Relações com políticos evangélicos alinhados à direita são parte das apurações
Evangélico convertido, autodeclarado próspero, o ex-presidente da Amar Brasil Clube de Benefícios (ABCB), o empresário Felipe Macedo Gomes, de 35 anos, tornou-se alvo de investigação na “Operação Sem Desconto”, que apura descontos indevidos em aposentadorias e benefícios do INSS. Deflagrada pela Polícia Federal (PF), em abril de 2025, a operação revelou um esquema bilionário de descontos fraudulentos em aposentadorias e pensões. O foco das investigações está em associações de benefícios que teriam criado mecanismos para retirar valores indevidos diretamente dos contracheques de beneficiários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Felipe Gomes é apontado como responsável por movimentar mais de 1,1 bilhão de reais de recursos provenientes dos descontos de pensionistas entre 2022 e 2024.

As investigações mostram que Felipe Gomes e outros sócios criaram uma rede de entidades de fachada para se apropriar de valores cobrados irregularmente. Documentos obtidos pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e pela PF apontam que o dinheiro abasteceu empresas particulares, bancou imóveis de luxo em Alphaville, carros importados, viagens internacionais e chegou a irrigar campanhas políticas.
Conversão religiosa e discurso de prosperidade
Um dos elementos que chamou a atenção, é o vínculo público de Felipe Gomes com o meio evangélico. Em junho de 2024, durante um culto na igreja evangélica Sete Church, em São Paulo, ele proferiu palavras no altar (“deu um testemunho”) no qual afirmou ter se convertido à fé evangélica em setembro de 2022. Na ocasião, disse que sua prosperidade nos negócios começou após aceitar pagar o dízimo, a convite da cunhada, e atribuiu ao “agir de Deus” o crescimento da empresa naquele período. “[A cunhada] falou assim: ‘Eu faço um desafio com você (sic). Você tem vários negócios, pega o seu menor negócio, aquilo que te rende menos, e você começa a dizimar’. Eu falei: ‘Ah, tá bom’. Aí eu fiz. Isso foi em setembro de 2022, dois meses depois naquele contrato, eu tive aumento de 25% da minha receita. Eu vi a mão de Deus, e aí eu comecei a entender o que é o dízimo”, contou Gomes durante culto.

O vídeo está disponível no canal da Sete Church no YouTube e mostra Felipe Macedo associando diretamente o sucesso financeiro ao compromisso religioso. A coincidência temporal chama atenção. Em 2022, ano em que afirma ter começado a ofertar o dízimo à igreja, a empresa Amar Brasil firmou acordos com o INSS que hoje estão sob suspeita de irregularidades.

A Sete Church se apresenta como uma comunidade “profética”, de liderança apostolar, fundamentada em sete pilares — fé, cura, amor, restauração, família, aliança e discipulado. A instituição não aparece como alvo da PF nem consta formalmente nas investigações. Há apenas o registro do vínculo pessoal de Felipe Macedo com a denominação evangélica e o relato público do empresário sobre sua experiência de fé, como forma de legitimar sua trajetória profissional.
Além das doações à Sete Church, Gomes patrocinou, com sua construtora, o evento de réveillon promovido pela Igreja Batista da Lagoinha, que lotou o estádio do Allianz Parque, do Palmeiras, em 2024. Este evento foi muito divulgado e comentado dentro e fora dos espaços religiosos e teve cobrança de ingressos para o público.
Rede de empresários e cifras bilionárias
De acordo com as investigações, Felipe Macedo não agiu sozinho. Ele aparece ao lado de outros empresários jovens, Igor Dias Delecrode, Anderson Cordeiro e Américo Monte, no comando de entidades como Master Prev, a Associação Nacional de Defesa dos Direitos dos Aposentados e Pensionistas (ANDAPP) e a Associação de Amparo Social ao Aposentado e Pensionistas (AASAP). Juntas, essas associações, além da Amar Brasil, movimentaram cerca de R$ 700 milhões com descontos de mensalidades de aposentados, segundo a PF.

As investigações mostram que o grupo utilizava sistemas próprios de biometria para falsificar assinaturas de beneficiários, além de repassar dinheiro a parentes de dirigentes do INSS. Parte dos recursos também financiou empresas privadas ligadas aos investigados, em setores como fintechs, construtoras e crédito consignado, sempre com base em Alphaville (Grande São Paulo), onde os empresários residiam em imóveis de alto padrão.
Laços políticos
Outro ponto de atenção é a relação do empresário Felipe Macedo Gomes com figuras da política. Em 2022, ele doou R$ 60 mil para a campanha do ex-deputado federal e ex-ministro da Previdência e Trabalho do governo Bolsonaro, o também evangélico (luterano) Onyx Lorenzoni (PL-RS), que hoje é alvo de pedidos de convocação na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito do INSS.
Felipe Gomes também possui vínculos empresariais que se conectam ao deputado federal evangéllico de igreja indeterminada Fausto Pinato (PP-SP). Uma empresa ligada ao empresário funcionava no mesmo endereço do escritório político do parlamentar, mantido com verba da Câmara Federal. A menção consta em relatório da PF, mas Pinato nega qualquer envolvimento.
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O caso de Felipe Macedo Gomes revela como diferentes dimensões da vida pública — fé, negócios e política — podem se cruzar em escândalos de grande repercussão. Ao mesmo tempo em que se apresenta como exemplo de prosperidade resultante da conversão religiosa e de doações de dízimo, ele presidia uma associação hoje investigada por desviar milhões de reais de aposentados.
A “Farra do INSS” continua sendo desdobrada pela Polícia Federal e pela CPMI em Brasília. Até o momento, as investigações apontam para um esquema robusto operado por empresários que usaram associações de fachada para lucrar com recursos de beneficiários do INSS. Entre eles, alguns se aproximaram do meio evangélico, mas não há provas de que instituições religiosas tenham se beneficiado diretamente do dinheiro desviado.
O que permanece claro é que o empresário Felipe Macedo Gomes e outros investigados construíram uma narrativa em que fé, negócios e política se entrelaçam, num esquema que, segundo a PF, custou bilhões aos cofres públicos e prejudicou milhares de aposentados.
Referências
https://congressoemfoco.com.br/noticia/109682/deputado-fausto-pinato-nega-relacao-com-investigado-por-fraude-no-inss – Acesso em 14/10/25
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/romulo-saraiva/2025/10/dizimo-da-corrupcao-no-inss.shtml – Acesso em 14/10/25
https://www.metropoles.com/sao-paulo/jovens-ricacos-farra-do-inss-alvo-da-pf – Acesso em 14/10/25
https://veja.abril.com.br/coluna/radar-economico/os-lacos-estreitos-de-investigado-em-fraude-do-inss-com-deputado-do-pp/ – Acesso em 14/10/25
https://www.metropoles.com/sao-paulo/investigado-inss-igreja-mao-deus – Acesso em 14/10/25
https://www.youtube.com/live/Ybn69dR_6rU?si=iT2D01FgDvKo1SUJ – Acesso em 14/10/25
https://sete.church/ – Acesso em 14/10/25
https://www.metropoles.com/sao-paulo/farra-do-inss-novos-ricos-entidades – Acesso em 14/10/25
https://istoe.com.br/ex-ministro-de-bolsonaro-ja-esta-na-mira-da-cpmi-do-inss – Acesso em 14/10/25



