares do coronel, uma busca de fontes levou a um texto da revista Época de 26 de junho 2008 intitulado “Dá para perdoá-lo?”. De autoria de Matheus Leitão, Andréa Leal, Leandro Loyola e Wálter Nunes, a matéria relata o contexto da entrevista que o coronel Ustra concedeu à revista, tendo-os recebido em casa em Brasília. No perfil do coronel que a equipe descreve aparece:

“Quase sem cabelos, aos 76 anos, 1,74 metro, um coração frágil que já exigiu três stents – dispositivos implantados para desobstruir as artérias –, todas as tardes Ustra costuma ir à padaria. Continua católico, mas deixou de ir à missa. Diz gostar de ir ao banco pagar contas, faz compras no supermercado e vai ao correio. Afirma passar horas na internet. Abre a porta quando tocam a campainha”.

Revista Época, de 26 de junho de 2008

Bereia fez contato com o jornalista Matheus Leitão, que confirmou que, naquela entrevista, Ustra se declarou católico, vinculado à Igreja Nossa Senhora do Lago, em Brasília, na companhia da esposa Maria Joselita.

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Com base nesta verificação, o Coletivo Bereia classifica a informação de que o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra teria sido membro e líder da Igreja Presbiteriana como imprecisa. Não há registros formais de que o coronel tenha se tornado membro dessa igreja e não foram localizadas testemunhas de que ele tenha sequer frequentado alguma congregação de denominação presbiteriana.

Ustra também não foi membro da Igreja Metodista como afirmou em interrogatório à, então, presa e torturada, Ana Maria Ramos Estêvão. Como Bereia levantou, o coronel, provavelmente, fez uso das informações que tinha sobre a igreja, por conta do relacionamento com pai e irmãos que eram membros em Santa Maria, sua cidade natal, para tirar vantagem da jovem que estava em situação vulnerável.

Ustra se declarou católico a jornalistas, se expressava com linguajar católico e teve missa de sétimo dia e de ano de morte. Estes podem ser considerados indícios da vinculação do agente da ditadura ao Catolicismo, tendo seguido a trajetória religiosa mãe, com quem tinha fortes laços, segundo sua biografia.

Apesar de o comandante da tortura no regime militar coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra não ter sido evangélico, o relatório final da CNV registra que houve, sim, casos de pastores metodistas e batista tanto informantes do sistema de repressão como torturador (p. 184 e 198). Há ainda documentos que comprovam a inserção de evangélicos nos quadros do regime da ditadura militar em cargos públicos, no sistema de repressão e nos cursos da Escola Superior de Guerra, levantados pela CNV e guardados no Arquivo Nacional, com toda a documentação utilizada pela comissão. Estas informações podem ser também encontradas em documentos e depoimentos atrelados a uma gama variada de pesquisas científicas, que podem ser localizadas por meio do Banco de Teses e Dissertações da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), bem como em livros como “Inquisição sem Fogueiras”, de João Dias de Araújo (ISER, 1982, relançado em 2020 pelo movimento Resistência Reformada, “Dogmatismo e Tolerância”, de Rubem Alves (Paulinas, 1982; Loyola, 2004), “Memórias Ecumênicas Protestantes”, de Zwinglio Dias (Koinonia, 2014) entre muitos outros.

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Foto de capa: Sergio Lima/Folhapress/Reprodução

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Referências

Deutsche Welle, https://www.dw.com/pt-br/ustra-respeitava-os-direitos-humanos/av-55209554. Acesso em 26 out 2020.

Universidade Metodista de São Paulo, http://portal.metodista.br/posreligiao/noticias/protestantismo-ignorou-caracteristica-brasileira-lamenta-professor-sobre-golpe-militar

Wanderley Rosa e José Adriano Filho, Cristo e o Processo Revolucionário Brasileiro”, Editora Mauad, 2012.

Eduardo Paegle, A posição política da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) nos anos de chumbo (1964-1985). https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/89510/235493.pdf?sequence=1&isAllowed=y

Comissão Nacional da Verdade, http://cnv.memoriasreveladas.gov.br/

Leandro Seawright, “Ritos da oralidade: a tradição messiânica de protestantes no Regime Militar Brasileiro”.

Diário Oficial da União, 11 mar 1968. https://www.jusbrasil.com.br/diarios/2860769/pg-12-secao-1-diario-oficial-da-uniao-dou-de-11-03-1968

Leonildo Silveira Campos, Estudos de Religião, n. 23, Universidade Metodista de São Paulo, dez. 2002.

Carlos Alberto Brilhante Ustra, Rompendo o silêncio, Editerra, 1987, https://conservadorismodobrasil.com.br/2017/05/livro-em-pdf-rompendo-o-silencio-carlos-alberto-brilhante-ustra.html )

Carlos Alberto Brilhante Ustra, Verdade Sufocada, Editora Ser, 2013. https://conservadorismodobrasil.com.br/2017/05/livro-em-pdf-verdade-sufocada.html

A verdade sufocada, https://www.averdadesufocada.com/index.php?option=com_content&view=article&id=13491:191015-missa-de-7o-dia-doi-coronel-carlos-alberto-brilhante-ustra&catid=43&Itemid=90

Folha de S. Paulo, http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/10/1823396-em-celebracao-brilhante-ustra-e-chamado-de-heroi-que-lutou-pela-paz.shtml

Revista Época, http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI6952-15223,00.html

Coletivo Bereia integra projeto especial do Comprova

No mês em que completa um ano de fundação, o Coletivo Bereia é selecionado para integrar o projeto Comprova + Comunidades, que reúne oito iniciativas de jornalismo atuantes em comunidades ou com temáticas raciais e religiosas. O Comprova é uma iniciativa da First Draft, liderada pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) que trabalha em colaboração com jornalistas de 28 veículos de comunicação do Brasil no combate à desinformação.

As oito iniciativas selecionadas são coletivos e agências das cinco regiões do país e que estão conectadas a públicos segmentados por territórios, temáticas raciais ou religiosas e a comunidades vulneráveis. Os representantes de cada coletivo ou agência atuarão no Comprova por 6 meses, devido a um convênio da Missão Americana no Brasil com a Abraji para combater desinformação relacionada à COVID-19.

Do Coletivo Bereia participam Juliana Dias e Luciana Petersen, que participam do coletivo desde o início. Os coletivos e agências estão recebendo treinamento para verificação, apoio para aquisição de equipamentos e uma ajuda financeira para remunerar os profissionais que atuarão no Comprova. Além do trabalho colaborativo nas investigações, espera-se que os novos participantes possam ajudar na criação de novas narrativas que ajudem a disseminar o resultado das verificações feitas pelo Comprova.

Fazem parte do projeto as seguintes agências e coletivos:

  • Marco Zero Conteúdo – coletivo de jornalismo independente em Recife que realiza cobertura local e regional, com foco no interesse público e nos setores mais vulneráveis da população.
  • Agência Mural de Jornalismo das Periferias – tem como missão minimizar as lacunas de informação e contribuir para a desconstrução de estereótipos sobre as periferias da Grande São Paulo.
  • Bereia – coletivo de jornalismo colaborativo para verificação de notícias em ambientes digitais religiosos.
  • Rádio Noroeste – instrumento de fortalecimento da cultura local, por meio da valorização das raízes e tradições populares, do esporte e lazer que animam a comunidade, e da economia da região noroeste de Goiânia.
  • Amazônia Real – agência que nasceu com o objetivo de fazer jornalismo independente, investigativo e pautado nas questões da Amazônia e de seu povo.
  • Coletivo Niara – grupo criado em 2014 por alunos da Universidade Federal do Pampa, campus São Borja, com o objetivo de acolher os ingressantes pretos e criar uma comunidade de apoio.
  • Alma Preta – agência de jornalismo especializada na temática racial do Brasil, cujo objetivo é construir um novo formato de gestão de processos, pessoas e recursos por meio do jornalismo qualificado e independente.
  • Favela em Pauta – portal de notícias formado por jornalistas baseados em favelas e periferias das cinco regiões do Brasil e que exerce a comunicação sob a perspectiva jovem, negra e periférica, utilizando as técnicas do jornalismo profissional.

Para o presidente da Abraji, Marcelo Träsel, a inclusão das agências e coletivos amplia o alcance do Comprova junto a públicos ainda pouco atendidos. Também é mais um passo no compromisso da atual gestão em aumentar a diversidade nas atividades da associação.

“Informações falsas podem até matar. Principalmente na área de saúde. Esperamos que esse programa possibilite que informações de qualidade cheguem a brasileiros que nem sempre têm acesso a esse tipo de checagem”, disse o adido de imprensa do Consulado dos Estados Unidos em São Paulo, Philip Drewry. “Nosso objetivo é garantir que brasileiros tenham à disposição as informações de que precisam para tomar decisões embasadas e conscientes.”

“Esta parceria representa muito para o nosso Coletivo. Primeiro, significa um reconhecimento da relevância do serviço que prestamos e da capacidade que temos de produzir conteúdo comprometido com informação de qualidade. Em segundo lugar, é uma oportunidade de aprendermos com o Comprova e com outros projetos e coletivos, o que trará, por certo, aperfeiçoamento para o nosso trabalho. Terceiro, é uma chance de aprofundarmos nossa perspectiva de jornalismo colaborativo e vocação de atuação coletiva”, afirma Magali Cunha, editora-geral do Coletivo Bereia.

As organizações de mídia envolvidas na terceira fase do Comprova são: A Gazeta, Gazeta do Sul, AFP, Band News, Band TV, Band.com.br, Canal Futura, Correio (da Bahia), Correio de Carajás, Correio do Estado, Correio do Povo, Diário do Nordeste (CE), Estado de Minas, Exame, Folha de S.Paulo, GaúchaZH, Jornal do Commercio, Metro Brasil, Nexo Jornal, NSC Comunicação, O Estado de S. Paulo, O Popular, O Povo, Poder360, Rádio Band News FM, Rádio Bandeirantes, revista Piauí, SBT e UOL.

Google News Initiative e Facebook Journalism Project ajudaram a financiar o projeto, e ambas as empresas estão fornecendo suporte técnico e treinamento para as equipes envolvidas. O Comprova tem como parceiros institucionais a Associação Nacional de Jornais no Brasil (ANJ), o Projor, a Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), a agência Aos Fatos e a RBMDF Advogados. Os parceiros de tecnologia são CrowdTangle, NewsWhip, Torabit, Twitter e WhatsApp.

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Foto de Capa: Projeto Comprova + Comunidades/Divulgação

Eleições 2020: Bispo Marcelo Crivella recorre a conteúdos falsos em debate na TV

Em um dos debates promovidos pela Rede Bandeirantes de TV com candidato/as a Prefeituras de 14 cidades do Brasil, na noite de 1 de outubro, o atual prefeito do Rio de Janeiro Bispo Marcelo Crivella (Republicanos), da Igreja Universal do Reino de Deus, recorreu a conteúdos falsos para confrontar debatedora.

Crivella que tenta a reeleição fez uso de mentiras já na primeira pergunta direta que deveria fazer a outro/a candidato/a. Ele escolheu a deputada estadual do PSOL Renata Souza, para indagar o que ela faria, caso vença as eleições, a respeito da “ideologia de gênero nas escolas” e do combate às drogas entre alunos.

Renata Souza respondeu com uma crítica ao prefeito da cidade, acusando-o de negligenciar a pandemia. Na réplica, Crivella retomou a pergunta e acusou:

“Se o PSOL ganhar a eleição nossas crianças vão ter uma coisa que tinham que ter em casa, orientação sexual. Vai ter kit gay na escola e vão induzir à liberação das drogas. Esse é o perigo do PSOL e por isso ela não quer tocar no assunto”.

Na tréplica, Renata Souza retomou a crítica que tinha feito:

“Estou falando de gente que morreu e o senhor quer falar do que o professor quer ensinar na escola? O professor tem que ter debate pedagógico, tem que ter autonomia”.

Ideologia de gênero e kit gay: duas falsidades político-religiosas

O prefeito Marcelo Crivella, que encontra dificuldades para se reeleger no pleito de 2020 por conta denúncias de corrupção, conseguiu se blindar na Câmara de Vereadores contra dois pedidos de impeachment em um período de 15 dias (casos de propina à Prefeitura e “Guardiões do Crivella). Porém, na Justiça o candidato à reeleição tem encontrado mais obstáculos: em 24 de setembro, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) decidiu por unanimidade, por 7 votos a 0, declará-lo inelegível até 2026 por abuso de poder político e conduta vedada a agente público. A defesa de Crivella está recorrendo da decisão e, por isso, ele pode disputar o pleito. Caso seja eleito, precisará de uma liminar para derrubar a decisão do TRE.

Enquanto briga para permanecer candidato, Marcelo Crivella participa dos debates recorrendo a conteúdos que fizeram sucesso entre o público cristão, durante a campanha de Jair Bolsonaro nas eleições de 2018.

Os dois temas, “ideologia de gênero” e “kit gay”, são objeto de estudos no Brasil e no exterior e de investigações sobre desinformação como estratégia para conquistar apoios políticos, com recurso a valores religiosos, para interferência de líderes e grupos em temas de interesse público.

A estratégia é embasada em terrorismo verbal, impondo o medo de que valores caros a pessoas religiosas, como a família, seriam destruídos. Da mesma forma, toca na questão da sexualidade, aspecto da vida humana tratado de forma frágil por grupos cristãos, frequentemente embasado em repressão e pouco em educação, conforme abordado no clássico estudo “Protestantismo e Repressão”, de Rubem Alves (Editora Ática, 1979). O recurso ao tema da educação e das crianças, como elementos que estariam em risco numa “guerra a inimigos da família”, é usado insistentemente neste tipo de desinformação sem que haja evidências do terror indicado.

O Coletivo Bereia já publicou matérias sobre estes dois temas abordados pelo candidato Marcelo Crivella, que podem ser acessadas aqui: O Presidente do Brasil e a falaciosa ideologia de gênero, “Kit Gay” continua sendo alvo de políticos de direita e Não há dúvida: a existência de um “kit gay” organizado por Fernando Haddad é falsa.

Sobre a acusação que relaciona o PSOL e seus partidários ao tráfico de drogas, agências de verificação de conteúdos já produziram checagens como: É falso que PT e PSOL entraram na justiça para reduzir escopo de atuação da PRF, Post falso sobre ‘relação’ de Marielle Franco com Marcinho VP continua a circular 2 anos após assassinato e É #FAKE que Freixo chamou traficante Elias Maluco, encontrado morto na prisão, de ‘grande amigo e ídolo’

Perguntada pelo Coletivo Bereia sobre o que significa Marcelo Crivella usar deste tipo de conteúdo mentiroso para atacar uma adversária, a antropóloga, pesquisadora em Política e Religião, da Universidade Federal Fluminense (UFF) e do ISER Profa. Christina Vital afirma que “Crivella não foi o único a tentar produzir medos nos cidadãos sobre seus adversários. No entanto, diferente dos outros, mobilizou pânicos morais. A sua única intervenção mais detida sobre o tema da educação foi na pergunta que fez à candidata Renata Souza, do PSOL. A um só tempo ele retoma uma pauta das eleições presidenciais de 2018 e outra muito forte na produção da Base Comum Curricular Nacional”.

A Profa. Christina Vital acrescenta que:

“o pertencimento religioso de vários candidatos e candidatas no debate emergiram de um modo menos caricato do que vimos em outras campanhas. Isso chama atenção no sentido de que foi naturalizada aquela identidade e as menções a Deus e à Bíblia não precisavam ser expostas de modo virulento”.

“Este ponto torna mais interessante o pleito: qual ou quais serão então as cartas na manga dos concorrentes à prefeitura? Se a religião não servir como apelo exclusivo de um ou outro, quais serão as estratégias narrativas mais utilizadas? Acompanhemos. Crivella ficou fora do tom ao trazer supostamente valores religiosos daquele modo antigo, como acusação. Foi démodé!”, avalia a antropóloga ouvida pelo Coletivo Bereia.

O cientista político da Fundação Joaquim Nabuco e pesquisador em Política e Religião Prof. Joanildo Buriti foi entrevistado sobre o tema pelo Coletivo Bereia e avalia:

Há muito me acostumei com a forma desabusada como muitos líderes evangélicos inventam consequências ou perigos de certas coisas sem qualquer preocupação com os fatos. Mas não faziam isso no espaço público. Reservaram aos sermões, palestras e aulas de escola bíblica. Não admira que, numa conjuntura que favorece o uso destemperado e aleivoso da linguagem, esse estilo se torne parte do debate público. Não começou com Crivella. Mas ele parecia ter mais compostura em outros tempos. Não há nenhuma evidência de que jamais tenha existido o tal kit gay, nem que a chegada de uma liderança de esquerda à prefeitura signifique que haverá indução à liberação de drogas. Esta nunca foi uma prática de gestores de esquerda até hoje no país. Por que seria agora? Parece que, confrontado com o que foram os pontos fracos de sua gestão, o atual prefeito sente-se em maior segurança recorrendo a um velho estilo de “denúncia do mal” que implica no ataque ad hominem e na transformação de mentiras em verdades.

Bereia classifica a afirmação do candidato Marcelo Crivella à reeleição para a Prefeitura do Rio de Janeiro como falsa. Para retomar a credibilidade com apoiadores religiosos, diante dos casos de corrupção relacionados à sua gestão, o bispo recorre a conteúdos falsos que foram eficazes na campanha eleitoral de 2018, para desqualificar adversários, buscando resultado semelhante.

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Foto de Capa: TV Bandeirantes/Reprodução

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Referências

Rede Bandeirantes Rio, Debate com Candidatos à Prefeitura, https://www.youtube.com/watch?v=dc8g6NmHruI. Acesso em 2 out 2020

Correio Braziliense, https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2020/09/4877815-destinos-cruzados-de-witzel-e-crivella.html. Acesso em 2 out 2020

Tribunal Regional Eleitoral, https://www.tre-rj.jus.br/site/gecoi_arquivos/noticias/arq_166319.jsp?id=166319 Acesso em 2 out 2020

Revista Piauí, https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2019/11/19/kiy-gay-coletanea/ Acesso em 2 out 2020

Notícias sobre cristofobia em portais gospel não contextualizam questão ao redor do mundo

O Portal Folha Gospel publicou em 24 de setembro de 2020 a matéria “Falar de cristofobia incomoda, mas vamos chamar a atenção para isso, diz Ernesto Araújo”.

O texto reproduz matéria do Portal Guia-me, que sintetiza a entrevista que o Ministro de Relações Exteriores Ernesto Araújo deu à rede de TV CNN, em 22 de setembro passado. Araújo defendeu a relevância do discurso do presidente Jair Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU, no qual abordou o combate à cristofobia. Na entrevista, o ministro afirmou que o conceito existe e o presidente não foi o primeiro a usar.

Araújo acrescentou à CNN que existe uma conscientização pequena ao redor do mundo acerca da cristofobia e chama a atenção para essa realidade em países cuja maioria da população é cristã e onde, às vezes, o cristianismo é atacado e outras religiões não são.

Ele se referiu ao discurso de Bolsonaro na ONU que incluiu o tema da liberdade religiosa e mencionou o conceito de cristofobia, em defesa dos cristãos que sofrem perseguição.

De acordo com a matéria, parte da imprensa teria repercutido negativamente o discurso do presidente do Brasil, alegando a inexistência de cristofobia no Brasil. Folha Gospel destaca que o ministro acredita que o Brasil é um país majoritariamente cristão, por isso tem responsabilidade em defender os cristãos perseguidos ao redor do mundo (em torno de 260 milhões, número apontado pela ONG Cristã Portas Abertas e reproduzido no Folha Gospel).

Na edição publicada pela Folha Gospel, o ministro Araújo avalia que, em um país como o Brasil, que apresenta a porcentagem de 90% de cristãos, o cristianismo é responsável por parte da sua identidade e da sua essência, o que levaria as autoridades brasileiras a assumirem a responsabilidade de chamarem a atenção para a questão.

A matéria traz a citação do ministro à CNN, referente a um estudo enviado ao Ministério de Relações Exteriores do Reino Unido, que aponta que 80% dos perseguidos por religião no mundo são cristãos. Araújo, segundo a síntese publicada pela Folha Gospel, defende o uso do termo “cristofobia”, já que islamofobia é utilizado para definir a perseguição aos muçulmanos. “Isso precisa ter um nome, para que as pessoas se conscientizem disso”, destacou, de acordo com a edição da Folha Gospel.

Ernesto Araújo afirmou à CNN, segundo a matéria reproduzida, que o discurso do presidente nas Nações Unidas não se limitou à diplomacia, mas foi “relevante, inovador e corajoso”. “Falar de cristofobia pode incomodar algumas pessoas, mas vamos chamar atenção para isso”, disse o ministro na entrevista.

A síntese publicada pela Folha Gospel destaca que o ministro foi questionado por jornalistas da CNN sobre o discurso de Jair Bolsonaro não ter contemplado brasileiros de outras religiões, e ele esclareceu que o presidente não deixou de olhar para as outras religiões, pois defende a liberdade religiosa para todos. A matéria destacou, novamente, que Araújo ressaltou que, pelo fato do Brasil ser um país cristão, as autoridades se sentem responsáveis por chamar a atenção sobre a intolerância religiosa. “Não excluímos ninguém, mas queremos recuperar a identidade nacional, não queremos ser um país genérico”, afirmou o ministro à CNN.

O discurso do presidente Bolsonaro na ONU

Em seu discurso de abertura da 75° Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), que durou pouco mais de quatorze minutos, o presidente Jair Bolsonaro destacou a covid-19 e o desemprego, como dois problemas a serem resolvidos e apontou a imprensa brasileira como agente disseminador de pânico entre a população. Falou sobre as medidas tomadas pelo governo federal no âmbito da pandemia, como o auxílio emergencial.

Bolsonaro falou ainda sobre a Amazônia e o Pantanal e a propagação de “desinformação” sobre os incêndios que devastaram os dois ecossistemas, que segundo o presidente, começaram na área em que índios e caboclos mantém plantações, sendo que estas áreas já se encontram desmatadas e comentou sobre o derramamento de óleo venezuelano em 2019 na costa brasileira.

Ao afirmar que “a liberdade é o bem maior da humanidade”, Bolsonaro faz uso do tema da liberdade religiosa e do combate à cristofobia e afirma que “o Brasil é um país cristão e conservador, e tem na família a sua base”.

Sobre o conteúdo do discurso do presidente Bolsonaro na ONU, o projeto Aos Fatos verificou 41 afirmações, tendo avaliado 12 delas como verdadeiras e 29 como desinformação, entre 11 falsas, 7 imprecisas, 6 insustentáveis, 4 contraditórias e uma exagerada. O tema da cristofobia não foi verificado.

A doutora em Ciências da Comunicação, pesquisadora sobre religião e política, jornalista e editora-geral do Coletivo Bereia Magali Cunha afirma que o discurso de Bolsonaro na ONU se revelou recheado de falácias, ou seja, informações falsas, estrategicamente utilizadas para passar a impressão de serem verdadeiras.

A apresentação do tema da “cristofobia” como uma das grandes questões a serem enfrentadas no mundo, representou, para Magali Cunha, um forte aceno aos apoiadores do presidente, tanto católicos quanto evangélicos brasileiros e não é dirigida como “apelo à comunidade internacional”, como faz parecer.

De acordo com a editora-geral do Coletivo Bereia, o termo “cristofobia” não se aplica ao Brasil, por conta dos cristãos serem ampla maioria religiosa e, não haver nesse contexto, perseguição à religião cristã, como ocorre em outros países. Casos de perseguição religiosa a este grupo no país são pontuais, reflexos da ignorância e do preconceito contra evangélicos e de situações, como atentados a símbolos e templos católico-romanos por extremistas evangélicos.

São as religiões de matriz africana que sofrem perseguição religiosa recorrente no Brasil, conforme apontam relatórios elaborados pelo governo federal, fruto de histórica demonização destas religiões por conta da hegemonia cristã exclusivista e do racismo estrutural, por serem expressões de fé da cultura negra. Segundo Magali Cunha, a estratégia discursiva adotada pelo presidente visa a ampliação de forças fundamentalistas anti-direitos de minorias sociais. Para isso, o governo brasileiro tem buscado assessoria de juristas fundamentalistas entre católicos e evangélicos. A atuação da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (ANAJURE) com o ministro Ernesto Araújo em pautas internacionais, é um exemplo.

O professor da Universidade de Brasília (UNB) e coordenador do grupo de pesquisa sobre Filosofia da Religião na instituição, Agnaldo Cuoco Portugal, afirmou em entrevista ao Portal Congresso em Foco que o discurso de combate ao ódio contra cristãos não é necessariamente novo. “Já vi o Papa Francisco falando desta perseguição. O patriarca de Moscou também. Aí faz sentido a estas autoridades falar contra a perseguição de cristãos”, disse, referindo-se ao líder da Igreja Católica Apostólica Romana e a Cirilo I, líder da Igreja Ortodoxa Russa.

O discurso bolsonarista mostra que não se trata apenas da interferência da religião na política, mas também da interferência da política na religião. Qualquer uma das duas manobras, pondera Agnaldo, é perigosa. “O chefe de nação defender determinada religião incorre no perigo de aumentar sua legitimidade política. E é algo perigoso numa democracia por conta de sua laicidade- o Estado não pode tomar uma posição religiosa, em detrimento de uma ou outra expressão”, explicou.

O conceito de cristofobia

Em entrevista ao Coletivo Bereia, o teólogo e pastor batista Irenio Chaves analisou o uso do termo “cristofobia”.

Não existe cristofobia no Brasil. Esse termo foi usado para descrever a perseguição a cristãos em países dominados por outros fundamentalismos e regimes extremistas, muitas vezes com martírio, desterro e violência. Não é o nosso caso. Não resta a menor dúvida de que há uma herança histórica de preconceito a protestantes, que vem diminuindo e quase desaparecendo, que é aquele que diz que todo o crente é sem entendimento e de classes sociais inferiores.

Irenio Chaves

Ouvida por Bereia, a professora de Antropologia da Religião na Unicamp Brenda Carranza explica que o uso do termo “cristofobia” pode estar relacionado às falas do Deputado Marco Feliciano em reação à Parada Gay em São Paulo. “Utilizar pública e aleatoriamente o termo Cristofobia é pavimentar a ideia de que existe um ódio contra o cristianismo. Tal ódio, segundo os disseminadores do termo, é nutrido por minorias sociais, étnicas e demográficas (entre elas comunidades LGBTQ+, movimentos sociais, indígenas, negros, pobres e feministas) que ameaçam o moral e costumes cristãos e acalentam desejos de atacar os cristãos”, afirma a pesquisadora. Em 2015, o então Presidente da Câmara Eduardo Cunha tentou votar com urgência um projeto de lei sobre cristofobia. O PL se encontra na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e teve relatório favorável em 2019.

No entanto, o pastor Irênio Chaves interpreta que o aumento de antipatia a segmentos fundamentalistas do evangelicalismo brasileiro acontece devido a um alinhamento deles a uma mensagem política e social imbuída de discurso de ódio, obscurantismo e negacionismo.

“Infelizmente, esse discurso é assumido por lideranças que têm acesso a grandes somas de dinheiro, a uma grande quantidade de pessoas e ao uso de mídias e redes sociais. Infelizmente, essa realidade tem favorecido o fortalecimento da extrema direita, como sinônimo de ‘conservadorismo’, e a divisão nas comunidades, com perseguição e ataques aos que pensam diferente. Se podemos falar em alguma ‘cristofobia’ no Brasil, é o que parte de fundamentalistas contra esses cristãos que querem colocar em prática a mensagem de amor e acolhimento de Jesus no contexto atual.”

Irênio Chaves

O pesquisador e mestre em Ciência das Religiões, Nelson Lellis, ouvido por Bereia, explica que o conceito é impossível de ser aplicado no Brasil:

O conceito Cristofobia diz sobre intolerância religiosa aos cristãos, o que é impossível sua aplicação no Brasil. Cristãos católicos ainda são a maioria; os evangélicos, em crescimento constante, protagonizarão esse cenário em 2032. O atual governo possui vários atores cristãos no poder. O presidente se declara cristão e frequenta missas e cultos. Como o Brasil pode ser cristofóbico? O fato é que as religiões de matriz africana continuam em primeiro lugar como foco de intolerância religiosa. Os principais “perseguidores” são evangélicos. Além de demonizarem sua teologia, destroem terreiros e apedrejam membros desses segmentos. O uso do termo “cristofobia” faz parte de uma tarefa propagandista política conservadora do atual governo. Seu intento é garantir a pauta “Deus, pátria e família”, um mote já bastante conhecido e defendido por igrejas bolsonaristas.

Nelson Lellis

Em entrevista ao Portal O Povo o padre Rafhael Maciel, sacerdote eleito pelo Papa Francisco como Missionário da Misericórdia, disse que o termo cristofobia se refere à aversão ou ridicularização pública de uma pessoa, em razão de sua fé em Jesus Cristo. “A igreja é repleta de mártires, vários santos no passado foram perseguidos porque acreditavam em Cristo. Naqueles primeiros tempos, não chamávamos de cristofobia”, esclarece o padre, recordando que a perseguição contra os cristãos se tornava testemunho de fé.

O sacerdote reconhece que o termo também é empregado para mascarar discursos que negam o extremismo religioso por parte de cristãos. O padre Rafhael salienta que assim como existem preconceitos de raça ou sexual, existem preconceitos ligados à questão religiosa.

Também entrevistado pelo portal O Povo, Christian Dennys, professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC) e estudioso sobre religião há 25 anos, afirma que o conceito de cristofobia tem sido utilizado por supremacistas de direita para afirmar que maiorias cristãs são vítimas “das esquerdas”. Segundo o pesquisador, o termo ganhou novo significado com a midiatização (via mídias sociais) e a judicialização (através de bancadas evangélicas).

“‘Cristofobia’ não existe: mas pode virar uma lei para incriminar, de forma hedionda, quem atente contra a pregação de um ‘neopentecostal’- ultimamente tornado sinônimo do verdadeiro evangélico cristão”, comenta o professor. No entendimento de Dennys, o discurso da cristofobia é instrumento de revanchismo usado por grupos de extrema direita.

Dentro das esferas evangélicas o termo cristofobia tem sido utilizado para se referir a perseguições sofridas por adeptos do cristianismo em diversos países, principalmente onde são minoria. Há inúmeros relatos de prisões, violência e assassinatos de cristãos na Ásia, em países do Oriente Médio e da África.

No Brasil o termo tem sido usado para se referir a episódios de preconceito e discriminação contra evangélicos, embora não exista no país um sistema estruturado de perseguição violenta contra esse segmento religioso.

Entrevistado pela BBC Brasil, Marco Cruz, secretário-geral da ONG Portas Abertas, disse que não dá para falar em “cristofobia” no Brasil. “Há casos isolados de preconceito, mas, no nosso contexto, não consideramos que exista no Brasil uma perseguição estruturada e sistemática contra cristãos, como em outros países. Nós podemos expressar nossa fé livremente, ninguém é expulso de algum local por ser cristão, nenhuma pessoa morre ou é presa no Brasil por ser cristã”, afirma.

Magno Paganelli, doutor em história social pela Universidade de São Paulo (USP), disse à BBC Brasil que embora as religiões afro-brasileiras sofram mais com a discriminação, acredita que de fato existe cristofobia no Brasil, “se você considera o rigor do conceito de islamofobia, lgbtfobia e afins”, afirma.

Liberdade religiosa e perseguição de cristãos ao redor do mundo

A liberdade religiosa ou de crença faz parte dos direitos humanos, como afirma o artigo 18º da Declaração Universal dos Direitos Humanos:

“Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos.”

Declaração Universal dos Direitos Humanos

A ONU já publicou diversas resoluções e documentos a respeito da questão, desde a relação da liberdade religiosa com grupos vulneráveis até a intersecção desse direito com outros direitos humanos. Além disso, 22 de Agosto é o Dia Internacional contra a Violência baseada na religião e outras crenças.

Além de instituições religiosas como Porta Abertas e Ajuda à Igreja que Sofre, que colocam atenção à perseguição de cristãos, há organizações, como Pew Research Center, órgão de pesquisa estadunidense, que olham a questão de forma ampla, para além do Cristianismo, e têm publicado levantamentos anuais a respeito das restrições à liberdade de qualquer crença ao redor do mundo.

O pesquisador Brian Grim expôs a metodologia do estudo do Pew Research Forum em um TEDx: mede-se tanto as restrições governamentais quanto as hostilidades sociais relacionadas à liberdade religiosa ou de crença. De forma geral, 52 países (26% do total) impunham grandes ou muito grandes restrições governamentais à crença em 2017. Já os países com grandes ou muito grandes hostilidades sociais relacionadas à religião somavam 56.

Ao separar por religião, o estudo aponta o Cristianismo como confissão mais alvo de restrições em 2017. São 143 países em que cristãos sofrem alguma forma de assédio (termo usado pela pesquisa). Logo atrás vêm o islamismo, com 140 países em que restrições são impostas a seus praticantes. A pesquisa nota que essas religiões são mais alvejadas porque também são os maiores grupos religiosos do mundo.

Cristãos sofrem restrições em todos os 20 países do Oriente Médio e Norte da África e em 75% dos países da região Asiática do Pacífico. Já muçulmanos têm algum tipo de restrição em 95% do Oriente Médio e Norte da África e 93% da Europa. Vale lembrar a explicação de Grim: esses dados levam em conta todo tipo de restrição (governamental ou social): desde a prefeitura de Moscou restringir a 4 o número de mesquitas em seu território até o Paquistão punir o crime de blasfêmia com prisão ou pena capital. Ainda que o estudo avalie a gravidade das restrições por país, não o faz por religião.

Por último, é importante notar que o tema da liberdade religiosa voltada para cristãos faz parte de uma das prioridades da política externa estadunidense sob Donald Trump, como um aceno político ao apoio que recebe desse segmento religioso . A Casa Branca já publicou uma Ordem Executiva tratando do tema em 2020 e o Departamento de Estado dos EUA deixa público relatórios sobre o assunto produzidos desde 2017. A menção de Bolsonaro à liberdade religiosa e à cristofobia faz parte de um alinhamento brasileiro à política externa norte-americana nessa questão, buscando acenar também a seus apoiadores cristãos. inserir esta referência

O cristianismo como elemento formador da identidade brasileira

Em seu discurso, Bolsonaro disse que o Brasil é um país cristão, ponto reafirmado por Ernesto Araújo. No entanto, esta afirmação é enganosa, pois, apesar da predominância numérica cristã, o Brasil é um país com ampla pluralidade de religiões, e não pode ser chamado de cristão.

O Pew Research Center aponta que o país tem a maior população católica absoluta do mundo, apesar da queda nas últimas décadas. De acordo com dados do Censo Demográfico de 1970, os seguidores do Vaticano eram 91,8%. Hoje a população cristã tornou-se mais diversa. O Censo de 2010 aponta que evangélicos são 22,2% de todos os brasileiros e, somados aos católicos, os cristãos correspondem a 86,8% da população brasileira.

A predominância cristã tem relação com a colonização por Portugal, uma nação que esteve no regime do Padroado. De acordo com Eduardo Navarro, livre-docente do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Universidade de São Paulo, nesse regime, a Igreja Católica assistia o direito ou incumbia o dever aos reis de Espanha e Portugal de evangelizar as terras colonizadas. Além disso, os patronos também podiam nomear bispos e comandar missionários em seu território.

Durante o Império de Pedro I e Pedro II, o Brasil manteve o Catolicismo Romano a religião oficial do Estado, ainda que permitisse outras práticas (como a protestante muitas vezes trazida por imigrantes como alemães luteranos na região sul ou ingleses anglicanos), sem autorização de erguer-se templos. Foi apenas com a Proclamação da República em 1889 que o país tornou-se laico, o que não mudou o caráter hegemônico do catolicismo entre os brasileiros. Os símbolos tradicionais dessa vertente do cristianismo ainda se fazem presentes no espaço público, como os crucifixos em prédios da Justiça.

No entanto, o cristianismo não é o único elemento formador da identidade brasileira. A cultura indígena tem marcas profundas na religiosidade popular e a cultura africana dos que foram trazidos como escravizados durante séculos também se faz presente entre os brasileiros, seja na culinária, música e também na religião. Em 2010, 0,3% da população brasileira se declarava umbandista ou candomblecista. Além disso, 8% da população se diz sem religião, 2% segue o espiritismo e há uma pluralidade de religiões de diferentes origens presentes no país, conforme o Censo de 2010.

Nesse sentido, ainda que cristãos sejam a maioria, o Estado é laico e, portanto, não favorece nem persegue credos específico e deve garantir que todos tenham plena liberdade de crer e de não crer , conforme definem os Artigos 5º e 19 da Constituição Federal de 1988:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

VI – e inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

Art. 19 “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público; II – recusar fé aos documentos públicos; III – criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.”

Constituição Federal de 1988

O Coletivo Bereia classifica a matéria da Folha Gospel como imprecisa. O texto que reproduz matéria de outro veículo gospel, o Portal Guiame, faz uma edição de conteúdos da entrevista concedida pelo Ministro das Relações Exteriores do Brasil à CNN que atua como promoção da fala do político e, por sua vez, do tema da cristofobia, na linha de uma assessoria de imprensa, sem contextualização das diversas afirmações do político apresentadas de forma imprecisa. Além disso, a matéria da Folha Gospel ainda acusa veículos de imprensa de repercutirem negativamente o discurso de Jair Bolsonaro na ONU, sem informar quais foram estes veículos e o que disseram exatamente. Com isso, Folha Gospel (e o Portal Guia-me) produz desinformação e animosidade do público contra veículos de imprensa em geral, tendo transformado o tema, tratado pelo ministro de forma vaga, em título da matéria.

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Foto de capa: Pixabay/Reprodução

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Referências

CORREIO BRAZILIENSE, https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/mundo/2020/01/15/interna_mundo,820607/mais-de-250-milhoes-de-cristaos-foram-perseguidos-no-mundo-em-2019.shtml. Acesso em: 29 set. 2020.

BBC BRASIL: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-54254309. Acesso em: 27 set. 2020

PLANALTO (YOUTUBE): https://youtu.be/821wal-DuEA. Acesso em: 27 set. 2020

RELATÓRIO INTOLERÂNCIA E VIOLÊNCIA RELIGIOSA BRASIL: https://direito.mppr.mp.br/arquivos/File/RelatorioIntoleranciaViolenciaReligiosaBrasil.pdf. Acesso em: 27 set. 2020.

EXAME: https://exame.com/brasil/em-video-feliciano-ataca-cristofobia-na-parada-gay/. Acesso em: 30 set. 2020.

PORTAL CONGRESSO EM FOCO: https://congressoemfoco.uol.com.br/especial/noticias/cunha-quer-urgencia-para-projeto-da-%e2%80%98cristofobia%e2%80%99/. Acesso em: 29 set. 2020.

CÂMARA DOS DEPUTADOS, https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1302214. Acesso em: 30 set. 2020.

PORTAL CONGRESSO EM FOCO: https://congressoemfoco.uol.com.br/governo/o-que-e-cristofobia-e-por-que-faz-pouco-sentido-bolsonaro-falar-sobre-isso/. Acesso em: 27 set. 2020

UNITED NATIONS HUMANS RIGHTS OFFICE OF THE HIGH COMMISSIONER: https://www.ohchr.org/en/udhr/documents/udhr_translations/por.pdf. Acesso em: 28 set. 2020.

UNITED NATIONS HUMANS RIGHTS OFFICE OF THE HIGH COMMISSIONER: https://www.ohchr.org/en/issues/freedomreligion/pages/standards.aspx#20. Acesso em: 28 set. 2020.

UNITED NATIONS: https://www.un.org/press/en/2019/ga12147.doc.htm. Acesso em: 28 set. 2020.

PEW RESEARCH CENTER: https://www.pewforum.org/2013/04/30/the-numbers-of-religious-freedom-brian-j-grim-at-tedxviadellaconcilizaione/. Acesso em: 28 set. 2020.

PEW RESEARCH CENTER, https://www.pewforum.org/2019/07/15/harassment-of-religious-groups-steady-in-2017-remaining-at-10-year-high/. Acesso em: 28 set. 2020.

WHITE HOUSE: https://www.whitehouse.gov/presidential-actions/executive-order-advancing-international-religious-freedom/#:~:text=Policy.,and%20vigorously%20promote%20this%20freedom. Acesso em: 28 set. 2020

U.S. STATE DEPARTMENT: https://www.state.gov/international-religious-freedom-reports/. Acesso em: 28 set. 2020.

RELIGARE, https://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/religare/issue/view/2439. Acesso em: 29 set. 2020.

PEW RESEARCH CENTER, https://www.pewforum.org/2013/02/13/the-global-catholic-population/. Acesso em: 28 set. 2020.

IBGE, https://sidra.ibge.gov.br/Tabela/137. Acesso em: 28 set. 2020

IBGE, https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/69/cd_1970_v1_br.pdf. Acesso em: 28 set. 2020.

EDUARDO NAVARRO, http://www.revistas.usp.br/teresa/article/download/116738/114296/. Acesso em: 28 set. 2020.

PLANALTO, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm. Acesso em: 28 set. 2020.

PLANALTO, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao91.htm. Acesso em: 28 set. 2020.

CONSULTOR JURÍDICO, https://www.conjur.com.br/2007-mai-29/uso_simbolo_nao_fere_carater_laico_estado_cnj. Acesso em: 28 set. 2020.

BRASIL ESCOLA, https://brasilescola.uol.com.br/cultura/cultura-africana.htm. Acesso em: 28 set. 2020.

IBGE, https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/14244-asi-censo-2010-numero-de-catolicos-cai-e-aumenta-o-de-evangelicos-espiritas-e-sem-religiao. Acesso em: 28 set. 2020.

PLANALTO, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 28 set. 2020.

Juiz evangélico Marcelo Bretas não foi punido por participar de culto com Bolsonaro

O portal Gospel Mais publicou, em 18 de setembro, notícia intitulada “TRF-2 pune juiz evangélico Marcelo Bretas por ir a culto ao lado de Bolsonaro”. O texto informa que o juiz Marcelo Bretas foi punido com censura pelo Tribunal Regional Federal da Segunda Região (TRF-2) por ter participado de um culto e da inauguração de uma obra ao lado do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e do prefeito do Rio de Janeiro Marcelo Crivella (Republicanos).

A notícia segue com a explicação de que Bretas, que julga os processos da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro, é evangélico e teria participado dos eventos como convidado. Gospel Mais explica que a punição é resultado de representação contra Bretas pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A OAB pediu que ele fosse punido por atuação político-partidária por comportamento incompatível com a função de juiz, por estas participações públicas, proibidas pela lei orgânica da magistratura.

Gospel Mais contextualiza negativamente a figura do presidente da OAB Felipe Santa Cruz, afirmando que ele fez carreira política como filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT), tendo sido candidato a vereador no Rio de Janeiro, sem ser eleito. O texto informa ainda que a representação contra Bretas foi assinada pelo próprio presidente da entidade, que alegou ter havido uma “afronta à vedação constitucional, como acompanhou a comitiva presidencial desde a chegada na cidade do Rio de Janeiro, publicando, ainda, postagens com manifestação e apreço nas redes sociais”.

O portal evangélico publicou uma nota de esclarecimento de Bretas, o que classificou como negação das acusações feitas por Felipe Santa Cruz:

“Recebi do Sr Presidente da República o honroso convite para acompanhá-lo em sua agenda oficial no Rio de Janeiro. Convite aceito, por orientação do Cerimonial, dirigi-me à Base Aérea do Santos Dumond (sic) para recepcionar o representante do Estado Brasileiro, e integrar a comitiva presidencial a partir de então. Esclareço que não fui informado de quantas e quais pessoas participariam das referidas solenidades (políticos, empresários etc), bem como que realizei todos os deslocamentos apenas na companhia do Sr. Presidente da República”.

nota de esclarecimento de Marcelo Bretas publicada por Gospel Mais

Gospel Mais não registrou a posição da OAB ou detalhou a decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região.

Antecedentes

Marcelo Bretas é juiz federal, responsável pela 7ª Vara Criminal de Justiça Federal na do Rio de Janeiro, alocado na Operação Lava Jato. O juiz ganhou projeção quando encaminhou prisões de personagens de destaque como o ex-governador do Rio Sérgio Cabral (MDB) e o empresário Eike Batista.

Nos trilhos da Operação Lava Jato, ganhou o apelido de “Sérgio Moro carioca”, imagem reforçada quando, em 18 março de 2019, assinou o pedido de prisão do ex-presidente Michel Temer. Ativo nas mídias sociais, no mesmo dia, Bretas postou em sua conta no Twitter a foto de uma construção arruinada com um versículo da Bíblia, do livro dos Provérbios: “A soberba precede a ruína, e a altivez do espírito precede a queda”.

O juiz é evangélico, da Comunidade Evangélica Internacional da Zona Sul, no bairro do Flamengo, onde mora, e tem um irmão pastor. Foi destacado no noticiário, em 2016, o fato de ele ter citado um versículo da Bíblia, do livro de Eclesiastes, na decisão que autorizou a operação Calicute, quando Cabral foi preso, em novembro. “Por que será que as pessoas cometem crimes com tanta facilidade? É porque os criminosos não são castigados logo”, diz o texto citado na decisão, retirado de Eclesiastes 9.11.

Marcelo Bretas declara separar trabalho e religião, mas nem todos o avaliam desta forma. Em depoimento à reportagem da BBC Brasil, um advogado que preferiu não se identificar, a religiosidade e um “senso de justiceiro” interferem na atuação de Bretas como juiz, que considera “desequilibrada”. “Ele tem a Bíblia sobre a mesa, e não a Constituição Federal”, afirma. “Ele julga as pessoas como se fosse emissário de uma divindade, decidindo se perdoa ou não perdoa”, critica.

Em 2019, Marcelo Bretas fez postagem no Twitter, questionando a independência entre os Poderes da República. Ele fez oposição entre um filósofo do Iluminismo, Montesquieu, e suas orientações históricas no campo do poder público, e Isaías, um profeta da Bíblia.

O juiz, mais recentemente, passou a expor alinhamentos políticos e foi marcado por envolvimento em diversas polêmicas. Em 2018, esteve em controvérsia no Twitter sobre a questão do auxílio-moradia. Uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 2014, proíbe o pagamento do benefício para os dois membros de um casal, mas a Folha de S. Paulo, em matéria, em 2018, revelou que Bretas e sua esposa, também juíza, que têm imóveis próprios, recebiam o auxílio de R$ 4.377,00 cada um, alcançado depois de entrarem com ação na Justiça contra a resolução do CNJ.

No mesmo ano de 2018, a revista Piauí publicou reportagem com o levantamento do patrimônio imobiliário construído pelo casal no valor de 6,4 milhões de reais, que inclui imóveis comerciais e três apartamentos residenciais na Zona Sul carioca, sendo que o que serve de residência para o casal foi adquirido no valor de R$ 5 milhões.

Ao longo da campanha para as eleições presidenciais de 2018, Bretas curtiu algumas postagens do então presidenciável Jair Bolsonaro (PSL), e compartilhou notícias que promoviam o candidato. Uma delas apresentava pesquisa eleitoral em que Jair Bolsonaro aparecia na frente, sobre a qual Bretas acrescentou os dizeres: “É chegada a hora da decisão. Participemos todos do processo eleitoral. Informe-se e escolha seus candidatos”. Em outro momento, o juiz curtiu uma publicação do próprio candidato em que exaltava o sistema educacional na Coreia do Sul.

“Sou livre para ‘curtir’ postagens, inclusive de candidatos a cargos políticos. Já ‘curti’, inclusive, postagens de outra candidata ao mesmo cargo”, disse o juiz, em referência a Marina Silva (Rede)”. De acordo com a lei da magistratura, juízes são proibidos de se manifestar sobre política. Diante das críticas, que avaliam o apoio a Bolsonaro por questões ideológicas mas também por interesses do juiz em nomeação futura para o Supremo Tribunal Federal, Marcelo Bretas apagou as postagens.

Em janeiro de 2019, depois das eleições, Bretas revelou apoio tanto ao presidente Jair Bolsonaro quanto ao governador eleito do Rio de Janeiro Wilson Witzel. Registrou aplausos à convocação feita por Bolsonaro a seus seguidores para a posse, e postou uma foto apertando a mão de Witzel e desejando-lhe sucesso. “Que Deus o oriente e abençoe”, escreveu.

Foto publicada no perfil do Instagram de Marcelo Bretas em 1 de janeiro de 2019

O caso do juiz Marcelo Bretas noticiado pelo Gospel Mais

O caso julgado pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (RJ e ES), noticiado pelo site Gospel Mais, diz respeito ao comportamento do juiz Marcelo Bretas, por meio da participação dele, em 15 de fevereiro de 2020, ao lado do presidente Jair Bolsonaro e do prefeito do Rio de Janeiro Marcelo Crivella, da inauguração da ligação da Ponte Rio-Niterói com a Linha Vermelha e de um evento da Igreja Internacional da Graça de Deus, na Praia de Botafogo.

Marcelo Bretas (em destaque) na inauguração de ligação da Ponte Rio Niterói com a Linha Vermelha. (Imagem: Tomaz Silva/ Agência Brasil)

A representação ao TRF2 (ao qual o juiz está submetido), contra a postura que compromete o papel de juiz, foi feita pelo Conselho Federal da OAB ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no mesmo fevereiro de 2020. O então Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Humberto Martins, determinou que a Corregedoria Regional da 2ª Região apurasse as acusações.

Após apuração, o julgamento do caso ocorreu em 17 de setembro de 2020, pelo Órgão Especial do TRF2. Por 12 votos a 1, os ministros concluíram que Bretas praticou os atos de superexposição e autopromoção e o condenou à pena de censura. As condutas são proibidas pelos artigos 3º, II, “a” e “b”, e 4º, IV, da Resolução 305/2019 do Conselho Nacional de Justiça, e 13 do Código de Ética da Magistratura.

O relator do caso, desembargador Ivan Athié, afirmou que os eventos não tinham relação com o Poder Judiciário, para justificar a presença de um juiz. Portanto, a participação de Bretas ao lado de Bolsonaro e Crivella representou sua proximidade com os políticos, o que coloca em xeque sua imparcialidade. O desembargador acrescentou que o juiz fez questão de divulgar os eventos em suas mídias sociais.

“Registro minha admiração pelo sr. ministro general Heleno”, escreveu Bretas no Instagram, em postagem durante a inauguração na ligação da Ponte Rio- Niterói, em 15 de fevereiro de 2020.

O Ministro Athié também apontou que Bretas entrou em contradição ao alegar que não sabia que haveria a inauguração da ligação da ponte Rio-Niterói com a Linha Vermelha, mas só o culto evangélico. Isso porque o próprio juiz anexou, em sua defesa, documento do gabinete pessoal da Presidência da República que informava a ocorrência do evento. Dessa maneira, o relator entendeu que Marcelo Bretas praticou os atos de superexposição e autopromoção.

No entanto, o magistrado não acatou parte da representação da OAB que afirmava que o juiz exerceu atividade político-partidária. Athié entendeu que acompanhar presidente ou prefeito em inauguração de obra pública fora do período eleitoral não configura essa infração, conforme precedente do Conselho Nacional de Justiça.

O vice-presidente do Órgão Especial, desembargador Messod Azulay Neto, ressaltou que Marcelo Bretas não poderia ir aos eventos, pois ele transmitiu a imagem de representar o Judiciário, o que só poderia ser feito pelo presidente do TRF-2 Reis Friede, ou quem fosse indicado por ele. Discordando de Athié, Azulay Neto entendeu que a presença de Bretas em eventos ao lado de Bolsonaro e Crivella representa, sim, apoio a esses políticos. O desembargador também criticou a exposição excessiva do juiz federal.

“Eu não sei dizer o nome, por exemplo, do juiz da “Lava Jato” de São Paulo ou de Brasília. Nunca vi os desembargadores Abel Gomes, relator, Paulo Espírito Santo, revisor, ou Ivan Athié, que integram a 1ª Turma Especializada do TRF-2 [que julga processos da Operação], se manifestarem sobre qualquer processo da ‘Lava Jato’. Isso é um comportamento adequado.”

Desembargador Messod Azulay Neto

O desembargador federal Guilherme Couto de Castro afirmou que o procedimento administrativo disciplinar contra Bretas não enfraquece a Operação Lava Jato, e sim, reforça a imagem republicana do Judiciário.

A desembargadora Simone Schreiber disse que diversos corregedores do TRF-2 alertaram Bretas anteriormente sobre o risco de seu comportamento para a imagem da Justiça.

“Por cuidar da ‘Lava Jato’, que tem vários políticos envolvidos, a sua [de Bretas] responsabilidade é aumentada. Ele deve se conduzir de maneira reservada, se preservar, não permitir que políticos capitalizem para si resultados da ‘Lava Jato’. Não pode parecer que está dando apoio a segmentos políticos. Isso gera descrédito sobre a atuação do tribunal”

Desembargadora Simone Schereiber

Ela também opinou que magistrados não deveriam ter poder para decidir a destinação de recursos recuperados em processos. Segundo a desembargadora, isso permite uma aproximação indevida de juízes com políticos, como ocorreu com Bretas e militares, como o ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República Augusto Heleno, e políticos, como o prefeito Crivella. Simone Schreiber alerta que o presidente está sempre em atividade político-eleitoral, e que Crivella irá disputar a reeleição neste ano.

O TRF2 decidiu, por fim, que o juiz Marcelo Bretas praticou os atos de supexposição e auto-promoção e prejudicou a imagem da Justiça. De acordo com a Lei Orgânica da Magistratura (Loman), a pena de censura será aplicada reservadamente, por escrito. “O juiz punido com a pena de censura não poderá figurar em lista de promoção por merecimento pelo prazo de um ano, contado da imposição da pena.” Por fim, não foi aplicada pena para imputação de prática de atividade político-partidária que resultaria em punição mais severa.

Avaliação

O Coletivo Bereia ouviu o jurista, professor de Direito Internacional da Universidade de Brasília e ex-Ministro da Justiça Eugênio Aragão sobre o caso. Ele declara que:

“A punição do juiz federal Marcelo Bretas pelo TRF 2, uma iniciativa correcional, que foi provocada pela OAB Federal, se deu em virtude do juiz se comportar de forma absolutamente incompatível com o decoro do cargo. O juiz não poderia, como personagem isento e imparcial, que deva ser, se reunir com o Presidente da República, publicamente, em ato ostensivo de apoio político”.

Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça

Sobre a possibilidade de perseguição religiosa, Eugênio Aragão afirma:

“Dizer que ele teria sido alvo desta medida sancionatória, em virtude da sua religião, porque teria participado de um culto religioso com Jair Bolsonaro, seria uma tremenda de uma distorção. Poderia ser um culto religioso, poderia ser a inauguração de uma placa, poderia ser a passagem de vista numa tropa, poderia ser qualquer coisa. Este tipo de apoio político é que é incompatível com a atitude que se espera de um magistrado. Absolutamente incompatível”.

Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça

Bereia ouviu também a Dra. Tânia Maria de Oliveira, assessora jurídica no Senado, pesquisadora do Grupo Candango de Criminologia, da Universidade de Brasília e integrante da Coordenação Executiva Nacional da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia. A jurista orienta:

“Não há o que falar de qualquer conteúdo de perseguição religiosa e nem tão pouco de atentado à liberdade de expressão. O juiz Marcelo Bretas participou de eventos de inauguração de obra, que é inerente à atuação do Poder Executivo, e não tem nenhuma relação com a atuação do Poder Judiciário. Logo, assume o caráter de participação política e não de atuação de um magistrado que esteja no campo da licitude e até de sua liberdade de manifestação. Houve até a manifestação de alguns desembargadores, dizendo que diversos corregedores do TRF alertaram Marcelo Bretas sobre o risco do seu comportamento para a imagem da Justiça”.

Dra. Tânia Maria de Oliveira, assessora jurídica no Senado Federal

Sobre o que significa esta decisão do TRF2 para o momento em que vive o Brasil, o ex-Ministro da Justiça Eugênio Aragão avalia:

“Está corretíssimo, neste momento no Brasil, em que as coisas estão fora do lugar, punir um juiz por causa disto. Temos que dar um basta a este tipo de ativismo judicial político. O Judiciário não é lugar de se fazer política partidária. Se quiser fazê-lo, saia de seu cargo e vá concorrer a um cargo eletivo, assim como o ex-juiz Wilson Witzel fez, e que talvez o ex-juiz Sérgio Moro venha a fazer, mas não faça política enquanto investido no cargo. Este é o recado dado com toda propriedade pelo Tribunal Federal Regional da 2ª Região”.

Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça

Já a assessora jurídica do Senado e pesquisadora do Direito Tânia Maria de Oliveira indica:

“Esta ação importa, na verdade, porque existem hoje práticas realmente nefastas para a administração da Justiça e até para a aplicação da boa justiça por determinados juízes, que adotam comportamentos iminentemente políticos e em busca de notoriedade. O Brasil, infelizmente, tem vivenciado muito isto nos últimos tempos. É muito importante que o TRF 2, ao qual o juiz Bretas é ligado, esteja prestando atenção à atuação dele, desviante, em busca de notoriedade, e tenha, neste caso, aplicado uma pena que é branda, de censura, mas que importa para se saber que a atuação dele tem sido verificada e acompanhada pelos desembargadores ao qual ele é vinculado”.

Dra. Tânia Maria de Oliveira, assessora jurídica no Senado Federal

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Com base nesta verificação, o Coletivo Bereia classifica a matéria do Gospel Mais sobre a punição recebida pelo juiz Marcelo Bretas como enganosa. O site de notícias evangélicas reporta um caso de fato ocorrido, a punição do juiz, mas distorce a informação para levar leitores/as à noção de que ele foi punido simplesmente por ter participado de um culto evangélico, o que se caracterizaria como perseguição religiosa. Além disso, Gospel Mais emite opinião embutida em material que se apresenta como noticioso, ao atribuir ao presidente da OAB, autora da representação contra o comportamento do juiz, motivação político-partidária no ato. A matéria também não explica aos leitores/as em que bases se deu a decisão do TRF2, nem reportou os antecedentes na postura de Marcelo Bretas que levaram a tal representação, julgada com punição, que em nada têm relação com religião.

O Coletivo Bereia segue indicando a leitores e leitoras que uma forma de enfrentar a disseminação de desinformação, como a que está indicada nesta notícia do Gospel Mais, é não se conformar com o que veicula apenas uma fonte, mas verificar o que outros veículos noticiosos credenciados informam, como foi feito nesta matéria desenvolvida pelo Coletivo Bereia.

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Referências

BBC Brasil, https://www.bbc.com/portuguese/brasil-47661834. Acesso em: 21 set. 2020.

UOL, https://conteudo.imguol.com.br/blogs/52/files/2016/11/17nov2016-decisao-calicute-p1.pdf. Acesso em: 21 set. 2020.

UOL, https://conteudo.imguol.com.br/blogs/52/files/2016/11/17nov2016-decisao-calicute-p2.pdf. Acesso em: 21 set. 2020.

Folha de S. Paulo, https://outline.com/4u8dAp. Acesso em: 21 set. 2020.

Piauí, https://piaui.folha.uol.com.br/incomum-decisao-pro-bretas-envolveu-falha-judiciaria/. Acesso em: 21 set. 2020.

Veja, https://veja.abril.com.br/politica/com-saida-de-moro-do-pareo-quem-sao-os-candidatos-a-vaga-no-stf/. Acesso em: 21 set. 2020.

Conjur, https://www.conjur.com.br/2020-set-17/trf-condena-bretas-participar-atos-lado-bolsonaro. Acesso em: 21 set. 2020.

Lei Orgânica da Magistratura Nacional, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp35.htm. Acesso em: 21 set. 2020.

Grupo de mídia evangélica que pertence a senador bolsonarista é um dos que mais dissemina desinformação, afirmam pesquisadores

Reproduzimos, na íntegra, a reportagem publicada pela agência de jornalismo investigativo Pública, na qual o Coletivo Bereia foi ouvido através de sua editora-geral, Magali Cunha, e da jornalista Juliana Dias. Além da fala das especialistas, foi citado também o trabalho de verificação de fatos feito por Bereia durante a pandemia do coronavírus que identificou desinformação em matérias do site Pleno.News.

*Publicado originalmente pela Agência Pública. Reportagem assinada por Ethel Rudnitzki e Laura Scofield.

“Sol forte pode matar coronavírus em 34 minutos.” Essa é uma das manchetes enganosas publicadas pelo site Pleno.News durante a pandemia de coronavírus. 

O site, que promete em seu slogan “notícias de verdade”, é na realidade “um dos portais religiosos que mais publica material desinformativo”, segundo a jornalista Magali Cunha, doutora em ciências da comunicação e integrante do Coletivo Bereia – uma iniciativa de checagem de fatos publicados em mídias religiosas. O Bereia já encontrou diversos conteúdos falsos, enganosos e imprecisos nos textos do portal, segundo a pesquisadora. “A questão não é fake news apenas, é desinformação. Que confunde, direciona”, explica.

Fundado em 2017, o Pleno.News representa a nova cara do Grupo MK – uma das maiores empresas de mídia evangélica no país –, que tem investido em canais digitais e tem conexões políticas notórias.

Conhecido pela atuação no ramo da música gospel – com a gravadora MK Music e a Rádio 93 FM –, o grupo pertence à família do senador Arolde de Oliveira, presidente do PSD no Rio de Janeiro. Sua esposa, Yvelise de Oliveira, é a CEO da empresa e a filha, Marina de Oliveira, é uma das principais artistas agenciadas pelo grupo, que também é responsável por lançar no cenário da música gospel nomes como Aline Barros, Fernandinho, Bruna Karla e a deputada e pastora Flordelis, que recentemente recebeu muita atenção da mídia por estar sendo acusada de assassinar o marido. 

Com a chegada da internet e dos suportes digitais, a receita da MK – que era majoritariamente gravadora de CD/DVD – caiu muito e a empresa decidiu mudar seus investimentos. “Nós construímos então todas essas plataformas e nos tornamos em uma empresa essencialmente digital”, disse em entrevista à Agência Pública o senador Arolde de Oliveira. 

Aproveitando a credibilidade e a fama que a MK tinha entre o público evangélico, a empresa decidiu fundar então o Pleno.News, no qual a maioria das publicações é voltada ao noticiário político nacional sob a ótica conservadora – e por vezes enganosa –, deixando em segundo plano o cenário gospel. Além do Pleno, a MK passou a oferecer serviços digitais como a monetização e administração de canais de YouTube – MK Network. Entre os clientes estão artistas gospel e políticos como o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos).

Desde agosto de 2018, a MK News gerencia o canal do YouTube do filho do presidente “de forma a potencializar o número de visualizações e inscritos”, conforme anunciado pela empresa. O canal de Flávio recebeu dinheiro público em anúncios da Secretaria de Comunicação do governo federal, como revelamos nesta reportagem. “A chegada do Flávio tem um grande significado, um marco nessa virada [digital]”, afirmou na época o deputado federal Arolde de Oliveira.

Além de Flávio, a MK presta esse serviço para outros três parlamentares – o senador Álvaro Dias, o próprio Arolde de Oliveira e a deputada Flordelis, em seu canal musical. Questionados, os parlamentares não responderam sobre a vigência de seus contratos com a MK, os serviços prestados e a origem dos pagamentos. A reportagem não encontrou registros de uso de dinheiro público para a contratação da MK pelos deputados. 

Arolde, Bolsonaro e MK: uma só campanha

A radicalização política do Grupo MK coincide com a aproximação do senador Arolde de Oliveira à família Bolsonaro. Deputado constituinte e convertido à Igreja Batista, o atual senador foi um dos primeiros parlamentares a representar a bancada evangélica no país. “O orgulho em ser evangélico vem do fato de que deixamos de ser minoria”, revelou em entrevista à repórter Andrea Dip para o livro Em nome de quem? A bancada evangélica e seu projeto de poder. “No meu primeiro mandato, nós éramos meia dúzia de evangélicos”, lembrou, projetando que o segmento seria um terço da Câmara na legislatura seguinte.

Apesar de representar uma parcela conservadora da sociedade, Arolde passou por quatro legendas em sua carreira (PDS; DEM, antigo PFL; PSC e PSD), todas ligadas ao chamado “centrão”. Foi deputado federal pelo Rio de Janeiro de 1984 até 2018, mantendo relações próximas com políticos cariocas como Anthony Garotinho e Pezão.

Em 2018, contrariou a cúpula de seu partido (PSD) para apoiar a candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência. Com um discurso de negação da velha política, foi eleito senador ao lado de Flávio. “Nós [Arolde e Jair Bolsonaro] temos o mesmo pensamento, a mesma formação. Ele é capitão do Exército, eu sou capitão do Exército. Depois eu fiz economia, engenharia, outros cursos, mas o pensamento é o mesmo, e continua o mesmo”, comparou.

Em foto publicada nas redes sociais, Flordelis e Arolde de Oliveira declaram apoio a Jair Bolsonaro na campanha pela presidência.

A proximidade de Arolde com Bolsonaro fortaleceu tanto a campanha eleitoral do senador quanto a do próprio presidente. “A estratégia da campanha dele [Bolsonaro] era manter o discurso e usar rede social, que era onde ele tinha espaço. Ele não tinha espaço na mídia vertical intermediada e tradicional”, conta Arolde, que participou de reuniões da pré-campanha do candidato à Presidência. Ele revela que usou a mesma estratégia na sua campanha para senador. “Fui para o Facebook e impulsionei para o público evangélico. Mandei mensagem para o conservador”, disse. 

A aproximação com os políticos – em especial os do clã Bolsonaro – também faz parte da marca do Pleno.News. Em editorial publicado no dia 8 de abril, a editora-chefe do portal, Virgínia Martin, escreveu: “Se eu defendo Bolsonaro? Sim. Somos Pleno.News. E somos todos pela figura incomum deste presidente”.

A imagem de Bolsonaro é usada também para promoção do portal, que tem investido nas redes sociais. “Notícias do presidente Bolsonaro e do governo sem fake news”, diz um dos dez anúncios do Pleno.News veiculados entre janeiro e junho de 2020 no Facebook. 

Anúncios veiculados pelo site Pleno.News no Facebook entre janeiro e junho de 2020 não escondem apoio do portal ao presidente Jair Bolsonaro

A jornalista Juliana Dias, integrante do Coletivo Bereia, foi coordenadora do portal ElNet, que precedeu o Pleno.News em 2002. Ela afirma que os conteúdos de cunho político se tornaram mais explícitos no site recentemente. 

“A lógica era sempre produzir notícias relacionadas com temas da fé cristã, […] uma lógica de repercutir notícias atuais com uma ótica religiosa, mas não havia tanto partidarismo”, recorda. “Não é uma questão de defender o presidente Bolsonaro, nós damos notícias conservadoras”, defende o senador e dono do Grupo MK, Arolde de Oliveira. 

A pesquisadora Magali Cunha rebate o argumento de Arolde. Para ela, a campanha de Bolsonaro foi “nitidamente articulada por grupos como o MK”, com forte participação de portais de notícias religiosas, como o Pleno.News, além de outros exemplos, entre eles o Gospel Prime, o Gospel Mais e o Conexão Política. “Tanto que o governo Bolsonaro financia esses portais por meio de anúncios pagos com dinheiro público até hoje”, analisa. 

O Pleno.News veicula banners de anunciantes e os vídeos no YouTube que são monetizados com propagandas financiadas com dinheiro público. No ano passado, o site veiculou anúncios da campanha Nova Previdência, da Secretaria de Comunicação do governo (Secom). 

O apoio a Bolsonaro fica claro também na participação de representantes do portal em eventos de comunicação de projetos do novo governo. Durante o lançamento da campanha “Aqui é Brasil”, em dezembro de 2019, a diretora financeira do grupo MK, Cristina Xisto, tirou fotos com o presidente Jair Bolsonaro e com o então ministro da Justiça Sergio Moro. O Pleno.News fez uma matéria sobre o evento.

As desinformações e escândalos do Grupo MK

Recentemente, o Pleno.News inaugurou colunas sobre política escritas por deputados bolsonaristas. Antes deles, os únicos políticos que assinavam textos de opinião no site eram o senador Arolde de Oliveira e o pastor Silas Malafaia, escrevendo majoritariamente sobre temas morais e religiosos. 

Os novos colunistas do portal, Bia Kicis e Carlos Jordy, são acusados de envolvimento em redes de desinformação e começaram a escrever para o portal em julho deste ano. A deputada é alvo de dois inquéritos no STF que apuram, respectivamente, a disseminação de notícias falsas e a organização de atos antidemocráticos. Nesse último, ela, o senador Arolde de Oliveira e outros três deputados tiveram seus sigilos bancários quebrados a pedido do ministro Alexandre de Moraes. 

Para o senador, ambos os inquéritos – sobre fake news e atos antidemocráticos – fazem parte do que ele chama de “aparelhamento do Estado”. “É o ativismo político de ministros do Supremo – o STF é uma instituição, mas alguns ministros estão fazendo essas coisas.”

O Pleno.News tem dado destaque a esse tipo de crítica contra ministros do Supremo. Na ocasião da quebra de sigilo de parlamentares no contexto do inquérito das fake news, o site deu ênfase às críticas de apoiadores do presidente: “Usuários de rede social pedem prisão de Alexandre de Moraes”, destacava uma manchete. Quando o ministro pediu o bloqueio de contas de Twitter de apoiadores do presidente, o site publicou “Web se revolta com censura e acusa: #STFVergonhaMundial”.

Corrente de Whatsapp divulga o portal Pleno.News ao lado de sites de fake news em oposição a veículos de imprensa

A pandemia de coronavírus também tem tido cobertura de destaque no portal. “Coronavírus – tudo que você precisa saber”, anuncia a página inicial do site. Porém, o portal tem veiculado uma série de conteúdos desinformativos sobre o tema, conforme relata Magali Cunha. Notícias sobre perseguição de cristãos na China, por exemplo, foram impulsionadas reativando um antigo debate sobre o comunismo. “Nessas narrativas, a China é colocada como o ‘lado do mal’, com o vírus vindo de lá”, explica. 

Conteúdos parecidos foram publicados também pelo site da Rádio 93 FM, outra empresa do Grupo MK, e no Twitter do senador Arolde de Oliveira. No dia 11 de agosto, em um tuíte no qual se refere ao covid-19 como “vírus chinês”, o parlamentar questionou o número de mortes causadas pelo coronavírus no Brasil. A postagem compara os óbitos registados no ano passado com os deste ano, mostrando que a diferença é menor do que os 100 mil. Além de ela não revelar a fonte dos dados, agências de checagem mostraram que esse tipo de comparação é enganosa. Ainda assim, a publicação recebeu mil curtidas e 300 retuítes. 

O senador rebate as acusações de fake news. “O Pleno é um canal conservador, só que as notícias são curadas. Nós não temos notícias mentirosas. Não temos fake e nós citamos a fonte”, afirmou.

Além das acusações de fake news, dois escândalos recentes envolveram artistas da gravadora MK Music. Investigações da polícia apontaram que o celular do pastor Anderson Carmo, que teria sido assassinado a mando de sua esposa, a pastora Flordelis, estava na casa de Arolde de Oliveira no dia do crime. Na época, Flordelis ainda tinha contrato com o selo. Segundo a polícia, o aparelho do pastor chegou a ser conectado ao wi-fi da residência. Arolde se disse “chocado e sem chão” diante da investigação, que ainda está em curso.

Questionado sobre a polêmica, o senador disse que a empresa está afastada de Flordelis desde o assassinato e que, com o indiciamento, o contrato com a pastora deve ser rescindido. “Era uma relação estritamente comercial que tínhamos com os cantores”, esclarece.

Com conteúdos de forte pauta moral, a MK Music lançou um clipe da cantora gospel Cassiane, acusado de romantizar a violência contra a mulher. Na produção, uma mulher sofre agressões do marido alcoólatra, mas entrega uma Bíblia e um bilhete dizendo que o perdoa, em vez de denunciar o agressor. Depois de ter recebido críticas, a cantora disse que o roteiro foi desenvolvido por Mariana de Oliveira, filha de Arolde. Uma nova versão do clipe foi lançada. Nela, a mulher agredida liga para o 180.

