Justiça condena pastor e Comunidade Terapêutica por trabalho escravo e violações a dependentes químicos

Caso em Juiz de Fora se soma a um histórico de violações e desinformações sobre CTs já apurados por Bereia

A 4ª Vara do Trabalho de Juiz de Fora (MG) condenou a Comunidade Terapêutica Tenda do Encontro e seu dirigente, o pastor Vander Ribeiro Campos, ao pagamento de encargos trabalhistas e indenizações por danos morais a seis homens com dependência química que foram resgatados do local em condições análogas à escravidão. A decisão do juiz Luiz Olympio Brandão Vidal, publicada em maio de 2025, também determinou o pagamento de R$ 50 mil por danos morais coletivos ao Fundo de Direitos Difusos. O caso foi revelado pela Repórter Brasil.

Mesmo considerado incapaz para o trabalho por transtornos mentais causados pelo uso abusivo de drogas, um dos internos chegou a cumprir jornada diária de 12 horas como pedreiro e monitor de outros acolhidos, sem qualquer contrato formal, salário ou proteção. A fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego encontrou a entidade em situação precária: trabalho forçado sem equipamentos de proteção, alimentação vencida, ausência de prontuários médicos e ambiente insalubre, com água retirada de cisterna contaminada.

A Tenda do Encontro chegou a ser credenciada em junho de 2024 pelo Ministério do Desenvolvimento Social para receber recursos públicos, mas foi descredenciada dias depois, após questionamento do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT). Ainda assim, o caso evidencia um padrão recorrente de violação de direitos associado à atuação de lideranças religiosas à frente de comunidades terapêuticas no país.

Foto: Reprodução/MTE

Padrão de violência e negligência se repete

O caso do pastor Vander Campos não é isolado. Em 2023, Bereia já havia revelado o envolvimento do casal de pastores da Igreja Batista Nova Vida de Anápolis (GO) Ângelo Mário Klaus Júnior e Suelen Klaus na administração de duas CTs onde foram resgatadas quase cem pessoas mantidas sob tortura, sedação, desnutrição e cárcere privado, incluindo um adolescente de 14 anos, idosos e pessoas com deficiência.

À época, a pastora Suelen Klaus era funcionária comissionada da Prefeitura de Anápolis e chegou a ser presa. As vítimas, acolhidas pelos serviços públicos de saúde mental, relataram violência sistemática. Um dos sobreviventes classificou a clínica como “o pior lugar da minha vida”.

Narrativas distorcidas e uso político da fé

Além dos abusos físicos, as comunidades terapêuticas são tema frequente de campanhas de desinformação, especialmente em ambientes digitais ligados a grupos religiosos. Em abril de 2024, Bereia checou uma publicação enganosa do portal gospel Pleno.News na qual propagava que o governo Lula havia cortado recursos das CTs. 

Na realidade, o que ocorreu foi a publicação da Resolução 151/2024 do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), que deixou de reconhecer automaticamente as CTs como entidades da assistência social vinculadas ao Sistema Único de Assistência Social (SUAS). A medida visava coibir irregularidades e garantir que apenas instituições que cumpram critérios técnicos possam receber repasses da assistência social. No entanto, os financiamentos continuam sendo feitos por outros canais, como o Departamento de Apoio às Comunidades Terapêuticas (DEPAD/MDS).

Uma política pública capturada?

As CTs passaram a receber grandes volumes de recursos públicos a partir de 2011, durante o governo Dilma Rousseff, com o programa “Crack, é possível vencer”, uma iniciativa conjunta dos ministérios da Justiça, da Saúde e do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, além da Casa Civil e da Secretaria de Direitos Humanos. Porém,foi durante o governo Jair Bolsonaro que ganharam um novo status. O Decreto nº 9.761/2019 retirou o foco da redução de danos e na reinserção social e passou a priorizar a abstinência via isolamento, muitas vezes em entidades com orientação religiosa.

Segundo estudo do Cebrap e da ONG Conectas, o repasse federal às CTs saltou de R$ 39 milhões em 2018 para mais de R$ 100 milhões em 2019. Ao mesmo tempo, o número de denúncias também cresceu. Relatórios do Ministério Público Federal (2018) e do MNPCT/UnB (2024) identificaram violações de direitos humanos em todas as CTs fiscalizadas, como tortura, trabalho forçado e proselitismo religioso compulsório.

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Imagem de capa: Tenda do Encontro/Facebook

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