A profissão de jornalista mudou muito desde que comecei como estagiário no extinto “Jornal do Brasil”, no ano da graça de 1981. Antes de começar a produzir uma matéria especial, eu recorria à biblioteca do jornal e ao famoso Departamento de Pesquisa, de onde Fernando Gabeira caiu na luta armada no maravilhoso ano de 1968. Ali fazia diligentemente a pesquisa em pastas com recortes e fotografias arquivadas. Não existia esse negócio de site de busca e muito menos internet.
Para escrever a matéria, nós usávamos uma Olivetti Lexicon 80, que bem depois virou obra de arte no Moma, de Nova York. Com três cópias – uma para o copydesk (o corpo de redatores), uma para a Rádio JB e outra para a Agência Jornal do Brasil, que funcionavam no mesmo prédio da Avenida Brasil 500, em São Cristóvão (o prédio virou um hospital público). A falta do computador, que permite a maravilha da edição do texto, obrigava o redator da matéria a fazer uma colagem com novos parágrafos e sobretudo mudanças no lead. Era a chamada gilete press.
Para dar retorno ao chefe de reportagem, diretamente da rua, você era obrigado a usar orelhões com uma ficha (nem moeda o equipamento aceitava) e mais tarde cartões. É verdade que alguns carros de reportagem tinham um rádio Motorola – tipo radiopatrulha, cujo sinal falhava muito. Com o smartphone, o repórter passou a poder apurar por voz, vídeo ou dados, pesquisar, escrever, fotografar e filmar o tema relativo à reportagem e publicar tudo numa plataforma digital sem depender de nenhum “gate keeper” — o chamado Jornalismo Móvel. Hoje, o repórter de rua precisa não apenas saber escrever, mas fotografar e filmar, usar as mídias sociais e estar atento para a checagem dos fatos, afim de evitar as “fakes”.
Essas são algumas das principais mudanças que afetaram o modo de fazer jornalismo. O que nunca mudou e certamente nunca mudará é a paixão que move todo jornalista em busca dos elementos que reconstituam fatos e histórias, o mais próximo possível da verdade e não da “pós-verdade”. É o prazer de trazer à tona informações de interesse público que eram mantidas longe do acesso desse mesmo público com o objetivo de preservar outros interesses, alguns nefastos. O que jamais acabará é o senso de responsabilidade social de cada repórter, seu desejo de contar histórias que também contribuam decididamente para a memória das pessoas, de uma nação, de toda a humanidade. É por isso que, mesmo distante da linha de montagem de um jornal, eu sempre vou amar o jornalismo e seu mundo.
Mas o bom jornalismo nunca esteve tão ameaçado no Brasil, assim como a democracia, já que a imprensa é um dos maiores pilares desse regime político cujo ar é mantido por aparelhos como a liberdade de expressão e a diversidade de opiniões. Nem mesmo durante a ditadura militar, que matou jornalistas e impôs a censura prévia aos veículos de comunicação de 1968 a 1979 – com a implantação do golpe dentro do golpe, que foi o AI-5 – os repórteres de rua foram tão ofendidos e alvos de todo tipo de violência, até mesmo por cidadãos que compraram a versão de Bolsonaro, de que a imprensa é comunista ou mesmo esquerdista.
O presidente aloprado reza na mesma cartilha do amigo americano, que logo no início de sua gestão tentou desqualificar a imprensa tradicional por meio da afirmação de seus próprios canais de comunicação com seus eleitores, como o Twitter. Felizmente essas mídias sociais, para preservar a própria credibilidade, já começaram a enquadrar esses líderes fascistas, autoritários e antidemocráticos.
Enquanto enfrenta três tipos de crise – a do modelo de negócios, a da economia e a da pandemia – o jornal impresso resiste como pode até mesmo a propagandas de bancos, que oferecem linhas de créditos para se renovar o negócio das bancas de jornais, obviamente sem jornais. Para completar o nefasto panorama, os terraplanistas investem em “fake news”, que só agora levaram um freio com o inquérito aberto pelo Supremo Tribunal Federal.
Por outro lado, há uma luz sobre a calandra (*). Os novos veículos nativos digitais, que já organizam até um encontro anual, o Festival 3i, são uma promessa de renovação do jornalismo, em que pese a dificuldade de “paywall” num ambiente como a internet, em que a maioria quer acesso gratuito a todas fontes de informação. Impossível.
A sociedade precisa compreender que a produção de informação tem um custo, que será sempre maior quanto menor suporte tiver do leitor. Portanto, meu sincero apelo é que você, leitor, ache um jornal para chamar de seu. Antes que a democracia se torne mais caótica e os golpistas de plantão abracem uma para chamar de sua.
* Calandra é uma prensa para produção de matrizes de estereotipia, uma máquina enorme que era usada também para passar trote nos “focas” (iniciantes). “Vá buscar a calandra”, dizia o chefe de reportagem ao estagiário.