Grupo MK foi precursor no uso político de mídias evangélicas

Segundo Magali Cunha, conteúdos de cunho político começaram a ser propagados por portais religiosos no Brasil, de forma mais assertiva, a partir de 2010. “Naquela época acabava de ser introduzido o Plano Nacional de Direitos Humanos 3, que continha forte discussão da questão de gênero e aborto. Isso provocou reação de grupos religiosos conservadores, com uma onda de conteúdos contra a ex-presidente Dilma Rousseff, que se perpetuou até o impeachment”, recorda.

Em coluna publicada no dia 16 de julho, o senador Arolde de Oliveira corrobora essa tese. “A nossa causa [evangélica] requer a adoção de um esforço consciente e coordenado de todas as correntes contrárias ao processo de destruição encampado pelo governo a partir de 2003”, escreve. No texto, ele coloca como inimigos grupos como o Foro de São Paulo, se opõe a medidas como o Programa Nacional de Direitos Humanos 3 e ainda cita o mito do “kit gay”.

Mas, antes mesmo da fundação do Pleno.News, o grupo MK já veiculava conteúdos políticos em suas mídias. No início dos anos 2000, a empresa tinha uma revista impressa chamada Enfoque Gospel, na qual publicava conteúdos conservadores. A edição 16 da revista, de novembro de 2002, trazia como matéria de capa uma reportagem sobre o recém-eleito presidente Lula. “O que os evangélicos esperam dele” era a manchete.

Na rádio do Grupo MK, a 93 FM, “havia um trânsito intenso de políticos como Silas Malafaia, Magno Malta, Garotinho”, recorda Juliana Dias. Os artistas agenciados pela empresa também eram convidados a participar de eventos de entretenimento com cunho político. “Lembro muito do apoio que Garotinho teve dentro da rádio e pelos cantores gospel agenciados pela MK. Isso também aconteceu com o Pezão, Sérgio Cabral”, conta. 

O Grupo MK de Comunicação, que hoje permanece no rádio e no ambiente digital, já passou pela televisão. De 1999 ao início de 2007, a RedeTV! exibia semanalmente o programa Conexão Gospel. No programa, o então deputado federal Arolde de Oliveira conduzia o quadro “O cristão e a política”, em que respondia a “questões sobre cidadania” do público e se posicionava politicamente – especialmente a partir da eleição de Lula em 2003.

Em um programa de 2006, ano de eleições presidenciais, Arolde fez um pedido: “Que o leitor vote corretamente e elimine tudo aquilo que ele aprendeu, que ele conheceu nesse período de corrupção, e sabe exatamente como deve votar. Nós não vamos perder essa chance, se Deus quiser”. 

O número 2502, da caixa postal e final do telefone do programa, constantemente repetido pelos apresentadores, foi também o número com o qual Arolde de Oliveira concorreu e venceu a todas as eleições que disputou entre 1994 e 2010. 

Em entrevista à Pública, o senador admite que o uso do número no programa e na rádio fez parte de uma estratégia de comunicação. “A cultura do número subliminarmente na cabeça das pessoas. Associava a imagem ao nome. Quando chegava na eleição, era muito fácil as pessoas lembrarem.” Ele se defende dizendo que na época não havia proibição quanto a isso. “Nunca fiz em eleição o que não fosse permitido, nunca tive problema com a Justiça Eleitoral.”

A canção de abertura do quadro “O Cristão e a Política”, gravada por artistas da MK, se tornaria slogan e jingle para o candidato. 

“Unidos pelo amor construiremos um Brasil melhor. Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, postou Arolde em 2018 – a união entre seu slogan como candidato ao Senado com o de Jair Bolsonaro para a Presidência. Atualmente, a canção abre o debate diário da Rádio 93 FM.

Rádio 93 FM foi indiciada por uso político de concessão

No final de 2017 o Ministério Público Federal no Rio de Janeiro (MPF-RJ) apresentou uma ação civil pública que pede que a outorga da Rádio Mundo Jovem (93 FM), do Grupo MK de Comunicação, seja anulada, já que estaria sendo utilizada para “autopromoção” de Arolde de Oliveira.

A peça explica que Arolde foi sócio da rádio enquanto deputado federal por 18 anos, entre 1º de junho de 1993 e 28 de abril de 2011, “em desconformidade com o disposto no art. 54 da Constituição da República”. O artigo 54 afirma que deputados e senadores não podem “firmar ou manter contrato” com “empresa concessionária de serviço público” – como é o caso de veículos de radiodifusão. 

Em 2011, Arolde passou suas cotas para a filha, Marina de Oliveira. Porém, mesmo sem o nome entre os sócios, o MPF-RJ concluiu que o parlamentar continua sendo o “controlador e proprietário de fato” da rádio, que seria utilizada politicamente por Arolde. Sobre isso, o senador responde: “Aí tem que mostrar prova. Lenga-lenga, coisa de comunista isso aí”. Para ele, esse e outros processos que já enfrentou trata-se de “perseguições ideológicas, que não têm nenhum fundamento jurídico”.

Na ação, o procurador Sergio Gardenghi Suiama afirma que “as matérias publicadas a respeito do deputado no site da radiodifusora não deixam nenhuma dúvida a respeito do uso político do controle sobre a permissionária do serviço”. A investigação já foi encerrada e o processo aguarda sentença do juiz responsável, Adriano de Oliveira França, desde junho deste ano. 

Para Arolde, “a Constituição diz que parlamentar pode ser proprietário de emissora de rádio, desde que ele não seja o gerente”. Porém, a Constituição não apresenta essa situação; é o Código Brasileiro de Telecomunicações que determina que “quem esteja no gozo de imunidade parlamentar ou de foro especial” não pode exercer a função de “diretor ou gerente” de serviço de radiodifusão. A lei não escreve que parlamentares podem ser sócios ou proprietários de concessões de radiodifusão. 

Além da ação civil contra a Rádio Mundo Jovem, existem outras que pedem o cancelamento das licenças de rádio e TV pertencentes a parlamentares. Em 2015, 13 entidades da sociedade civil e o Ministério Público Federal em São Paulo protocolaram uma representação que citava 40 políticos de 19 estados. O documento deu início a investigações em diversos estados brasileiros, como São Paulo, Alagoas, Pará e Amapá. 

O então deputado Arolde de Oliveira foi alvo de campanha contra “coronéis da mídia”

O Coletivo Intervozes de Comunicação Social lançou a campanha “Fora Coronéis de Mídia”, que mirava a concentração de veículos de mídia nas mãos de políticos, o chamado “coronelismo eletrônico”. Cartazes com fotos dos “coronéis de mídia” foram espalhados por cidades brasileiras, Arolde entre eles. 

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Foto de capa: Fábio Rodrigues/Agência Brasil

Senador evangélico e jornalista manipulam números oficiais para negar as mais de 100 mil mortes por covid-19

O senador evangélico batista Arolde de Oliveira (DEM/RJ), proprietário do Grupo MK de Comunicação, publicou em seu perfil no Twitter, em 11 de agosto, informação falsa que procura negar a marca das mais de 100 mil mortes por coronavírus no Brasil.

O senador compara o número de óbitos no país de abril a julho de 2019, 437.433, com o número de óbitos no mesmo período em 2020, 491.336. Segundo ele, há um aumento de 53.903 mortes, o que não chegaria aos 100 mil. Ele diz que os inimigos do Brasil “comemoram” este número irreal de mortes, pelo que chama de “vírus chinês”, e estes deverão responder por crime de corrupção e de homicídio.

Estatísticas falsas e enganosas

Arolde de Oliveira se uniu a uma articulação que ocorre em mídias digitais, desde o início da pandemia, para negar os altos números de contaminados e mortos no Brasil, e retornou com força após anunciada a marca de 100 mil óbitos.

Em 2 de agosto, a jornalista e colunista do jornal Gazeta do Povo Cristina Graeml, publicou um vídeo intitulado “O pico da pandemia no Brasil”. Durante o vídeo, ela consulta o site do Registro Civil no Portal da Transparência, e afirma que os dados dos cartórios são inquestionáveis, pois a família precisa do atestado de óbito para o enterro ou cremação.

Segundo a jornalista, a maior incidência diária de morte por coronavírus teria sido em maio, especificamente no dia 25, quando foram registradas 997 mortes. Depois desse período, Cristina Graeml afirma que os números começaram a cair. Ela indica que entre junho e julho o número oscilou entre 700 e 900 óbitos.

A jornalista nota que, em 25 de julho, a queda começou a ser mais acentuada, com variação entre 600 e 400 registros. No dia 29 de julho foram alcançadas 304 mortes por dia. Ela diz não saber explicar o mistério sobre a diferença dos dados do Ministério da Saúde e dos cartórios. Ela ainda cita o levantamento feito pelo Registro Civil de óbitos por outras doenças, tais como AVC, infarto e insuficiências respiratórias, que teriam caído no primeiro semestre de 2020, em comparação com o primeiro semestre de 2019.

Ainda segundo o levantamento da jornalista, de março até julho de 2019, 90.52 pessoas morreram de pneumonia no Brasil (número similar às mortes registradas por covid-19). Nesse ano, no mesmo período, morreram 61 pessoas de pneumonia, 30% a menos do no ano anterior. Na opinião de Cristina Graeml, a diferença se dá porque essas 30 mil pessoas teriam contraído o coronavírus também, sendo esta considerada a causa da morte. Ao final, ela pergunta se os leitores preferem acreditar nos cartórios ou nos dados das secretarias estaduais e municipais de saúde. O vídeo tem 46 mil curtidas e 8,5 mil comentários. O vídeo circulou na semana que antecedeu o marco de 100 mil mortes por covid-19 no Brasil, 08 de agosto.

Em maio, período em a jornalista afirma ter sido o pico da pandemia, já havia circulado pelo WhatsApp uma informação de que os cartórios desmentem o número de óbitos das Secretarias de Saúde. O conteúdo foi verificado pela Agência Lupa, que concluiu ser falso. Mesmo assim, em agosto essa informação volta a circular em campanha de contestação do marco das 100 mil mortes.

Número oficial de óbitos

A publicação do senador Arolde de Oliveira não apresenta um elemento muito importante quando se tem a intenção de transmitir informação: a fonte. Ele não diz de onde provêm os números dos quais faz uso para negar a marca de mais de 100 mil mortes por coronavírus.

Ao que os números indicam, o senador pode ter feito uso dos números do Registro Civil no Portal da Transparência (plataforma que torna disponíveis os dados de registros de nascimentos, casamentos e óbitos dos cartórios brasileiros por ano, mês, região e estado). Mesma fonte do vídeo da jornalista Cristina Graeml.

O Coletivo Bereia consultou a plataforma em 13 de agosto e os números dos meses indicados pelo senador são:

Registros de óbitos no Brasil

Mortes registradas em cartório em cada mês (abril a julho)Número de óbitos 2019Número de óbitos 2020
Abril103.684112.469
Maio110.904129.448
Junho103.484128.918
Julho119.628121.841
Total437.700492.676
Diferença entre 2020 e 2019————–54.976
Fonte: Registro Civil • Dados obtidos em 13 de agosto de 2020, às 17h40.

É importante registrar que os dados oferecidos portal são oficiais e confiáveis, mas não são definitivos. No site há o esclarecimento de a família tem até 24 horas após um falecimento para registrar o óbito em cartório. Este, por sua vez, tem cinco dias para efetuar o registro do óbito e, ainda, mais oito dias para enviar a informação à Central Nacional de Informações do Registro Civil (CRC Nacional), que atualiza a base de dados. Esse processo, porém, pode demorar mais tempo, já que residentes de municípios com menos estrutura têm um prazo de até três meses para fazer o registro.

Nesse sentido, os dados são atualizados diariamente e ainda não estão consolidados. Um exemplo desta dinâmica, em que a plataforma constantemente altera os números, é a diferença dos que o senador Arolde de Oliveira utiliza em 11 de agosto e os que o Coletivo Bereia coletou, em 13 de agosto: 54.976 mortes a mais em 2020, em comparação com 2019. Houve um aumento em relação aos números utilizados pelo senador da Bancada Evangélica. Uma resposta simples, que consta no próprio Portal da Transparência, para o que a jornalista Cristina Graeml diz não saber explicar.

Segundo o projeto de verificação de notícias Aos Fatos, em matéria sobre o mesmo tema, no mês de maio, quando já circulava esta desinformação, mesmo desconsiderando os dados das duas semanas anteriores, a comparação também não deve ser feita, pois números antigos também são atualizados na plataforma. A informação vem de Marcelo Soares, jornalista e fundador da Lagom Data, consultoria de inteligência de dados. “Todo dia são incluídos muitos óbitos da última semana, vários óbitos do último mês e alguns óbitos de meses anteriores. Todo dia têm entrado óbitos de 2019 e dos primeiros meses de 2020”, afirmou Marcelo Soares.

Além disso, a postagem de Arolde de Oliveira omite que o próprio Registro Civil, ainda que em processos de atualização, apresentava, no dia 11 de agosto (dia da publicação do senador no Twitter) o número oficial de 95.250 óbitos registrados decorrentes da Covid-19. O número se aproxima do que foi oficialmente divulgado pelo Ministério da Saúde no mesmo dia 11 de agosto: 103.026. A mesma omissão é feita pela jornalista Cristina Graeml.

O senador Arolde de Oliveira e a jornalista da Gazeta do Povo se unem a grupos e indivíduos que atuam para negar a gravidade da pandemia no país, fazendo uso de manipulação de números oficiais. Nos últimos dias, depois que o Brasil bateu a marca de 100 mil mortos, houve intensificação destas postagens em mídias sociais. Esta prática de apoiadores e até de membros do governo federal vem ocorrendo durante todo o período da pandemia e já foi tratada pelo Coletivo Bereia.

O Brasil ultrapassou a marca de 105 mil mortos por Covid-19 na segunda semana de agosto e o número pode ser ainda maior, uma vez que a confirmação da causa dos óbitos demora muitos dias e há o problema da subnotificação. A própria agência de notícias do governo, a Agência Brasil, já noticiou sobre isto.

Incitação ao ódio e à xenofobia

Além de desinformativa, a postagem do senador evangélico ainda afirma que há pessoas, inimigas do Brasil, “comemorando” a tragédia de 100 mil mortos, sem indicar a quem se refere. O Coletivo Bereia pesquisou manifestações em mídias sociais de diferentes lideranças políticas, dentro e fora do Brasil, e não localizou qualquer tipo de celebração relativa ao número de mortes por Covid-19 ter alcançado taxa tão alta. Pelo contrário, foram verificadas diferentes expressões de pesar em nível individual e coletivo. Entre religiosos, inclusive, há a campanha Lamento 100 mil, assunto de matéria do Bereia. Este tipo de discurso a que o senador se dedica é fonte de incitação de ódio a quaisquer pessoas que fazem oposição ao governo federal

O senador ainda omite a expressão oficial para se referir à pandemia, coronavírus ou Covid-19, e escolhe o termo “vírus chinês”, reforçando a expressão difundida pelo presidente dos Estados Unidos Donald Trump a partir de março e já utilizada, publicamente, no Brasil pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro, sob muitas críticas. Utilizar a expressão “vírus chinês” pode ser um ato de apoio aos Estados Unidos na guerra comercial deste com a China, apesar de o país asiático ser, atualmente, o maior parceiro do Brasil neste campo. Pode ser, ainda, uma expressão de xenofobia, de racismo contra asiáticos, o que também já foi expresso por uma figura pública, o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub e tornou-se motivo de inquérito no Supremo Tribunal Federal. Lian Tai, filha de chineses que vieram para o Brasil ainda crianças, trata sobre o tema da xenofobia contra a China em artigo.

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O Coletivo Bereia classifica a postagem do senador Arolde de Oliveira e o vídeo da jornalista Cristina Graeml como falsos, pois manipulam números oficiais de cartórios para confundir e fazer seguidores/as desacreditarem da gravidade da covid-19 refletida nos próprios números do Ministério da Saúde que não podem ser ocultados. Bereia alerta ainda leitores e leitoras para os males sociais de conteúdos em mídias que incitam o ódio e a xenofobia.

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Referências

Gazeta do Povo, https://www.facebook.com/watch/?v=290979372126324. Acesso em 16 ago 2020.

Portal da Transparência – Registro Civil, https://transparencia.registrocivil.org.br/registros Acesso em 13 ago 2020

Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6015compilada.htm Acesso em 13 ago 2020

Aos Fatos, https://www.aosfatos.org/noticias/numero-de-registros-de-obitos-no-brasil-em-abril-nao-foi-menor-que-em-2019-e-2018/ Acesso em 14 ago 2020

Ministério da Saúde, Coronavírus Brasil, https://covid.saude.gov.br/ Acesso em 14 ago 2020

Agência Brasil, https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-07/medicos-veem-subnotificacao-em-casos-e-mortes-por-coronavirus. Acesso em 14 ago 2020

BBC Brasil, https://www.bbc.com/portuguese/brasil-51963251 Acesso em 14 ago 2020

G1, https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/04/29/stf-abre-inquerito-para-investigar-weintraub-por-suposto-racismo-contra-chineses.ghtml Acesso 14 ago 2020

Opera Mundi, https://operamundi.uol.com.br/opiniao/63865/virus-chines-e-o-racismo-contra-asiaticos-no-brasil Acesso em 14 ago 2020

Câmara da França não aprovou aborto até 9° mês de gestação

O portal gospel Pleno News reproduziu em português, no último 11 de agosto, notícia do site da organização britânica “The Christian Institute”, publicada na mesma data em inglês. Segundo a matéria, a Assembleia Nacional da França, equivalente à Câmara dos Deputados no Brasil, aprovou, na primeira semana de agosto de 2020, uma emenda pró-aborto que pode permitir que bebês em gestação sejam abortados em qualquer momento da gravidez, seja ele o primeiro ou o último mês.

A notícia original em inglês, reproduzida na íntegra em português, afirma que a medida permitiria a realização do aborto, sob demanda, até o nascimento para mães que sofram de “problemas psicossociais”, sem qualquer restrição. O texto indica que há críticas quanto ao termo genérico “problemas psicossociais”, o que poderia permitir uma liberdade para aprovar o procedimento.

No dia seguinte à publicação do Pleno News, em 12 de agosto, o projeto de verificação de notícias do jornal O Estado de São Paulo, Estadão Verifica, veiculou matéria indicando a não veracidade da notícia e seu caráter desinformativo.

Segundo o Estadão Verifica, a notícia passou a ser divulgada a partir de 10 de agosto em sites pró-vida internacionais, sites e postagens de brasileiros, como o Pleno News. Segundo o projeto de verificação, a publicação sobre o assunto que mais viralizou recebeu 35 mil compartilhamentos no Facebook.

O tema do aborto é sempre motivador para propagação de desinformação, afeta subjetividades e emoções. A notícia foi publicada por mídias de notícias já conhecidas como desinformativas, como a Gazeta do Povo, a Gazeta Brasil, o Terça Livre, o MBL News, entre outras, e se espalhou facilmente pelas mídias sociais, inclusive de políticos. Entre estes está o vereador católico de São Paulo Fernando Holiday (Patriota) que fez uso do Twitter para divulgar o caso:

A matéria do Estadão Verifica explica que, na verdade, o caso diz respeito a uma emenda de texto mais amplo em tramitação na Assembleia Nacional da França (a emenda 524), que se refere à interrupção da gravidez por motivos médicos, o que já é liberado naquele país em qualquer etapa da gestação. O texto ainda será votado novamente pelo Senado, para, depois ser considerado na Assembleia Nacional mais uma vez e sancionado pelo presidente Emmanuel Macron para passar a vigorar.

Processo em curso

O Estadão Verifica esclarece que, de tempos em tempos, os deputados e senadores franceses são convocados a rever a legislação que diga respeito à bioética. Os parlamentares precisam considerar a evolução “dos problemas éticos e das questões sociais” pautados pela “biologia, medicina e saúde”. A lei em questão foi aprovada em 1994 e já foi renovada duas vezes, no mesmo processo: em 2004 e 2011. A etapa de atualização em curso já foi adotada em primeira votação pela Assembleia Nacional em outubro de 2019, passou pelo Senado, onde foi aprovado em primeiro turno em 2 de julho de 2020, mas teve que voltar para a Assembleia por conta das modificações. Houve novas alterações e a matéria foi aprovada em segundo turno no último 31 de julho. Foram 60 votos a favor, 37 contra e 4 abstenções. A imprensa na França destacou outros pontos desta nova legislação: o acesso de mulheres solteiras e casais de mulheres homoafetivas à procriação médica assistida. Com estas alterações, o projeto de lei volta para apreciação do Senado, o que implica dizer que ele ainda não foi aprovado.

O Estadão Verifica também informa que o Código de Saúde Pública francês já diferencia a interrupção voluntária da gravidez (IVG) da interrupção médica da gravidez (IMG). A IVG é legalizada até a 12ª semana de gestação. Já a IMG pode ser realizada em qualquer etapa da gravidez, mas só pode ser realizada em caso de “grave perigo para a saúde da mulher” ou de diagnóstico de que o feto tenha “condição de gravidade particular reconhecida como incurável”.

Conteúdo enganoso

A emenda que gerou desinformação é a 524, que é defendida pela Delegação dos Direitos da Mulher. A proposta é incluir no texto da legislação que o perigo grave “pode resultar de um estresse psicossocial”, o que seria importante para “esclarecer o quadro jurídico” que orienta a conduta médica ao realizar a IMG. Outras duas emendas na mesma direção foram propostas por duas deputadas da mesma Delegação. Mais detalhes são oferecidos pelo Estadão Verifica.

Nenhum destes esclarecimentos é oferecido aos leitores por Pleno News ou por sua fonte, o The Christian Institute. Nesse sentido, o Coletivo Bereia classifica a publicação destes veículos como enganosa. Eles fazem uso de um fato ocorrido e distorce a informação para levar leitores/as a pensarem que a França aprovou o aborto livremente do primeiro ao último mês de gestação. Além de ainda estar em tramitação, o caso diz respeito a uma emenda de lei francesa que trata de muitos outros aspectos referentes à saúde de mulheres, o que também é omitido para os leitores.

Um acréscimo: o Coletivo Bereia também chama seus leitores e leitoras que desinformação pode ser verificada pelo uso à razão. A emoção que certos temas geram acaba impedindo, por vezes, o raciocínio que revela falsidades e enganos. Para desconfiar desta notícia, bastaria fazer a pergunta: como uma mulher poderia abortar um bebê bem formado a partir do sexto mês, espontaneamente? Como seria aos nove meses?! A razão indica que uma mulher que deseja abortar não esperaria tantos meses com a criança no ventre para fazê-lo. Ainda que assim fosse, retirar um bebê do corpo por livre desejo, e não por motivos médicos, a esta altura de uma gestação, significaria um parto seguido de assassinato, o que não seria permitido.

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Referências de checagem

Estadão Verifica, https://politica.estadao.com.br/blogs/estadao-verifica/assembleia-nacional-francesa-nao-liberou-aborto-voluntario-ate-o-nono-mes-de-gestacao/?amp&__twitter_impression=true Acesso em 13 ago 2020.

MPF aciona Valdemiro Santiago e Ministério da Saúde por anúncio de falsa cura da Covid-19. Bereia já verificou o caso

*Do MPF, com adaptações

Alerta de fake news removido do site do Ministério da Saúde (Foto: saude.gov.br)

O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma ação civil pública para que o pastor evangélico intitulado Apóstolo Valdemiro Santiago e a Igreja Mundial do Poder de Deus paguem pelo menos R$ 300 mil de indenização por danos sociais e morais coletivos. A cobrança se deve à divulgação de vídeos nos quais o religioso anunciava a venda de sementes de feijão com a falsa promessa de que, se cultivadas, elas curariam a covid-19. Valdemiro chegou a citar o caso de um fiel cuja recuperação plena da doença usando os feijões estaria comprovada por um atestado médico.

O Ministério da Saúde, representado pela União, também responderá à ação por ter removido de seu site uma mensagem de alerta contra os anúncios enganosos de Valdemiro. A publicação, feita após pedido do MPF, ficou no ar durante poucos dias, foi removida sem explicações e não voltou mais à página da pasta.

O MPF destaca que o líder da Igreja Mundial do Poder de Deus incorreu em prática abusiva da liberdade religiosa, ao colocar em riscos a saúde pública e induzir fiéis a comprarem um produto sem nenhuma eficácia comprovada. As sementes foram anunciadas em três vídeos veiculados no YouTube por preços que alcançavam R$ 1 mil cada. Segundo Valdemiro, a simples germinação dos grãos teria o poder de curar a covid-19.

“A dignidade da proteção constitucional que tutela a liberdade religiosa não constitui apanágio para a difusão de manifestações (ilegítimas) de lideranças religiosas que coloquem em risco a saúde pública, que explorem a boa-fé das pessoas, com a gravidade adicional de que isso ocorre com a reprovável cooptação de ganhos financeiros, pois ancorados em falsa premissa terapêutica, às custas da aflição e do sofrimento que atinge a sociedade”, ressaltou a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC-SP), órgão do MPF em São Paulo responsável pela ação.

Fake news

O MPF quer que a Justiça Federal conceda uma liminar obrigando o Ministério da Saúde a republicar a mensagem sobre a falsidade das informações anunciadas pelo pastor. O alerta para “fake news” havia sido veiculado no site da pasta em junho. Porém, um dia depois de o MPF divulgar que a requisição dos procuradores para a publicação havia sido acatada, o conteúdo tornou-se indisponível e desde então permanece fora do ar, apesar de solicitação para que a página fosse restabelecida. O MPF pede ainda que seja estabelecido ao Ministério da Saúde o dever de identificar quem foi a autoridade que determinou a remoção da mensagem.

“O Ministério da Saúde informa que não há, até o momento, produto, substância ou alimento que garante a prevenção ou tratamento do novo coronavírus. Conforme determinação do Ministério Público Federal, o Ministério da Saúde esclarece que é falso que o plantio de sementes de feijão, comercializadas pelo líder da Igreja Mundial do Poder de Deus, Valdemiro Santiago, leva à cura ou serve para prevenção da covid-19”, dizia o alerta removido do site. A mensagem era acompanhada de um selo que advertia: “Isto é Fake News! Esta notícia é falsa – Não divulgue”.

Por fim, a ação do MPF requer a concessão de uma ordem judicial dirigida à Google Brasil, responsável pelo YouTube. Os procuradores pedem que a empresa seja obrigada a preservar a íntegra dos vídeos (já removidos da plataforma, também a pedido do MPF ainda em junho) e forneça os dados cadastrais do usuário que os publicou. As informações serão utilizadas na instrução processual.

Em maio, tão logo o vídeo com o oferecimento das sementes foi divulgado, o Coletivo Bereia verificou a veracidade do conteúdo em matéria intitulada “É verdade que Apóstolo Valdemiro Santiago oferece semente que cura Covid-19”.

O número da ação do MPF é 5014383-08.2020.4.03.6100 e pode ser vista na íntegra aqui.

Mídias sociais e noticiosas circulam desinformação sobre perseguição a cristãos na China

Circula em mídias digitais de apoio ao Presidente Jair Bolsonaro a notícia do site Gazeta Brasil que o Partido Comunista Chinês obriga chineses a tirar imagens cristãs de suas casas. A origem do conteúdo está em uma publicação na revista eletrônica Bitter Winter, de 16 de julho de 2020, com o título: “People on Social Welfare Ordered to Worship CCP, Not God” [Pessoas em assistência social ordenadas a adorar o PCCh, não a Deus]. A partir da denúncia apresentada pelo Bitter Winter, outros veículos do Brasil também noticiaram a suposta ação chinesa, como a Rede Record, o jornal O Estado de São Paulo, o site gospel Pleno News.

No portal cristão CBN NEWS, a reportagem intitulada: “Communists Use COVID as Pretext for Persecution: Xi’s China Church Crackdown Worse Than Under Mao”, [Comunistas usam COVID como pretexto para perseguição: repressão do presidente chinês Xi Jinping à Igreja é pior do que à época de Mao], publicada no dia 29 de julho de 2020, reforça a ideia de uma possível perseguição do governo chinês aos cristãos.

Página de apoio ao presidente Jair Bolsonaro no Instagram

As matérias afirmam que chineses cristãos estariam sendo perseguidos pelo governo chinês, ameaçados de perder benefícios sociais em meio à pandemia do novo coronavírus por causa de sua fé. Ademais, imagens de Jesus Cristo estariam sendo trocadas por fotografias de Mao, reuniões religiosas sendo proibidas e haveria a orientação para que os cidadãos deixassem de adorar Deus e passassem a adorar o Partido Comunista.

A origem destas matérias no Brasil tem sido a revista eletrônica Bitter Winter, cujos textos são caracterizados por imprecisão – não indicam as fontes das informações que oferecem, o que torna difícil a comprovação, não contextualizam as situações expostas e as referências são sempre genéricas, “o governo de uma cidade…”, “um membro de uma igreja de três pessoas em uma das aldeias…”, “Um pregador de uma igreja doméstica…” Um exemplo de imprecisão também diz respeito a não menção a quais igrejas e quais cristãos estariam sendo proibidos de reunir e obrigados a entregar imagens de Jesus Cristo. Nesse último caso, deveriam ser mencionados católicos romanos ou ortodoxos, que são os grupos cristãos que tem imagens como objeto de devoção, mas esta informação é omitida nas matérias.

A tentativa de relacionar o governo chinês com perseguições religiosas não é algo novo.

Tema já foi alvo de checagens pelo Coletivo Bereia

O aumento de fake news e desinformações envolvendo a China tem sido algo recorrente. Essa constatação pode ser evidenciada por meio de diversas checagens realizadas pelo Coletivo Bereia ao longo dos últimos meses, que foram capazes de classificar conteúdos como imprecisos ou mesmo enganosos.

Em 23 de abril deste ano, o Bereia categorizou como “imprecisas” as notícias sobre a proibição de cultos online na China reproduzida pelo site Guia-me, que também se baseou em uma publicação do Bitter Winter. Nenhum dos 13 sites que publicaram a notícia apresenta o contexto da situação religiosa no país ou oferece a fonte da Lei chinesa que demonstra as medidas restritivas de transmissão on-line – o que impede o leitor de acessar e confirmar a informação.

Além disso, a matéria do Guia-me e da Bitter Wintter não evidenciam a outra perspectiva do fato, de que transmissões on-line de atividades religiosas são permitidas, desde que atendam às diretrizes exigidas pelo governo chinês, conforme relatou ao Bereia o estudante brasileiro que vive há anos na China. “Embora tenha tido bastante repercussão e mostre uma faceta da repressão religiosa na China, a notícia pode mais dificultar do que contribuir com o cenário construído ao redor do mundo entre governo chinês e igrejas.”

Já em 28 de maio, outra notícia foi categorizada como “Imprecisa” pela equipe de checagem do Bereia, que dava conta da demissão de professores cristãos na China. Isso porque, mesmo com um histórico de conflitos entre o governo chinês e igrejas cristãs, não foi possível confirmar a veracidade das informações publicadas. Como observado, as publicações da Bitter Winter não têm autoria identificável, apresentam fontes desconhecidas e apenas relatos sem comprovação possível, o que caracteriza a prática de desinformação.

A agência Bitter Winter iniciou suas atividades em maio de 2018 e declara ter seu conteúdo voltado para a liberdade religiosa e direitos humanos na China. Segundo o site, o diferencial do portal é uma rede com centenas de correspondentes na China, que normalmente fornecem fotografias e vídeos sobre os casos ali retratados. No entanto, na notícia destacada matéria do Coletivo Bereia de maio, a única fonte citadas é uma professora cuja identidade não é registrada.

No mês seguinte, mais precisamente em 12 de junho, o Bereia concluiu como “imprecisa” a publicação sobre possíveis demolições de igrejas em território chinês realizada pelo Bitter Winter. A equipe chegou a entrevistar um jovem cristão brasileiro que faz mestrado em uma universidade chinesa. O jovem, que preferiu não ser identificado, explicou: “Eu acho que esse tipo de entrevista [da Bitter Winter] ofusca o bom testemunho que realmente pode levar o governo a entender o quão importante é a igreja na hora de crise social”. Portanto, a imprecisão se manifesta uma vez o site noticioso, que não cita dados suficientes para que o leitor possa comprovar a informação, “recicla” fatos ocorridos no passado como se fossem atuais, além de enganar ao sugerir na manchete que as informações seriam de um relatório.

No podcast “Joio ou Trigo”, a jornalista do Bereia, Juliana Dias tratou deste caso e destacou que o site Bitter Winter parece ser a única e principal fonte primária de notícias da China republicadas pelos sites gospels brasileiros. “As publicações do Bitter Winter sobre perseguição religiosa na China seguem sempre o mesmo formato: não são assinadas, não possuem qualquer nome de fontes divulgado por supostas questões de segurança. As fotos que acompanham as matérias são retiradas da internet e não há nenhuma evidência além de relatos hipotéticos e declarações”, ressalta Juliana.

Em 15 de abril, Bereia identificou como “enganoso” o conteúdo publicado pelo site de notícias Conexão Política, braço político do grupo Conexão Cristão – um grupo de mídia independente de evangélicos. O texto era intitulado: “Partido Comunista Chinês avança no Brasil: empresa pública federal brasileira EBC e China Media Group firmam acordo para “troca de conteúdos”. A redação do Conexão Política registrou como fonte a notícia da Agência Brasil/EBC de 13 de novembro de 2019 intitulada “EBC e China Media Group firmam acordo para troca de conteúdos”. A partir daí, Conexão Política reproduziu como atual um fato publicado cinco meses antes, com título que alterava substancialmente a mensagem da original – negociação do governo brasileiro com o Partido Comunista Chinês e não com China Media Group – com o acréscimo de ironia, por meio do termo “troca de conteúdos” colocado entre aspas.

Tensões entre China e potências globais despontam como possível nova Guerra Fria?

A disseminação de desinformações e notícias falsas envolvendo cristãos e o governo chinês parece ser apenas uma das frentes de algo que vem sendo denominado como a Nova Guerra Fria, tendo a China e outras potências mundiais como protagonistas.

Nas últimas décadas, a emergência da China como potência mundial ampliou os laços políticos e econômicos do país com o resto do mundo. Contudo, desde a eleição de Donald Trump para Presidente dos Estados Unidos, em 2016, que adota uma retórica contrária ao governo de Pequim, percebe-se uma mudança nas relações da China com vários países.

Especialistas dizem que a Casa Branca está subindo o tom de sua campanha contra Pequim — em um momento em que Trump está em campanha pela sua reeleição. Desde o começo de 2020, China e Estados Unidos já vêm trocando farpas em relação à pandemia do novo coronavírus, que começou com um surto na cidade chinesa de Wuhan.

O jornalista Kennedy Alencar, em sua coluna afirma que o presidente Trump acirra uma nova Guerra Fria, agora com o China, para tentar se eleger. Trump estaria criando, na avaliação de Alencar, teorias conspiratórias para esconder sua má gestão diante da pandemia. Trump tem declarado que o coronavírus seria um vírus chinês e Pequim teria deixado – de propósito – o vírus se espalhar por todo o mundo. Mesmo que essas declarações não tenham sustentação, o presidente estadunidense busca uma ressonância nos setores mais conservadores da sociedade estadunidense. O presidente Donald Trump chegou a fechar uma embaixada chinesa no Texas, enquanto o governo chinês fechou um consulado americano em seu país. A China, na avaliação de Kennedy Alencar, tem interesse na reeleição de Trump, pois esse, por conta das suas ações e posturas, isolaria cada vez os EUA no cenário global. E, por isso, evita rechaçar de forma mais direta as declarações e ataques de Donald Trump.

Em março, o governo dos Estados Unidos já acusava Pequim de esconder seus números sobre o coronavírus, insinuando que o governo chinês ocultava o número real de casos e mortes.

Em maio, Trump partiu para o ataque contra a Organização Mundial da Saúde (OMS), que, nas palavras dele, é um “fantoche do regime chinês” por nunca exigir informações confiáveis sobre a pandemia junto aos chineses.

No mesmo mês, relata Kennedy de Alencar, Trump disse a um repórter que tinha informações de que o coronavírus havia sido criado dentro do Instituto de Virologia de Wuhan, um boato que circulava naquela época. Alguns diziam que o vírus seria uma arma biológica. No mesmo dia, agências de inteligência dos Estados Unidos descartaram a versão dada pelo presidente, dizendo que o coronavírus surgiu na natureza, e que não foi manufaturado em um laboratório.

Matéria do G1, de 21 de julho, trouxe a informação de que o FBI acusou dois hackers chineses de tentar roubar dados de laboratórios americanos que pesquisam vacinas, tratamentos e testes para covid-19. A China rebateu as acusações dizendo que são os chineses — e não os estadunidenses — que estão liderando na frente científica contra o vírus. Naqueles dias, os dois hackers foram indiciados nos Estados Unidos.

O presidente chinês Xi Jinping sempre rebateu as acusações estadunidenses, dizendo que seu governo age com transparência sobre a covid-19. Ele também prometeu um pacote de 2 bilhões de dólares para ajudar diversos países ao longo dos próximos dois anos e disse que qualquer vacina que venha a ser criada pela China será compartilhada com o resto do mundo.

A escalada de tensões entre Washington e Pequim coincide com um movimento da China de tentar projetar sua liderança global, e que enfrenta forte resistência por parte do Ocidente, sobretudo dos Estados Unidos e de seus aliados mais próximos.

Essas disputas entre Estados Unidos e China têm repercussões em outros países. Países aliados como o Reino Unido anunciaram sanções e boicotes à China.

No Brasil, políticos e ministros admiradores de Donald Trump, como o deputado federal Eduardo Bolsonaro e o ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, publicaram mensagens críticas sobre a China em relação ao coronavírus, causando desconforto diplomático. Em março, o presidente Jair Bolsonaro chegou a telefonar para o líder chinês, Xi Jinping, para amenizar as tensões.

Postagem do deputado Eduardo Bolsonaro no Twitter

Recentemente, em 29 de julho, o embaixador dos EUA Todd Chapman, em entrevista para o jornal O Globo, ameaçou o governo brasileiro explicitamente, dizendo que Brasil ‘terá consequências’ se permitir a tecnologia chinesa Huawei no 5G.

Jair Bolsonaro e Todd Chapman. Foto: Divulgação/Planalto

A declaração é mais um sinal do endurecimento das disputas comerciais entre Estados Unidos e China. No caso do 5G, a Huawei é acusada pelos estadunidenses de se aproveitar do papel de intermediário na produção de equipamentos de rede para roubar dados sigilosos e fornecê-los ao governo chinês, o que a companhia nega fazer.

Quando questionado sobre se os Estados Unidos planejam represálias caso o Brasil decida manter a Huawei entre as empresas que podem participar da implementação do 5G no país, Chapman rejeita o termo, mas afirma que, sim, haverá consequências.

“As consequências que vemos no mundo é que há um receito de empresas que estão baseadas na propriedade intelectual de fazer investimentos em países onde essa propriedade intelectual não seja protegida”, diz o embaixador ao jornal O Globo. Ele defende que a primeira consequência é a falta de segurança da informação, mas aponta que investidores podem ficar receosos em apostar no Brasil. “Ao fazer um investimento, você tem que decidir para onde vai. Quem investe em farmacêuticos, software, olham isso. (…) A maior exportação dos EUA é inteligência, propriedade intelectual. Temos que proteger nossa propriedade intelectual”.

Na prática, ele afirma que o Brasil pode deixar de receber investimentos de empresas dos Estados Unidos se o país utilizar equipamentos da Huawei no 5G. Ele também afirma que outros países estão deixando de lado a Huawei, como França e Reino Unido, e que é melhor fazer isso o quanto antes, já que o custo da troca de equipamentos pode ser alto.

A questão não é tão simples assim. Apesar da ameaça indireta do embaixador dos Estados Unidos e o alinhamento recente do governo brasileiro ao americano, a China ainda é o maior destino de exportações brasileiras, então excluir a Huawei do 5G por questões políticas também pode gerar consequências do outro lado.

Pelas declarações do vice-presidente Hamilton Mourão, o Brasil, neste momento, não está disposto a excluir a Huawei do leilão do 5G. Em 15 de julho de 2020, ele ressaltou que é “difícil” excluir a gigante chinesa, que já atua no país há mais de uma década e tem participação importante no 4G, cuja infraestrutura será em grande parte reaproveitada para implementação do 5G. Ele também admitiu que há pressão política externa para que essa exclusão aconteça.

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As matérias da Gazeta Brasil, da Rede Record, do jornal O Estado de São Paulo e Pleno News, reproduzidas em mídias sociais de apoio ao governo Bolsonaro, embasadas em publicação do Bitter Winter, sobre cristãos chineses estarem sendo coagidos pelo governo local a retirarem imagens cristãs de suas casas, caracterizam desinformação porque são imprecisas. O conteúdo não traz a contextualização e apuração necessárias para creditar a veracidade do fato. Não há citação de fontes oficiais, de quais cristãos, de quais igreja, que efetivamente tenham sido ameaçados ou de quaisquer outros personagens envolvidos nesse suposto cenário.

Um outro aspecto desinformativo é que o único veículo a indicar o link para a matéria original do Bitter Winter é a Gazeta Brasil e, ainda assim, Bereia veiculou que o site de notícias remete para outro texto que não tem relação com o que está noticiando, o que foi corrigido pelo Bereia na abertura desta matéria.

As restrições à liberdade religiosa são realidade na China, como o Coletivo Bereia já registrou em outras matérias, mas não há proibição à prática das igrejas cristãs. Bereia verificou nos websites do Conselho Cristão da China (de igrejas protestantes) e da Igreja Católica na República Popular da China que as igrejas têm atuado em solidariedade com a população daquele país frente à pandemia de coronavírus e às inundações que atingiram a região em julho.

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Referências de checagem

Bitter Winter. Acesso em 04 ago 2020

CBN News. Acesso em 04 ago 2020.

Gazeta Brasil. Acesso em 04 ago 2020

Portal R7. Acesso em 04 ago 2020

O Estado de São Paulo. Acesso em 04 ago 2020

Pleno News. Acesso em 04 ago 2020.

UOL [Kennedy Alencar]. Acesso em 04 ago 2020

UOL. Acesso em 04 ago 2020

O Globo. Acesso em 04 ago 2020

G1. Acesso em 04 ago 2020

G1. Acesso em 04 ago 2020

É enganoso conteúdo do vídeo sobre feminismo publicado pela Canção Nova

Em 21 de julho de 2020, a Canção Nova publicou em seu canal do Youtube, na série de formação intitulada “The Church”, um vídeo de três minutos, do apologeta católico brasileiro professor Felipe Aquino, intitulado “o que a igreja diz sobre o feminismo”.

Na abertura do vídeo, Felipe Aquino afirma:

O que nós entendemos hoje como feminismo? Pelo menos as mulheres que assumem esse título, fazem coisas realmente muito feias. A gente já viu ai na internet, na própria televisão. As vezes invade (sic) uma igreja porque são favoráveis ao aborto, são favoráveis a outras coisas, então picham as igrejas. Eu já vi até caso, por exemplo, vi na internet, feministas que entraram numa igreja, defecaram dentro da igreja, pra mostrar o seu protesto, a sua repulsa a igreja, aos valores da igreja. Ora, esse tipo de feminismo realmente não tem cabimento, não precisa ser católico, cristão pra rejeitar um feminismo desse, é questão até de educação […]”

O Coletivo Bereia verificou que os exemplos usados pelo professor no início do vídeo para caracterizar o feminismo, estão relacionados a matérias e informações imprecisas ou falsas, divulgadas pela internet, a respeito do movimento feminista pelo mundo, que tentam deslegitimar as pautas levantadas nessas manifestações.

Em março de 2020, Bereia checou matéria do Gospel Prime com o título “Feministas vandalizam templos católicos durante protestos: fábrica de estupradores”, sobre episódios ocorridos no Chile, e concluiu que o conteúdo era impreciso. Apesar de o texto conter alguns fatos, omitia informações históricas importantes para contextualizar o sentido dos protestos em curso naquele momento e a relação da Igreja com as pautas das mulheres e o movimento feminista.

O site Boatos.org checou, em 2018, duas fotos que circulavam na internet, nas quais apareciam mulheres defecando dentro de igrejas durante protesto, sendo associadas a manifestações feministas. De acordo com o site, a informação era falsa e as fotos eram de protestos distintos. Um aconteceu no ano de 2011 em Oslo, Noruega. A outra foto foi tirada na Argentina, em 2015, em frente à Catedral Metropolitana de Buenos Aires, durante um protesto organizado por militantes kirchneristas, do grupo La Cámpora. Nenhum dos atos ocorreram durante manifestações do movimento feminista ou foram encabeçados por feministas.

A luta feminista contra o feminicídio

No minuto um do vídeo, o professor aborda o tema do feminicídio e afirma que não é necessário ser feminista para lutar contra este crime e que a igreja quer valorizar a mulher.

É claro que, a mulher tem que ser valorizada, e a igreja quer valorizar a mulher. Essa questão do feminicídio, por exemplo, não precisa ter um movimento feminista pra ir contra um feminicídio. Bater numa mulher, machucar uma mulher, matar uma mulher, é tudo de negativo que existe. Além de ser uma covardia, porque a mulher é fisicamente mais fraca do que o homem, é uma maldade muito grande em todos os aspectos”.

No entanto, a história tem mostrado como as teologias patriarcais predominantes nas igrejas cristãs negam e inferiorizam o papel da mulher nos ambientes religiosos e na Bíblia. A cultura da dominação do feminino, difunde a ideia de que Deus determinou o papel das mulheres para a reprodução e o cuidado do lar, afastando-as dos espaços de poder e liderança. A teóloga feminista católica, Ivone Gebara, na sua obra “Mulheres, religião e poder: ensaios feministas”, mostra como o poder do catolicismo constrói narrativas misóginas que garantem a manutenção da hegemonia masculina. Além disso, ela destaca a importância da teologia feminista, para a construção de uma nova perspectiva que dá voz e lugar as mulheres. “O feminismo teológico tem uma grande importância na transformação das culturas, na medida em que desobriga as mulheres de obedecerem à ordem estabelecida de certas crenças religiosas patriarcais” (p. 12).

Nos ambientes religiosos, os discursos reproduzem a lógica da cultura de dominação masculina que circula na sociedade e repetem o estereótipo de fragilidade feminina que contribuem com a romantização da violência doméstica. Muitas mulheres, sobretudo, dentro do cristianismo, são desencorajadas a denunciar violências, e aconselhadas a manter relacionamentos abusivos em nome de Deus. De acordo com a pesquisa desenvolvida pela pesquisadora da religião Valéria Vilhena, 40% das mulheres vítimas de violência doméstica de seus companheiros se declaram evangélicas.

Em 17 de julho, a gravadora gospel MK lançou um videoclipe com a nova canção da pastora e cantora Cassiane, influente no meio pentecostal, intitulado “A Voz”. A partir do conteúdo da canção, que fala do poder de Deus na superação de dificuldades da vida, a narrativa do clip deliberadamente incentivava as mulheres vítimas de violência doméstica, a sofrerem caladas.

No vídeo, uma personagem era agredida constantemente pelo companheiro, mas não o denunciava. Ela decide ir embora de casa, deixando um bilhete dentro de uma Bíblia, em que dizia que o perdoava e que orava por ele. O agressor, após receber a Bíblia, se converte e tem final feliz com a mulher. Após grande repercussão e inúmeras críticas, a gravadora lançou uma segunda versão do clipe com trecho em que a mulher liga para o Disque 180 para denunciar o companheiro agressor, ele é preso, depois encontra a Bíblia em casa com o bilhete, se converte e tem o mesmo final feliz com a agredida. Ao final foi inserida a indicação para que sejam denunciadas situações de violência.

Em suas mídias sociais, a editora-geral do Coletivo Bereia, jornalista Magali Cunha, publicou dois vídeos fazendo considerações a respeito do clipe da cantora Cassiane. No primeiro vídeo, ela afirma que a igreja precisa ajudar essas mulheres a saírem da condição de silenciamento. Ao citar os dados da pesquisa de Valéria Vilhena, indica que “muitas dessas violências como aponta a pesquisa, são praticadas por homens evangélicos, muitos deles líderes de igrejas. O fato de estar numa igreja não significa que a violência acabou. O perdão não significa sustentar impunidade”.

A religião contribui, em diversos aspectos, com a reprodução de diversas formas de violência de gênero, quando orienta mulheres a serem submissas, obedientes, silenciadas, a partir de uma interpretação patriarcal dos textos sagrados. Além disso, a conduta machista e sexista que exclui as mulheres da liderança das igrejas, reforça essa estrutura. Na celebração da primeira missa do ano de 2020, na Basílica de São Pedro, o papa Francisco reconheceu que a violência de gênero é a “profanação de Deus”, destacando a importância do papel da mulher na vida religiosa. “As mulheres são fontes de vida, mas ainda assim são continuamente ofendidas, agredidas, violentadas, induzidas a se prostituir e a tirar a vida que carregam no ventre”. Francisco vem sofrendo uma série de críticas no interior da Igreja Católica e uma das causas são suas posições de relativa abertura às questões de gênero.

O feminismo, como movimento político-social histórico, apesar das variações de vertentes e de seus recortes, se manifesta na luta contra violência e opressão sexista, perpetuadas pelo machismo estrutural e pela lógica patriarcal. A história revela diversas conquistas através dos anos de luta e mobilização das mulheres, desde direitos trabalhistas, ao direito à participação cidadã com o voto e legislação referente ao seu lugar na família e na sociedade

Em relação à situação mais dramática no Brasil, a violência contra mulheres, pelo fato de serem mulheres, foi sancionada, em 7 de agosto 2006 a Lei nº 11.340 conhecida como Lei Maria da Penha, que pune e combate a violência doméstica e familiar contra a mulher. Após ser vítima de duas tentativas de feminicídio, e outras violências pelo marido, Maria da Penha, que carrega no corpo e na cadeira rodas as marcas das agressões sofridas, vivenciou anos de luta contra a impunidade e falta de instrumentações legais na justiça brasileira em casos de violência de gênero. Essa conquista é resultado da luta feminista pela garantia dos direitos humanos para as mulheres. Em 2002, houve a criação de um consórcio de ONG’s feministas a fim de elaborar uma lei que combatia a violência contra a mulher. A Lei do Feminicídio sancionada em 2015, que é um agravante do homicídio ocorrido contra uma mulher em decorrência de discriminação de gênero, também nasce da pressão dos coletivos e organizações feministas.

Com base nestes elementos, é enganoso afirmar que não é necessário ser feminista para lutar pela vida das mulheres, uma vez que, a história evidencia a importância da organização e mobilização das mulheres por meio de coletivos, instituições, produções e reflexões teóricas, para a conquista e garantia de direitos. Considera-se que sem o movimento feminista muitos dos direitos e das leis de proteção à dignidade das mulheres não teriam sido alcançados ou teriam sido retardados no tempo.

O Coletivo Bereia classifica o conteúdo do vídeo do professor Felipe Aquino, publicado pela Canção Nova, como enganoso. O vídeo apresenta informações falsas e distorcidas que circulam na internet, outras inseridas de forma descontextualizada e imprecisa, para desqualificar o movimento feminista, silenciando sobre sua importância na história e presença na teologia cristã. O vídeo do grupo Canção Nova pode ser caracterizado como opinião, no entanto, isto não fica claro para a audiência, uma vez que, sob o rótulo “formação”, o conteúdo desinformativo simula o oferecimento de informações.

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Referências de checagem

BBC Brasil, https://www.bbc.com/portuguese/internacional-39210072

Boatos.org, https://www.boatos.org/politica/feministas-igreja-defecam-protesto.html

Canção Nova, https://formacao.cancaonova.com/series/the-church/o-que-igreja-diz-sobre-o-feminismo/

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/e-imprecisa-materia-sobre-vandalismo-em-protestos-no-chile/

Feministas ressignificando o direito: desafios para aprovação da Lei Maria da Penha, Revista Direito e Práxis, https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2179-89662017000100616

Huffpost Brasil, https://www.huffpostbrasil.com/entry/papa-francisco-violencia-domestica_br_5e0cb154e4b0b2520d1c5160

Instituto Maria da Penha, https://www.institutomariadapenha.org.br/quem-e-maria-da-penha.html

Lei do Feminicídio, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13104.htm

Lei Maria da Penha, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm

Magali Cunha, Youtube, https://www.youtube.com/watch?v=8Voqe-XtA9g

Resultados da pesquisa: uma análise da violência doméstica entre mulheres evangélicas, http://www.fg2010.wwc2017.eventos.dype.com.br/resources/anais/1280156603_ARQUIVO_ValeriaCristinaVilhena.pdf

Veja, https://veja.abril.com.br/entretenimento/cantora-gospel-cassiane-altera-clipe-acusado-de-romantizar-a-violencia/

Assembleia de Deus perde muitos líderes no Mato Grosso mortos pela Covid-19

Uma publicação no Twitter, em 22 de julho, motivou mais uma checagem do Coletivo Bereia: “Aqui em Mato Grosso morreram toda a alta cúpula da Igreja Assembleia de Deus. Morreram 5 pastores que comandavam a igreja em todo estado. Todos morreram por coronavírus”.

Com 5,2 mil curtidas, 414 comentários e 1,1 mil retuítes, até 27 de julho, quando esta matéria foi redigida, a mensagem gerou embates e divergiu as opiniões dos usuários engajados na postagem. Alguns solicitaram ao autor que inserisse o link dos sites e notas oficiais que confirmassem as mortes (o que foi feito), outros questionaram o número de óbitos, enquanto alguns atribuíram os falecimentos ao fato de que muitas igrejas evangélicas boicotaram as medidas de prevenção e decretos de restrições impostas ao estado desde o início da pandemia no país.

Segundo matéria publicada no portal UOL, a Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB) não informou o número exato de mortes, mas teria dito que entre dezenas de líderes mortos estariam pessoas de idades variadas. A instituição é a maior organização de igrejas evangélicas, com mais de 100 mil pastores associados e cerca de 25 milhões de fiéis.

Ao site Hipernotícias, do Mato Grosso, o secretário-geral da Convenção dos Ministros das Assembleias de Deus naquele estado, Pastor Juvanir de Oliveira, informou, em 21 de julho, que seis líderes da igreja faleceram no estado com a Covid-19, confirmando, com um registro a mais, a postagem do Twitter que motivou esta matéria do Coletivo Bereia. O Pastor Juvanir de Oliveira citou que os mortos foram: o presidente da Convenção Local, Pastor Sebastião Rodrigues de Souza, 89 anos, o filho dele, vice-presidente da Convenção, Pastor Rubens Siro de Souza, 68 anos, os Pastores José Geraldo dos Anjos, 76 anos, Jânio Corrêa Leite, 66 anos, Pedro Ezídio (idade não identificada), e Reginaldo Pereira de Jesus, 53 anos.

O Pastor Sebastião Rodrigues de Souza faleceu cinco dias depois do filho, Rubens Siro de Souza, morto pela Covid-19, em 3 de julho. O Pastor Sebastião Souza era também vice-presidente da CGADB desde 1995. Souza ficou reconhecido por ter construído em Cuiabá um dos maiores templos evangélicos do país, com capacidade para 20 mil fiéis.

Na ocasião, o presidente Jair Bolsonaro publicou uma nota de pesar pela morte de Souza, mas sem citar a Covid-19. A mensagem, originalmente disponibilizada no perfil da rede social do Planalto foi repostada no perfil do Instagram da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil. O texto diz:

No Salmo 116:15 lemos que “Preciosa é à vista do SENHOR a morte dos seus santos”. Hoje, mais uma vez, isto ocorreu com a partida para o Senhor do saudoso pastor Sebastião Rodrigues, da Igreja Assembleia de Deus. A terra perde valoroso obreiro, mas o Senhor abraça um filho que venceu!
Meus sinceros sentimentos a toda a comunidade cristã e à família do querido pastor Sebastião! Oremos pelo conforto do Senhor na vida dos familiares!
Em Cristo,
Jair Messias Bolsonaro
Presidente da República Federativa do Brasil.

Nota de pesar pela morte de pastor com Covid-19 em Mato Grosso

Caso destacado foi também o do pastor José Geraldo dos Anjos, 76 anos, que faleceu no dia 21 de julho, após uma semana internado no hospital Santa Rita, no município de Várzea Grande, no Mato Grosso. Ele liderava a Assembleia de Deus, no Parque do Lago, no município varzea-grandense, onde estava há 36 anos. Segundo matéria do G1 publicada no dia da morte, ele era casado e deixou filhos, netos e bisnetos.


Foto: Facebook/Reprodução

No dia seguinte à declaração do secretário-geral das Assembleias de Deus no Mato Grosso, Juvanir de Oliveira, houve a sétima morte de liderança da Assembleia de Deus no mesmo mês. Ela se deu em Nobres (MT), a 151 km de Cuiabá. A vítima foi o pastor José Damasceno de Castro, 60 anos. Ele era casado e tinha quatro filhos.


Foto: Instagram | Reprodução

A Secretaria de Estado de Saúde (SES) do Mato Grosso registrou, até a tarde de 27 de julho, 45.155 casos confirmados da Covid-19 no estado, sendo registrados 1.664 óbitos em razão da pandemia. Havia ocorrido 48 mortes e 1.518 novas confirmações nas 24 horas anteriores ao relatório. Dentre os dez municípios com maior número de casos de Covid-19, estão Cuiabá (9.940), Várzea Grande (3.466), Rondonópolis (2.949), Lucas do Rio Verde (2.560), Tangará da Serra (1.899), Sorriso (1.775), Primavera do Leste (1.652), Sinop (1.627), Nova Mutum (1.257) e Pontes e Lacerda (875). Os pastores das Assembleias de Deus que perderam a vida pela doença eram da capital Cuiabá, de Várzea Grande, Tangará da Serra, Barão de Melgaço e Nobres.

O Coletivo Bereia contatou a sede da Convenção dos Ministros da Assembleia de Deus no Mato Grosso. A Convenção preferiu destacar o falecimento do Pastor Presidente, Sebastião Souza, pois era liderança da igreja no estado e na Convenção Geral e foi a perda mais repercutida de líderes das Assembleia de Deus por Covid-19.

A rejeição à gravidade da pandemia por parte de evangélicos

Desde o início daquilo que se transformaria em uma pandemia mundial, em consequência do novo coronavírus, grupos evangélicos têm colaborado a diminuir, deturpar e enganar a população através de inúmeras fake news sobre a pandemia. O Coletivo Bereia tem trabalhado intensamente com verificações dos sites de notícias religiosos e com perfis de lideranças vinculadas às igrejas, além de atender a diversos pedidos de checagem de notícias encaminhados por leitores/as.

Pastores evangélicos já prometeram unção imunizadora contra o coronavírus e já houve casos líderes políticos e religiosos minimizando e espiritualizando ação do coronavírus por meio das quais, matérias com títulos como “Goiânia é protegida por Deus e não será atingida pelo coronavírus”, eram propagadas pela própria prefeitura de Goiânia.

A cantora gospel Fabiana Anastácio publicou: “o coronavírus não atingirá a sua casa, porque quem guarda a sua casa é Jesus”. Infelizmente, Anastácio acabou falecendo por complicações devidas ao novo vírus. Houve desinformação atrelada à cantora, sobre ela ter revisto sua posição enquanto estava internada. O Coletivo Bereia apurou e explicou a verdadeira situação.

Em vários conteúdos desinformativos disseminados por grupos religiosos havia interesse em mostrar que as estatísticas eram falseadas, como a de que um borracheiro tinha morrido em um acidente com pneu, mas foi diagnosticado com Covid-19. Ainda nesse sentido, conteúdos falsos foram criados afirmando que a Polícia Federal e o Ministério da Saúde estariam auditando o número de óbitos por Covid-19 e, como consequência dessas ações, o número de óbitos teria caído.

Bereia também identificou conteúdo enganoso que dizia que “o Sol forte poderia matar coronavírus em 34 minutos”.

Toda esta desinformação foi produzida e compartilhada por grupos evangélicos, inclusive lideranças. O Coletivo Bereia produziu matéria para explicitar de onde partem as notícias falsas que circulam em grupos religiosos. Neste levantamento tornou-se nítida uma certa resistência por parte destes grupos religiosos, não apenas em admitir a gravidade da pandemia, mas, também, em seguir os protocolos internacionais de prevenção. Além do dogmatismo religioso, há o aspecto político que motiva essa postura. Muitos desses grupos e líderes apoiam irrestritamente o governo federal na liderança do Presidente Jair Bolsonaro e terminam por seguir sua postura relativizadora da doença e negadora das orientações da Organização Mundial de Saúde e de outras autoridades da área no país.

A situação entre católicos romanos

O novo coronavírus também fez vítimas no cenário católico. Segundo informações da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) cresceu também o número de padres do Brasil acometidos pela Covid-19. O último levantamento realizado pela Comissão Nacional de Presbíteros (CNP), divulgado em 29 de maio no portal da CNBB, apresenta a confirmação de 117 infectados e 14 mortes. Um novo relatório está sendo produzido pela Comissão e deverá ser divulgado em breve.

Com base nesta verificação, o Coletivo Bereia afirma ser verdadeira a informação divulgada por postagem no Twitter sobre alto número de mortos por Covid-19 entre lideranças das Assembleias de Deus em Mato Grosso. No levantamento, Bereia atualizou o número divulgado na postagem, de cinco para sete mortes até 27 de julho. O Coletivo reafirma a importância de as igrejas assumirem sua responsabilidade cristã com as medidas de prevenção e orientação de sua membresia quanto aos riscos impostos pela pandemia, que permanece grave no país dados os altos índices de infectados e mortes que vigoram.

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Foto de Capa: Reprodução/Convenção das Assembleias de Deus Mato Grosso

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Referências de checagem

Igrejas perdem pastores e padres para covid-19 e divergem sobre estratégias de reabertura. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/07/igrejas-perdem-pastores-e-padres-para-covid-19-e-divergem-sobre-estrategias-de-reabertura.shtml. Acesso em 27 de julho de 2020.

Morre mais um pastor da Assembleia de Deus vítima de covid-19. Disponível em: https://www.hnt.com.br/cidades/morre-mais-um-pastor-da-assembleia-de-deus-vitima-de-covid-19-sexto-obito-em-um-mes/178348 Acesso em 27 de julho de 2020.

Pastor da Assembleia de Deus morre quatro dias após ter recebido diagnóstico da Covid-19 em MT. Disponível em: https://g1.globo.com/mt/mato-grosso/noticia/2020/07/21/pastor-da-assembleia-de-deus-morre-4-dias-apos-ter-recebido-diagnostico-da-covid-19-em-mt.ghtml Acesso em 27 de julho de 2020.

Pastor da Assembleia de Deus de Nobres morre por Covid-19. Disponível em:

https://www.hnt.com.br/cidades/pastor-da-assembleia-de-deus-de-nobres-morre-por-covid-19/178532 Acesso em 27 de julho de 2020.

É verdade que apóstolo de igreja em Porto Alegre promete unção imunizadora contra o coronavírus. Disponível em: https://coletivobereia.com.br/e-verdade-que-apostolo-de-igreja-em-porto-alegre-promete-uncao-imunizadora-contra-o-coronavirus/ Acesso em 27 de julho de 2020.

É verdade que líderes políticos e religiosos minimizam e espiritualizam ação do coronavírus. Disponível em: https://coletivobereia.com.br/e-verdade-que-lideres-politicos-e-religiosos-minimizam-e-espiritualizam-acao-do-coronavirus/ Acesso em 28 de julho de 2020.

É verdade que Fabiana Anastácio negou o risco de ser infectada pela Covid-19. Disponível em: https://coletivobereia.com.br/e-verdade-que-fabiana-anastacio-negou-o-risco-de-ser-infectada-pela-Covid-19 Acesso em 28 de julho de 2020.

É falsa a notícia que borracheiro morreu em acidente com pneu mas foi diagnosticado com Covid-19 para inflar estatísticas do coronavírus. Disponível em: https://coletivobereia.com.br/e-falsa-a-noticia-que-borracheiro-morreu-em-acidente-com-pneu-mas-foi-diagnosticado-com-Covid-19-para-inflar-estatisticas-do-coronavirus Acesso em 28 de julho de 2020.

É falso que números por Covid-19 caem no Brasil por ações da Polícia Federal e do Ministro da Saúde. Disponível em: https://coletivobereia.com.br/e-falso-que-numeros-por-Covid-19-caem-no-brasil-por-acoes-da-policia-federal-e-do-ministro-da-saude/ Acesso em 28 de julho de 2020.

É enganoso que sol forte pode matar coronavírus em 34 minutos. Disponível em: https://coletivobereia.com.br/e-enganoso-que-sol-forte-pode-matar-coronavirus-em-34-minutos/ Acesso em 28 de julho de 2020.

Sites religiosos e ativistas digitais que propagam desinformação. Disponível em: https://coletivobereia.com.br/sites-religiosos-e-ativistas-digitais-que-propagam-desinformacao/ Acesso em 28 de julho de 2020.

Covid-19: “a Igreja, como um todo, se entristece com cada morte: de bispos, padres, diáconos e de cada batizado”, afirma dom Joel. Disponível em: https://www.cnbb.org.br/Covid-19-a-igreja-como-um-todo-se-entristece-com-cada-morte-de-bispos-padres-diaconos-e-de-cada-batizado-afirma-dom-joel Acesso em 27 de julho de 2020.

Deputado federal evangélico exalta Roberto Jefferson em vídeo: “sempre foi sinônimo de responsabilidade”

Em 13 de julho, o presidente nacional do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Roberto Jefferson, publicou, em seu perfil no Twitter, um vídeo ao lado do pastor da igreja pentecostal Assembleia de Deus e deputado federal pelo Rio de Janeiro, Otoni de Paula (PSC/RJ). Na legenda, ele inseriu: “Deputado Federal Otoni de Paula. Grande guerreiro de Cristo. Tenho orgulho de ser seu amigo. Pensando o Rio de Janeiro e o Brasil”.

Com mais de 24 mil visualizações até a redação desta matéria, o vídeo apresenta Otoni de Paula enaltecendo Roberto Jefferson:

Sempre foi sinônimo de austeridade e acima de tudo sempre foi sinônimo de responsabilidade. Roberto Jefferson sempre assumiu no peito os seus acertos e erros e hoje tem moral para ensinar a minha geração qual o caminho que nós temos que trilhar, porque já passou por lá e pode hoje dizer: esse é o caminho correto. Por isso, como eu faço parte dessa nova geração de políticos no Brasil, nada melhor do que estar diante do nosso mestre

Otoni de Paula, na gravação de 46 segundos publicada.

Personagens envolvidas em crimes e inquéritos

Tanto Otoni de Paula quanto Jefferson têm utilizado suas redes sociais para criticar e disseminar desinformação sobre o Supremo Tribunal Federal e são investigados no inquérito que apura a disseminação de fake news. O deputado federal do PSC é acusado de, em duas ocasiões, “empregar violência moral e grave ameaça para coagir Moraes [ministro Alexandre Moraes] e, com isso, beneficiar a si mesmo”. Jefferson, por sua vez, chegou a comparar, em maio, o STF a um tribunal nazista.

No último dia 14 de julho, Otoni de Paula foi denunciado pela Procuradoria Geral da República (PGR) ao Supremo Tribunal Federal pelos supostos crimes de difamação, injúria e coação de vídeos com ataques e ofensas ao ministro Alexandre Moraes, do STF. Na denúncia, a PGR afirma que o deputado fez duas transmissões ao vivo pela internet, nos dias 16 de junho e 5 de julho, nas quais “imputou fatos afrontosos à reputação do ministro [do STF] Alexandre de Moraes”, além de ofender a dignidade do ministro. No vídeo, o deputado chama o ministro de “lixo”, “tirano” e “canalha”, entre outras ofensas. Na ocasião, o deputado era um dos vice-líderes do governo Bolsonaro. Os fatos são investigados no inquérito que apura ataques às instituições.

A denúncia será analisada pelo tribunal e, se aceita, o deputado se tornará réu em uma ação penal. Em mensagem publicada em mídias sociais, no mesmo dia 14 de julho, o parlamentar afirmou que ainda não tinha conhecimento sobre a denúncia feita pela PGR. “Ainda não conheço o teor das denúncias da PGR contra mim, mas uma coisa prometo, lutarei até o fim contra a tirania da toga”. Nas gravações, o deputado criticou Moraes por ter libertado o blogueiro Oswaldo Eustáquio, mas proibindo-o de usar as redes sociais digitais.

Em 10 de junho, matéria do Coletivo Bereia apresentou o perfil e as ligações religiosas de investigados no inquérito do Supremo Tribunal Federal contra fake news. Entre os alvos com ligações religiosas estava Roberto Jefferson, sobre o qual o Bereia apontou a trajetória nas mídias digitais, na política, as acusações e defesas no inquérito das fake news.

Segundo a matéria do Bereia, entre as alianças religiosas de Jefferson está o ex-deputado Carlos Rodrigues, ex-bispo da Igreja Universal, um dos operadores do “Mensalão”, acusado de comandar a cobrança de uma mesada de R$10 mil a R$15 mil de todos os deputados federais e estaduais do país ligados à Igreja Universal do Reino de Deus, através do esquema chamado “Dízimo do Legislativo”.

Jefferson: de volta à cena via bolsonarismo

Desaparecido da cena política desde sua prisão, em 2005, Roberto Jefferson voltou a ganhar destaque na mídia quando o presidente Jair Bolsonaro, neste 2020, em crise na relação com o Congresso Nacional, e na iminência de sofrer um processo de impeachment, recorreu ao apoio do Centrão, que tem o presidente do PTB como um dos líderes. Apoiador de Bolsonaro, Jefferson já havia atuado em 1992 como líder da “tropa de choque” que tentou impedir o impeachment do então presidente Fernando Collor.

No final de abril de 2020, Jefferson reapareceu como aliado do governo Bolsonaro com críticas ao STF. Em postagem no Twitter, em 9 de maio, ele pedia ao presidente “para atender o povo e tomar as rédeas do governo”.

Na decisão que determinou a busca e apreensão nas casas do ex-deputado, o ministro Alexandre de Moraes determinou a apreensão de armas e também mandou bloquear as mídias sociais do ex-parlamentar e afirmou que há indícios da prática de sete crimes. Os agentes da PF realizaram buscas em dois endereços do ex-deputado federal, um na cidade de Comendador Levy Gasparian e outro em Petrópolis, ambas no Rio de Janeiro.

Ainda segundo conteúdo do Bereia, após a Operação, o partido de Jefferson, o PTB, que declarou apoio a Bolsonaro em 2018, em nota, se pronunciou à Nação brasileira: “Não vamos permitir que ministros do STF calem o Presidente”, fazendo menção a Roberto Jefferson.

Em apoio ao pai, a deputada Cristiane Brasil (PTB/RJ), que não conseguiu se reeleger depois de ser investigada, em 2018, por envolvimento em fraudes no Ministério do Trabalho, participou das manifestações pró-Jair Bolsonaro no dia 31 de maio.

Em matéria publicada pela Folha de S. Paulo, em 21 de abril, o jornalista Fábio Zanini apresentou a nova “roupagem bolsonarista” de Jefferson, salientada a partir de 19 de abril, em uma transmissão pela internet em que o ex-deputado federal criticou o congresso, tendo como alvo principal o presidente da Câmara Rodrigo Maia, por supostamente articular o esvaziamento dos poderes presidenciais.

A live, conduzida pelo jornalista Oswaldo Eustáquio, preso pelo mesmo inquérito das fake news contra o STF, até o momento da redação desta matéria contabilizava mais de 2,1 milhões de visualizações, tendo sido compartilhada pelo presidente Jair Bolsonaro e diversos integrantes de sua base de ativistas digitais.

Na transmissão, Jefferson denunciou um suposto golpe que estaria sendo arquitetado com a participação de governadores e líderes para aprovar o impeachment de Bolsonaro ou instituir um parlamentarismo branco. O mesmo tom seguiu se repetindo nas redes sociais e demais entrevistas.

