Projeto de Lei aprovado pela Câmara Municipal de Salvador se baseia na falsa ideia de cristofobia no Brasil
A Câmara Municipal de Salvador aprovou, em 24 de setembro passado, o Projeto de Lei Municipal n. 28/2025, intitulado “Programa de Combate a Cristofobia”, que impõe direcionamentos contra o preconceito direcionado às religiões cristãs na capital baiana. O PL foi proposto pelo vereador evangélico, da Igreja Batista, Cezar Leite (PL). De acordo com Leite, o projeto é uma “demanda da comunidade cristã” e visa “responsabilizar e punir com multa quem ataca o povo cristão”.
A proposta da lei foi apresentada em fevereiro passado, como resposta ao caso que envolveu a cantora Claúdia Leitte, acusada de intolerância e racismo religioso durante o carnaval. A cantora trocou, em uma apresentação pública,a palavra referente à orixá das religiões de matriz africana “Yemanjá”, citada em uma música popular do carnaval baiano, por “Yeshua” nome hebraíco para Jesus, referência do Cristianismo.
O PL n°28/2025 acabou se tornando uma nova controvérsia, uma vez que a proposta de lei aprovada na câmara soteropolitana, proíbe a representação de símbolos, temas e personagens do Cristianismo no carnaval da cidade. O texto prevê a punição com taxas e multas de três salários mínimos para pessoas físicas, empresas, eventos ou blocos de carnavais que usarem fantasias que remetem à religião cristã nas ruas da cidade, principalmente durante o carnaval.
Além disso, o “Programa de Combate a Cristofobia” tem como diretrizes a criação de um canal de denúncia para cristãos que sofram alguma injúria por exercerem suas religiões, a realização de ações educativas que promovam respeito a fé cristã e a promoção de eventos inter-religiosos que fomentem o diálogo, a tolerância e o respeito entre as diversas crenças.
“Agora vai se pagar multa se colocar roupa de freira, se colocar roupa de Cristo para ficar sambando no carnaval, vai ter multa. E artistas também que fizerem isso, não vai ter mais contratação da prefeitura de Salvador. Aqui nós defendemos a fé cristã”, disse o vereador Cezar Leite, em vídeo publicado em seu perfil no Instagram, após a aprovação da lei, em 24 de setembro.
A falácia da “cristofobia” no Brasil
A ideia de cristofobia no Brasil passou a ser disseminada a partir de 2018, como pauta da campanha eleitoral que mobilizou intensamente o tema da religião e da “defesa dos valores cristãos”. O vencedor da disputa para a Presidência da República naquele ano, Jair Bolsonaro (à época, do PSL, depois do PL), depois de ocupar o cargo em 2019 passou a lançar mão do assunto como política de Estado. Em 2020, em discurso na abertura da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Bolsonaro defendeu que o Brasil seria um “país cristão e conservador” e que a “cristofobia precisava ser combatida”.
O Bereia já checou um amplo número de matérias sobre o tema da “cristofobia” desde 2019, quando foi criado e já explicou que se tornou um discurso político alinhado à direita cristã dos EUA, que busca consolidar poder por meio da narrativa de perseguição religiosa. Em texto publicado pelo Bereia, a pesquisadora da Unicamp Brenda Carranza explica que o termo é utilizado como estratégia retórica por políticos para reafirmar a supremacia da maioria cristã e justificar a perseguição contra as minorias sociais.
Além de precário do ponto de vista conceitual, a professora alerta que a expressão também é utilizada para propagar a ideia falsa que essas minorias, entre elas as comunidades LGBTQ+, nutrem ódio contra o cristianismo, com supostas ameaças à moral e costumes cristãos.
Em colaboração para o jornal Correio, sobre a aprovação do projeto de lei “que protege a religião cristã no carnaval”, a pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião (Iser) e editora-geral do Bereia Magali Cunha afirma a inexistência da prática defendida pelo político: “A aprovação dessa lei da Câmara de Salvador faz parte de um contexto do uso desse discurso para captação de apoio por quem entende que há um eleitorado sujeito a esse tipo de abordagem. Não faz sentido que um projeto como esse seja colocado para combater algo que não existe”.
Cunha reforça: “É uma acusação de que cristãos sofrem perseguição pelo Estado ou por determinados grupos. Isso pode até ocorrer em outros lugares do mundo, mas aqui no Brasil, isso não existe. Os cristãos são uma religião majoritária, e nunca houve perseguição sistemática a cristãos.”
Ao recorrer ao tema da “cristofobia”, o vereador Cezar Leite, do mesmo PL de Bolsonaro, mantém a mobilização política em torno da ideia de perseguição a cristãos e da existência de defensores desta religião nos espaços públicos. A lei aprovada torna-se um instrumento de disputa política pois já existem leis para proteger ataques aos símbolos religiosos no Brasil.
O Código Penal (artigos 208 e 2012) tipifica o crime de vilipêndio público de ato ou objeto de culto religioso. Para isso é necessário que a conduta recaia sobre ato religioso ou sobre objeto de culto religioso e que ocorra em público. No artigo 208 está explicitado: ““Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso”. A pena é de um mês a um ano de detenção ou multa”. Bereia já checou desinformação sobre isto que explora a inexistente prática de perseguição sistemática a cristãos.
Quem é Cezar Leite?
O autor do PL sobre “cristofobia” em Salvador, é nascido e criado naquela cidade. Ele é médico há cerca de 30 anos. Cezar Leite é casado e tem seis filhos, sendo, dois deles, portadores de alguma deficiência. Por isso, como vereador, ele tem como pauta de seus principais projetos a inclusão de crianças deficientes ou com algum tipo de transtorno, como a Lei Municipal de Prioridade para Autistas (n°9237).
Em seus perfis em redes sociais, Leite se auto intitula como “representante da direita conservadora na Bahia, alinhado com as pautas defendidas pelo presidente Jair Bolsonaro” e afirma que sua atuação no cenário político é “reconhecida pela firme defesa dos valores cristãos, da família, pátria e da liberdade, além do combate à corrupção”.
Nesses perfis, o vereador do Partido Liberal compartilha registros de participação em dezenas de eventos da direita extremista , como a manifestação no Farol da Barra, no Dia 7 de setembro, em prol da aprovação da anistia aos que planejaram e atuaram pelo golpe de Estado em 2022-2023 e da volta do ex-presidente Jair Bolsonaro ao poder.

Referências
https://coletivobereia.com.br/cristofobia-nao-existe-no-brasil-aponta-editora-geral-do-bereia/