Portal gospel publica matéria enganosa sobre números de violência contra LGBTQIA+

O portal evangélico Pleno News publicou matéria em que afirma que os assassinatos de pessoas LGBTQ+ aumentaram 42% em 2023, primeiro ano do governo Lula, em relação a 2022.  Segundo a publicação, de 21 de julho passado, “o primeiro ano do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teve um aumento de crimes contra pessoas LGBTQ+ de 42% em relação ao ano de 2022, quando foram registradas 151 mortes”. Os dados se referem ao levantamento do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), lançado em 18 de julho.

Imagem: Reprodução Pleno News

Outros veículos alinhados à política extremista de direita, como Conexão Política e Brasil Sem Medo, também abordaram o tema com títulos sensacionalistas. O Brasil Sem Medo, por exemplo, menciona não só o aumento dos assassinatos, mas também o crescimento de lesões e estupros contra a comunidade LGBTQ+, apresentando uma visão alarmista do atual governo federal. 

Imagem: Reprodução: Conexão Política e Brasil Sem Medo

Bereia checou se a informação destas mídias tem procedência: se houve aumento da violência contra pessoas LGBTQIA+, o atual governo federal é responsável por isto?

Os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 

O Anuário, produzido desde 2007, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), é uma das principais fontes de estatísticas sobre  violência e criminalidade no Brasil.  O FBSP é uma organização não governamental, criada em meados da década de 2000, independente de orientações partidárias e sem fins lucrativos. O objetivo principal do Fórum é promover um ambiente de colaboração técnica e referência na área de Segurança Pública, por meio da ação conjunta de pesquisadores, cientistas sociais, gestores públicos, membros das forças policiais (federais, civis e militares), profissionais do sistema judiciário e representantes de organizações da sociedade civil.

A mais recente edição do Anuário, publicada neste julho de 2024, revela um aumento nos homicídios dolosos contra pessoas LGBTQ+, que passaram de 151 casos em 2022 para 214 em 2023, o que representa um crescimento de 41,7% (ajustado para 42% na matéria do Pleno News). 

A série histórica de 2017 a 2023, mostra flutuações significativas nos casos de assassinatos LGBTQ+ no País: 99 casos em 2017, 124 em 2018, 97 em 2019, 167 em 2020, 176 em 2021, 151 em 2022 e 214 em 2023. 

A tabela a seguir compila os dados de homicídios dolosos contra a população LGBTQ+, por estados, publicados no Anuário Brasileiro de Segurança Pública entre os anos de 2018 e 2024.

O FBSP ainda destaca o problema frequente da subnotificação nos casos de violência contra a população LGBTQ+. Os dados são obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI), mas nem todos os estados forneceram dados completos, tais como Rio Grande do Sul, Bahia e Rio de Janeiro. 

Repercussão dos dados

Diferentemente da indiferença a edições anteriores da pesquisa, neste ano, parlamentares e outros políticos de oposição ao atual mandato federal, em especial os alinhados ao extremismo de direita e ao governo anterior, utilizaram o X para comentar os dados. Todos destacaram o aumento da taxa de assassinatos contra a população LGBTQ+ em 2023, com publicações que associam o fenômeno à atual gestão federal. Alguns utilizaram chamadas de mídias de notícias para justificar a crítica.

Imagem: Reprodução X 

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A violência contra pessoas  LGBTQ+ no Brasil

Ao se discutir o aumento dos assassinatos de pessoas LGBTQ+  é preciso considerar a complexidade histórica do problema. Esta parcela da população tem enfrentado décadas de discriminação e violência, em momentos históricos institucionalizadas, quando agravadas pela classificação errônea da orientação sexual homoafetiva como distúrbio mental. 

O Conselho Federal de Medicina (CFM) retirou a homossexualidade da lista de transtornos mentais no Brasil apenas em 1985, mesmo assim, antes da Organização Mundial da Saúde (OMS), que só o fez em 1991. Essa patologização contribuiu com o estigma de que a homossexualidade seria um desvio da norma ou problema mental, que poderia ser revertida e tratada. 

Além disso, a epidemia de Aids, nos anos 1980 e 1990, intensificou a discriminação e a perseguição contra pessoas LGBTQ+. Inicialmente referida como “peste gay”, a doença foi usada por discursos de parlamentares brasileiros, à época das discussões da Assembleia Nacional Constituinte, no final da década de 1980, para equipararem a homossexualidade a práticas criminosas e imorais. 

A combinação de  fatores sociais e políticos, o medo da Aids, o preconceito institucionalizado e a falta de informação adequada, segundo ativistas e especialistas, como os do Observatório de Mortes e Violências LGBT+ no Brasil, foram determinantes para o aumento da violência que se estendeu para além dos homens gays, afetando também lésbicas, bissexuais e, de forma mais proeminente, as pessoas transgênero.

Além desses fatores, há também a condenação de grupos religiosos à homossexualidade, que não se restringe a orientações internas à própria religião, mas acaba, por meio da atuação de lideranças, ganhando propagação para a sociedade mais ampla. 

Em 2024, o Bereia verificou que a cantora e pastora da Igreja Batista da Lagoinha Ana Paula Valadão, foi condenada a pagar uma multa de R$ 25 mil por danos morais coletivos. Ela respondeu a um processo judicial, por conta de discurso homofóbico e discriminatório em relação a pessoas que convivem com o vírus HIV, proferido durante o Congresso Diante do Trono, promovido pela Igreja Batista da Lagoinha em 2016, transmitido pela Rede Super de TV, de propriedade da igreja. 

“(…) Taí a Aids para mostrar que a união sexual entre dois homens causa uma enfermidade que leva à morte, contamina as mulheres, enfim… Não é o ideal de Deus.” declarou a cantora no evento. Na decisão da sentença, o juiz Hilmar Castelo Branco Raposo Filho afirmou que “a manifestação e divulgação da opinião errada atribui à população LGBTQ+ uma responsabilidade inexistente, atingindo a dignidade destas pessoas de modo transindividual, justamente o que caracteriza a lesão apontada pela autora”. 

A teóloga LGBTQIA+ e doutora em Ciências da Religião Ana Esther Freire, em entrevista ao Bereia, destaca que as igrejas cristãs hegemônicas tradicionalmente sempre se opuseram às dissidências sexuais e de gênero. No entanto, ela reconhece uma mudança, a partir da década de 1980, na América Latina, quando surgiram igrejas autodenominadas inclusivas em resposta aos discursos de ódio contra a população LGBTQ+. 

“No Brasil, o crescimento dessas igrejas dá-se, principalmente, a partir da década de 2000, e hoje o que se percebe no campo progressista cristão é uma crescente abertura às discussões sobre a pauta da diversidade sexual.”, afirma a teóloga. 

Ana Esther Freire ressalta o papel do Cristianismo progressista como aliado da comunidade  LGBTQ+, quando afirma: “Nesse contexto, o Cristianismo do campo progressista tem se apresentado como um importante aliado promovendo contra narrativas à crescente manifestação do ódio contra a população LGBTQIAPN+. O que se tem percebido é que, embora o Cristianismo hegemônico esteja envolvido com o crescente número de violência contra essa população por meio de seus discursos de ódio, a resistência a partir das margens do cristianismo também tem aumentado”.

Apesar de avanços em direitos e visibilidade, a partir dos anos 2000, o Brasil ainda carrega o pesado título de país mais homotransfóbico do mundo, de acordo com levantamento realizado pelo Grupo Gay Bahia (GGB), a maior Organização Não Governamental (ONG) LGBTQ+ da América Latina.  Portanto, atribuir a violência e o aumento do índice de assassinatos de indivíduos da  população LGBTQ+ à administração atual, sem considerar as causas profundas e históricas desse problema, gera desinformação. Por isso, Bereia buscou, ainda, levantar quais são as ações em políticas públicas para esta parcela da população brasileira, em especial no atual governo.

Políticas públicas e garantia de direitos à população LGBT

O desenvolvimento de políticas públicas voltadas à população LGBTQ+ no Brasil passou por diversas fases desde a redemocratização. Dois estudos acadêmicos nos ajudam a compreender essa trajetória: o artigo “Por onde andam as políticas públicas para a população LGBT no Brasil” de Luiz Mello, Rezende Bruno de Avelar e Daniela Maroja, publicado em 2012, e o trabalho mais recente de Gimenes e Villela, intitulado “Participação social, Estado e direitos de minorias: a conformação democrática de políticas públicas para a população LGBTI+ no Brasil”.

Mello, Avelar e Maroja, apontam que, até o início dos anos 2000, as iniciativas em prol da comunidade LGBTQ+ eram limitadas. Foi somente a partir de 2001, no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSBD), com o estabelecimento do Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNCD), ligado ao Ministério da Justiça, o governo federal começou a produzir planos, programas e conferências voltados à construção de políticas públicas para a população LGBT no Brasil.  

Gimenes e Villela destacam que os governos do Partido dos Trabalhadores, dois mandatos de Luis Inácio Lula da Silva e mais de um de Dilma Rousseff (2003-2016), proporcionaram significativa abertura ao diálogo com os movimentos LGBTQ+ e expansão das políticas públicas. Este período foi marcado por uma intensificação da participação social na formulação de políticas para a comunidade LGBTQ+.

Segundo o ativista e diretor presidente da Aliança Nacional LGBTQ+ Toni Reis, os editais de apoio à população LGBTQ+, publicados em 2023, são frutos dessa abertura para o diálogo. 

  • O Serpro, Serviço Federal de Processamento de Dados, destinou um milhão de reais para o Edital Agora 3T, visando incluir pessoas trans no mercado de tecnologia; 
  • O Ministério da Cultura dedicou aproximadamente dez milhões ao reconhecimento e valorização da produção cultural feita por pessoas idosas, com deficiência, LGBTQ+ e em sofrimento psíquico, via Prêmio Diversidade Cultural;
  • O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania destinou, por meio do Edital nº 3/2023, pouco mais de 1,2 milhão para o fomento à promoção e defesa de direitos de pessoas LGBTQ+;
  • Em dezembro de 2023, a pasta também anunciou o Prêmio Cidadania na Periferia, que vai reservar um milhão para 20 iniciativas periféricas que promovam a cidadania LGBTQ+. 

Os estudos convergem ao indicar que a criação destes programas e eventos pelo atual governo federal foi fundamental para o avanço dos direitos da população LGBTQ+ no Brasil, com o reforço do compromisso do governo com a proteção e promoção dos direitos humanos para estes cidadãos e cidadãs. 

Há relação entre o aumento dos números da violência e o atual governo?

O doutor em Ciência Política,  professor e pesquisador da PUC-Minas Thiago Coacci, ouvido pelo Bereia, contesta a correlação entre os dados do Anuário e o governo Lula, feita pelo Pleno News e por políticos de oposição em suas mídias. “Não existe relação entre o aumento da violência LGBTIfóbica e as ações do governo Lula”, afirma o pesquisador.

Coacci aponta dois fatores para o aumento registrado. Primeiramente, destaca a progressiva melhora na produção de dados sobre a violência LGBTfóbica, que até pouco tempo não eram coletadas. “Hoje vários estados começam a ter campos nos boletins de ocorrência, para coletar informações como a orientação sexual, identidade de gênero e motivação LGBTIfóbica dos crimes. Além disso, as organizações que produzem os dados de violência, como o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, começaram a se atentar melhor para esse tipo de violência, que antes era ignorada”, explica.

O segundo fator, segundo Coacci, é o aumento generalizado de violência contra grupos oprimidos, o que contribui significativamente para a compreensão desse crescimento. Ele contextualiza: “Esse dado tem que ser entendido em conjunto com o aumento da violência doméstica contra mulheres, com o aumento do discurso de ódio contra pessoas LGBT, com a popularização de um masculinismo extremamente misógino e tantos outros fatores mais abrangentes que terminam por criar uma cultura em que as pessoas lgbti+, e outros grupos oprimidos, são odiadas e matáveis”. 


O doutor em Sociologia e pesquisador do Núcleo de Estudos da Diversidade Sexual e de Gênero Tony Gigliotti Bezerra também foi ouvido por Bereia. Ele afirmou que um governo não pode ser responsabilizado por todos os acontecimentos na sociedade e criticou o material publicado pelo Pleno News como falacioso e sensacionalista.