À Folha, ele afirmou que uma tentativa de tirar Bolsonaro da Presidência poderia gerar violência. “Está chegando um momento de radicalização. A pressão é tão grande que se tentarem, num movimento de rua, sustentar um pedido de impeachment, vão ter que enfrentar a turma do Bolsonaro. E aí o pau vai cantar. Quando você enfrenta a força, você tem que opor a força a ela. Não tem saída”, declarou. Ainda segundo a publicação, desde o agravamento da pandemia do novo coronavírus, o presidente nacional do PTB tem demonstrado apoio a Jair Bolsonaro. Seria, de acordo com Jefferson, em razão de ambos partilharem dos mesmos valores. “Eu não tenho proximidade pessoal com o Bolsonaro. Eu tenho as mesmas convicções. Ele empunha a bandeira dos ideais que eu sustento”, disse à Folha de S. Paulo, que afirma que a aliança, para além do cenário nacional, ainda coincide com o da política carioca.

Neste 21 de julho, Roberto Jefferson voltou à cena nas mídias sociais. Em uma live, transmitida pelo canal do Youtube “Questione-se”, o apoiador do governo Bolsonaro, quando entrevistado por um blogueiro, o presidente nacional do PTB fez comentários homofóbicos contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Nas declarações, o político diz que dois magistrados “são sodomitas” e que “usam saia pela opção sexual”.

“Tem dois ministros lá que tem esses gostos (…) tem dois ministros que são meninas. Tem ministros de rabo preso e dois de rabo solto, conhecidos. Um é o (sic) Carmen Miranda, e o outro é Lulu boca de veludo (…) e eles querem fazer pauta de gênero, porque eles ainda não encontraram o deles (…) tem dois sodomitas ministros”, afirmou Roberto Jefferson. Em um determinado momento da live, o ex-deputado afirma que seria vergonhoso que dois ministros assumissem que “são enrab… por um negão”.

O jurista Marco Aurélio de Carvalho, do grupo Prerrogativas, manifestou-se sobre a live de Roberto Jefferson. “O desrespeito, a agressão e a calúnia aos ministros do Supremo Tribunal Federal, no contexto em que foram proferidos e veiculados, são claras tentativas de desgaste do próprio Tribunal que integram, e, assim, de 1 dos mais importantes pilares do Estado de Direito. A reação tem que ser firme, rápida, contundente e pedagógica”, afirmou.

Otoni de Paula: fidelidade ao bolsonarismo

O vídeo em que Otoni de Paula exalta Roberto Jefferson foi produzido por conta do contexto eleitoral em que o país está se inserindo. Definido o calendário da realização das eleições municipais para o final do ano, partidos e candidatos começam a se manifestar publicamente com articulações para candidaturas.

O deputado federal Otoni de Paula, filho do famoso e histórico cantor evangélico, da Assembleia de Deus, Ozeias de Paula, estreou na política institucional como vereador pelo PSC do Rio de Janeiro, de 2017 a 2018. Em 2018 foi eleito deputado federal pelo mesmo partido, na aliança com o PSL de Jair Bolsonaro, que elegeu o governador Wilson Witzel. Otoni de Paula logo se tornou um dos vice-líderes do governo federal na Câmara.

O pastor evangélico e deputado federal produziu o vídeo exaltando o presidente do PTB, Roberto Jefferson, neste mês de julho, no contexto em que foi convidado a se filiar ao partido. No acordo, ele apoiará a candidatura da ex-deputada federal Cristiane Brasil, filha de Jefferson, à prefeitura. Por outro lado, ele terá o apoio do PTB para disputar o governo do Rio de Janeiro em 2022.

Em 16 de julho, Otoni de Paula confirmou as afirmações do noticiário, em um vídeo de sete minutos em seu canal no YouTube, em que afirma:

Saiu uma matéria no site O Antagonista e em alguns veículos de comunicação dando conta da minha filiação ao PTB, de Roberto Jefferson, o grande guerreiro Roberto Jefferson. Bem, queria esclarecer algo muito importante. Eu tive a honra de sentar com o deputado Roberto Jefferson, tive a honra de ter uma longa conversa com esse grande patriota, antes desse dia, na semana passada, eu não tinha tido nenhum contato pessoal com o Roberto Jefferson. Nunca tinha tido antes. Mas, resolvi me aproximar de Roberto Jefferson por conta da sua brilhante defesa à pátria brasileira e sua brilhante defesa ao presidente Bolsonaro. E eu disse que quem defende o meu amigo, meu amigo passa a ser. Realmente nós estamos construindo uma boa amizade que queremos que transcenda as questões políticas. Roberto Jefferson sempre foi um sujeito homem, e eu gosto de sujeitos corajosos, que assumem os seus acertos e assumem os seus erros também. Por isso é que eu não tenho vergonha nenhuma, nenhuma, nenhuma de estar ao lado de Roberto Jefferson, porque tem se demonstrado um grande patriota. E os erros que ele cometeu lá atrás ele pagou por todos eles e, graças a ele, nós começamos a quebrar o império do PT no Brasil. Bem, portanto, nós conversamos sim, conversamos sobre uma possível ida nossa para o PTB. Recebi esse convite do próprio Roberto Jefferson, que disse que o PTB está aberto para que eu me candidate para 2022 ao governo do estado do Rio de Janeiro ou ao senado federal, já que estamos em uma batalha imensa lá em Brasília e também outra aqui no estado do Rio de Janeiro. Contudo, é bom que fique claro que eu ainda estou no PSC, eu ainda estou filiado no PSC e eu só poderia sair hoje do PSC através de um acordo que dificilmente haverá ou através do TSE, me liberando, liberando a minha saída do PSC. Do contrário eu corro o risco de perder o meu mandato e, ao perder o mandato, eu perco o meu maior patrimônio, a minha voz, em poder estar cerrando fileiras ao lado do Brasil, pela nossa pátria amada Brasil. Portanto, me senti muito honrado, mas muito honrado mesmo por esse convite do Roberto Jefferson, da sua filha Cristiane Brasil. Porém, ainda continuo filiado no PSC, ok? Só para colocar claro tudo isso para todos vocês. O convite para vir para o governo do Rio de Janeiro pelo PTB, o convite de poder decidir se em 2022 vamos vir governador ou senador pelo PTB muito nos honrou. Agora, quem vai decidir isso, se eu serei candidato a governador do Rio de Janeiro ou se eu serei candidato ao Senado Federal é o povo da minha terra, é o povo do meu Rio de Janeiro. São eles. Caso eu perceba que não há essa vontade do povo que a gente venha ao governo do estado ou ao Senado Federal , que a única casa que pode mudar isso que está acontecendo o STF , então nós vamos colocar o nosso nome novamente à disposição da população do Rio de Janeiro para uma reeleição a deputado federal se essa for a vontade do papai do céu. Porque o dia do amanhã só pertence a Deus. Estamos vivos agora, hoje, nesse momento, não sabemos se estaremos vivos amanhã. Mas, se estivermos, e se estivermos com saúde, não vamos recuar da batalha porque não nos faltará a coragem de continuar lutando pelo nosso Brasil. Um abraço ao presidente Roberto Jefferson, à Cristiane Brasil. Obrigado pelo convite que muito me honrou. Estar no PTB, quem sabe, de acordo com a vontade de Deus, será uma honra muito grande. Mas isso está na vontade de Deus porque eu ainda estou filiado ao PSC. Um abraço a todos. Esclarecido? É sempre assim, é olho no olho. Eu falando com você e você falando comigo. Quem puder compartilhar, compartilha. Beijo no coração. Deus abençoe. Cheguei no Rio agora. Estou indo agora para Iguaba visitar minha querida Iguaba, a cidade praiana aqui no Rio de Janeiro. Mas não é para tomar banho de praia não, é para levantar a bandeira da direita conservadora lá na cidade de Iguaba, ao lado do meu amigo Juninho Negão. Júnior Negão, um abraço. Deus abençoe o Júnior Negão e Deus abençoe sua esposa Jéssica e toda a sua família. Estamos chegando aí na querida Iguaba. Um abraço, pessoal. Deus abençoe!”.

Deputado Otoni de Paula

O deputado, que rompeu com o PSC por conta de críticas ao governador Wilson Witzel, confirmou o convite e comentou a denúncia do MPF: “Aceitei o convite do PTB com a convicção de que essa ação é feita para me intimidar e intimidar protestos e manifestações populares. A mensagem é: ‘Se a gente faz isso com um deputado, que tem imunidade (parlamentar), imagina o que não podemos fazer com vocês’”.

O fracasso na criação do partido do presidente Jair Bolsonaro Aliança Pelo Brasil, com previsão atualizada para sair do papel apenas no fim de 2021, quase dois anos após o planejamento, fez com que muitos deputados bolsonaristas desistissem do projeto. Além de Otoni de Paula, festejado pela militância bolsonarista no evento de lançamento do Aliança, que irá para o PTB, os deputados Luiz Lima (RJ) e Coronel Chrisóstomo (RO) decidiram permanecer no PSL, enquanto Flávio e Carlos Bolsonaro foram para o Republicanos.

A debandada pode ser ainda maior: o PSL, partido que saiu do anonimato com o bolsonarismo, planeja uma reunião com todos os deputados e, diante da reaproximação com o Palácio do Planalto, tentará convencer mais bolsonaristas a não se desfiliarem. No grupo de WhatsApp do Aliança, 90% dos políticos que atuam para fundar a legenda estão, hoje, no PSL.

No Twitter, Otoni reclamou recentemente da postura moderada de Bolsonaro, que reatou pontes com Judiciário e Legislativo: “Estou tendo a sensação de que combinaram algo e não me avisaram. Fui chamado para uma guerra pela minha pátria, mas tô tendo a sensação de que há um acordo de paz com o inimigo, que eu não participei e não participaria”.

Já no dia 20 de julho de 2020, Otoni de Paula criticou o Ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência da República, General Luiz Ramos, também evangélico (batista), dizendo que ele será o responsável por tornar Jair Bolsonaro refém do Centrão, liderado por Roberto Jefferson.

O inquérito do STF não é o primeiro envolvimento do deputado federal evangélico em investigações pela justiça. Em julho de 2018, três meses antes das eleições, Otoni de Paula publicou um vídeo convidando fiéis de sua igreja para comparecerem ao lançamento de sua pré-candidatura e passou a ser investigado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Estado. No vídeo, o pastor e candidato agradece a disposição de “alguns irmãos em alugar um ônibus” para levar fiéis ao evento. Na sequência do vídeo, Otoni pede “palmas para Jesus” e diz que “vivemos um momento de guerra por conta do golpe do impeachment contra o prefeito do Rio, Marcelo Crivella. O pedido de impeachment de Crivella, também evangélico, havia sido processado por alguns vereadores por ter o prefeito oferecido vantagens a fiéis de sua igreja em um evento reservado a pastores na sede da prefeitura. Em outros vídeos, Otoni critica a atuação do juíz que mandou Crivella “parar de usar a prefeitura para favorecer seu grupo religioso”

Bereia classifica o conteúdo do vídeo do deputado federal pastor Otoni de Paula (PSC/RJ), publicado pelo presidente do PTB Roberto Jefferson, como material de campanha, com divulgação imprecisa da figura pública de Jefferson. Atributos como “sempre sinônimo de responsabilidade” e “moral para ensinar esta geração” não correspondem ao histórico do envolvimento do ex-deputado federal, que preside o PTB, com ilegalidades, culminando na atual investigação do seu papel como disseminador de fake news e de discurso de ódio, que é omitido na divulgação do deputado Otoni de Paula.

Foto de Capa: Twitter/Reprodução

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Referências de Checagem

Conheça o perfil e as ligações religiosas dos investigados no inquérito do STF contra Fake News – Parte I. Disponível em: https://coletivobereia.com.br/conheca-o-perfil-e-as-ligacoes-religiosas-dos-investigados-no-inquerito-do-stf-contra-fake-news-parte-i/. Acesso em 20 de julho de 2020.

PGR denuncia deputado Otoni de Paula por difamação e injúria contra Alexandre de Moraes. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/07/14/pgr-denuncia-deputado-otoni-de-paula-por-difamacao-e-injuria-contra-alexandre-de-moraes.ghtml. Acesso em 20 de julho de 2020.

Roberto Jefferson veste figurino bolsonarista após defender Collor e delatar Mensalão. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/04/apos-defender-collor-e-delatar-mensalao-roberto-jefferson-veste-figurino-bolsonarista.shtml. Acesso em 20 de julho de 2020.

PGR denuncia deputado Otoni de Paula por ameaças contra Alexandre de Moraes. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/07/14/interna_politica,872147/pgr-denuncia-deputado-otoni-de-paula-por-ameacas-contra-alexandre-de-m.shtml. Acesso em 20 de julho de 2020.

Alvo de operação, Jefferson compara STF ao nazismo: ”Tribunal do Reich”. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/05/27/interna_politica,858735/alvo-de-operacao-jefferson-compara-stf-ao-nazismo-tribunal-do-reich.shtml Acesso em 20 de julho de 2020.

PGR denuncia deputado ao STF por ofensas a Alexandre de Moraes. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2020-07/pgr-denuncia-deputado-ao-stf-por-ofensas-alexandre-de-moraes. Acesso em 20 de julho de 2020.

Denunciado por ataque a ministro do STF, Otoni de Paula vai se filiar ao PTB. Disponível em: https://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2020-07-16/denunciado-por-ataque-a-ministro-do-stf-otoni-de-paula-vai-se-filiar-ao-ptb.html. Acesso em 20 de julho de 2020.

Demora na criação do Aliança faz deputados desistirem do partido anunciado por Bolsonaro. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/demora-na-criacao-do-alianca-faz-deputados-desistirem-do-partido-anunciado-por-bolsonaro-24540810. Acesso em 20 de julho de 2020.

TRE/RJ mira pastor do PSC que convocou fieis para lançamento de pré-candidatura. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/tre-rj-mira-pastor-do-psc-que-convocou-fieis-para-lancamento-de-pre-candidatura-22894513. Acesso em 20 de julho de 2020.

É falso que médica foi afastada do Hospital Albert Eisntein por defender cloroquina

Circulam pelas mídias sociais de apoiadores do Presidente Jair Bolsonaro e de relativistas da gravidade da pandemia do novo coronavírus conteúdos em tom de denúncia, de que a médica Nise Yamagushi teria sido afastada do Hospital Albert Einsten por defender a cloroquina na cura da Covid-19, como nos exemplos a seguir:

Reprodução/ Twitter

A partir do fato, o site evangélico de notícias Pleno News publicou uma matéria intitulada: “Nise Yamaguchi é afastada por apoiar a hidroxicloroquina”. Além do título, o subtítulo também atrela a suspensão da médica ao suposto apoio da profissional ao uso da hidroxicloroquina: “”Tenho a certeza que ela cura os pacientes nas etapas iniciais”, disse a imunologista”. 

Pesquisadora científica, imunologista e oncologista, a médica Nise Hitomi Yamagushi tornou-se uma das principais defensoras do uso da hidroxicloroquina como tratamento precoce ao novo coronavírus. Ela foi convidada pelo presidente Jair Bolsonaro, em abril, a integrar o comitê de crise ainda na gestão de Luiz Henrique Mandetta no Ministério da Saúde e chegou a ser cotada como ministra quando ele pediu demissão, o que ocorreu novamente quando Nelson Teich se demitiu em maio. Em abril e maio, esteve em diversas agendas com ministros.

Dessa vez, o nome de Nise Yamagushi ganha destaque no cenário nacional mediante seu afastamento do Hospital Israelita Albert Einstein.  De acordo com o Pleno News, a médica concedeu uma entrevista ao jornalista Roberto Cabrini, que foi ao ar na sexta-feira, 10 de julho no programa SBT Brasil, por meio da qual ela teria revelado que foi afastada do hospital. O aviso teria vindo através de uma ligação do diretor clínico da instituição, que acreditaria que o apoio de Nise Yamaguchi ao uso da hidroxicloroquina “denigre o hospital”. 

Matéria Pleno News/ Reprodução

O portal, que na seção “Quem somos” afirma ser uma “referência segura de conteúdo, principalmente no momento de profusão das fake News”, traz a afirmação de que a médica garantiu que grande parte da comunidade médica defende o uso do medicamento.

O Pleno News se baseou na matéria do SBT Brasil publicada no portal da emissora no dia 10 de julho, que registra que Nise Yamaguchi afirmou ter sido afastada do hospital por defender o uso da hidroxicloroquina, ao ser entrevistada exclusivamente pelo jornalista da emissora Roberto Cabrini para o programa Conexão Repórter, que iria ao ar em 13 de julho. 

“Eu recebi uma ligação do diretor clínico do hospital me informando que, a partir deste momento, eu não poderia estar exercendo as minhas funções no hospital, não poderia estar prescrevendo e nem atendendo meus pacientes que já estão internados. (…) Eles acreditam que a minha fala, sempre em prol da hidroxicloroquina, que eles consideram que não tenha fundo científico, denigre o hospital“, afirmou a médica ao jornalista Roberto Cabrini.

Entretanto, o programa também incluiu entrevista exclusiva com o presidente do Hospital Israelita Albert Einstein Sidney Klajner, que confirmou a suspensão de Nise, mas deu outra explicação:

Em entrevista recente a médica teria feito uma comparação infeliz entre o pânico provocado pela pandemia e a postura das vítimas do holocausto, denominada por ela “massa de rebanho de judeus famintos” incontrolável. 

A entrevista à TV Brasil

Nise Yamaguchi concedeu entrevista à emissora pública TV Brasil, programa Impressões, transmitida no domingo, 2 de julho de 2020

Yamaguchi descreveu no programa como deve ser o tratamento com cloroquina, e não mencionou o fato de não haver comprovação científica de sua eficácia, o que vem agradando o governo federal, que tem indicado o medicamento.

“O tratamento é de cinco dias, de hidroxicloroquina. Isso eu posso falar, porque normalmente médico não pode falar receita de bolo na… Mas como ninguém vai conseguir se automedicar, porque precisa de receituário, de controle…”. 

A médica também recomendou o uso preventivo da ivermectina, o que tampouco é embasado categoricamente por estudos clínicos.

“Você pode usar na primeira fase hidroxicloroquina ou ivermectina, ou os dois, com azitromicina e zinco. Porque essa composição é a melhor coisa”.

A apresentadora do programa da TV Brasil Katiuscia Neri, reforçou o que disse a médica:

“Se você não traz essa informação para a gente de que há um tratamento, eu vou continuar com pânico em casa. Não é que a gente está pregando que as pessoas saiam de casa, mas que entendam que tem um tratamento. Esse medo também é muito prejudicial, né?”. 

Neise Yamaguchi respondeu: 

“O medo é prejudicial para tudo. Em primeiro lugar, te paralisa, te deixa massa de manobra. Qualquer pessoa, você pega… Você acha que alguns poucos militares nazistas conseguiriam controlar aquela massa de rebanho de judeus famintos se não submetessem diariamente a humilhações, humilhações e humilhações, tirando deles todas as iniciativas?”.

Ao repórter do SBT, Roberto Cabrini, dias depois, e já suspensa do Albert Einstein, a médica reconheceu que sua fala, comparando o medo do uso da hidroxicloroquina com o nazismo, foi uma das justificativas dadas pelo hospital para sua suspensão.

“Eles [direção do hospital] se referiram também a uma fala que eu teria dito na semana passada, que foi interpretada de uma forma errônea. Eu falei que existia uma situação muito grave no mundo com o pânico que foi instalado, com o medo que levava as pessoas a ficarem reféns de seus algozes”, explicou.

Questionada por Cabrini sobre a relação entre medo, nazismo e uso de hidroxicloroquina, Nise Yamaguchi disse que:

“Todo mundo fala que não tem cura, que não tem tratamento, que você vai morrer. Toda noite tem uma série de campanhas pra pessoa ficar cada vez mais amedrontada e achar que vai entrar em um aparelho de respiração imediatamente. Eu estou dizendo para o público que existe tratamento, sim. Principalmente na fase precoce, que se a pessoa se tratar na fase inicial, ela não vai ter a fase grave”, finalizou. 

Questionada ainda sobre manter um posicionamento contrário ao da maioria da comunidade científica, a médica afirma não saber se este é, de fato, um consenso. “Não acredito que a comunidade inteira pense assim“, diz a médica. Ela ainda afirma que há uma “grande maioria silenciosa” que defende o uso do medicamento.

Depois da divulgação, pelo SBT Notícias, em 10 de julho, de que Nise Yamaguchi teria sido afastada por ser defensora do medicamento hidroxicloroquina para a cura da Covid-19, o Hospital Israelita Albert Einstein divulgou nota à imprensa:

Íntegra da nota do hospital Albert Einstein:

“Com relação a declarações prestadas pela Dra. Nise Yamagushi, o Hospital Israelita Albert Einstein tem a esclarecer o seguinte:

1. O hospital respeita a autonomia inerente ao exercício profissional de todos os médicos, jamais permitindo restrições ou imposições que possam impedir a sua liberdade ou possam prejudicar a eficiência e a correção de seu trabalho.

2. A Dra. Nise Yamagushi faz parte do corpo clínico do Hospital, sendo admissível que perfilhe entendimento próprio com relação ao atendimento de seus pacientes ou à sua postura em face da pandemia ora combatida, desde que observe as regras relacionadas ao uso da sua condição de integrante do Corpo Clínico em sua comunicação.

3. Trata-se, contudo, de hospital israelita e a Dra. Nise Yamagushi, em entrevista recente, estabeleceu analogia infeliz e infundada entre o pânico provocado pela pandemia e a postura de vítimas do holocausto ao declarar que “você acha que alguns poucos militares nazistas conseguiriam controlar aquela MASSA DE REBANHO de judeus famintos se não os submetessem diariamente a humilhações, humilhações, humilhações…”.

4. Como se trata de manifestação insólita, o hospital houve por bem averiguar se houve mero despropósito destituído de intuito ofensivo ou manifestação de desapreço motivada por algum conflito. Durante essa averiguação, que deve ser breve, o hospital não esperava que o fato viesse a público.

A expectativa do hospital é a de que o incidente tenha a melhor e mais célere resolução, de modo a arredar dúvidas e remover desconfortos”.

Pedido de desculpas

Após ter sido afastada das atividades do Hospital Israelita Albert Einstein e procurado o SBT para criticar a medida, atribuindo-a ao fato de ser defensora da hidroxicloroquina, a médica Nise Yamaguchi divulgou nota, por meio de sua assessoria jurídica, em 12 de julho de 2020, se desculpando por qualquer comentário ofensivo à comunidade judaica, ainda que, segundo ela, seja proveniente de uma “interpretação errônea”. 

Íntegra da nota de Nise Yamaguchi:

“Dra. Nise Yamaguchi, por meio de sua assessoria jurídica, manifesta este esclarecimento: 

Têm orgulho de ser membro do Corpo Clínico do Hospital Israelita Albert Einstein por mais de 30 (trinta) anos, possibilitando ajudar e atender inúmeros pacientes. Agradece de forma especial todo o apoio por cartas, e-mails e ligações de diversos membros da Comunidade Judaica, que compreenderam que jamais seria ela anti-semita, já que foi ela a maior apoiadora do processo de conversão da sua irmã para o Judaísmo (Greice Naomi Yamaguchi).

Homenageia os brilhantes cientistas judeus na pessoa do seu mentor, o Professor Doutor Reuben Lotan (Z”L) do M.D. Anderson Cancer Center e previamente do Instituto Weizmann de Israel, que muito a apoiou na sua tese de doutorado na Universidade de São Paulo.

Por tudo aqui já relatado, é cristalino o entendimento de que nunca foi ela antisemita, ao contrário, expressa verdadeira e irrestrita admiração ao conhecimento e toda a contribuição que o povo judeu deu ao planeta, quer por suas percepções cientificas, quer pela sua convivência mais íntima.

Por fim, manifesta o pedido de desculpas por expressões outras e interpretações errôneas sobre assuntos sensíveis ao grande sofrimento judaico que envolveram seu nome, pois é solidária à dor dessa ilustre comunidade como a maior das atrocidades de nossa história ocidental.

Suas palavras, objeto de interpretações não condizentes com suas convicções, foram manifestadas no intuito de expressar a maior dor que ela conhece.”

Apesar do pedido de desculpas, no portal UOL, em matéria de 12 de julho, traz o título: Albert Einstein não descarta demissão de médica após fala sobre holocausto” .

Ao UOL, o presidente do hospital explicou:

“A doutora Nise teve uma suspensão provisória enquanto o nosso comitê de ética apura o que norteou os comentários relativos à comparação do medo da pandemia ao holocausto, um momento extremamente importante, onde 6 milhões de judeus foram mortos, e vários sobreviventes contribuíram inclusive com a fundação do próprio Israelita Albert Einstein”. Ele reiterou que a médica foi chamada para conversar com a diretoria clínica a respeito da utilização do nome Albert Einstein ou contra ou favor de qualquer tratamento promovido por ela. “E não pesa, neste momento, a prescrição ou não da hidroxicloroquina na decisão de sua suspensão”, acrescentou. 

Questionado sobre a possibilidade de demissão, Klajner afirmou. “Aí nós temos que consultar quais as consequências que podem haver porque nunca, na história do Albert Einstein, houve uma situação igual a essa”, finalizou o presidente.

Repúdio de entidades judaicas

A Confederação Israelita do Brasil (Conib) e a Federação Israelita do Estado de São Paulo (Fisesp) emitiram nota conjunta, em 11 de julho, condenando as declarações da médica Nise Yamaguchi comparando a tragédia do Holocausto com a pandemia do coronavírus. Diz a nota:

“São deploráveis as declarações da médica Nise Yamaguchi comparando a tragédia do Holocausto, que causou a morte de 6 milhões de judeus inocentes, além de outras minorias, com a atual pandemia do coronavírus. Comparações desse tipo não têm qualquer fundamento, minimizam os horrores do nazismo e ofendem a memória das vítimas, dos sobreviventes e de suas famílias.

A politização da medicina só contribui para a disseminação desta pandemia. Nosso total apoio ao Hospital Israelita Albert Einstein, referência médico-hospitalar de nosso país e orgulho da comunidade judaica”.

Perda de prestígio com o governo

Reportagem de O Globo, de 3 de julho, já indicava que Nise Yamaguchi havia dito a pessoas próximas que não é mais ouvida pelo Palácio do Planalto ou pelo Ministério da Saúde  estaria escanteada pelo governo federal desde que o General Eduardo Pazuello assumiu o Ministério da Saúde. 

A reportagem de O Globo diz que evidências científicas mostram que o uso da cloroquina não tem efeito sobre pacientes de coronavírus. Mesmo sem uma comprovação da eficácia do remédio, porém, o Ministério da Saúde mantém a orientação de que o medicamento deve ser usado em casos leves, desde que observada a dosagem. Hospitais têm descartado a cloroquina no tratamento do coronavírus. O Hospital Albert Einstein, por exemplo, recomenda que médicos não receitem a substância no tratamento dao Covid. A recomendação ocorreu após a agência norte-americana que regula alimentos e medicamentos, FDA, equivalente à Anvisa brasileira, ter revogado a autorização do uso da cloroquina no tratamento da Covid-19.

Com a perda do protagonismo da medicação no tratamento do coronavírus, Nise Yamaguchi vinha passando mais tempo em São Paulo, onde tem consultório. Procurada pela reportagem de O Globo, a médica negou que tenha havido qualquer estranhamento entre ela e o governo federal, mas reconheceu que estaria trabalhando mais diretamente com o governo de São Paulo: “Sou uma consultora científica independente, o que faço é um trabalho de levantamento da literatura, trabalho com as sociedades médicas. Nunca existiu um vínculo formal”.

Bereia conclui que o conteúdo de postagens e matéria site do site Pleno News, em tom de denúncia, sobre o afastamento da médica Nise Yamaguchi do Hospital Israelita Albert Einstein são falsas. Elas foram induzidas por chamada enganosa da matéria do SBT, de 10 de julho, baseada na fala da médica, sobre ter sido afastada por ser defensora da cloroquina, desconsiderando a afirmação do hospital à própria emissora, de que a ação deveu-se à declaração indevida sobre judeus e o holocausto, uma vez ser funcionária de uma instituição israelita. 

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Referências 

SBT Notícias, 10 de julho de 2020, https://www.sbt.com.br/jornalismo/sbt-brasil/noticia/144931-medica-diz-ter-sido-afastada-de-hospital-por-defender-uso-da-hidroxicloroquina.  Acesso em 14 de julho de 2020

Pleno News, 11 de julho 2020, https://pleno.news/saude/coronavirus/nise-yamaguchi-e-afastada-por-apoiar-a-hidroxicloroquina.html Acesso em 14 de julho de 2020

Conexão Repórter, 13 de julho de 2020, https://www.sbt.com.br/jornalismo/conexao-reporter/noticia/144998-exclusivo-roberto-cabrini-entrevista-medica-nise-yamaguchi Acesso em 14 de julho de 2020

 TV Brasil, Impressões, 2 de julho de 2020, https://www.youtube.com/watch?v=Hi-KDKCRQXs. Acesso em 14 de julho de 2020

Hospital Israelita Albert Einstein, Imprensa: https://www.einstein.br/sobre-einstein/imprensa/press-release/nota-a-imprensa-13072020  Acesso em 14 de julho de 2020 

G1, 12 de julho de 2020, https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/07/12/medica-afastada-por-hospital-albert-einstein-apos-declaracao-sobre-nazismo-pede-desculpas-por-expressoes-e-interpretacoes-erroneas.ghtml Acesso em 14 de julho de 2020

UOL Notícias, 12 de julho de 2020, https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/07/12/albert-einstein-nao-descarta-demissao-de-medica-apos-fala-sobre-holocausto.htm. Acesso em 14 de julho de 2020

CONIB, https://www.conib.org.br/conib-e-fisesp-condenam-comparacao-do-holocausto-com-o-coronavirus/ Acesso em 14 de julho de 2020 

O Globo, 3 de julho de 2020, https://oglobo.globo.com/sociedade/nise-yamaguchi-defensora-da-cloroquina-escanteada-pelo-governo-24514102 Acesso em 14 de julho de 2020

Matérias sobre pastor que sofreu espancamento na Índia são desinformativas

Em 01 de julho, a coluna Giro Cristão disponível no site da Rádio 93 FM, emissora com sede na cidade do Rio de Janeiro, do Grupo MK, do senador evangélico Arolde de Oliveira (DEM/RJ) focada em temas cristãos, publicou uma matéria intitulada: “Pastor é espancado na Índia depois de orar por um doente”.De acordo com o texto, assinado pela jornalista Marcella Bastos, oito ataques contra cristãos teriam acontecido na Índia após a flexibilização do isolamento social por causa da Covid-19. 

Um deles teria sido contra o pastor Suresh Rao. O ato contaria com cerca de 150 pessoas que o arrastaram e espancaram, sob a justificativa de que Rao teria orado por uma pessoa doente. “Eles me arrastaram para a rua e me jogaram no chão. Começaram a pisar em mim, rasgaram minhas roupas, me chutaram por todo o corpo e socaram meu olho esquerdo. Sofri uma lesão ocular grave como resultado de um coágulo sanguíneo”, explicou a vítima em depoimento. Segundo a matéria, que não cita a fonte da notícia, os agressores acusaram o pastor de converter hindus ao Cristianismo, afirmando que a Índia seria uma nação hindu e não teria lugar para cristãos. 

Bereia verificou que sites de notícias cristãs do exterior publicaram matéria sobre o caso, dias antes. Um deles é o CBN News  (Christian Broadcasting Network) que noticiou a agressão ocorrida no dia 21 de junho, ocasião em que o Pastor Rao estaria orando por um doente na vila de Kolonguda. As informações foram baseadas em texto de outro grupo cristão que publica notícias na internet: International Christian Concern (ICC), instituição de caridade, sem fins lucrativos, que se declara prestadora de assistência, conscientização e serviços jurídicos a igrejas cristãs perseguidas em todo o mundo, desde 1995. A matéria na coluna “Persecution” [Perseguição], provavelmente a base para as demais, relaciona o aumento repentino de ataques a cristãos na Índia a partir da suspensão do isolamento social imposto contra a Covid-19. 

“Eles disseram que a Índia é uma nação hindu e que não há lugar para cristãos”, explicou Rao ao ICC. Em outro ponto, ele afirma: “Estou preparado para esse tipo de eventualidade”, explicou o pastor Rao. “Conheço o custo de servir a Jesus nessas aldeias remotas e continuarei a servir as pessoas desta região”. 

O ICC aponta também um outro incidente da mesma natureza no estado indiano de Tamil Nadu, onde uma igreja teria sido reduzida a cinzas, deixando 100 cristãos sem local de culto. “Fiquei tão angustiado e com dores no coração“, disse Ramesh, pastor da Igreja da Paz Real, em entrevista ao ICC, replicada também na matéria da CBN News.

“Foi um trabalho árduo por dez anos construir a igreja. Todo o trabalho árduo e doações de sacrifício dos pobres membros da congregação foram derrubados no chão. Tudo o que resta são cinzas”. Na entrevista, ele acrescentou: “Nos últimos dez anos, radicais me disseram várias vezes para fechar a igreja. Pela graça de Deus, fui capaz de suportar todas essas dificuldades e abusos, mas desta vez é uma devastação total”, acrescentou o pastor.

Um terceiro exemplo apontado na publicação diz respeito a possíveis ameaças de radicais aos membros da Igreja Evangélica Leigos, realizadas em 13 de junho, feitas quando eles estavam montando a igreja para reabrir após o confinamento motivado pela Covid-19. Como explicitado na matéria, o pastor Augustine salientou que os radicais estariam dizendo aos cristãos que orar ou se reunir na igreja era proibido e que os cristãos haviam causado a propagação do vírus.

“Não sabemos o que o futuro reserva”, disse o pastor Augustine. “No entanto, estamos preocupados que os radicais não nos permitam ter um culto na igreja”.

O texto apresenta o temor dos cristãos indianos, preocupados que a perseguição continue à medida que mais pessoas comecem a emergir do isolamento social.

O site evangélico brasileiro Gospel Mais também publicou a notícia sobre o espancamento do pastor Suresh Rao, além de ter abordado o momento político na Índia, considerando-o como extremista, tendo à frente o líder ultranacionalista Narendra Modi, do Partido Bharatiya Janata, no comando do país desde 2014. Gospel Mais sinaliza ainda as restrições da liberdade religiosa aprovadas em 2018, baseadas em argumento de que evangelistas “forçam” ou dão benefícios financeiros aos hindus para convertê-los ao cristianismo.

Entenda a situação dos cristãos na Índia

A Índia é o segundo país mais populoso do mundo, ficando atrás da China. De acordo com o World Christian Database (WCD), a maior religião do país é o hinduísmo, com 72,5% da população. A religião predomina a Índia há séculos (começou a se desenvolver entre 500 e 300 a.C.). A segunda maior religião na Índia é o islamismo, com 14,4% da população. Já o cristianismo desponta como a terceira maior religião no país, com 4,8% da população. Em seguida, vêm as chamadas etno-religiões, com 3,8% da população, que são religiões tribais tradicionais anteriores à chegada do hinduísmo e do budismo no país. Por último, está o budismo, com 0,7% da população, e se originou na Índia Antiga em algum momento entre os séculos 4 e 6 a.C., de onde se espalhou por grande parte da Ásia. 

Estudos atribuem a introdução do cristianismo na Índia pelo Apóstolo Tomé, que supostamente desembarcou em Kerala em 52 d.C. Há, porém, consensos de vários estudiosos de que o cristianismo foi estabelecido na Índia pelo século 6 d.C., por algumas comunidades que usaram liturgias sírio-aramaicas.  Os cristãos são encontrados em toda a Índia, entre católico romanos, ortodoxos de várias tradições e evangélicos, com grandes grupos em partes do sul e da costa sul do país, a costa de Konkan, e também no Nordeste da Índia.

Igrejas protestantes e ortodoxas, bem como organizações ecumênicas, conselhos regionais e agências cristãs da Índia estão articuladas no Conselho Nacional de Igrejas da Índia (NCCI, sigla em inglês). O Conselho foi estabelecido em 1914 como Conselho Missionário Nacional e, em 1979, o Conselho se transformou no que é conhecido como Conselho Nacional de Igrejas na Índia. O NCCI é composto por 30 igrejas-membro, 17 conselhos cristãos regionais, 18 organizações da Índia e 7 agências relacionadas. Representa cerca de 14 milhões de pessoas na Índia. 

O Conselho e seus membros constituintes declaram estar ativamente engajados nos serviços religiosos, na construção da nação e na transformação social. É um Conselho autônomo inter-confessional que indica promover e coordenar vários tipos de atividades pela vida e pelo testemunho responsáveis, pela defesa da dignidade humana, pela justiça ecológica e econômica, pela transparência e prestação de contas e pela equidade e harmonia, através de seus membros constituintes e em parceria com a sociedade civil, ONGs, movimentos populares e simpatizantes em nível local, nacional e internacional.

Cristãos indianos sempre contribuíram significativamente para a vida pública na Índia, segundo o NCCI, e estão representados em várias esferas da vida nacional, entre ministros de Estado, governadores e comissários eleitorais principais. 

A intolerância religiosa na Índia

Apesar da constituição da Índia ser secular e tolerante no tocante à liberdade religiosa, de haver representação religiosa ampla em vários aspectos da sociedade, incluindo no governo, do papel ativo desempenhado por órgãos autônomos, tais como a Comissão Nacional de Direitos Humanos da Índia e a Comissão Nacional para as Minorias, e do trabalho de organizações não- governamentais, há um histórico de perseguição a cristãos e muçulmanos na Índia. Vinham sendo ações pontuais de grupos radicais hindus que consideram tanto o islamismo quanto o cristianismo religiões estrangeiras que devem ser removidas do país, desta forma, muçulmanos e cristãos enfrentam intolerância de parte destes grupos. Já os budistas e siques (membros do siquismo, religião monoteísta que se originou no século XV, em Punjabe, cidade que limita a Índia e o Paquistão) são muito mais aceitos pelos radicais hindus, pois essas religiões se originaram em território indiano.

Pesquisa dos professores da Universidade Tecnológica Nanyang de Singapura, Nilay Saiya, Stuti Manchanda, mostra que, desde 1967, sete dos 29 estados da Índia têm imposto leis de ‘anticonversão’, que são projetadas para impedir que indivíduos e grupos convertam ou tentem converter, direta ou de outra forma, pessoas através de meios ‘forçados’ ou ‘fraudulentos’, incluindo ‘atração’ ou ‘ indução’. Saiya e Manchanda afirmam: 

“Esse pode parecer um objetivo nobre o suficiente [liberdade religiosa]; no entanto, argumentamos que as leis anticonversão realmente servem para gerar violenta perseguição anticristã, criando uma cultura de vigilantismo nos estados onde essas leis existem. Nossa análise conclui que os estados que aplicam leis anti-conversão têm, de fato, estatisticamente mais probabilidade de dar origem a violenta perseguição contra os cristãos do que estados onde essas leis não existem”.

A situação se agrava desde 2014, quando o partido de extrema-direita Bharatiya Janata (BJP, na sigla em inglês) tomou o poder e tem incentivado a ideia de que a Índia deve ser uma nação hindu, com o hinduísmo como sua única fé. Ligada à legenda, a organização Rashtriya Swayamsevak Sangh (RSS) é a principal responsável por disseminar essas ideias, por meio da perseguição religiosa.

Cristãos e muçulmanos têm visto o aumento drástico dos casos de agressão física, de ataques contra igrejas e comunidades, de prisões arbitrárias e de violência sexual, desde que o BJP conquistou a maioria dos assentos no Parlamento e seu líder, Narendra Modi, assumiu o comando do país como primeiro-ministro. Modi renovou o mandato nas eleições de 2019.

O objetivo expresso pelo governo de Modi é fazer da Índia uma nação 100% hindu, livre de outras religiões minoritárias até o fim de 2021. Os poderes Legislativo e Judiciário e organizações ligadas ao governo têm sido incentivados a trabalhar para isso.

Um relatório da organização Human Rights Watch (Observatório de Direitos Humanos) trata dos graves eventos ocorridos em 2018, com perseguição da parte do governo do BJP a ativistas, advogados, defensores de direitos humanos, jornalistas que se colocaram diante dos ataques a minorias religiosas e comunidades marginalizadas. Foram contabilizados 18 ataques apenas no mês de novembro daquele ano.

Em 2017, o jornal O Globo noticiou a prisão de um grupo de 32 católicos enquanto ouvia músicas de Natal no estado de Madhya Pradesh, na Índia, sob suspeita de tentar converter outras pessoas ao cristianismo. Na data, quando um grupo de sacerdotes foi à delegacia de polícia indagar sobre as detenções, o carro em que estavam foi incendiado no estacionamento. Os suspeitos pertencem a um grupo hindu de direita, de acordo com informações do secretário geral da Conferência Episcopal da Índia, Theodore Mascarenhas.

O NCCI (Conselho Nacional de Igrejas da Índia) tem, frequentemente, se manifestado publicamente contra as ações violentas contra cristãos e muçulmanos, por meio de cartas abertas dirigidas ao primeiro-ministro. Da mesma forma a Conferência Cristã da Ásia, organização regional que representa 15 conselhos nacionais de igrejas de mais de 100 denominações cristãs.

Lei recentemente aprovada pelo parlamento indiano foi condenada pelo NCCI e teve repercussão mundial. É a emenda à Lei da Cidadania, aprovada em 2019, que dá cidadania aos hindus, sikhs, budistas, jainistas, parses e cristãos não-indianos residentes na Índia antes de 2014, mas exclui os muçulmanos. O comissariado de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) afirma que esta lei é “fundamentalmente discriminatória”.

O relatório do Alto Comissário dos Direitos Humanos da ONU, de março de 2018, já afirmava:

“Na Índia, estou cada vez mais perturbado pela discriminação e violência dirigida a minorias, incluindo dalits e outras castas programadas, e minorias religiosas como muçulmanos. Em alguns casos, essa injustiça parece ativamente endossada por autoridades locais ou religiosas. Estou preocupado com o fato de as críticas de políticas governamentais serem frequentemente contestadas por alegações de que constituem sedição ou ameaça à segurança nacional. Estou profundamente preocupado com os esforços para limitar as vozes críticas através do cancelamento ou suspensão do registro de milhares de ONGs, incluindo grupos que defendem os direitos humanos e até grupos de saúde pública”.

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Diante da verificação empreendida pelo Coletivo Bereia, é possível afirmar que casos de intolerância e perseguição religiosa contra cristãos e outras minorias religiosas, em especial muçulmanos, que eram pontuais na Índia há muitas décadas, estão ocorrendo com mais intensidade desde que o partido de extrema-direita Bharatiya Janata, com o primeiro ministro Narendra Modi, chegaram ao poder em 2014. 

É possível que o relato do espancamento do pastor Suresh Rao tenha ocorrido, diante deste quadro, no entanto, este caso específico não pode ser comprovado nas pesquisas empreendidas pelo Bereia. A matéria da Rádio 93 FM, do Rio, publicada também no Gospel Mais, a partir de veículos de notícias cristãs internacionais, é classificada, portanto, como imprecisa. A matéria não apresenta dados relevantes como a fonte de onde foi baseada a notícia, a data do ocorrido, o nome da igreja ao qual o pastor está vinculado, a cidade onde ocorreu a possível ação violenta e as providências tomadas por justiça em relação a este caso de violência e o contexto em que se dá o caso (exceção do Gospel Mais, neste ponto).

A imagem utilizada como capa da notícia é o registro de um protesto entre hindus e mulçumanos, e não entre cristãos (Foto: Reuters/Danish Siddiqui)

Além disso faz uso de foto enganosa. A foto de um homem sendo espancado atribuída pela Rádio 93 FM ao pastor Rao, é, na verdade, da Agência Reuters, de caso ocorrido em 26 de junho de 2020, com ataque ao muçulmano Mohammad Zubai que se dirigia a uma mesquita. A possível fonte localizada pelo Coletivo Bereia, o International Christian Concern também não oferece dados sobre o caso, apenas diz que o pastor atua no estado de Telangana mas não publicou fotos atribuídas ao caso.


Este tipo de matéria sobre a perseguição religiosa desinforma, pois, além de reforçar o sensacionalismo de imagens de violência, silencia sobre outros grupos religiosos que são alvo, além dos cristãos, até mesmo com mais discriminação por leis. O caso do uso da foto enganosa é bem ilustrativo desta postura desinformativa. Com isso se faz, leitores pensarem que apenas cristãos sofrem violações naquele país, reforçando imaginários de vitimização exclusiva. De igual modo, as matérias ignoram as ações diante desta violação de direitos humanos nos países em que ocorre a perseguição, inclusive as dos próprios Conselho de Igrejas locais e as pressões de órgãos internacionais por procedimentos de justiça nestes casos, levando à falsa compreensão de que nada é realizado.

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Referências da Checagem:

Pastor que orava por doentes é arrastado e espancado por multidão na Índia. Disponível em: https://noticias.gospelmais.com.br/pastor-orava-espancado-multidao-india-136861.html. Acesso em 06 de julho de 2020.

Pastor espancado por Mob, igreja incendiada enquanto a perseguição cristã violenta aumenta na Índia.  Disponível em: https://www1.cbn.com/cbnnews/world/2020/june/pastor-beaten-by-mob-church-set-on-fire-as-violent-christian-persecution-escalates-in-india. Acesso em 06 de julho de 2020.

Giuliano Martins Massi. Cristianismo na Índia: os cristãos de São Tomé, sua constituição, suas tradições e suas práticas religiosas. Dissertação de Mestrado, Ciência da Religião UFJF. Disponível em: http://bdtd.ibict.br/vufind/Record/UFJF_7564a2e9be6e6356aa1ff80bf65c2653   Acesso em 06 de julho de 2020.

Católicos são presos na Índia após cantar músicas de Natal. Disponível em: https://oglobo.globo.com/mundo/catolicos-sao-presos-na-india-apos-cantarem-musicas-de-natal-22195956. Acesso em 06 de julho de 2020.

Nilay Saiya, Stuti Manchanda. Anti-conversion laws and violent Christian persecution in the states of India: a quantitative analysis. Ethnicities Volume: 20 issue: 3, page(s): 587-607  Disponível em https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/1468796819885396. Acesso em 07 jul 2020

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy. A Constituição da Índia. Jus.com.br, jan 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10831/a-constituicao-da-india#:~:text=A%20constitui%C3%A7%C3%A3o%20da%20%C3%8Dndia%20principia,a%20igualdade%20e%20a%20fraternidade.. Acesso em 07 jul 2020

O Estado de São Paulo. Ódio religioso: políticas de líder indiano acendem barril de pólvora, 6 mar 2020. Disponível em: https://outline.com/aKrUdz. Acesso em 07 jul 2020.

El País. Índia dá vitória à tradição e ao nacionalismo hindu nas urnas, 24 mai 2019. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/05/23/internacional/1558592881_394460.html Acesso em 07 jul 2020. 

NCCI (Conselho Nacional de Igrejas da Índia). Disponível em: https://ncci1914.com/1825/2014/07/03/general-news/. Acesso em 07 jul 2020

Conferência Cristã da Ásia. Disponível em: https://cca.org.hk/attacks-on-christians-in-india/. Acesso em 07 jul 2020

Human Rights Watch. Disponível em: https://www.hrw.org/world-report/2019/country-chapters/india. Acesso em 07 jul 2020

ONU, Direitos Humanos. Disponível em https://news.un.org/en/story/2019/12/1053511 Acesso em 07 jul 2020

Zeid Ra’ad al-Hussein (March 2018). High Commissioner’s global update of human rights concerns (Report). UN Office of Human Rights. Dsiponível em: https://www.ohchr.org/EN/NewsEvents/Pages/DisplayNews.aspx?NewsID=22772&LangID=E. Acesso em: 07 jul 2020

Tabibi Tossul – https://tabibitosoul.com/2014/08/12/cristaos-na-india-2a-parte/

Matéria enganosa afirma que movimento ‘Vidas Negras Importam’ incentiva derrubada de estátuas de Jesus

O título é categórico: “‘Black Lives Matter’ incentiva derrubada de estátuas de Jesus: ‘Supremacia branca”. A partir daí, a matéria publicada no site evangélico Gospel Mais, no último dia 25 de junho, afirma logo no primeiro parágrafo que “o movimento Black Lives Matter (BLM) [Vidas Negras Importam] vem incitando protestos violentos em meio à comoção generalizada decorrente do assassinato de George Floyd [em 25 de maio de 2020]”. O texto indica aos leitores que um dos principais líderes da militância está “incentivando a derrubada de estátuas e bustos que representem Jesus Cristo como um homem branco”. A afirmação declara de forma evidente que a ideia de derrubar as referidas imagens partem do movimento BLM.

Contudo, apenas no parágrafo posterior da matéria, Gospel Mais traz a explicação de que a declaração que originou a matéria foi feita por Shaun King, ativista formador de opinião e apoiador do movimento antirracista.  Ele ainda comanda o podcast “The Breakdown”, em que conta as histórias relacionadas à injustiça, ao racismo e à corrupção. Em seu perfil no Twitter, o ativista criou polêmica ao afirmar que representações de Jesus Cristo com características europeias são uma “forma de supremacia branca”, tendo ainda defendido que tais obras deveriam ser derrubadas. O tweet, publicado por Shaun King no dia 22 de junho, contabilizou mais de nove mil retweets e 11,5 mil curtidas. Em português, o texto diz:

Sim, acho que as estátuas do europeu branco que afirmam ser Jesus também deveriam ser postas abaixo.

Eles são uma forma de supremacia branca.

Sempre foi.

Na Bíblia, quando a família de Jesus queria se esconder e se misturar, adivinha para onde eles foram?

EGITO!

Não na Dinamarca.

Derrube-os.

Os protestos que atingem os monumentos históricos

A postagem de Shaun King foi feita no contexto da onda de protestos contra o assassinato de George Floyd, homem negro de 46 anos, desempregado, pela polícia de Minneapolis (EUA). Floyd havia sido detido em 25 de maio de 2020, por suspeita de uso de dinheiro falso e, no ato, foi imobilizado por um policial que ajoelhou em seu pescoço por mais de oito minutos. Apesar de George Floyd não ter oferecido resistência à prisão, acabou morto por asfixia pelo policial que o imobilizou, acompanhado por dois policiais, desconsiderando os gritos do preso: “Eu não consigo respirar!”.  O caso, mais um no histórico de ações violentas da polícia nos EUA contra a população negra, ganhou destaque no noticiário e nas mídias sociais e gerou revolta não apenas entre pessoas negras, mas entre todas naquele país que se opõem ao racismo estrutural que marca sua história.

Durante muitos dias foram realizados protestos pacíficos, outros nem tanto, seguidos de depredações, em todos os EUA, alcançando, em poucos dias, vários outros lugares do mundo, em desafio ao isolamento contra a pandemia de coronavírus, para que pessoas de todas as cores, classes sociais e idades se manifestassem contra o racismo, as desigualdades sociais e a brutalidade policial. Os protestos se transformaram em um movimento histórico mundial – BLM [Vidas Negras Importam] – que, mais uma vez, expôs as entranhas do racismo e reacendeu o desejo de justiça e mudança nas relações humanas. 

Foto: Estátua do rei Leopoldo 2°, que havia sido manchada de tinta vermelha por manifestantes, foi removida na Bélgica (DW)

O BLM gerou resultados: os policiais foram demitidos e presos e modificações nas políticas de segurança foram adotadas em várias cidades e estados. 

Entre as manifestações, começou a ser questionada a existência de monumentos e homenagens públicas a figuras racistas e que, historicamente, contribuíram para a violência contra não-brancos. A partir deste questionamento, foram tomadas iniciativas de reivindicação da retirada oficial destes monumentos e algumas ações concretas. Em 9 de junho, uma estátua de Cristóvão Colombo foi derrubada em Richmond, nos EUA, incendiada e jogada em um lago por manifestantes. Um cartaz foi colocado no pedestal vazio com a frase “Colombo representa genocídio”. Defensores dos direitos de nativos americanos há muito pressionam os estados dos EUA a mudarem o Dia de Colombo para Dia dos Povos Indígenas, devido a críticas de que Colombo teria sido o precursor de um genocídio de populações indígenas das Américas. 

Já a prefeitura de Londres, Inglaterra, anunciou que estátuas de pessoas ligadas ao período colonial poderão ser removidas das ruas e parques, e deverão refletir melhor a diversidade racial e cultural da capital. Em 9 de junho, uma estátua do proprietário de escravos Robert Milligan, que estava em frente ao Docklands Museum, perto do rio Tâmisa, foi retirada pela entidade responsável pelo monumento, a Canal and River Trust, para expressar “o sentimento da comunidade”. Milligan foi um comerciante proprietário de fazendas e de escravos nas Índias Ocidentais no século 18 e 19.  A estátua dele estava no local desde o início dos anos 1800. A remoção ocorreu depois de um grupo de manifestantes, em 7 de junho, ter derrubado e lançado ao rio a estátua do comerciante de escravos Edward Colston, em Bristol, no oeste de Inglaterra. Na cidade de Oxford, centenas de manifestantes pediram, em 9 de junho, a retirada do monumento do colonizador Cecil Rodhes, situado em frente ao Oriel College. Também houve protestos no centro de Londres e em outras cidades britânicas.

(Reprodução/ La Tercera)

É importante recordar que a derrubada de estátuas de personagens homenageadas em uma época e questionados em outra, é processo comum, especialmente quando há movimentos revolucionários, mudanças de regime político. Da mesma forma, a mudança de nomes de ruas, de locais públicos e até de cidades em protesto às homenagens não mais apoiadas. Um exemplo clássico se deu com o fim da União Soviética nos anos 1990.  Os povos sob o regime soviético recuperaram sua memória, e tradições culturais e religiosas foram reinstauradas: bandeiras redesenhadas, ruas renomeadas, estátuas de heróis do mundo soviético foram derrubadas, e os livros de história reescritos. Este episódio foi fartamente celebrado pelo mundo ocidental à época. ) 

A postagem de Shaun King ocorreu neste contexto, o que não foi explicado na matéria do Gospel Mais. No compromisso com a informação e com um jornalismo coerente, o Coletivo Bereia oferece esta contextualização, que ainda demanda aprofundamento, pois estes movimentos e os questionamentos que os embasam não nascem com a morte de George Floyd. 

Movimentos por justiça racial são antigos

A questão da justiça racial está em alta com estas manifestações estimuladas pelo assassinato de George Floyd, porém a justiça racial é uma discussão que permeou o século 20, com a realidade imposta à população de cor preta, desde a extinção da escravidão na Europa e nas Américas, na segunda metade do século 19. Ela ganhou auge nas lutas pelos direitos civis para as pessoas negras nos Estados Unidos nos anos 1950 e 1960. O movimento buscava reformas naquele país visando abolir a discriminação e a segregação racial, com ele surgiram articulações como o Black Power e os Panteras Negras (Demétrio Magnoli, Uma Gota de Sangue: história do pensamento racial. 2009).

O marco inicial do movimento pelos direitos civis se deu no sul dos Estados Unidos, fortemente racista no país, especificamente na cidade de Montgomery, estado do Alabama, em 1 de dezembro de 1955, quando a costureira negra Rosa Parks (conhecida como “A Mãe dos Direitos Civis”) se recusou a ceder seu lugar para um homem branco em um ônibus, prática obrigatória de acordo com as leis segregacionistas daquele estado. 

Grupos religiosos fizeram história na luta pelos direitos civis nos Estados Unidos, que inspiraram demandas por justiça racial em todo o mundo. O pastor batista Martin Luther King Jr. e o líder islâmico Malcom X não apenas se destacaram nas ações pelo fim da segregação racial e os direitos das pessoas negras como tornaram-se mártires do movimento – os dois foram assassinados por racistas oposicionistas da causa. Luther King havia ganho o Prêmio Nobel da Paz, em 1964, como reconhecimento dos esforços pacíficos que empenhou.

Foto: o teólogo e pastor batista, Luther King, à sua esquerda, e o ativista Malcolm X (Reprodução/ PSTU)

Estas ações inspiraram o movimento anti-apartheid nos anos 1980, o regime segregacionista da África do Sul, que impôs uma prisão de 27 anos ao líder oposicionista Nelson Mandela, mais tarde presidente do país. Grupos cristãos também tiveram protagonismo na causa anti-apartheid, tendo se destacado a liderança do Bispo Anglicano Desmond Tutu. As ações e todas estas personagens continuam inspirando movimentos por justiça racial até hoje, como foi com a confluência em tono da morte de George Floyd, em 25 de maio de 2020.

A Teologia Negra

Destes movimentos do século 20 nasceu, entre cristãos nos Estados Unidos, a Teologia Negra. É uma leitura teológica, que atualmente está presente em diversas partes do mundo, e contextualiza a fé cristã pelo olhar dos povos negros escravizados, injustiçados e segregados. A Teologia Negra oferece uma leitura da Bíblia, a partir da experiência de fé dos negros estadunidenses, manifestada nos cânticos, nos sermões e em orações. Esta leitura destaca o êxodo do Egito e a ressurreição de Jesus como inspirações-chave da libertação de segregados e injustiçados. Um dos precursores desta teologia é James Cone, um teólogo afro-americano, cristão da Igreja Metodista Episcopal Africana, falecido em 2018, aos 80 anos. O livro de Cone, considerado um clássico da Teologia Negra, “O Deus dos Oprimidos” (1985), foi publicado no Brasil pelas Edições Paulinas. No Brasil, entre os precursores da Teologia, estão o teólogo evangélico Joaquim Beato (anos 60) e a teóloga feminista católica Sílvia Regina de Lima (anos 80). Entre os jovens teólogos brasileiros está o evangélico Ronilso Pacheco, autor do livro Teologia Negra (Recriar e Novos Diálogos, 2019), atualmente em estudos de Mestrado em Teologia no Union Theological Seminary (Nova Iorque/EUA). Ele é também autor de “Ocupar, resistir, subverter: igreja e teologia em tempos de violência, racismo e opressão” (Novos Diálogos, 2016).

Fotos: Da esquerda par a direita: o teólogo afro-americano James Cone (Reprodução/ NYT); o Pastor Joaquim Beato ( Reprodução feita a partir do documentário “O sonho ecumênico); e a teóloga feminista católica Sílvia Regina de Lima (Reprodução/ Feminino Praxis)

Uma das reflexões provocadas pela Teologia Negra diz respeito ao “embranquecimento”, a negação das diferenças de cor em nome da supremacia branca, com o desprezo à negritude e a outras etnias, nas bases do Cristianismo. De acordo com o pesquisador Matheus Souza Gomes,  

“A história do cristianismo no Ocidente é marcadamente etnocêntrica e racista. Ainda que as teorias raciais datem do século 19 (muitas delas baseadas no etnocentrismo europeu construído desde os séculos 9º e 10º e no chamado darwinismo social), a tradição cristã europeia, que se tornou hegemônica na parte ocidental do mundo, carrega consigo a marca do etnocentrismo com base na crença de que a verdade divina foi revelada com exclusividade na pessoa de (um) Jesus de Nazaré (branco). Já se sabe, a partir de estudos bíblicos, arqueológicos, históricos e teológicos, que o Nazareno, era de origem judaica, nascido na região da Palestina durante a ocupação do território por forças romanas. Bem, devido à sua herança geográfica e étnica, é possível afirmar que a imagem do Cristo concebido pela tradição cristã europeia e que se popularizou não guarda nenhuma semelhança com o Jesus histórico nascido na Palestina dominada pelos romanos. Jesus de Nazaré não era branco. Era um judeu negro do Oriente Médio.

Essa constatação que, muitas vezes, passa batido por uma parcela significativa dos cristãos e que é negligenciada por diversas lideranças religiosas, possuí relevância para a história do cristianismo e revela um interessante paradoxo da tradição: o processo de embranquecimento da principal figura religiosa da tradição cristã: o próprio Jesus de Nazaré. Se a mensagem do Cristo se baseia na abertura e respeito para com o outro, por que as igrejas cristãs no Ocidente, principalmente, se deram ao trabalho de modificar as características físicas do “Filho de Deus”? Mais do que isto, por que durante o processo de expansão do cristianismo, a imagem de Jesus com características europeias foi conservada e, ainda hoje, é difundida pela tradição cristã ocidental? São perguntas inquietantes, mas que retratam um aspecto do cristianismo hegemônico no Ocidente: o seu racismo religioso”.

Estas concepções teológicas não dizem respeito apenas às imagens de Jesus, mas a todas as personagens bíblicas que, ao longo da história, tiveram seus traços do Oriente Médio embranquecidos, ocidentalizados. Esta observação extrapola a religião e entra pela História, por exemplo, quando personagens são representados de forma embranquecida, tendo sua negritude negada. Um exemplo, no Brasil, são os destacados escritores que têm sua identidade negra apagada nos estudos de literatura, como Machado de Assis e Cruz e Souza. É neste contexto, não abordado na matéria produzida por Gospel Mais, que se dá a afirmação de Shaun King, na postagem em que protesta contra as estátuas que representam Jesus na Europa branca.  

Desdobramentos 

Como é possível concluir, a partir de uma contextualização, a postagem de Shaun King não trata de uma incitação, e, sim, de um parecer defendido por ele, inserido em um debate norte americano por anos reivindicado, inclusive por diversas denominações negras. Em depoimento ao Coletivo Bereia, o teólogo Ronilso Pacheco acrescenta:

“Sim, a afirmação de King está pública no Twitter. Ela não é uma incitação, mas o que ele acha que deveria acontecer. E está inserida em um debate próprio do contexto americano, que não é de hoje, reivindicado inclusive por muitas igrejas negras. O Jesus, branco e de traços europeus, não corresponde em nada à realidade mais próxima do que se sabe sobre a imagem de Jesus. Desfazer essa imagem e o que ela significa na luta pelo fim do legado da escravidão é um debate sempre atual nos Estados Unidos. A matéria do Gospel Mais, de forma mentirosa, põe um título que afirma categoricamente que o Black Lives Matter está incitando a derrubada de estátuas de Jesus. A afirmação não é do BLM, mas do Shaun King”.

Reportagem do site Aventuras na História que também noticiou o fato, salienta que, para Shaun, diversas obras que mostram um Jesus Cristo branco são peças “criadas como ferramentas de opressão”, um tipo de “propaganda racista”. Na opinião do ativista, segundo a matéria, a imagem caucasiana do profeta foi “criada para ajudar os brancos a usar a fé como uma ferramenta de opressão”. Portanto, ratifica-se que crítica foi feita em meio aos muitos protestos antirracistas que tomam as ruas ao redor do mundo. Nesse contexto, como referido, diversos personagens históricos vêm sendo questionados, enquanto suas estátuas são pichadas, derrubadas e retiradas de seus pilares.

Na coluna Mundialista da revista Veja, do dia 24 de junho, a jornalista Vilma Gryzinski afirmou: 

“Shaun King, o autor das tuitadas provocadoras, tem uma obsessão por tons de pele. Sua mãe e seu pai dizem que ele é branco, mas King ganhou notoriedade como militante do Black Lives Matter. Usa até um bigodinho fino parecido com o de seu xará muitíssimo mais famoso, Martin Luther King, além de óculos e cabelos à la Malcolm X. O King atual diz que seu pai biológico era ‘um negro de pele clara’ com quem a mãe teve um relacionamento. Quando alguém põe a mãe no meio, voluntariamente, a coisa está feia. Sem falar em envolver Jesus na atual onda de estátuas derrubadas nos Estados Unidos, num furor iconoclasta que levou Donald Trump a ameaçar invocar a justiça federal e criar uma pena de 10 anos de prisão para quem continuar a praticar o vandalismo”.

O site UOL também noticiou o fato sem, no entanto, remeter ao suposto estímulo à derrubada de estátuas de Cristo ao movimento BLM. A matéria cita Shaun King como ativista norte americano, um dos fundadores da organização Real Justice PAC e apoiador do movimento “Black Lives Matter”. Segundo o texto, nas últimas semanas, algumas estátuas — principalmente aquelas ligadas a personagens escravagistas ou de passado colonial dos países — foram derrubadas ou pichadas por manifestantes nos EUA e em outros lugares do mundo.

Em alusão à mesma matéria da UOL, o deputado federal evangélico Carlos Jordy, fez uma postagem em seu perfil no Instagram, que atualmente possui mais de 263 mil seguidores. Ao citar a fonte, o deputado destaca: “organização ligada ao black lives matter, a esquerda americana que diz combater o racismo”.

Num recurso comum de quem usa desinformação para fins políticos, com imposição de medo e terror ao público, para criar rejeição a temas dos quais discorda e a opositores, o deputado usa a imagem do Cristo Redentor para relacionar à “ameaça” de derrubada de estátuas de Jesus.  O Coletivo Bereia mostrou a postagem do deputado Carlos Jordy no Instagram ao teólogo Ronilso Pacheco, que assim avaliou:  

“É ainda tão desonesta quanto à matéria do Gospel Mais, porque ele tira as frases do contexto, coloca entre aspas para passar a ideia de que são as afirmações de Shaun King, mas na verdade elas estão ‘editadas’. Nitidamente, Jordy está forçando a barra para que o leitor acredite que King pura e simplesmente disse que imagens de Jesus (qualquer uma, sem qualquer contexto) sejam derrubadas. Passar a ideia de que a crítica de King é contra a igreja e o cristianismo por si só, e não contra o uso racista e seletiva da imagem de Jesus”.

De volta à publicação do Gospel Mais, percebe-se ainda o termo “vandalizem”, o que, na verdade, não foi utilizado pelo ativista norte americano na ocasião da postagem no Twitter. Para o teólogo Ronildo Pacheco, em depoimento ao Coletivo Bereia, “Shaun King não usou o termo ‘vandalizar’ exatamente porque ele não tem o mesmo simbolismo que ‘derrubar’. Derrubar a imagem do Jesus europeizado tem o mesmo valor simbólico da derrubada da imagem de um general confederado que escravizou e matou milhares de afro-americanos. Esse é o contexto da mensagem”.

Como é comum em material desinformativo, para chancelar a aparente veracidade, a matéria do Gospel Mais recorre à opinião de Voddie Baucham Jr, pastor e teólogo negro, que participou de um programa de rádio para comentar os episódios do assassinato de George Floyd, no qual descreveu o movimento BLM como “anticristão”.  No depoimento, Baucham teria destacado que já é realidade a percepção de alguns cristãos que a Igreja deveria abraçar essas pautas, em busca da chamada justiça social, mas o resultado, para ele, é que essas pessoas terminam se distanciando do que a Bíblia ensina e prega. 

O teólogo Ronilso Pacheco explica, em depoimento ao Coletivo Bereia: 

Teólogo e pastor , Ronilson Pacheco é ativista no campo dos direitos humanos e colaborador de diversas organizações, igrejas e movimentos sociais. É formado em Teologia pela PUC-Rio e mestrando em Teologia pelo Union Theological Seminary, da Universidade de Columbia (EUA).
(Reprodução/ Facebook)

“Para mostrar ‘veracidade’, a matéria ouve a opinião de um pastor, negro, Voddie Baucham. Curioso ouvir justamente o pastor que enfureceu a comunidade negra, incluindo tantos pastores e pastoras, em 2014, quando, na ocasião do assassinato de Michael Brown, em Ferguson (contexto em que nasce o BLM) afirmou, em artigo na The Gospel Coalition, que a polícia não matava tantos negros. Para Baucham, homens negros morriam mais nas mãos de outros negros, e que achava preocupante ter negros que se preocupavam mais em fazer parte de uma raça do que do corpo de Cristo”.

O Coletivo Bereia classifica a matéria do site evangélico Gospel Mais como enganosa, uma vez que ela se baseia em uma postagem que, de fato, foi feita pelo ativista estadunidense Shaun King no seu perfil Twitter. No entanto, Gospel Mais desinforma para criar rejeição dos seus leitores ao BLM, ao atribuir a fala pessoal de Shaun King ao movimento, ao distorcer o conteúdo para criticar o ativista, com ausência de contextualização do discurso contido na postagem, com uso de termos com juízo de valor e com manipulação da declaração de uma fonte para levar seus leitores a acreditarem que foi feita uma incitação de “vandalismo”.  

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Referência de Checagem

Gospel Mais Black Lives Matter’ incentiva derrubada de estátuas de Jesus: ‘Supremacia branc. Disponível em: https://noticias.gospelmais.com.br/?p=136649&amp

Mundialista, Veja, Nem Cristo escapa: militante derrubaria estátuas “brancas”. 24 jun 2020. Disponível em: https://veja.abril.com.br/blog/mundialista/nem-cristo-escapa-militante-derrubaria-estatuas-brancas/

Notícias UOL, Ativista: estátuas de Jesus ‘europeu’ são símbolos de supremacia branca, 23 jun 2020. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2020/06/23/ativista-diz-que-estatuas-de-jesus-sao-simbolos-de-supremacia-branca.htm

Aventuras na História. Ativista afirma que imagem de Jesus Cristo caucasiano é uma “forma de supremacia branca”, 24 jun 2020. Disponível em:https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/historia-hoje/ativista-afirma-que-imagem-de-jesus-cristo-caucasiano-e-uma-forma-de-supremacia-branca.phtml

MAGNOLI, Demétrio. Uma Gota de Sangue: história do pensamento racial. São Paulo: Contexto, 2009.

IHU On Line. Uma teologia como chave para oprimidos resistirem à aspereza da vida. Entrevista com Ronilso Pacheco. IHU On Line, 4 set 2019. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/159-noticias/entrevistas/592266-uma-teologia-como-chave-para-oprimidos-resistirem-a-aspereza-da-vida-entrevista-especial-com-ronilso-pacheco

Dom Total. Por um cristianismo que assuma o Jesus Negro, 11 out 2019. Disponível em https://domtotal.com/noticia/1394162/2019/10/por-um-cristianismo-que-assuma-o-jesus-negro/ 

Russia Beyond. Da ascensão ao tombo: como os monumentos a Stálin sumiram do mapa europeu. 27 jun 2018. Disponível em: https://br.rbth.com/historia/80804-ascensao-tombo-monumentos-stalin-sumiram-mapa-europeu

Revista Prosa Verso e Arte. Disponível em: https://www.revistaprosaversoearte.com/15-escritoras-e-escritores-negros-que-deveriam-ser-estudados-nas-escolas/

Relacionar brinde do Presidente Bolsonaro com leite ao nazismo é enganoso

A Live da Semana do Presidente Jair Bolsonaro (sem partido), da última quinta-feira, 28 de maio, despontou como mais uma polêmica que o envolve. Na ocasião, ele tomou um copo de leite junto com os participantes, o presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, e o Secretário de Aquicultura e Pesca do Ministério da Agricultura, Jorge Seif Junior.

Na transmissão no YouTube, cujas visualizações chegavam até quase 287 mil até a data desta matéria, o presidente diz (minuto 10’40’’)

“Vamos aproveitar o momento aqui, pessoal, eu não estou fazendo propaganda de marca nenhuma, tá? Desafio do Leite. Vamos brindar aqui o nosso produtor rural, o pessoal do setor leiteiro do Brasil, é uma atividade que não é fácil – eu morei em fazenda por algum tempo lá em Eldorado Paulista, na Fazenda Quirongosi – nós somos o terceiro maior produtor de leite do mundo e sempre tomei isso aqui. De vez em quando tomo uns venenos aí, tá certo, que vem aí a gente compra em lata nos bares, tá? Mas um brinde a todos os produtores de leite do Brasil e um brinde a nossa querida Tereza Cristina. Não é a melhor não né? Porque se for a melhor só podia ser ela porque não tem outra mulher. Entre todos os outros, homens, que passaram pela agricultura, com todo o respeito, a melhor… Ministério da Agricultura do Brasil, Tereza Cristina. Vamos lá. Selva!

Foto: Reprodução/ Youtube

Matéria publicada no site do Canal Rural, no mesmo dia daquela transmissão em vídeo, confirmou que o presidente teria feito “uma pequena homenagem” aos produtores de leite no Brasil.

