Extremistas da direita e religiosos alinhados enganam sobre culpa do governo federal nas sanções dos EUA contra o Brasil 

Uma tarifa de 50% será aplicada sobre as exportações brasileiras para os EUA, a partir de 1º de agosto, de acordo com anúncio do presidente daquele país Donald Trump. Ele afirmou que a medida não se baseia exclusivamente em fatores econômicos, mas é uma resposta direta ao julgamento de Jair Bolsonaro (PL), réu em ação penal que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado em 2022. Ao abordar as “questões econômicas”, o presidente estadunidense não apresentou dados que justificassem a nova alíquota, uma vez que não há déficit na balança comercial entre os dois países ou comprovadas ilegalidades.

O líder estadunidense divulgou a decisão em sua rede digital, Truth Social, por meio de uma carta endereçada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). No documento, comunicou a imposição da tarifa e afirmou que a medida foi adotada em resposta a “ataques insidiosos” contra as eleições livres no Brasil. O documento, enviado poucos dias após a realização da cúpula do Brics, no Rio de Janeiro, traz ainda críticas ao julgamento de Jair Bolsonaro e defende a suspensão da ação penal que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). 

Conheci e tive contato com o ex-presidente Jair Bolsonaro, e o respeitei profundamente, assim como a maioria dos outros líderes mundiais. A maneira como o Brasil tem tratado o ex-presidente Bolsonaro, um líder altamente respeitado em todo o mundo durante seu mandato — inclusive pelos Estados Unidos —, é uma desgraça internacional. Este julgamento não deveria estar acontecendo. Trata-se de uma caça às bruxas que deve acabar IMEDIATAMENTE!“, escreveu Trump.

O filho do ex-presidente Bolsonaro, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL – SP), cuja licença terminou no último 20 de julho, segue nos EUA e tem atuado de forma ostensiva junto ao governo estadunidense, na tentativa de livrar o pai do processo judicial que está enfrentando. 

Diante da repercussão das tarifas entre os brasileiros, a oposição tem se empenhado em culpabilizar o presidente Lula e o governo federal pelo chamado “Tarifaço”. A notícia reverbera nas redes digitais de líderes e políticos religiosos, por isso, Bereia analisa e checa as informações atreladas ao caso divulgadas na rede.

O Contexto

A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu em 14 de julho ao STF a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro e  a expectativa é de que o julgamento seja realizado em setembro de 2025. Apesar de a defesa da liberação de Bolsonaro do processo ser apresentada na carta de Trump, analistas alertam para um contexto mais denso no qual o caso se insere.

Enquanto lideranças do BRICS (bloco econômico e político formado por economias emergentes – Brasil, Rússia. Índia, China e África do Sul) participavam de sua 17ª Cúpula anual, realizada no Rio de Janeiro entre 6 e 7 de julho, o presidente dos Estados Unidos fez sua primeira ameaça indireta ao Brasil. Em publicação na rede social Truth Social, declarou que pretendia aplicar tarifas de 10% a países que, segundo ele, adotem “políticas antiamericanas”, entretanto, não detalhou o que seriam essas práticas consideradas antiamericanas. 

De acordo com o professor e economista da Universidade George Washington, em Washington, capital estadunidense, Maurício Moura, o que deu o impulso para o presidente Trump impor o “tarifaço” foi basicamente o protagonismo do Brasil na articulação dos Brics. “O Trump ficou bem atento à reunião, por um motivo bastante óbvio, é que ele fica bem atento ao noticiário, basicamente ele tem o ímpeto de tentar comandar o noticiário local e todas as emissoras americanas deram relevância ao encontro”, explicou. O economista apontou também, em entrevista ao jornal gaúcho Zero Hora, outra preocupação de Donald Trump: a manutenção da relevância do dólar no cenário mundial, que têm sido posta em xeque, além do temor de uma possível moeda concorrente do bloco. 

A jornalista Míriam Leitão refuta um dos argumentos usados pelo governo dos EUA no campo comercial,  de que há um déficit com o Brasil. “Isso não se aplica à realidade. Segundo dados de diversas representações, a balança comercial entre Brasil e Estados Unidos é favorável ao governo americano”, aponta a analista com base nos próprios relatórios do governo brasileiro 

Resposta do governo brasileiro

O Itamaraty e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços encaminharam uma carta ao governo dos Estados Unidos manifestando “indignação” diante da decisão de impor tarifas de 50% sobre produtos brasileiros exportados ao país. 