“O site Pleno News, que é identificado com a extrema-direita bolsonarista, produziu uma manchete sensacionalista que tenta inverter a lógica das ideias e tenta colocar o governo Lula como algoz da população LGBTQIA+, sendo que, na realidade, ele promove políticas de  direitos de LGBTQIA+. Nisso, ele se difere do governo Bolsonaro, que atacava cotidianamente a população LGBTQIA+ e censurava professoras e professores que abordassem esse tema nas salas de aula” explica o doutor. 

Gigliotti comenta que há dados que mostram o investimento em políticas públicas para combater a discriminação e promover os direitos da população LGBTQIA+ durante o governo Lula. “Em países onde a homossexualidade é proibida pelo Estado (em mais de 60 países a homossexualidade ainda é considerada crime), não existem dados sobre a LGBTfobia justamente porque a homofobia é legitimada pelo próprio Estado. Então o Brasil está começando a criar, está ainda engatinhando nessa seara de políticas públicas LGBTQIA+ e está diminuindo a subnotificação. E, com a diminuição da subnotificação, há o aumento de casos registrados de LGBTfobia. Então a manchete deveria ser uma notícia positiva para o governo porque esses casos começam finalmente a serem registrados de maneira formal pelo Estado brasileiro”.

O professor também menciona que é importante lembrar que muitas estatísticas sobre LGBTfobia anteriores vinham do trabalho de ONGs, como o Grupo Gay da Bahia e a Rede Trans, que contavam as mortes de pessoas LGBTQIA+ a partir das notícias de jornal. “O que acontece agora é que as secretarias estaduais de segurança pública estão começando a assumir as suas responsabilidades no sentido de adequar os seus formulários-padrão de boletim de ocorrência para incluir a questão da LGBTfobia. Por isso, o aumento de casos registrados está relacionado à diminuição da subnotificação”. 

Além disso, Gigliotti comenta que a matéria do Pleno News menciona que o aumento no número de homicídios LGBTfóbicos registrados está relacionado à redução da subnotificação. Portanto, houve uma redução na subnotificação, e não um aumento real dos casos de LGBTfobia no primeiro ano do governo.

“A própria reportagem diz também, citando uma especialista do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que diversos estados não informaram os seus dados sobre violência LGBTfóbica. Então, o que acontece é que os estados brasileiros, por meio das Secretarias Estaduais de Segurança Pública, estão começando a colocar em seus formulários de boletim de ocorrência a problemática da LGBTfobia. Assim, é de se esperar que a quantidade de BOs relacionados à LGBTfobia aumente significativamente nos próximos anos, porque cada vez mais estados estão assumindo as suas responsabilidades e colocando esse fator de LGBTfobia dentro dos seus formulários padrão de boletim de ocorrência”. 

Tony Gigliotti também assegura que o que aconteceu, em 2023, foi uma redução da subnotificação e não o aumento da LGBTfobia na sociedade brasileira.

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Bereia classifica como ENGANOSA a afirmação publicada por Pleno News de que o aumento de 42% nos assassinatos de pessoas LGBTQIA+, em 2023, tem relação direta com o governo Lula.

Embora o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024 registre um aumento significativo nos casos de homicídios dolosos contra pessoas LGBTQIA+, de 151, em 2022, para 214, em 2023, não há evidências que sustentem uma relação causal direta entre este aumento e as políticas do atual governo federal.

O veículo gospel evangélico tomou os números sem contextualizá-los. Como especialistas alertam, deve-se considerar a melhoria na coleta e no registro de dados sobre violência LGBTfóbica, o aumento generalizado da violência contra grupos minoritários, o histórico de discriminação e violência institucionalizada contra a população LGBTQI+ no Brasil, e a complexidade das causas da violência contra o grupo, que envolvem fatores sociais, culturais e históricos.

Além disso, como verificado em estudos científicos, o governo atual tem recuperado a implementação de políticas e ações voltadas para a proteção e promoção dos direitos da comunidade LGBTQI+, enfraquecidas no governo anterior, como a criação da Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQI+ e a retomada do Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQI+, entre outras ações.


Bereia alerta leitores e leitores sobre o uso de material noticioso falso e enganoso como campanha política de oposição. Como é sempre enfatizado neste espaço, oposição é uma prática importante e saudável em uma democracia, porém deve ser realizada de forma digna, sem recorrer a mentiras e enganos, como estratégia de destruição de reputações e como convencimento para captação de apoios.

Referências

CNN Brasil.

https://www.cnnbrasil.com.br/saude/ha-40-anos-primeiros-casos-de-aids-eram-relatados-nos-eua/. Acesso em 23 de julho de 2024.

Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 

https://forumseguranca.org.br/ Acesso em 22 de julho de 2024.

G1.

https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2024/01/20/mortes-violentas-de-pessoas-lgbtqia-na-ba-2023.ghtml. Acesso em 23 de julho de 2024.

Senado Federal.

https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/arquivo-s/aids-chegou-ao-brasil-ha-40-anos-e-trouxe-terror-preconceito-e-desinformacao. Acesso em 23 de julho de 2024.

Veja. 

https://veja.abril.com.br/saude/por-que-considerar-a-homossexualidade-um-disturbio-e-errado/. Acesso em 23 de julho de 2024.

Coletivo Bereia.

https://coletivobereia.com.br/pastora-e-cantora-evangelica-ana-paula-valadao-e-condenada-por-falas-publicas-discriminatorias-contra-pessoas-lgbtqia/. Acesso em 23 de julho de 2024.

Revista Sociedade e Estado.

https://www.scielo.br/j/se/a/xZP7MNQxfysrJX53QTdcXsD/#. Acesso em 24 de julho de 2024. 

Diadorim. https://adiadorim.org/reportagens/2024/01/politica-lgbtqia-avanca-em-2023-mas-direitos-trans-e-educacao-patinam/. Acesso em 25 de julho de 2024.

Argumentos – Revista do Departamento de Ciências Sociais da Unimontes.

https://www.periodicos.unimontes.br/index.php/argumentos/article/view/7647. Acesso em 25 de julho de 2024.

Fundação Fernando Henrique Cardoso.

https://fundacaofhc.org.br/linhasdotempo/direitos-lgbtqia/. Acesso em 25 de julho de 2024.

Diadorim. https://adiadorim.org/noticias/2024/01/lula-sanciona-orcamento-com-maior-verba-para-politica-lgbtqia-da-historia/. Acesso em 26 de julho de 2024. 

Observatório de Mortes e Violências LGBTI+ no Brasil, https://observatoriomorteseviolenciaslgbtibrasil.org/dossie/mortes-lgbt-2022/  . Acesso em 26 jul 2024.

Diadorim. https://adiadorim.org/reportagens/2024/01/politica-lgbtqia-avanca-em-2023-mas-direitos-trans-e-educacao-patinam/. Acesso em 26 de julho de 2024. 

Conass Informa. https://www.conass.org.br/conass-informa-n-24-publicado-o-decreto-n-11-371-que-revoga-o-decreto-no-9-759-de-11-de-abril-de-2019-que-extingue-e-estabelece-diretrizes-regras-e-limitacoes-para-colegiados-da-ad/. Acesso em 26 de julho de 2024. 

Foto de Capa: Rovena Rosa/Agência Brasil

Site gospel desinforma sobre caso de deputada evangélica da Finlândia processada por ofensas a pessoas LGBTQIA+

O Portal de notícias Gospel Prime veiculou a informação de que a deputada Päivi Räsänen, do Partido Democrata Cristão da Finlândia, ex-ministra do Interior, está sendo processada por emitir opiniões em relação à sexualidade humana com base na Bíblia. Gospel Prime reproduz matéria publicada no site estadunidense Faithwire, que afirma que “o dilema de Räsänen começou em 17 de junho de 2019, quando ela tuitou o texto de Romanos 1:24-27, que condena a homossexualidade como pecaminosa.” 

Segundo o portal gospel, o processo em questão é motivado por perseguição ao Cristianismo, religião da deputada.

Bereia checou as informações sobre o caso. 

Imagem: reprodução Gospel Prime

Quem é Päivi Räsänen

Päivi Maria Räsänen, 63 anos, é uma política finlandesa do partido Democrata Cristão (KD).  Ela se envolveu na política no início dos anos 1990 e foi apresentada ao parlamento da Finlândia em 1991, do qual se tornou membra em 1995. Em 2004, Päivi Räsänen foi eleita líder do partido KD. Após as eleições na Finlândia em 2011, ela se tornou ministra do Interior no gabinete do então Primeiro-ministro, Jyrki Katainen no período de 2011 a 2015. 

Päivi Räsänen é médica, com confissão cristã luterana, uma das igrejas nacionais do país  (a outra é a Ortodoxa), casada com o pastor da igreja Niilo Räsänen, com quem tem cinco filhos. Ela mora em Riihimäki e é membra do Conselho da Cidade.  

De acordo com checagem do Bereia realizada em 03 de maio de 2020, “A parlamentar é conhecida por defender os pontos de vista conservadores sobre aborto, eutanásia, educação sexual e casamento. Desde que entrou para a política tem levantado posições contra o casamento homoafetivo, adoção por casais de mesmo sexo e contra o direito de casais de mulheres ou mulheres solteiras realizarem inseminação artificial. Em 2004 ela escreveu uma cartilha contra a homoafetividade para a Fundação Luther: “Ele os criou, homem e mulher – a homossexualidade desafia o conceito cristão de homem”.

Já o site All Famous diz que Päivi Räsänen é “Uma conservadora social convicta, que gerou polêmica ao expressar publicamente suas visões negativas tanto dos muçulmanos quanto das pessoas LGBT”.

O tema da Igreja perseguida no contexto do caso Räsänen

Bereia se deteve na informação do Gospel Prime, de o caso ser relacionado a “Igreja Perseguida”. A equipe buscou pesquisar se, de fato, a parlamentar foi processada por ser cristã, o que caracterizaria perseguição religiosa na Finlândia contra cristãos. 

Gospel Prime tomou como fonte, de onde reproduziu  matéria sobre o processo do Ministério Público finlandês contra Räsänen, o site Faithwire. O espaço digital é um portal de propagação de conteúdo religioso, de tendência conservadora, com ênfase na pauta de costumes, com forte apelo contrário aos direitos LGBTI+. 

Bereia apurou que, desde 2004, a deputada Räsänen move uma campanha antidireitos LGBTI+ na Finlândia. No início do ano, a deputada caracterizou, publicamente, entre outras ofensas, a homoafetividade como um distúrbio do comportamento, vergonha, pecado.  Em 2019, em um programa transmitido por uma estação de rádio pública finlandesa, a Yle, Räsänen descreveu a homossexualidade como uma forma de “degeneração genética.” 

Bereia apurou  teor do atual processo contra a deputada. De a acordo com a nota à imprensa divulgada pela Autoridade Nacional do Ministério Público da Finlândia, Räsänen estaria sendo processada por incitação contra contra grupos étnicos, neste caso, grupos de pessoas homoafetivas representados pela comunidade LGBTI+ daquele país. Conforme nota à imprensa:

“As acusações referem-se a três entidades diferentes.

Räsänen redigiu o escrito “Mieheksi ja naiseksi hän sikke loi. Homosuhteet haastavat kristillissen ihmiskäsitysken.” (Ele os criou homem e mulher. As relações homossexuais desafiam a visão cristã do homem). Em seus escritos, Räsänen apresentou opiniões e informações que são depreciativas para os homossexuais. Entre outras coisas, Räsänen afirmou que a homossexualidade é um transtorno de desenvolvimento psicossexual cientificamente comprovado. Pohjola publicou o texto no site da Fundação Luther na Finlândia e da Fundação Evangelical Lutheran Mission na Finlândia.

Além disso, Räsänen publicou em sua conta no Twitter e Instagram, bem como em sua página no Facebook, uma opinião depreciativa sobre os homossexuais, segundo a qual a homossexualidade é uma vergonha e um pecado. 

Räsänen também está no programa da rádio Yle Puhe, em um episódio com o título “O que Jesus pensava sobre os homossexuais?” fez declarações depreciativas sobre homossexuais. Lá, Räsänen disse que se a homossexualidade é genética, é uma degeneração genética e uma herança genética que causa uma doença. De acordo com a visão de Räsänen, os homossexuais também não são criados por Deus como os heterossexuais.