A ação viral teria consistido no “desafio” entre produtores e personalidades midiáticas para que gravassem um vídeo tomando um copo de leite. A pessoa entrava na brincadeira, desafiava outros amigos durante a gravação e bebia o leite.

Em pouco tempo, várias postagens em mídias sociais de pessoas e organizações passaram a criticar o ato, que, em sua compreensão, seria uma mensagem subliminar do presidente em prol da supremacia branca, ou seja, Bolsonaro acreditaria na superioridade da raça caucasiana em detrimento das outras. Isso porque foi recuperado que diversos movimentos neonazistas têm adotado a prática de tomar leite em vídeos como um símbolo da tal supremacia racial. Alguns exemplos:

Reprodução/ Twitter

Depois que o debate sobre o tema viralizou nas mídias sociais, Jair Bolsonaro postou mensagens em seu perfil no Twitter dizendo que a discussão era fake news e mostrando estar participando do desafio do leite:

Foto: Reprodução/ Twitter

O filho do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL/SP), e o blogueiro pró-governo Allan dos Santos também se manifestaram com ampla repercussão. 

O primeiro postou no Twitter uma foto do casal de atores negros Taís Araújo e Lázaro Ramos tomando leite, enquanto o segundo postou um vídeo, ele mesmo, bebendo um copo de leite durante uma transmissão em seu canal do Youtube, logo após a live de Bolsonaro. Rindo, Allan dos Santos faz ainda o comentário de que “entendedores entenderão”. Um dos participantes da live ainda chega a citar “mensagem subliminar”.

Foto: Reprodução/ Youtube

Foram muitas as postagens de apoiadores do presidente com críticas às suspeitas levantadas pelos opositores:

Foto: Reprodução/ Twitter

Sobre Desafio do Leite

O Desafio do Leite é uma iniciativa apoiada pela Associação Brasileira dos Produtores de Leite. Segundo o seu Estatuto Social, a Abraleite é uma entidade civil sem fins lucrativos, constituída com o objetivo de defender nacionalmente os interesses dos produtores de leite e criadores de raças bovídeas leiteiras, representada por pessoas físicas ou jurídicas que atuem diretamente com a produção de leite e criação de raças bovídeas leiteiras.

Segundo o Canal do Leite,  foram os produtores Reynold Groenwold e Robert Salomons, juntamente com a equipe da COWSDIARIO, que criaram um  “desafio do leite” nas mídias sociais, em 20 de maio, antes da live do presidente Bolsonaro.

Destacando a importância e o dinamismo do setor lácteo nesse momento de crise do coronavírus, o ‘desafio’ consiste em gravar um vídeo tomando um copo de leite e convidar três outras pessoas para fazer o mesmo. Com o objetivo de valorizar a atividade leiteira e o consumo deste nobre produto pecuaristas do Brasil e de outros países, se uniram nessa campanha em prol do leite, buscando também maiores garantias para o setor e mais valorização do produto e seus derivados na vida das pessoas.”

O engenheiro agrônomo Marcelo Pereira de Carvalho explica, no portal da empresa especializada em informação para o agronegócio como AgriPoint, como a campanha é avaliada como bem sucedida:

“A ‘brincadeira’ foi ganhando corpo, as pessoas foram se desafiando e o número de vídeos atingiu um crescimento exponencial. Foi criado um perfil no Instagram, que já tem mais de 1000 seguidores. Lá, grande parte dos vídeos está sendo reproduzida. Produtores, técnicos, industriais, pesquisadores, lideranças, todo mundo entrou no jogo (até o técnico Dorival Jr gravou um vídeo), quem sabe em parte por precisarmos nos aproximar de alguma forma, ainda que simbólica, nesse momento de pandemia, elegendo o leite como algo em comum (…) Não sei se Reynold, Hans e Robert tinham ideia de que sua campanha iria atingir proporção tão grande que até o presidente da república bebeu seu leite, momento raro em que somos lembrados pelas mais altas esferas administrativas.”.

Além do presidente Jair Bolsonaro, a ministra da Agricultura Tereza Cristina também aceitou o desafio da Abraleite, conforme declarou em entrevista ao site do Globo Rural. No vídeo publicado no perfil da Abraleite do Facebook, no dia 28 de maio, a ministra tomou um copo de leite, um de iogurte e ainda comeu um pedaço de queijo. “Aceitei com muito prazer o Desafio do Leite. Fui desafiada por produtores rurais, deputados federais e associações do setor. Vamos tomar mais leite, faz bem para a saúde. Esse é um produto que nós precisamos incentivar”, disse Tereza Cristina no vídeo.

Foto: Reprodução/ Facebook

A deputada federal Aline Sleutjes (PSL/PR) havia publicado em perfil do Facebook, em 22 de maio de 2020, antes da live de Bolsonaro, sua participação no desafio do leite:

Reprodução/Facebook

O site Notícias Agrícolas publicou texto de dois produtores de leite criticando “grupos de esquerda” por atrelarem a campanha “desafio do leite” ao nazismo e classificam como “mediocridade de alguns que acreditam que ao se alimentar com leite, a pessoa estaria difundindo ideias nazistas”.

Qual o fundamento da relação ao símbolo neonazista?

Acredita-se que com o ressurgimento de movimentos supremacistas, entre os quais se destaca o neonazismo, a discussão sobre a simbologia do leite entrou novamente em pauta. Contudo, segundo a reportagem “Bebida mais do que branca: O leite como símbolo do neonazismo”, publicada em 01 de junho, no site Aventuras na História, seção do Portal UOL,  o significado tem origens ainda mais remotas.

São datadas de 100 anos atrás, quando um panfleto do Conselho Nacional de Laticínios dos EUA foi bastante categórico ao explicar a situação. De acordo com a reportagem, na peça, fica evidenciado que pessoas que consomem mais leite “são progressivas na ciência e em todas as atividades do intelecto humano”. Além disso, em 1933, a História da Agricultura do Estado de Nova York teria declarado que “de todas as raças, os arianos parecem ter sido os bebedores mais pesados ​​de leite e os maiores usuários de manteiga e queijo”. Para o órgão, isso teria ligação direta com o “rápido e alto desenvolvimento dessa divisão de seres humanos”.

Na matéria, a professora de direito na Faculdade de Direito da Universidade do Havaí Andrea Freeman ressalta que a ligação entre o leite e a simbologia neonazista é indiscutível. “Não é um novo relacionamento”, explica, pontuando o passado histórico. Autora de um artigo crítico intitulado “A brancura insuportável do leite”, Andrea Freeman acredita que a ligação entre o leite e a ideia supremacista ainda parte de origens biológicas e a indústria dos EUA se aproveita de diferenças raciais para estimular o consumo de leite nas elites norte-americanas.  “Neste momento”, teoriza Freeman, “tanto os supremacistas brancos quanto a política federal de alimentos nos Estados Unidos estão oprimindo através do leite”. Segundo ela, a maior parte do mundo não digere o leite de forma confortável, enquanto a população branca, original de países escandinavos, consome a bebida com facilidade.

Em 2019, a temática volta à tona. De acordo com matéria publicada no jornal Washington Post, em setembro de 2019,

o uso da imagem do leite começou em fevereiro de referido, quando usuários do 4chan, fórum de compartilhamento de imagens que acabou se transformando em um dos mais influentes e anárquicos sites da internet, usando uma imagem extraída de um artigo da revista Nature sobre 2013 sobre intolerância à lactose, aproveitaram a ideia de que adultos do norte da Europa não têm problemas com a lactose. A partir daí, foi apenas um pequeno salto para uma possível analogia racista e a ideia de fazer do leite um símbolo de brancura. 

Pesquisadores brasileiros enxergam uma correlação do gesto com movimentos neonazistas – que adotam o copo de leite como símbolo. À revista Fórum, a doutora em antropologia social pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) Adriana Dias, que há anos pesquisa o fenômeno do nazismo,  disse que há uma referência clara entre o episódio e o neonazismo. “O leite é o tempo todo referência neonazi. Tomar branco, se tornar branco. Ele vai dizer que não é, que é pelo desafio, mas é um jogo de cena, como eles sempre fazem”, declarou à Fórum.

Segundo a pesquisadora, Bolsonaro poderia ter se escorado no Shavuot, festa judaica que teve início na quinta-feira, 28 de maio, para se justificar pelo ato, que ocorreu no mesmo dia em que explodiram manifestações em Minneapolis contra a violência policial contra negros – em razão do bárbaro assassinato de George Floyd. O leite como símbolo está diretamente ligado aos chamados “alt-right” estadunidenses. 

Já o antropólogo David Nemer, que pesquisa o bolsonarismo, fez uma sequência de postagens no Twitter comentando também a questão:

Em entrevista ele ressaltou:

Nacionalistas brancos fazem manifestações bebendo leite para chamar a atenção para um traço genético conhecido por ser mais comum em pessoas brancas do que em outros – a capacidade de digerir lactose quando adultos. É uma tentativa racista para se embasar em “ciência” p/ diferenciar e justificar a “raça branca”. Mas como já provado e explicado por toda ciência: Não há evidência genética para apoiar qualquer ideologia racista. O que há, é na verdade, um governo tosco e motivado pelo ódio”.

Outro ponto destacado pelo especialista diz respeito à apropriação do leite por um grupo de bolsonaristas ligado ao perfil Leitadas do Loen, cuja conta é alvo do inquérito do STF que investiga ataques ao Supremo e disseminação de fake news.

“O símbolo do copo de leite foi apropriado por uma facção das redes bolsonaristas, que são channers. Esse pessoal gosta da confusão que o meme gera com a simbologia nazista e se refestelam com a notoriedade que recebem da mídia. Essa fação é do Leon Leitadas”, acrescentou Nemer.

Reprodução/ Twitter

A pesquisa do Coletivo Bereia verificou que a declaração do presidente Jair Bolsonaro na transmissão ao vivo de 28 de maio, relacionando o ato de brindar com leite com seus acompanhantes à produção de leite no Brasil, pode estar associada à campanha “Desafio do Leite, de acordo com a menção do presidente no momento. A campanha de fato existe, tendo sido lançada em 20 de maio pelo Instagram, por dois produtores. Ela foi apoiada pela ministra da Agricultura Tereza Cristina, citada por Jair Bolsonaro no brinde com leite, e já vinha sendo divulgada por deputada ligada a ruralistas do Paraná antes da live de 28 de maio.

Bereia conclui que a relação do ato de Jair Bolsonaro com a simbologia do leite disseminada por nazistas e grupos supremacistas brancos disseminada em mídias sociais é enganosa pois relaciona um elemento real (a simbologia nazista e supremacista do leite) a um episódio que denota outra motivação (a live que responde ao “Desafio do Leite”). 

O Coletivo Bereia analisa que este conteúdo enganoso pode ter duas origens:

1) uma reação de opositores a Jair Bolsonaro (de esquerda e de outras tendências políticas, pois oposição atual ao presidente não está restrita às esquerdas), que recorreu a estudos do nazismo e dos movimentos da supremacia branca, ancorada na concepção de que o presidente do Brasil é racista. Esta concepção se consolidou por declarações públicas e atitudes dele ao longo de sua vida pública, como as de ser contra as cotas raciais; afirmar que seus filhos não se apaixonariam por uma mulher negra pois “foram muito bem educados”, quando se referiu à cantora Preta Gil em programa de TV (caso que rendeu a Bolsonaro condenação na Justiça); fala que negros habitantes de quilombos são gado; não nomeou ministros negros; faz “piadas” racistas frequentes com seu “braço direito” deputado federal Hélio Lopes (PSL-RJ). 

2) por uma estratégia diversionista (desviadora de atenção um dia depois da operação da Polícia Federal relacionada ao inquérito que investiga propagadores de fake news e de ódio contra o STF e outras autoridades públicas. Os investigados são aliados do presidente entre políticos, empresários, comediantes e blogueiros. O diversionismo criado pela viralização da história do leite não só desviraria a atenção do caso da operação da PF, tendo ocupado o lugar dela em discussões virtuais, como lançaria sobre a oposição a acusação de ser propagadora de fake news, o que também se deu em várias postagens sobre em apoio ao presidente e dele próprio. 

Sobre estas duas origens mais pesquisas são necessárias. 

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Referências de Checagem:

Revista Fórum. https://revistaforum.com.br/politica/copo-de-leite-bolsonaro-usa-simbolo-nazista-de-supremacia-racial-em-live/.  Acesso em 2 jun 2020.

Perfil no Twitter do antropólo David Nemer. https://twitter.com/DavidNemer. Acesso em 2 jun 2020.

Perfil no Twitter de Eduardo Bolsonaro. https://twitter.com/bolsonarosp Acesso em 2 jun 2020.

Revista Globo Rural.   https://revistagloborural.globo.com/Noticias/Criacao/Leite/noticia/2020/05/bolsonaro-e-tereza-cristina-participam-do-desafio-do-leite.html Acesso em 2 jun 2020.

Canal rural. https://www.canalrural.com.br/radar/bolsonaro-faz-homenagem-a-produtores-de-leite-durante-live/ Acesso em 2 jun 2020.

Washington Post. https://www.washingtonpost.com/technology/2019/09/26/okay-hand-sign-has-moved-trolling-campaign-real-hate-symbol-civil-rights-group-says/ Acesso em 2 jun 2020.

Farmfor. https://www.farmfor.com.br/posts/a-estupidez-de-quem-associa-o-desafio-do-leite-ao-nazismo/ Acesso em 2 jun 2020.

Página da Abraleite no Facebook. https://www.facebook.com/pg/ABRALEITE/posts/?ref=page_internal Acesso em 2 jun 2020.

Catraca Livre. https://catracalivre.com.br/cidadania/bolsonaro-toma-leite-em-live-enquanto-milhares-morrem-de-coronavirus/ Acesso em 2 jun 2020.

Estatuto Social disponível no site da Abraleite. http://abraleite.org.br/wp-content/uploads/2017/09/Estatuto_Social.pdf Acesso em 2 jun 2020.

Aventuras na História. Portal UOL. https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/bebida-mais-do-que-branca-o-leite-como-simbolo-do-neonazismo.phtml Acesso em 2 jun 2020.

Perfil do Desafio do Leite. no Instagramhttps://www.instagram.com/p/CAaJLbjjcYV/ Acesso em 2 jun 2020.

MilkPoint. https://www.milkpoint.com.br/colunas/milkpoint-20-anos/milkpoint20anos-dia-mundial-do-leite-219749/ Acesso em 2 jun 2020.

Notícias Agrícolas. https://www.noticiasagricolas.com.br/videos/leite/260682-como-bolsonaro-bebemos-leite-e-nao-somos-nazistas-por-jbolivi-e-jlcoelho.html?utm_source=parceiros&utm_medium=rss#.XtbKzTpKjIU Acesso em 2 jun 2020.

Exame. https://exame.com/brasil/o-diversionismo-como-estrategia-para-camuflar-os-problemas-do-governo/ Acesso em 2 jun 2020.

Ministra Damares Alves faz acusações sem provas sobre contaminação de indígenas por Covid-19

Durante a reunião ministerial do governo federal, cujo vídeo foi tornado público em 22 de maio pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, relatou que pessoas estariam contaminando povos indígenas propositalmente com o novo coronavírus a fim de dizimá-los e atingir o presidente Jair Bolsonaro.

Eu fui lá para a Amazônia e para Roraima para acompanhar o primeiro óbito [pela covid-19]. E por que que nós fomos lá, presidente? Porque nós recebemos a notícia que haveria contaminação criminosa em Roraima e Amazônia, de propósito, em índios, pra dizimar aldeias e povos inteiros pra colocar nas costas do presidente Bolsonaro. (…) Eu tive que ir pra lá com o presidente da Funai e me reuni com generais da região e o superintendente da Polícia Federal, pra gente fazer uma ação ali meio que sigilosa, porque eles precisavam matar mais índio pra dizer que a nossa política não tava dando certo.”

A íntegra da fala da ministra e de toda a reunião pode ser assistida em vídeo e a gravação dos conteúdos pode ser lida aqui.

A acusação feita pela ministra é muito grave e é muito sério também  que ela não tenha apresentado dados que corroborassem sua afirmação, referindo-se à necessidade de fazer uma ação “meio que sigilosa” com a Polícia Federal, porque, segundo ela, “eles” [e não fica claro quem são “eles”] precisavam matar “mais índio” para fazer crer que a política bolsonarista não estaria dando certo.

O Coletivo Bereia checou a veracidade desta informação dada pela ministra Damares Alves na reunião ministerial de 22 de abril.

A reunião ministerial

O vídeo foi solicitado pela defesa do ex-ministro da justiça Sérgio Moro, para ser apresentado como prova no inquérito da Polícia Federal que investiga a denúncia do ex-ministro sobre possível intervenção indevida de Jair Bolsonaro neste mesmo órgão, para atender objetivos pessoais.

O acesso livre ao vídeo da reunião foi liberado pelo Supremo Tribunal Federal em 22 de maio, inclusive a degravação das falas (com exceção de trechos que mencionam a China e o Paraguai, por questões de segurança nacional), por se tratar de assunto de interesse público.

O conteúdo da reunião chamou a atenção, além dos trechos que podem ser ou não interpretados como prova na investigação em curso, pelo baixo nível do que foi dito pelos líderes nacionais. Houve excesso de expressões de baixo calão, pedidos de prisão de ministros do STF, classificados como “vagabundos”, também de governadores e prefeitos que atuam em medidas de isolamento social contra a Covid-19, além de outras intervenções de ética questionável.

Quando lhe foi dada a palavra, a ministra Damares Alves questionou o STF sobre a possibilidade de liberar o aborto a “todos que tiveram coronavírus” no Brasil, falou sobre a  informação de que indígenas haviam sido contaminados de propósito para se colocar a culpa em Jair Bolsonaro e que “nunca houve tanta violação de direitos no Brasil como neste período“, indicando que pediria a prisão de governadores e prefeitos.

Indígenas no Brasil e o descaso governamental

Segundo o Instituto Socioambiental, uma organização da sociedade civil brasileira, sem fins lucrativos, fundada em 1994, com atuação em torno de questões sociais e ambientais com foco central na defesa de bens e direitos sociais, coletivos e difusos relativos ao meio ambiente, ao patrimônio cultural, aos direitos humanos e dos povos.

Em pleno século XXI a grande maioria dos brasileiros ignora a imensa diversidade de povos indígenas que vivem no país. Estima-se que, na época da chegada dos europeus, fossem mais de 1.000 povos, somando entre 2 e 4 milhões de pessoas. Atualmente encontramos no território brasileiro 256 povos, falantes de mais de 150 línguas diferentes.

Os povos indígenas somam, segundo o Censo IBGE 2010, 896.917 pessoas. Destes, 324.834 vivem em cidades e 572.083 em áreas rurais, o que corresponde aproximadamente a 0,47% da população total do país.

A maior parte dessa população distribui-se por milhares de aldeias, situadas no interior de 724 Terras Indígenas, de norte a sul do território nacional. 

Entre as principais etnias indígenas brasileiras na atualidade estão a Ticuna (35.000), Guarani (30.000), Caiagangue ou Caigangue (25.000), Macuxi (20.000), Terena (16.000), Guajajara (14.000), Xavante (12.000), Ianomâmi (12.000), Pataxó (9.700) e Potiguara (7.700).

A defesa dos direitos dos povos indígenas, os habitantes originários das terras brasileiras, tem sido árdua. A maior conquista foi o direito à demarcação de terras alcançado com a Constituição de 1988. Os direitos constitucionais dos índios estão expressos em capítulo específico da Constituição (título VIII, “Da Ordem Social”, capítulo VIII, “Dos Índios”), além de outros dispositivos dispersos ao longo do texto e de um artigo do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

São, pelo menos, duas inovações importantes em relação a Constituições anteriores e ao chamado Estatuto do Índio. A primeira é o abandono de uma perspectiva assimilacionista, que entendia os índios como categoria social transitória, fadada ao desaparecimento. A segunda é que os direitos dos índios sobre suas terras são definidos como direitos originários, isto é, direitos anteriores à criação do próprio Estado. Isto decorre do reconhecimento do fato histórico de que os índios foram os primeiros ocupantes do Brasil. A Constituição de 1988 estabelece, desta forma, novos marcos para as relações entre o Estado, a sociedade brasileira e os povos indígenas.

Em relação ao atual governo, são cinco principais pontos de conflito que envolvem os povos indígenas: demarcações paralisadas (cumprimento de promessa de campanha), defesa de que haja mineração em terras indígenas, indicação de expansão do agronegócio em áreas indígenas, repetição do discurso da ditadura militar de que indígenas devem se integrar à sociedade, agrado à bancada ruralista com transferência da FUNAI do Ministério da Justiça para o Ministério da Agricultura (o que foi impedido pelo STF, declarado inconstitucional).

Esta tensão entre o governo Jair Bolsonaro e povos indígenas brasileiros fez com que membros de 45 etnias se reunissem em uma aldeia em Mato Grosso em protesto, em janeiro passado. O encontro foi convocado pelo cacique kayapó Raoni Metuktire e, nele, os indígenas afirmaram em um manifesto “que está em curso um projeto político do governo brasileiro de genocídio, etnocídio e ecocídio“. “As ameaças e falas de ódio do atual governo estão promovendo a violência contra povos indígenas, o assassinato de nossas lideranças e a invasão das nossas terras“, diz o texto, redigido ao fim da reunião, na aldeia Piaraçu, na Terra Indígena Capoto Jarina.

Em uma de suas transmissões ao vivo pelo Youtube às quintas-feiras, o presidente Jair Bolsonaro disse em 24 de janeiro, referindo-se à criação do Conselho da Amazônia e a ações previstas para a proteção de terras indígenas, que “cada vez mais, o índio é um ser humano igual a nós”. Ele afirmou pretender fazer com que os povos nativos da Amazônia sejam integrados à sociedade, e que sejam donos das terras indígenas. O conselho foi criado após o governo brasileiro, e o próprio Presidente da República, sofrerem críticas, inclusive em âmbito internacional, pela atuação destrutiva na área ambiental.  A coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) Sônia Guajajara, reagiu à época afirmando que os indígenas exigem respeito.

Bolsonaro mais uma vez rasga a Constituição ao negar nossa existência enquanto seres humanos. É preciso dar um basta a esse perverso!

De acordo com o coordenador do Conselho Indigenista Missionário – CIMI Sul, Roberto Liebgott, em entrevista ao IHU On-Line,

Nos últimos anos intensificaram-se os ataques aos direitos indígenas tendo como foco a desconstituição do Artigo 231 da Constituição Federal de 1988, que assegura aos povos originários a demarcação das terras que tradicionalmente ocupam. Os ataques visam abrir caminho para a exploração agrária e agrícola; a expropriação e o esbulho da terra; a expansão minerária, madeireira e hidráulica; e a cobiça pelos recursos ambientais. O governo eleito não admite que na Constituição Federal (que ele [Bolsonaro] jurou defender) estejam expressos os direitos à diferença étnica, à terra demarcada e respeitada e o fato destas populações serem sujeitos de direitos.”

Neste 2020 o governo Bolsonaro foi denunciado ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas por diversas violações ao meio ambiente, a mulheres e a indígenas. O país vive pressão inédita desde o fim da ditadura com relatores da ONU, ONGs e ativistas do Brasil e de outros países referente ao desmonte dos mecanismos de proteção a direitos fundamentais.

Contaminação por Covid-19 entre povos indígenas

Se o coronavírus entrar nas aldeias, é possível que o aumento de casos seja explosivo”, alertou o pesquisador Andrey Moreira Cardoso, da Fiocruz, em entrevista ao site do Instituto Socioambiental, organização da sociedade civil brasileira, sem fins lucrativos, fundada em 1994, para propor soluções de forma integrada a questões sociais e ambientais com foco central na defesa de bens e direitos sociais, coletivos e difusos relativos ao meio ambiente, ao patrimônio cultural, aos direitos humanos e dos povos. 

Na entrevista, publicada em 26 de março, o especialista sinalizou estudos em várias partes do mundo e também no Brasil  que atestam que os índios são mais vulneráveis a epidemias em função de condições sociais, econômicas e de saúde piores do que as dos não índios, o que amplifica o potencial de disseminação de agentes causadores de doenças.

A questão está estreitamente associada às possibilidades de acesso aos territórios tradicionais e aos recursos lá disponíveis. Também se vincula à proximidade dos centros urbanos, ao grau de dependência em relação ao mercado regional e à disponibilidade de políticas públicas. A possibilidade de contato com populações onde ocorre transmissão comunitária da doença, a depender da localização onde residem e do grau de contato, pode facilitar com que uma pessoa se infecte e volte para a aldeia. Então, um dos grandes desafios é evitar esse contato e que ocorra a transmissão para alguém que vai retornar à aldeia. No momento em que essa pessoa retorna à aldeia, é muito difícil conter a disseminação do vírus.”

Andrey Moreira Cardoso

O apontamento se materializou em uma triste estatística.  Em 1º de abril foi confirmado o primeiro caso de Covid-19 em uma jovem indígena da etnia Kokama, no município de Santo Antônio do Içá, no interior do Amazonas. Ela atua no SUS e é agente indígena de saúde no Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Alto Rio Solimões. A vítima se recuperou integralmente. Entretanto, dez dias depois, o número de casos confirmados em indígenas subiu para nove, incluindo cinco prováveis contatos da jovem kokama, um caso no DSEI Manaus, um no DSEI Parintins e um adolescente de 15 anos da etnia yanomami, no estado de Roraima, de acordo com o boletim epidemiológico da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), subordinada ao Ministério da Saúde.

Em 9 de abril de 2020 houve o registro da primeira morte de indígena pelo coronavírus no país. O adolescente yanomami Alvaney Xiriana Pereira, de 15 anos, ficou internado na UTI do Hospital Geral de Roraima (HGR) por sete dias. No dia seguinte à morte, a FUNAI lançou uma nota, lamentando o ocorrido.

Depois da morte do adolescente yanomanmi e da nota da FUNAI, a Associação Yanomami fez um apelo em carta aberta, para que o próprio órgão, a PF e o Exército retirem imediatamente os garimpeiros das terras indígenas a fim de evitar novas contaminações dos povos locais.

Entidades de defesa da causa indígena, como o Instituto Socioambiental e o CIMI denunciaram a subnotificação de casos da Covid-19 entre esta população, gerando preocupação quanto ao que isso pode representar de risco para as comunidades.

As duas entidades também denunciaram que outros dois indígenas contaminados pelo novo coronavírus já tinham ido a óbito e que o governo federal não registrou as ocorrências no balanço. Os indígenas eram uma mulher idosa da etnia Borari, de 87 anos, que morreu em Alter do Chão, no município de Santarém (PA), no dia 19 de março,  e o outro era um homem de 55 anos, do povo Mura, morto em Manaus, no dia 5 de abril. Em consequência da morte da idosa, o Ministério Público Federal (MPF) abriu inquérito, no dia 2 de abril, pedindo medidas para evitar a disseminação da Covi-19 em Santarém. Além disso, uma das denúncias investigadas é de que não houve notificação da suspeita de Covid-19. No dia 20 de março, centenas de pessoas compareceram ao funeral da mulher borari, muito querida em toda a vila. 

A Secretaria de Saúde Pública do Pará (Sespa) publicou o exame da idosa indígena no Twitter porque um parente teria negado que se tratava de uma vítima do coronavírus.

Em 12 de abril de 2020, a ministra Damares Alves chegou a Boa Vista. Visitou o projeto Operação Acolhida, responsável pela imigração dos venezuelanos naquele estado e participou de reuniões com a FUNAI, para articular ações de combate ao coronavírus.

Em toda a cobertura sobre a visita da ministra Damares Alves à Amazônia em abril, tanto no âmbito oficial, quanto pela imprensa de um modo geral, não foi encontrada qualquer menção dela, de representantes da FUNAI ou de qualquer outra autoridade sobre uma possível contaminação criminosa de indígenas.

Pelo contrário, as declarações foram todas positivas em relação a ações do governo. Na ocasião, o presidente da FUNAI Marcelo Augusto Xavier destacou que o governo federal estaria adotando todas as medidas para conter a transmissão da Covid-19 entre os povos indígenas. “É importante assegurar que o governo federal está presente em Roraima e Boa Vista e ninguém ficará para trás”, ressaltou.

Estamos aqui para encontrar respostas neste momento de enfrentamento ao coronavírus, completou Damares.

Antes da viagem Damares Alves,  os órgãos ligados à proteção indígena já vinham sendo questionados sobre uma possível omissão em meio à pandemia. No começo de abril, foram destinados R$ 10,8 milhões para a Funai no combate à pandemia entre as comunidades indígenas. Duas semanas depois, nada havia sido feito. Isto resultou cobrança do subprocurador-geral da República Antonio Carlos Alpino Bigonha questionando a FUNAI e o Ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos, em 16 de abril, sobre o motivo das verbas reservadas para o combate ao coronavírus em comunidades tradicionais e indígenas não terem sido empenhadas. Dos quase R$ 11 milhões da verba emergencial para o combate à Covid-19, Damares Alves teria usado apenas R$ 1 milhão para comprar caminhonetes. Um parecer técnico interno da Procuradoria ainda dizia que a falta do investimento não é “questão financeira”. O subprocurador-geral ressaltou que “a necessidade é urgente em cada comunidade indígena, seja por alimentos, seja por proteção e segurança”.

No entanto, a pandemia seguiu avançando em terras indígenas. Assim, até 3 de maio, cerca de cem índios foram contaminados, sendo que o maior número de casos entre indígenas no Brasil está concentrado no Amazonas, epicentro da doença. Os dados foram apontados em matéria do G1 do referido dia, intitulada: “Índios temem ‘catástrofe’ e tentam fugir da Covid-19”.

Segundo a reportagem, cuja versão em vídeo foi exibida no programa Globo Rural, da emissora Globo, em 20 de março, a associação que representa os povos, no norte do Mato Grosso,  pediu que os caciques interrompessem o deslocamento dos índios para as cidades, e reivindicou o fechamento das estradas que levam para fora do parque. Mediante a dificuldade de deslocamento para a cidade, os grupos que compõem as 16 etnias presentes na região estariam sofrendo com a falta de produtos básicos, como sabão e creme dental. O confinamento também estaria comprometendo o trabalho e a renda dos índios.

A estatística evidencia uma preocupação desvelada em maio, de acordo o boletim da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do dia 25, que apresenta são 40 mortos indígenas, 824 casos de contaminação confirmados e 218 casos suspeitos. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) apresentava em 11 de maio números já maiores, com  77 mortos com teste positivo para a doença e 308 indígenas de contaminados. Vale registrar que a Sesai não está contabilizando casos de indígenas que vivem em cidades.

Uma rede de colaboradores foi criada para levantar casos e mortes suspeitos, tendo à frente a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coaib). A APIB ainda mantém uma lista de vítimas disponível no site quarentenaindigena.info (http://quarentenaindigena.info/casos-indigenas/), a qual, até o dia 22 de maio, às 16h30, contabilizava 125 indígenas mortos, 987 contaminados e 61 povos atingidos.

Em matéria publicada no site do Instituto Socioambiental, em 8 de maio, a coordenadora da APIB, Sonia Guajajara, aponta a divergência entre os números.

“Os números apurados pelo movimento indígena, quando comparados aos da Sesai, revelam uma discrepância absurda. Além da negligência do Estado brasileiro, há um racismo institucionalizado (…) O movimento indígena está preocupado em registrar minuciosamente os dados e exigir sua oficialização, para que daqui a 30 anos não tenham que ser revelados os ‘desaparecidos pela covid-19’.”

Contaminação de Covid proposital?

Sobre as afirmações da ministra Damares Alves, de que toda esta contaminação de indígenas teria sido realizada de forma proposital para atingir o presidente Jair Bolsonaro, Bereia não localizou registros de investigações ou quaisquer indicações comprobatórias de tal situação entre os organismos oficiais FUNAI, SESAI ou de proteção a indígenas como APIB ou Instituto Socioambiental. Para as organizações que atuam em apoio a essas populações, as causas da contaminação são de conhecimento notório dos órgãos governamentais e são criminosas, sim, relacionadas às invasões das terras indígenas.

O Presidente do CIMI, Bispo D. Roque Paloschi explica:

“A principal preocupação e ameaças com relação aos povos indígenas é que garimpeiros, grileiros, madeireiros e invasores em geral, não fazem a quarentena. Ao contrário, aproveitam a falta de fiscalização e de gestão política e administrativa no país para continuar com as ações ilícitas nas terras indígenas, com um agravante maior, os contínuos discursos do governo do Brasil em incentivar as invasões, com sua retórica desenvolvimentista. Outra grande preocupação são os projetos de emenda constitucional e projetos de lei, como o PL 191/20, que regulamentam a exploração de recursos minerais, hídricos e orgânicos em reservas indígenas.”

Sobre isto Bereia ouviu o Pastor Sandro Luckmann, educador do Conselho de Missão entre Povos Indígenas (COMIN), da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil:

“A fala da ministra é extremamente grave. É uma fala cujo objetivo principal é omitir, é esconder a situação de ausência e de trabalho articulado e com melhor resposta do próprio governo. Os dados que temos levantados a partir da Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde (SESAI) e o que as próprias organizações indígenas têm levantado mostram isto. Há uma disparidade bastante grande neste sentido. A SESAI no seu último boletim reconhece que em nível nacional houve somente 35 mortes de pessoas indígenas enquanto as próprias organizações de indígenas falam que este número já está em 125 indígenas falecidos, atingindo em torno de 61 povos. E na Amazônia a situação é extremamente grave por conta da geografia. Para acessar os recursos emergenciais, os benefícios, as comunidades precisam descer de barco até as cidades e não há infraestrutura, local adequado para ficar. O sistema de comunicação é difícil, complexo, não é ágil. Estive no início de março, antes do isolamento social, visitando uma comunidade lá. Para chegar eu levei seis horas num barco veloz da cidade mais próxima. Mas os barcos que os indígenas geralmente usam levam um ou dois dias. Já houve manifestações de lideranças indígenas que dizem que caso aconteça de indígenas pegarem a COVID-19, não vão buscar ajuda porque sabem que chegando até lá não terão atendimento. Há uma denúncia de falta de hospitais de campanha que possam ser interiorizados, com equipamento. Outra denúncia é que quando há necessidade de hospital as comunidades indígenas são as últimas a ocuparem o espaço porque viajam do interior da Amazônia para Manaus e o sistema já está caótico. Há um problema muito sério nesse sentido. Avaliamos então esta tentativa do governo de esconder a real situação e a falta de infraestrutura, a falta de capacidade deste governo em atender esta demanda das comunidades indígenas. O Estado do Amazonas é o estado que tem a maior população indígena e há uma invasão deliberada das terras indígenas. Há denúncias em Roraima mesmo, um dos estados que a Ministra cita, denúncias da invasão de garimpeiros, madeireiros, grileiros, e isto tem feito avançar a doença sobre as comunidades indígenas. Nesse sentido a FUNAI não tem sido uma agente protetora dos territórios indígenas então há uma situação bem complexa neste sentido.”

O coordenador do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), da Igreja Católica, Região Sul Roberto Antônio Liebgott, também ouvido por Bereia, afirma que a declaração de Damares Alves é mentirosa e explica que isto acontece porque a ministra não menciona que:

por omissão e falta de fiscalização, por parte do governo que ela integra, ocorrem invasões nas terras indígenas por milhares de garimpeiros, madeireiros, grileiros, posseiros e tantos outros que saqueiam o patrimônio público. Também não foi por um acaso o discurso do Presidente ao propor, como medida de segurança, o armamento em massa – em suas palavras, todos devem estar armados. Quem são ‘todos’? Os indígenas e os quilombolas poderão se armar para se defender da invasão de seus territórios? Os pais de família, das periferias, poderão se armar para se defender da ação de milicianos? As pessoas que sofrem violências poderão se armar para se defender de ataques fascistas? 

Bereia conclui que a ministra Damares Alves fez uso de desinformação na reunião ministerial de 22 de abril, no que diz respeito à suposta à contaminação criminosa de coronavírus entre indígenas para atingir negativamente o presidente Jair Bolsonaro. O Coletivo classifica a fala como imprecisa pois não apresenta as fontes que corroborem tais afirmações nem dados coerentes com a grave situação descrita nesta matéria, desconsiderando as ações historica e comprovadamente criminosas de invasão de terras indígenas da parte de garimpeiros e grileiros, que são fonte de doenças para estas populações. O uso de desinformação, em caso como este, é irresponsável pois levanta acusações sem apresentar autoria e dados, levando quem ouve as afirmações a atitudes de desconfiança e condenação precoce, que são frequentemente direcionadas a pessoas opostas no campo político.

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Referências de Checagem:

Portal do STF (1) https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=443959&ori=1 Acesso em 26 mai 2020

Portal do STF (2) https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=418183 Acesso em 26 mai 2020

Instituto Socioambiental. Povos Indígenas no Brasil https://pib.socioambiental.org/pt/Quem_s%C3%A3o Acesso em 26 mai 2020

Instituto Socioambiental. Direitos constitucionais dos índios https://pib.socioambiental.org/pt/Constitui%C3%A7%C3%A3o Acesso em 26 mai 2020

BBC https://www.bbc.com/portuguese/brasil-51229884 Acesso em 26 mai 2020

IHU On Line http://www.ihu.unisinos.br/159-noticias/entrevistas/586730-a-ameaca-institucional-juridica-e-fisica-a-existencia-dos-povos-indigenas-entrevista-especial-com-roberto-liebgott  Acesso em 26 mai 2020

El País https://brasil.elpais.com/brasil/2020-03-10/50-anos-depois-brasil-volta-a-ser-alvo-sistematico-de-denuncias-internacionais-por-violacoes-de-direitos-humanos.html Acesso em 26 mai 2020

Instituto Sociambiental Notícias (1) https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/se-coronavirus-entrar-nas-aldeias-e-possivel-que-aumento-de-casos-seja-explosivo-alerta-especialista Acesso em 26 mai 2020

Instituto Socioambiental Notícias (2)  https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/em-alter-do-chao-pa-teste-de-indigena-falecida-da-positivo-para-covid-19 Acesso em 26 mai 2020

Instituto Sociambiental Notícias (3) https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/indigenas-de-cidades-com-covid-19-nao-ficarao-sem-assistencia-mas-responsabilidade-e-do-sus-diz-sesai Acesso em 26 mai 2020

Instituto Socioambiental Notícias (4) https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/indigenas-mortos-por-covid-19-chegam-a-55-segundo-APIB-numero-salta-45-em-dois-dias Acesso em 26 mai 2020

Boletim Epidemiológico da SESAI http://www.saudeindigena.net.br/coronavirus/mapaEp.php Acesso em 26 mai 2020

G1https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2020/04/12/ministra-damares-alves-faz-visita-surpresa-a-boa-vista-neste-domingo-12.ghtml Acesso em 26 mai 2020

Nota: Funai lamenta morte de indígena com COVID-19 http://www.funai.gov.br/index.php/comunicacao/noticias/6006-nota-funai-lamenta-morte-de-indigena-com-covid-19 Acesso em 26 mai 2020

Notícias UOL https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2020/04/11/apos-morte-indigenas-apelam-que-pf-funai-e-exercito-expulsem-garimpeiros.htm Acesso em 26 mai 2020

Agência Brasil https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-04/morre-indio-yanomami-com-coronavirus Acesso em 26 mai 2020

MPF http://www.mpf.mp.br/pa/sala-de-imprensa/noticias-pa/mpf-cobra-medidas-para-evitar-disseminacao-da-covid-19-em-santarem-pa/view Acesso em 26 mai 2020

Publicação na página da Sespa (PA) no Twitter https://twitter.com/SespaPara/status/1245461415005167617?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed%7Ctwterm%5E1245461415005167617%7Ctwgr%5E&ref_url=https%3A%2F%2Fwww.socioambiental.org%2Fpt-br%2Fnoticias-socioambientais%2Fem-alter-do-chao-pa-teste-de-indigena-falecida-da-positivo-para-covid-19 Acesso em 26 mai 2020

Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2020-2/abril/em-roraima-ministra-damares-visita-a-sede-da-operacao-acolhida  Acesso em 26 mai 2020

Ecoamazônia https://www.ecoamazonia.org.br/2020/04/ministra-mulher-familia-direitos-humanos-damares-alves-visita-roraima/ Acesso em 26 mai 2020

FUNAI  http://www.funai.gov.br/index.php/comunicacao/noticias/6009-comitiva-do-governo-federal-articula-acoes-de-combate-a-covid-19-no-norte-do-pais Acesso em 26 mai 2020

O Estado de São Paulo https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,funai-recebe-r-11-milhoes-para-proteger-indigenas-do-coronavirus-mas-nao-gastou-nenhum-centavo,70003269873 Acesso em 26 mai 2020

G1https://g1.globo.com/economia/agronegocios/globo-rural/noticia/2020/05/03/indios-temem-catastrofe-e-tentam-fugir-da-covid-19.ghtml Acesso em 26 mai 2020

Boletim Covid-19 Ministério da Saúde https://saudeindigena.saude.gov.br/

APIB http://APIB.info/2020/05/14/1-vidas-indigenas-e-covid-19/ Acesso em 26 mai 2020

Atualização de casos indígenas http://quarentenaindigena.info/casos-indigenas Acesso em 26 mai 2020

Jair Bolsonaro não desqualificou seus apoiadores na reunião de 22 de abril

Circulam pelas mídias sociais de grupos religiosos que fazem oposição ao governo de Jair Bolsonaro, memes e registros, em diferentes versões, de uma suposta fala do Presidente da República na reunião com ministros em 22 de abril, cuja gravação em vídeo foi divulgada em 22 de maio passado. O vídeo foi solicitado pela defesa do ex-ministro da justiça, Sérgio Moro, para ser apresentado como prova no inquérito da Polícia Federal que investiga a denúncia do ex-ministro sobre possível intervenção indevida de Jair Bolsonaro neste mesmo órgão, para atender objetivos pessoais.

O acesso livre ao vídeo da reunião foi liberado pelo Supremo Tribunal Federal, em 23 de maio, inclusive a degravação das falas (com exceção de trechos que mencionam a China e o Paraguai, por questões de segurança nacional), por se tratar de assunto de interesse público.

O conteúdo da reunião chamou a atenção, além dos trechos que podem ser ou não interpretados como prova na investigação em curso, pelo baixo nível do que foi dito pelos líderes nacionais. Houve excesso de expressões de baixo calão, pedidos de prisão de ministros do STF, classificados como “vagabundos”, também de governadores e prefeitos que atuam em medidas de isolamento social contra a COVID-19, além de outras intervenções de ética questionável. Um dos trechos que viralizou nas mídias sociais diz que o Presidente Bolsonaro teria dito: “Se eu precisar de apoio eu peço a um desses bostas aí para pegar uma bandeira e balançar aqui na frente do Palácio”. Seguem algumas das milhares de postagens com diferentes versões do trecho:

O Coletivo Bereia checou a veracidade de tal expressão do Presidente, pois, sua equipe acompanhou com atenção a divulgação do vídeo. Bereia não necessitou de muita pesquisa. Bastou buscar a “degravação do conteúdo do vídeo” da reunião, exposta no site do STF e fazer uma busca por palavras-chave contidas no trecho: “bostas”, “bandeira”, “Palácio”, “idiota”. Apesar de as palavras terem sido encontradas nas falas do presidente e de alguns ministros, nenhuma delas diz respeito à declaração do Presidente Bolsonaro em relação a seus apoiadores tal como divulgado em mídias sociais de oposição.

A frase atribuída a Jair Bolsonaro, portanto, é falsa.

Referências de Checagem:

Supremo Tribunal Federal. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=443959&ori=1 Acesso em 26 mai 2020

Imagem destaque. Disponível em: https://amp.flipboard.com/@GazetadoPovo/assista-v-deo-da-reuni-o-de-bolsonaro-moro-e-ministros-em-22-de-abril/a-szNm8gDQSUW1QmNJ8h31fA%3Aa%3A2440555422-7c52f5c3b0%2Fcom.br

Ministro apresenta desinformação sobre a Covid-19 em entrevista

Em entrevista coletiva na sexta-feira, 15 de maio de 2020, ministros do governo federal apresentaram um quadro dos 500 dias do governo de Jair Bolsonaro e enfatizaram o enfrentamento da pandemia de coronavírus. O Ministro da Secretaria de Governo General Luiz Eduardo Ramos, da ala evangélica de apoio a Bolsonaro (Igreja Batista), criticou, mais uma vez, a cobertura jornalística sobre a Covid-19.

Ramos disse que as notícias transmitem “clima de terror”. Ele já havia feito a mesma crítica na entrevista coletiva de 22 de abril, quando disse que os telejornais só mostram “imagens de caixão e corpo”, acusou a imprensa de não estar ajudando” e pediu que mostrasse “coisa positiva”.

O Ministro General Ramos, na entrevista de 15 de maio, alegou defender uma “questão de bom senso”. Ele apresentou dois argumentos: uma tabela do número de óbitos de coronavírus no mundo, com o Brasil atrás de muitos países. “Não estou minimizando as mortes (…), mas é importante que nós tenhamos consciência quando estamos noticiando”, afirmou o ministro.

O segundo argumento foi número de mortes por ano no país, por diversas causas, para comparar com números inferiores de óbitos por coronavírus, e concluir que não se deve causar um “clima de terror” no Brasil.

O vídeo com a fala do Ministro General Luiz Eduardo Ramos, na íntegra, pode ser acessado aqui (do minuto 5 ao minuto 18). Segue a transcrição dos trechos que justificam a crítica ao “clima de terror” da cobertura da imprensa:

(8’50) “O quadro que os senhores estão vendo, considerando a população, o Brasil está atrás de praticamente todos esses países: Bélgica, Espanha, Reino Unido, Itália, França, Estados Unidos, Alemanha, e aí vem o Brasil. Em números de óbitos, por milhão de habitantes, 58 óbitos. Tá aí, no quadro.”

(9’14) “Não estou minimizando as mortes, pelo amor de Deus. Uma morte é pleiteada pelo pranto de seus familiares, sofridos. Eu não estou dizendo isso. Eu estou dizendo o seguinte: é importante que nós tenhamos a consciência quando noticiamos, vamos explicar o que estamos noticiando.”

(9’33): “Outro dado, apenas para a reflexão de todos aqui, inclusive para o nosso ministro: isso aqui é estudo, dados abertos do Ministério da Saúde. Não estou falando de Covid-19! Não estou falando. Considerando o que seria um ano normal. A média, considerando os anos de 2016 ao ano de 2018, a média de óbitos por ano, 1 milhão e 253 mil pessoas, de várias causas. De doença de Chagas, que é muito ruim, cerca de 4 mil e 800 pessoas. Dessa doença, infelizmente muito forte, o câncer, 221 mil e 651 pessoas. De aparelho circulatório, ou infarto, qualquer um de nós,  – meu querido repórter [apontou para um repórter que estava presente], não vou citar o nome, mas todos nós, eu me incluo, podemos, a qualquer momento, sofrer um infarto do miocárdio. E vamos deixar essa vida, pois assim é. Como diz a Bíblia Sagrada, para aqueles que creem, não sabemos o dia e a hora [referência a Mateus 25:13]. Temos que nos preparar.”

(10’48) “E mais um dado, que não é Covid, pneumonia, 80 mil e 327. Outra coisa, todo mundo aqui deve andar de carro, ou deve andar de ônibus, pratica esporte… a média de mortes, por ano, de queda, afogamento, acidente automobilístico, lesões provocadas de toda ordem, 164 mil mortes. Os números são impactantes. Mas nem por isso é instaurado um clima de terror.” 

(11’27) “Nosso Presidente da República tem batido muito na tecla, e aqui está o ministro Paulo Guedes: é uma pandemia; medidas estão sendo adotadas, o ministro Braga Neto acabou de dizer que 7 bilhões de dinheiro (sic), importando kits… tudo está sendo feito. Mas é uma pandemia que atingiu o mundo.”

Bereia checou os argumentos do ministro para verificar se o governo está veiculando informações corretas.

O Brasil e o número de óbitos no mundo

O Ministro General Luiz Eduardo Ramos argumentou que o Brasil não tem número de mortes que promova um alarde tão grande das mídias, afinal, na tabela que apresenta, datada de 12 de maio, o Brasil é o oitavo colocado em óbitos, em comparação com Bélgica, Espanha, Reino Unido, Itália, França, Estados Unidos e Alemanha (em ordem de óbitos por milhão de habitantes).

Fonte: TV BrasilGov

A tabela apresentada pelo Ministro não indica a fonte. Ela é bastante similar a tabelas que têm circulado em mídias sociais, com comparações de países por número de óbitos por habitantes, tendo como fonte dados da plataforma Worldometer, usadas para minimizar os impactos da pandemia no Brasil e acusar a imprensa de exagero na cobertura da crise.

Este tipo de abordagem é desinformativa porque se baseia em números frios. Apesar de os dados apresentados serem corretos, as postagens fixam-se na simples comparação dos números e desconsideram: 1) que os países estão em fases diferentes da pandemia; 2) que há diferenças populacionais que impedem a comparação, como idade e densidade demográfica; e 3) que o nível de testagem no Brasil é muito menor do que em outros países, o que leva à subnotificação de infectados e mortos.

A agência de checagem Aos Fatos já havia verificado estas postagens, e, a partir do acordo de verificação que tem com o Facebook, publicações com esta comparação, sem a devida contextualização, foram marcadas como DISTORCIDAS.

De acordo com a verificação de Aos Fatos, feita antes da entrevista coletiva do Ministro General Ramos, o número de mortes por milhão de habitantes não é recomendado para fazer comparações sobre o impacto da pandemia em diferentes países. 

A agência ouviu o médico intensivista e epidemiologista da USP (Universidade de São Paulo) Otávio Ranzani, que explicou:

“Essa métrica pouco ajuda no entendimento e controle da pandemia na fase em que o Brasil está. Ela não indica se a pandemia está ativa ou em expansão. Na verdade, ela indica erroneamente o contrário. No Brasil, a ascensão da curva é ativa e dividir [o número de mortos] por uma população continental como a nossa só mostra que temos ainda muitos suscetíveis a terem infecção.”

Países como Bélgica e Itália, por exemplo, apresentam uma diminuição dos casos diários.

De acordo com o Otávio Ranzani, uma comparação de números correta só pode ser feita entre países que estão nas mesmas fases da pandemia e que tenham população com idade média similar. Um artigo da BBC, de 18 de maio de 2020, explica o mesmo e indica que países com populações mais velhas ou com maior densidade populacional podem ter maior taxa de infecção e de mortalidade.

Ainda há também um elemento fundamental a ser levado em conta: a testagem da população e as diferenças na forma como os óbitos são computados. A Bélgica, por exemplo, inclui mortes suspeitas na contabilização geral, o que não é o caso do Brasil que notifica “pneumonia” e “Síndrome Respiratória Aguda” em milhares de casos que teriam relação com a Covid-19.

Quanto à testagem, o Brasil tem ações muito inferiores a dos países citados. Segundo a própria fonte dos números, a Worldometers, o Brasil havia feito 1,5 testes por milhão de habitantes até 12 de maio de 2020 (data da tabela apresentada pelo ministro) enquanto Bélgica, Espanha e Itália haviam feito 50,4, 52,7 e 43,1 respectivamente.

Sobre as mortes por coronavírus comparadas a mortes por outras causas

O Ministro General Luiz Eduardo Ramos argumenta, na entrevista de 15 de maio, que há centenas de milhares de mortos por ano por doenças váriasv – por câncer, por infarto e por acidentes de trânsito e afogamentos, que oferecem números impactantes mas nem por isso é “instaurado um clima de terror”.

O ministro também faz uso de conteúdo fartamente exposto em mídias sociais em diversas publicações que procuram relativizar e minimizar os graves efeitos da Covid-19. Várias destas publicações nas redes foram classificadas como falsas porque são apresentados dados como se fossem atuais, para comparação com números dos casos de coronavírus. Checagem da agência Aos Fatos tornou possível que estas postagens no Facebook fossem marcadas como falsas, por conta do convênio de verificação, também já citado nesta matéria.

O Ministro General da Secretaria de Governo registrou na entrevista que apresentava dados do Ministério da Saúde de 2018. De fato, os registros disponíveis mais recentes do DataSus são os números de mortalidade no país em 2018.

Nesse sentido, não há dados disponíveis sobre mortalidade no Brasil entre os meses de janeiro e maio de 2020 que permitam uma comparação do número de vítimas de Covid-19 (todos de 2020) com os de outras causas citadas pelo ministro, como doença de chagas, câncer, infarto, pneumonia, acidentes de trânsito e afogamentos. Qualquer comparação nesse sentido, será enganosa pela ausência de compatibilidade dos dados.

Além disso, como já indicado nesta matéria, toda comparação que se fizer no Brasil com outras doenças já começa prejudicada por conta da subnotificação dos casos de Covid-19. Este problema acontece em todos os países em maior ou menor grau. No Brasil, o grau é altíssimo. Os registros oficiais de mortos levam em conta apenas pessoas que falecem em hospitais ou que tiveram resultado de exame positivo para o vírus. Mortes sem diagnóstico preciso e as que ocorreram em casa ou em casas de repouso para idosos, por exemplo, não entram nas estatísticas imediatamente. Projeções feitas por instituto de pesquisa científica e por universidades diferentes dizem que o número de casos reais de Covid-19 pode ser de 12 a 16 vezes maior do que o número oficial.

Segundo o Ministério da Saúde afirmou à agência Aos Fatos, fazer uma comparação entre causas de morte também é equivocado, porque “pacientes que vieram a óbito poderiam ter mais de uma comorbidade [a ocorrência de duas ou mais doenças relacionadas no mesmo paciente e ao mesmo tempo]. Já em relação à Covid-19, várias são as comorbidades associadas nos casos dos pacientes que vieram a óbito”.

Aos Fatos também ouviu a especialista em história das epidemias do IFBA (Instituto Federal da Bahia) Christiane Maria Cruz de Sousa. Ela explica que a comparação com a incidência de outras doenças é desinformativa pois diferentemente de uma doença que mata cotidianamente, como o câncer, uma epidemia “surge repentinamente e o número de mortos se acumula. São muitos mortos e doentes que colocam em xeque o sistema de saúde disponível para tratar de tanta gente ao mesmo tempo”.

Desinformação oficializada

Bereia conclui, com base na verificação dos argumentos do Ministro General da Secretaria de Governo Luiz Eduardo Ramos, que culpou a imprensa de “alarmista” e instauradora de “clima de terror” em relação à cobertura da Covid-19, que o governo transmite desinformação de caráter enganoso. Dados verdadeiros são utilizados, mas são feitos com números frios sem a devida contextualização para uma comparação correta. Também há a apresentação de dados do Ministério da Saúde de dois anos atrás, com comparação defasada e também incompatível com a nova realidade de uma doença contagiosa em nível gravíssimo.

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 Referência da Checagem:

Estado de Minas https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2020/04/22/interna_politica,1141003/ramos-critica-imprensa-por-cobertura-da-covid-19-nao-esta-ajudando.shtml Acesso em 19 mai 2020

Agência Brasil, EBChttps://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2020-05/comparacao-mortes-covid-19-deve-ser-proporcional-dizem-ministros Acesso em 19 mai 2020

TV BrasilGovhttps://youtu.be/yJwPf2wuO2E Acesso em 19 mai 2020

Worldometer https://web.archive.org/web/20200512010559/https://www.worldometers.info/coronavirus/ Acesso em 19 mai 2020

Aos Fatos https://www.aosfatos.org/noticias/aos-fatos-adere-iniciativa-de-verificacao-de-noticias-do-facebook/ Acesso em 19 mai 2020

Aos Fatos https://www.aosfatos.org/noticias/numero-de-mortos-por-milhao-de-habitantes-nao-evidencia-que-pandemia-no-brasil-e-menos-grave/ Acesso em 19 mai 2020

BBC, https://www.bbc.com/news/52311014 Acesso em 19 mai 2020

Folha de S. Paulo, https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/04/explosao-de-casos-de-sindrome-respiratoria-aponta-para-subnotificacao-de-casos-de-covid-19-no-pais.shtml 

Aos Fatos https://www.aosfatos.org/noticias/tabela-que-compara-mortes-por-covid-19-com-outras-causas-traz-dados-falsos/ Acesso em 19 mai 2020

DataSus, Mortalidade http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0205&id=6937 Acesso em 19 mai 2020

Vídeo apresenta cenário de “vida normal” em Maringá diante do coronavírus

Circula em grupos de WhatsApp um vídeo, gravado em 12 de maio de 2020, com imagens do centro comercial de Maringá, afirmando (segundo o narrador) que a cidade localizada no sul do país (Paraná) é um exemplo no combate ao coranavírus no Brasil. O homem que faz a gravação enquanto dirige, mostra as lojas da cidade abertas e pessoas e carros circulando pelas ruas.

A narração minimiza a ação da covid19 na cidade e diz que todas as pessoas usam máscara, todos os estabelecimentos oferecem álcool-gel para atender o público e, com isso, a cidade tem vida normal. O narrador anônimo afirma que o vídeo tem que “correr o mundo” para “o Doria vagabundo e esse Witzel, do Rio de Janeiro, outro vagabundo que fica fechando o comércio, aterrorizando a população” (sic). O homem completa dizendo que Maringá “tem vida normal e só teve seis mortes até agora desde quando começou o coronavírus” e que “não tem caso de morte em Maringá faz um mês já”. Ele admite que morreu uma pessoa na “semana passada” mas era “um caminhoneiro que veio de fora, que nem de Maringá era”.

O autor do vídeo diz que “Maringá é uma cidade exemplo para o Brasil ” e pede aos receptores que “façam correr este vídeo pelo Brasil todo, chegar até aquela população do Rio de Janeiro e de São Paulo… aqui ninguém transmite vírus pra ninguém, exemplo. É a coisa mais fácil do mundo você fazer o comércio voltar ao normal. É só a população ter consciência do que fazer. E estes governadores corruptos estão aí que não deixam o Brasil voltar ao normal”.

O Coletivo Bereia entrou em contato com o ex-prefeito de Maringá, Silvio Barros, na manhã de quinta, 14 de maio, para averiguar a veracidade das informações compartilhadas no vídeo. Ele afirmou que o vídeo, apesar de conter informações verdadeiras, também desinforma:

“A pessoa que gravou esse vídeo, a probabilidade é muito grande de que ele não seja de Maringá. Ele passou aqui em um determinado horário e viu o comércio aberto. A verdade é a seguinte, o comércio aqui abre às 10h e fecha às 16h. Se ele tivesse passado aqui 16h30 ele não teria feito esse vídeo. Os comerciantes têm lá as duas restrições. Maringá fechou muito cedo, além do toque de recolher, que funciona até hoje, foi extremamente rigorosa e isso criou um problema muito sério. Esta abertura do comércio começou esta semana. Então eu acho que precisa ponderar, não é de todo falso, não é todo verdadeiro.”

Bereia também colheu o depoimento dos diretores do Jornal “O Fato”, de Maringá, Ligiane Ciola e José Carlos Leal, em 14 de maio. O casal afirma que as informações são parcialmente verdadeiras.

Hoje a cidade está realmente toda aberta. O comércio funciona com horário especial, das 10h – 16h, e realmente há um decreto que prevê medidas de higiene e de distanciamento social. Pois bem, tais medidas foram implementadas depois que a cidade ficou fechada totalmente por 30 dias, no período entre 20 de março e 20 de abril. Com o lockdown (trancamento das ruas) preventivo foi possível reduzir cerca de 85% o número de contágios e consequentemente diminuiu também a circulação do vírus. A pressão da associação comercial e bolsonaristas, que com vergonha admito, são mais de 80%, o Prefeito começou a ceder. De 20 a 30 de abril ele flexibilizou algumas atividades e enfim, há sete dias decidiu correr atrás do prejuízo político e mandou abrir tudo. As consequências dessas medidas conheceremos nos próximos dias … Na verdade do dia 1º de maio em diante registrou-se 60 novos casos, mas há cerca de 300 pessoas isoladas em suas próprias casas aguardando o resultado do exame. A estrutura hospitalar é muito boa e o SUS aqui funciona melhor do que os convênios, coisa óbvia, já que muitos dos serviços são prestados pela estrutura sanitária privada. Em resumo: ‘nosso amigo’ que fez as imagens só conta uma parte da história. O frio será um agravante e o Governador já tem um plano para fechar todo o Estado se for o caso. Ter optado por fechar tudo imediatamente propiciou uma condição favorável. Se o Brasil inteiro tivesse feito isso, hoje teríamos menos de 2000 mortos e no máximo 20 mil contagiados.

Os relatos do ex-prefeito e do casal de jornalistas podem ser confirmados com o Decreto da Prefeitura de Maringá n. 445/20, que determinou isolamento severo a partir de 20 de março. Coincidem ainda com o Decreto Municipal 566/2020, de 18 de abril, que autorizou o funcionamento do comércio, das 10 às 16h, e o uso obrigatório de máscaras nas ruas da cidade. A partir de 7 de abril, a Prefeitura liberou o funcionamento de oficinas mecânicas e o atendimento presencial em clínicas e consultórios médicos (Decreto Municipal 502/20). Em 13 de abril, o município abriu para o funcionamento de lotéricas e indústrias (Decreto Municipal 544/20). Os depoimentos também estão relacionados ao Decreto 637/20, que autorizou a reabertura de shoppings, academias, restaurantes, bares, celebrações religiosas e outros estabelecimentos, com controle de atendimentos, distanciamento, horário e medidas de higiene e limpeza, a partir de 7 de maio de 2020.

Sob pressão para afrouxar as medidas de março, a Prefeitura havia se manifestado pela manutenção do isolamento severo, em 9 de abril, por meio de texto no seu site oficial, com o título “Continuar o isolamento social é a melhor opção; confira”;

Levantamento do Grupo de Estudos e Pesquisa Ambiente, Sociedade e Geotecnologias (Gepag), com apoio da Universidade Estadual de Maringá (UEM), mostrou que a média diária de casos notificados de pessoas que apresentaram sintomas de coronavírus em Maringá aumentou 263% entre 31 de março e 30 de abril, com média de 36 casos por dia. O aumento de notificações coincide com a publicação de decretos municipais que flexibilizaram o isolamento social e permitiram a retomada de algumas atividades do setor econômico.

O boletim diário sobre coronavírus da Prefeitura de Maringá indica 5 novos casos em 14 de maio. O registro geral agora é de 129 casos confirmados de covid-19, com quatro pacientes confirmados internados, dois em UTI e dois na enfermaria. São 267 pacientes suspeitos em situação de isolamento domiciliar. Outros 15 pacientes estão internados com suspeita. Os óbitos permanecem seis.

No dia em que o isolamento foi extinto por decreto, em 8 de maio, Maringá não havia tido novo caso de coronavírus por 24h. O município registrava 110 casos positivos de pacientes com COVID-19. Casos suspeitos em situação de isolamento domiciliar eram 305 e dez pacientes estava internados com suspeita e os óbitos permaneciam seis.

No mesmo 14 de maio de 2020, a Secretária de Estado da Saúde (Sesa) do Paraná afirmou que o Estado registrou 119 mortes causadas pelo novo coronavírus e 2.063 casos confirmados da doença.

Diante das informações checadas, Bereia conclui que o vídeo anônimo que circula em mídias sociais é enganoso. O conteúdo, que exalta bons resultados em Maringá, não explica que eles foram alcançados depois de um isolamento total (lockdown) implementado pela Prefeitura em março, com afrouxamento em abril, após um mês. O autor do vídeo não se refere aos horários restritos de abertura do comércio e outros estabelecimentos, decretados pela Prefeitura, o que não condiz com a ideia de “vida normal” que insiste em ressaltar. A publicação também omite que após a flexibilização do isolamento tem ocorrido um crescimento do número de casos que tem alarmado as autoridades municipais.

Soma-se a isto a campanha explícita que o autor do vídeo empreende contra os governadores do Rio de Janeiro e de São Paulo, classificando-os como “vagabundos” e “corruptos” por conta das medidas de isolamento social que permanecem em vigor nesses estados. Pode-se concluir que, dada a ênfase neste aspecto e a omissão de informações relevantes, o autor anônimo produziu as imagens com finalidade política contra as medidas de prevenção à Covid-19 orientadas pela Organização Mundial de Saúde e assumidas não só em boa parte do mundo, como também pelo Ministério da Saúde do Brasil, e seguidas por estados e municípios.

O Coletivo Bereia alerta seus leitores e leitoras para a circulação de material anônimo pelas mídias sociais, que, frequentemente não apresenta embasamento e fontes, tendo, por isso, altas chances de ser falso ou enganoso e fazer uso de receptores para interferir negativamente em temas de interesse público.

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Referências de Checagem:

Decreto da Prefeitura de Maringá: http://www2.maringa.pr.gov.br/cdn-imprensa/decreto445.pdfhttps://maringapost.com.br/cidade/2020/04/19/veja-detalhes-do-decreto-que-autoriza-funcionamento-do-comercio-em-maringa-e-torna-uso-de-mascaras-obrigatorio/, http://venus.maringa.pr.gov.br/arquivos/orgao_oficial/arquivos/oom%203308.pdf, http://venus.maringa.pr.gov.br/arquivos/orgao_oficial/arquivos/oom%203312.pdf , http://www2.maringa.pr.gov.br/cdn-imprensa/decreto637P.pdf,

Prefeitura de Maringá: http://www2.maringa.pr.gov.br/site/index.php?sessao=53ef08b6fc5553&id=36228

Maringa Post – Assessoria de Comunicação da Universidade Estadual de Maringá, http://www.noticias.uem.br/uemnamidia/index.php/clipping-por-categoria/96-uem/maringa-post

Boletim Coronavírus – Secretaria de Saúde de Maringá: http://www2.maringa.pr.gov.br/saude/?cod=noticias/36360

Secretária de Estado da Saúde (Sesa) do Paraná,
http://www.saude.pr.gov.br/arquivos/File/INFORME_EPIDEMIOLOGICO_14_05_2020.pdf

É falso que números por Covid-19 caem no Brasil por ações da Polícia Federal e do Ministro da Saúde

No início de maio, voltaram a circular nas mídias sociais conteúdos que afirmam que a Polícia Federal (PF) e órgãos federais de saúde estariam auditando o número de óbitos por Covid-19. O Coletivo Bereia teve acesso à postagem de uma líder religiosa, em 8 de maio, com a tarja em vermelho trazendo os dizeres “Eita a casa caiu”, que ainda apresenta a afirmação de que a PF buscava esclarecimentos com famílias das vítimas e investigava as compras realizadas sem licitação.

O texto diz ainda que, por conta da ação do Ministro da Saúde empossado em abril, Nelson Teich, os números de vítimas em São Paulo começaram a cair, a Rede Globo teria parado de divulgar o número de óbitos e os estados e municípios teriam avisado que reabririam as economias. Segundo o conteúdo na página pessoal da pastora, caracterizado como “Informação falsa” pelo Facebook, o ex-ministro da pasta, Luiz Henrique Mandetta, teria mencionado o achatamento da curva relacionada à doença.

Antes mesmo da publicação da líder evangélica, que é presidente de uma igreja, juíza de paz, capelã e conselheira matrimonial, outras postagens em mídias sociais sobre o mesmo conteúdo já haviam sido pulverizadas a partir do dia 20 de abril.

Segundo o site Boatos.org, trata-se de uma espécie de teoria da conspiração sobre uma suposta queda no número de óbitos em decorrência do coronavírus divulgado pelas autoridades de saúde no país. A postagem também foi compartilhada por grupos pró-governo e outros contrários ao isolamento social horizontal. No perfil Bolsoteus um post enaltece o presidente Jair Bolsonaro e traz a chamada: “Corrigindo os dados ‘errados’ – Foi só trocar de ministro e começaram as correções no número de mortos por covid-19, imaginem então, até hoje quantos “erros” passaram sem averiguação?”.

Mediante a disseminação das publicações, a Boatos.org realizou a checagem, chegando à constatação de que são falsas. Isso porque são vagas, sem informações para comprovar a tese; alarmistas, com o objetivo de tirar as pessoas do isolamento social; apresentam erros de português e ainda não indicam fontes confiáveis para corroborar o que foi dito.

A seção “Fato ou Fake” do portal de notícias G1 também averiguou a informação e constatou a falsidade da mensagem. Segundo a matéria, o Ministério da Saúde negou a existência de uma auditoria. Em nota ao Fato ou Fake, o órgão informou que “os registros de casos e óbitos com confirmação de Covid-19 são reportados pelas secretarias estaduais e municipais de Saúde, levando-se em conta o número de pacientes hospitalizados e óbitos registrados no Sistema de Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP Gripe) e o número de exames positivos de Covid-19 em casos leves“.

A seção ainda menciona a afirmação do Ministério Público de que esses dados são repassados diariamente para equipes técnicas do Ministério da Saúde e divulgados por meio do portal – covid.saude.gov.br. Também não seria possível dizer que os números de São Paulo começaram a cair, uma vez que no dia 23 de abril o estado bateu recorde de mortes, com 211 novas ocorrências em 24 horas e, apesar de oscilações pontuais, a curva permanece ascendente. Já o número de casos tem variado bastante, mas não há uma tendência de queda.

Fato ou Fake também desmente a afirmação de que Rede Globo teria parado de divulgar os números de óbitos, o que segue sendo feito por meio dos telejornais e portal G1, pertencente ao Grupo Globo.

O entendimento de que todos os estados e municípios anunciaram uma reabertura imediata da economia também é contestado. De acordo com a checagem, em São Paulo, por exemplo, no período das postagens a quarentena estava mantida, como ainda está, pelo menos até o 31 de maio.

A Agência Lupa também verificou as publicações de que Teich estaria auditando números da Covid-19. A checagem se deu mediante o pedido feito por usuários do Facebook, por meio de projeto de verificação em parceria com a mídia social. A matéria, redigida pelo repórter Plínio Lopes e publicada em 24 de abril, taxa como falsa a informação sobre a suposta auditoria realizada pelo então novo Ministro da Saúde. Também categoriza como falso que os números de vítimas em São Paulo começaram a cair “como mágica”.

Segundo a reportagem, o presidente Jair Bolsonaro anunciou Nelson Teich como o novo ministro da Saúde no final da tarde do dia 16 de abril. Ele tomou posse no dia seguinte e, desde então, em São Paulo, o número de óbitos atingiu o maior valor diário e o número de casos confirmados o segundo maior desde o início da pandemia. Ratificando a verificação da Fato ou Fake, é falsa também a informação de que a emissora Globo parou de divulgar os números de vítimas por Covid-19. A Lupa apurou que, desde o anúncio de Nelson Teich como novo ministro da Saúde, no dia 16 de abril, todas as edições do Jornal Nacional (16, 17, 18, 20, 21 e 22 de abril) e a edição do Fantástico, de 19 de abril, divulgaram o número de óbitos por covid-19 no Brasil.

Sobre a reabertura das economias pelos estados e prefeituras, a agência classificou como exagerada, uma vez que, segundo a matéria, alguns estados e municípios, de fato, anunciaram a reabertura de certas atividades comerciais e outros, inclusive, já reabriram. Entretanto, isso varia de estado para estado e de município para município. São Paulo, por exemplo, condicionou a reabertura à manutenção de índices altos de isolamento. Outros, como Ceará e a Amazonas, mantiveram a suspensão do funcionamento de estabelecimentos comerciais não essenciais.

Por meio de nota ao Estadão Verifica, o Ministério da Justiça e Segurança Pública afirmou que “qualquer informação que circule nas redes sociais em nome da Polícia Federal que não tenha partido de nossos canais oficiais é de total responsabilidade de quem a divulgou”.

A mesma checagem foi realizada pela agência Aos Fatos, que participa do projeto de verificação de conteúdos em parceria com o Facebook, e identificou que, em 24 de abril, publicações com esse conteúdo acumulavam ao menos 40 mil compartilhamentos nessa mídia social até a tarde desta sexta-feira (24).

Por que o Facebook passou a identificar as postagens que têm informação falsa?