“O governo brasileiro manifesta sua indignação com o anúncio, feito em 9 de julho, da imposição de tarifas de importação de 50% sobre todos os produtos exportados pelo Brasil para os Estados Unidos, a partir de 1° de agosto”, ressalta a carta.

No documento, o governo brasileiro argumenta ainda que a imposição das tarifas terá um “impacto muito negativo em setores importantes de ambas as economias”, colocando em risco a histórica parceria econômica entre os dois países. “Nos dois séculos de relacionamento bilateral entre o Brasil e os Estados Unidos, o comércio provou ser um dos alicerces mais importantes da cooperação e da prosperidade entre as duas maiores economias das Américas”. 

O texto também contesta a alegação de que o Brasil prejudica os EUA nas transações comerciais, uma vez que aquele país apresenta superávit.

O governo brasileiro tem atuado para minimizar os efeitos negativos da ação dos EUA. Uma das medidas é a criação de um fundo privado temporário para dar crédito a empresas ou setores afetados pelo tarifaço. O fundo deve ser criado por Medida Provisória (MP) e capitalizado pelo Tesouro Nacional por meio de crédito extraordinário, instrumento que permite abrir espaço no Orçamento sem esbarrar no limite de despesas do arcabouço fiscal.

O vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Geraldo Alckmin estuda organizar uma comitiva interministerial para negociar em Washington a retirada das tarifas dos EUA sobre produtos brasileiros. A proposta é apresentar medidas de interesse comercial para os norte-americanos, como o fim de barreiras a produtos dos EUA, com o objetivo de afastar o viés político da discussão. As informações foram dadas por empresários que participaram das conversas com Alckmin.

O ministro da Casa Civil Rui Costa defendeu o fortalecimento das relações comerciais do Brasil com outros países em resposta às retaliações dos Estados Unidos. Ele destacou o interesse do Canadá e do México em estreitar laços com o Mercosul e reafirmou a meta de assinar, até dezembro, o acordo de livre comércio entre União Europeia e Mercosul. Segundo auxiliares do Planalto, a ampliação dessa base comercial já estava nos planos do governo diante das sanções impostas por Donald Trump.

Além do “tarifaço”, o governo dos EUA anunciou, em uma segunda carta, de 17 de julho passado,  que irá investigar se políticas e práticas adotadas pelo Brasil têm restringido ou prejudicado o comércio estadunidense. O documento que formaliza a investigação menciona temas que representam prejuízos à relações econômicas com empresas daquele país como comércio ilegal na  Rua 25 de Março, em São Paulo, e o sistema de pagamentos eletrônicos Pix, livre de taxas.

Campanha nas redes

O governo lançou uma campanha nas redes digitais com o slogan “Brasil Soberano”. Em um vídeo da campanha há uma narração que diz “O Brasil é um país soberano. E um país soberano é um país independente, que respeita suas leis. Um país soberano protege seu povo e sua democracia. Um país soberano não baixa sua cabeça para outros países”.

Em contrapartida, figuras político-religiosas têm usado as mídias sociais para propagar informações e campanhas que culpabilizam Lula e o Partido dos Trabalhadores(PT) das tarifas de Trump.

Propagadores e repercussão

O presidente da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia, que acumula quase 4,3 milhões de seguidores no Instagram, postou, até o fechamento desta matéria, 19 vídeos sobre o assunto. Ele ainda defende a rendição do país à pressão dos EUA, ao afirmar que se houver anistia ampla, as taxas não existirão. “A questão não é econômica. A questão é de justiça, liberdade e anistia”, diz o pastor em trecho de vídeo no qual credita a culpa pela taxação ao presidente Lula e ao ministro do STF Alexandre de Moraes. 

A hashtag “Defenda o Brasil do PT”, utilizada por apoiadores de Jair Bolsonaro em resposta à campanha oficial do governo, chegou ao topo dos assuntos mais comentados do X (antigo Twitter) em 11 de julho, ultrapassando 255 mil publicações. O deputado federal evangélico Nikolas Ferreira (PL-MG) participou do movimento nas mídias sociais. 

Já o deputado federal e pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Sóstenes Cavalcante(PL-RJ), líder do Partido Liberal (PL) na Câmara, usou sua conta no X para rebater a campanha do governo federal. Ele usou uma arte: “Defenda o Brasil de Moraes”, em referência ao ministro do STF Alexandre de Moraes e o slogan que circulou na rede e foi divulgado por diversas figuras políticas (“Defenda o Brasil do PT”).