De acordo com o processo, as declarações, especificadas mais detalhadamente nas acusações contra Räsänen, são depreciativas e discriminatórias contra os homossexuais. As declarações violam a igualdade e a dignidade humana dos homossexuais, razão pela qual ultrapassam os limites da liberdade de expressão e de religião.

O Procurador-Geral acredita que as declarações de Räsänen implicam preconceito, desprezo e ódio para com os homossexuais.

O pedido de citação foi apresentado ao Tribunal Distrital de Helsínquia (processo do tribunal número R 21/3567 e processo do Procurador número R 19/16305).”

Portanto, a afirmação de que a publicação de um trecho da Bíblia seria a razão da promotoria ter denunciado a parlamentar do Partido Democrata Cristão finlandês à justiça, não corresponde ao histórico de Räsänen, de cunho antidireitos LGBTI+, conforme registros de sua atuação.

A fonte do Gospel Prime, o site Faithware, divulgou o caso com a interpretação de se tratar de perseguição religiosa, por citação da Bíblia. No entanto,  tal informação omite do público que declarações depreciativas que atacam os direitos da pessoa humana ultrapassam os limites da liberdade religiosa. Que os membros das Igrejas tem a obrigação de cumprir as leis de seus países, sobretudo, na Finlândia onde a maioria das denominações são financiadas pelo Estado.  

Religião na Finlândia

A religião cristã é predominante na Finândia, onde 77,1% da população estão ligados às igrejas Luterana, Ortodoxa e Católica, conforme o Relatório de 2023 da ACN (sigla do nome em Inglês Aid to the Church in Need), ligada ao Vaticano. A Igreja Evangélica Luterana da Finlândia tinha em 2022, cerca de 3,6 milhões de membros, sendo 65,2% da população. A população atual da Finlândia é de 5.580.127 milhões de habitantes. 

De acordo com checagem do Bereia em 2020, a Constituição  da Finlândia “garante a liberdade religiosa e de consciência, que inclui o direito a professar e praticar uma religião, expressar as próprias crenças e pertencer ou não a uma comunidade religiosa. Proíbe igualmente a discriminação baseada na religião. Além disso, a Lei da Liberdade Religiosa regulamenta o reconhecimento das comunidades religiosas, com possibilidade de receber fundos públicos. As comunidades religiosas reconhecidas incluem a Igreja Luterana Evangélica da Finlândia, a Igreja Ortodoxa da Finlândia e outras comunidades, como a Igreja Católica, as Testemunhas de Jeová, a Igreja Evangélica Livre e os Adventistas do Sétimo Dia. A religião pode ser praticada sem registro junto das autoridades estatais”.

Ainda conforme o Relatório 2023 da ACN sobre liberdade religiosa na Finlândia: “Parece que não houve restrições governamentais novas ou maiores à liberdade religiosa durante o período em análise, mas a liberdade de expressão poderia estar em risco por meio da utilização da lei da ‘agitação étnica’. Os elevados índices de crimes de ódio por motivos religiosos ainda são uma área de preocupação. O nível consistentemente elevado de imigração muçulmana associado à retórica antimuçulmana de extrema-direita poderia criar problemas significativos no futuro para a Finlândia”.

O avanço da extrema-direita nos países Nórdicos

A observação da ACN, sobre os crimes de ódio contra islâmicos,  tem relação com a atual tendência observada nos países membros da União Europeia (EU), também os países nórdicos, Finlândia, Noruega, Islândia, Suécia e Dinamarca. Eles estão abrindo espaço para a extrema-direita na política. Na Finlândia e na Suécia, partidos da extrema-direita já fazem parte dos governos desses países, eleitos recentemente.

Na Dinamarca,o bloco de esquerda da primeira-ministra social-democrata Mette Frederiksen, ganhou as eleições em novembro de 2022, “mas sem maioria face ao bloco que junta a direita e extrema-direita, de acordo com as sondagens à boca das urnas”, segundo o site de notícias Sapo.

“Migração, crise econômica e a ameaça russa são alguns dos temas que têm contribuído para o avanço da extrema-direita na Europa, segundo os analistas”, informa o canal EuroNews com a chamada: “Extrema-direita ganha poder na EU via coligações”.

Por que a extrema-direita da deputada Räsänen avança na Finlândia 

De acordo com a doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Mariah Lança, “a ascensão da extrema-direita no mundo é uma tendência como uma reação a uma série de processos econômicos e políticos cujos ciclos parecem estar chegando ao fim”. A cientista política cita como exemplo o estado de bem-estar social que concedia direitos e uma rede de proteção para os europeus de uma forma geral que lhes proporcionou uma qualidade de vida muito boa nas últimas décadas. “Este estado de bem-estar está quebrando por conta das sucessivas crises econômicas que a Europa passa nos últimos anos e, isso gera um empobrecimento da população . A economia sempre acaba falando mais alto na busca de soluções que prometem resolver essa situação que atinge os países”, explica.

A professora afirma ainda que além dessa perda de qualidade de vida, uma outra questão que explica o fortalecimento da extrema-direita em países europeus é o processo de globalização acelerado que “faz com que pessoas, grupos, circulem no mundo, muito especificamente na Europa, como nunca antes havia acontecido; processo migratórios mais intensos, que embora sempre tenham existido, se intensificaram a partir do final do século 20 e início do século 21. E, nesse sentido, começam a se destacar grupos reacionários que se sentem ameaçados, não só do ponto de vista econômico, mas principalmente cultural, como se houvesse uma perda da identidade nacional e uma consequente busca sobre quem pode ser o povo dentro daquele Estado/nação”. 

Para a cientista política, “esse purismo/fascismo cultural é responsável pelo fortalecimento dos grupos de extrema-direita na Europa que têm discursos como fechamento de fronteiras e a defesa de uma nacionalidade. O nacionalismo radical está na base de todos os grupos fascistas da extrema-direita, muito aliados ao poder, ao sistema neoliberal no qual o Estado deixa a economia com seus processos predatórios e como fonte de enriquecimento para esses. O sociólogo Michael Löwy , afirma no artigo “Conservadorismo e extrema-direita na Europa e no Brasil”, que  “A orientação reacionária nacionalista, na maioria das vezes, é ‘complementada’ com uma retórica ‘social’, em apoio às pessoas simples e à classe trabalhadora (branca) nacional. Em outras questões – por exemplo, neoliberalismo, democracia parlamentar, antissemitismo, homofobia, misoginia ou secularismo – esses movimentos são mais divididos”.

Partido de centro-direita, aliado à extrema direita, governa a Finlândia

Na Finlândia, os membros do Parlamento finlandês (Eduskunta) elegeram em junho deste ano, como primeiro-ministro do país, o líder ultraconservador  Petteri Orpo. Ele fez uma campanha baseada em uma agenda anti-imigração e eurocética. Em 2 de abril deste ano, as eleições gerais na Finlândia deram vitória à Coligação Nacional, partido de centro-direita e conservador.

Depois de um período tumultuado de negociações que se seguiram às eleições legislativas de abril, Petteri Orpo anunciou uma coalizão com o Partido dos Finlandeses, de extrema direita, que ficou em segundo lugar nas eleições legislativas, e outras duas formações de direita. Os quatro aliados têm 108 das 200 cadeiras do Parlamento.

 Análises indicam que ” a Finlândia, com 5,5 milhões de habitantes, poderá assim juntar-se à onda nacionalista que varre a Europa, após a ascensão dos conservadores ao poder na vizinha Suécia e a vitória da extrema direita na Itália”.

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Bereia considera enganosa a notícia reproduzida no Gospel Prime. Embora o conteúdo trate de um fato ocorrido, a matéria  do portal religioso, além de imprecisa, sem apresentar o caso com a amplitude necessária para ser considerado informação, manipula dados para incutir a ideia de perseguição à deputada por ser cristã. 

Além da matéria não oferecer dados substanciais do teor do processo do Ministério Público finlandês contra a deputada Päivi Räsänen, esconde o histórico da atuação antidireitos LGBTQIA+ da parlamentar, o que leva o público a crer que existe perseguição ao Cristianismo naquele país. 

Räsänen está sendo processada por causa das suas declarações depreciativas e discriminatórias contra as pessoas hhomoafetivas. Está sendo responsabilizada por suas declarações, tendo utilizado veículos públicos de comunicação, contra a dignidade humana dessas pessoas. Na avaliação das autoridades, as declarações da deputada ultrapassam os limites da liberdade de expressão e de religião.

Igreja Perseguida é tema amplo no mundo e o Gospel Prime coloca um caso individual sob este guarda chuva, na linha do terrorismo verbal, com o objetivo de criar medo da perseguição a cristãos, e fazer crer que se alguém como Päivi Räsänen é perseguida fora do Brasil, também pessoas serão perseguidas aqui.

A tentativa de se construir a ideia da perseguição aos cristãos no Brasil, sob a noção da suposta “cristofobia “, tem sido uma constante em sites de notícias religiosas, tendo como fontes personalidades da extrema direita brasileira ou de outros países, como é o caso desta checagem. Bereia já verificou várias vezes o assunto e mostra que liberdade religiosa, em um Estado laico e plural, não quer dizer liberdade para ofender e impedir direitos em nome de uma única doutrina religiosa. 

A publicação do Gospel Prime representa desinformação por usar a imprecisão e manipular dados. 

Referências:

Autoridade Nacional do Ministério Público da Finlândia. https://syyttajalaitos.fi/sv/-/paivi-rasanen-samt-lutherstiftelsens-juhana-pohjola-atalas-for-hets-mot-folkgrupp. Aceso 30 set 2023

Faithwire. https://www.faithwire.com/tag/religious-liberty/. Acesso 27 Set 2023

Bereia. https://coletivobereia.com.br/cristofobia-perseguicao-a-cristaos-e-fechamento-de-igrejas-estao-entre-os-temas-com-mais-desinformacao-em-espacos-religiosos-nestas-eleicoes/. Acesso 30 set 2023

Reuters. https://www.reuters.com/world/europe/christian-mp-goes-trial-finland-calling-homosexuality-disorder-2022-01-24/ Acesso 27 Set 2023

ACN. Relatório 2023. Finlândia. https://www.acn.org.br/finlandia/ Acesso em 26 set 2023

All Famous. https://allfamous.org/pt/people/paivi-rasanen-19591219.html . Acesso em 26 set 2023

CartaCapital. https://www.cartacapital.com.br/mundo/centro-direita-vence-eleicoes-na-finlandia/?fbclid=IwAR2E-v5IW6son4Gt8rcW1dGLHz4w-dBiXHiYjkkKU8w4zaQkAc7R3_vkvkQ . Acesso em 27 set 2023

Coletivo Bereia. https://coletivobereia.com.br/a-finlandia-nao-esta-prestes-a-tornar-o-cristianismo-ilegal/ . Acesso em 26 set 2023

Diário de Notícias. https://www.dn.pt/internacional/petteri-orpo-eleito-oficialmente-primeiro-ministro-da-finlandia-16559865.html Acesso em 26 set 2023 

Estado de Minas. https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2023/06/15/interna_internacional,1507981/finlandia-tera-governo-conservador-com-a-extrema-direita.shtml Acesso em 26 set 2023

EuroNews. Youtube. https://www.youtube.com/watch?v=ps_ib_9ihGY . Acesso em 26 set 2023

Finland’s Constitution of 1999 with Amendments through 2011, capítulo 2, seção 11, constituteproject.org, https://www.constituteproject.org/constitution/Finland_2011.pdf?lang=en . Acesso em 26 set 2023

Freedom of Religion, Religious Affairs, Ministério da Educação e Cultura. https://okm.fi/en/freedom-of-religion Acesso em 26 set 2023 

Päivi Räsänen. In: Wikipédia, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2022. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=P%C3%A4ivi_R%C3%A4s%C3%A4nen&oldid=63749044 Acesso em 26 set 2023

Religião na Finlândia. In:Wikipédia, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2023. https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Religi%C3%A3o_na_Finl%C3%A2ndia&oldid=66151448. Acesso em 26 set 2023

Sapo. https://24.sapo.pt/atualidade/artigos/esquerda-ganha-eleicoes-na-dinamarca-mas-sem-maoria . Acesso em 27 set 2023

Scielo. https://www.scielo.br/j/sssoc/a/MFzdwxKBBcNqHyKkckfW6Qn/?fbclid=IwAR3RwnSfA86t3SDR2YuD1BXqdxP5rbJeEP3fPcZmJLBGbM6SMG8x1ogCdY4#. Acesso em 27 set 2023

Foto de capa: reprodução/ Youtube

Notícia imprecisa sobre proibição de Bíblias nos EUA gera confusão sobre perseguição religiosa

* Matéria atualizada às 20:30 para correção de redação

De acordo com matéria distribuída por agências internacionais de notícias, e publicada, inicialmente, no Brasil, pelos jornais Estado de Minas e O Estado de São Paulo, no último 2 de junho, o Estado de Utah, nos Estados Unidos, teria retirado a Bíblia de bibliotecas e escolas. A ação teria sido uma resposta a decisões de políticos conservadores de retirar livros que abordassem questões LGBTQIA+ “de prateleiras educacionais”.