Após o escândalo, em 2015, envolvendo Facebook e Cambridge Analytica, em que informações pessoais de mais de 50 milhões de usuários foram vendidas para fins políticos com o desconhecimento dos usuários, Mark Zuckerberg, CEO do Facebook, precisou dar explicações a parlamentares norte-americanos e europeus e apresentou novos mecanismos preventivos contra fake news.

Segundo o pesquisador Claudio Marques:

“Nos casos em que o conteúdo de publicações, fotos ou vídeos forem identificados como sendo falsos, Zuckerberg afirma que técnicos irão avaliar as possíveis consequências da disseminação da suposta notícia falsa para tomar duas possíveis atitudes: exclusão definitiva do conteúdo da plataforma nos casos mais graves (ameaça à integridade física de pessoas envolvidas, por exemplo) ou redução da sua capacidade de circulação e alcance, fazendo com que ela tenha uma chance muito menor de aparecer no feed de notícias dos usuários e se espalhar.”

Como exemplo dessa atuação, há o caso no Brasil em que 196 páginas e 87 contas falsas ligadas ao Movimento Brasil Livre, durante a campanha eleitoral de 2018, foram desativadas por sua participação em “uma rede coordenada que se ocultava com o uso de contas falsas no Facebook, e escondia das pessoas a natureza e a origem de seu conteúdo com o propósito de gerar divisão e espalhar desinformação”. O escândalo das fake news na campanha eleitoral de 2018 no Brasil acabaram se tornando objeto de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) no Congresso Nacional.

Desde os escândalos que envolveram o Facebook com uso ilegal de dados e veiculação de material falso, a empresa tem trabalhado em mudanças em seu algoritmo para amplificar as notícias de fontes confiáveis.

Segundo Claudio Marques, “algoritmo é uma sequência de instruções que orientam passo a passo a realização de uma tarefa ou a solução de um problema”. A pesquisadora Cathy O’Neil, no livro “Armas de destruição em massa: como o big data cresce e ameaça à democracia” (tradução livre), opina que os algoritmos podem se constituir em “Armas de Destruição Matemática”, pois teriam potencial para promover os privilegiados ao reforçar preconceitos e estereótipos. Eles podem desconsiderar fatores relevantes e permitir que se tirem conclusões enviesadas, como a de que prisioneiros não-brancos vindos de bairros pobres têm maior probabilidade de voltar a cometer crimes.

Dessa forma, algoritmos que não primam pela transparência e pela ética estariam sendo cada vez mais utilizados para tomada de decisões que impactam diretamente na vida das pessoas, prejudicando principalmente os pobres, os negros, os imigrantes e os que possuem baixa escolarização. Por outro lado, há muitos algoritmos que são positivos para a sociedade. O Facebook foi pressionado a construir o seu contra as fake news.

Em 2018, o Facebook lançou no Brasil o seu programa de verificação de notícias, em parceria com as agências de checagem Aos Fatos e Lupa. Pelo programa, as duas agências de verificação têm acesso às notícias denunciadas como falsas pela comunidade no Facebook para analisar sua veracidade. Os conteúdos classificados como falsos têm sua distribuição orgânica reduzida de forma significativa no Feed de Notícias. Páginas no Facebook que repetidamente compartilharem notícias falsas terão todo o seu alcance diminuído.

Esse mecanismo, quando aplicado nos Estados Unidos desde 2015, permitiu cortar em até 80% a distribuição orgânica de notícias consideradas falsas por agências de
verificação parceiras.

“Estamos comprometidos em combater a disseminação de notícias falsas no Facebook. Essa parceria com Aos Fatos e Agência Lupa é mais um passo em nossos esforços para combater a desinformação e melhorar a qualidade das notícias que as pessoas encontram no Facebook”, afirma a líder de parcerias com veículos de mídia do Facebook para América Latina, Cláudia Gurfinkel.

Além de reduzir o alcance de conteúdos considerados falsos, o Facebook envia notificações para pessoas e administradores de Páginas que tentarem compartilhar esse conteúdo, alertando-os que a sua veracidade foi questionada por agências de verificação.

Notícias consideradas falsas pelas agências de verificação não podem ser impulsionadas no Facebook. E as Páginas que publicarem com frequência tais conteúdos não têm mais a opção de usar anúncios para construir suas audiências. Aos Fatos e Agência Lupa podem, ainda, associar a sua checagem a uma notícia que
tenha sido questionada. Esse texto com a checagem será mostrado no Feed de Notícias por meio do recurso Artigos Relacionados, fornecendo mais contexto às pessoas para que tomem decisões mais informadas sobre o conteúdo que consomem.

Aos Fatos e Agência Lupa podem, ainda, associar a sua checagem a uma notícia que tenha sido questionada. Esse texto com a checagem será mostrado no Feed de Notícias por meio do recurso Artigos Relacionados, fornecendo mais contexto às pessoas para que tomem decisões mais informadas sobre o conteúdo que consomem. Como no caso da postagem da pastora que originou esta matéria:

O programa de verificação de notícias do Facebook está disponível em alguns países e conta com a parceria de organizações de checagem integrantes da International Fact-Checking Network (IFCN), da Poynter.

Já em 16 de abril de 2020, o Facebook anunciou uma nova ferramenta para evitar o compartilhamento de desinformação acerca do coronavírus. Usuários que tiverem interação em postagens com conteúdos falsos ou que confundem sobre a pandemia serão notificados. E encaminhados para informações da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Por isso o presidente Jair Bolsonaro teve um vídeo removido do Facebook e do Instagram em 30 de março. No vídeo publicado em seus perfis nestas mídias, Bolsonaro provocava aglomerações durante um passeio em Brasília e se posicionava contra o isolamento social, defendido por autoridades de saúde do mundo inteiro como medida eficaz para conter o coronavírus.

Um porta-voz do Facebook explicou que a plataforma removeconteúdo no Facebook e Instagram que viole nossos Padrões da Comunidade, que não permitem desinformação que possa causar danos reais às pessoas”.

Cristãos e desinformação sobre a Covid-19

A agência Aos Fatos alerta que tentativas de desacreditar os dados estaduais de mortes por Covid-19 fazem parte de um processo de desinformação cada vez mais frequente com o avanço da pandemia.

Em geral, as postagens lançam suspeitas sobre os números para fazer crer que há interesses políticos de governadores dos estados contra o governo de Jair Bolsonaro. Já houve várias publicações que sugeriram que atestados de óbitos estavam sendo forjados para inflar os números de casos no Brasil. Depois, houve postagens com acusações de que governos estaduais de estarem superestimando os dados.

Todas estas postagens ainda circulam, apesar das matérias das agências de checagem já as terem classificadas como falsas. Indivíduos e grupos cristãos têm participado na disseminação deste material desinformativo, como é o caso da pastora, cuja postagem foi base para a elaboração desta matéria. O Coletivo Bereia já produziu várias checagens de conteúdo desinformativo sobre a pandemia que circula entre cristãos.

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Referências de checagem

Boatos.org, https://www.boatos.org/saude/numero-de-mortes-covid-19-caiu-investigacao-teich-moro.html Acesso em 11 mai 2020

Fato ou Fake, G1, https://g1.globo.com/fato-o fake/coronavirus/noticia/2020/04/24/e-fake-que-ministro-da-saude-faz-auditoria-dos-numeros-de-casos-e-mortes-de-covid-19.ghtm. Acesso em 11 mai 2020

Lupa, https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2020/04/24/verificamos-nelson-teich-auditando-covid/ Acesso em 11 maio 2020

Estadão Verifica, https://politica.estadao.com.br/blogs/estadao-verifica/pf-nao-tem-inquerito-para-apurar-mortes-pela-covid-19/ Acesso em 11 mai 2020

Aos Fatos, https://politica.estadao.com.br/blogs/estadao-verifica/pf-nao-tem-inquerito-para-apurar-mortes-pela-covid-19/ Acesso em 11 mai 2020

The Guardian, https://www.theguardian.com/technology/2019/mar/17/the-cambridge-analytica-scandal-changed-the-world-but-it-didnt-change-facebook Acesso em 11 mai 2020

Facebook, https://about.fb.com/br/news/2018/05/facebook-lanca-produto-de-verificacao-de-noticias-no-brasil-em-parceria-com-aos-fatos-e-agencia-lupa/. Acesso em 11 mai 2020.

G1, https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2020/04/16/facebook-vai-avisar-quem-interagiu-com-informacoes-falsas-sobre-o-coronavirus.ghtml Acesso em 11 mai 2020

G1, https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2020/03/30/facebook-e-instagram-removem-video-de-jair-bolsonaro-por-violacao-de-regras.ghtml Acesso em 11 mai 2020

Claudio Marques, “Entre algoritmos e bolhas: as fake news e a comunicação do IBGE”. Disponível em: http://www.ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais-1/encontros-nacionais/12o-encontro-2019/gt-2013-historia-do-jornalismo/entre-algoritmos-e-bolhas-as-fake-news-e-a-comunicacao-do-ibge/at_download/file . Acesso em 11 mai 2020

Cathy O’Neil. Weapons of math destruction: how big data increases and threatens democracy.New York: Crown, 2016.

Reuters, https://br.reuters.com/article/domesticNews/idBRKBN1KF1MI-OBRDN . Acessado em 11/05/2020. Acesso em 11 mai 2020.

Fonte/imagem de destaque: https://www.haribhoomi.com/news/india/doctors-gave-information-about-outbreak-of-corona-infection-and-symptoms-of-corona-virus-325500

É verdade que Apóstolo Valdemiro Santiago oferece semente que cura Covid-19

Circula amplamente por mídias sociais neste 7 de maio de 2020, um vídeo de pouco mais de dois minutos com fala do líder da Igreja Mundial do Poder de Deus, Apóstolo Valdemiro Santiago, sobre o poder de uma semente oferecida por ele na cura da Covid-19.

No vídeo, o líder religioso mostra um exame que comprovaria que uma pessoa teria sido curada da Covid-19 após plantar a semente (que não é identificada), na qual está escrita frase que Deus diz a Abraão, segundo a Bíblia: “Sê tu uma bênção”. Valdemiro Santiago afirma:

“Gente curada de estado terminal, gravíssimo. E está ali o exame, para quem quiser. (…) Você vê como a semente é semeadora. E aí sim conseguiu vencer a crise e a panademia. Só tem um jeito de se vencer essas fases difíceis. É semeando, e semeando na obra de Deus. Essa semente é interessante, você planta… É a semente “sê tu uma bênção”. Você vai semear essa semente e na planta que nascer vai estar escrito “Sê tu uma bênção”.”

Na gravação o Apóstolo reconhece possíveis críticas ao instrumento de cura. Ele diz: “Mas isso é enganar? Não! Você que tá enganado!”. E depois anuncia a forma de pagamento para se adquirir a semente:

“O propósito que eu vou fazer é de R$ 1.000 para cada um [dos parentes para quem vai plantar uma semente]. E muitos que estão me assistindo também vão fazer de R$ mil. Outros vão fazer de R$ 500, e finalmente outros vão fazer de R$ 200 e até R$ 100. A semente de acordo com sua sementeira… Até mais quem quiser”.

O vídeo que circula é um trecho de gravação maior que se encontra no canal do Youtube da Igreja Mundial do Poder de Deus, postado no dia 1 de maio.

A gravação completa tem 42 minutos e inicia com uma pregação de Valdemiro Santiago sobre texto bíblico de Gênesis, capítulo 47, que versa sobre semear a terra e alcançar a abundância de Deus. Daí o Apóstolo “convoca o povo de Deus” a “semear em terra fértil”, que ele classifica como a obra de Deus, durante o mês de maio. Depois de expor que pessoas foram curadas dos efeitos do coronavírus ao terem plantado a semente que tem gravada a frase bíblica “Sê tu uma bênção”, ele oferece o instrumento que diz ser curativo condicionado a um pagamento à igreja de R$ 1.000, R$ 500, R$ 200 ou R$ 100. Se alguém quiser dar mais poderá, segundo o religioso que disse ser este “o mais abençoado de todos os propósitos que já fizemos”. Depois Santiago recorre ao texto da Bíblia em Marcos 4 para justificar a campanha, que diz que o Reino de Deus é como um homem que sai a semear.

O Apóstolo afirma que as sementes são “coisa divina mesmo”, e diz que a planta que cresce tem nela marcada a frase “Sê tu uma bênção”. Depois, o líder da Igreja Mundial convida católicos, evangélicos, pessoas de outras religiões para que ninguém fique de fora e as adquira, por meio de contato telefônico com envios para todo o Brasil. As pessoas que desejarem adquirir a semente devem fazer o depósito do valor desejado na conta da igreja e enviar o comprovante para as centrais telefônicas disponíveis em vários estados, e solicitar o envio.

A Campanha “Semeador Sê tu uma bênção” está em chamada de destaque no site da igreja. Ao clicar no link para a contribuição para esta campanha, não aparece explicação sobre ela, mas sim uma página onde as doações financeiras podem ser realizadas, o que leva à compreensão de que o conteúdo do vídeo já é de conhecimento de quem acessa o site.

O oferecimento de objetos “abençoados” para o alcance de benefícios concretos por parte de fieis é prática comum na Igreja do Poder de Deus e em outras igrejas que desenvolvem teologia e ações similares. O pesquisador Ricardo Mariano explica este fenômeno social na obra ‘Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil’, das Edições Loyola. A imagem da semente como Obra de Deus que pode se multiplicar na vida das pessoas já foi utilizada pela igreja em outras campanhas. No site da Igreja Mundial há um testemunho de milagre financeiro, datado de 13 de março de 2016 que narra a história de José Gino Nazário. Segundo o texto, o fiel tinha a vida financeira arruinada quando percebeu que se tratava da falta de compromisso com o dízimo. Nazário afirma:

“Eu já era evangélico, aqui da Igreja Mundial do Poder de Deus, mas minha vida estava no fundo do poço. Eu atrasava os propósitos, fazia esperando receber, não dando a minha parte. Era dizimista, mas dizimava quando dava vontade ou sobrava dinheiro, ofertava do meu jeito, não do jeito que é ensinado pelo Homem de Deus. Queria mudança na minha vida financeira, que nunca prosperava, mas não abria o meu coração e retornava o que era de Deus. (…) Assisti em casa, pela televisão, a uma palavra ministrada pelo Apóstolo Valdemiro Santiago e, nela, Deus disse que era para semear, que a semente daria frutos e quem dava a semente era Deus. Sou criado e crescido na roça e lembro que meu pai semeava terra e ia até o fazendeiro para lavrar. Aquela explicação encheu meu coração de ânimo e de entendimento. Vim até o templo, tomei posse da semente, peguei um Carnê da Oração Incessante, dessa vez para semear, não para fazer propósitos ou votos que eu não conseguisse cumprir, nem esperando nada específico, apenas para ver semente plantada, porque sei que, na época certa, germina. Peguei e semeei. Deus me deu sete mil reais e paguei tudo o que devia, que me mantinha na miséria e fiquei com o restante. Foi aí que percebi que eu era o errado. Mudei meu jeito de ofertar, de fazer a obra. Hoje, tenho mais um carnê de trezentos reais e sou dizimista fiel, ofertante, porque provo que Deus dá prosperidade e condições para nossa vida. E quem duvidar, apanhe uma semente e faça o que eu fiz, Deus se revelará a você também”.

Com base nestes elementos, o Coletivo Bereia classifica o conteúdo do vídeo que está circulando nas mídias sociais sobre o oferecimento de semente para cura de Covid-19 e outras dificuldades da vida pelo líder da Igreja Mundial do Poder de Deus como verdadeiro.

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Referências de Checagem:

Youtube, Igreja Mundial do Poder de Deus. https://www.youtube.com/watch?v=iDhf1HjkknU

Igreja Mundial do Poder de Deus. https://impd.org.br/

Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil, por Ricardo Mariano. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2010.

Novos conteúdos que ligam o ex-deputado Jean Wyllys a atentado a Bolsonaro são falsos – Parte 2

Parte 2: Propaganda em momento de crise

Postagem publicada pelo deputado federal Marco Feliciano (Podemos/SP), em 27 de abril, traz mais uma acusação que liga o ex-deputado federal Jean Wyllys (PSOL/RJ) ao autor da facada no então candidato Jair Bolsonaro, em 2018.

O conteúdo da postagem é matéria assinada pelo jornalista Oswaldo Eustáquio e publicada no site renews, no mesmo 27 de abril de 2020, com o título “Exclusivo: Em depoimento à PF, testemunha revela que Adélio Bispo esteve no gabinete Jean Wyllys” (sic). O texto afirma que um homem chamado Luciano Carvalho de Sá contou que o autor do atentado à facada, em setembro de 2018, contra o então candidato à Presidencia da República Jair Bolsonaro, foi Adélio Bispo, e que ele mantinha ligações com o ex-deputado federal do PSOL, Jean Wyllys. A matéria ainda afirma que Adélio disse a Luciano:

“Já estive com Jean Wyllys no Anexo 4 da Câmara dos deputados por duas vezes. Você precisa conhecer ele, nem todos os políticos são inúteis. Se quiser te levo lá” (sic).

Essa frase foi dita, segundo o jornalista, após Adélio ver Luciano segurando uma placa com os dizeres “Fora Temer” e “Contra Políticos Inúteis”, em uma manifestação na paralisação dos caminhoneiros, em 2017. O jornalista Oswaldo Eustáquio conclui, a partir disso, que “a informação mostra fortes indícios de um braço político do esquema que tentou assassinar o então candidato Jair Bolsonaro”. Oswaldo também conclui que o depoimento de Luciano pode colocar Jean Wyllys e o PSOL como suspeitos de serem os mandantes do crime contra Jair Bolsonaro.

Uma contextualização do caso Adélio e dos recorrentes ataques de fake news ao ex-deputado Jean Wyllys pode ser encontrada na parte 1 desta matéria.

Jean Wyllys e Adélio Bispo voltam à cena

O caso do atentado à facada em Jair Bolsonaro volta à cena política, neste momento, no contexto da exoneração do diretor da Polícia Federal (PF) Maurício Valeixo, que levou à demissão do Ministro da Justiça Sérgio Moro, na sexta-feira, 24 de abril passado. Moro acusou o presidente Jair Bolsonaro de interferir politicamente na PF ao exonerar Valeixo para nomear pessoa de sua intimidade:

O presidente me disse mais de uma vez, expressamente, que queria ter uma pessoa do contato pessoal dele que ele pudesse ligar, colher informações, colher relatórios de inteligência, seja diretor-geral, superintendente e realmente não é o papel da polícia federal prestar esse tipo de informação.”

Ao rebater a acusação em pronunciamento na mesma data, o presidente Jair Bolsonaro afirmou:

Será que é interferir na Polícia Federal quase que exigir, implorar a Sergio Moro, que apure quem mandou matar Jair Bolsonaro? A PF de Sergio Moro mais se preocupou com Marielle do que com seu chefe supremo. Cobrei muito deles isso daí. Não interferi. Eu acho que todas as pessoas de bem no Brasil querem saber. Entendo, me desculpe senhor ex-ministro: entre meu caso e o da Marielle, o meu está muito menos difícil de solucionar. Afinal de contas, o autor foi preso em flagrante de delito, mais pessoas testemunharam, telefones foram apreendidos. Três renomados advogados, em menos de 24 horas, estavam lá para defender o assassino.

No mesmo dia já circulava nas mídias sociais postagens com a hashtag “#QuemMandouMatarBolsonaro” criada em contraposição à hashtag “#QuemMandouMatarMarielle”, que circula nas mídias desde março de 2018 quando a vereadora do Rio Marielle Franco foi executada.

Dois dias depois, em 26 de abril, o jornalista independente Oswaldo Eustáquio publicou em seu perfil do Twitter que faria uma live naquela noite para “revelar algo que a Polícia Federal não descobriu sobre Adélio Bispo” e que a informação traria uma “reviravolta para o caso”. Eustáquio solicitava ainda que seguidores repercutissem a hashtag “#QuemMandouMatarBolsonaro”.

A live do jornalista Oswaldo Eustáquio foi realizada via Youtube, com o título “A última testemunha viva que esteve com Adélio Bispo desmente inquérito da PF de Moro” e a chamada:

O núcleo de jornalismo investigativo comandado por Oswaldo Eustáquio encontrou a última testemunha viva que esteve comprovadamente com Adélio Bispo. Luciano Mergulhador, conheceu o homem que tentou matar Bolsonaro em uma manifestação em Florianópolis e revela detalhes.

A transmissão apresentou ao público um homem denominado “Luciano Mergulhador”, quem o jornalista disse estar ao lado de Adélio Bispo em foto de manifestação, momento em que o homem teria ouvido que Bispo teria estado com o deputado Jean Wyllys por duas vezes na Câmara Federal.

Foto: Renews

O homem é apresentado como testemunha-chave, que foi mostrada na divulgação da foto à época das investigações pela Globo News e nunca teria sido encontrada. Luciano Mergulhador declara que ele é a pessoa que aparece na foto e afirma ser conhecido do jornalista: Eustáquio, você conhece o nosso histórico lá de Paranaguá (PR), nós já enfrentamos lá o crime organizado político em Paranaguá, nós fizemos milagres e prodígios lá na cidade muitas vezes e fomos perseguidos”.

Ele diz que em nenhum momento a Polícia Federal o procurou e que: “muitas vezes a imprensa acaba não tendo a credibilidade que nós temos com a comunidade mais simples”, por isso“pessoas que estão nesta linha investigatória acabaram nos procurando. E temos informações que, com esta audiência aqui, poderão mudar a trajetória deste inquérito”.

Em seguida o jornalista afirma que o objetivo da live “é trazer a verdade que liberta, a verdade que está em João 8.32” e apresenta dois convidados Roberto Zibenberg e Roberta Lopes, do Direita Minas.

O jornalista Oswaldo Eustáquio reforça a ideia de que a transmissão poderá mudar a história do inquérito, visto que a hashtag “#QuemMandouMatarBolsonaro ficou em primeiro lugar por todo o dia. Ainda, questiona o entrevistado principal se realmente esteve com Adélio Bispo e se este se aproximou por conta da placa “Renuncia Temer”. Luciano responde que sim. “Adélio se aproximou por conta das placas “Renuncia Temer” e “Políticos Inúteis”’.

Oswaldo continua questionando Luciano:

“Quando ele [Adélio] se aproximou de você, ele falou sobre alguns políticos inúteis e sobre alguns bons políticos?”

Luciano inicia a sua resposta reforçando que a PF não o procurou para que ele pudesse fazer declarações. Luciano disse que estava com o cartaz na escadaria da catedral em Florianópolis e que este chamou a atenção de muitas pessoas à época da greve dos caminhoneiros. Disse que Adélio, em relação ao cartaz “Políticos Inúteis”, falou que nem todos os políticos são inúteis. A partir dessa afirmação, Luciano o questionou: “mas quem seria um bom político?” E Adélio respondeu, nas palavras de Luciano: “Lá no Congresso Nacional, no Anexo 4, tem um deputado federal que é um bom político”. Luciano diz que essa é a informação que chamou a sua atenção e acha que isso mudará o rumo das investigações. Luciano diz que tomou a liberdade e fez uma investigação. Diz ele:

“No anexo 4, têm vários deputados, mas Jean Wyllys, que é do PSOL – e houve essa ligação, ele [Adélio] era filiado ao partido. E Jean Wyllys, nós sabemos, que tem um ódio ferrenho por Bolsonaro, tanto que cuspiu em Bolsonaro. Isso foi noticiado no Brasil e no mundo. Mas há essa ligação. E mais uma informação, aí que entra a questão, pois nos passaram essa informação: meu amigo Eustáquio, repórter Eustáquio – e chamamos a PF para analisar essa questão aí – sabemos que no anexo 4, ali por 2013, Adélio adentrou o anexo 4, mas as câmeras de vídeo do anexo 4, simplesmente foram apagadas. E acredito que, para o inquérito, isso seja uma informação muito importante. Por que nunca fomos procurados para, talvez, trazer essa informação, debater sobre isso aí. Então, esse questionamento feito pela hashtag “#QuemmandoumatarBolsonaro”, e por que há um silêncio por grande parte da imprensa sobre esse questionamento? Por que há esse segredo da parte investigativa? São perguntas que eu recebo seguidamente. Só que eu não tenho poder de polícia federal. Eu sou apenas um cidadão, um trabalhador, mergulhador, tenho muito orgulho, amo a minha profissão, mas eu também sou um ativista. E a gente coloca a nossa vida em risco, quando a gente enfrenta esse crime organizado político que se perpetua, que quer manter e, talvez, queira voltar à presidênciada república. Então, amado [se referindo ao jornalista Oswaldo], eu achei de muita coragem, porque de algumas informações os repórteres têm medo, têm medo da verdade. Então, nós trazemos essas informações – eu tentei anotar algumas coisas – para que entremos em uma linha de inquérito. Acrescento, algo que percebi aqui, e desde as primeiras entrevistas eu falei em relação a isso, em nenhum momento, quanto para mim, quanto para as pessoas, mas têm as fotos do dia do evento. O Adélio foi aquele que recebeu os telefones das pessoas que estavam na manifestação e isso nos causa estranheza: como que a pessoa que é cotada como insana [se referindo a Adélio], mas era uma pessoa que fazia stand de tiro e para a pessoa fazer stand de tiro ela tem que passar por… [provavelmente estava pensando em falar sobre avaliação psicológica]. Outro ponto: o telefone celular é um patrimônio que cuidamos com muito carinho, mas todas as pessoas permitiram que Adélio batesse foto com os seus celulares. Eu não tenho poder de polícia federal, agora eu digo uma coisa: a rede globo em não retirar o meu rosto dessa foto, que correu o Brasil inteiro, assustou muito a minha família, as pessoas que nos conhecem ficaram questionando: ‘será que o mergulhador que fez esse atentado?’ E como fazemos o movimento civil da sociedade organizada e esse movimento tem como principal objetivo combater o crime organizado político, nós temos muito inimigos. E você sabe como é forte o crime organizado em Paranaguá, por exemplo” (sic).

Luciano continua falando de Paranaguá, mas é interrompido pelo jornalista Oswaldo Eustáquio, que questiona se o entrevistado compreendia a gravidade das denúncias que estava trazendo. O jornalista Oswaldo afirma que há um elo perdido pela PF:

“Adélio Bispo esteve na Câmara dos Deputados em 2013. E por duas vezes entrou no Anexo 4, mas isso foi, ou apagado do sistema, o gabinete que ele foi, ou o atendente da Câmara não colocou [não registrou] o gabinete visitado.”

Continua dizendo que essa informação era um elo perdido na investigação.

“E você [Luciano] está dizendo, agora, e eu preciso entender isso, e queria que você falasse um pouco mais sobre isso para eu entender, que Adélio Bispo disse nessa manifestação que vocês se encontraram, que ele gostava do Jean Wyllys como político e que ele já tinha ido ao seu gabinete. Essa informação que você traz pode colocar Jean Wyllys como um dos suspeitos do atentado contra Bolsonaro. Isso é muito grave. Por isso eu preciso entender direitinho o que aconteceu. Estamos aqui para transmitir a informação para a população. Explica melhor isso aí.”

Diz Luciano:

“Eustáquio, eu até acrescento: Onde está Jean Wyllys agora? Jean Wyllys se encontra no Brasil? Você me entende? Ele já prometia que no momento que entrasse o Bolsonaro ele sairia do país. Você me entende? O que me causa estranheza – eu não sou PF, eu não tenho esse poder de PF, mas eu acho, eu acredito, e aproveitamos agora para pedir, talvez, uma certa proteção, dessa mesma PF, que possa proteger a nossa vida. Porque eu sei da dinâmica do que está acontecendo. Porque para amigos, nós não falamos dessa parte do diálogo. Porque eu acredito que, para entrarmos nesse assunto é necessária uma certa proteção.”

Eustáquio insiste na transmissão que Adélio Bispo foi absolvido do crime (na 1ª parte desta matéria Bereia explica o que é “absolvição imprópria”). Esta retórica de Eustáquio reforça o caráter de conspiração em torno do caso. E o vídeo prossegue por mais de 120 minutos, reforçando a acusação sobre Jean Wyllys.

A repercussão da acusação de Oswaldo Eustáquio

A matéria no site renews, diz que Luciano Carvalho de Sá, o Luciano Mergulhador, prestou depoimento à PF, no dia seguinte à acusação do jornalista Oswaldo Eustáquio. A matéria diz que outras testemunhas que estavam na escadaria da manifestação em que Luciano Mergulhador conversou com Adélio Bispo se apresentaram depois da live de Eustáquio.

A matéria do renews foi reproduzida por outros sites e em perfis de mídias sociais já assumida como verdade (como o do deputado federal Marcos Feliciano, da Bancada Evangélica, que levou a esta checagem do Coletivo Bereia). A acusação ganhou ainda mais força com publicações dos filhos de Bolsonaro, o vereador do Rio de Janeiro, Carlos Bolsonaro (Republicanos), e o deputado federal, Eduardo Bolsonaro (PSL/SP).

O senador Marcos do Val (Podemos/ES) assumiu a repercussão da acusação de Eustáquio no meio político e apresentou pedido, em 28 de abril, para que Jean Wyllys preste esclarecimentos à Comissão de Constituição e Justiça do Senado (o que ainda precisa ser avaliado).

O senador Marcos do Val anunciou que o faria, com postagem no Facebook assumindo a fala de Luciano Mergulhador como verdade em relação à ligação Adélio Bispo-Jean Wyllys.

A ação do senador foi divulgada pelos sites evangélicos Pleno News e Conexão Política e por vários outros de notícias de apoio a Jair Bolsonaro, como Jornal da Cidade, Agora Paraná, Relevante News, Aqui Notícias, Notícias Brasil On Line, República de Curitiba, entre outros. Nenhum órgão reconhecido de notícias publicou sobre a acusação divulgada pelo jornalista Eustáquio ou sobre a repercussão de Marcos do Val.

O presidente Jair Bolsonaro manifestou-se no Twitter em relação à publicação do Jornal da Cidade com o sinal de polegar para cima:

Em 28 de abril, o PSOL protocolou uma queixa-crime contra Carlos Bolsonaro pela divulgação da acusação no Twitter. No mesmo dia, Jean Wyllys publicou também no Twitter que as fake news foram criadas para desqualificar as denúncias feitas contra o presidente Jair Bolsonaro pelo ex-ministro Sérgio Moro, pois apareceram nos dias posteriores ao caso, como reconhecemos, acima, nesta checagem.

Ainda em 28 de abril, o presidente Jair Bolsonaro anunciou, durante conversa com apoiadores na frente do Palácio Alvorada, que a investigação da facada seria reaberta (apesar de não ter sido ainda concluída, como referido na Parte 1, nesta checagem).

“Vai ser reaberta a investigação. Foi negligenciado. Foi a conclusão. Foi um lobo solitário. Como pode um lobo solitário com três advogados? Quatro celulares? Inclusive, andando pelo Brasil.”

Sobre Luciano Mergulhador ter deposto na PF em Santa Catarina, em 27 de abril, é verdadeira a informação. O jornalista Fausto Macedo de O Estado de São Paulo, teve acesso à íntegra do depoimento colhido pelo delegado Reginaldo Donizetti Gallan Batista.

Conforme publicou o jornalista, em nenhum momento Luciano Mergulhador confirmou para os investigadores que Adélio tivesse ido ao gabinete de Wyllys, como foi divulgado pelas matérias em mídias independentes e por perfis de mídias sociais. Perante a PF, diferentemente do que disse na live de Oswaldo Estáquio, Mergulhador disse que não conhece Adélio Bispo e que o único contato que teve com ele “foi no referido movimento social e na ocasião da fotografia“. Sobre a menção de Jean Wyllys, Luciano Mergulhador não mencionou, em nenhum momento, ligação de Adélio com o ex-deputado ou supostas visitas ao gabinete dele. O depoente narrou apenas que ouviu, no dia da foto: ‘alguém’ citar deputados de esquerda, como Wyllys, contra a afirmação de seu cartaz, que dizia no verso a frase ‘políticos inúteis’. Ele não declarou à PF que quem disse isto foi Adélio Bispo. O documento registrado com o depoimento e assinado por Luciano Mergulhador diz:

Que [o depoente] esclarece que na ocasião, conversou com várias pessoas no local sobre o movimento e se recorda de alguém ter comentado sobre os deputados do anexo 4, ou seja, deputados de esquerda, tendo sido citado expressamente o ex-deputado Jean Wyllys. Que [o depoente] esclarece que o comentário sobre tais deputados se deu em razão da frase ‘políticos inúteis’ no verso do cartaz ‘Renuncia Temer’, tendo alguém afirmado que não são todos os políticos inúteis, sendo citado os deputados do Anexo 4 e expressamente o ex-deputado Jean Wyllys.

Luciano Mergulhador disse à PF que, no dia da foto com Adélio, não houve “nenhum comentário sobre atentar contra a vida de políticos, especificamente contra o presidente Jair Bolsonaro, na época deputado federal”. Afirmou ainda que não recebeu nada para participar da live do jornalista Oswaldo Eustáquio.

Checagem sobre a live de Oswaldo Eustáquio pelo jornal O Estado de São Paulo acrescentou que o delegado, ex-superintendente da PF em Minas Gerais, avalia que foi exonerado do cargo em fevereiro de 2019 porque contrariou o desejo do presidente Jair Bolsonaro e de seus filhos no processo da investigação. Ele estima que a família demonstrava interesse de que a averiguação chegasse à conclusão de que Adélio Bispo tinha sido financiado por partidos políticos ou uma organização criminosa.

Não há comprovação de que outras testemunhas tenham ido à PF, estimuladas pelo depoimento de Luciano Mergulhador, como diz a matéria do renews.

O que se pode concluir

Levando-se em conta os históricos do caso do atentado de Adélio Bispo de Oliveira contra o então candidato Jair Bolsonaro e os recorrentes processos de difamação e perseguição de milícias virtuais e apoiadores do hoje Presidente da República contra o ex-deputado federal Jean Wyllys, já é possível inferir que os recentes conteúdos sobre a ligação Jean Wyllys-Adélio Bispo, indicada por “última testemunha viva”, são falsos.

Esta inferência se soma às características da origem divulgadora do conteúdo. Oswaldo Eustáquio, 36 anos, se apresenta no perfil do Twiitter como “Jornalista Investigativo (DRT 8802), apaixonado pela verdade, inimigo da corrupção. Conservador”. Tornou-se conhecido por meio de blogs em mídias do Paraná, Gazeta do Povo e Agora Paraná, e por transmissões no canal do Youtube, com mais evidência depois da campanha de Jair Bolsonaro à Presidência.

Em 19 de abril passado, pelo canal do Youtube, Eustáquio transmitiu uma live com a participação do ex-deputado federal e presidente do PTB, Roberto Jefferson. Para denunciar uma suposta “trama urdida” pelos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) e do Supremo Tribunal Federal (STF), do PT e da TV Globo, para impor um impeachment a Jair Bolsonaro. Jefferson é um dos líderes do chamado “centrão”, bloco que tem sido alvo do governo Bolsonaro para superar o isolamento em que se encontra no Congresso (o presidente encontra-se sem partido) e conquistar apoio político nas Casas.

A live foi compartilhada nas mídias sociais do presidente Jair Bolsonaro, que fez uma transmissão ao vivo, em que aparecia assistindo.

Oswaldo Eustáquio ficou destacado nas mídias noticiosas recentemente, quando foi condenado na Justiça por publicar ofensas em seus espaços nas mídias sociais. Ele foi condenado a pagar R$ 15 mil por danos morais por ter ofendido a mãe do jornalista Glenn Greenwald, Arlene Greenwald, que morreu em dezembro vítima de um tumor no cérebro.

Em agosto de 2019, Eustáquio afirmou que Glenn Greenwald mentiu sobre o estado de saúde da mãe apenas para acelerar a concessão de visto para os filhos menores e, assim, partir com eles para os EUA. O jornalista reagiu chamando Eustáquio de “lixo humano” e decidiu processá-lo.

O juiz Antonio Carlos Maisonette Pereira afirmou na sentença que as postagens de Eustáquio tinham “uma carga ofensiva ao autor e sua mãe que ultrapassa o objetivo legítimo de criticar”. Ainda, que o jornalista não se ateve “ao compromisso ético de checar a veracidade das informações divulgadas, exorbitando da crítica para o campo das insinuações, as quais, no caso, são pejorativas e induvidosamente ofensivas à honra do autor e sua mãe, imputando ao primeiro, ainda, o cometimento de crime”.

O juiz Maisonette decretou que “ultrapassou os limites das liberdades constitucionais que lhe são asseguradas, agindo de forma abusiva ao disseminar informações equivocadas sobre o estado de saúde” da mãe de Glenn Greenwald. Cabe recurso da decisão”.

Com base neste levantamento, o Coletivo Bereia classifica o conteúdo da postagem do deputado federal Marco Feliciano (e todas as outras reproduções dele) como falso, com o objetivo de fazer propaganda em meio ao contexto político de crise do governo federal.

***

Referências de Checagem:

Exclusivo: Em depoimento à PF, testemunha revela que Adélio Bispo esteve no gabinete Jean Wyllys. Disponível em: https://www.renews.com.br/noticia/exclusivo-em-depoimento-a-pf-testemunha-revela-que-adelio-bispo-esteve-no-gabinete-jean-wyllys#.XqciLoIO5Mw.twitter. Acesso em 30 abr 2020.

Leia a íntegra do discurso de Moro. Disponivel em: https://jornaldebrasilia.com.br/politica-e-poder/leia-a-integra-do-discurso-de-moro/ Acesso em 30 abr 2020.

Leia íntegra do discurso de Bolsonaro após demissão de Moro . Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/04/24/leia-integra-do-discurso-de-bolsonaro-apos-demissao-de-moro.htm?cmpid=copiaecola . Acesso em 30 abr 2020.

A última testemunha viva que esteve com Adélio Bispo desmente inquérito da PF de Moro. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=l7Nj77fhohA Acesso em 30 abr 2020.

Exclusivo: Em depoimento à PF, testemunha revela que Adélio Bispo esteve no gabinete Jean Wyllys. Disponível em : https://www.renews.com.br/noticia/exclusivo-em-depoimento-a-pf-testemunha-revela-que-adelio-bispo-esteve-no-gabinete-jean-wyllys#.XqciLoIO5Mw.twitter. Acesso em 30 abr 2020.

Senador pede que Jean Wyllys esclareça relação com facada. Disponível em: https://pleno.news/brasil/politica-nacional/senador-pede-que-jean-wyllys-esclareca-relacao-com-facada.html Acesso em 30 abr 2020.

Marcos do Val pede que Jean Wyllys esclareça suposta relação com facada em Bolsonaro. Disponível em: https://conexaopolitica.com.br/ultimas/marcos-do-val-pede-que-jean-wyllys-esclareca-suposta-relacao-com-facada-embolsonaro/ Acesso em 30 abr 2020.

Após acusar ligação de Wyllys com facada, homem que aparece em foto com Adélio não sustenta versão para PF
Disponível em : https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/apos-acusar-ligacao-de-wyllys-com-facada-homem-que-aparece-em-foto-com-adelio-nao-sustenta-versao-para-pf/ Acesso em 30 abr 2020.

Depoimento na Polícia Federal não liga Jean Wyllys a Adélio Bispo. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/blogs/estadao-verifica/depoimento-na-policia-federal-nao-liga-jean-wyllys-a-adeliobispo/ Acesso em 30 abr 2020.

Vídeo: Roberto Jefferson revela detalhes da trama do golpe iminente de Rodrigo Maia contra Bolsonaro. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=lzynxvq7iHw Acesso em 30 abr 2020.

Vídeo: BOLSONARO assiste ao vivo Roberto Jeferson denunciar GOLPE DE MAIA. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=qX_mZcnEGsk. Acesso em 30 abr 2020.

Blogueiro é condenado a pagar R$ 15 mil por ofender a mãe de Glenn Greenwald. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2020/02/blogueiro-e-condenado-a-pagar-r-15-mil-por-ofender-a-mae-de-glenn-greenwald.shtml; Acesso em 30 abr 2020.

Novos conteúdos que ligam o ex-deputado Jean Wyllys a atentado a Bolsonaro são falsos – Parte 1

Parte 1: Alvo Preferido

Postagem publicada pelo deputado federal Marco Feliciano (Podemos/SP), em 27 de abril, traz mais uma acusação que liga o ex-deputado federal Jean Wyllys (PSOL/RJ) ao autor da facada no então candidato Jair Bolsonaro, em 2018.

O conteúdo da postagem é matéria assinada pelo jornalista Oswaldo Eustáquio e publicada no site renews, no mesmo 27 de abril de 2020, com o título “Exclusivo: Em depoimento à PF, testemunha revela que Adélio Bispo esteve no gabinete Jean Wyllys” (sic). O texto afirma que um homem chamado Luciano Carvalho de Sá contou que o autor do atentado à facada, em setembro de 2018, contra o então candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro, foi Adélio Bispo, e que ele mantinha ligações com o ex-deputado federal do PSOL, Jean Wyllys. A matéria ainda afirma que Adélio disse a Luciano:

“Já estive com Jean Wyllys no Anexo 4 da Câmara dos deputados por duas vezes. Você precisa conhecer ele, nem todos os políticos são inúteis. Se quiser te levo lá” (sic).

Essa frase foi dita, segundo o jornalista, após Adélio ver Luciano segurando uma placa com os dizeres “Fora Temer” e “Contra Políticos Inúteis”, em uma manifestação na paralização dos caminhoneiros, em 2017. O jornalista Oswaldo Eustáquio conclui, a partir disso, que “a informação mostra fortes indícios de um braço político do esquema que tentou assassinar o então candidato Jair Bolsonaro”. Oswaldo também conclui que o depoimento de Luciano pode colocar Jean Wyllys e o PSOL como suspeitos de serem os mandantes do crime contra Jair Bolsonaro.

A matéria foi compartilhada por outros influenciadores digitais religiosos, como a católica Sara Winter, e reproduzida pelo site de notícias evangélicas Pleno News, além de diversos sites apoiadores de Jair Bolsonaro como TV Gente Brasil, Real News Notícias, REDDIT.

O caso Adélio Bispo de Oliveira

Desde que o homem de nome Adélio Bispo de Oliveira desferiu uma facada no então candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro, em Juiz Fora/MG, em setembro de 2018, foi preso em flagrante e confessou o crime, dois inquéritos foram instaurados pela Polícia Federal. Uma primeira investigação foi concluída pouco tempo depois do atentado, em 28 de setembro de 2018, e definiu que o agressor do candidato Jair Bolsonaro agiu sozinho. A investigação analisou imagens de câmeras de segurança de lojas e de bancos do local do crime e também verificou que Adélio Bispo tentou atacar Bolsonaro antes, menos de um minuto depois do começo da passeata em Juiz de Fora. A PF constatou ainda que as quebras de sigilo bancário do autor não indicaram repasses suspeitos e análises de celulares e chips mostraram informações irrelevantes. As provas reforçaram os indícios de que ele agiu sozinho, e que a motivação foi “indubitavelmente política”.

No relatório do inquérito, a PF registrou como Adélio Bispo agiu:

Fotografou previamente alguns locais onde Bolsonaro estaria na cidade. Em outras fotos e imagens encontradas em seu celular, ficou evidenciado que esteve acompanhando o candidato durante todo o dia,tendo tido inclusive acesso ao hotel em que estava programado um almoço com empresários. Configuram-se, portanto, elementos robustos de que houve uma decisão prévia, reflexiva e arquitetada por parte de Adélio para atentar contra a vida de Bolsonaro.

Um segundo inquérito foi aberto pela PF, em 25 de setembro de 2018, para investigar a participação de terceiros no atentado e apurar quem financiou a defesa de Adélio Bispo de Oliveira. O advogado responsável, Zanone Manuel de Oliveira Júnior, havia declarado que o nome de quem o contratou era sigiloso.

Em 2 de outubro, o autor do atentado foi denunciado pelo MPF por prática de atentado pessoal por inconformismo político, crime previsto na Lei de Segurança Nacional. Dias após o indiciamento, ele se tornou réu no processo.

O segundo inquérito foi prorrogado e encontra-se ainda em curso e, segundo a PF, está em fase final de conclusão. Nele, foram analisados os registros telefônicos, todas as informações bancárias, milhares de e-mails e todas as publicações em redes sociais. Também foram realizadas pesquisas na internet e em todos os documentos apreendidos com Adélio Bispo. A perícia não encontrou indícios da participação de terceiros no crime.

Exames psiquiátricos e psicológicos, solicitados pela defesa de Adélio Bispo, levaram a laudos concluídos em fevereiro de 2019. Eles apontaram que o agressor tem transtorno delirante permanente paranoide e, por isso, foi considerado inimputável. Diz ainda que, em entrevistas com psicólogos e psiquiatras, Bispo afirmou que não cumpriu sua missão, e que saindo da cadeia iria matar o presidente.

Em 14 de julho de 2019 foi emitida a sentença pelo juiz Bruno Savino, da 3ª Vara Federal de Juiz de Fora (MG). Ele converteu a prisão preventiva em internação por tempo indeterminado com permanência no presídio de segurança máxima de Campo Grande (MS), onde o autor do atentado estava preso desde dois dias depois do caso. Na sentença, o juiz determinou a “absolvição imprópria”, na qual uma pessoa não pode ser condenada, pois ficou constatado que Adélio Bispo é inimputável, não pode ser punido por ter doença mental.

Nem os advogados de Jair Bolsonaro nem o Ministério Público recorreram da decisão da Justiça Federal, por isso, foram esgotados os prazos para recursos e a sentença transitou julgado. O escritório Moraes Pitombo, pelo presidente Jair Bolsonaro, afirmou em nota:

“Os advogados do sr. presidente preferiram adotar nova estratégia jurídica, em razão da persecução penal evidenciar que o condenado se apresentou como instrumento, ou parte de uma engrenagem, para a prática do grave crime.”

Como parte do segundo inquérito, ainda em dezembro de 2019, Adélio Bispo recusou-se a fechar acordo de delação premiada proposto pela PF, alegando não ter nada a falar além do que já disse à polícia. Ao ser ouvido pelo delegado Rodrigo Morais, da superintendência da PF em Belo Horizonte, na prisão em Campo Grande (MS), Adélio manteve a afirmação de que agiu sozinho e negou que o atentado tenha sido encomendado

No final de 2019, Adélio pediu à Justiça que seus atuais advogados fossem destituídos e que ele passasse a ser representado pela DPU (Defensoria Pública da União) na ação penal originária, que corre em Juiz de Fora. A solicitação estava em análise. O advogado Zanone confirmou que deixaria de atuar no caso pois a representação tinha se tornado muito trabalhosa e onerosa e que continuaria como curador.

Já neste março de 2020, o caso teve novo capítulo: o juiz Dalton Igor Kita Conrado, da 5ª Vara Federal Criminal de Campo Grande (MS), determinou a transferência em até 30 dias de Adélio Bispo para seu juízo de origem, a 3ª Vara Criminal Federal da Subseção Judiciária de Juiz de Fora, em Minas Gerais. A decisão foi justificada pela necessidade de o preso ser internado em local apropriado ao cumprimento da medida de segurança, com aparatos e medicamentos necessários. Segundo a decisão do juiz Conrado, a permanência em presídio federal poderia, ainda, acarretar o agravamento do quadro de saúde de Adélio Bispo.

Procuradores do Ministério Público Federal (MPF) do Mato Grosso do Sul já vinham defendendo a transferência de Adélio Bispo para presídio especializado de Minas Gerais, para que sua doença mental e periculosidade pudessem ser avaliadas continuamente por profissionais de saúde, impedindo desinternação antecipada.

Teorias da conspiração e fake news

O caso da facada em Jair Bolsonaro gerou um número extenso de publicações com teorias conspiratórias e fake news. Vídeos no Youtube em forma de documentário, questionando a versão da Polícia Federal, que estaria prejudicando Bolsonaro, mas também colocando o atentado em suspeita, como estratégia de campanha, foram, e ainda são fartamente acessados.

Pessoas passaram a ser acusadas de cumplicidade com Adélio Bispo e foram agredidas em mídias sociais, bem como o próprio autor do atentado foi alvo de vários perfis fake.

Entre os acusados de cúmplices de Adélio Bispo, por meio de fake news, estiveram os ex-presidentes Lula e Dilma, e os então deputados federais Manuela Dávila (candidata a Vice-Presidente da República) e Jean Wyllys do PSOL.

Foi apurado que Adélio Bispo foi filiado ao PSOL, entre 2007 e 2014 e visitou a Câmara dos Deputados em 2013, mas não foi possível identificar com quem ele esteve nesta visita. Conteúdos desinformativos que ligam o PSOL à ação de Adélio no atentado surgiram e ainda existem, mas foram checados e desqualificados em 2018 por várias agências informativas.

Jean Wyllys: alvo recorrente de fake news

O ex-deputado federal Jean Wyllys (PSOL/RJ) tem sido, entre personagens da política nacional, alvo recorrente de fake news sobre vários assuntos há algum tempo. Em 2015, ele foi acusado de usar dinheiro público para produzir documentário sobre sua vida:

Em 2018, Wyllys foi acusado de ser diretor de filme que retrata Jesus Cristo como homossexual:

O nome de Jean Wyllys foi usado durante a campanha eleitoral em 2018, como tendo sido convidado para ser ministro da Educação de Fernando Haddad, por meio de falsa composição de matéria do G1.

Print de matéria do G1 sobre convite a Wyllys para ser ministro da Educação é falso. — Foto: Alexandre Mauro/Arte

Assumidamente homossexual, Jean Wyllys defende os movimentos LGBTI+, negro e de mulheres, no enfrentamento da homofobia, da intolerância e de fundamentalismos religiosos. Por seu caráter aguerrido e pelos processos contra autores de fake news, Jean Wyllys tornou-se alvo de difamações e ameaças de morte, bem como sua família. Ele foi ameaçado a ponto de abrir mão da carreira na política em janeiro de 2019 (tinha acabado de ser reeleito deputado federal para novo mandato) e deixou o país.

Em entrevista à Folha de S. Paulo no dia 24 de janeiro de 2019, o parlamentar, que estava em férias fora do Brasil, informou que abriria mão do mandato, mediante a intensificação das ameaças de morte, prática comum mesmo antes do assassinato da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco (PSOL), em março de 2018. Segundo Wyllys, na matéria da Folha, também pesaram em sua resolução de deixar o país as recentes informações de que familiares de um ex-PM, suspeito de chefiar milícia investigada pela morte de Marielle, trabalharam para o senador Flávio Bolsonaro ao longo do seu mandato como deputado estadual pelo Rio de Janeiro.

Em dezembro de 2018, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, vinculada à Organização dos Estados Americanos (OEA), demandou do governo brasileiro proteção ao parlamentar e que essas ameaças fossemapuradas. À época o ex-deputado declarou ao jornal El País:

“Desde o início do primeiro mandato, sou alvo de fake news e campanhas difamatórias que tentam me associar à pedofilia e me colocar como ameaça para as famílias e inimigo de parte da população, particularmente dos cristãos.
Para isso, atribuem a mim projetos de lei inexistentes e declarações que nunca fiz, usando vídeos editados, montagens de fotos, notícias falsas e deturpação de informações.

As fake news têm por objetivo não apenas a destruição da minha imagem e o ataque a uma agenda de direitos humanos e liberdades individuais, como também a invenção de falsas justificativas para espalhar ódio contra mim e contra minha família e promover atos de violência que possam me atingir.

As constantes ameaças de morte que recebo há anos, e que passaram a incluir referências explícitas à minha família, se intensificaram especialmente durante o processo de impeachment da presidenta Dilma e depois do assassinato da Marielle, minha colega e amiga, me obrigando a pedir escolta oficial e circular em carro blindado, restringindo meus movimentos inclusive durante a última campanha. Não posso ir a lugar nenhum sem a escolta, porque essas são as condições para me proteger, de modo que é como se eu estivesse em cárcere privado sem ter praticado crime nenhum, sendo eu a vítima. Isso tem afetado muito minha saúde física e emocional. ”

Jean Wyllys nas fake news do caso da facada

Logo após o ex-deputado Jean Wyllys (PSol) renunciar ao cargo de deputado federal, em 24 de janeiro de 2019, diversas acusações, desinformações e fake news começaram a circular nas mídias sociais, ligando-o ao caso Adélio Bispo. Com o anúncio da desistência do mandato por Wyllys, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro, postou em sua conta no Twitter: “Vá com Deus e seja feliz!”

Antes disso, no perfil de Jair Bolsonaro, foi evidenciado o seguinte post:

Apesar do presidente ter informado que a publicação dizia respeito à missão cumprida no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, muitos internautas atribuíram o post como referência a Wyllys.

A matéria de Bruno Fonseca, da Agência Pública, de 11 de fevereiro, trouxe a informação de que, entre as ameaças denunciadas por Wyllys antes de deixar o país, havia avisos sobre um atentado com explosivos e advertências de que seus familiares seriam estuprados e esquartejados, incluindo dados pessoais de parentes, como endereços e placa de carro.

Paralelamente, nos dias 24 e 25 de janeiro, as versões insinuavam ou afirmavam que o ex-deputado estaria envolvido no atentado contra o presidente Jair Bolsonaro (PSL) cometido por Adélio Bispo.

Já no site boatos.org, uma reportagem apresentou e desmentiu a seguinte manchete: “Jean Wllys é namorado de Adélio Bispo que esfaqueou Bolsonaro”. Segundo a publicação, circulavam conteúdos que afirmavam que, antes de deixar o Brasil, o parlamentar teria pagado R$54 mil a advogados para defender o suspeito Adélio Bispo.

Os rumores sobre o suposto envolvimento do parlamentar com Adélio tomaram grandes proporções na internet nos dias 24 e 25 de janeiro do ano passado. Alguns sugeriam que, no dia da facada, Adélio teria sido registrado no Congresso pela equipe de Wyllys para criar um álibi caso conseguisse escapar; com o aprofundamento das investigações sobre o atentado, o parlamentar, que seria suspeito, teria decidido fugir do país. Contudo, a PF descobriu que o registro foi um erro de um atendente ao fazer uma pesquisa para saber se Adélio já tinha estado no Congresso.

No Facebook, uma publicação no perfil MBR – Movimento Brasil Ribeirão Preto, que contabilizou cerca de 6,3 mil compartilhamentos, acendeu ainda mais a polêmica. Contudo, também foi desmentida por meio da atuação da Agência Lupa.

Na ocasião, algumas agências de checagem de notícias apuraram os rumores sobre o repasse bancário no valor de R$54 mil feito pelo deputado federal Jean Wyllys ao advogado de Adélio Bispo. Segundo a Agência Lupa, a informação é falsa. Em nota, o Ministério Público Federal informou que não havia identificado nenhum repasse bancário do deputado federal Jean Wyllys para o advogado Zanone Manuel de Oliveira, que defendeu Adélio. O mesmo conteúdo também foi desmentido pela Procuradoria da República de Minas Gerais.

O vídeo da jornalista Regina Vilella, publicado na noite do dia 24 no canal de Youtube Cabra da Peste TV e reproduzido em outros canais, inflamou ainda mais os boatos sobre a saída do deputado federal do parlamento. No vídeo, ela lista diversas razões para a partida de Wyllys do país, relacionando ainda um suposto fim da imunidade parlamentar, a investigação da Polícia Federal e os vínculos de Adélio com o PSOL e Jean Wyllys. Sobre isso, a agência Aos Fatos realizou a checagem e definiu como falsas as informações apresentadas por Regina Villela.

De acordo com reportagem publicada no site do jornal O Estado de São Paulo, a jornalista Regina Villela, candidata a deputada federal derrotada do PSL-CE, tentou ligar o Adélio a Wyllys, pelo fato de o suspeito de esfaquear Jair Bolsonaro ter visitado a Câmara dos Deputados no início de agosto de 2013. Para o Estadão Verifica, tal conteúdo foi considerado como enganoso e viral.

Aos Fatos checou um texto que dizia que o deputado estaria fugindo de uma investigação da Polícia Federal envolvendo desvio de verbas de movimentos sociais. Segundo a matéria, publicada em 25 de janeiro de 2019, essa não foi a primeira informação falsa referente a Wyllys divulgada após sua renúncia.

Na madrugada do dia 25 de janeiro de 2019, foi a vez de Olavo de Carvalho publicar: “… a perseguição ao Flávio Bolsonaro, a fuga de Jean Wyllys e a tentativa de assassinato de Jair Bolsonaro, por um ex-membro do PSOL, estão ligados de alguma forma bem bizarra”. A postagem, com mais de 2,1 mil compartilhamentos, ainda trouxe um vídeo que acusa o PSOL de ter origens terroristas.

Todas as insinuações e desinformações apontadas foram desmentidas por meio das checagens das agências Lupa, Aos Fatos, Boatos.org e E-Farsas. Além disso, muitas testemunhas dizendo-se ligadas a Adélio Bispo ou que teriam ouvido Adélio Bispo falar dos laços com mandantes do atentado (até na prisão) se apresentaram à PF, mas foram descartadas depois de investigações que indicavam falso testemunho.

A segunda parte da checagem será postada amanhã, com a conclusão da história.

AGUARDE!!!

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Referências de Checagem:

Exclusivo: Em depoimento à PF, testemunha revela que Adélio Bispo esteve no gabinete Jean Wyllys. Disponível em:https://www.renews.com.br/noticia/exclusivo-em-depoimento-a-pf-testemunha-revela-que-adelio-bispo-esteve-no-gabinete-jean-wyllys#.XqciLoIO5Mw.twitter. Acesso em 30 abr 2020.

Relatório Conclusivo da Prisão em Flagrante de Adélio Bispo – Disponível em :https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/wp-content/uploads/sites/41/2020/04/relatorio-final-pf-adelio_280420201356.pdf. Acesso em 30 abr 2020.

Inquérito que apura quem financiou defesa do agressor de Bolsonaro é prorrogado. Disponível em:: https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/01/23/justica-prorroga-segundo- inquerito-sobre-ataque-a-bolsonaro.ghtml. Acesso em 30 abr 2020.

Caso Adélio: Polícia Federal diz que inquérito que Bolsonaro pede para reabrir nunca foi fechado. Disponível em:
https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2020/04/29/caso-adelio-policia-federal-diz-que-inquerito-que-bolsonaro-pede-para-reabrir-segue-aberto.ghtml. Acesso em 30 abr 2020.

Agressor de Bolsonaro tem doença mental e é inimputável, diz juiz – Disponível em: https://g1.globo.com/mg/zona-da-mata/noticia/2019/05/27/juiz-federal-diz-que-agressor-de-bolsonaro-tem-doenca-mental-e-e-inimputavel.ghtml Acesso em
30 abr 2020.

Sentença de Adélio Bispo emitida pela Justiça Federal. Disponível em: http://estaticog1.globo.com/2019/06/14/Sentenca4600152018.pdf?_ga=2.155048241.88333041.1588272588-7815a143-64c7-2b92-03c5-ab24beac8613. Acesso em 30 abr 2020.

Julho/2019: Bolsonaro não recorre contra Adélio, e caso é encerrado. Disponível em: https://exame.abril.com.br/brasil/bolsonaro-nao-recorre-em-processo-contra-adelio-e-caso-e-encerrado/ Acesso em 30 abr 2020.

Adélio recusa delação, repete que agiu sozinho e insiste em transferência de presídio – Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/11/adelio-recusa-delacao-repete-que-agiu-sozinho-e-insiste-em-transferencia-de-presidio.shtml

Vídeo: A facada permanente de Adélio. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=efWxO2br4Fo. Acesso em 30 abr 2020.

Vídeo: A facada no mito – Documentário / *Assista o novo vídeo:”Inconsistências”. Disponível em: https://youtu.be/8hv1D6EgWfc Acesso em 30 abr 2020.

Facebook é inundado de perfis fake do suspeito de esfaquear Bolsonaro – Disponível em: https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2018/09/06/facebook-e-inundado-de-perfis-fake-do-suspeito-de-esfaquear-bolsonaro.htm. Acesso em 30 abr 2020.

Adélio esteve na Câmara em 2013, mas ainda não se sabe se visitou deputados do PSOL. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/blogs/estadao-verifica/adelio-esteve-na-camara-em-2013-mas-ainda-nao-se-sabe-se-visitou-deputados-do-psol/. Acesso em 30 abr 2020.

O Governo liberou 843 mil para filme sobre Jean Wyllys? Disponível em: https://www.e-farsas.com/o-governo-liberou-843-mil-para-filme-de-jean-wyllys.html Acesso em 30 abr 2020.

Jean Wyllys não fará filme com Jesus Cristo gay nem foi atacado por Ratinho. Disponível em:https://noticias.uol.com.br/confere/ultimas-noticias/2018/08/24/jean-wyllys-nao-fara-filme-com-jesus-cristo-gay-nem-foi-atacado-por-ratinho.htm. Acesso em 30 abr 2020.

Jean Wyllys não recebeu convite para ser Ministro da Educação de Haddad. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2018/09/24/verificamos-jean-wyllys-ministro-educacao-haddad/ Acesso em 30 abr 2020.

Com medo de ameaças, Jean Wyllys, do PSOL, desiste de mandato e deixa o Brasil. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/01/com-medo-de-ameacas-jean-wyllys-do-psol-desiste-de-mandato-e-deixa-o-brasil.shtml Acesso em 30 abril 2020.

Jean Wyllys: “As fake news promovem atos de violência que podem me atingir”. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/12/14/politica/1544825670_895192.html. Acesso em 30 abr 2020.

Rastreamos a hashtag que espalhou fake news sobre Jean Wyllys. Disponível em: https://apublica.org/2019/02/rastreamos-a-hashtag-que-espalhou-fake-news- jean-wyllys/ Acesso em 30 abr 2020.

Jean Wyllys é namorado de Adélio Bispo, homem que esfaqueou Bolsonaro. Disponível em:https://www.boatos.org/brasil/jean-wyllys-namorado-adelio-bispo.html Acesso em 30 abr 2020.

Verificamos: É falso que Jean Wyllys repassou R$ 50 mil a advogado deAdélio Bispo. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2019/01/29/verificamos-jean-wyllys-adelio/Acesso em 30 abr 2020.

Vídeo: Por que Jean Willis está fugindo do Brasil? Disponível em: https://youtu.be/ujcZEVu7mkw Acesso em 30 abr 2020.

Vídeo e posts tentam vincular Jean Wyllys a Adélio usando informações falsas Disponível em: https://aosfatos.org/noticias/video-e-posts-tentam-vincular-jean-wyllys-adelio-usando-informacoes-falsas/ Acesso em 30 abr 2020.

Após ameaças de morte contra Jean Wyllys, boatos tentam ligar parlamentar a Adélio. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/blogs/estadao-verifica/apos-ameacas-de-morte-contra-jean-wyllys-boatos-tentam-ligar-parlamentar-a-adelio/ Acesso em 30 abril 2020.

Vídeo e posts tentam vincular Jean Wyllys a Adélio usando informações falsas. Disponível em: https://aosfatos.org/noticias/video-e-posts-tentam-vincular-jean-wyllys-adelio-usando-informacoes-falsas/ Acesso em 30 abr 2020.

Adélio recusa delação, repete que agiu sozinho e insiste em transferência de presídio. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/11/adelio-recusa-delacao-repete-que-agiu-sozinho-e-insiste-em-transferencia-de-presidio.shtml Acesso em 30 abr 2020.

É enganoso o vídeo que mostra a UTI do Hospital Couto Maia de Salvador com leitos vazios

Um vídeo que circula desde o último 22 de abril em grupos de Whatsapp de igrejas e de pessoas cristãs, no Youtube e em perfis do Facebook e do Twitter, denuncia que uma enfermeira de nome Sandra M. Guerra teria sido demitida do Hospital Couto Maia em 21 de abril, porque publicou na internet um vídeo que mostra instalações da UTI de Referência para Tratamento de Coronavírus naquele hospital vazias.

A mensagem de Whatsapp que circula é:

No Youtube, o vídeo foi publicado, em 22 de abril, no Canal Jorvideo News, com a mesma chamada:

“A enfermeira Sandra M. Guerra, foi demitida no início da noite por ter ingenuamente divulgado imagens da UTI Referência Do Vírus Chinês do Hospital Couto Maia no dia de hoje, 21/04/2020. Não foi por exposição dos pacientes (ela teve essa preocupação). Foi simplesmente por mostrar as instalações vazias”.

No Twitter, o vídeo foi publicado, em 22 de abril, pelo perfil C18H26CIN3 @semfronteira64, com bio redigida em hebraico אלוהים הוא בשליטה [Deus está no controle]. A postagem tem a mesma chamada:

“A enfermeira Sandra M. Guerra, foi demitida no inicio da noite por ter ingenuamente divulgado imagens da UTI Referência Do Vírus Chinês Do Hospital Couto Maia no dia de hoje, 21/04/2020. Não foi por exposição dos pacientes Foi simplesmente por mostrar as instalações vazias”.

O Hospital Couto Maia

O Instituto Couto Maia, da rede pública do Estado da Bahia, passou a atender exclusivamente pacientes com suspeita de coronavírus, desde março passado. Em 23 de março, a diretora-geral do Couto Maia, a médica-infectologista Ceuci Nunes, declarou que ao todo, a unidade dispõe de 120 leitos, mais doze de observação: “E todos agora são dedicados ao coronavírus. Nós fizemos várias modificações na unidade, para comportar esse atendimento. Fizemos modificação de fluxo de entrada e saída de pacientes, modificações na estrutura para instalar leitos de UTI”, disse ao site de notícias da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia.

A diretora, na entrevista, completou que é importante que haja hospitais dedicados exclusivamente ao coronavírus. “Como a gente viu, pela experiência internacional, o Covid-19 é muito transmissível e nós teremos um grande número de pessoas contaminadas. A maioria dessas pessoas, cerca de 80%, não ficará em estado grave e não vai precisar de ficar em respiradores. Mas muita gente vai precisar de leitos de UTI e isso pode levar a grandes problemas no sistema de saúde e é por isso que a gente dedicou esse hospital, assim como outros, ao coronavírus”. Ela também destaca que, como a transmissão é muito grande e o ICOM era um hospital de doenças infecto-contagiosas, “os pacientes de outros diagnósticos estão com a imunidade baixa e não podem ser expostos ao coronavírus”.

Em 21 de abril, em entrevista ao Jornal da Manhã (Rede Globo Bahia), o secretário estadual de Saúde, Fábio Vilas Boas, afirmou que o sistema de saúde do estado deve ter capacidade para receber pacientes até o início de junho, caso a curva de contágio se mantenha com crescimento de 9% ou 10% ao dia.

Em boletim divulgado em 22 de abril, a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia registrou 1.645 casos confirmados de coronavírus em todo o Estado, com 405 pacientes recuperados, 53 mortes, 291 pessoas internadas, sendo 61 em UTI, com 50% de ocupação de leitos em todo o Estado.

Até essa data, o governo do estado havia disponibilizado 1.135 leitos exclusivos para o tratamento da doença, sendo 429 deles de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). A promessa é de que o número total chegará, nas próximas semanas, a 2.418 leitos de referência. Destes, 1.399 estarão localizados em Salvador, com outros 1.019 distribuídos pelo interior do estado.

A taxa de crescimento está abaixo dos 15%, de modo que Tereza Paim, subsecretaria de saúde do estado, considera o estado da Bahia como um exemplo positivo de combate ao vírus no país.

Fonte: Jornal da Manhã

O vídeo da enfermeira do Couto Maia

Na noite do mesmo dia, 22 de abril, em que o vídeo-denúncia de que havia leitos vazios na UTI passou a ser divulgado, a diretora-geral do Instituto Couto Maia, Dra. Ceuci Nunes, publicou em seu perfil do Facebook uma mensagem desmentindo o conteúdo:

 “Estão mandando este vídeo gravado dia 21/03 por uma enfermeira nossa, mostrando a primeira ampliação de leitos da uti que fizemos. Abaixo uma informação com um nome que não corresponde ao nome da enfermeira, dizendo que foi demitida por mostrar leitos vazios. Hoje os leitos estão todos cheios. Fake absurda. Se recebeu desminta por favor. Grata, Ceuci Nunes – Diretora do ICOM”

O jornalista Angelo Ringon, do Maringá News, checou o nome da enfermeira que fez o vídeo quando o hospital havia terminado de preparar o aparato para atender pacientes, em 21 de março. É a enfermeira Maria das Graças Santos e não foi demitida.

Nesta checagem o Coletivo Bereia conclui que as mensagens que circulam em mídias sociais com vídeo que mostram leitos vazios na UTI do Instituto Couto Maia em Salvador são enganosas. Uma mensagem padrão foi produzida e alcançou vários grupos e perfis, fazendo uso de um vídeo publicado na rede em 21 de março, um mês antes desta divulgação. A postagem enganosa expôs um nome de pessoa que não corresponde à autora das imagens, mostra leitos que, de fato estavam vazios pois ainda não estavam em operação, e inseriu a falsa informação de que a enfermeira que fez o vídeo foi demitida por divulgá-lo. Este conteúdo desinforma pois busca induzir os receptores a desacreditarem da gravidade da Covid-19 e desconsiderarem os números divulgados, o que pode custar a saúde e a vida de muitas pessoas.

A diretora-geral do Couto Maia Dra. Ceuci Nunes publicou no dia 23 de abril um desabafo em seu perfil no Facebook:

Bereia alerta leitores e leitoras sobre a importância de se verificar sempre, antes de compartilhar, mensagens que não têm autoria, não indicam a fonte (quem produziu e deve se responsabilizar pela informação).  O perfil do Twitter que divulgou este material enganoso, C18H26CIN3 @semfronteira64, com bio redigida em hebraico אלוהים הוא בשליטה [Deus está no controle], é exemplo significativo de perfis criados exclusivamente para divulgação de material desinformativo: não se identifica, aparece como um número, tem username genérico e simbólico (64), foi criado em 2019 e só publica notícias, todas desinformativas.

Já o canal do Youtube Jorvideo News não se identifica no aplicativo e não tem um histórico de exibição que corresponda a “news” (notícias). Este canal está inscrito no Youtube desde 2007, não tem vídeos próprios e tem apenas nove vídeos desde 1 de outubro de 2019, oito relacionados a filmes de entretenimento na língua inglesa, uma comédia completa e sete trailers de filmes de ação, mais a postagem sobre a “enfermeira demitida”. O nome “news” dá caráter de seriedade ao canal (notícias) e inspira pessoas afeitas a receber desinformação de fontes não credenciadas. 

Bereia classifica estas fontes do Twitter e do Youtube como não confiáveis.

Atualização do caso em 27 de abril de 2020

O jornal Folha de S. Paulo publicou em 27 de abril de 2020, reportagem sobre este caso, com foco na atuação da enfermeira do hospital Couto Maia (Salvador/BA) Ana Cássia Tupiniquim, de 51 anos, que fez o vídeo originalmente divulgado em 21 de março. Ana Cássia não foi demitida e relata o incômodo de ter o vídeo que produziu para animar pessoas no enfrentamento da pandemia ser usado para espalhar mentiras para negar a gravidade da situação que ela enfrenta diariamente. 