É fundamental destacar que, embora figuras públicas que endossam a narrativa do ex-presidente Jair Bolsonaro responsabilizem o presidente Lula e o ministro Alexandre de Moraes pela crise, é imprescindível compreender o amplo contexto geopolítico que motiva as tarifas impostas por Donald Trump. 

Desde seu retorno à Casa Branca, Trump adotou uma nova política externa — marcada por um afastamento do multilateralismo (diálogo e cooperação entre países) e uma orientação estritamente nacionalista (exclusivista e isolacionismo do próprio país).

Nesse cenário, o presidente estadunidense engajou-se em uma guerra comercial que afeta diversos países, tendo o Brasil sido o mais impactado, até o momento, pelas medidas tarifárias que alcançam 50%. Analistas de Relações Internacionais apontam que tais políticas podem estar delineando uma Nova Ordem Mundial, conforme refletido em relatórios da BBC News.

Nesse contexto, a pesquisa AtlasIntel/Bloomberg divulgada entre 11 e 13 de julho de 2025 revela que 61,1% dos brasileiros consideram que Lula representa o país no exterior de forma mais eficaz do que Jair Bolsonaro, enquanto 38,8% discordam. A aprovação ao governo petista cresceu no período, passando de 47,3% em junho para 49,7% em julho, ao passo que a desaprovação diminuiu de 51,8% para 50,3% 

A pesquisa, entretanto, destaca um contraste religioso marcante: os evangélicos continuam sendo o grupo mais crítico ao governo Lula, com 66,9% de desaprovação, enquanto a taxa entre católicos é de 48,2%. Entre os evangélicos, cresceu também a percepção de que a tarifa de Trump é justificada (53,1%). Este índice contrasta com a maioria nacional, 62,2%, que vê a medida como injusta e motivada politicamente. Apesar de concordar com as tarifas, a maioria dos evangélicos entende que a ação de Trump é uma ameaça à soberania brasileira (53,2%).

A resistência dos evangélicos nesse cenário pode sugerir uma adesão a lideranças conservadoras que influenciam percepções religiosas e políticas. Esse posicionamento contrasta com a maioria dos brasileiros, que enxergam a reação oficial de Lula às tarifas como proporcional e responsável, especialmente no plano da política externa .

***

Embora críticos do governo atribuam ao PT e a Lula a origem da crise, análises indicam que a escalada tarifária de Trump é fruto de uma estratégia externa com motivações políticas. O impacto desse conflito transcende a política doméstica, reforçando o debate sobre soberania, alinhamentos globais e a representação do Brasil no panorama internacional. A aparente polarização religiosa evidencia tensões internas que se intensificaram com a imposição das tarifas, apontando para um eleitorado fragmentado diante das pressões externas.

Bereia classifica a tentativa de culpar o governo federal e o presidente Lula pelo chamado tarifaço de Trump como conteúdo desinformativo enganoso. Extremistas da direita no Brasil, que defendem que Jair Bolsonaro não seja julgado pelos crimes pelos quais é acusado pela Justiça brasileira (tentativa de golpe nas eleições de 2022, entre outros), usam o caso para impedir o processo e fazer oposição política ao governo federal. Farto número de informações e análises expõe que o ataque partiu do governo dos EUA, a despeito das históricas boas relações comerciais com o Brasil, também lucrativas para aquele país. Há vasta informação disponível sobre possíveis reais motivações do governo dos EUA que passam pelas políticas nacionalistas extremistas do presidente Trump e a busca de reversão do enfraquecimento da posição país no quadro geopolítico mundial. 

Bereia chama a atenção de leitores e leitoras para não assimilarem ou compartilharem informações que chegam em suas redes sem verificar a procedência e a veracidade.  Caso contrário, passam a ser usados como instrumentos de campanhas políticas que usam de falsidades e enganosos.

Referências 

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https://gauchazh.clicrbs.com.br/mundo/noticia/2025/07/ele-praticamente-nao-tem-freios-na-casa-branca-diz-economista-sobre-trump-cmcxdzoz6012701687il93tlu.html Acesso 22 jul 2025

Revista Piauí

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Folha

https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2025/07/conheca-medidas-que-o-brasil-estuda-para-fazer-frente-ao-tarifaco-de-trump.shtml Acesso 22 jul 2025

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https://www.cartacapital.com.br/economia/a-estrategia-diplomatica-do-brasil-para-o-tarifaco-de-trump-segundo-haddad/ Acesso 22 jul 2025 

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https://www.intercept.com.br/2025/07/15/tarifaco-trump-eua-atacam-ameaca-poder-imperialista/ Acesso 22 jul 2025

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