O assunto repercutiu fortemente no Brasil, e a decisão foi noticiada por sites religiosos e portais da grande mídia nos dias seguintes. Com algumas divergências, nem todos os conteúdos foram fiéis aos fatos.

Imagem: reprodução do site Pleno.News

Decisão de remover a Bíblia não foi do estado de Utah

Para ouvir uma fonte local, Bereia entrevistou o pastor da Igreja Metodista Unida dos EUA Rev. Jorge Luiz Domingues sobre o caso. Ele explicou que o banimento da Bíblia das bibliotecas de escolas elementares não partiu do Estado de Utah, mas de apenas um distrito escolar. “O estado aprovou a lei, e o distrito escolar está implementando a partir da solicitação [de um pai ou mãe de estudante]”, afirma.

Segundo o jornal The Salt Lake Tribune, de Utah, a decisão de banir a Bíblia em escolas de ensino fundamental foi tomada pelo Distrito Escolar de Davis, e não pelo estado, como dão a entender as matérias que reproduziram o conteúdo internacional. A entidade é responsável pela educação pública na região de mesmo nome, que pertence ao estado de Utah.

A apuração do jornal local estadunidense aponta que a medida não foi tomada por decisão judicial, nem mesmo legislativa, mas se trata de um consenso do comitê de revisão do Distrito Escolar que vem analisando o pedido de um pai desde dezembro de 2022. O site gospel Pleno News afirmou se tratar de uma “ação judicial” movida pelos responsáveis do aluno, mas não há evidências de que o pedido tenha tramitado no sistema de justiça.

A decisão de recolher as Bíblias das bibliotecas escolares ocorreu em 1 de junho, e foi considerada para escolas de ensino fundamental do condado de Davis. A Bíblia não foi banida de todas as escolas de Utah e nem de todas as bibliotecas. O porta-voz do Distrito Escolar de Davis afirmou ao The Salt Lake Tribune que sete ou oito escolas que contavam com exemplares seriam alvo da remoção.

O parâmetro utilizado pelo comitê para o banimento também não foi o de considerar o livro sagrado para o Cristianismo como pornográfico ou indecente, mas por se compreender ser um conteúdo sensível, por abordar temas vulgares e violentos para crianças e adolescentes. Escolas de Ensino Médio continuarão com seus exemplares, outra informação que também foi distorcida nas versões brasileiras sobre o caso. 

Polêmica em torno da Lei que permitiu remoção da Bíblia

Em 2022, o Estado de Utah aprovou uma lei sobre materiais sensíveis nas escolas que permite que pais de alunos opinem sobre o acesso dos filhos a livros nas instituições e que peçam a remoção de determinados conteúdos das prateleiras das bibliotecas.

Imagem: reprodução do site do jornal Salt Lake City Tribune

Incentivada por grupos conservadores, a lei tinha como principal alvo textos sobre a comunidade LGBTQIA+. Assim, o dispositivo legal, aprovado em março de 2022, permitiu a remoção de livros que apresentassem conteúdo “pornográfico ou indecente”. Entre os livros que já foram alvos de remoção está, por exemplo, o romance “O Olho Mais Azul”, da escritora vencedora do prêmio Nobel de Literatura Toni Morrison. O livro aborda questões de raça, padrões de beleza e aceitação social.

Ao final de 2022, porém, a mesma lei ensejou um pedido, apresentado pelo responsável de um aluno, para remoção da Bíblia das escolas, sob o argumento de que o livro sagrado seria um dos que têm mais conteúdo sexual.

O autor do pedido apresentou um documento de oito páginas em que listava passagens da Bíblia consideradas ofensivas e que mereciam uma apreciação. O código 76-10-1227 de Utah apresenta definições do que seriam “exibições públicas indecentes”, entre as quais se encontram, por exemplo, “descrições de sexo ilícito e imoralidade sexual”, e foi utilizado para sustentar a reclamação.

Segundo matéria da BBC News Brasil, o idealizador da lei sobre materiais sensíveis nas escolas Ken Ivory, chegou a se posicionar contrariamente à remoção da Bíblia das prateleiras escolares, mas teria mudado de ideia, sob a justificativa de que “tradicionalmente, na América, a Bíblia é melhor ensinada e compreendida em casa e em família”.

Casos semelhantes em outras regiões dos EUA

O Rev.Jorge Domingues ressaltou ao Bereia a existência de casos semelhantes nos Estados Unidos. “Um outro artigo diz que também há uma solicitação para banir o Livro dos Mórmons, o que é uma ironia pois o Estado de Utah é 68% Mórmom”, destaca. Domingues relembra, ainda, o banimento da Bíblia em escolas no Texas, em 2022, e destaca que “há várias iniciativas para banir a Bíblia em estados que aprovaram o banimento de outros livros considerados inapropriados”.

O portal norte-americano Education Week, que se dedica a publicar informações e notícias sobre o ensino primário nos Estados Unidos, já havia veiculadoartigo sobre a questão dos banimentos da Bíblia das bibliotecas escolares. Publicado antes do recente caso em Utah, o texto cita casos ocorridos na Flórida, no Texas e no Missouri.

Conforme apontado por Jorge Domingues, há notícias de que o Livro dos Mórmons passa pelo mesmo desafio enfrentado pela Bíblia, sendo também alvo de pedido de remoção no distrito escolar de Davis, Utah. O jornal The Salt Lake Tribune aponta o efeito em cascata dessa disputa.

Disputa de censuras

Sobre o fenômeno, o Rev. Jorge Domingues explica: “Várias leis estaduais têm sido aprovadas para banir livros considerados inapropriados por legisladores ou políticos conservadores e livros sobre, ou relacionados a, pessoas ou comunidade LGBT. Em resposta, indivíduos ou organizações têm usado estas leis para banir outros textos que contêm material inapropriado de acordo com a legislação. A Bíblia tem sido um desses livros”.

O diretor do programa Liberdade de Expressão e Educação Jonathan Friedman da PEN America – uma organização em prol da liberdade de expressão que monitora desafios relacionados aos livros – em entrevista ao Education Week,  diz que as recentes objeções à Bíblia “ocorreram como uma reação aos esforços para proibir tantos livros”.

A diretora do Escritório da Associação Americana de Bibliotecas para a Liberdade Intelectual Deborah Caldwell-Stone declarou ao portal que apesar dos desafios esporádicos, as reclamações que dizem respeito à Bíblia são, geralmente, uma tática para ressaltar os potenciais danos da censura.

“Quando você escolhe a censura como sua ferramenta para controlar o acesso à informação e controlar a capacidade dos indivíduos de aprender mais sobre várias ideias, inevitavelmente, isso vai varrer ideias e materiais com os quais você realmente concorda”, afirmou Caldwell-Stone.

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Bereia considera o conteúdo checado impreciso. A notícia veiculada pelos jornais Estado de Minas e O Estado de São Paulo, e repercutida por vários outros veículos, oferece conteúdo verdadeiro, mas carece da amplitude necessária para o completo entendimento dos acontecimentos.

Especialmente, a afirmação de que a remoção de Bíblias de bibliotecas escolares se deu pelo fato de o livro sagrado cristão  conter “sexo e violência”, como aparece na manchete, é imprecisa à luz do contexto mais amplo. Este permite afirmar que o banimento se deu em reação a outras censuras anteriormente implementadas, ainda que a decisão tenha se apoiado na previsão legal para retirada de conteúdos “pornográficos ou indecentes”.

Tais informações estão presentes no interior do texto veiculado pelos jornais Estado de Minas e Estadão. Há que se notar, no entanto, que a manchete, tal como foi apresentada, contribui para uma falsa ideia de perseguição contra cristãos, tanto mais em um contexto de rápido compartilhamento de informações pelas redes digitais, em que muitos leitores propagam manchetes como informações completas.

Não sendo o primeiro nem o último acontecimento relacionado a censura no país em questão, é fundamental o resgate do contexto para o real entendimento dos fatos. Em temas frequentemente utilizados para desinformar e criar pânico moral, como é o caso da falsa ideia de perseguição a cristãos, há de se adotar critérios ainda mais rígidos na elaboração de conteúdo informativo.

Referências de checagem:

Distrito Escolar de Davis, Utah. https://www.davis.k12.ut.us/ Acesso em: 6 jun 2023

H.B. 374. https://openstates.org/ut/bills/2022/HB374/ Acesso em: 6 jun 2023

BBC. https://www.bbc.com/portuguese/articles/c6p34rd5x7po Acesso em: 6 jun 2023

The Guardian. https://amp.theguardian.com/books/2023/jun/03/utah-school-district-book-of-morman-ban Acesso em: 6 jun 2023

npr. https://www.npr.org/2022/08/18/1117708153/bible-anne-frank-books-banned-texas-school-district Acesso em: 6 jun 2023

Vice. https://www.vice.com/en/article/epzv9j/texas-school-bans-the-bible Acesso em: 6 jun 2023

Education Week. https://www.edweek.org/teaching-learning/why-the-bible-is-getting-pulled-off-school-bookshelves/2022/12 Acesso em: 6 jun 2023

The Salt Lake Tribune.

https://www.sltrib.com/news/education/2023/06/01/bible-is-banned-these-utah/ Acesso em: 6 jun 2023

https://www.sltrib.com/religion/2023/06/02/book-mormon-now-challenged-utah/ Acesso em: 7 jun 2023

https://www.sltrib.com/news/education/2023/03/22/utah-parent-says-bible-contains/ Acesso em: 6 jun 2023

Utah Code 76-10-1227. https://law.justia.com/codes/utah/2006/title76/76_0c153.html Acesso em: 6 jun 2023

PEN America. https://pen.org/ Acesso em: 6 jun 2023

Britannica. https://www.britannica.com/topic/The-Bluest-Eye Acesso em: 7 jun 2023

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Foto de capa: Luis Quintero/Pexels

Vídeo de Colégio Batista em resposta ao Burger King repercute em Belo Horizonte

Desde o sábado 03 de junho de 2021, circula um vídeo nas mídias sociais do ex-vereador Fernando Borja, no qual o político defende que os direitos LGBTQIA+ não podem ditar o que é “pregado” e que “devemos colocar limites na militância gay”. Nele, o político também acusa os “comunistas” de quererem acabar com a liberdade religiosa e se opõe à ideia de trabalhar assuntos como educação sexual nas escolas, alega ser absurdo falar sobre bissexualidade, homossexualidade e poliamor, assim como declara que as conquistas alcançadas pela população LGBTQIA+ até hoje, se resumem a reprimir a fé das crianças. 

A criação do vídeo foi motivada pela publicação de uma reportagem da TV Globo, no telejornal MGTV, na qual informam que a Comissão de Diversidade Sexual da OAB/MG (Ordem dos Advogados do Brasil em Minas Gerais) passou a investigar um vídeo produzido pelo Colégio Batista Getsemâni, como um possível caso de LGBTfobia. 

No vídeo divulgado pelo colégio, alunos e alunas se posicionam contra a “ideologia de gênero”, afirmando “Meu Deus não errou”. O vídeo foi uma resposta a um comercial da rede Burguer King, veiculado pelo Dia do Orgulho LGBTQIA+ (28 de junho), em que crianças falam, com naturalidade, quanto ao que pensam sobre esta causa. O Colégio acusou a rede de sanduíches de fazer “confusão mental nas crianças”.

Até o fechamento desta matéria, a publicação realizada pelo ex-vereador já tinha sido assistida por 48.936 pessoas. 