Referências de Checagem:

Instituto Couto Maia já atua exclusivamente para pacientes com coronavírus. Governo do Estado da Bahia, Secretaria de Estado de Saúde. Notícias, 23 mar 2020. Disponível em: http://www.saude.ba.gov.br/2020/03/23/instituto-couto-maia-ja-atua-exclusivamente-para-pacientes-de-coronavirus/ Acesso em 23 abr 2020

Bahia tem 1.645 casos confirmados de Covid-19. Governo do Estado da Bahia, Secretaria de Estado de Saúde. Notícias, 22 abr 2020. Disponível em: http://www.saude.ba.gov.br/2020/04/22/bahia-tem-1-645-casos-confirmados-de-covid-19/. Acesso em 23 abr 2020

Hospitais Couto Maia e Ernesto Simões têm 54% dos leitos de UTI ocupados: ‘Ficar em casa ajuda a evitar óbitos’, diz subsecretária. G1 BA, 20 abr 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2020/04/20/com-70percent-dos-leitos-de-uti-ocupados-na-bahia-subsecretaria-de-saude-faz-alerta-ficar-em-casa-ajuda-a-evitar-obitos.ghtml Acesso em 23 abr 2020

Bahia terá 2.418 leitos de referência para atendimento exclusivo a pacientes com coronavírus. Governo do Estado da Bahia, Secretaria de Estado de Saúde. Notícias, 22 abr 2020. Disponível em: http://www.saude.ba.gov.br/2020/04/18/bahia-tera-2-418-leitos-de-referencia-para-atendimento-exclusivo-a-pacientes-com-coronavirus/ Acesso em: 23 abr 2020

Coronavírus: Secretário de saúde do estado fala sobre taxa de ocupação dos leitos de UTI. Jornal da Manhã, Vídeos G1. Disponível em: https://g1.globo.com/ba/bahia/edicao/2020/04/22/videos-jm-de-quarta-feira-22-de-abril-de-2020.ghtml. Acesso em 23 abr 2020

Pura maldade. Blog do Angelo Rangoni. Maringá News, 22 abr 2020. Disponível em https://angelorigon.com.br/2020/04/22/pura-maldade-2/?utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=pura-maldade-2. Acesso em 23 abr 2020

Na linha de frente contra o coronavírus, tem que ter sangue no olho, diz enfermeira alvo de fake news, por João Pedro Pitombo. Folha de S. Paulo, 27 abr 2020. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/amp/cotidiano/2020/04/na-linha-de-frente-contra-o-coronavirus-tem-que-ter-sangue-no-olho-diz-enfermeira-alvo-de-fake-news.shtml?utm_source=twitter&utm_medium=social&utm_campaign=comptw&__twitter_impression=true Acesso em: 27 abr 2020.

Motoboys de São Paulo não protestaram contra João Doria

FOTO: Reprodução/ Sindicato dos Motoboys de São Paulo

Uma manifestação de motoboys na capital paulista em 20 de abril de 2020 ganhou espaço no noticiário. Eles reivindicavam melhores condições de trabalho durante o período de quarentena, preconizado como medida para conter o avanço da Covid-19. 

O fato ganhou outras proporções no momento em que a youtuber católica, Sara Winter, que se declara ex-feminista, compartilhou, no mesmo dia, em sua página no Facebook, a notícia, originalmente publicada pela Folha de S. Paulo, e incluiu a seguinte chamada:

“Os trabalhadores paulistas das mais variadas classes de serviços já estão sentido o peso das atitudes impensadas e autocráticas do governador João Doria!”. 

Imagem: Reprodução/Facebook

Sara Winter é consultora particular do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, função assumida depois de ter sido cotada como Coordenadora Nacional de Atenção Integral à Gestação e Maternidade no mesmo Ministério. Segundo biografia disponível em seu site, após passar pela experiência traumática de um aborto, Sara converteu-se ao catolicismo, tornando-se uma das maiores lideranças e conferencista pró-vida e pró-família em nível nacional e internacional. 

O alcance e o volume de usuários em sua página no Facebook impressionam. São mais de 270 mil usuários impactados por cada publicação. Portanto, o post do dia 20 de abril, que sugere que o protesto dos motoboys foi motivado em oposição ao governador João Doria (PSDB), é submetido à checagem como forma de verificar a associação entre a matéria compartilhada do site da Folha de S. Paulo e a chamada redigida por Sara Winter.

Vale lembrar que, desde o registro da primeira morte pelo vírus em São Paulo, no dia 17 de março, Doria, determinou uma gradual quarentena no estado de São Paulo. A primeira medida foi a suspensão das aulas nas escolas e, logo em seguida, o fechamento do comércio, shoppings e serviços não essenciais. A ação foi, depois, acompanhada por outros governadores. 

Matéria da revista IstoÉ, de 03 de abril, traz avaliação favorável a João Dória, também realizada por outras mídias de que, ao assumir as medidas preventivas de isolamento social, indicadas pela Organização Mundial de Saúde, o governador paulista “virou um antídoto contra Bolsonaro e suas atitudes irresponsáveis de mandar todo mundo voltar ao trabalho, o que, se tivesse sido obedecido pela população, teria levado o País a números devastadores como os já registrados nos EUA, Espanha, Itália e China”.

A matéria compartilhada por Sara Winter

O Coletivo Bereia checou a matéria original postada por Sara Winter como crítica a João Doria, veiculada no site da Folha de S. Paulo, às 12h54, de 20 de abril. Não é difícil constatar pela simples leitura que o protesto não foi direcionado ao governador, mas, sim, contra as empresas de entregas por aplicativo. Segundo a reportagem, os motoboys pediram melhores condições de trabalho ao longo da quarentena contra o novo coronavírus. Entre os questionamentos, destacaram-se o bloqueio dos entregadores diante da não conclusão das rotas, a falta de suporte mediante casos de acidentes no trabalho e ainda o baixo valor que a categoria está recebendo para fazer as entregas neste contexto de pandemia.

A matéria da Folha de S. Paulo traz depoimentos de alguns motoboys que salientam, de forma clara, a insatisfação com empresas como Rappi, iFood e Uber Eats, e em qualquer momento mencionam o governador de São Paulo.

O desfecho do protesto dos motoboys ocorreu na cidade de Osasco (SP). De acordo com a matéria da Folha, após a moto-carreata, que começou na Praça Leonor Kaupa, no Bosque da Saúde (zona sul), o grupo de manifestantes se aglomerou em frente à sede do iFood, onde, por meio de um carro de som, discursou contra as empresas de entrega por aplicativo.

A Folha de S. Paulo ainda apurou os questionamentos com as empresas. O Rappi informou por meio de uma nota que segue atendendo às recomendações preconizadas pelos órgãos de saúde, como a entrega sem contato, oferta de máscaras e álcool em gel 70% ou mais, disponibilização de botão específico para que o entregador informe possíveis sintomas de Covid-19, além da criação de um fundo de apoio financeiro por 15 dias para motoboys diagnosticados com a doença. 

À Folha, o iFood também confirmou a entrega de equipamentos de proteção individual (EPIs) e a implantação do fundo de apoio financeiro. Sobre o valor do frete, o aplicativo afirmou em nota que considera o tipo de rota percorrida, o modal utilizado e a cidade, salientando ainda que só bloqueia aqueles que utilizam a plataforma de forma indevida. Já o Uber Eats, segundo a publicação, não se posicionou.

A situação dos entregadores por aplicativos

O protesto apurado pela Folha de S. Paulo, no dia 20 de abril, ocorreu três dias depois de um outro, também em São Paulo, realizado por entregadores, contra a redução do valor pago por entregas realizadas por aplicativo. Nessa ocasião, os trabalhadores queixavam-se de má remuneração e falta de equipamento de proteção. 

Quem também noticiou a difícil situação que os entregadores se encontram foi Gregório Duvivier, em seu programa Greg News, intitulado “Delivery”. Em um dos depoimentos, um entregador mostrou que, passado um ano que trabalhava no aplicativo, teve que fazer o dobro de entregas para conseguir ganhar a metade do que tinha recebido no ano anterior. Ele revela o quanto as empresas de aplicativos de entrega reduziram o valor do pagamento pelas entregas em tempos de pandemia, quando os pedidos se multiplicaram, ou seja, ganham mais e pagam menos aos trabalhadores.

Por outro lado, após ouvirem o desafio ao final do programa Greg News, programadores criaram um canal digital para conectar entregadores e advogados trabalhistas.

O estímulo à informalidade desde a “Reforma Trabalhista” aprovada no governo Temer, em 2017, e enfatizada pelo governo Jair Bolsonaro, fez crescer intensamente o número de trabalhadores entregadores vinculados aos aplicativos de serviços de entrega. São inúmeras as situações de exploração destas pessoas que não gozam de direitos como máximo de horas de trabalho, férias, seguro-acidente, licença de saúde, como mostram as matérias da Folha de S. Paulo e do programa Greg News. Alguns entregadores recorrem à Justiça.

Em março, o TRT reconheceu o vínculo empregatício entre um entregador e o aplicativo Rappi e reformou sentença de 1ª grau. O reclamante deu entrada em ação trabalhista em 2019, após ter sido bloqueado permanentemente do aplicativo e pedia verbas indenizatórias.  Em seu voto, o desembargador ainda lembra que o aplicativo trabalha com uma classificação dos entregadores, repercutindo na divisão do trabalho.

 Há quem se preocupe com esta situação. Um projeto de lei (PL 391/2020) do senador Fabiano Contarato (Rede-ES) determina que empresas de aplicativos de entregas paguem seguro de acidentes pessoais para os entregadores. Segundo o senador, o número de acidentes envolvendo esses trabalhadores aumentou 64%, no estado de São Paulo. Por isso, é necessário exigir o direito para preservar a vida dos entregadores.

Por que Sara Winter atribuiu o protesto dos motoboys a João Doria?

João Doria: "Eu não criei o 'BolsoDoria', movimento nasceu ...

O governador João Doria, que fez campanha utilizando a alcunha “BolsoDoria” tornou-se, recentemente, o novo inimigo da rede de apoio ao presidente Jair Bolsonaro. Esta oposição já vem ocorrendo desde 2019, quando Doria passou a fazer críticas ao governo Bolsonaro e apresentar-se como pré-candidato à Presidência da República nas eleições de 2022. A disputa entre Doria e Bolsonaro foi potencializada agora durante a crise da pandemia de coronavírus. Enquanto o presidente defende um isolamento parcial, Doria determinou, em linha com a Organização Mundial da Saúde, uma quarentena mais ampla. Ou seja, “mais do que uma discordância técnica, os seguidores de Bolsonaro veem na postura de Doria uma estratégia para derrubar o capitão reformado na corrida presidencial de 2022”.

A partir desse posicionamento dissonante, o governador João Doria passou a ser alvo de várias notícias falsas criadas ou compartilhadas por partidários do presidente.

"Meme" que circula em meio aos bolsonaristas ataca Doria e Covas por medidas contra coronavírus - Reprodução
Imagem que circula em redes bolsonaristas

Bereia selecionou algumas:

3. Ditador comunista João Doria rouba 500 mil máscaras da 3M ( Reprodução/ Youtube)

A checagem do Coletivo Bereia, portanto, conclui que a postagem na página do Facebook da ativista católica anti-feminista Sara Winter é enganosa. Ela faz uso da matéria da Folha de S. Paulo sobre o protesto de motoboys em São Paulo, por conta de direitos negados pelas empresas de entrega por aplicativos, e propaga para seus seguidores que os trabalhadores protestavam contra “as atitudes impensadas e autocráticas do governador João Doria!”. 

Sara Winter produziu desinformação com conteúdo enganoso em oposição a João Doria e recebeu várias curtidas para sua postagem, outros tantos compartilhamentos e comentários como: “#fechadoscomBolsonaro”, “Fora Doria”, “o Doriana também já está vendo o tamanho da caca e dizendo que dia 11 começa a reabrir o estado….”

Boa parte dos curtidores e compartilhadores da postagem guia-se apenas pela chamada de Sara Winter e pelo título da matéria, que não menciona contra quem é feito o protesto. Esta prática é muito comum em mídias sociais – leitores ficam apenas com chamadas e títulos e não leem o conteúdo das matérias compartilhadas por link. Muitos não apenas curtem e comentam, mas compartilham, levando adiante o engano. 

Quem deliberadamente produz material enganoso se vale desta prática comum e usa seguidores como multiplicadores de desinformação. Bereia alerta seus leitores e leitoras que atentem para esta ação injusta e os conclama a ler todo o conteúdo que lhes é destinado, comparando chamadas e títulos com o que compõe o texto e, se gerar dúvida, buscar outras fontes antes de curtir, comentar em apoio e compartilhar.

 Referências de Checagem:

Página eletrônica de Sara Winter. Disponível em: https://www.sarawinter.com.br

Dória: o antídoto contra Bolsonaro, por Germano Oliveira. IstoÉ, 3 abr 2020. Disponível em: https://istoe.com.br/o-antidoto-contra-bolsonaro/

Motoboys fazem buzinaço em SP por melhor condição de trabalho na crise do coronavírus, por Dhiego Maia. Folha de S. Paulo, 20 abr 2020. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/04/motoboys-fazem-buzinaco-em-sp-por-melhor-condicao-de-trabalho-na-crise-do-coronavirus.shtml?fbclid=IwAR1LPBwnz6o700hcguPA6ZCc9zQUk8wln62yji-56TUnJ12-gs1EQXaiGW4 

Entregadores protestam contra redução de valor pago por aplicativos em SP, por Felipe Pereira. UOL Notícias, 17 abr 2020. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/04/17/motoboys-de-sp-protestam-contra-baixos-pagamentos-de-aplicativos-de-entrega.htm?cmpid=copiaecola

Greg News – Delivery. HBO Brasil, 17 abr 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=v3B9w6wWNQA 

Em meio à pandemia, redes bolsonaristas elegem Doria como novo inimigo, por Alex Tjara. UOL Notícias, 1 abr 2020. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/04/01/sob-coronavirus-redes-bolsonaristas-elegem-joao-doria-como-novo-inimigo.htm]?cmpid=copiaecola

Montagem de Doria pichando símbolo do comunismo viraliza no Facebook, por Alessandra Monerat. Estadão Verifica, 17 mar 2020. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/blogs/estadao-verifica/montagem-de-doria-pichando-simbolo- 

Crise do coronavírus faz web relembrar que João Doria é a cara do Dio [x-vocalista da banda Black Sabbath]. UOL Entretenimento, 28 mar 2020. Disponível em: https://entretenimento.uol.com.br/noticias/redacao/2020/03/28/crise-do-coronavirus-faz-web-relembrar-que-joao-doria-e-a-cara-do-dio.htm?cmpid=copiaecola. 

Ditador comunista João Dória rouba 500 mil máscaras da 3M. Youtube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ansugBxxGO8

TRT-2 reconhece vínculo empregatício entre entregador e aplicativo Rapp, por Rafa Santos. Conjur, 11 mar 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-mar-11/trt-reconhece-vinculo-entre-entregador-aplicativo-rappi 

Aplicativos podem ser obrigados a pagar seguro para entregadores. Agência Senado, 21 fev 2020. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/audios/2020/02/aplicativos-podem-ser-obrigados-a-pagar-seguro-para-entregadores 

O Partido Comunista Chinês não avança no Brasil, mercado chinês, sim

Em 13 de abril o site de notícias Conexão Política, braço político do grupo Conexão Cristão (um grupo de mídia independente de evangélicos), publicou matéria intitulada “Partido Comunista Chinês avança no Brasil: empresa pública federal brasileira EBC e China Media Group firmam acordo para “troca de conteúdos”.

A matéria da Redação do Conexão Política, registrou como fonte a Agência Brasil/EBC, que publicou em 13 de novembro de 2019 a notícia intitulada “EBC e China Media Group firmam acordo para troca de conteúdos”.

Chama a atenção o fato de o Conexão Política publicar matéria sobre fato ocorrido cinco meses atrás, com título que altera substancialmente a mensagem da original – negociação do governo brasileiro com o Partido Comunista Chinês e não com China Media Group –  com o acréscimo de ironia, por meio do termo “troca de conteúdos” colocado entre aspas.  

Dois intertítulos na matéria do Conexão Política também chamam a atenção. Um deles apresenta a redação: “Monopólio comunista da informação” e ressalta como a estratégia do Partido Comunista Chinês, em expandir seu domínio e difundir sua propaganda através da mídia mundial, tem sido realizada com êxito. O trecho é um acréscimo à matéria original da Agência Brasil/EBC. O outro intertítulo diz: “Promoção dos valores comunistas chineses”, em trecho que enfatiza a forma com que a parceria (palavra que é o intertítulo original) com os chineses foi “FESTEJADA” (exposta desta forma em maiúsculas pelo Conexão Política) pelo diretor-presidente da EBC, Luiz Carlos Pereira Gomes. 

A relação China-Brasil 

As relações comerciais entre o Brasil e a China datam do tempo da colonização portuguesa. Em 1812, a Família Real Portuguesa que estava no Brasil, importou trabalhadores chineses para trabalharem em uma plantação de chá próxima da capital da colônia, o Rio de Janeiro. Na República, em 1900, um novo grupo de imigrantes chineses se estabeleceu em São Paulo.  

As relações formais foram abaladas com a Revolução Chinesa que criou, sob o regime comunista, a República Popular da China (1949). Elas foram restabelecidas em 1974, durante a ditadura militar. Foi em 2009, durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, que a China se tornou o maior parceiro comercial do Brasil, com alta demanda chinesa por matérias-primas e produtos agrícolas. Os investimentos de empresas chinesas no Brasil estão concentrados nos setores de energia, mineração, siderurgia e petróleo.  

As comunicações também são alvo da cooperação econômica entre China e Brasil. Entre os vários projetos de cooperação estão o Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres, iniciado em 1988 e que gerou dois satélites (em 1999 e em 2002) que fornecem informações importantes sobre recursos naturais.  

Ao relacionar-se economicamente com a China, o Brasil estabelece conexão com a segunda maior economia do mundo, superada apenas pelos EUA, considerada a nação com o maior desenvolvimento econômico das últimas duas décadas no mundo, com crescimento do PIB na casa dos 10% ao ano. Apesar de manter o regime político comunista, a China aderiu à economia de mercado no final dos anos 1970, com força do setor privado e também estatal e denomina seu sistema de “socialismo com características chinesas” (explicado seja como “economia mista” seja como “forma de capitalismo”). Em 2018, o fluxo de comércio entre os dois países alcançou a marca histórica de US$ 98,9 bilhões.  

O acordo EBC-China Media Group 

Antes de ganhar espaço no noticiário brasileiro como fonte da pandemia de coronavírus, a China destacou-se nas mídias, em 2019, por conta do acordo de cooperação entre a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e a China Media Group (CMG), as duas empresas estatais de comunicação dos dois países, assinado em 13 de novembro do ano passado, em Brasília, com a presença do então Ministro da Cidadania Osmar Terra. O acordo ocorreu poucas semanas depois da visita de três dias do presidente do Brasil Jair Bolsonaro à China, em outubro de 2019.

O acordo seguiu a linha dos demais estabelecidos na visita de Bolsonaro, visando à troca de programas, compartilhamento de conteúdos, produção conjunta, transmissão cooperativa, formação de pessoal e intercâmbio tecnológico.  

A matéria da EBC apresenta a grandiosidade do grupo. Ao todo, a CMG, empresa estatal de mídia da China opera 47 canais de TV (com conteúdo em seis idiomas e alcance de 162 países), 17 emissoras de rádio e produção de conteúdo radiofônico em 44 idiomas, além de administrar três sites de notícia e 20 jornais e revistas de circulação nacional. Considerado o maior conglomerado de comunicação do mundo em escala de operações, CMG foi criado em 2018 por meio da fusão entre a Televisão Central da China (CGTN, em inglês), a Rádio Nacional da China e a Rádio Internacional da China.  

Nesse âmbito, o atual acordo substitui e amplia o termo de cooperação firmado anteriormente pela EBC e a antiga CGTN – assinado em 2015 e prorrogado em 2017 –, cuja validade é de 60 meses, sem previsão de repasse de recursos.  

De acordo com a matéria no site da EBC, em discurso durante a assinatura do acordo na sede da EBC, o presidente do CMG Shen Haixiong, afirmou que a orientação de firmar o convênio com a EBC partiu do presidente chinês Xi Jinping, com quem o presidente Bolsonaro havia se encontrado semanas antes. “[Ele] disse que devemos promover o intercâmbio entre povos, reforçar a cooperação no setor cultural, impulsionar o intercâmbio em futebol e na medicina tradicional chinesa, duas áreas características de ambos”, disse Haixiong à EBC.  

“Sendo veículo de imprensa, nós temos essa missão importante de aprofundar a amizade e o conhecimento mútuo entre povos e promover o intercâmbio e a cooperação em todas as áreas. Por isso, estamos em momento oportuno para as mídias dos dois países iniciarem a cooperação de benefício recíproco”, destacou. 

Conforme assinalado no conteúdo, em discurso, o diretor-presidente da EBC, Luiz Carlos Pereira Gomes afirmou que “a cobertura de grandes eventos jornalísticos de forma conjunta, com troca de matérias jornalísticas, bem como possibilidade de veiculação de programação que promova os valores sociais e culturais de nossos países, também se constituem em importantes áreas a serem exploradas nesta parceria”. 

Já em conversa com jornalistas, o presidente da EBC caracterizou a iniciativa como estratégica. “É uma oportunidade de projetar [nosso] país em outro país sobre as nossas riquezas, sobre o nosso turismo, sobre a parte educacional. Tudo isso contribui para o Brasil ganhar, para crescer e ser mais respeitado no concerto das nações”, salienta. Para ele, as produções televisivas e de outros meios podem ajudar a agregar valor à pauta comercial do Brasil com a China. “Nós exportamos commodities, o retorno é muito pouco. Nós importamos deles produtos industrializados, aí vem o 5G [futura geração de telecomunicação móvel] a reboque. Então essa balança está desigual. Motivo de o presidente [Jair] Bolsonaro passar na China foi a gente começar a agregar valor.” 

Luiz Carlos Gomes destacou a importância da EBC. “Como empresa de comunicação pública, nós somos estratégicos para o país, pela radiodifusão pública, isso tudo indica poder. Quem tem a comunicação hoje tem poder.” 

A assinatura do acordo entre EBC e CMG ocorreu em novembro de 2019, em meio a diversas reuniões bilaterais entre o governo brasileiro e chinês no âmbito da Cúpula do Brics, grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.  

China Media Group e outras empresas de mídia do Brasil 

O acordo da CMG com a EBC, do governo brasileiro, não foi o único tratado que a empresa chinesa fez com grupos brasileiros de mídia. Dois dias antes, em 11 de novembro de 2019, o CMG assinou acordo com o Grupo Globo, no Rio de Janeiro, para cooperações em cinema, televisão, esporte, entretenimento, 5G e outras áreas.   

Na mesma data foi assinado acordo com o Grupo Bandeirantes de Comunicação. O contrato prevê produções conjuntas e compartilhamento de conteúdo com o objetivo de promover o desenvolvimento das relações entre os dois países.  As duas empresas pretendem trocar conteúdos, além de coberturas jornalísticas conjuntas. O acordo ainda prevê parceria em produtos de entretenimento – como novelas, programas e documentários – e intercâmbio de tecnologias de rádio e televisão. Uma das atrações que já estreou recentemente nos canais BandNews TV e Arte 1 foi a série Frases Clássicas Citadas pelo Presidente Xi Jinping, ancorada pelo embaixador Sérgio Amaral. 

China Media Group e o Partido Comunista Chinês 

A China tem uma Constituição, em vigor desde 1982, que determina que a República Popular da China é um Estado multinacional, unitário, regido pela democracia popular, para desenvolver a economia socialista de mercado. O país tem feito importantes transformações nas suas instituições e no seu posicionamento internacional, como citado acima. Essas mudanças se materializaram, por exemplo, na abertura econômica, na entrada na Organização Mundial do Comércio, em 2001, e na busca por ser reconhecida como uma economia de mercado. Com isso, sua Constituição sofreu quatro emendas, com vistas a incorporar uma nova mentalidade econômica. 

Em 1988, por exemplo, a China estabeleceu que a economia privada seria complementar ao socialismo público e que o Estado deveria proteger os direitos e interesses do setor privado, guiando, supervisionando e controlando a economia. Também passou a permitir as transferências do direito de uso da terra. Já em 1993, oficializou a mudança de “central planned economy” para “market planned economy” e transformou as empresas estatais (State Enterprises) em StateOwned Enterprises (SOEs), com operações independentes e responsabilidades separadas por perdas e lucros. Em 1999, uma nova emenda confirmou que a China continuaria no estágio primário do socialismo por mais um longo período.  

Essa emenda também elevou o status da economia privada, que deixou de ser “complementar ao socialismo público” para ser o principal componente de um socialismo com economia de mercado. Em 2004, foi oficialmente incluído na Constituição que o Estado “respeita e preserva os Direitos Humanos”. Adicionalmente, essa emenda determinou compensações para os casos de expropriação de terra, entre outras mudanças. 

Segundo a Constituição, a China tem um Legislativo representado pelo Congresso Nacional do Povo, e classificado como a mais alta organização dentro da estrutura de poder do Estado, um Executivo liderado pelo Conselho de Estado, e um Judiciário independente. Na prática, porém, o Congresso Nacional do Povo se reúne somente uma vez por ano, o Conselho de Estado é o órgão mais atuante e o Judiciário tem pouca autonomia.

O Partido Comunista Chinês (PCC) não é mencionado pela Constituição da China, apesar de ser de fato o mais importante órgão na estrutura de poder. O PCC é o responsável pelas principais decisões de governo. É ele quem, na prática, elege os membros dos comitês e o Presidente da República, os membros do Comitê Central, Comissão Central de Inspeção Disciplinar, o Secretário Geral, os membros do Politburo e do Secretariado. O PCC tem também papel decisivo na aprovação das emendas e nas principais diretrizes do governo. Nesse sentido, qualquer política estabelecida pelo governo chinês pode ser referenciada ao PCC, que é a base do governo. 

O China Media Group não pertence ao PCC, mas é uma empresa estatal do país que é governado pelo partido. Com base nesta realidade, o Conexão Política reconstruiu a matéria da EBC sobre o acordo com o CMG, expondo uma proposição crítica de que o grupo de mídia pertence ao “Partido Comunista Chinês do ditador Xi Jinping”. 

A afirmação de que o acordo com o China Media Group representa “o avanço do PCC no Brasil”, não é informação, mas uma opinião, e seria semelhante à mídia  chinesa afirmar em outubro de 2019, que o Partido Social Liberal (PSL), ao qual estava vinculado o visitante presidente Jair Bolsonaro, avançava na China por meio dos acordos de cooperação assinados naquela ocasião por empresas estatais como a Petrobrás. 

Esta afirmação de um suposto avanço do PCC no Brasil poderia ser feita desde muitas décadas por conta da infinidade de produtos chineses comercializados em lojas e no comércio popular informal. 

O sempre inimigo imaginário  

A matéria do Conexão Política que traz, em março de 2020, uma informação de fato consolidado em novembro de 2019, reescreve o texto original da Agência Brasil, inserindo opinião dos editores sobre a relação do acordo da CMG com o governo brasileiro ser “estratégia do PCC”. A opinião é expressa no título, no subtítulo, na inserção da palavra “ditador” em referência ao presidente chinês, da frase avaliativa da CMG como “estratégia do Partido Comunista Chinês em expandir seu domínio e difundir sua propaganda através da mídia mundial têm sido realizada com êxito”, e nos destaques que denotam crítica como maiúsculas para o termo “FESTEJADA” para classificar a parceria com os chineses, e negrito para a declaração do presidente da EBC Luiz Carlos Gomes, “Quem tem a comunicação hoje tem poder”. 

Esta notícia, exposta de tal forma, se coloca em um conjunto de notícias de sites de desinformação e postagens em mídias sociais nos primeiros dias abril, de conteúdo crítico à China, como país “culpado” pela pandemia de coronvírus, uma vez que os primeiros casos foram originados naquele país. Este processo foi potencializado com crítica à China vinda do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).   

O período de postagens contra a China coincide a exposição de críticas em mídias sociais ao Ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, da parte de apoiadores do presidente Bolsonaro, por conta das divergências públicas entre os dois no tocante ao combate ao coronavírus no país. Várias postagens de conteúdo falso da parte de apoiadores do presidente chegou a promover a mesclagem das duas críticas, como no exemplo a seguir

Aos Fatos classificou como falso este conteúdo que circulou pelas redes. Foram várias as publicações falsas e enganosas com relação a este caso. 

A matéria do Conexão Política checada pelo Coletivo Bereia é classificada, portanto, como enganosa.  O site de notícias faz uso de texto noticioso da Agência Brasil (agência de notícias do governo federal), de fato consolidado há cinco meses, adiciona opinião ao texto informativo para induzir leitores a assimilarem a ideia de que acordos comerciais históricos da China com o Brasil tratam-se de estratégia de implantação do comunismo no Brasil.   

Em tempos de coronavírus, a desinformação em torno da “ameaça comunista” se constrói de forma oportunista pelo fato de a China (regime comunista) ter sido o país de onde se originou a pandemia, e fazem uso de conteúdo falso e enganoso para relacionar a China a projetos de conquista de poder comunista no mundo. Nesse sentido, aciona-se o antigo imaginário da “ameaça comunista”, que vai e volta quando grupos políticos se arvoram a enfrentar disputas em curso por meio do discurso de medo e de intimidação. 

Referências  de Checagem:

EBC e China Media Group firmam acordo para troca de conteúdos.  Agência Brasil/EBC, 13 nov 2019. Disponível em: http://www.ebc.com.br/institucional/sala-de-imprensa/noticias/2019/11/ebc-e-china-media-group-firmam-acordo-para-troca-de-conteudos  

China Media Group assina memorando de cooperação com Grupo Globo. China Radio Internacional (Portuguese), 13 nov 2019. Disponível em: http://portuguese.cri.cn/news/world/408/20191113/380255.html  

Grupo Bandeirantes e China Media Group fecham acordo de cooperação. Band.com.br,11 nov 2019. https://noticias.band.uol.com.br/noticias/100000975707/grupo-bandeirantes-e-china-media-group-fecham-acordo-de-cooperacao.html  

Chinese economy slows to still sizzling 11.5% growth. USA Today, 25 out 2007. Disponível em: https://usatoday30.usatoday.com/money/world/2007-10-25-china-gdp_N.htm 

 Reducing Inequalities in China Requires Inclusive Growth. Wayback Machine., Asian Development Bank, News Release, 9 ago 2007. Disponível em: http://www.adb.org/media/Articles/2007/12084-chinese-economics-growths/  

Fighting Poverty: Findings and Lessons from China’s Success  Wayback Machine. (World Bank). Disponível em: http://econ.worldbank.org/WBSITE/EXTERNAL/EXTDEC/EXTRESEARCH/0,,contentMDK:20634060~pagePK:64165401~piPK:64165026~theSitePK:469382,00.html  

The Sino-Brazilian Principles in a Latin American and BRICS Context: The Case for Comparative Public Budgeting Legal Research  Wisconsin International Law Journal. 13 mai 2015. Disponível em: http://www.migalhas.com.br/arquivos/2015/6/art20150601-02.pdf.  

Some Recent Features of Brazil-China Economic Relations Wayback Machine. CEBC.org, abr 2009 Disponível em:  http://www.cebc.org.br/sites/500/521/00001316.pdf   

The China-Brazil Earth Resources Satellite (CBERS), por T. M. Sausen. ISPRS Society, 6 (2). Disponível em: https://www.isprs.org/publications/highlights/highlights0602/27-28_HL_06_01_CBERS.pdf   

Bolsonaro se encontra com presidente chinês para assinaturas de acordos. Agência Brasil/EBC, 25 out 2019. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2019-10/bolsonaro-se-encontra-com-presidente-chines-para-assinatura-de-acordos

Conhecendo o sistema político chinês, por APEX Brasil, 2014. Disponível em: http://arq.apexbrasil.com.br/portal/ConhecendoOSistemaPoliticoChines.pdf 

É imprecisa afirmação de Flávio Bolsonaro sobre cloroquina no tratamento de Covid19

O senador Flavio Bolsonaro (Sem Partido/RJ) postou no domingo, 5 de abril, em seu perfil no Facebook, um card com uma afirmação do consultor do mercado financeiro, seguidor do influenciador midiático Olavo de Carvalho e apoiador do governo federal Leandro Ruschel. A afirmação era uma postagem feita por Ruschel no Twitter, na mesma data, com respeito ao medicamento hidroxicloroquina como possível meio de cura para infectados com o coronavírus.

Perfil do Facebook de Flavio Bolsonaro:

Perfil no Twitter de Leandro Ruschel:

Leandro Ruschel afirma, e é referendado pelo senador Flávio Bolsonaro, que a Prevent Senior, empresa de saúde, cujo público-alvo são idosos, teria passado a utilizar tratamento com o medicamento hidroxicloroquina em 400 pacientes internados com o coronavírus, sem registro de óbitos desde então.

Bereia checou a informação a partir do seguinte questionamento: a Prevent Senior está obtendo sucesso com o tratamento de pacientes com hidroxicloroquina?

SOBRE O MEDICAMENTO

A partir da segunda semana de março, a cloroquina e a hidroxicloroquina entraram na pauta das discussões da mídia e sociedade civil por apresentarem, além da efetividade contra malária e doenças autoimunes, um suposto potencial para o combate ao novo coronavírus (Covid-19).

Diante das notícias veiculadas sobre medicamentos que contêm os fármacos para o tratamento da Covid-19, em nota técnica publicada no dia 17 de março, a Anvisa esclareceu que, apesar de promissores, ainda não existiam estudos conclusivos capazes de comprovar o uso para o tratamento da doença. Portanto, não havia recomendações da Agência, até a redação desta matéria, para a utilização em pacientes infectados ou mesmo como forma de prevenção à contaminação pelo novo coronavírus.

Na mesma data, 20 de março, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, afirmou, em conferência com o presidente Jair Bolsonaro e empresários, que o Brasil validou e estava fornecendo cloroquina para pacientes mais graves da Covid-19.

No dia anterior, 19 de março, o presidente dos Estados Unidos,  Donald Trump, havia pressionado a FDA (entidade responsável por controlar alimentos e remédios naquele país) a liberar medicamentos com potencial de tratamento contra a Covid-19. Trump mencionou dois medicamentos: o antigripal Remdesivir (ainda experimental) e a hidroxicloroquina.

Na Resolução RDC nº 351/2020, publicada em 20 de março, a Anvisa enquadrou a cloroquina e a hidroxicloroquina como medicamentos de controle especial, com compra apenas por meio de receita, como forma de evitar que pessoas que não precisassem desses medicamentos provocassem um desabastecimento no mercado.

Ainda segundo a Anvisa, até então, as indicações aprovadas no Brasil para esses medicamentos seriam:  afecções reumáticas e dermatológicas, artrite reumatoide, artrite reumatoide juvenil, lúpus eritematoso sistêmico, lúpus eritematoso discoide, condições dermatológicas e malária, devendo serem seguidas as recomendações de cada Protocolo Clínico e Diretriz Terapêutica (PCDT) emitidos pelo Ministério da Saúde (MS).

Já no dia 27 de março, o MS, por meio da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde e do Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos, divulgou o uso da cloroquina como terapia adjuvante no tratamento dos casos muito graves da Covid-19, a critério médico.

A decisão foi baseada em estudos que demonstram o potencial benefício do uso em pacientes graves. A justificativa diz respeito à emergência em saúde pública causada pela pandemia, sendo autorizado o uso a partir dos dados preliminares disponíveis. De acordo com a Anvisa, esse é o chamado uso compassivo (por compaixão), já que não há alternativa terapêutica específica para esses pacientes.

Segundo a Fundação Oswaldo Cruz, foi apenas nesse sentido que o governo brasileiro liberou o uso desses medicamentos, mas apenas para decisão de cada médico sobre sua aplicação em relação a cada paciente específico. A Fiocruz esclarece que especialistas afirmam que não se deve usar cloroquina ou hidroxicloroquina para prevenir ou tratar a Covid-19 sem o devido acompanhamento médico e ressaltam que todo medicamento possui efeitos colaterais e que a cloroquina e a hidroxicloroquina afetam o coração e podem levar à morte. Além disso, a automedicação traz o risco de interação medicamentosa com outros remédios que a pessoa tome regularmente, o que pode agravar a toxicidade da cloroquina e da hidroxicloroquina.

Segundo a infectologista Keila Mara Freitas, existem diferenças entre cloroquina e a hidroxicloroquina, mas não tão significativas. “A cloroquina tem um custo mais baixo – é o remédio distribuído pela farmácia popular – e é mais eficaz. A outra consiste nos efeitos adversos; a cloroquina deposita-se em muitos tecidos do corpo, entre os quais o olho e o canal auditivo. São, portanto, efeitos colaterais da cloroquina, quando em uso prolongado, alterações de visão e audição. Essas, entretanto, não são alterações exorbitantes e desaparecem com a suspensão da medicação. A hidroxicloroquina pode ser considerada então um pouco mais segura, mas isso varia entre pacientes, visto que suas respostas aos medicamentos podem ser diferentes ”.

Por conta do aumento dos casos e a velocidade de transmissão do coronavírus no Brasil, projetou-se para a primeira distribuição do medicamento um quantitativo calculado com base no número de casos notificados no último boletim oficial do MS, realizado em 25 de março, e um estoque de reserva.

SOBRE A PREVENT SENIOR

No dia 20 de março de 2020, mesmo dia em que o ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta, declarou que o país havia validado o uso experimental da cloroquina, a operadora Prevent Senior afirmou que iniciaria o tratamento de pacientes com diagnóstico confirmado de Covid-19 utilizando essa medicação, além da azitromicina (um tipo de antibiótico). Até o dia 19 de março, 28 pacientes tinham diagnóstico confirmado para a Covid-19 nos hospitais da rede, com, pelo menos, cinco mortes.

A Prevent Senior é uma operadora de saúde que, em 1997, já possuía o seu primeiro hospital. A empresa cresceu nos últimos anos com foco no atendimento a idosos. Por outro lado, o motivo de seu crescimento se transformou em crítica por parte do Ministério da Saúde, com o avanço do coronavírus no Brasil.O ministro Mandetta criticou a concentração de idosos doentes em um único hospital e disse que estudava com o governo de São Paulo uma intervenção na unidade onde ocorreram as mortes.

Em pronunciamento, Mandetta disse que criou-se um “ambiente de transmissão” de coronavírus em um hospital da operadora e questionou o modelo de negócio da empresa, focada em clientes idosos. Das 136 mortes por coronavírus confirmadas no estado de São Paulo, 79 ocorreram em hospitais da operadora.

Já o presidente da operadora Fernando Parrillo, afirmou: “não estamos inventando moda. Estamos seguindo os protocolos e recomendações da Organização Mundial da Saúde. O isolamento nos hospitais é uma estratégia para não precisar parar completamente o atendimento aos pacientes com outras necessidades. Isolamos hospitais para os pacientes que estão com o vírus, e o restante atende aos demais beneficiários que continuam com suas demandas”.

No dia 4 de abril de 2020, o PROCON de São Paulo notificou, pela segunda vez, a operadora. Segundo o PROCON, a empresa não respondeu todas as perguntas sobre as 79 mortes por covid-19 em unidades da rede Sancta Maggiore. Entre as perguntas não respondidas pelo grupo está a questão da causa da internação das vítimas, quantas foram por suspeita de coronavírus, e se todas tiveram diagnóstico confirmado da doença. A empresa alegou sigilo médico e proteção legal para não repassar as informações.

Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, em 4 de abril, o presidente da Prevent Senior, Fernando Parrillo, e o diretor-executivo da empresa, Benedito Batista Júnior, declararam que a concentração de 58% das mortes por Covid-19 de São Paulo em seus hospitais mostra um retrato real da pandemia  e que pior são os óbitos que estão acontecendo na cidade e que não aparecem nas estatísticas oficiais, subnotificados. Segundo eles, as críticas resultam do desconhecimento sobre a seriedade com que a empresa atua há 23 anos em São Paulo.

Há quem avalie que a disputa entre o ministro da Saúde e a Prevent Senior deva-se à concorrência entre planos de saúde, área na qual o ex-deputado Luiz Henrique Mandetta atuou como ex-conselheiro e ex-presidente da UNIMED (Mato Grosso do Sul). Os ataques à operadora de saúde cujo alvo são idosos, que teriam migrado de outros planos, têm levantado a suspeita de que o ministro atende a interesses inconcebíveis no grave momento de crise vivido pelo país.

SOBRE A APLICAÇÃO DA CLOROQUINA

Sobre o uso da cloroquina em seus pacientes, a Prevent Senior disse ao UOL Notícias, em 23 de março, que cumpre os protocolos e entrou com pedido para uso do medicamento na Plataforma Brasil, tendo recebido autorização. “Entramos com um pedido na Plataforma Brasil, que já deu o ‘OK’. E, em uma audiência extraordinária do hospital, o protocolo foi aprovado. Todos os pacientes diagnosticados com coronavírus dentro da rede Prevent Senior estão recebendo esse tratamento”, afirmou o diretor-executivo da Prevent Senior Pedro Benedito. Benedito acrescentou que a primeira paciente a receber esses medicamentos foi a mãe dos donos da Prevent Senior. Aos 75 anos, ela foi internada em estado grave e começou o tratamento na quinta-feira (19/3), a pedido dos filhos. O quadro dela começou a melhorar dois dias depois, com a estabilização dos processos no pulmão. “Nós decidimos tratá-la a pedido dos filhos, e de sábado para cá ela começou a responder adequadamente à inflamação”, disse o diretor-executivo da empresa.

Matéria do portal de notícias G1 afirma que a Prevent Senior estaria contrariando a recomendação do MS quanto ao uso da cloroquina. Funcionários da rede disseram que profissionais foram orientados a prescrever cloroquina para qualquer paciente com mais de 70 anos que estivesse com sintomas de febre, até por meio de atendimento por telefone (telemedicina).

O G1 teve acesso ao Protocolo Institucional da Prevent Senior para inclusão de pacientes no tratamento da Covid-19 com hidroxicloroquina e azitromicina, com indicação das consequências:

Em nota, a Prevent Senior afirma que “o uso da hidroxicloroquina associado à azitromicina faz parte de protocolo de pesquisa científica aprovado pelo Ministério da Saúde. A medicação é ministrada a pacientes cujos sintomas e exames tomográficos apontem a suspeita de contaminação por coronavírus, uma vez que os laboratórios que realizam os exames virais têm demorado, em média, de 10 a 15 dias para entregar os resultados por excesso de demanda.”

De acordo com a nota, a Prevent Senior afirma que “houve mais de 70 altas de pacientes que se recuperaram após o uso das duas drogas. Os pacientes não são obrigados a tomar a medicação, mas os médicos da Prevent têm o dever ético de prescrever os tratamentos que avaliem mais eficazes.”

O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP) afirmou também em nota que “o uso da cloroquina está indicado apenas em caráter de estudos clínicos, com protocolos bem definidos em que sejam descritos resultados bem estabelecidos, assim como dados de efeitos adversos”. O CREMESP afirma que “o uso indiscriminado, como já foi dito anteriormente, inclusive pelo Ministério da Saúde, oferece riscos aos pacientes”. O órgão declarou que ainda não foi formalmente acionado por profissionais que atuam na rede Prevent Senior:

“Até o momento, o CREMESP não foi formalmente acionado sobre este caso e poderá abrir sindicância para apurar se houve indícios de má conduta ética e profissional, respeitando os fluxos formais e garantindo o direito de manifestação a todos os envolvidos. O Conselho reitera ainda que – dentro de suas atribuições institucionais e de acordo com as normas legais – cumpre seu dever de apurar infrações éticas cometidas por médicos, no exercício da profissão, quando oficialmente acionado ou quando os fatos chegam ao seu conhecimento”.

Na entrevista que deu ao jornal Folha de São Paulo, em 4 de abril, o diretor-executivo da Prevent Senior Benedito Batista Júnior, confirmou as 79 mortes em seu hospital até aquela data e disse que foram realizados 1.100 exames, com 600 internações necessárias. Benedito afirmou que tinham 275 internações até aquela data e mais de 200 altas de pacientes tratados com medicação de hidroxicloroquina 400 mg com azitromicina, que tem se mostrado efetiva quando as lesões no pulmão alcançam 25%. O diretor-executivo da empresa declarou que aprenderam que entrar com o tratamento no sétimo dia seria tardio, no ápice da infecção, mas aplicar no segundo dia seria mais eficaz. Com este procedimento, deram alta para 200 pacientes. Ele afirma que a falta de sucesso com cloroquina em algumas experiências teria se dado pelo uso da medicação tardiamente.

A médica imunologista e cancerologista do Hospital Albert Einstein (São Paulo), Nise Yamaguchi, reuniu-se com o presidente Jair Bolsonaro, a convite dele, em 6 de abril, e teria sugerido a adoção do tratamento precoce com cloroquina em todo o Brasil, tendo relatado os êxitos das experiências no Albert Einstein e no hospital da Prevent Senior.  Ela foi convidada para integrar o gabinete de crise do Palácio do Planalto criado para monitorar o avanço da Covid-19, o que ainda está sob avaliação da médica. A médica Nise Yamaguchi tem tido seu nome bastante citado em mídias sociais e em sites de apoio ao governo Bolsonaro.

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Bereia conclui que o conteúdo da postagem do senador Flávio Bolsonaro, que reproduz um incentivo ao uso do medicamento hidroxicloroquina em pacientes com Covid-19, afirmando o êxito da Prevent Senior no tratamento, é impreciso. A Prevent Senior declarou oficialmente que, até o dia 4 de abril, tinha 275 pacientes internados tratados com o medicamento, 200 altas e 79 óbitos registrados, estacionados desde o dia 31 de março, o que corresponde à postagem do senador. No entanto, é fato que a Prevent Senior está aplicando o medicamento em todos os pacientes, o que contraria as orientações do Ministério da Saúde e da Anvisa. Ademais, não há dados disponíveis para se comprovar o sucesso do uso da hidroxicloroquina nas pessoas que obtiveram alta, declaradas pela Prevent Senior, no que diz respeito aos efeitos colaterais. O alerta dado pelo Ministério da Saúde quanto ao amplo uso do medicamento diz justamente sobre efeitos da medicação que pode curar por um lado mas causar até a morte por outros motivos.

Referências de Checagem:

Anvisa. Nota Técnica sobre Cloroquina e Hidroxicloroquina, 17 mar 2020. Disponivel em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/219201/4340788/Nota+Te%C2%B4cnica+sobre+Cloroquina+e+Hidroxicloroquina.pdf/659d0105-60cf-4cab-b80a-fa0e29e2e799

Mandetta afirma que país validou e está fornecendo cloroquina para pacientes mais graves de Covid-19. O Estado de São Paulo, 20 mar 2020. Disponível em: https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,mandetta-afirma-que-pais-validou-e-esta-fornecendo-cloroquina-para-pacientes-mais-graves-de-covid-19,70003241781

Anvisa. Resolução RDC nº 351/2020, 20 mar 2020. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/portaria/Resolucao%20n%C2%BA%20351-ANVISA.htm

Ministério da Saúde. NOTA INFORMATIVA Nº 5/2020-DAF/SCTIE/MS, 27 mar 2020. Disponível em: https://www.saude.gov.br/images/pdf/2020/marco/30/MS—0014167392—Nota-Informativa.pdf

Fiocruz. Covid-19, perguntas e respostas. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/pergunta/medicamentos-como-hidroxicloroquina-e-cloroquina-funcionam-contra-o-coronavirus

Doctoralia. Disponível em: https://www.doctoralia.com.br/perguntas-respostas/qual-a-diferenca-entre-cloroquina-e-hidroxicloroquina-posso-substituir-um-pelo-outro

Einstein e PreventSenior testarão cloroquina em pacientes com coronavírus. O Estado de São Paulo, 21 mar 2020. Disponível em: https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,einstein-e-prevent-senior-farao-testes-clinicos-da-cloroquina-em-pacientes-com-coronavirus,70003242396

PreventSenior responde a Mandetta: “Queremos que nos deixem trabalhar”. Exame, 1 abr 2020. Disponível em: https://exame.abril.com.br/negocios/prevent-senior-responde-a-mandetta-queremos-que-nos-deixem-trabalhar/

Procon de SP volta a pedir informações da PreventSenior. Valor Econômico, 4 abr 2020. Disponível em: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/04/04/procon-de-so-paulo-volta-a-pedir-informaes-da-prevent-senior.ghtml

Mandetta x Prevent Senior – o que há por trás dessa história? Por Marcos Emílio Gomes. Veja, 3 abr 2020. Disponível em: https://veja.abril.com.br/blog/marcos-emilio-gomes/mandetta-x-prevent-senior-o-que-ha-por-tras-dessa-historia/

Mandetta, o conservador que vestiu o colete do SUS e entrincheirou Bolsonaro. El País, 5 abr 2020. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2020-04-04/mandetta-o-conservador-que-vestiu-o-colete-do-sus-e-entrincheirou-bolsonaro.html

PreventSenior usa cloroquina em todos os casos com covid-19, diz diretor. UOL Notícias, 23 mar 2020. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/03/23/prevent-senior-usa-cloroquina-em-todos-os-pacientes-com-coronavirus.htm?cmpid=copiaecola

PreventSenior contraria recomendação e receita medicamento a pacientes que não estão internados com coronavírus. G1, 3 abr 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/04/03/prevent-senior-contraria-recomendacao-do-ministerio-e-receita-medicamento-a-pacientes-sem-confirmacao-de-coronavirus.ghtml

Laudos mostram a nossa idoneidade, dizem representantes da PreventSenior. Folha de S. Paulo, 4 abr 2020. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/04/laudos-mostram-a-nossa-idoneidade-dizem-representantes-da-prevent-senior.shtml

Sem Mandetta, Bolsonaro faz reunião com Terra e NikseYamaguchi, médica elogiada por bolsonaristas. O Estado de São Paulo, 6 abr 2020. https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,sem-mandetta-bolsonaro-faz-reuniao-com-terra-e-medica-elogiada-por-bolsonaristas,70003262353

Fonte imagem: https://jornaldebrasilia.com.br/politica-e-poder/antes-de-reuniao-com-mandetta-bolsonaro-volta-a-defender-uso-de-cloroquina/

Atriz Fernanda Torres não revelou preconceito contra evangélicos

O protagonismo do segmento evangélico na política nacional, especialmente por conta do apoio à eleição de Jair Bolsonaro à Presidência da República em 2018, e à consequente participação, com cargos, no governo federal, tem gerado diferentes debates nas mídias sociais. Há a exposição de, pelo menos, três posicionamentos sobre isto: um, de exaltação deste protagonismo e do próprio governo Bolsonaro da parte de evangélicos e simpatizantes; outro, de crítica a este apoio e participação da parte de grupos de oposição ao governo, incluindo evangélicos mesmo e também outros cristãos; e um terceiro, de reação ao segundo, que passa pela vitimização do segmento evangélico que, de acordo com os seus defensores, têm sofrido perseguição, o que passou a ser denominado “crentefobia”.



Nos debates que emergem em torno do segundo e do terceiro posicionamentos, neste mês de março, viralizou nas mídias sociais um vídeo chamando a atenção para uma fala da atriz Fernanda Torres no programa de entrevistas Roda Viva (TV Cultura). Nela a atriz revela “preconceito contra crente”. Por conta disto, o nome Fernanda Torres foi parar nos “trend topics” do Twitter em 17 de março.

O veículo independente de notícias, Diário do Centro do Mundo, destacou o caso com o título “Viraliza VÍDEO de Fernanda Torres e seu único preconceito: contra crente” e reproduziu, sem contextualização, um dos Tweets com milhares de curtidas:

O vídeo que circulou nas mídias sociais é um trecho do programa Roda Viva, que foi ao ar em 3 de janeiro de 1992, tendo como entrevistada a atriz Fernanda Torres. O programa teve a duração de uma hora e 30 minutos. O trecho tem cinco segundos e reproduz a pergunta do apresentador Serginho Groismann:“Você tem preconceito?” e o início da resposta da atriz: “Contra crente [risos]”.

O trecho que viralizou foi publicado originalmente no perfil do Twitter “Novelas Brasil”, em 2 de fevereiro de 2019, com a chamada “Tem algum preconceito?”, e teve apenas 55 curtidas, 24 retweets e comentários. Foram os retweets em 2020, um ano depois, que alcançaram a “viralização” com milhares de curtidas, retweets e comentários e gerou a reprodução, sem contextualização, do site Diário do Centro do Mundo.

A viralização de cinco segundos serviu como material para o grupo que ocupa as mídias sociais criticar a participação de evangélicos na política com embasamento na fala de uma influenciadora social, que se diria “contra crente” (termo pejorativo utilizado historicamente para identificar evangélicos no Brasil). Fernanda Torres não é apenas atriz mas escritora, com coluna semanal em mídia impressa.

O trecho do vídeo serviu, em consequência, para aqueles que alimentam a ideia de perseguição dos evangélicos corroborar a ideia de que existe de fato preconceito contra o segmento, declarado, neste episódio, por Fernanda Torres.

Bereia procedeu ao que é necessário ser feito com trechos de vídeos que são veiculados na internet e assistiu toda a transmissão do programa. O trecho em questão são cinco segundos do que aparece no minuto 1h25min38seg do programa Roda Viva de 1992. A resposta de Fernanda Torres que parece ser breve e definitiva, de fato não foi. A atriz explica, instigada por um jornalista, o que quer dizer com o termo “crente”, e que nada tem a ver com religião. A ideia é concluída no minuto 1h26min41seg, como se pode ler na transcrição a seguir:

Serginho Groismann: Você tem algum preconceito?

Fernanda Torres: Contra crente.

Outro jornalista: Contra crente, contra religião?

Fernanda Torres: Crente ingênuo. Não, não, crente na vida. Contra gente que acredita no bem, no mal, na missão, na verdade, que a vida não é dialética, que a vida não é contrária…

Mesmo jornalista: Nossa, mas este modelo se enquadra todo mundo…

Fernanda Torres: Quase… muita gente.

Mesmo jornalista: Você tem preconceito contra 95% da humanidade?

Fernanda Torres: Talvez, mas eu não vivo com 95% da humanidade. Eu escolho pessoas pra viver…

Mesmo jornalista: Mas, contra…

Fernanda Torres: Mas não preconceito a ponto de eu não poder falar… mas eu tenho pena, entende, quando um cara é tão crente na vida a este ponto, entendeu? Eu acho que ele vai apanhar muito.

Mesmo jornalista: Você é o que? Cética?

Fernanda Torres: É como acreditar em política, acreditar em, sabe…

Mesmo jornalista: E acreditar no teatro não é ser crente?

Fernanda Torres: Mas eu não acredito de uma maneira crente. Eu acredito de uma maneira vital. Eu não acho que teatro vá salvar a vida de ninguém. Então eu não acredito de uma maneira crente.

Outro jornalista: Quer dizer, você não acredita em absolutos, você acredita em relativos

Fernanda Torres: É… exatamente, é isto que a minha mãe fala, eu herdei isto dela. Ela tem ideias contraditórias convivendo junto na cabeça dela.

Bereia conclui que a postagem do trecho com a fala parcial de Fernanda Torres nas mídias sociais e no Diário do Centro do Mundo é enganosa pois faz uso de um material verdadeiro, a gravação do Programa Roda Viva, de 28 anos atrás, para, deliberadamente, de forma descontextualizada, alimentar discussões políticas com estímulo à intolerância religiosa.

Bereia trabalha com a definição de desinformação elaborada a partir de pesquisas da Comissão Europeia, publicada em 2018: “Informação comprovadamente falsa ou enganadora que é criada, apresentada e divulgada para obter vantagens econômicas ou para enganar deliberadamente, podendo prejudicar o interesse público”.

Bereia chama a atenção de seus leitores e leitoras para a veiculação de trechos de vídeos na internet. Todos os trechos de vídeos devem ser checados para verificação de seu contexto no vídeo completo. Uma fala deslocada do todo, como é o caso da fala de Fernanda Torres no Programa Roda Viva, pode levar a conclusões equivocadas, injustas e comprometedoras de reputações alheias, gerando atos de intolerância que podem ter consequências gravíssimas nas relações sociais em sua amplitude política, econômica e cultural, ou seja, prejudicando o interesse público.

Referências de checagem:

Programa Roda Viva, 3 jan 1992. Entrevista com Fernanda Torres. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=94Gej9DkPFo

Novelas Brasil. Twitter, 2 fev 2019. Disponível em: https://twitter.com/novelasbrazil/status/1091720731363344384

Plano de Ação contra a Desinformação. Bruxelas, JOIN (2018) 36 final, pela Comissão Europeia. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=JOIN:2018:0036:FIN:PT:PDF

Imagem de destaque. Disponível em: https://exitoina.uol.com.br/noticias/viral/entrevista-antiga-de-fernanda-torres-viraliza-por-declarar-preconceito-contra-crente.phtml

Diante da crise do coronavírus, o que as igrejas podem fazer?

Edir Macedo e Silas Malafaia reagiram à suspensão das atividades religiosas. Isso é responsabilidade cristã?

A crise socioeconômica agravada pela pandemia provocada pelo coronavírus é realidade que, por mais que muitos tentem amenizar e até esconder, não há como ser desconsiderada. A vida cotidiana foi drasticamente alterada, o medo do sofrimento e da morte foi potencializado, a lógica do mercado e do capital que rege políticas foi posta à prova com altas demonstrações de fracasso.

Num dado momento dos últimos dias, os grupos religiosos, principalmente as igrejas, estiveram no centro de discussões. Enquanto medidas sanitárias orientavam o isolamento social para preservação de vidas, emergiu a questão: igrejas devem continuar com suas atividades presenciais?

O ministério da Saúde alertou que a medida de evitar aglomerações incluía missas e cultos, indicando que as igrejas poderiam permanecer abertas para quem quisesse fazer suas orações. Vários estados e municípios formalizaram ações desde a restrição do número de participantes até o fechamento dos templos e espaços de reuniões religiosas.

Alguns líderes religiosos de igrejas autônomas, de imediato, rejeitaram veementemente a indicação de suspensão de atividades coletivas. Como justificativa, alegaram a obrigação das igrejas reunirem os fiéis para prestar culto a Deus (que espera isto de seus servos e servas) somada à importância de se testemunhar a fé, afinal, afirmam, quem se apega a ela não deve ter medo de nada.

Dois religiosos se destacaram na rejeição à suspensão das atividades: o bispo Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus, e o pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo. Malafaia divulgou um vídeo nas mídias sociais, em 14 de março, afirmando que ninguém o impediria de manter os “seus cultos”. Em 15 de março, também por vídeo, Macedo afirmou que o coronavírus é uma invenção de Satanás e da mídia para induzir pessoas ao pânico e utilizou o depoimento de um patologista da Unifesp que desacreditava os alertas sobre a gravidade da pandemia.

A Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional divulgou nota, em 18 de março, defendendo a abertura de templos para os cultos. Os deputados argumentaram que precisam de orações para enfrentar a “pandemia maligna”.

Estes grupos receberam o apoio do presidente da República, Jair Bolsonaro, que, em entrevista a um programa de entretenimento no dia 19 de março, defendeu que as igrejas devessem funcionar, com pastores e padres decidindo o que fazer se os locais se tornassem muito cheios.

Com o agravamento da pandemia, o pastor Malafaia acabou cedendo às pressões sociais e suspendeu os cultos presenciais, passando a oferecê-los pela internet. O pastor também declarou em mídias sociais ter oferecido os espaços de sua igreja para as autoridades de saúde utilizarem no atendimento a pessoas contaminadas.

Já o bispo Edir Macedo apagou o vídeo que havia publicado nas mídias sociais, justificando, em nota, que o fez “assim que se constatou que o especialista da Unifesp havia excluído o depoimento que publicara no YouTube”.

Outras igrejas tiveram atitude marcadamente diferente tão logo foram divulgadas medidas de isolamento social e declararam apoio. As históricas, Católica Romana e evangélicas como a Presbiteriana do Brasil, a Presbiteriana Unida, a Convenção Batista Brasileira, a Aliança de Batistas do Brasil, a Metodista, a de Confissão Luterana do Brasil, a Episcopal Anglicana do Brasil, e igrejas pentecostais e outras autônomas como a Cristã Nova Vida, Renascer em Cristo, Batista da Lagoinha, Sara a Nossa Terra, Cristã Maranata, Evangelho Quadrangular, Assembleia de Deus Betesda, tiveram essa postura. Estas igrejas divulgaram notas de suspensão de suas atividades coletivas, com orientação aos fiéis para praticarem o isolamento social e participarem de atividades virtuais, de culto, oração e estudo.

Algumas destas igrejas ofereceram seus espaços para atuarem em parceria com o serviço público de saúde no atendimento a pessoas contaminadas, bem como na solidariedade a famílias que têm o seu sustento comprometido pelo isolamento social.

Em pronunciamento oficial, o presidente do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC) pastor luterano Inácio Lemke, pediu tranquilidade e incentivou que as pessoas fiquem em casa: “O momento pede calma e prudência. Precisamos ter responsabilidade com aquilo que falamos. Incentivar que um fiel vá à igreja, sabendo que isso expõe não apenas ele, mas toda a sua família, é extremamente irresponsável, além de representar um risco real para a saúde pública”.

Esta atitude de responsabilidade cristã tem sido seguida também por igrejas em outras partes do mundo. O secretário geral do Conselho Mundial de Igrejas (CMI) Rev. Dr Olav Fykse Tveit, e a moderadora Dra. Agnes Abuom, conclamaram pessoas e igrejas ao redor do mundo a darem máxima prioridade a “fazer o que puderem para proteger a vida”, pedindo às igrejas que não celebrem cultos abertos ao público, e que sigam estritamente as diretrizes das autoridades com base nas orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS).

O CMI sugere às suas 350 igrejas-membro que reconsiderem seu modo de trabalhar. “Este é um momento para tocar o coração um do outro, pelo que dizemos, o que compartilhamos, o que fazemos – e o que não fazemos – para proteger a vida que Deus tanto ama. Nesse amor, devemos adaptar nossos modos de louvor e comunhão às necessidades deste período de pandemia”. Também convidou as igrejas a tornarem o domingo num dia de oração pelas pessoas mais vulneráveis, como refugiados, idosos e pessoas afetadas pela covid-19 e a orarem por toda a comunhão de igrejas e pela família humana em todo o mundo.

Vários espaços religiosos na internet recuperaram uma carta que o mais destacado inspirador da Reforma Protestante, Martinho Lutero, escreveu, em 1527, durante a epidemia da chamada “Peste Negra” que pôs fim a milhões de vidas na Europa (do livro Luther’s Works, Vol. 43, Fortress Press, 1968, p. 116). A carta foi dirigida ao pastor Johannes Hess, com uma série de orientações para que os protestantes seguissem as medidas de prevenção e cuidassem dos sofredores. Lutero, então, escreve:

“Pedirei a Deus para, misericordiosamente, proteger-nos. Então farei vapor, ajudarei a purificar o ar, a administrar remédios e a tomá-los. Evitarei lugares e pessoas onde minha presença não é necessária para não ficar contaminado e, assim, porventura infligir e poluir outros e, portanto, causar a morte como resultado da minha negligência.

Se Deus quiser me levar, ele certamente me levará e eu terei feito o que ele esperava de mim e, portanto, não sou responsável pela minha própria morte ou pela morte de outros. Se meu próximo precisar de mim, não evitarei o lugar ou a pessoa, mas irei livremente conforme declarado acima. Veja que essa é uma fé que teme a Deus, porque não é ousada nem insensata e não tenta a Deus.”

Fonte: Reproduzido de Coluna Diálogos da Fé, revista CartaCapital, 24/03/2020.

Fonte imagem: Culto no templo de salomão (foto tirada na inauguração do templo, em 30 de julho de 2014 / crédito: demétrio koch)

Não é verdade que Israel descobriu a cura para o coronavírus

Circula em grupos de Whatsapp de igrejas e de pessoas religiosas a seguinte mensagem:

A postagem diz respeito a um vídeo publicado no canal do grupo Pátria Amada PE no Youtube que chama a atenção para Israel ter descoberto a cura para o coronavírus, uma família de vírus que causa infecções respiratórias.

O vídeo é reprodução de matéria do Jornal da Record, de 28 de fevereiro de 2020, intitulada: “Vacina contra o coronavírus pode estar disponível em maio”. A matéria tem 37 segundos e pode ser encontra no link – JR na TV.

Texto da matéria:

Cientistas israelenses afirmam que uma vacina contra o coronavírus pode estar disponível em maio e ser a primeira a chegar ao mercado. 260 pesquisadores e 80 doutores participam do projeto. Segundo os responsáveis, a vacina, que é oral, fica pronta em três semanas e chega ao mercado em 80 dias. A base de estudo usado foi a vacina contra a bronquite infecciosa causada por outro tipo de coronavirus que afeta as aves. Outros países como Estados Unidos, Alemanha e China também estão desenvolvendo vacinas contra a covid-19.

A matéria do Jornal da Record foi construída a partir de um comunicado de imprensa do Instituto de Pesquisa Galilee (MIGAL), do governo de Israel, em 27 de fevereiro, pelo qual anuncia que desenvolveu uma vacina oral contra o vírus da bronquite infecciosa, uma forma de coronavírus que afeta aves. O instituto acrescentou que essa vacina pode ser adaptada para criar uma vacina humana contra o COVID-19, mas as pesquisas ainda estariam a “semanas” de “concluir aprovações de segurança que permitirão testes in vivo [em um ser vivo]”, antes da produção da vacina.

No comunicado, o Instituto de Pesquisa afirma: “Os pesquisadores da MIGAL desenvolveram uma vacina eficaz contra o vírus da bronquite infecciosa (IBV) do coronavírus aviário, a ser adaptado em breve e criar uma vacina humana contra o COVID-19 (…).  Dada a necessidade global urgente de uma vacina contra o coronavírus humano, estamos fazendo todo o possível para acelerar o desenvolvimento. Nosso objetivo é produzir a vacina durante as próximas 8 a 10 semanas e obter aprovação de segurança em 90 dias”.

O Chefe do Laboratório de Microbiologia Molecular do MIGAL, Dr. Chen Katz, explicou ao jornal The Times of Israel que o rápido progresso no desenvolvimento da vacina contra o coronavírus se deve ao fato de o instituto trabalhar há quatro anos em uma vacina que pode ser personalizada para vários vírus, e que agora foi adaptada para o coronavírus.

Porém, a divulgação do trabalho do instituto, com a indicação de que a vacina ficaria pronta em “semanas”, foi questionada pelo Diretor de Relações Internacionais do Ministério da Saúde de Israel, Dr. Asher Shalmon, que fez um alerta sobre colocar “falsas esperanças” no processo, em entrevista ao mesmo jornal The Times of Israel. Ele alertou para o tempo de testes e das etapas reguladoras que pode levar meses.

Estas considerações não foram inseridas na breve e positiva matéria do Jornal da Record, retomada nos últimos dias nas mídias sociais.

Muitos grupos e países trabalham para a produção de vacina, o Brasil inclusive:

O site da OMS (Organização Mundial da Saúde) explica que “não há vacina nem medicamento antiviral específico para prevenir ou tratar o COVID-2019” e que há “pesquisas” e “ensaios clínicos em curso” para colocar novos tratamentos a prova, sob a coordenação da OMS.

São muitos os grupos de pesquisa de países diversos trabalhando com urgência para a produção de uma vacina. A matéria do Jornal da Record fala em Estados Unidos, Alemanha e China, além de Israel, o grande destaque do texto, mas são cerca de 35 empresas e instituições acadêmicas de vários países que estão trabalhando às pressas para criar essa vacina. Entre estes países está o Brasil, que não foi citado na matéria do Jornal da Record.

A vacina contra o coronavírus está sendo desenvolvida no Brasil por pesquisadores do Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração (Incor) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP). Por meio de uma estratégia diferente da adotada por indústrias farmacêuticas e grupos de pesquisa em diversos países, os cientistas brasileiros esperam acelerar o desenvolvimento e conseguir chegar, nos próximos meses, a uma candidata a vacina que possa ser testada em animais.

“Acreditamos que a estratégia que estamos empregando para participar desse esforço mundial para desenvolver uma candidata a vacina contra a Covid-19 é muito promissora e poderá induzir uma resposta imunológica melhor do que a de outras propostas que têm surgido”, afirmou Jorge Kalil, diretor do Laboratório de Imunologia do Incor e coordenador do projeto apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

Também no Brasil, apenas dois dias após o primeiro caso de coronavírus da América Latina ter sido confirmado na capital paulista, uma equipe de cinco pesquisadoras do Instituto Adolfo Lutz e das universidades de São Paulo (USP) e de Oxford (Reino Unido) publicaram a sequência completa do genoma viral, que recebeu o nome de SARS-CoV-2.  Os dados foram divulgados em 28 de fevereiro, no site Virological.org, um fórum de discussão e compartilhamento de dados entre virologistas, epidemiologistas e especialistas em saúde pública. Além de ajudar a entender como o vírus está se dispersando pelo mundo, esse tipo de informação é útil para o desenvolvimento de vacinas e testes diagnósticos.

“Ao sequenciar o genoma do vírus, ficamos mais perto de saber a origem da epidemia”, disse Ester Sabino, diretora do Instituto de Medicina Tropical (IMT) da USP. De acordo com a pesquisasdora, esse monitoramento, permite identificar as regiões do genoma viral que menos sofrem mutações – algo essencial para o desenvolvimento de vacinas e testes diagnósticos.

As pressões sobre os grupos que trabalham para a produção da vacina contra o coronavírus devem-se ao quadro de pandemia em crescimento. A pressa, além de tentar atender o protocolo para reconhecimento da vacina pelos órgãos mundiais de saúde, diz respeito à produção que possa atender a enorme quantidade de pessoas nos países infectados. A previsão de alguns grupos é ter uma vacina possivelmente testada em humanos em outubro. Mas especialistas têm alertado quanto aos riscos dos efeitos colaterais de uma produção às pressas.

Coronavírus em Israel

O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, discursou, em 12 de março, pedindo a formação imediata de um governo de emergência e de união nacional para lidar com a disseminação do coronavírus no país. Outra medida de segurança anunciada pelo premier foi fechamento de escolas e universidades. Até a data do discurso de Netanyahu, o Ministério da Saúde israelense havia detectado 109 casos de Covid-19 e divulgou que mais de 32 mil pessoas estavam em quarentena em Israel.

O coronavírus em Israel provocou o adiamento do julgamento de Netanyahu, marcado para terça, 17 de março. O primeiro-ministro é acusado de fraude, abuso de poder e quebra de confiança. A Promotoria afirma que ele aceitou de forma indevida o equivalente a R$ 1.2 milhão em presentes de empresários, incluindo cigarros e champanhe. Netanyahu nega. A medida de segurança contra o vírus em Israel promoveu o fechamento dos tribunais como restrição de aglomerações e o adiamento de julgamentos por dois meses.

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Bereia classifica as postagens referentes a “Israel descobriu a cura para o coronavírus”, fazendo uso de matéria do Jornal da Record de 28 de fevereiro, como falsas. Não existe vacina ou medicamento comprovadamente curativo para pessoas infectadas com o coronavírus. É  fato que Israel, assim como outros países, esteja trabalhando na produção de uma vacina contra o coronavírus, mas ela ainda está sendo elaborada e não foi testada em seres vivos, nem passou pelos protocolos internacionais de comprovação, portanto, não há definição de sua eficácia.

Bereia classifica ainda a matéria do Jornal da Record como imprecisa. A matéria simplesmente reproduz o comunicado de imprensa do instituto de pesquisa do governo israelense de que uma vacina contra o coronavírus produzida no país estaria disponível em maio. O Jornal da Record não trata o conteúdo com as considerações referentes aos obstáculos de protocolo internacional de pesquisa, testes e reconhecimento que envolvem tempo. A matéria cita apenas três países envolvidos na produção da vacina e não menciona o próprio país da emissora, o Brasil, destacado no processo de busca de cura por conta do sequenciamento do genoma.

É possível avaliar que a postura do Jornal da Record, emissora pertencente à Igreja Universal do Reino de Deus, e a postagem da matéria pelo canal Pátria Amada Brasil, reproduzida por grupos religiosos exaltando uma suposta ação de Israel em busca de cura em detrimento das ações de outros países, incluindo o próprio Brasil, digam respeito a uma idolatria ao Estado de Israel, promovida no país, por conta da perspectiva ideologizada de uma leitura descontextualizada da Bíblia

Esta idolatria credencia equivocadamente o atual Estado de Israel como se este fora o Israel bíblico, gerando apoio incondicional a suas ações e políticas. Nesta perspectiva teológica-ideológica emergem práticas judaizantes no cristianismo que se configuram na diminuição da figura de Jesus, passando a predominar personagens do Antigo Testamento bíblico, símbolos da monarquia como trono, domínio, riquezas, a imagem de Deus como Senhor dos Exércitos, o Templo de Salomão. A promessa do governo Jair Bolsonaro de transferir a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém segue esta tendência.