Reprodução do Instagram

O vídeo em resposta ao comercial do Burger King

O vídeo produzido pelo Colégio Batista Getsêmani em Belo Horizonte e postado em suas redes sociais, causou polêmica entre a comunidade LGBTQIA+. Nele, crianças da escola falam que a sua resposta à ideologia de gênero é: “O nosso Deus nunca erra! Ele me fez menina; Ele me fez menino.”

A reportagem da Rede Globo Minas Gerais entrevistou o presidente da Comissão de Diversidades da OAB-MG Alexandre Bahia, que afirmou estar avaliando a possibilidade de uma ação civil pública contra a escola.

Segundo o diretor-geral do Colégio Batista Getsemani, pastor Jorge Linhares, a OAB não fez nenhum contato com a instituição. “Estamos aguardando com o nosso departamento jurídico preparado. Os comportamentos e as leis mudam de país para país”, disse o diretor.

Segundo o pastor, o vídeo feito pelo colégio quis “marcar a posição de que Deus não erra e dar uma resposta à empresa Burger King – local onde a escola leva seus alunos para festas de conclusão de cursos e outras – e não ser conivente com a propaganda que utiliza crianças para apoiar práticas homossexuais”. 

Ele explicou que o Colégio Batista Getsemani é uma escola com princípios cristãos fundada há 30 anos em Belo Horizonte. “Nós prezamos pela fé e prática da Bíblia, na qual aprendemos com Jesus ‘Deixai vir a mim as crianças e não as embaraceis’.”

Apesar disso, Jorge Linhares afirma que o ex-vereador Fernando Borja não fala em nome do colégio. 

O que dizem os documentos curriculares

O vídeo de Fernando Borja faz críticas à discussão sobre sexualidade no contexto escolar. Entre elas, o político afirma que “ao se falar de sexualidade nas escolas, também queiram incentivar a homosexualidade, bissexualidade e o poliamor.” Sobre isso, a professora de educação infantil e mestre em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Paula Myrrha, argumenta que “todos os documentos curriculares se voltam ao combate à homofobia e à transfobia. Não há nenhum documento curricular em âmbito nacional, estadual ou municipal que diga que as crianças devem se tornar homossexuais”.

Myrrha informa ainda que já existem muitas pesquisas mostrando que há benefícios em se trabalhar com crianças a diversidade de configurações familiares e o combate à LGBTfobia. 

“Não se trata de incentivar as crianças a se tornarem homossexuais. Até mesmo porque orientação sexual não é uma escolha. Nenhum documento curricular incentiva as crianças a se tornarem homossexuais, mas falam de respeito às comunidades LGBTQIA+”, explica a mestre em Educação. 

Myrrha, que também é cristã, declara que todos os documentos curriculares falam sobre liberdade religiosa, mas que essa liberdade não se abre ao direito de atacar grupos específicos.

Falta de entendimento

O advogado e mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa, professor convidado da Fundação Dom Cabral, Daniel Lança, diz que a Igreja não entendeu até agora o que significa respeitar os diferentes tipos de sexualidade. 

Contudo, Lança afirma que não sabe se uma ação civil pública, ou até criminal, contra a escola seria bem sucedida, apesar de ser possível encontrar uma base jurídica. “O que observamos é que nem o Poder Judiciário nem a comunidade LGBTQIA+ se manifestaram, neste caso específico, dizendo que a igreja não pode falar”, diz o advogado.

Com base nesta verificação, Bereia classifica o conteúdo do vídeo produzido pelo político mineiro Fernando Borja como enganoso e falso. O vídeo é opinativo e o ex-vereador tem o direito de expor publicamente sua opinião sobre quaisquer temas, no entanto, o Bereia alerta leitores e leitoras a se manterem atentos quanto a conteúdos embalados como informação, mas que estão recheados de opiniões falsas e enganosas, promovendo a intolerância a qual Fernando Borja acusa a emissora de TV de praticar. 

1 – É enganoso que a Rede Globo promova intolerância religiosa com a reportagem veiculada, pois as afirmações do vereador configuram uma distorção da mensagem, uma vez que não apresenta a reportagem na íntegra, desvirtua o sentido e desinforma sobre direitos fundamentais. 

2 – É falso que as escolas ensinem sobre sexualidade a fim de promover a homosexualidade, a bissexualidade e o poliamor, assim como é falsa a acusação de Borja à Prefeitura de Belo Horizonte, por ter “criado diretrizes para questionar a sexualidade de crianças de três anos na escola pública”. Nos documentos públicos das proposições curriculares municipais de Belo Horizonte, não há questionamento quanto à sexualidade de crianças ou quanto ao tipo de relacionamento que deveriam seguir quando adultas. 

4 – É falso que a única conquista da comunidade LGBTQIA+ até hoje foi reprimir a fé das crianças. Esta afirmação não corresponde à verdade, pois o movimento pelos direitos de gênero não tem por objetivo atingir a liberdade religiosa e a fé de quaisquer pessoas (o que seria crime de intolerância, segundo as leis do país). As conquistas LGBTQIA+, nos últimos 50 anos se localizam no campo de direitos como: realizar cirurgias de redesignação sexual pelo SUS (2008); a Lei Maria da Penha passou a incluir mulheres LGBTQIA+ (2006), a fim de coibir a violência doméstica contra lésbicas, trans e travestis; casais homossexuais agora podem adotar crianças (2010); foi aprovada a realização do casamento homoafetivo em cartórios (2013); uso do nome social e reconhecimento da identidade de gênero (2016); a alteração do nome e gênero no registro civil em cartórios (2018); a discriminação contra pessoas LGBTQIA+ passa a ser crime (2019); e cai a suspensão da restrição para a doação de sangue por homosexuais (2020). 

5 – É falso que “comunistas queiram acabar com a liberdade religiosa”. Não há qualquer ação concreta neste sentido e se houvesse seria denunciada e condenada por lei. A Constituição Federal, inspirada no artigo 18º, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, garante a liberdade de crença e de culto religioso, conforme o inciso 6º do art. 5º da Constituição Federal. Importa registrar que foi um deputado do Partido Comunista pelo estado de São Paulo, o escritor brasileiro Jorge Amado, quem escreveu a emenda constitucional 3218, que inseriu a liberdade de culto religioso pela primeira vez na Constituição Brasileira de 1946. 
Sobre a desinformação denominada “ideologia de gênero” Bereia já publicou diferentes matérias, leia uma delas aqui.

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É impreciso que Xuxa lançará livro sobre homoafetividade para público infantil

O site Pleno News publicou, em 22 de julho de 2020, a matéria “Xuxa é criticada ao anunciar livro LGBT para crianças”.

Pleno News afirma que a apresentadora se tornou centro de polêmica ao anunciar em live que pretende lançar um livro com conteúdo LGBT para o público infantil. A obra a ser lançada pela Editora Globo seria baseada na história de uma personagem chamada Maia. A garota seria uma menina arco-íris, que tem duas mães, afilhada da personagem de Meneghel.

De acordo com o Pleno News, o conteúdo pretende pautar o assunto de forma lúdica. Segundo Xuxa, sua intenção ao fazer o livro foi refletir sobre o preconceito, a discriminação e o julgamento social perante as escolhas, condições ou vontades das pessoas. “Aí eu tentei colocar de uma maneira lúdica, bonita. Para que as crianças possam entender que o amor é mais importante do que qualquer coisa”.

Pleno News se refere a críticas de conservadores a Xuxa sobre o caso e publicou uma, do vereador do Rio de Janeiro Alexandre Isquierdo (DEM), partido do proprietário do portal de notícias, Senador Arolde de Oliveira. Isquierdo classifica a ação da apresentadora como “ridícula” e “absurda” e se diz preocupado com a “doutrinação de crianças”.

Sobre a apresentadora

Maria da Graça Meneghel, nasceu em 27 de março de 1963 na cidade de Santa Rosa, Rio Grande do Sul, onde morou até os 7 anos, quando se mudou com a família para o Rio de Janeiro. Aos 16 anos começou a atuar como modelo, sendo capa de diversas revistas no Brasil e no exterior.

Um ano após posar nua para a Playboy, em 1983, Xuxa Meneghel foi convidada para comandar o programa “Clube da Criança”, na extinta TV Manchete. Sua carreira passou a se alternar entre desfilar durante a semana e apresentar o programa aos finais de semana.

Devido ao seu carisma, a TV Globo a convidou para apresentar o que viria a ser seu maior sucesso. O “Xou da Xuxa” era outro programa voltado para o público infantil e foi o pontapé para a fama da apresentadora, já que com ele, lançou músicas, clipes e álbuns musicais.

Em 1992, ela encerrou as apresentações no “Xou da Xuxa” e foi trabalhar no exterior. Apresentou três programas, um argentino, um espanhol e um americano, alcançando muito sucesso. Em 1994 voltou à televisão brasileira com “Xuxa Parque”. Em 1997, passou a apresentar o programa “Planeta Xuxa”, voltado para o público adolescente. Ficou grávida de Sasha, que nasceu em 1998 e retornou da licença maternidade em 2001.

Em 2002, após um incêndio nos estúdios do “Xuxa Parque”, passou a apresentar “Xuxa no Mundo da Imaginação”, que depois de alguns anos, em 2005, passou a se chamar “TV Xuxa” , o que durou até 2015, quando, em seguida, assinou contrato com a TV Record, consequentemente, saindo da TV Globo.

A apresentadora está sempre em evidência por participar de discussões políticas. Em 2013, Meneghel se uniu a diversos segmentos sociais contra o então presidente eleito da Comissão dos Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados; Marco Feliciano (PSC-SP). Na época, o deputado pastor da Assembleia de Deus indicado para presidir a comissão, era conhecido por declarações racistas e homofóbicas nas mídias sociais, por isso houve intenso movimento social contra a posse dele, que acabou ocorrendo. Entre as declarações de Marco Feliciano, estavam as no Twitter, em 2011:

Em 2014, Xuxa depôs na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, na discussão do projeto que proíbe pais e responsáveis legais por crianças e adolescentes de lhes imporem castigos físicos ou tratamentos cruéis ou degradantes,, a chamada Lei da Palmada.

Recentemente Xuxa foi atacada nas mídias sociais por ter defendido o youtuber Felipe Neto. A apresentadora, em sua conta do Instagram, elogiou a atitude do youtuber, que apoiou a empresa de cosméticos Natura, por colocar um homem trans como personagem da campanha do Dia do Pais, , e havia sido alvo de críticas de grupos conservadores. A postagem de Xuxa alcançou alta repercussão e gerou reprovação, especialmente, por parte de bolsonaristas, como a atriz Antonia Fontenelle.

A Máquina Soluções, empresa que colaborou com a CPI das Fake News no Congresso, identificou uma mudança de foco em redes bolsonaristas no WhatsApp a partir do mês passado. Os grupos passaram a destacar, compartilhar e desenvolver mensagens voltadas para o combate à pedofilia, ao mesmo tempo que atacam, com falsas alegações, personalidades como Felipe Neto e Xuxa.

A excursão pelo universo das letras é uma experiência inédita na carreira de Xuxa. Além de preparar o lançamento de dois livros infantis e de uma autobiografia pela Editora Globo, para o segundo semestre deste ano, a apresentadora pretende lançar dois livros em 2021. É também a primeira vez que a apresentadora produz material com conteúdo LGBT.

Sobre controvérsias em torno da temática LGBT, o Coletivo Bereia realizou verificações anteriores, já que o assunto é constantemente pautado, em especial, por mídias religiosas.

Sobre o livro que Xuxa deve publicar

A notícia do Pleno News foi republicada em diversos blogs e portais de notícias, principalmente aqueles que integram o segmento religioso, a exemplo de Exibir Gospel, Portal do Trono, Folha Gospel e Gospel Mais.

A divulgação do livro a ser lançado foi feita no programa “OtaLab”, apresentado por Otaviano Costa. O programa aborda conteúdos informativos, celebridades, entretenimento, humor e música através de entrevistas no site UOL, perfis de Twitter, Facebook e Youtube do UOL. O programa no qual foi feita a entrevista com Xuxa, foi disponibilizado em 17 de julho de 2020, no Youtube.

Além da temática LGBT, a divulgação indica que o livro abordará de forma lúdica o amor aos animais e os valores do veganismo. Para Xuxa o livro demonstra “a importância da criança olhar para o bichinho e não ser aquela coisa especista ‘eu gosto de cachorro e gato, mas não tô nem aí para a vaca, para a galinha ou para o peixinho’. E aí também botei dessa maneira e acho que eu vou conseguir chegar onde eu quero”, conclui.

Em entrevista a Revista Veja Rio, a deputada estadual e presidente da Comissão dos Direitos da Criança, Adolescente e Idoso na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) Rosane Felix (PSD) repudiou a intenção da apresentadora escrever o livro com conteúdo LGBT para crianças. Rosane está avaliando quais providências serão tomadas para evitar que o público infantil leia a obra.

Também se manifestaram a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) e o vereador Fred Mota (Republicanos). Zambelli utilizou suas mídias sociais para divulgar vídeo com críticas à apresentadora.

O vereador Fred Mota, que faz parte da bancada evangélica da Câmara Municipal de Manaus (CMM), teve uma moção de repúdio aprovada na CMM contra a apresentadora. O parlamentar argumentou que “não podemos deixar que nossas crianças sejam doutrinadas dessa forma. Deixo registrado o meu repúdio contra qualquer tipo de afronta aos nossos pequenos”.

Nas mídias sociais, a apresentadora recebeu críticas, mas também foi apoiada. Em uma das mensagens de apoio recebidas um seguidor disse: “Se Jesus voltasse agora, ele estaria muito triste com vários daqueles que se dizem cristãos. Viva o amor, tenha ele qualquer forma”. Xuxa compartilhou em sua conta no Instagram, em 23 de julho de 2020, um texto enviado ao companheiro, Juno, dizendo “olha que lindo o texto que o Ju recebeu de uma seguidora. Serve bem para a polêmica do livro que escrevi e que ainda nem saiu”. O texto fala da importância de perceber que a culpa pode ser verdadeira inimiga daqueles que querem liberdade para viver sua orientação sexual. O texto é atribuído a Renata Cortezac.

Em entrevista ao Metrópoles, a apresentadora afirmou que a renda obtida com a obra será revertida em doações para instituições que cuidam de animais no Brasil, para a Aldeia Nissi, na África e para uma organização não governamental (ONG) evangélica, que cuida de crianças, adolescentes e idosos.

Mediante a apuração feita, Bereia conclui que a notícia publicada por Pleno News é IMPRECISA. Embora ofereça conteúdo verdadeiro, já que realmente Xuxa Meneghel recebeu diversas críticas pelo livro que ainda lançará, a matéria de Pleno News não considera os diferentes olhares sobre a questão, ficando somente com o viés crítico à apresentadora, e induz leitores e leitoras a reprovarem o lançamento da publicação . Desta forma, o público fica impossibilitado de fazer o seu próprio julgamento acerca do caso e dos atores envolvidos, algo sintomático no contexto atual, construir opinião em alicerces informacionais sólidos, contribui com o fortalecimento da democracia.

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Referências de checagem

Xuxa é criticada ao anunciar livro LGBT para crianças. Portal Pleno News: https://pleno.news/entretenimento/tv/xuxa-e-criticada-ao-anunciar-livro-lgbt-para-criancas.html. Acesso em: 02 de agosto 2020

Deputada repudia livro infantil LGBT de Xuxa: ‘Deixem as crianças em paz!’. Revista Veja Rio: https://vejario.abril.com.br/beira-mar/deputada-livro-infantil-lgbt-xuxa-repudia/. Acesso em 02 de agosto 2020

Xuxa lançará livro para crianças com temática LGBT+: “O amor é mais importante”. Portal Gaúcha ZH: https://gauchazh.clicrbs.com.br/cultura-e-lazer/livros/noticia/2020/07/xuxa-lancara-livro-para-criancas-com-tematica-lgbt-o-amor-e-mais-importante-ckd0bp0kg000c0147pvsdydxp.html. Acesso em: 02 de agosto 2020

Engajada, Xuxa lançará livro com conteúdo LGBT para crianças. Jornal Estadão: https://emais.estadao.com.br/noticias/gente,engajada-xuxa-lancaralivro-com-conteudo-lgbt-para-criancas,70003374748. Acesso em: 02 de agosto 2020

Xuxa é acusada de sexualizar crianças e rebate: ‘Sai da minha página’. Notícias da TV: https://noticiasdatv.uol.com.br/noticia/celebridades/xuxa-e-acusada-de-sexualizar-criancas-e-rebate-sai-da-minha-pagina-40162. Acesso em: 02 de agosto 2020

Antonia Fontenelle detona Xuxa por apoiar Felipe Neto: ‘Imoralidade sem fim’. Notícias da TV: https://noticiasdatv.uol.com.br/mobile/noticia/celebridades/antonia-fontenelle-detona-xuxa-por-apoiar-felipe-neto-imoralidade-sem-fim-40091. Acesso em: 02 de agosto 2020

Xuxa irá doar renda de livro infantil com a temática LGBTQ+ a ONG evangélica. Portal Metrópoles: https://www.metropoles.com/colunas-blogs/leo-dias/xuxa-ira-doar-renda-de-livro-infantil-com-tematica-lgbtq-a-ong-evangelica. Acesso em: 02 de agosto 2020

Bolsonarista, Antonia Fontenelle ataca Xuxa por apoio a Felipe Neto. Revista Fórum: https://revistaforum.com.br/. Acesso em: 07 de agosto 2020

Grupos bolsonaristas miram pedofilia e põem Damares como saída, diz empresa. Coluna Rubens Valente: https://noticias.uol.com.br/colunas/rubens-valente/2020/08/06/redes-sociais-bolsonaristas-estrategia.h/. Acesso em: 07 de agosto 2020

Xuxa Meneghel está escrevendo autobiografia durante a quarentena. Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br//entretenimento/noticia/06/2020/xuxa-meneghel-esta-escrevendo-autobiografia-durante-a-quarentena. Acesso em: 07 de agosto 2020

Portal Pleno News:
https://pleno.news/brasil/politica-nacional/zambelli-pede-a-xuxa-que-deixe-nossas-criancas-em-paz.html. Acesso em: 07 de agosto 2020

A Crítica, https://www.acritica.com/opinions/repudio-contra-xuxa-na-cmm. Acesso em: 07 de agosto 2020.

UOL Notícias, https://noticias.uol.com.br/colunas/rubens-valente/2020/08/06/redes-sociais-bolsonaristas-estrategia.htm Acesso em 9 ago 2020.

A Crítica, https://www.acritica.com/opinions/repudio-contra-xuxa-na-cmm Acesso em 9 ago 2020

É enganosa a notícia de que evangélicos foram condenados pela justiça por rejeitarem união gay em espaço de eventos

O site de notícias Gospel Mais publicou, em 20 de junho, matéria intitulada: “Evangélicos rejeitam união gay em espaço de eventos e são condenados”.  A informação provocou reações divergentes entre leitores, sobretudo os evangélicos.

Segundo a matéria, uma empresa localizada na cidade de Campinas (SP) teria sido processada por um casal homoafetivo por rejeitar sediar o evento de união homoafetiva. Os proprietários, evangélicos, teriam alegado também que a recepção seria contrária aos princípios filosóficos e religiosos da família do dono do local, o que poderia ser caracterizado ato discriminatório. 

A questão foi levada à 1ª Vara do Juizado Especial Cível de Campinas, que decidiu condenar os responsáveis à frente do estabelecimento, impondo ainda o pagamento de indenização.

A publicação ainda apontou que o casal “repetiu uma estratégia que é usada por ativistas LGBT nos Estados Unidos, e processaram os proprietários, como no caso do confeiteiro Jack Phillips, que já foi processado três vezes por recusar produzir bolos para cerimônias de união entre pessoas do mesmo sexo”. 

Outros sites também noticiaram o caso, como o portal R7.

De acordo com informações do portal Conjur , a juíza Thais Migliorança Munhoz, à frente do caso, afirmou, na sentença, que levou em conta as circunstâncias da causa, o grau de culpa e a condição socioeconômica do autor da ação para estipular o valor da indenização por danos morais em R$ 28 mil.

Entenda a sentença

A sentença foi liberada nos autos em 20 de maio de 2020, a juíza citou, entre outros, o Código de Defesa do Consumidor, o Código Civil e a Carta Magna.

 “O nó górdio da presente reside sobre a necessidade de se apurar se a recusa da empresa requerida em recepcionar o casamento dos autores, sob argumento de que iria de encontro aos princípios filosóficos e religiosos do proprietário e sua família, caracteriza ato discriminatório e, por conseguinte, merece reparação civil. Pois bem. A Constituição da República Federativa do Brasil dispõe, em seu artigo 5º, caput, que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. O artigo 3º, inciso IV, da Carta Magna, prescreve, ainda, que constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

Afirma ainda: 

“A reprovação do ato de recusa do requerido em recepcionar o casamento homoafetivo dos autores mostra-se adequada para se alcançar o fim almejado, qual seja a salvaguarda de uma sociedade pluralista, onde reine a tolerância. Assegura-se a posição do Estado, no sentido de defender os fundamentos da dignidade da pessoa humana (artigo 1°, III da Constituição Federal), do pluralismo político (artigo 1°, V, CF), o princípio do repúdio ao terrorismo e ao racismo, que rege o Brasil nas suas relações internacionais (artigo 4°, VIII), e a norma constitucional que estabelece ser o racismo um crime imprescritível”,

Para a juíza, não se contesta a proteção conferida constitucionalmente à liberdade de crença e de expressão do dono da empresa de Campinas. “Todavia, é inegável que essa liberdade não pode alcançar o campo da discriminação e da homofobia. Há inúmeros outros bens jurídicos de base constitucional que estariam sacrificados na hipótese de se dar uma amplitude absoluta, intangível, à liberdade de expressão, de consciência e crença etc., na espécie”, afirma na sentença.

Dessa forma, a juíza entende que a condenação da empresa é necessária para salvaguardar uma sociedade pluralista, em que reine a tolerância, sob o pressuposto de ausência de outro meio menos gravoso e igualmente eficaz para tanto.

Ressalta que a Lei 7.716/89 estabelece que são puníveis os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, sendo vedada a recusa ou impedimento de acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador (artigo 1º e 5º). 

E lembra que o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), recentemente, entendeu pelo enquadramento da homofobia e da transfobia como tipo penal definido na Lei do Racismo (Lei 7.716/1989) até que o Congresso Nacional edite lei sobre o tema. O caso foi julgado na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26 e no Mandado de Injunção (MI) 4733.

A magistrada também cita parte da ementa do julgamento da ADI 4.277, de relatoria do ministro Ayres Britto, em maio de 2011, que reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar.

Por fim, ela julga ilícita a conduta da empresa em se negar a recepcionar o casamento homoafetivo, sob argumento de incompatibilidade com a política de atuação instituída dentro de convicções filosóficas e religiosas. Segundo a juíza, estão presentes todos os elementos ensejadores da responsabilidade civil: “ação ou omissão do agente (falha na prestação dos serviços, deixando de cumprir o pactuado); dano (ofensa íntima ao autor em evento de extrema importância pessoal); nexo de causalidade e culpa”.

Discussões se estendem desde maio 

A notícia, que veio novamente à tona em junho, já havia sido publicada em outros sites a partir do dia 22 de maio. No site paulopes.com.br, destinado a fatos sobre religião, ateísmo e ciências, em entrevista, Wilson Lima Barreto, responsável pela casa de eventos, disse que o empreendimento é familiar e cristão, estando registrado no nome de um dos filhos. Em sua defesa, a casa citou, nos autos, a sentença da Suprema Corte dos Estados Unidos que inocentou um confeiteiro que recusou pedido de um bolo de casamento de um casal gay, garantindo ao profissional o direito de crença.

De acordo com a matéria, na Suprema Corte, a multa foi derrubada porque, segundo entenderam os julgadores, a comissão que aplicou a multa violou o dever do Estado sob a Primeira Emenda de não basear leis ou regulamentos na hostilidade a um culto ou ponto de vista religioso. Isto porque um dos membros da comissão havia feito comentários “hostis” em relação à religião. Ou seja, a Suprema Corte não adentrou ao mérito da questão, e deu ganho de causa ao confeiteiro por uma questão processual.

Por outro lado, a advogada do casal afirma que “homofobia é uma violação do direito humano fundamental de liberdade de expressão da singularidade humana, revelando-se um comportamento discriminatório” e que “a negativa de locar o espaço aos requerentes pelo simples fato de serem um casal homoafetivo já constitui homofobia”.