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Referências de checagem:

Ministério da Saúde. Coronavírus. Disponível em: https://coronavirus.saude.gov.br/

Jornal da Record. “Vacina contra o coronavírus pode estar disponível em maio”. Disponível em: https://noticias.r7.com/jr-na-tv/videos/vacina-contra-o-coronavirus-pode-estar-disponivel-em-maio-28022020

MIGAL. Breakthrough From Israel’s MIGAL Research Institute in Development of Corona virus (COVID-19) Vaccine. Disponível em: http://www.migal.org.il/Migal.covid

The Times of Israel. Israeli-made oral vaccine for coronavirus on track, but testing will take months. Disponível em: https://www.timesofisrael.com/israeli-made-oral-vaccine-for-coronavirus-on-track-but-testing-will-take-months/

Organización Mundial de la Salud. Preguntas y respuestas sobre la enfermedad por coronavirus (COVID-19). Disponível em: https://www.who.int/es/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/advice-for-public/q-a-coronaviruses:

The Guardian. When will a coronavirus vaccine be ready? Disponível em: https://www.theguardian.com/world/2020/mar/16/when-will-a-coronavirus-covid-19-vaccine-be-ready-human-trials-global-immunisation

El País. Cientistas brasileiros estão desenvolvendo vacina contra o coronavírus. Disponível em: https://brasil.elpais.com/ciencia/2020-03-16/cientistas-brasileiros-estao-desenvolvendo-vacina-contra-o-coronavirus.html

Reuters. As pressure for coronavirus vaccine mounts, scientists debate risks of accelerated testing. Disponível em: https://www.reuters.com/article/us-health-coronavirus-vaccines-insight/as-pressure-for-coronavirus-vaccine-mounts-scientists-debate-risks-of-accelerated-testing-idUSKBN20Y1GZ

O Globo. Netanyahu pede governo de emergência em Israel por causa de coronavírus. Disponível em: https://oglobo.globo.com/mundo/netanyahu-pede-governo-de-emergencia-em-israel-por-causa-de-coronavirus-1-24302232

Folha de S. Paulo. Julgamento de Netanyahu é adiado devido à crise do coronavírus .Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/03/julgamento-de-netanyahu-e-adiado-por-coronavirus.shtml

Agência Brasil. Bolsonaro sinaliza desejo de transferir embaixada do Brasil em Israel. https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2019-12/bolsonaro-sinaliza-desejo-de-transferir-embaixada-do-brasil-em-israel

Papa não cancelou a Bíblia e nem propôs novo livro

Em abril de 2018, passou a circular nas mídias sociais uma notícia falsa com o título “Papa Francisco cancela a Bíblia e propõe criar um novo livro”. A postagem foi compartilhada por milhares de pessoas no Facebook e foi amplamente disseminada pelo Whatsapp.

Com as críticas a Francisco, por conta da realização do Sínodo da Amazônia, a mesma postagem voltou a circular em 2019 no Facebook e, novamente, foi compartilhada por milhares de pessoas:

Na segunda semana de fevereiro de 2020, o Papa foi alvo de novas críticas de grupos antipetistas, por conta de ter recebido, no Vaticano, o ex-Presidente Lula. No período, o conteúdo falso voltou a circular amplamente pelo Whatsapp:

MATERIAL FALSO FOI AMPLAMENTE DENUNCIADO

Já em abril de 2018, o site de checagem de notícias Boatos.org havia denunciado a falsidade da publicação. Bastou buscar no link indicado como fonte para a notícia, o “There is News.com” (originado nos Estados Unidos), para identificar que a página publica APENAS notícias falsas. É um site de humor como o “Sensacionalista” ou o “Diário Pernambucano”, que se descreve como tal no seu espaço, com um alerta na própria logomarca –“There is News.com Not real, but so funny” [Não é real, mas muito engraçado], além de possuir um aviso de resguardo legal de que o site publica ficção e não corresponde à realidade. A revista Época também publicou sobre o tema naquele período.

Conclui-se que a notícia, em inglês, foi criada propositalmente como matéria de entretenimento, e posteriormente, traduzida e divulgada para o português como verdade para gerar críticas ao Papa Francisco, intitulando-o em vários compartilhamentos, como: “louco”, “anti-Cristo”, “falso profeta”, “homem do pecado”, para citar apenas as postagens reproduzidas nesta matéria.

Em 2019, com o retorno do material, mais agências de checagem denunciaram a falsidade do material divulgado em português: Agência France Press (AFP), Aos Fatos (reproduzido por Agência Lupa e Yahoo Notícias). O Facebook aplicou nas postagens sua política de identificação de “Informação Falsa”, como pode ser visto na imagem ao lado, apesar de algumas permanecerem disponíveis por não terem sido apagadas por seus propagadores.

Em 15 de fevereiro, o Boatos.org publicou nova matéria sobre a publicação falsa, atribuindo sua “ressurreição” à ação de “pessoas não simpáticas ao ex-presidente [Lula]” que consideraram sua visita ao Papa “um afronte”.

De fato, membros do governo brasileiro estimularam reações negativas ao caso nas mídias sociais. Em tom agressivo, um dos mais poderosos ministros, o Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, General Augusto Heleno, postou na última sexta-feira:

Um dia antes da postagem do general, o presidente Jair Bolsonaro já havia criticado o documento intitulado “Exortação Apostólica Pós-Sinodal Querida Amazônia”, publicado pelo Vaticano em 12 de fevereiro, como resultado do Sínodo da Amazônia. No texto, o Papa pede a proteção da floresta amazônica e endossa o papel dos povos indígenas como guardiões da floresta. Ele diz que “Às operações econômicas, nacionais ou internacionais, que danificam a Amazônia e não respeitam o direito dos povos nativos … há que rotulá-las com o nome devido: injustiça e crime.”

Bolsonaro criticou: “Não pega fogo floresta úmida. Ninguém fala na Austrália. Pegou fogo na Austrália toda, ninguém fala nada. Cadê o sínodo da Austrália? O papa Francisco falou ontem que a Amazônia é dele, do mundo, de todo mundo”. Em seguida, disparou: “Por coincidência, estava aqui com o embaixador da Argentina [Felipe Solá], e eu disse: O papa é argentino, mas Deus é brasileiro”.

O documento católico coincide com a apresentação, em 5 de fevereiro, de um projeto de lei do governo brasileiro que propõe que áreas indígenas sejam abertas à exploração de mineração, petróleo e agricultura, entre outras indústrias extrativas. Jair Bolsonaro já declarou, publicamente, que o tamanho das terras indígenas demarcadas no país é “abusivo”.

PAPA FRANCISCO: ALVO RECORRENTE DE NOTÍCIAS FALSAS

No final de 2015, o Vaticano tinha advertido os fiéis católicos que tomassem cuidado com palavras falsamente atribuídas ao Papa Francisco: “Se as palavras atribuídas ao Papa não aparecem nos meios oficiais do Vaticano, especialmente no site oficial da Santa Sé, é muito possível que sejam falsas”, publicou o site oficial Notícias do Vaticano.

O Papa Francisco também tem insistido na luta contra notícias falsas de um modo geral, e as colocou como tema do 52ª Dia Mundial das Comunicações Sociais, celebrado pela Igreja Católica em 13 de maio de 2018. A Secretaria de Comunicação da Santa Sé explicou que o tema fake news foi escolhido porque as “informações infundadas” são aquelas que contribuem para “gerar e alimentar uma forte polarização das opiniões”. “Trata-se de uma distorção muito instrumentalizada dos fatos, com possíveis repercussões no plano dos comportamentos individuais e coletivos”, informou o Vaticano.  

A entidade ainda declarou, na época, que além das grandes empresas da web e governos ao redor do mundo estarem agindo sobre o tema fake news, era o momento da Igreja oferecer sua contribuição “propondo a reflexão sobre as causas, sobre a lógica e sobre as consequências da desinformação na mídia e ajudar a promover um jornalismo profissional, que busca sempre a verdade, e também um jornalismo de paz, que promova a cooperação entre as pessoas”.

O jornalista e escritor inglês Austen Ivereigh, em entrevista à Agência Pública afirmou: “Todos os papas desde o Concílio Vaticano II vêm sendo atacados pelos tradicionalistas, mas a ferocidade e intensidade da oposição contra Francisco é uma das características mais notáveis do seu pontificado”. Ivereigh explica: “O modus operandi é muito parecido com a mídia alt-right, como Breitbart [site de notícias de extrema direita dos EUA], para alimentar a indignação, retratando implacavelmente quase tudo o que o papa faz como rendição ao liberalismo e à modernidade. O objetivo é escandalizar. Tudo é lido através do mesmo filtro, e os princípios tradicionais do jornalismo, da apuração, não se aplicam. A única coisa que importa é fornecer uma narrativa para alimentar o medo e o preconceito.”

A intensidade de notícias falsas sobre o Papa Francisco é tema do livro Fake Pope. As falsas notícias acerca do Papa Francisco!, pelas Edições Paulinas na Itália, em 2018. Os autores, os jornalistas italianos Nello Scavo e Roberto Beretta, tratam de 80 matérias falsas sobre Francisco, que incluem uma série de fotos falsas com o Papa que circulam pela internet.

Na mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais de 2020, publicada em 24 de janeiro, o Papa afirmou que a comunicação autêntica se edifica, não se destrói. Uma parte importante do documento é dedicada às “histórias destrutivas”. Mais uma vez – como na mensagem para as Comunicações de 2018 dedicada ao fenômeno das fake news – Francisco chama a atenção para a tentação da serpente, narrada no Livro do Gênesis, que “insere na trama da história um nó difícil de desfazer-se”. O Papa denuncia aquelas histórias que “nos entorpecem, convencendo-nos de que para ser felizes precisamos continuamente ter, possuir, consumir”.

Francisco ainda chama a atenção para a avidez de “boatos e mexericos” dos quais “quase não nos damos conta”, bem como a muita “violência e falsidade” que “consumimos”. A consequência última é o difundir-se de “histórias destrutivas e provocatórias que consumam e quebram os fios frágeis da convivência”. É colocada em risco a dignidade humana, que é espoliada pela união de “informações não verificadas” com a repetição de “discursos banais e falsamente persuasivos” que golpeiam “com proclamações de ódio”.

A tudo isso o Papa estimula que se reaja com “coragem” frente tais ameaças. Num mundo que suporta “tantas dilacerações”, Francisco faz votos de que se possa “reconduzir à luz a verdade daquilo que somos, inclusive na heroicidade ignorada do cotidiano”. A mensagem em áudio pode ser acessada aqui.

Bereia verificou se há algum elemento sobre o Papa cancelar a Bíblia verdadeira e não encontrou nada a respeito. Pelo contrário, no ano passado, em 26 de abril de 2019, o Papa falou no Congresso Internacional da Federação Bíblica Católica, no Vaticano, com o tema “A Bíblia e a vida: a inspiração bíblica de toda a vida pastoral e missão da Igreja (VD-73) – Experiências e desafios”. No discurso, ele afirmou:

“A palavra de Deus é viva (Hb 4, 12), não morre nem sequer envelhece, permanece para sempre (cf. 1 Pd 1, 25). Resta jovem diante de tudo aquilo que passa (cf. Mt 24, 35) e preserva do envelhecimento interior quantos a põem em prática. É viva e dá vida! É importante recordar que o Espírito Santo, o Vivificador, gosta de agir através da Escritura. Com efeito, a Palavra transmite ao mundo o sopro de Deus, infunde no coração o calor do Senhor (…) A Bíblia não é uma bela coletânea de livros sagrados a estudar, é Palavra de vida a semear e o trabalho dos acadêmicos deve ter este fim.  A Palavra é uma insubstituível injeção de vida”.

TRECHO DISCURSO DO PAPA FRANCISCO
AOS PARTICIPANTES NO CONGRESSO INTERNACIONAL
PROMOVIDO PELA FEDERAÇÃO BÍBLICA CATÓLICA

Sala Clementina
Sexta-feira, 26 de abril de 2019

Portanto, a postagem continua sendo falsa, como já denunciado em 2018 e 2019. É material “requentado” por grupos que desejam criticar ações do Papa Francisco. Sobre isto, a Agence France-Presse (AFP) ouviu o especialista em temas do Vaticano e diretor do Departamento de Humanidades da Universidade de La Sabana, Hernán Olano, que declarou: “Essas notícias falsas provêm não apenas de círculos anticatólicos, mas também de reações dentro do Catolicismo contra a implementação na atualidade da doutrina do Papa. Em nenhum momento o Papa disse que a Bíblia deve ser mudada, nem os mandamentos, nem o Antigo Mandamento, nem os sacramentos, mas que tudo deve estar em consonância com todos os momentos da Humanidade”.

A matéria da AFP também esclareceu a origem da imagem crítica que circulou com a notícia falsa no Brasil, pelo Facebook. A imagem é verdadeira e de autoria da artista italiana Cristina Guggeri, que criou uma série de imagens de líderes mundiais sentados no vaso sanitário, entre eles, o Papa Francisco. O seu valor de venda das obras varia entre 30 e 350 dólares.

Referências de checagem:

Papa Francisco cancela a Bíblia e propõe a criação de um novo livro #boato, por Edgard Matsuki. Boatos.org, 15/4/2018. Disponível em: https://www.boatos.org/religiao/papa-francisco-cancela-biblia.html

There is News. Disponível em: https://thereisnews.com

‘Fake Papa’: nem mesmo o Pontífice está livre da praga das notícias falsas, por Cristina Tardáguila. Época, 28/05/2018. Disponível em: https://epoca.globo.com/Analise/noticia/2018/05/fake-papa-nem-mesmo-o-pontifice-esta-livre-da-praga-das-noticias-falsas.html

Não, o papa Francisco não propôs cancelar a Bíblia e criar um novo livro, por AFP Colombia, AFP Brasil, 30/4/2019. Disponível em: https://checamos.afp.com/nao-o-papa-francisco-nao-propos-cancelar-biblia-e-criar-um-novo-livro

Papa Francisco não cancelou Bíblia e propôs novo livro, por Luiz Fernando Menezes. Aos Fatos, 15/4/2019. Disponível em: https://aosfatos.org/noticias/papa-francisco-nao-cancelou-biblia-e-propos-novo-livro/?fbclid=IwAR37ql3tH2wRr-V8kqi9itHAQCcTJ3ZN2xJNxF6E9hbQF5eulDBg57VhONw

Papa Francisco cancela a Bíblia e propõe a criação de um novo livro #boato, por Edgard Matsuki. Boatos.org, 15/2/2020. Disponível em: https://www.boatos.org/religiao/papa-francisco-cancela-biblia-propoe-criacao-novo-livro-sagrado.html

Bolsonaro critica texto do Papa: o papa é argentino, mas Deus é brasileiro, por Ingrid Soares. Correio Brasiliense, 13/02/2020. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/02/13/interna_politica,827812/bolsonaro-critica-texto-do-papa-o-papa-e-argentino-mas-deus-e-brasil.shtml

Notícias do Vaticano. https://www.vaticannews.va/pt.html.

Papa Francisco entra na luta contra “fake news”. ANSA Brasil, 29/09/2017. Disponível em: http://ansabrasil.com.br/brasil/noticias/vaticano/noticias/2017/09/29/papa-francisco-entra-na-luta-contra-fake-news_5ed5a492-1dd0-419c-9367-3d5508f514c0.html

Fake news e escândalos: a mídia católica de direita ataca Francisco, por Lucas Ferraz. Agência Pública, 08/02/2020. Disponível em: https://apublica.org/2020/01/fake-news-e-escandalos-a-midia-catolica-de-direita-ataca-francisco/

O Papa: não a histórias falsas e destrutivas, contar o bem que une, por Alessandro Gisotti. Notícias do Vaticano, 24/01/2020. https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2020-01/papa-francisco-historias-falsas-destrutivas-contar-bem-une.html

Discurso do Papa Francisco aos Participantes no Congresso Internacional promovido pela Federação Bíblica Católica. Vaticano, 26/04/2019. Disponível em: http://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2019/april/documents/papa-francesco_20190426_federazione-biblica-cattolica.html  

Governo federal reduz impostos no valor dos combustíveis

Os preços dos combustíveis e do gás de cozinha têm sido uma das maiores preocupações da população brasileira desde 2015, com índices de reajustes que vem alcançando patamares inimagináveis. Em 2 de fevereiro passado, o presidente Jair Bolsonaro fez uso do Twitter para anunciar que pretende apresentar ao Congresso Nacional um projeto de lei para alterar a cobrança de ICMS dos combustíveis a fim de estimular a redução dos preços cobrados dos consumidores nas bombas. Na postagem, o presidente culpa os governos estaduais pela cobrança do ICMS que seriam responsáveis pelos preços dos combustíveis se tornarem mais altos.

Desde então, circula em grupos de Whatsapp, inclusive de igrejas e de articulações cristãs, a seguinte postagem de apoio à posição de Jair Bolsonaro:

REAÇÃO DOS GOVERNADORES

No dia seguinte à divulgação do presidente da República no Twitter, em 3 de fevereiro, 22 dos 27 governadores de Estados (incluindo todos os estados do Sul, Sudeste e Nordeste, ficando de fora das assinaturas Distrito Federal, Goiás, Rondônia, Acre e Tocantins), publicaram a seguinte nota formal:

Posicionamento de vinte e dois governadores em relação ao ICMS sobre combustíveis 

Os Governadores dos Estados têm enorme interesse em viabilizar a diminuição do preço dos combustíveis. No entanto, o debate acerca de medidas possíveis para o atingimento deste objetivo deve ser feito nos fóruns institucionais adequados e com os estudos técnicos apropriados.

Diante da forma como o tema foi lançado pelo Presidente da República, exclusivamente por intermédio de redes sociais, cumpre aos Governadores esclarecer que:

1 – O ICMS está previsto na Constituição Federal como a principal receita dos Estados para a manutenção de serviços essenciais à população, a exemplo de segurança, saúde e educação.

2 –  O ICMS sobre combustíveis deriva da autonomia dos Estados na definição de alíquotas e responde por, em média, 20% do total da arrecadação deste imposto nas unidades da Federação. Lembramos que 25% do ICMS é repassado aos municípios.

3 – Segundo o pacto federativo constante da Constituição Federal, não cabe à esfera federal estabelecer tributação sobre consumo. Diante do impacto de cerca de 15% no preço final do combustível ao consumidor, consideramos que o governo federal pode e deve imediatamente abrir mão das receitas de PIS, COFINS e CIDE, advindas de operações com combustíveis.

4 – O governo federal controla os preços nas refinarias e obtém dividendos com sua participação indireta no mercado de petróleo – motivo pelo qual se faz necessário que o governo federal explique e reveja a política de preços praticada pela Petrobras.

5 – Os Estados defendem a realização de uma reforma tributária que beneficie a sociedade e respeite o pacto federativo. No âmbito da reforma tributária, o ICMS pode e deve ser debatido, a exemplo dos demais tributos.
 
6 – Nos últimos anos, a União vem ampliando sua participação frente aos Estados no total da arrecadação nacional de impostos e impondo novas despesas, comprimindo qualquer margem fiscal nos entes federativos.
 
Os Governadores dos Estados clamam por um debate responsável acerca do tema e reiteram a disponibilidade para, nos fóruns apropriados, debater e construir soluções.

SP  sim
RJ  sim
MA  sim
AP sim
PI sim
SE sim
ES sim
BA sim
RS sim
MT sim
PA sim
SC sim
PR sim
AL sim
MS sim
RN sim
PE sim
RR Sim
CE sim
AM sim
MG sim
PB sim

Brasília, 3 de fevereiro de 2020.

Os governadores afirmam que o ICMS sobre combustíveis representa, em média, 20% do total da arrecadação deste imposto nos Estados e que 25% do tributo é repassado aos municípios. Alegam ainda que o impacto é de cerca de 15% no preço final do combustível ao consumidor e que, de acordo com a Constituição Federal, não cabe à esfera federal estabelecer tributação sobre consumo.

Os governadores declaram interesse em realizar a diminuição do preço dos combustíveis, mas que o debate acerca de medidas possíveis para o atingimento deste objetivo deve ser feito nos fóruns institucionais adequados e com os estudos técnicos apropriados.

O jornal O Estado de São Paulo afirma que a atitude de Bolsonaro causou desconforto nos governadores, já que o ICMS é um tributo dos Estados. A reportagem indica que há uma avaliação entre os governadores de que o presidente adota uma postura populista ao “tentar colocar no colo dos Estados uma responsabilidade dos preços altos para enfraquecê-los nas próximas eleições. Eles avaliam que Bolsonaro deveria trabalhar para reduzir a tributação federal sobre combustíveis”.

A REAÇÃO DO PRESIDENTE: DESAFIO AOS GOVERNADORES

Em entrevista na porta do Palácio Alvorada, em 5 de fevereiro, o presidente voltou a culpar os governadores pela alta dos combustíveis e fez um desafio a eles: “Pelo menos a população já começou a ver de quem é a responsabilidade. Não estou brigando com governador, eu quero que o ICMS seja cobrado no combustível lá na refinaria, e não na bomba. (…) “Eu baixei três vezes o combustível nos últimos dias e na bomba não baixou nada (…) É lógico que os governadores são contra [mudar a regra do ICMS], arrecadação, né? (…) Eu zero o [imposto] federal, se zerar ICMS. Está feito o desafio aqui. Eu zero o [imposto] federal hoje e eles [governadores] zeram ICMS. Se topar, eu aceito. Tá ok?”.   

O presidente da República fez uma provocação aos governadores em público, mas não explicou como compensaria a perda de arrecadação em que tal ação implicaria. Segundo a Receita Federal, o maior tributo federal sobre combustíveis é a Cofins, seguido pelo PIS/PASEP e a Cide. Eles incidem em 15% no valor da gasolina e 9% no valor do diesel. Em 2019, representaram um total de R$ 27,4 bilhões pra os cofres públicos. O Ministro da Economia, Paulo Guedes, e o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, não quiseram comentar a reportagem do Estado de São Paulo sobre as possibilidades de zerar os impostos sobre combustíveis.

Matéria do UOL que entrevista Adriano Pires, especialista em mercado de combustíveis, mostra a dimensão inconsequente da fala do Presidente da República.

COMO SE DEFINE O PREÇO DA GASOLINA NO BRASIL

Veja o caminho do preço da gasolina da refinaria até a bomba:

Fonte: Petrobrás
Fonte: Petrobrás

Segundo a Petrobras, o preço final dos combustíveis é composto por três parcelas: realização do produtor ou importador, tributos e margens de comercialização. No Brasil, esta margem de comercialização diz respeito à atribuição de preços de distribuição e dos postos revendedores. O custo de realização da Petrobras é de 31% do valor que chega ao consumidor. Já 45% do custo é composto pelos tributos. Diferente da gasolina, a maior parte do custo do diesel (54%) pertence a realização da Petrobras.

Desde que o presidente Jair Bolsonaro assumiu, o preço dos combustíveis subiu intensamente nas refinarias. Mesmo com a Petrobras acabando com a política de reajustes diários, como vinha acontecendo no governo Michel Temer, o custo só aumentou. A política de preços segue tendo como parâmetro os preços internacionais.

De julho de 2017 até 2019, a gasolina aumentou 56,97% nas refinarias da Petrobras enquanto a inflação do período acumulou 7,14%, segundo dados da subseção do Dieese da Federação Única dos Petroleiros (FUP) . Já a variação do preço do diesel foi de 50,14% no mesmo período. Quando Bolsonaro assumiu o poder, a gasolina nas refinarias custava R$ 1,5087, no entanto, em vários estados chegou a superar os R$ 5,00 no final de 2019.

A Petrobras justifica seu valor em relação à média mundial: “Sobre este aspecto, vale notar que pesquisa abrangendo 163 países – vide Globalpetrolprices.com – revela que o preço do diesel ao consumidor final no Brasil é 18% inferior”.

Em 2020, a Petrobrás tem praticado redução do preço médio da gasolina e do diesel nas refinarias. Foram quatro as reduções desde 1 de janeiro até a quinta-feira, 6 de fevereiro. A justificativa é a queda da cotação do petróleo no mercado internacional, depois do pico de alta nos primeiros dias de janeiro, com as tensões políticas entre EUA e Irã.

De acordo com o levantamento da Agência Nacional de Petróleo, na semana de 3 a 6 de fevereiro, o valor médio do litro da gasolina para o consumidor recuou 0,30%, para R$ 4,580. O preço do litro do diesel teve queda de 0,58% no período, para R$ 3,778, em média. https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/02/05/petrobras-volta-a-reduzir-preco-da-gasolina-e-do-diesel-nas-refinarias.ghtml

O QUE DIZEM OS PETROLEIROS

Os petroleiros estão em greve desde 1 de fevereiro, com adesões em 13 estados. Eles protestam contra demissões no Paraná, mudanças feitas pela área de recursos humanos da companhia em relação ao sistema de turnos e o pagamento de horas extras, entre outros, e também se manifestam contra a privatização de unidades da empresa, principalmente as refinarias.

Estes trabalhadores que vivem a produção dos combustíveis em todas as suas fases têm realizado campanhas informativas para a população entender a questão dos preços, incluindo o gás de cozinha, que atinge mais diretamente as classes populares, e afirmam: “é possível definir preços justos”.

Veja o material distribuído pela Federação Única dos Petroleiros (FUP) sobre o tema:

Os petroleiros criticam a “guerra” do governo federal com os governos estaduais em torno do ICMS, e alegam que os preços podem ser justos, mantendo-se o ICMS que garante verbas nos estados para saúde, segurança e educação. Eles dizem que a solução não está na redução dos impostos, mas no aumento da produção nas refinarias nacionais, na redução das importações de petróleo cru e de derivados e no fim das privatizações.

Os petroleiros afirmam ainda que não haverá preços justos enquanto houver redução do volume da carga processada nas refinarias nacionais, o que, segundo eles, gera prejuízo, sucateia as empresas e promove venda barata e demissão dos trabalhadores.  Eles denunciam que o petróleo nacional esteja sendo enviado para ser refinado fora do Brasil e que combustíveis estejam sendo importados, gerando preços abusivos para os brasileiros.

Matéria da BBC Brasil, de 6 de fevereiro, corrobora a questão dos impactos negativos que uma redução drástica do ICMS teria na vida da população.

Com base nestas informações coletadas, Bereia classifica a postagem que circula em grupos de Whatsapp de igrejas e de articulações cristãs como falsa. Primeiramente, porque o governo federal não reduziu impostos no valor dos combustíveis. Houve uma declaração pública do Presidente em provocação aos governos estaduais, mas não há qualquer ação da sua parte sobre como compensar a perda da arrecadação federal, o que, como verificado, causaria grandes problemas para para a população.

A postagem de Whatsapp usa a tabela de preços justos divulgada pela FUP e defende que os governos estaduais reduzam o ICMS para ajudar o governo federal. Pratica-se aí uma grande contradição pois a FUP produziu esta tabela mostrando que a solução não está na redução de impostos. Portanto, o uso da tabela de preços justos da FUP é indevido.

Por último, a postagem tem todas as características das notícias falsas em mídias sociais:  é alarmista, a redação tem erros de português, faz pedido de compartilhamento e não cita as fontes para suas afirmações.

Referências de Checagem:

Adriana Fernandes. Governadores se unem contra proposta de Bolsonaro sobre nova forma de cobrança do ICMS. O Estado de São Paulo, 3 fev 2020. Disponivel em: https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,governadores-se-unem-contra-proposta-de-bolsonaro-sobre-nova-forma-de-cobranca-do-icms,70003183577

Julia Linder e Eduardo Rodrigues. Eu zero o imposto federal se os governadores zerarem o ICMS, diz Bolsonaro sobre combustíveis. O Estado de São Paulo, 5 fev 2020. Disponível em https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,eu-zero-o-imposto-federal-se-os-governadores-zerarem-o-icms-diz-bolsonaro-sobre-combustiveis,70003185870

Poder 360. Canal do Youtube. Bolsonaro diz que acabará impostos federais sobre combustíveis se governadores zerarem ICMS, 5 fev 2020. Disponível em:  https://www.youtube.com/watch?v=wVHuh-y6GyI

G1. Petrobras volta a reduzir preço da gasolina e do diesel nas refinarias, 5/2/2020. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/02/05/petrobras-volta-a-reduzir-preco-da-gasolina-e-do-diesel-nas-refinarias.ghtml

Petrobrás https://petrobras.com.br/pt/produtos-e-servicos/composicao-de-precos-de-venda-ao-consumidor/gasolina/

Federação Única dos Petroleiros (FUP) https://www.fup.org.br/

FUP. Greve completa 10 dias com adesões em todo o Sistema Petrobrás, 10 fev 2020. Disponível em: https://www.fup.org.br/ultimas-noticias/item/24914-greve-completa-10-dias-com-adesoes-em-todo-o-sistema-petrobras

Leandro Machado. ICMS: proposta de Bolsonaro de zerar imposto teria impacto na segurança, salários e universidades, 6 fev 2020. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-51393788

Carla Araújo e Hanrrikson de Andrade. Bolsonaro não pode abrir mão de imposto de combustível, diz especialista, 5 fev 2020. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/02/05/combustiveis-impostos-bolsonaro.htm?cmpid=copiaecola

DIEESE-FUP https://www.fup.org.br/dieese

Sites religiosos promovem desinformação sobre a queda do desemprego no Brasil

A divulgação da taxa de desemprego de 2019, pelo IBGE (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua/PNAD Contínua) em 31 de janeiro passado, gerou matérias celebrativas em diversos órgãos de imprensa sobre possíveis avanços na economia do Brasil, e alvoroço nas redes entre apoiadores do governo federal.

Três destacados sites de notícias religiosas repercutiram a notícia: o Conexão Política, o Pleno News e o Canção Nova.

Segundo o noticiário, a taxa de desemprego caiu em 2019 na comparação com o ano anterior, passando de 11,6 para 11% da população ativa, a segunda queda anual consecutiva, de acordo a pesquisa divulgada pelo IBGE.

O quadro comparativo que o IBGE apresenta, desde 2012, passou a ser o seguinte:

Taxa de desemprego no Brasil

2012 – 6,9% 2013 – 6,2%
2014 – 6,5%
2015 – 8,9%
2016 – 12,0%
2017 – 11,8%
2018 – 11,6%
2019 – 11,0% 2020 – estimativa FGV 11,3%
Fonte: PNAD – IBGE

No entanto, uma leitura completa dos dados apresentados, mostra que, neste índice, está incluído o trabalho informal e foi, justamente, o crescimento da informalidade que determinou a baixa do número de desempregados.

A informalidade, pelo IBGE, é a soma das pessoas que trabalham sem carteira assinada, dos trabalhadores domésticos sem carteira, de empregadores sem CNPJ, de conta própria sem CNPJ e de trabalhador familiar auxiliar. E ela atingiu, em 2019, um número recorde: 41,1% da população ocupada, o equivalente a 38,4 milhões de pessoas, o maior número desde 2016, quando a informalidade foi de 39,1% (35,056 milhões de pessoas).

Ou seja, o acréscimo do número de pessoas ocupadas tem sido causado, mais da metade, por ocupações informais, num ritmo de crescimento da informalidade que tem se mantido nos últimos anos. Foi o que afirmou Adriana Beriguy, analista da PNAD, em reportagem ao DW.

Na mesma reportagem, a analista declara ver dificuldades na reversão deste quadro: “O que a gente percebeu é que no segundo semestre de 2019 houve um pouco mais de reação na carteira de trabalho, mas ainda muito pequena frente ao quantitativo de carteira que já tivemos em 2014. Para reverter esse contingente grande de informalidade, a gente teria que ter uma mudança estrutural muito acentuada no mercado, e tivemos uma pequena mudança, muito concentrada no final do ano.”

As matérias dos sites Pleno News e Canção Nova não mencionaram esta questão primordial do aumento da informalidade para se compreender a nova taxa de desemprego que, ao ser comparada com outros anos, tem que ser levada em consideração. A matéria produzida pelo Conexão Política menciona os dados, mas não indica os efeitos desta questão na realidade socioeconômica do País.

Efeitos negativos na Previdência Social e na Produtividade

É o próprio IBGE que explica que o aumento da informalidade, além de representar instabilidade e precarização do trabalho, resultado do próprio avanço do desemprego, provoca ainda a queda no percentual da população ocupada que contribui para a Previdência Social. Em 2019, 62,9% dos trabalhadores contribuíam para a aposentadoria, o que representa o menor número desde 2013. O único ano na série histórica do IBGE em que esse dado foi menor, foi em 2012, com 61,9%.

“Em 2014, a população ocupada crescia 1,5%, e a população ocupada contribuinte crescia a uma taxa de 4,2%. Em 2019, a população ocupada cresceu 2%, e a população contribuinte aumentou a uma taxa de 1,1%. Tem todo esse desdobramento da informalidade”, explica Beriguy.

Para o professor do Instituto de Ensino Superior em Negócios, Direito e Engenharia (Insper), Sergio Firpo, em declaração à reportagem do DW, um outro problema gerado pela ocupação informal é a redução da produtividade. “A perpetuação do emprego informal contribui para que a gente permaneça com produtividade muito pequena na economia, e a produtividade é um elemento fundamental para que a gente consiga crescer, e a longo prazo”.

Em sua conta no Twitter, o professor e pesquisador da Universidade de Campinas (Unicamp), Márcio Pochmann, segue o mesmo raciocínio: “A leve queda no desemprego em 2019 refere-se, em grande medida, à substituição dos empregos de qualidade pela fragmentação de atividades precárias de sobrevivência cuja a baixa produtividade termina sendo acompanhada por insuficiente renda gerada para sair da condição de pobreza”.

Pochmann explica ainda: “Com a economia operando abaixo do alcançado em 2014, percebe-se o quanto a gradual ocupação da capacidade ociosa e a lenta e parcial reincorporação da força de trabalho nas atividades encontram-se contaminadas pela substituição da produção local de manufaturas por importados”.

De fato, segundo o IBGE, a indústria, teve o pior desempenho na geração de empregos em 2019. O setor, que já foi responsável por 20% do emprego com carteira em 2004, 2006 e 2010, gerou apenas 2,8% dos postos em 2019, um saldo líquido de 18,3 mil vagas. Isto é reflexo da crise na atividade industrial, que chegou a ensaiar uma recuperação em 2018 mas voltou a ter desempenho negativo em 2019, com recuo de 1,1% em relação ao mesmo período do ano anterior.

O efeito “uberização”

A analista do IBGE, Adriana Beringuy, também afirmou ao DW que o maior incremento das vagas informais ocorre no setor de transportes. “O que a gente tem notado é que tem crescido muito esse perfil dentro da atividade de transporte, muito relacionado ao crescimento de condutores no transporte terrestre de passageiros, que pode ter aí a questão do Uber.”

A reportagem do DW apresenta o levantamento das pesquisadoras Ana Claudia Moreira Cardoso, docente do Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), e Karen Artur, professora de Direito da mesma universidade, com base em dados da PNAD. O estudo mostrou que entre 2017 e 2018 houve aumento de 29,2% no número de brasileiros ocupados como motoristas de aplicativos, taxistas ou cobradores de ônibus – como é definida a subcategoria pelo IBGE. “A gente sabe que o aumento não veio de taxistas e cobradores de ônibus, mas dos motoristas de aplicativo”, frisa Cardoso.

O professor Marcio Pochmann (UNICAMP) também trata deste tema, relacionando-o à queda da produção industrial: “Avanço da uberização nos serviços é a antecipação consequente da generalizada desindustrialização precoce. A destruição do sistema de proteção social e trabalhista de Temer e Bolsonaro aprofunda o grau de exploração da força de trabalho na economia de contida produtividade”.  

Consequências da “Reforma Trabalhista” e do seu projeto de ampliação

Ao falar da destruição do sistema de proteção social e trabalhista de Temer e Bolsonaro, Pochmann refere-se à “Reforma Trabalhista”, promovida no governo Temer, em 2017, e à ampliação dela, que vem sendo desenvolvida pelo atual Ministério da Economia, desde 2019.  A “Reforma Trabalhista” completou dois anos em novembro de 2019 sem cumprir a principal promessa feita para a sua aprovação: gerar dois milhões de empregos até 2019. Antes dela, havia 12,7 milhões de desempregados; em 2019 eram 12,6 milhões. Das 1,8 milhão de vagas geradas em 2019, 446 mil foram sem carteira assinada; e a maior parte, 958 mil, são ocupações de trabalhadores por conta própria, dos quais 586 mil sem CNPJ. No total, 644.079 postos com carteira assinada foram gerados, destes, cerca de 106 mil vagas (16,5%) resultam das novas modalidades da “Reforma Trabalhista”: trabalho intermitente e o trabalho parcial.

Matéria da BBC Brasil, baseada no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério da Economia, explica bem as novas modalidades e as características dela. O contrato parcial, com jornada reduzida, já existia, mas foi flexibilizado com a “Reforma Trabalhista”. O intermitente é aquele em que a empresa registra o funcionário em carteira, mas não estabelece salário ou jornada fixa. Nesse caso, o trabalhador pode ser convocado por alguns dias ou mesmo horas no mês, a depender da demanda por parte do contratante.

A reportagem da BBC Brasil recorda que este foi um dos pontos mais polêmicos da “Reforma Trabalhista” e é frequentemente apontado por estudiosos como uma “formalização do bico”. Os que o defendem afirmam que ele tem servido muitas vezes de porta de entrada para o contrato em tempo integral. A reportagem ainda lembra que, desde que foi instituída, a modalidade é questionada em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal. O argumento é de que ela violaria princípios constitucionais como o da dignidade humana e do valor social do trabalho. O tema está na pauta do Supremo para maio.

A pesquisa divulgada pelo IBGE, em 31 de janeiro de 2020, mostra alto número de trabalhadores que consideram que trabalham horas insuficientes. A população subutilizada na força de trabalho – que inclui os desempregados, aqueles que gostariam de trabalhar mais horas e quem poderia trabalhar, mas desistiu de procurar um emprego – chegou a 27,6 milhões em 2019, o maior valor da série, e 79,3% acima do menor patamar, registrado em 2014. A taxa de subutilização era de 23,7% antes da “Reforma Trabalhista”; hoje está em 24,2%.

O governo Bolsonaro criou, em setembro de 2019, um grupo de trabalho para propor novas mudanças nas leis do trabalho – uma nova “reforma trabalhista” para reduzir direitos. Durante a campanha eleitoral, em 2018, Jair Bolsonaro já afirmava que o brasileiro precisa escolher entre “ter muitos direitos e pouco emprego, ou menos direitos e mais empregos”. Ele ainda declarou que “é horrível ser patrão no Brasil” e que a “Reforma Trabalhista” deveria ser aprofundada para favorecer mais os empregadores para que gerem mais vagas.

Entre os pontos projetados pelo grupo de trabalho está o fim da unicidade sindical, que prevê a existência de um único sindicato por categoria, cidade, estado ou região, redução dos encargos para empresas que contratarem jovens entre 18 e 29 anos, o fim da multa de 10% sobre o saldo do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) que as empresas pagam ao governo em caso de demissão de funcionários. Hoje, as empresas pagam 50% de multa na rescisão: 40% para o trabalhador e 10% para a União.

Em participação no quadro Silas Malafaia Entrevista, publicado no Canal do Youtube do pastor neste 3 de fevereiro, o presidente Jair Bolsonaro repetiu a compreensão de que no Brasil se tem muitos “privilégios” e que “é um país que tem mais direitos”, e “não adianta ter direitos, se não tem emprego”.

O Pastor Malafaia sustenta a compreensão do presidente com a afirmação gravada na entrevista: “Essa visão esquerdopata, de só pensar em privilégio acabou prejudicando os próprios trabalhadores. Rapaz, em que lugar é esse no mundo em que você paga multa. O cara tem fundo de garantia, todos os direitos, e ainda tem que pagar uma multa pra mandar o cara embora”. O Presidente da República completa: “Ninguém vai mandar embora um bom empregado. Eles mandam embora quem não tá correspondendo”.

Ao final, em tom irônico, Jair Bolsonaro disse que vai lançar o programa “minha primeira empresa” para quem reclama que não tem emprego: “Eu tenho falado para o Paulo Guedes: Paulo lance o programa minha primeira empresa. O cara que reclama que não tem emprego, ele vai ter meios de abrir a empresa dele. Daí ele abre a empresa dele. Paga R$ 5 mil por mês para todo mundo, pra ninguém reclamar do salário e vai ser feliz. Vai dar certo, oh, Malafaia?”, indagou, sob risos junto com o pastor (minuto 10:10 a 11:30).

Uma esclarecedora matéria do UOL Economia, nos dois anos da “Reforma Trabalhista” (novembro de 2019), expõe a avaliação e as projeções para o futuro do trabalho e do emprego com o quadro de fragilização do sistema de proteção social e trabalhista desenvolvido desde 2017.

Outros efeitos da fragilização social relacionada ao trabalho

A fila e a redução do Bolsa Família

Em 2019, um problema vivido no passado pelo Programa Bolsa Família voltou a existir: o aumento da fila de pessoas aguardando o benefício. Desde junho de 2019, a fila de pessoas aguardando saltou de zero, patamar que se encontrava desde 2018, para 494.229 famílias. A espera é a maior desde 2015, quando mais de 1,2 milhão de famílias aguardavam o auxílio. São famílias que empobreceram a um perfil de renda que as tornam aptas para o programa, já estão cadastradas mas continuam na miséria e sem a ajuda de R$ 89,00 por pessoa.

O levantamento foi feito por reportagem do jornal O Globo, por meio da Lei de Acesso à Informação, após quatro meses de solicitações ao Ministério da Cidadania, que só liberou a informação depois de determinação da Controladoria-Geral da União (CGU).

A reportagem informa que, entre janeiro de 2018 e maio de 2019, a média mensal de novos benefícios concedidos era de 261.429. Desde junho de 2019, esse número caiu drasticamente, e hoje esse número está em 5.667 novos benefícios concedidos.  Essa redução fez com que a entrada de famílias no Bolsa Família, que deveria ocorrer em até 45 dias após a inclusão e análise dos dados inseridos, passasse a até mais de seis meses, segundo técnicos que trabalham nesse setor.

Em nota para a reportagem de O Globo, o Ministério da Cidadania afirma que a redução de benefícios se deu por questões orçamentárias e combate a fraudes, e cita ainda uma reformulação do programa, em curso.

A volta da fila no principal programa de erradicação da pobreza do país é resultado da redução de beneficiários pelo governo Jair Bolsonaro. Até maio de 2019, primeiro ano do governo, o Bolsa Família havia atingido o maior número de assistidos desde 2004, quando foi criado: eram 14,2 milhões de famílias que recebiam um rendimento médio de R$ 190. Desde então, apesar de o governo ter anunciado a concessão do 13º salário para essas famílias, o programa vem diminuindo a cada mês, tendo atingido, em dezembro de 2019, o menor patamar de famílias beneficiárias desde 2011: 13,1 milhões.

A volta da fila acontece em um momento crítico no combate à pobreza no país. Em 2018, o número de miseráveis (considerados aqueles que vivem com menos de R$ 145 por mês) bateu recorde: 13,5 milhões, segundo o IBGE. A partir de 2015, mais de 4,5 milhões de brasileiros foram empurrados para essa situação, um aumento de 50% em quatro anos. Nesse período, “seis milhões de pessoas passaram a viver com renda de trabalho zero. E o Brasil encurtou a rede de proteção quando ela era mais necessária”, afirmou à reportagem de O Globo, Marcelo Neri, diretor do FGV Social.

Entre 2015 e 2018, mais de 2,2 milhões de pessoas retornaram ao programa. Para quem já recebe o Bolsa Família, há o problema da queda no poder de compra, corroído pela inflação. Desde 2018, o benefício está congelado em R$ 89, pois, diferentemente de outros programas do governo, não há reajuste automático pois não está indexado à inflação.

Em 2020, a limitação orçamentária de R$ 30 bilhões — o mesmo valor de 2019 — não permite grandes alterações no cenário a curto prazo, por causa do teto de gastos. A pesquisadora Renata Mirandola Bichir, do Centro de Estudos da Metrópole, declarou à reportagem de O Globo: “Não faz sentido cortar (o Bolsa Família), é um programa que custa 0,5% do PIB. Os efeitos podem ser a piora dos indicadores de pobreza e um impacto nos indicadores de segurança alimentar. Precisamos de articulação com outras iniciativas, mas não vemos isso na agenda“.

O crescimento da população de rua

Quem anda pelas ruas das grandes cidades do Brasil não pode deixar de ter a atenção voltada para a explosão do número de moradores de rua. Dados do Censo da População em Situação de Rua, realizado pela Prefeitura de São Paulo, lançado no mesmo dia da divulgação dos dados sobre São Paulo chegou a 24.344 pessoas em 2019 — um aumento de 60% em quatro anos. Em 2015, os moradores nesta situação eram 15,9 mil.

O levantamento da Prefeitura de São Paulo mostra a relação entre o aumento no número de moradores de rua e a alta na taxa de desemprego —que era de 13,2% na cidade em 2015 e em 2019 chega a 16,6%.  A pesquisa indica os motivos relatados por essas pessoas para terem sido levadas à situação de rua: perda de trabalho, conflitos familiares, falecimento de parentes, drogas, problemas de saúde (como depressão). Alguns são egressos do sistema prisional.

Desinformação

Bereia avalia que matérias sobre a queda na taxa de desemprego em 2019 que omitem a questão do crescimento do trabalho informal e promovem a mera comparação com números de anos anteriores que não incluíam esta realidade, e, ainda, desconsideram os efeitos da fragilização social relacionados ao trabalho, apresentam, em síntese, desinformação, com conteúdo enganoso.

Referências de Checagem:

Agência IBGE Notícias. PNAD Contínua: taxa de desocupação é de 11,0% e taxa de subutilização é de 23,0% no trimestre encerrado em dezembro. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/26740-pnad-continua-taxa-de-desocupacao-e-de-11-0-e-taxa-de-subutilizacao-e-de-23-0-no-trimestre-encerrado-em-dezembro

Informalidade cresce, contribuição para Previdência tem pior nível em 6 anos. DW, 31/01/2020. Disponível em: https://amp.dw.com/pt-br/informalidade-cresce-contribui%C3%A7%C3%A3o-para-previd%C3%AAncia-tem-pior-n%C3%ADvel-em-6-anos/a-52219961?__twitter_impression=true

Pedro Capetti e Elisa Martins. Bolsa Família volta a ter fila, com 500 mil inscritos em apenas um ano. O Globo, 27 janeiro 2020. Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/bolsa-familia-volta-ter-fila-com-500-mil-inscritos-em-apenas-um-ano-24212714?versao=amp&__twitter_impression=true

Twitter. Perfil de Márcio Pochmann. Disponível em: https://twitter.com/MarcioPochmann

Mônica Bergamo. População de rua de São Paulo cresce 60% em quatro anos. Folha de S. Paulo, 30 janeiro 2020. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2020/01/populacao-de-rua-de-sao-paulo-cresce-60-em-quatro-anos.shtml

Leda Antunes. Mais mudanças no emprego. UOL Economia. https://economia.uol.com.br/reportagens-especiais/reforma-trabalhista-completa-dois-anos-/

Mota, Camila Veras. Caged: o que os números do emprego dizem sobre o primeiro ano da economia sob Bolsonaro. BBC Brasil, 24 janeiro 2020. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-51214335

ALESSI, Gil. Bolsonaro: “Brasil tem direitos em excesso. A ideia é aprofundar a reforma trabalhista”. El País, 4 jan 2019. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/10/22/politica/1540230714_377475.html

Ministra afirma em entrevista que há risco de legalização da pedofilia no Brasil

Em entrevista ao Correio Braziliense/Estado de Minas, a Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, defendeu que a nova campanha do governo pela abstinência sexual na adolescência é uma tentativa de combater a ”legalização da pedofilia”.

A entrevista abordou outros temas referentes à sexualidade, aos direitos de imigrantes e de idosos, bem como o futuro político da ministra. No entanto, o tema da pedofilia foi o mais enfatizado por Damares Alves nas respostas, como indicam os trechos a seguir:

CB – A senhora pretende mudar o comportamento sexual dos brasileiros?

Damares Alves – … O Unicef apresenta o relatório da idade média de iniciação do sexo no Brasil: menina está com 13,9 anos, e menino, 12,4 anos. Imaginem comigo: o Código Penal Brasileiro fala que é estupro transar com uma criança com menos de 14 anos. A idade média do sexo caiu para 12. Aí, nós temos uma proposta no Senado, o PLS 236/2012, para diminuir, no Código Penal, a idade do consentimento para 12. E, isso, quando a idade (média de iniciação do sexo) ainda era 13. Já caiu para 12. Está lá no relatório do projeto de lei. O relator rejeitou, manteve 14. Mas nem foi apreciado o voto do relator nem foi apreciado o projeto inicial. Eu saí do Senado em dezembro de 2018. Nos corredores, já se falava, entre assessores, da possibilidade de apresentar uma emenda para diminuir para 10 (a idade do consentimento). O que se faz com isso? Legaliza-se a pedofilia. Então, eu preciso reagir.

CB – Por que a senhora discorda da crítica? 

Damares Alves – Chega a ser hipócrita dizer que isso é assunto de família. Com a família desfuncional que nós temos aí, gente! Com a família que não fala. Nós vamos ter que conversar com os adolescentes. Não é uma imposição. Talvez, a resistência a essa minha proposta seja por eu ser pastora. Talvez, se estivesse sentada aqui no meu lugar uma médica ginecologista falando “nós vamos conversar com os meninos para retardar a idade da iniciação sexual”, todo mundo estivesse aplaudindo. Mas, o problema é que acham que eu quero impor uma conduta moral religiosa. Longe disso. Estou falando de biologia. Estou falando de saúde pública. Estou falando do risco que está por trás de tudo isso: a legalização da pedofilia no Brasil.

CB – Qual a saída para esse cenário?

Damares Alves – O que eu quero dizer é o seguinte: ou me apresentem outra alternativa e eu esqueço de falar em retardar a relação sexual, ou me deixem tentar. Outros países estão tendo esse diálogo com os meninos. Já existem nações onde isso é política pública. “No Brasil, a senhora vai instituir política pública?”. Não precisa ser política pública. É convidar os professores para acrescentarem uma frase ao que eles já estão fazendo. É só isso. Não sei para que tanto barulho. Na verdade, acho que sei. Se as meninas começarem a ter as relações sexuais mais tarde, nós teremos menos aborto no Brasil também. Aí a indústria do aborto, que tanto quer aprovar o aborto no Brasil, vai ter menos número para apresentar. Nós temos outros agentes por trás de tudo isso, inclusive o movimento pró-pedofilia. Esse movimento é forte. Na Holanda, tentaram montar um partido de pedófilos. Esse movimento é mundial.

CB – Como a indústria do aborto e grupos ligados à pedofilia agem no Brasil?

Damares Alves – Somos o maior produtor de imagens com pornografia infantil. São 17 mil sites produzidos no Brasil, alimentando o mundo com pedofilia. Tem muito dinheiro envolvido. Não pensem que pedofilia é um abusador da esquina que está bêbado, um vovô-gagá que está ali pegando a menina. É um mercado. Tem crime organizado, poderoso.

CB – O ministério está em cooperação com a PF para esse tipo de crime?

Damares Alves – Vinte e quatro horas. E neguinho que se cuide. A gente vai pegar todo mundo. Não sei se vocês acompanham o meu Instagram, por favor, me acompanhem. Eu sou a ministra pop… Postei uma mensagem sobre uma menina de 14 dias estuprada no hospital de Breves (PA).  Antes, tinha postado uma matéria a respeito de uma menina de 9 dias. Nunca se falou tanto de estupro de bebês no Brasil como hoje. Alguém teve que romper o silêncio. Eu rompi. Lido com isso todo dia, há 30 anos. Liberar o sexo no Brasil para meninas de 12 anos… Beleza, a gente vai ter imagens legais. Ninguém vai dizer que é pedofilia.

Bereia checou as afirmações da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do governo Bolsonaro sobre “legalização da pedofilia”, e identificou conteúdo desinformativo.

  1. PLS 236/2012

Damares Alves – … nós temos uma proposta no Senado, o PLS 236/2012, para diminuir, no Código Penal, a idade do consentimento para 12. E, isso, quando a idade (média de iniciação do sexo) ainda era 13. Já caiu para 12. Está lá no relatório do projeto de lei. O relator rejeitou, manteve 14. Mas nem foi apreciado o voto do relator nem foi apreciado o projeto inicial. Eu saí do Senado em dezembro de 2018. Nos corredores, já se falava, entre assessores, da possibilidade de apresentar uma emenda para diminuir para 10 (a idade do consentimento). O que se faz com isso? Legaliza-se a pedofilia. Então, eu preciso reagir. (…) Estou falando de biologia. Estou falando de saúde pública. Estou falando do risco que está por trás de tudo isso: a legalização da pedofilia no Brasil.

O Projeto de Lei do Senado (PLS) 2362/2012 não é uma proposta para diminuir a idade do consentimento sexual. O PLS é a proposta de reforma do Código Penal Brasileiro, de autoria do então senador José Sarney (MDB-AP), que tramita no Senado há sete anos. O projeto foi desenvolvido por uma comissão especial formada por 15 juristas e altera alguns dos artigos do código atual e inclui outros, totalizando quase 500 artigos. Alguns artigos do novo código tratam de crime sexual contra vulneráveis, mas não existe qualquer indicação de legalização da pedofilia.

Em 2018 já circulava pela internet material falso, durante a campanha eleitoral, atribuindo ao PT e ao seu candidato Fernando Haddad a autoria do PLS 2362 para legalização da pedofilia. Na ocasião, o site de checagem de notícias Aos Fatos já havia classificado este conteúdo, agora repetido pela ministra Damares Alves, como “Falso”:

Aos Fatos explicou:

… alguns artigos do novo código dizem respeito ao crime sexual contra vulneráveis, mas em nenhuma parte do texto há menção à legalização da pedofilia. No artigo 186 do novo Código Penal está escrito que:

Art.186. Manter relação sexual vaginal, anal ou oral com pessoa que tenha até doze anos: Pena — prisão, de oito a doze anos.

§ Incide nas mesmas penas quem pratica a conduta abusando de pessoa portadora de enfermidade ou deficiência mental, ou de quem, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência ou não possui o necessário discernimento.

Em relação ao Código Penal vigente (o artigo que trata do mesmo crime é no atual texto legal é o 217-A), há algumas mudanças: o novo código prevê aumento da pena em casos de gravidez ou doença sexualmente transmissível, tipifica como crime a manipulação ou introdução de objetos em vulnerável e altera a idade máxima para que um menor seja considerado vulnerável. Essa última provavelmente foi a que gerou a informação falsa: enquanto no texto atual essa idade é de 14 anos, no Novo Código Penal, ele passa a ser 12 anos.

A comissão responsável pela redação do código levou em conta o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), segundo o qual criança é a pessoa de até 12 anos de idade incompletos e os adolescentes a pessoa de 12 a 18 anos de idade. A medida não foi consenso entre os juristas: o relator do projeto em 2012 e, na época, procurador da República, Luiz Carlos Gonçalves, disse que “estamos concordando em parte com essa crítica e reduzindo a idade de consentimento para 12 anos. O problema atual é a idade. Eu particularmente concordo com os 14 anos, mas a comissão entendeu que o limite deve ser de 12. A intenção foi compatibilizar com o Estatuto da Criança e do Adolescente”.

Isso não significa, no entanto, que o projeto legaliza a pedofilia. O novo texto diminui a idade máxima de 14 para 12 anos para que haja a presunção da violência no ato sexual: em casos nos quais as vítimas são mais novas que a idade máxima, a relação é tipificada como crime, não permitindo prova em contrário. Ou seja, mesmo que a criança alegue consentimento, o ato é considerado estupro de vulnerável.

Vale lembrar que o ECA também criminaliza a produção, registro, venda, armazenagem ou até simulação de cena de sexo explícito envolvendo crianças e adolescentes. A pena varia de um a oito anos de reclusão, dependendo do caso, e o pagamento de multa. Além disso, também é importante lembrar que pedofilia não é o nome dado ao ato mas sim à parafilia (distúrbio sexual) na qual um adulto sente atração sexual por crianças.

A única emenda ao PLS que sugere uma mudança na legislação dos crimes sexuais contra vulneráveis é da senadora Ana Rita (PT-ES), que pediu a inclusão de um aumento da pena caso o agente seja algum parente ou tenha alguma autoridade sobre a criança por qualquer motivo.

O IPCO (Instituto Plínio Corrêa de Oliveira) entregou, no dia 17 de maio de 2013, um abaixo-assinado para que o Senado rejeitasse todo ou em parte o PLS. Um dos pontos criticado pelos membros do instituto foi essa nova legislação: “no caso de crimes sexuais contra vulneráveis, reduziu-se a menoridade do ofendido para até 12 anos. Todas as perversões sexuais contidas nos tipos penais referentes a ações praticadas por um indivíduo adulto contra adolescente de mais de 12 anos de idade, com o seu consentimento, não mais serão punidas. Essa aberração fica liberada”.

Houve também três pareceres que defenderam que a idade máxima de 14 anos deveria ser mantida, mas que não chegaram a serem votados: o do ex-senador Pedro Taques (PDT-MT), o da ex-senadora Ana Rita (PT-ES) e do ex-senador Vital do Rêgo (MDB-PB).

Além de não haver qualquer indicativo de processos de legalização da pedofilia no Brasil, que é considerada no país, seguindo posições assumidas internacionalmente, sob dois vieses:

1) transtorno da sexualidade (perversão, desvio), reconhecido pela Organização Mundial de Saúde como doença, que consiste na preferência sexual por crianças ou por adolescentes. Segundo a Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial da Saúde, item F65.4, pedofilia é preferência sexual por crianças, quer se trate de meninos, meninas ou de crianças de um ou do outro sexo, geralmente pré-púberes ou no início da puberdade. Este tipo de comportamento não é considerado uma orientação sexual como a heterossexualidade, homossexualidade e a bissexualidade;

2) crime, quando se torna prática de abuso ou exploração sexual contra crianças e adolescentes. Há capítulo específico acerca dos crimes sexuais contra vulneráveis no Código Penal: art. 217-A – estupro de vulnerável; art. 218 do CP – mediação de menor de 14 anos para satisfazer a lascívia de outrem; art. 218-A do CP – satisfação da lascívia mediante a presença de menor de 14 anos; 218-B do CP – favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de criança, adolescente ou vulnerável. O Estatuto da Criança e do Adolescente também trata de crimes envolvendo a pedofilia: art. 240 – utilização de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica; art. 241 – comércio de material pedófilo; art. 241-A – difusão de pedofilia; art. 241-B – posse de material pedófilo; art. 241-C  – simulacro de pedofilia; art. 241-D  – aliciamento de crianças.

Está em tramitação no Senado o PLS 496/2018, de autoria da Comissão Parlamentar de Inquérito dos Maus-tratos, de 2017, que altera a Lei nº 8.072/1990, para incluir a pedofilia no rol dos crimes hediondos.

Especialistas alertam para a necessidade de superação do equívoco conceitual – confundir pedofilia (doença) com abuso ou exploração sexual (tipificados como crime). Tratar todos os indivíduos que abusam ou exploram sexualmente de uma criança como se fossem pedófilos é, do ponto de vista clínico e legal, reconhecer que todos são portadores desse transtorno e que, nessa condição, podem ter uma punição atenuada. Esta tem sido uma prática recorrentemente utilizada pela mídia e até mesmo por profissionais que atuam na área da infância. O mais grave, ainda, é apontar muitas vezes de forma “espetacular” o problema, sem indicar soluções ou caminhos que possam fazer cessar essas graves modalidades de violência sexual cometida contra crianças e adolescentes. Denunciar o caso utilizando o Disque 100 para notificação ao Conselho Tutelar ou ainda informar às demais instâncias previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente são ações essenciais tanto para proteção da vítima quanto para responsabilização dos autores da violência.

Esta afirmação da ministra Damares Alves sobre o PLS 2362/2012 como legalização da pedofilia, é, portanto, falsa.

2. Movimentos e partido pró-pedofilia: pânico moral

Damares Alves – … Nós temos outros agentes por trás de tudo isso, inclusive o movimento pró-pedofilia. Esse movimento é forte. Na Holanda, tentaram montar um partido de pedófilos. Esse movimento é mundial.

A existência de movimentos pró-pedofilia é um fato. Eles emergiram com força na Holanda, nos anos 1950, e ampliaram apoios pela Europa Ocidental nos anos 1970, no entanto, a partir dos anos 80, cresceu uma forte oposição moral e política tanto na Europa como nos Estados Unidos que vai orientar as décadas seguintes. As mídias tiveram papel fundamental na divulgação de pesquisas científicas, legislação e políticas públicas no enfrentamento da pedofilia, enfraquecendo a ideia de movimento e fortalecendo a noção de transtorno e possível consequente abuso.

Os movimentos pró-pedofilia entraram em declínio e se tornam isolados nos anos 2000, especialmente por conta do avanço da internet e dos crimes cibernéticos de abuso sexual de crianças e adolescentes tornados públicos. Vários dos movimentos pró-pedofilia e até tentativas de criação de partidos políticos foram reprimidas nestas últimas décadas, tanto por ações populares de pressão sobre governos e suas políticas políticas quanto por ações judiciais. Por causa deste contexto sociopolítico e legislativo do tempo presente, são muito poucos os que ousam expressar público apoio a pedófilos ou a movimentos pedófilos. Algumas se restringem à internet.

Em 2006, três defensores da pedofilia fundaram, na Holanda, o Partido da Caridade, da Liberdade e da Diversidade (PNVD, sigla na língua original). O PNVD ganhou repercussão mundial por conta de sua plataforma polêmica (redução progressiva da idade de consentimento, legalização da pornografia infantil, de sexo com animais e transporte de trem gratuito para todos) mas não conseguiu participar nas eleições daquele ano, pois não coletou o número mínimo de assinaturas exigido pela legislação eleitoral holandesa para poder apresentar candidatos. O partido foi extinto em 2010. Além disso, a Associação Martijn, pró-pedofilia, que existiu por 30 anos, pertencente a um dos fundadores do PNVD, foi proibida e dissolvida pelo Supremo Tribunal da Holanda, em 2014. Na Holanda tem crescido o número de denúncias de abuso sexual de crianças e de ações de prevenção nas escolas.

Com base nestes dados, é possível afirmar que, ao dizer que o movimento pró-pedofilia é mundial e forte, e mencionar a criação do partido da Holanda, sem dizer que isto ocorreu em 2006 (treze anos atrás) e o partido e o movimento que o gerou estão extintos (o primeiro em 2010 e o segundo em 2014, respectivamente, nove anos atrás e cinco anos atrás), Damares Alves desinforma com conteúdo enganoso (omite a extinção de movimentos e partido por ações do Estado Holandês).

Estudos apontam que os usos de conteúdo enganoso em assuntos de cunho moral têm sido promovidos em diferentes sociedades para estabelecer pânico moral como estratégia de controle social.

“Erich Goode e Nachman Ben-Yehuda definem pânico moral como o consenso, partilhado por um número substancial de membros de uma sociedade, de que determinada categoria de indivíduos ameaça a sociedade e a ordem moral. Portanto, esse número considerável de pessoas que se sentem ameaçadas tende a concordar que ‘algo deveria ser feito’ a respeito desses indivíduos e seu comportamento. O algo a ser feito aponta para o fortalecimento do aparato de controle social, ou seja, novas leis ou até mesmo maior e mais intensa hostilidade e condenação pública a determinado estilo de vida” (…) “Muitos acham que uma sociedade ameaçada moralmente necessita de um renascimento dos valores tradicionais, o que os leva a defender uma forma idealizada do que teria sido a ordem social do passado. Para além da retórica do renascimento dos valores morais do passado, o que se constata é a tendência contemporânea a pensar a sociedade como se estivesse sob ameaça constante”. (…) “Os pânicos morais são fenômenos privilegiados nessa nova ordem do poder, pois levam sempre à discussão sobre o controle social e legal apropriado de uma forma de comportamento. Os empreendedores morais, ao invés de propor a criminalização e o aprisionamento tendem a sugerir medidas educacionais, de prevenção e regulamentação legal” (extraído do artigo de Richard Miskolci, Pânicos morais e controle social – reflexões sobre o casamento gay).

A ideia de pânico moral se relaciona à fala da ministra na entrevista: “O que se faz com isso? Legaliza-se a pedofilia. Então, eu preciso reagir”. Isto também torna possível a proliferação de material enganoso publicado em sites especializados em material desinformativo como o “Terça Livre”, dirigido por Allan dos Santos, que publicou matéria sob o título “Pedofilia, ideologia de gênero e feminismo? Especialista explica como se relacionam”.

Na matéria do Terça Livre, que é de 2018, há várias expressões que são repetidas por Damares Alves na entrevista ao Correio Braziliense/Estado de Minas, deste 26 de janeiro de 2020: movimentos pró-pedofilia e criação de partido pedófilo na Holanda, sem datar os casos ou mencionar que foram extintos por força judicial, levando leitores a crerem que estão em vigor influenciando o Brasil.

Material enganoso referente a movimentos e partidos pro-pedofilia aparecem exclusivamente em outros sites de conteúdo conservador e de extrema direita como Gazeta do Povo, Estudos Nacionais em 2015 e em 2019, Instituto Santo Anastásio, Guia-me, Brasil sem Medo, Olavo de Carvalho, Medium, Renova Mídia, Conexão Política.

Na pesquisa, promovida pelo Coletivo Bereia, não foram encontrados conteúdos desta natureza em outras fontes.

3. O perfil do abusador e o mercado da pedofilia

Damares alves – Não pensem que pedofilia é um abusador da esquina que está bêbado, um vovô-gagá que está ali pegando a menina. É um mercado. Tem crime organizado, poderoso.

A afirmação da ministra na entrevista quanto ao perfil de pedófilos abusadores é imprecisa. É fato que não se trata de bêbados ou de “vovôs-gagás, conforme pesquisas de diferentes fontes e regiões do país, no entanto, a ministra da Família omitiu o dado importante de que número significativo dos abusadores de crianças encontra-se no círculo familiar. Uma das pesquisas, realizada com crianças abusadas atendidas em unidade pública de saúde, indica que 85,6% agressores são conhecidos da criança ou da família; 28,7% são parentes, sendo os pais os principais, com uma taxa de 12,5%, os primos, 5,55%; e, dos 71,3% não parentes, 14,83% eram padrastos, 14,83% vizinhos; 73,9% ocorreram na casa da criança ou do agressor; em 66% houve intimidação com o uso de força e de ameaças, 2,8% com arma; em 36,6% houve penetração e em 46,3% manipulação; houve relação sexual só anal em 13,9%, só vaginal 44,9%, só oral em 3,74%.        

A afirmação da existência de um mercado da pedofilia é verdadeira, com a alta incidência de produção de material pornográfico envolvendo crianças, e a própria veiculação de conteúdo abusivo pelas mídias, com a erotização infanto-juvenil. A ministra afirma isto em outro trecho na entrevista ao Correio Braziliense/Estado de Minas:

CB – Ao mesmo tempo, fala-se que o Brasil é um país conservador. Não há contradição na ideia de que um país conservador tenha uma sexualização tão precoce?

Damares alves – A gente trabalhou muito o combate à exploração sexual, mas não combateu a erotização. Estamos diante de uma indústria forte de pornografia no Brasil. Na minha idade, qual era o acesso que a gente tinha à pornografia? Era um aluno conseguir uma revista na escola, e a gente ia para o banheiro escondido para olhar. Se pegassem, estava todo mundo suspenso. Hoje, criança de 4 anos tem acesso à pornografia. Mesmo a criança que não sabe ler, ela tem o Google, que ela fala e está lá a mensagem para ela de volta. Então, o que acontece, nossas crianças estão tendo mais acesso à erotização.

CB – Há uma erotização massificada?

Damares Alves – Minha geração fechou os olhos para a erotização infantil. Vamos lembrar do concurso “na boquinha da garrafa”? Vamos lembrar o concurso Carla Perez? A mini-Carla Perez, eram menininhas rebolando e menininhos acoxando elas por trás, e o Brasil inteiro aplaudindo aquilo. Vamos lembrar da Piscina do Gugu? Em pleno domingo à tarde, as crianças vendo bundas expostas daquele jeito. A gente não percebeu que estava fechando os olhos e até incentivando a erotização. Essa geração que hoje está abusando foi uma geração fruto de muita erotização.

  • Estupro de bebês

Damares Alves – Postei uma mensagem sobre uma menina de 14 dias estuprada no hospital de Breves (PA).  Antes, tinha postado uma matéria a respeito de uma menina de 9 dias. Nunca se falou tanto de estupro de bebês no Brasil como hoje. Alguém teve que romper o silêncio. Eu rompi. Lido com isso todo dia, há 30 anos.

Neste trecho da entrevista ao Correio Braziliense/Estado de Minas, a ministra Damares Alves menciona duas postagens que fez no Twitter sobre o estupro de dois bebês. A postagem sobre uma menina de 14 dias estuprada em Breves (PA) não consta na conta do Twitter da ministra, apesar de o caso ter sido noticiado, no Pará, não em Breves, mas em Santana do Araguaia.

A postagem sobre a menina de nove dias ocorreu no dia 22 de janeiro passado. Outro caso no Pará (Marajó), noticiada pelo site Roma News.

Bereia localizou ainda uma postagem da ministra no Twitter, no dia 4 de junho de 2019, sobre o tema de estupros de bebês. É um vídeo que reproduz entrevista da ministra à atriz e youtuber Antonia Fontenelle, canal “Na Lata”, programa de entrevistas com celebridades, publicado em 3 de junho de 2019.

No vídeo de 48 minutos, Damares Alves afirma que “a pedofilia no Brasil já atingiu a seara do “crime organizado”, que “além de colocarem preço em fotos de crianças, variando entre R$ 2 mil e R$ 50 mil, os criminosos vendem também estupro de bebês”. Ela conclui o vídeo dizendo: “É bom entender que os corruptos não querem essa ministra, por que ela vai abrir a caixinha e contar o que está no segredo”. 

Damares Alves falou sobre o tema dos estupros de bebês em evento do BNDES sobre saneamento básico em 6 de dezembro de 2019. “A ministra do MMFDH destacou a parceria do Governo com o BNDES no projeto Abrace o Marajó. ‘Começamos a trabalhar no Marajó primeiro pelo enfrentamento à violência sexual contra crianças naquela região. A violência sexual no Brasil é de verdade, ouviram senhores? Milhões de crianças nesta nação são vítimas da violência sexual. E não só crianças, mas bebês também. Estamos diante de uma tragédia no Brasil que se chama ‘estupro de bebês’’, lamentou”. (Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Notícias)

“Nunca se falou tanto”, têm sido, de fato, falas exclusivas da ministra, relacionadas a casos noticiados em site de notícias do Pará que ela reproduz no Twitter, a citações em entrevista a atriz youtuber e em evento do BNDES sobre os quais não são oferecidas fontes.

A pesquisa de Bereia para esta matéria não identificou fontes oficiais, do próprio Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos ou de institutos credenciados, que apresentem dados precisos sobre casos de estupro de bebês no Brasil, relacionando-os aos crimes de pedofilia ou a legalização de pedofilia no país. Não há também dados sobre o comércio de vídeos de estupros de bebês.

A pesquisa identificou apenas uma notícia sobre vídeo que mostra bebê sendo estuprado, veiculado em mídias sociais em agosto de 2019. A matéria do site Fato Amazônico  traz um alerta da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas de que o crime registrado em vídeo não foi cometido no país e indica que o compartilhamento de pornografia infantil é crime. Segundo a notícia, a Delegacia Especializada em Proteção à Criança e ao Adolescente, da Polícia Civil do Amazonas, afirma que o estupro do recém-nascido foi registrado em La Paz/Bolívia e que não foi a primeira vez que o vídeo foi compartilhado como tendo ocorrido no Brasil.