Wilson Barreto afirmou durante o processo que “a gente trabalha só em família e todos nós somos evangélicos, está lá pra qualquer um ver. Dessa forma, falamos para eles procurarem outro lugar, porque não iria ficar bom se fizéssemos”. 

A empresa ainda apontou que “não impede homossexuais de visitar suas instalações ou realizarem qualquer outro tipo de evento (confraternização, aniversário, baile de debutante etc.)”

Em contraponto, a matéria apresenta a fala da advogada do casal homoafetivo, que acusou a prática de homofobia, o que fica confirmado, segundo ela, com “a negativa de locar o espaço aos requerentes pelo simples fato de serem um casal homoafetivo”. Ela considerou também que a partir do momento que a organização se dispõe a locar um espaço ao público, não cabe aos donos distinguir os locatários pela orientação sexual. Ressaltou que o casal se preparava para um dia especial e, ao receber a negativa, tiveram de lidar com a tristeza de serem discriminados pela sua orientação sexual.

Na sentença, a juíza Munhoz argumentou que não está em questão a liberdade de crença e de expressão dos donos do estabelecimento, mas, sim, a preservação de uma sociedade pluralista e, portanto, tolerante. 

Na ocasião, o site Jota fez uma cobertura ampla do caso. Logo no primeiro parágrafo, apresenta a fala de um dos contratantes do serviço de buffet:

“Conversei com Wilson, né, que é o proprietário, e você tinha até comentado comigo no telefone, né, quando eu falei para você vir visitar e você falou que viria com ele, no caso comigo no telefone, e eu conversei com ele e ele falou assim que eles aqui no espaço não fecham contratos para celebração de casamento, ou seja, recepção de convidados que seja de pessoas do mesmo sexo, né…”.

A partir daí, a reportagem traz os apontamentos já evidenciados em outros conteúdos, finalizando com a afirmação de que a casa de eventos iria recorrer à decisão e apresentando o número da tramitação no Tribunal de Justiça de São Paulo.

As abordagens da matéria causaram reações divergentes no Twitter @JotaInfo

Bereia conclui que a matéria publicada no site Gospel Mais é enganosa, pois apresenta um fato ocorrido com abordagem não-informativa, opinativa e tendenciosa, já no título que vitimiza “evangélicos”, apresentados no texto como uma “família”. Também por levar leitores a se revoltarem com uma a “falta de liberdade” da empresa em negar a realização de um evento, o que disfarça a atitude de homofobia, explicitada na sentença da juíza. Ainda, com a classificação da reivindicação do casal homoafetivo, legítima diante da justiça, como “estratégia usada por ativistas LGBT nos Estados Unidos”. Por fim, há na matéria do Gospel Mais a ocultação de informações sobre os direitos garantidos à população LGBTI+ em casos como este.

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Referências da Checagem

JM Notícia– Juíza condena evangélicos por não aceitarem casamento gay em seu espaço de eventos. Disponível em: https://www.jmnoticia.com.br/2020/06/16/juiza-condena-evangelicos-por-nao-aceitarem-casamento-gay-em-seu-espaco-de-eventos/

Paulopes– Eventos Alvorada terá de indenizar gays por negar locação por motivo religioso. Disponível em:https://www.paulopes.com.br/2020/05/homofobia-eventos-alvorado.html#.XvFCrGhKiUk

R7 – Espaço de eventos vai indenizar casal gay após recusar festa. Disponível em: https://noticias.r7.com/sao-paulo/espaco-de-eventos-vai-indenizar-casal-gay-apos-recusar-festa-12062020

JOTA – Casa de eventos deve indenizar casal gay por recusa a celebrar casamento. Disponível em: https://www.jota.info/coberturas-especiais/liberdade-de-expressao/casa-de-eventos-deve-indenizar-casal-gay-por-recusa-a-celebrar-casamento-22052020

Conjur – Processo Digital nº: 1041244-74.2019.8.26.0114. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/decisao-espaco-eventos.pdf

É falso que Facebook censurou páginas de mães que se opõem à sessão de leitura infantil com Drag Queens

No dia 11 de junho o site Gospel Mais publicou a seguinte matéria: “Facebook deleta página de mães que se opõem a sessão de leitura infantil com drag queens”.

Segundo Gospel Prime “a censura impune do Facebook a grupos conservadores continua, e um caso específico, envolvendo mães, chama a atenção de veículos de informação internacionais, já que é a terceira vez que um grupo na rede social é deletado por reunir pessoas que se opõem a sessões de leitura para crianças com drag queens.” O link direciona o leitor para outras matérias do próprio site Gospel Mais a respeito da suposta censura do Facebook. Nenhuma agência de notícias internacional ou grande veículo de comunicação é mencionado.

A matéria continua relatando que: “A oposição de grupos conservadores às sessões de leitura feitas por drag queens começou em outubro de 2017, quando um {travesti vestido de demônio foi chamado para ler histórias infantis em uma biblioteca pública” e que Anna Bohach, uma “mãe conservadora” fundou o grupo 500 Mom Strong com o intuito de combater o projeto Drag Queen Story Hour (Hora da História da Drag Queen).

Dia 14 de outubro de 2017, em seu perfil no Instagram, a Drag Queen Xochi Mochi conta que teve uma de uma de suas melhores experiências na leitura para as crianças, que ficaram animadas com sua presença, e fala da importância de naturalizar a diversidade na vida das pessoas.

Essa é a fantasia que segundo Gospel Mais representaria o demônio.

De acordo com publicação do site da BBC News Brasil: o Drag Queen Story Hou” (Hora da leitura Drag Queen) foi criado em San Francisco em 2015 e, desde então, tem se espalhado pelos Estados Unidos e o mundo como um projeto de contação de histórias para crianças e adolescentes. A leitura é feita por Drag Queens voluntárias e os encontros são em bibliotecas, livrarias e escolas.

Segundo o site oficial, o projeto celebra o aprendizado e a diversão através da leitura e brincadeiras, e tem objetivo de incentivar o respeito à diversidade e a tolerância a todas a formas de expressão, gerando coragem e confiança para que as crianças possam se expressar.

O grupo ressalta que pessoas LGBTQ estão presentes em todas as comunidades, por isso acreditam que crianças merecem ter acesso a essa cultura e história nas idades apropriadas. O site reitera que qualquer insinuação de que o grupo tem objetivo de doutrinar crianças não compreende as identidades LGBTQ e é revestida de homofobia e transfobia.

Em uma entrevista concedida ao G1, um dos fundadores do projeto, Jonathan Hamilt, afirma que as histórias contadas sempre levam em conta a faixa etária dos ouvintes e os pais que levam seus filhos aos encontros normalmente têm a intenção de mostrar aos filhos de que não há nada de errado em ser LGBTQ.

Jonathan conta que o grupo tem sido alvo de ataques e protestos de grupos conservadores religiosos em diversos lugares do mundo. Um dos ataques ocorreu em janeiro de 2020 na Austrália, quando um grupo de 15 a 20 estudantes conservadores invadiu a sessão de contação de histórias em uma biblioteca na cidade Brisbane, protestando com as palavras de ordem “Drag Queens are not for kids”, em português, “Drag Queens não são para crianças”. Veja no vídeo abaixo:

Gospel Mais cita o portal LifeSite News como fonte, e de acordo com o site internacional, a página criada pela mãe conservadora Anna Bohach foi deletada pelo Facebook em três ocasiões. Segundo a administradora do perfil, as páginas foram deletadas sob acusação de transfobia.

Bereia verificou que é verdade que a página 500 Mom Strong foi deletada por discurso de ódio, uma violação dos Padrões de Comunidade do Facebook:

“Não permitimos discurso de ódio no Facebook, pois ele cria um ambiente de intimidação e de exclusão que, em alguns casos, pode promover violência no mundo real.

Definimos discurso de ódio como um ataque direto a pessoas com base no que chamamos de características protegidas: raça, etnia, nacionalidade, filiação religiosa, orientação sexual, casta, sexo, gênero, identidade de gênero e doença grave ou deficiência.”

Anna Bohach, entretanto, segue com as atividades no grupo fechado 500 Mom Strong, que contava com a participação de mais de 800 pessoas até o fechamento da matéria. A descrição do grupo afirma:

“500 Mom Strong é um grupo dedicado ao combate à sexualização de crianças promovidas pelo Drag Queen Story Hour em bibliotecas e escolas públicas, contra a educação sexual abrangente e invasão de transgêneros nos direitos e na privacidade de mulheres e meninas”.

Ainda segundo a matéria de Gospel Mais, a mãe conservadora afirmou que “Hora da História da Drag Queen é uma zombaria da feminilidade, pois Drag queens são muito ofensivos para as mulheres. Eles são caricaturas hiper-sexualizadas de mulheres”.

O Manual de Comunicação LGBTI define Drag Queen como:

“Homem que se veste com roupas femininas de forma satírica e extravagante para o exercício da profissão em shows e outros eventos. Uma drag queen não deixa de ser um tipo de “transformista”, pois o uso das roupas está ligado a questões artísticas – a diferença é que a produção necessariamente focaliza o humor, o exagero”.

O movimento Drag Queen Story Hour define Drag como uma maneira artística de se expressar e mostrar ao mundo quem você é ou quem quer ser. “As drag queens geralmente expressam seus lados femininos ou diferentes aspectos de seu gênero ou personalidade através de vestir-se, se apresentar, marchar em desfiles e ser voluntário em suas comunidades. Existem drag queens, kings, príncipes e princesas – qualquer pessoa pode ser uma das opções acima, independentemente de como elas se identificam na vida cotidiana O que importa é que, quando você se veste, se sente confortável e criativo”, informa o site oficial do grupo.

A história da arte Drag remete à Grécia Antiga, mas ganha força na década de 60, quando pessoas LGBT começaram a se organizar em circuitos culturais e clubes para expressar suas identidades através da arte, o que não era possível em outros espaços de sociabilidade como a família, escola e trabalho. Segundo o professor da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UFRN), Jo Fagner, muitos gays utilizavam essas oportunidades também para brincar com os papéis de gênero. “Além de suavizar o peso do estigma em suas concepções de sujeito, passaram a se tornar importantes espaços de profissionalização, pelo viés da arte”, explica.

O movimento foi se popularizando e conquistou espaço na TV e na música, no Brasil com ícones como Márcia Pantera, Sylvetti Montilla, Vera Verão e, mais recentemente, Pabllo Vittar e Gloria Groove.

Para a Drag Queen brasileira Ginger Moon, “Drag é poder fazer o que você quer. Num dia sou alien, no outro, um unicórnio. E isso ensina muito: a se amar, a ter consciência do seu corpo e das suas limitações”.

Bereia conclui, portanto, que é falsa a notícia de que o Facebook esteja censurando páginas de mães que se opõem a drag queens. Decorreu-se, no entanto, que a página 500 Mom Strong foi excluída devido à violação de um dos padrões de comunidade da plataforma, a prática do discurso de ódio.

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Referências de Checagem:

Gospel Mais. Facebook deleta página de mães que se opõem a sessão de leitura infantil com drag queens. Disponível em: https://noticias.gospelmais.com.br/facebook-deleta-pagina-maes-opoem-drag-queens-136139.html. Acesso em: 16 jun. 2020.

Gospel Mais. Drag queen vestida de demônio é escolhida para pregar ideologia de gênero a crianças. Disponível em: https://noticias.gospelmais.com.br/drag-queen-demonio-ideologia-de-genero-criancas-93381.html. Acesso em: 16 jun. 2020.

Gospel Mais. Facebook censura conservadores. Disponível em: https://noticias.gospelmais.com.br/?s=facebook+censura+conservadores. Acesso em: 16 jun. 2020.

Life Site News. Facebook again deletes moms’ group dedicated to ending drag queen story hours. Disponível em: https://www.lifesitenews.com/news/facebook-again-deletes-moms-group-dedicated-to-ending-drag-queen-story-hours. Acesso em: 16 jun. 2020.

BBC News Brasil. O que acontece quando drag queens que contam histórias a crianças chegam às regiões mais religiosas dos EUA. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-47319841. Acesso em: 16 jun. 2020.

G1. Drag queens leem histórias a crianças em livrarias e escolas dos EUA para incentivar respeito à diversidade. Disponível em: https://g1.globo.com/educacao/noticia/2018/11/16/drag-queens-leem-historias-a-criancas-em-livrarias-e-escolas-dos-eua-para-incentivar-respeito-a-diversidade.ghtml. Acesso em: 16 jun. 2020.

Drag Queen Story Hour. Site oficial da iniciativa “Drag Queen Story Hour”. https://www.dragqueenstoryhour.org/. Acesso em: 16 jun. 2020.

Instagram. Perfil Drag Queen Xochi Mochi https://www.instagram.com/p/BaPjGQyH6Q0/?utm_source=ig_embed. Acesso em: 16 jun. 2020.

Facebook. Grupo Drag Queen Strong. https://www.facebook.com/500DragQueenStrong. Acesso em: 16 jun. 2020.

Facebook. Grupo 500 Mom Strong. https://www.facebook.com/groups/2294300754231749. Acesso em: 16 jun. 2020.

G1. Drag queens: a história da arte por trás de homens vestidos de mulher. Disponível em: https://g1.globo.com/pop-arte/noticia/drag-queens-a-historia-da-arte-por-tras-de-homens-vestidos-de-mulher.ghtml. Acesso em: 17 jun. 2020.

UOL Universa. Mulher Drag Queen. Disponível em: https://www.uol.com.br/universa/especiais/mulher-e-drag-queen#mulher-drag-queen. Acesso em: 17 jun. 2020.

São imprecisas as notícias que afirmam que Bento XVI compara casamento homossexual com o “anticristo”

Na primeira semana de maio a notícia de que o Papa emérito Bento XVI teria relacionado o casamento homoafetivo ao “anticristo”, em sua biografia “Bento XVI – Uma vida”, repercutiu em vários sites. Escrito pelo jornalista alemão Peter Seewald, publicado em 4 de maio, na Alemanha, o livro vai da infância, perpassando a carreira acadêmica de Joseph Ratzinger, o pontificado em 2005 até a renúncia do papado.

O site O Verbo foi um dos primeiros canais que noticiou a publicação da biografia e as declarações de Ratzinger contidas na obra. Assinada por Michael Caceres, a matéria afirma no título: “Bento XVI relaciona casamento gay ao anticristo e diz que tentam silenciá-lo.

O texto da notícia não apresenta o trecho da obra em que Ratzinger relaciona diretamente o casamento homoafetivo ao anticristo. Nos cinco parágrafos que compõem o texto, o autor menciona duas vezes o assunto, no primeiro e no segundo parágrafo. Na segunda vez, o texto diz:

“Trechos publicados pela imprensa alemã mostram que o papa emérito é contrário ao aborto e a criação da vida humana em laboratório, além de comparar o união gay com a ‘obra do anticristo.” 

Além de O Verbo, a informação também foi noticiada por diversos outros sites como Carta Capital, O Globo, Relevante News, Estado de Minas, El Pais, Veja, UOL, Guiame, entre outros. Apesar de trazerem no título a possível comparação feita por Ratzinger entre o casamento homoafetivo e o anticristo, é curioso que as matérias não apresentam o trecho original da obra que comprove a afirmação.

Na matéria sobre o assunto publicada no site da revista Veja, o título afirma: “Bento XVI diz que casamento de pessoas do mesmo sexo é obra do anticristo”. O título traz uma afirmação que não se sustenta com as citações de Ratzinger apresentadas na matéria.

A Agência Católica da Notícias (CNA) apresenta matéria que esclarece um pouco mais o teor das declarações de Ratzinger. O texto explica que os comentários do papa emérito estão no final do livro em uma ampla entrevista, onde ele afirma:

O site alemão Süddeutsche Zeitung também noticiou a publicação da biografia de Bento XVI. Ao invés de afirmar que Ratzinger compara o casamento LGBT com o anticristo, a matéria diz que ele “critica fortemente o casamento gay”. Como se vê abaixo:

Alguns observadores do Vaticano acusaram Bento XVI de retrocesso, em janeiro passado, quando apareceu um livro em defesa do celibato sacerdotal, com seu nome ao lado do cardeal ultra-conservador Robert Sarah. O livro foi publicado no contexto do recente Sínodo da Amazônia, que propôs ao Papa Francisco a ordenação de diáconos casados na região, diante da carência de padres para atuar na Amazônia. Após 48 horas de controvérsia, Ratzinger pediu que seu nome fosse removido da capa, introdução e conclusão assinada em conjunto.

A doutrina da Igreja Católica Romana desaprova a orientação homossexual. Ao mesmo tempo, é um assunto que já provocou polêmicas e escândalos em meio ao alto clero romano. Em entrevista ao El Pais, o jornalista francês Frédéric Martel, autor de “No Armário do Vaticano” (Editora Objetiva), diz que entre as 14 razões que, possivelmente, influenciaram a renúncia de Bento XVI, dez estão relacionadas à homossexualidade do clero.

Quando questionado sobre o casamento homossexual, o Papa Francisco tenta abordar o assunto com mais leveza que seu antecessor. No artigo de Robert Shine, publicado em português pela revista IHU on-line, em junho de 2019, Francisco frisou que, embora seja “conservador”, ele não acredita que jovens gays e lésbicas precisem de psiquiatras, mas acredita que é “uma incongruência falar de casamento homossexual”.

Seguindo a doutrina da Igreja Católica, Ratzinger também é contra o casamento homoafetivo. Isso fica claro quando se analisa o histórico do para emérito, seus posicionamentos, a reação dele às críticas e o livro controverso de janeiro, do qual pediu para excluírem seu nome. Nas matérias em questão nesta checagem do Coletivo Bereia, afirmações são feitas sem acesso direto ao livro, que até o momento está disponível apenas em alemão.

Sobre este assunto, Bereia ouviu Moisés Sbardelotto, professor, especialista em comunicação do Vaticano e colaborador do Instituto Humanitas Unisinos (IHU). Segundo Sbardelotto, a relação entre casamento homoafetivo e o anticristo não é tão direta como noticiaram alguns sites. O professor cita o historiador Massimo Faggioli, que escreveu o seguinte:

“Isso faz parte de uma leitura apocalíptica da situação eclesial contemporânea: o verdadeiro problema não é a corrupção ou os escândalos na Igreja, mas sim a perda de fé em relação a uma cultura radicalmente secularista, ateia e anticristã. Bento diz que essa é a cultura que deve ser responsabilizada, entre outras coisas, pela legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo e pelo aborto. E, curiosamente, ele fala de uma forma de ‘excomunhão social para aqueles que se opõem a esse credo anticristão da sociedade moderna.” 

Na percepção do professor Sbardelotto, “a imprensa em geral fez uma conexão apressada [homossexualidade = Anticristo]. Não foi bem isso que o BXVI disse, mas sim que a homossexualidade seria fruto de uma ‘cultura anticristã’. É uma questão de interpretação”, finalizou.

Diante disso, Bereia conclui como imprecisas as notícias que afirmam que Bento XVI compara, em sua biografia, o casamento homoafetivo ao anticristo. A informação foi tratada de forma sensacionalista pelos meios de comunicação que a noticiaram. Os fragmentos traduzidos apresentados nas matérias não são suficientes para corroborar a afirmação de que Bento XVI compara o casamento gay ao anticristo. De todo modo, Bereia buscará acesso ao livro para dar seguimento a esta checagem.

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Referências da checagem:

O Verbo – Bento XVI relaciona casamento gay ao anticristo e diz que tentam silenciá-lo. Acesso em 14 mai 2020. Disponível em: https://overbo.news/bento-xvi-relaciona-casamento-gay-ao-anticristo-e-diz-que-tentam-silencia-lo/

Veja – Bento XVI diz que casamento de pessoas do mesmo sexo é obra do anticristo. Acesso em 15 mai 2020. Disponível em: “https://veja.abril.com.br/mundo/bento-xvi-diz-que-casamento-de-pessoas-do-mesmo-sexo-e-obra-do-anticristo/

CNA – Catholic News Agency. In new biography, Benedict XVI laments modern ‘anti-Christian creed’. Acesso em 14 mai 2020. Disponível em: https://www.catholicnewsagency.com/news/in-new-biography-benedict-xvi-laments-modern-anti-christian-creed-83240″ https://www.catholicnewsagency.com/news/in-new-biography-benedict-xvi-laments-modern-anti-christian-creed-83240

Süddeutsche Zeitung – Ex-Papst Benedikt kritisiert homosexuelle Ehe scharf. Acesso em 15 mai 2020. Disponível em: “https://www.sueddeutsche.de/panorama/kirche-muenchen-ex-papst-benedikt-kritisiert-homosexuelle-ehe-scharf-dpa.urn-newsml-dpa-com-20090101-200504-99-924454

IHU – Ratzinger e o cardeal Sarah escrevem livro contra os padres casados. IHU. Acesso em 15 mai 2020. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/595536-ratzinger-e-o-cardeal-sarah-escrevem-um-livro-contra-os-padres-casados”

IHU – Ratzinger compartilhava o livro do cardeal Sarah. E em menos de 48 horas a tese do mal-entendido foi desmontada. Acesso em 15 maio 2020. Disponível em:http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/595684-ratzinger-compartilhava-o-livro-do-cardeal-sarah-e-em-menos-de-48-horas-a-tese-do-mal-entendido-foi-desmontada”

UFJF – Igreja Católica Romana e a Homossexualidade: Visão da Moral Sexual Católica a partir da análise de documentos Oficiais. Disponível em: http://www.ufjf.br/sacrilegens/files/2019/03/9.-Silvia-Rodrigues.pdf

El Pais – Pedofilia, séquitos em guerra e cúria gay: o que ‘Dois Papas’ não conta. Acesso em 15 mai 2020. Disponível em:https://brasil.elpais.com/televisao/2019-12-18/pederastia-sequitos-em-guerra-e-curia-gay-o-que-dois-papas-nao-conta.html?rel=mas”

IHU – Sozinho contra a Cúria Romana e o mundo: a nova biografia de Bento XVI. Artigo de Massimo Faggioli. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/598946-sozinho-contra-a-curia-romana-e-o-mundo-a-nova-biografia-de-bento-xvi-artigo-de-massimo-faggioli

El Pais – Bento XVI: “Quem quer que se oponha ao casamento homossexual ou ao aborto é socialmente excomungado”. Acesso em 14 mai 2020. Disponível em: https://brasil.elpais.com/sociedade/2020-05-07/bento-xvi-quem-quer-que-se-oponha-ao-casamento-homossexual-ou-ao-aborto-e-socialmente-excomungado.html

Carta Capital – Bento XVI compara casamento LGBT ao “anticristo”. Carta Capital. Acesso em 14 mai 2020. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/mundo/bento-xvi-compara-casamento-lgbt-ao-anticristo/”

Relevante News – Papa emérito Bento XVI compara casamento gay ao ‘anticristo’. Acesso em 14 mai 2020. Disponível em: https://relevante.news/espiritualidade/papa-emerito-bento-xvi-compara-casamento-gay-ao-anticristo/”

Estado de Minas – Bento XVI compara casamento gay ao “anticristo”. Estado de Minas. Acesso em 14 mai 2020. Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2020/05/04/interna_internacional,1144123/bento-xvi-compara-casamento-gay-ao-anticristo.shtml

Guiame – Mais conservador que o atual papa, Bento XVI compara casamento gay ao “anticristo”. Acesso em 15 mai 2020. Disponível em: https://guiame.com.br/gospel/noticias/mais-conservador-que-o-atual-papa-bento-xvi-compara-casamento-gay-ao-anticristo.html

UOL – Bento XVI compara casamento gay ao “anticristo”. Acesso em 14 mai 2020. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/05/bento-16-compara-casamento-entre-pessoas-do-mesmo-sexo-ao-anticristo.shtml” https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/05/bento-16-compara-casamento-entre-pessoas-do-mesmo-sexo-ao-anticristo.shtml

IHU – Papa Francisco sobre as pessoas LGBT: “Se estivéssemos convencidos de que eles são filhos de Deus, as coisas mudariam muito”. Acesso em 14 mai 2020. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/589705-papa-francisco-sobre-as-pessoas-lgbt-se-estivessemos-convencidos-de-que-eles-sao-filhos-de-deus-as-coisas-mudariam-muito

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