Na forma como o tratamento da questão é impreciso, na entrevista, é possível relacioná-lo a mais uma expressão de pânico moral, até que sejam expostos pelo ministério elementos mais precisos quanto a esta situação que não configurem casos isolados.

Bereia avalia que as diversas abordagens da ministra Damares Alves, na entrevista ao Correio Braziliense/Estado de Minas, relacionadas às políticas públicas em torno da sexualidade adolescente, que enfatizam o risco de legalização da pedofilia no país, apresentam, em síntese, desinformação, com conteúdo falso.

Referências de Checagem:

Projeto de Lei do Senado (PLS) 2362/2012 https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/106404 

Aos Fatos, por Luiz Fernando Menezes. Não há projeto de lei para legalização pedofilia; imagem distorce projeto de Novo Código Penal, 15 de outubro de 2018. https://aosfatos.org/noticias/nao-ha-projeto-de-lei-para-legalizar-pedofilia-imagem-distorce-projeto-de-novo-codigo-penal/

Equipe Andi. Pedofilia é Crime? https://blog.andi.org.br/pedofilia-e-crime

Anne-Claude Ambroise-Rendu. Un siècle de pédophilie dans la presse (1880-2000): accusation, plaidoirie, condamnation. Le Temps des médias n°1, automne 2003, p.31-41. http://www.histoiredesmedias.com/Un-siecle-de-pedophilie-dans-la.html

Geraldine Coughlan. Grupo que defende pedofilia cria partido na Holanda. BBC Brasil.com, 1 jun 2006. https://www.bbc.com/portuguese/reporterbbc/story/2006/06/060601_leiholandamp.shtml

Lusa. Supremo Tribunal da Holanda proíbe grupo defensor de pedofilia. TSF Rádio Notícias, 18 de abril de 2014. https://www.tsf.pt/internacional/europa/supremo-tribunal-da-holanda-proibe-grupo-defensor-de-pedofilia-3819604.html

EFE. Na Holanda, até jogo de tabuleiro vira arma contra pedofilia. Exame, 28 de dezembro de 2016. https://exame.abril.com.br/mundo/na-holanda-ate-jogo-de-tabuleiro-vira-arma-contra-pedofilia/

Richard Miskolci. Pânicos morais e controle social – reflexões sobre o casamento gay. Cadernos Pagu, n. 28, Janeiro/Junho de 2007. Dossiê Sexualidades Disparatadas. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-83332007000100006  

Ana Esther Carvalho Gomes Fukumoto, Juliana Maria Corvino, Jaime Olbrich Neto. Perfil dos agressores e das crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. Ciência em Extensão, v. 7, n. 2, 2011. https://ojs.unesp.br/index.php/revista_proex/article/view/475

Jane Felipe. Afinal, quem é mesmo pedófilo? Cadernos Pagu, n. 26, Janeiro/Junho de 2006. Dossiê Repensando a Infância. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-83332006000100009  

É verdade que Conselho Nacional de Igrejas das Filipinas é acusado de terrorismo

Notícia publicada pelo site de notícias Gospel+, em 7 de dezembro, afirma que uma decisão tomada pelo governo das Filipinas incluiu o Conselho Nacional de Igrejas das Filipinas (NCCP, sigla em inglês) na lista de “organizações de frente de grupos terroristas comunistas locais”.

Gospel+ se baseia em notícia publicada pelo site de notícias Evangelical Focus, que afirma que o NCCP foi informado da decisão pelo major-general Reuben Basiao, vice-chefe de gabinete de inteligência das Forças Armadas das Filipinas, em 5 de novembro. A matéria informa também que, em nota, o NCCP pediu ao governo filipino uma revisão da decisão, a qual a entidade disse ser incompatível com o trabalho do grupo. Segundo o Evangelical Focus, uma vez que o NCCP foi classificado como grupo terrorista, seus membros podem ser autuados, acusados de crime contra o Estado e outras violações, tendo suas liberdades ameaçadas até por discordâncias no âmbito político-administrativo.

Bereia checou a informação. De fato, no site do NCCP consta uma declaração sobre o caso, publicada em 6 de novembro, que confirma que o conselho de igrejas “foi uma das várias organizações humanitárias e de serviço da lista [de ‘organizações de frente de grupos terroristas comunistas locais (CTG)’] apresentada pelo Major-General Reuben Basiao, Vice-Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas das Filipinas durante a reunião do comitê da Câmara em 5 de novembro”.

Corrigindo a informação do Gospel+ de que a decisão do governo filipino “colocou em alerta um grupo de igrejas evangélicas do país, pertencente ao Conselho Nacional de Igrejas (NCCP)”, todas as igrejas-membro do NCCP (nove protestantes e uma católica não-romana) , por meio de seus representantes, assinam a declaração que “rejeita a inclusão infundada e sem base de seu nome na lista de ‘organizações de frente de grupos terroristas comunistas locais (CTG)’ pelo Departamento de Defesa Nacional (DND)”.

O organismo ecumênico das Filipinas denuncia que a acusação é “uma afronta ao trabalho e ministério do NCCP, suas igrejas membros, membros associados e parceiros locais e internacionais” e também a classifica como “extremamente alarmante e perigosa”. O documento pede “respeitosamente ao governo que reveja e revise seriamente as acusações infundadas e se envolva na construção da paz, começando com o reatamento das negociações de paz com a Frente Democrática Nacional das Filipinas”. Veja aqui a declaração completa.

O NCCP recebeu documentos de apoio de igrejas e organismos ecumênicos de todo o mundo como o Conselho Mundial de Igrejas, e a Aliança Ação Conjunta das Igrejas/ACT Alliance (vinculada ao Conselho Mundial de Igrejas), a Conferência Cristã da Ásia, o Conselho Nacional de Igrejas dos Estados Unidos e várias outras igrejas nacionais da Europa, da Ásia, da Oceania e da América do Norte.

O Bispo da Diocese Episcopal da Filipinas Central, Rex Reyes, ex-Secretário Geral do NCCP, emitiu uma declaração, apoiada pela Igreja Episcopal do país, chamando a ação do governo filipino de “irresponsável e maliciosa”. Na declaração, o bispo Rex Reyes afirma que o NCCP nunca se envolveu em atos ocultos e se opôs à lei marcial e à violação dos direitos humanos que têm vigorado no país. Ele disse: “Os esforços pioneiros do NCCP por paz e justiça neste país também são um livro aberto. Tenho orgulho de dizer que, entre os conselhos das igrejas em todo o mundo, o NCCP ainda é considerado uma formação ecumênica vibrante, duradoura, líder e reconhecida. Isso ocorre porque o NCCP vê sua vida e seu trabalho da perspectiva dos vulneráveis, oprimidos e marginalizados.”

O bispo Reyes destacou a corrupção na alta liderança do país e disse: “Não há nada errado quando os cristãos apontam que há tanta corrupção… O que está errado, se não totalmente subversivo, é quando uma mentalidade que mata, persegue e xinga suprime aqueles que defendem oposição e ativismo de princípios. Deve-se saber como a oposição e o ativismo de princípios tornaram este mundo mais pacífico e justo. … O que é certo é defender os direitos humanos, a justiça e a paz. Eu estou com o NCCP”.

Uma parte da matéria do site Evangelical Focus, que não foi utilizada pelo Gospel+, confirma a denúncia do Bispo Reyes. A matéria destaca que, em junho de 2019, o governo filipino rejeitou o pedido das Nações Unidas de uma investigação sobre violações dos direitos humanos no país, resultante das políticas do governo contra o tráfico de drogas, argumentando que era uma “interferência”. Segundo dados oficiais, 5.300 suspeitos foram mortos pela polícia desde 2016, quando Rodrigo Duterte assumiu a Presidência da República. Mas, segundo os defensores dos direitos humanos, o número seria três vezes maior.

Na declaração oficial de 6 de novembro, o NCCP afirmou: “nos últimos dias, testemunhamos ataques contra organizações da sociedade civil que são críticas às políticas e programas do governo. Houve ataques, prisões ilegais e difamação. Antes disso, é claro, houve até assassinatos de ativistas e defensores dos direitos humanos. (…) O NCCP considera essas medidas como tentativas desesperadas das autoridades de criminalizar a oposição e armar a lei contra o povo”.

O Conselho Nacional de Igrejas das Filipinas

O NCCP é uma organização ecumênica formada por nove igrejas protestantes e uma católica não-romana – A Igreja Católica Apostólica, a Convenção de Igrejas Batistas das Filipinas, a Igreja Episcopal nas Filipinas, a Igreja Evangélica Metodista nas Ilhas Filipinas, a Igreja Filipina Independente, a Igreja Unida Ecumênica, a Igreja Luterana nas Filipinas, o Exército da Salvação, a Igreja Unida de Cristo nas Filipinas, a Igreja Metodista Unida.

Fundado em 1963, o NCCP afirma suas bases na missão de Cristo, e no oferecimento às igrejas oportunidades de testemunho comum como resposta conjunta às necessidades e preocupações das pessoas. O NCCP declara-se comprometido com a unidade e a reconciliação e a promoção e proteção dos direitos humanos, por isso trabalha com igrejas e comunidades, independentemente de sua religião ou crenças, a fim de fornecer ajuda humanitária digna e outros serviços sociais para as pessoas, especialmente para irmãs e irmãos considerados minorias.

Em sua declaração contra a acusação de “terrorismo” pelo governo filipino, o NCCP teme que tal situação possa atrasar ou até impedir a prestação de serviços tão necessários às comunidades marginalizadas, especialmente em meio a desastres.

O caso no contexto filipino

Em seu compromisso com a informação coerente e responsável, Bereia acrescenta que o caso do NCCP se dá no contexto da grave situação que envolve o atual governo das Filipinas.  Desde a posse de Rodrigo Duterte, em 2016, o país enfrenta extenso número de execuções sumárias de suspeitos de crimes e repressão política a opositores. A situação vem sendo acompanhada internacionalmente pela ONU e por organizações de defesa de direitos humanos, incluindo várias instituições cristãs, que têm pressionado o governo a uma mudança de atitude.

A seguir, Bereia reproduz adaptação de matéria significativa da BBC News Brasil sobre isto.

Duterte foi eleito presidente em 2016 com um recorde de 16,6 milhões de votos. Seus níveis de popularidade chegavam a 88% em meados de 2018, mas no final daquele ano desceram para 75%, segundo a Pulse Asia Research. Durante sua campanha, o filipino prometeu uma guerra incessante contra traficantes e dependentes químicos. O discurso antidrogas agrada parte significativa da população.

“Esqueçam as leis sobre direitos humanos. Se eu for eleito presidente, farei como quando fui prefeito. Traficantes, ladrões armados e vadios, melhor sumirem, porque vou matá-los”, Duterte disse em um comício. “Vou jogá-los na Baía de Manila e engordar os peixes.”

Ao celebrar sua vitória, encorajou civis armados a matarem traficantes que resistissem à prisão. “Fiquem à vontade para nos ligar ou faça você mesmo, se tiver uma arma”, afirmou em discurso transmitido nacionalmente. “Atirem neles e lhes darei uma medalha.”

Críticos de Duterte temiam que assassinatos extrajudiciais se espalhassem pelas Filipinas. Poucas semanas após a sua posse, quase 2 mil indivíduos supostamente ligados ao tráfico foram mortos por policiais ou grupos de vigilantes. Atualmente, de acordo com a Human Rights Watch, já são mais de 12 mil – o que inclui inocentes e vítimas atacadas por engano.

Parte dos homicídios é executada por assassinos de aluguel atuando sob o comando de autoridades locais. Em 2016, a BBC News entrevistou uma mulher que disse receber cerca de US$ 430 (cerca de R$ 1660) por cada execução de traficantes.

Para a Anistia Internacional, trata-se de uma guerra aos pobres e de uma “indústria da morte” que afeta populações carentes urbanas. A polícia também é acusada de matar suspeitos para ganhar recompensas, além de plantar evidências e roubar vítimas.

No ano passado, o presidente filipino voltou a atrair atenções do mundo ao propor a criação de um grupo civil armado para fazer frente ao Novo Exército Popular, um grupo comunista rebelde criado no final da década de 1960 e ativo até os dias atuais. Duterte afirmou que a milícia que ele pretende criar vai ser chamar “Esquadrão da Morte de Duterte” e terá poderes para matar suspeitos de serem revolucionários, dependentes químicos e até pessoas que vaguem sem propósito pelas ruas.

O presidente filipino frequentemente causa espanto com suas declarações. Em setembro de 2016, por exemplo, comparou-se a Adolf Hitler em um discurso em Davao. “Hitler massacrou 3 milhões de judeus. Agora há 3 milhões de viciados em drogas nas Filipinas. Eu ficaria feliz em massacrá-los.”

Bereia teve acesso à Declaração “Justiça e responsabilidade pelas violações de direitos humanos nas Filipinas”, aprovada pela 25ª Convenção Geral do NCCP (25 a 28 de novembro de 2019). O texto denuncia as violações que estão ocorrendo diante das políticas do governo e confirma o que a matéria da BBC News Brasil aborda

O documento do NCCP diz: “De acordo com inúmeros relatos, na guerra contra as drogas, cerca de 27 mil pessoas foram mortas em relação com a campanha contra drogas ilegais. Principalmente nas comunidades pobres, o número de mortes, tanto pelas mãos da polícia quanto por indivíduos desconhecidos, não foi adequadamente investigado; a adequação da conduta policial não foi determinada; e os assaltantes desconhecidos não foram presos. Raramente ouvimos falar de grandes traficantes de drogas que enfrentaram a barreira da justiça. A guerra contra as drogas tem sido implacável, e a situação só se intensificará se continuar sendo tratada como um problema criminal e não como um problema de saúde. Para piorar a situação, existem os ‘policiais ninjas’ que reciclam drogas apreendidas, tornando toda a campanha profundamente suspeita. Havia esperança de que houvesse mudanças positivas na condução da campanha do governo sobre drogas ilegais após a nomeação do vice-presidente Leni Robredo como czar antidrogas. Infelizmente, ela foi demitida da posição após apenas três semanas”.

O texto do NCCP prossegue afirmando que: “Além da guerra às drogas, mais de 2 mil defensores dos direitos humanos foram atacados por vários métodos, incluindo ameaças, intimidação, assédio, acusações falsas e assassinatos extrajudiciais. Atualmente, existem mais de 200 casos de assassinatos extrajudiciais de defensores dos direitos humanos, incluindo pessoas das igrejas, algumas das quais pertencentes às igrejas-membros do NCCP. A maioria das vítimas das várias violações de direitos é crítica aos programas e políticas do governo que desconsideram os direitos das pessoas. Até o Conselho foi incluído na lista de ‘organizações de frente de grupos terroristas comunistas locais’ pelo Departamento de Defesa Nacional”.

O NCCP declara que não vai se intimidar com a acusação e continuará seu compromisso com a justiça:

“Mas chegará o tempo do acerto de contas, Deus “[…] rolará a justiça como as águas e a retidão como uma corrente que flui sempre” (Amós 5:24). O NCCP continuará a defender o dom da dignidade humana de Deus, trabalhará com outros defensores dos direitos e maximizará todos os locais e plataformas nacionais e internacionais, para que aqueles que violam e comprometem os direitos humanos enfrentem justiça e responsabilidade por suas transgressões. Afirmamos nosso compromisso de continuar a busca por justiça e paz, por mais árduo que possa parecer o caminho. Exigimos o julgamento dos responsáveis ​​por crimes contra o povo filipino. Rejeitamos a solução militarista e repressiva para o conflito armado e o problema das drogas”.

Aproximações com Jair Bolsonaro

A matéria da BBC News Brasil destaca ainda que o estilo de governo do presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, atraiu comparações com Rodrigo Duterte em espaços internacionais. Tanto a revista americana The New Yorker quanto o Council on Foreign Relations (CFR), organização que publica a conceituada revista Foreigner Affairs, destacam as semelhanças entre discursos dos dois governantes, em particular no endosso à truculência policial e a execuções extrajudiciais.

As plataformas políticas do brasileiro e do filipino baseiam-se no forte discurso anticrime, incluindo a defesa da violência policial para reestabelecer a ordem. Duterte, contudo, tem ido além: seu governo prega o assassinato de traficantes e usuários de drogas como política de Estado, além de encorajar abertamente policiais e civis a cometerem esses homicídios.

O CFR também aponta que, apesar de os líderes serem diferentes ideologicamente (Duterte vem de uma origem à esquerda e Bolsonaro está na direita), ambos apelam para os cidadãos com promessas de respostas duras ao crime e à corrupção por meio da força e também admitem a repressão violenta à oposição política.

Vale registrar que o presidente do Brasil Jair Bolsonaro já usou o termo “terrorismo” para acusar a ONG Greepeace e avaliar os protestos populares no Chile. No primeiro caso, a acusação se deu frente à atuação do Greenpeace na denúncia do vazamento de óleo no litoral do Nordeste e na limpeza das praias. “Olha, pra mim isso [o vazamento] é um ato terrorista. Eu… esse Greenpeace só nos atrapalha. O que ele [o ministro do meio-ambiente Ricardo Salles] falou, não pude conversar com ele pra entrar em detalhe, mas o Greenpeace só nos atrapalha.”, afirmou em entrevista.

Em relação ao Chile, Bolsonaro chamou de “atos terroristas” os protestos que passaram a ocorrer naquele país desde outubro deste ano e resultaram em dezenas de mortos, centenas de feridos e milhares de detidos. Bolsonaro afirmou também que as tropas brasileiras têm que estar preparadas para fazer a manutenção da lei e da ordem no Brasil em caso de protestos de rua. No Chile, o presidente Sebastian Piñera mobilizou as Forças Armadas para reprimir as manifestações, o que não ocorrida desde o final da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990). “Praticamente todos os países da América do Sul tiveram problemas. O do Chile foi gravíssimo. Aquilo não é manifestação, nem reivindicação. Aquilo são atos terroristas. Tenho conversado com a Defesa nesse sentido. A tropa tem que estar preparada porque ao ser acionada por um dos três Poderes, de acordo com o artigo 142, estarmos em condição de fazer manutenção da lei e da ordem.”, declarou na mesma entrevista.

Em agosto passado, Jair Bolsonaro criticou a realização do Sínodo da Amazônia da Igreja Católica Romana. Em almoço com jornalistas disse que o Sínodo seria um evento político. “Tem muita influência política lá sim”. Questionado se o evento estaria sendo monitorado pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Bolsonaro confirmou e disse que a agência monitora todos os grandes grupos.

Bereia classifica, portanto, a matéria publicada pelo site Gospel+ sobre a acusação do governo filipino ao NCCP, taxando-o de “organização terrorista”, como verdadeira.

Referências de Checagem:

R. FILHO, Will. Conselho Nacional de Igrejas passa a ser considerado grupo terrorista nas Filipinas. Gospel+, 7 dez 2019.Disponível em: https://noticias.gospelmais.com.br/conselho-nacional-igrejas-grupo-terrorista-filipinas-127204.html

PHILIPPINES says National Council of Churches is a terrorist group. Evangelical Focus, 22 nov 2019. Disponível em: http://evangelicalfocus.com/world/4916/Philippines_says_National_Council_of_Churches_is_a_terrorist_group

NATIONAL Council of Churchs in the Phillipines. Disponível em: https://nccphilippines.org/2019/12/03/resolution-affirming-the-statement-of-the-nccp-officers-on-the-red-tagging-by-the-department-of-national-defense/

WCC gravely concerned about “red-tagging” of Council of Churches in the Philippines. World Council of Churches, 9 nov 2019. Disponível em: https://www.oikoumene.org/en/press-centre/news/wcc-gravely-concerned-about-red-tagging-of-council-of-churches-in-the-philippines

STATEMENT of support and solidarity with the National Council of Churches in the Philippines. ACT Alliance, 7 nov 2019. Disponível em: https://actalliance.org/act-news/statement-of-support-and-solidarity-with-the-national-council-of-churches-in-the-philippines/

CCA General Secretary condemns the Philippine government’s act of ‘Red-tagging’ the National Council of Churches in the Philippines. Christian Conference of Asia, 10 nov 2019. Disponível em: http://cca.org.hk/home/news-and-events/cca-general-secretary-condemns-the-philippine-governments-act-of-red-tagging-the-national-council-of-churches-in-the-philippines/

NCC Stands With National Council of Churches in the Philippines. National Council of Churches, 7 nov 2019. Disponível em: https://nationalcouncilofchurches.us/ncc-stands-with-national-council-of-churches-in-the-philippines

BONIS, Gabriel. Rodrigo Duterte: quem é o presidente das Filipinas comparado a Bolsonaro no exterior que quer criar ‘esquadrão da morte’. BBC News Brasil, 28 nov 2018. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45863030

ANDERSON, Jon Lee. Meet Brazil’s Presidential Front-Runner, Jair Bolsonaro: Part Donald Trump, Part Rodrigo Duterte. The New Yorker, 6 out 2018. Disponível em: https://www.newyorker.com/sections/news/meet-brazils-presidential-front-runner-jair-bolsonaro-part-donald-trump-part-rodrigo-duterte

PIB não cresceu 20% em 2019 e fala de Senador Humberto Costa ainda será avaliada

No domingo 1 de dezembro de 2019, o vice-líder do Governo no Congresso Deputado Federal Marco Feliciano (PODEMOS/SP), comentou a entrevista que a Senadora Simone Tebet (MDB/MS) deu ao programa de entrevistas da Folha de S. Paulo e do UOL, em 28 de novembro de 2019, publicada pela Folha no mesmo 1 de dezembro.

O jornal destacou dois pontos da entrevista: a crítica ao Ministro Paulo Guedes e ao deputado federal Eduardo Bolsonaro, que, recentemente, em declarações públicas, ameaçaram a imposição de um AI-5 (Ato Institucional nº 5, experiência de fechamento do Congresso e censura durante a ditadura militar) diante de uma eventual radicalização de protestos de rua no Brasil. Outro destaque foi a crítica à condução da economia pelo governo Bolsonaro.

Tebet, que é presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado, apoia que a o Conselho de Ética da Câmara julgue Eduardo Bolsonaro. A senadora defende o processo não por ser o filho do presidente, mas por ser um deputado federal. “A democracia é, dentre os sistemas, mais frágil justamente porque permite esse tipo de manifestação de qualquer pessoa. Mas não de parlamentares que juraram defender a Constituição”, disse a senadora na entrevista.

A Folha de S. Paulo destacou na publicação da entrevista, a avaliação negativa que Tebet tem da condução da economia pelo governo: “Se a economia não reagir até o ano que vem, se nós continuarmos com esse PIB pífio e não voltarmos a gerar emprego e renda, se continuamos tendo esses números vergonhosos de desemprego, se voltarmos a ver pessoas voltando para as ruas porque não têm um teto para morar, esse governo não consegue se sustentar”.

Ao comentar a entrevista da senadora em sua conta no Twitter, Marco Feliciano abordou os dois destaques da Folha de S. Paulo:

Bereia checou as afirmações de Marco Feliciano em defesa do filho do Presidente da República e da governança em relação à economia.

O PIB deste ano aumentou 20% e crescerá 100% em 2020?

O Produto Interno Bruto (PIB) é a soma de todos os bens e serviços finais produzidos no país em um período determinado (nesta conta entram o que produzem indústria, serviços e agropecuária). É um dos indicadores mais utilizados para quantificar a atividade econômica do país. No Brasil, o cálculo do PIB é feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), instituição federal subordinada ao Ministério da Economia. “Se um país produz 100 reais de trigo, 200 reais de farinha de trigo e 300 reais de pão, seu PIB será de 300 reais, pois o valor da farinha e do trigo estão embutidos no valor do pão”, exemplifica o IBGE. O PIB não é o total de riqueza existente no país, mas sim um indicador de fluxo de novos bens e serviços finais produzidos durante um período. Se um país não produzir nada em um ano, seu PIB será nulo.

Em 2018, o PIB fechou o ano em R$ 6,9 trilhões com expansão de 1,3% frente a 2017. O mesmo índice de crescimento havia sido registrado 1,3% em 2017, marca positiva diante do recuo nos anos anteriores: 3,5% em 2015, e 3,3% em 2016.

No primeiro trimestre de 2019, o valor do PIB não cresceu em relação ao trimestre anterior e a taxa de expansão registrada foi 0%. O PIB do segundo trimestre de 2019 teve uma alta de 0,5% na comparação com o primeiro trimestre do ano. No terceiro trimestre de 2019 o PIB totalizou 1,842 trilhão de Reais, um aumento de 0,6% na comparação com o segundo trimestre. A estimativa é de que o PIB de 2019 chegue a uma expansão de 1.0%.

Neste 2 de dezembro de 2019, o Banco Central do Brasil divulgou o Relatório de Mercado Focus, utilizado para controle da inflação, divulgado toda primeira segunda-feira de cada mês, que mostra a evolução das distribuições de frequência das medianas das expectativas de mercado para o IPCA do ano corrente e três anos subsequentes, a taxa Selic (juros), o crescimento do PIB e a taxa de câmbio para o ano corrente e próximo ano. Nessa edição do Focus, a expectativa de crescimento do PIB em 2019 permaneceu em 0,99% (abaixo do 1,1% de 2018). Para 2020, o mercado financeiro alterou a previsão do PIB, de 2,20% para 2,22%.

Ao dizer que o PIB teve “aumento de 20% este ano”, o Deputado Marco Feliciano apresenta número que não reflete os indicadores do IBGE e as projeções do Banco Central, como Bereia levantou. Considerando que o deputado estivesse se referindo a uma comparação com o segundo trimestre do ano anterior (os resultados do terceiro trimestre ainda não haviam sido divulgados quando da postagem de Marco Feliciano), a verificação também não encontrou correspondência, pois o PIB do segundo trimestre de 2018 foi superior ao de 2019 no mesmo período, com 1.6% de crescimento. Nesse sentido, a afirmação do vice-líder do governo no Congresso é falsa: o PIB teve crescimento de um trimestre para outro de 0,6% e permanece em baixa em relação a 2018.

Já a afirmação de que o PIB crescerá 100% em 2020 provavelmente se baseie no Relatório Focus do Banco Central que trabalha com previsões. É uma afirmação categórica de Marco Feliciano baseada em otimismo não compartilhado pela Senadora Simone Tebet.

O Senador Humberto Costa/PT pregou a “violência/subversão que ocorre no Chile para o Brasil”?

Para a defesa da crítica de Simone Tebet ao Deputado Eduardo Bolsonaro (PSL/SP), o Deputado Marco Feliciano demanda coerência da Senadora a fim de que exija que a Comissão de Ética do Senado julgue também o líder do PT no Senado Humberto Costa (PE) que teria incitado violência e subversão.

Marco Feliciano se refere à postagem de Humberto Costa em sua conta no Twitter, em 19 de outubro de 2019, período de auge dos protestos no Chile contra o governo do presidente Sebastián Piñera. Na ocasião da postagem, o Deputado Marco Feliciano enviou à Procuradoria-Geral da República (PGR), uma acusação formal contra Humberto Costa por “conclamar a população a derrubar o presidente”.

Feliciano alega que o Senador incitou a subversão da ordem política ou social e a luta violenta entre a população, as Forças Armadas e o governo. De acordo com a representação do deputado à PGR, a tentativa de subversão já configura crime e é passível de punição com pena de um a quatro anos de reclusão. Caberá ao procurador-geral da República, Augusto Aras, aceitar ou arquivar o pedido.

O ato de Marco Feliciano é uma contraposição à abertura de processos na Comissão de Ética da Câmara Federal contra Eduardo Bolsonaro, por ter defendido publicamente a volta do Ato Institucional 5 (AI-5), em entrevista à jornalista Leda Nagle, em 31 de outubro de 2019.

Lideranças da oposição também solicitaram no Supremo Tribunal Federal (STF) que Eduardo Bolsonaro seja processado por improbidade, incitação e apologia ao crime, além da cassação de seu mandato pela Câmara.  A queixa-crime foi aceita pelo STF e está nas mãos do Ministro Gilmar Mendes.

Em 2 de novembro, o Deputado Marco Feliciano publicou em seu perfil no Twitter: “Se Eduardo Bolsonaro tem que ser cassado, senador Humberto Costa também tem! Defesa da democracia não pode ser seletiva, caros Davi Alcolumbre e Rodrigo Maia, pois senão é demagogia pura”.

Agora, ao rebater as críticas da Senadora do MDB/MS a Eduardo Bolsonaro, Marco Feliciano retoma a acusação a Humberto Costa.

A representação de Marco Feliciano está com a PGR. No espaço público, não alcançou o nível de repercussão que teve a declaração de Eduardo Bolsonaro, dada a gravidade da afirmação do deputado que pertence à família presidencial. A fala do deputado em entrevista a Leda Nagle acabou sendo agravada por outra declaração, a do Ministro da Economia, também citada por Simone Tebet na entrevista à Folha. Guedes reforçou a ameaça de um “AI-5” se houver protestos contra as políticas do governo, em coletiva de imprensa em Washington (EUA), em 25 de novembro. “Não se assustem se alguém pedir o AI-5”, disse ministro ao comentar possibilidade de protestos de rua no Brasil.

O senador Humberto Costa, por seu lado, não comentou a queixa de Marco Feliciano à PGR e fez discurso no Plenário do Senado, em 6 de novembro, contra a atitude de Eduardo Bolsonaro. Costa disse ser inaceitável que um membro do Congresso Nacional defenda a reinstituição do AI-5, considerado o ato de maior repressão adotado no regime militar. Representantes que foram eleitos pela legitimidade do voto popular e que defendem a ditadura, avalia o senador, não podem ficar impunes.

Bereia avalia que a afirmação do Deputado Marco Feliciano, com acusação a Humberto Costa, em defesa de Eduardo Bolsonaro, é uma posição subjetiva, interpretativa das palavras postadas pelo Senador. A interpretação ganhou a forma de queixa entregue à PGR e ainda não teve parecer. A afirmação é, portanto, inconclusiva. A Senadora Simone Tibet referiu-se, na entrevista em questão, aos processos contra Eduardo Bolsonaro, que, de fato, estão em curso na Comissão de Ética da Câmara e no STF.

Referências de Checagem:

CARVALHO, Daniel, ANDRADE, Hanrrikson. Se economia não reagir, governo não se sustenta, diz senadora Simone Tebet. Folha de S. Paulo, 1 dez 2019. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/12/se-economia-nao-reagir-governo-nao-se-sustenta-diz-senadora-simone-tebet.shtml.

PRODUTO Interno Bruto. – PIB. IBGE. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/explica/pib.php

O QUE é PIB: entenda como é calculado o principal indicador da economia. Veja, 29 ago 2019. Disponível em: https://veja.abril.com.br/economia/o-que-e-pib-entenda-como-e-calculado-o-principal-indicador-da-economia/

IBGE.  Sistema de Contas Nacionais Trimestrais – SCNT. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/contas-nacionais/9300-contas-nacionais-trimestrais.html?edicao=24645&t=destaques

BANCO CENTRAL DO BRASIL. Relatório de Mercado Focus. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/controleinflacao/relatoriofocus

SARDNHA, Edson. Marco Feliciano quer processar Humberto Costa por “incitar golpe” contra Bolsonaro. Congresso em Foco, 3 nov 2019. Disponível em: https://congressoemfoco.uol.com.br/legislativo/marco-feliciano-quer-processar-humberto-costa-por-incitar-golpe-contra-bolsonaro/

BOLDRINI, Angela. Conselho de Ética abre processo contra Eduardo Bolsonaro por fala sobre AI-5. Folha de S. Paulo, 26 nov 2019. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/11/conselho-de-etica-abre-processo-contra-eduardo-bolsonaro-por-fala-sobre-ai-5.shtml

ENTREVISTA com Eduardo Bolsonaro. Youtube, Canal de Leda Nagle, 31 out 2019. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=m_cyKtlTpL4

PAULO Guedes reaviva polêmica sobre AI-5. DW, 25 nov 2019. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/paulo-guedes-reaviva-pol%C3%AAmica-sobre-ai-5/a-51423303

‘É INACEITÁVEL que membro do Congresso defenda o AI-5’, diz Humberto Costa. https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/11/06/2018e-inaceitavel-que-membro-do-congresso-defenda-o-ai-52019-diz-humberto-costa

Não houve apreensão pela PF de 60 baús de medicamentos cheios de bilhões de dólares

Tem circulado em grupos de whatsApp de igrejas a seguinte informação:

Esta notícia já circulava nas redes desde 2018, ano de campanhas eleitorais, e agora voltou a ser compartilhada. Algumas das postagens são acompanhadas por um vídeo. Ao longo de 2018, várias mídias desmentiram este conteúdo: Boatos.org, Uol Confere, Jornal Extra. Reproduzimos aqui a matéria do Uol Confere. Leia abaixo:

Uma mensagem que circula pelas redes sociais “denuncia” uma nova operação da Polícia Federal, que teria apreendido “bilhões de dólares” de uma transação entre Cuba e o PT. Segundo a mensagem, as autoridades teriam localizado o dinheiro em 60 baús no Porto de Santos, litoral paulista.

“Nosso dinheiro do Mais Médicos que vai para Cuba e agora volta para financiar guerrilha armada do PT”, afirma a mensagem. “Mais de 20 petistas presos em flagrante”, acrescenta o texto.

De acordo com o relato, que teria sido feito pela PF, os baús estariam “disfarçados de etiquetas de medicamentos”. “Cheios de dólares, para espanto dos policiais”, conclui a mensagem.

FALSO: Não foram encontrados baús com bilhões de dólares.

A mensagem não passa de boato. Embora o governo do PT, na gestão de Dilma Rousseff, tenha sido o criador do programa Mais Médicos, que trouxe profissionais cubanos para trabalhar no Brasil, não foi encontrado nenhum baú com bilhões de dólares sendo enviado para ou recebido de Cuba.

Ao UOL, a Polícia Federal, a quem a corrente atribui a autoria da mensagem e da operação, negou as informações. Também não há registro de ninguém que tenha sido preso neste ano escondendo bilhões em baús a serem enviados ou recebidos de Cuba, seja do Partido dos Trabalhadores ou não.

Além disso, a Polícia Federal garante que não é desta forma que divulga oficialmente suas ações. As operações realizadas pela PF podem ser checadas em seu site.

Mensagem antiga e internacional

Não é a primeira vez que este boato circula pelas redes sociais e aplicativos de mensagem. Um texto similar divulgado em janeiro deste ano continha as mesmas informações, mas atribuía o relato a uma operação da Interpol.

A mensagem de janeiro era acompanhada de vídeo e fotos de caixas com o símbolo da Cruz Vermelha, que teriam sido usadas por membros do PT para guardar os bilhões de dólares.

Mas este boato não correu só por aqui. O UOL encontrou registros de mensagens similares que acusavam as forças internacionais que atuam na Síria de desviar dinheiro do país. A mensagem, com o mesmo vídeo, começou a ser espalhada por simpatizantes do ditador Bashar al-Assad no final de 2017.

No entanto, o vídeo também não tem a ver com a Síria. Um levantamento feito pela ONU (Organização das Nações Unidas) relaciona as imagens à Líbia, onde houve desvio de milhões de dólares pouco após a morte do ditador Muammar Gaddafi, em 2011.

Em suas redes sociais, a Cruz Vermelha (ICRC, na sigla em inglês) também negou relação com o caso, em qualquer situação ou momento.

“Um logo falso da Cruz Vermelha tem sido usado com o propósito de transportar fundos. Nossos emblemas significam auxílio neutro e imparcial. Qualquer uso indevido pode gerar sérios impactos na nossa capacidade de atender a quem precisa”, declarou a entidade.

Ou seja, o boato que circula atualmente é uma alteração de uma outra mensagem divulgada em janeiro, que, por sua vez, já era uma alteração de outro texto espalhado internacionalmente.

Importa lembrar que a postagem tem três características básicas de notícias falsas, inventadas: não indica a fonte, é alarmista e insiste que a notícia seja repassada.

Ps.: Esta chegagem foi sugerida por leitores/as do Bereia. Sugestões de checagem devem ser oferecidas pelo WhatsApp +55 98 92000-7205

Referências:

TEIXEIRA, Lucas Borges. É falso: PF não apreendeu baús com bilhões de dólares ligados ao PT e Cuba. Uol Confere, 1 set 2018. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/confere/ultimas-noticias/2018/09/01/e-falso-pf-nao-apreendeu-baus-com-bilhoes-de-dolares-ligados-ao-pt-e-cuba.htm

DOMINGOS, Roney. É #FAKE que PF apreendeu baús de medicamentos da Cruz Vermelha com bilhões de dólares dentro. Extra, 3 dez 2018. Disponível em: https://extra.globo.com/fato-ou-fake/e-fake-que-pf-apreendeu-baus-de-medicamentos-da-cruz-vermelha-com-bilhoes-de-dolares-dentro-23276985.html

MATSUKI, Edgar. Polícia Federal descobre baús com bilhões de dólares no Porto de Santos #boato. Boatos.org, 21 jan 2018. https://www.boatos.org/politica/policia-federal-baus-porto-santos.html

Não existe lei em análise no Senado para proibir pregações de igrejas e leitura da Bíblia

A seguinte mensagem tem circulado fartamente em grupos de WhatsApp de igrejas e em postagens no Facebook:

Reprodução /Whatsapp

O texto, que não tem autoria nem data, uma das características de material falso que circula pelas redes, diz que “hoje” o Senado do Brasil teria começado a discutir a “iniciativa da lei de proteção doméstica”.  Essa lei imporia “prisão religiosa” (a má redação também é característica de material falso nas redes) para quem pregar em horários impróprios, proibição das congregações de grande volume (deduz-se ser de som) no momento de celebrar a adoração e de pregação nas ruas e visita a famílias e impedimento da leitura forçada (!) da Bíblia.  Ao final, há a indicação de que na Europa esta lei já existe e o pedido de compartilhamento (outras duas características de conteúdo falso disseminado nas mídias sociais).

Não foi encontrado o termo “lei de proteção doméstica” em qualquer projeto que tramite atualmente no Senado. O Projeto de Lei mais próximo do que diz a mensagem é o PL 524/2015 , que “estabelece limites para emissão sonora nas atividades em templos religiosos”. O texto diz:

Art. 2º A propagação sonora, no ambiente externo, resultante das atividades realizadas em templos de qualquer crença não poderá ultrapassar, durante o dia, os limites de 85 decibéis para a zona industrial, 80 decibéis na zona comercial, e 75 decibéis na zona residencial; e, durante a noite, 10 decibéis a menos, para cada uma das respectivas áreas.

§ 1º Considera-se noite o período compreendido entre as 22 (vinte e duas) horas e as 6 (seis) horas.

§ 2º Para fins de aferição da emissão sonora, considera-se ambiente externo o local de onde parte a reclamação

O PL foi apresentado pelo deputado Carlos Gomes (PRB/RS), em 2 de março de 2015, e passou por todas as comissões, teve a redação final aprovada pela Câmara dos Deputados em 2019 e foi encaminhado pela Mesa Diretora da Câmara ao Senado, para confirmação, em 12 de setembro de 2019. Veja aqui toda a tramitação.

Portanto, não existe Projeto de Lei em discussão denominado “Proteção Doméstica”. O mais próximo texto em tramitação que Bereia encontrou, o PL 524/2015, também não diz respeito a “prisão religiosa”, proibições de pregações e visitas religiosas ou de leitura da Bíblia, referindo-se, sim, a controle de volume de som exagerado em horários noturnos, o que já é feito por meio de diversas leis municipais e estaduais.

Bereia conclui com esta checagem que a postagem que vem sendo fartamente distribuída em grupos de Whatsapp de igrejas e também por meio de postagens no Facebook é falsa.

Os sites Boatos.org e Aos Fatos já haviam produzido checagens sobre esta postagem e registrado o mesmo parecer e ambos verificaram que a mesma corrente aparece em postagens em espanhol, em diferentes países da América Latina, desde 2016.

* Matéria atualizada em 03.03.2022. Na versão original, o deputado Carlos Gomes estava creditado como senador.

***

Referências de checagem:

Aos fatos – MENEZES, Luiz Fernando. Senado não analisa lei que impõe sanções por pregações religiosas.

Boatos.org, MATSUKI, Edgar. Lei de proteção doméstica que pune igrejas por cultos é debatida no Senado #boato

Câmara dos Deputados – Texto integral do Projeto de Lei 524/2015.

Universidades públicas não produzem drogas em suas dependências

Em entrevista ao programa “7 Minutos com a Verdade”, da TV Jornal da Cidade On Line, baseada em críticas ao trabalho das universidades públicas, o Ministro da Educação Abraham Weintraub acusou estas instituições de produzirem drogas em suas dependências. Durante a entrevista de 36 minutos dada à jornalista Camila Xavier, veiculada no site do Jornal da Cidade, em 23 de novembro, o ministro criticou a autonomia das universidades. Ele chama a autonomia universitária de “falácia” pois, na sua avaliação, teria se transformado em “soberania”.  Para exemplificar a crítica, Weintraub afirmou:

Você tem plantações de maconha, não plantações de três pés de maconha, mas plantações de extensivas de maconha em algumas universidades, a ponto de ter borrifador de agrotóxico. Porque orgânico é bom contra a soja, para não ter agroindústria no Brasil, mas a maconha é deles e eles querem tudo que a tecnologia tem à disposição. Ou coisas piores: você pega laboratórios de química (uma Faculdade de Química não era um centro de doutrinação), desenvolvendo laboratório de droga sintética, de metanfetamina, porque a polícia não pode entrar nos campi. Então o desafio é este. Foi criada uma estrutura muito bem pensada durante muito tempo. E a verdade é que a gente aterrissou aqui há um ano, nem um ano ainda, e estamos começando a descobrir um monte de detalhes.” [7 Minutos com a Verdade, 23 nov 2019, minutos 12´23 a 13´30]

O Ministro da Educação não explicitou a quais universidades se referia, não apresentou casos específicos e também não recebeu questionamento da entrevistadora quanto estas informações.

O Jornal da Cidade On Line, publicação do Rio Grande do Sul identificada em pesquisas como disseminadora de notícias falsas, transformou o pouco mais de um minuto e meio do trecho da fala de Abraham Weintraub em chamada para a entrevista completa, divulgada em 21 de novembro. Na chamada, o Jornal da Cidade On Line afirma: “Foi isso que o ministro da Educação, Abraham Weintraub, encontrou em algumas universidades quando assumiu a pasta! E isso é apenas uma gota no oceano!”.

A acusação do ministro teve ampla repercussão nas mídias noticiosas e em alguns veículos, como o blog BRPolítico do jornal O Estado de São Paulo, que replicou a divulgação do Jornal da Cidade tal como se deu, sem tratamento da informação.

A fala de Weintraub causou indignação em educadores ligados às universidades que produziram notas de repúdio. A Associação dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES) afirma em nota que o ministro ultrapassou todos os limites da ética pública ao “fazer tais acusações para detratar e ofender as universidades federais perante a opinião pública, mimetizando-as com organizações criminosas”. A ANDIFES classifica a fala de Weintraub como “um absurdo sem precedentes” e o desafia:

… se o Sr. Ministro, enquanto autoridade pública, efetivamente sabe de fatos concretos, sem todavia apontar e denunciar às autoridades competentes de modo específico onde e como ocorrem, preferindo antes usá-los como instrumento de difamação genérica contra todas as universidades federais brasileiras, poderá estar cometendo crime de prevaricação. Assim, diante dessas declarações desconcertantes, a ANDIFES está tomando as providências jurídicas cabíveis para apurar eventual cometimento de crime de responsabilidade, improbidade, difamação ou prevaricação.

Já a Sociedade Brasileira de Química (SBQ) publicou nota em que afirma ser “absolutamente estarrecedor e incompreensível a sequência de ataques que o Sr. Ministro vem proferindo contra as Universidades Federais, usando de dados infundados ou algum problema pontual, numa tentativa aparentemente premeditada de macular a imagem de nossas Universidades”. A SBQ também desafia Abraham Weintraub:

Se o Sr. Ministro possui dados que comprovem alguma ação isolada relacionada as suas declarações, se tem conhecimento de algum caso pontual de desvio de conduta, que aponte, nomeie os responsáveis, denuncie à Polícia Federal, como é sua obrigação. Caso contrário, estará prevaricando e poderá responder por isto.

Diante das críticas que também se estenderam pelas mídias sociais, o ministro Abraham Weitraub divulgou duas notícias em seu perfil no Twitter para fundamentar o que falou na entrevista. A primeira é o compartilhamento de uma postagem no Twitter do grupo de estudantes conservadores UNB Livre que diz apresentar uma prova de que há plantações de maconha na própria Universidade de Brasília.

O que se apresenta como prova é uma reportagem produzida pelo Jornal de Brasília On Line, em abril de 2017, intitulada “Falhas na segurança da UnB facilitam crimes dentro da instituição”.

A matéria mostra a descoberta de uma área vizinha a um dos campi da UNB com vasos com plantação de maconha. Houve intervenção policial no local e é apresentada entrevista com o delegado responsável pelo caso Rodrigo Bonach. Ele diz que investigações seriam conduzidas para determinar se a maconha era produzida para consumo pessoal ou para venda para terceiros, o que caracterizaria tráfico.

O Ministério Público do Distrito Federal informou ao portal de notícias G1 que o caso foi encerrado depois de um acordo com cada um dos três envolvidos (dois estudantes de engenharia e outro jovem formado em administração, todos maiores de idade). Os acusados concordaram em pagar R$ 1.874 (dois salários mínimos) a uma escola da rede pública, como pena alternativa. O processo foi encerrado “sem análise da questão” (“não há condenação e o acusado continua sem registros criminais”, conforme a na Lei nº 9099/95). Esta informação não foi divulgada pelo Ministro da Educação.

A UnB esclareceu em nota de repúdio à fala de Weintraub, que o terreno onde a plantação de maconha foi encontrada não pertence à universidade:

A referida operação foi realizada em abril de 2017, em uma área não localizada na UnB. Trata-se de área de Cerrado próxima ao campus Darcy Ribeiro. Foram apreendidos vasos com maconha no local. Segundo as primeiras impressões da polícia, as plantas eram mantidas por um grupo, sendo dois estudantes da Universidade e uma terceira pessoa não pertencente à comunidade acadêmica. Na ocasião, as forças de segurança da Universidade deram todo o apoio à polícia.

A segunda postagem de Abraham Weintraub no Twitter para fundamentar o que disse na entrevista ao Jornal da Cidade On Line, sobre drogas sintéticas, indica um link de buscas no Google que leva para matéria do portal de notícias R7.

A matéria, de 23 de maio de 2019, intitulada “Polícia apura se insumos da UFMG são usados para fabricar drogas”, refere-se a uma investigação da Polícia Civil de Minas Gerais sobre pessoas que usariam materiais da própria Universidade Federal de Minas Gerais para fabricar e vender drogas. O resultado foi a prisão de cinco homens em flagrante portando maconha e haxixe.

À época, o delegado responsável Rodolpho Machado identificou os homens e disse que eles não eram alunos da universidade, tendo afirmado que “usavam aquele espaço público como finalidade para práticas ilícitas”.

Em nota ao portal de notícias G1 a UFMG declarou que uma sentença para o caso foi pronunciada em 24 de outubro de 2019, em uma ação penal conduzida pelo Ministério Público de Minas Gerais. “Restou comprovado que nenhum dos indiciados é estudante ou servidor da UFMG ou tem qualquer relação formal ou informal com a instituição”, afirma a nota oficial. No texto também consta a declaração de que “Não há também no documento indícios ou qualquer prova de que laboratórios de química da UFMG foram utilizados para a fabricação de drogas. Segundo o Juiz de Direito, responsável pela ação, Thiago Colnago Cabral, ‘deve ser frisado, que não existe nenhuma prova de que a direção das faculdades que serviram de palco para o delito tenham, de algum modo, concorrido para o fato criminoso ou mesmo tenham oficialmente sido cientificados da ocorrência’”.

A nota da UFMG informa que o Conselho Universitário estaria reunido em 25 de novembro para um posicionamento oficial referente à acusação do Ministro da Educação.

Bereia enviou mensagens à Assessoria de Imprensa do Ministério da Educação solicitando esclarecimentos sobre as acusações do ministro Abraham Weintraub e não obteve respostas.

Ao acusar as universidades federais de produzirem drogas em seus espaços (“plantações extensas de maconha” e “drogas sintéticas”) o Ministro da Educação desinforma o público pois trata as instituições de forma genérica e não apresenta conteúdo comprobatório das acusações. Da mesma forma o Jornal da Cidade On Line não cumpriu o papel de um órgão informativo e não indagou o ministro quanto a elementos concretos das graves denúncias proferidas. O jornal ainda alimenta a desinformação dizendo que este foi o quadro que “o ministro encontrou em algumas universidades quando assumiu”, o que não corresponde ao que Weitraub apresentou em mídias sociais como “provas”.

Nessas postagens no Twiiter, posteriores à entrevista, Abraham Weintraub demonstra que não teve contato direto com as universidades ou com os possíveis casos a que se referiu pois compartilhou como provas reportagens inconclusivas, com histórias tratadas ainda como suspeitas e de forma preliminar. Fato é que os casos a que recorreu já haviam sido encerrados sem qualquer referência ao envolvimento das universidades citadas.

Bereia conclui, portanto, que a entrevista e as postagens do ministro oferecem conteúdo enganoso pois induzem o público a construir uma visão negativa sobre as universidades públicas ao enquadrá-las em crimes relacionados a drogas. O ministro, pressionado por provas, fez uso de informações preliminares sobre casos isolados, já encerrados pelo Judiciário que, nas sentenças, isentou as universidades de participação nas ilegalidades.

Referências de checagem:

Weintraub quer acabar com a escravidão intelectual existente no país (veja o vídeo). TV JCO, 23 nov. 2019. Disponível em: https://www.jornaldacidadeonline.com.br/noticias/17454/weintraub-quer-acabar-com-a-escravidao-intelectual-existente-no-pais-veja-o-video

GALHARDI, Raul. Brasil é terreno fértil para fake news. Observatório da Imprensa, 20 ago 2019. Disponível em: http://observatoriodaimprensa.com.br/crise-na-imprensa/brasil-e-terreno-fertil-para-fake-news/

A “soberania” das Universidades escondeu “plantações extensivas de pés de maconha”, revela Weintraub (Veja o vídeo). TV JCO, 21 nov 2019. Disponível em: https://www.jornaldacidadeonline.com.br/noticias/17424/a-soberania-das-universidades-escondeu-plantacoes-extensivas-de-pes-de-maconha-revela-weintraub-veja-o-video

Wentraub cita plantações “extensivas” de maconha em federais. BRPolítico, O Estado de São Paulo, 21 nov 2019. Disponível em: https://brpolitico.com.br/noticias/weintraub-cita-plantacoes-extensivas-de-maconha-em-federais/?utm_source=twitter:newsfeed&utm_medium=social-organic&utm_campaign=redes-sociais:112019:e&utm_content=:::&utm_term=

ANDIFES. Declarações do Ministro da Educação sobre as Universidades Federais. ANDIFES, 22 nov 2019. Disponível em: http://www.andifes.org.br/declaracoes-do-ministro-da-educacao-sobre-as/

Nota pública SBQ. Boletim Eletrônico da SBQ, 22 nov 2019. Disponível em: http://boletim.sbq.org.br/boletim/2019/especial-nota-publica-sbq221119.php

GARCIA, Keven. Falhas na segurança da UnB facilitam crimes dentro da instituição. Jornal de Brasília On Line, 20 abr 2017. Disponível em: https://jornaldebrasilia.com.br/cidades/policia-civil-encontra-plantacao-de-maconha-dentro-da-unb/

Desfechos de casos citados por ministro isentam universidades de ligação com drogas em campi. G1, 25 nov 2019. Disponível em: https://g1.globo.com/educacao/noticia/2019/11/25/desfecho-de-casos-citados-por-ministro-isentam-universidades-de-ligacao-com-drogas-em-campi.ghtml

SOARES, Ingrid. UnB repudia post de ministro Weintraub sobre maconha na universidade. Correio Brasiliense, 24 nov 2019. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2019/11/24/interna-brasil,808874/unb-repudia-post-de-ministro-weintraub-sobre-maconha-na-universidade.shtml

OLIVEIRA, Matheus Renato, MOREIRA, Regiane Moreira. Polícia apura se insumos da UFMG são usados para fabricar drogas. R7, 23 mai 2019. Disponível em:  https://noticias.r7.com/minas-gerais/policia-apura-se-insumos-da-ufmg-sao-usados-para-fabricar-drogas-23052019?amp

OEA não declarou que Venezuela e Cuba projetaram “fraude eleitoral” na Bolívia

Postagem no perfil do Twitter da youtuber e ativista católica Sara Winter, em 16 de novembro, informou aos seus mais de 60 mil seguidores, que a Organização dos Estados Americanos (OEA) havia acabado de confirmar que Venezuela e Cuba haviam projetado a “fraude eleitoral que elegeu Evo Morales, presidente da Bolívia”. Sara Winter ligou à informação críticas sobre a direita ser delirante, sobre o líder conservador Olavo de Carvalho ser louco e classificou “esquerdista que não analisa os fatos, um imbecil”. A postagem teve quase dez mil curtidas e mais de 2.500 compartilhamentos.

Bereia verificou o noticiário nacional e internacional dos dias anteriores à postagem de Sara Winter e não encontrou qualquer menção a uma declaração da OEA sobre o envolvimento da Venezuela e de Cuba em uma possível fraude eleitoral na Bolívia.

Nos documentos oficiais da OEA, disponíveis no website da organização, Bereia teve acesso ao Relatório do Grupo de Auditores do Processo Eleitoral na Bolívia, de 10 de novembro de 2019. É reconhecida pelos auditores a existência de irregularidades no processo e feita a recomendação da realização de novas eleições. Os países Venezuela e Cuba em nenhum momento são citados no relatório.

O único registro oficial da OEA sobre a situação política da Bolívia para além do Relatório do Grupo de Auditores é a “Declaração da Secretaria Geral da OEA sobre a Situação na Bolívia”, de 11 de novembro, no qual o órgão reconhece a crise institucional e política naquele país e rejeita qualquer resolução inconstitucional para o caso. Há um chamado à paz e ao respeito ao Estado de Direito.

Na Declaração da Secretaria Geral da OEA é solicitada uma reunião urgente da Assembleia Legislativa Plurinacional da Bolívia para garantir o funcionamento institucional e nomear novas autoridades eleitorais para garantir um novo processo eleitoral. O órgão afirma no documento ser também importante que a justiça continue investigando as responsabilidades existentes em relação à prática de crimes relacionados ao processo eleitoral de 20 de outubro, até que sejam solucionadas.

Bereia afirma, portanto, que a postagem da ativista católica Sara Winter é falsa, caracterizada como conteúdo fabricado para formar ou reforçar opiniões negativas aos citados. Os dados disponíveis sobre a situação em questão contradizem objetivamente o que é apresentado na postagem.

Bereia verificou o noticiário nacional e internacional dos dias anteriores à postagem de Sara Winter e não encontrou qualquer menção a uma declaração da OEA sobre o envolvimento da Venezuela e de Cuba em uma possível fraude eleitoral na Bolívia.

Nos documentos oficiais da OEA, disponíveis no website da organização, Bereia teve acesso ao Relatório do Grupo de Auditores do Processo Eleitoral na Bolívia, de 10 de novembro de 2019.  É reconhecida pelos auditores a existência de irregularidades no processo e feita a recomendação da realização de novas eleições. Os países Venezuela e Cuba em nenhum momento são citados no relatório.

O único registro oficial da OEA sobre a situação política da Bolívia para além do Relatório do Grupo de Auditores é a “Declaração da Secretaria Geral da OEA sobre a Situação na Bolívia”, de 11 de novembro, no qual o órgão reconhece a crise institucional e política naquele país e rejeita qualquer resolução inconstitucional para o caso. Há um chamado à paz e ao respeito ao Estado de Direito.

Na Declaração da Secretaria Geral da OEA é solicitada uma reunião urgente da Assembleia Legislativa Plurinacional da Bolívia para garantir o funcionamento institucional e nomear novas autoridades eleitorais para garantir um novo processo eleitoral. O órgão afirma no documento ser também importante que a justiça continue investigando as responsabilidades existentes em relação à prática de crimes relacionados ao processo eleitoral de 20 de outubro, até que sejam solucionadas.

Bereia afirma, portanto, que a postagem da ativista católica Sara Winter é falsa, caracterizada como conteúdo fabricado para formar ou reforçar opiniões negativas aos citados. Os dados disponíveis sobre a situação em questão contradizem objetivamente o que é apresentado na postagem.

Referências da checagem:

STATEMENT of the Group of Auditors Electoral Process in Bolivia. Organization of American States, 10 nov 2019. Disponível em https://www.oas.org/en/media_center/press_release.asp?sCodigo=E-099/19

STATEMENT of the OAS General Secretariat on the Situation in Bolivia. Organization of American States, 11 nov 2019. Disponível em https://www.oas.org/en/media_center/press_release.asp?sCodigo=E-101/19

Foto de capa: frame de vídeo do canal EuroNews no YouTube

Pastor Silas Malafaia afirma que espalhou fake news durante campanha eleitoral de 2018

Depois de um ano de ter afirmado que Adelio Bispo de Oliveira, acusado de ser o autor do atentado a faca contra o então candidato a presidente da República Jair Bolsonaro, era militante do PT e assessor da campanha de Dilma ao Senado por Minas Gerais, o líder da igreja evangélica Assembleia de Deus Vitória em Cristo pastor Silas Malafaia publicou, em 9 de novembro passado, em sua conta no Twitter, um vídeo com um desmentido.

As postagens feitas pelo pastor, em 6 de setembro de 2018, tiveram muita repercussão. Matéria do jornal O Globo sobre conteúdo falso relacionado ao atentado a Jair Bolsonaro, publicada dois dias depois, citou o levantamento da Diretoria de Análise de Políticas Públicas (DAPP) da Fundação Getúlio Vargas. A pesquisa mostrou que uma das postagens sobre o episódio com maior repercussão no Twitter foi a do pastor Silas Malafaia, apoiador da candidatura de Bolsonaro, ligando PT e Dilma Rousseff a Adelio Bispo. Naqueles mesmos dias já se sabia que o homem preso em flagrante não era integrante de nenhum partido político. Até 2014 foi filiado ao PSOL, e não havia qualquer evidência de que atuasse em prol da campanha da ex-presidente Dilma Rousseff.

A matéria do jornal O Globo questionou, à época o pastor sobre a postagem. Silas Malafaia afirmou que, ao usar a palavra assessor, quis dizer que Adélio fazia campanha para a petista. “Não estou falando que ele era empregado de Dilma, nem funcionário de Dilma. Cada um entenda o que quiser. Com todo respeito, não vou ficar dando justificativa para ninguém”, afirmou.

Em declaração ao site de notícias BuzzFeed News, o pastor Malafaia afirmou que se baseou no que leu a respeito nas redes sociais. “Tá na mídia, em todos blogs, em tudo que é lugar”, disse o pastor por telefone. “Que o cara trabalhava, não que ele fosse funcionário dela, nada disso. Não tem nada a ver com [ser] funcionário dela. Não é funcionário dela, mas tava ajudando na campanha porque ele é esquerdopata. Tava ajudando. Tá aí, todo mundo fala. É só pegar o que apanharam lá da página dele na internet, tá lá. Não tem nada a ver como funcionário da Dilma, assessor como funcionário. Falo de assessoramento no sentido de apoio, é isso que estou falando”, reafirmou Silas Malafaia no contato telefônico.

Ao ser indagado pelo BuzzFeed pelo fato de não haver nenhuma referência à ex-presidente Dilma Rousseff na página de Adelio Bispo no Facebook, o evangelista disse: “Não tinha nada de Dilma, mas tem tudo em vários blogs, várias redes. Anunciou que ele estava apoiando, fazendo campanha pra ela, pô. Tá em rede social, eu só repliquei. Para bater nessa cambada.”

Ao jornal Folha de S. Paulo, o líder religioso afirmou, em 7 de setembro de 2018, que o autor do crime é militante de esquerda pelo que viu em fotos na internet.  “Esses esquerdopatas são os reis da dissimulação e do cinismo, eles mesmos que infiltram notícias falsas”, declarou.

Na abertura do vídeo postado em 9 de novembro de 2019, o pastor Silas Malafaia inicia dizendo que o atentado estava completando um ano, o que corrigiu (o caso ocorreu em 6 de setembro). “Eu digo sempre que a grandeza de um ser humano não são os seus acertos, é reconhecer seus erros e corrigir suas rotas”, afirma o pastor na gravação antes de se retratar. “Na época, eu disse que o tal do Adélio era assessor de Dilma. Nunca foi assessor de Dilma. Tem que ser honesto com isso aí. Ele já teve vínculo lá atrás com o PSOL, mas nunca assessorou Dilma em campanha. Estou aqui corrigindo porque eu fiz uma declaração na época e essa declaração, e olha que eu sou cuidadoso, de ver coisa em rede social e soltar. Mas na época, eu soltei, postei no Twitter fazendo a reconsideração, e agora to reconsiderando aí nesse vídeo. Tá certo? A verdade é a verdade”, disse o líder da Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo.

Bereia verificou que o vídeo de Silas Malafaia é verdadeiro. No entanto, não conseguiu informações do porquê desta retratação ter sido publicada mais de um ano depois, mesmo tempo posterior à investigação da Polícia Federal ter sido encerrada afirmando que Adelio Bispo de Oliveira agiu sozinho por motivação política.

Em maio de 2019, a justiça já havia decidido que o autor do atentado tem transtorno mental e é inimputável (incapaz de entender o caráter de crime que cometeu e de responder por seus atos) e foi mantido em presídio para cumprir medida de segurança.

O pastor Malafaia não deu declarações sobre as razões da retratação tanto tempo depois. Estima-se que seja resultado de processo judicial. Já em 2018, a assessoria de Dilma Rousseff disse que ela entraria com processo por calúnia, injúria e difamação contra o pastor Malafaia.

Outra possibilidade para o ato tão defasado no tempo são os avanços nas investigações da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que apura a divulgação de informações falsas para influenciar no resultado das eleições presidenciais de 2018, a chamada CPI das Fake News, instalada em 4 de setembro de 2019.

Bereia afirma, portanto, que a cobertura que envolve a publicação do vídeo de retratação do pastor Silas Malafaia em relação às mentiras que publicou em 2018 é inconclusiva pois não foram reunidos dados suficientes sobre a motivação para a devida informação do público. Bereia continuará apurando o caso.

Referências da checagem:

CANOFRE, Fernanda. Juiz que declarou Adélio inimputável decide absolvê-lo e mantê-lo em presídio. Folha de S. Paulo, 14 jun 2019. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/06/juiz-que-declarou-adelio-inimputavel-decide-absolve-lo-e-envia-lo-para-manicomio.shtml

CPMI das Fake News é instalada no Congresso. Senado Notícias, 4 set 2019. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/09/04/cpmi-das-fake-news-e-instalada-no-congresso

Não há informações de que Igreja Católica foi vandalizada no Chile por Black Blocs socialistas

Imagens de destruição de uma igreja no Chile, como parte dos protestos populares que o país tem experimentado há quase um mês contra o governo de Sebatián Piñera, estão circulando em perfis de mídias sociais no Brasil.

A postagem mostra imagens de pessoas com o rosto coberto saqueando uma igreja, depredando imagens e queimando bancos e o confessionário na rua para interromper o trânsito. No texto que introduz estas imagens é atribuída responsabilidade a “Black Blocs” e é afirmado que “o socialismo odeia a Cristo e usa seu Santo nome em vão para defender o seu poder enquanto não tem controle sobre tudo”.

Bereia checou fontes na própria capital chilena, a cidade de Santiago, periódicos jornalísticos locais, publicações católicas e a Conferência Episcopal [Católica] do Chile.

A publicação internacional de informação Aleteia, mantida pela Fundação [Católica] para a Evangelização através dos Meios (FEM), confirma a agressão que aconteceu em 8 de novembro. A matéria informa que o caso se deu na Paróquia da Assunção, cuja igreja foi construída em 1876, localizada no Centro de Santiago, a poucas quadras de uma nova manifestação pacífica na Praça Itália.

Nos primeiros dias das manifestações, segundo Aleteia, a Catedral da cidade de Valparaíso havia sido vandalizada, mas pessoas que trabalham no templo, vizinhos e policiais impediram uma destruição maior. Na Paróquia da Assunção teria sido impossível fazer isto por conta do nível de violência, diz Aleteia, do medo dos vizinhos e da falta de policiais.

Um jornalista local, uma das fontes ouvida por Bereia, confirmou que esteve pessoalmente nessa igreja localizada na Av. Vicuña Mackenna. “A destruição é total, creio que as imagens são válidas. Não sei se se trata do grupo Black Blocks, mas que o templo está destroçado, isto posso assegurar. Esta Igreja está localizada a 50 metros da Embaixada da Argentina no Chile e da sede da Reitoria da Universidade Pedro de Valdivia, que também foram vandalizadas. A Universidade completava, em 9 de novembro, 13 anos de fundação. O prédio da reitoria (um casarão construído em 1916) ficou inutilizado. No edifício da Embaixada da Argentina no Chile estava o embaixador José Octavio Bordón com sua esposa. Os dois se entrincheiraram no interior do prédio para não serem atacados. Este edifício também é histórico porque foi doado pelo Chile à Argentina, em 1899”.

Outra fonte local confirmou a destruição e declarou ter conhecimento de que “grupos estão atentando contra igrejas católicas especialmente. Isto teria relação com a revolta que há em relação a diversos temas como pedofilia”.

É fato que antes dos protestos contra o governo Piñera, ataques a templos católicos já tinham acontecido no país. Em 13 janeiro de 2018, três dias antes da visita do Papa Francisco ao Chile, sob o governo de Michelle Bachelet, três igrejas da capital foram atacadas com bombas incendiárias e explosivos. Outros explosivos foram contidos pela polícia em duas igrejas. “As próximas bombas serão na sua batina”, dizia um dos panfletos encontrados. “O que ocorreu ontem à noite é muito estranho, não é algo que possamos identificar como um grupo específico”, afirmou Bachelet, pedindo que a visita do papa Francisco fosse vivida “num clima de respeito, solidariedade e alegria”.

A Promotoria Sul, encarregada da investigação dos casos em 2018, suspeitou da rearticulação do Movimento Juvenil Lautaro (MJL), uma organização de esquerda que defendia a luta armada na ditadura de Pinochet. Em novembro e dezembro de 2017, o mesmo grupo teria atacado várias delegacias do país. Já para a polícia do Chile os responsáveis seriam grupos anarquistas. Nada foi definido.

O Chile é visto como um país que se distanciou da Igreja Católica. Embora na ditadura a Igreja contasse com de apoio popular devido ao seu ativo papel em defesa dos perseguidos, nas últimas décadas perdeu força entre a sociedade. Segundo um estudo da consultoria chilena Latinobarómetro divulgado antes da visita do Papa, o Chile é a nação sul-americana com o menor índice de aprovação do Papa Francisco e a menor confiança na Igreja Católica. Nas semanas anteriores à visita papal em janeiro de 2018, por exemplo, os chilenos criticaram não só o custo da viagem, mas também a decisão das autoridades de declarar dias de festa pela chegada do Papa, considerando que o Chile é um Estado laico. “10 bilhões pelo Papa enquanto o povo morre nas comunidades”, dizia uma pichação numa parede próxima a uma das igrejas atacadas.

Quanto à depredação da Paróquia da Assunção no último dia 8 de novembro, a Conferência Episcopal [Católica] do Chile divulgou a seguinte declaração assinada por quatro integrantes do seu Comitê Permanente:

Frente o aumento da violência e o ataque a locais de culto

1. Solidariedade com o administrador apostólico Mons. Celestino Aós e com todos os fiéis da arquidiocese de Santiago por ocasião da pilhagem e profanação da Paróquia da Assunção de Maria. O mesmo acontece com as comunidades e pastores de outros templos e vários recintos de culto que foram atacados em diferentes cidades. Estamos feridos pelos maus-tratos a pessoas, os constantes saques e a violência, venha de onde venha; o ataque a templos e locais de oração, sem respeito a Deus e àqueles que acreditam Nele, nos causa dor. Templos e outros locais de culto são sagrados. Que nossa oração a Deus seja insistente em invocar seu perdão pelas profanações e, como Igreja, repararemos essas graves ofensas contra Deus e seus fiéis.

2. Com muitos chilenos e chilenas, somos radicalmente contra a injustiça e a violência, condenamo-nos em todas as suas formas e esperamos que os tribunais identifiquem os responsáveis ​​e os punam. Os violadores só nos impedem de olhar com a devida atenção para as justas reivindicações da maioria do povo chileno que anseia por soluções reais e pacíficas.

3 – Para controlar os excessos e restaurar a vida cívica, solicitamos às autoridades que apliquem a lei e a exerçam com todos os recursos de um Estado democrático. As pessoas não estão apenas cansadas da injustiça, mas também da violência, e a grande maioria anseia por um diálogo que reconstrua o tecido social.

4. Neste começo de mês de Maria, invocamos a Virgem de Carmen para nos dar um Chile unido, forjado com o esforço de todos os homens e mulheres de boa vontade.

+ Santiago Silva Retamales

Bispo Castrense de Chile

Presidente

+ René Rebolledo Salinas

Arcebispo da Serena

Vicepresidente

+ Fernando Ramos Pérez

Administrador Apostólico de Rancagua

Secretario General

+ Juan Ignacio González Errázuriz

Bispo de San Bernardo

Santiago, 9 de novembro de 2019

Bereia verificou, portanto, que as imagens do vandalismo contra um templo católico no Chile são verdadeiras. A violência ocorreu junto com outras depredações na mesma avenida (Embaixada da Argentina e sede da Reitoria da Universidade Pedro de Valdívia).

Quanto ao teor da postagem, nem o jornalismo local nem publicações católicas ou a Conferência Episcopal do Chile atribuem a Black Blocs (movimentos de sentimento anárquico que agem mascarados e vestidos de preto em protestos de rua, dirigindo ataques a propriedades privadas para expressar seu desprezo pelo Estado e pelas políticas econômicas neoliberais) ou a grupos de tendência socialista as ações praticadas contra a Paróquia da Assunção.   

Neste sentido, a postagem que circula entre grupos religiosos em mídias sociais no Brasil é enganosa pois apresenta algo verdadeiro (os atos de vandalismo contra uma igreja no Chile) mas usa o caso para atribuir a responsabilidade a um grupo político e ao “socialismo”. Sem se valer de qualquer prova que corrobore esta afirmação, o autor induz seguidores a reagirem negativamente aos citados.

Referências de checagem

BARCELLOS, Jorge. O que querem os Black Bloc? IHU On-Line, 22 out 2013. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/524883-o-que-querem-os-black-bloc

CONFERÊNCIA EPISCOPAL DE CHILE. Iglesia.cl. Disponível em: http://www.iglesia.cl/4568-ante-el-recrudecimiento-de-la-violencia-y-ataque-a-lugares-de-culto.htm

GAYANGOS, Macarena. Chile y el ataque más feroz a una iglesia desde el inicio de las protestas. Aleteia, 9 nov 2019. Disponível em: https://es.aleteia.org/2019/11/09/chile-y-el-ataque-mas-feroz-a-una-iglesia-desde-el-inicio-de-las-protestas/

MONTES, Rocio. Cinco ataques contra igrejas chilenas poucos dias antes da visita do Papa. El País, 13 jan 2018. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/01/12/internacional/1515787437_107883.html

VELOSO, Luciano. Saqueadores ingresan a Iglesia en Santiago y usan bancas, confesionarios e imágenes como barricada. Biobiochile, 8 nov 2019. Disponível em: https://www.biobiochile.cl/noticias/nacional/chile/2019/11/08/saqueadores-ingresan-a-iglesia-santago-bancas-confesionario.shtml

Fontes locais intermediadas pela Agência Latino-Americana de Notícias (ALC).

Ps.: Essa chegagem foi sugerida por leitores/as do Bereia. Sugestões de checagem devem ser oferecidas pelo WhatsApp +55 98 92000-7205